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Desdobramento lacaniano de Jacques-Alain Miller: o

caminho até o social no lacanismo hegemônico da AMP


Em testamento, Lacan deixava a seu genro, Jacques-Alain Miller, a tarefa de editar a
sua obra, boa parte dos seminários que começaram a ser publicados em 1973, e dar
continuidade ao movimento que ele iniciara. O Seminário 11, de Lacan, sobre os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise, foi o primeiro que Miller participou e editou. Vale
lembrar como, para Miller, esse Seminário representava um corte em relação aos dez
seminários anteriores1. Não por acaso, talvez, Lacan funda no mesmo ano do Seminário 11,
1964, sua própria escola, a École Freudienne de Paris, uma vez que a IPA (Société
Psychanalytique de Paris) não autorizou que ele fosse um membro dada suas práticas clínicas
heterodoxas. A escola de Lacan é dissolvida em 1980, por ele próprio, e é criada, então, em
1981, a École de la cause freudienne, que passa a ser dirigida por Jacques-Alain Miller, Charles
Melman e Solange Faladé. Conflitos internos entre os três geram a saída de Melman e Faladé,
e a escola passa a ser dirigida somente pelo genro de Lacan.
Em 1992 Miller funda a AMP (Association mondiale de psychanalyse), que congrega
a École de la cause Cause Freudienne (França), a Nueva Escuela Lacaniana (México), a New
Lacanian School, a Escola Brasileira de Psicanálise, a Escuela de la Orientácion Lacaniana
(Argentina), a Escola Lacaniana de Psicoanálisis (Espanha) e a Scuola Lacaniana de
Psicoanalisi (Itália). Com isso, como afirma Nilton Ota, em seu texto ‘O social e suas
vicissitudes na psicanálise lacaniana’, pretendia-se a ‘criação de um amplo aparato de
interpretação e controle das condutas, um verdadeiro dispositivo que, a um só tempo,
concretiza-se pela abstração conceitual e formaliza-se pela prática institucional, uma gramática
da reversibilidade posicional dos sujeitos’2. Assim, segundo Ota, a AMP serve-se de um
‘formalismo normativo’ que atua mediante dois princípios: a conciliação temporal e a
reversibilidade posicional, ditados pela produção de Miller.
Foi Miller, por exemplo, quem realizou uma divisão entre ‘dois ensinos’ em Lacan;
uma divisão entre dois momentos epistemologicamente diferentes: o primeiro é o considerado
período estruturalista de Lacan, do primado do significante, cuja centralidade conceitual é
ocupada pelo conceito de ‘Nome-do-pai’ como um operador lógico da constituição do sujeito.
Já o segundo é marcado pela emergência da centralidade do conceito de objeto a, apresentado

1
Miller. Contexto e Conceitos. p. 17.
2
Ota. O social e suas vicissitudes na psicanálise lacaniana. p. 140 e 141
no Seminário 10 mas desenvolvido por Lacan, justamente, no Seminário 11, como elemento
chave da constituição subjetiva e, com isso, obter uma maior valorização da incidência clínica
sobre o ‘real’. Essa mudança, não custa observar, seguindo Ota, não deixa de responder, ao
menos no âmbito da AMP, às críticas que a psicanálise vinha sofrendo de teóricos como
Deleuze e Guattari. Mas, também, já preparava o terreno para a exigência de uma nova ordem
conceitual da AMP, que visava superar as limitações da clínica freudiana frente às novas
‘tecnologias do self’, a compreensão da psique humana através de uma biossociabilidade, ou
seja, o aparecimento de um ‘bioself’ e as mudanças ocorridas no social com a emergência de
novos sujeitos que, dentre outras coisas, teriam como afeto típico a ‘angústia’ e não mais o
‘sentimento de culpa’ tal como os sujeitos analisados por Freud.
Desse modo, pensarmos em transformações clínicas nos desdobramentos da clínica
lacaniana, realizados por Miller no comando da AMP, implica em vermos, nesse primeiro
momento, o percurso conceitual pelo qual passou as interpretações do genro de Lacan sobre
sua obra em relação com as mudanças paradigmáticas da sociedade contemporânea. Por
exemplo, a ‘clínica do real’, que marca a passagem do primeiro para o segundo ensino de
Lacan, conforme estabelecido por Miller, da primazia do simbólico para a primazia do real,
estaria mais habilitada para compreender e atuar no presente histórico que é marcado pelo
declínio simbólico do “Outro social”.
Na atualidade, denominada por Miller de ‘época dos impasses’, o supereu lacaniano,
diferentemente do freudiano, seria muito mais uma ‘injunção pulsional sob o imperativo do
gozo’ do que o agente de vigilância e autocontrole. Nessa nova configuração social, Ota irá
dizer, ‘os sintomas deixariam de ser delineados pelo simbólico e passariam a apresentar a forma
de um investimento libidinal direto sobre o corpo’3, o que explicaria, dentre outras coisas, os
fenômenos contemporâneos da subjetividade como a bulimia e a anorexia, que são formas de
sofrimento sem sintoma, sem condensação metafórica de uma injunção pulsional. Miller, então,
irá preconizar a necessidade de uma nova clínica psicanalítica orientada pelo real da
experiência do inconsciente, uma clínica que dê conta do declínio dos ideias que antes serviam
de apoio às forças do supereu. A transformação social é refletida na clínica que, por sua vez,
também atravessará um processo de transformação.
O imperativo do gozo incitado pela sociedade contemporânea impõe novos sintomas às
subjetividades que sofreram uma forte inflexão em dois níveis: no histórico e no psíquico. No
primeiro temos o declínio da autoridade paterna que não confere mais articulação entre lei e

3
Idem. p. 144
desejo, e no segundo o dinamismo pulsional não é mais regulado por um operador como o
Nome-do-pai. Sendo assim, “o objeto a exercendo a função produtiva de extração de ‘mais
gozo’, responde, desse modo, ao dinamismo necessário às exigências da ‘sociedade de
consumo’.
No início dos anos oitenta, Miller propõe no ciclo de conferências realizadas em Buenos
Aires uma redução da clínica a duas dimensões: a fantasia e o sintoma. Nesse momento, dirá
Ota, “constituía um objetivo inegável do trabalho milleriano a redução da heterogeneidade
fenomênica da clínica pela referência ao real da experiência do inconsciente ao ‘impossível’
inscrito na fantasia.”4 Dessa forma, na interpretação de Miller, Lacan teria conseguido
solucionar por meio desse recurso o problema sobre o ‘fim da análise’: se é pelo sintoma que
o paciente adentra o tratamento, seria pela fantasia que ele o concluiria. Ao propor a
contraposição entre significante e objeto, a partir da leitura do ‘segundo ensino’, Miller
possibilita a perspectiva de que ‘nem tudo é significante no inconsciente’, dando espaço para
o objeto a enquanto ‘resto impossível de ser simbolizado’. O analista, portanto, deveria fazer-
se de objeto a para ser acolhido no psiquismo do paciente como ‘causa do desejo’, pois “se o
sujeito é, de um lado, efeito da cadeia significante, não se deve esquecer que, de outro, se
apresenta na experiência analítica com uma inércia, uma resistência proveniente da sua estreita
vinculação, através da fantasia, com o objeto”5. Por isso o fim de análise deveria ter em vista a
‘travessia da fantasia’, isto é, a modificação das coordenadas da fixação pulsional.
Passado pouco mais de uma década das conferências sobre as ‘duas dimensões da
clínica’, segundo Oto, Miller irá praticar um jogo de conciliações no interior da ‘clínica do
real’. A partir do anos noventa ele passa a se direcionar para o social e para uma defesa da
psicanálise aplicada fora do consultório, em outras palavras, para o desenvolvimento de uma
‘psicanálise aplicada à terapêutica’. Numa época em que o Outro já não mais existe e o laço
social deslizou em direção ao objeto, a incitação do gozo incorre em novos sintomas clínicos,
“pois a plenitude pulsional veio substituir todos os outros ideias anteriormente calcados nas
noções de falta e lei”6. De tal modo que a perversão, na visão de Ota, passa a ser alçada à
condição de ‘norma social’ e a ‘depressão de mal paradigmático da civilização’.
O lacanismo hegemônico da AMP, a partir dos anos dois mil principalmente e de uma
vez por todas, passa a investir seus capitais na temática da psicanálise aplicada. Ao realizar a
junção da inexistência do Outro com o real, o lacanismo hegemônico, liderado pela figura de

4
Idem. p. 148.
5
Idem. p. 149.
6
Idem. p. 150.
Miller, consegue articular linguagem, pulsão e sociedade. A clínica deve, então, adequar-se à
duplicidade do sintoma, ser permeável às mudanças sociais e dirigida pela constância inercial
do real, diz Ota. E nesse processo, enfim, o social torna-se o novo terreno a ser ocupado.
“O segredo - o nosso - é que não fazemos distinção entre a realidade psíquica e a
realidade social. A realidade psíquica é a realidade social.” Essa afirmação de Jacques-Alain
Miller expressa muito bem os rumos tomados pela AMP sob sua direção. A psicanálise aplicada
ao social torna-se a base da epistemologia e pragmática clínica do lacanismo hegemônico. A
partir de então, conceitos lacanianos remetidos à posição do analista, como por exemplo, ‘ato
analítico’ e ‘desejo do analista’, passam assumir certa centralidade pois “permitiram conceber
o psicanalista como objeto nômade e a psicanálise como uma instalação portátil.” 7 E a
psicanálise aplicada de Miller passa a desdobrar-se sobre si mesma para encontrar a
regularidade inexistente nas formações sócio-históricas: adquire corpo um “movimento de
projeções autorreferentes, uma caça interna à procura de ajustes possíveis e renomeações
necessárias de conceitos, noções e categorias, no plano teórico, e de objetos, relações e
processos, no âmbito prático”8, observa Ota.
Das mudanças ocorridas no nível teórico, ocorre, também, outras programáticas que
são concretizadas com a criação de novas instituições e programas que visam obter “efeitos
terapêuticos rápidos”. São elas: a Rede Internacional de Instituições Infantis (RI), Rede de
Instituições de Psicanálise Aplicada (Ripa), o Programa Internacional de Pesquisa em
Psicanálise Aplicada de Orientação Lacaniana (Pipol) e, sobretudo, os centro de atendimento
(Centro Psicanalítico de Consulta e Atendimento - CPCT), que se iniciaram em Paris mas hoje
já se encontram espalhados pelos países com escolas de psicanálise associadas à AMP.
Entretanto, essas novas práticas de ‘efeitos terapêuticos rápidos’ têm posto uma série
de dificuldades para as escolas associadas à AMP. Por se colocarem fora das fronteiras da
relação transferencial, inexistem elementos clínicos com capacidade de fundamentação de uma
teorização específica da eficácia analítica nas instituições de ‘psicanálise aplicada’. Não por
acaso os debates passaram a descartar de forma deliberada a problematização da relação entre
analista e paciente. Emerge, assim, a necessidade de ‘jogar um balde de água fria na
transferência’, aponta Ota. O ‘herdeiro oficial’ de Lacan propõe, então, a ideia de finais cíclicos
do tratamento ao invés de um ‘final final’, subtraindo a força trágica da problematização

7
Miller.
8
Ota. p. 154.
freudiana sobre o fim da análise, excluindo a esfera da ética vislumbrada por Lacan para o fim
do tratamento.
Com a bem-sucedida inclusão do social nas práticas clínicas da AMP, portanto, a
psicanálise aplicada não deixará de pagar o preço de ter se tornado suscetível de ser cooptada
pelos mecanismos de poder da atualidade. Realizando, com isso, uma conversão da teoria
lacaniana em discurso e práticas sociais. O que, na visão de Ota, permite que a AMP passe a
configurar um “espaço experimental para gestão e desenvolvimento de técnicas e mecanismos
de controle social nos exatos termos da atualidade do poder”9.

9
Ota. p. 141.

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