Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
4 - Dos males que vêm com o sangue: as representações raciais e a categoria do imigrante indesejável
nas concepções sobre imigração da década de 20
RAMOS, J. S. Dos males que vêm com o sangue: as representações raciais e a categoria do imigrante
indesejável nas concepções sobre imigração da década de 20. In: MAIO, M.C., and SANTOS, R.V.,
orgs. Raça, ciência e sociedade [online]. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; CCBB, 1996, pp. 59-82.
ISBN: 978-85-7541-517-7. Available from: doi: 10.7476/9788575415177. Also available in ePUB
from: http://books.scielo.org/id/djnty/epub/maio-9788575415177.epub.
All the contents of this work, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution
4.0 International license.
Todo o conteúdo deste trabalho, exceto quando houver ressalva, é publicado sob a licença Creative Commons
Atribição 4.0.
Todo el contenido de esta obra, excepto donde se indique lo contrario, está bajo licencia de la licencia Creative
Commons Reconocimento 4.0.
DOS MAI£S QUE VÊM COM O SANGUE: AS
REPRESENTAÇÕES RACIAIS E A CATEGORIA
DO IMIGRANTE INDESEJÁVEL NAS
CONCEPÇÕES SOBRE IMIGRAÇÃO DA
DÉCADA DE 20
INTRODUÇÃO
2 Vide Seyferth (1991), Skidmore (1976), Schwarcz (1993) e Azevedo (1987) para citar parte da literatu-
ra.
3 Desse modo, a autora chama a atenção para o fato de que, nos debates sobre imigração, aspectos objeti-
vos, tais como o estabelecimento de colônias de pequenos proprietários ou a substituição do es~ravo pelo
trabalhador livre, foram muitas vezes suplantados pela 6nfase dada ao papel branqueador atribuído ao
imigrante europeu e suas implicações na formação do povo brasileiro (Seyferth, 1991:174).
4 Provavelmente a expressão mais conhecida desta representação seja a primeira lei republicana sobre imi-
gração que proibia a entrada de "indígenas da Ásia ou da África" (Skidmore, 1976:155).
mo tempo em que se supunha prejudicial a entrada de determinados imigrantes no País
Ambas as suposições conformaram as ações do Estado brasileiro no sentido de, por um
lado, incentivar a imigração européia por meio de propaganda no exterior e de benefícios
legais relacionados à posse da terra; por outro, interditar ou restringir a imigração daque-
les povos considerados "raças " ,,
Inferiores 5
Tratava-se aí de ver na mistura dos imigrantes brancos com os mestiços brasileiros
a operação por meio da qual se daria a regeneração da raça, produzindo-se um povo ho-
mogêneo. A entrada de sangue branco e a conseqüente depuração do sangue negro pela
mestiçagem garantiriam, assim, a correçao dos componentes étnicos que fundaram o
Brasil, produzindo um "tipo" racial brasileiro mais eugênico, porque possuidor de
maior quantidade de sangue branco. Esse futuro tipo brasileiro teria como principal vir-
tude fornecer um patamar mais elevado sobre o qual o povo brasileiro construiria sua
unidade racial e cultural, e também6garantir uma evolução futura do país pela melhoria
dos tipos raciais que o compunham.
Este acento sobre a unidade física e cultural que se buscava obter por meio da
imigração européia nos permite dar um primeiro passo para entender o que significa
o termo "raça" nestas concepções que orientaram polmca imigratória.
"
Tem-se chamado a atenção para o fato de queao discurso sociológico e antropológi-
co no século XX foi c onstrmdo por sobre uma separação entre o biológico e o cultural na
explicação dos fenômenos sociais e por uma opção pelo segundo (Ortiz, 1985; Laplanti-
ne, 1991:63). Contudo, como mostra a literatura mais recente, esta separação não se re-
vela tão nítida no que se convencionou chamar "o pensamento social brasileiro" Assim,
Lesser sublinha o fato de que...
...raça, ao menos na primeira metade do século 20, não era meramente um questão
de cor de pele. Realmente minha análise questiona diversas suposições gerais sobre
raça no Brasil. Mais certamente, ela mostra que a questão actal inclui etnia, lín-
gua, nacionalidade e religião... (Lesser, 1995:308, ênfase adicionada)7
~ r " »
Este mesmo entrelaçamento entre características físicas e mentais das "raças" apa-
rece na análise que Maio faz da presença do neolamarckismo nas formulações de Gilber-
to Freyre acerca do judeu em Casa-Grande & Senzala (Maio, 1995:85). Neste texto, o
autor chama a atenção para o fato de que a idéia de adaptabilidade, um dos eixos básicos
da teoria lamarckista, permitiu a Freyre a formulação de um conceito bastante plástico de
"raça judaica". Tal conceito engloba não apenas características físicas mas também
mentais, ambas transmitidas pelo "sangue", e que se transformam no processo de adap-
tação à natureza e ao empreendimento colonial.
O que esta literatura nos permite assinalar é a presença, mesmo sem alcan-
çar o grau de sofisticação do discurso de Freyre, de inúmeras sínteses, as mais va-
riadas e ecléticas possíveis, entre o biológico e o cultural, que aparecem por
detrás do termo raça no discurso de intelectuais e políticos brasileiros na primeira
metade do século XX. Estas observações nos permitem propor como ponto de
partida deste artigo a hipótese de que raça foi predominantemente utilizada du-
rante o período da imigração de massa, menos no seu sentido estritamente bioló-
gico do que como termo que identificava populações que supostamente carregavam
uma unidade física e cultural.
Mas de que modo estas concepções de raça conformaram concretamente as toma-
das de posição, e mesmo algumas das iniciativas do Estado brasileiro, sobre a imigração
de massa, nos anos 20? Qual o conteúdo desta representação do imigrante indesejável? E
de que modo populações concretas foram alvo desta classificação?
Nosso objetivo neste artigo é responder, pelo menos em parte, a estas perguntas
através da análise de três desdobramentos da tentativa de imigração dos afro-ameri-
canos em 1921. O primeiro momento a ser analisado é o da reação da diplomacia
brasileira à iniciativa dos negros norte-americanos; o segundo é o da apresentação de
projetos de restrição racial à imigração das "raças inferiores", o que coloca em cena
também a questão do imigrante japonês; o terceiro é um dos frutos do debate sobre
estes projetos: o inquérito sobre imigração e raça da Sociedade Nacional de Agricul-
tura (SNA), de 1925.
O que tentaremos fazer em cada um destes momentos é identificar as repre-
sentações e práticas que corporificam a categoria do imigrante indesejável. Não se
tratará aqui, simplesmente, de assinalar quais as populações que são classificadas
como indesejáveis e sim identificar as representações que formam o eixo desta clas-
sificação. Isto porque, e esta é uma hipótese básica deste artigo, "desejáveis" e "in-
desejáveis" não são nomes que designam determinadas populações de uma vez por
todas, são sim categorias que são mobilizadas por agentes sociais para classificar as
populações imigradas.8 Estas categorias foram mobilizadas tanto por intelectuais e
políticos brasileiros quanto pelos próprios imigrantes nos processos de luta simbólica
que envolveram a imigração. Vale dizer que a classificação de uma população como
desejável ou indesejável não se tratava de algo dado de uma vez por todas, mas de-
pendia sim de uma negociação simbólica entre os agentes envolvidos na imigração.
Este processo de negociação simbólica será observado com mais detalhes na seção
em que discutimos o debate sobre a imigração japonesa.
8 O Aurélio Eletrônico (1994) define nome como "palavra(s) com que se designa pessoa, animal ou coi-
sa" e categoria como "classe, qualidade, ordem".
OS LIMITES DO PARAÍSO RACIAL
Para uma relação completa dos jornais e ativistas, vide o referido artigo de Meade & Pírio (1988) e Hell-
wig (1988).
Sua iniciativa enfrentou resistências muitos concretas no Brasil. Dos jornais vieram
acusações de um suposto plano do governo norte-americano de enviar para o Brasil toda
a sua população negra, fato que, em plena vigência da ideologia do branqueamento, im-
plicaria um prejuízo irreversível para a suposta regeneração racial que a introdução do
imigrante branco vinha operando..O governo de Mato Grosso, por sua vez, imediatamen-
te reagiu à informação de que os colonos norte-americanos eram negros com o cancela-
mento das concessões que haviam sido oferecidas ao BACS (Skidmore, 1976:212). Por
fim, o Itamarati tratou de prevenir-se contra qualquer entrada destes imigrantes no Bra-
sil, negando seus vistos diplomáticos (Lesser, 1994:84). O que se revela em cada uma
destas reações é a figura do imigrante racialmente indesejado como ma decorrencm ne-
M brasileiras.
cessária do ideal de branqueamento que orientava as políticas mlgratorlas ^ "
A forma como a restrição foi proposta era claramente baseada na política imigrató-
ria americana à qual, tendo entrado em vigor em 1921, havia estabelecido, a partir de
preocupaçõese ugemcas,
^ " um regime de cotas baseado na nacionalidade dos imigrantes
que já tinham entrado no País (Tucker, ! 994:95).
Em sua análise, Tucker mostra que o discurso eugênico nos Estados Unidos defi-
niu, a partir da segunda metade da década de 10, os imigrantes como um objeto privile-
giado de análise. E esta análise teve como uma de suas fontes fundamentais os estudos
de psicologia que, a partir da disseminação dos testes de inteligência, concluíam pela in-
ferioridade - quase em quadro de demência - dos imigrantes judeus, húngaros, italianos
e russos em comparação com os ingleses, escoceses, alemães e escandinavos. Estes estu-
dos produziram, assim, um quadro em que a "inteligência americana" era ameaçada pela
chegada de imigrantes mentalmente inferiores e cuja solução era uma política imigratória
restrita e seletiva segundo as nacionalidades, às quais eram concebidas como raças na-
quele sentido inicialmente referido de unidade física e mental de populações (Tucker,
1994:76-82).10
Estes eugenistas tiveram um papel importante na definição da lei americana de co-
tas, tendo participado, como especialistas científícos em questões de raça, da comissão
do congresso americano que produziu a versão definitiva da lei em 1924. Ao descrever o
depoimento de um destes eugenistas na comissão, Tucker afirma que:
(Laughin)
» sustentava a existência de uma "raça americana ', 'não um simples esto-
que mas uma raça de pessoas braneas do norte e oeste da Europa. A questão imi-
gratória estava assim claramente colocada. 'Nós podemos continuar a ser
americanos ', Laughin observou, "recrutando e desenvolvendo nossas qualidades ra-
ciais ', ou podemos continuar a ser suplantados por outros estoques raciais que são
nao-asslmdávels. (Tucker, 1994:95)
10 Cabe assinalar que Tucker mostra também a fragilidade metodológica destes testes e, sobretudo, o quan-
to havia de ideológico na generalização de seus resultados (Tucker, 1994:76-82).
Quando então, pensamos, Sr. Presidente (da Câmara), na possibilidade próxima
ou remota da imigração do preto americano para o Brasil é que chegamos a admitir
a eventualidade da perturbação da paz no continente [...] O nosso preto africano,
para aqui veio em condições muito diferentes, conosco pelejou os combates mais áspe-
ros da formação da nacionalidade, trabalhou, sofreu e com sua dedicação ajudou-nos a
criar o Brasil [...] O caso agora é absolutamente outro. E deve constituir para nós motivo
de sérias apreensões, como um perigo iminente a pesar sobre nossos destinos. (Câmara
dos Deputados, 1923:147)
Esta citação revela os principais pontos do discurso acerca dos riscos da imigração
dos afro-americanos. Está presente a imagem do negro norte-americano como portador
de uma atitude altiva e agressiva, que tanto impressionava os políticos e intelectuais bra-
sileiros. Em oposição a esta postura segregacionista, o negro africano é representado
como consciente de sua inferioridade e, por conseguinte, predisposto à mistura, entendi-
da como interação sexual e cultural com os "brancos superiores", onde se resguardaria
aos primeiros uma posição inferior, submetida.
Esta representação dos afio-americanos definiu, assim, dois riscos fundamentais no
que diz respeito ao seu desejo de imigrar. Em primeiro lugar, sua postura altiva dava
margem à possibilidade de não se "fundirem" aos "brancos superiores", insistindo por
manter uma identidade própria dentro da nação.
Nossa hipótese aqui é que o principal temor em relação aos afio-americanos era o
de que a negritude se destacasse da nacionalidade, ou seja, que a identidade negra esca-
passe ao fundo comum de uma nação concebida a partir do esquema classificatório do
branqueamento, o qual pressupunha o domínio branco e a subordinação negra. A partir
desta concepção, a vinda dos afio-americanos implicaria importação do "problema
racial americano" - do "ódio entre as raças" -, pondo em risco o tipo de relação entre
as raças no Brasil do qual se acreditava estar ausente a violência racial. Traduzia-se, as-
sim, o temor de que o black nacionalism que os afro-americanos portavam pudesse
ameaçar o controle que a República, pouco menos de três décadas depois da abolição,
buscava consolidar sobre as possibilidades de violência negra.
Em segundo lugar, essa imigração poderia resultar em um aumento da "mestiça-
gem inferior", gerando em prejuízo àquela direção que a teoria do branqueamento apon-
tava. Trata-se aqui de um temor semelhante àquele partilhado pelos eugenistas
norte-americanos, e que diz respeito ao aumento do contingente das "raças inferiores"
na população do País. As elites brasileiras tinham, contudo, a especificidade de, ante o
elogio da mestiçagem pressuposto pela teoria do branqueamento, temer também que a
mistura racial com estas "raças inferiores" levasse à geração de um mestiço "inferior"
porque inverso daquele mestiço branqueado que se desejava obter por meio da imigração
branca.
Esse temor, que foi intensamente mobilizado no debate da Câmara (Câmara dos
Deputados, 1923:348), encontrou sua melhor expressão na análise que Afrânio Peixoto
fez do projeto de Fidélis Reis, também produzida a partir de uma consulta do deputado,
da qual podemos extrair as seguintes palavras:
É neste momento que a América pretende desembaraçar-se do seu núcleo de 15
milhões de negros no Brasil. Quantos séculos serão precisos para depurar-se todo
esse mascaro humano? Teremos albumina bastante para refinar toda essa escória?
Não bastou a Libéria, descobriram o Brasil? (Câmara dos Deputados, 1923:384)
As perguntas do questionário eram: (1) Julga V. Exa. necessária e útil a imigração estrangeira para o
Brasil? Por que?; (2) No caso afirmativo, acha que essa imigração deva ser meramente espontânea, ou
deva ser intensificada ou subvencionada? No primeiro caso, que ordem de auxílios poderão prestar os
governos aos imigrantes?; (3) Pensa que essa imigração deva ser exclusivamente da raça branca? Parece-
lhe que ela se aclimata bem em rodas as regiões do País? Dá preferência a alguma nacionalidade?; (4)
Qual a opinião de V. Exa. acerca da imigração amarela?; (5) Se V. Exa. aceita, em princípio, a imigração
amarela, acha que ela deva ser acolhida incondicionalmente, ou opina por qualquer espécie de restrição
ou de distribuição pelas zonas do País?; (6) Qual a opinião de V. Exa. acerca da imigração negra?; (7) Se
V. Exa. aceita, em princípio, a imigração negra, acha que ela deva ser acolhida incondicionalmente, ou
opina por qualquer espécie de restrição ou de distribuição pelas zonas do País?; (8) Que bons serviços
poderão os imigrantes de qualquer das aludidas raças prestar, especialmente nas zonas em que V. Exa.
emprega sua atividade?; (9) Que sugestões mais lembra V. Exa. em matéria de imigração e de braços es-
trangeiros para a lavoura do Brasil?; (10) Quais as idéias de V. Exa. a respeito do trabalhador nacional,
sua localização, seu apego à terra, sua aptidão para a lavoura e a criação?; (11) Além do braço, que ou-
tros elementos de trabalho faltam às lavouras e às indústrias do nosso país, para intensificar, melhorar e
baratear sua produção?
estatal da União, que estava sob controle do complexo cafeeiro paulista. Essa definição
revela dois elementos fundamentais ao entendimento da entidade: em primeiro lugar, ela
foi instituída com o objetivo de canalizar e organizar as demandas de tais frações agrá-
rias, posicionando-se a um só tempo como seu porta-voz e seu dirigente; em segundo lu-
gar, a luta para reverter a condição periférica de tais grupos levou a entidade a
desenvolver o estímulo ao desenvolvimento técnico-produtivo destes complexos agrários
e o encaminhamento de ações de pressão junto ao Estado brasileiro e de propaganda jun-
to aos demais atores políticos, de modo a garantir um tratamento preferencial às suas de-
mandas de sustentação econômica. 12
O diagnóstico que estas oligarquias fizeram das razões de sua posição periférica re-
feriu-se a um "estado de atraso", originado, a um só tempo, pela precariedade técnica de
uma economia que fôra por quatro séculos baseada no trabalho escravo, e pela própria
solução dada a esse problema~ qual seja, a abolição, vista como tendo produzido uma ca-
rência generalizada de capitais e mão-de-obra. Esse lagnostJco definiu "a falta de bra-
d .
ços para a lavoura" como uma das preocupações fundamentais da entidade e motivo de
demandas perante o Estado e aos atores políticos. Para confirmar seu diagnóstico, a SNA
procurou demonstrar, com o uso de dadose statlstJcos, ex~stencla de vazios demográfi-
" " a " " "
cos no Norte e no Centro do Pais.
Contudo, essa falta de braços dizia respeito menos ao número concreto de habitan-
tes destas regiões do que a um conjunto de qualificações com que se definia a figura
ideal do trabalhador livre, e das quais os trabalhadores nacionais concretos pareciam dis-
tantes. E o eixo destas qualificações negativas era a usencla, por parte do trabalhador
a ^ "
nacional, dos hábitos culturais enfeixados no termo tvtlizaçao, termo com que se identi-
C " ' '
ficava a existência de uma disciplina para o trabalho, a posse de técnicas de produção, a
higiene na organização da casa e da produção, e o respeito às leis.
Nesse sentido, restava à SNA duas saídas básicas para a solução deste problema. A
primeira delas consistiu em propostas de reformado nacional, de modo a adequá-lo ao mo-
delo dofarmer. Nesse caso, com base em um diagnóstico do que poderíamos chamar uma
"carência civilizatória", os membros da SNA constituíram como uma de suas linhas bá-
sicas de atuação o esforço para obter do Estado e dos próprios fazendeiros mecanismos
que propiciassem a civilização do nacional, tais como: medidas de saneamento e higiene,
escolas técnicas localizadas no próprio meio rural, medidas de repressão à "vadiagem"
e controle da circulação da mão-de-obra rural, construção de colônias agrícolas - penais
ou não --, alocação de imigrantes e nacionais em colônias mistas etc. Tais medidas eram
vistas como sendo necessárias à superação dos hábitos "retrógrados" que o trabalhador
nacional carregava e, conseqilentemente, como mecanismo de superação de uma das
principais causas do "atraso" da agricultura. Uma segunda solução consistiria no estí-
Outro ponto a se assinalar é que a articulação política que constituiu a SNA teve abrangência nacional.
Por um lado, os membros da Sociedade provinham de uma vasta gama de regiões e complexos produti-
vos; por outro, os membros de sua diretoria, de um modo geral, e seus presidentes em particular, conta-
vam em seu currículo uma carreira politica considerável em seus estados de origem, tendo chegado - to-
dos os presidentes da entidade e parte da diretoria - ao Congresso Nacional. Esse histórico político per-
mitia que a Sociedade combinasse a abrangência regional ao peso político da representação das elites
agrárias de vários estados. Esta combinação definia o conteúdo do termo "nacional" com o qual a So-
ciedade se autodenominava (Mendonça, 1990:121).
mulo à imigração européia, vista como portadora de atributos civilizatórios a serem di-
fundidos entre os "trabalhadores nacionais". Esta função civilizadora rea]izar-se-ia por
meio do que chamariamos de "pedagogia do exemplo". Nesse sentido, a imigração
branca foi concebida como uma das formas de resolver, a um só tempo, a falta de braços
e a falta de civilização dos braços existentes.
Entretanto, historicamente, a imigração européia concentrou-se em determinadas
regiões do Sul e Sudeste do País, excluindo estados que não tinham recursos financeiros
ou condições geográficas que lhes permitissem atrair o imigrante europeu. De modo que,
se o Imigrante europeu era o desejável, ele nem sempre era o possível. E esta diferença
de possibilidades no tocante à obtenção de imigrantes europeus gerou, na SNA, uma
busca por alternativas. Urna destas alternativas, da qual o Inquérito de ! 925 é testemunha
cabal, consistiu no estímulo àlmlgraçãojaponesa
. , para os estados do Norte. 13 É o que re-
vela a seguinte observação do secretário-geral da SNA, Heitor Beltrão, feita no comentá-
rio às respostas dos inquiridos que rejeitaram a imigração japonesa:
Outro ponto que causa surpresa é o relativo às zonas que exprimem votos pró ou
contra o amarelo A rimeira vista ima inava-se ue o Norte em cu o clima tro ict2[ça_al
~nte se a~ o irei rante branco e cuas indústrias xtrativas exigem
~os ~__~q_~~o am~~~~~ _e ue o branco nem s m te su Ona. qu««-
ria com melh r insistência a imi ta ão amarela cujos traços não diferem muito de al-
guns sub-typos sertanistas do extremo Norte e cio Nordeste. Mas não foi o que ocorreu. O
Norte deu 11 votos favorcíveis em 32 votantes, enquanto o Centro deu 29 em 49 votantes e
os Sul 34 em 82. (SNA, 1926:25)
A citação revela que, a uma diferença supostamente climática entre regiões, Su-
punha-se dever corresponder uma distribuição diferenciada das raças imigradas no
território brasileiro Tratava-se, assim, de distribuir os imigrantes no espaço de acor-
do com uma hierarquia, que dizia respeito menos ao clima - uma vez que o Japão é
um pais de clima temperado - do que à pressuposição de que, racialmente inferiores,
os japoneses se submeteriam a "desconfortos que o branco nem sempre suporta". Su-
punha-se também a eficácia da mistura entre os japoneses - com todos os pressupostos
de disciplina para o trabalho com que eram representados _ e "alguns sub-typos serta-
nistas do extremo Norte e Nordeste". No raciocínio do s " "
~migrante japonês caberia uma tarefa braçal e civilizatória em ecretano-geral
certas regiõesda
àsSNA,
quaisao
o
braço europeu não interessava enfrentar. 14
Essa solução repousava, assim, num duplo raciocínio sobre a imigração japone-
sa: o imigrante japonês era visto como "menos exigente" quanto às condições de
trabalho a que seria submetido, incluindo aí tanto a dureza de certas tarefas quanto os
rigores hmat~cos
C " " onde estas tarefas seriam realizadas; e o surgimento do Japão corno
Cabe recordar que naquele momento entendia-se por Norte o espaço geográfico que hoje engloba as re-
giões Norte e Nordeste.
E esse papel civilizar~rio que caberia ao imigrante japonês legitimava até mesmo a mistura física com o
nacional, segundo o advogado paulista AIfredo Elis Júnior: "Dão bom cruzamento com os elementos
brasileiros, os japoneses. Dão tipos agradáveis e aparentemente eugênicos. Os que acham feios os japo-
neses esquecem que a beleza fisica é relativa e os brasileiros têm, maximé (sic) no Norte, traços mongó-
licos" (SNA, 1926:67). Para uma análise mais abrangente da imigração japonesa no Brasil, vide Salto
(1961).
potência no cenário mundial era acompanhado de uma representação do seu povo como
portador de atributos civilizatórios, tais como a disciplina ao trabalho, o hábito de pou-
pança e as técnicas produtivas.
"l 5 Esta primeira importação, como outras que se seguiriam, explicava-se pela necessidade de fazer frente
ao estrangulamento do fluxo de imigrantes europeus e pela esperança em estreitar os laços comerciais
entre Brasil e Japão de modo a abrir mais mercados para o café.
l 6 Porém, entre os eugenistas, o tema da imigração japonesa também gerou divisões. Para uma análise des-
tas posiçòes, vide Stepan (1990:142-143).
Figuras de destaque do meio médico, como Miguel Couto e o então chefe do de-
partamento de higiene de São Paulo, Arthur Neiva, acusavam os imigrantes japoneses de
se aculturarem com dificuldade e de representarem o ponto de partida para uma futura
colonização japonesa de terras sul-americanas (Nogueira, 1973:207). Esta campanha re-
sultou na suspensão pelo Estado de São Paulo das subvenções a este imigrante.17
Enfim, era em meio a este quadro de acusações ao imigrante japonês, centradas nos
temas da eugenia e do imperialismo, que se moviam as pretensões de determinados seg-
mentos da SNA em promover a imigração japonesa para o Norte do País. Falamos em
segmentos da SNA porque dentro da própria entidade as opiniões estavam divididas. Isto
é o que nos mostra tanto o debate que se desenrolou nas páginas de A Lavoura nos meses
de julho e dezembro de 1926 acerca da necessidade de imigração japonesa para a Ama-
zônia (A Lavoura, dezembro de 1926, p.463 e junho de 1926, p.297), quanto o fato de
um membro e diretor da entidade - o deputado federai por Minas Gerais, Fidélis Reis -
ter apresentado à Câmara o projeto que restringia a imigração japonesa, e de ter a ele se
oposto, por meio da elaboração do Inquérito e das intervenções na Câmara, o presidente
da entidade, senador pelo Pará, Lyra de Castro.
Para entendermos essa discordância no interior da própria entidade é necessário'
lembrar que a SNA se estruturava por sobre um conjunto muito diverso de complexos
econômicos, cujos diferentes atrativos à imigração conformavam as posições sobre o
tema. Nesse sentido, cabe lembrar que as levas de imigrantes europeus que, desde o final
do Império e Primeira República, se encaminharam para o País, o fizeram tão-somente
para um conjunto limitado de estados, sobretudo SP, PR, SC e RS e, em menor escala,
RJ, MG, ES.
Isto implicava a existência de uma distinção quanto às expectativas diante dos di-
versos tipos de imigração, entre parlamentares que representaram os estados que recebe-
ram imigração européia e representantes de estados que nunca puderam contar com este
tipo de imigrante. Vale dizer que a clivagem regional que separa os dois parlamentares e
diretores da SNA - Lira de Castro (senador pelo Pará) e Fidélis Reis (deputado federal
por Minas Gerais) - deve ser tomada como uma variável importante no entendimento da
diferença de opiniões sobre a imigração japonesa.
A divisão dentro da própria SNA era, assim, expressão de uma divisão dentre os
atores políticos de um modo geral, segundo os interesses regionais que representavam. E
a explicação mais imediata para tal divisão consiste nas possibilidades diferenciadas des-
tas regiões em beneficiar-se da manutenção de uma política imigratória preferencialmen-
te centrada no imigrante europeu. Isto é, do ponto de vista dos representantes das regiões
que historicamente não foram objeto de empreendimento imigratório significativo, defi-
nir o imigrante europeu como único merecedor de subsídios e de ampla liberdade de en-
Em 1924, Eugênio Lefévre, diretor-geral da secretaria de agricultura de São Paulo dizia: "A imigração
japonesa subvencionada foi mantida pelo governo durante alguns anos, tendo sida adotada em caráter
temporário, para suprir a deficiência européia. Contudo, mesmo permanecendo as dificuldades à vinda
de europeus, resolveu o Estado de São Paulo em princípios de 22 não mais subvencionar a imigração ja-
ponesa. Esta resolução foi ditada pelo receio de avolumar demais no estado o estabelecimento de imi-
grantes que, sob os pontos de vista da tbrmação da raça nacional, social e político, não podem nos con-
vir. Além disso, teve o governo de atender à manifestação da opinião pública, traduzida na imprensa des-
ta capital e do Rio de Janeiro" (apud Nogueira, 1973:209).
trada no País implicava - pelas circunstâncias de desenvolvimento econômico e condi-
ções climáticas destas regiões - congelar a situação de inexistência de imigração para
tais estados, ao mesmo tempo em que se garantia que os recursos públicos continuariam
concentrados num tipo de imigração que beneficiava tão somente os mesmos estados já
beneficiados.
Esta disputa em torno da definição de leis restritivas prosseguiu ao longo de toda a
década de 20, estando no centro do debate sobre a imigração de "negros" e "amarelos".
Algumas destas posições tomadas no debate estão presentes nas respostas ao inquérito da
SNA, e sua análise nos permitirá revelar, de maneira mais clara, a diversidade de repre-
sentações constituídas em torno destes dois tipos de imigrantes, os quais são objetos de
análise privilegiados para uma exposição das representações raciais e a sua lógica de
operação no que diz respeito à constituição da categoria do imigrante indesejável.
Diz Seyferth (1991:32), "...a realidade teuto-brasileira acabou se transformando numa espécie de pesa-
delo, num perigo real, pois poderia se tornar um exemplo para outros grupos imigrados, igualmente não
assimilados. Nas quatro décadas que antecederam a campanha de nacionalização, o perigo da formação
de Estados dentro do Estado - derivado da forma desastrosa com que foi realizada a colonização do Sul
- foi o argumento empregado por segmentos da elite brasileira e pelo próprio Estado para justificar uma
assimilação forçada".
desenvolvida e portador de grande disponibilidade à assimilação, o que faria dele, em
que pese ser visto como eugenicamente inferior, um imigrante altamente recomendável.
Nestes argumentos, a positividade de sua civilização foi construída por meio de uma ên-
fase na sua disciplina ao trabalho. E a defesa de sua predisposição a se deixar assimilar -
argumentação obviamente mais difícil que a primeira - se deu por meio da representação
do "japonês" como umtipo ordeiro e respeitador das leis e das autoridades. Esse padrão
de defesa expressa-se de modo cristalino na posição adotada pelo Prefeito da cidade de
Antonina, Paraná, João Ribeiro da Fonseca:
Embora o ideal seja a arianização de nossa raça, o japonês é o tipo do trabalha-
dor ideal pelo espírito de ordem, de iniciativa, de capacidade e de disciplina. Não
acredito no chamado 'perigo amarelo' dadas as qualidades de ordem e respeito do
japonês, que acatam as leis e as autoridades locais, ./amais as incomodando, de modo
que as estatísticas policiais só raramente registram um japonês envolvido, mesmo em sim-
ples casos correcionais. Ele é assimilável se não o deixamos isolado. Concorda em que do
ponto de vista estético, seja elemento que não satisfaça. mas suas grandes qualidades so-
brelevam esse defeito e ele nos dá aquilo de que mais necessitamos: o esforço produtivo
admirável. (SNA, 1926:198)
Imigrante caro, devido à distância de seu país natal, o japonês não agradou o fa-
zendeiro paulista. A sua língua nos é incompreensível, os costumes são muito diferen-
tes dos nossos, com um aspecto fisico pouco atraente, dotado de uma moral que a
nosso ver, é estranhável e se caracteriza pela falta de cumprimento de seus contratos, o
colono japonês, em regra, quando recebe o pagamento, deserta em massa da fazenda du-
rante a noite. O fazendeiro desconfiou logo desse colono, porque ele não se arranjava con-
venientemente a sua casa, dormia no chão, com agasalhos de íntima ordem [...] e o banho
era tomado em comum, entre homens e mulheres, atirando água uns sobre os outros, de
modo que a casa já sem higiene, ficava em petição de miséria. (SNA, 1926:462)
Temos aí o tema da inassimilação - presente na afirmação de que tais imigran-
tes possuem uma moral marcada pelo "não cumprimento de seus contratos", o que
caracteriza uma "inadaptação" à própria lógica que preside a importação de imi-
grantes pela lavoura cafeeira - da eugenia, o "aspecto físico pouco atraente", e da
civilização, a ausência de hábitos de higiene e de conforto -, o que foi descrito nas
palavras de um dos inquiridos como "ausência de hábitos de raça refinada" (SNA,
1926:87). Estes temas permitiram aos adversários da imigração japonesa produzir, de
tal imigrante, uma visão triplamente negativa, tomando-o como o exato inverso do
imigrante ideal.
Um outro tipo de crítica recaiu sobre o imigrante japonês, tendo atingido também a
imigração dos afro-americanos. O eixo desta crítica era a imagem de um imigrante porta-
dor, a um só tempo, de inferioridade racial, de um alto grau civilizatório e de uma rejei-
ção à assimilação. A combinação específica entre assimilação e civilização foi a base
sobre a qual estruturaram-se os temores de que os imigrantes estivessem vinculados a
práticas imperialistas ou pudessem, no futuro, nutrir desejos separatistas. Tais temores
derivavam-se da crença de que um alto grau de civilização e cultura, quando associado a
práticas isolacionistas, tem por efeito reforçar as identidades étnicas das populações imi-
gradas, reforço esse que é associado ao imperialismo e ao separatismo na medida da vi-
gência daquelas concepções que derivam os Estados Nacionais de uma prévia unidade
física e cultural dos povos que lhes formam.Z°
Esta representação emprestaria um sentido especial ao critério da eugenia. Pois,
além do perigo político que representavam - por ameaçar a unidade e soberania do Esta-
do Nacional -, os japoneses eram vistos como ameaça à unidade cultural e racial da qual
deveria emergir o "tipo único brasileiro". Na definição de Darcy Azambuja, lavrador no
Rio Grande do Sul:
A raça amarela tem constituição mental, tradições, costumes, tendências e aspira-
ções tão arraigadas e diferentes das nossas que nunca se integrariam na massa da
nacionalidade brasileira e, antes, prolongariam, indefinidamente, o caos etnoiógico
em que nos debatemos. A colonização amarela formaria aqui, o quisto social que for-
mam os negros na América do Norte. (SNA, 1926:124)
20 Para uma análise das concepções que associam raça, cultura e nação ver Seyferth (neste volume).
Deve ser cauteloso o processo seletivo de modo que se evite a entrada de qualquer
grupo étnieo de raça negra consubstaneiando uma mentalidade perturbadora dos in-
teresses nacionais e que não se altere profundamente o equilíbrio dinâmico das per-
centagens dos componentes atuais da futura raça brasileira. (SNA, 1926:278)
A resposta acima expõe duas faces desse temor: a idéia de que os negros norte-
americanos trariam um tipo especial de inassimilação, que consistia "ódio de raças", e
que sua vinda poderia alterar a correlação de forças expressa na idéia de equilíbrio per-
centual dos componentes da raça brasileira. O temor de que se atualizassem no Brasil
conflitos raciais como aqueles vividos nos E.U.A. aparece também na resposta do médi-
co e Diretor Geral do Serviço de Estatística do Ministério de Agricultura Indústria e Co-
mércio, José Luiz Sayão de Bulhões Carvalho:
É contrário à imigração de negros porque viria a perturbar o processo de fusão
das raças que aqui se vai operando. Seria andar para trás e transplantar para o Bra-
sil o problema racial que os E.U.A., apesar de seu espírito prático não conseguiram
até hoje resolver. (SNA, 1926:214)
Estas citações definem apenas uma parcela dos temores em relação à imigração ne-
gra, notadamente a preocupação com a guerra civil que atingiu os E.U.A. e com as lutas
anti-escravistas ocorridas em Barbados e São Salvador. As respostas revelam ainda o te-
mor que esse ódio racial, enquanto padrão de relação com a hierarquia racial, pudesse
servir de exemplo aos outros contingentes negros que compunham a população brasilei-
ra, produzindo uma ruptura, a um só tempo, da hierarquia racial e do processo de mistura
sobre o qual se definia a unidade política da Nação. Tal temor se expressa na seguinte
declaração do professor e Presidente do Círculo do Magistério Noturno Municipal no
Rio de Janeiro, Gabriel Bandeira de Faria:
Os negros são inferiores aos amarelos. Fiquemos apenas com os nossos homens
de cor, os quais são honestos, dignos, honrados, ótimos cidadãos, magníficos traba-
lhadores e parte integrante da nossa nacionalidade. Não procuremos con_lúndi-los
nem corrompê-los com os produtos estranhos e malçlicos, pernieiosos, exóticos, ori-
ginários da A~['rica ou mesmo dos Estados Unidos. (SNA, 1926:157)
Trata-se aqui de opor o "ódio racial" dos negros norte-americanos à perfeita inte-
gração do negro brasileiro à nacionalidade, como faz o secretário-geral da SNA, Heitor
Beltrão:
Aliás, conforme se pode ver dos resumos eontidos nas fichas individuais, nem to-
dos são fundamentalmente adversos à raça negra; quase todos elogiam os brasileiros
desta raça e exprimem sua gratidão aos serviços por esses prestados à pátria, ex-
pressando, outrossim, freqüente alusão à integração da mesma em nossa nacionali-
dade, o que faz desaparecer aqui o problema, que tão visceralmente preocupa os
Estados Unidos da América do Norte. (SNA, 1926:31)
Nas representações sobre o imigrante negro esse "problema racial" se tomaria ain-
da máis dramático na medida em que sua vinda aumentaria o contingente negro no Bra-
sil, e a associação entre um padrão de comportamento agressivo e um aumento da
população negra produziria o desequilíbrio da hierarquia racial vigente. Daí o já citado
Antonio Carlos Simões da Silva declarar:
Não aceito a imigração negra porque enquanto o Brasil tiver em seu seio o núme-
ro de representantes dessa raça, que ascende aos demais nele existentes, parece que
seria desequilibrar a bela harmonia reinante entre as mesmas, cogitar-se na entrada
de indivíduos da mesma raça máxime em grandes grupamentos, o que viria com o
tempo e seu peculiar de proliferação, a assenhorar-se de todo o país, em franco de-
trimento das demais. Mesmo em favor do elemento negro do Brasil não deve ser faei-
litada essa imigração, pois viriam imigrantes de religião diferente das dos negros do
Brasil, que são católicos fervorosos, e sem o entusiasmo patriótico que o negro tem
ag~. Ademais o negro norte-americano traria o ódio contra o Branco e
contra o amarelo, aqui felizmente desconhecido. (SNA, 1926:79)
Seyferth (1991 : 11 ) assinala o final do século XIX como o momento em que o Estado brasileiro muda de
posição em relação às populações imigradas, enfatizando menos o papel colonizador dos povos brancos
do que sua disponibilidade à assimilação, porconta do temor dos chamados "quistos étnicos". Segundo
a autora, quando entra em cena a tese do branqueamento - e o seu corolário: a idéia de miscigenação -,
os alemães cedem lugar aos povos latinos corno imigrantes brancos pret~renciais. Os alemães considera-
dos inassimi[áveis passam também a ser vistos como um "perigo" para a unidade nacional.
Essa ênfase na produção de um povo esteve diretamente ligada à passagem da Monarquia à República,
quando se tentou definir a existência de um povo brasileiro - cuja expressão seria o mestiço - como eixo
simbólico da unidade nacional. Até então, este eixo era definido pela figura do imperador. Esse desloca-
mento encontra similar na história européia e foi assim descrito por Michel Foucault, para o caso da
França, em entrevista ao periódico Quel Corps: "Numa sociedade como a do século XVII, o corpo do
rei não era uma metáfora, mas uma realidade politica: sua presença física era necessária ao funciona-
mento da monarquia.., lA república "una e indivisível" -JSR] é uma fórmula imposta contra os giron-
dinos, contra a idéia de federalismo à americana. Não há um corpo da República. Em compensação, é o
corpo da sociedade que se torna, no decorrer do século XIX, o novo princípio, É esse corpo que será pre-
ciso proteger, de um modo quase médico: em lugar dos rituais através dos quais se restaurava a integri-
dade do corpo do monarca, serão aplicadas receitas terapêuticas, como a eliminação dos doentes, o con-
trole dos contagiosos, a exclusão dos delinqüentes. A eliminação pelo suplício é, assim, substitutda pelos
métodos de assepsia: a criminologia, a eugenia, a exclusão dos degenerados..." (Foucault, 1986:145).
misturas, mas tão-somente aquelas que pudessem representar a melhoria biológica e a ci-
vilização do trabalhador nativo. E mesmo para a imigração branca postulava-se uma hie-
rarquia a recomendar diferentes combinações segundo o povo imigrado e a região onde
seria instalado.
, Por fim, os mecanismos de seleção dos imigrantes tiveram também um papel de re-
forço e reprodução da hierarquia entre populações, característica da sociedade brasileira.
Estes mecanismos de seleção, que propiciavam o aumento da população branca, ti-
nham por objetivo reduzir os riscos de um questionamento da ordem racial vigente por
meio da violência dos não brancos. Mas, para que este resultado pudesse ser alcançado,
era necessário que os imigrantes brancos não representassem, eles mesmos, uma ameaça
à "ordem constituída". Daí que os mecanismos de seleção levassem em conta, além da
cor da pele, a necessidade de se obter os mais assimiláveis entre os brancos e, quando
não fosse possível evitar, os mais "dóceis" entre as "raças inferiores". Tratava-se, so-
bretudo, de esconjurar o risco máximo de não brancos indóceis, inassimiláveis e que pu-
sessem em questão a hierarquia racial - o que era o caso da representação que recaía
sobre os afro-americanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AURÉLIO ELETRÔNICO, 1994. (C. A. Lacerda & P. Geiger, orgs.). São Paulo: Nova Fronteira.
AZEVEDO, C. M., 1987. Onda Negra, Medo Branco. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
CARELI, M., 1985. Carcamanos e Comendadores. São Paulo: Ática.
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1921. Anais da Câmara. Vol. 10. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional.
CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1923. Anais da Câmara. Vol. 14. Rio de Janeiro: Imprensa
Nacional.
FOUCAULT, M., 1986. Mierofisica do Poder. Rio de Janeiro: Graal.
HALL, M., 1969. Origins of Mass Imigration in Brasil, 1871-1914. New York: Columbia
University Press.
HELLWIG, D. J., 1988. A new frontier in a racial paradise: Robert S. Abbotts Brazilian
dream. Luso-Brasilian Review, 25:59-67.
HOBSBAWM, E., 1988. A Era dos Impérios. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
LAPLANT1NE, F., 1991. Aprender Antropologia. Rio de Janeiro: Brasiliense.
LESSER, J., 1994. Legislação imigratória e dissimulação racista no Brasil (1920-1934). Ar-
ché Ano III, n° 8. Rio de Janeiro: Faculdades Cândido Mendes.
LESSER, J., 1995. O Brasil e a Questão Judaica. Rio de Janeiro: Imago.
MAIO, M. C., 1995. O mito judaico em casa grande e senzala. Arché, ano IV, n° 10. Rio de
Janeiro: Faculdades Cândido Mendes.
MEADE, T. & PIRIO, G. A., 1988. In search ofthe Afro-American 'eldorado': attempts by
North American blacks to enter Brazil in the 1920s. Luso-Brasilian Review, 25:85-108.
MENDONÇA, S., 1990. O Ruralismo. Tese de Doutoramento. São Paulo: Universidade de
São Paulo.
NOGUEIRA, A. R., 1973. A Imigração Japonesa para a Lavoura Cafeeira (1908-1922). São
Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros.
ORTIZ, R., 1985. Cultura e Identidade Nacional Brasileira. Rio de Janeiro: Brasiliense.
RAMOS, J. de S., 1994. O Ponto da Mistura. Raça, Imigração e Nação em um Debate da
Década de 20. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Museu Nacional, Universidade Fe-
deral do Rio de Janeiro.
SAITO, H., 1961. O Japonês no Brasil. São Paulo: Ed. Sociologia e Política.
SCHWARCZ, L. M., 1993. O Espetáculo das Raças. São Paulo: Companhia das Letras.
STEPAN, N., 1990. Eugenics in Brazil, 1917-1940. In: The Wellborn Science (M. Adams,
org.), pp. 110-152. New York & Oxford: Oxford University Press.
TUCKER, W., 1994. The Science and Politics of Racial Research. Urbana and Chicago:
University of Ilinois Press.
WILLENS, E., 1980. A Aculturação dos Alemães no Brasil. São Paulo: Cia. Ed. Nacional.
PERIODICOS
A Lavoura. 1910-1930