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TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
E A LITERATURA BÍBLICA*
Q
ueremos abordar, nesse primeiro artigo, em que e como as Literaturas Hebraicas
e Cristãs - a Bíblia – contribuíram com a transformação social. Num primeiro
momento, apontaremos alguns textos bíblicos que foram expressões de lutas
transformadoras, frutos da fé crítica pessoal e comunitária. Num momento
posterior, olharemos os métodos dos movimentos populares e, também, da
Academia que ajudaram na compreensão da Bíblia. Num terceiro momento,
apresentaremos algumas experiências transformadoras, especialmente, no Brasil,
e, localizadamente, na região de Goiás. Por fim, veremos os muitos desafios
que as leituras bíblicas têm que enfrentar diante das adaptações do Brasil ao
sistema do neoliberalismo internacional.
Ainda nesta Introdução, é preciso dizer que a Literatura Bíblica (Hebraica e Cristã)
nunca provocou, em nenhuma parte, uma transformação radical de algum modo
de produção ou de um sistema injusto. O que aqui olharemos é como esta Li-
teratura provocou, nas bases, em geral, por movimentos populares, um modo
novo de ver e de agir na defesa da justiça e da igualdade. Aí, sim! Movimentos
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* Recebido em: 29.10.2012. Aprovado em: 10.12.2012.
** Doutor em Ciências da Religiãopela Universidade Metodista de São Paulo. Mestre em
Teologia Bíblica pelo Instituto Bíblico de Roma e Universidade Gregoriana. Professor no
Mestrado em Ciências da Religião e no Departamento de Filosofia e Teologia da Universi-
dade Católica de Goiás. E-mail: joelantonioferreira@hotmail.com.
Dentro da religião, a literatura sagrada tem sido um forte fator para a transformação da sociedade.
Cada religião, em geral, possui seus livros sagrados, considerados inspirados por Deus
e normativos para a vida de seus fieis. Em nossa cultura ocidental, e, particularmente,
na América Latina, adota-se como Escritura Sagrada, a Bíblia. Muitos de seus textos
foram frutos de experiências transformadoras ou de um grupo ou de uma comuni-
dade maior. Experiências de grupos de fé crítica e de organizações comunitárias
geraram muitos textos que se tornaram, por sua vez, movedores de novas experi-
ências, ao longo da história. Muitos textos violaram o stablishmente propuseram
um projeto transformador, baseado na fé em Deus.
Por exemplo, se pegamos Gn 38, a narrativa sobre “Tamar e Judá”: parece ter sido
um texto contado, na redação final, pelo palácio ou pelo templo. No entan-
to, o relato não interessava a nenhuma dessas instituições. Como entrou,
então, essa história, se ela era uma profunda crítica aos detentores do po-
der, e, principalmente, ao grupo ligado a Judá que se tornará, no futuro,
a nomenclatura geradora do judaismo e do povo judeu? A força histórica
da experiência de fé crítica, especialmente, na época do tribalismo, que
gerou, consequentemente, a fé do(a)s camponeses javistas, que, certamen-
te, contavam o relato de Tamar, impôs, no imaginário coletivo hebreu, um
ícone onde era preciso frisar que Tamar não dera filhos aos filhos de Judá.
Que não era abençoada. Que enganou Judá, o patriarca. Que se passou por
prostituta. Que era mulher.
No entanto, os que impuseram o “relato de Tamar” não tinham a ideologia do
“purismo legalista” que foi ocupando a mentalidade do poder ligada ao
templo, especialmente. Ao contrário, a base hebraica olhava Tamar, não
como excluída, mas como mulher que ajudou a realizar o plano de Deus.
A tradição hebraica, especialmente, a camponesa, começou a ler a histó-
ria, a partir da base, para compreender o verdadeiro projeto de Deus que
contemplava, desde o início da história, os hapiru. Era, então, a hora de
colocar, em Gn 38,26 Judá, o patriarca, reconhecendo Tamar como “jus-
ta”. Se Tamar, no início da narrativa, não tinha espaço e era manipulada
pelos masculinos, no final do relato, ela teve voz, teve projeto, teve vez
e foi reconhecida como mulher. Tamar desmantelou toda uma concepção
androcêntrica de mulher como a “passiva” e objeto do prazer do “macho”.
A tradição hebraica popular contava que Tamar era uma resistente que deu
passos decisivos para superar o patriarcalismo: enganou, sabiamente, quem
Para se ler a bíblia pela base, a partir da libertação dos hebreus, na pastoral bíblica operária
do Brasil, Gorgulho ligou o método Ver, Julgar e Agir com a leitura sociológica
(Gorgulho, 1986)2. No tempo intermediário entre o final da Ditadura Militar
e a retorno à Democracia (década de 1980), a leitura sociológico-conflitual
da Bíblia foi bastante difundida, principalmente, entre os estudiosos bíblicos
envolvidos nos meios populares. É a leitura na ótica dos pobres3.O texto é
olhado dentro do conjunto do dinamismo da sociedade em todas as dimensões
(social: econômico, social, político, cultural, militar, jurídico, ideológico e, ai
Esta leitura ajuda-nos a olhar, o “lugar social” de toda a narrativa (FERREIRA, 2012,
p. 53)para ouvir a voz dos oprimidos e denunciar a voz dos dominadores. O
“lugar social” dos esquecidos se torna um espaço primordial 5. Esta é a grande
novidade até hoje e sempre: o Deus dos cristãos faz sua opção preferencial
pelos pobres.
Situação Histórica
Este tópico precisa ser situado na conjuntura internacional e nacional. Após a 2ª Guerra
Mundial (1939-45), dois grandes movimentos, a partir da Bíblia, procura-
ram dar um sentido novo à história: o Movimento “Por um Mundo Melhor”
de Pe Lombardi e o Movimento de “Ação Católica” europeu que teve uma
interessante influência no Brasil. De 1962-65 houve o Concílio Ecumênico
Vaticano II, evento católico com a presença de iminentes observadores dos
vários credos cristãos. No Brasil, nesse momento, houve a experiência som-
bria do golpe militar de 1964-85. Em 1968, aconteceu o encontro dos bispos
latino-americamos em Medellín (Colômbia).
A Ação Católica6, proveniente da Europa, teve uma interessante influência no Brasil,
antes do Concílio, trazendo uma utopia, 7 principalmente, com a Juventude
Estudantil Católica (JEC), com a Juventude Universitária Católica (JUC)
e Juventude Operária Católica (JOC) 8. Foi desse movimento que surgiu o
Método “Ver-Julgar-Agir” que se perguntava: “se Jesus estivesse aqui, nesse
momento, como ele agiria diante dessa situação?”. Esse movimento criou,
no mundo laico, grandes lideranças cristãs.
Em Roma, acontecia o Concílio Ecumênico que, para o nosso objeto de reflexão,
preparou o documento Dei Verbum (Palavra de Deus): Abriram-se os ho-
rizontes. Enquanto as Igrejas se moviam na compreensão e formação em
torno da Palavra de Deus, impô-se a Ditadura Militar: momentos sombrios,
tristes e de dura memória. Nesse tempo de exceção, de um lado, motivado
pelo incentivo do Concílio Ecumênico para a leitura da Palavra de Deus e,
de outro, pela repressão às reuniões fossem quais fossem, proliferaram-se as
experiências das leituras bíblicas (círculos bíblicos e grupos de Evangelho)
nos meios populares.
Os inícios dos círculos bíblicos e grupos do Evangelho pegaram carona com interes-
santes experiências do movimento de educação de base (MEB) 9, das escolas
radiofônicas10 e dos Movimentos da Ação Católica 11. Despretensiosamente,
os grupos foram experimentando, na base, jeitos novos de conhecerem a
Palavra de Deus.
Em toda parte do Brasil, foram sendo criadas, no início da década de 1970, as Comu-
nidades Eclesiais de Base (CEBs). Estas iam, devagarzinho, tomando rosto
nas reuniões nas casas, para lerem a Escritura e confrontá-la com a realidade.
Ele atua em três dimensões: a) na formação bíblica das lideranças comunitárias e mo-
vimentos sociais; b) na proliferação da literatura bíblica para as comunidades;
c) na articulação de grupos na defesa da justiça social e do meio ambiente.
Quase toda a América Latina (Sul, Central e parte do Caribe) passou por
experiências terríveis, em nível político. Muitas nações passaram por esses
abomináveis momentos de dor. Se olharmos a história de El Salvador, Ni-
Entre aqueles que se identificaram com a Palavra Bíblica e com a luta sindi-
cal foi Sebastião da Paz: não faltou o testemunho de entrega da própria vida
Mudança Histórica
Geralmente a mobilização é uma resposta a um apelo feito por uma ONG, internacional
ou nacional, ou por redes sociais e redes solidárias, via internet, convidando
as pessoas no que se chama de “participação cidadã”.
DESAFIOS
Se a leitura bíblica foi uma ferramenta viva dos movimentos populares, especialmente
das bases das Igrejas cristãs, nas décadas de 1960-1980, diante da desmobi-
lização popular nos novos tempos, é preciso ver em que, hoje, essa leitura
pode continuar a ser um fenômeno transformador. Muita coisa mudou, em
todos os níveis.
Alguns problemas, que são expressões das assimetrias, tais como saúde, desemprego,
analfabetismo, moradia, transporte, educação, alimentaçãoetc, não desapa-
receram. Permanecem os conflitos dos resistentes ribeirinhos, seringueiros,
quilombolas e outros povos tradicionais.
Outros são novos (MESTERS; OROFINO, 2012, p. 14-5), como por exemplo, a)
o embate dos afrodescendentes que já tiveram interessantes vitórias pelas
terras quilombolas e nas cotas nas universidades. b) A luta das mulheres
marginalizadas por salários dignos e a vitória da Lei Maria da Penha. c) A
ECO-92 e a Rio+20 de 2012 são frutos das novas forças ecológicas popu-
lares que surgiram em todo o mundo. d) As ciências não param de avançar,
modificando a visão de mundo. e) O Brasil, embora classificado como a 6ª
economia do mundo, continua com desigualdades em quase todos os níveis.
f) As mobilizações homossexuais e as vitórias no reconhecimento da união de
pessoas do mesmo sexo. g) os ininterruptos escândalos de corrupção em todos
os níveis governamentais (nacional, estadual e municipal), em contraposição
à ética na política e economia. h) As vitórias dos povos indígenas, no pós
500 anos de invasão dos brancos, nas demarcações de várias reservas. Vale
ressaltar o apoio de quarenta anos do CIMI que ajudou a assegurar a existên-
cia de várias nações indígenas, que, se não fosse esse apoio, teriam muitas
desaparecido. i) Algumas organizações religiosas, como alguns regionais da
CNBB ou segmentos evangélicos que não perderam sua postura profética.
j) A Comissão da Verdade que exige todos os esclarecimentos legais, pelas
prisões, torturas e assassinatos nos tempos dos porões da Ditadura Militar.
k) Se a grande resistência fundamentada na Bíblia se deu com a questão da
CONCLUSÃO
Notas
1 Mesters, um holandês-brasileiro, porque está inserido no nosso meio há cinquenta anos, foi
o grande batalhador, incentivador e autor dos primeiros círculos bíblicos do Brasil. O seu
trabalho continua dinâmico e vivo. Foi ele o idealizador do Centro de Estudos Bíblicos
(CEBI), organização ecumênica da Leitura Popular da Bíblia. Não se pode falar, no Brasil,
em Leitura Popular da Bíblia sem pensar em Carlos Mesters.
2 Num projeto da Ação Católica Operária (ACO) e Comissão Nacional de Pastoral Operária
(CPO), fez-se a elaboração dos estudos Bíblicos do Antigo e Novo Testamento, de um
modo muito didático, usando muitas figuras e, às vezes, textos em forma de “gibi”, a fim
de facilitar a compreensão dos operários que tem pouco tempo para formação.
3 A leitura latino-americana, particularmente a brasileira não é, comumente, citada na biblio-
grafia americana ou européia. Ela foi muito divulgada entre nós na década de 80 (séc. XX)
e experimentado por interessantes biblistas latino-americanos, particularmente, brasileiros.
Sua compreensão popular foi bem absorvida, notadamente, em alguns grupos populares
como as comunidades eclesiais de base (CEBs) de Igrejas mais comprometidas com os ex-
plorados e excluídos, com o CEBI, com as pastorais rurais e operárias (é de se reconhecer
a bela assessoria de G. Gorgulho à pastoral operária com “a leitura pelos quatro lados”).
Entre os biblistas brasileiros, localizadamente, os do “Comentário Bíblico”, a leitura da
Bíblia foi exercitada por muitos, em torno deste modelo. A orientação do “Comentário” foi
elaborada por Comblim (1985). Porém, no momento, há um acentuado recuo. Veja também:
(SILVA, 1991, p. 74-84). Entre os comentaristas um que procurou fazer a leitura por este
modelo foi (FERREIRA, 1992 e 2005). Veja também um número especial onde todos os
artigos procuraram utilizar a leitura sociológica (AA.VV. 1990).
4 É importante a “vocação critica” para a intelecção da leitura bíblica. É este espírito crítico que
tem ajudado também os hermeneutas da Bíblia para a leitura “por trás das palavras” e por trás
dos acontecimentos narrados por pessoas ligadas a alguma situação de poder. Aí se descobrem
pessoas da periferia, grupos da margem que são frutos do ambiente social de exclusão.