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Bienal Internacional de São Paulo


Ir e Vir
Paulo Herkenhoff

"Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros." Sete vezes a
palavra "Roteiros" repete-se no "Manifesto antropófago" de Oswald de Andrade.
Encontra-se entre o parágrafo "Contra o mundo reversível e as idéias
objetivadas" e "O instinto caraíba". "Roteiros. . ." é presença entre a mecânica das
idéias "cadaverizadas" e o canibalismo, etimologicamente originado de caraíba.
África, América Latina, Ásia, Canadá e Estados Unidos, Europa, Oceania e Oriente
Médio são nossos "Roteiros...", definidos sem um critério único, como continente,
bloco econômico ou regiões culturais. Não se trata de uma espécie expandida das
alegorias dos quatro continentes, desenvolvidas pela arte européia do século
XVII.

O substantivo plural "Roteiros" conota múltiplos pontos de vista. Os desafios
contemporâneos já indicavam ser necessário à Bienal desenvolver a capacidade
de escolher. Nos anos 70 sedimentou-se a idéia de salas especiais dedicadas a
grandes nomes da arte. Em 1996 introduziu-se a idéia de uma mostra composta
por exposições de regiões do mundo com Universalis. Nosso desafio foi integrar
um conjunto de olhares e articular critérios. No processo de "Roteiros. . ." foi
necessário definir o foco.

Mercator orientou as representações cartográficas, hoje amplamente vigentes,
segundo a posição mais adequada ao olhar europeu. Estamos frente a recortes da
produção artística de sete áreas. O conjunto dos "Roteiros. . ." não busca reduzir
o mundo a uma visão universalista ou globalizante, nem mesmo cada região a um
olhar totalizante. Alguns comparam o papel do curador ao do cartógrafo. No
catálogo da mostra Cartographies (1992), organizada por Ivo Mesquita, o crítico
Justo Pastor Mellado analisa como a origem cultural e geográfica do curador
marca as aproximações à arte do Outro. "Roteiros. . ." seria trabalho de
cosmógrafos buscando um olhar de, sobre ou para sua região. Dois princípios
foram estabelecidos como método curatorial: ir e vir. Os curadores deveriam
efetivamente constituir seus Roteiros por meio da experiência de palmilhar o
território para (re)conhecer sua arte. Afinal, já havia uma chave: "Contra o
gabinetismo, a prática culta da vida", afirmava Oswald de Andrade no "Manifesto
da poesia pau-brasil" (1924).

Nos dois encontros em São Paulo, os curadores consolidaram pontos de partida e
definiram o formato final de "Roteiros. . .". O diálogo centrífugo desenvolveu
objetivos de complementaridade, contrapontos ou confrontos, demarcação de
especificidades. Um chat da Internet entre os curadores, coordenado por Adriano
Pedrosa, completou esta rede de relações de alteridade. Os curadores receberam
informações sobre a relação desta Bienal com a audiência brasileira, seu papel
no contexto da cidade e os compromissos com a educação. Nesta Bienal o
conceito geral regente é "densidade", como processo de condensação de
significados. Quase todos os curadores de "Roteiros. . ." optaram por fazer
referência ao tema Antropofagia e Histórias de Canibalismos do Núcleo Histórico
como hipótese de trabalho.

Na escolha dos curadores das regiões das economias centrais, preferíamos
olhares da margem, mas profundamente vinculados a suas regiões. A escolha de
curadores belga e finlandesa com Bart De Baere e Maaretta Jaukkuri para a
Europa significa, portanto, deslocar decisões dos centros hegemônicos. Os
curadores deveriam ter a capacidade de articular uma perspectiva do olhar a
partir do lugar. Era necessário definir uma questão e testá-la em campo,
construindo o desenho final de cada Roteiro e não a realização de enunciados
preestabelecidos.

Na montagem dos Roteiros da África, visou-se a conjugar experiência e potencial
do próprio continente por meio de pessoas que enfrentam em seu cotidiano as
dificuldades de produzir conhecimento sobre o continente, a partir de aí mesmo
viver. Lorna Ferguson havia superado fronteiras como coordenadora da I Bienal
de Joannesburgo. Convidada, coube-lhe indicar uma curadora do sul do Saara, de
um lugar onde fossem escassas instituições de arte. Assim, Awa Meite enriquece
estes Roteiros com os artistas do Mali. Mesmo na África existem poucos
curadores com uma visão da produção artística deste complexo continente. Nem
mesmo as comunicações e possibilidades de viagem são sempre eficientes. Por
isso, desde o início, a Bienal de São Paulo compreendeu que estes Roteiros
poderiam ter um sentido adicional que seria propiciar às curadoras da África a
oportunidade de conhecer um pouco mais de seu próprio continente.

As curadoras da África não buscaram vestígios de "canibalismo" em alguma
sociedade tradicional. Um editor europeu ligado à África disse-me que era
lamentável que conotássemos a África ao canibalismo. Talvez ele quisesse salvar
o continente de uma visão preconcebida do canibalismo como ato de barbárie. O
processo de emancipação da cidadania na África confronta-se com a voracidade
política da exclusão social, do racismo e genocídio. Na América Latina, o
modernismo-e o "Manifesto antropófago"-é momento luminoso como busca de
uma linguagem própria pela superação da herança colonial e de sua síndrome de
emulação da arte européia. Buscamos neste continente uma arte que toca a
emancipação política da linguagem e a constituição de uma reflexão dolorosa
sobre o processo em que a África se assume como sujeito crítico de sua própria
história. Franz Fanon afirmou que a descolonização é sempre um fenômeno
violento, com a substituição de "espécies" de homens. O pós-colonialismo implica
violências novas. O tempo social da África do Sul está hoje constituído tanto pela
Comissão da Verdade e Reconciliação quanto pela arte de Abdoulaye Konaté ou
William Kentridge.

Numa época, muitos artistas brasileiros evitavam as mostras latino-americanas,
que eram entendidas como um gueto. O partido curatorial de Rina Carvajal toma
a antropofagia como mais um ponto de contato entre o Brasil com a América
Latina. Em sua heterogeneidade, a América Latina busca reforçar suas relações
identitárias, mesmo que os processos de subjetivação tenham prevalência em
outros níveis. No entanto, no mundo competitivo da globalização e de
reordenamento das economias em blocos geográficos, a idéia de identificação
latino-americana-quer realidade histórica, quer ficção-parece se impor como
uma pré-condição ideológica para a organização do bloco econômico deste
hemisfério. O México, por exemplo, é hoje uma espécie de fronteira espessa. É o
extremo da América Latina. O norte de seu território é a fronteira alfandegária
dos Estados Unidos, como primeiro bastião norte-americano a deter as correntes
migratórias latino-americanas. Chiapas é uma fronteira interna na sociedade
mexicana. As fronteiras da América Latina invadem os Estados Unidos, com a
cultura que se transporta pela migração. Rina Carvajal vive em Nova York, lugar
que hoje concentra a diversidade do pensamento da América Latina, atraindo
críticos como destino numa espécie de diáspora voluntária. O sistema de
classificação cultural operante nos Estados Unidos não tem validade na América
Latina. Não nos interessa na Bienal em geral a ideologia do multiculturalismo,
com seu sistema de classificação das etnias desenvolvido pela sociedade norte-
americana.

A escolha adequada do curador da Ásia nesta Bienal deslocaria a busca do eixo
predominante Japão-Coréia na direção do sudeste da Ásia. Apinan Poshyananda,
da Tailândia, tem realizado algumas exposições sobre a Ásia. Desde cedo aderiu
ao conceito da Bienal, inclusive canibalismo. Inicialmente, pensou-se num
impasse decorrente do fato de que fossem muito escassas as referências de
canibalismo na cosmogonia budista. No entanto, seu projeto curatorial se
desenvolveu para conjugar a espessura trágica do presente com aspectos
arcaicos das culturas da Ásia e o processo dessa etapa pós-colonial. Poshyananda
criou metáforas e interpretações originais para o canibalismo. A curadoria da
Ásia reflete um repertório mais amplo de interpretações do canibalismo no
processo pós-colonial. Uma dimensão que se aborda é o desejo, demonstrando a
vastidão com que o ato amoroso e o de se alimentar confluem no significante
"comer". Um exemplo disto seria o sorriso siamês: a idéia de auto-exoticização
para oferta ao consumo do colonizador e a posterior devoração deste. Existem
também nuances políticas em suas noções de canibalismo: guerras, opressão de
minorias ou ataque especulativo do sistema financeiro internacional às moedas
asiáticas.

Uma exceção especial no processo de escolha dessas curadorias ocorreu com
relação aos Roteiros Canadá e Estados Unidos, com a escolha do crítico brasileiro
Ivo Mesquita. Mesquita teve uma importante experiência no Canadá, onde realiza
trabalhos curatoriais desde 1988 para instituições locais e agora como professor
visitante no Center for Curatorial Studies do Bard College no estado de Nova
York. Um pressuposto no desenho curatorial desenvolvido foi entender o
canibalismo como uma espécie de latência interdita na cultura norte-americana.
Assim, a obra de Jeff Wall, Dead troops talk, é um ponto de partida básico destes
Roteiros na discussão do canibalismo. Ao tratar da guerra do Afeganistão, Wall
refere-se a A jangada do Medusa, obra de Théodore Géricault, cujos estudos
estão expostos no Núcleo Histórico desta Bienal. Outra direção tomada pela
curadoria de Ivo Mesquita aborda a "institutional critique". Alguns artistas
ironizam as instituições culturais. A arte é metaforicamente devorada pelas
instituições do sistema de arte (museus, mercado, arquitetura, colecionadores,
crítica de arte, curadores, educadores, etc.). No Brasil, uma crítica institucional
extremamente voraz se fez nos anos 60 e 70 com artistas como Nelson Leirner,
Barrio, Antonio Manuel e Ivens Machado, o qual ergueu uma arquitetura dentro
do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 1975, tornando-a espaço de
ação escatológica. Machado não perdia de vista a Merde d'artiste de Manzoni.

Desde logo sentimos que a maior dificuldade de lidar com a idéia de canibalismo
estava na Europa, talvez não sem uma razão cultural. O canibalismo é um antigo
fantasma da Europa, uma idéia que deixa de ser remota para se tornar uma
experiência concreta com os nativos da América. No fundo, o canibalismo é para
a Europa um signo de diferença e de barbárie conforme entendida neste
continente. No entanto, muito das histórias de canibalismos conhecidas no
Ocidente foram, de certo modo, a história do canibalismo projetado pela Europa.
Talvez nenhum continente tenha produzido um corpus tão variado de
pensamento sobre o canibalismo: mitologia clássica, imaginário medieval, Dante,
Staden, Léry, Montaigne, de Bry, Shakespeare, Swift, Goya, Géricault, Moreau,
Rodin, Freud, Bataille, dadaísmo, surrealismo, Lévi-Strauss, Caillois, Cobra, Yves
Klein, além da mitologia clássica e do canibalismo dos citas.

A Nova Guiné seria o último laboratório das culturas ditas "primitivas" clássicas,
uma espécie de última fronteira da civilização ocidental, afirma W. Arens. Com
um acervo tão intenso de práticas canibais, a Oceania poderia oferecer motivos e
fatos para um contato com aspectos mais fatuais. Numa experiência que poderia
nos remeter à antropóloga Margaret Mead, que viveu entre aqueles povos da
Nova Guiné, Marina Abramovic tentou realizar um projeto com canibais de ilhas
da Oceania. Louise Neri, curadora da Oceania, nasceu na Nova Zelândia e foi
curadora assistente da Bienal de Sydney. Ali onde pareceria mais fácil discutir
identidade social, Louise Neri buscou extrair o processo de subjetivação em
artistas individuais que facilmente seriam redutíveis ao padrão étnico, ao
modelo genérico do aborígine. O mundo de surfistas e tatuagens aqui expõe de
forma iconoclástica. Neri trata com artistas que insistem em recusar a se
converter pela regulação do modelo eurocêntrico com suas contradições
acirradas pela dimensão do processo de colonização. Tracey Moffatt é a
aborígine que se desloca do arcaísmo na direção de utilizar o fundo comum das
tecnologias contemporâneas para fazer emergir, com sua obra ácida, fantasmas
pessoais no quadro do modelo pós-colonial. Neri questiona a idéia de processo
de constituição da identidade cultural ao problematizar a própria noção de
canibal. Canibal é o "mau selvagem", que no pólo oposto ao modelo do "bom
selvagem" sedimentado na Europa iluminista, recusa toda complacência do
colonizado e, politicamente, insiste na "barbárie".

O Oriente Médio é a região de riscos. É parte de três continentes. A região ferve
no centro e arde nas bordas, no dizer de seus curadores. Ausente das grandes
mostras internacionais, organizar Roteiros do Oriente Médio implicava organizar
intricada arquitetura curatorial. O primeiro escolhido foi Vasif Kortun, curador
de uma Bienal de Istambul e proveniente de um país islâmico. Por sua vez,
Kortun deveria trabalhar com um curador de Israel, tendo escolhido Ami
Steinitz. Em sua perspectiva inicial propusera não incluir em seus Roteiros
artistas originários de seus países, o que implicaria considerar apenas a arte
produzida no mundo árabe. Esses Roteiros são uma espécie de exposição viável.
Mais do que uma exposição de arte de conciliações, como talvez a maioria
preferisse, esses Roteiros-mais do que qualquer outro- é um testemunho sobre si
mesmo como possibilidade do processo curatorial. Roteiros Oriente Médio talvez
tratem mais sobre a arte da curadoria. Sobre as suas possibilidades sobrepostas
a fronteiras tão claras e fortemente demarcadas com feridas abertas. Ou seja,
sobre as possibilidades de deslocar o olhar por regiões de conflito e encetar
diálogo. Alguns artistas, por indignação ou medo de lidar com curadores do "lado
inimigo", não desejaram participar destes Roteiros.

O Oriente Médio, como berço das religiões monoteístas, permite-nos discutir
como o canibalismo é tratado como prática do Outro entre as sociedades. "Tanto
europeus quanto árabes parecem ter um mórbido interesse no canibalismo" é a
análise antropológica de Evans-Pritchard. Para alguns povos africanos, os
europeus seriam canibais. Durante séculos, o cristianismo afirmou que os judeus
utilizavam sangue humano em alguns rituais. A eucaristia é um sacramento que
implica o consumo do corpo de Cristo. Na França Antártica, protestantes
comparavam os católicos aos índios canibais. Já na Rússia, uma mulher de
confissão batista foi ipso facto acusada de canibalismo. Como fantasma, o
canibalismo é sempre a prática do Outro.

O arquiteto Paulo Mendes da Rocha criou soluções para atender ao programa de
montagem desenvolvido pelos curadores. O espaço seria um diagrama do
diálogo curatorial e não delimitação de territórios. Pediu-se para evitar a clássica
montagem por salas e constituir uma transparência que articule regiões, artistas
e obras. Articulados, os Roteiros mantêm sua identidade. Os artistas não seriam
misturados como numa exposição coletiva universal que reduzisse a experiência
individualizada dos curadores a uma espécie de comissão internacional,
dissolvendo os olhares num olho único. Canadá e Estados Unidos terão uma
montagem dispersada pelo espaço da Bienal.

"Roteiros. . ." dialoga com a pintura Mapa de Lopo Homem, de Adriana Varejão. A
artista aí se refere à representação cartográfica daquele português que em 1519
desenha um mapa em que todos os continentes estariam unidos. O capricho
cartográfico de Homem reconciliava as antigas concepções ptolemaicas e
reassegurava o papel bíblico de Adão como pai da humanidade, o que se daria
apenas com esta unidade do horizonte geográfico. Lopo Homem tentava
reconciliar antigas crenças e o trauma do conhecimento. Varejão repõe o trauma.
Um grande corte sobre o mapa no meio da pintura expõe as vísceras e a carne do
quadro feitas em tinta e sutura, tal fenda com material cirúrgico. Frente o desafio
da descontinuidade e do contágio cultural, esta pintura é um emblema do
horizonte curatorial de "Roteiros. . .".

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