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CARTILHA CEPIS

EDUCAÇÃO POPULAR E
MOVIMENTO POPULAR
SUMÁRIO

1. Educação popular e trabalho popular ................................................................ 3


2. Paulo Freire e a educação popular ..................................................................... 4
3. Sobre a metodologia popular ............................................................................. 5
4. De onde provêm as ideias corretas? ................................................................. 10
5. O que é educação? ........................................................................................... 11 Desamarrar as vozes, dessonhar os sonhos: escrevo querendo revelar o
6. O que é educação popular? .............................................................................. 12
real maravilhoso, e descubro o real maravilhoso no exato centro do
7. Educação popular e poder popular .................................................................. 14
8. Educar as massas .............................................................................................. 16 real horroroso da América.
9. A luta sindical .................................................................................................... 18
Nestas terras, a cabeça do deus Elegguá leva a morte na nuca e a vida
10. Educação popular e liberdade crítica ............................................................... 21
11. A formação de trabalhadores ........................................................................... 24 na cara. Cada promessa é uma ameaça; cada perda, um encontro. Dos
12. A importância do ato de ler .............................................................................. 25
medos nascem as coragens; e das dúvidas, as certezas. Os sonhos
13. Madre Cristina sobre a educação ..................................................................... 26
14. A importância de compreender os problemas do povo ................................... 28 anunciam outra realidade possível e os delírios, outra razão.
15. Resgatar o espírito de militância....................................................................... 34
Somos, enfim, o que fazemos para transformar o que somos. A
16. Sobre a mística .................................................................................................. 37
17. O poder popular................................................................................................ 39 identidade não é uma peça de museu, quietinha na vitrine, mas a
18. Análise de conjuntura dos movimentos sociais................................................ 43
sempre assombrosa síntese das contradições nossas de cada dia.
19. Sobre um programa de formação política ........................................................ 46
20. Construir um sindicalismo de base ................................................................... 50 Nessa fé, fugitiva, eu creio. Para mim, é a única fé digna de confiança,
21. Valores e ética na militância ............................................................................. 52
porque é parecida com o bicho humano, fodido mas sagrado, e à louca
22. Como fazer trabalho de base ............................................................................ 54
23. Educação popular e sujeitos da transformação ................................................ 55 aventura de viver no mundo.
24. A luta e a organização popular ......................................................................... 56
Celebração das contradições/2
25. Guia para estudo............................................................................................... 59
Eduardo Galeano
26. Ferramentas de organização do movimento popular ....................................... 60
27. Retomar o trabalho de base ............................................................................. 63
28. Avaliação no CEPIS ............................................................................................ 66

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1. EDUCAÇÃO POPULAR E TRABALHO POPULAR

“Educação Popular é o esforço de mobilização, organização


e capacitação popular para o exercício do poder” P. Freire
(adapt.)

Só o conhecimento liberta. Mas o saber não se reduz à escolarização,


erudição acadêmica, arquivo de informações ou mera assimilação e repetição de
conceitos. Conhecimento é mais que informação, palestra, curso ou leitura de livro.
O conhecimento pressupõe informação, assimilação e aplicação dos conceitos. Quem
sabe como fazer mas não faz, ainda não sabe. A informação de como nadar é
insuficiente para a prática de nadar. Quem nunca fez, ainda que tenha informações
de como fazer, só sabe quando aplica uma orientação conforme o grupo, lugar, ritmo
e cultura concreta.
Quando colocado a serviço de uma estratégia, o saber torna-se força
material que transforma a natureza e a sociedade. A educação é um instrumento que
torna comum uma estratégia de poder. Pois, toda educação tem uma
intencionalidade, explícita ou implícita; todo conhecimento tem um objetivo, direção
e finalidade. O conhecimento é conhecimento de algo, a partir de uma perspectiva. A
educação está sempre a serviço de uma ideologia, de uma proposta.
Numa sociedade de classes, não pode haver educação que seja a favor de
todos – será sempre a favor de alguém e contra outrem. A educação serve para que
uma pessoa se acomode ao mundo ou se envolva em sua transformação. Por isso, a
formação é um processo dialético de tradução, reconstrução e criação do
conhecimento que capacita educadores/educandos a ler criticamente a realidade,
com intenção de transformá-la.
A Educação Popular é uma concepção de formação que opta por um dos
pólos da luta de classe – a classe oprimida, o povo em marcha. E, no interior da
classe oprimida, opta por quem está na produção de riquezas. E, na classe que
trabalha, opta por quem se dispõe a um processo de transformar, pela raiz, a
estrutura da sociedade capitalista. Quem faz só pedagogia, só metodologia, sem
esta visão política, faz uma contra-educação popular
A Educação Popular é uma ferramenta político-pedagógica: a) traduz, divulga
e recria o conhecimento como força material para transformar a realidade; b)
Constrói e acompanhar a implantação da estratégia da organização popular; c)
Qualifica militantes que se dispõem a transformar a estrutura do sistema capitalista,
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no nível político, econômico, ideológico e cultural; d) Eleva o nível de consciência da 2. PAULO FREIRE E A EDUCAÇÃO POPULAR
classe oprimida; e) incorpora o povo como protagonista; f) Utiliza a metodologia
participativa para facilitar o entendimento e a aplicação de um conteúdo, “Pedro viu a uva”, ensinavam os manuais de alfabetização. Mas o professor
comprometendo as pessoas com uma multiplicação criativa. Paulo Freire, com o seu método de alfabetizar conscientizando, fez adultos e crianças,
A Educação Popular adota a concepção dialética onde a pergunta concreta no Brasil e na Guiné Bissau, na Índia e na Nicarágua, descobrirem que Pedro não viu
do presente, inspira-se na prática social acumulada (ciência, teoria, história) para apenas com os olhos. Viu também com a mente e perguntou se a uva é natureza ou
projetar uma saída. Na atividade formativa, conforme o grupo, utiliza o método cultura.
indutivo que parte do real, concreto, biográfico para o geral ou o método dedutivo Pedro viu que a fruta não resulta do trabalho humano. É criação, é natureza.
que vai do geral para o particular. O que não pode dispensar é o envolvimento de Paulo Freire ensinou a Pedro que semear a uva é a ação humana na e sobre a
cada ator como parte corresponsável, em todo o processo. natureza. É a mão, multiferramenta, despertando as potencialidades do fruto. Assim
A pedagogia da Educação Popular leva em conta: a) O querer do educador, como o próprio ser humano foi semeado pela natureza, em anos e evolução do
sua mundivisão e seu acúmulo da prática social; b) O educando com o seu saber, seu Cosmo. Colher uma uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura, assinalou
potencial, seus anseios e suas reivindicações; c) O contexto das pessoas, Paulo Freire. O trabalho humaniza e, ao realizá-lo, o homem e a mulher se
mergulhadas numa teia de relações econômicas, históricas, culturais, religiosas, humanizam. Trabalho que instaura o nó de relações, a vida social.
políticas, sociais...; d) A prática do intercâmbio, onde as partes se assumem como Graças ao Professor que iniciou sua pedagogia revolucionária com os
protagonistas, mesmo que tenham papéis específicos. operários do SESI de Pernambuco, Pedro viu também que a uva é colhida por bóias-
A Educação Popular é um processo coletivo de elaboração, tradução frias que ganham pouco e, comercializada por atravessadores que ganham melhor.
e socialização do conhecimento que capacita educadores e Pedro aprendeu com Paulo que, mesmo sem ainda saber ler, ele não é uma pessoa
educandos a ler criticamente a realidade para transformá-la. A ignorante. Antes de aprender as letras, Pedro sabia erguer uma casa, tijolo a tijolo. O
apropriação crítica dos fenômenos, e suas raízes, permite o médico, o advogado ou o dentista, com todo o seu estudo, não eram capazes de
entendimento dos momentos e do processo da luta de classes, a construir como Pedro. Paulo, Freire ensinou a Pedro que não existe ninguém mais
quebra toda forma de alienação e a descoberta do real e sua culta do que outra, existem culturas paralelas, distintas, que se complementam na
superação. vida social.
CEPIS – SP. Pedro viu a uva e Paulo Freire mostrou-lhes os cachos, a parreira, a plantação
inteira. Ensinou a Pedro que a leitura de um texto é tanto melhor compreendida
quanto mais se insere um texto no contexto do autor e do leitor. É dessa relação
dialógica entre o texto no contexto, que Pedro extrai o pretexto para agir. No início e
no fim do aprendizado é a práxis de Pedro que importa. Práxis-teoria-práxis, num
processo indutivo que torna o educando sujeito histórico.
Pedro viu a uva e não viu a ave que, de cima, enxerga a parreira e não vê a
uva. O que Pedro vê é diferente do que vê a ave. Assim, Paulo Freire ensinou a Pedro
um princípio fundamental da epistemologia: a cabeça pensa por onde os pés pisam.
O mundo desigual pode ser lido pela ótica do opressor ou pela ótica do oprimido.
Resulta uma leitura tão diferente uma das outras como a visão de Ptolomeu, ao
observar o sistema solar, com os pés na terra, e a de Copérnico, ao imaginar-se com
os pés no sol.

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3. SOBRE A METODOLOGIA POPULAR

“Imagina-te como uma parteira. Acompanhas o nascimento de alguém,


sem exibição ou espalhafato. Tua tarefa é facilitar o que está
acontecendo. Se deves assumir o comando, faz isto o de tal modo que
auxilies a mãe e deixes que ela continue livre e responsável. Quando
nascer a criança, a mãe dirá com razão: nós três realizamos esse
trabalho” (Adapt. de Lao Tse, séc. V a C.)

 APRESENTAÇÃO
Gostaria de iniciar dizendo que nem sempre cabe uma palestra sobre
método. O que ensina a gente é fazer coisas e ler. O fundamental é fazer, é lançar-se
numa prática e ir aprendendo-reaprendendo, criando-recriando, com o povo. Isso é
que ensina a gente. Mas, ajuda muito bater um papo com quem tem prática, com
quem já teve prática e com quem tem uma fundamentação teórica, à propósito da
experiência. Nesse olhar uma assessoria tem sentido. Mas, o indispensável é fazer.
Assim a gente vai tendo a sensação agradável de estar descobrindo as coisas com o
povo.
Tenho evitado escrever algo que não tenha feito. Nem carta sei fazer se não
tiver algo importante para conversar. Meus livros são sempre relatórios, embora
Agora, Pedro vê a uva, a parreira e todas as relações sociais que fazem do relatórios teóricos, feitos a partir da prática. Quem pretende trabalhar com esses
fruto, festa no cálice de vinho, mas já não vê Paulo que mergulhou no Amor, na relatórios deve estar disposto a recriar o que fiz, a refazer e não só copiar, a
manhã do dia 02 de Maio de 1997. Deixa-nos uma obra inestimável de competência reinventar as coisas. Os elementos que vamos refletir são princípios válidos para
e coerência. Paulo deveria estar em Cuba, onde receberia o título de doutor ‘honoris quem trabalha com o povo, está metido com alfabetização de adultos ou participa de
causa’ da Universidade de Havana. Ao sentir dolorido seu coração que tanto amou, algum tipo de pastoral ou trabalho popular.
pediu que fosse representá-lo. De passagem marcada não me foi possível atendê-lo.
Contudo, antes de embarcar, fui rezar em torno de seu semblante tranquilo: “Paulo  Princípios do Trabalho Popular
via a Deus”. NINGUÉM ESTÁ SÓ NO MUNDO
Frei Betto O primeiro princípio é ninguém está só no mundo. Enquanto educadore(a)s
devemos estar muito convencido(a)s de uma coisa que é óbvia: ninguém está só no
mundo. Parece uma constatação besta - constatação é aquilo que ninguém precisa
pesquisar. Mas, é preciso ver que implicações se tira da constatação. O importante
não é fazer uma constatação. Fazer constatação é fácil, basta estar vivo. O importante
é encarnar essa constatação com um bando de consequências, de implicações.
A primeira consequência, sobretudo no campo da educação, é que, se
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ninguém está só, é porque os seres humanos estão no mundo com outros seres. E as anedotas chamada feias que são tão bonitas.
estar com outros significa necessariamente respeitar nos outros o direito de dizer a Quando era moço, me contaram uma estória que se deu com Henry Ford.
palavra. Aí, começa o embananamento para quem tem uma posição nada humilde, Henry Ford reuniu seus técnicos e assessores e disse: vamos aqui discutir o modelo
quem pensa que conhece a verdade toda. Para elas só tem um jeito – fazer a cabeça novo dos carros Ford. Então, os técnicos começaram: Sr. Henry, vamos dar um jeito
de quem não tem a verdade. de acabar com esses carros só pretos e feios; vamos tacar o carro marrom, verde,
Saber ouvir azul, mudar o estilo, fazer um negócio mais dinâmico. Quando deu 17 h o Henry Ford
A implicação profunda e rigorosa que surge quando encarno que não estou falou: agora em tenho um negócio. Vamos fazer o seguinte: amanhã, a gente se
só é exatamente o direito e o dever de respeitar em você o direito de você dizer a reúne aqui às cinco horas, para decidir esse negócio. No outro dia, às 16h45 os
palavra. Isso significa então, que é preciso também saber ouvir. Na medida, em que assessores estavam todos na sala. Às 16,50 h, a secretária de Ford entrou na sala e
eu parto do reconhecimento do teu direito de dizer a palavra, quando eu falo porque falou: senhores, o Sr. Ford não pode vir a essa reunião, mas pede que os senhores se
te ouvi, eu faço mais do que falar a ti, eu falo contigo. Mas, falar a ti só se converte reúnam; diz também que concorda com os senhores, desde que seja preta a cor dos
no falar contigo, se eu te escuto. No Brasil tá cheio de gente falando prá gente, mas carros.
não com a gente. Faz 500 anos que o povo brasileiro leva porrete. Tudo isso tem a Eu falo contigo quando sou capaz de te escutar. E se sou
ver com o trabalho do educador(a): Numa posição autoritária, é evidente que o capaz, eu falo a ti. No falar a e no falar sobre (que significa
educador(a) fala ao povo, fala ao estudante. falar em torno), falo a ti sobre a situação tal. Se me
O terrível é ver um montão de gente se proclamando de esquerda e convenci desse falar com, desse escutar, meu trabalho vai
continuar falando ao povo e não com o povo numa contradição partir sempre das condições concretas em que o povo está.
extraordinária com a própria posição de esquerda. Porque o correto da Meu trabalho vai partir dos níveis, das maneiras e formas
direita é falar ao povo, enquanto o correto da esquerda é falar com o povo. como o povo se compreende na realidade e nunca da
Esse trequinho é a primeira conclusão que a gente tira quando percebe que maneira como eu entendo a realidade.
não está só no mundo.  Desmontar a visão mágica
Quando a gente encarna e vive este não estar só no mundo está falando da Parto de um exemplo concreto. Quando tinha 7 anos, já não acreditava que a
metodologia popular. Esse modo de ver e de tratar é muito mais que um método – é miséria era punição de Deus. Isso faz muito tempo. Mas, vamos admitir que eu
uma concepção de mundo. É uma pedagogia. Pedagogia e não um método cheio de chegue para trabalhar, numa certa área cujo nível de repressão, opressão, espoliação
técnicas. A gente sabe muito mais as coisas quando aprendemos o significado dessa do povo é tão grande que a comunidade, até por necessidade de sobrevivência
pedagogia do que quando se aplica uma técnica. As técnicas só se encarnam quando coletiva, se afogue numa visão alienada do mundo. Nessa visão, Deus é o
o princípio é respeitado. responsável por toda aquela miséria. Nesse nível de consciência, de percepção da
Se o educador está disposto a viver com o educando uma experiência na realidade é preciso, acreditar que Deus é o responsável. Sendo Deus o responsável o
qual o educando diz sua palavra ao educador e não apenas escuta a palavra problema passa a ter causa superior. É melhor acreditar que é Deus do que acreditar
do educador, a educação se autentica, tendo no educando um criador de que não é, porque aí não se tem a obrigação de brigar, arriscando-se a morrer...
sua aprendizagem. Esse é um princípio fundamental. Esta é uma realidade que existe. Não se sabe como é que os jovens de
Uma segunda consequência do falar a e do falar com é que eu só falo com na esquerda não percebem esse treco! Então, não é possível chegar a uma área como
medida em que escuto também. E eu só escuto na medida em que eu respeito, essa e fazer um discurso sobre a luta de classe. Não dá mesmo ! É uma absoluta
inclusive o que fala me contradizendo. Se a gente só escuta o que concorda com a inconsistência teórico-científica. Fazer um troço desse, é ignorância da ciência. Um
gente... é exatamente o que está aí no poder. Quer dizer, desde que vocês aceitem as dia, vai chegar o negócio da classe. Mas, será impossível enquanto não desmontar a
regras do jogo, a abertura prossegue. Se o povo brasileiro concordar que a abertura, visão mágica, a compreensão mágica. Se houvesse a possibilidade da participação
a democracia deve ser assim, ela existe, senão... Gosto muito de anedotas, inclusive
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ativa, da prática política imediata, essa visão se acabaria. Porém, é sempre uma - Ah, foi porque seus pais puderam e os nossos não.
violência você querer esquecer que a comunidade ainda não tem a possibilidade de - Concordo. Mas por que meus pais puderam e os de vocês não puderam?
um engajamento imediato.
O que tem acontecido é a gente falar à comunidade e não com a
- Ah, o senhor pôde porque seus pais tinham condição, bom trabalho, bom
emprego e os nossos não.
comunidade. Você faz um discurso brabo, danado. E o resultado desse discurso? Cria
mais medo; mete mais medo na cabeça da população. Quer dizer, o que a gente tem - Tá certo. Mas, por que os meus tinham e os de vocês não?
a fazer é partir exatamente do nível que a massa está. Diante desse fato, há duas - Porque os nossos eram camponeses. Meu avô era camponês, meu pai era
possibilidades de errar: a) acomodar-se ao nível da compreensão da comunidade e camponês, eu sou camponês, meu filho é camponês, meu neto vai ser
passar a dizer que, na verdade, é Deus mesmo que quer isso; b) ou arrebentar com camponês. (Aí, a concepção fatalista da história!).
Deus e dizer que o culpado é o imperialismo. - O que é ser camponês?
Seria uma falta de senso dessa pessoa porque, isso é falta de compreensão - Ah, é não ter nada, é ser explorado.
do fenômeno humano, da espoliação e das raízes. É engraçado, se fala tanto em
dialética e não se é dialético. (Dialética é o processo de conhecimento pelo qual se
- Mas, o que é que explica isso tudo?
acerta o caminho, através de um processo de reflexão sobre a realidade ou a prática). - Ah, é Deus! Deus quis que o senhor tivesse e nós não.
O que será que pode acontecer na cabeça das pessoas: se Deus é um caboclo danado - Tá certo, concordo. Deus é um cara bacana, é um sujeito poderoso! Agora,
de forte, que criou todo esse treco o que é que pode gerar na cabeça dessas pessoas eu queria fazer uma pergunta: quem aqui é pai? (Todo mundo era). Olhei
se a gente chega e diz que não é Deus? Vamos ter que brigar com uma situação feita para um e disse: Você tem quantos filhos? - Tenho seis, disse ele.
por um ser tão poderoso como este e, ao mesmo tempo, tão justo. Essa ambiguidade - Você seria capaz de botar 5 filhos aqui no trabalho forçado e mandar um
que está aí significa pecado. Então, a gente mete mais sentimento de culpa na cabeça prá Capital com comida, hotel, prá ele estudar e ser doutor, e os outros 5
da massa popular. morrendo no porrete e no sol?
 Partir do nível da massa - Não, não fazia isso não!
Antes do golpe militar, lá no Nordeste, fui conversar com um grupo de
- Então, você que acha que Deus é poderoso, que é pai, ia tirar essa
camponeses. Em poucos minutos eles se calaram e houve um grande silêncio. Até
oportunidade de vocês? Será que pode? Houve um silêncio e por fim um
que um deles falou:
falou:
- O senhor me desculpe, mas é o senhor que deve falar e não nós. - É não, não é Deus nada! É o patrão!
- Por que? Perguntei eu. Seria idiotice minha se eu dissesse que era o patrão imperialista yankee. O
- Porque o senhor é o que sabe e nóis não sabemos. cabra ia dizer o quê, onde mora esse hôme? A transformação social se faz com
- Aceito. Eu sei e vocês não sabem! Mas por que é que eu sei e vocês não ciência, com consciência, bom senso, humildade, criatividade e coragem. É
sabem? trabalhoso, não se faz na marra. O voluntarismo nunca fez revolução, em canto
Aceitei a posição deles em vez de me sobrepor à posição deles. Aceitei a nenhum, nem o espontaneísmo. Transformação social implica em convivência com as
posição deles, mas, ao mesmo tempo, indaguei sobre eles) massas populares e não a distância delas.
- Um deles respondeu:
 Ninguém sabe tudo ninguém ignora tudo
- O senhor sabe porque foi à escola e nós não. Um princípio que está ligado ao falar a e falar com é que ninguém sabe de
- Aceito. Fui à escola e vocês não foram. Mas, por que é que eu fui à escola e tudo, nem ninguém ignora tudo. Isto equivale dizer que, em termos humanos, não
vocês não foram? há nem sabedoria absoluta, nem ignorância absoluta.
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Um dia, no Chile, fui discutir com camponeses. Eles estavam inibidos para 5. Assumir a ingenuidade do educando
discutir comigo por que eu era doutor. Falei que não era. Peguei um giz, fui ao Outro princípio fundamental é a capacidade de assumir a ingenuidade do
quadro e propus o seguinte jogo. Faço uma pergunta a vocês e se vocês não educando, seja universitário ou popular. É comum a gente defrontar-se com
souberem, eu marco um gol. Em seguida, vocês fazem uma pergunta e se eu não ingenuidades, com perguntas que a gente não entende. E não entende porque quem
souber, vocês marcam um gol. Vou dar o primeiro chute. De propósito, perguntei um faz a pergunta não consegue fazer. Imaginem que pedagogo seria eu, se ao ouvir uma
treco difícil, coisa de intelectual: eu gostaria de saber o que hermenêutica socrática? pergunta mal formulada, desorganizada ou sem sentido, eu respondesse com ironia.
Ficaram rindo, não sabiam o que era isso. Marquei um ponto para mim. Na vez deles, Que direito teríamos nós de dizer que somos educadores que pensam em liberdade
alguém fez uma pergunta sobre semeadura. Eu não entendia pipocas! Perdi um e respeito? Às vezes, é complicado. Tenho feito assim quando não consigo realmente
ponto. Fiz a segunda: o que é alienação em Hegel? Dois a um. Me fizeram uma entender a pergunta: vou repetir a pergunta; presta atenção pra ver se eu não estou
pergunta sobre praga. Foi uma senhora experiência, com empate de 10 a 10. distorcendo o espírito da tua pergunta; se eu distorcer, você me diz. Então, repito a
Convenceram-se, no final do jogo, que de fato, ninguém sabe tudo e ninguém sabe pergunta reformulando de maneira mais clara como eu penso que entendi. Não raro
nada. as pessoas afirmam: era isso que eu queria perguntar, só que não estava sabendo.
 Elitismo e basismo Imaginem se eu dissesse à pessoa não, você é um idiota! Com que autoridade? Que
Mas, essa verdade que aceitamos a nível teórico pelo intelecto (ninguém sabedoria tenho eu para fazer isso? Ao contrário, é preciso seguir o princípio
sabe tudo e ninguém sabe nada), a gente precisa viver. Todo mundo aqui sabe que absolutamente fundamental: ao assumir a posição ingênua do educando, você
não está só no mundo. Porém, é preciso viver a consequência disso, sobretudo supera essa posição com ele e não sobre ele.
quando dizemos que nossa opção é libertadora. O que é preciso é encarnar esse Se é fundamental assumir a ingenuidade do educando é absolutamente
princípio quando a gente se aproxima da massa popular arrogantemente, indispensável assumir a criticidade do educando diante da nossa ingenuidade de
elitistamente, para salvar a massa inculta, incompetente, incapaz! Essa é uma educador. Esse é o outro lado da medalha para o educador auto-suficiente. Para ele
postura absurda, até porque não é científica. Há uma sabedoria que se constitui na só o educando é ingênuo, o educador nunca é. No fundo, ingênuo é o educador
massa popular, pela prática. porque a ingenuidade se caracteriza pela alienação de si mesmo ao outro. A
Mas, existe também outro equívoco que chamamos basismo: ou você está na alienação se faz pela transferência de si em alguém para o outro: eu não sou
base, o dia todo, a noite toda, mora lá, morre lá ou não dá palpite nunca! Isso é ingênuo, o outro é que é ingênuo. Transfiro para ele a minha ingenuidade. Só posso
conversa fiada, não dá certo! Esse negócio de superestimar a massa popular é um criticar, se eu também acredito que também sou ingênuo; porque não há nenhuma
elitismo às avessas. Não há porque fazer isso. Tenho claro que sou intelectual de mão absolutização da ingenuidade, nem absolutização da criticidade. O educador que não
fina. A sociedade burguesa em que me constitui como intelectual não me poderia ter faz esse jogo dialético, contraditório e dinâmico, não trabalha pela libertação.
feito diferentemente. Ou a gente é humilde para aceitar uma verdade histórica que é 6. Educação como ato político
o nosso limite histórico ou, nos suicidamos. E eu não vou me suicidar porque é Discutir esses princípios e posturas pedagógicas, tudo isso é política. A
dentro dessa contradição que me forjo como um novo tipo de intelectual. E tenho educação é tanto um ato político, quanto um ato político é educativo. Não é possível
uma contribuição a dar a massa popular. negar, de um lado, a politicidade da educação e, do outro, a educabilidade do ato
O fundamental é que minha contribuição só é válida, na medida em que sou político. Nesse sentido, todo partido é sempre educador. Tudo depende que
capaz de partir do nível em que a massa está e, portanto, aprender com ela. Se não educação é essa que esse partido faz, depende com quem ele está, a favor de que
for assim, a contribuição de nada vale ou é muito pouca. Independente das técnicas, está o educador ou a educadora. Se educação é sempre um ato político e a(o)
o que vale é o princípio: estar com o povo e não simplesmente para ele e jamais educadore(a)s são seres políticos, importa saber a favor de quem fazemos política,
sobre ele. Isso é o que caracteriza a postura libertadora. qual nossa opção.
Clareada nossa opção, a gente tem que ser coerente. Porque não adianta o
discurso revolucionário com uma prática reacionária. Não adianta participar, uma
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semana, de um curso sobre metodologia popular e, em seguida, ir à favela salvar os Quando reapareceram me disseram: Paulo, a coisa mais formidável que a gente tem
favelados com a nossa ciência, em lugar de aprender com os favelados a ciência pra contar é que, por mais que a gente tivesse lido você e conversado com você, a
deles. Não é o discurso que diz se a prática é válida; é a pratica que diz se o discurso gente cometeu um erro tremendo. A gente tinha botado na cabeça que o povo
é válido ou não. Quem julga é sempre a prática, não o discurso. De nada adianta um queria ser alfabetizado. Como a gente falou que alfabetização era importante, o povo
lindo sermão seguido de uma prática reacionária. De nada adianta uma proposta passou 6 meses com a gente, falando daquilo por causa da gente. Quando aumentou
revolucionária, se nossa prática é pequeno-burguesa. a intimidade o povo, dando risada, falou “nós nunca quisemos isso”! O grupo de
O trabalho concreto exige capacitação em vários campos. Porém, o jovens era um pessoal bacana. Tinha lido tudo meu, tinha discutido comigo um
fundamental é a coerência com nossa opção política. Por causa dela corre-se risco. semestre. Eu também fui enrolado pela equipe. O povo queria outra coisa, mas a
Educação libertadora ou é aventura permanente ou não é criadora. E não há criação equipe tinha transferido ao povo a necessidade da alfabetização. Num País de 500
sem risco; e o que temos a fazer é reinventar as coisas. anos de dominação é fácil aceitar a insinuação de um intelectual sobre uma
7. A marca do autoritarismo necessidade.
Nós brasileiros temos que combater, em nós, a marca trágica do 9. Pacientemente impaciente
autoritarismo que vem dos primórdios do nosso nascimento. O Brasil foi inventado O educador com a opção libertadora tem que viver pacientemente
autoritariamente e autoritariamente continua. Não é de espantar que a abertura e a impaciente. Significa viver a relação entre a impaciência e a paciência. Não é possível
democracia se façam de forma autoritária. viver só impaciente como muita gente, querer a revolução para amanhã. A
Pe. Antônio Vieira, num belo sermão, durante a guerra contra os holandeses, impaciência se manifesta, por exemplo, na afirmação as massas já têm o poder, no
dizia: em nenhum milagre Cristo gastou mais tempo, nem mais trabalho teve do que Brasil: só falta o Governo. A impaciência mete na cabeça da gente um desenho da
em curar o endemoniado mudo. E esta tem sido a grande enfermidade do nosso realidade que não existe. Só pode existir na cabeça de alguém fantasioso, não na
País: o silêncio ao qual o povo sempre foi submetido. O que Vieira não disse é que, realidade econômica, política e social do Brasil. A impaciência significa a ruptura com
neste País, quem tem sido mudo é a classe popular, as classes trabalhadoras. Não são a paciência. Romper com um desses pólos é romper em favor de um deles.
mudas porque não fizeram nada. Elas têm feito sua rebelião constante. As lutas
populares, neste País, têm sido grandiosas! Só que a historiografia oficial, primeiro NOTA: Esta reprodução adaptada tem como base a publicação PARA
esconde as lutas, quando conta distorce e, por fim, o poder autoritário faz tudo prá TRABALHAR COM O POVO editada pelo Centro de Capacitação da
gente esquecer. Juventude, Vila Alpina, Zona Leste de São Paulo, SP, 1983.
Os intelectuais desse País são autoritários, inclusive quando somos de
esquerda. Nosso autoritarismo se transformou na nossa arrogância, na sabedoria
que a gente fala, nas exigências de leitura que fazemos, no nosso comportamento
durante os cursos e seminários. Cita uns 40 livros e manda o aluno ler uns 200
capítulos a mais do que os 40 livros.
8. Reaprender de novo
Se você pretende começar um trabalho com grupos populares, esqueça-se
de quase tudo o que lhe ensinaram. Dispa-se, fique nu e comece a se vestir de povo.
Esqueça-se da falsa sabedoria e comece a reaprender de novo. Aí é que a gente
descobre a validade do que já se sabe – ao testar o que a gente sabe com o que o
povo está sabendo.
Um grupo de jovens fazia uma experiência de alfabetização numa
comunidade de favelados, durante a construção de um barraco. Depois sumiram.
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4. DE ONDE PROVÊM AS IDÉIAS CORRETAS? de um significado ainda maior que o anterior. Porque só esse salto permite provar se
Mao Tse Tung – Maio de 1963 o primeiro é ou não acertado. Quer dizer, só ele permite assegurar se as ideias,
teorias, política, planos, resoluções elaboradas durante o processo de reflexões sobre
De onde provêm as ideias corretas? Por acaso, caem do céu? Não. Serão, a realidade objetiva são corretos ou incorretos. Não há outro método para
porventura, inatas dos cérebros? Não. Elas só podem se originar da prática social, de comprovar a verdade. Além disso, a única finalidade do proletariado ao conhecer o
três tipos de prática social: a luta pela produção, a luta de classes e a experimentação mundo, é transformar o próprio mundo. Não há outro objetivo além desse.
científica da sociedade. Frequentemente, para se chegar a um conhecimento correto torna-se
A existência social das pessoas determina seu pensamento. Uma vez necessário repetir muitas vezes o processo vai da matéria à consciência e da
dominadas pelas massas, as ideias corretas que caracterizam a classe avançada, consciência á matéria, quer dizer, da prática ao conhecimento e do conhecimento à
tornam-se uma força material capaz de transformar a sociedade e o mundo. prática.
Empenhados em diversas lutas, no decorrer da sua prática social, os humanos Esta é a teoria marxista do conhecimento; é a teoria materialista dialética do
adquirem uma rica experiência, extraída tanto de seus êxitos como dos seus conhecimento. Muitos de nossos companheiros, ainda não compreendem essa
fracassos. teoria do conhecimento. Quando perguntados sobre a origem de suas ideias,
Os inumeráveis fenômenos da realidade objetiva refletem-se no cérebro opiniões, política, métodos, planos, conclusões, eloquentes discursos e extensos
humano, por meio dos órgãos de seus cinco sentidos – visão, audição, olfato, paladar artigos, estranham a pergunta e não sabem respondê-la. Também não compreendem
e tato. Assim se constitui, no início, o conhecimento sensorial. Quando esses dados que a matéria possa transformar-se em consciência e a consciência em matéria,
sensoriais se acumulam suficientemente, produz-se um salto pelo qual eles se embora tais saltos sejam um fenômeno da vida de todos os dias.
transformam em conhecimento racional, quer dizer, em ideias. Por isso, é preciso educar nossos companheiros, na teoria materialista
Este é um processo de conhecimento. Trata-se da primeira etapa do processo dialética do conhecimento para que possam orientar corretamente seu pensamento,
global do conhecimento, a etapa que vai da matéria objetiva ao espírito subjetivo, da saibam pesquisar e estudar, e realizar a avaliação de suas experiências, superem as
existência às ideias. Nessa etapa, ainda não se comprova se a consciência e as ideias dificuldades, cometam menos erros, façam melhor o seu trabalho e lutem duro para
(incluindo teorias, política, planos, resoluções) refletem corretamente as leis da transformar nosso País num grande e poderoso país socialista e ajudem as grandes
realidade objetiva – ainda não se pode determinar se tais ideias são corretas ou não. massas de oprimidos e explorados do mundo, cumprindo assim o dever
Em seguida, se apresenta a segunda etapa do processo de conhecimento, internacionalista que nos cabe.
etapa que conduz da consciência à matéria, do pensamento à existência. Isto
significa aplicar, na prática social, o conhecimento obtido na primeira etapa, para ver
se essas teorias, política, planos e resoluções... produzem ou não, os resultados
esperados. De maneira geral, com relação a esse ponto, o que dá bom resultado é
correto e o que fracassa é incorreto, especialmente quando se trata da luta entre a
humanidade e a natureza.
Na luta social, as forças que representam a classe avançada, às vezes, sofrem
algum fracasso. Mas não por terem ideias incorretas e sim porque na correlação das
forças em luta, elas são menos poderosas, naquele momento do que as forças
reacionárias. Por isso, fracassam temporariamente, porém, acabam por triunfar, mais
cedo ou mais tarde.
Através da prova da prática o conhecimento humano dá um novo salto que é

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5. O QUE É EDUCAÇÃO? impor - (In+signo+are) - de forma autoritária ou populista, diferentes pacotes que
perpetuam a ordem dominante. As pessoas são ensinadas a introjetar e a reproduzir
“Desde pequeno tive que interromper minha educação para entrar na conteúdos e modelos que fortalecem a estrutura de opressão. Pode existir imposta
escola” Bernard Shaw por um sistema centralizado de poder, que usa o saber e o controle sobre o saber,
A educação tem papel fundamental na organização da sociedade, podendo como armas que reforçam a desigualdade entre as pessoas, na divisão dos bens, do
tanto ordená-la, quanto reformá-la ou, até, revolucioná-la. Assim, não há só uma trabalho, dos direitos e dos símbolos.
forma, nem um único modelo de educação. A educação existe em cada povo e em Há muitos anos, governantes de dois estados americanos, após muitas
povos que se encontram; em povos que submetem outros povos e usam a educação guerras de extermínio, selaram um tratado de paz com os índios. Para celebrar o
como um recurso de sua dominação e em povos que buscam a libertação e usam a acontecido e, convencidos que a educação é tudo, as autoridades escreveram cartas
educação como instrumento para livrar-se da dominação. aos nativos, oferecendo vagas para jovens índios, nas escolas dos brancos.
A educação é um processo de tradução, reconstrução, reprodução e Agradecendo e recusando a oferta eles responderam:
(re)criação do conhecimento. É verdade que só o conhecimento liberta, embora, de Estamos convencidos que os senhores desejam o bem para nós e
forma mais ou menos intencional, muita gente reduz o saber à escolarização, à agradecemos de coração. Mas, entendemos que diferentes povos têm ideias
erudição acadêmica, ao um arquivo de informações ou à mera assimilação e diferentes sobre as coisas. Esperamos que não fiquem ofendidos ao saber que vossa
repetição de conceitos. O conhecimento é mais que a informação, palestra, curso ou ideia de educação não é a mesma que a nossa.
leitura de um livro – quem diz que sabe, mas não sabe fazer, ainda não sabe. O Muitos dos nossos bravos guerreiros foram formados nas escolas dos
conhecimento pressupõe informação, assimilação e aplicação prática dos conceitos. “civilizados” e aprenderam toda a vossa ciência. Mas, quando voltaram para nós,
Quando colocado a serviço de uma estratégia, o saber pode tornar-se força material eram maus corredores, ignorantes na vida da floresta e incapazes de suportar o frio e
para transformar a natureza e a sociedade. a fome. Não sabiam como caçar o búfalo, matar o inimigo, construir uma cabana e
A educação é um Instrumento que torna comum o saber e a estratégia de um falavam nossa língua muito mal.
grupo. Toda educação tem uma intencionalidade, explícita ou implícita, pois todo Eram, portanto, totalmente inúteis. Não serviam como guerreiros, nem como
conhecimento tem um objetivo, uma direção e uma finalidade. O conhecimento é caçadores ou como conselheiros. Agradecemos a oferta embora não possamos
conhecimento de algo ou de alguém, a partir de uma perspectiva. A intencionalidade aceitá-la. Para mostrar nossa gratidão propomos aos nobres senhores que nos
dá a direção do conhecimento e a direção da ação decorrente deste conhecer. A enviem alguns dos seus jovens. Nós lhe ensinaremos tudo o que sabemos e faremos
educação está a serviço de uma ideologia como instrumento para consolidar uma deles, homens. (em “O que é educação” C. Brandão)
estratégia de poder. Na educação libertadora, tornar comum significa uma construção coletiva
Adotar e discutir princípios e posturas pedagógicas é fazer política. A que busca incorporar as pessoas como protagonistas e estimula seu potencial
educação é um ato político, como um ato político é educativo. Numa sociedade de silenciado e atrofiado para a construção de uma nova ordem, com pessoas novas. A
classes, não pode haver educação que seja a favor de todos – será sempre a favor de educação libertadora, ao despertar a libertação de forças “naturalmente”
alguém e contra outrem. A educação serve para que uma pessoa se acomode ao adormecidas e socialmente reprimidas, inclui, ao mesmo tempo, a consciência e o
mundo ou se envolva em sua transformação. A politicidade da educação questiona mundo, a palavra e o poder, o conhecimento e a política, a teoria e a prática. A
quem educa sobre a educação que se pratica na sociedade capitalista. Uma educação pedagogia participativa exige envolvimento corresponsável de quem entra no
transformadora, só pode ficar contra quem se beneficia de uma situação de processo – o que eu ouço eu esqueço; o que eu vejo me lembro; o que eu faço
dominação e se coloca a favor de quem é prejudicado por ela. Ao ser conservadora, aprendo (Confúcio)
estará a favor dos grupos beneficiados com sua manutenção. A educação visa a incorporação de muita gente na defesa e sustentação de
Na educação domesticadora, tornar comum significa naturalizar a prática de um projeto. É uma disputa de hegemonia onde uma classe busca exercer sobre outra
um processo de direção política, no plano político, cultural e ideológico. A
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hegemonia da classe no poder se constrói e se recria, na vida cotidiana. Através dela 6. O QUE É EDUCAÇÃO POPULAR?
se interioriza valores e se constrói sujeitos convencidos da excelência de uma
alternativa de vida. Os processos educativos junto com a mídia e a escola garantem o “Tudo muda quando as panelas estão cheias ou vazias de
grupo no poder ideologicamente hegemônico. alimentos” Madre Cristina, Julho/85
A educação deve ser necessariamente crítica a qualquer tentativa de
endoutrinamento ou dogmatismo que treina obedientes seguidistas. É, igualmente, A Educação Popular é uma prática político-pedagógica que assume diversos e
contrária a toda ausência de princípios, ecletismo ou elogio oportunista a um falso contraditórios significados, conforme os interesses de grupos, em diferentes
saber popular. A repetição de fórmulas acabadas, de receitas transplantadas ou a conjunturas. Já foi subversiva, perseguida por vários governos e não coube na
aceitação do simples senso comum tem produzido imbecis disciplinados que academia. Para caber na academia, tentam despi-la da politicidade que trouxe de
afundam qualquer organização. berço. Também já foi sinônimo de alfabetização de adultos ou entendida como
CEPIS – SP. dinâmicas de grupo usadas para produzir a euforia (ou a ilusão?) do participativo.
A Educação Popular foi aplicada em processos de alfabetização, com sucesso,
porque o ato de ler (legere) foi bem mais que o ato de enletrar. Foi uma qualificação
para captar o mundo e para escrever a vida da pessoa, como autora e testemunha de
sua própria história. Quando utiliza dinâmicas de grupo, imagens e metáforas é uma
forma de estimular o trabalho cooperativo, a participação das pessoas e facilitar a
compreensão e assimilação dos conceitos que são abstratos.
Estranhem o que não for estranho As mudanças na Educação Popular são desejadas e necessárias para que ela
continue significativa, em diferentes gerações e processos históricos. Mas, as
Tomem por inexplicável o habitual
mudanças sempre trazem a marca da disputa ideológica e a intenção de reforçá-la ou
Sintam-se perplexos ante o quotidiano esvaziá-la enquanto instrumento que serve às classes subalternas, no seu processo
Tratem de achar um remédio para o abuso histórico de emancipação.
A Educação Popular é um processo coletivo de elaboração, tradução e
Mas não se esqueçam de que o abuso é sempre a regra.
socialização do conhecimento que capacita educadores e educandos a ler
A exceção e regra criticamente a realidade para transformá-la. A apropriação crítica dos fenômenos e
Bertold Brecht suas raízes e permite o entendimento dos momentos e do processo da luta de classes
e ajuda a quebrar toda forma de alienação e buscar a descoberta do real e sua
superação.
Educação popular é uma experiência de aprender e ensinar que só pode
interessar aos pobres: só o oprimido pode libertar-se e ao libertar-se, liberta também
seu opressor. Popular significa, então, a opção por um dos pólos da luta de classes
onde o povo que se mobiliza deve ser parte. Ele já tem um saber, ainda que parcial e
fragmentado, mas precisa refletir sobre o que sabe (não sabe que sabe) e incorporar
o acúmulo teórico da prática social. A Educação Popular é um instrumento que
desperta, qualifica e reforça o potencial popular em sua luta para romper a lógica do
capital e construir uma alternativa solidária.

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“quem quiser fazer só pedagogia, só metodologia, sem esta A metodologia popular se constrói sobre a prática dos participantes,
visão política, acaba fazendo uma contra-educação problematizando seu saber, questionando a percepção que eles têm da ação que
popular”- Madre Cristina, Julho/85 realizam. Requer o envolvimento integral - corpo, mente e sentimentos que se traduz
Não existe Educação Popular fora dos processos de luta popular. O trabalho em forma de participação ativa, disciplina consciente e iniciativa individual criativa.
educativo, junto a um movimento, ajuda concretizar suas convicções, princípios e O processo metodológico se realiza pela interação de quatro balizas básicas:
propostas, em cada conjuntura. Seu objetivo permanente é:  O querer dos educadores - O educador é um dos pólos do diálogo - com seu
 Contribuir na tradução, divulgação e recriação do conhecimento querer, sonhos, opções, limites e o conhecimento da prática social que carrega
como força material para transformar a realidade: entender, (teoria). Muitas vezes, é ele quem toma a iniciativa do processo. Não é o guia
assimilar e aplicar; genial que faz a cabeça, presente no discurso autoritário e vanguardista, nem o
 Ajudar a construir, divulgar, tornar comum e acompanhar a acessório presente no discurso autoritário e basista. Sua tarefa específica é
estratégia da organização popular como resposta aos desafios de sua educar (ex- ducere), assessorar (facilitar o acesso à), ajudar a entender os
prática cotidiana e histórica. conceitos, como condição para desmontá-los e recriá-los. Se a realidade
 Qualificar quadros militantes que se dispõem a transformar, pela raiz, influencia o olhar do educador, o mundo é contemplado a partir do que ele
a estrutura do sistema capitalista, no nível político, econômico, acredita.
ideológico e cultural... - A necessidade dos trabalhadores - O educando é o outro pólo do diálogo com
 Ajudar a elevar o nível de consciência da classe oprimida e incorporar suas necessidades, anseios, fantasias, limites, saberes, origens, valores,
o povo como protagonista. experiências, ritmos, subjetividade... Não é só vítima é também potencial. Não é
 Facilitar o entendimento e aplicação do conteúdo e da metodologia um ignorante, depósito, cliente, plateia, aluno, objeto de manipulação; nem o
popular, comprometendo as pessoas com a multiplicação criativa. sabe-tudo do discurso basista - o povo sabe o que quer, mas, às vezes, quer o que
A Educação Popular leva em conta os diversos níveis de consciência, mas não não sabe. Suas demandas aparecem como reivindicação ditada pelo cotidiano.
pode ser ingênua e confundir princípio com método. Assim, a defesa intransigente da  O contexto onde se dá o processo - A formação acontece com pessoas situadas
igualdade entre os humanos, sem superiores ou inferiores, não pode desconhecer as – estão mergulhadas numa teia de relações econômicas, sociais históricas,
diferenças produzidas pela carga genética, o ambiente cultural, oportunidades culturais, interpessoais, políticas. O diálogo educativo se realiza em um contexto
históricas, esforço pessoal... estrutural e conjuntural conflitivo que facilita e desafia. A vontade joga um papel,
Mesmo sem critérios exatos para demarcar limites pelo menos, quatro níveis mas precisa considerar as condições objetivas. Alem disso, só agir dentro do
de formação: a) a de base - com temas que se referem à identidade, à integração na possível, pedindo licença e sem ousadia, não leva à ruptura da ordem.
vida, o ânimo para a luta, os valores... b) a de militantes – o esforço de reconstruir os  A postura e a prática do intercâmbio - É a relação de troca entre pessoas que
conceitos enquanto acúmulo da prática social, categoria de análise... c) a de têm a mesma causa. As partes envolvidas são protagonistas, mesmo exercendo
dirigentes – que exercita a capacidade de análise, a elaboração estratégica, a papéis específicos de parturiente e/ou parteira, sem utilitarismo. Existe uma
habilidade na condução política... d) a de formadores – que, junto com os conteúdos, intensa interação e tensão de todos com todos, com mútua influência:
inclui o domínio da habilidade pedagógica... educadores, educandos e contexto no esforço de superar o voluntarismo, o
A pedagogia popular é participativa: nem para, nem sobre, mas com as possibilismo e o basismo.
partes envolvidas. Busca superar qualquer forma de enquadramento e O método
endoutrinamento. Exige o envolvimento corresponsável de todos os atores, no O método é o caminho que se percorre, que já foi percorrido e que se pode
decorrer do processo. O pacote, independente do conteúdo, é algo estranho porque percorrer para realizar um objetivo. Esse jeito, forma, maneira, caminho se traduz em
imposto. uma postura (humilde ou arrogante) e a realização de dinâmicas com o uso de

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recursos pedagógicos para despertar e promover a reflexão e a cooperação. 7. EDUCAÇÃO POPULAR E PODER POPULAR
O método popular tem princípios ou convicções que são seu ponto de
partida: a) Toda pessoa é capaz; b) Só que é oprimido, como indivíduo e como classe, “Quem trabalha e mata a fome, não come o pão de
pode ter interesse na libertação; c) só quem está no trabalho produtivo tem ninguém. Quem não ganha o pão que come, come sempre o
condições efetivas de fazer as transformações radicais; d) só quem se dispõe a um pão de alguém”
processo deve incorporado no processo. Antônio F. Aleixo (1899-1949), repentista português.
O ponto de chegada do método popular é: a) animar e apaixonar porque
resgata o elemento da identidade e dignidade (autoestima): as pessoas se tornam A educação popular é um processo que visa contribuir para que os
protagonistas, capazes de andar com seus próprios pés; b) mobilizar porque rompe trabalhadores se tornem protagonistas da sua ação política; processo fundamental
com a situação de dormência, fatalismo e a sensação de impotência gerada pela que se desenvolve na prática de luta e organização dos trabalhadores.
dominação; c) aumentar o grau de consciência; d) qualificar, política e tecnicamente A necessidade concreta e a possibilidade de ter conquistas e o esforço para
a militância para o Trabalho de Base - atuação na realidade, experimentação não perder direitos, levam a classe trabalhadora a mobilizar-se. Nesse movimento
permanente e apropriação dos conteúdos e do método; e) levar militantes e começa a vislumbrar a raiz da exploração e a sentir a necessidade de participar e de
educadores à multiplicação criativa e ousada – assumem-se como parte assumir-se como protagonista.
comprometida com a massividade; f) canalizar as legítimas resistências de É preciso lutar pelo poder com garra e coragem...
emancipação para um Projeto Popular sem o paradigma da desigualdade. Sabe a A vontade, o entusiasmo, a coragem e a garra para lutar são qualidades
inclusão capitalista é uma lógica insustentável, onde não há lugar para os oprimidos. imprescindíveis a todo militante, sem as quais não se é revolucionário. Mas, não são
A mística da Educação Popular suficientes. É preciso ser científico, não no sentido do intelectual distante da prática
Educação popular é um ato de amor que contribui no despertar da transformadora, mas, ao contrário, fazer revolução cientificamente. Por isso, todo
consciência e desafia seus participantes a assumir, como protagonistas, seu destino, militante deve conhecer e assimilar as leis mais gerais do desenvolvimento social e as
individual e coletivo. Esse ato amoroso se manifesta na entrega solidária, na categorias de análise que utiliza o materialismo histórico e dialético, sem os quais
recordação da memória subversiva e no empenho para que as pessoas se não podemos conhecer a realidade em que vivemos, nem apontar cientificamente
desenvolvam, como gente e como povo. Nessa missão, a militância cultiva valores sua transformação.
que se expressam no seu jeito de pensar, agir e sentir, expressas no amor pelo povo, Sem a caracterização objetiva da realidade social, com as forças e
companheirismo, espírito de superação, humildade, sacrifico e na pedagogia do contradições internas que lhe dão movimento, não poderemos construir e consolidar
exemplo. as ferramentas de luta e traçar políticas adequadas a cada situação.
CEPIS – SP. Nesse sentido, é tarefa da educação popular orientar a formação ideológica e
política dos trabalhadores, que possibilite dotá-los dos elementos fundamentais para
a prática da atividade política. É necessário desenvolver a capacidade de teorizar
sobre a prática social e conhecer em linhas gerais o desenvolvimento da
humanidade, para captar a ideia do crescente domínio do homem sobre a natureza,
do progresso, do avanço incessante das forças produtivas e da luta de classes como
motor da história.

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das organizações dos trabalhadores e em cada um de seus militantes, não só no que
se refere à sua própria formação, mas buscando expandi-la a todos os participantes,
considerando o nível de conhecimento e as tarefas que cada um deve realizar.
Deve significar, em cada um, uma mudança qualitativa na visão do mundo e
na prática cotidiana: na família, no trabalho, na disciplina, na solidariedade, nas
relações entre os gêneros, contra a discriminação, na luta. Como disse Agostinho
Neto1 “Não basta que seja pura e justa a nossa causa. É necessário que a pureza e a
justiça existam dentro de nós”.
A educação que recebemos nas instituições capitalistas se orienta pela
ideologia e pela lógica capitalista, fundamentada na competição, no individualismo,
na discriminação, na dominação, na exploração e na opressão.
A educação popular se refere ao trabalhador na sua totalidade e na sua
relação humana e social: no trabalho, na família, nas relações de gênero, na luta...
Mas as mudanças não são automáticas na conduta da gente; elas se dão
como resultado de acúmulos quantitativos. Não acontecem também em todas as
esferas da nossa vida ao mesmo tempo, nem de uma vez para sempre. Daí a
necessidade permanente de avaliação na formação, como um processo de
fortalecimento político-ideológico, para corrigir erros e caminhos.
A formação dos trabalhadores só tem sentido se estiver ligada à luta
incessante contra a sociedade baseada na exploração. Se não encararmos
dialeticamente os problemas da prática política dos trabalhadores, podemos cair no
desvio de fazer formação como se fosse uma receita, com enunciados teóricos que
não servem para resolver os caminhos concretos de modificação da realidade; de
ficar apenas nos detalhes estudando cada caso isolado sem poder aplicar o geral em
cada caso particular e de não articular a ação política com o processo organizativo.
A análise do funcionamento do capitalismo, a história da luta de classes no Formação está intrinsecamente ligada com organização. São partes do
Brasil e no mundo, o papel da organização da classe trabalhadora no processo de mesmo processo. Sem formação a organização não se consolida; sem organização a
transformação social, as experiências de luta e organização, o estudo dos processos formação não encontra espaço para a ação. A teoria deve se ligar à prática dos
revolucionários na história e na atualidade, a análise permanente da conjuntura, e trabalhadores orientando-os nas suas tarefas concretas. É necessário que o educador
uma visão crítica da realidade são alguns aspectos importantes na formação do analise com os movimentos sociais como se podem expressar no concreto as
militante e dirigente. orientações gerais.
Mas, a formação política não se dá somente com o estudo, mas Se nas suas lutas específicas os trabalhadores conseguem conquistar seus
fundamentalmente com a prática, a crítica e a autocrítica, a permanente inter- objetivos, devemos entender e ajudá-los a entender que foi uma experiência
relação entre teoria e prática. Por isso não pode ser um estudo formal, acadêmico; se setorizada de poder. Se não conseguem totalmente, mas avançam no nível da
assim for não adianta nada. É um processo permanente e contínuo na vida do
militante. 1
Agostinho Neto, médico, poeta, primeiro presidente de Angola – 1975-1979 – e dirigente
Deve estar presente na preocupação do educador e do educando, na direção do MPLA- Movimento pela libertação de Angola.
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organização e da consciência das possibilidades e limitações e da correlação de 8. EDUCAR AS MASSAS
forças, devemos entender e ajudá-los a entender que foi uma experiência de luta Citações extraídas e adaptadas do “Livro Vermelho” de Mao TseTung
setorizada pelo poder.
Educação Popular não é neutra; sempre tem uma intencionalidade. Na  Nunca dissimulamos nossas aspirações políticas. Está bem definido, não cabe a
concepção do CEPIS ela deve estar comprometida como a causa popular, com um menor dúvida que nosso programa de futuro, o programa máximo é fazer nosso País
papel específico, e deve ser dirigida para a realização do projeto político de tomada avançar para o Socialismo. Nossa organização e concepção marxista do mundo
do poder pela classe trabalhadora e construção do socialismo. Negar isso é afastar os apontam inequivocamente, para esse ideal supremo. O objetivo último é a
trabalhadores do seu objetivo histórico. É necessário que as ações políticas das instauração da sociedade socialista. Não possuir um ponto de vista político correto é
classes populares se orientem em direção da conquista do poder de Estado, da como não ter alma...
democracia popular, do socialismo, da formação do homem novo.  Além da direção do partido há um fator decisivo: a quantidade da população.
Na prática educativa e da luta popular vamos descobrindo o caminho Quantidade significa maior fermento de ideias, maior entusiasmo e energia.
concreto para a construção de uma sociedade socialista, evitando prejuízos e falsas Devemos confiar nas massas e confiar no partido. Esses são dois princípios
expectativas, organizando-nos para a luta e somando forças ao mesmo tempo em fundamentais. Se duvidarmos deles, nada podemos fazer.
que avançamos.  O povo, e só o povo, constitui a força motriz na criação da história universal. As
E essa, embora não seja uma tarefa simples, é uma tarefa necessária, que massas são os verdadeiros heróis; sem compreender isso é impossível adquirir até
não pode ser monopolizada, mas efetuada por todos aqueles e aquelas que mesmo os elementos mais básicos. Há que ajudar cada camarada a compreender
realmente acreditam no protagonismo da classe trabalhadora e na sua força social que enquanto estivermos apoiados no povo, e acreditarmos no inesgotável poder
como construtora da sociedade socialista. criador das massas populares, quer dizer confiar no povo e nos identificar com ele,
É preciso lutar pelo poder com garra, coragem e: estratégias, táticas, poderemos vencer as dificuldades e nenhum inimigo poderá nos esmagar..
organização, alianças, estudo...  As massas dispõem de um poder ilimitado. Elas podem organizar-se e marchar
CEPIS – SP. para todos os lugares e setores de trabalho onde possam dar livre curso à sua
energia. Elas podem se orientar para a produção, em profundidade e extensão, e
criar para si próprias um número crescente de obras de bem estar.
 As massas têm um entusiasmo potencial inesgotável pelo socialismo. Só uma
pessoa que não sabe mais que seguir a velha rotina é incapaz de perceber tal
entusiasmo; quem segue a velha rotina sempre subestima o entusiasmo popular. As
massas podem se levantar como poderoso furacão, tempestade ou força vertiginosa
e violenta que nenhum poder poderá deter.
 Quebrarão todas as cadeias e amarras e se lançarão pelo caminho da libertação -
sepultarão os imperialistas, caudilhos militares, funcionários corruptos, déspotas
locais... Todos os partidos revolucionários e todos os camaradas revolucionários
serão postos à prova pelas massas.
 A revolução deve apoiar-se nas massas populares, contar com a participação de
muita gente. É preciso combater a simples confiança num punhado de indivíduos que
ditam ordens... que trabalham num frio e quieto isolamento. Tais “dirigentes”
resistem em dar explicações aos dirigidos e não sabem como dar livre curso à
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iniciativa e a energia criadora das massas. massas e as decisões que tomam por si próprias e não as decisões que tomamos em
 A razão porque o dogmatismo, empirismo, autoritarismo, seguidismo, seu lugar.
sectarismo, burocratismo e arrogância no trabalho popular são nocivos e  A militância deve fazer com que as massas compreendam que ela representa
intoleráveis, está no fato de que esses males afastam a militância das massas. O seus interesses e respira o mesmo ar que elas. Deve ajudar para que, partindo dessas
autoritarismo é errôneo porque ultrapassa o nível de consciência política das massas realidades, cheguem à compreensão das tarefas mais elevadas como as tarefas
e viola o princípio da ação voluntária das massas. O autoritarismo manifesta o mal revolucionárias. Assim vão apoiar a revolução, ajudar a ampliá-la por todo o país,
chamado precipitação. responder aos apelos políticos e lutar, até o fim, pela vitória da revolução.
 A militância não pode pensar que tudo o que ela compreende está também  Em vez de colocar-se acima delas, a militância deve penetrar profundamente no
compreendida pelas massas. Só penetrando no seio das massas e fazendo seio das massas, despertá-las, contribuir para elevar sua consciência política, de
investigações é que se pode descobrir se elas compreendem ou não um assunto e se acordo com seu nível atual. Seu dever é de, passo a passo, e seguindo o princípio da
estão ou não dispostas a passar à ação. Fazendo assim é possível evitar o voluntariedade, ajudá-las a organizar-se e a travar todos os combates essenciais
autoritarismo. permitidos pelas circunstâncias internas e externas, de cada momento e lugar.
 O seguidismo (basismo) é igualmente errôneo porque se mantém abaixo do nível  Passar à ofensiva quando as massas ainda não estão despertadas, seria
de consciência política das massas e viola o princípio de dirigi-las no seu avanço. O aventureirismo. Se insistíssemos em levar as massas a fazer alguma coisa contra a
seguidismo manifesta o mal chamado lentidão. A militância não deve pensar que as sua vontade, o resultado seria, seria inevitavelmente, o fracasso. Por outro lado, se
massas não compreendem aquilo que eles próprios não compreenderam. não avançamos quando as massas pedem que se avance, isso seria oportunismo de
 Muitas vezes, as massas nos ultrapassam e estão ansiosas para avançar um direita.
passo, enquanto os camaradas são incapazes de atuar como seus dirigentes.  No trabalho prático, a direção correta é das massas para as massas que significa:
Refletem a opinião de elementos atrasados, tomam tais opiniões como se fosse a a) recolher as ideias das massas (dispersas, não sistemáticas); b) concentrá-las (pelo
opinião das grandes massas e põem-se assim a reboque desses elementos atrasados. estudo, transformá-las em ideias sintetizadas e sistematizadas); c) voltar às massas
É o oportunismo de esquerda. para propagar e explicar essas ideias, de tal modo que as massas assumam como
 A militância deve usar o método democrático de persuasão e educação na sua suas, persistam nelas e as traduzam em ação; d) verificar a justeza dessas ideias no
atividade com a classe trabalhadora. É inadmissível adotar a atitude autoritária ou os decorrer da ação das massas.
meios de coerção. O resultado da coerção é submeter sem convencer; isso só serve  Depois é preciso voltar a concentrar as ideias das massas e levá-las, outra vez, às
em relação ao inimigo. Ninguém deve seguir cegamente os outros ou encorajar a massas para que estas persistam nessas ideias e as apliquem firmemente. Repetindo,
obediência servil. Além disso, devemos compreender que a educação ideológica é indefinidamente, esse processo, as ideias vão se tornando cada vez mais corretas,
um trabalho de longo prazo, paciente e minucioso. Não se pode achar que com vivas e ricas. Essa é a teoria Marxista do conhecimento
tantas conferências ou reuniões se pode mudar uma ideologia construída.  Repetindo: nossa atarefa é recolher as ideias das massas, concentrá-las e levá-
 Para ligar-se às massas importa agir de acordo com as necessidades e aspirações las, sempre de novo, às massas para que estas as apliquem firmemente. Assim se
das massas. Todo trabalho com as massas deve partir de suas necessidades, e não da chega a elaborar as ideias justas de direção. Tal é o método fundamental de direção.
vontade de qualquer indivíduo, ainda que bem intencionado. Acontece, às vezes, que Isso exige ir para o meio das massas, aprender com elas, sintetizar suas experiências
objetivamente as massas precisam de certas mudanças, mas subjetivamente ainda e tirar dessas experiências princípios e métodos ainda melhores e sistemáticos.
não estão conscientes dessa necessidade, não a desejam ou ainda não estão Depois, é preciso explicá-los às massas (fazer a propaganda) e chamá-las a por em
determinadas a realizá-la. Nesse caso, devemos esperar pacientemente. prática para resolver seus problemas e alcançar a libertação e a felicidade.
 Devemos seguir dois princípios: a) a necessidade real das massas e não o que  Por mais ativo que seja o grupo dirigente, sua atividade se reduzirá a um esforço
imaginamos que sejam suas necessidades; b) o desejo livremente expresso pelas infrutífero de grupinho, se não for combinada com a atividade das grandes massas.

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Mas, se apenas as grandes massas são ativas e não há um forte grupo dirigente que 9. A LUTA SINDICAL
organize essa atividade, ela não se manterá por muito tempo, não vai avançar na (Extratos do “Que Fazer” de Lênin – 1902, para uso didático)
justa direção, nem atingir um nível mais elevado.
 O espírito de abnegação e devoção pelo povo nasce do sentido da  A luta espontânea é uma forma embrionária do consciente. A revolta já traduz
responsabilidade da tarefa e do ilimitado afeto pelos camaradas e o povo. um certo despertar da consciência porque os operários perdem sua crença
 É preciso eliminar a ideia existente em muitos quadros de que é possível costumeira na perenidade do regime que os oprime; começam não a compreender,
conquistar vitórias fáceis graças a acasos felizes, sem luta dura, sem suor sem mas a sentir a necessidade de uma resistência coletiva e rompem deliberadamente
sangue. com a submissão servil às autoridades. É mais manifestação de desespero e de
 Onde há luta, há sacrifício e a morte é coisa frequente. Como temos em mente vingança que de luta. Certas greves mostram lampejos de consciência: formulam
os interesses e os sofrimentos da maioria do povo, sacrificar-se por ele é dar a nossa reivindicações precisas, procuram prever o momento favorável, discutem exemplos
entrega toda a significação. Mas, é preciso evitar os sacrifícios desnecessários. de outras localidades. Se os tumultos são a revolta dos oprimidos, a greve
sistemática é o embrião, mas nada além do embrião da luta de classe.
 A greve, em si, constitui uma luta sindical, não luta socialista; marca o despertar
do antagonismo entre operários e patrões. Mas, os operários não têm consciência da
oposição irredutível de seus interesses com toda a ordem política e social existente,
não podem ter a consciência socialista. A greve é um movimento essencialmente
espontâneo. A consciência só pode chegar até eles, a partir de fora. Pelas próprias
forças, a classe operária só chega à consciência sindical, à convicção de que é preciso
unir-se em sindicatos, conduzir a luta contra os patrões, exigir do governo leis
necessárias aos operários. Já o socialismo nasce das teorias filosóficas, históricas,
econômicas elaboradas por gente instruída das classes proprietárias, pelos
intelectuais.
 A espontaneidade leva os operários a pensar que “aumento de um centavo por
real vale mais que todo socialismo e toda política” e que devem lutar “sabendo que o
fazem, não por remotas gerações futuras, mas por eles próprios e por seus filhos”.
Frases como essas sempre foram a arma preferida dos burgueses que incentivam o
sindicalismo dizendo aos operários que “a luta puramente sindical é uma luta por
eles próprios e por seus filhos e não por remotas gerações futuras com vistas a um
incerto socialismo futuro” O desenvolvimento espontâneo do movimento operário
resulta na subordinação à ideologia burguesa, pois, o movimento espontâneo é o
sindicalismo. O sindicalismo é a escravidão ideológica dos operários pela burguesia. A
tarefa socialista é combater a espontaneidade - desviando o movimento operário da
tendência espontânea que apresenta o sindicalismo para refugiar-se sob as asas da
burguesia e atraí-lo para o socialismo. O capitalismo impele necessariamente os
operários à autodefesa e a denúncia de condições de trabalho, em algum ramo de
trabalho e pode levar ao despertar da consciência de classe e à difusão do

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socialismo. afirmação: os operários conduzem sua luta econômica contra os patrões e o governo
 A maioria da militância foi quase absorvida pela organização das denúncias de e os intelectuais, a luta política através de suas próprias forças.
fábrica. Tal absorção esquece que essa atividade não é, em si, socialista, mas apenas  A consciência política de classe vem do exterior, do exterior da luta econômica,
sindical. As denúncias referem-se só às relações dos operários de uma categoria do exterior da esfera das relações entre operários e patrões. O domínio onde se pode
profissional com seus patrões. Seu único resultado é o de ensinar a quem vende sua extrair tais conhecimentos é o das relações de todas as classes e categorias da
força de trabalho, a vender esta mercadoria de forma mais vantajosa e a lutar contra população com o Estado e o governo, das relações de todas as classes entre si. Levar
o comprador em uma transação puramente comercial. As denúncias, se bem aos operários os conhecimentos políticos não pode significar apenas em ir até os
utilizadas pelos socialistas, podem servir de ponto de partida e de elemento operários com o que se contentam, em geral, os “práticos” quem se inclina para o
constitutivo da ação socialista. Se ficam só na luta espontânea não passam da luta “economicismo”: Para levar aos operários os conhecimentos políticos, os socialistas
corporativa, de um movimento operário não socialista. devem ir a todas as classes da população e enviar, em todas as direções, militantes
 A organização socialista dirige a luta da classe operária, não apenas para obter de seu exército como teóricos, propagandistas, agitadores e organizadores.
condições vantajosas na venda da força de trabalho, mas pela abolição da ordem  A luta política do socialismo é maior e mais complexa que a luta econômica dos
social que obriga os não possuidores a se venderem aos ricos. Ela representa a classe operários contra os patrões e o governo. Assim, a organização socialista deve ser
operária em suas relações não só com um determinado grupo de empregadores, mas diferente da organização dos operários para a luta econômica. A organização
com todas as classes da sociedade contemporânea, com o Estado como força política operária é por categoria profissional; a maior possível; a menos clandestina possível.
organizada. Por isso, os socialistas não podem limitar-se à luta econômica e não Já a organização dos socialistas deve englobar pessoas cuja profissão é a ação
podem admitir que a organização das denúncias econômicas constitua sua atividade revolucionária. Diante dessa característica, comum aos membros de tal organização,
mais definida. Devem empreender ativamente a educação política da classe operária, desaparece toda distinção entre operários e intelectuais e entre as diversas
trabalhar para desenvolver sua consciência política. profissões de uns e de outros. Essa organização não deve ser muito extensa e é
 A luta econômica é a luta coletiva dos operários contra os patrões para vender preciso que seja a mais reservada possível.
vantajosamente sua força de trabalho, melhorar suas condições de trabalho e de  Falar da emancipação política da classe operária, da luta contra a arbitrariedade
existência. É a luta de uma categoria profissional e conduzidas pelos sindicatos para patronal e ficar apegado ao legalismo, é não compreender nada das verdadeiras
conseguir as mesmas reivindicações profissionais, melhorar as condições de trabalho tarefas políticas do socialismo. Nenhum parágrafo de um estatuto revela a
em cada profissão através de “medidas legislativas e administrativas”. É o que fazem compreensão da necessidade de se fazer, na massa, uma agitação política,
e sempre fizeram os sindicatos operários. Há tempo, os sindicatos operários esclarecendo todos os aspectos da dominação. Com tais estatutos, nem os fins
compreenderam e realizam a tarefa de lutar pela liberdade das greves, supressão dos políticos, nem os fins sindicais do movimento podem ser atingidos, porque exigem
obstáculos jurídicos de todo gênero, promulgação de leis para a proteção da mulher uma organização por categoria profissional. Comprimido no estreito horizonte do
e da criança, melhoria das condições do trabalho através de uma legislação sanitária, economicismo o pensamento perde-se em detalhes que exalam um forte odor de
industrial, etc. papelada e burocracia.
 Economicistas e radicais verbais inclinam-se perante a tendência espontânea: os  É dever dos socialistas ajudar todo operário que se faz notar por suas
economistas diante da espontaneidade do movimento operário “puro”; os “radicais” capacidades, a se tornar agitador, organizador, propagandista, divulgador
diante da espontaneidade da indignação dos intelectuais que não sabem conjugar o profissional. Nesse ponto, se desperdiça forças se não se toma a peito, a questão de
trabalho revolucionário e o movimento operário. É difícil para quem perdeu a fé colocar todo operário capaz em condições que lhe permitam desenvolver e aplicar
nessa possibilidade, ou que nela jamais acreditaram, encontrar outra saída para sua suas aptidões; é preciso torná-lo um agitador profissional, encorajá-lo a alargar seu
indignação e energia transformadora que não o terrorismo. Assim, nas duas campo de ação, a estendê-lo de uma única fábrica a toda a categoria, de uma única
tendências o culto da espontaneidade é apenas o começo da realização da famosa localidade a todo o país. Assim, vai adquirir experiência e habilidade em sua

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profissão; vai ampliar seu horizonte e seus conhecimentos; vai observar de perto imediata, concreta, setorial e específica da luta econômica para garantir a
dirigentes políticos de outras localidades e outros partidos; vai esforçar-se por elevar sobrevivência. Mas, essa estrutura de massa deve estar ligada a uma
a si próprio ao nível de tais dirigentes e vai aliar o conhecimento do meio operário e organização de quadros, reconhecida, que realize a educação política do
o ardor da fé socialista à sua competência profissional, sem a qual o proletariado não movimento e o dirija politicamente. O desafio é construir um movimento
pode empreender a luta tenaz contra um inimigo bem preparado. que contenha, simultaneamente, uma estrutura de massa e uma estrutura
de quadros. Isso só é possível quando se elabora uma estratégia.
Cinco Pequenos comentários (CEPIS)
1. Para garantir as conquistas econômicas e históricas, o sindicato precisa
aperfeiçoar seu atual estágio de organização. A prática social fala da
necessária implantação - teórica e prática - de uma concepção de luta e
organização que dê consistência política e ideológica ao movimento. É isso
que capacita um movimento a fazer a luta econômica, resistir a opressão e
contribuir na conquista do poder e construção de uma alternativa ao
capitalismo.
2. Esta concepção de luta política defende que quanto mais povo organizado,
mais poder. A experiência das administrações populares reforça a convicção
de que o poder não está no voto, no governo... mas, no povo consciente,
organizado, participante e mobilizado. É a reafirmação de que é a massa que
conquista o poder quando dirigida, politicamente, por quem seja capaz de
mobilizá-la do ponto de vista orgânico, ideológico e libertador.
3. A concepção reformista expressa uma visão equivocada: a) ao iludir-se que,
de ganho em ganho econômico, a massa vai conseguir a transformação
estrutural; b) na postura basista de seus dirigentes distantes da massa que
insistem em dirigir a base pela demagogia ou radicalidade verbal; c) na
aposta de que a massa, por si só, vai tomar consciência; d) na prática
artesanal e voluntarista da militância que não se prepara nem estuda para o
enfrentamento com o capital; d) na mistura de níveis, de compromisso e
consciência, na hora escolher pessoas para realizar as atividades.
4. A experiência da classe oprimida ensina: a) que a luta sindical, econômica,
por si, não vai além do reformismo; b) que só a luta política, feita por uma
organização de quadros selecionados, é capaz de canalizar o embrião da luta
econômica para a transformação social; c) que um partido, desconectado da
massa, necessita deslocar militantes estranhos para dirigir o movimento
popular; d) que só um partido de novo tipo, inserido nos processos de luta,
propõe ou estimula a criação de movimentos autônomos onde suas
orientações são acolhidas e se tornam decisões da sociedade.
5. Essa concepção pressupõe uma organização capaz de encaminhar a pauta
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10. EDUCAÇÃO POPULAR E LIBERDADE DE CRÍTICA ..."Liberdade de crítica" é a palavra de ordem mais em voga e a que mais
aparece nas discussões entre socialistas e democratas... Em que consiste a
“A luta interna dá força e vitalidade ao partido. A melhor nova tendência que “critica” o “velho” marxismo “dogmático”?... Para
prova da fraqueza de um partido é sua posição difusa e a quem não fecha os olhos, deliberadamente, não pode deixar de ver que a
extinção de fronteiras nitidamente traçadas: o partido nova tendência "crítica" no socialismo nada mais é que uma nova
reforça-se, depurando-se” Carta de Lasalle a Marx, variedade do oportunismo.
24/06/1852 ..."A liberdade de crítica" é a liberdade da tendência oportunista na
esquerda, a liberdade de transformar-se em um partido democrático de
Liberdade de Crítica reformas, a liberdade de implantar no socialismo as ideias burguesas...
Todo processo de formação deve superar o endoutrinamento e o ...A exigência de uma mudança decisiva - da social-democracia
dogmatismo. Sem visão crítica, não pode existir conhecimento da realidade. Criticar revolucionária para o reformismo social burguês - foi acompanhada de
é, portanto, um dever. Uma organização de imbecis disciplinados só pode afundar reviravolta não menos decisiva em direção à crítica burguesa de todas as
porque uma transformação não se faz com robôs, nem com a aplicação de fórmulas idéias fundamentais do marxismo...
acabadas. ...Os "ex-marxistas" que se agruparam sob o signo da liberdade crítica e
O Marxismo como análise concreta da realidade concreta necessita de obtiveram o monopólio da execução do marxismo, aí se entrincheiraram.
aggiornamento constante para acompanhar o dinamismo das mudanças e incorporar Os slogans, “contra a ortodoxia” e “viva a liberdade de crítica” logo se
os novos questionamentos e dimensões do real. Isto não deveria afetar sua função tornaram palavras da moda.
de ideologia do socialismo, instrumento de análise da realidade e ferramenta ...As grandes frases contra a fossilização do pensamento dissimulam o
popular eficaz, na supressão da dominação de classe. desinteresse e a impotência para fazer progredir o pensamento teórico. A
Hoje, porém, de forma consciente, parece haver “algo escondido” na pós- famosa liberdade de crítica não significa a substituição de uma teoria por
moderna defesa da liberdade de crítica e no ataque orquestrado ao dogmatismo, outra, mas a liberdade relativa a todo sistema coerente e refletido;
realizado inclusive por gente que se diz de esquerda. Uma causa que é em si justa – significa ecletismo e ausência de princípios...
combate à fossilização da teoria - mascara a divulgação, claramente ideológica e ...Aos socialistas impunha-se, então, a tarefa de combater a nova
reacionária, de manutenção da ordem dominante. corrente...
Com um discurso produzido na academia, relativista e culturalista, atraente e Adaptado de Lênin, Que Fazer? Fevereiro de 1902
politicamente correta, os novos intelectuais buscam inocular, nas gerações pós-
modernas, pseudo-teorias. Pregam o fim da história, a abolição da luta de classe, a “Ninguém cai pro lado que escorrega”
porosidade do poder do Estado, a radicalização da democracia, a mudança gradual Prov. chinês
pela via parlamentar... Na experiência do Socialismo Real, foram produzidos manuais com respostas
A queda do Muro de Berlim foi uma grande oportunidade para uma ofensiva eternas, ensinou-se uma ortodoxia descontextualizada, utilizou-se práticas
burguesa para demonstrar o atraso da proposta socialista. Nem mesmo a queda do condutivistas, cultuou-se guias geniais, admitiu-se a atitude passiva dos seguidistas,
Muro neoliberal de Wallstreet, em 2008, a obriga reconhecer a nulidade de suas traduziu-se a ideia de autoridade como autoritarismo burocrático, promoveu-se a
afirmações. Já na esquerda, historicamente, essa prática, demagógica e oportunista, profissão de fé em princípios idealistas... Essa constatação, no entanto, não justifica a
de revisar o marxismo, foi usada para justificar a posição reformista de quem sempre ácida reação que certa educação popular faz a desvios do socialismo real.
foi contra a ruptura. Alguns bem intencionados educadores, diante da ofensiva ideológica da
direita e o vazio ideológico na esquerda, não chegam a negar, mas põem em dúvida a

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validade da teoria marxista. Com justeza, investem contra o dogmatismo enquanto à religiosidade sem teologia, à xenofobia, ao consumismo... às emoções
repetição saudosista e fundamentalista de uma doutrina onde a verdade já está dada sem perspectivas.
e contra seu método autoritário e impositivo. Adaptado de Frei Betto - 2008
A tentativa de exorcizar uma prática passada ou a prática de novos grupos
ortodoxos, essa concepção de Educação Popular, objetivamente, assume uma atitude As tendências, dogmática e basista, aparentemente antagônicas, são faces
igualmente conservadora. A pretexto de adequar-se aos tempos e públicos, e de de uma e mesma postura autoritária e produzem o mesmo efeito: desarmam a
incorporar dimensões negadas ou esquecidas em processos anteriores, essa militância na sua luta pela emancipação humana. Seu fundamento é o idealismo e o
tendência se restringe a defesa de temas ligados ao comportamento (etnia, gênero, determinismo e, por não acreditarem na transformação, deixam de qualificar a
idade, opção sexual, meio ambiente...) como se fosse possível acabar com a militância para a luta de classes. Assim, os ortodoxos, na sua defesa fundamentalista
dominação sem eliminar, pela raiz, a realidade da exploração que a sustenta. Como ou na sua radicalidade verbal, são tão danosos quanto os basistas, no velho discurso
não relaciona tais dimensões à luta de classes, reduz o processo de formação popular oportunista, travestido de pós-moderno.
a uma postura pragmática, relativista e culturalista e, com ela, nega a prática social
acumulada, a existência de princípios ideológicos e qualquer sistema lógico de O dogmatismo e o revisionismo são contrários ao marxismo.
pensamento. Dogmatismo é tomar o marxismo algo rígido - o marxismo deixaria de ter
vida se ficasse estagnado. Revisionismo é negar os princípios básicos do
“Somos todos pós-modernos” marxismo. Hoje, o revisionismo, que é um oportunismo de esquerda, é mais
... Se comungamos dessa angústia, dessa frustração frente aos sonhos pernicioso que o dogmatismo.
idílicos da modernidade... onde nenhum sistema filosófico resiste, à A razão porque males como o dogmatismo, empirismo,
mercantilização da sociedade: o sistemático cede lugar ao fragmentário, o autoritarismo, seguidismo, sectarismo, burocratismo e arrogância no
homogêneo ao plural, a teoria ao experimental. A razão delira... baila ao trabalho popular são nocivos e intoleráveis, está no fato de que esses males
ritmo dos jogos de linguagem. afastam a militância das massas. O autoritarismo é errôneo porque
... Para os pós-modernos a história findou, o lazer se reduz ao hedonismo, a ultrapassa o nível de consciência política das massas e viola o princípio da
filosofia a um conjunto de perguntas sem respostas... a razão vira ação voluntária das massas. O autoritarismo manifesta o mal chamado
racionalização, já não há pensamento crítico. O pós-moderno duvida de precipitação. A militância não pode pensar que tudo o que ela compreende
tudo. Por isso não crê em algo ou em alguém. está também compreendida pelas grandes massas... e se estão ou não
... O discurso pós-moderno descarta paradigmas e grandes narrativas, e em dispostas a passar à ação.
sua bagagem cultural coloca no mesmo patamar Portinari e Massa; O seguidismo (basismo) é igualmente errôneo já que se mantém
Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho... abaixo do nível de consciência política das massas e viola o princípio de
... A ética da pós-modernidade detesta princípios universais. É a ética de dirigi-las no seu avanço. O seguidismo manifesta o mal chamado lentidão.
ocasião, oportunidade, conveniência. Camaleônica, adapta-se a cada Muitas vezes as massas ultrapassam a militância e estão ansiosas para
situação... Basta-se a si mesmo, indiferente à dimensão social da avançar um passo, enquanto os camaradas são incapazes de atuar como
existência... seus dirigentes. Refletem a opinião de elementos atrasados, tomam suas
... A pós-modernidade transforma a realidade em ficção onde nossas opiniões como se fosse a opinião das massas e põem-se assim a reboque
sombras têm mais importância do que o nosso ser, e nossas imagens mais desses elementos atrasados. É o oportunismo de esquerda.
importância que a existência real. Adaptado de Mao Tse Tung, Livro Vermelho.
... Nesse mar revolto, muitos se apegam às "irracionalidades" do passado,

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Educação Popular Hoje conquista quando luta.
Assim como não se pode repetir as respostas do passado, não se deve cair no  Só a classe oprimida tem interesse em libertar-se e, ao libertar-se, liberta
anacronismo que, com o olhar de hoje, julga o procedimento de quem veio antes. também seu opressor.
Isto não significa aceitar equívocos e desvios cometidos, no passado. O saudosismo  O proletariado tem as condições objetivas de superar o capitalismo e
ou o anacronismo, não beneficiam o presente. A missão permanente é seguir construir o socialismo.
revolucionando, sem deixar de preservar a memória e a prática social acumulada  A classe só existe em luta, por isso, é indispensável que a militância assuma
como parte da identidade de um povo e como ponto de apoio para a invenção do uma posição de classe.
novo.
Nesse sentido, o papel da educação popular é: a) guardar a memória da Político-pedagógicas
prática social que fundamentou e animou a esperança de quem nos antecedeu; b)  A Educação Popular é um processo de apropriação, tradução, criação e
fazer a crítica de toda forma de enquadramento, dogmatismo e oportunismo; c) e socialização do conhecimento que quebra a alienação e ajuda a ler
reafirmar, em cada novo momento, princípios e ensinos nascidos da experiência. criticamente a realidade com a intenção de transformá-la.
Essas afirmações são de várias naturezas – filosóficas, ideológicas, político-  A Educação popular adota a concepção dialética que parte das perguntas do
pedagógicas, metodológicas... presente, busca inspiração na prática social acumulada (ciência, teoria,
Filosóficas história) e projeta o futuro.
 A verdade não é natural, nem fatal (dogma) como certeza completa,  A Educação Popular prioriza quem está na cadeia produtiva de riquezas e
definitiva e eterna. O mundo não está pronto e permanece como um desafio quem se dispõe a um processo de transformar a sociedade capitalista.
permanente para todas as gerações.  Não basta investir em excluído, mulher, negro, indígenas, meio ambiente,
 O trabalho produtivo é o motor da vida e da liberdade. Ao se tornar cultura, agroecologia... se as pessoas presentes não têm condições reais de mudar a
o trabalho transforma a natureza e a sociedade e humaniza as pessoas. O realidade. Só mudar o comportamento não muda as condições que geram as
trabalho que produz as riquezas, manual ou intelectual, aliado ao avanço da situações de exclusão.
tecnologia, torna possível superar o estágio da necessidade e alcançar o  A atividade formativa, conforme o grupo, ou parte do real, do concreto, do
estágio de liberdade dos humanos e do planeta. biográfico para o geral (processo indutivo) ou do geral para o particular
 A opressão é mais que a exploração econômica; ela é parte da condição (processo dedutivo), mas sempre participativo.
humana que potencializa o funcionamento do capitalismo cuja base material  Em um processo de luta e organização a Educação Popular concentra seus
é a exploração da força de trabalho. esforços em experiências exemplares que possam irradiar a sua prática.
 O poder nasce das relações humanas e se reforça na vontade inata do ser
humano em dominar e submeter a natureza e a sociedade, à sua vontade.
 Cada pessoa é singular, única, mas ninguém é uma ilha e só se realiza em
comunhão, entendida como a procura da soma desejada de potenciais.
Ideológicas
 Toda luta contra qualquer forma de exploração e opressão da vida, será
sempre justa.
 A luta de classes tem sua base material na relação de produção e também
base cultural e ideológica.
 A classe dominante só entrega o poder quando perde e a classe dominada só

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11. A FORMAÇÃO DE TRABALHADORES finalidade de perpetuar a ordem dominante. Por isso, a-lunos e a-lunas (= quem
não tem luz) introjetam e depois, reproduzem conteúdos e modelos que
“formação fora da política é uma hipocrisia” Lênin fortalecem a estrutura de opressão. As teorias pedagógicas, mesmo quando
críticas, construtivistas, participativas... atendem a esse objetivo.
 Quando a Organização Popular se defronta com desafio da formação da classe  A educação é crítica ao endoutrinamento ou dogmatismo, que treina obedientes
trabalhadora, precisa, antes de estruturar esse processo, elaborar uma nova seguidistas, quando adota princípios e posturas pedagógicas para o ato de
proposta formativa. Não se trata apenas de substituir conteúdos, educadores, libertar-se. Essa educação é ato político e o ato político é educativo. A formação
espaços ou de inovar na metodologia, sob pena de repetir a mesma escola popular é para contribuir na realização dos interesses das classes fundamentais
pensada pela classe dominante. Tem educador que pensa que serve ao povo, de e seus aliados. Sua intencionalidade é a qualificar militantes da transformação
fato, serve ao poder que o constituiu professor. e de construtores de uma nova ordem social.
 Será necessário re-conceber o processo educativo na formação política e na  Um dos conteúdos da formação de trabalhadores é realidade da luta de classes
escolarização dos oprimidos. Porque a educação tem papel fundamental na – o trabalho, a produção das mercadorias, as contradições nas relações sociais
organização da sociedade seja para ordená-la, reformá-la ou revolucioná-la. A de produção... Outro tema importante é a organização própria da classe para
classe no poder pode usar a educação como um recurso a mais para manter sua convocar, esclarecer, organizar e incorporar a massa trabalhadora como sujeitos
dominação; a classe dominada pode usá-la como instrumento poderoso no seu construtores. Mas, um tema indispensável é a transmissão do conhecimento
processo de emancipação. acumulado, o materialismo histórico.
 A educação é um instrumento para tornar comum as ideias de um grupo. A “O primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de
educação tem uma intencionalidade, pois, todo conhecimento tem um objetivo, toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver
uma direção, uma finalidade. Essa intencionalidade direciona o conhecimento e para poder “fazer história”. Mas, para viver é preciso antes de tudo
a ação que nasce desse conhecer. Assim, toda educação está sempre à serviço comer, beber, ter habitação, vestir-se, educar .. Portanto, a
de um interesse e de uma ideologia como instrumento de uma estratégia de produção dos meios que permitam a satisfação dessas
poder para mantê-lo ou desmontá-lo. necessidades, a produção da própria vida material” Karl Marx
 Numa sociedade dividida em classes, a educação não pode ser a favor de todos  O resultado dessa concepção é dessa pedagogia aplicada na escolarizarão da
– ela sempre a favor de uma classe, contra a classe que está dominada. O criançada é a ‘escola-comuna’, pois, só se aprende a viver coletivamente,
processo educativo é pensado ou para que as pessoas se acomodem ao mundo inserindo-se em processos coletivos concretos. O simples repasse de
ou para que elas se envolvam em sua transformação. A educação conservadora conhecimentos, mesmo criticamente, não é formação. Quem sabe como fazer,
é útil para quem precisa manter a dominação; a educação transformadora serve mas não faz, ainda não sabe. O desafio da formação é relacionar,
para quem quer livrar-se da opressão. dialeticamente, o Aprender, o Assimilar e o Aplicar.
 O papel da formação, na sociedade capitalista, foi organizado como forma de  Essa educação/formação exige mudanças na postura e relação de
manter a exclusão dos trabalhadores do conhecimento acumulado da prática educadores/educandos, nas técnicas participativas e, até na organização do
social – por isso o estudante é isolado da vida, do conflito, da realidade. Mas, espaço físico. Nesse olhar, não existe contradição entre método e conteúdo. O
esse tipo de ‘escola’ busca, ao mesmo tempo, a subordinação dos que conteúdo é o conhecimento comprovado e re-criado, e o método é o caminho
conseguem ser ‘incluídos’ para que reproduzam essa subordinação. Ela realiza que transmita, a determinado grupo, o conhecimento da prática social. O fim é
isso através de conteúdos, de posturas e de relações. caminho, assim como o caminho é também o fim.
 A formação domesticadora naturaliza a prática de Insignare, de inculcar no  Quando a escola se torna referência na convocação popular pode revelar um
oprimido - de forma autoritária e/ou populista - diferentes pacotes com a divórcio entre política e formação. Formação não pode ser um programa de

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cursos e palestras; deve ser um instrumento para ajudar na execução de uma 12. A IMPORTÂNCIA DO ATO DE LER
estratégia. Quem deve dirigir a formação é o Movimento. Para isso, precisa Ler talvez seja uma das atividades mais permanentes e universais do ser
formular uma política de formação de quadros, selecionar a militância em que humano. Essa vontade de legere, de captar o que se passa, no mais interno das
aposta e acompanhá-la, depois de qualificada. coisas e das pessoas, na vastidão do universo, na trama da história, no desafio do
"Quem não se movimenta, não sente as correntes que o desconhecido... é uma fome insaciável. Lemos para conhecer, entender, sonhar, para
prendem" R. Luxemburgo viajar na máquina onde coexistem todos os tempos, para satisfazer nossa
 A formação marxista é estreita e dogmática quando não respeita nem dialoga curiosidade, para entretenimento e para o prazer. Junto com aprender e ficar
com a mundivisão que impulsiona os povos originários, afro-descendentes e informado, lemos para questionar, divulgar convicções e para propagandear a
cristãos que se engajarem na luta social. Como análise concreta da realidade transformação da realidade.
concreta, o marxismo se encarna em dimensões como cultura, tradição, história, Ler é um processo de contínuo aprendizado. Por isso, não é possível
idiossincrasias... e vê identidades e novos sujeitos como riqueza quando estabelecer os limites do conhecimento humano. Ele avança a cada dia. As aulas, as
carregam o horizonte da revolução. palestras, os cursos, os seminários... estimulam e dão chaves de leitura, mas não
 A formação deve olhar atenta sobre Nuestra America e manter a clareza do conseguem passar às pessoas todos os conhecimentos que elas vão necessitar, ao
ponto de chegada. Isso ajuda a construir caminhos alternativos sem iludir-se longo de suas vidas. Por isso, alguém que costuma ler, terá uma fonte inesgotável
com formas pacíficas que só chegam ao governo, renegam a luta de classe e onde buscar respostas para suas dúvidas e para atualizar-se, quando necessário.
prefere a massa desmobilizada. Evita também o esquerdismo que condena Ler ajuda a pensar. Os racionais se diferenciam pela capacidade de raciocinar
alianças e qualquer reforma – “as reformas são tão importantes que não se e de dizer. Às vezes, há uma superestimação do conhecimento e do talento técnico,
pode deixar na mão dos reformistas” (Lênin). em detrimento do raciocínio. Porém, mais importante que apertar um parafuso é
 O quadro militante é a pessoa capaz de atuar com paixão e profissionalismo, em saber por que o apertamos. Como tomar decisões, optar, escolher, definir? A leitura
qualquer conjuntura, em qualquer espaço e em qualquer posto da luta. Para contribui para preencher esta lacuna na formação do ser humano. Ao desenvolver a
garantir que o Movimento não se aposente com a geração anterior de reflexão, a leitura permite construir uma fonte de conteúdos para melhor
militantes, é essencial investir constantemente na juventude, canalizar sua compreender a nós e ao mundo. Ela alarga os horizontes, possibilita a formação de
rebeldia e, dentro de um processo político/ organizativo, elevar seu grau de parâmetros que ajudam na medição e codificação do conhecimento sem
consciência política e ideológica. etnocentrismos, dogmatismos, reducionismos, sectarismos...
CEPIS – SP. Ler é ócio que desafia o negócio, é lazer. O lazer como necessidade básica do
ser humano é indispensável à sua saúde mental e física. Como não se separa lazer de
prazer, é fácil imaginar o prazer de ler um bom livro! Ele nos leva ao riso e à tristeza,
nos torna íntimos e velhos conhecidos dos personagens, nos faz acompanhar,
sedentos, seus enredos, nos inquieta com suas dúvidas, nos transporta a outros
mundos e dá vida a nossa imaginação... Vale sonhar com o dia quando todas as
pessoas terão o direito de sentir esse prazer! Sabendo que livro é uma das formas
mais democráticas de lazer. Um prazer espontâneo e simples que se amolda às
características do leitor e às condições do momento...
A leitura é uma interlocução mediada pelo texto. É o encontro com um autor
ausente, deste e de muitos séculos, através de sua palavra escrita. Então, se pode
falar em várias leituras possíveis porque, cada nova leitura pode deslocar e alterar o

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significado de tudo o que se já leu. O diálogo do aprendiz de natação é com a água, 13. MADRE CRISTINA SOBRE A EDUCAÇÃO POPULAR
não com o professor. Na leitura, o diálogo é com o texto. O Grande e sublime mérito
do educador seria tornar-se um fazedor de leitores para oferecer opções (na "Ainda que seu processo final se dê, só a médio ou mesmo a longo
sociedade, na família, na escola) e criar posições incomodamente divergentes. prazo, a revolução esta instalada”
Ensinar a gostar de ler é transformar a leitura numa atividade livre. Tudo que
se faz por obrigação tende a ficar chato, embora o hábito da leitura exija disciplina, Se a educação popular é tão importante, ela não e a mais fácil, pelo
esforço individual e persistência. Para tanto, os educadores devem ter o hálito da contrário, é difícil trabalhar de uma maneira acertada. Isso dificilmente entra na
leitura mostrando que leitura é coisa que se transmite pelo exemplo, é algo de pele, cabeça das pessoas. Não sei se vocês têm esta experiência, mas eu tenho visto muita
de cheiro, de sabor, onde todos os sentidos se confundem em nome do prazer, da gente que está aposentada, que já não tem mais nada que fazer, então decide que
liberdade, da imaginação. Como se relaciona ao prazer se poderia dizer que ler é vai dar algumas horas, como voluntária, para trabalhar com o povo. Como se
mais importante que estudar pois o trabalho que se faz por prazer deixa de ser um trabalhar com o povo fosse uma coisa empírica.
fardo, além de trazer resultados. Eu nunca ouvi gente dizer assim: "estou aposentada, tenho umas horas
Na leitura popular, é preciso recordar que a leitura do mundo precede vagas, vou me propor a dar aulas de pós-graduação numa universidade". As pessoas
sempre a leitura da palavra e que a leitura da palavra implica sempre a continuidade sabem que precisam saber para lecionarem numa universidade, e posso dizer a vocês
da leitura do mundo. Quer dizer, a publicação de livros terá que levar em conta o que é mais difícil trabalhar honestamente com o povo, do que dar aula numa
ambiente cultural de um povo e se identificar com seus anseios, seus interesses, suas universidade. Nós devemos nos preparar para trabalhar com o povo. O trabalho com
lutas, seus ritmos, seu nível de compreensão, suas necessidades, habilidades e o povo exige toda uma pedagogia e toda uma metodologia que precisam ser exatas.
gostos pessoais... Pois, a compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica Eu me lembro que Paulo Freire esteve aqui conosco, na semana passada, e
implica a percepção das relações entre o texto e o contexto e a sua intencionalidade. falava da sua experiência de início de carreira. Ele contava que tinha preparado uma
Mas, para lembrar também que, ao satisfazer às diversas dimensões do humano, a aula para os pais dos alunos do SESI (Serviço Social da Indústria). Então, ele chegou lá
partir do campo popular, a leitura popular entra na disputa dos corações e mentes citando autores científicos, fazendo um discurso, até que uma senhora se levanta e
contra o culto ao último livro e contra a enxurrada de publicações que prometem diz mais ou menos o seguinte:
soluções imediatas, completas e eternas.
Se é verdade que ler é mais importante do que estudar e que um país se faz "Doutor, o senhor está dizendo tudo isso para nós, não é? Mas eu
com homens e livros, então, é verdade que ensinar às pessoas a gostar de ler, de garanto que na sua casa o senhor tem um quarto para o senhor, um
seduzi-las para as emoções e as alegrias da leitura, se torna uma parte importante da quarto para seus filhos, tem um quarto para suas filhas, tem uma
tarefa educativa, na escola ou fora dela. Vamos sonhar com o abolicionista: “Oh! sala de jantar, tem uma cozinha. Nós moramos num quarto, que é a
Bendito o que semeia livros... livros, às mãos cheias... e manda o povo pensar! O livro casa inteira".
caindo n’alma é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar” (“O Livro e a
América” C. Alves.) Tudo muda quando as panelas estão cheias ou vazias de alimentos. Quando
falamos ao povo, a pedagogia é outra. Esta pedagogia, esta metodologia, para ter
eficácia, tem que ser trabalhada dentro de coordenadas políticas.
Ninguém pode fazer uma verdadeira educação popular, sem uma análise de
conjuntura. Se a conjuntura muda, a educação tem que mudar. E quem quiser fazer
só pedagogia, só metodologia, sem esta visão política, acaba fazendo uma contra-
educação popular.
Então, fazer análise de conjuntura e importantíssimo. E, nos perguntamos:
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como fazer uma verdadeira análise de conjuntura? Como nos preparar para
verdadeiramente poder trabalhar com as camadas populares? Como? E as perguntas
se sobrepõem, não raro, num desencontro de respostas.
Para estes desencontros, nada mais adequado do que estes encontros. Estes
encontros que vocês estão fazendo são riquíssimos. E eles devem ser repetidos de
Que formar é multiplicar, é problematizar,
maneira sistemática. Só uma repetição sistemática destes encontros, possibilitará ao
é qualificar, sem doutrinarismo, o saber popular...
Brasil um dia amanhecer na aurora da sua verdadeira “Nova República”. E, a “Nova
República” brasileira virá, porque existem brasileiros, como vocês, comprometidos e junto com esse povo, dar um passo à frente.
com o trabalho, com a Revolução Nacional. Já à Revolução!
Que não há neutralidade no ato de educar.
Curso de Metodologia da Educação Popular, julho/85-CEPIS – SP.
Que ser educador é ser exemplo, semente,
reflexo e espelho daquilo que queremos gestar.
Pois, o que não está na semente, não vai estar na planta,
POESIA DO NOSSO JEITO DE FAZER FORMAÇÃO nem no fruto que ela vai dar...

Ao longo desses 30 anos, sonhamos pequeno e sonhamos grande. Que os inimigos continuam implacáveis,
Incentivamos lutas de rua e conspirações; mas a justeza de nossa causa e o testemunho dos mártires
Espalhamos canções e revolução; acreditamos até em eleição. pulsam em nossas veias, em nossa mente e em nosso coração.

Tivemos erros, mas nenhuma dúvida do acerto da Por fim, aprendemos que para recriar a vida
luta contra a opressão – nem caridade, nem vingança, e despertar novas paixões, é preciso entregar-se,
apenas a emancipação de homens e mulheres da classe oprimida. fazer sintonizar o cotidiano com o sonho
e ter esse jeito louco de amar o povo.
Aprendemos que na vida,
existe sede de pão e de beleza. Sem mística não dá pra educar pra viver, pra vencer, pra ser feliz.
Para alcançá-las é preciso coragem, sabedoria, paixão.
CEPIS – 2007
Que o ser humano, homem ou mulher, ao rebelar-se,
já começa a fazer sua primeira revolução.

Que educação é anunciar, como no passado,


que juntando a força e o pensamento,
a vida pode ser bem melhor e será!

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14. A IMPORTÂNCIA DE COMPREENDER OS PROBLEMAS DO POVO No decurso do inquérito em cinco distritos de Hunan e, em dois distritos da
Mao Tse-Tung 1930-1949 região de Tshingkanhchan, convidei quadros responsáveis dos escalões médios
desses distritos; para me ajudar no inquérito no distrito de Siunwou, assim como um
1.1. Prefácio ao inquérito no campo bacharel pobre, convidei um antigo presidente da Câmara de Comércio que tinha
Atualmente, a política do Partido, no campo, já não é a política da revolução aberto falência e um pequeno funcionário desempregado que, por algum tempo,
agrária que praticou durante os dez anos de guerra civil; agora é a política da frente dirigiu, na administração do distrito, o serviço de impostos.
de unidade nacional anti-japonesa. O Partido inteiro deve executar as diretivas do Todos me ensinaram muitas coisas que, até então, não tinha tido ocasião de
Comitê Central de 7 de julho e 25 de dezembro de 1940, assim como as que dará o ouvir. A pessoa que, pela primeira vez, me permitiu ter uma ideia completa sobre o
VII Congresso Nacional do Partido a se realizar, em breve. O presente material tem a estado lamentável das prisões chinesas foi um vigilante da prisão distrital que
finalidade de ajudar os nossos camaradas a encontrar os métodos de estudo dos encontrei quando do inquérito no distrito de Henchan, província de Hunan. No
problemas que se lhes colocam. decurso do inquérito no distrito de Hsingkouo e nos dois cantões de Tchang-Kang e
Um grande número de camaradas, na hora atual, dedica-se ainda a um estilo Tsaihs, dirigi-me a camaradas que trabalhavam na escola do município e também a
de trabalho errado: abordam os problemas de uma maneira superficial, recusando- simples camponeses.
se a aprofundá-los; acontece mesmo, às vezes, que ignoram completamente o que Todas essas pessoas - os quadros, os camponeses, o bacharel, o vigilante de
se passa na base e, contudo, ocupam postos dirigentes. Aí está um perigo muito prisão, o comerciante e o funcionário do serviço de impostos - foram para mim
grave. Sem um conhecimento verdadeiramente concreto da situação real de todas venerandos professores. Considerei-me aluno deles e, ao partir, testemunhei-lhes
as classes da sociedade chinesa, não pode realmente haver boa direção. respeito, manifestei-lhes a minha aplicação e tratei-os como camaradas. Doutro
Para conhecer uma situação, o único método consiste em fazer um inquérito modo, eles não teriam querido perder tempo comigo e não teriam contado o que
sobre a sociedade e sobre a própria vida das diferentes classes da sociedade. Para os sabiam ou, muito menos, tudo.
que ocupam postos dirigentes, o método fundamental que permite conhecer esta É inútil convidar muita gente para essas reuniões: basta convidar uns cinco,
situação consiste em escolher, de acordo com um plano, um certo número de no máximo sete ou oito pessoas. Para cada uma dessas reuniões, é preciso reservar
cidades e aldeias e, depois, obedecendo à concepção marxista fundamental - isto é - todo o tempo necessário, preparar o questionário, anotar nós mesmos as respostas,
recorrendo à análise de classe - efetuar uma série de inquéritos minuciosos. ampliar o exame dos problemas com os interlocutores.
Somente assim, podemos adquirir os conhecimentos de base sobre os problemas da Por isso, se não estamos decidido a olhar para baixo, se não se tem sede de
sociedade chinesa. conhecimentos, se não se tem o desejo profundo de pôr de lado toda a arrogância
Para isso, é preciso, em primeiro lugar, olhar para baixo e não planar sobre e tornar-se um modesto aluno, não se poderá de forma alguma, efetuar este
as nuvens. Todo aquele que não tiver nem o desejo nem a vontade de olhar para trabalho ou ele será mal feito. É preciso compreender que os verdadeiros heróis são
baixo nunca poderá, compreender qual é a verdadeira situação na China. as massas: quanto a nós, somos muitas vezes, de uma ignorância risível. Se não se
Em segundo lugar, é preciso organizar reuniões-inquérito. Observações compreende isso, não se pode sequer adquirir um mínimo de conhecimentos.
superficiais e do tipo "comenta-se" nunca permitirão adquirir um pleno Repito que o objetivo principalmente visado com a publicação destes
conhecimento dos fatos. O método das reuniões-inquérito é o mais simples e o mais documentos de referência é o de mostrar qual o método a se utilizar para
facilmente realizável e, além disso, o que proporciona informações mais verdadeiras compreender a situação na base, e não o de fazer entrar na cabeça de camaradas
e seguras. Esse método me foi extremamente proveitoso. É uma escola com a qual estes documentos em si, com as conclusões que daí foram tiradas.
nenhuma universidade poderia rivalizar. É bom convidar para estas reuniões quadros De maneira geral, a burguesia chinesa, não chegada à maturidade, não pode
experientes dos escalões médios e inferiores, ou simples pessoas que pertençam à até aqui e, nunca poderá fornecer um mínimo de informações sobre as condições da
população local. sociedade, como fizeram as burguesias da Europa, da América ou do Japão. É por
isso que precisamos absolutamente recolher nós próprios estes materiais. Isso se
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refere em particular aos que estão empenhados num trabalho prático e que devem Comprometidos em lutas diversas, no decurso de sua prática social, as
estar sempre a par das flutuações da situação; neste ponto, não podem os pessoas adquirem rica experiência que extraem, tanto dos sucessos quanto das
comunistas de país algum contar com qualquer coisa já preparada. É por isso que derrotas. Inumeráveis fenômenos do mundo objetivo são refletidos no cérebro pelos
todos os que estão comprometidos com um trabalho prático devem estudar a cinco órgãos dos sentidos: os órgãos da vista, do ouvido, do olfato, do gosto e do
situação na base. tato - assim se constitui no princípio, o conhecimento sensível. Quando estes dados
Em relação aos que não estão familiarizados senão com a teoria e que sensíveis se acumulam em número suficiente, produz-se um salto pelo qual eles se
ignoram a situação real, a prossecução de tais inquéritos é ainda mais necessária, transformam em conhecimento racional, quer dizer, em ideias.
pois de outro modo não poderão ligar e teoria à prática. "Quem não fez inquérito Este é um processo do conhecimento. É o primeiro grau do processo geral do
algum não tem direito de falar". Se bem que alguns tenham troçado desta frase, na conhecimento, o degrau de passagem da matéria, que é objetiva, ao espírito, que é
qual eles viam a manifestação de um "empirismo estreito", continuo a não me subjetivo, do ser ao pensamento. Neste grau, não está ainda provado que o espírito
arrepender deste propósito: não só não me arrependo, como estou firmemente ou o pensamento (logo, também, as teorias, as políticas, os planos, os modos de
convencido de que, uma vez que não se inquiriu, não se pode pretender ter o direito ação tidos em vista), reflita corretamente as leis do mundo objetivo, não é ainda
de exprimir opiniões. possível saber se é justo ou não.
Há muitos que, mal "põem o pé em terra", começam a discorrer, a Vem em seguida, o segundo grau do processo do conhecimento, o grau de
proclamar a sua opinião, a criticar e a condenar tudo: na prática, todas essas passagem do espírito à matéria, do pensamento ao ser; trata-se, então, de aplicar na
pessoas, sem exceção, estão voltadas ao fracasso, porque os seus discursos, as prática social, o conhecimento adquirido no decurso do primeiro grau, para ver se
suas críticas não são fundadas num inquérito minucioso e outra coisa não são estas teorias política, planos, modos de ação, etc. produzem os resultados
senão palavreado de ignorantes. O mal causado ao Partido por esses "enviados esperados. Em geral, é justo o que vence, é falso o que fracassa; isto é verdade,
imperiais" é incalculável. sobretudo, na luta dos homens contra a natureza. Na luta social, as forças que
É certo que a prática se torna cega se sua via não está iluminada pela teoria representam a classe de vanguarda sofrem, por vezes, revezes não porque estejam
revolucionária. Ninguém pode ser taxado de "empirista estreito", exceto os práticos, erradas, mas porque, na relação de forças que se defrontam são, no momento,
cegos ou de vistas curtas, que não veem em perspectivas. Agora, também, sinto a menos possantes que as forças da reação; daí ocorrem as derrotas provisórias, mas
necessidade extrema de estudar, em detalhe, a situação da China e dos outros aquelas acabam por triunfar.
países; isto se deve ao fato de que meus conhecimentos neste domínio ainda não Passando pelo caminho da prática, o conhecimento humano dá, então, um
são suficientes e não posso, de maneira alguma, afirmar que conheço tudo, de agora outro salto, de uma significação ainda mais importante que o precedente. Só, com
em diante, e que os outros não sabem nada. Com todos os camaradas do partido, efeito, este salto permite avaliar o valor do primeiro. Quer dizer, assegurarmo-nos
aprender junto das massas e, continuar a ser o seu modesto aluno: eis o meu de que as ideias, teorias, planos, modos de ação, etc., elaborados no decurso do
desejo. (março 1941). processo de reflexão do mundo objetivo, são justos ou falsos: não há outra maneira
de fazer a prova da verdade.
1.2. De onde vêm as ideias justas Ora, se o proletariado procura conhecer o mundo, é para transformá-lo, não
De onde vêm as ideias justas? Caem do céu? Não. Elas só podem vir da tendo nenhum outro objetivo. Para se completar o movimento que conduz a um
prática social. E de três espécies de prática social: a luta pela produção, a luta de conhecimento justo é preciso, com frequência, repetir várias vezes o processo que
classes e a experimentação científica. A existência social dos homens determina a consiste em passar da matéria ao espírito e do espírito à matéria, quer dizer, da
sua maneira de pensar. E as ideias justas que são próprias de uma classe de prática ao conhecimento, depois do conhecimento à prática.
vanguarda tornam-se, assim que penetram as massas, uma força material capaz de Esta é a teoria marxista do conhecimento, a teoria materialista - dialética do
transformar a sociedade e o mundo. conhecimento. Mas, entre nossos camaradas, muitos não compreendem ainda esta
teoria. Se se lhes pergunta de onde vêm as ideias, opiniões, política, métodos,
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planos, conclusões, de onde vêm os seus discursos intermináveis e seus artigos mais detestável, verdadeiramente, do que é puramente subjetivo. Tais pessoas
prolixos, acham a pergunta estranha e não sabem responder. E os saltos pelos quais podem estar certas de estragar tudo, de perder o apoio das massas e de não resolver
a matéria se transforma em espírito e o espírito em matéria, fenômeno ordinário da qualquer problema.
vida quotidiana, permanecem igualmente incompreensíveis para eles. Numerosos são os dirigentes que apenas soltam suspiros em face dos
É preciso, pois, ensinar a nossos camaradas a teoria materialista dialética do problemas difíceis, sem poder resolvê-los. Perdendo a paciência, eles pedem para
conhecimento, a fim de que eles saibam orientar-se nas suas ideias, fazer inquéritos ser transferidos, alegando que "não conseguem dar conta da sua tarefa por falta
e investigações e efetuar o balanço da sua experiência, possam sobrepor-se às de capacidade". É esta a linguagem de um covarde! Mas mexam-se um pouco!
dificuldades, evitar quanto possível cometer erros, fazer bem o respectivo trabalho, Façam uma volta pelos setores e localidades que são da sua competência e imitam
contribuir com todas as forças para edificar um grande e poderoso país socialista e, Confúcio que "fazia perguntas sobre tudo"! Por pouca capacidade que tenham,
enfim, ajudar as massas oprimidas e exploradas do mundo, no sentido de cumprir o saberão resolver os problemas; pois, se é verdade que, ao sair de casa tinham a
nobre dever internacionalista que nos incumbe. cabeça vazia, o mesmo não acontecerá quando regressarem: o cérebro estará
munido de todos os materiais necessários para a solução dos problemas que se
1.3. A pesquisa acharão, assim, resolvidos.
1.3.1. Sem pesquisa não há direito à palavra É sempre necessário sair de casa? Não forçosamente. Pode-se convocar para
Para falar de um referido problema é necessário antes, fazer uma pesquisa uma reunião de informação, pessoas bem informadas, para nos conseguir reportar à
sobre ele. Quem não tiver ideia, não tiver pesquisado sobre a natureza do problema, origem daquilo a que se chamou um problema difícil e para nos esclarecer sobre o
não pode ter direito à palavra para falar dele. Quando se ignora a fundo um seu estado atual, ser-nos-á, então, fácil resolver este problema difícil. O inquérito é
problema, por não se haver pesquisado sobre o seu estado atual e suas causas, não comparável a uma longa gestação e a solução de um problema, ao dia do parto.
se pode dizer nada a seu propósito, senão asneiras. E as asneiras, todo mundo sabe, Inquirir sobre um problema é resolvê-lo.
não servem para resolver os problemas. O que há de injusto, portanto, em se privar
do direito à palavra quem não pesquisou? Ora, muitos camaradas não sabem fazer 1.3.3.Contra o culto do livro
outra coisa que não seja divagar, de olhos fechados: isto é uma vergonha para os Tudo o que está nos livros é justo: tal é, ainda hoje, o estado de espírito dos
comunistas! Como é que um comunista pode falar assim no ar, de olhos fechados? camponeses chineses, culturalmente atrasados, Mas, é surpreendente que nas
É inadmissível! Fazei pesquisas! E não digam mais asneiras! discussões do Partido Comunista haja também pessoas que digam a propósito de
tudo: "Mostra-nos isso no teu livro!" Quando dizemos que as diretrizes dos órgãos
1.3.2. Pesquisar sobre um problema é começar a resolvê-lo dirigentes superiores emanam dum "órgão dirigente superior" é porque seu
Não se consegue resolver um problema? Pois bem! Informemo-nos do seu conteúdo corresponde às condições objetivas e subjetivas da luta e responde às suas
estado atual e passado! Quando se tiver feito um inquérito aprofundado, saber-se-á necessidades. Executar cegamente as diretivas sem as discutir nem as examinar à
como resolvê-lo. As conclusões tiram-se no fim do inquérito e não no seu começo. luz das condições reais, eis o erro profundo da atitude formalista, ditada somente
Só os néscios, isoladamente ou em grupos, sem ter feito quaisquer inquéritos, pela noção de "órgãos superiores". É por culpa deste formalismo que a linha e a
torturam o espírito para "encontrar uma solução", "descobrir uma ideia". Assinale-se tática do partido não puderam, até agora, penetrar profundamente nas massas.
que nenhuma boa solução, nenhuma ideia boa sairá daí. Ou seja, os néscios não Executar cegamente, e aparentemente sem nenhuma objeção, as diretivas
poderão chegar senão a uma má solução, a uma má ideia. de um órgão superior, significa não as executar realmente; é mesmo o jeito mais
Não são raros nossos inspetores, nossos chefes partidários, nossos hábil de se opor a elas e de sabotá-las. Igualmente, nas ciências sociais, o método
quadros, recentemente instalados, que se deliciam, desde a sua chegada, em fazer que consiste em estudar exclusivamente os livros é o mais perigoso possível, pode
declarações políticas, e se põem, a propósito de meras aparências por qualquer mesmo conduzir à contrarrevolução. A melhor prova é que muitos comunistas
íntimo detalhe a censurar isso, a condenar aquilo, com gestos autoritários. Nada de chineses que, no seu estudo das ciências sociais, não largavam nunca os livros,
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tornaram-se, uns após os outros, contrarrevolucionários. Nós dizemos que o Tal é nossa resposta à pergunta: qual é o objetivo do inquérito sobre as
marxismo é uma teoria justa; não porque Marx seja um "profeta", mas porque sua condições sociais e econômicas? O que constitui o objeto do nosso inquérito são,
teoria provou "ser justa" na nossa prática, na nossa luta. pois, as diferentes classes sociais e não fenômenos sociais fragmentários. Desde
Nós temos necessidade do marxismo, na nossa luta. Aceitando essa teoria, algum tempo, os camaradas do IV Corpo do Exército Vermelho dedicam, em geral,
não temos na cabeça qualquer ideia formalista, ou mística, como se fosse a de um sua atenção ao trabalho de inquérito, mas o método de muitos deles é errado. Os
"profeta". Entre os que leram livros marxistas, muitos se tornaram renegados da resultados de seus inquéritos assemelham-se às contas de um merceeiro; lembram
revolução; e frequentemente, operários iletrados são capazes de assimilar o aquela quantidade de histórias sensacionais que um camponês ouviu contar, numa
marxismo. É preciso estudar os livros marxistas, mas sem esquecer-se de os referir cidade populosa observada, de longe, de cima de uma montanha.
à realidade do nosso país. Temos necessidade de livros, mas temos absolutamente Tal inquérito não tem nenhuma utilidade e não nos permite atingir o nosso
que nos desembaraçar do culto que lhes votamos, com desprezo pela realidade. objetivo principal que é o de conhecer a situação política e econômica das diferentes
Como desembaraçamo-nos desse culto? A única maneira é de fazer inquéritos sobre classes da sociedade. O inquérito deve poder dar a nós, em conclusão, um quadro da
o estado real da situação. situação atual de cada classe, assim como dos altos e baixos que elas tiveram no
passado. Por exemplo, quando fazemos o inquérito sobre a composição do
1.3.4. A ausência de pesquisa sobre a realidade conduz a uma apreciação idealista campesinato, não nos devemos informar apenas sobre o número de camponeses
da força de classe e a uma direção idealista do trabalho, o que conduz ao pobres, dos camponeses semi-proprietários e dos rendeiros que se distinguem um
oportunismo ou ao golpismo. dos outros através da locação das terras. Nós devemos, sobretudo, conhecer o
Não acreditam nesta conclusão? Os fatos o obrigarão a isso. Tentem apreciar número de camponeses ricos, dos camponeses médios e dos camponeses pobres,
a situação política ou dirigir uma luta fora de todo o inquérito sobre a realidade, e que se distinguem pelas diferenças de classes ou de camada social.
verão se a vossa apreciação ou a vossa direção não são vãs e idealistas, e se esta Quando procedemos a um inquérito sobre a composição dos comerciantes,
maneira vã e idealista de fazer uma apreciação política ou de dirigir um trabalho, não não devemos só conhecer o número das pessoas repartidas pelo comércio de
conduz a erros oportunistas ou golpistas. Seguramente que ela conduz a tal. Não é cereais, ou da confecção ou das plantas medicinais, etc. Temos, sobretudo, de
que não se tenha tido o cuidado de preparar um plano antes de agir, mas não houve inquirir sobre o número dos pequenos comerciantes, comerciantes médios e
a preocupação de conhecer as condições reais da sociedade, antes de elaborar o grandes comerciantes. Devemos inquirir, não apenas a situação de cada profissão ou
plano. Este modo de atuar encontra-se frequentemente nas unidades de partidários estado, mas ainda e, sobretudo, sobre sua composição de classe.
do Exército Vermelho. Oficiais do gênero de “kuei” punem, sem discernimento, os Devemos inquirir, não só sobre as relações entre os diferentes estados, mas,
seus homens, mal os descobrem em falta. O resultado é que os culpados se queixam, antes de tudo, sobre as relações entre as diferentes classes. Nosso principal método
seguem-se discussões e os dirigentes perdem todo o prestígio. Não se passaram de investigação é o de dissecar as diferentes classes sociais. O objetivo final é o de
muitas vezes, coisas destas no Exército Vermelho? conhecer suas relações mútuas para chegar a uma justa apreciação das forças de
É desembaraçando-nos do idealismo, evitando qualquer erro oportunista ou classe e de definir, em seguida, uma tática justa para nossa luta, determinando quais
golpista, que nós podemos conquistar as massas e vencer o inimigo. E para nos as classes que constituem nossas forças principais, na luta revolucionária, quais são
desembaraçar do idealismo, temos de nos esforçar por fazer dos inquéritos sobre a as que devemos conquistar, como aliadas e as que temos de derrubar? Eis todo o
realidade. nosso objetivo.
Quais são as classes sociais que devemos constituir como objetivo de
1.3.5. A pesquisa sobre as condições sociais e econômicas têm por fim chegar a inquérito? São: o proletariado industrial, os operários artesanais, os assalariados
uma justa apreciação das forças de classe e definir, em seguida, uma justa tática de agrícolas, os camponeses pobres, os indigentes das cidades, o lumpemproletariado,
luta os proprietários de empresas artesanais, os pequenos comerciantes, os camponeses
médios, os camponeses ricos, os proprietários de terras, a burguesia comercial, a
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burguesia industrial. No decorrer do nosso inquérito, devemos centrar a nossa de estar constantemente a par do estado da sociedade e fazer inquéritos sobre a
atenção sobre a condição de todas estas classes (ou camadas sociais). Na região, realidade. Os camaradas que têm espírito entorpecido, conservador, formalista e
onde trabalhávamos, só falta o proletariado industrial e a burguesia industrial, o indevidamente otimista, acham que a tática de luta adotada hoje é a melhor
resto é familiar. A nossa tática de luta é precisamente a que adotamos em relação a possível. Que os "livros" publicados pelo VI Congresso e o partido comunista
todas estas classes e camadas sociais. garantem, para sempre, nossa vitória e que basta conformar-se com as decisões
Temos tido, no trabalho de inquérito, outra insuficiência grave: nos tomadas, para vencer por toda a parte.
preocupamos com as regiões rurais em detrimento das cidades, de forma que Esta maneira de ver é totalmente falsa; é incompatível com a ideia de que os
numerosos camaradas têm sempre uma ideia bastante vaga sobre a tática a se comunistas criam, através da luta, situações novas; ela representa unicamente uma
adotar em face dos indigentes das cidades e da burguesia comercial. No linha puramente conservadora. Se não for totalmente rejeitada, esta linha
desenvolvimento, a luta nos fez abandonar a montanha em proveito da planície; conservadora causará grande mal à revolução e prejudicará esses mesmos
fisicamente, descemos há muito, das montanhas, mas mentalmente continuamos lá. camaradas. De toda a evidência, certos camaradas do Exército Vermelho estão
Temos de conhecer a cidade tão bem como a montanha; de outra forma, não muito felizes por ficar onde estão, não procuram conhecer o fundo das coisas, são de
poderemos responder às necessidades da revolução. um otimismo falso e propagam esta ideia falsa: "isto é o proletariado". Não fazem
senão comer e beber todo o dia e passam o tempo a dormitar em seus escritórios,
1.3.6. A vitória da luta revolucionária na China depende do conhecimento que os sem querer jamais pôr o pé na sociedade, entre as massas, para fazer um inquérito.
camaradas têm da situação de seu país. Quando se dirigem às pessoas, é sempre a mesma lenga-lenga enfadonha.
O objetivo de nossa luta é passar da democracia ao socialismo. Nesta tarefa, Para despertar os nossos camaradas, temos de lhes gritar: Desembaracem-se
a primeira coisa a fazer é levar, até o fim, a revolução democrática, conquistando a já do vosso espírito conservador! Substituam-no por um espírito de iniciativa,
maioria da classe operária e sublevando as massas camponesas e indigentes das progressista e comunista! Lutem! Vão às massas e façam pesquisas sobre a
cidades para derrubar a classe dos proprietários de terra, o imperialismo e o regime realidade!
do Kuomintang. Depois, com o desenvolvimento desta luta teremos de realizar a
revolução socialista. O cumprimento desta grande tarefa revolucionária não é coisa 1.3.7. A prática da pesquisa
simples e fácil; depende inteiramente da justeza e fineza da tática de luta, a) Organizar reuniões de informação e proceder a pesquisas por
empregada pelo partido proletário. intermédio da discussão
Se esta tática for errada ou hesitante, a revolução sofrerá, inevitavelmente, Só esta maneira de agir permite nos aproximar da realidade e tirar
uma derrota temporária. Compenetremo-nos bem de que os partidos burgueses conclusões. Ater-se unicamente à apreciação que faz cada um da sua própria
também, discutem todos os dias a sua tática de luta; trata-se, para eles, de saber: a) experiência, sem fazer reuniões, nem levar a cabo um inquérito através da discussão,
como propagar as ideias reformistas, nas fileiras da classe operária, para enganá-la e é um método sujeito ao erro. E o que consiste em fazer a reunião? Somente algumas
subtrair dela a direção do partido comunista; b) como ganhar para si os camponeses perguntas, ao acaso, sem levantar os problemas essenciais, não permitem tirar
ricos para liquidar as insurreições dos camponeses pobres e c) como organizar o conclusões mais ou menos exatas.
lumpemproletariado para reprimir a revolução, etc. Quando a luta de classes se b) Quem deve assistir à reunião de informação?
tornar, cada vez mais encarniçada, e tomar a forma de um corpo-a-corpo, o Aqueles que conhecem perfeitamente a situação social e econômica - do
proletariado deve contar inteiramente, para a sua vitória, com a justeza e a firmeza ponto de vista da idade, as pessoas idosas são preferíveis, porque têm uma rica
da tática de luta do seu partido, o partido comunista. experiência e conhecem, não só o estado atual das coisas, mas também suas causas
Uma tática de luta do partido comunista que seja tão justa quanto firme, não e efeitos. Os jovens que tenham experiência de luta devem ser também numerosos,
pode ser elaborada por algumas pessoas, fechadas, entre quatro paredes; ela só porque têm ideias progressistas e um sentido agudo da observação. Do ponto de
pode vir das lutas de massas, quer dizer, da experiência política. Eis por que temos vista do estado, pode-se fazer vir operários, camponeses, comerciantes, intelectuais,
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às vezes soldados e mesmo vagabundos. Naturalmente, quando o inquérito incide orientarem-se, mais facilmente, nos questionários posteriores sobre outros lugares
em um assunto bem determinado, não é necessária a presença de pessoas estranhas ou outras questões.
à questão; assim, operários, camponeses e estudantes não precisam estar presentes, g) Tomar notas
quando se trata de um inquérito sobre o comércio. O pesquisador deve, não só presidir a reunião de informação e dirigi-la
c) Que é preferível: uma grande ou uma pequena reunião de convenientemente, mas ainda tomar notas a fim de registrar os resultados do seu
informação? inquérito. Não deve confiar este trabalho a outros.
Isso depende da capacidade do pesquisador para conduzir a reunião. Para
um pesquisador capaz, o número dos participantes pode ultrapassar uma dezena ou
até uma vintena. Uma reunião numerosa tem suas vantagens: permite estabelecer
uma estatística relativamente exata (por exemplo, quando se quer saber se a
distribuição igual das terras é preferível à sua distribuição diferenciada).
Naturalmente, a reunião numerosa apresenta, também inconvenientes: quem não
sabe conduzi-la bem não consegue manter a ordem; assim, o número dos
participantes depende da competência do pesquisador. De qualquer modo, a
reunião tem de ter pelo menos três pessoas, senão as informações seriam
demasiado limitadas para refletir.
d) Estabelecer um plano de questionário
É preciso ter um plano preparado. O pesquisador fará perguntas seguindo a
ordem prevista por este plano e os participantes responder-lhe-ão, de viva voz. Os
pontos obscuros ou duvidosos serão submetidos ao debate. O plano do inquérito
deve comportar capítulos e subcapítulos; por exemplo, no capítulo "comércio", os
tecidos, cereais, artigos diversos, as plantas medicinais constituem subcapítulos e os
subcapítulos "tecidos" subdivide-se, por sua vez em panos de algodão, tecidos de
fabricação local, sedas, etc.
e) Participar pessoalmente no inquérito
Os que ocupam um posto dirigente, desde o presidente do governo
municipal até o presidente do governo central, desde o chefe de destacamento até o
comandante-em-chefe, desde o secretário de cédula até o secretário geral do
partido, têm de, sem exceção, pesquisar pessoalmente acerca da realidade
econômica e social. Não devem se fiar unicamente nos relatórios escritos, porque
uma coisa é pesquisar pessoalmente, outra coisa é ler relatórios.
f) Aprofundar a matéria antes
Todos os que se iniciam no trabalho de pesquisar devem se preparar com
um ou dois inquéritos aprofundados anteriores, para ter mais conhecimento e
prática do tipo de pesquisa que vão fazer. E conhecer os temas que serão tratados
na pesquisa, como a situação da aldeia, da cidade ou questões sobre cereais, renda
etc. O conhecimento profundo de um lugar ou de uma questão permitir-lhes-á
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15. RESGATAR O ESPÍRITO DE MILITÂNCIA
3. Sem medo de ser socialista
“Acreditar é viver, agora, a esperança; é tornar presente o sonho que A militância não pode ter, como centro da luta, o inimigo ou a opressão. O
ainda não é realidade; é firmar os olhos em uma certeza; é encarar o que deve mover a militância é a certeza de estar construindo uma pátria onde não se
desafio da vida até à vitória, sempre” chore mais, a não ser de contentamento. É o compromisso com a transformação da
sociedade para que a produção, distribuição e consumo das riquesas se façam de
Abertura forma partilhada. No capitalismo, baseado na exploração e na competição entre os
O que vence o medo não é a valentia, é a convicção. A convicção é uma porta indivíduos, não há lugar para os pobres, como protagonistas. Já no socialismo que
que só se abre por dentro. É a certeza numa coisa que não se vê ainda. É apaixonar- coloca o ser humano como centro, é possível uma relação entre os humanos, sem
se por uma causa e ser capaz de doar a vida por ela. Enquanto a pessoa não abre seu exploração e, com a natureza, sem destruição. Por isso, os erros e limites das
coração, não entende a causa, nem abre suas mãos para realizá-la. A justeza da luta experiências socialistas não negam o sonho, nem invalidam os esforços de tanta
contra toda forma de opressão é uma convicção que produz posturas, atitudes, gente que entregou sua vida por um mundo de novos homens e novas mulheres.
comportamentos e valores. Quando essas convicções são saboreadas e partilhadas
alimentam a mística da militância, mesmo quando experimentadas, no meio da 4. Prosperidade
tensão e da imperfeição. É legitimo o desejo de possuir os bens produzidos pela criatividade humana
1. O espírito militante quando são frutos de seu trabalho. Quem não trabalha não deve comer. Só quem
Um tarefeiro cumpre ordens, um funcionário trabalha pelo salário, perde a dignidade, perde também a vontade de crescer, de ter mais, ser mais, saber
um mercenário age para satisfazer seu interesse individual. Já a militância se move mais e deixar sua marca no mundo. No capitalismo, a busca da prosperidade vira
por uma indignação e por uma entrega apaixonada para que a classe oprimida se consumismo, enquanto vontade incontrolável de acumular bens condição para a
realize, como gente e como povo. Como toda luta, também a luta popular é uma dominação. Todo bem material e espiritual tem função social, pertence a todos.
questão passional; ora, ao amante não se ensina o que deve fazer para agradar a Mas, a prosperidade só pode existir com trabalho, domínio da técnica, crescimento
pessoa amada. Com entusiasmo e ousadia quem ama faz do longe perto e inventa da consciência e austeridade de vida (não ter carência, mas não ter mais que o
caminhos para alcançar seu objetivo. É essa paixão que une a ação, a razão e o necessário) com o básico para todos, pensando nos recursos do planeta e nas
sentimento e invade o espaço pessoal, a convivência familiar, a vida de trabalho da gerações futuras.
militância, contínua busca de sua coerência entre o dito e o feito.
5. Espírito de superação
2. Indignação e rebeldia A militância, dentro de orientações construídas coletivamente, deve tomar
Uma qualidade da esquerda é sua capacidade de indignar-se contra qualquer iniciativas, criar caminhos, ir além de metas planejadas, manter a busca constantes
injustiça, cometida contra qualquer pessoa, em qualquer parte do mundo. Achar de soluções, sem seguir receitas, nem pedir licença ou esperar ordens. O espírito de
natural a submissão, a dependência ou acostumar-se com a situação dos pobres é superação é um ato da vontade que, ao entender o que é necessário fazer, a pessoa
identificar-se com a direita, é ficar do lado da opressão. Porém, rebeldia não se se dispõe a fazer o que entendeu, de maneira cada vez mais profissional, para
confunde com amargura, nem com a revolta que nada faz para mudar. Nem, realizar a missão do movimento popular. É preciso fazer bem, melhor, ótimo,
tampouco, é uma vingança; porque vingança iguala a vítima com o bandido. A perfeito... por acreditar que, se alguém merece alguma coisa perfeita é a classe
verdadeira rebeldia desperta a auto-estima que não deixa a pessoa se coisificar, nem trabalhadora.
coisificar outras pessoas. É o embrião da consciência crítica necessária para 6. Espírito de sacrifício
desmontar a injustiça e contribuir na construção de uma sociedade sem dominação. Quem diz luta, diz sacrifício e quem diz sacrifico, diz também morte. É fácil
ver que se o grão de trigo não morrer, não dá fruto. Além disso, acabar com a
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exploração não se faz sem conflito e sem rompimento, embora seja necessário evitar razão para se ter medo de querer o poder. O poder é um instrumento indispensável
os sacrifícios inúteis. O sacrifício nasce do enfrentamento da opressão. Não pode ser para organizar a luta, conquistar benefícios e multiplicar militantes. O desafio
martírio onde as pessoas se preparam mais para sofrer e morrer do que para permanente é coordenar sem autoritarismo, conduzir sem manipulação, comandar
derrotar o inimigo. repartindo o poder e cumprir os acertos coletivos, acima das vaidades e caprichos
As transformações na natureza, nas pessoas e na sociedade não nascem de individuais.
um acordo. O novo que se constrói dentro do velho, mas aparece quando o velho é
destruído. Ninguém luta porque gosta; toda conquista envolve risco. Nada é 9. Combater a alienação
concedido à classe oprimida, por dever de justiça. O direito humano nasce na rua, no A pessoa que não entende a raiz da injustiça se torna alienada. O processo
confronto - é a luta que faz a lei. Por isso, os subversivos precisam conhecer as de tomada de consciência quebra toda forma de alienação e permite a descoberta
manhas e preparar a hora de encarar a fera. A mudança é uma luta de conspiração do real. A superação da alienação é básica na estratégia para construir o novo, o
e, por isso, na vida individual ou coletiva, é inevitável a ruptura. As tensões, como futuro, a vida. A participação em processos de luta, a reflexão, o estudo, as leituras...
dores de parto, antecedem a vitória da vida sobre a morte, sempre. O espírito de são caminhos para alimentar a fidelidade à causa popular na busca das
sacrifício não impõe pré-condições de conforto, facilidade ou mordomias individuais. transformações. Pensar é um exercício que subverte a existência da militância para
que ela jamais se acostume com a injustiça ou desanime na luta pela emancipação
7. O amor pelo povo da humanidade. Estudar funciona como um mecanismo que avalia e desafia a
A militância, mesmo sob o risco de parecer ridículo, sabe que o verdadeiro militância de escritório e ajuda na superação da mesmice, da repetição, da
revolucionário é guiado por grandes sentimentos de amor. A classe trabalhadora manipulação, dos desvios e dos vícios.
carrega muitas contradições e reproduz boa parte da mentalidade dominante.
Porém, mais que vítima, a classe oprimida é um potencial inesgotável de formas de 10. A solidariedade universal
luta e sementeira permanente de novos militantes, pois, só a classe oprimida pode Ninguém é uma ilha – toda pessoa se realiza quando se relaciona com as
ter interesse na libertação e, ao libertar-se, liberta também seus opressores. outras. A doutrina capitalista de cada um conforme sua ganância gera dominação e
Para a militância, o povo que é o sentido e a razão de sua existência, mesmo exclusão. Contra a lei do mais forte, a militância socialista pratica a solidariedade,
que aparentemente ele não tenha razão. Por isso, prefere o risco de ficar sempre reconhece o valor da soma das riquezas individuais, mas reage contra a divisão entre
com os pobres do que achar que vai acertar sem eles. Como todo artista, a militãncia superiores e inferiores. Por isso, luta contra a dominação de classe, a discriminação
se mete, lá onde o povo vive, luta, sofre, se alegra e celebra suas crenças. Afastar-se de gênero, o preconceito étnico e geracional e todas as formas de intolerância
do povo é uma forma de ficar contra o povo. Como não tem sentido fermento fora cultural e religiosa.
da massa, não pode existir militante sem ligação com uma base. Militante que se A solidariedade se manifesta na compaixão como capacidade de colocar-se
afasta do povo passa a pensar por onde os pés pisam, entra num processo de no lugar da outra pessoa, na afetividade, na parceria e no amor incondicional para
corrupção, moral, política e ideológica. que a classe oprimida se realize. Mas, ela se expressa melhor na entrega gratuita, do
que se tem de melhor, inclusive a própria vida, para que pessoas e povos realizem o
8. O exercício do poder eterno sonho da fraternidade universal.
Na sociedade dividida em classes, os líderes pisam sobre o povo, usam o “Se sentires a dor dos outros como a tua dor, se a injustiça no corpo do
poder para submeter e explorar a classe trabalhadora. Certas lideranças, oprimido for a injustiça que fere a tua própria pele, se a lágrima que cair do rosto
reproduzindo a prática da elite, também concentram o poder, usam métodos dos desesperado for a lágrima que você também derrama, se o sonho dos deserdados
grandes e contrariam os pequenos para não ficar de mal com os ricos e autoridades. desta sociedade cruel e sem piedade for o teu sonho de uma terra prometida,
Elas fizeram do seu cargo seu meio de vida. Ficar à frente, nunca poderia criar na então, serás um revolucionário, terás vivido a solidariedade essencial” (L. Boff)
militância a postura de chefe. Mas, os abusos no uso do poder nunca deveriam ser
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fuxico, da intriga, do personalismo e afirmar com a vida que nós podemos tudo, nós
11. O espírito Multiplicador podemos mais, vamos lá fazer o que será!
Um dizia que um guerreiro a gente planta para dê novas sementes. Quem
tomba na batalha a gente não deveria chorar, mas festejar. Afinal, sangue de mártir 13. A pedagogia do exemplo
é semente de militantes. É preciso ter orgulho de pessoas que oferecem sua vida Não basta que seja pura e justa a nossa causa, é necessário que a pureza e a
para que o povo viva com dignidade. Com o mesmo ardor, é necessário recordar a justiça existam dentro de nós. É comum escutar que, na prática a teoria é outra,
memória de tanta gente anônima que sustenta o cotidiano da luta e garante o porque as palavras explicam, mas são os exemplos que mobilizam. É, na prática, que
enraizamento do trabalho. a militância revela suas convicções. É, no dia a dia, que o discurso se torna força
Cada militante, no seu território, deve comprometer-se em mobilizar um material capaz de alimentar a luta pela vida. É na vida pessoal, no estudo, nas
time de trabalhadores. Estes, por sua vez, devem repartir os esclarecimentos com atitudes de dedicação, no entusiasmo, na ousadia, no respeito ao povo, na fidelidade
outras pessoas, em seus espaços de luta, de vida e de trabalho. Sua missão é aos acertos coletivos, no trabalho produtivo, na participação em um posto concreto
despertar a autoestima silenciada, estimular o protagonismo e convocar para a da luta, na simplicidade de vida, no uso correto dos recursos coletivos... que se
tarefa de ser capaz e ser feliz, coletivamente. Assim, tece uma rede de resistência, concretizam as convicções.
pois, a importância da árvore se mede pelo número de folhas que renova e a A pedagogia do exemplo se revela no espírito de humildade, contrário a toda
importância da pessoa pelo número de gente que reúne. Porém, é preciso ter claro arrogância, autossuficiência, submissão ou ingenuidade. Humildade é a simplicidade
que se a luta não vai sem os filhos, a família e a comunidade, não vai só com os de alguém que afirma sua dignidade reconhecendo seus valores e limites. Por isso,
filhos, a família e a comunidade! respeita e acolhe outras singularidades que contribuem com verdades, valores e
conhecimentos.
12. O companheirismo
Companheirismo é a forma superior de relacionamento, mais forte que os 14. A mística Popular
laços de sangue. É o gesto humano, fraterno e político de quem crê na capacidade A mística da causa popular é o segredo plantado na alma das pessoas, é a
das pessoas e da classe oprimida. Companheirismo significa compartilhar o pão e o força interior que impulsiona a militância, nos momentos de dor, de dúvida e de
poder, em todos os espaços da vida, com quem se dispõe à mesma caminhada. É não derrotas. Sabemos que militante triste é um triste militante. Sua mística está
ter vergonha de falar de seus sonhos e de seus limites pela ter a certeza de ser presente na alegria de viver, na disposição para a luta, na esperança sem ilusões, no
acolhido, escutado, entendido, mesmo quando erra ou quando cobra. canto, nos símbolos, na beleza do ambiente, nas celebrações. Essa energia vital se
As relações humanas e a caridade tradicional negam o companheirismo expressa em gestos e atitudes, individuais e coletivas que revelam, desde já, o sabor
porque são mecanismos para manter a dependência entre quem manda e quem da convivência sonhada para todo o povo.
obedece, entre quem doa e o coitado que recebe, para aumentar nos pobres o A celebração da mística, às vezes, aparece como indignação e conflito;
sentimento de inferioridade. O companheirismo se revela especialmente na atenção outras vezes, tem a cara do prazer e da festa. Mas, deve ser sempre uma experiência
a quem trabalha, mesmo que ainda não entenda a razão de lutar; mas também, no marcante que traduza uma convicção profunda, para reforçar a luta e atrair novos
tempo dedicado a juventude e às crianças, no carinho às pessoas excluídas, na oferta combatentes. Esse ânimo interior, alimento da esperança, em qualquer conjuntura,
de ombro solidário a quem está desanimando e no respeito ao parceiro(a) de vida e torna as pessoas combativas e carinhosas, abertas e perseverantes, mas, sobretudo,
de caminhada para que se levantem e andem. companheiras. “Você pode até dizer que eu sou um sonhador. Mas não sou o único.
Na rotina da vida, na insegurança frente aos desafios e na hora do Espero que um dia você se junte a nós. Aí, o mundo será como se fosse um.” J. Lenon.
sentimento de impotência, infelizmente a corda arrebenta no seu lado mais fraco - a CEPIS – SP.
relação com colegas de vida e equipe. Exercitar a fé na vida, a fé na gente e a fé no NOTA: Muitas ideias foram recolhidas de vários militantes que refletiram sobre esse tema.
que virá é capaz de superar a tentação do desânimo, da esperteza, do ciúme, do
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16. MÍSTICA, MISTICISMO, MISTIFICAÇÃO  Desenvolver a mística não pode se confundir com o culto ao passado, relembrar
os momentos trágicos da história e criar o sentimento da dor e morte sempre
Mística não é mistificação que significa falsear, enfeitar ou deformar uma presentes para estimular a cultura de resistência entre sujeitos de semblantes
realidade, com a intenção de iludir a boa-fé das pessoas. Mistificação gera o pesados, sorrisos tristes e punhos cerrados.
fanatismo ou fundamentalismo, religioso ou político. Misticismo é uma visão  É a vida que causa paixão, é pela vida que os seres humanos se movem, é ela
religiosa ou a explicação religiosa que fala da relação ou da contemplação direta e que deve ser celebrada. Que se celebre os lutadores em vida, que se declare o
íntima com a divindade. reconhecimento a cada pessoa pelo esforço de sua luta. Celebrar a vida e a
 Que é mística alegria não é esquecer os compromissos da luta por transformações, é lembrar
Esotéricos e góticos, santos e militantes, movimentos sociais e comunidades que o ser humano tem o direito de sorrir e ser feliz.
religiosas se apropriam da palavra “mística”. Uns fazem mística, outros dizem que  Observa-se, hoje, uma conjuntura que vai de um extremo ao outro, da mística ao
têm mística, outros, ainda, são místicos. Vale ouvir algumas falas sobre mística: misticismo. Diante da mercantilização total da vida cotidiana, a mística corre o
 Mística deriva de mistério. Conhecer mais e mais, entrar em comunhão cada vez perigo de se tornar mercadoria, chavão, moda. Mística pode significar recitação
mais profunda com a realidade que nos envolve, ir para além de qualquer de poesias, serenata, cantoria, reza; pode ser um olhar contemplativo à beira de
horizonte - é fazer a experiência do mistério. Todas as coisas têm seu outro lado. um rio, um ritual festivo na aldeia e êxtase de um monge tibetano.
Captar o outro lado das coisas e dar-se conta de que o visível é parte do invisível:  A mística não é propriedade de nenhuma instituição. A palavra “mística” tem a
eis a obra da mística. mesma raiz que a palavra “mistério”. O mistério não se explica, vive-se, na
 Mística é a capacidade de se comover diante do mistério de todas as coisas. Não contemplação e na ação cotidianas. A mística é como a utopia. Ambas não se
é pensar as coisas, mas sentir as coisas tão profundamente que percebemos o deixam aprisionar em conceitos ou definições.
mistério fascinante que as habita. O que importa é sentir sua atuação e celebrar  Não podemos ter místicas como se tem uma propriedade ou um objeto. Somos
a presença desta realidade essencial. Viver esta dimensão no cotidiano é cultivar místicos. A mística não pode ser funcionalizada onde tudo é avaliado por sua
a mística. funcionalidade ou pela utilidade que tem. Rezar e fazer poemas não tem
 A mística é alma de um povo. A mística é a alma do sujeito coletivo, a identidade utilidade, não tem preço, não pode ser vendido. A mística está no meio de nós
que se revela como uma paixão, que nos ajuda a ‘sacudir a poeira e dar a volta como dom, não como posse. Mas o que não tem preço, pode ter muita
por cima’. dignidade.
 Suportarei tudo, porque há em mim uma alegria, que nada nem ninguém  Temos mística ou somos místicos? Talvez, temos e fazemos mística e ainda não
conseguirá jamais matar! É nessa alegria que está a força dos militantes da somos suficientemente místicos. Ninguém é místico 24 horas por dia. A mística
causa social, é no sentimento da certeza de que se luta por algo justo, é na se revela no serviço desinteressado a causa dos oprimidos e nos faz simples,
energia interior que lhes impulsiona todo vigor e coragem, que faz as pessoas despojados, leves. Na mística, se vive o fim da dicotomia entre o campo
suportarem tudo, mesmo a perda de companheiros; é aí que materializa a espiritual e o material; não é luta e contemplação, mas luta na contemplação ou
mística, contemplação na luta. A redução da utopia para um suposto realismo no “aqui e
 A mística é o momento de reafirmar o compromisso com os ideais de uma agora” cria miopia, faz perder a esperança, compromete a fé e enfraquece a
concepção, de difundi-la socialmente, fortalecê-la politicamente, de consolidá-la solidariedade.
e legitimá-la ideologicamente e uma forma de concretizá-la, aqui e agora.  A mística tem dois braços. É mística da terra, da realidade material, da luta e das
 A mística irriga, pela paixão, a razão e nos ajuda a ser mais humanos, dispostos e marchas e a mística do transcendente que se faz carne a cada dia; luta simbólica
a desafia coletivamente nossos limites; nos impulsiona a ir além do esperado, presente na transfiguração das estrelas, do céu, da poesia, das canções, dos
alimenta os valores e nos faz sentir parte de uma grande família. bonés e das palavras de ordem.

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 “Mística é o conjunto de convicções profundas, as visões grandiosas e as paixões  Não é “reza”, mas é momento sério, sem brincadeiras.
fortes que mobilizam as pessoas e movimentos na vontade de mudança, ou que  Atitudes a serem evitadas
inspiram práticas capazes de afrontar quaisquer dificuldades ou sustentar a - Achar que mística é apenas motivação, abertura, enfeite, emoção: “bem,
esperança face aos fracassos históricos.” feita a mística... vamos agora ao que interessa”;
 Formas de concretizar a mística - Virar tarefa de especialistas, embora exista gente com mais
A mística tem um conteúdo que se expressa: sensibilidade/criatividade que outras; quem se acha dirigente também “faz”
1. Na postura pessoal – a mística é, sobretudo, a vivência de valores de a mística.
forma coerente com nossas convicções. Por isso, é na vida e nas atitudes
pessoais que a mística mais se manifesta: a) no amor pelo povo; b) na
- Confundir a parte com o essencial: “não participei do encontro porque
estava preparando a mística”;
solidariedade; c) no espírito de humildade, d) no espírito de superação,
iniciativa e ousadia. e) no espírito de sacrifício; f) no companheirismo, g) - Não pode virar competição: “a mística de fulano foi melhor que a de
na pedagogia do exemplo; sicrana”;
2. No ambiente – simbologia, luz, cores, beleza, festa... - Repetir no NE um jeito que deu certo no sul - fica manjado, fora do contexto
3. Na celebração coletiva – Não existem receitas. Cada movimento tem e, por isso, cansativo, formal e burocrático;
formas particulares de expressar seus valores, princípios e sua vida. Mas, - Evitar a improvisação, mas nunca pode virar um fardo ou um tormento para
a experiência recomenda que se leve em conta alguns critérios na quem está encarregado de coordenar sua realização.
manifestação pública da mística:  Recordando
 Deve ser uma atividade onde as pessoas participam com o corpo, O importante na expressão pública da mística é a reafirmação dos objetivos
mente e sentimento; e o fortalecimento da militância. Não existe receita, mas tem que ser participada,
 Não é show para ser assistido; deve envolver as pessoas (o uso da simples, atraente, bem feita, conforme o assunto, a hora e o grupo.
poesia ou canção exige texto quem participa e alguém que saiba Às vezes, a mística tem o tom de alegria, outras de protesto e de dor; às
tocar); vezes, o tom da política; outras a linguagem cultural e a tradição religiosa. Mas,
 Não tem essa de preparar surpresas, de causar impacto, de provocar nunca pode virar um show para ser assistido; as pessoas devem sentir-se bem e
sensação; participantes.
 A celebração da mística deve ser bonita, criativa, breve, com certa A celebração é bonita quando é participada, dentro do tema que tratado,
solenidade, simples e bem feita, mas sempre ligado ao tema do breve, com certa solenidade, com simplicidade e bem feita. É bom usar símbolos,
momento; gestos, incorporação de expressões culturais, testemunhos pessoais... mas sempre
 É bom usar símbolos, gestos e incorporar expressões culturais, evitar que vire simples apresentação teatral.
testemunhos pessoais... Mas, evitar que vire uma mera apresentação Deve ser uma atividade onde as pessoas participem com o corpo, mente e
teatral; sentimento. Não pode ser show para ser assistido: as pessoas devem ser envolvidas
 A mística pode ser expressa no começo - concentra a atenção e no ato. É falso preparar surpresas, causar impacto, sensação.
recorda o espírito que une o grupo, mas pode e deve ser feita a A mística pode ser expressa no começo - concentra a atenção, recorda o
qualquer momento: um canto, um grito de guerra, uma declamação, espírito que une o grupo; mas, pode se fazer em qualquer momento adequado - um
um silêncio... canto, um grito de guerra, uma declamação, um silêncio...
 A preparação é necessária para evitar a improvisação, mas não pode Ranulfo – 2006.
virar um tormento para as pessoas que coordenam a celebração; NOTA – este roteiro incorpora reflexões de muita gente que se dedicou ao tema.

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17. O PODER POPULAR covarde. A fraqueza e a ousadia contribuem na formação do caráter da pessoa.
Se não é justo bater, também não é justo apanhar.
Todo poder nasce do povo  Ninguém é uma ilha. E nessa convivência social a pessoa aprende o exercício do
e pelo povo deve ser exercido poder. Em uma sociedade, onde cada um age conforme sua ganância, vigora a
lei do mais forte, não se reconhece o valor das riquezas individuais e se cria a
Quem se acha dono do povo, em geral, tenta anular o poder da classe divisão entre superiores e inferiores. Daí surge a dominação de classe, a
trabalhadora. Pela repressão, tenta controlar sua força e pela conformação, tenta discriminação de gênero, o preconceito étnico e de idade e toda forma de
matar a sua alma. Assim, o povo é ensinado a achar que não tem poder e a ter medo intolerância cultural.
de desejar o poder. Nessa escola ele aprende que manda quem pode e obedece Tem alguém que não se goste e não quer ser poderosa?
quem tem juízo. E que o papel do povo é apenas aceitar o poder imposto pela ordem
e a reproduzir esse comportamento na família, no trabalho e na sociedade. Quando A pessoa precisa ter poder
o povo não exerce o poder, alguém exerce o poder sobre esse povo domesticado.  Ter poder faz parte da natureza humana. Só quem tem poder, de forma
A idéia de refletir sobre o poder é descobrir e desmascarar os mecanismos individual ou coletiva, afirma-se e influi no seu destino e no destino da
que impedem a classe oprimida de se desenvolver no corpo, na mente e no coração. sociedade. O ato de pensar, de agir e tomar decisões torna a pessoa
Ao estudar a pessoa descobre que se o povo soubesse a força que tem, ninguém protagonista e contribui para sua realização pessoal e histórica. Ao contrário,
dominava ele. Descobre também que o grande só é grande porque o povo está de sentir-se impotente é perder a esperança e ser apenas plateia é anular-se. Por
joelho e toda vez que ele se rebaixa ele entrega seu poder. E que esse conhecimento isso, a origem do poder está na mão de quem trabalha.
liberta quando ele é entendido, assimilado e aplicado na vida pessoal, na vida social  Na verdade, toda pessoa gosta de ter poder e se sente feliz com ele. Quanto
e na luta dos explorados contra os exploradores. mais ela nega, mais ela afirma a vontade de ter o poder: ninguém quer
desaparecer – fale mal, mas fale de mim. Quem diz que não quer o poder é
O poder no dia-a-dia porque já tem o poder e não quer dividi-lo ou é um incompetente. Consciente
 Cada pessoa é única: não existem duas pessoas iguais. A pessoa se identifica ou não, mesmo quem delega seu poder ou renuncia a postos de comando, está
quando se encontra e se relaciona com outra. Nessa relação cada pessoa afirma usando um meio de ter e de exercer o poder.
sua originalidade e aprende que só existe o eu porque existe o tu. E só existe o Porque as pessoas têm medo de ter o poder?
nós porque dois seres humanos decidem ou são obrigados a se juntar e a
disputar. É justo ter o poder
 A pessoa, desde criança, disputa para ser reconhecida. Ela tem necessidade de  Ter o poder não é um pecado; é uma necessidade e um direito de toda pessoa.
ser notada, de divulgar suas preferências e de mostrar o seu potencial. Não Porque toda pessoa nasce pra brilhar e quanto mais estrelas no céu mais a noite
aceita ser ignorada, colocada à sombra, tratada como estranha ou fica iluminada. Para isso, é dada à luz e uma luz não se esconde, se coloca no alto
menosprezada. Para conseguir e garantir seu território a pessoa faz de tudo para para que todos a vejam. Hoje, uma mensagem revolucionaria é proclamar aos
aparecer - sente inveja, cobra ciúme, pressiona, esnoba, manipula, se alia, oprimidos: você é capaz, levanta, toma teu leito, é hora de assumir o comando.
compete, esperneia, briga, fantasia, sonha...  Estranho não é desejar o poder, estranho é insistir no medo de ter o poder.
 Essas iniciativas fazem parte da luta pela sobrevivência, da afirmação de Estranho é nunca se dizer que todo poder nasce do povo e pelo povo deve ser
identidade e da autoestima. É a luta pelo poder. Quando alguém não se impõe exercido. Estranho é reduzir o poder ao mero ritual de apenas eleger
ou não briga por sua dignidade, ou já perdeu o ânimo de viver ou é tida como representantes, como se alguém pudesse abrir mão de seu poder. Sem falar que

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a maioria dos eleitos é comprometida com quem domina as riquezas, as ideias e organiza a sociedade, é a equipe que administra e garante os negócios coletivos
os postos de decisão. da classe dominante.
O povo precisa de representantes? Porque a maioria  É no Estado, com suas instituições – o executivo, o parlamento, o judiciário, a
dos eleitos é da classe rica? burocracia, os impostos... e, sobretudo, o poderio militar, onde se concentra o
verdadeiro poder. Alguém já falou, sem negar a inteligência, a diplomacia e a
O que é o poder negociação, que o poder reside na boca de um canhão para dizer que ter poder é
 Todas as relações sociais estão impregnadas e implicam em poder porque o ter poder de fogo. Tem poder quem tem produção, rumo, projeto e força.
poder consiste na possibilidade de decidir sobre sua própria vida e sobre a vida  No Brasil, o Estado é propriedade privada da classe burguesa. A luta popular só
de outro ser humano. O poder é a capacidade de intervenção com fatos que deve disputar o espaço público estatal se tiver clareza do próprio projeto de
obrigam, circunscrevem, proíbem ou impedem. poder e conservar sua independência política. O objetivo de ocupar postos na
 Quem exerce o poder, hoje, submete e inferioriza os dominados, impõe fatos, institucionalidade é acumular forças para a transformação social. Só há governo
exerce o controle, arroga-se o direito ao castigo e à privação de bens reais e Popular quando o povo toma o Poder de Estado. E para avançar, é preciso
simbólicos. Ou seja, tem força, domina. A partir dessa posição de poder julga, romper a cerca, sempre.
sentencia ou perdoa. E ao fazer isso, acumula mais poder. Ter o governo é ter o poder?
 O poder é, então, entendido como poder quando se apropria das riquezas,
excluindo a maioria. Por isso, exerce o poder para domínio, controle e direção da O poder corrompe?
vida da maioria e expropriação de seus bens materiais e simbólicos.  No esforço para superar a cultura do silêncio e a impotência popular, não se
 Poderosa é, então, a pessoa que possui elementos de poder por sua classe, pode esquecer as tentações do poder. Às vezes, as pessoas têm medo de ter
riqueza econômica, social ou cultural, gênero, nacionalidade, sexo, cor da pele, poder porque observam que na vida cotidiana, um jeito estranho de ter o poder.
idade, etc. A história está cheia de exemplos onde o preço para ter mais e ser mais, não
 Todos os fatos sociais e culturais são espaços de poder: o trabalho, as atividades teve medida. O poder pode sim corromper.
vitais, o conhecimento, a sexualidade, os afetos, as qualidades, os bens e posses,  Na sociedade dividida em classes, os líderes pisam sobre o povo, usam o poder
o corpo e a subjetividade, o próprio ser humano e suas criações. para submeter e explorar a classe trabalhadora. Certas lideranças populares,
 A posse privada da riqueza, a exclusão e a dependência dos pobres estruturam o reproduzindo a prática da elite, também concentram o poder, usam métodos
poder, desde sua origem, e permitem sua reprodução. Nesse sentido, a classe dos grandes e fazem do cargo seu meio de vida. Por isso, ter o poder traz consigo
oprimida tem poder porque o poder sucede no espaço das relações sociais: cada muitos desafios.
pessoa ao interagir, mesmo sem saber, exerce poder. O mais débil dos oprimidos  Além disso, até em organizações populares, quem assume um posto de poder
tem e exerce poder quando se torna espaço de opressão do outro que necessita tende a fazer de tudo para tirar vantagens da posição, continuar no cargo e,
dele para existir. inclusive, subir mais. Se for preciso, joga sujo, faz alianças escusas, vende a alma,
Você tem poder? Dê exemplos perde a moral e mancha suas convicções. A corrupção - financeira, política e
moral - começa quando uma direção se afasta do povo e seus interesses e passa
O centro do poder a olhar o cargo como profissão e o poder como privilégio individual.
 O poder que nasce do povo se cristaliza nas instituições civis e estatais e no O que fazer para que o poder não corrompa?
exercício de direção e domínio de um grupo sobre a sociedade. O poder surge
nas relações sociais, mas se encontra e se amplia na reprodução dos sujeitos
sociais, que se situam no espaço público e no espaço privado. Mas, o Estado que

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O Novo Poder  A dependência vital – O poder, hoje, é opressivo porque concentra o poder de
 O poder, como autoafirmação das pessoas e das classes, deveria se definir pelo classe e os poderes nacionais, étnicos, culturais, sexual e os poderes patriarcais.
positivo e não implicar na opressão de ninguém. A esse poder deve aspirar a A dependência vital é econômica e como classe social. Mas, há outras formas de
classe oprimida. Os abusos no uso do poder não podem justificar o medo de dependência: social, jurídica, afetiva, erótica, política... Por isso, é possível
querer o poder. Mas, para uma nova sociedade, o poder não deve manter a substituir uma dependência por outra, como se fosse um mecanismo de
postura de chefe tradicional, arrogante e distante. Não pode confundir reprodução da dependência.
autoridade com autoritarismo.  A impotência aprendida – A impotência é a expropriação da capacidade de
 Sem ingenuidade e com firmeza, o desafio permanente do novo estilo de dirigir, poder: a pessoa anula o eu posso e desenvolve o eu posso empoderar os outros.
será coordenar sem autoritarismo, conduzir sem manipulação, comandar A impotência aprendida não necessita de um juiz - a pessoa já é a própria polícia
compartilhando o poder, cumprir e fazer cumprir os acertos coletivos, acima das de si mesma para autocontrolar-se e autoimpedir-se.
vaidades e caprichos individuais. Esse poder ainda é construção; é uma aspiração  A servidão voluntária – A classe oprimida é construída como servidora, em uma
com algumas experiências, individuais e coletivas, e com alguns elementos relação de dominação, sujeita ao domínio da elite, inferiorizada. Esse mecanismo
desenvolvidos. se reproduz inconscientemente, em séculos de história, nas formas de servidão
 Nessa construção cabe um novo tipo de democracia baseada na confiança. Tem voluntária. Quanto mais autoritárias e mais atrasadas economicamente são as
gente que nunca foi eleita e nem se considera dirigente. No entanto, tem o poder relações de poder, maiores são os traços irracionais desse tipo de servidão.
de direção, pois, em período de propaganda ou em período de luta, assumem o Fale dos mecanismos usados para deixar os
trabalho mais difícil, vão a lugares mais expostos e sua atividade é a mais pobres sem poder.
proveitosa. Essa primazia não é o resultado de seus desejos, mas da confiança
dos camaradas que a rodeiam em sua inteligência, energia e devotamento. A tomada do Poder
 O novo poder é um aprendizado. Participando de uma ação ou de um grupo a  A classe trabalhadora precisa conquistar o poder de estado se quiser resgatar a
pessoa aprende a ouvir e falar, a concordar e discordar, a disputar e negociar, a riqueza produzida por suas mãos e construir uma sociedade sem exploração. Só
ganhar e perder, a fazer e responsabilizar-se, a decidir e executar, a propor e com uma força política é possível conquistar o estado, controlar a produção
cobrar, a comandar e obedecer. Essa prática estimula a ambição de ser gente e social e garantir qualidade de vida para os habitantes de uma nação.
de ter o poder coletivamente. Neste processo, cresce e descobre a si mesma, os  Para tomar o poder é necessário mobilizar muita gente da classe trabalhadora
outros e o mundo e aprende a usar o poder a serviço no rumo de uma revolução que se disponha a transformar, pela raiz, as estruturas da sociedade capitalista.
social. Portanto, a destruição do poder burguês, o controle do aparelho de estado e a
Dê exemplos de poder compartilhado vitória do Poder popular, será um longo e difícil caminho.
 A transformação, pela raiz, das estruturas da sociedade capitalista não se limita
Desconstruir o Velho Poder aos momentos decisivos da luta popular. Passa pela elaboração de um projeto, a
 Para transformar pessoas em sujeitos é preciso desmontar os mecanismos que escolha de uma estratégia de luta pelo poder e a organização das ferramentas
reproduzem a dependência, a impotência e a servidão como elementos do que ajudam na conquista do poder.
poder que foram estruturados na classe oprimida. Submetidas a essas formas de
poder, as pessoas exercem o poder de maneira inconsciente. Para desconstruir o Afiar as ferramentas para conquistar o poder
poder que estrutura os oprimidos e construir o poder como instrumento da vida  A tarefa das ferramentas organizativas é despertar o protagonismo popular. No
solidária, é preciso tomar consciência da dependência vital, da impotência começo, isso é feito através das associações, movimentos, sindicatos... que são
aprendida e da escravidão voluntária. partes do povo que se levantam contra a injustiça e a opressão e lutam por

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objetivos imediatos para um grupo ou categoria profissional. Mas, a luta política participam as pessoas que descobrem as raízes da exploração e organizam sua
por uma nova sociedade é maior e mais complexa que a luta econômica da ação para transformar a sociedade capitalista. Sem mudar a sociedade, dividida
classe trabalhadora contra os patrões e o governo. entre explorados e exploradores, o povo vai continuar oprimido.
 O movimento popular é a justa reação, espontânea ou organizada, pacífica ou  A organização socialista dirige a luta da classe oprimida, não apenas para obter
violenta, da classe oprimida contra diferentes formas de injustiças. Essa reação condições vantajosas na venda da força de trabalho, mas para a abolição da
pode ser contra uma exploração econômica, um abuso de poder, uma ordem social que obriga os não possuidores a se venderem aos ricos. Ela
manipulação ideológica ou um preconceito de cor, sexo, religião, idade.., Mas, a representa a classe na relação com empregadores, com todas as classes da
indignação popular é só a semente da luta consciente. sociedade e com o Estado como força política organizada.
 Certos tumultos traduzem um despertar da consciência porque os operários e  A militância, metida nos movimentos, aprendeu que junto com dar o peixe e
camponeses perdem sua crença costumeira na perenidade do regime que os matar a fome é preciso ensinar o povo a pescar pra sair da dependência e tomar
oprime; eles começam não a compreender, mas a sentir a necessidade de uma de volta os rios que viraram propriedade dos grandes. Por isso, cria um
resistência coletiva e rompem deliberadamente com a submissão servil às instrumento político para fermentar o movimento de massa e ajudar o povo a
autoridades. É mais uma manifestação de desespero e de vingança que de luta. entender a realidade, a se levantar e a transformar a sociedade dividida em
classes.
A luta sindical  O desafio da militância é potencializar o movimento popular para que tenha a
 O sindicalismo luta para diminuir os efeitos da exploração econômica. O energia de construir uma nova proposta com base intelectual, moral e política.
movimento sindical luta por direitos e descobre que a classe patronal explora a Porque a mudança estrutural do capitalismo não se faz só com pequenas
classe trabalhadora. Por isso, se organiza para conseguir melhorias nas reformas. No entanto, elas são indispensáveis para acumular força, aprendizado
condições de vida e trabalho. A luta econômica é a luta coletiva dos e uma consciência política de transformação.
trabalhadores, contra os patrões, para vender vantajosamente sua força de Diga a diferença entre reforma e revolução
trabalho e melhorar suas condições de vida e trabalho.
 Certas lutas já mostram lampejos de consciência e podem ser um embrião da Construir, conquistar e tomar o poder
luta de classes. Até ai ainda não é uma luta socialista, apenas marca o despertar  Não existe contradição entre ter poder, construir o Poder Popular e a conquista
do antagonismo entre trabalhadores e patrões. Ainda não existe a consciência do poder político do Estado se esses esforços implicam em desenvolver
da oposição irredutível de seus interesses com a ordem política e social existente territórios e espaços de capacitação da classe trabalhadora. O exercício de auto-
porque não tem a consciência socialista. organização, a solução de problemas do cotidiano, o processo de qualificação da
 A luta econômica não questiona o jeito como está organizada a sociedade militância podem ser exemplos pedagógicos e experiências concretas de um
dividida em classes. Junta, esclarece, denuncia e combate os efeitos, mas não novo poder.
ataca a raiz do problema. A luta reivindicativa chega a ensinar o povo a pescar,  Existe interdependência entre a conquista do poder de estado e a construção
mas como busca a conquista dos interesses imediatos, apenas remenda o cotidiana do poder popular se o objetivo é sair da lógica e do domínio do capital
sistema de exploração. e promover a participação democrática e a soberania popular. O que não se
pode perder é a centralidade do poder concentrado no Estado.
A luta política e o Instrumento político Diga a diferença e a importância de cada ferramenta de organização
 O povo entende a política como processo eleitoral. Só a militância aprende que é popular
preciso um Instrumento Político que formula um projeto político para construir a
nova sociedade. O movimento político é formado por pessoas conscientes e dele

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18. ANÁLISE DE CONJUNTURA DOS MOVIMENTOS o movimento está sem mensagem só sabe lutar nos espaços institucionalizados.
Sabe lutar na democracia. Não sabe lutar fora disso. A grande maioria da
Em uma análise de conjuntura, hoje, é indispensável considerar que estamos juventude aprendeu, nestes últimos 20 anos, a lutar nos chamados espaços
no meio de uma crise total, que ainda não se conhece os contornos, mas onde os democráticos, na institucionalidade. Em alguns casos, no limite da legalidade,
setores populares já amargam suas consequências. A atual crise é profunda, com uma ação um pouco mais forte: queima um auto, rompe uma porta... mas,
prolongada, com características depressivas e recessivas. É uma crise econômica, sem representar qualquer ameaça.
ambiental, ideológica e política. Uma crise global porque atinge todos os países do  É comum ouvir nos debates que estamos sem direção estratégica. Os
mundo. O neoliberalismo, enquanto projeto histórico, se esgotou porque já não movimentos não têm direção estratégica. Uns chamam de partido, outros de
corresponde aos interesses atuais do capitalismo. A crise ambiental, por exemplo, instrumento, mas, objetivamente, não temos uma ferramenta, não temos uma
revela a falência do modelo de desenvolvimento e de consumo, pois, a base de direção estratégica para os movimentos sociais. O movimento está em crise por
consumo, impulsionada pelo capital, não tem mais respaldo nos recursos naturais não ter um partido. Uns acreditam que dá para salvar o PT, outros dizem que
disponíveis no planeta. não porque se tornou uma mera ferramenta eleitoral. Então, um ponto
A crise coloca em evidência o esgotamento de uma ordem econômica e fundamental a ser enfrentado é a questão da direção.
política mundial. A atual crise é parte da “Crise Geral do Capitalismo”, enquanto - Junto com a questão da direção - porque não dá para separar – vem o
sistema desprovido de futuro histórico que deverá ser superado pelos povos. Tudo problema do oportunismo. Em todo momento de crise, os
isso permite afirmar que a atual crise encerra um período histórico e permite oportunistas brotam de todos os lugares. Um dos oportunismos é o
inaugurar um novo momento com distintas tarefas políticas ideológicas e oportunismo econômico. Os movimentos sociais passam
organizativas. simplesmente a lutar por suas reivindicações próprias, o
Como esse tema tem sido bastante debatido nossa análise prefere mirar corporativismo. Pior - o movimento passa a lutar por migalhas,
sobre os movimentos e organizações populares. Este acento, sem esquecer uma retrocedendo até das lutas econômicas. No exemplo dos metalúrgicos
análise mais integral, parte da convicção que a fragilidade do povo também é a arma do ABC, as empresas, no processo de demissão, mandavam uma lista
do inimigo. Por isso, e a partir do conhecimento que temos de vários movimentos, para o sindicato com o nome dos trabalhadores que iriam ser
levantamos alguns pontos no sentido de apresentá-los como desafio e insistindo na demitidos. O sindicato tinha que dizer se aprovava a lista ou não - a
questão de sua superação. Não se trata de entrar na lógica fatalista, derrotista. O “Lista de Schindler”. O sindicato tinha que salvar ou não, o sindicato
debate é o debate de superação. Este é o debate político. assumiu o lugar de determinar quem ia trabalhar ou não.
O povo não tem projeto e a direita também não apresenta um projeto. O - O segundo oportunismo é o oportunismo eleitoral. Toda salvação é a
discurso da ética na política é assumido pela direita. Os maiores corruptos são os salvação eleitoral. Qualquer um acha que é candidato. Os movimentos
que participam das Comissões Parlamentares de Inquérito, são os que mais não têm unidade para decidir se deve apontar um candidato ou não.
defendem a ética na política contra os corruptos. Diante da ofensiva econômica, O máximo que conseguem é tirar orientações. Não são capazes de
política, ideológica e cultural do setores empresariais, percebemos que os tomar decisões, se sai candidato ou se não sai. Às vezes, o movimento
movimentos, em certa medida, estão neutralizados porque: toma a decisão: não vamos lançar candidato. Mas, se sai um
 Os movimentos, no seu conjunto, estão sem mensagem. Não sabem o que dizer candidato, não tem mecanismos para expulsar quem rompeu essa
para o povo. Fizeram a campanha eleitoral do novo e o novo ficou velho. E agora decisão.
não sabem, estão com vergonha de ir aos bairros e de levar uma mensagem
política. Estão sem mensagem política. Este é o impasse que vivem, no
- Um terceiro oportunismo é o personalismo. Há muito dirigente que se
acha o dono do movimento, sem ele a luta de classes no Brasil pára, o
momento. Ora, não ter mensagem política, cria uma série de problemas. Porque

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movimento desaparece, ele é o dono, e se comporta como tal. Uns  Outro ponto fundamental é a recuperação, dentro das nossas organizações, da
até produzem as suas prisões para aparecer nas manchetes. questão da ética e a moral. Este fator está produzindo desconfiança para dentro
- O pior de todos os oportunismos a enfrentar é o oportunismo das organizações e para fora. Quando um dirigente chega a ganhar um carro de
ideológico. Há uma confusão ideológica tremenda. É fácil ver presente de uma empresa, como se fosse coisa natural, compromete. A ética e a
trabalhadores defenderem posições ideológicas estranhas à sua moral também passam pela disputa dos aparatos, internamente. Várias forças
própria classe. As pessoas, muitas vezes, não sabem o que estão internas começam a disputar aparato, estrutura e se apoderam da estrutura
defendendo. É duro escutar o próprio camponês defender posições para fazer Deus sabe o quê...
políticas de que o campesinato brasileiro vai desaparecer. É uma  Junto com o problema da ética e da moral, da estratégia, da construção da
confusão do ponto de vista ideológico. Para dentro das organizações estratégia, é grave o problema da unidade interna. As pessoas estão juntas
também está confuso. Não é só para fora. O que se tinha de porque não têm para onde ir. Quando se toleram determinadas posições
orientação ideológica foi se perdendo. O oportunismo ideológico já políticas, determinados comportamentos políticos ou se faz vista grossa é para
começou. Não faltam vozes dizendo: partido não serve, eleição não não quebrar a unidade. Por não ter outro espaço político, não se sai da
serve, vocês não podem radicalizar porque radicalizar é terrorismo... O organização e luta para se manter internamente. Existem aqueles que já
oportunismo político produz confusões; é sofisticado. A gente não montaram força própria, organização própria e não saem do movimento porque
percebe, leva tempo para perceber o estrago político. O PT foi vítima não lhes convêm e a maioria parece não querer enxergar. A unidade interna em
disso: a direita foi entrando, entrando, já entrou e não quer sair. Com vários movimentos está comprometida.
toda a crise no PT, nenhuma força política importante saiu do PT. Mas,  Quando a unidade interna está comprometida o elemento da confiança também
esse processo vem corroendo várias organizações. Esse é o mais fica comprometido. Sem confiança não se constrói unidade. A confiança, no
perigoso dos oportunismos. Quando se dão conta, percebem que sentido político e no sentido pessoal. Por exemplo, será que sou capaz de fazer
estão na direita, sem sentir. uma ação de impacto com algum companheiro confiando que não vai me
 Outro ponto que os movimentos precisam enfrentar é o plano de construção entregar para a polícia?
nacional. A tendência é cada um cuidar da sua cidade, província, região, estado.  Há o problema da auto-sustentação financeira. Na maioria dos movimentos
Perdem a dimensão nacional. Não há projeto, entre as organizações. Os planos populares do Brasil, os recursos são públicos. Como ter política independente se
de construção nacional das organizações estão em crise. Como não há um o dinheiro vem através do governo? Na crise, esse dinheiro pode terminar. E
projeto de construção nacional dentro das organizações, a tendência é a quando termina o dinheiro fica difícil fazer política. Não ter dinheiro é um
fragmentação. Cada um escolhe cuidar do seu pedaço. Perde-se o sentido de problema sério. Mas, quando o governo dá muito dinheiro é um problema muito
unidade nacional, perde-se o sentido de força nacional ainda que tenha boa sério. “Quem paga a banda, escolhe a música”. Os ministérios vão condicionar o
força local. dinheiro: “Dependendo do que vocês vão fazer, não vão receber dinheiro. Vocês
 A fragmentação é um problema muito sério a enfrentar. A fragmentação produz decidem como vai ser”. É um problema dos mais sérios, esse dos recursos, da
uma crise que já se vive - a crise de política de alianças entre campo e cidade. O auto-sustentação financeira.
campo pode estar radicalizado e tender a radicalizar ainda mais; os camponeses  Outra questão fundamental é a retomada, pelos vários movimentos, do
podem sofrer uma repressão violenta e o setor urbano está tremendamente investimento na formação política. Muitos movimentos, há tempo,
adormecido. A política de alianças passa por um processo difícil. Os camponeses abandonaram a formação como faziam antigamente. O processo de
precisam dar uma chacoalhada na cidade; devem despertar os operários e despolitização vem porque não se faz formação política. Não fazer formação
setores urbanos porque sozinhos não suportam, não agüentam a carga política é favorecer o oportunismo, o economicismo, o personalismo. É favorecer
repressiva.

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a tomada de posições políticas estranhas à sua própria classe. A formação situação. Não se pode começar a ver inimigos embaixo de pedra, embaixo da
política é estratégica e fundamental em qualquer conjuntura. cama, mas não se pode ser amador.
 Outro tema é o de retomar a luta de massas. Retomar as reivindicações  Para terminar, a tarefa mais importante neste período é: a) acreditar na própria
econômicas sem cair no economicismo, fragmentação, corporativismo; ou seja, força porque tem gente que duvida de sua capacidade, da capacidade de
retomar a luta econômica, a questão do crédito, da terra, da luz, da água, as superação. Acreditar na própria força porque temos força; b) reconquistar o
necessidades concretas do povo sem cair no corporativismo e na fragmentação. povo, reconquistar as massas porque o povo já não está tão perto como estava
É politizar o processo de luta. Lenin já dizia: “Não é o econômico que decide o antes. Acreditar na nossa capacidade de força, de resistência e também
político, é o político que decide o econômico”. Fazer luta de massa e enfrentar as reconquistar a confiança do povo.
posições economicistas. Isto só é possível com estratégia política, com direção política, com militante
 Outro tema a se tratar, com muito cuidado, é a questão da autodefesa de preparado e com trabalho de base. Organização que não faz trabalho de base,
massa. Os movimentos estão muito frágeis, e, certamente, infiltrados. Não têm que não está metido no meio do povo será derrotado; quem não tem
mecanismos de controle sobre isso; as pessoas entram e saem e, muitas vezes, representatividade efetiva (diferente de voto), de força política, está morto.
não se sabe quem são. É preciso educar a massa a se defender e a proteger suas Muitas organizações morrem porque se distanciam das massas. Achavam que
direções e militantes. A autodefesa de massa é um elemento importante, voto era massa e voto é voto, não é mais que voto. A tarefa fundamental é lutar,
embora, na organização de massa, o tema seja delicado. Como tratar o tema lutar e lutar. Não se pede licença para lutar. Luta-se.
sem que isso os afete também politicamente porque a direita vai acusar de As pessoas, às vezes, esquecem de fazer a luta de classes. A política é luta de
terrorismo. classes. É preciso deixar de ser ingênuos em algumas coisas. O problema não é a
Como cuidar desta questão porque, no próximo período, a estratégia da direita é eleição. Senão, acabava-se com a eleição e se resolvia o problema. Acabada a
neutralizar o governo, neutralizar o PT e pegar os movimentos combativos. Os eleição bem podem vir a ditadura, absolutismo, monarquia. O debate é eleições
movimentos estão despreparados para enfrentar um processo mais sério. Como para que? Eleição só tem sentido quando se tem projeto e estratégia política. O
fazer o processo de autodefesa sem cair em posições militaristas que determina o processo eleitoral e a participação ou não, em uma eleição, é a
inconseqüentes, sem cair em posições irresponsáveis e sem ser amador. Um estratégia política de um grupo. Um grupo perde o debate político quando perde
companheiro precisava fazer uma ação que era destruir uma torre elétrica. Ele a luta de classes que se trava dentro da própria organização. A surpresa é que a
vai lá e consegue. Mas, leva um pedaço da torre como troféu para casa. A Polícia direita está em vários partidos. Ela não está mais em um partido clássico,
Federal bate na casa dele e... ele pegou 4 anos de cadeia. Tomar cuidado e não tradicional. É necessário resgatar qual o projeto político, a estratégia política
ser tontos, bobos, amadores. para a tomada do poder.
 Autodefesa porque a estratégia da direita vai ser a criminalização. Não se pode Todo debate passa também pela correlação de forças. Senão se entra numa
dar munição para o inimigo. Defender-se e, ao mesmo tempo, não alimentar a armadilha: é isso ou aquilo, eleição é mau, os puros que não participam de
estratégia do inimigo. Um militante apanhado com arma está preso, é crime. eleição... Este debate é falso. Não funciona assim. Não é mecânico. A política não
Pegar um militante dentro de um prostíbulo tá preso, pegar um militante é apenas um ato de vontade. Nosso desafio é construir uma estratégia política
bêbado tá preso... O tema da criminalização passa a ser estratégico. Há que leve a ocupar os espaços - participar dos espaços institucionais e ter força
informações seguras, claras, a CIA está operando, o Exército com seu serviço fora destes espaços. Sem deixar que o tático vire o estratégico. O que acontece
secreto, a Marinha com seu serviço secreto, a Aeronáutica, as PMs e seu serviço quando o tático vira estratégico? Perde-se o projeto político e o rumo
secreto, as chamadas P2, as empresas privadas de segurança, todas estão estratégico.
funcionando. Não se pode entrar em paranóia, mas se deve preparar para esta

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19. SOBRE UM PROGRAMA DE FORMAÇÃO POLÍTICA Nossa proposta de formação política dever ser uma escola dirigida a sujeitos
organizados do campo popular – operários, campesinos, povos originários,
1. Sobre a Formação movimentos urbanos, jovens e estudantes, agrupações feministas, movimentos de
Tem sido comum, em tempos de crise, considerar a formação como um diversidade sexual e cultural e comunidades de base. O objetivo é estudar e trocar
remédio para todos os males. Nessa visão, a formação parece pairar acima dos experiências de luta, pensar coletivamente um projeto de sociedade e um projeto
processos concretos ou ficar reduzida ao repasse de informações e conceitos, político estratégico, contribuir com a construção de um projeto de transformação
através de cursos, seminários e palestras. Na prática, essas atividades apenas latino-americano.
promovem a erudição, mas não o conhecimento que ajuda na solução das perguntas
do cotidiano e da sociedade. 3. Concepção de Formação Política
Os tempos pós-modernos e neoliberais reduziram a formação a um processo Essa visão entende a Formação Política como um processo dialético e coletivo
de capacitação - adestramento de pessoas para a realização eficiente de políticas de tradução, reconstrução, criação e socialização do conhecimento que capacita as
pensadas, de cima e de fora. Com isso, o conhecimento perdeu seu papel pessoas para ler criticamente a realidade sócio/econômica/política/cultural, com a
transformador e o resultado foi a criação de uma militância envergonhada, pouco intenção de transformá-la. Por isso, pressupõe um modelo de desenvolvimento
crítica, comportada e reprodutora da dominação. socioeconômico (prosperidade), político (organização e participação popular) e
Outra tentativa foi esvaziar a Formação Popular de seu conteúdo classista e cultural (ideológico, subjetivo)
reduzi-la a processos de aprendizado cujo centro é o procedimento pedagógico Essa formação política, enquanto apropriação crítica dos fenômenos e suas
preocupada com a euforia do participativo. Essa despolitização da educação faz dos raízes, contribui para o entendimento dos momentos e todo o processo da luta de
educadores simples monitores, peritos em dinâmicas de grupo, e animadores de classes. Só a consciência crítica pode quebrar diferentes formas de alienação e
plateias ou vigias na execução de políticas previstas. permitir a descoberta do real, sua superação e a criação de uma estratégia, do novo,
Em reação a descaracterização da formação, como processo político e do futuro. Por isso, o conhecimento permanente da realidade é prioridade na
pedagógico, alguns grupos retomaram os manuais e buscam inculcar conceitos e formação de quadros - é condição para uma elaboração que permita a inserção
ensinar a teoria a partir de uma concepção e prática autoritária e academicista. Por social consequente.
isso, em seus cursos derramam pacotes predeterminados ou fazem cursos com a A Formação Política é entendida como um instrumento político e pedagógico
justaposição de temas, sem uma lógica interna. Isso faz a formação parecer a soma que: a) ajuda a tornar comum uma causa e a estratégia de poder de uma
de palestras de experts que debulham temas da moda, às vezes, em contradição com Organização; b) ajuda a qualificar e capacitar para a luta de classe e elevar o nível de
a orientação do grupo que promove a atividade de formação. consciência da militância e da massa; c) ajuda a transformar a informação em
conhecimento, em força material para transformar a realidade; d) ajuda e facilita a
2. A formação que queremos apropriação de conteúdos e da metodologia participativa; f) ajuda a incorporar a
Uma escola de formação popular não é um centro de investigação, mas o massa trabalhadora como protagonista; g) ajuda a comprometer as pessoas
espaço de uma organização que, a partir de uma concepção e de uma ideologia, envolvidas, na multiplicação criativa do aprendizado.
contribui na elaboração e aplicação de uma estratégia de poder. A partir daí, dialoga
com outras correntes e busca o encontro com pensamentos e práticas 4. Eixos da formação política
emancipatórias como a teologia da libertação, as contribuições feministas, as Para pensar em uma política de formação e organizar um programa
afirmações ecologistas... e a cosmovisão dos povos indígenas. Essa escola de sistemático e continuado de formação política e popular, propomos que ela se
formação política é uma crítica e uma ruptura com as concepções formalistas, estruture em torno de 4 eixos:
academicistas, bancárias, positivistas e condutivistas. 4.1 - Conteúdos relacionados à ciência e a teoria.

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Esse eixo afirma a necessidade da apropriação dos conhecimentos em metodologia, trabalho de base, história do próprio movimento, relações de
acumulados da prática social: luta pela sobrevivência, luta de classes e as gênero, comunicação e expressão, dinâmicas de grupo...
experiências cientificas da sociedade. Pois, a luta popular não se reduz a um ato de 4.4 - Conteúdos relacionados à mística e os valores
vontade ou de força; baseia-se em fundamentos sólidos e objetivos que lhe dão Os temas desse eixo tratam do espírito que anima a militância. São temas
sustentação. A teoria fornece conceitos, categorias de análise, experiências transversais a ser inseridos, em todos os momentos do processo de formação. Eles
históricas para ajudar a analisar os desafios do presente e inspirar a projeção de falam da postura e atitude, pessoal e coletiva, expressas em princípios e valores:
alternativas, no futuro. ética de classe, simplicidade, comportamento não utilitarista, espírito de humildade,
Por isso, junto com os fundamentos científicos e os interesses próprios de de sacrifício, superação, solidariedade, companheirismo, amor pelo povo... e,
cada setor profissional (agronomia, medicina, informática, serviços, psicologia, sobretudo, a pedagogia do exemplo. A mística se expressa nas atitudes,
pedagogia, previdência...) é necessário, estudar filosofia, economia política, testemunhos e gestos de beleza, alegria, garra, festa.... São práticas que feitas de
história... Isso exige o conhecimento dos clássicos, de várias nacionalidades e de forma individual e coletiva, ajudam a alimentar as convicções.
diferentes momentos e experiências. Entre os temas estão: trabalho, estado, poder,
lutas sociais, capitalismo, salário, dependência, socialismo, classes sociais, 5. Níveis de formação
revolução... Um programa de formação destina-se às pessoas que já estão ou pretendem
Como a formação pretende dotar os educandos de uma visão de mundo e de aderir a um processo legítimo de luta de libertação. O conteúdo, dentro de um
um método de conhecer o mundo para transformá-lo, os conceitos não podem ser processo de formação, deve ser igual para toda pessoa que participa, mas deve-se
estudados de forma acadêmica, mas ligados ao momento e ao nível das pessoas levar em conta os diferentes níveis de incorporação e de consciência. A atenção é
participantes. Igualmente, precisa evitar o dogmatismo que se apresenta como algo sobre a dose necessária para cada público, em determinada situação. Ainda que não
pronto e imutável e evitar o relativismo que é o abandono de qualquer sistema existam limites exatos, costuma-se dividir o público em base, militantes, dirigentes.
lógico de pensamento. 5.1 - O objetivo da formação básica é desatrofiar as pessoas no corpo,
4.2 - Conteúdos relacionados à elaboração política. mente e coração e animar seu engajamento. O acento está na compreensão da
O processo de formação política deve ajudar a militância a responder como exploração, no resgate de sua identidade e pertença, na construção da confiança, no
se formula uma resposta, em forma de projeto, tendo diante de si os desafios do incentivo ao intercâmbio de experiências. Entre os temas estão a história da sua
presente, a inspiração da teoria e a experiência da prática social. Refere-se, Organização, o que é sindicato, análise da conjuntura, metodologia popular, relações
portanto, ao fazer política: analisar a realidade, elaborar estratégias, propor táticas sociais de gênero, princípios e valores da militância... Além dos temas da luta
apropriadas, fazer planos de luta, organizar e fazer a luta de classes, cuidar da cotidiana expressos nas bandeiras de luta como direitos trabalhistas e
política de alianças, pensar na (auto)sustentação, na comunicação com a sua base e previdenciários, salário, jornada, condições de trabalho, leis...
a sociedade e na proteção da militância e da massa... Por isso, além dos cursos 5.2 - A formação de militantes tem como objetivo resgatar e reconstruir
sistemáticos, são indispensável as leituras, a produção de material, a participação conceitos enquanto instrumento de análise para ler a realidade da exploração e
em seminários, intercâmbios, viagens... projetar saídas. Entre os temas estão: trabalho, história da sociedade, exploração,
4.3 - Conteúdos relacionados à prática pedagógica. dominação, luta econômica, luta política, organicidade, estratégia e tática... Assim
São os temas neste eixo se relacionam com o “como trabalhar com o povo”. como temas que estão nos clássicos de todos os tempos e nações – Método,
Porque não basta dominar conceitos, propor planos estratégicos... É preciso ter a Dialética, modos de produção, capitalismo, socialismo...
capacidade de divulgar, multiplicar e convencer a própria base social e conjunto do  - A formação de Dirigentes tem como objetivo a elaboração e constante
povo. É preciso saber como conhecer a realidade, descobrir lideranças, animar, adequação da estratégia da Organização, à luz do conhecimento da realidade, do
formar, mobilizar, organizar, articular e levar o povo à luta por seus interesses conhecimento da teoria e do ânimo do povo. Entre os temas estão: planejamento e
cotidianos e de longo prazo. Por isso, se fala em postura pedagógica, em didática,
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avaliação, análise da conjuntura, as pautas nacionais, o construção da estratégia e da - As necessidades da classe trabalhadora manifestadas em demandas, anseios e
tática, o plano de construção nacional, programa de formação, modelo organizativo, reivindicações e ligadas a seu cotidiano.
política de alianças, autossustentação, comunicação... - O contexto do processo, pois, as pessoas são situadas e mergulhadas numa teia
 - Formação de Formadores. As organizações populares precisam de relações econômicas, históricas, culturais, religiosas, interpessoais, políticas e
preparar quadros preparados, oriundos de suas próprias organizações, com sociais...
habilidade e gosto pessoal, no campo pedagógico, para que sejam formadoras. Na
vida das organizações, a missão prioritária dos formadores é traduzir, recolher e
- A postura do intercâmbio onde as partes se portam como protagonistas, mesmo
exercendo papéis específicos de parturiente e/ou parteira, em intensa interação
repassar os conteúdos e experiências que interessam à luta e organização popular.
e tensão.
Além de dominar os conteúdos, necessitam especializar-se no domínio da
8. Algumas observações sobre a formação
metodologia participativa.
Dentro de uma política de formação, os processos de formação sistemática
necessitam de cuidados para garantir sua eficiência, eficácia e continuidade. Entre os
6. Método e Metodologia da Formação
cuidados, apontamos:
Enquanto filosofia, nosso programa de formação adota a concepção dialética
8.1 – Quando, como e com quem começar a formação
que parte das questões do presente, inspira-se na ciência (teoria, história) para
A necessidade concreta, a possibilidade de ter conquistas ou de perder
projetar o futuro. Na atividade formativa, conforme o momento do grupo, parte do
direitos, leva a classe trabalhadora a lutar e até a vislumbrar a raiz da exploração e a
real, do biográfico para o geral - método indutivo (olha as partes e, por um processo
necessidade de participar. A formação vem para desvelar as razões dos fenômenos e
de síntese, percebe a lógica, apreende o todo). Outras vezes, vai do geral ao
despertar a consciência de classe. A tomada de consciência leva as pessoas à
particular – método dedutivo (parte do geral e, por um processo de análise, entende
dignidade de ser sujeito e para um salto na organização. A luta, a organização, a
as influências do global na realidade local). Nos processos de luta e organização,
incorporação de novos militantes leva a conquistas importantes... e aumenta a
defende a concentração dos esforços sobre um grupo que, em ondas, possa irradiar
demanda por profundidade na formação política. Este seria o caminho ‘desejável’ do
determinada prática. Em todos os casos, o caminho deve ser sempre participativo
processo de formação. Mas, muitas vezes, é a formação que desperta para luta e,
porque a metodologia popular se caracteriza pela incorporação das pessoas como
para ser eficaz, segue uma ordem que se ajusta ao grupo acompanhado.
protagonistas.
8.2 - Formação e assessoria
Alguns princípios metodológicos norteiam a pedagogia da formação política.
Existem diversas atividades de formação – cursos, leituras, debates,
Entre esses, alguns são indispensáveis: a) que toda pessoa é capaz; b) que só a classe
elaborações... A própria luta, as articulações, acertos, negociações... são partes
oprimida pode ter interesse no processo de libertação; c) que quem está no
essenciais do processo de formação. Embora, se fale de formação quando existe
processo produtivo tem potencial e condições objetivas de fazer a transformação; d)
uma programação sistemática, com conteúdos mais elaborados e previstos.
que só as pessoas que se dispõem a um processo de mudança devem ser incluídas
Assessoria são as atividades de formação, realizadas junto às direções, em forma de
no programa de formação.
acompanhamento da trajetória do grupo. Essa atividade formativa só é possível
quando se cria uma esfera de confiança e cumplicidade. Seu conteúdo pode ser uma
7. Metodologia da Educação Popular
análise de conjuntura, elaboração de uma proposta política, formulação de uma
No esforço de superar o endoutrinamento é preciso garantir o envolvimento
visão estratégica e tática, além da permanente avaliação e planejamento das
corresponsável dos participantes, no decorrer de todo o processo. Por isso, para uma
atividades.
participação ativa das pessoas é necessário a interação de quatro balizas básicas:
8.3 - Corpo de colaboradores
- O querer dos educadores, sua visão de mundo, opção de vida e o acúmulo de A formação política, além de profundamente crítica, precisa ter
conhecimento da prática social (teoria). intencionalidade. Portanto, deve escolher uma lista de assessores cuja característica
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é a disposição de colocar-se a serviço dos movimentos/organizações. Não se trata de  O método de estudo levará em conta:
levar a classe trabalhadora aos centros acadêmicos que continuam importantes 3.1 - A realidade da categoria e do Sindicato que pertencem e a experiência dos
como centros de pesquisa e elaboração de conhecimentos. Trata-se de agrupar participantes. Eles devem ter presente os anseios, reivindicações e lutas da
intelectuais e educadores que, a partir da sua competência, se acheguem e categoria.
contribuam nos espaços populares de formação, como intelectuais orgânicos, 3.2 - O entendimento e assimilação de conceitos teóricos presentes em textos
8.4 - Leituras clássicos. Para isso, cada participante deverá ter seu próprio material (textos,
Além das leituras relacionadas aos temas das atividades de formação, é livros, cadernos...).
importante listar uma literatura significativa que inclua poemas, romances, filmes, 3.3 - Oficinas sobre o conteúdo dado, mas também sobre formação de grupo,
artigos, sites, desenhos... estudo de grupo, trabalho de base.
Programa de formação de Militantes Sindicais 3.4 - Cada participante, terá sempre tarefa para realizar, no tempo entre as
Convênio Instituto São Cristóvão, PR – Cepis, SP etapas, como parte integrante do curso.
 O objetivo do programa de formação é qualificar uma militância sindical com 3.5 - Haverá uma coordenação para estimular, facilitar e cobrar a participação das
visão nacional, com competência técnica e cultural, aliada à uma consciência pessoas e os acertos disciplinares.
político-ideológica capaz de ler a realidade e atuar sobre ela com a missão de:
1.1 – animar e mobilizar os trabalhadores para responderem às demandas
cotidianas da própria da categoria
1.2– pensar além de sua categoria e de unir-se como classe por uma nova
ordem econômica, social e política.
1.3 – disseminar de forma eficaz, o conjunto de seu aprendizado na categoria,
na classe e na sociedade .
 Embora o ambiente não seja determinante, será um local mais reservado que
evite a dispersão e facilite a integração, o intercâmbio e o uso produtivo do
tempo. O programa consta de 5 etapas anuais, de 3 dias integrais, com turmas
médias de 30 pessoas.
2.1 - formação básica para turmas no nível da base sindical, regional, estadual e
nacional.
2. 2 - formação de militantes no nível da base sindical, regional, estadual e
nacional.
2. 3 – formação de dirigentes no nível da base sindical, regional, estadual e
nacional.
2. 4 – formação de formadores – com pessoas escolhidas dos cursos básicos e de
militantes que além do conteúdo politico dominem também a pedagogia.
 A turma de participantes é escolhida em combinação com a direção dos
sindicatos segundo critérios de compromisso, interesse, disponibilidade,
homogeneidade do grupo... e deve incluir, sempre que possível, pessoas da
diretoria e base, com atenção especial para a presença etária e de gênero.

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20. CONSTRUIR UM SINDICALISMO DE BASE Esse tipo de sindicato é, na maioria das vezes, classificado pela forma de atuação
Roteiro elaborado em 1987. de sua diretoria, mais do que a real e efetiva organização da categoria, dentro do
sindicato, ou mesmo em termos de nível de sindicalização.
A partir do ressurgimento das lutas sindicais, na cidade e no campo, a Se a rigor se tomasse o índice de sindicalização da categoria para medir se um
questão dos sindicatos passou a ter uma importância cada vez maior. Essa sindicato é combativo, atrasado ou reformista, certamente, se encontrariam
importância se refletiu na necessidade de conhecer e estudar melhor o trabalho muito poucos, já que a média de sindicalização no Brasil é baixíssima e,
sindical e como compreender as diferentes tendências políticas e concepções raramente, ultrapassa 17% da categoria.
sindicais que vigoram no País. Esse tipo de sindicato, em geral, estaria mais alinhado com uma central forte e
Para efeito de classificação do movimento sindical foram popularizadas em alguns estados se pode encontrar alguns sindicatos que, por questões
diversas classificações, umas mais simples outras mais complexas. De maneira geral, ideológicas, se filiam a outras. Esse tipo de classificação é muito simplista e
a classificação mais corrente nos vários cantos do País é a seguinte: define muito mais o estilo do presidente e da diretoria, do que revela as
 Sindicatos pelegos - Seriam todos os sindicatos alinhados politicamente com o concepções sindicais que existem por trás dessa prática.
governo e com os patrões. Seu presidente ou sua diretoria preocupa-se apenas Se partimos da premissa que o sindicato tem uma função importante no
com seu bem estar social e a rigor trai os interesses da classe trabalhadora. processo de organização da classe trabalhadora e que deve ter um papel
 Sindicatos Reformistas - Seriam os sindicatos que, teoricamente, utilizam uma também importante no processo de transformação da sociedade, se deveria
linguagem de reivindicações, de defesa da classe trabalhadora, mas ficam apenas classificar o sindicalismo através das concepções sindicais que existem em nosso
no discurso. Na prática, não organizam a categoria e não encaminham lutas País.
consequentes. Quando encaminham é por mero interesse eleitoreiro do Essas concepções fazem parte da História do movimento operário internacional.
sindicato ou pequenas lutas econômicas da categoria. .Esse tipo de sindicato As diferentes concepções sindicais - o que é um sindicato, para que serve e qual
seria o praticado pelos sindicalistas que buscam resultados imediatos e, na seu papel na transformação da sociedade - determinam a prática sindical,
prática, se parecem os com setores pelegos. consciente ou não. Vejamos, então, as diferentes concepções sindicais que
 Sindicatos atrasados - Seriam os sindicatos que estão nas mãos de pessoas que existem:
não tem muita idéia da importância e do sindicato para a classe trabalhadora.
Em geral são ingênuos, despolitizados e muito assistencialistas. A - Concepção reivindicatória
Apresentam uma visão individualista de apenas atender bem aos associados, Essa concepção vê o sindicato, unicamente, com a função de reivindicar, de
sem se preocupar com as questões mais importantes e decisórias da classe negociar e até mesmo como dizem os estatutos-padrão como “um órgão de
trabalhadora. Esse tipo de sindicato estaria presente em maior número entre os colaboração de classe com os patrões e o governo", na busca de soluções para os
sindicatos de trabalhadores rurais e nas categorias urbanas de menor problemas econômicos das diferentes categorias.
importância política, do setor de serviços e de profissionais liberais. O sindicato deveria preocupar-se, apenas, com as lutas concretas em torno
Em termos de tendência sindical estão presentes em quase todas as centrais. Em do econômico, ou seja de salários, creches, transportes, condições de trabalho
termos quantitativos representam, provavelmente, o maior número de dentro das fábricas, preços para os produtos dos pequenos agricultores, etc. Não
sindicatos do País. deveria envolver-se com conquistas políticas e muito menos ter ligação com partidos
 Sindicatos combativos - Seriam aqueles sindicatos que procuram organizar a políticos ou contribuir para transformar a sociedade. Isso, dizem eles, seria tarefa do
categoria ou levar adiante lutas concretas em busca da defesa e conquista de partido político. Essa categoria de concepção sindical poder-se-ia subdividir em duas:
maiores direitos para a categoria, enfrentando os patrões e os governos, com  Concepção reivindicatória dos pelegos atrasados Esses sindicalistas enxergam
coragem e intransigência. apenas as pequenas lutas de suas categorias, dificilmente ampliam para a

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classe trabalhadora como um todo e no processo reivindicativo privilegiam as Essa concepção sindical é praticada por sindicalistas vinculados ao setor do
ações do tipo de negociar com os patrões e o governo. É o “diálogo" em vez da esquerdismo, que estão disseminados em inúmeros grupos políticos e alguns
organização e "mobilização" da categoria. Sua fala é "deixa que eu faço para a partidos pequenos de linha anarquista, trotskistas, ou sem definição.
categoria".
 Concepção reivindicatória/ assistencialista/ reformista. Nessa concepção C – Concepção Reivindicatória/Revolucionária
encontram-se os dirigentes sindicais que defendem o sindicato como apolítico Essa concepção sindical considera como função do sindicato organizar as
e que vêem o sindicato como uma ferramenta só de conquistas econômicas. categorias para as conquistas econômicas. E dá atenção a essas questões
No entanto, se esforçam para "mobilizar" a categoria e utilizam um discurso econômicas como forma de mobilizar, conscientizar e organizar a massa, mas com a
combativo, mas não procuram organizar as bases sindicais de forma efetiva e vinculação das lutas econômicas com a luta política.
duradoura. Na prática, submetem as lutas sindicais aos partidos políticos a que Ao buscar que a luta por melhores salários, preços, terra, etc. esteja
estão vinculados. Sem misturar, pois dizem que o partido é que deve conduzir vinculada às conquistas e que ajudem as massas a descobrir as limitações dessas
as lutas políticas. Costumam argumentar suas posições com base em teses conquistas, as preparam para a atuação partidária para a transformação da
Marxistas-Leninistas. Essa concepção sindical é praticada por sindicalistas sociedade. Ou seja, reserva ao sindicato um papel tático de encaminhar as lutas
vinculados à chamada esquerda tradicional ou reformista. econômicas, mas com a estratégia política de conscientizar, politizar e preparar as
massas para que também atuem nos partidos políticos.
B - Concepção dita "Revolucionária” Essa concepção também se fundamenta em teses de Marx e Lênin. Ela
Essa concepção vê o sindicato como a principal ferramenta para organizar a considera importante desenvolver a prática sindical que organize as massas, criando
classe trabalhadora para tomar o poder. Equiparam o sindicato à força de um instrumentos de atuação e participação sindical que a ajudem a "organizar" as bases.
partido. Uns menosprezam o partido, outros o aceitam, mas relativizam sua força, Isto é, mobiliza as massas para as conquistas, sem ficar só nisso (diferenciando-se,
priorizando a atividade sindical para chegar à construção do socialismo. assim, da concepção reformista, que chega apenas a mobilizar). Também vê a
Logo sua prioridade é nas ações do sindicato e justificam como sendo a ação necessidade de organizar as amplas massas e não só os "quadros- super-
direta das massas na luta contra a burguesia e contra o capitalismo. E não apenas preparados” (nisso se diferencia da concepção dita revolucionária).
por lutas econômicas. Utilizam um discurso altamente politizado e radicalizado, Essa concepção não atrela o sindicato a um partido (como a concepção
distante das massas e não raro sectário. reformista), nem quer assumir a função de partido (como a concepção
Sua concepção de organização o sindical não se refere a organizar as massas, revolucionária). Ela pretende vincular as massas, a partir das lutas econômicas, nas
as amplas bases da categoria, mas organizar quadros sindicais espalhados nas lutas políticas e encaminhá-las para o partido. Essa concepção sindical é construída e
fábricas e localidades rurais, e graças à sua capacidade, sua militância perseverante praticada em um número relativamente pequeno de sindicatos de setores
conduzem as massas às lutas concretas e permanentes. importantes da classe trabalhadora e em alguns sindicatos ou movimentos
Também justificam suas posições em teses, sobretudo, de Marx e alguns camponeses.
grupos buscam inspiração filosófica no anarquismo ou na chamada tendência
política do socialismo-autogestionário, criticando o papel centralizador do partido e o
papel autoritário do Estado.
Então, a base da transformação da sociedade seria o sindicato, inclusive
como base para a organização posterior da sociedade, garantindo as comissões de
fábrica e a auto gestão econômica da sociedade pelos trabalhadores.

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21. VALORES E ÉTICA NA MILITÂNCIA consciência das grandes massas. Ter paciência é sempre ter muito amor ao povo
Notas a partir de palestra de Pe. Comblin para poder despertar a consciência do povo. A militância tem que contar com uma
paciência infinita e transmitir a mensagem a partir da resistência e da paciência,
1. Vencer o medo, revoltar-se diante do mundo atual insistindo que é do povo a força.
A maioria do povo está conformada e vive humilhada diante da situação atual da É do povo o poder da mudança. È preciso de um trabalho imenso, de uma
humanidade. Uma pessoa militante não poderia aceitar a exclusão social, não pode paciência imensa, de uma persistência infinita. Amar o povo é despertar a vida, é
ficar conformada. Muitos escravos se revoltavam com a situação de escravidão, mas despertar a vontade de viver, é a vontade de servir para despertar as massas deste
a grande maioria se conformava. sentimento de impotência que está no meio do povo.
A força da classe dominante está na conformação das grandes massas, na Um grupo voluntarista não consegue mudança, se não estiver com a maioria. É
resignação das grandes massas. É da não aceitação da opressão e dominação que preciso despertar a consciência adormecida das grandes maiorias e... cuidado, para
nasce a consciência moral, que nasce o ser humano responsável, que nasce o grito não chegar a conclusão que o povo não quer a mudança! É preciso despertar no
da dignidade humana. O medo é grande no meio do povo: medo de levantar a voz, povo sua autoestima, a confiança em si mesmo.
medo das autoridades, medo dentro de cada pessoa.
Medo que está na grande massa de 60 milhões de brasileiros que vivem abaixo 5. Uma pessoa sozinha não pode nada
da linha de miséria - 60 milhões de pessoas que têm medo. Vencer o medo é o A força dos pobres está no número, na ação comunitária, na ação de conjunto. A
começo da vida moral. Nossa tarefa é levar a grande massa a vencer o medo. militância precisa saber juntar as forças, sem procurar a própria glória, sem
supervalorizar sua importância e sem procurar seu prestígio, em detrimento da ação
2. Vencer a mentira coletiva, comunitária. A consciência ética nos orienta a construir junto, libertando
Existem muitas formas de democracia; quanto às Leis, só se respeitam as que junto.
favorecem a classe dominante. A democracia é a fachada da mentira dos A mensagem da cultura dominante é de que cada pessoa defende a si mesma,
dominadores e governantes. A democracia que se divulga só existe para servir aos cada pessoa se salva como pode, “salve-se quem puder”, “cada qual cuide-se de si”.
interesses dos dominadores. Esse sistema foi criado para não haver mudanças, para Esta mensagem se escuta inúmeras vezes, inclusive, no meio da militância mais
evitar, impedir e desestimular qualquer tentativa de mudança. Denunciar essa antiga que diz: “tanto que me sacrifiquei, pensei nos outros, agora quero viver a
mentira é ajudar a construir o valor ético e moral. minha vida”; “quando era jovem, era muito ingênuo, por isso, me sacrifiquei tanto”
ou “quem não é socialista aos 20 anos não tem coração, quem continua socialista
3. Sentir-se responsável pela sociedade aos 60 anos não tem cabeça”.
Ser militante é sentir-se responsável por toda a comunidade humana: “posso
fazer alguma coisa”, “sou capaz de agir” “sou capaz de julgar” “tenho capacidade”. 6. A luta, como consciência moral, se manifesta em forma de pressão
Sentir-se capaz é assumir responsabilidade. Nossa população foi ensinada a repetir “A violência não resolve, a violência corrompe, a violência não se desprende, se
que “as coisas sempre foram assim e sempre vão ser assim”. A tarefa da militância é acostuma, cria vício, etc.”, repete a classe dominante. No entanto, as leis foram
despertar o sentimento de responsabilidade que está adormecido na grande maioria criadas para manter os pobres calados. É preciso fazer crer firmemente que,
das massas dominadas. aplicando as Leis, o povo não consegue nada. Para conquistar alguma coisa é preciso
infringir a Lei. “É no ato de desobediência que aparece a consciência”.
4. A força do povo está no próprio povo Se uma pessoa desobedece vai para a cadeia. Porém, se um milhão de
Militante que não respeita a força do povo, não tem o povo. É dever da pessoas desobedece, questiona a lei, a lei tem que mudar. Ação coletiva constrói
militância meter-se no meio do povo e participar, sentir, ter paciência, respeitar a consciência coletiva. “Obedecer a Lei é agir além da Lei”. Repetindo: toda lei é feita
para defender as estruturas estabelecidas. Os sistemas democráticos jamais levaram
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à mudanças. É preciso ter outras estratégias para denunciar o sistema. Então, ter Toda ação coletiva supõe a necessidade da organização e da disciplina. Mas, o
consciência moral é agir além da Lei. valor da disciplina está no fato da disciplina voluntária e consciente da militância –
não a disciplina do medo, a disciplina dos quartéis.
7. É preciso agir com inteligência
É preciso estudar as posturas da classe dominante – não existe poder total e O Teólogo e padre José Comblin teve uma vida dedicada à Teologia da Libertação e
absoluto. Temos que agir nas brechas, nas fraquezas do sistema. E uma das foi militante da igreja, na Paraíba, no nordeste, no Brasil e na América Latina.
fraquezas do sistema é a propriedade latifundiária; o sistema de propriedade rural,
no Brasil, é um escândalo mundial. O governo atual poderia aproveitar esta brecha,
desta fraqueza do sistema, infelizmente, até agora, parece que não se deu conta
disso ou não acredita nisso.

8. Coragem
É preciso perseverar, enfrentar e vencer o desânimo, o cansaço, a desilusão. É
preciso enfrentar a cumplicidade dos que apostam nas fraquezas. Coragem,
perseverança, teimosia, nada se consegue, normalmente, sem coragem. Somente é
derrotado quem se reconhece como derrotado; quem não se reconhece como
derrotado não é derrotado; tudo continua – a militância nunca pode declarar-se
derrotada.

9. Participação na vida dos pobres


Não basta um bom discurso, é preciso participar da vida coletiva. Ser solidário é
estar junto. É insuficiente achar que “nós somos os conscientes, os justos, os
verdadeiros e os outros, o povo são alienados, inocentes úteis”. Ser consciente é
tomar parte nas ações.
De nada vale pensar que porque “eu fiz um curso, sou superior aos outros”. É
preciso sentir-se semelhante ao outro. Do contrário, não se cria confiança, não se
constrói cumplicidade coletiva. Achar-se superior, mais importante, desperta o ódio
na grande maioria. Ser militante é ser participante na vida dos outros, um
companheiro no meio de companheiros. Daí vem o poder de despertar as energias
que estão adormecidas no meio do povo.
“O nosso maior aliado é o povo”, dizia D. Hélder. Por isso, quem estuda e não
volta à sua base, às suas raízes, se afasta da realidade e já não sabe mais o que
acontece no meio do povo. É verdade, que pobre aprendeu a ter horror à pobreza;
por isso, quando consegue sair, não quer voltar mais. Acha uma vantagem repetir
“eu me salvei da pobreza, eu me salvei da ignorância” e se esquecer do seu irmão.

10. Toda ação supõe organização, ordem e disciplina


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22. COMO FAZER TRABALHO DE BASE  que tratam do “território”: geografia, jeito, cultura, costumes,
saberes, população...
A assessoria e formação do CEPIS insiste no Trabalho de Base como ação  que tratam da economia: empresas, quantidade de trabalhadores,
política transformadora, realizada por militante de uma organização popular, que tipos de trabalho, volume da produção, renda...
mete o corpo em uma realidade e contribui para despertar, organizar e acompanhar  que mostram o social e o político: lideranças, personalidades,
sua população, na solução dos problemas do cotidiano e ligando essa luta a luta entidades e organizações, inimigos, amigos, adversários...
geral contra a opressão.  que indicam carências e potenciais: situação social, valores culturais
e artísticos...
Assim, todo movimento que busca a transformação da realidade, deve fazer
 que revelam o subjetivo, sentimentos, desejos, ainda que pareçam
Trabalho de Base. Para isso, não existem “receitas” nem prazos. Ao conhecer várias
ingênuos ou reproduzidos...
experiências, identificamos e sistematizamos pontos em comum que aparecem como
 que falam da história: luta individual, grupal, espontânea,
indispensáveis e permanentes:
organizada, pacífica, violenta...
A - Preparação
 O trabalho de Base deve ser decisão da organização popular por ser parte da 3. Descobrir sementes de militantes - Mais importante que fazer reuniões é
sua estratégia. descobrir pessoas insatisfeitas que tenham disposição para mudanças,
 A seleção de área e grupo prioritário segue critérios políticos, econômicos, pensem além de sua família, sejam coerentes entre o que prometem e o que
históricos e geográficos fazem, e sejam discretas. Pessoas que se destacam nesses critérios podem
 O Trabalho de Base exige preparação de Militantes experimentados: tornar-se referências, mais adiante.
ideológica, política e pedagógica. 4. Fazer ações concretas - Os dados da realidade podem sugerir propostas
 A formação do núcleo inicial é um mecanismo que ajuda na elaboração do concretas de ação. A militância tem que “sacar” o que o povo está a fim de
plano, na definição de metas, no acompanhamento e na avaliação fazer para realizar seus desejos. A ação deve ser aquela onde o grupo
constantes. participa porque está dentro da compreensão, momento e ritmo que o
grupo suporta – jogo, festa, celebração, protesto, mutirão, disputa política...
 Junto com o estudo inicial e o plano de deslocamento, se define o plano de
A militância pode e deve apresentar propostas. Não pode impor porque
sustentação financeira.
ações não assumidas geram acomodação e frustração. É decisivo que as
B – Execução primeiras ações deem certo; isso exige boa análise das possibilidades de
1. Militante aproxima-se, entra em contato, mete-se na realidade de um grupo vitória. Na luta, se ganha ou se perde. Mas, é a vitória que anima a vontade
ou território. Não existe trabalho de base à distância, por telefone... Não é de continuar. A derrota, logo no começo, aumenta o sentimento de fraqueza
lugar para “turismo” ou visita quando sobra tempo. e impotência. Uma ação puxa outra, quando é preparada e, depois de
2. Conhecer os quatro cantos do território - Conhecer é mais do que ter as executada, é avaliada para ver avanços e recuos. Fazer ações e refletir sobre
informações, ainda que necessárias. Conhecimento é aproximação, pelo elas é a “escola” onde militância e povo se qualificam.
contato direto e cotidiano. O conhecimento da realidade gera as informações 5. Organizar a base - A Organização é ferramenta para juntar pessoas, animar a
pela observação, conversa, visita, pesquisa. Conhecer e ser conhecido é luta de forma permanente e preparar novos companheiros. A base deve
deixar de ser estranho. É um exercício que exige cumplicidade e aprendizado estar organizada em núcleos que são os olhos, ouvidos e mãos de uma
da linguagem para favorecer a integração, a troca e a confiança. As organização. A organização não é o centro da luta. O centro da luta é o
informações indispensáveis são as: movimento real da classe oprimida, contra a opressão e construção da nova
54
sociedade. 23. EDUCAÇÃO POPULAR E SUJEITOS DA TRANSFORMAÇÃO
6. Formação política - A formação é uma necessidade da luta pela vida. Só o
entusiasmo e a força são insuficientes para vencer o poder da opressão. A Na concepção do Cepis, Educação popular não se limita a processos de ensino-
classe oprimida precisa juntar sua força e o seu pensamento para vencer a aprendizagem, nem pode tornar-se política pública, na área da educação, para
dominação. Precisa saber desmontar o sistema capitalista, descobrir as raízes substituir o sistema escolar oficial. A Educação Popular se define como um
da exploração e inventar respostas para os problemas que a afligem. Sem instrumento, a serviço da construção e implantação de uma estratégia de poder de
formação, a luta mais feroz não vai além da luta espontânea contra os efeitos uma nova ordem social, alternativa ao sistema capitalista.
da exploração. Cada movimento deve ter um programa de formação que O papel da Educação Popular é contribuir na construção do Poder Popular que
responda aos diversos níveis de consciência de sua base, militância e direção. pressupõe liberdade e autonomia, frente ao Estado, ao governo de plantão e a
7. “Sair” do território - Em toda parte, tem gente, organizada ou não, que luta academia... e renovação permanente. Assim, não pode existir Educação Popular fora
contra a injustiça. O Trabalho de Base se fortalece quando une a luta da luta popular, ainda que assessore movimentos populares na luta e conquista de
imediata de seu território com a luta geral, nos níveis regional, nacional e uma escola democrática: pública, universal, gratuita, de qualidade e laica.
internacional. Nessa “saída”, a militância adquire experiência e habilidade; Um pressuposto da transformação social é que esse processo não tem certeza de
alarga seu horizonte e seus conhecimentos; observa outras pessoas e um destino, um prazo ou um modelo determinado, nem tem garantias de evolução
práticas de outras localidades. É desafiada a elevar seu nível de consciência e constante para uma perfeição imaginária. A nova ordem social, cujo sonho é acabar
o ardor de sua fé socialista. com a exploração e a opressão, de qualquer natureza e alcançar a felicidade e a
liberdade plena, será obra do desejo dos povos que tenham força para construí-la.
8. Projeto Político – Uma tarefa do Trabalho de Base é preparar quadros que
De forma teórica, é preciso afirmar que os sujeitos da transformação social é a
participem do movimento político que visa construir o Projeto Popular para o classe dos assalariados que, despossuídos dos meios de produção, vendem sua força
Brasil. A classe dominante reduz a política ao processo eleitoral. Mas, Política
de trabalho para a produção de mercadoria. No concreto, não é possível dizer, de
é mais que votar; é conquistar o poder para decidir o rumo do País. O
antemão, que sujeitos vão destruir a força do capital que eles próprios criaram e,
movimento político é formado por pessoas conscientes da luta popular que
organizá-la, no interesse da maioria. Sabemos que os trabalhadores, na cadeia
descobrem a raiz da exploração e organizam sua ação para transformar a produtiva, têm uma condição objetiva de lutar pela transformação. Porém, só o
sociedade capitalista. Essa gente entendeu que sem mudar a sociedade, concreto histórico das revoluções define quem são os sujeitos e que modelos de
dividida entre explorados e exploradores, o povo vai continuar oprimido. sociedade constroem.
Assim, os sujeitos em luta que assumem o horizonte do poder para emancipação
do povo, são os reais sujeitos da transformação e, por isso, os sujeitos da Educação
popular. A tarefa da Educação Popular é fortalecer o Poder Popular, o poder das
massas, o único poder efetivo, bem além de tanques, estruturas, governos... de
realizar a revolução social quando consciente e organizada. Por isso, precisa estar
plena de amor e armada de conhecimentos que são produzidos pelo trabalho, a luta
de classes e a pesquisa.
Mas, revolução da ordem social exige, além da vontade, individual e coletiva,
uma rigorosa análise da formação social, econômica, cultural... específica de cada
nação. Pois, se mudamos o mundo, o mundo também nos muda. Essa vontade e
conhecimento se expressam no projeto de País, de sociedade, de mundo que

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queremos. E se concretiza numa estratégia de poder, assumida por uma organização 24. A LUTA E A ORGANIZAÇÃO POPULAR
que aglutina e dirige as forças sociais que se dispõem à transformação.
A tarefa da Educação Popular é fazer formação política enquanto processo  Por que a gente luta?
histórico, coletivo, libertador com a finalidade de despertar a consciência de classe e  Qual a finalidade de nossa luta, hoje?
qualificar um exército de militantes, no nível político, ideológico, técnico e cultural  Por que se colocar junto à classe oprimida?
para mudar a vida. É um processo permanente, continuado que inclui ação, estudo
sistemático, leituras, pedagogia participativa e a postura, individual e coletiva, A Luta – Ter, ser, poder
coerente com os sonhos.  As pessoas se movem pelo desejo de melhorar, de aperfeiçoar-se, de
progredir, de subir na vida. É o sonho da prosperidade, do progresso, do
desenvolvimento.
 Lutar é empregar esforços para produzir, distribuir e usufruir as riquezas
materiais e espirituais. A luta é uma exigência da condição humana para
sobreviver - Viver é lutar. A luta entre a semente e seu apodrecimento é um
conflito que produz movimento, nascimento e crescimento.
 Homens e mulheres, durante sua existência, lutam para ter a riqueza,
material e cultural, produzida pela natureza e pelo trabalho humano. O ser
humano faz cultura: domina a natureza e as leis do desenvolvimento
humano e social. A posse dos bens garante sua sobrevivência, no presente e,
de seus filhos, no futuro, sabendo que o universo é finito.
 As pessoas também buscam formas de aparecer, ser respeitadas como gente
e ver reconhecida sua contribuição individual. Todo mundo quer ser
protagonista e se sente feliz com o brilho de sua estrela. Quem age e pensa,
quem não aceita ser inferior e mantém a dignidade é protagonista.
 Toda pessoa tem vontade de ter poder, mandar no próprio nariz, ser
consultada, participar nas decisões, não ser coisificada. É tão forte essa
vontade que muitas pessoas chegam à fantasia de querer ser onipotentes,
ser deusas.
 A curiosidade é parte integrante das pessoas. As pessoas têm ânsia do saber,
de ter o conhecimento sobre si mesmas e dominar o funcionamento da
natureza, do ser humano e da sociedade. O Saber permite desmontar e
montar a realidade à serviço do interesse de pessoas ou de grupos. Saber
tem a ver com saborear, apreciar a vida e a convivência.
 A luta dos humanos pela prosperidade é indispensável para transformar e
desenvolver o mundo. O desenvolvimento da tecnologia e da consciência é a
condição para que haja vida digna para os habitantes do planeta. A ciência
deveria servir à vida e à liberdade. A justeza de uma luta se mede por seus
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resultados econômicos, sociais e políticos e pelo grau de dignidade que traz  A luta pela prosperidade, para ser eficaz, se organiza como projeto político,
para quem entra no processo. alternativo ao capitalismo. Esse projeto deve despertar a autoestima do
povo e buscar a superação da mentalidade de colônia e os traços culturais
A luta popular - “Nem caridade, nem vingança” de submissão e dependência. Só um povo auto-determinado pode pensar na
 A luta acontece em um mundo dividido em classes. A classe dominante satisfação de sua gente e relacionar-se com outros povos sem inferioridade e
organizou um sistema de exploração e opressão. Por esse sistema, a elite sem arrogância. O projeto popular não pode guiar-se pelo modelo
apodera-se de toda a riqueza e concentra todo o poder. Para manter sua consumista das nações ricas. Os recursos são finitos e não interessa aos
prosperidade, a minoria exclui pessoas, povos e continentes. pobres repetir o mundo dividido em classes, mas pensa em um modelo de
 A opressão concretiza-se na exploração econômica feita pelo dono da terra, que garanta o básico vital para toda a população.
da fábrica, do banco, do comércio e da tecnologia. O dono dos meios de
produção compra a força do trabalho e usa para multiplicar suas riquezas. As formas de luta - “Liberdade, mesmo que custe”
Sem meios de produção quem trabalha depende de um patrão do qual 1. A luta pela vida e pela liberdade é um trabalho longo e difícil. Em geral, o povo
recebe um salário que apenas repõe sua força de trabalho. foi domesticado na mentalidade de escravo. Sem autoestima, acomoda-se e
 A opressão dos ricos sobre os pobres é feita pela exploração econômica e se curva-se. Muitos pobres chegam a fazer de sua cabeça um hotel de patrão –
mantém pela dominação política e ideológica. Dominar é tornar-se senhor lambari com cabeça de tubarão. Nos locais de trabalho, na família e no
da outra pessoa, apoderar-se de suas riquezas e de sua mente. Para a classe movimento popular reproduzem ideias da elite. Pensam em concentrar riquezas
patronal, a classe trabalhadora é uma coisa ou mercadoria que serve e poder e tratam com autoritarismo e desprezo seus companheiros de luta e de
enquanto dá lucro. Depois, se joga, no lixo. classe.
 O poder político é exercido pela força e a imposição de leis, conforme o 2. Todo mundo luta para livrar-se da opressão porque ninguém se acostuma com a
interesse da classe dominante. O governo é escolhido para manter a ordem escravidão. Mesmo que não tenha consciência, o povo guarda uma indignação
e servir aos donos do capital. Os países pobres e colonizados obedecem às reprimida. A luta começa lá onde acontece a exploração e a dominação.
ordens dos países imperialistas. Frente às diversas lutas de libertação, os Ninguém luta porque gosta, luta obrigado pela necessidade. Luta para viver e ser
senhores passaram a usar a tática da sedução (cooptação). Nas crises sociais, reconhecido como gente.
para esvaziar a resistência, os governos estimulam as esmolas, o 3. O povo nunca deixou de lutar por sua melhora e sair do aperto. Às vezes, se diz
assistencialismo social e a filantropia oficial. que o povo não quer nada. Mesmo sem consciência, o povo batalha pela saúde,
 A dominação ideológica é feita pela pregação dos opressores, e, muitas comida, terra, moradia... Até quando corre atrás da ilusão (presentes,
vezes, reproduzida pelo sistema escolar, religioso e cultural e divulgada promessas) é o desejo de se livrar da opressão. Só na luta organizada, a classe
pelos meios de comunicação de massa. A dominação ideológica manipula as oprimida vai entender que libertar-se é deixar de ser escravo e a mentalidade de
ideias para ter a hegemonia, anestesiar a consciência do povo e perpetuar a escravo que a faz repetir, na vida, o mundo de senhores e escravos.
opressão. 4. Existem muitas formas de luta: individual ou coletiva, espontânea ou organizada,
 Hoje, qualquer luta é luta de classes; mesmo a luta para ter os mínimos vitais legal ou clandestina, pacífica ou violenta. O jeito de lutar também varia: às vezes,
como comida ou garantia de direitos que já estão na lei. Por isso, a o povo grita ou se cala; participa ou cruza os braços, canta, chora, reza, enfrenta,
sociedade sem opressão só é possível com o desaparecimento da classe recua – mas, é uma luta que não pára. A luta se torna respeitada quanto alcança
dominante. Não se trata de querer ou gostar: é questão de vida ou morte um maior grau de força, de consciência, organização e reconhecimento.
para a humanidade. A luta de libertação é a legítima reação dos oprimidos 5. Existe a luta econômica dos sindicatos, cooperativas, associações (por salário,
para construir um mundo sem exclusão. terra, preço), a luta política dos partidos (pelo poder) e a luta social dos

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movimentos populares (por condições de vida). Mas, a luta se expressa em todas que uma andorinha só não faz verão e que a união faz a força e que a injustiça
as dimensões da pessoa: econômica, política, social, cultural, religiosa, lúdica, tem causa e culpados. A resistência rompe o sentimento da impotência e inicia a
étnica, racial, sexual, ecológica, etária... As dimensões de classe, gênero, etnia, superação da consciência ingênua que só ataca o efeito dos problemas.
geração não se negam, se entrecruzam. - Reivindicar, pressionar é a atitude de quem se reconhece como classe oprimida,
6. A opressão tenta calar qualquer sinal de resistência. Para esvaziar a reação enriquecendo a classe dos patrões. Esse sentimento é uma semente da
popular a elite usa muitos meios - bate, amedronta, ilude, compra, calunia, consciência de classe. Para combater a exploração, de forma permanente, essa
tortura e mata. A intenção é deixar o povo de joelhos, obediente e conformado classe se organiza em movimentos. A organização serve para ampliar o número
com a situação. A maioria dos livros, jornais e novelas tenta apagar a memória de combatentes, promover a formação de sua base, envolver seus participantes
subversiva ensinando que o povo brasileiro é um povo pacífico. nas decisões e tarefas e conquistar vitórias sociais e políticas.
7. O trabalho das organizações populares é vencer a anestesia que aliena a classe - A mobilização popular serve para acumular forças, enfrentar o inimigo, defender
oprimida e mostrar que é possível sua libertação. Normalmente, por medo, o a posição conquistada e ajudar na formação de militantes. Quando não há um
oprimido prefere não entrar num processo de luta organizada. O caminho para processo educativo, o Movimento pode ser cooptado pelo sistema dominante e
despertá-lo é o contato direto, a mobilização, o esclarecimento, a organização e lutar só por reforma na exploração sem perceber que a solução duradoura é
a articulação com outros. Esse trabalho canaliza as iniciativas de rebeldia popular romper com a lógica da exploração e buscar a forma solidária de partilhar o pão
contra a opressão e aponta para uma ordem solidária, sem discriminação e sem e o poder.
exclusão.
- A construção e a conquista do poder político é a condição para organizar a
sociedade sem dominação. A parte que toma consciência, se organiza num
A organização popular - “O povo ou luta ou morre”
instrumento político responsável pela elaboração do projeto estratégico de
- A militância não inventa a luta. Sua tarefa é perceber o movimento social, interesse de uma classe. Um partido popular se diferencia dos partidos da ordem
participar das iniciativas populares e apontar a direção da ruptura para a porque, mesmo quando luta na institucionalidade (onde consegue reformas),
transformação da sociedade capitalista. A militância contribui para que a luta tem claro que sua tarefa é reforçar a organização popular para romper com o
popular consiga soluções concretas e permanentes. Mas, sabe que a sistema capitalista e construir outra ordem social.
transformação só será feita por ações conscientes, organizadas e massivas que
visem vencer a opressão. O estudo e as reuniões servem para avaliar o já feito e
- Toda forma de luta é importante. As várias formas de luta não formam uma
escada onde uma é mais estratégica que a outra. O valor de cada luta se mede
preparar o povo para ações maiores.
pelo resultado quantitativo (econômico) e qualitativo (consciência) que ela
- Reclamar da situação é talvez a forma mais simples do oprimido manifestar sua rende. A militância deve sempre respeitar o nível de consciência popular, mas
insatisfação. Pedir, suplicar são sinais de alguém que sente a exploração, mas deve sempre ajudar na leitura crítica da realidade social para a superação da
não identifica suas raízes. Por isso, acredita na bondade do opressor, confunde ingenuidade dos atores e articular os embriões, presentes na luta imediata, com
direito com favor e pede compaixão. Quando perde a esperança, o povo se o projeto estratégico da construção da nova sociedade.
revolta ou então se desespera por achar que sempre foi assim e que nada vai
mudar. Ao se sentir impotente diante dos problemas da vida real (fome, CEPIS – Agosto 2002.
humilhação, miséria) o povo desanima ou refugia-se em alguma forma de ilusão
ou consolo.
- A Resistência é um passo da luta consciente e organizada. O povo resiste porque
percebe que é a única saída para continuar vivendo. Ao resistir percebe gente
com interesses igual ao seu e gente com interesses contrários. Passa a entender
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25. GUIA PARA ESTUDO individual do texto, livro...
d. O dia bom: pesquisas mostram que não é bom programar estudo em
Estudar é procurar compreender o que se lê, refletir sobre os assuntos dias de descanso.
abordados num texto, reter o fundamental e estabelecer relações com outras ideias e. Ambiente favorável: claro, agradável, sem barulho, que ajude na
aprendidas, lidas e ouvidas. Não é fácil estudar quando não se tem o hábito do concentração.
estudo. Só com o tempo se começa a compreender melhor os textos e assimilar seu f. Postura confortável: posição relaxada, sentar em vez de deitar,
conteúdo. Por isso, é necessário ter vontade de aprender, não desistir na primeira material e corpo apoiados,
dificuldade e encarar o estudo como uma tarefa com o mesmo rigor que as outras. g. Uma lição de cada vez: ajuda a entender, gravar e fazer aplicação
Mesmo sabendo que cada pessoa ou grupo pode e deve criar suas formas e prática do conteúdo.
ritmos de estudo, adequados à sua realidade, vale levar em conta sugestões de como h. Folhear o texto: ter visão de conjunto, olhar o autor, os títulos,
ler, tiradas da prática de muita gente. palavras, desenhos.
i. Fazer anotações: destacar passagens que se gosta, chamam a
1. A necessidade de estudar atenção, novidades, dúvidas.
Estudar é necessidade vital para a militância. Desde que estudo não seja j. Voltar ao texto: para apreender a mensagem, ideias, fatos,
armazenar e exibir conhecimentos, nem estudo abstrato, nem estudo da teoria como informações e exemplos.
fórmula acabada, solução para todos os problemas ou como modelo único para a k. Fazer resumo: repetir com próprias palavras as ideias e registrar
luta dos trabalhadores e suas organizações. opiniões pessoais.
Às vezes, falar da importância do estudo, se pensa em fazer cursos. Cursos, l. Discutir no coletivo: dúvidas, interpretações e divergências surgidas
palestras, seminários, debates são indispensáveis porque ajudam a organizar as no estudo.
ideias, traçar linhas gerais e temas básicos, na formação teórica, ideológica e política m. Recordar lição anterior: é necessário repetir o já estudado, antes de
da militância. Mas, os cursos não substituem o estudo individual. começar uma leitura.
Ele é necessário para a preparação e aprofundamento de temas, para Observação: O plano individual, para obter mais resultado,
aproveitamento dos cursos e a participação em debates. O estudo, embora tenha deve articular-se com um plano coletivo de estudo.
uma orientação coletiva, mas precisa ser um exercício individual. Pois, a formação  Passos para estudo em grupo:
política se sustenta em três pilares básicos: participação na luta e organização Para que o estudo coletivo não seja aborrecido e cansativo a sugestão é
popular, atividades sistemáticas de formação e estudo individual. seguir os seguintes passos:
- A leitura deve responder a uma indagação da prática militante. Senão, perde
2. Para maior rendimento do estudo o seu sentido e quebra o interesse de quem participa.
As “dicas”, a seguir, tem a intenção de servir a um plano individual ou a um - É indispensável ter a coordenação que estimule e facilite a participação de
plano coletivo de estudo. todas as pessoas.
 Passos para o estudo individual: - Leitura integral do texto para ter visão de conjunto do conteúdo - do bloco,
a. Rotina de estudo: ter horário e dia fixo facilita o tempo disponível capítulo ou do todo. Em voz alta, com uma ou várias pessoas lendo.
para os estudos. - Reler em pequenos grupos para fixar o assunto e permitir o debate e o
b. Tempo de estudo: recomenda-se usar, por vez, no mínimo 45 e, no aprendizado.
máximo, 60 minutos. - Realização de plenário onde as pessoas e grupos expressem e debatam suas
c. Garantir o material: cada pessoa deve ter e zelar pela cópia opiniões.
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- Identificar tema central – a coordenação deve recolher e ordenar a 26. FERRAMENTAS DE ORGANIZAÇÃO POPULAR
compreensão da leitura.
- Destacar ideias principais – tentar chegar à ideia central da leitura: A organização da Sociedade
argumentos, fatos e exemplos... A sociedade para funcionar já se organizou em vários sistemas sociais. Hoje,
o sistema social dominante é o capitalismo. No capitalismo, o centro de tudo é o do
- Anotar dúvidas, impressões, passagens ou questões despertadas pela leitura
lucro dos grandes; não é o bem estar das pessoas. Nesse sistema, a produção das
e sua discussão.
riquezas é social, quer dizer, é feita pelo conjunto da classe trabalhadora, mas a
- Resumir, em palavras-chave, em frases curtas ou até em desenhos, as ideias
apropriação da riqueza fica concentrada na mão de uma elite que não trabalha. Por
mais importantes. isso, muita gente faz o pão e vai dormir com fome ou faz a casa e vai morar debaixo
- Interpretar, tentando comparar/associar as ideias do texto com as do grupo
do viaduto.
e outras leituras. O capitalismo faz de tudo para a classe trabalhadora não despertar. Usa a
- escola,
Aprender a criticar para formar as opiniões próprias e fazer apreciações religiões, tradições, meios de comunicação, organização familiar, entidades
sobre o texto. assistencialistas e repressão policial para que o povo não tome consciência. A ordem
- Tirar conclusões e aprendizados que poderão ser usados na prática das e progresso para o capitalismo é trabalhar calado e conformado.
pessoas e do grupo. O sistema capitalista é como imenso dragão que, além de poderoso,
hipnotiza o povo. Por isso, torna o povo domesticado e obediente para produzir
- Encaminhar a próxima etapa do plano de estudos.
riquezas e reproduzir ideias que aumentam o poder da fera. O povo vê e sente, no
corpo e na alma, os estragos feitos pelas garras do monstro. Muitas vezes, luta
Em muitos casos, uma organização popular precisa preparar militantes que
bravamente para livrar-se de suas unhas. O que o povo não sabe é que se não ferir o
atuem como monitores para ajudar principiantes na compreensão do conteúdo e
coração do dragão, as garras vão crescer de novo. A luta da classe oprimida, porém,
esclarecimento de dúvidas. Os multiplicadores devem ter uma preparação que os
um dia descobriu que para matar a fera e realizar o sonho da liberdade, é preciso
ajude no repasse criativo e dinâmico do conteúdo.
preparar uma legião corajosa e qualificada.
O temor do capitalismo é o nascimento de um sistema onde a ordem é
ninguém passar fome e onde progresso é o povo feliz. Nesse sistema, chamado
socialismo, a produção das riquezas é social e a apropriação dessas riquezas também
é social, fica com a classe que produz as riquezas. Quer dizer, quem trabalha come,
quem não trabalha não deve comer. Por isso, a classe opressora mete medo na
classe oprimida para que ela acredite que o mundo sempre foi assim e que nada vai
mudar. Quando alguém participa de um movimento ou já não aceita a dominação,
logo é atacada de desobediente, rebelde, subversiva, comunista, terrorista, radical,
violenta. Inclusive por seus parentes ou por gente pobre igual a ela.
Muita gente não quer o socialismo porque não sabe o que é ou, então,
porque não quer se comprometer com a sua construção. Boa parte dos pobres
aprendeu a ser mandado, se viciou em receber esmolas ou aceitar as mentiras
divulgadas pelos ricos através de revistas, rádio, televisão ou pela boca de religiosos,
professores, jornalistas, políticos, lideranças populistas...

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democracia da elite, os oprimidos escolhem, pelo voto, aquele que vai bater no povo
Formas de governo no capitalismo para defender a estabilidade do capital.
Para se sustentar, o capitalismo organiza a justiça, as leis, as forças armadas
e a polícia – inventou o Estado com a função de controlar a classe trabalhadora, Movimento Popular
embora diga que é para zelar pelo bem de todos os cidadãos. O sistema também cria O movimento popular é a justa reação da classe oprimida - pacífica ou
regimes de governo para garantir a ampliação do capital e o poder na mão da violenta, espontânea ou organizada - contra diferentes formas de injustiça e
burguesia. Entre eles, dois mais conhecidos: dominação. A reação pode ser contra a exploração econômica, abusos de poder, a
- Ditadura, autocracia, tirania manipulação ideológica, contra a discriminação ou preconceito de cor, de sexo, de
Quando o sistema não sente a reação popular ou deixa de ganhar muito, religião, de idade...
coloca um governo forte. Pode ser uma ditadura civil ou militar que, em nome de A indignação popular pode ficar apenas numa revolta momentânea ou pode
Deus, da pátria e da liberdade suprime os direitos e, pela violência, silencia qualquer ser canalizada de várias maneiras, para conseguir seus objetivos. O movimento,
oposição ao capital. Costuma-se dizer que nos momentos de tirania, os grandes enquanto luta popular, deve ser sempre maior que uma organização. Quando uma
escolhem quem vai bater nos pobres. Nesses momentos, os meios de comunicação, organização já não expressa a rebeldia de um povo indignado, torna-se apenas uma
que também pertencem ao dragão, só divulgam o que interessa aos grandes ou estrutura burocrática sem alma e sem razão de existir. Para entender o lugar das
desmoraliza a resistência popular. diferentes formas de luta popular, costuma-se dividir em:
- Democracia, estado de direito
Quando o sistema se sente seguro, o lucro das empresas está garantido ou  Movimento de massa
porque já não consegue esconder as lutas de resistência, a elite faz a transição para A palavra massa não é o povo desorganizado e sem consciência. Significa o
a democracia. Na democracia, se recupera o direito de reunião, de liberdade de conjunto da classe trabalhadora que produz as riquezas materiais e espirituais do
expressão, de pressão dentro da lei, de mobilização. O movimento popular consegue País. Já movimento de massa significa a parte organizada de uma categoria
conquistas e tem a chance de educar a massa sobre a situação e a necessidade de profissional ou de um setor da sociedade que se junta para conquistar interesses
acabar com a exploração. A elite sabe que corre o risco de perder o poder, mas específicos, concretos e imediatos. Nesse sentido, movimento é a parte do povo que
como mantém o controle acredita que com balas de açúcar é capaz até de matar os se levanta contra qualquer forma de injustiça ou de opressão.
sonhos de muitos militantes.
Muita gente que participou da luta de resistência à ditadura começa a achar  Movimento assistencial
que, por acordos, a elite se converte e deixa de explorar os pobres. O que era tática Um movimento é assistencialista quando busca resolver uma injustiça, sem
passa agora, a ser a estratégia. Em vez de lutar pelo poder, essa gente se encanta revelar que existem responsáveis por essa situação. Um movimento, por exemplo,
com a eleição de representantes ou de governos. Rápido se esquece que a missão de pode denunciar a fome e até consegue um peixe; porém acha ou explica que a
um representante comprometido, ao ocupar cargos nos espaços públicos, é lutar por conquista foi um presente ou favor de algum governo ou a caridade de algum
políticas e recursos que reforcem o Movimento Popular. benfeitor.
A experiência mostrou, porém, que muita gente, que no passado foi O assistencialismo não deixa que as pessoas andem com os próprios pés. Por
militante, se acostumou com as mordomias e o brilho dos holofotes e mudou de isso, muita gente pobre fica dependente de políticos, de patrões ou de religiões. Em
lado na luta de classes. Há quem diga que, na verdade, essas pessoas não se vez de combater a raiz da injustiça, ficam esperando uma compaixão ou esperando
venderam, apenas acharam um comprador. Como tudo, a experiência de ocupar que alguém resolva seu problema. Muitos governos usam a política compensatória
espaços públicos, ensinou ao povo que ter o governo não é ter o poder e que, na para conter a carência dos pobres. Os demagogos manipulam porque sabem que
com “com banana e bolo se engana um tolo”. E a miséria do povo é tanta que não

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prestam atenção no alerta do poeta: “uma esmola ou enche de vergonha ou vicia o – se dou comida aos pobres, me chamam de santo; se pergunto porque eles passam
cidadão”. fome, me chamam de comunista.
É a militância que cria o movimento político. Pois, aprendeu que é preciso
 Movimento de luta econômica dar o peixe pra quem tem fome e é preciso ensinar o povo a pescar pra sair da
O sindicalismo é uma forma de organização que luta para diminuir os efeitos dependência. Mas, por consciência, sabe que se a classe oprimida não tomar de
da exploração econômica. Quem participa do movimento sindical já descobriu que volta os rios que virou propriedade dos grandes, nunca vai derrotar a exploração que
tem direitos e que existe uma classe patronal que explora a classe trabalhadora. Por é a causa da fome. O movimento político fermenta o movimento de massa e ajuda o
isso, se organiza, pressiona para ter melhorias nas condições de vida e trabalho. povo que se levanta a entender a realidade e a transformar a sociedade dividida em
Mas, o movimento sindical não questiona o jeito como está organizada a classes. Por isso, sua missão é despertar na classe oprimida a consciência que todo
sociedade, dividida em classes. Junta, esclarece, denuncia e combate os efeitos da poder nasce do povo e pelo povo deve ser exercido.
doença, mas não ataca a raiz do problema. A luta sindical chega até a ensinar o povo  Interdependência
a pescar, mas só busca a conquista de interesses imediatos que só fazem remendar o Cada movimento é uma ferramenta que serve para determinadas ações, em
sistema de exploração. É como reformar casa velha. Está provado que o sofrimento, determinados momentos. Mas, como todos têm como objetivo o fim da exploração,
em si, não gera consciência; em muitos casos, gera apenas conformação. eles precisam manter uma forma de articulação entre os diversos instrumentos.
A interdependência é a ligação que existe entre as várias partes desse corpo.
 Movimento Popular Os órgãos têm funções diferentes, mas trabalham para o mesmo fim, de forma
Quando o povo compreende que é parte do país e tem direitos por pagar combinada. A interdependência, então, é a capacidade de fazer com que as idéias,
impostos, cria movimento populares que lutam pela educação, saúde, diversão, discussões e orientações da luta popular percorram todo o corpo das organizações
segurança, transporte, moradia... O movimento feminista, por exemplo, é um populares e se articulem, de forma permanente, para garantir a unidade de
movimento popular que luta contra a discriminação sexual e pelos direitos das pensamento e de ação.
mulheres. Para ter organicidade, o movimento popular precisa realizar algumas tarefas
Diz-se que um movimento é popular porque junta toda pessoa que se importantes: 1) fazer a escolha criteriosa de seus participantes; 2) investir na sua
organiza para arrancar do Estado ou da sociedade, leis e comportamentos que qualificação; 3) construir um tipo de organização capaz de atuar em situação de
respeitem e garantam seus direitos. Mesmo sendo combativo, também o enfrentamento ou de reivindicação; 4) ter uma estrutura capaz de promover a
movimento popular não questiona a organização do Estado que é feito para servir às formação de seus participantes, facilitar a tomada coletiva de decisões e garantir
classes que estão no poder. Por isso, as pessoas conseguem direitos na lei, e só com mecanismos de coordenação e de comando.
muita luta, vão ter esses direitos, na vida real.
Organização Popular
 Movimento Político A organização popular canaliza a reação popular para conseguir os interesses
A classe dominante reduz a política ao processo eleitoral. Política é muito de um grupo, de forma permanente. Sua finalidade é juntar mais gente, organizar a
mais que votar. Fazer política é conquistar poder para decidir as coisas na sociedade. classe trabalhadora, elevar o nível de consciência da militância, mobilizar a massa e
O movimento político organizado é formado por pessoas conscientes e é sempre lutar para alcançar seus objetivos específicos. Mas, já vimos que toda organização
menor que o movimento de massa. Dele participam as pessoas que descobrem as quando já não representa a força do movimento popular, vira apenas uma
raízes da exploração e organizam sua ação para transformar a sociedade capitalista. ferramenta desafiada e desacreditada pelo povo.
Sem mudar a sociedade, dividida entre explorados e exploradores, o povo vai O povo se mobiliza quando sente que vai perder um direito ou pode alcançar
continuar oprimido. Os grandes não gostam de gente consciente; como disse alguém uma vantagem. Por isso, só entra e só continua em uma organização quando ela

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consegue resultados econômicos, políticos ou culturais. Esses resultados podem 27. RETOMAR O TRABALHO DE BASE
virar presentes de grego ou esmolas. Isso não acontece se a militância ajudar no
esclarecimento e se o povo fizer a disputa e o enfrentamento com os donos do GENTE NÃO É BOI DE CARRO, PRO CARRO DE BOI PUXAR
poder econômico, político e ideológico. Porque a sociedade que interessa a classe GENTE TEM MENTE QUE GIRA, MENTE QUE PODE GIRAR
trabalhadora só se constrói fazendo luta - econômica, pelos direitos, pela libertação GIRA A MENTE DO CARREIRO E A CANGA PODE QUEBRAR
– luta dos humildes, para os humildes e pelos humildes.
Para ligar a luta especifica e concreta na luta geral pela transformação da  Uma pessoa se torna perigosa quando começa a andar com os próprios pés. Em
sociedade, um movimento precisa ter uma organicidade que junte, ao mesmo geral, quem está no poder, prefere gente obediente e acomodada porque é mais
tempo, a luta assistencial, a luta pelos ganhos econômicos, a luta pelas políticas fácil manobrar uma população domesticada. A finalidade do trabalho de base é
públicas e a luta pela igualdade, com a luta pelo poder. Isso se faz através de uma despertar a dignidade das pessoas e a confiança em seus valores e potenciais. É
organização que junte a massa e a militância, em um mesmo Movimento. Para fazer organizar a rebeldia popular contra a injustiça e construir a convivência entre os
isso, é preciso ter militantes, dirigentes, base e massa e uma estrutura que garanta a humanos, sem exploração, sem discriminações e sem preconceitos.
vida do movimento.
O GRANDE SÓ É GRANDE,
PORQUE NÓS ESTAMOS DE JOELHOS

 Toda pessoa luta para livrar-se da opressão - ninguém se acostuma com a


escravidão. A luta começa lá onde acontece a exploração e a dominação. Às
vezes, se diz que o povo não quer nada. Mas, o povo não deixa de lutar; procura
sempre um jeito de sair do aperto, até quando corre atrás da ilusão: presentes,
promessas, salvadores. Mesmo sem ter consciência, o povo guarda no peito
uma indignação reprimida. Ninguém luta porque gosta; luta porque se vê
obrigado pela necessidade. A classe oprimida luta pela terra, pela comida,
moradia, escola, dignidade, diversão, direitos. Luta para livrar-se da opressão,
para continuar viva e para ser reconhecida como gente.

QUANDO A FOME DÓI, QUALQUER PESSOA ENTRA NA BRIGA

 Quem domina tenta calar qualquer sinal de resistência. Para esvaziar a reação
popular bate, amedronta, ilude e, sem piedade, calunia, tortura e mata. Às
vezes, a pessoa oprimida resiste às balas de chumbo, mas é vencida pelas balas
de açúcar. A classe dominante reprime para deixar as pessoas de joelhos,
obedientes e conformadas com a situação. A maioria dos livros e das escolas
tenta apagar a memória libertária da classe oprimida espalhando a ideia que o
povo brasileiro é pacífico. Basta abrir os olhos e ver a historia de luta e
resistência dos povos indígenas e negros, da classe camponesa e operária, das

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mulheres, das pastorais sociais... quando avalia as ações, quando prepara o povo para vitórias maiores e quando
orienta a luta no rumo da libertação. É por isso que os encontros populares
SENTINDO NA VIDA QUE PODE, O POBRE ENTENDE QUE VALE; devem ser momentos de formação, debate, de confraternização, de recordação
DEPOIS QUE A CANGA SACODE, NÃO HÁ PATRÃO QUE O CALE e celebração dos valores que unem as pessoas lutadoras.

 A elite não tem medo de lideranças brilhantes ou diretorias combativas. A elite FAZER É A ÚNICA FORMA DE MOSTRAR
teme o povo consciente e em movimento. Então, a missão da militância é QUE É POSSÍVEL TRANSFORMAR O MUNDO
repartir os esclarecimentos com quem permanece escravo, no trabalho e na
mentalidade. Sua tarefa é incentivar a luta popular espalhando a notícia que é  Só faz trabalho popular quem acredita que a classe oprimida é capaz de pensar a
possível mudar a realidade porque o trabalho é a mola do mundo e esclarecer produção, a distribuição e o consumo dos bens, de forma solidária. Para
que a transformação da sociedade não vem de cima, nem de fora. Vem da união construir esse projeto de sociedade é preciso mobilização e participação
de quem descobre a opressão e cria diferentes formas de luta para buscar a vida consciente da população. É isso que dá sustentação a proposta de
livre e feliz. transformação social. Para ter vitórias, o trabalho de base precisa crescer e virar
movimento - um pé na roça e um pé na estrada. É nesse trabalho, local e geral,
SE O BOI SOUBESSE A FORÇA QUE TEM que se destaca quem é militante (grau de compromisso), quem é base (adesão
NINGUÉM DOMINAVA ELE ao Movimento) e quem é massa (o conjunto da população trabalhadora). A
direção é tarefa da luta, nunca privilégio de lideranças.
 Muitas organizações populares conquistam grandes vitórias e depois fraquejam.
Ou porque não se atualizam, repetem o jeito antigo de lutar ou porque, em vez É PRECISO TER OS PÉS NO CHÃO
de organização de trabalhadore(a)s, se torna um grupo de eleitos, se acham E A CABEÇA NAS ESTRELAS
donos e fazem a luta para o povo. Mas, a principal razão das derrotas é que
certas diretorias já não acreditam no povo. Como a elite, essas ditas direções  O trabalho popular começa no contato com pessoas insatisfeitas que estão
concentram o poder em suas mãos ou fazem do cargo seu meio de vida. Já o dispostas a entrar num processo de luta pelo fim do capitalismo e construção de
militante participa, estimula e sugere iniciativas populares. Por isso, está uma nova ordem social. Ele cresce quando responde ao interesse das pessoas,
presente nas ações e contribui para que o Movimento consiga benefícios partindo da porta que o povo oferece. Fica forte quando realiza experiências
concretos e permanentes. Ação indispensável da militância é a multiplicação de simples e envolve as pessoas na solução dos problemas – nem sobre, nem para,
gente nova, de idade e mentalidade, que entre no movimento como parte mas com as pessoas participantes - inclusive na sustentação financeira das
protagonista na luta de repartir o pão e o poder. ações. Firma-se quando tem uma organização democrática - vez e voz para todas
as pessoas - conforme a necessidade da luta, conforme sua capacidade e seu
A LIBERTAÇÃO SERÁ OBRA DA CLASSE OPRIMIDA gosto pessoal. O trabalho de base torna-se vitorioso quando as pessoas se
OU NÃO HAVERÁ LIBERTAÇÃO apropriam do processo, quando multiplicam essa prática e quando se articulam
 Reunião, em si, não é luta. Luta são as ações organizadas da classe oprimida para com grupos que seguem no mesmo rumo.
continuar vivendo, para sair do cativeiro e reafirmar sua dignidade. Luta é o
trabalho que se faz em assentamentos, fábricas, bairros, movimentos, igrejas
comprometidas... Luta é o estudo que se faz para entender a razão da luta e
conhecer a experiência de outros grupos. A reunião pode ser parte da luta

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desprezo seus companheiro(a)s. Só com a participação nas lutas e a inspiração
SÓ A PESSOA OPRIMIDA PODE LIBERTAR-SE na história da luta popular é possível vencer a alienação e resgatar a confiança
E, AO LIBERTAR-SE, LIBERTA TAMBÉM SEU OPRESSOR na força de quem sofre a opressão.

 O trabalho de base propõe uma revolução. E só a classe oprimida pode ter EU ACREDITO QUE O MUNDO SERÁ MELHOR,
interesse na revolução, pois, no mundo capitalista, não há lugar para ela. A QUANDO O MENOR QUE PADECE ACREDITAR NO MENOR
experiência da opressão ensina a classe oprimida iniciativas de solidariedade.
Além disso, ela carrega um potencial produtivo e humano que gera a riqueza RESUMO
material e espiritual da sociedade. Ao tomar consciência da injustiça, a classe O trabalho de base não é uma receita ou mágica. É um jeito de fazer política onde as
oprimida pode se organizar e lutar por um mundo onde o ter, o saber e o poder pessoas colocam sua alma. A pessoa apaixonada descobre o jeito de agradar a
sejam exercidos de forma compartilhada. Mas, consciente que o fim da pessoa amada. O trabalho de base é uma paixão carregada de indignação contra a
exploração e a transformação da sociedade não nascem de um acordo com a injustiça. Mas, sobretudo, de uma paixão cheia de ternura pelo povo e por quem se
classe dominante. A elite só entrega as riquezas roubadas e o seu poder de dispõe a construir um mundo sem opressão. É uma crença na vida, na dignidade das
dominação quando é derrotada. pessoas, na rebeldia pela liberdade, na função criadora do trabalho, na solidariedade
universal. Essa convicção que nasce do coração, torna-se uma energia contagiante
OS RICOS SÓ SE ENTREGAM QUANDO PERDEM capaz de vencer a fúria e a sedução da classe opressora. Tal força invade o coração, o
E OS POBRES SÓ GANHAM QUANDO LUTAM pensamento e a ação da militância e se expressa em forma de compromissos, gestos,
atitudes, beleza, garra, festa, cultura e companheirismo.
 A nova sociedade começa desde já - em casa, no trabalho, na comunidade, no
movimento. É na vida concreta que a militância se exercita a não se rebaixar,
nem tratar as pessoas como “coisa”. É na luta diária que ela aprende a rejeitar a
competição entre superiores e inferiores e a criar as condições da igualdade.
Assim, o grande sinal da nova sociedade é o companheirismo. O
companheirismo é a forma mais perfeita de relacionamento entre as pessoas -
mais forte que os laços de sangue. É o gesto humano e político que se revela na
atenção às pessoas excluídas e desanimadas, no carinho à juventude e às
crianças e no respeito a/o parceira/o de vida e caminhada.

COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA É O IRMÃO


OU A IRMÃ QUE A GENTE ESCOLHE
 O trabalho de base é um caminho longo e difícil. Pois, junto com a disposição, a
criatividade e a coragem, existe no povo a mentalidade de escravo que torna o
povo acomodado, inseguro e dependente. Muitos oprimidos fazem de sua
cabeça um hotel de patrão (lambari com cabeça de tubarão). No trabalho, na
família e no movimento repetem ideias e práticas da elite; pensam em
concentrar a riqueza e o poder em suas mãos e tratam com autoritarismo e

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28. AVALIAÇÃO NO CEPIS rompimento com diferentes manifestações do conservadorismo e no rumo de
uma nova ordem social. Assim, eficiência, eficácia dos recursos e a cultura do
 Avaliação planejamento são vistas em função dos objetivos perseguidos, evitando o
O Cepis entende a avaliação como um processo político-pedagógico, desperdício, a constituição de organizações burocráticas, a fragmentação das
indispensável e desejável, que compara a coerência entre o dito (propostas, ações ou das tensões internas.
estratégias, projetos...) e o feito (ações, programações, resultados, impactos...)  Envolvimento dos sujeitos
de um grupo. Seu objetivo é perceber avanços naquilo a que o grupo se propõe, O Cepis aposta na avaliação participativa porque na avaliação fiscalizadora os
compreender limites e possibilidades do que diz e faz e aperfeiçoar sua prática atores ficam passivos respondendo ou justificando cobranças e questões
ou reformular sua proposta. Nesse sentido, avaliação é diagnóstico permanente formuladas, muitas vezes, a partir de agentes e interesses externos e
e prospectivo (análise visando solução), parte integrante do (re)planejamento. economicistas. A prática da fiscalização e cobrança, de cima e de fora, exigidas
 Dois olhares por certos “parceiros” (?), em geral, tem resultado em desastre ou teatro. A
O Cepis quando aceita participar de processos avaliativos, embora de fora, se avaliação participativa parte da convicção que a garantia do sucesso de uma
sente de dentro e tem sobre os grupos um olhar militante a partir de uma proposta está no envolvimento corresponsável dos atores envolvidos. Essa
postura política e pedagógica. Então, sua contribuição é de compromisso e de participação inclui o exame da prática, a preocupação com o diagnóstico, o
confiança no trabalho e nas alternativas que os grupos visam construir. Por isso, comprometimento com a implantação das recomendações. Pois, “pior do que
assessora grupos com os quais partilha concepções, objetivos e estratégias não saber, é não realizar o que se entendeu”.
gerais: a) reconhece a riqueza de sua trajetória histórica; b) aposta no potencial  Avaliação e “resultados”
de sua militância e c) percebe neles uma manifesta disposição de mudança. Para poder avaliar a influência da atuação de um grupo popular, o Cepis leva
Evita a postura de técnicos distantes que elaboram diagnósticos sobre o em conta pelo menos quatro elementos que, de forma dinâmica, se inter-
fazer do grupo e realizam auditoria, fiscalização ou técnicas para solução de relacionam: a relação interna dos grupos populares, a postura e as respostas do
conflitos. Busca a necessária distância crítica e o mútuo espaço de autonomia, governo de plantão, o enfrentamento das forças econômicas que produzem a
mas sente-se parte do processo (cumplicidade), com obrigação de acompanhar situação de pobreza e a disputa da opinião pública realizada pelos diversos
as buscas de solução dos desafios. Por isso, sofre e se alegra com essa atores.
construção, na qual se aprende e se cobra mutuamente.
 Avaliação e planejamento
Avaliação pressupõe planejamento com balizas indispensáveis e com intensa
interação e tensão entre elas: a) Os óculos com os quais o grupo vê a si, a
realidade e o mundo - concepção, utopias, convicções, princípios e valores; b) O
projeto político, a missão, a vontade da instituição; c) os objetivos específicos e
gerais que pretende alcançar; e) O contexto sócio-político-econômico-cultural-
histórico; f) a programação das ações e metas.
 Horizonte da transformação
A prática da avaliação e planejamento toma sentido quando se encaminha
na direção de um salto de qualidade da situação atual, desde o nível subjetivo
até à ruptura com a ordem estabelecida. O Cepis se orienta pela lógica da
ruptura com a mesmice, a rotina e a burocratização. A perspectiva é de

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