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UAB – UNIVERSIDADE ABERTA DO BRASIL

FUESPI – FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE ESTADUAL DO PIAUÍ


NEAD – NÚCLEO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
ESPECIALIZAÇÃO EM LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

A SIGNIFICAÇÃO NA LÍNGUA
BRASILEIRA DE SINAIS: UMA
INTRODUÇÃO
Anderson Almeida da Silva
Colaboradora: Ana Paula Lima de Carvalho

FUESPI
2015
Presidente da República
Dilma Vana Rousseff

Vice-presidente da República
Michel Miguel Elias Temer Lulia

Ministro da Educação
Aloizio Mercadante Oliva

Diretor de Educação a Distância CAPES/MEC


Jean Marc Georges Mutzig

Governador do Piauí
José Wellington Barroso de Araújo Dias

Secretária Estadual de Educação e Cultura do Piauí


Rejane Ribeiro Sousa Dias

Reitor da FUESPI – Fundação Universidade Estadual do Piauí


Nouga Cardoso Batista

Vice-reitora da FUESPI
Bárbara Olímpia Ramos de Melo

Pró-reitora de Ensino e Graduação – PREG


Ailma do Nascimento Silva

Coordenador da UAB-FUESPI
Arnaldo Silva Brito

Coordenador Adjunto da UAB-FUESPI


Vinicíus Alexandre da Silva Oliveira

Pró-reitor de Pesquisa e Pós-graduação – PROP


Geraldo Eduardo da Luz Junior

Pró-reitor de Extensão, Assuntos Estudantis e Comunitários – PREX


Luís Gonzaga Medeiros Figueredo Júnior

Pró-reitor de Administração e Recursos Humanos – PRAD


Raimundo Isídio de Sousa

Pró-reitor de Planejamento e Finanças – PROPLAN


Benedito Ribeiro da Graça Neto

Coordenadora do curso de Especialização em Língua Brasileira de Sinais


Joselita Izabel de Jesus
Edição Diagramação
UAB - FNDE - CAPES José Luís Silva
FUESPI/NEAD
Capa
Diretor do NEAD Pedro Leonardo de Sousa Magalhães
Arnaldo de Silva Brito

Diretor Adjunto
Vinicíus Alexandre da Silva Oliveira

Coordenadora do Curso de Língua Brasilei-


ra de Sinais
Joselita Izabel de Jesus

Coordenador de Tutoria
Rosenir Feitosa Lima

Coordenadora de Produção de Material


Didático

Autora do Livro
Anderson Almeida da Silva

Revisão
Andrea Arantes Borges
Teresinha de Jesus Ferreira

MATERIAL PARA FINS EDUCACIONAIS


DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS CURSISTAS UAB/FUESPI
Sumário

Unidade 1 - a semântica visual ....................................................................... 7


Introdução........................................................................................................... 9
1 A semântica visual ......................................................................................... 12
1.1 Contextualizando a semântica que faremos aqui. ..................................... 12
1.2 A diferença entre uso e menção ................................................................. 12
1.3 Significando na própria língua (composicionalidade e expressividade) ..... 13
1.4 Relações entre: a existência e o registro de uma língua visual. ................ 15
1.5 Como o significado está construído na libras? ........................................... 20
1.6 Sobre a sobreposição dos níveis linguísticos nas línguas de sinais e na li-
bras................................................................................................................... 22
1.7 Processos morfológicos: em busca da raiz ................................................ 23
Atividade de aprendizagem .............................................................................. 26
Unidade 2 - semântica da libras .................................................................... 27
2 Por uma semântica da libras ......................................................................... 29
2.1 Os fenômenos semânticos e a referência .................................................. 32
2.1.1 - Implicações ........................................................................................... 32
2.1.2 Da sinonímia, paráfrase e vagueza ......................................................... 37
2.1.3 Da ambiguidade ...................................................................................... 42
2.1.3.2 Ambiguidade estrutural ......................................................................... 48
Outras consequências do funcionamento imagético ........................................ 52
Atividade de aprendizagem .............................................................................. 53
Unidade 3 - a pragmática e a língua brasileira de sinais ............................ 55
3. Pragmática e a libras .................................................................................... 57
3.1 Contextos pragmáticos em libras x português ........................................... 59
3.2 Teoria dos atos de fala ............................................................................... 66
3.3 As máximas conversacionais'..................................................................... 68
3.4 Atos de fala e estratégias de polidez em libras .......................................... 71
3.5 Considerações sobre o uso social da libras ............................................... 73
Conclusão......................................................................................................... 79
Atividade de aprendizagem .............................................................................. 80
Referências ...................................................................................................... 81
Anexos.............................................................................................................. 85
Anexo i – sistema de transcrição para a libras (felipe, 2005) ........................... 85
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

UNIDADE 1
A SEMÂNTICA VISUAL

OBJETIVOS

• Explicitar como a modalidade em que é produzida a língua de sinais


pode influenciar a sua semântica;
• Discutir sobre a relevância de se entender a semântica das línguas
de sinais, suas formas de registro e a estrutura composicional destas
línguas e;
• Evidenciar como o acesso às estruturas de significado está disponível
para línguas de sinais e para as línguas orais.

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Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

INTRODUÇÃO

Neste volume, iremos apresentar um estudo da semântica da LIBRAS


– Língua Brasileira de Sinais em torno de seu funcionamento linguístico.
Assim como para a Língua Portuguesa – LP, são escassos os trabalhos
que versam especificamente sobre a semântica de línguas naturais, dado
que, durante a história do ensino de línguas vernáculas ou estrangeiras,
muita atenção foi dada aos objetos especificamente regulatórios (formais)
do ensino de línguas em detrimento de seu conteúdo informativo.
A Semântica constitui-se enquanto um objeto específico da ciência
linguística, onde se inserem os fenômenos do significar. A exemplo,
podemos citar a diferença entre o que uma pessoa entende (interpreta)
quando alguém diz 1 ou 2:

1. Libras: casa

2. Libras: casa apontar (index)

Em ambas as sentenças podemos perceber que a realização


fonológica do determinante: APONTAR (ALMEIDA-SILVA, 2013) em 2,
dando a ideia de “A casa” é diferente da interpretação que temos quando
alguém sinaliza o conteúdo de 1, sem a apontação. Quando temos somente
o item lexical CASA, a interpretação mais provável que temos é a de pode
ser “Qualquer casa no mundo” o que não estaria permitido no segundo

9
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

caso. Mas, por quê? Ou seja, cabe aos semanticistas explicitar em que
condições as denotações de determinadas sentenças são permitidas ou
licenciadas dados os contextos específicos de proferimento.
A propósito, durante todo este livro, opto por utilizar os exemplos
escritos em língua de sinais utilizando o sistema proposto para a escrita de
sinais por Valerie Sutton, sem abdicar das glosas em interlíngua propostas
por Tânia Felipe (2005) no livro LIBRAS em Contexto disponível no Anexo
II ao final deste material. Acredito serem estas as formas mais acessíveis
de se visualizar, numa superfície plana, uma língua tridimensional.
Durante o texto, nos ateremos em estabelecer uma diálogo com
o leitor, convocando-o para uma reflexão sobre o sistema de significação
na LIBRAS e utilizando exemplos da LIBRAS e não de seus correlatos
traduzidos para o Português. Acreditamos ser esta a forma mais efetiva de
obtermos uma compreensão sobre os fenômenos semânticos comuns às
línguas naturais e neste caso, para a LIBRAS.
Os principais fenômenos semânticos ocorrentes nas línguas
naturais serão explicitados com base na exposição de autores que são
referências dentro do eixo semântico/pragmático não só de línguas de
sinais, mas também de línguas orais.
Na LIBRAS, alguns pesquisadores têm empreendido tempo
em explicitar a semântica de alguns fenômenos específicos, como: os
mecanismos de determinação dos nomes, as metáforas, a semântica da
tradução de conceitos e outros com pesquisas advindas de diferentes
perspectivas teóricas [COUTINHO (2000), FARIA (2003), SALLES & PIRES
(2011), SÀ et al. (2012), MACHADO (2012), ALMEIDA-SILVA (2013),
ALBRES (2013) e outros]. No entanto, nada nos parece ser tão contributivo
para a área da pragmática como as considerações de Ferreira-Brito (1995)
sobre o uso social da língua LIBRAS.
É relevante entender a forma de uma língua existir e de que forma
ela empreende as suas relações de significação, uma vez que todos esses

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Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

processos passam por nós naturalmente quando falamos, mas não nos
damos contas de todos eles.
Investigar a semântica de uma língua é pôr um espelho frente à
atividade mais corriqueira a todos os seres humanos do mundo, que é o falar.
Daí, do corrente uso da língua e das influências que os usuários efetuam
quando de sua utilização é que decorrem as abstrações pragmáticas. É
quando toma forma a língua corporificada, tomada pelo corpo social que a
contextualiza e resignifica-a.
Explicitaremos, também, a forma como a LIBRAS pode funcionar
dado o seu uso social e contextual. É mais comum ao falante de língua oral
entender como se processa, por exemplo, o nível formal e informal dentro
do uso da linguagem oral, mas, para as línguas de sinais, ainda carecemos
aprofundar quais os limites observáveis dentro desses mecanismos.
Quando um surdo está sendo formal ou informal? Há vocabulários formais
e informais em LIBRAS? Quais as estratégias de polidez utilizadas por
usuários da LIBRAS?
Tomaremos como base, pois, a principal escola pragmática do
mundo, que é a publicação do filósofo e linguista Austin “Quando dizer
é fazer” e as elaborações de Lucinda Ferreira Brito sobre os processos
pragmáticos na LIBRAS especificamente.
Esperamos que a leitura do material possa despertar novas leituras
sobre os processos semânticos e pragmáticos na LIBRAS para além das
reflexões aqui relacionadas. Certamente, há muito que se investigar e, o
texto ora iniciado pede apenas para continuar refletindo, pois acreditamos
nunca saber tudo sobre a tarefa da significação.

11
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

1 A semântica visual
1.1 Contextualizando a semântica que faremos aqui.

As reflexões aqui encontradas foram iniciadas por ocasião de minha


pesquisa de mestrado quando comecei a reflexão sobre os fenômenos
semânticos que envolvem a LIBRAS e as línguas de sinais como um
todo. Muitos dos mecanismos aqui descritos podem ser encontrados
singularizados ou transversalizados a diferentes línguas de sinais.
Alguns autores, como Ferreira-Brito (1995) e Coutinho (2000), já
haviam iniciado as discussões sobre os mecanismos semânticos lexicais
mais conhecidos para as línguas naturais como a sinonímia, antonímia,
a polissemia etc. Nesta seção, ampliaremos a discussão sobre esses
tópicos, discutindo alguns dos mecanismos semânticos explicitados nas
publicações de Ilari (2014) e Cançado (2012) para o Português Brasileiro
(PB), procurando distanciar-se de uma possível analogia entre esses
fenômenos nas línguas orais e sinalizadas sob a pena de não se perder
aspectos idiossincráticos das línguas de sinais.
Publicações como a de Bréal (1897) e Ullmann (1962) são
basicamente os textos fundadores de um estudo científico da semântica e
por isso são leituras necessárias a qualquer semanticista em formação. Além
destes, baseamo-nos também nas publicações de Chierchia (2003); Silva
(2006) e Basso et al. (2009) os quais apresentam análises de fenômenos
atuais exibidos pelas línguas naturais.

1.2 A diferença entre uso e menção


A distinção entre uso e menção é bastante útil dentro da semântica,
pois nos permite entender em que contextos os questionamentos sobre
certas expressões linguísticas são frutos do cientificismo ou podem advir
somente do uso social (senso comum) da língua.
Geralmente, nos textos em semântica, fazemos a distinção entre

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Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

uso e menção destacando os itens lexicais sobre os quais se quer pensar a


semântica, colocando-os entre ‘aspas simples’ como no exemplo a seguir:
a) O que significa ser surdo? e b) O que significa ‘ser surdo’?
Desse modo, o semanticista se ocupa estritamente em descrever o
significado de ‘ser surdo’ como em sua menção em b, pois, linguisticamente
falando, o seu significado estaria atrelado a algo como: ser humano, possuir
algum tipo de perda auditiva bilateral e ser do sexo masculino. Já no exemplo
em a, o questionamento adviria de algo da ordem metafísica (da experiência,
do empirismo, por isso do uso), pois, se fosse perguntado a um médico
sobre o que é surdo, ele poderia fornecer um conceito patológico; para um
professor de LIBRAS, um conceito mais cultural; para um familiar de surdo,
pode ser visto como uma dádiva ou um castigo. Enfim, a semântica como
ciência não se ocupa especificamente em explicitar o uso das palavras,
mas as suas menções, utilizando, para tanto, uma metalinguagem para
explicitar os fenômenos da língua-objeto.

1.3 Significando na própria língua (composicionalidade e


expressividade)
Começaremos discutindo sobre a forma como se está disponível o
conhecimento na língua LIBRAS. No Brasil, existem distintas iniciativas para
se registrar a LIBRAS. Lexicógrafos e lexicólogos, em diferentes épocas
e a seus modos, têm-se empenhado em coletar os sinais que compõem
todos os tipos de registros que temos para a LIBRAS. Começando com
a Iconografia dos Sinais, temos vários registros da língua dos surdos
brasileiros evoluindo e sendo dicionarizada.
Para refletir: O que significa dizer que cada lexicógrafo registra “à
sua época e a seus modos os sinais da LIBRAS”? Ver Diniz (2010) para
algumas considerações sobre esse tema.
Mas, porque estamos discutindo os processos de registro e
dicionarização da LIBRAS dentro de um material de semântica? É

13
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

importante se pensar que línguas dicionarizadas tendem a se manter vivas


por mais tempo se comparadas àquelas que não possuem nenhuma forma
ou efetivamente algum registro específico. Os dicionários, as enciclopédias
e outras formais (formas) mais específicas como os glossários constituem-
se como ferramentas importantes para o semanticista, pois neles se
encontram depositados a grande maioria dos itens lexicais que compõem
a língua, ou seja, precede qualquer tipo de incursão sobre a significação,
conhecer o nível de estabilidade/instabilidade de uma língua, seu material
e as denotações básicas de suas palavras, caso essa língua disponha de
tais registros.
Uma pesquisa recente de Costa (2012) relata a importância de se
construir conhecimento utilizando efetivamente os sinais. Hoje, quase todo o
conhecimento enciclopédico que temos está disponível na forma escrita de
línguas orais, geralmente, inacessível para a maioria dos surdos por razão
de suas especificidades linguísticas em relação a aquisição da gramática
da língua oral. Por isso, a importância de se construir conhecimento em
LIBRAS, utilizando as formas vernaculares da língua. Dessa forma, não só
se estabelece um território de resistência e difusão para estas línguas, como
também se valoriza a produção em suas formas linguísticas (obedecendo a
sua fonologia, à morfologia, à sintaxe etc.).
O mais recente dicionário enciclopédico da LIBRAS, o DEIT -
LIBRAS, publicado pela Universidade de São Paulo, apresenta mais
de 10.000 (dez mil) verbetes dicionarizados para a LIBRAS, além das
construções de glossários específicos por área, como são os glossários
do curso letras LIBRAS da UFSC1 e outros não institucionais, como os
blogs de ciências, geografia, matemática e outros disponíveis em buscas
rápidas na internet. Ou seja, mesmo sendo uma língua jovem, a LIBRAS é
claramente uma língua em plena evolução de suas formas e com um léxico
bastante denso e diversificado.
A desvantagem dessa construção individuada dos glossários,
1- Conferir http://www.libras.ufsc.br/hiperlab/avalibras/moodle/mod/glossary/view.php?id=1340

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Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

por exemplo, é a falta de uniformização e de um plano metodológico na


elaboração dos registros dos sinais, feitos geralmente por linguistas
experientes quando de uma ação institucional.
A exemplo, atualmente, os pesquisadores de línguas de sinais
europeias trabalham pela construção de um modelo de gramática para as
línguas sinalizadas2 , feito por linguistas da mais alta experiência para evitar
que os trabalhos de pesquisa relacionados a um mesmo campo de atuação
sejam registrados com tanta variação o que problematiza a padronização e
as comparações entre materiais.
Se você como especialista em língua de sinais fosse organizar
um material lexicográfico (dicionário, glossário e etc.) para a sua língua
de sinais, como organizaria? Que classificações você priorizaria? Abolir
as formas orais seria uma boa ideia? São alguns questionamentos que
você não deve passar desse ponto do texto sem fazê-los. Mais tarde, neste
mesmo texto, as respostas virão com a construção de nossas referências
teóricas sobre a significação na LIBRAS.

1.4 Relações entre: a existência e o registro de uma língua visual.


Nos últimos anos, muitos linguistas tem se dedicado ao aprendizado
e ao ensino da escrita de sinais, mais especificamente sobre o uso formal
e prático do sistema mais conhecido: o SignWriting. Esse sistema permite
escrever, de forma mais fidedigna, os fonemas de uma língua sinalizada
em uma superfície plana. Não nos ateremos aqui à questão da invenção
da escrita para a humanidade especificamente, antes, efetuaremos uma
reflexão sobre os fundamentos linguísticos de uma escrita (registro) de
uma língua de sinais.
Todos os níveis linguísticos das gramáticas de línguas naturais só
puderam ser melhor investigados a partir do uso da escrita. A escrita é a
metalinguagem que nos põe fora da língua em uma observação semiplena
do fenômeno. Com a escrita, temos o tempo indefinido para se refletir
2- Conferir http://www. parles.upf.edu/en/content/cost-signgram

15
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

sobre a língua, ao contrário da modalidade oral. Por isso, neste livro,


precisamos registrar os exemplos para pô-los em contato visual com eles;
caso contrário, seria fraca a descrição inobservada.
A forma de as línguas visuais existirem tem consequências diretas
sobre a sua forma de registro. Sandler (no prelo) afirma que nós somos uma
espécie com dois sistemas motores completamente funcionais e produtivos,
por isso, a possibilidade alternativa de diferentes linguagens. Para entender
a cognição humana, devemos compreender como essa versatilidade das
formas de se utilizar as línguas iniciou. Assumimos, então, a posição de
que todo sistema fonológico, antes de ser oral ou visual, é motor.
É interessante testemunhar de línguas de sinais emergindo ainda
na contemporaneidade, o que não é comum ou praticamente inobservado
para as línguas orais, pois não há isolamento geográfico tão grande que
justifique a “criação” de novas línguas orais. Na maioria dos casos, os surdos
não estão isolados em comunidades plenamente surdas, o isolamento se
dá pelo próprio acesso à comunicação áudio-oral.

Caro(a) aluno(a),
Faça uma pesquisa sobre as línguas de sinais utilizadas pelos
surdos da Ilha de Martha’s Vineyard, a Língua de Sinais de Adamorobe de
Gana, a língua de sinais Al-Sayyid Bedouin de Israel e a CENA desenvolvida
por surdos na localidade de Várzea Queimada no município de Jaicós no
Piauí (Brasil).

Quando vemos o surgimento dessas línguas de sinais autóctones,


acompanhamos também a composição mais simplista destas línguas,
antes que sejam adunidos a elas todos os outros contextos pelos quais o
ser humano pode utilizar a sua língua.
O fato de as línguas de sinais serem fonadas com a cabeça,
o tronco e os membros afeta a forma como a semiótica de uma língua

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Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

visual funciona. Temos que as partes corporais que tenham liberdade de


movimentos terão consequências linguísticas para as línguas de sinais.
Já as partes imóveis, como o nariz, o cabelo, os dentes, por não terem
liberdade de movimento, não terão propriedades fonatórias primárias, a
não ser o fato de que possam funcionar como pontos de articulação dos
sinais. Em suma, partes imóveis do corpo não fonam; partes móveis, sim.
As línguas visuais funcionam numa multitude de coarticulações motoras
que coocorrem simultaneamente.
Explicado nos últimos três parágrafos como as línguas de sinais
se desenvolvem, crescem e funcionam, podemos agora elaborar a forma
de se representar os sinais neste livro. A relação entre linearidade das
línguas orais e simultaneidade para as línguas de sinais tem as seguintes
consequências: cadeias sonoras só podem ser produzidas e registradas
em formas específicas e cadeias imagéticas só podem ser produzidas e
registradas em formas específicas.
Quando efetuamos o registro de línguas visuais é possível
observar um maior teor icônico dessas línguas, em relação à arbitrariedade
apresentada pela maior parte dos signos de qualquer língua natural. Esse
apelo icônico ou a presença dos traços de concretude dos sinais existem
dada a possibilidade do próprio sistema semiótico visual, e isso é anterior
ao surgimento de qualquer língua ou tipo de linguagem.
Sabemos que, na escrita ou em vídeos de línguas de sinais,
muitos sinais se “parecem” com seus significados, ou seja, há uma relação
aparentemente motivada entre significante e significado dentro do signo
visual (o sinal).

17
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

Veja no exemplo em 3:

Mas essa iconicidade observada na escrita é, em grande parte,


perdida durante a produção oral, ou seja, conversando em sinais não
podemos dar conta dos detalhes registrado em 3, como: a mão não
dominante representada na seta inferior como sendo uma parte do solo,
onde a árvore está fincada; a seta do meio como sendo a representação de
um caule na vertical e a mão configurada espalmada como sendo a copa
da árvore com as folhas abertas na seta superior.
Pesquise sobre as categorias criadas para os sinais icônicos por
Klima e Bellugi (1987): Sinais transparentes, sinais translúcidos e sinais
opacos.
Há uma relação direta entre a forma como o léxico de uma língua
de sinais é ontologicamente determinado e seu teor mais ou menos
icônico. Entender este funcionamento dos itens lexicais clarificam
outras questões que envolvem os sinais e seus significados, o que, para
entender esse processo, precisaríamos de uma publicação específica
para explica-lo.
Ao contrário de informações infundadas sobre as línguas de sinais,
sabemos que o fato de uma língua ser mais ou menos icônica não tem
relação com o seu poder de transmissão de informações mais ou menos
complexas. Toda língua natural é vaga para certos tipos de conteúdos, ou

18
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

seja, a ocorrência de alguns fenômenos semânticos serve para equilibrar


as necessidades de um determinado sistema (língua). Dessa forma, não
podemos dizer que existem línguas mais ou menos estáveis no que se
referem ao seu desenvolvimento lexical, formas de registro, literatura e
produção de conhecimento. A língua é parte do corpo de uma população
e evolui concernente às suas necessidades (BREAL, 1897; ULLMANN,
1964; SILVA, 2006).
Você sabia que não há somente um sistema de registro de sinais?
Começando por Stokoe, há outras tentativas de se escrever (registrar) as
línguas de sinais. Em sala, discuta sobre as imagens abaixo e que tipos
de representações estão sendo feitas dos sinais, destacando possíveis
vantagens e desvantagens.

(Stokoe Notation’s System)

(Hamburg Notation System – HamNoSys)

(Valerie Sutton – Sign Writing)

(Elis – Mariângela Estelita)

19
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

1.5 Como o significado está construído na libras?


Esta seção explicita uma semântica baseada em formas visuais
e as implicações dessa modalidade para a ciência da linguagem. Isso
contempla, inicialmente, as formas vernaculares das LSs, o suposto
elevado teor icônico dessas línguas e os traços linguísticos que envolvem
a significação na LIBRAS.
Para alguns leitores pode parecer novidade, mas não é de hoje
que as LSs se tornaram alvo dos estudos em linguística. O “boom” das
pesquisas com LS aconteceu principalmente na década de 60 e 70 nos
Estados Unidos e também em alguns outros países que tradicionalmente
já se interessavam pela educação de surdos, como por exemplo, a França.
A linguística das línguas sinalizadas teve sua propulsão estimulada
pelo lançamento de uma teoria gerativa, com Chomsky, para o qual as
línguas possuem propriedades universais, possibilitando uma explicação
racionalista sobre as línguas naturais e suas estruturas.
Para entender um pouco do funcionamento de uma semântica
visual na LIBRAS, tomamos como exemplo um simples item lexical da
LIBRAS, o sinal para BANHEIRO. Observando os usos desse sinal em sua
forma natural, percebemos que são parâmetros fonológicos em articulação
com a estrutura morfológica da língua que fornecem os subsídios para as
diversas interpretações semânticas que podem (co)ocorrer para este sinal.
Vale relembrar que a sigla (e.f) de acordo com o sistema de transcrição
de Felipe (2005) disposto no anexo significa expressões faciais realizadas
concomitantemente à execução do sinal.
Têm-se, por exemplos:
(4) BANHEIROe.f: neutra , a interpretação é de banheiro, o local
(5) BANHEIROe.f: boca articulando a forma da pronúncia da letra X, a interpretação é da
ação verbal de urinar
(6) BANHEIROe.f: tensa
, a interpretação é de se estar apertado para
ir ao banheiro

20
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

(7) BANHEIROe.f: sopro, alívio, a interpretação é a de alívio por ter ido ao


banheiro
(8) BANHEIROe.f: sopro, alívio, de de forma simultânea à execuação do sinal, a interpretação
é de aspecto continuativo da ação verbal de urinar junto à informação de
estar se aliviando
(9) BANHEIROe.f: balanço de cabeça afirmativo juntamente com e.f interrogativa, a interpretação
será de que se está solicitando a concessão para ir ao banheiro
(10) BANHEIROe.f. olhos arregalados e e.f. interrogativa, a interpretação será de
pergunta sobre onde se localiza o banheiro
Os exemplos de 4 a 10 são sentenças completas e complexas em
LIBRAS e, mesmo sendo formadas por um único e mesmo item lexical, não
devem sugiram qualquer simplicidade estrutural. Isso se deve ao fato de eu
se é possível extrair uma gama de informações sobre a forma de como se
estabelecem as relações de significação em LIBRAS pela observação mais
detalhada dos componentes das mesmas.
Comparando a composição das sentenças 4 a 10 pelas glosas e
expressões faciais aplicadas ao sinal durante a sua execução, percebemos
que, em relação às línguas orais, na LIBRAS também ocorrem fenômenos
em que parte do significado pode estar contido em alterações prosódicas
durante o ato comunicativo. Contudo, não se pode afirmar que o significado
está situado somente no conteúdo prosódico da sentença, ou seja, na forma
de dizer. Da observação das sentenças, percebemos que modificações na
intensidade do sinal e outros elementos a eles incorporados durante a sua
produção se traduzem em cadeias de significados que ficam disponíveis
para essa interpretação decorrente da modalidade em que são produzidas
as línguas de sinais.

21
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

1.6 Sobre a sobreposição dos níveis linguísticos nas línguas de sinais


e na libras.
Após entender como os itens lexicais de uma língua de sinais
surgem e são registrados e ainda vê-los em funcionamento como no
exemplo anterior, o semanticista provavelmente se perguntará onde
está situado o significado na palavra em língua de sinais. Claramente, o
significado está distribuído por todos os níveis linguísticos da gramática,
o que enevoa substancialmente a capacidade do linguista em delimitar as
estruturas e delegar-lhes funções específicas dentro da gramática.
Façamos uma breve reflexão considerando o significado a nível
morfológico (ou morfofonêmico).
Ferreira-Brito (1995) descreve primariamente a estrutura
morfofonêmica dos sinais em LIBRAS e ressalta que as unidades fonêmicas
em LIBRAS podem funcionar como unidades de conteúdo versátil e ora,
alçarem a posição de morfemas. Alguém poderia dizer que isso não é
novidade já em português o fonema /a/ ora pode estar representando o seu
próprio som, o da letra “a”, ou ainda, dentro da sentença se vier na posição
pré-nominal será um determinante (artigo), se vier após o verbo pode ser
uma preposição, dentro de outros significados que esse som pode assumir
na sentença. A questão que funde os mecanismos morfológicos aos
fonológicos em sinais é o fato de que o fonema, ainda que isoladamente,
pode carregar certo significado morfológico. Veremos essa discussão mais
adiante ainda neste texto.
Mendonça (2012) critica a falta de clareza com que os dados
morfológicos são tratados quando Ferreira-Brito (1995) e Quadros &
Karnopp (2004) descrevem essas estruturas. O problema levantado pela
autora quanto à existência e a identificação de uma raiz para os sinais
da LIBRAS leva a seguinte reflexão: há uma dificuldade em se delimitar
os espaços dos níveis linguísticos nos estudos com línguas de sinais, e
isso diz respeito a alta co-ocorrência das unidades que geralmente estão

22
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

articuladas com níveis superiores. Ursula Bellugi et al. (1993, p. 404)


explicam:
Os mecanismos gramaticais da ASL utilizam-se completamente do meio
espacial e da possibilidade da articulação simultânea e multidimensional. Assim
como as línguas orais, ASL desenvolveu estratégias gramaticais que servem
como marcadores inflexionais e derivacionais. São adaptações formais comuns
que ocorrem às classes sintáticas dos itens lexicais associadas à mudanças
sistemáticas no significado3.

Observamos, afinal, que algumas estruturas na LIBRAS se


comportam ora como fonemas, ora como morfemas. Por exemplo, a letra
K e K’ significam dois pontos na frente do sinalizados, um à direita e outro
à esquerda:
(11) CM: G1 (fonema) (FERREIRA-BRITO, 1995)
Dedo indicador apontado para cima, uma unidade arbitrária e sem
significado.
(12) kCM: G1k’ (morfema) (FERREIRA-BRITO, 1995)
Pessoa-passar-de-um-ponto-à-outro, uma frase.
Essas unidades morfo-fonêmicas podem ser assim chamadas
em LIBRAS, por apresentarem essas possibilidades de comportamento.
Entre a produção de um simples fonema isolado como em 11 e uma
sentença complexa como em 12, há um salto discreto dessas estruturas
e níveis linguísticos. Morfologicamente, temos um morfo-fonema (CM:
G1), o que não é comum a todos os fonemas desta língua, apresentando
um comportamento de fonema e morfema lexical, que, se afixado pelo
morfema gramatical de movimento/deslocamento, criará a ação verbal de
‘uma pessoa passa de um lado a outro’.

1.7 Processos morfológicos: em busca da raiz


Similarmente às línguas orais, a LIBRAS possui um rico processo
de flexão e derivação de seus morfemas básicos. E ainda que não se
tenha uma raiz substancialmente evidente, como é o caso das línguas
orais, em que podemos observar uma morfologia concatenativa (com as

3 - No original: The grammatical mechanisms of ASL take full advantage of the spatial medium and of the possibility of simultaneous and
multidimensional articulation. Like spoken languages, ASL has developed grammatical devices that serve as inflectional and derivational
markers. These are regular changes in form across syntactic classes of lexical items associated with systematic changes in meaning.
23
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

raízes das suas palavras e os respectivos processos de incorporação,


flexão, aglutinação e outros) a LIBRAS possui um rico processo de flexão,
derivação e outros, provavelmente ligados às suas raízes (QUADROS &
KARNOPP, 2004; FELIPE, 2006). Trazemos essa discussão com o intuito
de aprofundar as reflexões sobre como os processos de afixação, ou ainda,
sobre os traços comuns aos sinais que podem indicar a presença de uma
raiz. Assim, temos:
(13) CASA
casa
(14) CASAmover a estrutura do sinal de casa simulando um desabamento
favela
Nos casos 13 e 14, fica clara a relação entre o sinal-raiz CASA
e a sua derivação para o referente ‘favela’, ainda que este não seja um
sinal lexical totalmente estável na LIBRAS, está licenciado pelo processo
derivacional a sua produção.
Se comparáss emos o sinal CASA com o verbo “morar” em
português, ambos possuem o conteúdo semântico de: moradia, habitação,
residência em seus traços lexicais, ou seja, tudo indica que raízes do
português como em mor-, resid-, habit- entre outros possam compartilhar
um traço comum nas línguas de sinais.
Em um caso semelhante, porém, não se tratando de um mesmo
sinal-raiz, mas, de um traço comum, temos: um movimento específico
sendo realizado no mesmo caminho por sinais com diferentes configurações
manuais [como é o caso de DIZER (CM: G1), Falar (CM: K) e Avisar (CM:
Y)] (FERREIRA-BRITO, 1995). Percebemos nestes casos que o conteúdo
semântico carregado pela raiz pode estar indicado nesse ‘caminho’ comum
recorrente a todos estes sinais e não no sinal-raiz em si, como é o exemplo
em 13 e 14. Ilustramos abaixo a explicação:

24
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Fonte: http://www.pequenoartista.com.br/pa/fuinha/Galeria_leandro/modelo_face5.gif
Traço semântico comum (raiz?) de um mesmo conjunto de sinais.

Um ponto interessante a pesquisas futuras seria: há alguns surdos


que não possuem membros corporais específicos à produção fonológica,
como, por exemplo, surdos que não possuem os dedos, alguns dos dedos,
um braço, ou nenhum dos braços e utilizam os pés no lugar das mãos e
ainda assim são compreendidos, mesmo que com algumas limitações por
outros surdos. Ou seja, parece que a questão da raiz semântica dos sinais
não está diretamente ligada à produção manual, antes a um conjunto de
traços semânticos específicos às unidades lexicais.
Identifique contextos em que o radical de uma palavra em LIBRAS
pode funcionar como: sinais que compartilham uma unidade mórfica ou
sinais que compartilham uma locação ou percurso.
Por exemplo:
• Há uma raiz identificável entre as palavras em LIBRAS como
construção, construir, construtor?
• E entre as palavras amor, amante e amoroso?
• E entre falar, falante, falador, falado?
• E entre profissional, prática, desenvolvimento?
Depois da reflexão, podemos definir de que formas estas raízes
estão associadas?

25
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

Sustentaremos para fim deste texto que a raiz de um conjunto


de palavras na LIBRAS podem ou não apresentar-se analogamente ao
conceito de radical encontrado para línguas orais, pois, os sinais podem
ser agrupados por suas raízes dados os contextos semânticos nos quais
se encontram circunscritos ou ainda identificados por uma raiz morfológica
explícita. Há que se investigar esse processo com mais detalhes para
as línguas de sinais. Autores como Zwitserlood (2003), Pfau (2010),
Zwitserlood et al. (2012) assumem a raiz de um sinal na mesma perspectiva
aqui apresentada.

ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM
1. Diferencie o significado de uso e menção da língua.
2. Por que se refletir sobre as formas de registro das línguas de
sinais dentro do estudo semântico?
3. Como o significado está construído (composto) na LIBRAS ou
nas línguas de sinais?
4. Que partes do corpo não podem atribuir significado na fonação
em sinais?
5. Como se apresentam os radicais nas línguas de sinais
considerando a exposição teórica feita no texto da unidade?
6. É necessário se estabelecer o estudo da semântica visual em
função da semântica apresentada pelas línguas orais? Pode-se afirmar que
a semântica ou a significação são processos modalidade-dependentes?

26
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

UNIDADE 2
SEMÂNTICA DA LIBRAS

OBJETIVOS

• Conceituar as principais categorias semânticas encontradas no


estudo da semântica lexical;

• Descrever como esses mecanismos estão disponíveis dentro da


LIBRAS com exemplos na própria língua;

• Evidenciar a ocorrência de fenômenos semânticos na LIBRAS e


efetuar comparações com outras línguas orais e de sinais.

27
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

2 POR UMA SEMÂNTICA DA LIBRAS

Nesta unidade compreenderemos os principais fenômenos


semânticos e suas ocorrências na LIBRAS. Nosso enfoque é explicitar os
principais mecanismos identificados dentro da semântica lexical de uma
língua. Para isso, por questões de foco e espaço, abriremos mão de explicar
outras semânticas como a semântica gramatical, discursiva, cognitiva e a
diacrônica.

Não há ainda na literatura atual uma gramática concluída para a


LIBRAS. O que existem são trabalhos isolados e algumas publicações que
servem de referências sobre a estrutura linguística dessa língua, dentre
as quais se destacam as produções de Ferreira-Brito (1995), Felipe (2002;
2006; entre outras), Quadros (1995; 1999) e Quadros & Karnopp (2004).
Essas autoras deram grandes contribuições à língua dos surdos brasileiros
por descreverem com detalhes as estruturas dos níveis linguísticos básicos
da LIBRAS. Muitas das informações contidas nestas literaturas surgem
de reflexões das próprias autoras sobre a LIBRAS e suas idiossincrasias,
além de estabelecerem, de igual modo, comparações com outras línguas
de sinais, como a ASL que possui um vasto repertório de publicações sobre
a sua estrutura linguística.

Há iniciativas recentes de autoras, como Sá (2012), Bernardino


(1999, 2000), Salles & Pires (2011), Salles & Chan-Vianna (2010), para se
analisar a língua de sinais dentro de perspectivas ainda pouco estudadas
como é o caso da semântica formal e do estudo semântico geral em si.

Serão apresentados a partir de agora os conceitos básicos da


semântica lexical em interface com outros níveis da gramática, observando
as ocorrências destes mecanismos dentro da LIBRAS.

Um signo linguístico em LIBRAS, como já foi explicitado na

29
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

Unidade I, possui certo nível de iconicidade, ou seja, há alguns sinais que


apresentam relações motivadas entre o significante e o significado. O
princípio da arbitrariedade das línguas naturais estabelecido por Ferdinand
de Saussure em seu curso atesta pela desestigmatização das línguas de
sinais enquanto formas miméticas, e isso não é nenhuma novidade que, se
alguém sinalizar a palavra MÃE em LIBRAS, provavelmente uma pessoa
que não conheça essa língua não interpretará o significado do ‘gesto’.

Se cotejarmos as LSs X LOs, possivelmente as LSs apresentam


um maior nível de iconicidade dada a modalidade linguística em que são
produzidas, no entanto, essa visão já é bastante debatida considerando:

i. Ainda que alguns elementos icônicos sejam comuns às LOs


como por exemplo: franzir as sobrancelhas para expressar indagações
ou estranheza, configurar a boca e os olhos em posição de arregalo para
indicar surpresa e outros;

ii. Que os sinais que trazem o significado de cognição e pensamento


sejam realizados em sua maioria na região da cabeça, por ser a zona
cerebral;

iii. Que os sinais que indicam alimentação, digestão e outros


processos orgânicos estejam relacionados às partes do corpo designadas
para estas ações.

Os signos linguísticos sinalizados já estão complexamente


especializados para desempenhar funções semânticas que, dentro da fala
natural, se configura uma tarefa complicada ou mesmo inatingível separar
o que é possivelmente icônico do que é arbitrário.

Para complementar essa discussão sobre a natureza do signo


linguístico das LSs, Stokoe (2004, p. 38) traz autores de renome para a
discussão:

30
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

El linguista suizo Ferdinand de Saussure (1857-1913) se hizo célebre por decir


que las señas del lenguaje son arbitrarias, no motivadas, no naturalmente
relaciondas con lo que significan. También mostró que dichas señas no pueden
ser motivadas. Antes de Saussure, René Descartes fue aún más radical al
concluir que el lenguaje y el pensamiento están bastante separados de los
cuerpos y del mundo material.

Oliveira (2001, p. 21) explica que “a tarefa do semanticista é a


construção de um modelo que reproduza a capacidade semântica que
um falante tem”. A tarefa do estudo em semântica como ciência é a de
reproduzir “ao menos em parte, o conhecimento intuitivo, inconsciente, que
um falante tem do significado das palavras e sentenças de sua língua”
(ibidem).

Entendemos, então, que o semanticista deve efetuar a descrição


das ocorrências empíricas dos fenômenos da linguagem e verificar em que
condições as proposições em uma determinada língua são verdadeiras ou
não, ou seja, definir seus critérios de interpretabilidade. Sabemos, também,
da impossibilidade de se mapear todas as possibilidades de proferimento de
uma língua realizada por seus falantes, já que possuímos “um número finito
de regras que geram um número infinito de possibilidades de sentenças”,
parafraseando a máxima gerativista Chomskiana. Vejamos:
Chomsky, no entanto, falava sobre a sintaxe das línguas naturais. Sua posição
com relação à semântica é menos clara. Se a semântica se referir a relações
internas (formais) entre elementos, então ela é parte da sintaxe; em outros
termos, ela é um sistema recursivo de regras. Mas se por semântica entendermos
o estudo do significado em sua acepção robusta, como sinônimo de conteúdo,
então Chomsky reproduz a tradição de Bloomfield e Harris de crítica ao estudo
científico do significado. O estudo do significado, se entendido como a relação
entre as palavras e o mundo, não pode ser científico, porque não há uma lei
natural (causal) que estabeleça uma ligação necessária entre as palavras e as
coisas. (OLIVEIRA, 2001, p. 33)

Obviamente que nessa tarefa de mapear o funcionamento formal de


uma língua na busca pelas regras padronizadas que produzem as infinitas
combinações, com suas devidas possibilidades e restrições, encontram-
se algumas tarefas que podem ser úteis para explicar o comportamento
semântico dos itens lexicais da LIBRAS.

Vamos demonstrar uma destas (im)possibilidades semânticas

31
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

através do exemplo, “João disse que João saiu”:

(15) Oliveira (2001, p. 53)

a. *Hei said that Johni left. (ingles)

*Ili a dit que Jeani est sorti. (francês)

*Hiji heeft gesagt dat Joahani ist uitgegagen. (holandês)

(16)

* J-O-Ã-OK FALAR J-O-Ã-OK SAIR (LIBRAS)

* IX <o, ele> J-O-Ã-OK FALAR IX <o, ele> J-O-Ã-OK SAIR


(LIBRAS)

Mais uma evidência de que as regras que impedem a formação


lógica da frase acima para outras línguas naturais, também são funcionais
para a LIBRAS. Não por um problema lógico em si, mas por trazer em si um
problema interpretativo de caráter universal. Não se consegue identificar
precisamente quem é o João no contexto dado: o que fala ou o que saiu.

São várias as relações semânticas que podem ser estabelecidas


dentro da rede de sentenças de uma língua e a riqueza semântica encontrada
na LIBRAS as vezes é colocada em cheque por falta de conhecimento
sobre como a significação é constituída nessa língua. À luz dos conceitos
semânticos explicitados em autores como Oliveira (2001), Ilari (2014) e
Cançado (2012) e outros, faremos uma exposição sobre essas ocorrências
em LIBRAS.

2.1 OS FENÔMENOS SEMÂNTICOS E A REFERÊNCIA

2.1.1 - IMPLICAÇÕES

Uma das primeiras propriedades semânticas que vamos nos ater


neste material é sobre as implicações. De maneira geral, podemos obter as

32
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

relações de implicação em nível semântico: como no acarretamento e na


pressuposição e de uma perspectiva mais pragmática como é a implicatura
conversacional.

Ilari (2014) define:

• Acarretamento: Temos acarretamento toda vez que a verdade


de uma sentença implica a verdade de uma outra, simplesmente pela
significação de suas palavras. Geralmente, os acarretamentos resultam
do uso de palavras de sentido específico; assim, se dissermos que Tico é
um pardal, poderemos concluir que ele é um pássaro, um vertebrado, um
ser vivo etc. (Ou: basta ser um pardal para ser um pássaro, basta ser um
pássaro para ser um ser vivo etc.); [...]

• Pressuposição: Diz-se que uma informação é pressuposta


quando ela se mantém mesmo que neguemos a sentença que veicula a
informação. Se alguém nos disser que o carro parou de trepidar depois que
foi ao mecânico; se esse mesmo alguém nos disser que o carro não parou
de trepidar apesar de ter ido ao mecânico, também concluiremos que o
carro trepidava antes. Sempre que um certo conteúdo está presente tanto
na sentença como em sua negação, dizemos que a sentença pressupõe
esse conteúdo.

2.1.1.1 ACARRETAMENTO

A partir dos conceito de acarretamento apresentado, podemos


pensar, por exemplo, em uma sentença em LIBRAS, onde dizer que
PESSO@ COMPRAR CARRO acarreta dizer que PESSO@ COMPRAR
CARRO COISAS, mas, o contrário não será verdade.

Para entender melhor a noção de acarretamento, valemo-nos


também das noções de hiponímia e hiperonímia pelas quais identificamos
a relação entre duas palavras, em que o sentido de uma pode encontrar-
se incluído no sentido de outra. Ou seja, há uma relação, também, de

33
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

genericidade e de especialização. Dizer ‘Veículo’ é mais abrangente do que


dizer ‘Carro’, concordam?, pois o conceito de carro se encontra incluído
no domínio semântico de veículo. Utilizamos estas mesmas estratégias
para compreender as relações de acarretamento em PB e em LIBRAS
exemplificadas acima, lembram? Na relação hiperonímica, o todo contém
as características das partes e, na relação hiponímica, as partes contêm
características do todo.

Na LIBRAS, diferentemente do PB, os hipônimos ou seus


hiperônimos podem ser fonologicamente constituídos por sequências
fonológicas idênticas ou semelhantes, dando uma ideia de que as palavras
possam estar apresentando na verdade uma noção homônima, no entanto,
qualquer usuário nativo sabe interpretar das relações de genericidade ou
singularidade expressas entre as palavras a seguir em LIBRAS.

HIPÔNIMO HIPERÔNIMO

34
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

No exemplo em 3 acima, fica claro ao que nos referimos quando


dissemos que a isomorfia de algumas palavras na LIBRAS pode acarretar a
impressão de homonímia. No entanto, os exemplo em 1 e 2, os hiperônimos
são formados por sinais compostos, em que se conserva o nominal
hipônimo e se acrescenta o sinal de COISAS, geralmente responsável pela
formação dos hiperônimos na LIBRAS. Todavia, em 3, o sinal de ANIMAL
em LIBRAS é um sinal simples e é um hiperônimo por si só. Segundo as
pesquisas iniciais de Almeida-Silva (2013), tudo indica que o nome nu em
LIBRAS funciona como um indefinido genérico, ou seja, pode representar
dependendo do contexto: referências genéricas de um determinado grupo
ou ainda, a indivíduos específicos no mundo. Ainda não foram totalmente
elucidadas as condições de interpretação semântica dos sintagmas
nominais na LIBRAS.

Cançado (2012) nos ensina sobre como identificar o acarretamento


verificando:

• Se a sentença (a) for verdadeira, a sentença em (b) também será


verdadeira;

• Se a informação da sentença (b) estiver contida na informação da


sentença (a);

• Se a sentença (a) e a negação da sentença (b) forem sentenças


contraditórias.

Leia a sentença a seguir em LIBRAS e verifique se a sentença em


(a) acarreta (b):

35
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

A resposta é não, pois dizer que ele gosta de veículos, expresso


em (a), não acarreta dizer que ele gosta de carro (b) especificamente. Ele
pode gostar de veículos e gostar de navios e não de carros.

Então, antes de passarmos ao nosso próximo tópico, vimos


que as noções de implicação podem ocorrer em dois níveis: sintático
(acarretamento) e lexical (hiperonímia e hiponímia).

2.1.1.2 Pressuposição

Na pressuposição, há um tipo de relação semântica não literal, pois,


para se pressupor algo de um conteúdo, há que se considerar o contexto
extralinguístico da produção, ou seja, informações que são compartilhadas
pela memória dos usuários da língua e que podem ser tomadas como
verdades compartilhadas. Segundo Frege (1892 apud CANÇADO, 2012), a
pressuposição é um tipo de conteúdo que permanece inalterado mesmo se
a sentença modifique a sua estrutura para uma frase negativa, interrogativa
ou condicional.

Então, se eu digo que “João parou de fumar”, eu posso modificar a


estrutura desta sentença para João não parou de fumar, ou João parou de

36
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

fumar?, ou ainda Se João parou de fumar, ele deve ter melhorado a saúde. A
informação que se mantém inalterada em todos estes contextos é a de que
“João fumava”. Ou seja, todas aquelas sentenças modificadas pressupõem
esta sentença “João fumava”. É um tipo de conteúdo compartilhado
como verdade entre os faltantes de uma língua, por isso mesmo se pode
estabelecer a relação de pressuposição.

Algumas sentenças podem apresentar a relação de pressuposição,


mas não de acarretamento como, por exemplo:

a. Não foi o João que parou de fumar

b. Alguém parou de fumar

A sentença em (a) pressupõe conhecimento em (b) de que alguém


parou de fumar, mas não podemos dizer que as sentenças (a) e (b) têm
relação de acarretamento, pois o fato de dizer que não foi o João que
parou de fumar não diz necessariamente que alguém parou, pode ocorrer
que ninguém tenha parado de fumar na verdade. Lembrando que a noção
de acarretamento está estritamente ligada ao conteúdo expresso na
sentença, todavia, a noção de pressuposição está ligada à abstração mais
generalizada sobre o fato.

Dê exemplos em LIBRAS de:

a) Sentenças que pressupõem e acarretam;

b) Sentenças que pressupõem, mas não acarretam.

2.1.2 Da sinonímia, paráfrase e vagueza

Intuitiva e denotativamente, referimo-nos a objetos no mundo que


possuem propriedades semelhantes ou que possam ser compartilhadas
garantindo-lhes uma contextualização aproximada. Trabalhando com
o significado das palavras dentro do no âmbito da semântica lexical,

37
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

poderíamos considerar que, para vários casos da LIBRAS, o número de itens


lexicais com valor semântico aproximado seria menor se comparássemos
com a quantidade de expressões disponíveis em algumas língua orais.

Entendemos essa especialização com uma questão evolutiva das


línguas naturais que, sofrem, bem como orientam modificações na sua
própria língua ou em outras que estejam em contato. Essa constatação
soma-se ao fato de que as línguas de sinais, em geral, são línguas faladas
por comunidades minoritárias que geralmente se tornam bilíngues por uma
exigência social da sociedade majoritária falante de uma língua oral. E,
certamente, forças centrípetas e centrífugas estão em constate batalha
pela conquista de um território não reservado para falantes de línguas
diferentes. Mas, antes que percamo-nos em questões político-linguísticas,
vale ressaltar que os surdos, a priori os únicos usuários nativos das LSs,
sofrem pressões da comunidade oral sob a exigência de que sua língua
compita em pé de igualdade com a língua majoritária, já que os indivíduos
possuem as mesmas nacionalidades e estão sujeitos aos mesmos
processos sociais.

Tudo que foi dito no parágrafo anterior somente se serve para


entender por que línguas que possuem históricos filológicos distintos e
gramáticas particulares (como é o caso do português brasileiro e da LIBRAS)
estão em constante comparação? Ou seja, a tarefa do semanticista não é
a de diagnosticar uma língua como pobre ou rica de elementos, pois, afinal
de contas, todas as línguas naturais são substancialmente complexas.

Alguém falante de português que esteja, por exemplo, aprendendo


a LIBRAS pode querer encontrar expressões equivalentes para todas as
ocorrências semânticas de sua L1. Tomemos, como exemplo, o conjunto de
palavras sinônimas em português em 17a e em 17b os seus correspondentes
em LIBRAS:

38
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

(17) a {casa, moradia, habitação, imóvel, residência...}

b {CASA, CASA, CASA, CASA, CASA....}

O fato é que não são somente da ordem semântica os fatores que


atravessam as expressões exemplificadas em 17a, antes, elas estão ligadas
também por contextos pragmáticos de proferimento, onde um mesmo
referente no mundo pode receber diferentes denominações. Por isso, as
contestações sobre as diferenças semânticas entre o PB e a LIBRAS não
têm nenhum efeito científico direto para a estrutura de significação, uma vez
que a palavra CASA em LIBRAS define seu comportamento consonante ao
contexto semântico em que ela está envolvida.

Acreditamos que o sintagma nominal CASA possa ser um termo


vago em LIBRAS, Para Saeed (1997 apud CANÇADO, 2012), há vagueza
quando a todas as ocorrências de um mesmo item lexical compartilharem o
seu sentido mais geral, ou seja, nos contextos de vagueza, as informações
são acrescidas porque não estão disponíveis inicialmente no sentido .

Não se pode encontrar sinônimos perfeitos nem dentro de uma


mesma língua nem entre línguas diferentes. Há quem diga, por exemplo,
que as palavras “Casa” e “Residência” em Português não são sinônimas,
pois, estariam encaixadas em outros tipos de relação que não uma
relação horizontal como é previsto para as expressões sinônimas. Ou
seja, para algum falante, dizer “Residência” não é comutativo a casa, pois
invoca outros traços lexicais e contextos pragmáticos não disponíveis na
informação original. “Residência”, por exemplo, poderia englobar diversos
tipos de casa e estar numa relação hiperonímica. É menos óbvio do que
parece se estabelecer as relações semânticas entre as palavras de uma
língua.

Toda língua natural é vaga de algum modo, pois, para se entender


a diferença entre uma xícara pequena ou grande, algum falante de

39
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

Português poderia alegar que, dado o seu tamanho, o objeto não se trataria
mais de uma xícara, mas sim de uma tigela, ou seja, até mesmo palavras,
como xícara que parece ter significados bem constituídos, podem denotar
informações distintas.

Na LIBRAS, no entanto, este mesmo exemplo ficaria preso à uma


questão de dimensões, ou seja, a diferença não residiria no nível lexical
mas no nível sublexical. Dependendo de como o sinalizador realiza o sinal
de prato, mais amplo ou menos amplo, o interlocutor poderia interpretar
como um prato ou bandeja, ou seja, na LIBRAS, os sinais também são
vagos para distintas interpretações.

Por exemplo, entre os três sinais abaixo, qual você utilizaria para
especificar: prato, bandeja ou tigela?

A sinonímia no nível lexical ocorre quando duas expressões lexicais


podem ter conteúdos intercambiáveis, embora seja sabido que a noção
sinonímica para uma semântica denotacional dependa não somente de
sua capacidade de se verificar a verdade ou falsidade de uma palavra ou
sentença, mas em quais contextos as operações substitutivas poderão ou
não afetar o conteúdo expresso pela sentença.

Em LIBRAS, garota e menina não podem ser sinônimos porque


apresentam mesmos itens lexicais, assim como casa e moradia, mas
observe:

40
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Nesses casos, as palavras carro a e b, para além de possivelmente


serem variantes de um mesmo sinal, são sinônimas em LIBRAS, pois
podem ser utilizados em diferentes contextos sem que o sentido sofra
interferência.

Por último, explicitaremos a questão da paráfrase que é a aplicação


sinonímica a nível frasal. Segundo Cançado (2012), a terminologia sinonímia
ou paráfrase podem ser utilizados tanto em nível lexical como frasal.
Segundo Chierchia e McConnel-Ginete (1990), a sinonímia de conteúdo
(paráfrase) pode ser definida como: A sentença (a) é sinônimo de conteúdo
da sentença (b), quando (a) acarretar (b) e (b) acarretar (a).

Então, as sentenças a seguir em LIBRAS são sinônimos de


conteúdo:

Esse entendimento serve para dirimir a infrutífera comparação


entre o Português e a LIBRAS na busca por palavras equivalentes ou ainda
por quantidade de noções conceituais. Lexicalmente, cada língua possui
uma semântica distinta, ou seja, não cabem comparações diretas.

41
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

2.1.3 Da ambiguidade

Se para as línguas orais, nos casos de uma interpretação


ambígua “uma única cadeia sonora desencadearia duas interpretações
completamente distintas” (OLIVEIRA, 2001, p. 68), para as línguas de
sinais uma ambiguidade, seja ela lexical ou sintaticamente motivada, pode
acontecer com menos frequência, dada a modalidade em que essas línguas
são produzidas.

Uma vez ouvi dizer que, ao ser questionada, uma mulher grávida
deu a seguinte resposta a um interlocutor, observe o diálogo:

Homem: - É menino ou menina?

Mulher grávida: - Sim!

A sentença acima é ambígua, pois uma única cadeia de sons


permite mais de uma intepretação: a primeira é de que a pessoa quer saber
o sexo do bebê e a segunda é a de que ela quer saber se somente existem
essas possibilidades? Para iniciar nossa conversa sobre ambiguidade, é
importante entender que sempre que houver usos ambíguos para a língua
em uso, haverá também interpretações preferenciais, embora, em muitos
casos seja difícil defini-las. Em muitos casos, é comum que os falantes nem
se deem conta das ocorrências de ambiguidades em sua própria língua.
Então, falantes do Português Brasileiro, provavelmente, não emitiriam a
resposta dada pela mulher grávida neste exemplo, embora todos nós a
compreendamos e entendamos como possível, e quiçá um dia possamos
também utilizá-la.

Lembramos que a tarefa da ciência semântica é entender como as


informações são processadas e interpretadas pelos indivíduos que utilizam
as línguas.

No exemplo do diálogo com a mulher grávida, vimos ali uma dupla


interpretação ocorrendo no nível frasal e com relativa influência prosódica,

42
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

concordam? Agora, verifique se vocês conseguem interpretar a ambiguidade


nas seguintes frases:

a) O João adora aquele canto.

b) Todos os alunos comeram seis sanduíches.

c) Todo professor não ajudou na limpeza.

d) Cada professor beijou uma aluna.

e) João estava no banco quando o encontrei.

f) João viu o incêndio do prédio da esquina.

As ambiguidades nas frases acima são ocasionadas por qual tipo


de ambiguidade? Vejamos alguns conceitos básicos que nos ajudarão a
responder:

Se a ambiguidade se der por um conflito entre os constituintes frasais


(sintagma nominal, verbal e etc) e suas possibilidades de interpretação, a
ambiguidade é do tipo sintática ou estrutural; Se a ambiguidade se der
por questões de possibilidades de interpretação dos constituintes frasais,
no entanto, seu foco relaciona-se não com a localização dos elementos
ambíguos, mas com sua interpretação, então, essa será uma ambiguidade
de escopo (como as que ocorrem entre os quantificadores); Ou ainda, as
ambiguidades podem ser causadas simplesmente por palavras homófonas,
como são as ambiguidades lexicais.

2.1.3.1 Ambiguidade Lexical: homonímia x polissemia

Se examinarmos alguns casos tradicionais do Português Brasileiro


como os homônimos {[manga], fruta} e {[manga], parte do vestuário},
{[maçã], fruta} e {[maçã], parte do rosto}, veremos que, em LIBRAS, esse
processo ocorre, mas não com exemplos equivalentes para o Português.
Temos sinais distintos em LIBRAS para {[MAÇÃ], fruta} ou ainda {[maçã],

43
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

parte do rosto} que corresponde à {[APONTAR-PARA-BOCHECHAmov.


circulares], parte do rosto}, ou seja, estas mesmas palavras não são
homônimos em LIBRAS.

O Sinal de CLARO sendo produzido nos seguintes contextos:


indicando o momento em que o sol está na linha do horizonte, clareando
o dia, ou ainda em um contexto onde alguém tem clareza sobre algum
conhecimento não são também ocorrências homônimas de um mesmo
sinal. Os exemplos acima indicam um caso de polissemia em sinais, pois
o item lexical CLARO, em ambos os contextos, compartilham um sentido
comum, que é característico da polissemia.

Na homonímia, uma mesma cadeia fonológica desencadeia


diferentes interpretações para um mesmo item lexical, já, na polissemia,
como no exemplo acima, ambas as ocorrências do mesmo item lexical
encontram-se unidos por um domínio nocional maior. Ou seja, o fato de o
dia estar claro, ou de a pessoa ter clareza sobre algo comunga a noção de
limpidez, ausência de manchas ou obscuridade, livre acesso. Por isso, na
polissemia, a noção compartilhada por ambos os itens orienta a escolha de
determinadas palavras.

Exemplos de casos de homonímia na LIBRAS são os sinais de


SÁBADO e LARANJA, em que duas cadeias fonologicamente idênticas
desencadeiam duas interpretações semânticas distintas.

44
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Discuta com o seu professor e sua turma outros exemplos de


homônimos e sinais polissêmicos em LIBRAS.

DICA: Com os surdos participando cada vez mais de diversas


atividades sociais e acadêmicas, o léxico da LIBRAS tem expandido
significativamente suas possibilidades de uso. Sendo assim, reflita sobre
as diferentes possibilidades de uso dos sinais em diferentes contextos para
se ter bons exemplos das ocorrências acima.

SOBRE OS NOVOS USOS – MUDANÇA SEMÂNTICA

Se fizermos uma análise semântica diacrônica dos sinais na


LIBRAS e suas possibilidades de significações, constataremos que muitos
sinais ampliaram largamente suas possibilidade de uso. Aparentemente,
por dois principais motivos:

a) Do contato com o Português Brasileiro (ou com a língua oral do


país):

A semântica lexical de alguns sinais em LIBRAS incorpora


significados e inclusive alteram-se o comportamento sintático destes
componentes, dado que a maioria dos surdos são bilíngues ou vivem em
situação de uso bilíngue por estarem inseridos em comunidades maiores
que utilizam uma língua oral e, pelo contato com a língua oral, naturalmente
alguns elementos sintático-semânticos são incorporados.

Ex: Em LIBRAS, há algumas décadas atrás, não era comum ver um


surdo sinalizando o seguinte: EU IR FAZER PROVA. Hoje, já não nos causa
tanto estranhamento, pois, decorrentes das razões acima explicitadas,
progressivamente, os sinais têm evoluído em suas possibilidades de uso.

Considerando a semântica lexical dos sinais IR e FAZER em


LIBRAS, não se poderia utilizaria o verbo IR em qualquer outro contexto
que não fosse uma situação real de deslocamento espacial, como por

45
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

exemplo, em EU IR CASA. Como também, não é comum na LIBRAS um


surdo sinalizar EU IR CASAR, já que como verbos de ligação, na maioria
das vezes, o verbo IR não é sinalizado.

O verbo FAZER também só era utilizado na LIBRAS em situações em


que o sinalizador realmente quisesse indicar que alguém sintetizou algo, ou
o houvera construído, como em: EU FAZER BOLO ou EU FAZER PINTURA
VENDER, mas não no sentido de ‘fazer prova’. Então, construções, como
as do tipo: EU IR FAZER PROVA, decorrem principalmente do contato com
a língua oral e do bilinguismo dos surdos.

b) Da evolução natural da língua

À medida que os surdos ampliam sua participação nos diversos


contextos sociais, ampliam-se também as possibilidades do uso do léxico.
Ou seja, nos dias atuais com a entrada dos surdos em diferentes cursos de
graduação e assumindo diferentes cargos em suas práticas profissionais,
novos usos são atribuídos aos sinais bem como podem surgir neologismos.

Seguem alguns exemplos de sinais que inicialmente indicavam


exclusivamente ações que guardam um traço de concretude com as ações
do corpo humano e que evoluíram em suas possibilidades de uso. São
sinais que mimetizam as partes corporais em outras partes corporais
morfologicamente análogas. Vejamos:

Pode significar EM-PÉ ou PRESENTE (comparecimento à um


evento)

Pode significar DE-JOELHOS ou CASTIGO

46
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Pode significar ESCORREGAR ou LISO/ESCORREGADIO

Pode significar PULAR ou FELIZ/CONTENTE/EUFÒRICO

Silva (2006) explica que uma língua sem polissemia, por exemplo,
seria um sistema não só excessivamente pesado, com um número
incomensuravelmente superior de formas, como inevitavelmente estático,
funcional apenas num mundo em que não haja inovações. A expansão
dos significados é algo real para as línguas e linguisticamente necessário.
Taylor (202, p.471) explica dizendo:
Uma língua sem polissemia seria útil apenas num mundo sem variação e
inovação, em que os falantes não tivessem de responder a novas experiências
nem encontrar símbolos para novas conceptualizações.

Martins (2013) realizou um estudo sobre as manifestações de


ambiguidade lexical em LIBRAS e aponta que ela pode se manifestar: i. pela
homonímia, ii. pela polissemia, e iii. pelo conhecimento e determinantes
evocativos (religiosos, culturais e outros). A análise da autora é bastante
produtiva uma vez que toma por base a língua por ela mesma e evita
comparações para as mesmas noções semânticas com o léxico do
Português.

Exemplos retirados de Martins (2013).

47
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

Ullmann( 1964 apud MARTINS, 2013) fala sobre a “aquisição de


motivação” que segundo o autor poderia ocorrer de duas maneiras: a) por
motivação fonética e b) por motivação morfológica e semântica. É com
base na comparação de palavras que aparentemente seriam encaixadas
imediatamente dentro da categoria de homônimos em uma língua que
aparecem os determinantes evocativos, ou seja, quando o elo entre as
palavras se dá por contextos externos à língua, como é o caso dos pares
SÁBADO e LARANJA e SEXTA-FEIRA e PEIXE para a referida autora.
No primeiro caso, sábado seria o dia culturalmente consagrado para o
consumo de feijoada no Brasil, e o prato geralmente vem acompanhado
de laranjas, por isso a ambiguidade lexical. Já no segundo, o consumo de
peixe estaria ligado a manifestação cultural católica sobre o consumo do
peixe na sexta-feira santa.

No inglês, por exemplo, ear (órgão da audição) e ear (espiga dos


cereais) procedem de raízes completamente diferentes. A homonímia entre
as palavras levaria a invenção de um elo semântico totalmente injustificado
pela história. Daí, a observação de que poderia tratar-se de uma metáfora
baseada na semelhança entre a espiga dos cereais e o formato da orelha
(ULLMANN, 1964 apud MARTINS, 2013).

2.1.3.2 Ambiguidade estrutural

Comecemos, examinando a seguinte sentença ambígua em


português:

(18) Ele viu o incêndio do prédio da esquina.

A sentença é ambígua porque dentro de uma análise sintática


podemos encontrar mais de uma estrutura interna para a sequência dada. A
ambiguidade decorre de uma incerteza causada no receptor da mensagem
sobre as possibilidades de estruturação dos constituintes frasais, que
podem ser interpretados como: i. Ele viu [o incêndio do prédio] da esquina

48
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

(do local de onde a pessoa observava), ii. Ele viu [o incêndio do prédio da
esquina] (o objeto que queimava estava localizado na esquina) ou ainda iii.
Ele viu o incêndio [do prédio da esquina] (visualizava a queima de dentro
do prédio).

É interessante observar que a ambiguidade decorre da


impossibilidade de se ter uma referência tátil dos elementos contidos na
sequência frasal. Em LIBRAS, se um ouvinte falante do PB traduzisse a
sentença acima literalmente para a LIBRAS sem atentar para as questões
da sintaxe espacial, o receptor poderia solicitar ao emissor que explicitasse
com mais detalhes em que contexto aconteceu a ação descrita, pois
certamente incorreria em uma inexplicitude do significado da sentença.

Tente traduzir a sentença acima aqui transcrita sem utilizar o espaço


para localizar os objetos da sentença. Ou seja, sinalizando puramente os
sinais correspondentes à cada item lexical. O que ocorre ao final? Que
interpretação se pode depreender a partir da sentença produzida?

“Ele viu o incêndio do prédio da esquina”

Mas, em contrapartida, temos que, se um falante de LIBRAS se


expressasse naturalmente com a mesma sequência frasal acima, ter-
se-ia de optar por umas das possibilidades semânticas para a mesma,
decorrente da produção visual e sua sintaxe organizacional em oposição à
inexplicitude da linearidade oral.

Por uma questão de posicionamento dos referentes durante a ação


verbal, a LIBRAS não licenciaria todas as interpretações disponíveis para
o PB. O sinalizador teria de escolher se proferiria uma das possibilidades
supracitadas. Comparemos pois:

i. . ELEk ESQUINAk DE-PÉk kVERk’ PRÉDIO k’ INCÊNDIAR k’

ii. ELEk kVERk’ ESQUINA k’PRÉDIO k’INCÊNDIAR

iii. ELEk PRÉDIOk SEGURAR-BARRA-DA-JANELAe.f olhar direcionado para

49
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

baixo VERmov. na diagonal


INCÊNDIOk’

Não queremos afirmar a inexistência de sentenças ambíguas em


línguas de sinais porque já sabemos que qualquer língua natural pode
expressar ambiguidade sintática, no entanto, a literatura mostra que,
somente em alguns contextos de produção, as ambiguidades podem ser
convenientemente produzidas. No livro “Sign Language Poetry”, Rachel
Sutton-Spence afirma que as LSs estão repletas de contextos metafóricos,
principalmente no contexto da produção de poesias sinalizadas. Ela explica
da ambiguidade dentro da função poética afirmando que:
Ambiguidade na poesia desempenha uma função-chave de intensificar o peso
de uma palavra ou sinal. A ambiguidade é bastante evitada na linguagem do
dia-a-dia, onde a prioridade é a comunicação facilitada e os falantes e seus
receptores normalmente coatuam para garantir uma comunicação clara. Já na
linguagem poética, a ambiguidade é uma maneira útil de adicionar significados
para o poema sem a adição de itens lexicais extras. Se uma palavra apresenta
mais de um significado, cada um dos quais podem concebivelmente ter sentido
no contexto do poema, aumentam-se as possibilidade de significação para a
palavra. (SUTTON-SPENCE, 2003, p. 3)7

E ainda comenta sobre a questão da estrutura sintática das LSs


(op.cit., p. 5):
Normalmente, o uso espacial para as línguas de sinais demonstram a gramática
e as relação de significação entre os objetos. O espaço nos diz ‘quem faz o
que para quem’ nas línguas sinalizadas. Na linguagem do dia-a-dia, um
posicionamento não estético dos sinais não vale mais do que a clareza, por uma
comunicação não ambígua 8.

Um quadro interessante que demonstra a relação da organização


espacial e a estrutura sintático–semântica de LSs é a explicação de
Kimmelman (2011). Utilizando as bases da teoria da ligação de Chomsky
(1980 apud KIMMELMAN, 2011) e numa tentativa de explicar os processos
de correferenciação discursiva nas línguas de sinais que possuem pronomes
reflexivos ou não, Kimmelman resume a atribuição referencial nas línguas
sinalizadas e orais da seguinte maneira:

50
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Atribuição da referência para LSs e LOs (KIMMELMAN, 2011)

Na figura acima, vemos, de forma esquemática, como os


proferimentos em LSs configuram um locus enunciativo não correferente.

Alguns comportamentos semânticos demonstrados pelas


sentenças na LIBRAS devem ser pesquisados com mais profundidade, já
que são escassas as publicações que tratam de temas específicos como é
a questão do nível de ambiguidade em línguas naturais.

Para fechar essa seção sobre ambiguidades em LIBRAS e nas


línguas de sinais, Quer & Steinbach (2015) analisam efeitos específicos de
modalidade que influenciam sobre a ocorrência de ambiguidades em LSs.
Segue uma lista dos principais resultados das análises dos autores que
podem ser encontrar em muitas línguas de sinais:

- Os mouthings funcionam como marcas não-manuais de


desambiguização de itens lexicais;

- Sinais são ambíguos para a interpretação de verbo ou nome e


muitos nomes não tem uma forma plural específica;

- Sinais de apontação podem ser interpretados como demonstrativos,

51
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

possessivos, indefinidos, pronomes e artigos definidos (PFAU, 2010);

- Brow raise pode ocorrer como marcadores de questões de sim


ou não, tópico ou condicionais, ou ainda serem um marcador explícito da
posição de um especificador de CP (-Wh) ou um marcador de restrição de
operações diádicas;

- Ambiguidades podem surgir do uso do corpo do sinalizador como


sujeito da sentença ou para representar o sujeito da sentença;

- Como somente as línguas de sinais tem a capacidade de


gramaticalizar gestos manuais e não-manuais, a distinção entre gestos
paralinguísticos e sinais lexicais e funcionais fica enevoada;

- As estruturas de coordenação em sentenças em LIBRAS


competem pela leitura conjuntiva e disjuntiva (ambiguidade estrutural);

- Escopo da quantificação como por exemplo em: BOOKtopic, TWO


STUDENT BUY. Dependendo da língua, as leituras podem competir e
marcações morfológicas de plural podem ser requeridas como: morfologia
de reduplicação (alocativa) dual e distributiva e etc.

Outras consequências do funcionamento imagético

Consideramos também que não somente pelo fato da LIBRAS


possuir um funcionamento imagético, (re)construído a partir de experiências
visuais, somente estas concorreriam para a produção de uma significação
espacial.

Refletindo, pois, sobre as estruturas semióticas composicionais


dos significados em línguas naturais, como podemos afirmar, por exemplo,
que as relações semânticas de subordinação, submissão, superioridade,
inferioridade, hierarquia dentre outras se darão sempre no plano vertical
cima-baixo? Quem nos garante que, olhando da posição do mar, as casas

52
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

na beira da praia, embaixo no nosso quadro visual, são significativamente


superiores em relação às casas do morro logo acima? Fazem-se necessários
outros estudos desta semântica denotacional dos sinais e sua relação com
o espaço.

Fonte: Disponível em http://static.panoramio.com/photos/large/3399893.jpg

ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM

1. Qual a principal tarefa do semanticista?

2. Faça um quadro-resumo, com exemplos diferentes dos contidos


no texto, dos fenômenos semânticos explicitados.

3. Que possíveis causas são apontadas no texto para a ampliação


das possibilidades de uso e significação dos sinais? Por que essas
características se mantêm em termos de propriedades internas dessas e
que não podem ser somente definidas pragmaticamente?

4. A seguinte frase glosada em LIBRAS: “EU QUERER COMER


JÁ”, significando que o falante tem urgência em alimentar-se, é uma
sentença boa ou ruim em LIBRAS? Utilize elementos explicitados no texto
para fundamentar sua explicação. Construa um texto argumentativo.

53
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

UNIDADE 3
A PRAGMÁTICA E A LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS

OBJETIVOS

- Compreender os limites e os imbricamentos entre os níveis semântico


e pragmático da língua;
- Discutir sobre a interpretação semântica de sentenças em libras
dado seu uso pragmático;
- Entender as estratégias pragmáticas utilizadas pelos surdos em seu
contexto social.

55
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

3. PRAGMÁTICA E A LIBRAS

As discussões linguísticas, de um modo geral, fundamentam-


se em dois pontos, a partir dos quais se originam as chamadas escolas
linguísticas. O primeiro deles é a concepção de língua(gem). O segundo,
por sua vez, refere-se à perspectiva adotada pelo pesquisador para abordar
seu objeto de estudo. Afinal, são os pontos de vista teóricos que orientam
as práticas, pois determinam o que fazemos, o que deixamos de fazer, o
que preferimos e preterimos, enfim. Assim, em função do modo como os
estudiosos concebem a língua, é que surge a teoria e o respectivo método.

A publicação do Curso de Linguística Geral, de Ferdinand de


Saussure (1916), marcou uma divisão das pesquisas linguísticas em dois
polos: o formalista, segundo o qual a língua é sistema e estrutura, isto é,
um objeto autônomo; e o funcionalista, que se volta para língua a partir de
uma perspectiva sociointeracionista e funcional, considerando as relações
entre forma e função, entre os fatores estruturais e sociais.

Isso porque é possível verificar que, em muitos casos, o conhecimento


do sistema da língua revela-se insuficiente para compreendermos os fatos
linguísticos que se apresentam numa situação concreta de fala. É nesse
polo que está situada a Pragmática, cujo ponto de partida foram os estudos
desenvolvidos por dois filósofos da linguagem, John Austin e Paul Grice.
Em linhas gerais, podemos dizer que a Pragmática estuda a relação entre
o sistema linguístico e seu uso, isto é, volta-se para as condições em que
se dá a utilização da língua(gem), a prática linguística.

A pragmática contempla, por assim dizer, o que outras escolas


linguísticas preteriram, preenchendo lacunas nos estudos, uma vez que há
palavras e frases que só podemos compreender no contexto da situação
concreta de uso em que ocorrem.

Tomando-se como exemplo a expressão em Português: “A porta

57
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

está aberta”, temos um texto único a partir do qual é possível produzir


alguns enunciados, ou seja, enunciar acontecimentos diferentes. Podemos,
por exemplo, dizer isso a alguém que manifesta o desejo de ir embora; para
alguém que bate à porta, a fim de que entre; pode-se, ainda, enunciar a
alguém que para o carro ao seu lado, para avisar sobre o perigo que corre
por não ter percebido que a porta não está fechada. Compreendemos,
assim, que a ligação entre as significações de um texto e as condições
sócio históricas de sua produção não é secundária e sim indissolúvel. Em
outras palavras, a Pragmática não estabelece a dicotomia entre o que é
interno e externo à língua.

Em LIBRAS, você consegue perceber a diferença entre o uso


semântico e pragmático entre os sinais abaixo em 19a e 19b e 20a e 20b?

Em 19a, utilizamos o sinal de DESCULPAR para situações em


que se solicitar perdão de alguém por um transtorno ou desapontamento,
mas percebemos que, em outro contexto de uso especificamente social, o
mesmo sinal pode vir com outro significado. Por exemplo, se alguém diz: -

58
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Fulano, você sabe que eu acabei de chegar da Europa? O sinalizador pode


responder com o sinal de desculpa, mas não com o sentido de absolvição,
no entanto, o interlocutor interpreta como sendo algo do tipo: Estou
impressionado!. Não somente nestes contextos este sinal pode ser usado,
mas em qualquer um em que se queira demonstrar que o seu interlocutor
pode ser superior a você, seja economicamente, educacionalmente,
socialmente ou outros.

Do mesmo modo que, no Português, os sinais, quando de seus


usos contextuais podem sofrer alterações prosódicas ou até mesmo em
seus constituintes fonológicos para atribuírem um novo significado a um
mesmo item lexical.

O mesmo acontece em 20a e 20b, quando, em 20a, o sinal


CONHECER indica seu sentindo mais corriqueiro, de dominar informações
sobre algo ou alguém. Já no uso demonstrado em 20b, geralmente, o sinal
CONHECER será utilizado para demonstrar uma saturação, enjoo, um
conteúdo estressante para o locutor ou algo que ele queira menosprezar
alegando que possui domínio completo. Ou seja, pragmaticamente, os
sinais se comportam de forma análoga às palavras em língua portuguesa.

Os limites entre as questões semânticas e pragmáticas são bastante


tênues, e, por isso mesmo, historicamente, estas disciplinas têm andado
lado a lado. Tanto a semântica quanto a pragmática possuem limites bem
definidos para o olhar que estabelecem sobre os objetos pesquisados,
mas, na maioria do tempo, há um diálogo respeitoso entre os eixos que
pesquisam a significação.

3.1 CONTEXTOS PRAGMÁTICOS EM LIBRAS X PORTUGUÊS

A LIBRAS, como qualquer outra língua natural e viva, sofre


interferência de seus usuários. As diferentes línguas do mundo estruturam-

59
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

se de forma peculiar para dar conta de todos os rearranjos contextuais


pelos quais os eventos sociais pedem que a língua os sirva. Nesse afã,
passaremos, agora, a discutir alguns domínios de fatos linguísticos
recobertos pelos estudos pragmáticos para as línguas naturais :

I) A enunciação: são ações linguísticas vivas, construídas no


complexo jogo das relações humanas. Há enunciados que não objetivam
designar um objeto ou um evento no mundo, mas se autorreferem, isto é,
só são entendidos em função do próprio ato de enunciar:

1. Dêiticos: expressões que só podem ser plenamente entendidas


se o interlocutor souber algumas “coordenadas” do enunciador: quem fala,
para quem fala, de onde fala e quando fala. Ex:

Quando eu estou aqui

Eu vivo esse momento lindo

Olhando pra você

E as mesmas emoções sentindo

São tantas já vividas

São momentos que eu não esqueci

Detalhes de uma vida

Histórias que eu contei aqui...

(Fonte: Erasmo Carlos/roberto Carlos. Disponível em: http://letras.


terra.com.br/roberto-carlos/48587/.)

Conforme verificamos, um dêitico só pode ser entendido dentro da


situação de comunicação. Quando aparece num texto escrito, a situação
comunicativa deve ser explicitada. Ex: Fiado só amanhã. Nessa situação, o
enunciador claramente prefere que o dêitico não ganhe referente, a fim de
que, a cada novo dia, a mensagem se atualize. Obviamente, o vendedor

60
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

não interessa vender fiado!

A apontação em LIBRAS se apresenta como um fenômeno


reconhecidamente produtivo, pois, além de desempenhar a função de
determinar, pode, também, instaurar diferentes contextos como, por
exemplo, estabelecer os referentes discursivos (pronomes pessoais).
A diferença entre ‘EU’, ‘VOCÊ’, ‘EL@’ e todos os outros pronomes em
LIBRAS se dá nessa relação dêitica de localização espacial dos referentes.
Para ‘EU’, aponta-se para o próprio peito do locutor; para ‘VOCÊ’, aponta-
se para o interlocutor e assim sucessivamente. Vale ressaltar que a terceira
pessoa em LIBRAS será formada não só pela apontação para o referente
posicionado lateralmente (posição canônica da terceira pessoa em LS’s) ao
falante, mas a relação de impessoalidade será demarcada principalmente
no olhar, como veremos nas figuras abaixo.

Percebemos, então, que o que marca de impessoalidade, no caso


da terceira pessoa, ‘EL@’, não será interpretada só pelo sinal indicial em si,
mas, pelo direcionamento do olhar, mesmo que o locutor esteja apontado
para o mesmo espaço ocupado destinado tradicionalmente ao referente
‘El@’ a referência pode ser deslocada com a direção do olhar para a
interpretação ‘VOCÊ’.

Somam-se a estes exemplos muitos outros em que a apontação


pode, do mesmo modo, e dependendo do contexto conversacional, licenciar

61
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

a interpretação de pronomes demonstrativos, advérbios de lugar e outros.


Todos estes estão estritamente relacionados às mesmas funções que
os dêiticos possuem para as línguas orais. Lyons (1981, p.229) explica
dizendo:
Os termos ‘dêixis’ e ‘índex’ originam-se da noção de referência gestual, ou
seja, na identificação do referente através de algum gesto corporal da parte do
enunciador. Qualquer expressão referente que tenha as mesmas propriedades
lógicas de um gesto corporal é, em virtude desse fato, dêitica. E, muitas
expressões dêiticas são, de fato, normalmente usadas em associação com
algum tipo de referência gestual.

Ou seja, a apontação ocorre para a LIBRAS como um processo


de referenciação natural, em que o sinalizador posiciona seus referentes
discursivos no espaço de sinalização ou ainda estabelecendo os processos
morfológicos desejados como a pluralização e outros.

Em português, por exemplo, não faz sentido alguém perguntar


a alguém para onde fica o bebedouro, e a pessoa responder imóvel: - É
pra lá!. O interlocutor deve mover partes corporais, seja a boca, mãos ou
outros para indicar o possível caminho até objeto requerido. Na LIBRAS,
raramente veremos tal fato ocorrer já que as relações de significação se
dão imageticamente, ou seja, uma vez que alguém dirija a mesma questão
a um surdo, ele será respondido com uma apontação. Então, vemos aqui
que o gesto é paralinguístico para as línguas orais, no entanto, ele é
intralinguístico ou ainda constitutivo para as línguas sinalizadas.

2. Enunciados performativos: são os que realizam as ações que


eles nomeiam. É o caso da promessa, da ordem, do juramento, da ordem,
do pedido de desculpas etc.

Exemplo:

Amores silenciosos

FAZER E RECEBER declarações de amor é quase sempre


prazeroso. O mesmo vale, aliás, para todos os sentimentos: mesmo quando
dizemos a alguém, olho no olho, "Eu te odeio", o medo da brutalidade de

62
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

nossas palavras não exclui uma forma selvagem de prazer. De fato, há


um prazer na própria intensidade dos sentimentos; por isso, desconfio um
pouco das palavras com as quais os manifestamos. Tomando o exemplo
do amor, nunca sei se a gente se declara apaixonado porque, de fato,
ama ou, então, diz que está apaixonado pelo prazer de se apaixonar.
Simplificando, há duas grandes categorias de expressões: constativas e
performativas. Se digo "Está chovendo", a frase pode ser verdadeira se
estamos num dia de chuva ou falsa se faz sol; de qualquer forma, mentindo
ou não, é uma frase que descreve, constata um fato que não depende dela.
Se digo "Eu declaro a guerra", minha declaração será legítima se eu for
imperador ou será um capricho da imaginação se eu for simples cidadão;
de qualquer forma, capricho ou não, é uma frase que não constata, mas
produz (ou quer produzir) um fato. Se eu tiver a autoridade necessária,
a guerra estará declarada porque eu disse que declarei a guerra. Minha
"performance" discursiva é o próprio acontecimento do qual se trata (a
declaração de guerra). Pois bem, nunca sei se as declarações de amor são
constativas ("Digo que amo porque constato que amo") ou performativas
("Acabo amando à força de dizer que amo"). E isso se aplica à maioria
dos sentimentos. [...] É uma experiência comum: externamos nossos
sentimentos para vivê-los mais intensamente -para encontrar as lágrimas
que, sem isso, não jorrariam ou a alegria que talvez, sem isso, fosse menor.
Nada contra: sou a favor da intensidade das experiências, mesmo das
dolorosas. Mas há dois problemas. O primeiro é que o entusiasmo com
o qual expressamos nossos sentimentos pode simplificá-los. Ao declarar
meu amor, por exemplo, esqueço conflitos e nuances. No entusiasmo
do "te amo", deixo de lado complementos incômodos ("Te amo, assim
como amo outras e outros" ou "Te amo, aqui, agora, só sob este céu") e
adversativas que atrapalhariam a declaração com o peso do passado ou
a urgência de sonhos nos quais o amor que declaro não se enquadra. O
segundo problema é que nossa verborragia amorosa atropela o outro. A

63
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

complexidade de seus sentimentos se perde na simplificação dos nossos,


e sua resposta ("Também te amo"), de repente, não vale mais nada ("Eu
disse primeiro").

Por isso, no fundo, meu ideal de relação amorosa é silencioso,


contido, pudico. [...]

CALLIGARIS, Contardo. Folha de São Paulo, 26 jun 2008.

A propósito do que diz o texto, devemos compreender que, para os


enunciados performativos, a enunciação é parte integrante da significação.

Exemplos de palavras que compõem enunciados performativos em


LIBRAS:

3. Uso de conectores: há casos em que os conectores não


ligam conteúdos, mas os atos de comunicação em si. Ex: a) Pedro pedirá
aposentadoria, mas é um segredo; b) Você pode vir aqui um pouquinho?
Porque estou precisando de sua ajuda (FIORIN, 2007). No primeiro
exemplo, é a informação que é secreta, não a aposentadoria. No segundo,
o conector explica o motivo da pergunta e não seu conteúdo.

4. Certas negações: às vezes, a negação recai sobre a


possibilidade de uma afirmação. Nesses casos, o que se deseja expressar
é que determinado termo não é suficientemente apropriado para definir uma
dada situação. Ex: Ele não é chato, é insuportável. Esse comportamento
da negação não é tão comum para a LIBRAS, mas, em alguns casos, pode
acontecer com o auxílio das marcas não-manuais.

64
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

5. Advérbios de enunciação: quando dizemos, por exemplo,


“Sinceramente, não gostei de sua atitude”, o advérbio é utilizado não para
modificar o verbo, mas para qualificar como sincero o ato de dizer. É possível,
ainda, que o advérbio marque sua atitude ou estado psicológico diante dos
enunciados que produz. Ex: Anuncio, pesarosamente, o falecimento de
nosso grande amigo.

II. A inferência: há muitos casos em que a comunicação não é


literal, o que exigirá uma compreensão contextualizada. Os falantes,
nessas situações, comunicam mais do que as palavras da frase significam.
Ex: Você pode me passar o sal? Essa pergunta não se refere à capacidade
do interlocutor de passar o sal, mas de um pedido.

Cabe à Pragmática explicar como os falantes conseguem entender


expressões não literais e por que os falantes, algumas vezes, optam por se
expressar de forma indireta. Na LIBRAS, esse processo ocorre de forma
semelhante e, algumas vezes, utilizando os mesmos verbos. A frase acima
poder-se-ia sinalizar da seguinte maneira: SAL POSSÍVEL 2sDAR1s?,
estendida à LIBRAS a mesma interpretação que temos para o Português.

III. A instrução: segundo os estudos pragmáticos, as chamadas


palavras do discurso, sobretudo os conectores (conjunções, preposições,
advérbios), cuja função varia em função do contexto linguístico em que
aparecem, significam porque há uma instrução sobre a maneira de
interpretá-las. Vejamos os exemplos extraídos das análises empreendidas
por Ducrot, apresentados em Fiorin (2007):

(a) O tempo está feio, mas estou com vontade de dar um passeio.

(b) O tempo está feio, mas a chuva vai encher as represas.

Em cada caso, a palavra mas tem um sentido diferente, resultado


do emprego diferente de uma unidade lexical. No primeiro enunciado, de
O tempo está feio tira-se a conclusão de que não se deve sair; de Estou

65
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

com vontade de dar um passeio tira-se a conclusão de que devo sair; da


conexão de ambos dada por mas, tira-se a conclusão de que devo sair. No
segundo caso, de O tempo está feio tira-se a conclusão de que isso é ruim;
de A chuva vai encher as represas tira-se a conclusão de isso é bom; da
conexão estabelecida por mas tira-se a conclusão de que a chuva é boa.

Podemos entender os sentidos da conjunção mas nas diferentes


situações, partindo da mesma instrução: na frase P mas Q, de P tire a
conclusão R, de Q tire a conclusão não R e de P mas Q tire a conclusão
não R.

Vejamos outras duas frases:

a) Marcelinho joga muito futebol, mas é desagregador e b)


Marcelinho é desagregador, mas joga muito futebol.

No primeiro caso, o falante não quer Marcelinho no seu time;


no segundo, sim. Compreendemos assim porque em P mas Q sempre
prevalece o argumento não R dado por Q.

3.2 TEORIA DOS ATOS DE FALA

A Pragmática, tal como a conhecemos hoje, começou a se


desenvolver a partir da teoria dos atos de fala, de Austin. Essa teoria surgiu
no interior da Filosofia da Linguagem, tendo sido, posteriormente, adotada
pela Linguística Pragmática. Até então, acreditava-se que as afirmações,
de um modo geral, serviam para descrever um estado de coisas e,
portanto, seriam apenas verdadeiras ou falsas. Austin questionou essa
ilusão descritiva e propôs a distinção das afirmações: a) as que descrevem
estados de coisas, que chamou constativas, como em Hoje o dia está
lindo e b) as que não são descrições de estados de coisas, que chamou
performativas. Se temos Eu ordeno que você saia daqui (FIORIN, 2007),
verificamos que o ato de ordenar se realiza ao se enunciar a afirmação.

66
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Além disso, uma ordem não é falsa nem verdadeira. Outros exemplos de
performativos:

a) Prometo voltar na sexta-feria.

b) Lamento o ocorrido.

c) Eu os declaro casados.

Convém, entretanto, destacarmos que, para a realização da ação


correspondente a um performativo, as circunstâncias de enunciação também
devem ser adequadas. Por exemplo, o irmão da noiva não pode dizer aceito
no lugar da noiva. Em circunstâncias inadequadas, o performativo torna-se
nulo. As principais condições de sucesso ou felicidade dos performativos
são:

1. As pessoas e as circunstâncias devem ser convenientes para


a realização do enunciado em questão. Ex: Se um convidado declara os
noivos casados, o performativo não se realiza; da mesma forma, se o
presidente da Câmara declara aberta a sessão sozinho do seu gabinete,
também esse performativo será nulo, pois não está sendo executado em
circunstâncias apropriadas;

2. A enunciação deve ser corretamente executada pelos


participantes, pois o uso de uma fórmula incorreta torna nulo o performativo.
Ex: Para batizar, não se deve enunciar Eu te perdoo, ou o batismo não será
realizado;

3. A enunciação deve ser integralmente realizada pelos participantes.


Ex: quando alguém diz Aposto dez reais como vai chover (FIORIN, 2007),
para que o ato de apostar seja bem sucedido, é preciso que a aposta seja
aceita, isto é, que o interlocutor enuncie a aceitação.

Devemos, ainda, mencionar que há performativos que se realizam


de modo diferente dos que vimos até agora. Vejamos outros casos:

67
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

a) Proibido fumar.

b) Curva perigosa.

c) Saia.

Verificamos, nos exemplos, performativos de proibição, advertência


e ordem, ainda que não tenham sido utilizadas as formas Eu proíbo, eu
advirto, eu ordeno. Depreendemos, pois, dos casos, que um enunciado
será performativo quando puder ser transformado em outro que possua
verbo performativo na primeira pessoa do singular do presente do modo
indicativo da voz ativa. Já aqueles enunciados que não tiverem o verbo
performativo na pessoa, no tempo, no modo e na voz indicados, são
chamados de performativos implícitos (FIORIN, 2007).

A fim de distinguir os constativos dos performativos, Austin discute


mais profundamente a questão: que é que se faz, quando se diz alguma
coisa? Importa notarmos que, quando dizemos algo, três atos são realizados:
o ato locucionário; o ato ilocucionário e o ato perlocucionário. O
primeiro é o que se realiza enunciando uma frase, isto é, trata-se do ato
linguístico de dizer. Ex: Maria é estudiosa. O ato ilocucionário, por sua vez,
atribui a esse ato linguístico de dizer uma determinada força (de pergunta,
de asserção, de ordem, de promessa etc.). Quanto ao ato perlocucionário,
este se destina a exercer certos efeitos sobre o interlocutor, como convencê-
lo, assustá-lo, adverti-lo etc.. Em termos práticos, podemos pensar que um
ato de persuasão, por si, pode não surtir o efeito pretendido. Entretanto,
o ato locucionário, pelo simples fato de ser enunciado, realiza a ação que
nomeia. As proposições feitas por Austin estendem-se para a realização de
qualquer língua natural e humana, oral ou sinalizada.

3.3 AS MÁXIMAS CONVERSACIONAIS

Segundo muitos estudiosos da Pragmática, o princípio básico da


comunicação humana é o Princípio da Cooperação. Por vezes, os atos de

68
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

fala não são explicitamente manifestados, mas são implícitos e, por isso, só
se percebem seu objeto e propósito quando os implícitos são entendidos.
Por exemplo, quando se lê um cartaz, à entrada de uma pizzaria, Não
servimos somente bebidas, é preciso cooperar para concluir que não se
trata de uma observação óbvia, mas sim de um ato indireto de advertência
aos clientes quanto à necessidade de pedir comida, além de bebida. Isso
significa que, quando duas pessoas se propõem a interagir verbalmente,
elas normalmente irão cooperar para que a interlocução transcorra de
modo satisfatório.

Considerando-se, conforme já vimos, que é comum a divergência


entre a significação das frases e o sentido do enunciado e que, portanto,
alguns enunciados comunicam muito mais do que os elementos que o
compõem, Grice desenvolveu a noção de implicatura, para tratar das
inferências que extraímos dos enunciados. Grice distinguiu dois tipos
de implicaturas: 1) as desencadeadas por uma expressão linguística, as
quais chamou de convencionais e 2) aquelas provocadas por princípios
gerais ligados à comunicação, que chamou de conversacionais. Como
exemplo de implicatura convencional, temos em Era lixeiro, mas era feliz
a implicatura desencadeada pela conexão entre as duas orações dada
pela conjunção mas: quem é lixeiro não é feliz. Já em A defesa de Mário
correu bem, não o reprovaram, há a implicatura de que o trabalho não
era bom (FIORIN, 2007). Trata-se de uma implicatura conversacional, uma
vez que não decorre da significação de nenhum item da frase, mas dos
conhecimentos prévios do interlocutor, já que dificilmente um bom trabalho
correria o risco de ser reprovado.

Conforme mencionamos, para Grice, a cooperação é o princípio


fundamental da comunicação humana. É em função desse princípio que o
falante leva em conta, em suas intervenções, o desenrolar da conversa e
seus desdobramentos, a fim de que a interação chegue a bom termo. Esse

69
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

princípio subsume quatro máximas:

Máxima da quantidade: não diga mais nem menos do que o


necessário;

Máxima da qualidade: só diga coisas para as quais tem evidência


adequada, isto é, não diga o que sabe não ser verdadeiro;

Máxima da relação: diga apenas o que é pertinente, relevante;

Máxima de modo: seja claro, preciso e ordenado.

Convém esclarecermos que as máximas conversacionais são, em


termos práticos, uma teoria de interpretação dos enunciados. Grice não
ignorou, por exemplo, os possíveis conflitos nas trocas verbais. O que
ele pensou foi que, mesmo para divergir, há a necessidade de que os
enunciados produzidos sejam adequadamente interpretados. Considerou,
ainda, a possibilidade de violação de uma ou outra máxima, assim como
a exploração das máximas para a obtenção de determinados efeitos de
sentido. Em outros termos: se, por acaso, as máximas entrarem em conflito,
pode haver predominância ou sobreposição(ções) entre elas ou pode
também ocorrer de que o locutor infrinja intencionalmente uma das máximas,
cabendo, ao interlocutor, descobrir o motivo dessa infração. Quando esses
casos ocorrem, temos as implicaturas conversacionais. Para exemplificar,
Grice propôs: um professor universitário escreve a um colega de outra
instituição pedindo referências quanto à capacidade intelectual de um ex-
aluno que se candidatou a uma vaga de assistente e obteve a seguinte
resposta: “tem boa letra e não costuma chegar atrasado”. Ora, nesse caso,
o raciocínio a ser feito seria: “meu colega aparentemente infringiu a máxima
da relação; se ele o fez, deve ter sido porque preferiu omitir a informação
que seria mais relevante. Assim, de acordo com a máxima de quantidade,
devo supor que ele disse o suficiente para que eu entenda que “o candidato
é fraco”. Ironias, subentendidos, metáforas seriam também explicáveis em

70
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

termos das implicaturas conversacionais, embora essa teoria não dê conta


de todas as nuances da interação humana.

3.4 ATOS DE FALA E ESTRATÉGIAS DE POLIDEZ EM LIBRAS

A exposição a seguir toma por base os estudos de Ferreira-Brito


(1995) sobre as estratégias pragmáticas empregadas por surdos usuários
da LIBRAS e sua relativização à modalidade em que essa língua é
produzida. O estudo conduzido pela autora é de grande relevância e é um
dos poucos trabalhos no campo pragmático envolvendo sinais.

Como vimos na seção anterior, o filósofo Austin, ao instituir a teoria


sobre os atos de fala, assevera das diferenças existentes entre utilizar
a língua de forma denotacional e compreender a língua dentro de uma
subjetividade. Nas palavras dele, dizer é fazer. Ou seja, a linguagem tem
caráter constativo e performativo, pois, através das expressões linguísticas,
comportamentos sociais podem ser efetivamente experimentados.

Na LIBRAS, dada a modalidade em que a língua é produzida,


as estratégias pragmáticas utilizados por seus usuários, se comparadas
com as do Português, parecem apresentar-se de forma mais objetiva,
direta. Explicaremos, no decorrer do texto, em quais termos atribuímos a
objetividade à sinalização surda.

Lucinda Ferreira Brito (1995) propôs a sinalizadores surdos


uma bateria de testes em que os participantes deveriam imaginar-se dentro
de 22 diferentes contextos sociais, experimentado diversos níveis de
hierarquia. Então, os testes se davam com os participantes se imaginando
na posição de patrão, ora de empregado, ora de professor, ora de aluno
etc. O resultado dessa pesquisa oferece um perfil das especificidades nos
pedidos e nas estratégias de polidez empreendidas pelos sujeitos surdos
dados os contextos reais de usos da LIBRAS.

71
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

Dentre os achados de Brito (1995), destacam-se:

• Ausência de nomes próprios ou expressões vocativas como


“mamãe”, “benzinho” etc;

• Uso frequente da apontação (dêixis) operando como um vocativo.


Não considerado grosseiro dentro da sinalização. Não é polido o uso da
dêixis no caso de uma terceira pessoa presente, para isso se oculta a ponta
do indicar com a palma da outra mão, dissimulando o ato de referência;

• Uso de expressões faciais para pedido simultâneo à enunciação.


Estratégia utilizada em LIBRAS para abrandar a força ilocucionária dos
atos diretivos, exercendo função semelhante à entonação no Português;

• Alterações no parâmetro movimento. Quanto mais alto o preço


do objeto requisitado e quanto mais polido o emissor pretenda ser, mais
curto e delicado é o movimento dos sinais. Esta estratégia é complexa de
ser percebida uma vez que é difícil mensurar o movimento da sinalização.

• Há especificidades culturais da LIBRAS, em que sentenças


declarativas com cargas aparentemente imperativas podem, na verdade,
funcionar como pedidos. Para as estratégias utilizadas em Português,
como Diminutivos, Vocativos e outros, em LIBRAS, teremos somente a
expressão facial para atenuar a intenção do emissor e fazer com que o
receptor não receba a mensagem como uma ordem;

• Dependendo das variáveis sociais combinadas durante uma


interlocução em sinais, os participantes selecionarão diferentes sinais que
estão subordinados às questões de variáveis sociais, intimidade, distância
social, poder, custo do pedido e outros.

• Para relações simétricas: as formas convencionais de polidez úteis


a quase todas as situações de enunciação são POR-FAVOR, DESCULPE,
COM-LICENÇA;

• Para relações assimétricas: contextos onde os envolvidos

72
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

possuem variáveis sociais bastante distintas e não há quaisquer sinais de


intimidade, os sinalizadores preferem justificativas e períodos mais longos
em LIBRAS;

• Uso de construções incluindo modais deônticos como PODER,


PRECISAR e outros;

• Usuários de LIBRAS utilizam as insinuações como estratégias de


polidez negativa, ou seja, utilizando de menos coerção para com o receptor,
uma vez que as insinuações não revelam as suas intenções explicitamente.
Utiliza-se de sentenças sem argumentações que sugerem ao receptor um
possível comportamento diante do conteúdo colocado, por exemplo, EU
MARTELAR, MARTELO CAIR. Ou ainda, COM LICENÇA PROFESSOR,
OCUPADO. NOTA, PROBLEMA.

3.5 CONSIDERAÇÕES SOBRE O USO SOCIAL DA LIBRAS

Dentro da prática da LIBRAS e do uso da sinalização pelos


ouvintes, é perceptível que os surdos preferem alguns sinalizantes a outros.
Esta é uma observação que sempre nos chama atenção pelo fato de que,
aparentemente, todos os sinalizadores falam a mesma língua de sinais e
consequentemente utilizam os mesmos itens lexicais, mas, claramente, no
proferimento, cada um imprime um “estilo” especifico a sua sinalização.

É da ordem pragmática a observação de que, em alguns contextos,


usuários da LIBRAS parecem estar utilizando estratégias mais ou menos
formais para se comunicar com seus interlocutores, ou clientes, como as
expostas por Ferreira-Brito (1995) na seção anterior. No entanto, somam-
se as estratégias de polidez, as estratégias de aproximação cultural que
podem deixar os textos em sinais em alguns termos: mais ou menos formal,
mas preferiremos utilizar a denominação mais ou menos nativizado.

Entre diferentes línguas de sinais são perceptíveis as diferenças

73
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

relativas à entonação com que cada comunidade linguística produz sua


lígnua de sinais. Para o usuário de LIBRAS, talvez, o usuário de ASL o
pareça mais tranquilo ao sinalizar, uma vez que o léxico da ASL é composto
por sinais que possuem efeitos visuais de deslizamento e movimentam-se
quase sempre em retas e passos organizados. Diferentemente da LIBRAS
em que se observa movimentos mais giratórios, sinais amplos são ubíquos
e o caminho dos sinais não seguem padrões específicos. Essas diferenças
podem ser observadas no uso social da língua e inclusive em surdos de
diferentes nacionalidades podem imitar o sotaque de surdos de outros
países ou de regiões dentro do mesmo país.

Então, há certo repertório de sinais da LIBRAS que podem ser


utilizados tanto em contextos formais ou informais, que representam as
formais culturais do povo surdo brasileiro e que deixam o texto com uma
aparência mais fluida.

Por exemplo, na fala surda cotidiana da LIBRAS, para um surdo


dizer que alguém domina bem a LIBRAS, provavelmente o surdo utilizará a
seguinte forma, e não a oração completa EL@ CONHECER B-E-M LIBRAS:

Ou ainda, para dizer que alguém não sabe nada de LIBRAS, ao


invés de sinalizar EL@ SABER NADA LIBRAS, ou EL@ CONHECER-NÃO
LIBRAS NADA, provavelmente o sinalizador nativo poderá usar a seguinte
sequência de sinais:

74
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

Em ambos os exemplos, fica claro a preferência pelo uso de


expressões faciais significativas para o conteúdo da sentença e conteúdos
mais diretos/curtos. Estes sinais podem ser utilizados em contextos
formais ou informais e não estão ligados à economia linguística, antes, as
expressões idiossincráticas da língua deixam a sinalização mais fluida.

Falar bem uma lígnua de sinais ou oral está ligado diretamente com
a capacidade de gerir o uso de elementos formais e informais e conhecer a
língua em uso. O bom sinalizador certamente transita com leveza entre as
formas nativas da língua, garantindo à sua sinalização o tom de ausência
de esforço.

No uso real, os sinais transitam entre a sinalização e a sinalização


incorporadora, dependendo do contexto e do objetivo da enunciação.

Algumas diferenças realizadas fisicamente no corpo do sinalizador


são observadas dados os diferentes contextos de sinalização:

FORMAL:

Nas línguas orais, temos: léxico formal, formas privilegiadas da


linguagem, maior repertório vocabular. Ex: incipiente, lacunar, perspectiva,
postergar, dirimir, acentuar, dissolver, acumular...

Nas línguas de sinais, temos: expressões tenras, corpo ereto,


endurecido, postura, menos leveza, expressão facial concentrada e com
menos alterações.

75
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

INFORMAL:

Nas línguas orais, temos: soltura vocal, falares urbanos, maior


acento vocal, alterações prosódicas, uso de onomatopeias. Ex: Vixi, e aí...,
danou-se, as minas, ferrou!

Nas línguas de sinais: expressões leves, corpo menos tenso,


máxima incorporação pelos sinais.

Para concluir a nossa exposição sobre o uso contextual dos sinais na


LIBRAS, alguns exemplos de sinais que são singularmente conhecidos por
pertencer à sinalização surda e não as formas gestuais produzidas também
pelos ouvintes para que você possa refletir sobre os diferentes contextos
nos quais esses sinais/expressões possam ser utilizados. Observe:

O SINAL DE “ÔCO” PODE SER UTILIZADO EM CONTEXTOS


ONDE SE QUER REFERIR A ALGO SEM CONTEÚDO E NÃO SOMENTE
A SUPERFÍCIES INTERNAMENTE VAZIAS.

76
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

O SINAL DE “CONVERSAR-EM-SINAIS” PODE SER UTILIZADO


PARA EXPRESSAR O SENTIDO DE BATER PAPO OU SOMENTE
DIVERTIR-SE.

O SINAL DE “PERNAS-PARA-O-AR” PODE SER UTILIZADO


PARA DAR A IDEIA DE UM DIA DE FOLGA OU TEMPO DE DESCANSO.

O SINAL DE “OLHAR-PARA-TRÁS” PODE SIGNIFICAR LEMBRAR,


REMEMORAR, SAUDADES E OUTROS CONTEXTOS LIGADOS AO
PASSADO.

O SINAL DE “CÍLIOS-BALANÇANDO” PODE SER UTILIZADO


EM CONTEXTOS ONDE SE QUER SIGNIFICAR SOBRE UM ASSUNTO
QUE ALGUÉM TENHA BASTANTE INTERESSE, OU UM OBJETO MUITO
DESEJADO E OUTROS.

77
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

O SINAL DE “MÃOS-BALANÇAR” PODE FUNCIONAR COMO UM


INTENSIFICADOR DE SENTIDO PARA O CONTEXTOS DOS SINAIS.

Nos exemplos acima, utilizamos a denominação de sinais, sabendo


que quando de uma análise sociolinguística dos termos, estes ainda podem
aparecer funcionando como gírias ou expressões idiomáticas, o que ainda
carece de investigação para a LIBRAS.

Estudos pioneiros sobre as metáforas em sinais foram efetuados


por Wilcox (2000) e no Brasil Faria (2003) efetua um apanhado sobre as
expressões metafóricas em sinais seguindo uma perspectiva cognitiva para
análise dos dados. O estudo metafórico está imbricado no uso pragmático da
língua e na visão cognitiva do pensamento linguístico. Complementarmente
à este material, leia o trabalho de Faria (2003) para compreender o uso dos
sinais da LIBRAS em contextos metafóricos de seus usos.

78
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

CONCLUSÃO

Este material é uma tentativa de se estimular o estudo da significação


para a LIBRAS, seja decorrente de sua estrutura interna ou de seu uso
social. Há poucas publicações desta natureza no Brasil e, por isso, todos
os exemplos e conceitos não referenciados no texto são de minha inteira
responsabilidade, bem como dos colegas coautores.

Espero que vocês possam utilizá-lo de maneira positiva, ampliando


o diálogo ora iniciado. Este texto é parte de um projeto maior, não
institucional, que agrega todos os pesquisadores da LIBRAS em conhecer
um pouco mais sobre o funcionamento da gramática desta língua em todos
os seus níveis linguísticos.

Façam bom proveito e bons estudos!

79
A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

ATIVIDADE DE APRENDIZAGEM

1. O que estuda a pragmática?

2. O que são enunciados performativos e qual a diferença dos constativos?

3. Que noções são estabelecidas por vias das Máximas Conversacionais


de Grice. Explique.

4. Por que as estratégias de polidez na LIBRAS descritas por Brito (1995)


encontram-se dentro de um domínio pragmático da língua?

5. Que estratégias pragmáticas são empreendidas nos contextos formais/


informais da sinalização surda?

6. Considerando os exemplos apresentados no texto, dê outros exemplos


de sinais que se diferenciam quanto ao seu uso semântico e pragmático.

7. Por que, grosso modo, o uso metafórico da língua pertence ao estudo


pragmático da língua e não semântico propriamente?

80
Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

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ANEXOS

ANEXO I – SISTEMA DE TRANSCRIÇÃO PARA A LIBRAS

(FELIPE, 2005)

As línguas de sinais têm características próprias e por isso êem


sendo utilizado mais o vídeo para sua reprodução a distância. Existem
sistemas de convenções para escrevê-las, mas como geralmente eles
exigem um período de estudo para serem aprendidos, neste livro, estamos
utilizando um "Sistema de notação em palavras".

Este sistema, que vem sendo adotado por pesquisadores de


línguas de sinais em outros países e aqui no Brasil, tem este nome porque
as palavras de uma língua oral-auditiva são utilizadas para representar
aproximadamente os sinais.

Assim, a LIBRAS será representada a partir das seguintes


convenções:

1. Os sinais da LIBRAS, para efeito de simplificação, serão


representados por itens lexicais da Língua Portuguesa (LP) em letras
maiúsculas.

Exemplos: CASA, ESTUDAR, CRIANÇA etc.;

2. Um sinal, que é traduzido por duas ou mais palavras em língua


portuguesa, será representado pelas palavras correspondentes separadas
por hífen.

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A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

Exemplos:CORTAR-COM-FACA, QUERER-NÃO "não querer",


MEIO-DIA, AINDA-NÃO etc.;

3. Um sinal composto, formado por dois ou mais sinais, que será


representado por duas ou mais palavras, mas com a ideia de uma única
coisa, serão separados pelo símbolo ^ .

Exemplos: CAVALO^LISTRA “zebra”;

4. A datilologia (alfabeto manual), que é usada para expressar


nome de pessoas, de localidades outras palavras que não possuem um
sinal, está representada pela palavra separada, letra por letra por hífen.

Exemplos: J-O-Ã-O, A-N-E-S-T-E-S-I-A;

5. O sinal soletrado, ou seja, uma palavra da língua portuguesa


que, por empréstimo, passou a pertencer à LIBRAS por ser expressa pelo
alfabeto manual com uma incorporação de movimento próprio desta língua,
está sendo representado pela datilologia do sinal em itálico.

Exemplos: R-S “reais”, A-C-H-O, QUM “quem”, N-U-N-C-A etc.;

6. Na LIBRAS, não há desinências para gêneros (masculino e


feminino) e número (plural), o sinal, representado por palavra da língua
portuguesa que possui estas marcas, está terminado com o símbolo @
para reforçar a idéia de ausência e não haver confusão.

Exemplos: AMIG@ “amiga(s) e amigo(s)”, FRI@ “fria(s) e frio(s)”,


MUIT@ “muita(s) e muito(s)”, TOD@, “toda(s) e todo(s)”, EL@ “ela(s),
ele(s)”, ME@ “minha(s) e meu(s)” etc;

7. Os traços não-manuais: expressões facial e corporal, que são


feitos simultaneamente com um sinal, estão representados acima do sinal
ao qual está acrescentando alguma idéia, que pode ser em relação ao:

a) tipo de frase ou advérbio de modo: interrogativa ou... i ... negativa

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Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

ou ... neg ... etc

Para simplificação, serão utilizados, para a representação de frases


nas formas

exclamativas e interrogativas, os sinais de pontuação utilizados na


escrita das línguas oral-auditivas, ou seja: !, ? e ?!

b) advérbio de modo ou um intensificador: muito rapidamente exp.f


(expressão facial) "espantado" etc;

interrogativa exclamativo muito

Exemplos: NOME ADMIRAR LONGE

8. Os verbos que possuem concordância de gênero (pessoa,


coisa, animal), através de classificadores, estão representados tipo de
classificador em subescrito.

Exemplos: pessoaANDAR, veículoANDAR, coisa-


arredondadaCOLOCAR etc;

9. Os verbos que possuem concordância de lugar ou número-


pessoal, através do movimento direcionado, estão representados pela
palavra correspondente com uma letra em subscrito que indicará:

a) a variável para o lugar:

i = ponto próximo à 1ª pessoa,

j = ponto próximo à 2ª pessoa,

k = pontos próximos à 3ª pessoa,

e = esquerda,

d = direita;

b) as pessoas gramaticais:

1s, 2s, 3s = 1ª, 2ª e 3ª pessoas do singular;

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A significação na língua brasileira de sinais: uma introdução

1d, 2d, 3d = 1a, 2a e 3a pessoas do dual;

1p, 2p, 3p = 1a, 2a e 3a pessoas do plural;

Exemplos: 1s DAR2S "eu dou para "você",

2sPERGUNTAR3P "você pergunta para eles/elas",

kdANDARke "andar da direita (d) para a esquerda (e).

10. Às vezes, há uma marca de plural pela repetição do sinal. Esta


marca será representada por uma cruz no lado direito acima do sinal que
está sendo repetido:

Exemplo: GAROTA +

11. Quando um sinal, que geralmente é feito somente com uma das
mãos, ou dois sinais estão sendo feitos pelas duas mãos simultaneamente,
serão representados um abaixo do outro com indicação das mãos: direita
(md) e esquerda (me),

Exemplos: IGUAL (md) PESSO@-MUIT@ANDAR (me)

IGUAL (me) PESSOA-EM-PÉ (md)

Estas convenções vêm sendo utilizadas para poder representar,


linearmente, uma língua espaço-visual, que é tridimensional (Felipe, 1988,
1991,1993,1994,1995,1996),

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Especialização em Língua Brasileira de Sinais- Libras

AVALIAÇÃO DO LIVRO

Prezado(a) cursista:

Visando melhorar a qualidade do material didático, gostaríamos que


respondesse aos questionamentos abaixo, com presteza e discerni-
mento. Após, entregue a seu tutor esta avaliação. Não é necessário
identificar-se.

Unidade:__________________ Polo: ________________________


Disciplina:_________________________ Data: ________________

1. No que se refere a este material, a qualidade gráfica está visual-


mente clara e atraente
( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM

2. Quanto ao conteúdo, está coerente e contextualizado à sua práti-


ca de estudos
( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM

3. Quanto às atividades do material, estão relacionadas aos conteú-


dos estudados e compreensíveis para possíveis respostas.
( ) ÓTIMO ( ) BOM ( ) RAZOÁVEL ( ) RUIM

4. Coloque abaixo suas sugestões para melhorar a qualidade deste


e de outros materiais.
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