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Denise Helena P. Laranjeira et al.

JUVENTUDE, TRABALHO, EDUCAÇÃO:

DOSSIÊ
os jovens são o futuro do Brasil?1

Denise Helena P. Laranjeira*


Ana M.F.Teixeira**
Sylvain Bourdon***

INTRODUÇÃO Constatam-se significativas alterações nos


conteúdos do trabalho e nas exigências por perfis
A partir da década de 80, as análises sobre o profissionais, enquanto cresce o número de traba-
trabalho se desenvolveram de modo significativo, lhadores qualificados desempregados. Ampliam-se
seja no âmbito da construção teórica, seja nos re- as exigências por trabalhadores mais escolarizados
cortes temáticos das análises e pesquisas. Nesse e qualificados. Por outro lado, padrões mais eleva-
cenário, os nexos entre juventude, trabalho e edu- dos de escolarização e qualificação deixaram de
cação ganharam especial relevância, colocando em implicar garantias de inserção, ascensão e estabili-

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destaque o debate em torno da educação para o tra- dade socioprofissional, mesmo que, simultaneamen-
balho e da inserção sociopro-fissional. Esse debate te, sejam considerados como requisitos básicos para
ganha evidência quanto mais se aprofunda a crise melhores condições de competitividade e
do trabalho assalariado que marca o final do século empregabilidade no mercado de trabalho.
XX e a transição para o século XXI (Castel, 1999). A educação e a inserção socioprofissional
deslocam-se do campo da política pública para o
* Professor-Doutor da Universidade Estadual de Feira de
Santana. Av. Universitária, s/n - Km 03 da BR 116 - campo da assistência e das estratégias de combate
Campus Universitário. Cep: 44031-460 - Feira de Santana
- BA - Brasil. Fone:(75) 3224-8246/8084. à pobreza (Leher, 1998). A responsabilidade tran-
denise. laranjeira@terra.com.br sita do campo sociopolítico para o campo indivi-
** Professor-Doutor da Universidade Federal de Sergipe.
Cidade Universitária. Jardim Rosa Elze s/n. São Cristó- dual: os indivíduos devem, por si mesmos, torna-
vão - SE. Cep: 49.100-000. Tel: (79) 2105-6757.
afteixeira@mageos.com rem-se competitivos e empregáveis. Junte-se a isso
*** Professor-Doutor da Université de Sherbrooke - Faculté a visível redução do papel do Estado no âmbito
d’éducation. 2500, Boulevard Université. Sherbrooke (Québec)
Canadá. J1K 2R1. sylvain.bourdon@usherbrooke.ca das políticas sociais, notadamente na educação. A
1
Agradecemos à Associação de Moradores do Bairro de combinação desses elementos impõe um vasto con-
Plataforma em Salvador e a todos os jovens e educado-
res que contribuíram com a pesquisa. junto de desafios à sociedade, atingindo direta-

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mente aqueles que vivem do trabalho2 e, particu- de mostra-se atemorizante. Concentra-se nessa re-
larmente, a população jovem. gião do país 31,9% dos jovens, cerca de 10,9 mi-
Ao nos referirmos à questão do emprego de lhões. É no Nordeste também que se encontra a
jovens, a acelerada globalização do mundo e os pior taxa de remuneração dos jovens de todo o
avanços tecnológicos oferecem novas oportunida- Brasil: 94,1% ganham até meio salário mínimo.
des de trabalho produtivo. Entretanto, para mui- Apenas 21,2% dos jovens de 15 a 19 anos da região
tos jovens, essas tendências apenas ampliam sua estão matriculados no ensino médio (Lassance, 2005).
vulnerabilidade. Estima-se que, mundialmente, Se observarmos os dados da PED 2006, notaremos
uma em cada cinco pessoas com idade entre quin- que a maioria dos jovens ocupados não consegue
ze e vinte e quatro anos está desempregada, ou conciliar a formação escolar e a profissional.3
seja, 88 milhões de jovens, que representam mais É nesse panorama que a demanda por mão-
de 40% do total de desempregados. Desses, 85% de-obra mais escolarizada e mais qualificada tem se
encontra-se em países ditos “em desenvolvimen- colocado como uma das exigências da economia
to”. E as perspectivas de melhoria não são anima- mundial e, desde a década de 1980, esse processo
doras, diante do prognóstico que aponta para a se faz acompanhar pela intensiva eliminação de
entrada de 660 milhões de jovens no mercado de postos de trabalho. Outros fatores considerados
trabalho nos próximos dez anos. A dúvida que se pelos estudiosos, como a redução do papel do Es-
coloca é se haverá oportunidades de emprego sufi- tado nas áreas sociais (a educação é um exemplo), a
cientes para essa força de trabalho e se os empre- reestruturação do trabalho, o desemprego estrutu-
gos seriam regulares considerando que cerca de ral e o aumento do emprego informal vieram afetar
93% dos empregos disponíveis para esse grupo dramaticamente a juventude dos setores mais em-
populacional caracteriza-se pela vinculação à eco- pobrecidos da sociedade. Certamente, os reflexos
nomia informal e baixa remuneração (OIT, 2005). produzidos a partir da articulação desses fatores
A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), mostram-se mais perversos nos países de econo-
realizada pelo Departamento Intersindical de Esta- mia periférica, tal como é o caso do Brasil.
tística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) em O problema é complexo e suscita diferentes
2006, no Distrito Federal e em cinco regiões metro- possibilidades de análise em que se entrecruzam
politanas - São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizon- desigualdade social, origem de classe e discrimi-
te, Recife e Salvador –, registrou a existência de nação étnica.
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6,5 milhões de jovens entre dezesseis e vinte e À luz dessas considerações, a educação é
quatro anos. Foram identificados 3,2 milhões de fator estratégico na inserção socioprofissional do
desempregados entre a população ativa, sendo, des- jovem, tanto nos países ricos quanto pobres (Delors,
se total, 1,5 milhão de jovens de até vinte e quatro 1996; Escot, 1999). Entretanto, “tensão e
anos. A condição dos jovens era ainda pior em descontinuidade” caracterizam o percurso escolar
Salvador e Recife, com taxas superiores a 40%. da maioria dos jovens das classes desfavorecidas
Esse indicador evidencia as maiores dificuldades (Spósito, 1994). As lacunas no ensino, associadas
enfrentadas pelos jovens nordestinos na busca de a outras no plano dos direitos sociais e políticos
uma oportunidade ocupacional. A expressiva pre- na esfera nacional e local (Salvador), o caráter dual
sença juvenil na força produtiva urbana traz, por- do financiamento da educação (público e priva-
tanto, novos desafios aos que tentam formular so- do), evidenciado no fortalecimento do binômio
luções para o mercado de trabalho nacional. educação pública e baixos padrões de qualidade,
Quando focalizamos o Nordeste, a realida- 3
No Brasil, segundo Pochmann (2006), 34% dos jovens
de 15 a 17 anos estão matriculados no ensino médio,
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para 85% no Chile, na mesma faixa etária. “Os jovens de
Para o aprofundamento das formulações relativas à no- 15 a 24 anos são mais de 34 milhões, e metade não
ção de “classe que vive do trabalho” ver Antunes, 1995 estuda. Dos 17 milhões que estudam, um terço, ou 5,6
e 1999. milhões, está fora da série devida”.

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são alguns dos elementos que contribuem para e, particularmente, como se tecem as representa-
aprofundar as desigualdades na formação profis- ções sobre educação não-formal (ENF) como meio
sional dos jovens dos setores mais pobres da soci- de inserção socioprofissional.
edade (Charlot, 2000; Freire, 2002; Kuenzer, 2000).
Trata-se, ademais, de um quadro em que o Estado
brasileiro se exime de cumprir o seu papel no cam- BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE AS
po social, favorecendo a multiplicação de inter- CATEGORIAS DE ANÁLISE: educação não-
venções educativas não-formais em diferentes es- formal, inserção socioprofissional e juventude
paços paralelos à escola (Castro; Abramovay, 1998;
Gohn, 1999; Torres, 1990). Apesar da extensão e profundidade dos
Examinada a experiência educacional problemas sociais que afetam a juventude na soci-
vivenciada pelos setores empobrecidos da socie- edade brasileira, a carência de estudos pautados
dade, moradores, em geral de áreas onde os equi- nas representações formuladas pelos sujeitos di-
pamentos urbanos são inexistentes ou insuficien- retamente envolvidos é flagrante, e aprofundam-
tes, evidenciam-se o abandono e a repetência esco- se quando o foco são as experiências de educação
lar que acentua a distorção idade-série, tão comum não-formal. Spósito (2000) assinala a necessidade
entre os jovens pobres e negros. O percurso esco- de intensificação dos estudos e pesquisas que es-
lar da maioria desses jovens encontra-se tabeleçam as interfaces entre as temáticas: juven-
continuadamente submetido à experiência do “eter- tude, etnia e experiências não-escolares. Desse
no retorno” à escola, ou simplesmente à exclusão modo, as categorias educação não-formal e inser-
do sistema público de educação (Spósito, 1994). ção socioprofissional ganham centralidade neste
Junte-se a isso o ingresso precoce no mercado de trabalho, sobretudo quando a opção metodológica
trabalho, o mercado informal, a baixa remunera- privilegia o aspecto qualitativo.
ção e a discriminação étnica, alguns dos obstácu- Segundo Delors (1996), as diferenças
los para a inserção socioprofissional desses jovens conceituais entre educação formal, não-formal e
(Silva, 2001). Dados de 2005 para a região metro- informal inscrevem-se nos princípios da educa-
politana de Salvador registravam que 89,9% dos ção ao longo da vida, como entende a Unesco.
desempregados eram constituídos de negros e Comumente, a educação formal está vinculada ao
10,1% de brancos (SEI, 2005). poder público e implica freqüência obrigatória,

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Assim, num cenário em que o Estado brasi- emissão de diploma e outros regulamentos; a edu-
leiro desobriga-se de seu papel no campo social, cação não-formal vincula-se às atividades pedagó-
trata-se de discutir limites e possibilidades da edu- gicas estruturadas e desenvolvidas nos meios não-
cação não-formal no processo de inserção escolares, favorecendo a participação na coletivi-
socioprofissional de jovens, como aqueles que vi- dade, pois é na ação e na perspectiva comunitária
vem em Plataforma, bairro do subúrbio ferroviário que a formação se realiza. Por outro lado, a educa-
de Salvador, marcado pelo contraste entre a beleza ção informal remete a atividades realizadas sob
geográfica e a típica pobreza estigmatizante dos contextos diversos (rua, casa, partido político, tra-
bairros “periféricos”. Foi nesse terreno, carregado balho, etc.), sem que a finalidade central seja a
de contradições, que se desenvolveu a pesquisa. aprendizagem (Escot, 1999).
Destacam-se, portanto, alguns aspectos que, No que se refere à educação não-formal, a
ao se complementarem, orientaram as análises, são diversidade de seu agenciamento e objetivos refle-
eles: o que significa, para esses sujeitos, “ser jo- te-se num debate carregado de nuances (Gohn,
vem”. De que maneira, nesse campo de significa- 1999; Torres, 1990). Para alguns estudiosos, a fi-
dos, se constitui a relação com a escola formal, nalidade principal da ENF é a transformação da
com o (não) trabalho, com o universo sociocultural sociedade para torná-la mais justa e igualitária,

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processo em que os contextos político e provocado sobre a inserção dos jovens, especial-
socioeconômico, bem como os códigos culturais, mente nos setores mais pobres e menos
são elementos cruciais na construção do saber escolarizados. Aqui o elemento étnico emerge como
(Freire, 2002; Narang, 1992). um dos fatores mais restritivos à integração desses
Nessa perspectiva, a ENF procura respon- indivíduos na sociedade.
der às necessidades educativas, sociais e econô- A situação de risco social a que essas popu-
micas de uma população pobre e constituída, lações estão submetidas se amplia consideravelmente
notadamente, de jovens e adultos de países po- diante da visível ineficiência do Estado frente ao
bres e ricos (Torres, 1990; Bélisle, 2001; Delors, combate às desigualdades. Cada vez mais os indiví-
1996; Escot, 1999; Gohn, 1999; Narang, 1992). Sob duos são obrigados a assumir isoladamente o ônus
vários aspectos, essas experiências pedagógicas, desses riscos que se reproduzem e se aprofundam
desenvolvidas fora do contexto formal, se institu- dentro da lógica de desenvolvimento em curso no
em como alternativas de integração para uma po- mundo capitalista (Castel, 1999). Trata-se de um
pulação em situação socialmente vulnerável, para cenário em que a construção de alternativas tende a
a qual a conquista e valorização da confiança em si se estruturar de forma individualizada, contribuin-
mesma, a autonomia pessoal e a solidariedade res- do para a difusão de uma “cultura da violência”,
saltam a dimensão comunitária e emancipatória da que atinge diretamente os jovens dos bairros perifé-
ENF, tal como defendida por Narang (1992) e Freire ricos dos grandes centros urbanos, tal como ocorre
(1992). Portanto, o papel do Estado e da sociedade com os jovens do bairro de Plataforma na cidade de
civil é fundamental para dar maior significado a Salvador (Espinheira, 2003).
tais práticas. A implementação de políticas públi- Para Roulleau-Berger (1993) e Spósito
cas, a exemplo da distribuição de renda e da gera- (2000), diante do vazio produzido pela omissão
ção de empregos, são cruciais e não se descolam do Estado, outras esferas fora das instâncias
desses compromissos (Castel, 1999; Deniger, 1996). institucionalizadas passam a concorrer para a so-
Num quadro de fluidez e intermitência pre- cialização e processos de inserção dos jovens no
sentes nas formas institucionalizadas de inserção espaço urbano em geral. Nesse circuito não-
a que são submetidas essas populações, as inter- institucionalizado, as redes de solidariedade e de
venções socioeducativas se apresentam no âmbito sociabilidade são construídas individual e coleti-
cultural, artístico, associativo e (ou) voluntário vamente no contexto urbano.
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(Roulleau-Berger, 1993; Spósito, 1994, 2000). A Essas formas alternativas de inserção, a


formação para além do espaço escolar, por ser despeito da descontinuidade dos programas, das
propiciadora do engajamento juvenil, necessita ser restrições de ordem financeira e de tantas outras
mais bem conhecida sob a ótica dos próprios jo- limitações e ambigüidades, sensibilizam a juven-
vens que participam dessas experiências. tude e favorecem a construção de elos identitários
Por outro lado, no que diz respeito ao debate e as (re) definições das identidades juvenis
sobre inserção socioprofissional, é importante assi- (Roulleau-Berger, 1993; Souza, 2006; Spósito, 1994,
nalar, primeiramente, seu caráter multirreferencial. 2000). Portanto, as expectativas dos jovens em re-
Segundo Jellab (1997), a inserção socioprofissional lação ao mundo do trabalho, suas representações
pode estar tanto associada às trajetórias de vida, às sobre esse campo a partir das experiências vividas
dinâmicas pessoais e psicológicas, ao campo pro- na escola e na educação não-formal são elementos
fissional, aos processos de reinserção e mesmo à cruciais à questão da inserção socioprofissional.
dimensão mais global da inserção. É importante ainda levar em conta que o
Ao mesmo tempo, Almeida (2001) e Castel conjunto de questões apontadas acima tem como
(1999) observam os impactos que o declínio e a referência a categoria juventude. Na literatura in-
precarização do trabalho, nas últimas décadas, têm ternacional (Bourdieu, 1980; Bourdon, 2001;

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Galland, 1991) e nacional (Spósito, 1994, 2000), a semidirigida e o diário de campo. As contribui-
definição de juventude está vinculada à noção de ções de Becker (2000) e Roulleau-Berger (1993) se
“indeterminação”, nessa fase de transição. O aces- apresentaram como perspectivas adequadas para
so, não “automático”, para a “vida adulta” está re- esta investigação de inspiração etnográfica, reali-
lacionado à precariedade das relações de trabalho zada no meio natural, onde os processos interativos
e à instabilidade do emprego, sobretudo a partir cotidianos são valorizados pelo pesquisador.
dos anos 1980. Esse contexto terá influência De outro modo, a compreensão sobre as re-
marcante na ampliação da faixa etária referida à presentações que os jovens constroem a propósito
população jovem, tendência inicialmente observa- das suas trajetórias no contexto em que vivem –
da entre os estudiosos europeus e, mais recente- Plataforma, bairro do subúrbio ferroviário de Sal-
mente, entre pesquisadores brasileiros e asiáticos. vador –, como eles se vêem a si próprios e o mun-
A imprecisão do conceito de juventude, na do a seu redor, exigiu que as experiências e os
realidade brasileira, pode ser ilustrada pelo para- sentimentos (inter) pessoais, elementos subjetivos
doxo apontado por Spósito (2000). De um lado, o essenciais, fossem observados e interpretados
prolongamento da faixa etária para vinte e nove (Bogdan; Biklen, 1994; Roulleau-Berger, 1993).
anos, frente ao adiamento da inserção no mundo Interpretações que não se esgotam, ou, como diz
do trabalho, e, de outro, a inserção precoce (sobre- Pais (2006), não atingem “um ponto de saciedade”,
tudo na América Latina) no mercado de trabalho pois os próprios leitores exercem o papel de intér-
em busca do acesso aos bens de consumo, fator pretes (p. 25)
decisivo na integração do jovem em seu grupo so- Os temas abordados entre os jovens trata-
cial; e (ou) ainda, de maneira significativa, nos se- ram da motivação, da experiência escolar, da apren-
tores mais empobrecidos da sociedade, frente à ne- dizagem, dos reflexos pessoais e sociais das expe-
cessidade de contribuir no orçamento familiar. riências na educação não-formal e dos projetos de
Diante dessa imprecisão e, conseqüentemen- futuro.
te, das ambigüidades que o termo “juventude” Foram entrevistados dez jovens entre
comporta, optou-se aqui por denominar os parti- dezessete e vinte e seis anos de idade (quatro ho-
cipantes da pesquisa como jovens adultos. Isso mens e seis mulheres), em sua maioria negros, que
porque os princípios de autonomia e responsabi- freqüentavam as oficinas de teatro, de eletricidade
lidade são inerentes à inserção do jovem no mun- e o Programa Agente Jovem na Associação de Mo-

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do adulto ou condição para a ultrapassagem da radores Chico Mendes (nome fictício).4 Um mem-
menoridade (Bourdon, 2001). Ele se constitui como bro da diretoria da Associação, uma professora de
sujeito de direitos de pertencimento à cidade, por- teatro e um padre da paróquia local também parti-
tador de subjetividade, necessidades e desejos que ciparam da pesquisa, o que favoreceu a triangulação
lhe são próprios. O ser jovem, de fato, é uma cons-
trução social, como reconheceu Bourdieu (1980). 4
As três oficinas possuem características particulares a
Sob circunstâncias psicossociais, culturais e eco- serem explicitadas. A de teatro nasce de um programa de
extensão da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
nômicas, materializa-se então o estado adulto ou a Inexistem certificação e procedimento seletivo. Essa ofi-
cina tem por objetivo formar jovens no domínio das
maioridade. artes cênicas; formar multiplicadores nos projetos de
arte e educação nos bairros populares. A oficina de ele-
tricidade é ofertada pela paróquia local, em convênio
com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI). Existem certificação e processo seletivo. Tem
OS CAMINHOS E O CAMPO DA PESQUISA por objetivo oferecer uma formação profissional e trans-
mitir princípios de cidadania. E, por fim, o programa do
governo federal Agente Jovem, que reúne jovens “em
A abordagem metodológica correspondeu a situação de risco social”, cujas famílias devem compro-
var estado de pobreza. Os jovens recebem uma bolsa de
uma pesquisa de natureza qualitativa descritiva e estudo. Entre seus objetivos estão a preparação dos jo-
vens para o mercado de trabalho e a sua inserção nas
exploratória, na qual foram utilizadas a entrevista atividades sociais de sua comunidade.

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das fontes e o suporte para a análise. Eles trouxe- os separa da “Cidade Alta”,5 símbolo da socieda-
ram informações sobre a realidade cotidiana dos de “integrada”, amplia as dificuldades para a in-
jovens do ponto de vista da família, da escola, do serção socioprofissional (Becker, 2000; Elias;
bairro, da associação de moradores e do trabalho. Scotson, 2001). Enfim, uma estrutura física que os
Por motivos éticos e já esperados nos trabalhos des- aliena da sociedade urbana contemporânea, o que
sa natureza, os participantes são designados por vem reforçar os déficits de integração (Castel, 1999).
nomes fictícios. Essa compreensão da realidade se eviden-
Os objetivos da pesquisa e a natureza dos cia na fala de vários jovens:
instrumentos adotados nortearam a adoção da aná-
lise de conteúdo temático (Bardin, 1977). As en- Ser jovem é não ter acesso a uma série de coisas
[...] É você estar consciente que pode ser vítima
trevistas e os dados oriundos do diário de campo de violência, você não tem proteção [...] (Soraia,
foram organizados, categorizados e tematizados, 17 anos).
Não tem um cinema no bairro. O Multiplex6 cus-
possibilitando a interseção das fontes. ta R$15,00; para quem vive no subúrbio os pais
Tal como já assinalado, o campo de pesqui- não podem pagar [...] (Yara, 26 anos).
É chato. É cair no pagode aos domingos [...] É ser
sa esteve centrado no bairro de Plataforma, subúr- um jovem alienado[..] (Narciso, 26 anos).
bio ferroviário da cidade de Salvador. O bairro foi
constituído como Vila Operária na segunda meta- Narciso,7 único dos entrevistados que mora
de do século XIX, a partir da inauguração da via só, faz uma reflexão ilustrativa da condição difícil
férrea e instalação de uma fábrica têxtil, hoje de subsistência numa cidade onde a cidadania é
desativada e em ruínas. Bairro antigo, periférico e ainda uma quimera para eles. Sob seus ombros e
estigmatizado pela pobreza, suas ocupações pre- céus, a responsabilidade de encontrar meios para
dominantes refletem a precariedade das condições sua existência não apenas material, como enfatiza,
de moradia, de saúde, de educação, de lazer, de expondo seus desejos:
cultura e de trabalho, acentuando tanto o empo-
brecimento quanto o agravamento da violência. A Sou eu comigo mesmo. Deus, eu e minhas neces-
sidades. Elas vão além de existir e comer. Eu tam-
pesca artesanal, o trabalho doméstico, o comércio bém tenho minhas fantasias: gastar com cosmé-
de rua são as possibilidades de sobrevivência de ticos [...] ir a uma festa, ir ao cinema, ir à praia
[...] ao porto da Barra [...].
homens e mulheres.
Em Plataforma, o foco da pesquisa voltou-se
Ao mesmo tempo, os jovens reivindicam a
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para o trabalho realizado pela Associação de Mora-


reabertura do Cine-Teatro, criado pelo Círculo
dores “Chico Mendes” — fundada em 1977 —, pi-
Operário nos anos de 1950, um dos símbolos do
oneira na oferta de cursos de iniciação profissional
passado industrial de Plataforma.
no bairro e referência entre os moradores como rede
Violência e drogas também compõem o co-
de apoio para a população trabalhadora.
tidiano. Jovens negros e pobres excluídos do tra-
balho e da escola, moradores do subúrbio de Sal-
vador, são, de fato, as vítimas privilegiadas da vio-
JUVENTUDE EM PLATAFORMA: “é ser um
lência, tal como assinala Ribeiro (2000). O con-
jovem alienado”
traste entre as estatísticas de violência entre os bair-
5
Falha geológica que divide a cidade de Salvador entre
De um modo geral, a análise dos depoimen- “Cidade Alta” e “Cidade Baixa”. Esta divisão, ao longo do
tempo, ganhou sentido sociológico (N. da E.).
tos, quando abordada a questão de “ser jovem”, 6
Conjunto de salas de cinema instaladas em um dos prin-
revela a imagem de abandono do lugar em que vi- cipais shoppings de Salvador.
7
vem, acusando uma ordem socioeconômica desi- Trata-se de um autodidata na língua inglesa, o que foi
possível a partir de seu interesse e curiosidade diante das
gual. A precariedade dos equipamentos urbanos, letras de músicas interpretadas por Madonna, bem como
de suas andanças pelo Centro Histórico de Salvador, onde
aliada às barreiras econômica, social e cultural que pôde exercitar a língua com turistas estrangeiros.

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ros “nobres” e os “periféricos” de Salvador pode vira ou vamos terminar no trabalho doméstico,
como lavadeira não assalariada (Inaiá, 19 anos).
ser observado tomando como referência a Barra,8 A escola pública é difícil de contribuir para o
um dos bairros mais citados pelos jovens adultos mercado de trabalho porque tem cursos sem pro-
fessor, não tem livros [...]. O professor, ele mesmo
entrevistados como uma antítese a Plataforma. pensa que como é escola púbica, ele pode ensi-
Ser morador da “Cidade Baixa” significa não nar de qualquer jeito. Como pode nos preparar
para o trabalho? [...] (Pagu, 18 anos)
ser reconhecido, isto é, não ser cidadão – em ou-
tras palavras, viver a marca da segregação urbana. A confirmação dos estigmas citados está re-
Como nota Rolnik (2001), as cidades latino-ameri- gistrada na fala do único jovem que difere dos
canas expandiram-se sob a lógica da exclusão e demais pela cor branca de sua pele e pelo nível de
com o aval do poder público. Assim, a configura- escolaridade da mãe (ensino médio completo). Para
ção da cidade de Salvador seguiu essa mesma ló- ele, as dificuldades de emprego não estavam rela-
gica, favorecendo a estigmatização dos moradores cionadas aos seus atributos pessoais e lugar de
pobres, e seu enquadramento nas classes perigo- moradia, mas à ausência de ofertas de emprego no
sas (Espinheira, 2003, p. 75). subúrbio, distintamente de outros bairros mais
centrais de Salvador.
A polaridade subúrbio ferroviário e Cidade
Não temos vagas: o (não) trabalho Alta, tão evidente no imaginário dos jovens, tra-
duz a segmentação socioprofissional e cultural
As dificuldades em atender às exigências (Kuenzer, 2000; Spósito, 2000). As políticas pú-
em relação à escolaridade, à qualificação e à expe- blicas não reconhecem os jovens como sujeitos de
riência são explicitadas pelos jovens. Além do direito ao lazer, ao trabalho, à educação, etc. É no
preconceito de cor e aparência, os estigmas se es- contexto dessa ausência de reconhecimento que
tendem ao local de moradia, à violência, às drogas os jovens vão construir a representação de si mes-
e à pobreza. Ademais, a experiência da escola pú- mos no espaço urbano.
blica parece não contribuir para a inserção no mer- É unânime, entre os jovens, o desejo de
cado de trabalho. A violência dessas experiências obter uma inserção profissional, seja por meio de
emerge com força nos depoimentos: um estágio, seja no trabalho formal e (ou)
associativo. Apesar de todos os obstáculos exis-
Eles querem gente bonita para expor na vitrine, tentes, ao fim do trabalho de campo, pôde-se ob-
os modelos estipulados pela TV. O modelo deli-

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cado, branco [...] conforme certas empresas [lo- servar uma dinâmica diferenciada em suas trajetó-
jas do shopping] [...] (Narciso 26 anos).
rias, a exemplo da inserção nas atividades de está-
Aqueles (jovens) que têm uma boa introdução
(inseridos socialmente), brancos, de classe mé- gio remunerado; no trabalho associativo; no mer-
dia alta, morando em lugar bem visto não encon- cado formal, no campo da saúde. Entretanto, a
tram dificuldades quando procuram emprego
(Pedro, 17 anos). inserção inconstante e precária, com baixa e incer-
Hoje a escola não te prepara, porque antes você ta remuneração, permanece como situação comum
fazia contabilidade, desenho, tinha mais conhe-
cimento (refere-se ao antigo ensino técnico entre os jovens adultos entrevistados.9
profissionalizante no ensino médio) Hoje só se Portanto, não é sem fundamentos que a de-
fala em formação geral [...] Com ela dá pra traba-
lhar como vendedor ou lixeiro (Gabriel, 19 anos). silusão diante do destino socioprofissional foi re-
[...] as pessoas no último ano (ensino médio) não
sabem escrever corretamente [...] Ou a gente se 9
É reveladora a fala de Dione, uma das responsáveis pela
oficina de teatro, ao se referir a dois jovens que participa-
vam de modo bastante irregular das atividades ocorridas
na Associação. Ela relata que, em certos dias, um deles
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Localizado na Cidade Alta, representa um dos marcos trabalha numa oficina mecânica, noutro dia transporta
históricos e turísticos de Salvador. Praias apropriadas para pedras, em outro está limpando muros ou ainda vai pes-
banho, hotéis, clubes, restaurantes, hospitais, ruas pavi- car, e assim vai sobrevivendo. O outro, que também faz
mentadas e iluminadas, transporte coletivo etc., configu- bijuterias, às vezes trabalha como garçom, outras, como
ram o lugar privilegiado do ponto de vista das políticas vendedor de loja ou ainda, no verão, vai fazer tatuagens
públicas, se comparado com os bairros populares. na praia. Enfim, restam-lhes os “pequenos bicos”.

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gistrada com freqüência (Bourdieu, 2001; Galland, OS DESAFIOS E LIMITES DA EDUCAÇÃO


1991). Os efeitos desse desencantamento podem NÃO-FORMAL
também provocar o sentimento de impotência e con-
formismo frente a uma situação que lhes parece A representação dos jovens sobre a escola
intransponível. Tanto para certos jovens contatados pública foi fundamental para compreender suas
como para outros entrevistados, o conformismo, a representações sobre a ENF. Os entrevistados re-
acomodação e o sentimento de impotência seriam velaram os aspectos positivos de suas experiênci-
característicos na juventude do bairro. as nas oficinas, demonstrando que a ENF ocupa
um espaço singular em suas trajetórias de vida.
As transformações, no campo das relações
“Eu vou me formar em quê?” sociais e nas atitudes em relação a si mesmos, pa-
recem ter composto um repertório significativo
A experiência da escola pública aparece inú- nesse percurso de vida, voltado para a busca de
meras vezes na fala dos jovens que participaram autonomia e reconhecimento pessoal e social. Atra-
da pesquisa: todos são ex-estudantes ou ainda vés da participação nas oficinas, a ENF parece ter
permanecem freqüentando seus cursos regulares. se constituído para os jovens adultos como espa-
Constata-se que o acesso à educação formal ço de reencontro com a aprendizagem e de prote-
não traduz, por si só, a inserção social e profissio- ção e proximidade, num cenário de pobreza e ris-
nal dos jovens (Pochmann, 2003). Contraditoria- co social (Castel, 1999).
mente, segundo Kuenzer (2000), a educação for- A influência positiva da ENF na sociabili-
mal acaba por reafirmar a segmentação sociocultural dade, como apoio ao desenvolvimento pessoal, é
e profissional. Segundo os depoimentos, a escola um outro aspecto positivo apontado pelos jovens.
pública e sua prática pedagógica estão distantes de O desafio de saber ser, tal como assinalado em uma
seus interesses e de seu cotidiano. Trata-se de uma das entrevistas, emerge como uma contribuição
escola que não os escuta em suas demandas, não central das oficinas.
os mobiliza e não os habilita profissionalmente.
Cada vez mais eu compreendo melhor as coisas,
o cotidiano. Eu desenvolvi, nesta experiência, o
Eu vou me formar em quê? Formação geral de escutar o outro, e agora compreendo melhor o
quê? O governo pensa que o jovem é besta, idiota que uma pessoa me diz [...] (Moema, 20 anos).
em relação à escola? Não interessa que o jovem
saiba e aprenda alguma coisa, mas que passe rá-
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pido de ano [...] eu saio do colégio sem saber nada Os jovens percebem-se como sujeitos que
(Moema, 20 anos)
Cada vez mais os jovens são menos preparados ocupam um lugar no grupo. Nesse quadro, en-
para o mercado de trabalho [...] o governo não se contra-se a idéia do engajamento produzida pela
preocupa muito com os jovens de hoje como se
não soubesse que os jovens de hoje são o futuro de aprendizagem dialógica e pela ação, tal como nos
amanhã (Yara, 26 anos) assinala Freire (2002). A possibilidade de sair da
invisibilidade, de criar novas sociabilidades em
Como notam Abramo (2000); Almeida (2001) bases mais solidárias depreende-se do elo
e Deniger (1996), Estado e sociedade responsabili- integrador com o outro e com o meio. Diferente-
zam o indivíduo pelo fracasso, dissimulando a na- mente do que ocorre na experiência escolar, “se-
tureza política dos problemas nessa esfera. Com efei- dução” e “prazer” são associados às oficinas. A
to, o jovem sente-se responsável por seu fracasso, aprendizagem motiva, porque possui uma signifi-
da mesma maneira que o êxito socioprofissional é cação para o jovem, e integra-se à vida cotidiana,
atribuído ao próprio indivíduo. favorecendo a confiança em si e a esperança. É ai
que se verifica a valorização identitária em sua di-
mensão étnica e social, espaço em que os estigmas

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de inferioridade podem ser reduzidos. Quanto à educação profissional, a oficina


Não considerar os jovens como vítimas, mas, de eletricidade possibilitou um tipo de formação
acima de tudo, como sujeitos responsáveis, foi um diferenciada, viabilizando o acesso a conhecimen-
dos elementos que contribuiu para o engajamento. tos técnico-científicos sintonizados com certas de-
A ampliação dos espaços ocupados para além do mandas do mercado de trabalho, tais como
bairro, da família, significou redimensionar o hori- informática e eletroeletrônica. Além disso, as au-
zonte social em novas incursões que parecem favo- las práticas ocorrem nas oficinas do Serviço Naci-
recer o fortalecimento da identidade pessoal e soci- onal da Indústria – SENAI, identificado como
al em direção a autoconfiança e a estima de si mes- importante formador de mão-de-obra.
mo, frente às imagens estigmatizantes do bairro e No que se refere ao Programa Agente Jovem,
deles próprios (Zaluar, 1994; Espinheira, 2003). iniciativa ligada ao governo federal, o viés com-
pensatório parece predominar, mesmo que os en-
volvidos tenham direito a auxílio financeiro e que
PALAVRAS FINAIS se observe uma melhora na auto-estima. Outro as-
pecto é a reprodução de práticas da escola tradici-
A análise do conjunto dos temas tratados onal tanto como recurso para manter a disciplina,
durante as entrevistas revelou a maneira como os tanto como demanda de alguns jovens. Destaca-se
jovens falam de si mesmos em expressões recor- a falta de uma formação profissional mais específi-
rentes que compõem o retrato do “jovem da Cida- ca e práticas de aprendizagem sistematizadas, que
de Baixa”, “o jovem do subúrbio”. Os jovens adul- permitiriam desenvolver as habilidades de leitura
tos de Plataforma se percebem inferiores pelo olhar e escrita. É fundamental, portanto, assinalar que a
do outro que denuncia o estereótipo negativo de ENF isoladamente não assegura as condições de
“marginal”. plena integração social. Resta a fragilidade e mes-
Ao longo do tempo, a auto-estima, a digni- mo a inexistência de políticas públicas capazes de
dade e o amor próprio vão sendo corroídos diante contribuir na superação do estado de forte
dos símbolos de inferioridade e pelas imagens co- vulnerabilidade do jovem (Castel, 1999; Jellab,
letivas de caráter negativo, difundidos pelos gru- 1997; Torres, 1990).
pos sociais identificados como superiores (Elias; Diferentemente de países europeus e da
Scotson, 2001). Resistir e superar os estigmas são América do Norte (Canadá e Estados Unidos), no

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tarefas das mais diversas ordens, numa lógica em Brasil a implementação de políticas públicas espe-
que as desigualdades sociais e econômicas se cíficas e conseqüentes para a juventude encontra-
aprofundam. se em sua fase embrionária. Os programas gover-
O diferencial entre a escola pública e a edu- namentais mais recentes, que objetivam inserir
cação não-formal sustentou-se nas práticas e profissionalmente jovens oriundos dos setores
interações tecidas nas oficinas. Dentre elas, eviden- populares, até o momento não registram impactos
ciou-se a força da oficina de teatro em sua interação qualitativos positivos frente à grave situação de
com o aspecto comunitário. Além de integrar os jo- desemprego que afeta a população juvenil, parti-
vens ao mundo da arte, a natureza política e peda- cularmente, quando se trata da região Nordeste e
gógica das relações possibilitou uma ação reflexiva subúrbios das grandes cidades, onde se encon-
e de integração consigo próprio e com o outro. As tram os mais altos índices de exclusão de pessoas
múltiplas formas de linguagem no campo artístico e nesta faixa etária.
cultural despertam a curiosidade dos jovens que se Nesse cenário de incerteza quanto à inser-
viram estimulados pelos textos teatrais e a um mai- ção pelo trabalho e a fragilidade do papel da famí-
or empenho frente a conteúdos escolares, tais como lia e da escola na formação identitária do jovem, as
português, literatura, história etc. experiências da ENF parecem representar uma

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CHARLOT, B. A relação ao saber e à escola dos alunos dos


possibilidade de inserção social para a maior parte bairros populares. In: AZEVEDO, J. C; GENTILI, P.; KRUG,
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Esse “novo” tipo de inserção, ainda que pouco
DELORS, J. (Org). La educación encierra un tesoro. In-
visível e intermitente, não poucas vezes se consti- forme a la UNESCO de la Comissión Internacional sobre
la educación para el siglo XXI. Madri: Santillana Ediciones;
tui na única opção de pertencimento encontrada UNESCO, 1996.
pelos jovens adultos. DENIGER, M. A. Crise de la jeunesse et transformations
Seguramente, a multiplicação das experiên- des politiques sociales en contexte de mutation
structurale. Sociologie et Sociétés, [S.l.], v. 28, n. 1, p. 73
cias educacionais não-formais de modo articulado – 88, 1996.
a políticas públicas conseqüentes poderia ampliar ELIAS, N.; SCOTSON, J. L. Logiques d’exclusion. Paris:
Fayard, 2001.
os impactos positivos dessas iniciativas, sobretu-
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do quando os estudos mais recentes apontam que l’éducation non formelle. Paris: Éditions UNESCO, 1999.
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JUVENTUDE, TRABALHO, EDUCAÇÃO: os YOUTH, WORK, EDUCATION: are young LA JEUNESSE, LE TRAVAIL, L’ÉDUCATION:
jovens são o futuro do Brasil? people Brazil’s future? les jeunes sont-ils l’avenir du Brésil?

Denise Helena P. Laranjeira Denise Helena P. Laranjeira Denise Helena P. Laranjeira


Ana M.F.Teixeira Ana M.F.Teixeira Ana M.F.Teixeira
Sylvain Bourdon Sylvain Bourdon Sylvain Bourdon
Este artigo visa a analisar a This paper seeks to analyze Cet article se veut d’analyser
experiência de Educação Não-For- the experience of Non-Formal l’expérience de l’Education Non
mal (ENF) vivenciada por um con- Education (in portuguese, ENF) lived Formelle (ENF) vécue par un
junto de jovens do bairro de Plata- by a group of youths of the Platafor- ensemble de jeunes du quartier de
forma — subúrbio da cidade de Sal- ma neighborhood, suburb of the city Plataforma - banlieue de la ville de
vador. A opção pelo subúrbio de um of Salvador. The option for the suburb Salvador. Le choix de la banlieue
grande centro urbano está apoiada of a great urban center comes from d’un grand centre urbain s’est fait à
nos estudos segundo os quais é espe- studies according to which it is partir d’études selon lesquelles c’est
cialmente nesses cenários que mais especially in those places that the justement dans ces cadres où se con-
se evidencia a ausência do Estado absence of the State is more centre une population jeune
no campo das políticas públicas e evidenced in the area of the public socialement et culturellement
onde se concentra a população jo- policies and where most of the défavorisée que l’absence de l’Etat
vem desfavorecida social e cultural- socially and culturally est la plus évidente en ce qui
mente. Nesses espaços “esquecidos”, underprivileged young population concerne les politiques publiques.
os jovens vivem e enfrentam dife- lives. In those “forgotten” spaces, the C’est dans ces espaces “oubliés” que
rentes estigmas que afetam direta- youths live and face different les jeunes vivent et sont marqués par
mente seu processo de inserção prejudices that directly affect their différents stigmates qui affectent
socioprofissional. process of social and profissional directement leur processus
PALAVRAS-CHAVE: juventude, educação insertion. d’insertion socio professionnelle.
não-formal, inserção socio-profissi- K EYWORD : youth, non-formal MOTS-CLÉS: jeunesse, éducation non

CADERNO CRH, Salvador, v. 20, n. 49, p. 95-105, Jan./Abr. 2007


onal. education, social and profissional formelle, insertion socio
insertion. professionnel.

Denise Helena P. Laranjeira - Doutora em Educação pela Université de Sherbrooke (Québec-Canadá). Atualmen-
te é Professora Adjunta de Sociologia da Educação na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS,
coordenadora do Curso de Especialização em Educação e Pluralidade Sócio Cultural (DEDU-UEFS). É membro
do Núcleo de Pesquisa Trabalho, Tecnologia e Educação (NETTE-UEFS). Linhas de pesquisa: educação, juven-
tude e inserção socioprofissional.

Ana M. F. Teixeira - Doutora em Ciências da Educação pela Université Paris VIII. Professora Adjunta da
Universidade Federal de Sergipe (UFS/CECH/Departamento de Educação). Bolsista de Produtividade de Pes-
quisa da FAPESB e CNPq. Pesquisadora do Grupo Educação e Contemporaneidade.

Sylvain Bourdon - Doutor em Sociologia da Educação pela Université de Montréal. Professor titular na Faculdade
de Educação – Université de Sherbrooke (Québec-Canadá). Diretor da equipe de pesquisa sobre as transições e
aprendizagem (Equipe de Recherche sur les Transitions et l’Apprentissage - ÉRTA). Entre outras publicações
organizou o livro Les jeunes et le travail com Mircea Vultur, em 2007 e coordenou a publicação do livro
Pratiques et apprentissage de l’écrit dans les sociétés éducatives, com Rachel Bélisle, em 2006.

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