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Reproduzido com a gentil permissão do Sr. C. Seshachalam, de Curzon & Co., Madras. Copyright: Curzon & Co.
S.R. Ranganathan
As Cinco Leis da
Biblioteconomia
Do original inglês: The five laws of library science (2. ed. 1963)
Todos os direitos reservados. De acordo com a lei n° 9610, de 19/2/1998, nenhuma parte
deste livro pode ser fotocopiada, gravada, reproduzida ou armazenada num sistema de
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eletrônico ou mecânico sem o prévio consentimento dos autores e do editor.
1. Biblioteconomia I. Título.
2009
Querida Memória
de
Srimati RUKMINI
SUMÁRIO
0 Gênese 1
01 Ingresso na profissão de bibliotecário 1
02 Primeira experiência 1
03 Tendências bibliotecárias 1
04 Método científico 2
05 Enunciado 2
06 Divulgação 3
07 Publicação 4
08 Consequências 5
1 A Primeira Lei 6
11 Princípio fundamental 6
12 Negligência da lei 6
13 Localização da biblioteca 10
14 Horário da biblioteca 15
15 Mobiliário da biblioteca 19
16 Um diálogo 20
17 Pessoal da biblioteca 25
18 Não se enamore dos frutos 49
2 A Segunda Lei e sua luta 50
20 Introdução 50
21 As classes e as massas 51
22 Homens e mulheres 59
23 Os moradores das cidades e os moradores do campo 67
24 O normal e o excepcional 81
25 O coral da biblioteca 86
26 A terra e o mar 87
27 O adulto e a criança 90
28 Democracia ilimitada 92
3 A Segunda Lei e sua digvijaya 94
30 Abrangência 94
vii
viii as cinco leis da biblioteconomia
31 Américas 94
32 África do Sul 105
33 Europa oriental 108
34 Escandinávia 118
35 Europa ocidental 123
36 Oceano Pacífico 130
37 Ásia 131
38 Índia 134
4 A Segunda Lei e suas implicações 138
40 Abrangência 138
41 Compromisso do Estado 138
42 Lei estadual de bibliotecas 152
43 Lei das bibliotecas da União 165
44 Sistema bibliotecário 173
45 Sistema de bibliotecas universitárias 176
46 Compromisso da autoridade responsável
pela biblioteca 177
47 Compromisso do pessoal da biblioteca 180
48 Compromisso do leitor 184
5 A Terceira Lei 189
50 Enunciado 189
51 Sistema de acesso livre 189
52 Arranjo nas estantes 192
53 Catálogo 194
54 Serviço de referência 197
55 Departamentos populares 198
56 Publicidade 199
57 Serviço de extensão 205
58 Seleção de livros 210
6 A Quarta Lei 211
60 Introdução 211
61 Sistema ‘fechado’ 212
62 Arranjo nas estantes 214
63 Sinalização do recinto das estantes 216
64 Entradas no catálogo 220
65 Bibliografia 225
66 Serviço de referência 228
67 Método de empréstimo 230
68 O tempo do pessoal 236
691 Catalogação centralizada 237
692 Localização da biblioteca 241
sumário ix
Bibliografia 317
Índice 326
Levar conhecimento a quem não o tem e ensinar a todos para
que possam discernir o que é certo! Nem mesmo partilhar
toda a Terra seria comparável a esta forma de serviço.
Manu
xi
APRESENTAÇÃO DESTA EDIÇÃO
xiii
xiv as cinco leis da biblioteconomia
Recomendações de leitura
Allen, Ethan. Ranganathan’s third law and collection access at Norica: an assess-
ment. Joumal of Access Services, v. 4, n. 3/4, p. 57-69, 2006.
Atherton, Pauline A. Putting knowledge to work: an American view of Ranganathan’s
five laws of library science. Delhi: Vikas, 1973.
Beffa, Maria Lucia; Napoleone, Luciana Maria. Estruturando a informação para
um sistema virtual centrado no usuário: a avaliação do website do Serviço de
Biblioteca e Documentação da Faculdade de Direito da usp, Brasil. In: Fer-
reira, Sueli Mara Soares Pinto; Savard, Réjean. The virtual customer: a new
paradigm for improving customer relation in libraries and information services, p.
apresentação desta edição xv
49-71. Satellite Meeting, São Paulo, Brazil, August 18-20, 2004. (ifla Publica-
tions, 117)
Binkley, Peter. [As cinco leis da biblioteconomia em latim.] Libri utendi. Omni
libro lector. Omni lectori liber. Otium lectoris servandum. Floreat biblioteca. Dis-
ponível em: <http://www.wallandbinkley.com/quaedam/?s=ranganathan>.
Acesso em: 29/6/2009.
Byron, Suzanne. Preparing to teach in cyberspace: user education in real and
virtual libraries. Reference Librarian, n. 51/52, p. 241-247, 1995.
Campos, Maria Luiza de Almeida. As cinco leis da biblioteconomia e o exercício profis-
sional. Disponível em: <http://www.conexaorio.com/biti/mluiza/index.htm>.
Acesso em: 4/5/2009.
Cana, Mentor. Open source and Ranganathan’s five laws of library science. July
5, 2003. Disponível em: <http://www.kmentor.com/mtcgi/mt-search.cgi?sear
ch=ranganathan&IncludeBlogs=1>. Acesso em: 24/1/2009>.
Caulking, V. Norbert. The five laws of library science of S.R. Ranganathan. Ameri-
can Libraries, v. 16, p. 329, May 1985.
Cloonan, Michèle V.; Dove, John G. Ranganathan online: do digital libraries vio-
late the Third Law? Library Journal, v. 130, n. 6, p. 58-60, Apr. 1, 2005.
Cochrane, Pauline Atherton. Information technology in libraries and Rangana-
than’s five laws of library science. Libri, v. 42, p. 235-242, July/Sept. 1992.
Cossette, André. Humanisme et bibliothèques; essai sur la philosophie de la biblio-
théconomie. Montreal: Association pour l’Avancement des Sciences et des
Techniques de la Documentation (asted), 1976. 69 p.
Croft, Janet Brennan. Changing research patterns and implications for Web page
design: Ranganathan revisited. College & Undergraduate Libraries, v. 8, n. 1, p.
69-77, 2001.
Estes, M.E. Managing information. Trends in Law Library Management & Technology,
v. 7, n. 10, p. 1-3, Oct./Dec. 1996.
Figueiredo, Nice Menezes de. A modernidade das cinco leis de Ranganathan.
Ciência da Informação, Brasília, v. 21, n. 3, p. 186-191, set./dez. 1992.
Foskett, D.J. Ranganathan and ‘user-friendliness’. Libri, v. 42, n. 3, p. 227-234,
Sept. 1992.
Garfield, Eugene. A tribute to S.R. Ranganathan, the father of Indian library sci-
ence. Part 1. Life and works. Current Contents, n. 6, p. 5-12, Feb. 6, 1984. Dis-
ponível em: <http://www.garfield.library.upenn.edu/essays/v7p037y1984.
pdf>. Acesso em: 11/5/2009.
———. A tribute to S.R. Ranganathan, the father of Indian library science. Part 2.
Contribution to Indian and international library science. Current Contents, n.
7, p. 3-7, Feb. 13, 1984. Disponível em: <http://www.garfield.library.upenn.
edu/essays/v7p045y1984.pdf>. Acesso em: 11/5/2009.
Gnoli, Claudio. Il tavolino di Ranganathan. Bibliotime, a. 3, n. 3, nov. 2000. Dis-
ponível em: <http://www2.spbo.uníbo.it/bibliotime/num-iii-3/gnoli.htm>.
Acesso em: 1/7/2009.
Gorman, Michael. Five new laws of librarianship. American Libraries, v. 26, n. 8,
p. 784-785, Sept. 1995.
——— . The five laws of library science: then & now. School Library Journal, v. 44,
n. 7, p. 20-23, July 1998.
xvi as cinco leis da biblioteconomia
Este é um dos livros mais interessantes que li nos últimos anos sobre nossa
profissão. Ele é único, acredito, na medida em que procura pela primeira
vez apresentar um estudo abrangente, feito por um bibliotecário que
tem uma mente inconfundivelmente indiana, e que faz refletir a própria
cultura de seu povo nas teorias básicas da arte da difusão dos livros
como ela é entendida no moderno mundo das bibliotecas. Para quem
é recém-chegado à nossa profissão talvez cause surpresa o tanto que se
pode extrair de algo que, à superfície, parece ser um ofício tão simples,
mas uma leitura atenta das páginas do Sr. Ranganathan propiciará ao
iniciante uma compreensão profunda do tema.
O Sr. Ranganathan está extraordinariamente dotado para a empresa a
que se propôs. Faz alguns anos ele esteve, por um período de tempo,
sob a orientação de professores assistentes da School of Librarianship da
University of London, quando se aproximou particularmente de mim.
Percebi que era homem de notável cultura, muito original em seu modo
de ver, persistente e incapaz de se desviar de suas investigações, e que,
prudentemente, acatava quaisquer sugestões que lhe fossem apresen-
tadas. Não somente assistiu às aulas de biblioteconomia na University
of London, mas estudou intensamente os serviços de bibliotecas de to-
dos os tipos, visitando-as em várias partes do país. Por algum tempo,
estudou diariamente nas bibliotecas públicas de Croydon, onde eu ob-
servava seu trabalho com interesse. Ele examinou os processos de cada
departamento e empregou muito tempo analisando-os e criticando-os.
Ao longo de toda essa jornada, buscava as razões subjacentes a todos os
nossos fazeres.
Não estava interessado somente em livros e bibliotecas, e usou parte
do seu tempo de lazer para examinar os métodos pedagógicos adotados
nas escolas das cidades e as relações destes com as bibliotecas. Seu modo
crítico de ver era tão profundo que ele resolveu partir para a elaboração
de uma nova classificação bibliográfica. Esta classificação, como ele nos
diz mais adiante neste volume, é empregada na biblioteca da universi-
dade de Madras, e em algumas outras bibliotecas da Índia, que começam
a classificar seus acervos.
xxi
xxii as cinco leis da biblioteconomia
ii
* Escola particular mantida pelos pais dos alunos, oriundos, na maioria, das classes privile-
giadas. A escola pública mantida pelo Estado chama-se, no Reino Unido, local school (n.e.).
introdução à primeira edição xxiii
iii
iv
CAPÍTULO 0
GÊNESE
02 Primeira Experiência
Em outubro de 1924, ingressei na School of Librarianship do Univer-
sity College, em Londres. Sua biblioteca era bastante completa, ainda que
pequena. Bastaram uns dois meses para ler os livros do acervo. Depois
dessa bagagem teórica, adquiri alguma experiência prática, trabalhando
nas bibliotecas públicas de Croydon por uns seis meses. Nos seis meses
seguintes, visitei cerca de uma centena de bibliotecas de diferentes tipos.
Os bibliotecários deram-me plena liberdade de observar, fazer perguntas
e conversar. Esta foi a primeira experiência. Foi uma experiência rica.
03 Tendências Bibliotecárias
As bibliotecas encontravam-se em diferentes estágios de desenvolvi-
mento, o que facilitou um estudo comparado das práticas bibliotecárias.
As tendências progressistas eram impressionantes. Mas, as linhas de de-
senvolvimento nos diversos setores da prática biblioteconômica pareciam
desconexas. As conversas com quem trabalhava nesses setores davam-me
a impressão de que cada um trabalhava isolado sem muito contato ou
relação com outros setores. Mesmo quem trabalhava num mesmo setor
não dava muito sinal de trabalho em equipe. Não havia indicação alguma
de que houvesse uma visão de conjunto. Todos esses fatores tendiam a
ocultar a característica comum de tendências que estivessem surgindo
nos diferentes setores. Portanto, o que se via era somente um agregado de
1
2 as cinco leis da biblioteconomia
04 Método Científico
A experiência que eu acumulara em matéria de estudo e pesquisa cien-
tífica gerou uma sensação de revolta contra o ter de guardar na memória e
lidar com uma miríade de informações desconexas e tipos de práticas sem
relação entre si. Será que todos esses agregados empíricos de informações
e práticas não seriam redutíveis a um punhado de princípios fundamen-
tais? Será que não se poderia adotar, neste caso, o processo indutivo?
Não seria possível deduzir, a partir dos princípios fundamentais, todas
as práticas conhecidas? Será que os princípios fundamentais não contêm,
como implicações necessárias, muitas outras práticas que atualmente não
são correntes, nem conhecidas? Não se tornarão tais práticas necessárias
sempre que as condições-limite estabelecidas pela sociedade se modifica-
rem? Estas questões começavam a fremir em minha mente. É claro que
havia a consciência de que o tema a ser estudado pertencia ao campo das
ciências sociais e não ao das ciências naturais. O método científico, porém,
era aplicável igualmente a ambos os campos. A única diferença estava na
posição ocupada pelos princípios fundamentais. Estes constituíam hipó-
teses nas ciências naturais e princípios normativos nas ciências sociais.
Mas o ciclo do método científico era semelhante em ambos os casos. A
pergunta a ser respondida era esta: quais são os princípios normativos a
que aludem as tendências que se observam nas práticas bibliotecárias e
aludem às tendências futuras que atualmente ainda não são muito visíveis?
Isso agitava minha mente desde os primeiros meses de 1925.
05 Enunciado
Depois que voltei à Índia, em julho de 1925, o trabalho extenuante de
organizar e formar a biblioteca da universidade de Madras, praticamente
a partir do zero, afastou esse problema do meu consciente. Os 32 mil volu-
mes da biblioteca tinham que ser classificados e recatalogados; ao mesmo
tempo, era preciso planejar e desenvolver a Classificação dos Dois Pontos
[Colon Classification] e o Código para o Catálogo Sistemático [Classified
Catalogue Code]. Implantou-se o acesso livre às estantes. Não tinha ajuda
no serviço de referência. A publicidade da biblioteca era feita em grande
escala. Como consequência, o comparecimento diário saltou de uns vinte
para duzentos. Os funcionários tinham que ser recrutados e treinados.
Ao mesmo tempo, era preciso redigir um manual de administração de
bibliotecas. As aquisições no ano pularam de mil para seis mil. O projeto
do novo prédio da biblioteca exigia sua parcela de reflexão. A pressão
gênese 3
06 Divulgação
A seguir teve início a divulgação das implicações dessas leis nos diver-
sos setores da prática bibliotecária. Não havia então nenhuma publicação
profissional na Índia dedicada à biblioteconomia. No entanto, alguns anos
antes, eu participara do lançamento da revista mensal South Indian Teacher,
e suas páginas estavam abertas para mim. Para tratar dos problemas da
organização de bibliotecas e do serviço de referência, que tivessem interesse
para o público em geral, o jornal local Hindu prestou-se ao duplo objetivo
de fazer propaganda da biblioteca e liberar minha tensão. Em dezembro
de 1928, a University of Madras convidou-me para proferir uma série de
palestras para professores durante as férias, por ocasião da conferência
provincial de educação, que, naquele ano, foi realizada no Meenakshi
College, em Chidambaram, às vésperas de se transformar na Annamalai
University. Havia cerca de mil professores presentes, muitos deles meus
amigos pessoais. Não poderia ter havido uma plateia com mais afinidade
4 as cinco leis da biblioteconomia
07 Publicação
A Madras Library Association foi fundada em janeiro de 1928 com o
objetivo de promover a criação de um serviço de bibliotecas de alcance
nacional. Cerca de 800 membros a ela se filiaram em pouco tempo. Natu-
ralmente, eram todos amantes de livros e amigos da biblioteca, mas nem
todos pertenciam à profissão de bibliotecário. De fato, mal chegava a dez o
número de profissionais em Madras naqueles tempos. Para atrair o interesse
ativo dos sócios, o presidente, Sr. K.V. Krishnaswamy Ayyer, teve a ideia de
solicitar a alguns que apresentassem trabalhos para um simpósio. Houve
uma boa resposta a essa iniciativa. Os anais do simpósio foram publicados
em 1929 sob o título Library movement: a collection of essays by divers hands.
O ensaio principal foi What makes a library big, de Rabindra Nath Tagore, o
poeta nacional. Em 1930, decidiu-se iniciar uma publicação seriada regular
“sobre os aspectos técnicos e práticos do trabalho bibliotecário”. Percebeu-
-se que seria apropriado começar com um volume que apresentasse uma
gênese 5
08 Consequências
Ao longo dos 25 anos desde a primeira edição, surgiram, no entanto,
duas mudanças fundamentais. Uma foi a generalização do conceito de
‘livro’, acentuado nos anos recentes no vocábulo ‘documentação’. A se-
gunda mudança foi a generalização do termo ‘crescimento’, que ocorreu
em minhas próprias ideias, suscitada enquanto lecionava e trabalhava nos
livros Library development plan (1950) e Library book selection (1953). Além dis-
so, senti a necessidade de responder à pergunta ‘a biblioteconomia é uma
ciência?’ Além disso, o movimento bibliotecário tem feito grandes avanços
em muitos países, inclusive na Índia. Para dar lugar a essas mudanças,
acrescentei um oitavo capítulo, intitulado ‘Método científico, biblioteco-
nomia e a marcha da digvijaya’. Este capítulo é a novidade nesta edição.
12 de agosto de 1956
248 Hofwiesenstrasse, Zurich 57
6 as cinco leis da biblioteconomia
CAPÍTULO 1
A PRIMEIRA LEI
11 Princípio Fundamental
A Primeira Lei da biblioteconomia se assemelha à de qualquer outra
ciência: incorpora um princípio fundamental. Na verdade, é evidente por
si mesma; somos levados a supor que seja trivial. Entretanto, esta é uma
característica invariável de todas as primeiras leis. Vejamos, por exemplo,
a primeira lei de conduta upanixádica* — satyam vada — ‘falar a verdade’.
Assim também é a primeira lei do movimento, de Newton.
111 Enunciado
A Primeira Lei da biblioteconomia é: os livros são para usar. Nin-
guém questionará a correção desta lei. Entretanto, na vida real, a história
é diferente. Os órgãos responsáveis por bibliotecas raramente levaram
esta lei em consideração.
12 Negligência da Lei
Se examinarmos a história de qualquer aspecto da prática bibliotecária,
nela encontraremos inúmeras provas da negligência deplorável com que
esta lei é tratada.
124 Exemplo 1
Um professor de uma faculdade chefiou seu departamento por quase
25 anos. O estudo de sua especialidade, a zoologia, aos poucos foi limitando
8 as cinco leis da biblioteconomia
125 Exemplo 2
A força e a inexorabilidade extraordinárias dessa tendência herdada,
que se interpõe entre os livros e seus usuários, são realçadas por um outro
caso, desta vez com um professor de filosofia. Este era um filósofo não
somente de profissão, mas também pela prática e pelo temperamento. Era
também uma daquelas pessoas que sentiam vontade de ser úteis à comuni-
dade. Uma forma de serviço comunitário que nosso professor de filosofia
decidiu prestar consistia em dar uma oportunidade aos seus vizinhos para
que se instruíssem. Para isso, costumava investir a maior parte de suas
economias em livros. Depois que formou uma boa coleção, construiu uma
bela cabaninha para leitura, a fim de abrigar os livros. Costumava passar a
maior parte do tempo livre nessa cabana, de forma que pudesse emprestar
pessoalmente os livros. Ficou, entretanto, muito desapontado com a total
indiferença dos vizinhos. Por isso, levou-me um dia à cabana para que eu
o aconselhasse. No trajeto, foi ficando cada vez mais eloquente ao falar dos
excelentes livros que comprara para a biblioteca, da deprimente indiferença
das pessoas do lugar com relação ao uso de livros, e assim por diante. A
conversa que se seguiu tão logo entramos na encantadora mas desolada
cabana lançou uma luz profusa sobre a persistência do hábito de preservar,
a primeira lei 9
126 Exemplo 3
Embora estas coisas sejam corriqueiras para nós do século xx, basta
voltar apenas um século para encontrar a forte influência deste costume
de acumulação nas bibliotecas norte-americanas. T.W. Koch, da North-
-Western University, registra uma história significativa, mas típica, de
um bibliotecário da Harvard University. Este “certa vez, tendo terminado
o inventário da biblioteca, foi visto cruzando o campus com um sorriso
particularmente feliz”. Perguntado qual o motivo de seu humor excep-
cionalmente agradável, exclamou orgulhoso, “Todos os livros estão na
biblioteca, menos dois. Agassiz está com eles e vou buscá-los”.
* O autor menciona rupias, mesmo quando se refere a valores monetários de outros países.
Diante da dificuldade de definir uma equivalência atual, em termos de cotação ou de poder
aquisitivo, tanto da rupia quanto de uma moeda-padrão de circulação internacional, foi
mantida nesta tradução a redação original do autor, que data de 1931. (n.e.)
10 as cinco leis da biblioteconomia
13 Localização da Biblioteca
A localização de uma biblioteca pode, em geral, ser tomada como um
índice do grau de confiança que os órgãos responsáveis por bibliotecas
têm na lei os livros são para usar.
131 Exemplo 1
Ocorreu-me visitar Dindukkal, uma cidade no sul da Índia. Os pró-
ceres do lugar convidaram-me para uma conversa sobre a construção de
uma biblioteca para a cidade. A questão da localização logo veio à baila.
Praticamente todos sugeriram um lugar nos arrabaldes da cidade. Um
dos motivos para sugerir um lugar tão remoto era de que havia muita
poeira no centro e de que os livros se estragariam. Outro motivo era que,
se não fosse assim, ‘todo tipo de gente’ teria acesso à biblioteca. Nunca lhes
ocorrera que a função da biblioteca era fazer com que ‘todo tipo de gente’
* O paradoxo lembrado é o que diz que um homem é tão bom quanto outro homem e
também muito melhor. (n.e.)
a primeira lei 11
132 Exemplo 2
Numa conferência no Kellett Hall, não faz muito tempo, antes da exis-
tência do serviço de ônibus, o talentoso conferencista S. Satyamurti, de
forma jocosa, fixou as coordenadas de uma das nossas grandes bibliotecas
da seguinte maneira: “Encontre um lugar na cidade que fique no mínimo
a dois quilômetros de qualquer linha de bonde ou de qualquer estação
ferroviária, que não tenha nem mesmo um posto de jinquirixá num raio
de um quilômetro, cujo alojamento de estudantes mais próximo fique a
uma distância de cinco quilômetros. Talvez só exista um único lugar na
cidade que atenda a esta descrição e esse será o lugar escolhido para nossa
biblioteca.” E, no entanto, ninguém reclamou, pois a biblioteca era vista
mais como um ornamento da cidade do que como uma instituição, com
a função essencial de propagar o uso dos livros.
133 Exemplo 3
Por outro lado, em todas as cidades ocidentais que creem vivamente na
Primeira Lei da biblioteconomia, e que votam em favor das bibliotecas e as
mantêm, pois têm a preocupação de que os livros sejam usados, a biblioteca
principal é normalmente erigida no centro da cidade, num lugar por onde
a maioria dos cidadãos passe obrigatoriamente todos os dias, por algum
motivo. Ela também funciona através de diversas filiais e postos de aten-
dimento em partes diferentes da cidade, de modo que a distância não seja
empecilho ao livre e pleno uso dos livros. Dublin, por exemplo, conta com
cinco bibliotecas regionais para uma população de 324 mil habitantes. Até
mesmo a próspera Edimburgo, com uma população de 420 mil habitantes,
já construiu sete bibliotecas regionais. Manchester sentiu a necessidade
de 30 filiais para que sua população, que soma 744 mil habitantes, possa
usar plenamente seus livros. Birmingham, com 919 mil habitantes, não
acha que suas 24 bibliotecas sucursais sejam suficientes para difundir o
uso dos livros. Toronto, com uma população de apenas 550 mil habitantes,
criou 15 filiais e planeja construir mais. Cleveland, onde vivem cerca de
800 mil pessoas, dá acesso a seu acervo de livros em 25 filiais e 108 pos-
tos de atendimento, enquanto 25 filiais e 108 postos de atendimento são
considerados insuficientes para os três milhões de moradores de Chicago.
12 as cinco leis da biblioteconomia
135 Exemplo 4
Um exemplo extremo mas feliz desta dedução da Primeira Lei da biblio-
teconomia nos é dado pela biblioteca de jardim, em Lisboa.3
Lisboa, construída sobre sete colinas, como a nossa Tiruppati e com-
parável à nossa Madura em tamanho e população, conquistou um lugar
único no mundo da biblioteconomia. Um provérbio português diz: “Quem
não viu Lisboa, não viu coisa boa”.4 Se esta afirmativa é válida ou não,
Lisboa certamente sobrepujou todas as demais cidades com sua singular
biblioteca de jardim, que é certamente uma coisa boa.
Na encosta de uma das colinas, sobranceiro às águas azuis do Tejo,
encontra-se um ensolarado jardinzinho público, com um lago artificial, de
mármore, no centro, em torno do qual as flores tecem uma orgia nas cores
do arco-íris e as crianças gritam e correm em alegre êxtase.
Ao fundo, há um cedro gigantesco, que se alastra como um guarda-
-chuva, desafiando o sol e a chuva. Sob sua sombra intensa predomina um
silêncio profundo, e ali se encontra uma fileira de cadeiras em torno de uma
coleção encantadora de volumes numa linda estante. Estudantes com suas
capas esvoaçantes, trabalhadores cobertos de caliça, rústicos camponeses
de olhos tímidos e lânguidos, empregados de escritórios e lojas mastigando
o almoço, soldados, gráficos, eletricistas, marinheiros e estivadores, todos
compartilham o conteúdo dessa biblioteca ímpar, despojados de qualquer
formalidade, mas auxiliados pela ágil e simpática bibliotecária, a andar
daqui para lá, de lá para cá, com seu sorriso radiante.
a primeira lei 13
Quem teve essa ideia? Foi uma sociedade educativa particular, conhe-
cida como Universidade Livre. Na expectativa de promover o amor pela
leitura em todas as classes, a Universidade Livre fundou esta biblioteca de
jardim, fornecendo os livros e o mobiliário.* Os próceres de Lisboa, que
acreditavam na Primeira Lei da biblioteconomia, calorosamente aprova-
ram este empreendimento e contrataram os serviços de uma bibliotecária.
Conta com menos de mil volumes, que são substituídos de tempos em
tempos. Possui um pouco de tudo — clássicos, autores contemporâneos,
viagens, história, eletricidade, química, taquigrafia, contabilidade, constru-
ção, ferraria, navegação, e assim por diante. E esses livros são avidamente
procurados por todos os visitantes do jardim. A biblioteca fica aberta diaria-
mente das 10 às 18 horas. As estatísticas mostram que durante o primeiro
ano não houve menos de 25 mil leitores que a utilizaram. Que a sombra
do vetusto cedro no jardim público da cidade das sete colinas jamais deixe
de crescer! Que ele sirva de abrigo a esse empreendimento patriótico, a
serviço desta verdade absoluta: os livros são para usar!
136 Exemplo 5
Também nas escolas e faculdades, a localização das bibliotecas pode ser
tomada como um índice confiável do grau de fé das autoridades na lei os
livros são para usar. A evolução das ideias relativas à localização e dimen-
são das bibliotecas escolares e universitárias tem ocorrido de modo muito
paralelo ao crescimento gradual da crença nesta lei. Conheci, por dentro,
uma escola. Sua biblioteca consistia de algumas centenas de volumes, na
sua maioria livros didáticos, que as editoras enviavam como amostras de
cortesia e eram descartados pelos professores porque não mereciam estar
em sua posse particular. Essas poucas centenas de livros estavam cuida-
dosamente trancados num armário de madeira. O próprio armário ficava
trancado numa sala de pouco mais de um metro quadrado, cuja ventilação
se dava por uma única janela pequena. Havia uma característica mais
assustadora. O diretor da escola invariavelmente dava aulas — inclusive
suas inumeráveis aulas especiais — no saguão que dava para esta sala,
quase bloqueando a entrada. Quem se lembra do respeito mortal em que
eram tidos os diretores dessas escolas, vinte e cinco ou trinta anos atrás,
perceberá o que isso significava para os livros da biblioteca. Para quem não
sabe, pode-se dizer que o aparecimento da figura do diretor na esquina
era suficiente para fazer com que um grupo de alunos, que jogavam bolas
de gude ao sol da tarde, corresse para salvar a própria pele, escondendo-
-se nos cantos mais escuros das cozinhas das casas próximas, onde seus
137 Exemplo 6
Há não muito tempo, o diretor de uma grande escola secundária
convidou-me para fazer uma visita à sua biblioteca e sugerir alguns melho-
ramentos. Compareci de bom grado. Fui recebido com grande afabilidade
e conduzido através de um labirinto de salas e corredores apertados, es-
curos e malventilados, com armários ao longo das paredes. Ao chegarmos
perto da outra extremidade, perguntei onde ficava a biblioteca e quando
chegaríamos lá. Para minha surpresa, o diretor respondeu que, em todo o
trajeto, estivéramos passando pela biblioteca. Maravilhado diante desse
estranho arranjo, numa escola secundária, de um lugar onde os meninos
brincavam de esconde-esconde no intervalo de almoço, perguntei por que
fora escolhida uma localização tão infeliz para a biblioteca. Sua resposta
imediata e inocente: “Estas salas não servem para outra coisa e precisa-
vam ser usadas”. Teria esta resposta inocente sido dada, se a Primeira
Lei tivesse alguma influência nas autoridades da escola? Há vinte anos,
mudamo-nos para um novo prédio. A sala mais agradável, dando para o
mar, foi destinada aos periódicos. Eu fiquei numa pequena sala do lado
do poente. Uma pessoa imprópria para a profissão de bibliotecário um
dia apareceu ali. Expressou surpresa por eu ter escolhido a pior das salas
como meu gabinete. “Se eu fosse você, instalaria meu gabinete na sala dos
periódicos”, disse ele. Respondi, “Se a Primeira Lei não se tivesse revelado
a mim, eu também teria feito isso”. “— Hum! Sua Primeira Lei. Se um dia
eu vier a substituí-lo, verá o que farei”, foi a resposta imediata!
138 Exemplo 7
O que hoje predomina em nossas escolas e faculdades prevalecia há uns
sessenta ou setenta anos nas escolas e faculdades do Ocidente. Discursando
na inauguração da biblioteca do Colorado College, em março de 1894, o
Sr. Harper, primeiro reitor da Chicago University, afirmou
139 Exemplo 8
Mas tudo isso mudou tão logo a Primeira Lei da biblioteconomia se
instalou nas mentes das pessoas. Atualmente, diversas faculdades no Oci-
dente, que acreditam que os livros são para usar e sabem que um dos
seus deveres fundamentais consiste em desenvolver o hábito da leitura nos
alunos de graduação, destinam a sua melhor sala para a biblioteca. Pelo
menos em uma faculdade do Ocidente, cujos “livros eram colocados em
corredores, porões e sótãos”, até que esta lei tivesse influência sobre ela,
a área agora ocupada pelas bibliotecas da faculdade corresponde a quase
metade da área ocupada por toda a escola. Citando Harper novamente,
14 Horário da Biblioteca
A influência da lei os livros são para usar foi não menos profunda com
relação ao horário da biblioteca. Enquanto predominava a noção herdada
sobre preservação e a lei os livros são para usar não se havia consolidado
plenamente, a biblioteca permanecia mais tempo fechada do que aberta.
Talvez fosse aberta mais vezes para matar as traças e tirar a poeira dos livros
do que para a entrada de leitores e o empréstimo dos livros. Conta-se que
os registros dos livros emprestados na década de 1730–1740 da Bodleian
16 as cinco leis da biblioteconomia
15 Mobiliário da Biblioteca
A seguir, vejamos o efeito que a lei os livros são para usar pode ter
sobre o mobiliário da biblioteca. Pode-se dizer com segurança ‘mostra-me
o mobiliário da tua biblioteca e eu te direi se crês ou não na Primeira Lei
da biblioteconomia’. Em primeiro lugar, na época em que prevalecia o
enunciado contrário — os livros existem para serem preservados —, as
estantes das bibliotecas eram construídas somente com vistas à preserva-
ção. O problema consistia em acomodar a maior quantidade de livros no
menor espaço e pelo menor custo. A regra do menor espaço fazia com que
20 as cinco leis da biblioteconomia
16 Um Diálogo
Primeira Lei: Seus métodos são intoleráveis. Devem ser descartados.
Regra do Menor Espaço: Você poderia, por favor, ser mais específica?
Primeira Lei: Primeiro, veja as estantes. Como é que você imagina que se
chegue ao topo destes arranha-céus?
Regra do Menor Espaço: Use uma escada!
Primeira Lei: Isso é muito fácil de dizer. Tudo bem, se forem funcionários
ágeis e treinados. Talvez você não esteja sabendo que permitirei ao leitor
retirar diretamente da estante o livro que ele bem quiser.
Regra do Menor Espaço: Isso é novidade para mim. Nunca ouvi falar nisso.
Primeira Lei: Ah! Já sei... Então é isso? Sim, qualquer leitor poderá dirigir-se
às estantes. Então, imagine um leitor corpulento subindo uma escada,
pela primeira vez na vida, ansioso para pegar um livro. Imagine-o
distraindo-se no alto da escada, caindo e quebrando o pescoço. Quem
pagará os estragos? O que é que sua irmã, a regra do menor custo, tem
a dizer sobre isso?
Regra do Menor Custo: Sem dúvida, é um assunto para se pensar seriamente.
Regra do Menor Espaço: O que é que você sugere, então?
Primeira Lei: Nenhuma estante deverá ter uma altura superior à que possa
ser alcançada confortavelmente por uma pessoa de estatura média, de
pé sobre o piso nu.
a primeira lei 21
Regra do Menor Espaço: Uma altura de dois metros a dois metros e dez?
Primeira Lei: Maravilhoso. Esta é a altura correta. Você é muito sensata.
Regra do Menor Espaço: Muito bem, já anotei isso. Algo mais?
Primeira Lei: A largura adotada para o corredor entre as estantes é muito
pequena.
Regra do Menor Espaço: Foi definida para condições diferentes, sabia?
Pretendíamos que somente um auxiliar da biblioteca passasse por ali.
Primeira Lei: Desculpe-me, se rio. Se só um auxiliar pode usar esse corredor,
caberia a você informar às autoridades responsáveis pelas bibliotecas
para que contratem como auxiliares apenas seres esbeltos ‘unidimen-
sionais’, se não quiserem que eles fiquem entalados entre as estantes!
Regra do Menor Espaço: Mas, sem querer ofender, estes pontos têm que ser
esclarecidos. Permitir que os leitores tenham acesso às estantes é uma
ideia muito recente. Isso muda tudo por completo. Mas, as dimensões
são mais da minha competência. Sem medo de ser considerada pedante,
digo que você parece contemplar um tipo de leitor que se expandiu,
como represália, nas minhas três dimensões e exige um corredor capaz
de comportar o maior deles!
Primeira Lei: Você está quase certa. Gostaria, entretanto, que o corredor
fosse suficientemente largo para permitir que dois leitores pudessem
percorrê-lo, um ao lado do outro.
Regra do Menor Espaço: Sim... Agora vejo aonde você quer chegar. Um metro
e vinte a um metro e oitenta será uma largura suficiente?
Primeira Lei: Muito obrigada. Mais uma palavra. Embora não seja relevante
para nossa conversa, gostaria de agradecer-lhe de todo o coração pela
maneira desinteressada como vocês se colocaram contra as autoridades
responsáveis pela biblioteca quando elas propuseram paralisar tem-
porariamente todas as novas compras, com o argumento de que a sala
das estantes estava congestionada de livros e não havia mais espaço.
Lei do Menor Espaço: Quer dizer...
Primeira Lei: Já sei, pela troca de sorrisos com sua irmã, que há algo mais
atrás disso.
Regra do Menor Custo: Realmente, foi tão bom minha irmã ter concordado
e me apoiado nessa questão.
Regra do Menor Espaço: Ela apenas me convenceu que, se esta proposta fosse
adotada, ela estaria em palpos de aranha, pois o custo dos livros antigos,
e, de modo especial, dos periódicos científicos e outras publicações das
sociedades científicas, que são indispensáveis para a pesquisa, vão se
multiplicar por dez a curto prazo.
Primeira Lei: Mesmo assim, estou em dívida com você. Quem é que, hoje
em dia, está preparado para ser tão altruísta e preocupar-se com o
conforto de uma irmã em apuros?
22 as cinco leis da biblioteconomia
Regra do Menor Espaço: Muito obrigada. Fico tão feliz que ao nos despe-
dirmos continuemos amigas, embora você haverá de reconhecer que
estava bem violenta no início.
Primeira Lei: Desculpe-me. Peço-lhe que me perdoe. A falha é devida ao
entusiasmo pela minha causa. Não quis dizer nada pessoal. Vou remediar
isso, dando algumas notícias alegres à sua irmã.
Regra do Menor Espaço e Regra do Menor Custo: O que é? O que é?
Primeira Lei: Não quero portas, nem fechaduras, nem chaves nas estantes.
Vocês podem economizar o que seria gasto com tudo isso....
Regra do Menor Custo: De certo modo, estou muito satisfeita; mas, o que
fazer com os ratos e os esquilos? E você ainda me diz que qualquer
pessoa poderá andar pelos corredores entre as estantes. O que impedirá
que joguem os livros para fora pelas janelas?
Primeira Lei: Esta é uma pergunta muito inteligente. Mas vocês não pre-
cisam se preocupar com isso. Pedirei ao arquiteto que torne a própria
sala à prova de animais nocivos e de ladrões.
Regra do Menor Custo: E à prova de ar, também, não é?
Primeira Lei: Não, não necessariamente. Sejam compreensivas, em compen-
sação, para não tornar a sala de leitura à prova de pessoas.
Regra do Menor Custo: Não estou entendendo.
Primeira Lei: Basta providenciar cadeiras aconchegantes e confortáveis e um
amplo espaço para as mesas. E também aprove os recursos necessários
para colocar no piso um forro à prova de ruído.
Regra do Menor Custo: Isso não é problema. Pode ser feito facilmente.
Primeira Lei: Queria também pedir-lhe insistentemente que mobilie a sala
de leitura da forma mais agradável possível, como uma sala de visitas
de alta categoria, ou seja, como esta linda sala de vocês, com belo papel
de parede, flores, quadros, ventiladores, luminárias etc. Lembre-se,
especialmente, das luminárias, pois minha política é permitir que os
estudantes sérios permaneçam na biblioteca depois que anoitece, se
assim desejarem, para continuar o estudo.
Regra do Menor Custo: Esta é uma boa ideia.
Primeira Lei: Mais um pedido. Confio que vocês não vão pensar que estou
exagerando.
Lei do Menor Custo: Não se preocupe. É melhor que você nos permita co-
nhecer de uma vez todas as suas exigências.
Primeira Lei: Basta providenciar um bom suprimento de água potável,
alguns sanitários, um banheiro e, sinto quase um receio ao dizê-lo, a
instalação e manutenção de uma cantina.
Regra do Menor Custo: Por que a preocupação? Estamos somente trocando
ideias. Seja franca.
Primeira Lei: Então, vou acrescentar: providencie também uma sala reserva-
a primeira lei 23
da, talvez com alguns sofás, onde os pesquisadores, que vêm à biblioteca
para passar o dia inteiro, possam refestelar-se e fechar os olhos de vez
em quando, por alguns minutos. Naturalmente, posso assegurar-lhe
que as devidas precauções serão tomadas para que esse privilégio de
primeira classe não seja mal utilizado por ninguém. Vi salas mobiliadas
serem confiadas a estudantes sérios por meses ininterruptamente numa
biblioteca em Amherst. A famosa biografia autorizada de Woodrow
Wilson foi escrita em uma dessas salas. O autor praticamente a trans-
formou em sua casa por cerca de um ano. O bibliotecário contou-me
este fato com orgulho e prazer quando entrei naquela sala.
Regra do Menor Custo: Quantas ideias singulares! Lindo... mas caro. Mas...
talvez... eco... nômico tam... bém...
Regra do Menor Espaço: Custinho!... Custinho! Sobre o que é que você está
refletindo, de olhos fechados?
Regra do Menor Custo: Sim..., querida Espacinho. Meditando... Cogitando,
se você preferir. Acabei de entrar na ‘máquina do tempo’ para explorar
o que isso significaria a longo prazo. Já percebi, Espacinho, que a essa
distância de tempo, toda essa pequena quantia que teremos de gastar a
mais nessas coisas, para que os livros sejam mais bem utilizados, resulta-
rão, ao fim e ao cabo, numa genuína e saudável economia nacional. Sim,
a coisa toda agora está clara para mim. Estou certa, Sra. Primeira Lei?
Primeira Lei: Sim, você falou corretamente como uma empresária.
Regra do Menor Custo: Em suma, você não quer que a biblioteca continue
mais como um depósito morto de livros. Você a quer equipada como
uma oficina de primeira classe, com comodidades de primeira ordem.
Regra do Menor Espaço: Custinho! Você me faz lembrar as palavras revo-
lucionárias de lord Lytton, na inauguração da biblioteca pública de
Manchester, em 1851. Você talvez se recorde das palavras dele: “Uma
biblioteca não é somente uma escola, é um arsenal e um depósito de
armas. Livros são armas, seja para a guerra, seja para a autodefesa”.10
Regra do Menor Custo: Sim, também me lembro desse discurso. Mas estas
são palavras de um homem anterior à Liga das Nações. Nossa amiga
quer que imaginemos a biblioteca como uma oficina pacífica normal,
que eliminará para sempre (uma panaceia para todos os males da hu-
manidade, e para o que mais me preocupa) todo o desperdício, tanto
na administração local quanto no estado.
Regra do Menor Espaço: Nunca conseguirei acompanhar seu ritmo nos
seus vôos econômicos rumo ao futuro. Sra. Primeira Lei, está satisfeita?
É tudo o que queremos.
Regra do Menor Custo: Tenho certeza de que ela ficou satisfeita.
Primeira Lei: Oficina! Exatamente. Esta é a palavra. Você a captou. A partir
24 as cinco leis da biblioteconomia
de agora, estou certa de que sempre nos olharemos, olhos nos olhos, e
prosseguiremos de uma forma amigável. Fico feliz com sua compreen-
são. Digo-lhe que, além de fazer tudo isso, quero a ajuda permanente
dos seus olhos vigilantes para economizar até o último vintém, a fim
de comprarmos exatamente aqueles livros, para cujo uso, afinal, estou
dando a vocês todo este incômodo.
Regra do Menor Custo: Vejo que você é uma missionária regular. Mas, já que nos
entendemos, posso tomar a liberdade de fazer uma ou duas sugestões?
Primeira Lei: Com toda a certeza. Preciso delas?
Regra do Menor Custo: Penso que a sala de descanso, a cantina e os esmerados
móveis da sala de leitura — como uma sala de estar de primeira classe,
como você disse — podem esperar. Talvez você não perceba como cer-
tos grupos poderão reagir a isso. Você deve se lembrar que, por algum
tempo, as autoridades responsáveis pelas bibliotecas serão formadas
por pessoas que há muito estão nesta vida, desde antes de você chegar.
É quase impossível nutrir a esperança de que venham a desenvolver
o hábito de usuários de bibliotecas nesta etapa tardia da vida. Nestas
circunstâncias, como esperar que avaliem de modo adequado todas
essas inovações que inesperadamente caíram sobre suas cabeças?
Primeira Lei: Eu não ignorava totalmente essa dificuldade. Na verdade,
falando com sua irmã, foram essas considerações que fizeram abster-
-me, com relutância, de pedir espaço para uma ‘sala de conferências’ e
uma ‘sala de exposições’. Pensei que seria melhor deixar este assunto
para minha irmã, a Terceira Lei, uma vez que ela está mais diretamente
interessada nestas coisas.
Regra do Menor Espaço: Faz tanto tempo que estou aqui. Posso dizer o que
acontecerá. Toda a culpa recairá sobre a cabeça do infeliz bibliotecário.
Todos os motivos serão atribuídos a ele, tal como a ambição de popu-
laridade barata, e sua vida estará repleta de preocupações.
Regra do Menor Espaço: Minha irmã tem razão.
Primeira Lei: Discordo. Talvez meu zelo missionário, como você disse, e
meu entusiasmo exacerbado tenham me cegado para esta sabedoria
secular, que lhe é tão natural... a financista sagaz que você é... quero
contar com a boa vontade do bibliotecário e de seus funcionários, mais
que qualquer outra coisa, para que minha missão seja bem-sucedida.
De fato, é com ele que me encontrarei a seguir. Não quero que venha
de alguma forma (um inocente...) a cair em descrédito sem ser culpado.
Por outro lado, não apenas quero que coopere comigo, mas também
conte com a benevolência e a cooperação dos órgãos responsáveis pelas
bibliotecas. Caso contrário, ele não me será de muita valia. Não quero
fragilizar sua posição por nada deste mundo... Muito obrigada pelo
conselho. Achava que tinha vindo para ensinar, mas volto mais sábia.
a primeira lei 25
17 Pessoal da Biblioteca
Passemos agora do mobiliário para o pessoal da biblioteca. O advento da
Primeira Lei teve efeito fundamental sobre o pessoal da biblioteca. Afetou
a questão de pessoal de várias formas. Examinemos cada uma delas com o
maior cuidado e profundidade possíveis. Qualquer que seja a localização,
o horário, o mobiliário e a forma como são guardados os livros, é o pessoal
da biblioteca que, em última análise, constrói ou destrói a biblioteca. De
fato, um enorme esforço foi desenvolvido nos últimos cinquenta anos
para adequar o pessoal da biblioteca às necessidades deste novo concei-
to — os livros são para usar. Se o mero número de artigos publicados
sobre biblioteconomia pudesse ser tomado como medida desse esforço,
ter-se-ia uma ideia de sua extensão a partir da admirável Bibliography of
library economy, de Cannons. São 58 páginas, impressas de forma compacta,
dedicadas a este assunto do pessoal, e convém lembrar que a bibliografia
chega somente até o final de 1920.11
* O autor escreveu numa época em que predominavam preconceitos que levavam à exclusão
social dos portadores de necessidades especiais, ao contrário de hoje, quando prevalecem
políticas públicas de inclusão produtiva, respeitadas as aptidões e habilidades dessas
pessoas. Apesar disso, pelo menos no Brasil, ainda se encontram exemplos de escolas
onde a biblioteca serve de abrigo para professores e funcionários que, por algum motivo,
apresentem problemas de desempenho funcional. E é na biblioteca onde muitas vezes ficam
‘encostados’, à espera da aposentadoria. (n.e.)
** Até fins do século xviii, os termos keeper (guardião, zelador), housekeeper, library keeper ou
keeper of printed books eram empregados nos países anglófonos com o sentido de librarian
(bibliotecário). (n.e.)
26 as cinco leis da biblioteconomia
1702 Grã-Bretanha
Na verdade, tardou muito para que fosse percebida a necessidade de
um profissional bibliotecário. Se havia um cargo de bibliotecário, não se
sabia quem recrutar, e se havia um bibliotecário, não se sabia o que fazer
com ele. Por quase meio século, até mesmo o University College, Lon-
don, que hoje se transformou num centro de formação de bibliotecários,
costumava deixar sua biblioteca “aos cuidados de um auxiliar, às vezes
dignificado com o título de bibliotecário, mas nunca percebendo mais de £
80 por ano, ou aos cuidados de um bedel da biblioteca”.13
Em sua Story of the University of Edinburgh, sir Alexander Grant registra
que “entre 1635 e 1667 houve uma sucessão de não menos de dez bibliote-
cários; provavelmente, nenhum deles tinha vocação especial para o cargo”.
Quando finalmente conseguiu um bibliotecário que não iria embora, mas
não sabendo o que fazer com ele, foi-lhe solicitado que ficasse incumbido
do “livro de colação de grau, no qual, durante alguns anos, ele registrou
os diplomas concedidos”. Como isso não ocupava todo seu tempo, foi-lhe
dada a função adicional de trabalhar “como secretário do College, cargo
que desde então esteve combinado com o de bibliotecário!” Quando os
livros existiam somente para serem preservados e até se perceber que os
livros são para usar, de que outra forma poderiam o tempo e a energia do
bibliotecário ser utilizados? Edimburgo não foi, de modo algum, a única
a atribuir ao bibliotecário alguns desses encargos diversos, em troca do
salário que lhe pagavam. A vizinha Glasgow fez o mesmo. Conta-se que,
a primeira lei 27
até 1858, “a matrícula e o registro dos alunos eram feitos pelo bibliotecário”
na University of Glasgow.14
Não faz muito tempo que em geral se achava que a biblioteca era o lugar para
a meia aposentadoria de um professor idoso ou um assistente inepto. Ainda
hoje, é comum indagar-se ao bibliotecário se não dispõe de um serviço onde
um acadêmico alquebrado possa prestar ajuda. A necessidade de capacitação,
vigor, vivacidade e aptidão específica para o trabalho bibliotecário ainda não
é percebida por muitos que, apesar da familiaridade ocasional com as biblio-
tecas, deveriam saber melhor que tipo de ajuda se requer para administrar
uma biblioteca.16
1705 Índia
Voltando-nos para nosso próprio país, ainda temos que conseguir um
Harper para dirigir alguma das nossas instituições de ensino. Parece que a
realidade não é muito propícia a que alimentemos tal esperança.
A maior parte de nossas faculdades, sem dúvida, começou a incluir em
28 as cinco leis da biblioteconomia
Aparentemente.
Então, se o bibliotecário for um hábil guardador de livros, também será
hábil em roubá-los?
Este é certamente o sentido do argumento.
Posso quase afirmar que devo à biblioteca o maior estímulo mental de minha
vida. A imagem do rosto inteligente, de olhos cinzentos, daquele bibliotecário e
o próprio cheiro da sala da biblioteca estão indelevelmente impressos na minha
memória. Pessoalmente, minha dívida com a biblioteca como instituição e com
os bibliotecários como classe é maior do que jamais poderei ter esperança de
pagar com uma gratidão eterna.19
1711 Inglaterra
Em seu humorístico retrospecto dos ‘primeiros tempos’, o Sr. Frank
Pacy, ex-secretário da Library Association britânica, refere-se a certas
impressões interessantes, causadas pela cultura dos primeiros bibliotecá-
rios britânicos. “A pessoa que nos mostrou a biblioteca não sabia nada de
nada.” “O bibliotecário de Westminster não somente se parecia com um
limpa-chaminés, mas era muito surdo.”20 Felizmente, esses dias acabaram.
Atualmente, ninguém no Ocidente questiona o lugar da biblioteconomia
entre as profissões cultas.
1712 Índia
Em nosso país, porém, poucos compreendem, ainda hoje, a necessidade
de pessoal culto trabalhando na biblioteca. Não muito tempo atrás, recebi
de um alto funcionário da educação uma carta patética de recomendação
que dizia, “O portador, você verá, é muito idoso. Ele se apresentou para
o exame de conclusão do ensino secundário mais de umas dez vezes. Não
existe perspectiva alguma de que venha a ser aprovado ainda ‘nesta vida’
(janma). Seria possível aproveitá-lo nem que fosse num cargo adminis-
trativo? Interesso-me por ele. Você poderia recebê-lo em seu quadro de
pessoal? Esta é a única oportunidade que ele tem.” Quando a biblioteca
da Madras University foi fundada, uma das primeiras nomeações para o
‘serviço superior’ da biblioteca foi a de um contínuo do museu da univer-
sidade, pela simples razão de que ele era uma pessoa honesta e de que
não havia nenhuma outra forma para que seu salário fosse aumentado.
Talvez, o precedente para isso esteja no fato de o porteiro da Bodleian Li-
brary ter sido nomeado sub-bibliotecário em 1712.21 Igualmente, quando
um conselho municipal autorizou o presidente de um território federal a
nomear um bibliotecário em tempo parcial para a biblioteca do território
(union), com um salário mensal de 10 rupias, conta-se que esse presidente
logo passou a pagar este salário ao seu criado pessoal, pois ele era uma
pessoa prestativa e iria vigiar zelosamente a biblioteca. Algumas semanas
atrás, um ilustrado professor, nascido na Grã-Bretanha e que serve na Índia,
formulou o princípio segundo o qual a escolaridade de um atendente de
biblioteca não precisava ser tão alta quanto a de um balconista de farmácia.
Todo aquele que estiver incumbido de uma biblioteca deverá ser capaz de
lecionar. A capacidade executiva é, sem dúvida, necessária ao bibliotecário,
mas, se não estiver conjugada com uma grande cultura, não será, de forma
alguma, suficiente.
* Preparado à base de folhas e nozes de bétel e limão, usado como mastigatório. Após as
refeições, suaviza o hálito e funciona como um estimulante suave. (n.e.)
a primeira lei 33
1721 Ignorância
Ainda anteontem, no navio de Calais, fui apresentado a um militar de renome
mundial que, quando soube que eu tinha alguma ligação com a Library Asso-
ciation, exclamou: ‘Pois bem, você é exatamente de quem preciso! Ultimamente,
ando preocupado com meu criado, o velho Atkins. Você pode vê-lo, encurva-
do, procurando abrigo ali atrás da chaminé. Coitado! Já passou do tempo de
trabalhar, mas continua tão fiel quanto um cão. Acabou de ocorrer-me a ideia
de que se você pudesse dar-lhe um empurrãozinho para empregá-lo numa
biblioteca agradável do interior, eu lhe ficaria profundamente agradecido. O
único defeito dele é a paixão pela leitura, de modo que uma biblioteca seria a
coisa mais acertada.’
A habitual senhora da nobreza também esteve na conferência. Desta vez,
estava recomendando sua ex-cozinheira para o cargo de bibliotecária, alegando
a seu favor o mesmo estranho traço de personalidade: a paixão pela leitura.
34 as cinco leis da biblioteconomia
* Em inglês, reader é sinônimo de professor, da mesma forma que o português leitor, embora
neste caso seja mais empregado para designar o docente contratado por uma universidade
de outro país para lecionar sobre a cultura do país de origem. (n.e.)
a primeira lei 35
1725 Grã-Bretanha
Isso pode parecer um círculo vicioso. Mas sob o coro crescente do novo
canto — os livros são para usar —, em outros lugares as pessoas rompe-
ram este círculo vicioso, e podemos tirar proveito disso. A Grã-Bretanha
há muito decidiu,
acredita-se que aquele que tiver riquezas terá o mais azul dos sangues correndo
nas veias. É tomado por sábio. Passa por mais bem informado. É considerado
o mais distinto. Sua oratória é enaltecida como inigualável. E a sua imagem é
descrita como a mais formosa. É o ouro sob sua posse que determina a quali-
dade de cada um de seus atributos.
38 as cinco leis da biblioteconomia
* De uma poesia popular inglesa do século xv intitulada Syr Peny (Dom Dinheiro). Possui
versões, algumas anteriores, em outras línguas. “Com razão você verá / que o dinheiro será
o senhor, / comprove-o agora almofadinha / [...] / Ele transforma o falso em verdadeiro /
E arrasa o que está certo .” (n.e.)
a primeira lei 39
* Os Vedas são os livros sagrados da literatura e religião védica. Os sastras ou shastras são
obras que tratam das regras de conduta dos seguidores do hinduísmo. A palavra que
designava as bibliotecas na Índia antiga era sarasvati-bhandagaras, que significava ‘casas
do tesouro da deusa do saber’. (n.e.)
40 as cinco leis da biblioteconomia
28
1751 Anacronismo
Durante quase meio século, a partir de 1763, a Bodleian Library, de
Oxford, esteve nas mãos do reverendo John Price, do Jesus College. Bem no
começo de sua carreira de bibliotecário, em 1771, foi publicado A journal of a
42 as cinco leis da biblioteconomia
voyage round the world, do capitão Cook, e havia uma grande procura dessa
obra. Mas nosso bibliotecário Price emprestou imediatamente o exemplar
da biblioteca para um amigo e pediu-lhe que ficasse com ele o maior tempo
possível. Assim, não seria “importunado constantemente pelos leitores
que o procurassem”. O bibliotecário Price, de bom grado, teria tido uma
biblioteca sem leitores. Na verdade, dele se diz que “desencorajava os
leitores por negligência e por grosseria”. Apesar disso, foi-lhe permitido
dirigir a Bodleian, sem qualquer estorvo, durante toda a metade de um
século e instalar no seu ‘trono’ o próprio genro, que era farinha do mesmo
saco, e conseguiu nele se manter com igual determinação por outro meio
século. Mas o bibliotecário Price é hoje um anacronismo. Uma biblioteca
moderna não pode existir sem leitores. A ‘negligência’ e a ‘grosseria’ mu-
daram de lado, por assim dizer, pois não é mais o leitor que tem que tolerar
docilmente a ‘grosseria’ do pessoal da biblioteca, mas, infelizmente, é o
pessoal da biblioteca que, calado, tem que suportar a grosseria que parte,
de vez em quando, de leitores descorteses e presunçosos.
1761 Exemplo
Há alguns anos, um indiano de turbante estava de plantão no departa-
mento de referência de uma biblioteca inglesa. Um inglês de cartola entrou
com a habitual familiaridade, mas se sentiu intimidado ao ver aquela figura
exótica na área reservada ao pessoal.
O bibliotecário indiano ofereceu-lhe ajuda, disfarçando cuidadosamente
a sensação que lhe provocara aquele olhar assustado.
— Não, obrigado — foi a resposta polida, e o inglês passou a percorrer
as estantes.
Passados alguns minutos, o indiano aproximou-se com outro ‘em que
posso ser útil?’
— Muito obrigado. Onde estão os livros sobre temperança? — foi a
única resposta relutante.
Em seguida, livro após livro da seção de ‘temperança’ foi aberto e
fechado em rápida sucessão. O relógio era tirado do bolso a cada minuto.
Evidentemente, tinha pressa. Ainda não havia encontrado o que procurava
e já eram 16 h 45 min. Coitado!
— Se o senhor me disser exatamente o que procura sobre temperança,
talvez eu possa ajudá-lo — foi o novo oferecimento do indiano de plantão.
Desta vez, com a cabeça virada para o outro lado, o cavalheiro de
cartola disse:
— Tenho que presidir uma reunião sobre temperança. Preciso de algo
para meu discurso de abertura. Será que você pode me ajudar? O meu
trem sai às cinco e quinze.
Instantaneamente, um volume da enciclopédia que ficava em outro lu-
gar da sala ofereceu-lhe aquele algo que ele procurava, e ele partiu com uma
profusão de agradecimentos, que cintilavam de seus lábios sorridentes.
“Se somente me concederdes a disposição de servir a meus semelhantes,
a condição de prazer virá espontaneamente até mim.”35
prestado com relutância. Torna-se cada vez mais difícil admitir que o aplauso
não seja o objetivo correto do trabalho; que a busca que for muito afetada por
recompensas imediatas, ou por sua ausência, deve ser imerecida ou realizada
de forma imerecida. Mas ainda existe um amplo terreno para se perseverar com
firmeza e alegria. Cada passo dado para ampliar a utilidade da biblioteca — para
difundir por toda a parte as melhores ideias dos melhores pensadores — faz
minar ainda mais o terreno dos abusos sociais que com tanta frequência têm
exercido influência dominante nas instituições públicas deixando-as ao alcance
de ladinos aproveitadores ou demagogos espalhafatosos.36
CAPÍTULO 2
20 Introdução
No capítulo anterior, reconstituímos o lento surgimento da Primeira Lei
e examinamos, de modo sucinto, seu efeito no método de guardar livros,
na localização, horários, mobiliário e pessoal da biblioteca. As mudanças
causadas pela Primeira Lei em todas estas questões foram fundamentais.
Se fosse para definir numa palavra o efeito final desta Primeira Lei, ela
seria revolução. Uma vez radicalmente transformada a perspectiva, outras
coisas vieram com o tempo.
201 Enunciado
A Segunda Lei da biblioteconomia surge no encalço da Primeira Lei
para que essa revolução avance mais. Se a Primeira substituiu o conceito
os livros existem para serem preservados, a Segunda dilata o conceito os
livros são para os poucos eleitos. Se o grito revolucionário da Primeira
era os livros são para usar, o da Segunda é os livros são para todos. Se
a abordagem da Primeira se fazia pelo lado dos livros, a da Segunda se
faz pelo lado dos usuários de livros. Se a Primeira vivificava a biblioteca,
a Segunda amplia-a para um problema nacional. Se a Primeira escancarou
as bibliotecas existentes, a Segunda cria novas bibliotecas e faz surgir a
cultura de novas espécies de bibliotecas. Se havia relutância em proceder
de acordo com a Primeira, encontra-se, em suas etapas iniciais, oposição
categórica à Segunda. Assim, a revolução causada pela Segunda Lei é de
natureza mais avançada e aproxima mais a humanidade de seu objetivo.
202 Potencialidade
para cada pessoa o seu livro! Que volume de ideias repousa em estado
potencial nestas seis palavras de tão poucas sílabas! Quão árdua será a
tarefa de concretizar estas ideias! Que variedade de interesses adquiridos
se ergue contra qualquer tentativa de fazer valerem estas ideias! Estas ques-
tões precisam ser cuidadosamente analisadas num estudo da Segunda Lei.
50
a segunda lei e sua luta 51
21 As Classes e as Massas
211 Antiguidade
É habitual começar toda história clássica com Aristóteles. Qual a res-
posta que ele deu para esta questão fundamental?
A intenção da natureza é que os corpos dos escravos e dos homens livres sejam
diferentes entre si [...] E uma vez que isso é verdade com relação ao corpo, mais
justo ainda é definir do mesmo modo quando consideramos a alma.38
Conta-se inclusive que “os pais vassalos eram punidos por permitir
que seus filhos vassalos frequentassem a escola”.42
52 as cinco leis da biblioteconomia
Para que a sociedade seja feliz e o povo viva tranquilo nas piores circunstân-
cias, é preciso que muitos sejam não só ignorantes mas também pobres [...] O
bem-estar e a felicidade, portanto, de cada Estado e de cada reino, exige que
os conhecimentos dos trabalhadores pobres fiquem confinados aos limites de
suas ocupações e nunca se estendam (no que diz respeito às coisas visíveis)
além daquilo que diga respeito à sua vocação. Quanto mais um pastor, um
lavrador ou qualquer outro camponês conhecer do mundo e das coisas que são
estranhas ao seu trabalho ou emprego, tanto menos apto ele será para suportar-
-lhes a fadiga e as provações com alegria e satisfação. Aprender a ler, escrever
e contar [...] é algo muito pernicioso para os pobres forçados a conseguir o pão
de cada dia na labuta diária.43
maior cuidado para que nenhum dos clientes habituais tivesse acesso à biblio-
teca que ficava nos fundos da alfaiataria. [...] Se soubessem que eu nunca lera
um livro, que era completamente ignorante, exceto no meu próprio ofício, que
me embebedava num bar, não teriam feito qualquer objeção contra mim. Eu
seria um ‘sujeito’ inferior a eles, e me tratariam com condescendência. Mas [...]
a segunda lei e sua luta 53
Sabemos que Green reclamava ainda no final do século xix de que “um
dos transtornos relativos à atual situação da sociedade na Inglaterra está
no fato de todas as questões ligadas à educação serem complicadas por
distinções de classes”.46 Mesmo recentemente, em 1918, a Hansard revela
que o projeto de lei da educação, apresentado pelo Sr. H.A.L. Fisher, foi
combatido com o argumento de que, se aos trabalhadores fosse oferecida
uma educação longa e complexa,
Que todos os governos despóticos de sessenta anos atrás, e alguns deles até
mesmo nos nossos dias, foram indiferentes ou hostis à disseminação da educa-
ção entre os seus súditos, porque temiam que o conhecimento e a inteligência
criariam um anseio de liberdade.48
2151 Inglaterra
Os argumentos de quem se opunha à lei Ewart* – a primeira lei de
bibliotecas públicas da Inglaterra – era que “o conhecimento em demasia
era uma coisa perigosa e que as bibliotecas poderiam se tornar centros de
educação política”.49 Em seu discurso presidencial na conferência de Leeds,
o Dr. Guppy observou
2152 Rússia
Quando uma biblioteca escolar foi inaugurada em Moscou, em 1913,
a seguinte questão foi levantada na Duma nacional pelo líder da extrema
direita: “Como pode o governo tolerar cursos de biblioteconomia, que
prepararão o caminho para uma revolução?”51
216 Autopreservação
Assim, a Segunda Lei teve que enfrentar não somente um hábito her-
dado, como foi o caso da Primeira Lei, mas também uma oposição muito
forte baseada em instintos políticos e econômicos. Por mais equivocados
que estes instintos possam ter sido, não existe qualquer fundamento para
duvidar de sua natureza bona fide. Na verdade, como se percebe facilmente,
eram meras consequências de um instinto mais fundamental, ou seja, o
instinto de autopreservação.
Os filhos das classes inferiores e mais pobres do país, que pertencem às chama-
das ‘massas’, não são, em geral, educados; as crianças que são educadas per-
tencem a uma classe diferente, e, consequentemente, em matéria de educação
56 as cinco leis da biblioteconomia
das massas, eu, no curso de minhas funções oficiais, falando estritamente, não
vislumbro nada ou vislumbro muito pouco.54
2171 Exemplo 1
A forma como a Segunda Lei realizou literalmente este sonho de Huxley
pode ser vista no relato feito em Adult education and the library57 sobre a
marcha de um jovem pescador pelo caminho do saber. Nasceu na Noruega.
Aos quatorze anos, foi tirado da escola. Seu pai disse, ‘Não vale a pena você
estudar’. O adolescente foi mandado para a incessante tarefa de pescar na
costa desolada do norte da Noruega. Mas o governo norueguês mantinha
nesse fim de mundo uma boa biblioteca, apesar de pequena. Os livros eram
periodicamente substituídos e o acervo reabastecido. Enfiando a cabeça e
o coração nesses livros, esse jovem, a quem fora declarado que ‘não vale
a pena você estudar’, adquiriu uma educação superior ao que ele próprio
poderia ter imaginado. Partiu então para o Novo Mundo, matriculou-se
na escola preparatória aos vinte e três anos, graduou-se aos vinte e oito
anos e estabeleceu-se como professor com seu próprio colégio. Esta carreira
do professor Rolvaag, do St. Olaf’s College, não é de forma alguma única.
2172 Exemplo 2
Em Madras, lembramo-nos da história daquele feito maravilhoso
empreendido pelos livros, lidos à luz dos postes de iluminação, que con-
seguiram alçar um menino que nascera na obscuridade para a tribuna da
suprema corte. Trata-se de T. Muthuswami Ayyar. Sua estátua encontra-se
hoje ornamentando o centro do prédio da corte suprema de Madras. Esta
influência da Segunda Lei fez com que fossem resgatados, dos porões
da sociedade, em proveito do mundo, tantos homens promissores. Uma
geração ou duas atrás, sua rival livros para uns poucos eleitos teria
reconhecido a posição social anterior ao seu nascimento, forçando-os a se
arrastar pela vida e morrer, sem jamais alcançar sua plena estatura.
a segunda lei e sua luta 57
2173 Exemplo 3
Eis uma mulher que ganha a vida como chef em um hotel [...] Ela observou um
dia que sua filha mais velha franzia impacientemente as sobrancelhas quando
a mãe cometia um erro gramatical. A mãe decidiu que não iria perder nem um
pouquinho do respeito de sua filha por causa disto. Pediu ao bibliotecário de
referência que lhe recomendasse livros que a ajudassem a evitar os erros mais
comuns de gramática e pronúncia. Ela precisava de um curso progressivo de
bom inglês, que fosse adequado às suas necessidades especiais. Mais tarde
ela pediu livros que a mantivessem informada sobre acontecimentos atuais e
assim por diante.58
2174 Exemplo 4
Há, ainda, o caso do policial que solicitou livros que o ajudassem a des-
cobrir por que são cometidos crimes. “De que adianta prender as pessoas
se você não pode ajudá-las?” perguntava.59 Devorou livros de sociologia
e psicologia. Se tivesse vivido antes do advento da lei para cada pessoa
o seu livro, que oportunidade teria tido tanto para estudar em livros de
sociologia e psicologia, quanto para cumprir seus deveres oficiais de forma
não apenas satisfatória para sua consciência, mas também benéfica para
a sociedade? Como nossos policiais se tornarão úteis e populares se forem
levados a ler, como acontece com seus contemporâneos do Novo Mundo,
livros de sociologia e psicologia, além dos capítulos do manual da polícia!
2175 Exemplo 5
A natureza profética das palavras de Adam Smith ficou demonstrada
ao pé da letra pelos serviços prestados pela Segunda Lei da bibliotecono-
mia ao público da cidade de Grand Rapids, no estado norte-americano
de Michigan.
2182 Esperança e Fé
Nossa única esperança repousa na suprema sabedoria da Segunda Lei.
A história tem mostrado que a Segunda Lei é adepta da arte da estratégia.
Se se constatou que o filtro de Macaulay era uma armadilha, em breve
ela se desviará do seu curso e se livrará desse entupimento do ‘filtro’. A
Segunda Lei não aceitará uma derrota. No final, vencerá. Esta é nossa fé.
Com a opinião mundial a seu favor, poderá vencer até mesmo numa data
não muito distante. Se forem empresários inteligentes, os indianos ‘educa-
dos em inglês’ deverão recebê-la com um ramo de oliveira e oferecer seus
préstimos na guerra santa que essa lei vem travando contra a ignorância
persistente. Somente então conquistarão respeito aos olhos do mundo e
somente então poderão sobreviver em meio às forças que serão libertadas
no dia em que a Segunda Lei cravar sua bandeira em solo indiano e colocar
os livros nas mãos de todos, da mesma forma que o fez em outras terras.
22 Homens e Mulheres
A antítese não tem sido simplesmente entre as classes e as massas.
À medida que examinamos os preconceitos de tempos antigos à luz da
Segunda Lei da biblioteconomia, deparamos com vários outros. Não é
apenas a fronteira da renda que, por muito tempo, divide a humanidade
entre quem tem direito de usar os livros e quem não tem. O gênero, por
exemplo, foi outro fator que restringiu a aplicação da lei livros para todos.
Em nosso próprio país, a Segunda Lei ainda não conseguiu completamente
superar as limitações vividas pelo sexo feminino.
60 as cinco leis da biblioteconomia
223 Tradição
Desde os tempos do homem primitivo, a maioria das mulheres ge-
ralmente ocupou um lugar protegido e, portanto, não receberam uma
formação cultural e profissional elevada que as habilitasse a lidar com
questões complexas. Tanto em passadas como em recentes civilizações,
os limites que as realizações femininas podiam alcançar foram em geral
definitivamente fixados pelo costume. As que se atrevessem a excedê-los
corriam o risco de serem tidas como ‘pouco femininas’.
2231 Antiguidade
Em Atenas, aparentemente, era um dogma aceito que nenhuma moça
de respeito devia ser educada. A esposa ateniense, por exemplo, vivia como
prisioneira virtual entre quatro paredes [...] Não podiam pessoalmente
herdar propriedade, e eram consideradas um apanágio do imóvel [...] Sua
educação era trivial.”61 O ostracismo social praticado para impedir que
a segunda lei e sua luta 61
Rousseau também diz da mulher que ela é “um homem imperfeito” e que
em muitos aspectos não passa de “uma criança crescida”.65 E acrescenta
É espantoso que as mulheres ainda consigam ser sociáveis, pois todo seu saber
decorre somente de seus dotes naturais. Passam a juventude aprendendo a
bordar e costurar ou a fazer bugigangas. De fato, aprendem a ler e talvez a
assinar o nome, se tanto. Esse é o ápice a que chega a educação da mulher.70
[...] transformadas
Numa forma bruta de lobo, ou urso,
Ou onça, ou tigre, porco, ou bode barbudo,
[...] E elas, tão perfeitas em sua miséria,
Nunca percebem sua deformação hedionda,
E se vangloriam como mais belas que nunca.73
Quando o outro sexo vai estudar direito, medicina ou teologia, tem a seu
dispor inúmeras instituições muito bem providas, com professores altamente
qualificados e preparados, além de bibliotecas de elevado custo [...] A profis-
são da mulher envolve cuidar do corpo em períodos críticos da vida, como na
infância e na doença, treinar a mente humana no período mais sensível, que
é a infância, instruir e controlar os criados, e a maior parte da administração e
economia da propriedade familiar. Estes deveres das mulheres são tão sagra-
dos e importantes quanto quaisquer outros que sejam atribuídos aos homens.
Contudo, não lhes foi dada nenhuma dessas vantagens para sua preparação.76
Esta censura era justificável até três ou quatro décadas atrás. Entretanto,
todos os esforços vêm sendo feitos em todos os países avançados para
eliminar essa censura por meio de uma orientação adequada da educação
inicial na escola e por um suprimento abundante de livros para que essa
educação continue até o fim da vida. para cada mulher o seu livro é o
lema que orienta as bibliotecas de hoje em dia. Elas agora cuidam para
que seus livros cheguem além do purdah.* Esforçam-se, por exemplo, para
que “todas as mães, cujos nomes são incluídos nos cartórios de registro
civil quando nasce um filho, procurem conhecer os livros de puericultura
existentes na biblioteca.”77 Esta difusão diferenciada de livros, em campos
restritos do conhecimento, marca o segundo estágio.
do século xix foi Karl Pearson. Em trabalho de 1897, Variation in man and
woman,78 demonstrou com clareza que, de fato, não havia qualquer va-
riação significativa nas medidas anatômicas de seres humanos tratadas
com acuidade matemática. Ele conduziu um rigoroso exame estatístico
de diversos dados anatômicos. Baseado neles, concluiu o longo trabalho
com seu característico tom mordaz:
tidões das mulheres tanto quanto dos homens. Os direitos das mulheres
de escolher seus livros devem ser precisamente iguais aos dos homens.
Os livros que divulgo devem ser diferentes, não porque esta pessoa seja
homem e a outra seja mulher, mas devem ser diferentes apenas com base
no fato de que cada um é um indivíduo.” Assim, a Segunda Lei da bibliote-
conomia não se satisfaz mais em oferecer às mulheres livros sobre afazeres
domésticos ou livros de devoção ortodoxa; por outro lado, insiste em que
todos os livros têm o lídimo direito de entrar em qualquer domicílio para
o benefício de todos os membros da família, independentemente do sexo.
231 Diferenciação
Que aos camponeses falta a oportunidade de estudo e cultura fica
claro a partir do desprezo implícito no vocábulo inglês rustic [rústico, em
português, com os mesmos sentidos] e na palavra tâmil nattuppurattan
[literalmente, um aldeão]. É também indicado pela conotação comum do
epíteto sânscrito gramya [grama significa vila, enquanto gramya quer dizer
vulgar]. Em Helênicas, Xenofonte de forma ingênua sugere por dedução
que a moradia habitual em aldeias bastaria para privar alguém de alguns
dos direitos e privilégios mais comuns. Diz ele:
Uma tal visão discriminatória tem persistido através dos séculos. Hannah
More, por exemplo, “não ‘acabaria com a ignorância’ das aldeias; o vício,
68 as cinco leis da biblioteconomia
ficar. Ano após ano, tornar-se-ão cada vez mais importantes. De agora em
diante, encaramos a agricultura como uma indústria capitalizada, que
requer conhecimento e capacidade executiva e que atrai homens com
capital e cérebros. O homem de pouca energia ou capacidade e aquele a
quem falte o conhecimento científico terão cada vez mais dificuldade para
não serem postos de lado. Não se pode mais depender de um campesinato
eternamente megulhado na ignorância e presa de métodos tradicionais. Se
o país quiser manter-se em dia com o mundo, os agricultores deverão ser
constantemente sacudidos de sua rotina. Deverão ser esclarecidos com os
fatos e as ideias científicas e econômicas mais atuais. Como fazer isso senão
com livros e revistas? Poderemos ainda permitir-nos continuar adiando a
oferta aos agricultores dos seus livros?
Na estrutura antiga da vida das vilas, certas influências estão em curso, que
deverão, mais cedo ou mais tarde, modificar profundamente suas caracterís-
ticas de auto-suficiência, e que, em algumas partes do país, já começaram a
produzir seus efeitos. [...] O desenvolvimento das comunicações e a consequente
aceleração e barateamento dos meios de transporte estão levando as vilas a se
aproximarem mais das áreas urbanas [...] o contato com as cidades introduz
novas ideias e o anseio por melhores condições de vida.
2321 Maryland
No condado de Washington, Maryland (eua), viviam muitas pessoas que pos-
suíam poucos livros para ler, para quem o processo de comprar livros custava
muito caro, mas que eram ávidas por uma boa literatura. Algumas delas pro-
curaram a senhorita Mary L. Titcomb, da biblioteca pública de Hagerstown, e
solicitaram que lhes fossem remetidos livros (grifo nosso) [...] Com isso a senhorita
Titcomb teve a ideia de uma carroça onde seriam instaladas estantes e carre-
gada com um grande sortimento de livros, e que subissem, pelos caminhos
montanhosos, até as moradias, o que seria uma forma esplêndida de oferecer
às pessoas uma oportunidade de ler [...] Isso aconteceu em 1905 [...] Em 1910,
o cavalo e a carroça deram lugar ao automóvel. Atualmente, cerca de 300 con-
dados seguiram o exemplo de Hagerstown, Maryland.88
2322 Inglaterra
Os experientes administradores do Carnegie United Kingdom Trust
mostraram como criar nos moradores do campo uma demanda por livros,
no caso de estarem esquecidos tanto dos benefícios trazidos pelo uso de
livros quanto do seu direito de reivindicá-los. Soubemos disso pela auto-
ridade nada menos de sir William Robertson, o primeiro vice-presidente
do Trust, ao descrever a origem das bibliotecas rurais na Grã-Bretanha:
2323 Índia
As reformas recentes investiram os camponeses (ryots) da Índia tam-
bém com o poder similar de reivindicar seus livros e exigir um projeto
de bibliotecas rurais, de âmbito nacional, que ofereça as mais modernas
facilidades que hoje lhes são inerentes. Talvez não tarde muito o dia em
que se deem conta de que possuem esse poder e venham a pô-lo em prá-
tica. O advento desse dia pode ser acelerado por meio de incentivos como
os que seus contemporâneos da Grã-Bretanha receberam do Carnegie
United Kingdom Trust. Mesmo que não haja tal perspectiva para os ryots
da Índia, a propaganda sistemática e contínua feita por entidades como
a Madras Library Association pode ser muito útil para levar a mensagem
da Segunda Lei ao interior e abrir os olhos dos camponeses para o uso dos
livros e para o direito de tê-los.
cidades. Várias causas estimulam esse êxodo, mas várias delas podem ter
seus efeitos atenuados por meio de uma rendição prudente à Segunda
Lei da biblioteconomia.
viam que ele possuía uma qualificação com a qual poderia, simplesmente se
candidatando, obter um tipo de emprego que estava além do alcance deles [...]
Isso contribuiu para o êxodo dos rapazes que haviam frequentado a escola do
interior para a cidade, que ainda continua, embora as condições que lhe deram
origem estejam mudando rapidamente. A oferta de mão de obra qualificada
para trabalho de rotina no governo e no comércio quase supera a demanda [...]
Na medida em que essa oferta é aumentada pelo êxodo dos jovens escolariza-
dos do interior para as cidades, onde incharão os exércitos de desempregados
qualificados, só é possível remediar isso, em nossa opinião, por meio da difusão
da educação em áreas rurais junto com a melhoria das comodidades oferecidas pela
vida nas vilas do interior. É inútil esforçar-se para fazer o relógio andar para trás,
restringindo a educação ao mínimo92 (grifo nosso).
2382 Exemplo 1
O bibliotecário do condado de Surrey conta que deparou
uma jovem empregada doméstica que aprecia The garden party [A festa], de
Katherine Mansfield, mais do que qualquer outro livro que já tinha lido, por-
que ‘gosta do jeito que ela escreve’. Ou pode ser uma motorista de ônibus com
um gosto pela literatura tão bom quanto o de qualquer estudante do curso de
inglês adiantado que eu tenha orientado. Mas há também os adolescentes,
recém-egressos da escola, numa idade em que a falta de emprego combinada
com o fim da educação formal formam uma grande ferida em todo o tecido
social. Numa de nossas bibliotecas ramais, soube de vários jovens — um men-
sageiro de telegramas, um carregador da estação ferroviária, um entregador
e um balconista de mercearia — que sempre que a biblioteca é aberta vão
direto para as estantes onde estão os livros de história natural, passatempos,
mecânica e ciência.98
2383 Exemplo 2
A bibliotecária da vila de Sohan, Cambridgeshire, conta: “Há certa
demanda por livros sobre assuntos domésticos da parte de jovens casadas,
interessadas em melhorar os métodos antigos.”99 A mesma bibliotecária,
falando a respeito dos jovens de sua vila, observa
2384 Exemplo 3
O bibliotecário de Cottenham, outra vila do mesmo condado, registra
Há o sapateiro que recusa tudo que não seja história ou romances históricos,
que não pode acreditar que exista alguém na própria terra do Wake que não
tenha lido Hereward, de Kingsley;* e do fruticultor que insiste em livros de
astronomia.101
2385 Exemplo 4
Outro bibliotecário de condado menciona um jardineiro que devora
todo livro sobre o Egito que o bibliotecário da vila lhe consegue, e um
guarda ferroviário que lê os livros de viagem de Sven Hedin.**
2386 Exemplo 5
A alegria que a biblioteca itinerante está levando aos moradores de
vilas monótonas é ilustrada por uma nota102 recebida pelo bibliotecário
do condado de Kent e enviada por moradora “que vive a mais de 13 qui-
* Referência ao romance histórico Hereward, the last of the English, de Charles Kingsley
1819–1875, baseado na figura semilendária de Hereward the Wake, que teria se insurgido
contra Guilherme, o Conquistador (c. 1028–c. 1087). (n.e.)
** Geógrafo e explorador sueco (1865–1952), que percorreu regiões da Ásia central. Sobre
suas viagens escreveu vários livros, que foram muito populares na Europa nas primeiras
décadas do século xx. (n.e.)
a segunda lei e sua luta 81
lômetros de qualquer cidade e que recebeu livros úteis para seus estudos
de literatura francesa”. A nota termina assim: “sou-lhe eternamente muito
grata por ter me ajudado a construir para mim um pequeno mundo de
felicidade”. Segundo outro relato, o pároco de Esclusham Below, em Den-
bigshire, com cerca de 1 900 habitantes espalhados por vários vilarejos de
mineração, transformou 263 deles em leitores constantes e empresta cerca
de sete mil volumes por ano; e o bibliotecário local relata com satisfação
que “os membros do conselho paroquial estão jubilosos com o progresso
feito e envidarão todos os esforços para assegurar o seu sucesso futuro”.103
2387 Exemplo 6
Não podemos encerrar esta seção mais adequadamente senão citando
os votos ardorosos desejados ao progresso da Segunda Lei da biblioteco-
nomia no meio rural pelo diretor do New York State College of Agriculture:
Quase não é preciso dizer que o sistema educacional de um condado não estará
completo enquanto não houver uma ou várias boas bibliotecas que atendam a
toda a população. Para a maioria dos condados rurais, a biblioteca do condado
parece ser a resposta. Enquanto as crianças e também os adultos das fazendas
não tiverem acesso conveniente e regular a coleções de livros adequados a
seus diferentes gostos e necessidades, nosso bem-estar e progresso nacional
ficarão aquém de suas possibilidades. Chegou a hora de promover um movi-
mento nacional para implantar e fazer com que os recursos da biblioteca sejam
ativamente utilizados e estejam acessíveis a todos os moradores do campo.104
24 O Normal e o Excepcional
A próxima antítese a ser considerada — o normal e o excepcional — é
de natureza mais complicada. Há condições excepcionais de todos os tipos.
Há o enfermo temporariamente internado num hospital. Há o analfabe-
tismo, que é uma condição passível de ser eliminada. Temos o prisioneiro
recuperável atrás de grades, enquanto os deficientes visuais, auditivos e
da fala formam as classes dos que são comumente descritos como ex-
cepcionais.* A palavra ‘todos’ em livros para todos abrange cada um
deles. A Segunda Lei não conhece qualquer exceção. Não pode descansar
enquanto não houver providenciado o atendimento de cada um, normal
ou excepcional, com o seu livro.
O Cego: Ah! Você não o conhece! É Croce e não Groce, um dos maiores
filósofos vivos. É italiano, e, é claro, escreve em italiano.
O Psicólogo: Também sou encarregado da prisão local, quer dizer, como
psicólogo, tenho também que cuidar dos internos.
A Segunda Lei: Mas, o que posso fazer? Foi só outro dia que mandei meu
bibliotecário dar uma volta com o carro-biblioteca. O velho carcereiro
aí ficou duro feito pedra. Rosnou algo como “O quê! Livros para esses
assassinos detestáveis!” Parece até que insultou meu bibliotecário,
dizendo “Se não tem um jeito melhor de ganhar a vida, aproveite a
primeira oportunidade de assaltar uma casa, e terei a oportunidade
de lhe conseguir trabalho”.
O Carcereiro: O quê? Quando foi isso?
A Segunda Lei: Alguns meses atrás, acho.
O Carcereiro: Graças a Deus! Não era eu!
O Psicólogo: Tudo isso agora são águas passadas. Esse velho carcereiro
já se aposentou. Parece que você não faz ideia de como as reformas
recentes humanizaram tudo. Esse tipo de carcereiro sarcástico já era.
Agora estão recrutando pessoas qualificadas, pessoas simpáticas, que
querem recuperar os criminosos ao invés de mantê-los eternamente
presos. Por isso é que me querem lá.
O Carcereiro: Asseguro-lhe, dona, que a senhora terá sempre minha en-
tusiástica cooperação na sua missão filantrópica. Em nome do meu
predecessor, apresento-lhe e ao seu bibliotecário o meu mais sincero
pedido de desculpas.
A Segunda Lei: Muito obrigado, senhor, mas fico muito contente ao saber
dessa mudança. Estou muito feliz. Um problema difícil que trouxe para
esta conversa já está assim resolvido.
O Psicólogo: Você tem a lista dos livros que mandou outro dia?
A Segunda Lei: Aqui está.
O Psicólogo: Tudo bem, enquanto estiver funcionando... Mas parece que
você esqueceu completamente os prisioneiros políticos. Eles gostariam
de receber livros e mais livros, de economia, política, metafísica, socio-
logia, e assim por diante.
A Segunda Lei: Eles permitirão esses livros na prisão?
O Psicólogo: Certamente, por que não? Apesar de tudo, é com a maior relu-
tância que o governo manda essas pessoas cultas para a prisão. É mais
para justificar a majestade da lei, do que para privá-los da liberdade.
Jogadores de fim de semana e infratores da lei do sal* são normalmente
os maiores intelectuais da comunidade. São presos apenas por causa de
* Lei que proibia a fabricação do sal, mesmo artesanal, sem autorização. Foi proposital-
mente violada pelo Mahatma Gandhi, em manifestações ocorridas em 1930, quando ele e
inúmeros de seus seguidores foram presos. (n.e.)
84 as cinco leis da biblioteconomia
O Cego: E nós?
A Segunda Lei: O movimento está se espalhando. Recentemente chegou à
China e poderá chegar aqui muito em breve.
O Cego: E enquanto não chega?
A Segunda Lei: A Inglaterra e os Estados Unidos terão prazer em ajudá-los.
O Cego: Terão eles livros em quantidade suficiente?
A Segunda Lei: Ah, sim. Somente na Inglaterra, o estoque passa de 100 mil
volumes.
O Carcereiro: Cem mil volumes para cegos!
O Psicólogo: Os livros, você sabe, são o principal refrigério com que contam
os que padecem da cegueira.
O Carcereiro: São populares?
A Segunda Lei: Sim. Os usuários da biblioteca britânica para cegos excedem
10 mil, enquanto o empréstimo anual passa de 50 mil. E não faz muito
tempo a rainha distribuiu prêmios para as crianças cegas que usavam
as bibliotecas de forma mais eficiente.
O Analfabeto: E o que eles leem?
O Psicólogo: Naturalmente, todos os assuntos. As necessidades dos cegos
não diferem materialmente das necessidades das outras pessoas. O
nível de inteligência deles não é inferior, e algumas de suas faculdades
muitas vezes são mais desenvolvidas.113
O Cego: É verdade. Um de nós é especialista em consertar relógios de qual-
quer tipo. Sua oficina vai de vento em popa e seus concorrentes que
enxergam usam os olhos para admirar o sucesso dele, maravilhados
e com inveja.
A Segunda Lei: Há atualmente vários jovens cegos que ingressam nas uni-
versidades e se formam.
O Analfabeto: Então, estamos piores do que os cegos.
O Cego: Sim, como diz o Senhor, “Tendo olhos, não vedes?”114
A Segunda Lei: É fácil você ajudar a si próprio.
O Analfabeto: Mas, eu não sei ler.
A Segunda Lei: Se você for à biblioteca, alguém poderá ler os livros para
você. Há leitores especialmente designados para esta finalidade.
O Psicólogo: E, nesse meio tempo, você pode aprender a ler e escrever.
O Analfabeto: Gostaria muito. Mas será que consigo?
O Psicólogo: A biblioteca tem um clube de alfabetização. Matricule-se e em
seis meses você saberá ler e não precisará mais de ajuda.
O Analfabeto: Posso levar minha mulher? Ela também gostaria de aprender.
O Carcereiro: Sim. E sua avó também!
A mãe do surdo: E meu filho? Ele é surdo-mudo.
A Segunda Lei: Para mim, não será um problema especial, desde que ele
saiba ler e escrever.
86 as cinco leis da biblioteconomia
A mãe do surdo: Que menina encantadora! Gostaria que meu filho também
tivesse esse conforto de espírito.
A Segunda Lei: A verdadeira finalidade da minha existência está em pro-
porcionar isso a ele.
25 O Coral da Biblioteca
Todos cantam em coro:
26 A Terra e o Mar
Embora as antíteses entre ricos e pobres, homens e mulheres, cidade e
campo, normais e excepcionais tenham, desde o começo, atraído a atenção
do público com resultados diferentes, a antítese entre terra e mar parece ter
sido negligenciada por muito tempo, pois, como se diz, ‘longe dos olhos,
longe do coração’. As pessoas que levam a vida no mar passam a maior
parte do tempo longe de casa e suas exigências e carências raramente
são notadas por quem leva uma vida sedentária em terra. Entretanto,
88 as cinco leis da biblioteconomia
263 Os Faroleiros
Os faroleiros necessitam de livros tanto quanto os próprios marinheiros.
A sorte da maioria dos homens confinados na solidão dos faróis é tão dura
quanto a de Robinson Crusoe em sua ilha deserta. Ou talvez pior. Enquanto
Robinson Crusoe tinha a liberdade de perambular, até mesmo esta liber-
dade lhes é negada. Embora o destino dos navios e seus passageiros, bem
como a prosperidade de seus proprietários em terra dependam de seus
serviços vigilantes e abnegados, não deixa de ser razoável que o apelo da
Segunda Lei a seu favor seja ouvido com a maior boa vontade. Embora os
faróis da costa possam ser atendidos pelas bibliotecas sucursais ou pelas
bibliotecas municipais, conforme for o caso, deve haver uma organização
central especial que atenda às necessidades dos faróis isolados em ilhas e
embarcações. O total de faróis e navios-faróis que recebem regularmente
livros na Grã-Bretanha e na Irlanda é de quase 300.
27 O Adulto e a Criança
Os embates da Segunda Lei, porém, atingem a fase mais complicada
quando tem que negociar a antítese entre o adulto e a criança. Por muito
90 as cinco leis da biblioteconomia
* Menção à capacidade que o camelo tem de armazenar uma grande quantidade de água,
de uma só vez, o que lhe permite varar longas distâncias nos desertos e sobreviver até
oito dias sem beber. (n.e.)
a segunda lei e sua luta 91
28 Democracia Ilimitada
Assim, a luta da Segunda Lei da biblioteconomia deveu-se grandemente
à ilimitada democracia e universalidade de seu apelo. Os caprichos da na-
tureza podem militar contra a lei da democracia em muitas esferas da vida.
Nenhum credo político ou ético pode uniformizar as diferenças físicas, de
temperamento e inteligência mais do que as diferenças de altura ou cor.
Mas, a lei livros para todos mostrou ser mais do que um adversário à
altura dos perversos caprichos da natureza. Ela pode cegar alguns; pode
atar a língua de outros; pode lançar a sorte de outros destinando-os à soli-
dão; pode sujeitar a maioria ao jugo da miséria. No entanto a Segunda Lei
tratará a todos como iguais e oferecerá a cada um o seu livro. Obedecerá
escrupulosamente ao princípio da igualdade de oportunidades em relação
aos livros, ao ensino e ao entretenimento. Não terá descanso enquanto não
houver reunido todos — ricos e pobres, homens e mulheres, quem mora
em terra firme e quem navega os mares, jovens e idosos, surdos e mudos,
alfabetizados e analfabetos — a todos, de todos os cantos da Terra, até que
os tenha conduzido para o templo do saber e até que lhes tenha garantido
aquela salvação que emana do culto de Sarasvati, a deusa do saber.
122
94 as cinco leis da biblioteconomia
CAPÍTULO 3
30 Abrangência
No capítulo anterior, testemunhamos a lenta luta da Segunda Lei, de
trincheira em trincheira, de obstáculo em obstáculo; neste, veremos o su-
cesso arrasador de livros para todos, em sua desimpedida digvijaya ou
expedição de conquista do mundo. O capítulo precedente enumerou os
vários interesses adquiridos entrincheirados contra a marcha da Segunda
Lei; este capítulo nos levará numa volta ao mundo na esteira da majes-
tosa conquista da mensagem livros para todos. Por enquanto vimos a
difusão da Segunda Lei em diferentes camadas e segmentos da sociedade;
agora testemunharemos a difusão de livros para todos nos diferentes
continentes e países. livros para uns poucos eleitos tinha existido desde
que os livros são escritos. Mas, livros para todos é um conceito novo.
Embora as bibliotecas existam desde tempos imemoriais, só as origens
do ‘movimento por bibliotecas’ é que estão na memória de nossos avós.
Não é nosso objetivo traçar a história das bibliotecas que foram constru-
ídas tanto para acumular quanto para oferecer livros, no máximo, para
uns poucos eleitos. Nosso esforço, por outro lado, será fazer um rápido
levantamento do desenvolvimento do movimento em prol de bibliotecas
de nossos dias no maior número possível de lugares. Não trataremos aqui
de bibliotecas isoladas, por maiores que sejam, mas teremos que tratar
de uma multidão de bibliotecas. A irrupção de miríades de bibliotecas,
muitas delas, apesar de diminutas, palpitantes de vida e radiantes com
o resplendor causado pela recepção da boa nova democrática anunciada
pela incansável Segunda Lei.
31 Américas
A Segunda Lei da biblioteconomia lançou as sementes do movimento
por bibliotecas em todo o mundo. Algumas caíram em lugares pedregosos,
outras entre espinhos, e outras em solo fértil. Mas parece que as sementes
que caíram nos campos do Novo Mundo foram as primeiras a germinar.
94
a segunda lei e sua digvijaya 95
Faz meio século, reuniram-se em Nova York três jovens com ideias e ideais,
semente intelectual da qual ricos frutos se mostram neste conclave, na American
Library Association e no desenvolvimento do moderno sistema norte-americano
de bibliotecas, cujos métodos, conforme esta conferência internacional está a
indicar, estão presentes em todo o mundo.123
3121 Resultados
A Segunda Lei estava interessadíssima no relatório do especialista.
A pesquisa foi feita com a maior rapidez possível e o relatório veio à luz
em julho de 1926. Quais foram os resultados da pesquisa sobre as quatro
questões fundamentais? Eis um resumo:
1. Cerca de 64 milhões ou 56% da população vivem em áreas onde
há bibliotecas.
2. Cerca de 50 milhões ou 44% da população ainda não dispõem de
serviço de bibliotecas públicas e, desse total, três milhões vivem em áreas
urbanas e os restantes 47 milhões vivem em áreas rurais.
3. Desde que a American Library Association foi fundada, um dos
seus objetivos, estabelecido no estatuto de 1879, a saber, “fomentar no país
o interesse pelas bibliotecas [...] predispondo a consciência pública para
a criação e o desenvolvimento das bibliotecas”, vem sendo cumprido de
forma sistemática. Cerca de seis mil novas bibliotecas foram construídas.
Ao invés dos dois milhões de volumes de antes, 70 milhões de volumes
vieram a ocupar as estantes das bibliotecas públicas. Cerca de 240 milhões
a segunda lei e sua digvijaya 97
3122 Implementação
A Segunda Lei protestou porque essa insuficiência e a consequente
desigualdade de oportunidades oferecidas pelas bibliotecas não são nada
democráticas, e perguntou: “O problema de fornecer serviço de biblioteca
pública para 50 milhões de pessoas que atualmente não dispõem dele é
grande o suficiente para pôr em xeque as melhores ideias e esforços de que
você seja capaz. Você teve o honroso privilégio de iniciar o movimento por
bibliotecas no mundo. Você vai tolerar a perda dessa honrosa posição?“
“Nada disso. Resistiremos,” disseram os Estados Unidos, e a American
Library Association imediatamente encarregou125 o Standing Committee
on Library Extension [comissão permanente de desenvolvimento biblio-
tecário] de envidar
* No hinduísmo, vaso mágico ofertado por Surya, o deus-sol, a Yudhistira, e que fornecia
alimentos de forma constante e infinita. Análogo, na mitologia grega, à cornucópia com
que Zeus presenteou a cabra Almateia. (n.e.)
a segunda lei e sua digvijaya 99
algum bem; ora aparece como ciúme, ora como uma filosofia paralisante.
Uma atmosfera dessas não favorece o crescimento do movimento por bi-
bliotecas. A ajuda talvez parta somente do Estado. Assim que o prestígio
da ação do Estado clarear a atmosfera, o movimento em prol de bibliotecas
poderá ter a oportunidade de preparar adequadamente a consciência da
população e encontrar mais nutrientes no solo natural da opinião pública.
313 México
Um passo para o sul nos leva ao México. Aqui, as sementes do movi-
mento por bibliotecas parece que haviam sido lançadas em solo sáfaro, até
que a Revolução de 1910 suscitou aspirações para a cultura popular. Os
esforços iniciais, com o objetivo de mostrar que a cultura e a educação não
poderiam ser uma reserva fechada das classes altas, não foram, entretanto,
eficientes, até ser criado um ministério da educação pública por lei de abril
de 1917. Este ministério foi incumbido pelo presidente com a tarefa de
produzir a tão necessária ‘transformação social’. Assim sendo, tentou, pela
primeira vez, construir uma ponte sobre o fosso cultural entre as classes
altas e as massas. Em pouco tempo, descobriu que a única ponte adequada
seriam as bibliotecas públicas e para isso estabeleceu um departamento
de bibliotecas em setembro de 1920. Ao verificar que a maioria da popu-
lação era analfabeta, o ministério teve que adotar métodos rápidos para
erradicação do analfabetismo, com a ajuda do que ficou conhecido como
‘missões culturais’.127 O trabalho desse departamento foi tão bem-sucedido,
que o México conta atualmente com cerca de 1 500 bibliotecas populares,
mil bibliotecas escolares, 800 bibliotecas industriais e 500 bibliotecas rurais.
Foram distribuídos em 1927 aproximadamente 700 mil volumes para as
bibliotecas das zonas rurais. As verbas alocadas variam conforme a situação
do tesouro nacional. Eram de aproximadamente 700 mil rupias em 1923,
mas de somente 60 mil rupias em 1927. O número de leitores superou a
marca de um milhão em 1927. A seção técnica do departamento mantém
um catálogo coletivo dos recursos bibliográficos de todo o país e publica
uma revista bibliográfica intitulada El libro y el pueblo.
Este México tão variegado está atualmente sendo integrado pelo ministério
da educação por intermédio da escola e da biblioteca. Algumas bibliotecas
são mantidas pelo governo federal e outras pelos governos estaduais. O seu
acervo de livros tem o objetivo de atender ao gosto de todos e às necessida-
des de todos. Inclui não só livros didáticos comuns, mas também manuais
de técnicas industriais e agrícolas, bem como livros sobre ‘administração do
lar’, conformes às necessidades locais. Conferencistas munidos de filmes e
diapositivos são mandados até mesmo para os povoados mais remotos, a
fim de atrair o povo para as bibliotecas. Criam-se espaços para as crianças
destinados a estimular o hábito da leitura e o amor aos livros, antes mes-
mo que os demais hábitos se consolidem. Assim, o México mostrou o que
pode ser feito por um punhado de técnicos, trabalhando com entusiasmo
e devotando toda sua energia a uma tarefa cheia de obstáculos, se tiverem
o apoio de um ministério popular que lhes seja favorável.
* Compare-se com a influência que a mesma obra exerceu no pensamento e nas ativida-
des de Rubens Borba de Moraes voltadas para a modernização das bibliotecas públicas
da cidade de São Paulo. Cf. O mestre dos livros: Rubens Borba de Moraes, de Suelena Pinto
Bandeira (Brasília: Briquet de Lemos/Livros, 2007, p. 19-20, 24). (n.e.)
102 as cinco leis da biblioteconomia
* Um dos ancestrais de Rama, guerreiro audaz, famoso por sua incrível velocidade ao
dirigir carros de guerra, e sua imensa generosidade, ao ponto de se dizer que ninguém
saía de seu palácio de mãos vazias. (n.e.)
104 as cinco leis da biblioteconomia
* Uma das três mais populares divindades do hinduísmo, junto com Ganesh e Garuda,
cultuado por sua força física, perseverança e devoção. Entre os poderes de que é dotado
está a capacidade de voar e mudar de tamanho. (n.e.)
a segunda lei e sua digvijaya 105
32 África do Sul
321 Carnegie Commission
Desse modo, uma comissão, formada por dois bibliotecários, um
norte-americano e um escocês, desembarcou na Cidade do Cabo em 20
de agosto de 1928. Percorreu o país durante três meses e constatou que
estava totalmente possuído pela rival da Segunda Lei, ou seja, livros para
poucos eleitos. Encontraram, é claro, 211 bibliotecas.
O sul-africano aceita — talvez não haja outra saída — que o nativo lhe faça
a comida, cuide dos seus filhos, arrume a casa, preste-lhe serviços pessoais,
como buscar livros na biblioteca e devolvê-los, mas pressente que o fim desse
regime estaria próximo se a esse criado fosse permitido abrir tais livros e lê-los
naquele lugar.142
33 Europa Oriental
A explosão de entusiasmo que caracterizou a recepção da Segunda Lei
depois da Primeira Guerra Mundial em todos os países importantes da Eu-
ropa é bastante inequívoca. Isso foi devido, em grande parte, à luz sinistra
que a fornalha abrasadora da Grande Guerra lançou sobre os resultados
fatais da oferta de oportunidades desiguais para a autoeducação, sob o
a segunda lei e sua digvijaya 109
331 Grécia
Não precisamos nos deter na desgastada Grécia que nos recebe em sua
glória desbotada, ao cruzarmos o mar Mediterrâneo.
332 Bulgária
O veículo que ela adotou no primeiro país a que chegamos em nosso
caminho rumo ao norte a partir da Grécia reveste-se de um significado espe-
cial para a Índia. Parece que a Bulgária nos mostra como deitar vinho novo
em odres velhos. Ela possuía uma antiga instituição peculiar, denominada
chitalista, que “é uma espécie de biblioteca combinada com as atividades
de um teatro, cinema, salão social (centro comunitário) e biblioteca”.143 Esta
respeitável instituição, muito estimada pelo povo, é o agente selecionado
para distribuir livros para todos. As incontáveis conferências que organiza
sobre assuntos de interesse atual, como higiene, agricultura, sociologia,
ciência, religião, etc., levam à popularização dos livros, especialmente
entre os jovens. O ministro da educação, que é um grande entusiasta das
bibliotecas, conseguiu a aprovação de uma lei em 1928, que resultou no
rápido crescimento do número de chitalistas, que já haviam chegado perto
de 1 984. Ademais, nomeou uma supervisora de bibliotecas e a mandou
para a Inglaterra e Estados Unidos para receber treinamento. Ela participa
do conselho nacional de educação.144 O conhecimento especializado e o
entusiasmo ilimitado desta supervisora de bibliotecas mostram que há
representantes competentes da Segunda Lei na sua expedição pela Bulgária.
333 Romênia
O vizinho ao norte da Bulgária, a Romênia, também adotou plano
similar. Ao chegar a oportunidade de hospedar a Segunda Lei, ela facil-
110 as cinco leis da biblioteconomia
mente adaptou suas astras e atheneums para esta finalidade. Estas antigas
instituições parece que se adaptaram imediatamente à ideia da biblioteca
moderna, como peixe na água. A astra, que é sigla da associação de lite-
ratura e cultura romenas, realiza cursos de alfabetização, organiza círculos
de estudo e mantém bibliotecas. Tem a seu crédito em torno de três mil
bibliotecas. As dificuldades financeiras experimentadas pelo ministério da
educação levaram-no a confiar grandemente nestas antigas instituições e
em doações de particulares para a difusão da mensagem da Segunda Lei.
334 Iugoslávia
As três novas nações da Europa central que formam os vizinhos oci-
dentais da Romênia abraçaram o moderno movimento por bibliotecas com
grande entusiasmo. Em cada um destes países, os ministérios da educação,
desde o princípio, compreenderam que sua obrigação fundamental era
permanecer no campo da erradicação do analfabetismo e da instalação
a segunda lei e sua digvijaya 111
335 Hungria
Na Hungria, as coisas ainda não assumiram uma forma final. Ela
ainda é muito pobre para oferecer livros para todos, pois ainda não se
recuperou por completo das consequências da guerra, da revolução e do
desmembramento do país. Ainda assim, a Segunda Lei faz o possível nesse
país. O ministro da educação iniciou, em 1923, uma minuciosa pesquisa
sobre as necessidades e os recursos para uma eficiente educação popular.
Como resultado disso, foi redigido o projeto de uma lei de educação de
adultos. O terceiro capítulo do projeto trata do movimento por bibliotecas.
Torna obrigatória para as vilas e cidades a criação de bibliotecas. Prevê-se
também em localidades muito pequenas e pobres, que não possam man-
ter uma biblioteca própria, que sejam servidas por bibliotecas itinerantes
mantidas pelos conselhos municipais e ajudadas pelo Estado.
336 Tchecoslováquia
Mas o maior sucesso alcançado pela expedição da Segunda Lei somente
foi acontecer na Tchecoslováquia. Tão logo conseguiu livrar-se das garras
da Áustria — um nome que significava para ela “qualquer mecanismo
que pudesse matar a alma de um povo, corrompê-la com um mínimo de
bem-estar material, privá-la da liberdade de consciência e de pensamento,
minar-lhe o vigor, quebrar-lhe a tenacidade e desviá-la da busca do seu
ideal”147 – os ensinamentos de Palacky, um dos que a ‘despertaram’, logo
acorreram à sua mente. Um desses ensinamentos era “somente pela edu-
cação é possível encontrar o caminho da salvação”,148 sendo a educação
interpretada não apenas como colocar as crianças na escola, mas como um
processo de toda a vida. Esta educação significava oferecer livros para
todos e, portanto,
3362 Realização
Como resultado dessa lei bibliotecária cuidadosamente elaborada, o
número de bibliotecas subiu de 3 400 em 1920 para 16 200 em 1926. Existe,
em média, uma biblioteca para cada 894 habitantes e 44 livros para cada
100 habitantes. O número de leitores permanentes da população total cres-
ceu 7,1%, e o número médio de livros lidos por leitor por ano é de 18,3.150
337 Polônia
Agora, um passo mais ao norte nos leva à Polônia — a perseguida
Polônia — que recuperou sua plena liberdade somente depois da Grande
Guerra. No momento em que a Polônia recuperou a independência polí-
tica em 1918 e “a nação polonesa reunificada recuperou o controle de seu
destino, a causa da educação tornou-se uma das principais preocupações
114 as cinco leis da biblioteconomia
o retoque num elo de uma grande corrente, que une toda a humanidade num
todo único; e os erros na educação e na orientação das pessoas, em sua maioria,
resultam de que alguns elos são isolados da corrente e se começa a filosofar
sobre eles como se apenas eles existissem e, na qualidade de elos, não repre-
sentassem a propriedade de toda a corrente.158
116 as cinco leis da biblioteconomia
3383 Realizações
O décimo aniversário da Revolução de Outubro foi uma oportunidade
para fazer um levantamento das realizações alcançadas ao longo desse
período pela expedição feita pela educação para todos e livros para
todos na Rússia. Constatou-se que aproximadamente
A situação atual de nosso país exige de forma imperativa que nossas biblio-
tecas promovam a circulação em grande quantidade de livros de teor infor-
118 as cinco leis da biblioteconomia
mativo. Mas, como foi observado, há muito poucos desses livros em tâmil [...]
Sem dúvida, a lei da oferta e da procura determinará a solução também deste
problema. Entretanto, a comissão reconhece que o estabelecimento de um
número considerável de bibliotecas públicas contribuiria grandemente para
formar a necessária procura.
O conselho também apela ao governo e às universidades da província para
que estimulem ativamente a criação da necessária oferta durante as etapas
iniciais. Este é um dever legítimo e fundamental do Estado, que é responsável
pelo bem-estar geral dos cidadãos, e das universidades, que têm como uma de
suas funções principais a disseminação do conhecimento. De qualquer forma,
as dificuldades nas etapas iniciais são muito grandes para serem superadas por
qualquer instituição que não seja o Estado e as universidades. As experiências
de outros países em circunstâncias similares tendem a confirmar esta opinião.165
34 Escandinávia
341 Finlândia
Voltemo-nos agora para o oeste e examinemos a Finlândia e sua hos-
pitalidade para com a Segunda Lei. Algum apressado indagaria, “O que
essa terra fria e distante, escassamente povoada e pouco conhecida, tem
para nos ensinar?” Não há dúvida que a Finlândia fica muito distante.
Na verdade, encontra-se em grande parte dentro do círculo ártico, o que,
sem dúvida, a torna terrivelmente fria. Ela nem mesmo vê o sol durante
vários dias do ano. É também muito esparsamente povoada. Com uma
superfície aproximadamente do tamanho da nossa província, tem apenas
a segunda lei e sua digvijaya 119
Ninguém que conheça algo dos finlandeses negará que formam a nação mais
bem-educada do mundo. Nem a Alemanha, nem os Estados Unidos podem
reivindicar igualdade com eles a respeito disso [...] O amor ao saber assim
estimulado tem permanecido como uma característica proeminente do caráter
finlandês até os nossos dias e é em parte responsável pelo progresso desse
povo. São muito poucos os membros das classes menos privilegiadas que não
sabem ler.167
Na verdade, sabe-se que, em 1920, somente 0,7% das pessoas que tinham
completado 15 anos de idade não sabiam ler, nem escrever.168
3412 Realizações
Essa lei colocou todas as bibliotecas sob a direção de uma comissão na-
cional de bibliotecas, presidida por um membro do ministério da educação.
O órgão executivo desta comissão é a repartição nacional de bibliotecas,
administrada pelo diretor de bibliotecas. Esta repartição faz propaganda
das bibliotecas, capacita bibliotecários, publica instrumentos bibliográficos
e aperfeiçoa de todas as formas possíveis os métodos bibliotecários. Por causa
do seu trabalho de fomento, 537 comunidades rurais da Finlândia são agora
servidas por quase mil bibliotecas. De suas 38 cidades e 18 províncias, cerca
de 80% têm bibliotecas públicas próprias. Sua cidade principal, Helsinque,
que tem uma população de 227 375 habitantes, empresta mais de 700 mil
volumes por ano.
120 as cinco leis da biblioteconomia
342 Noruega
Podemos iniciar nosso estudo sobre os progressos da Segunda Lei na
península escandinava com uma breve revisão da recepção que lhe foi dada
pela Noruega. Embora o governo norueguês tenha financiado bibliotecas
desde 1830, foi somente no século xx que a oferta de bibliotecas atingiu
o nível exigido pela Segunda Lei. Ela conta atualmente com cerca de 60
bibliotecas municipais e mais de mil bibliotecas rurais.171 Existe um depar-
tamento de bibliotecas vinculado ao ministério da educação. Sua função
principal é efetuar o pagamento dos subsídios liberados pelo governo
central e zelar para que as bibliotecas observem padrões adequados de
funcionamento. Esse departamento também mantém algumas bibliotecas
itinerantes, especialmente uma para marinheiros, que possui postos de
atendimento em todos os portos da Noruega. Já se mencionou, na seção 2171,
o papel de um desses postos de atendimento, numa vila de pescadores
do litoral norte, na formação de um jovem pescador, que conseguiu sair
da condição de carência em que vivia e conquistar a posição de professor.
343 Suécia
A metade oriental da península escandinava oferece um testemunho
mais marcante do advento da Segunda Lei da biblioteconomia. A história
das bibliotecas suecas ilustra de forma esplêndida a transformação por
que passará um sistema bibliotecário antiquado tão logo a mensagem da
Segunda Lei o reanime. Vejamos um depoimento autêntico sobre os efei-
tos do seu advento constantes de um manual confiável, publicado pelo
governo sueco em 1914:
* Antiga moeda divisionária, a menor delas, que equivalia a 1/192 de uma rupia. (n.e.)
a segunda lei e sua digvijaya 121
3431 Realizações
A Segunda Lei foi, portanto, bastante bem-sucedida na Suécia ao con-
fiar o fomento do movimento por bibliotecas ao próprio Estado. Dos dois
especialistas em bibliotecas, um é encarregado das bibliotecas públicas e o
outro das bibliotecas escolares. O responsável pelas bibliotecas públicas
promoveu uma reorganização completa do sistema de bibliotecas com
a introdução do ‘livre acesso’, mediante a instalação de departamentos
infantis, a modernização dos edifícios das bibliotecas e a melhoria siste-
mática da competência profissional do pessoal das bibliotecas. As vanta-
gens decorrentes da modernização tiveram tal efeito positivo na opinião
pública que o ano de 1929 assistiu à fácil aprovação da lei de bibliotecas
pelo parlamento. Esta lei
344 Dinamarca
Da tríade de países escandinavos, foi a Dinamarca que mais se benefi-
ciou, oferecendo educação para todos e livros para todos. Com a ajuda de
um sistema educacional conscientemente voltado para o desenvolvimento
das indústrias — particularmente o singular sistema de escolas públicas de
nível médio — e de um sistema cuidadosamente coordenado de bibliotecas
públicas modernas, a Dinamarca, embora dotada pela natureza com uma
riqueza agrícola comparativamente modesta,
3443 Realizações
Há mais de um milhão de volumes no conjunto de todas as bibliotecas e
o empréstimo anual é de cerca de cinco milhões de volumes. Adotam-se
medidas de estímulo ao hábito de frequentar as bibliotecas até mesmo na
etapa escolar. De fato, “em cada escola há uma biblioteca circulante, cada
vez mais apreciada pelas crianças.”175 Portanto, a Segunda Lei da biblio-
teconomia vem sendo acolhida pelo povo dinamarquês de forma perfeita.
35 Europa Ocidental
351 Alemanha
Rumo ao sul penetra-se na república da Alemanha, onde é muito edu-
cativo passar algum tempo examinando a maravilhosa organização das
bibliotecas especializadas da Prússia, que já existiam antes do advento da
Segunda Lei. Sua organização foi impulsionada pelo anseio de oferecer a
cada estudante sério e a cada pesquisador o seu livro. Caracteriza-se
pela mesma exatidão de detalhe, que se nota nos exclusivos Handbücher que
apenas a Alemanha, entre todos os países, publica com tão grande variedade.
352 Itália
Dirigindo-nos para o sul, omitamos a Áustria, que não é diferente da
Alemanha no que concerne à maioria das questões acadêmicas, e entremos
na Itália. Embora Garibaldi antevisse a necessidade de bibliotecas e tivesse
fundado várias bibliotecas populares, a maioria delas logo caiu em desuso.
Foi somente na presente geração que elas foram reavivadas e grandemente
* Institut für Leser- und Schrifttumskunde (1926–1937), fundado em Leipzig por Walter
Hofmann (1879–1952). (n.e.)
126 as cinco leis da biblioteconomia
353 França
Rumo ao oeste, não precisamos perder muito tempo com a França, pois,
apesar de ela possuir muitas coleções valiosas, o sistema de bibliotecas
como um todo é desorganizado e fracamente desenvolvido do ponto de
vista da Segunda Lei. Foi somente no pós-guerra que algum esforço passou
a ser feito para introduzir algumas reformas adequadas. O tom melancólico
que o presidente da Association des Bibliothécaires Français fez soar no
parágrafo de conclusão da nota que remeteu à conferência comemorativa
do cinquentenário da American Library Association comprova claramente
que existe muito espaço de trabalho para a Segunda Lei. Afirma ele
* Federazione Italiana delle Biblioteche Popolari, fundada em 1909, como o que seria hoje
uma organização não-governamental, por Ettore Fabietti (1876–1962). Existiu até 1932, quan-
do o governo fascista criou o Ente Nazionale per le Biblioteche Popolari e Scolastiche. (n.e.)
a segunda lei e sua digvijaya 127
354 Bélgica
No sentido norte, chegamos à Bélgica, que, em superfície e população,
quase corresponde à nossa região de Kerala (isto é, Travancore, Cochin e
Malabar juntos). A Segunda Lei entrou na Bélgica com a promulgação da
lei Destrée* de bibliotecas em 1921. Entretanto, sua excursão nesse pequeno
país alcançou muitas conquistas. Já em 1928, a Bélgica contava por volta
de 2 154 bibliotecas, com um total de 3 615 494 livros. Havia 517 822
leitores, que usaram 7 518 494 volumes.177 Tem-se uma medida dos feitos
da Segunda Lei, ao se comparar estes números com os das 1 200 bibliotecas
que emprestaram somente dois milhões e 650 mil volumes em 1921. Ainda
há muito a ser feito pela Segunda Lei como se vê pelo fato de 946 das 2 675
comunidades belgas ainda não disporem de serviço de biblioteca.
foi extremamente lenta por muito tempo, exceto no que tange ao pequeno
estímulo em seu apoio representado pelas coleções comemorativas do
jubileu da rainha Vitória. Mas o século xx presenciou esse movimento
fertilizado por Andrew Carnegie, de maneira generosa, mas criteriosa. Isto
fez com que a semente frágil e pouco promissora repentinamente flores-
cesse com todo o vigor de uma kalpaka,* lançando seus frutos de maneira
uniforme em todos cantos do Reino Unido, enquanto o Estado observava
de longe com um sorriso de satisfação diante da boa sorte da nação.
Até 1850 0 1 1
1850–1859 0 22 22
1860–1869 0 17 17
1870–1879 0 43 43
1880–1889 0 73 73 Jubileu da
rainha
1890–1899 0 139 139 Início da
Carnegie
1900–1909 0 132 132
1910–1919 0 27 27
1920–1927 57 26 83 Projeto das
bibliotecas
Carnegie de
condados
3561 Carnegie
A tabela acima178 mostra as consequências do advento desse afortunado
aliado da Segunda Lei em solo inglês: nota-se que 71% dos órgãos respon-
sáveis por bibliotecas só vieram a existir graças às doações de Carnegie.
Fomos muito claros (por acaso eu fazia parte da comissão e posso falar com
conhecimento de causa) que se o governo não concedesse aos condados as
* Árvore mítica capaz de atender aos desejos de quem se abriga sob sua copa. (n.e.)
a segunda lei e sua digvijaya 129
3564 Resultados
Entretanto, qualquer que seja a instituição envolvida nesse trabalho,
a expedição feita pela Segunda Lei já obteve o maior sucesso na Grã-
-Bretanha. O ideal de livros para todos foi quase alcançado. Por exemplo,
96,3% da população da Inglaterra e do País de Gales têm atualmente fácil
acesso aos livros de que precisam. Cerca de 13 milhões de volumes são
encontrados nas bibliotecas urbanas e rurais, enquanto o empréstimo anual
se aproxima de 80 milhões. Cerca de 15% da população tornaram-se leitores
regulares, enquanto a despesa anual com as bibliotecas urbanas e rurais,
em conjunto, é de cerca de 15 milhões de rupias, que equivalem a cerca
de metade de uma rupia per capita. Esta quantia é arrecadada mediante o
pagamento de uma taxa especial para bibliotecas, cujo valor médio para
áreas urbanas é de cerca de 2 pie de rupia, enquanto o valor médio para
as áreas rurais é inferior a meio pie.
um êxito total no Reino Unido, uma vez que seu movimento por biblio-
tecas ingressou na etapa final de consolidação e de coordenação em base
nacional.
36 Oceano Pacífico
361 Austrália
Deixando a ilha central do Império britânico, iniciamos nossa explora-
ção do Oriente, com uma espiada na ilha-continente do mesmo Império.
Esta colônia segue os passos da metrópole em sua hospitalidade para com
a Segunda Lei da biblioteconomia, com as limitações devidas à ausência
da relação com Carnegie. São por volta de 1 200 bibliotecas em todo o país,
que recebem ajuda dos governos locais ou do governo central, conforme
o caso. As necessidades de livros da população rural, que é muito disper-
sa, são geralmente atendidas pelos órgãos chamados County Institutes,
dos quais existem cerca de 230 para servir aos 250 mil habitantes do país.
Com a ajuda de subsídios adequados pagos pelo governo central, estão
realizando um bom trabalho e reuniram um acervo de cerca de 600 mil
volumes, que estão em constante circulação.
3621 Realizações
O Havaí fornece, de fato, um serviço universal de bibliotecas públicas
de alto padrão por meio de quatro bibliotecas municipais, que contam com
246 postos de atendimento. O financiamento do sistema de bibliotecas é
proporcionado inteiramente pelo Estado, e o orçamento anual é de cerca
de três milhões de rupias. Os bibliotecários frequentemente circulam
pelas ilhas e entram em contato pessoal com os leitores, com a finalidade
de compreender suas necessidades e orientá-los para uma gama mais
ampla de estudos. Cerca de 700 mil empréstimos são feitos a cada ano. O
intenso hábito de leitura que isso implica é percebido quando se nota que
a população total do Havaí é de apenas 250 mil habitantes. Sabe-se que
a segunda lei e sua digvijaya 131
mesmo a ilha mais remota, habitada por somente 15 homens que tomam
conta de uma estação de cabo submarino, recebe a sua troca trimestral de
livros.181 Isto é, na verdade, o cumprimento literal da lei livros para todos.
37 Ásia
371 Japão
Agora é a vez do continente asiático. Antes dele, convém dar uma olhada
no progresso da Segunda Lei no Japão, no Extremo Oriente, que vem rapi-
damente alcançando as primeiras posições entre as potências mundiais. O
célere progresso do moderno movimento por bibliotecas no Japão durante
o século xx é, ao mesmo tempo, causa e efeito de “sua rápida transição
para a industrialização, de sua riqueza recente e o efeito de ideias políticas
ocidentais sobre as massas”, bem como da maneira bem-sucedida como
“as massas populares estão gradualmente se qualificando a ocupar seu
lugar na expressão da opinião pública”.182
3711 Despertar
Depois da primeira metade do século xix, quando o Japão “rompeu
a política de isolamento e contemplou o mundo, surpreendeu-se ao ver
tremulando, no litoral do lado da China, várias bandeiras desconhecidas:
a tricolor, a inglesa e, mais próxima dela, a da águia de duas cabeças”.183
Notou também sinais visíveis de intromissões ameaçadoras em seu litoral.
Isso o levou a dizer para si, ‘mude como o mundo está mudando’. Mandou
seus melhores filhos para o mundo para descobrirem o que lhe faltava e o
que deveria fazer. Quando regressaram com seus relatórios, disse: “Muito
bem, meras revoluções cosméticas e a importação integral e indiscrimina-
da de teorias inviáveis, forjadas na Alemanha, na França ou nos Estados
Unidos não produzirão a necessária mudança. A única coisa que pode ser
eficaz é a lenta mas firme transformação do espírito de cada cidadão, com
um propósito definido e com um plano definido.” Por conseguinte, um
edito imperial proclamou em 1812, “Fica decidido de agora em diante que
a educação será tão difundida que não haverá uma vila sequer com uma
família ignorante, nem uma família sequer com um membro ignorante.”184
372 Manchúria*
Poderemos presenciar o funcionamento de um novo instrumento de que
a Segunda Lei lançou mão para oferecer livros para todos, ao ingressarmos
no continente asiático na Manchúria. Trata-se das bibliotecas da estrada de
ferro do sul da Manchúria que formam uma categoria própria. A empresa
ferroviária mantém uma biblioteca bastante grande em sua sede, em Dai-
ren, para uso dos empregados e do público em geral. Possui um acervo
de mais de 120 mil volumes e destina por ano cerca de 25 mil rupias para
a manutenção da biblioteca. Incumbiu-se, inclusive, da tradução de livros
estrangeiros para uso da clientela. Estabeleceu ainda cerca de 20 bibliotecas
públicas nas principais cidades e entrega livros em todas as estações ao
longo da linha ferroviária, que percorre cerca de 1 120 quilômetros.
373 China
Ao chegar à China, descobrimos que o movimento por bibliotecas
ganhou grande impulso nas mãos do governo republicano. Um dos de-
-partamentos do ministério da educação é o de educação social, que é
responsável pelas bibliotecas públicas e pelas escolas para adultos analfa-
betos. Outro órgão importante que colabora com a causa da Segunda Lei na
China é a associação nacional de bibliotecários [Zhonghua Minguo tu shu
guan xue hui],** fundada em 1925. O movimento por bibliotecas chinês
* Região situada no nordeste da China, invadida pelo Japão em 1931, que ali instalou o
estado-fantoche de Manchuko. Em 1945, voltou a fazer parte da China. (n.e.)
** Foi reorganizada em Taipé (Taiwan), em 1953. Em Beijing, na República Popular da
China, foi criada em 1979 a sociedade chinesa de biblioteconomia (Zhongguo tu shu guan
xue hui), que se diz ser continuadora da que foi fundada em 1925. (n.e.)
a segunda lei e sua digvijaya 133
ANO
374 Pérsia*
Ao escalar a Grande Muralha da China não encontramos qualquer
vestígio da Segunda Lei enquanto vagamos pelo Turquestão, Pérsia e Afe-
ganistão. Numa comunicação sobre as bibliotecas da Pérsia, apresentada
à sessão sobre serviços bibliotecários da primeira conferência educacional
pan-asiática, de 1930, o Sr. Herrick B. Young, bibliotecário do American
College de Teerã, afirmou que o movimento por bibliotecas
ainda está realmente por começar nesta terra antiga. Solicitações de órgãos do
governo, que podem organizar suas respectivas bibliotecas, e o interesse com
que o jovem estudante persa contempla o trabalho em bibliotecas como uma
profissão alimentam a esperança de que esse movimento esteja aqui em seus
primeiros estágios.186
38 Índia
381 Punjab
Entretanto, ao ingressarmos em nosso país através do histórico desfila-
deiro de Kaiber, encontramos a Terra dos Cinco Rios** marcada aqui e ali
com as pegadas recentes da Segunda Lei. O antigo vale do Sindhu é reco-
nhecido como o berço de muitas instituições indianas. Como para respeitar
esta antiga tradição, a Segunda Lei parece ter escolhido o Department of
Public Instruction do Punjab para ser um de seus primeiros apóstolos na
Índia britânica. São realmente gratificantes estas palavras:
384 Bengala
Nossos irmãos bengaleses formaram uma associação de bibliotecários
para disseminar a mensagem da Segunda Lei na província.
385 Baroda
Somente aqui foram adotadas as providências mais satisfatórias para
proporcionar livros para todos. Segundo o primeiro-ministro de Baroda,
3851 Realizações
O centro dessas atividades é a biblioteca de Baroda com seus anexos, o Oriental
Institute, a biblioteca das mulheres, a biblioteca juvenil e a unidade de instrução
visual.* Em seguida, vêm as bibliotecas dos distritos e das cidades, em número
de 45, com 19 mil leitores e 222 mil livros. Mais abaixo na escala estão 661 bi-
bliotecas de vilas com mais de 37 mil leitores e mais de 250 mil livros; enquanto
as vilas que não possuem bibliotecas são servidas por bibliotecas itinerantes,
que em 1926–1927 circularam 418 caixas com 13 400 livros para 123 centros.190
387 Madras
Madras, porém, possui hoje uma associação de bibliotecários com três
anos de vida, que já conseguiu convencer o governo do estado a dar uma
oportunidade para a biblioteca pública de Connemara se desenvolver como
biblioteca depositária central. Foi também bem-sucedida ao convencer os
distritos de Chingleput e Malabar a iniciarem um projeto de biblioteca distrital.
Publicou listas de livros apropriados para uso popular e criou uma escola
de verão para formar devotos bem informados para servirem à Segunda
Lei e às suas irmãs. Realiza uma campanha publicitária para “predispor a
consciência da população favoravelmente às bibliotecas e aos livros”. Ob-
teve a oportuna cooperação da principal universidade do estado, a quem
convenceu que reconhecesse a importância do movimento por bibliotecas,
primeiro organizando um curso, em forma de palestras, sobre as leis da biblio-
teconomia, e depois colocando a escola de verão sob sua tutela acadêmica.
CAPÍTULO 4
40 Abrangência
No capítulo anterior, demos uma volta ao globo na trilha da expedição
de conquista do mundo da Segunda Lei. Já que estamos em seu território,
será útil analisarmos todas as implicações de sua mensagem e examinar-
mos o que acontecerá se a Segunda Lei for acatada na escala adequada. O
estudo das implicações da Segunda Lei será mais fácil se a considerarmos
no formato a cada pessoa seu livro. Destas cinco palavras, ‘cada’ e ‘seu’
é que guardam o segredo das implicações. Portanto, será adequado dedi-
carmos algum tempo a cada uma delas.
41 Compromisso do Estado
Os compromissos do Estado giram em torno de a) financiamento, b)
legislação, e c) coordenação. Destes, o último compromisso será o de ajudar
na redução do primeiro a um mínimo, e o segundo consiste normalmente
em como definir a maneira de se desincumbir dos outros dois.
138
a segunda lei e suas implicações 139
Ele conhece, parece que o Senhor desistiu dessa atuação direta e jamais diz
“Eis que vos farei chover rupias do céu; as bibliotecas sairão e colherão a
porção de cada dia”. Portanto, cada comunidade tem que encontrar, por
si mesma, os recursos financeiros necessários para manter as bibliotecas.
Se por sorte houver milionários em seu meio, guiados pelo Evangelho da
riqueza, de Carnegie, a comunidade poderá isentar muitos de seus membros
do pagamento de sua quota. Caso contrário, cada um deverá recolher sua
parcela, cabendo ao Estado fixar a quota de cada um e providenciar sua efi-
ciente arrecadação, ou solicitar ao governo central que a arrecade e a repasse
para as autoridades responsáveis pelas bibliotecas, ou autorizar os próprios
órgãos locais a recolhê-la para empregá-la em suas respectivas bibliotecas,
ou distribuir essa responsabilidade entre as partes, na proporção que for.
* No original, human wealth (riqueza humana). A tradução ‘capital humano’ justifica-se para
evitar ambiguidade, embora esta expressão somente haja passado a ter curso na literatura
econômica a partir da década de 1950. (n.e.)
140 as cinco leis da biblioteconomia
416 Legislação
Exatamente igual foi a história e a experiência de todas as nações que
tentaram fazer aprovar leis de bibliotecas no século xix. Mas as nações que
adotaram a política de ‘esperar para ver’ são como o homem que trancou
a porta depois da casa assaltada. Agora atribuem sua posição de atraso,
a segunda lei e suas implicações 143
dinheiro, a não ser por meio de taxação adicional. Vocês sabem o que
isto causaria.
O Diretor de Instrução Pública: Agora que as finanças foram mencionadas,
posso dizer de imediato que não é financeiramente saudável — é
como economizar migalhas e esbanjar farinha, se me permitem usar
esta expressão — gastar anualmente 69 milhões e 500 mil rupias no
ensino fundamental196 de crianças e alegar falta de recursos “para a
implantação de bibliotecas adequadas nas vilas [...] para mantê-las al-
fabetizadas e para ampliar os limites de seu conhecimento, depois que
termina sua escolarização formal.”197 Não sei se o ministro das Finanças
está ciente de que não menos de “39% das crianças educadas recaem
no analfabetismo cinco anos depois que deixam a escola.”198 Será isso
economia de recursos públicos?
O Ministro da Educação: Não há dúvida que devemos ter uma visão de
longo prazo das coisas.
A Segunda Lei: Senhores, se me for permitido interrompê-los neste mo-
mento, lerei um trecho de um discurso pronunciado no Efficiency Club
pelo secretário parlamentar do Board of Education do Reino Unido:
esperar. Meu amigo talvez tenha um retorno melhor pelo seu dinheiro
se colocar essa quantia à disposição da Segunda Lei da biblioteconomia.
Continuamos a fazer as coisas de forma desequilibrada.
O Ministro das Finanças: Sua criação se deve à Royal Commission,201 de
onde você tirou a citação.
O Diretor de Agricultura: Se você confia numa recomendação dessa co-
missão torna-se difícil perceber porque se passaria por cima de outra
recomendação, talvez até mais importante.
O Ministro das Finanças: A que você está se referindo?
O Diretor de Agricultura: Vou ler no relatório. Penso que está na página...
A Segunda Lei: Página 672, por favor.
O Diretor de Agricultura: Muito obrigado. Você está certa. Aqui está o que
eles dizem:
Apesar de tudo, sentimos que sua força é indevidamente percebida pelo governo
da Índia e pelos governos locais e que a necessidade de os problemas rurais
serem atacados como um todo, e em todos os pontos simultaneamente, está ainda
insuficientemente presente em suas mentes. Não podemos senão pensar que
o fracasso em apreender o pleno significado da proposição que registramos
em certa medida explica a ausência de quaisquer tentativas coordenadas para
realizar essa mudança [...] na psicologia do agricultor, sem o que não pode
haver qualquer esperança.
a segunda lei e suas implicações 147
* Templos e outras instituições religiosas reuniram, na Índia, graças a doações dos fiéis,
muitos bens, móveis e imóveis, ao longo dos séculos, à semelhança de algumas ordens
religiosas ocidentais. A administração desse patrimônio tem sido motivo de atritos que
contrapõem os que defendem maior ingerência do Estado em sua administração e os que
defendem a manutenção das entidades religiosas como instituições independentes do
poder secular. (n.e.)
150 as cinco leis da biblioteconomia
* No original, “utilised all such fines for decorating the college walls with a Fine-Arts col-
lection”. Trocadilho com o substantivo fine (multa) e o adjetivo homógrafo fine de belas-
-artes (fine-arts). Que o leitor perdoe a tentativa de preservar, no português,o espírito do
trocadilho. (n.e.)
152 as cinco leis da biblioteconomia
Preâmbulo
11. (1) Esta lei poderá chamar-se ‘Lei das Bibliotecas de 1945’.
(2) Ela se aplicará a todo o estado de Granthajagat.
12. Nesta lei, a menos que haja algo incompatível no assunto ou
no contexto:
(1) ‘Bibliotecário estadual’ significa o funcionário público nomea-
do pelo governo do estado para desempenhar as funções de bibliotecário
estadual.
(2) ‘Biblioteca pública’ significa uma biblioteca, inclusive suas
filiais e postos de atendimento, implantados ou mantidos e administrados
por uma administração local de bibliotecas nos termos desta lei.
(3) ‘Biblioteca departamental’ significa uma biblioteca estabele-
cida ou mantida por um departamento do governo do estado.
(4) ‘Biblioteca externa à rede’ significa qualquer biblioteca exis-
tente no estado e que não seja uma das que pertencem a qualquer das
categorias antes mencionadas.
Capítulo 2
Autoridade Estadual Responsável pelas Bibliotecas
21. Com a finalidade de promover e organizar um sistema de bibliote-
cas no estado de Granthajagat, o ministro de educação (doravante denominado
‘o ministro’) será a autoridade estadual responsável pelas bibliotecas.
211. Competirá à autoridade estadual responsável pelas bibliotecas
o estabelecimento de um adequado serviço de bibliotecas no estado de
Granthajagat e o progressivo desenvolvimento de instituições dedicadas a
essa finalidade, bem como assegurar a execução efetiva pelos órgãos locais,
sob seu controle e direção, da política nacional para a oferta adequada de
serviço de biblioteca em todas as áreas.
22. Para auxiliá-la no cumprimento de suas atribuições, a autoridade
estadual responsável pelas bibliotecas nomeará um bibliotecário estadual
em tempo integral escolhido entre aqueles que possuam qualificação
adequada para o exercício da profissão de bibliotecário, estabelecerá as
condições em que prestará serviço e a remuneração que lhe cabe.
a segunda lei e suas implicações 153
Capítulo 3
autoridade local responsável pelas bibliotecas
31. Com a finalidade de organizar e manter as bibliotecas públicas,
haverá uma autoridade local responsável pelas bibliotecas para cada área
municipal com população superior a 50 mil habitantes, aprovada pela
autoridade estadual responsável pelas bibliotecas com esta finalidade
(doravante denominada ‘área urbana aprovada’) e para a área de cada um
dos conselhos distritais, excluídas as áreas urbanas aprovadas (doravante
denominada ‘área rural aprovada’).
311. A autoridade local responsável pelas bibliotecas de uma área
urbana aprovada será o conselho municipal ou a prefeitura respectiva (e
poderá doravante ser denominada ‘autoridade responsável pela biblioteca
da cidade’).
312. A autoridade local responsável pelas bibliotecas de uma área
rural aprovada será o conselho distrital respectivo (que doravante poderá
ser denominado ‘autoridade responsável pela biblioteca rural’).
32. Será da competência de cada autoridade local responsável pelas
bibliotecas fornecer serviços de biblioteca para a população de sua área.
321. No prazo de um ano contado da data da vigência desta lei ou
período maior que a autoridade estadual responsável pelas bibliotecas
vier a fixar ou permitir em determinados casos, toda autoridade local
responsável pelas bibliotecas elaborará e submeterá à autoridade estadual
responsável pelas bibliotecas um plano (doravante denominado ‘plano
de desenvolvimento’) de forma que a autoridade estadual responsável
pelas bibliotecas possa orientar-se e subordinar-se a tais regras, no que for
pertinente, identificando a providência que a autoridade local responsável
pelas bibliotecas propõe que seja implementada para fornecer um serviço
de biblioteca adequado à população da área e medidas subsequentes mediante
as quais se propõe atingir esse objetivo.
322. A autoridade local responsável pelas bibliotecas, antes de sub-
meter seu plano de desenvolvimento à autoridade estadual responsável
pelas bibliotecas, fará sua divulgação da forma que julgar apropriada ou
como a autoridade estadual responsável pelas bibliotecas exigir, e levará em
consideração quaisquer representações feitas a ela por quaisquer pessoas,
isoladas ou em conjunto.
a segunda lei e suas implicações 155
Capítulo 4
Comissão Local de Bibliotecas e Comissão de Bibliotecas da Vila
41. Toda autoridade local responsável pelas bibliotecas deverá, de
acordo com as disposições da autoridade estadual correspondente, criar
uma comissão local de bibliotecas para o desempenho eficiente de suas
funções nos termos desta lei.
42. Toda comissão local de bibliotecas incluirá pessoas com experiência
no trabalho em bibliotecas, e que na sua maioria sejam membros da auto-
ridade local responsável pelas bibliotecas, inclusive o presidente desta ou
funcionário de nível equivalente.
421. O presidente ou funcionário equivalente da autoridade local res-
ponsável pelas bibliotecas será o presidente da comissão local de biblio-
tecas, e o bibliotecário municipal ou o bibliotecário distrital, conforme o
caso, da respectiva autoridade será o secretário.
43. Toda autoridade local responsável por bibliotecas levará em con-
sideração um relatório da comissão local de bibliotecas antes de exercer
qualquer de suas funções com relação ao serviço de bibliotecas, salvo quan-
do uma autoridade puder prescindir de tal relatório, se, em sua opinião,
o assunto for urgente, e informar depois à comissão local de bibliotecas
sobre isso tão logo seja possível.
44. Uma autoridade local responsável pelas bibliotecas pode delegar
à sua comissão local de bibliotecas qualquer de suas funções relativas às
bibliotecas, exceto a atribuição de impor ou modificar uma taxa, tomar
empréstimo em dinheiro, alienar a propriedade de terrenos ou edifícios,
encaminhar o orçamento ou apresentar relatório à autoridade estadual
responsável pelas bibliotecas.
45. Uma comissão local de bibliotecas pode, respeitadas as restrições
impostas pela autoridade local responsável pelas bibliotecas e as dispo-
sições baixadas pela autoridade estadual responsável pelas bibliotecas,
(1) nomear subcomissões constituídas da maneira que for
determinada pela comissão; e
a segunda lei e suas implicações 159
Capítulo 5
biblioteca estadual central
51. A autoridade estadual responsável pelas bibliotecas criará, manterá
e administrará uma biblioteca estadual central na capital ou outro local
adequado, que atuará como depositária do sistema de biblioteca do estado.
511. A autoridade estadual responsável pelas bibliotecas poderá criar,
manter e administrar bibliotecas sucursais estaduais em qualquer de suas
regiões linguísticas, no lugar que for apropriado.
52. O bibliotecário estadual será o funcionário incumbido das atribui-
ções e competências descritas nas partes iii e v da lei de imprensa e regis-
tro de livros, de 1897; a biblioteca estadual central manterá um escritório
estadual de direito autoral para assessorá-la sobre este assunto.
521. Um exemplar de cada material impresso recebido conforme deter-
mina a lei de imprensa e de registro de livros, de 1897, será conservado na
biblioteca estadual central ou numa biblioteca sucursal estadual, como uma
coleção separada de depósito legal, para consulta no recinto da biblioteca,
mas não para empréstimo de qualquer tipo, exceto para apresentação num
tribunal de justiça a pedido desse tribunal.
522. Qualquer exemplar adicional ou quaisquer exemplares adicionais,
requisitados nos termos da referida lei, serão incluídos no acervo da bi-
blioteca estadual central e ficarão disponíveis para empréstimo.
523. Um relatório das atividades do escritório estadual de direito autoral
será incluído no relatório anual do bibliotecário estadual.
53. A biblioteca central estadual poderá manter uma biblioteca estadual
para cegos, para produção, reunião e utilização de livros, gravações sonoras
de livros, e materiais similares, para cegos.
Capítulo 6
financiamento, contabilidade e auditoria
61. Com a prévia autorização da autoridade estadual responsável pelas
bibliotecas e do governo, a autoridade local responsável pelas bibliotecas
arrecadará uma taxa de biblioteca na forma de um adicional não inferior a
três centavos por rupia do imposto territorial ou predial ou qualquer outro
imposto a ser indicado para este fim.
62. A taxa de biblioteca será coletada da mesma forma que as demais
taxas e impostos pagáveis ao órgão que tenha sido constituído como autori-
dade local responsável pelas bibliotecas.
63. A autoridade estadual responsável pelas bibliotecas repassará,
em conformidade com regras preestabelecidas, a cada autoridade local
responsável pelas bibliotecas, as quantias correspondentes a
(1) dotações anuais que não serão inferiores às da arrecadação
da taxa da biblioteca local no ano financeiro precedente, com relação às
despesas incorridas por essas autoridades no exercício de suas funções no
concernente a esta lei; e
(2) dotações especiais para a aquisição de terrenos e prédios,
para prover edifícios e mobiliá-los, e para outras finalidades especiais
relacionadas ao desempenho de suas atribuições nos termos desta lei.
631. A autoridade estadual responsável pelas bibliotecas proverá, de
conformidade com as normas estabelecidas, o pagamento às universidades
aprovadas para a finalidade especificada de
(1) dotações anuais para a faculdade de biblioteconomia;
(2) dotações anuais para o pagamento de bolsas de estudo
aos estudantes do estado matriculados num curso de biblioteconomia; e
(3) dotações especiais para equipar a faculdade de biblioteconomia.
64. Toda autoridade local responsável pelas bibliotecas manterá um
fundo para bibliotecas com o qual serão pagas as despesas com o cum-
primento dos dispositivos desta lei.
641. No fundo para bibliotecas da autoridade local responsável pelas
bibliotecas serão creditados,
(1) a quantia arrecadada como taxa bibliotecária;
(2) qualquer quantia que seja transferida para ele da receita geral
do órgão constituído como autoridade local responsável pelas bibliotecas;
(3) as dotações recebidas da autoridade estadual responsável
pelas bibliotecas;
(4) as dotações recebidas do governo da União;
(5) a quantia arrecadada com base no regimento da biblioteca;
(6) qualquer quantia recebida na forma de legados; e
(7) qualquer contribuição recebida de qualquer pessoa ou
grupo de pessoas.
162 as cinco leis da biblioteconomia
Capítulo 7
uso, normas, relatório
71. Não será cobrada taxa para ingresso em biblioteca pública criada
por uma autoridade local responsável por bibliotecas ou, no caso de biblio-
teca circulante, para que a população da circunscrição da autoridade local
responsável pelas bibliotecas retire material por empréstimo, mas esta
autoridade pode, se achar adequado, permitir que pessoas de fora de sua
circunscrição façam empréstimos numa biblioteca de empréstimo, quer
gratuitamente quer mediante pagamento.
72. Sujeito às disposições desta lei e às normas baixadas, com base nela,
pela autoridade estadual responsável pelas bibliotecas a autoridade local
responsável elaborará regimentos para as bibliotecas, a fim de:
(1) regulamentar o uso das bibliotecas públicas sob sua res-
ponsabilidade, seus acervos e a admissão do público;
(2) proteger as bibliotecas públicas, o mobiliário e seus acer-
vos de uso impróprio, dano ou destruição;
(3) exigir garantia ou caução de qualquer pessoa que use a bi-
blioteca pública e contra perdas ou danos a qualquer livro ou outro material; e
(4) permitir aos servidores e auxiliares da autoridade local
responsável pelas bibliotecas excluir ou retirar do recinto da biblioteca
pública quem infringir dispositivos desta lei ou dos regimentos elaborados
pela autoridade estadual responsável pelas bibliotecas ou as normas das
bibliotecas.
73. Qualquer pessoa
(1) que, numa biblioteca pública ou outra instituição mantida
nos termos desta lei, agir de modo a molestar ou perturbar qualquer pessoa
que esteja usando a biblioteca ou a instituição, se comportar de maneira
desordeira, ou usar linguagem violenta ou ofensiva; ou
(2) que, depois de advertida adequadamente, persistir em
permanecer nela além do horário estabelecido para o fechamento, será
suscetível de ser excluída ou retirada imediatamente do recinto e estará
também sujeita a pena de multa que não exceda dez rupias.
731. A infração cometida nos termos do artigo 73 desta lei será julgada
na forma prevista para julgamento sumário no capítulo xii do Código de
Processo Criminal de 1898.
74. A autoridade estadual responsável pelas bibliotecas poderá, por
meio de seus funcionários ou outras agências, inspecionar qualquer bi-
blioteca pública ou outra instituição mantida por uma autoridade local
responsável pelas bibliotecas, com a finalidade de verificar se os objetivos
desta lei estão sendo devidamente cumpridos.
75. A autoridade estadual responsável pelas bibliotecas será competente
para instaurar um inquérito público com o propósito de exercer qualquer
164 as cinco leis da biblioteconomia
Capítulo 8
normas e portarias
81. A autoridade estadual responsável pelas bibliotecas pode, mediante
publicação no diário oficial, baixar normas coerentes com esta lei com o
objetivo de que sejam cumpridas suas finalidades.
811. Em particular e sem prejuízo, em geral, das atribuições antes
mencionadas, essas normas poderão dispor sobre:
(1) a regulamentação das atividades de uma comissão esta-
dual de bibliotecas;
(2) a definição de diretrizes para o plano de desenvolvimento
a ser submetido pelas autoridades locais responsáveis pelas bibliotecas e a
maneira como será dada publicidade a qualquer plano de desenvolvimento
proposto;
(3) a coordenação ou centralização do trabalho técnico no
sistema estadual de bibliotecas;
41. a manutenção do cadastro estadual de bibliotecários;
42. o recrutamento, qualificações e condições de serviço dos funcio-
nários e auxiliares da biblioteca estadual central, das autoridades locais
responsáveis pelas bibliotecas e o pessoal profissional das bibliotecas dos
departamentos do governo e das instituições mantidas pelo governo;
(5) a concessão de dotações às autoridades locais responsá-
veis pelas bibliotecas
(6) a concessão de dotações a faculdades de biblioteconomia,
inclusive bolsas de estudos ao estudantes de biblioteconomia;
a segunda lei e suas implicações 165
Capítulo 1
preliminares
1. Esta lei poderá chamar-se ‘lei das bibliotecas da União de 1957’.
2. Nesta lei, a menos que haja algo incompatível no assunto ou no
contexto:
(1) ‘Bibliotecário nacional’ significa o funcionário público nome-
ado pelo governo da União para desempenhar as funções de bibliotecário
nacional.
(2) ‘Biblioteca nacional central’ significa a biblioteca criada ou mantida
ou administrada pelo governo da União como biblioteca nacional central.
(3) ‘Biblioteca departamental’ significa uma biblioteca criada ou
mantida por um departamento ou instituição do governo da União.
(4) ‘Biblioteca externa à rede’ significa qualquer biblioteca, em
Déli, diferente de uma biblioteca que pertença a qualquer das categorias
mencionadas acima, e que concorde em trabalhar em colaboração com a
biblioteca nacional central.
(5) ‘Biblioteca de contato’ significa uma biblioteca num país estran-
geiro estabelecida e mantida pelo departamento de bibliotecas do governo
da União para fornecer materiais de leitura autênticos sobre a Índia e de
indianos para o país interessado e promover contato cultural com ele.
Capítulo 2
autoridade responsável pela biblioteca nacional
21. Com a finalidade de administrar a biblioteca nacional central,
promover um amplo serviço de bibliotecas na Índia, estabelecer e man-
ter bibliotecas de contato em países estrangeiros, e estabelecer e manter
serviço de bibliotecas para os marítimos da Índia, o ministro da educação
166 as cinco leis da biblioteconomia
(1) ministro;
(2) ministro incumbido das relações interestaduais ou seu
suplente;
(3) bibliotecário nacional;
(4) assessor de educação ou seu suplente;
(5) dois membros eleitos pelo legislativo da União;
(6) dois membros indicados pelo governo da União dentre
seus secretários e chefes de departamentos;
(7) um membro indicado pela direção da University of Delhi
ou seu suplente;
(8) um membro indicado pela direção de uma associação
de bibliotecários de âmbito nacional aprovado pelo ministro para este
propósito, ou seu suplente; e
(9) um membro com reconhecido conhecimento de bibliote-
conomia indicado pelo ministro.
232. O ministro será o presidente e o bibliotecário nacional será o se-
cretário da comissão nacional de bibliotecas.
233. Os membros da comissão nacional de bibliotecas, exceto os de-
signados ex officio, terão mandato de três anos, contados da data de sua
eleição ou indicação, conforme for o caso.
234. A autoridade nacional responsável pelas bibliotecas baixará nor-
mas relativas às suas reuniões, sejam periódicas ou não, e procedimentos
respectivos da comissão nacional de bibliotecas.
Capítulo 3
biblioteca nacional central
31. A autoridade nacional responsável pelas bibliotecas estabelecerá,
manterá e administrará uma biblioteca nacional central em Déli, que atuará
como um centro depositário para o sistema bibliotecário da Índia.
32. O bibliotecário nacional será o funcionário incumbido das atribui-
ções e competências descritas nas partes iii e v da lei de imprensa e registro
de livros, de 1897; a biblioteca nacional central manterá um escritório nacional
de direito autoral para assessorá-lo neste assunto.
321. Um exemplar de cada um dos materiais impressos, recebidos
conforme determina a lei sobre depósito de livros (bibliotecas públicas),
de 1954, será conservado na biblioteca nacional central para consulta no
recinto da biblioteca, mas não para empréstimo de qualquer tipo, exceto
para apresentação num tribunal de justiça a pedido desse tribunal. O biblio-
tecário nacional poderá requisitar um segundo exemplar de qualquer livro.
322. Qualquer exemplar adicional ou quaisquer exemplares adicionais,
requisitados nos termos da referida lei, serão incluídos no acervo da bi-
blioteca nacional central e ficarão disponíveis para empréstimo.
168 as cinco leis da biblioteconomia
Capítulo 4
financiamento
41. A autoridade responsável pela biblioteca nacional pagará conforme
for regulamentado:
(1) uma dotação anual à faculdade de biblioteconomia da União;
(2) uma dotação anual destinada ao pagamento de bolsas
aos estudantes de biblioteconomia; e
(3) uma dotação especial para equipar a faculdade de biblio-
teconomia da União.
42. A autoridade responsável pela biblioteca nacional poderá, conforme
for regulamentado, fazer provisão para o pagamento de dotações anuais e
especiais às bibliotecas mantidas por órgãos de âmbito nacional, a associa-
ções de bibliotecários nacionais, aos estados constituintes para distribuição
a outras bibliotecas e para o fomento da pesquisa em biblioteconomia.
43. Haverá um fundo nacional de bibliotecas com o qual serão pagas:
(1) despesas da autoridade responsável pela biblioteca nacional;
(2) despesas eventuais com a reunião da comissão da biblio-
teca nacional;
(3) salário e proventos do bibliotecário nacional, bem como
as quantias destinadas a materiais de leitura e equipamento da biblioteca
nacional central, inclusive as bibliotecas de contato da Índia no exterior, a
biblioteca nacional para marítimos e suas sucursais e todas as outras des-
pesas eventuais para sua manutenção e administração, e o cumprimento
das funções estabelecidas nesta lei;
(4) dotações para a faculdade de biblioteconomia da União;
(5) dotações às bibliotecas e associações dos bibliotecários
de âmbito nacional e como auxílio às pesquisas em biblioteconomia;
(6) subsídios aos estados constituintes para distribuição às
bibliotecas;
(7) despesas com conferências e exposições promovidas
pela autoridade responsável pela biblioteca nacional para a promoção do
movimento por bibliotecas;
(8) despesas feitas para contribuir com conferências e exposi-
ções realizadas para a promoção do movimento por bibliotecas, inclusive
as despesas feitas por quaisquer pessoas autorizadas por ela para assistir
a essas conferências ou exposições; e
(9) todas as demais despesas incorridas pela autoridade res-
ponsável pela biblioteca nacional com a promoção da finalidade desta lei.
431. O parlamento da Índia consignará verba para o fundo nacional de
bibliotecas.
432. Ao fundo nacional de bibliotecas serão creditados:
a segunda lei e suas implicações 171
Capítulo 5
o funcionamento da biblioteca nacional central
51. Não será cobrada qualquer taxa para ingresso na biblioteca nacional
central ou em qualquer das bibliotecas de contato da Índia no exterior ou para
usar a biblioteca para marítimos ou suas sucursais.
511. Nenhum material de leitura será emprestado pela biblioteca nacional
central a leitores individuais exceto através de uma biblioteca departa-
mental, uma biblioteca externa à rede, uma biblioteca estadual central ou
uma biblioteca nacional central de qualquer outro país ou de qualquer
biblioteca internacional ou mundial aprovada para tal fim.
512. Nenhum material de leitura será emprestado por qualquer das
bibliotecas de contato da Índia no exterior, exceto como empréstimo en-
tre bibliotecas, ou de acordo com as normas baixadas pelo bibliotecário
nacional para tal fim.
513. Materiais de leitura podem ser emprestados a marítimos e
navios registrados pelas sucursais da biblioteca nacional para marítimos.
52. Sujeito às disposições desta lei e às normas baixadas, com base nela,
pela autoridade nacional responsável pelas bibliotecas, o bibliotecário na-
cional poderá elaborar regimentos para as bibliotecas, com a finalidade de:
(1) regulamentar o uso das bibliotecas sob sua responsabili-
dade, seus acervos e a admissão do público;
(2) proteger essas bibliotecas, o mobiliário e seus acervos de
uso impróprio, dano ou destruição;
(3) exigir garantia ou segurança de qualquer pessoa que as use
e contra perdas ou danos a quaisquer materiais de leitura ou outros artigos; e
(4) permitir aos funcionários e auxiliares das bibliotecas
excluir ou retirar do recinto qualquer pessoa que infrinja os dispositivos
desta lei, os regimentos elaborados com base nesta lei pela autoridade
responsável pela biblioteca nacional ou as normas da biblioteca.
53. Qualquer pessoa
(1) que, na biblioteca nacional central ou outra instituição
mantida nos termos desta lei, agir de modo a molestar ou perturbar qual-
quer pessoa que esteja usando a biblioteca ou instituição, se comportar de
maneira desordeira, ou usar linguagem violenta, ofensiva ou obscena; ou
(2) que, depois de advertida adequadamente, persistir em
172 as cinco leis da biblioteconomia
Capítulo 6
Regulamento
61. A autoridade nacional responsável pelas bibliotecas pode, mediante
publicação no diário oficial, baixar normas coerentes com esta lei com a
finalidade de que sejam cumpridas suas finalidades.
611. Em particular e sem prejuízo, em geral, das atribuições antes
mencionadas, essas normas poderão dispor sobre:
(1) a regulamentação das atividades da autoridade nacional
responsável pelas bibliotecas;
(2) a coordenação ou centralização do trabalho técnico no
sistema nacional de bibliotecas;
(3) o recrutamento, qualificações e condições de serviço dos
funcionários e auxiliares da biblioteca nacional central, das bibliotecas de
contato da Índia no exterior, e das sucursais da biblioteca nacional para
marítimos e o pessoal profissional das bibliotecas departamentais;
(4) o pagamento de dotações à faculdade de biblioteconomia
da União;
(5) o pagamento de bolsas de estudos aos estudantes de
biblioteconomia;
(6) o pagamento de dotações a bibliotecas, associações de
bibliotecários e fomento à pesquisa em biblioteconomia; e
(7) todas as outras questões que tenham que ser regulamen-
tadas nos termos desta lei.
a segunda lei e suas implicações 173
44 Sistema Bibliotecário
A terceira obrigação do Estado – a de coordenação – constitui real-
mente uma tentativa de conciliar dois fatores opostos, ou seja, a natureza
necessariamente limitada dos recursos financeiros de uma comunidade e
os recursos aparentemente ilimitados que são necessários para oferecer a
cada um ou cada uma o seu livro a cada momento. Estes dois fatores só
podem ser conciliados por meio de uma reunião criteriosa dos recursos
da comunidade mediante um projeto cuidadosamente articulado de coor-
denação e cooperação das bibliotecas, que não deve ser deixado ao acaso
ou ao bel-prazer das próprias bibliotecas, mas ser ativamente estimulado
pelo Estado no interesse da economia nacional. Em outras palavras, o
Estado deve integrar as bibliotecas deste país num sistema. Há três tipos
de coordenação possível, em três diferentes níveis, que necessitam de
diferentes modos de ação, ou seja, 1) fixando um tamanho mínimo para
a menor área de cobertura por uma biblioteca local, o que deve ser feito
por lei; 2) estimulando o entendimento, a especialização e os empréstimos
entre bibliotecas, o que somente pode ser alcançado por meio de sugestões
informais feitas em reuniões periódicas; e 3) mantendo certos órgãos cen-
trais, que devem ser financiados e administrados diretamente pelo Estado.
441 Viabilidade
Não teria objetivo dotar uma pequena área, cuja previsão de arrecada-
ção de taxas não seja muito alta, com órgãos bibliotecários independentes.
Aí, com escassa renda, nenhum serviço bibliotecário eficiente será possível.
Obviamente, não se pode nem mesmo pensar na possibilidade de um
prédio, e falar de um quadro de pessoal com escala de salários, que possa
atrair e reter pessoas competentes e profissionalmente qualificadas, seria
absurdo; a aquisição de livros seria inevitavelmente reduzida. A limitada
receita dessas pequenas bibliotecas seria consumida, quase completamen-
te, na duplicação de um mesmo conjunto de certos livros fundamentais,
solicitados com mais frequência. Portanto, o Estado deveria fixar uma
estimativa tributável mínima ou uma população mínima como requisito
para a criação de uma área bibliotecária independente. Esta é a demanda
da viabilidade.
451 Coordenação
A menos que a universidade conte com recursos inesgotáveis, seria
muito aconselhável que as coleções das bibliotecas departamentais se
limitassem a duplicar exemplares de obras de consulta importantes,
demandadas diariamente pelos membros do departamento, além de
outros livros frequentemente utilizados na linha de pesquisa em que
os pesquisadores estejam empenhados. Os departamentos devem ser
estimulados e aconselhados a buscar todos os outros tipos de livros na
biblioteca central sempre que for preciso. De modo particular, não é crível
que uma universidade seja suficientemente rica para adquirir coleções em
duplicata de periódicos científicos, cujo número já ultrapassou a marca de
25 mil. O executivo da universidade deve procurar investir seus recursos
em assinaturas únicas do maior número possível de títulos diferentes, ao
invés de permitir que cada departamento se dê ao luxo de possuir uma
a segunda lei e suas implicações 177
oferecer a cada pessoa o seu livro talvez fosse reunir todos os produtos
da imprensa desde sua origem até o presente momento, desde o primeiro
livro impresso por Caxton* até o mais recente livro impresso hoje.
Uma ideia de tamanho nos é dada por Iwinski207 que, em 1911, publicou os
resultados de um elaborado estudo estatístico da produção bibliográfica.
Calculou ele que havia então no mundo 25 milhões de ‘livros diferentes’, sem
levar em conta diferentes edições, reimpressões, tiragens, exemplares variantes,
etc. do mesmo livro, nem incluiu determinados itens ocasionais, passageiros,
e efêmeros como mapas, gráficos, proclamações, música, gravuras, panfletos,
pasquins, jornais, sermões, almanaques, etc., o que faria crescer o seu cálculo
para uma dimensão enorme.208
que uma enorme proporção do público em geral, sem excetuar os mais estudio-
sos e inteligentes, não tem ciência de tudo que as bibliotecas contêm ou que os
livros contêm, e, mesmo quando tem alguma noção, não sabe como conseguir
aquilo de que precisam. Poucos têm o conhecimento e a habilidade requeridos
para extrair o que de melhor existe em qualquer tipo de biblioteca [...] Uma das
experiências mais comuns a todos os que lidam com bibliotecas é ver pessoas
180 as cinco leis da biblioteconomia
seu tempo ao exame mais aprofundado dos livros e da leitura junto com quem
queira conhecer as aventuras de leitura de outra pessoa. Sua posição será não a
de um instrutor, mas a de quem compartilha coisas boas, que apreciará igual-
mente os prazeres de outros aventureiros. Além disso, grande parte do seu
tempo será dedicada a ministrar palestras sobre livros e outros instrumentos de
trabalho aos leitores, sempre que for convidado para tal fim por organizações
interessadas em atividades intelectuais gerais ou específicas.212
dos livros ou o que pode ser lembrado quanto ao formato, tamanho, cor,
localização e outras relações sejam de alguma ajuda, esses dados não são
suficientes. Quando os livros são recebidos às centenas, uma semana atrás
da outra, por mais retentiva que seja a memória, perde-se o controle das
aquisições e a mente fica impossibilitada de lembrar todos os títulos.
476 Bibliografia
O primeiro instrumento são as bibliografias publicadas. A palavra
‘bibliografia’ é fonte de grande confusão para muitas pessoas. O New
English dictionary, de Murray, traz quatro diferentes acepções para este
termo, mas nos interessa somente a quarta, a saber, “Uma lista de livros
de determinado autor, editora ou país, ou daqueles que tratam de deter-
minado tema; a literatura de um assunto”.
478 Catálogo
Um terceiro compromisso que a Segunda Lei impõe ao pessoal da
biblioteca refere-se ao catálogo. A maioria dos livros enfeixa um conteúdo
complexo. De fato, são muito poucos os que se enquadram na categoria de
‘monografias’. Embora possam conter um assunto dominante, em geral
tratam também de assuntos subsidiários. É muito frequente o tratamento
dado a determinado assunto num livro, onde ele ocupa lugar secundário,
ser exatamente aquilo que o leitor requer. O capítulo sobre vetores — uma
subdivisão da matemática — do Theoretical physics, de Haas, talvez apre-
sente precisamente o tratamento que muitos estudantes de matemática
estarão buscando. A obra Ancient and medieval India, da Sra. Manning,
que naturalmente deveria ser colocada na seção de história cultural, traz
capítulos que oferecem uma sinopse clara e crítica das grandes obras da
literatura sânscrita, além de um bom apanhado sobre as diferentes escolas
da filosofia hindu. Talvez, as páginas dedicadas à teoria da classificação
das ciências biológicas na Introduction to science, de J. A. Thomson, sejam
de grande interesse para os estudantes de classificação. Muitos dos livros
de antropologia trazem muita informação de interesse filológico. Eles
contêm, com frequência, vocabulários completos.
48 Compromisso do Leitor
Vimos que é difícil para qualquer biblioteca arcar com os custos de
exemplares duplicados dos livros. Por isso, todo leitor somente terá
seus livros se todo leitor se lembrar que não é o único que usa a biblioteca;
não deve esquecer que a Segunda Lei defende não somente os direitos e
privilégios dele, mas também dos outros. Em certos lugares, costuma-se
invocar o sentimento cívico das pessoas por meio de um aviso que diz: ‘ao
sair, lembre-se de deixar este local tão limpo quanto você gostaria que os
outros o deixassem para você’. Todo leitor que usa uma biblioteca pública
deve ser orientado por um princípio similar. Deve demonstrar tanto maior
a segunda lei e suas implicações 185
486 Periódicos
Outra importante categoria de material impresso objeto de severas
restrições comumente adotadas pelas bibliotecas é a dos periódicos. Os
fascículos correntes, que trazem, com exclusividade, os avanços mais
recentes do pensamento, são de vital interesse para muitos leitores. Uma
característica lamentável que as pessoas que atuam em áreas muito es-
pecializadas desenvolvem, inconsciente ou propositalmente, consiste em
dizer que certos periódicos somente interessam a eles e, por isso, seriam
mais bem utilizados, se ficassem em sua escrivaninha e não na mesa da
biblioteca. Isso é difícil provar. A Segunda Lei ponderaria que “a hipótese
a ser seguida não é a de que ninguém precisará deles, mas que muitos
precisarão deles. Abra mão do prazer de folhear as páginas de uma revista
que acaba de sair do prelo, reclinado no sofá do aconchegante ambiente
doméstico. Cultive o hábito de ver a biblioteca como um lugar a ser visi-
tado — ‘como um centro comunitário’ — e faça questão de ir à biblioteca
a cada dois ou três dias, a fim de examinar os fascículos mais recentes até
mesmo de um número maior de periódicos, sem ao mesmo tempo tirar
dos outros a sua oportunidade.”
188 as cinco leis da biblioteconomia
CAPÍTULO 5
A TERCEIRA LEI
50 Enunciado
Agora passaremos a examinar a Terceira Lei. Embora se assemelhe à
Primeira Lei ao adotar o ponto de vista dos livros, é, em certo sentido, um
complemento da Segunda. Enquanto esta se preocupava com a tarefa de
encontrar para cada leitor o livro que lhe fosse apropriado, a Terceira Lei
trata de se esforçar para que um leitor apropriado seja encontrado para
cada livro. Na realidade, a Terceira Lei diz para cada livro seu leitor.
501 Comparação
Enquanto a Primeira Lei revolucionou o panorama das bibliotecas,
a Terceira Lei tornou esta revolução a mais completa possível. Veremos,
mais adiante, que as implicações da Terceira Lei não são menos exigentes
do que as da Segunda. Dedicaremos este capítulo a uma descrição dos
diferentes instrumentos empregados pelas bibliotecas para cumprir com
os requisitos da Terceira Lei.
502 Meios
Talvez um cínico possa sugerir o artifício óbvio de ter o menor núme-
ro possível de livros na biblioteca. Mas, este artifício é descartado pelos
amplos requisitos da Segunda Lei, e sua incoerência com a Quinta Lei se
tornará aparente em capítulo posterior. O recurso mais evidente usado
pelas bibliotecas para satisfazer à Terceira Lei é o sistema de livre acesso. Os
outros instrumentos dizem respeito ao arranjo das estantes, às entradas
do catálogo, ao serviço de referência, à abertura de certos departamentos
populares, aos métodos de publicidade e ao serviço de extensão.
189
190 as cinco leis da biblioteconomia
511 Exemplo 1
Outro dia me deparei com um estudante pegando da estante The provin-
ce of the state, de Roland K. Wilson, onde ele estivera em repouso por oito
anos antes da introdução do sistema de livre acesso. Perguntei-lhe quem
havia recomendado o livro. Ele disse que desconhecia a existência do livro e
que o encontrou por puro acaso, ao folhear os volumes da seção de política.
Este acaso ocorre quase a cada minuto numa biblioteca de livre acesso.
512 Exemplo 2
Eis outro exemplo notável. O secretário da associação local de profes-
sores solicitou-me materiais que tratassem de ensino médio e matrícula.
Acompanhei-o às estantes para mostrar-lhe alguns dos discursos presi-
denciais da seção de educação da British Association for the Advancement
of Science. Enquanto eu retirava os volumes e examinava o conteúdo dos
discursos presidenciais, o secretário, que estivera folheando os livros nas
estantes próximas, aproximou-se, exclamando com enorme satisfação
“encontrei o que queria”. Trazia na mão um volume vermelho, de pou-
cas páginas, no formato in-quarto. Tratava-se do volume 1, número 1 da
Universities Review. Nele um artigo intitulado ‘The dandelion and the
jack’ tratava exatamente do tema que ele buscava. Este volume vermelho
permanecera na estante por alguns meses completamente intocado por
quem quer que fosse, a não ser o servente incumbido da limpeza. Mas se
não fosse a introdução do sistema de livre acesso, teria permanecido dessa
forma por anos sem jamais encontrar seu leitor.
514 História
É sabido que a maioria dos leitores não conhece seus requisitos e que
seus interesses tomam uma forma definida somente depois que veem e
manuseiam uma coleção de livros bem organizada. Este fator veio a ser
reconhecido somente nos últimos dez ou quinze anos na Grã-Bretanha,
mas, nos Estados Unidos, onde a influência da Terceira Lei se estabeleceu
muito antes, o ‘livre acesso’ foi colocado a serviço dessa lei bem antes do
fim do século xix.
518 Trópicos
Talvez, nós nos trópicos possamos acrescentar que a perda é pequena,
quando comparada com a causada pela deterioração do papel e pelos
estragos causados por insetos, desde que se adotem meios de proteção
contra furtos.
523 Rearrumação
A ‘novidade’ no arranjo das estantes é outro meio frequentemente ado-
tado para atrair a atenção dos usuários para livros que precisam de ajuda
para encontrar seus leitores. Uma redistribuição ocasional do conteúdo
das estantes ajuda a estabelecer novos contatos entre as pessoas e os livros.
524 Vitrinas
Outro instrumento comumente empregado em relação a isso consiste
na colocação de pequenas vitrinas atraentes com livros em posições es-
tratégicas no salão de leitura e no local das estantes, rotuladas com placas
que chamem atenção, como ‘Vale a pena dar uma olhada’, ‘Livros do mo-
mento’, ‘Livros redescobertos’, ‘Livros esquecidos, mas que permanecem
úteis’, e assim por diante.
525 Acessibilidade
Outro importante fator no arranjo das estantes que possui um efeito
decisivo nas chances de um livro conseguir seu leitor é sua maior ou menor
acessibilidade. Os livros colocados ao alcance confortável de um leitor de
estatura média serão muito mais utilizados. Fiz experiências com um varia-
do conjunto de livros, colocando-os durante algumas semanas na prateleira
mais alta, que fica a 2,10 m acima do chão, na prateleira mais baixa, que
fica a somente 15 cm do chão, e nas prateleiras intermediárias. Os livros
encontraram leitores com mais frequência quando estavam nas pratelei-
ras intermediárias do que quando estavam nas outras. Prateleiras numa
altura acima de 2,10 m constituem um permanente desacato à Terceira Lei.
A Terceira Lei insiste em que a prateleira mais alta de uma estante deve
estar ao alcance fácil de uma pessoa de altura média, de pé. Igualmente,
prateleiras mais largas do que o necessário para guardar uma fileira de
livros são uma grande tentação para o pessoal da biblioteca colocar duas
194 as cinco leis da biblioteconomia
fileiras em cada prateleira, uma atrás da outra, disso resultando que aos
livros da fileira de trás é negada a oportunidade de conseguir seus leitores.
Encontram-se no apêndice deste livro as especificações para uma estante
de dimensões adequadas, que possua outras características necessárias à
luz das outras leis da biblioteconomia.
53 Catálogo
Embora um arranjo bem estudado dos livros nas estantes seja neces-
sário, não é de modo algum suficiente para se conseguir para cada livro
seu leitor. O catálogo também pode ser de ajuda imensa com relação a
isso. Pode até ser que o leitor fique favoravelmente impressionado sobre a
utilidade de um livro ao ver sua entrada no catálogo, embora o tamanho,
a apresentação e outras características possam levar a negligenciá-lo en-
quanto examina a estante. Isso pode parecer estranho, mas a experiência
mostra que acontece.
531 Exemplo
Talvez se possa citar um fato recente a título de exemplo. Um pesquisa-
dor solicitou um dia material sobre migração populacional. Foi encaminha-
do à estante que continha os livros sobre o assunto. Havia no máximo uns
20 volumes. Ele os examinou e pouco depois alguém o ajudou a consultar
as fichas do catálogo relativas ao assunto, particularmente as fichas de
catalogação analítica. Mas sua atenção foi atraída por uma série de títulos
nas próprias fichas principais e ele, indignado, perguntou: “Mas onde
estão estes dois livros? Não os vi na estante.” Os livros, porém, lá estavam:
5331 Exemplo 1
Por exemplo, verificou-se ser necessário preparar 10 fichas analíticas
para os Shelbourne essays, de Paul Elmer More. Será extremamente ques-
tionável a possibilidade de esse livro conquistar sua quota legítima de
leitores entre os estudantes de metafísica, se seu excelente ensaio intitulado
‘Pragmatism of William James’ não tiver uma remissiva em ‘Pragmatismo’.
5332 Exemplo 2
A experiência de Essays and studies publicado pela English Association
representa outra demonstração prática do serviço que a catalogação ana-
lítica pode prestar à Terceira Lei. Estes volumes estiveram adornando as
estantes durante anos, passando apenas de vez em quando pelas mãos dos
196 as cinco leis da biblioteconomia
5333 Exemplo 3
Outro exemplo interessante sobre o poder extraordinário da catalogação
analítica de assuntos para encontrar para cada livro seu leitor é o caso
dos pesados e complexos volumes que constituem os Complete works, do
conde Rumford. Uma ficha de remissiva com o cabeçalho ‘Café’, enviando
para as páginas 615–660 do quinto volume, que traz o ensaio intitulado Of
the excellent qualities of coffee and the art of making it in the highest perfection,
fez uma diferença muito grande na vida desse volume. Ao invés de ser
uma vítima impassível dos danos perfurantes das traças, começou uma
série ininterrupta de marchas triunfantes de uma casa de leitor para outra.
5334 Exemplo 4
Mesmo com livros que são geralmente populares, uma criteriosa ca-
talogação analítica pode aumentar seu círculo de leitores. Por exemplo,
Mansions of philosophy [Filosofia da vida], de Will Durant, começou a atrair
um círculo mais novo e mais amplo de leitores tão logo o seu décimo
capítulo, que trata da dissolução do matrimônio, recebeu uma remissiva
com o cabeçalho ‘Matrimônio’.
54 Serviço de Referência
Por conseguinte, o livre acesso, o arranjo classificado e a catalogação
analítica são três dos mecanismos necessários para se conseguir para cada
livro seu leitor. Mas estes instrumentos mecânicos são raramente suficien-
tes. Duvida-se que o livre acesso possa conseguir tudo o que pode para a
Terceira Lei se o pessoal da biblioteca interpretar o acesso livre no sentido
de “forneça os livros e se afaste tanto quanto possível do caminho”. Neste
caso, vários livros e não poucos leitores terão de compartilhar a sorte dos
burricos entre dois montes de feno. Ademais, não se tem certeza de que o
catálogo em fichas, por si só, se torne algum dia o guia, filósofo e amigo
do leitor comum da biblioteca. As dificuldades inerentes de um catálogo
analítico são muitas e sérias. Pode-se dizer com segurança que um catálogo
analítico em fichas sempre precisará de um intérprete.
543 Caleidoscópio
Nas mãos de um competente bibliotecário de referência a biblioteca é
como um caleidoscópio. Sua habilidade consiste em girar suas facetas de
forma tal que todas possam ser vistas e que cada uma delas possa atrair
aqueles para os quais apresentam interesse. Este é o tipo de serviço que a
Terceira Lei espera do pessoal de referência.
55 Departamentos Populares
Isso nos leva ao problema de transformar leitores potenciais em leitores
reais. O primeiro passo é atrair esses leitores potenciais para a biblioteca.
Um método muito adotado para isso consiste em montar na biblioteca
uma sala de jornais e outra de revistas. Em geral ocupam uma área des-
proporcionalmente grande, mas ainda assim são toleradas em virtude
de sua utilidade para esse propósito. Todos sabem que a sala de revistas
atrai uma presença maior do que a biblioteca propriamente dita e que a de
jornais fica ainda mais apinhada. O pessoal da biblioteca deve ir de vez em
quando a essas salas populares, travar contato com os clientes e procurar
levar alguns para a sala das estantes e o salão de leitura. Assim, além do
fato de os jornais e as revistas fornecerem material direto de leitura, estarão
também funcionando como iscas regulares. Esse aproveitamento da ânsia
que a humanidade parece ter por notícias de natureza efêmera é um dos
métodos regularmente adotados pelas bibliotecas para aumentar a chance
de cada livro conseguir o seu leitor.
a terceira lei 199
56 Publicidade
Independentemente da insistência da Terceira Lei, as bibliotecas pre-
cisam de publicidade também por outras razões. Não é de admirar que,
enquanto a biblioteca amplia seu campo de ação, modifica sua perspectiva
e altera até mesmo seu caráter e suas funções, não haja um entendimento
adequado pelo público sobre o que está acontecendo. Para alguns, a biblio-
teca é ainda medieval, para outros é principalmente uma fornecedora de
literatura de entretenimento. Existe sempre uma manifestação de surpresa
quando o público descobre a amplitude do seu serviço e a universalidade
dos seus interesses. “Eu não sabia que vocês tinham livros de música!”
“Vocês ficam abertos nos feriados? Eu não sabia disso.””Eu não sabia que
o seu catálogo é tão analítico.” Manifestações como estas, com certeza,
interessam e agradam ao bibliotecário, mas são também uma indicação
preocupante de que o conhecimento do serviço que ele oferece ainda não foi
divulgado para todo o público. Elas deixam evidente que uma publicidade
bem pensada é tão necessária para a biblioteca pública quanto para uma
empresa comercial, a fim de que o público possa saber de sua existência
e do serviço diversificado que ela oferece.
561 Utilidade
Num trabalho sobre métodos de publicidade em bibliotecas, a Srta.
Wildred Othmer Peterson, diretora de publicidade da Des Moines Public
Library, afirma:
5631 Meio
Esta publicidade geral deve ser incumbência de organizações de peso
como a Madras Library Association ou o departamento estadual de biblio-
tecas públicas, caso exista. Mesmo em países como os Estados Unidos e
a Inglaterra, “a necessidade de uma publicidade bibliotecária organizada
e centralizada” vem sendo enfatizada e levada a efeito. A publicidade
sistemática é feita por meio de notícias em jornais, artigos de revistas,
palestras de rádio, conferências públicas, excursões demonstrativas,
painéis de propaganda atraentes, exposições periódicas e itinerantes e
distribuição gratuita de folhetos e boletins. A associação de bibliotecários
do Japão organiza a comemoração de uma semana nacional do livro no
mês de novembro. Esta publicidade geral deve ser o elemento principal
da publicidade das bibliotecas na Índia, nas condições atuais.
a terceira lei 201
5641 Imprensa
Talvez o veículo mais barato e de mais fácil acesso para a publicidade
bibliotecária seja a imprensa. A biblioteca deve manter-se em contato com
os jornais locais, que, em geral, se dispõem a oferecer espaço na coluna
de noticiário geral e na de notícias locais para incluir informações sobre
a biblioteca. Convém que o bibliotecário ou o assessor de publicidade
consulte frequentemente os editores e procure seguir suas instruções em
matéria de estilo, extensão, periodicidade e outros detalhes, de modo que
as matérias enviadas pela biblioteca sejam diretamente repassadas para
a composição, com o mínimo possível de edição de texto. Talvez seja útil
publicar certos tipos de informação como as aquisições recentes, estatís-
ticas de leitores e de empréstimos e dados semelhantes em determinados
dias da semana ou do mês, de modo que o público saiba quando procurar
por essas informações. Não é raro o número de usuários da biblioteca ser
levemente maior no segundo ou terceiro dia de cada mês, em virtude de as
estatísticas mensais aparecerem na coluna das notícias locais na tarde do
dia primeiro. Além desses informes sistemáticos, a biblioteca deve procurar
aparecer na imprensa a intervalos irregulares, sempre que se ofereça uma
oportunidade para fazer uma comunicação, como, por exemplo, mudanças
no sistema de empréstimo, mudanças no arranjo dos livros, mudanças
nos horários, recebimento de doações de coleções especiais, melhoria das
comodidades oferecidas ao público, participação da biblioteca em exposi-
ções e conferências e realização de eventos a respeito dos quais podem ser
preparadas bibliografias especiais. O pessoal da biblioteca pode também
ser estimulado a contribuir ocasionalmente com artigos de leitura amena,
que tratem do lado humorístico das atividades bibliotecárias. Talvez seja
conveniente enviar para os jornais relatos ou notícias ocasionais sobre os
eventos importantes nas bibliotecas de outros países. Essas publicações às
vezes despertam a curiosidade do público e o induzem a ter mais interesse
por suas próprias bibliotecas.
202 as cinco leis da biblioteconomia
5644 Vitrina
Outra forma reconhecida de publicidade que pode ser adotada pelas
a terceira lei 203
5645 Rádio
O rádio é outro veículo que pode muito bem ser utilizado para a publi-
cidade das bibliotecas. Bibliotecas norte-americanas estão utilizando este
meio com um sucesso extraordinário. Por exemplo,
5646 Cartazes
Algumas bibliotecas anunciam seus serviços por meio de cartazes. Na
verdade, não há nenhuma forma direta de publicidade que as bibliotecas
não possam adotar. Vejamos este relato de uma forma inventiva e radical de
anúncio, que sabe aos métodos de marketing de uma empresa comercial:
Durante a feira anual, que dura de oito a dez dias [...], para fazer a publicidade
do sistema de bibliotecas municipais da Califórnia, o grande mapa, com ilu-
minação elétrica, usado na conferência da ala em Filadélfia, que mostrava a
localização dessas bibliotecas, foi instalado em lugar de destaque no pavilhão
da agricultura. Para dar mais ênfase a essa publicidade, as bibliotecas custe-
aram a fabricação de milhares de ventarolas, trazendo num lado o símbolo da
biblioteca e no outro informações sobre as bibliotecas municipais da Califórnia.
A cada dia, um bibliotecário municipal e um membro do pessoal da biblioteca
estadual distribuíam ventarolas às multidões de adultos. As ventarolas serviam
para sugerir muitas perguntas pelos visitantes e ofereciam a oportunidade de
explicar o sistema de bibliotecas municipais e ilustrar, com o mapa iluminado,
204 as cinco leis da biblioteconomia
5648 Exemplo
A tabela e o gráfico anexos, que mostram o crescimento dos emprésti-
mos na biblioteca da universidade de Madras, ilustram o resultado desses
apelos pessoais.
57 Serviço de Extensão
Além desses métodos de publicidade pura, as bibliotecas hoje em dia
desenvolvem certos tipos novos de trabalho que, além de serem direta-
NÚMERO DE VOLUMES EDITADOS NUM ANO
ANO
ser tratadas como o ‘serviço de extensão’ das bibliotecas. Pode-se dizer que
o objeto do serviço de extensão representa uma tentativa de transformar a
biblioteca num centro social, cuja função é o estímulo à leitura. Sua fina-
lidade consiste em transformar não-leitores em leitores, criar e estimular
o desejo pela boa leitura e reunir o livro ao leitor. As bibliotecas que estão
sob a influência da Terceira Lei valorizam bastante estes objetivos e se
dedicam ao serviço de extensão com grande empenho.
5741 Exemplo
Podem-se inferir as possibilidades dessa modalidade de serviço de
extensão a partir da
seguinte lista, apresentada por uma pequena biblioteca municipal inglesa, das
associações que lá se reuniam regularmente: a associação de veteranos militares,
a associação dos criadores de pássaros de gaiola, o clube de xadrez, o clube
do jogo de damas, a organização de meninos da Igreja anglicana, a reunião de
mães da Igreja, a associação de jovens e adultos da Igreja anglicana, a associação
208 as cinco leis da biblioteconomia
5751 Kalakshepam
Esta tradição peculiar do sul da Índia, que apresenta uma feliz combi-
nação de música e fala, oferece enorme potencialidade como instrumento
desta modalidade de serviço de extensão. Mas se deve ter a devida cautela,
também neste caso, de afastar o kalakshepam da limitada rotina de temas
que a tradição parece lhe ter destinado.
5752 Música
Nas bibliotecas dos países ocidentais, onde se desconhece o kalakshepam,
o auditório é utilizado para concertos musicais muito frequentemente. Isto
permite à Terceira Lei encontrar leitores para a quantidade relativamente
grande de música impressa normalmente disponível nessas bibliotecas.
58 Seleção de Livros
Antes de nos despedirmos da Terceira Lei, talvez não seja desproposita-
do lembrar uma importante relação entre ela a seleção de livros. Ao discutir
as implicações financeiras da Segunda Lei, tivemos o ensejo de tratar desta
questão de um ponto de vista levemente diferente. Pode-se ver facilmente
que uma das formas de cumprir as exigências da Terceira Lei consiste em
tratar com a maior importância as predileções e exigências da clientela da
biblioteca no trabalho de seleção de livros. Alguns dos fatores através dos
quais se podem inferir os gostos e as necessidades da clientela são:
1) as sugestões recebidas diretamente dos leitores,
2) as sugestões anotadas pelos assistentes no balcão de referência
rápida,
3) as notas feitas diariamente pelo pessoal da referência que esteja
atendendo aos leitores,
4) as principais ocupações do público local,
5) os eventos futuros de importância nacional ou local,
6) as impressões obtidas em entrevistas com os principais membros
da comunidade local e assim por diante.
CAPÍTULO 6
A QUARTA LEI
60 Introdução
Vimos, nos cinco capítulos anteriores, que a preocupação principal das
três primeiras leis da biblioteconomia consiste em fazer com que os livros
da biblioteca sejam usados tão intensamente e por tantas pessoas quanto
possível. Vimos também que, por mais axiomáticas que pareçam ser, essas
leis começaram realmente a se afirmar como conceitos correntes somente
nas últimas décadas. Além disto, examinamos algumas de suas implicações
e descrevemos as mudanças que estão provocando na perspectiva das bi-
bliotecas e nos vários aspectos da política e da administração bibliotecária.
601 Comparação
Veremos neste capítulo que a Quarta Lei da biblioteconomia esclarece
mais alguns desses problemas. Ela faz sua abordagem pelo lado dos lei-
tores, do mesmo modo que a Segunda Lei. Talvez se possa até dizer que
o interesse da Quarta Lei está centrado quase exclusivamente nos leitores.
Admitindo como verdadeiro que os livros são para usar, que a cada
leitor ou leitora se deve proporcionar seu livro e que cada livro deve
ser ajudado a encontrar seu leitor ou leitora, resulta que se projete a
administração da biblioteca de modo compatível. Na companhia da Quinta
Lei, a Quarta Lei se preocupa com a situação que surge à proporção que
são atendidos os requisitos das três primeiras leis. Ao lidar com os novos
problemas disso decorrentes, ela introduz o elemento tempo e concentra
sua atenção inteiramente no aspecto temporal do problema.
602 Enunciado
Poupe o tempo do leitor — eis a Quarta Lei da biblioteconomia. Talvez
não seja tão evidente por si mesma como as outras. Não obstante, tem sido
responsável por muitas reformas na administração de bibliotecas e é grande
seu potencial para promover muitas outras reformas no futuro. Talvez o
método mais conveniente de estudar as consequências desta lei seja acompa-
nhar um leitor desde quando ele entra na biblioteca até o momento em que
sai, examinando criticamente cada processo pelo qual ele passa, prestando
atenção na economia de tempo que pode ser obtida em cada etapa.
211
212 as cinco leis da biblioteconomia
61 Sistema ‘Fechado’
Talvez a primeira coisa que o leitor faz, ao entrar na biblioteca, é de-
volver os livros que usou. Contudo, será conveniente adiar o exame deste
processo, para vê-lo junto com o método de empréstimo, pois as duas
operações são, por sua natureza, interdependentes.
vezes até o leitor conseguir um livro. Além disso, quando o livro realmente
chega, talvez não seja aquele que o leitor imaginava ou, por algum motivo,
não lhe serve. A entrada do catálogo pode não ter dado uma indicação
suficientemente clara da natureza do livro. Isso implica a repetição de todo
o processo outra vez. Estas características podem “fazer com que a escolha
de livros cause profundo mal-estar e seja um trabalho desagradável”.226
6211 Exemplo
Acompanhemos agora nosso leitor, para quem a Quarta Lei assegurou
o ingresso no recinto das estantes e suponhamos que ele esteja interessado
em mecânica ondulatória e que deseja ver o maior número possível de
livros sobre o assunto. Se a biblioteca adotar o arranjo alfabético, ele terá
que compulsar os livros de a a z até localizar os seus, pois existe aproxima-
damente a mesma probabilidade de cada letra do alfabeto ser a letra inicial
dos nomes dos autores dos livros sobre aquele assunto. Por exemplo, eis
alguns títulos sobre mecânica ondulatória, que a biblioteca talvez possua:
HISTOGRAMA DO NÚMERO
DE VOLUMES EMPRESTADOS
SOBRE DIFERENTES ASSUNTOS
EM 1927
LITERATURA
NÚMERO DE VOLUMES EMPRESTADOS
EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA
GENERALIDADES
HISTÓRIA
PSICOLOGIA
ECONOMIA
FILOSOFIA
CIÊNCIA EM GERAL
MEDICINA
ENGENHARIA
ARTES APLICADAS
POLÍTICA
TECNOLOGIA
DIREITO
RELIGIÃO
QUÍMICA
FILOLOGIA
GEOGRAFIA
AGRICULTURA
BELAS-ARTES
BOTÂNICA
GEOLOGIA
FÍSICA
SOCIOLOGIA
ZOOLOGIA
218 as cinco leis da biblioteconomia
razoável. Mesmo quando isso acontece, acaba ficando suja, com as letras
apagadas. Verificou-se que, afinal, sai mais econômico comprar etiquetas
especialmente feitas, do que cada biblioteca preparar suas etiquetas de
forma rudimentar. As mais úteis eram as etiquetas brancas circulares da
empresa Dennison, número a-144, que vêm com uma fina película de
cola. Custam cerca de uma rupia por milheiro. Encontram-se na Libraco
Limited, 62, Cannon Street, Londres, e.c. 4. É possível aumentar sua dura-
bilidade com a aplicação sobre elas de uma camada de verniz para papel
depois que são afixadas. Mesmo assim, têm de ser substituídas periódica
e sistematicamente. Não há nada mais desagradável à vista do que uma
etiqueta suja e meio-rasgada, desfigurando o dorso de um livro. Ademais,
dá uma impressão de descaso, que atenta contra a aparência limpa, como
se fosse uma loja, que a biblioteca deve mostrar ao leitor.* Na biblioteca
da universidade de Madras, que empresta cerca de 150 mil livros por ano,
foi preciso designar um atendente que leva cerca de dez horas por semana
para trocar as etiquetas. Todo esse tempo do atendente é gasto para pou-
par o tempo do leitor nessa etapa. Embora pareça uma despesa de vulto,
quando considerada do ponto de vista de uma biblioteca isolada, é, de fato,
uma economia do ponto de vista da comunidade em geral.
6333 Douração
O trabalho de ter frequentemente de trocar as etiquetas pode ser
evitado se o número de chamada for gravado diretamente na lombada
do livro. Para isso, usa-se o método comum de douração, adotado pelos
encadernadores. Talvez seja útil ensinar um assistente da biblioteca a fazer
a douração no recinto da biblioteca. Caso contrário, os livros são enviados
ao encadernador para a gravação dos números de chamada.
* São fabricadas, atualmente, etiquetas com aderência permanente, sobre as quais são
aplicadas películas transparentes, que sanam os problemas apontados no texto. (n.e.)
220 as cinco leis da biblioteconomia
nusear uns poucos livros soltos em seu gabinete particular, o leigo não
consegue imaginar facilmente as proporções que questões aparentemente
pequenas assumem numa biblioteca em crescimento que lida com milhares
de volumes e milhares de leitores. Por conseguinte, num país como o nosso,
quase sem tradição no que se refere a bibliotecas modernas, é provável que
as dificuldades enfrentadas pelos bibliotecários aumentem grandemente
devido ao fato de os outros não reconhecerem a magnitude do problema.
O bibliotecário, porém, precisa pensar nesses problemas e resolvê-los de
modo a poupar o tempo do leitor.
64 Entradas no Catálogo
Outro fator que pode levar o leitor a perder tempo na obtenção dos
materiais é o que se deve à inevitável natureza complexa da maioria dos
livros. Nem todos os livros são monografias. Muito frequentemente um
excelente estudo sobre um tema específico encontra-se num capítulo ou
mesmo em algumas páginas de um livro, cujo enfoque principal pode
ser outro assunto. Um estudante diligente pode querer conhecer todos os
recursos da biblioteca sobre seu tema de estudo, seja uma monografia, seja
uma parte de um livro maior. Se no catálogo houver somente uma única
entrada para cada livro sem oferecer remissivas analíticas, a única opção
que resta ao leitor será examinar livro por livro para descobrir qual o que
contém alguma informação sobre o assunto de seu estudo.
641 Exemplo 1
Suponhamos, por exemplo, que o leitor tenha interesse por estudos
de crítica literária sobre Matthew Arnold. Talvez haja uma meia dúzia de
livros na biblioteca exclusivamente sobre este assunto e que podem estar
juntos nas estantes. Mas, uma busca paciente pelo leitor irá revelar-lhe que
a biblioteca possui também muitos outros materiais sobre o assunto. Eis
alguns itens que ele pode julgar úteis:
Ora, para encontrar estas referências sozinho o leitor terá que folhear a
maioria dos livros nas estantes de literatura. A biblioteca talvez possua
centenas de livros sobre literatura. Mesmo que o leitor tenha a paciência de
fazer uma busca exaustiva, não há dúvida que precisará de muitas horas,
ou dias, para chegar a fazer a lista acima.
642 Exemplo 2
Vejamos outro exemplo. Faz algumas semanas, um eminente pesqui-
sador precisou consultar toda a literatura existente em nossa biblioteca
sobre o efeito Zeeman. Tínhamos apenas quatro livros exclusivamente
dedicados a esse assunto e, portanto, eram os únicos que se encontravam
na prateleira onde havia a etiqueta ‘Efeito Zeeman’. Nosso catálogo, porém,
tinha mais 17 referências:
Quando estas 17 fichas vermelhas lhe foram apresentadas, ele ficou imen-
samente satisfeito e disse que tínhamos poupado muito do seu tempo com
essa catalogação analítica.
65 Bibliografia
Ao examinarmos este aspecto da Quarta Lei, talvez seja oportuno
perguntar: ‘A catalogação analítica deve limitar-se aos livros ou deve
ser estendida também aos periódicos?’ Não há dúvida alguma de que o
conteúdo dos periódicos deve ser indexado de forma classificada para
poupar o tempo do leitor.
652 Exemplo
Tomemos, por exemplo, um assunto recente como o efeito Raman.
Desde que sir C.V. Raman anunciou sua descoberta de um novo tipo de
radiação em sua histórica conferência de abertura da reunião da South
Indian Science Association, em Bangalore, no dia 16 de março de 1928,
muitos físicos do mundo inteiro voltaram sua atenção para este novo fenô-
* Apesar de todos os esforços, ainda não há consenso sobre o total de títulos de periódicos
científicos. As estimativas vão de 180 mil a 50 mil. Mais informações no sítio do issn (www..
issn.org) e no artigo de Carol Tenopir ‘Online databases – online scholarly journals: how
many?’ (Library Journal, v. 129, n. 2, p. 32, 1 Feb. 2004. (n.e.)
224 as cinco leis da biblioteconomia
66 Serviço de Referência
Vimos nas duas seções anteriores os vários tipos de instrumentos bi-
bliográficos que são elaborados na biblioteca ou em algum outro lugar e
adquiridos pela biblioteca. Quer consideremos um catálogo complexo bem
feito, com uma profusão de remissivas, ou os outros inúmeros instrumentos
bibliográficos que possivelmente estarão disponíveis na biblioteca, talvez
não seja uma questão fácil para o leitor comum tirar o máximo de proveito
destes instrumentos que permitem economia de tempo. Em primeiro lugar,
será essencial, para poupar o tempo do leitor, que ele, por meio de algum
aprendizado pessoal, se familiarize com o uso correto desses instrumentos.
Mesmo após esse aprendizado, a maioria dos leitores recorrerá ao serviço
de pesquisa bibliográfica do pessoal da referência. Devido à prática cons-
tante, o pessoal da referência adquiriu não somente precisão maior mas
também maior presteza do que os leitores no manuseio do instrumental
bibliográfico. Além disso, apesar do aprendizado, o leitor não tem como
alcançar a mesma intimidade que o pessoal da biblioteca tem com a ordem
adotada no arranjo dos livros. O conhecimento íntimo do bibliotecário
com a classificação e a catalogação dá-lhe imensa vantagem sobre o leitor
226 as cinco leis da biblioteconomia
665 Exemplo
Não faz muito tempo, um especialista em sânscrito veio de uma cidade
do interior à procura de material sobre certos aspectos da filosofia hindu.
Os livros em sânscrito normalmente têm títulos complicados, sem qualquer
indicação sobre a natureza do conteúdo. Portanto, ele sabia que não haveria
228 as cinco leis da biblioteconomia
qualquer atalho para identificar o que lhe serviria, a não ser abrir e examinar
livro por livro. E ele desconhecia tanto o arranjo classificado dos livros, como
a natureza analítica do catálogo de assuntos. Também ignorava a existência
do pessoal de referência. Por outro lado, estava convicto de que, uma vez
que os livros que procurava tinham sido impressos na escrita devanagari e
o assunto era um ramo obscuro da filosofia antiga, não contaria com a ajuda
de ninguém. Por isso, estava disposto a levar alguns dias até terminar seu
trabalho. No primeiro dia, apesar de repetidos oferecimentos, ele declinou
de toda ajuda e começou a levar alguns livros de vez em quando para sua
mesa de leitura. Depois de uma ou duas horas, quando já começava a esbo-
çar sinais de cansaço, ele voltou a ser abordado, com diplomacia, e aceitou
que se lhe mostrasse o recinto das estantes. Essa foi uma oportunidade
esplêndida para que o bibliotecário de referência lhe explicasse as várias
soluções que a biblioteca adotara para poupar o tempo do leitor. Por fim,
foi encaminhado ao local onde ficam os livros sobre filosofia hindu. Depois
de quase uma hora de conversa, saiu para almoçar. Resumindo, quando
eram mais ou menos 16 h 30 min ele pediu permissão para usar o telefone
do escritório, a fim de solicitar ao chefe da estação ferroviária que lhe re-
servasse um leito no trem para a mesma noite. Nem é preciso reproduzir
aqui suas inúmeras palavras de admiração e agradecimento pela maneira
como o pessoal da biblioteca havia poupado seu tempo.
67 Método de Empréstimo
Avancemos agora com o leitor. Suponhamos que ele terminou toda a
leitura que pretendia fazer no recinto da biblioteca e que está pronto para
voltar para casa. Suponhamos que ele queira levar alguns livros consigo.
O processo de preparação das anotações necessárias antes que lhe seja
permitido tomar livros emprestados para leitura domiciliar chama-se ‘fazer
empréstimo’. O processo inverso de receber os livros de volta quando o
leitor os devolve e declará-lo isento de qualquer responsabilidade adicional
quanto a esses livros é conhecido como ‘dar baixa no empréstimo’. Antes
do advento da Quarta Lei, o método de empréstimo e baixa era muito tra-
balhoso e demorado. Mesmo hoje em dia, tais métodos antiquados ainda
prevalecem em muitas de nossas bibliotecas. Mostraremos, ao tratar da
Quinta Lei, que esses métodos entrarão em colapso se a biblioteca funcionar
de acordo com o ideal das três primeiras leis. Aqui nos limitaremos apenas
ao aspecto temporal do processo.
do balcão copia estes dados no diário e lança estas anotações diárias num
livro razão destinado aos leitores para evitar a busca no diário quando
precisar encontrar uma entrada. Cada leitor tem algumas páginas reser-
vadas para si no livro razão. O número de chamada do livro emprestado
e a data do empréstimo são anotados nas colunas destinadas para tal fim.
Quando o volume é devolvido, a data da devolução é anotada em outra
coluna. Se o livro é devolvido depois da data prevista, o valor da multa,
a data e o número do recibo do seu pagamento são anotados em outras
colunas. Certas bibliotecas registram estes dados também em outro livro
razão no qual para cada livro é destinada uma página. Além da impossibi-
lidade de manter a sequência alfabética ou do número de chamada nesses
livros, o processo de fazer os registros durante o empréstimo e durante
a devolução faz com que o leitor espere muito tempo. Isso piora ainda
mais nas horas de pico, pois somente uma pessoa pode usar este livro de
registro por vez. Quando este sistema estava em voga na biblioteca da
universidade de Madras até três anos atrás, o tempo médio perdido pelo
leitor, por causa deste método antiquado de empréstimo e baixa, era de
cerca de quinze minutos.
* No original, reader tickets: pequenos cupons, entregues ao usuário quando de sua inscrição
na biblioteca. Não confundir com o cartão de leitor ou cartão de usuário (borrower ticket),
que também pode ser chamado de reader ticket. (Cf. o verbete ‘Reader’s tickets’, em Prasad,
B.K., ed. Encyclopaedia of teaching of library science. New Delhi: Anmol, 2003, v. 1, p. 3. (n.e.)
230 as cinco leis da biblioteconomia
68 O Tempo do Pessoal
Vimos que um dos métodos empregados para poupar o tempo do leitor
consiste em fornecer um número adequado de funcionários para o serviço
de referência. Por conseguinte, quanto mais funcionários houver e quanto
mais longo for o período em que possam estar disponíveis para a efetiva
prestação do serviço de referência, maior será a medida com que os obje-
tivos da Quarta Lei serão cumpridos. Um corolário disto é que a Quarta
Lei implica também que o tempo do pessoal despendido em atividades
a quarta lei 231
de rotina deve ser reduzido ao mínimo possível. Este apelo da Quarta Lei
vem de há muito ocupando a atenção das bibliotecas, com magníficos
resultados. Embora uma descrição completa da evolução dos métodos
adotados no trabalho bibliotecário esteja prevista para um volume dedi-
cado à administração de bibliotecas, pode-se dizer, sinteticamente, que o
efeito da Quarta Lei foi revolucionar os métodos de anotação e controle dos
registros das bibliotecas. Os vetustos volumes encadernados foram postos
de lado completamente e substituídos por fichas soltas. Pode-se mesmo
dizer que o sistema de fichas que parece estar hoje presente em todos os
tipos de empresas e escritórios representa uma contribuição notável da
biblioteconomia para os modernos métodos de administração em geral.
É preciso admitir que, por sua vez, a biblioteconomia deve a invenção
do sistema de fichas a um sincero desejo por parte dos bibliotecários de
satisfazer à Quarta Lei de todas as maneiras possíveis.
Fichário de tombo
Se, por outro lado, a biblioteca adquirir os livros diretamente das editoras,
as fichas do fichário de ‘pedidos de compra’ são primeiramente ordenadas
pelos nomes das editoras e os pedidos são datilografados separadamente
para cada editora. De qualquer maneira, o número e a data do ‘pedido
de compra’ são registrados nos lugares apropriados no verso da ficha. O
fornecedor é comumente instruído a citar o número e a data do ‘pedido de
compra’ na nota fiscal que acompanha a mercadoria, e as fichas respectivas
são guardadas no fichário dos ‘pedidos de compra’ atrás das fichas-guia
de data que mostram a data em que o pedido foi feito.
6891 Vantagem
Grosso modo, para cada minuto exigido pelo sistema de fichas, teriam
que ser gastos cinco minutos no sistema antigo. Ademais, as iniciais ano-
a quarta lei 235
N° de doação
Autor
Título
Série, etc.
Críticas
Fornecedor Preço
Índia
Data Iniciais Estrangeiro
Seleção
Ped. n°
Aprovado Empenho n°
Encomenda
Pago N° de ass.
Registrado N° de líng.
Classificado
Catalogado
Na estante Subtotal
Encadern.
Baixa Total
236 as cinco leis da biblioteconomia
6911 História
As bibliotecas norte-americanas, entretanto, não tardaram a reconhe-
cer a importância da catalogação centralizada para a causa da Quarta
Lei. No ano de 1929–1930, o número de assinantes das fichas impressas
chegou a 5 011. Até mesmo bibliotecas estrangeiras, como da China e da
Rússia, começaram a adquirir as fichas para suas bibliotecas. Este amplo
mercado naturalmente resultou na redução do custo destas fichas. O custo
aproximado das fichas necessárias para um volume é estimado em quatro
a quarta lei 237
Reprodução feita com a gentil permissão do Sr. C. Seshachalam da empresa Curzon & Co., Madras. Copyright: Curzon & Co.
CAPÍTULO 7
A QUINTA LEI
70 Introdução
Chegamos à quinta e última lei da biblioteconomia. Enquanto as
quatro primeiras tratam das funções da biblioteca, a Quinta nos fala das
características essenciais e perenes da biblioteca como instituição e exige a
necessidade de uma constante adaptação de nossa perspectiva ao lidarmos
com ela. Se as quatro primeiras leis mostram o espírito que deve caracterizar
a gerência e a administração das bibliotecas, a Quinta Lei enuncia o prin-
cípio fundamental que deve presidir ao planejamento e organização das
bibliotecas. Enquanto as quatro primeiras leis incorporam preceitos que
são quase óbvios, a Quinta Lei talvez não seja tão evidente por si mesma.
701 Enunciado
Reza a Quinta Lei: a biblioteca é um organismo em crescimento. É um
fato biológico indiscutível que somente o organismo que se desenvolve é
o que sobrevive. Um organismo que pare de se desenvolver acabará por
se paralisar e perecer. A Quinta Lei chama nossa atenção para o fato de a
biblioteca, como instituição, possuir todos os atributos de um organismo
em crescimento. Um organismo em crescimento absorve matéria nova,
elimina matéria antiga, muda de tamanho e assume novas aparências e
formas. Além das mudanças bruscas e aparentemente descontínuas dessa
metamorfose, está também sujeito a uma mudança lenta e contínua, que
conduz ao que se conhece como ‘variação’, em linguagem biológica, e para
a evolução de novas formas. É uma mudança tão lenta mas tão eficaz que
os adeptos da evolução afirmam que foram os protozoários informes e
indiferenciados da era paleozóica que se transformaram, por sucessivos
estágios de variação, na espécie mais diferenciada da criação — o ser
humano. O que persistiu através de todas essas mudanças de forma foi o
princípio essencial da vida. O mesmo acontece com a biblioteca.
71 Crescimento de Tamanho
Vejamos primeiro as consequências do simples crescimento de tama-
nho. Para tanto, talvez seja conveniente estudar as partes principais do
organismo que podem crescer. Elas são os livros, os leitores e o pessoal.
241
242 as cinco leis da biblioteconomia
Convém repetir que uma biblioteca moderna é uma tríade formada por
estes fatores. Deve-se ter plena consciência de que um acervo de livros sem
leitores não tem mais direito de ser chamada de biblioteca do que um grupo
de leitores sem livros, e que a mera justaposição de livros e leitores sem o
pessoal, que sabe promover o contato entre o leitor certo e o livro certo, no
tempo certo e do modo certo, tampouco constitui uma biblioteca. A mo-
déstia com que as autoridades responsáveis pelas bibliotecas subestimam
a taxa de crescimento de cada um destes fatores é inimaginável. Teremos
o ensejo de mostrar exemplos desta modéstia à medida que entrarmos em
detalhes. E menos perdoável ainda é meter-se a organizar uma biblioteca
como se ela fosse imóvel, como se nem os livros, nem os leitores, nem os
funcionários aumentasem de número. Não há nada mais censurável do
que uma organização falha, que impeça o livre e pleno desenvolvimento
da biblioteca, ou, de fato, de qualquer instituição. A reincidência contumaz
neste erro fatal em matéria de biblioteca deve-se à incapacidade de perceber
um fato fundamental, a saber, que uma forma de organização que serve
para uma pequena biblioteca pode falhar por completo se ela crescer. Os
tecnólogos sabem, por experiência própria, que um método que dá certo no
laboratório nem sempre resulta num método bem-sucedido de produção.
Os físicos também começam a perceber que o que é verdadeiro em situações
de dimensões infinitesimais pode deixar de sê-lo em situações similares de
dimensões finitas, e o que pode ser verdadeiro em ambiente de tamanho
normal pode deixar de sê-lo em situações de tamanho excessivamente
grande. A organização da biblioteca não deve, de forma míope, deixar-se
influenciar pelo tamanho atual, mas planejar sua configuração de modo
a facilitar a sintonia com o crescimento dela. Vejamos cada um dos três
elementos da tríade e esbocemos a consequência de seu crescimento nos
diferentes aspectos da organização da biblioteca.
711 Livros
Primeiro, vejamos os livros. Sua quantidade numa biblioteca viva deve
crescer e, de fato, cresce. Partimos do pressuposto de que será muito difícil
repetir-se aquela história de um deputado do estado do Kansas (eua) que,
com veemência, foi contra a aprovação de uma verba orçamentária para
mais livros para a biblioteca da universidade: “Senhor Presidente, sou
contra essa despesa. Ora essa! Eles têm 40 mil livros lá em Lawrence, e não
acredito que algum desses professores já os tenha lido todos!”230 Também
estaremos pressupondo a inviabilidade do plano Quincy,* que consiste em
* Baseado em proposta formulada em 1893 por Samuel Swett Green, para limitar o
crescimento de pequenas e médias bibliotecas públicas por meio de descarte. Cf. artigo
‘Weeding’, de Loriene Roy, na Encyclopedia of library and information science, ed. by Allen
Kent, crc Press, v. 54, suppl. 17, 1994, p. 354-357. (n.e.)
a quinta lei 243
7121 Tamanho
A começar pelo tamanho, é raro a Quinta Lei não levar a melhor diante
das autoridades responsáveis pelas bibliotecas. Por exemplo, as autorida-
des às quais a biblioteca da universidade de Madras estava subordinada
fizeram as seguintes estimativas em 1911: “Para acomodar os livros que a
biblioteca possui juntamente com os que a comissão espera adquirir durante
o próximo ano, será necessária uma sala de 13 × 13 × 6 m. Para colocar os
livros a serem acrescentados [...] durante os próximos 25 anos (supondo-se
que a alocação de verbas continue a mesma) será necessária outra sala de
igual tamanho.” Mas, por volta de 1922, a comissão foi levada a modificar
sua estimativa da seguinte maneira: “As duas salas, medindo cada uma 13
× 13 × 6 m, reservadas para o armazenamento de livros, podem ser multi-
plicadas por três, uma vez que as futuras adições possivelmente serão em
muito maior número do que foi originalmente previsto.” A experiência
posterior mostrou que o acervo, que era de sete mil volumes em 1911,
cresceu para 70 mil em 1930. O local das estantes teve que ser realmente
projetado para receber quatro seções de estantes cada uma com 47 × 13 ×
6 m, com previsão de duplicação do espaço sempre que necessário.
livros de todos os tamanhos, será preciso que haja total liberdade para o
ajustamento das prateleiras, para evitar desperdício de espaço. Ver a figura
abaixo e a especificação no apêndice 1.
Reprodução com a gentil permissão do Sr. C. Seshachalam, da empresa Curzon & Co., Madras. Copyright, Curzon & Co.
Reprodução com gentil permissão do Sr. C. Seshachalam, da empresa Curzon & Co., Madras. Copyright: Curzon & Co.
Mesa de periódicos
72 Sala do Catálogo
Outra parte do prédio da biblioteca que deve contar com um espaço
generoso, por causa do crescimento do acervo, é a sala do catálogo ou a
sala na qual são mantidos os móveis do catálogo. Um móvel-padrão de
gavetas, que ocupe uma superfície de 0,58 × 0,71 m, comporta 48 mil fi-
chas catalográficas. Vimos que para cada livro são preparadas em média
seis fichas catalográficas, para que sejam atendidas a Segunda, a Terceira
e a Quarta Lei. Assim, precisa-se de um móvel-padrão para cada oito mil
volumes. Pode-se também inferir daí a taxa de aumento do número de
fichários catalográficos numa biblioteca em crescimento. Deve-se ter em
mente esta consequência da Quinta Lei ao se projetar a sala do catálogo.
Para começar, não somente deve essa sala ser suficientemente ampla, mas
se deve também prever sua ampliação. A Quarta Lei, por sua vez, urge para
que esta sala fique localizada bem perto da entrada do local das estantes.
73 Sistema de Classificação
Outra questão importante, que precisa ser examinada à luz da Quinta
252 as cinco leis da biblioteconomia
da Quinta Lei é que faz com que muitas de nossas bibliotecas adotem este
plano. O melhor caminho a seguir consiste em adotar um sistema de clas-
sificação reconhecido e que exista em edição impressa. Há quatro sistemas
clássicos usados em países de língua inglesa: Brown’s Subject Classification
[Classificação de Assuntos de Brown], Cutter’s Expansive Classification [Clas-
sificação Expansiva de Cutter], Dewey’s Decimal Classification [Classificação
Decimal de Dewey] e a Library of Congress Classification [Classificação da
Library of Congress]. Destas, a Classificação Decimal de Dewey é a mais
popular, usada em cerca de 14 mil bibliotecas. A Classificação da Library of
Congress também é muito utilizada nos Estados Unidos. O fornecimento
de fichas catalográficas impressas pela Library of Congress está tornando
este sistema popular. Os sistemas de Cutter e de Brown não são usados em
muitas bibliotecas, pois não existe uma instituição que os atualize periodi-
camente. A obra Classification, theoretical and practical, de E.C. Richardson,
traz um estudo sobre a história bibliográfica dos sistemas de classificação.
Existem não menos de 161 sistemas mencionados por ele. Mas, como já
disse, somente dois deles resistiram ao teste do tempo.
médio de fichas catalográficas é de seis por livro. Isto deve esclarecer que
não é uma questão banal mudar a classificação de uma biblioteca. O tra-
balho, o tempo e o custo envolvidos serão proibitivos.
Os locais de leitura incluíam um salão geral com 260 lugares para leitores e
com 15 mil obras de referência nas estantes; uma sala de livros em reserva, com
lugares para 220 leitores e com 25 mil volumes em duplicata para uso em sala
de aula, com espaço adicional no subsolo para uma quantidade muito maior de
volumes, uma sala de periódicos, com lugares para 120 leitores, com estantes
ao longo das paredes para dois mil títulos de periódicos correntes; uma sala
especial para alunos de graduação, com lugares para 165 alunos, e com estantes
para 30 mil dos melhores livros em inglês sobre todos os assuntos. Um ‘estúdio
para alunos não-residentes no campus’, situado no subsolo, abrigava mil das
mais importantes obras de referência e oferecia 90 lugares.232
75 Pessoal
Passemos ao terceiro fator — o pessoal. Mesmo quem tem consciência
a quinta lei 259
da verdade da Quinta Lei quanto aos livros e aos leitores não consegue
perceber a necessidade de crescimento do terceiro fator. O sistema de livre
acesso, com as medidas preventivas devidas, e o método moderno de
empréstimo dispensam o aumento do quantitativo de pessoal no balcão
e reduzem bastante a necessidade de aumentar o número de atendentes.
No entanto, as seções de livros, de periódicos, de catalogação, de encader-
nação e a de referência precisam crescer à medida que a biblioteca cresce.
Destas cinco seções, o crescimento das três primeiras depende somente da
taxa de crescimento do primeiro fator, os livros. O crescimento, porém,
das duas últimas seções depende não só do crescimento do acervo mas
também do aumento do número de leitores. A Quinta Lei estimula as au-
toridades responsáveis por bibliotecas a se lembrarem que a eficiência de
uma biblioteca não pode ser mantida no nível adequado, a menos que se
providencie o necessário incremento do seu pessoal em todas essas seções.
751 Especialização
Admitindo-se que a autoridade responsável pela biblioteca adote me-
didas para o aumento do quadro de pessoal na medida necessária, esse
aumento implicará novos problemas de organização. Com um grande
quadro de pessoal, serão necessários mais mecanismos de supervisão e
mais burocracia. Se o quadro de pessoal for limitado a uma única pessoa
eficiente, alcançaremos os melhores resultados. Com um quadro de duas
pessoas igualmente eficientes talvez consigamos dobrar o trabalho feito.
Mas, com um quadro de dez, não teremos o trabalho multiplicado por
dez; a proporção tende a ser muito menor. Compete ao organizador, à
pessoa que dirige, manter essa proporção tão alta quanto possível. Um
método aceito para conseguir isso está em aproveitar as oportunidades
de especialização, que o tamanho sem dúvida acarreta. Esta especialização
deve avançar, sempre que o quadro de pessoal for ampliado.
Ela [...], como haviam feito as fundadoras, abandona bruscamente seu esboço,
e é imediatamente substituída por uma operária impaciente, que continua a
tarefa a ser terminada por uma terceira, enquanto outras próximas, segundo
o mesmo método de trabalho interrompido e sucessivo, partem para o resto
da superfície e o lado contrário da parede de cera. Dir-se-ia que uma lei fun-
damental da colmeia faz com que o orgulho pelo trabalho seja compartilhado
e que toda obra que ali se faça deva ser comum e anônima para que ela assim
seja mais fraterna.233
76 Evolução
Até agora, tratamos apenas das consequências do crescimento físico.
Veremos agora outro atributo do organismo em crescimento, isto é, a va-
riação e a evolução de novas formas.
765 Futuro
Não podemos antever quais outras etapas de evolução ainda existem
para este organismo em crescimento — a biblioteca. Quem sabe se não
virá um dia em que a disseminação do conhecimento, que é a função es-
sencial da biblioteca, se fará por meios diferentes do livro impresso? Pelo
menos Wells234 pintou um mundo no qual a disseminação do conhecimento
seria realizada por transmissão direta do pensamento sem a mediação da
palavra falada ou impressa. Uma antiga tradição da Índia apresenta uma
imagem delicada da comunicação silenciosa:
77 Princípio Vital
Mas, o princípio fundamental da biblioteca — que prevaleceu ao longo
de todas as etapas de sua evolução, é comum a todas as suas diferentes
formas e perdurará como sua característica peculiar para todo o sempre
— é ser um instrumento de educação universal que reúne e difunde li-
vremente todos os recursos de ensino e dissemina o conhecimento com a
ajuda delas. Este princípio fundamental — o ‘espírito da biblioteca’ — que
persiste através de todas as suas formas é como o homem interior, e a ele
se aplicam as palavras235 do Senhor:
Assim como alguém que se desfaz das roupas gastas e veste outras que
são novas, também a alma incorporada se desfaz de formas gastas e entra em
outras que são novas.
As armas não a destroem; o fogo não a queima; a água não a molha; nem
o vento a resseca.
Não pode ser dividida; não pode ser queimada; não pode ser molhada;
não pode ser secada; ela é eterna, onipresente, imutável e imóvel; ela é para
sempre a mesma.
264 as cinco leis da biblioteconomia
CAPÍTULO 8
O MÉTODO CIENTÍFICO, A BIBLIOTECONOMIA
E O AVANÇO DA DIGVIJAYA
80 O Que é Ciência?
‘A biblioteconomia é uma ciência?’* Esta é uma pergunta suscitada
com bastante frequência. Sir P.S. Sivaswamy Aiyar levantou esta questão
no prefácio da primeira edição deste livro. Um crítico de Preface to library
science,295 que contém as aulas inaugurais do departamento de biblioteco-
nomia criado pela University of Delhi em 1947, questionou, nas páginas
de Nature,296 a denominação ‘ciência das bibliotecas’ [library science]. Sri
C. Rajagapalachari trouxe à baila de novo a questão em seu discurso de
presidente da comemoração do jubileu de prata da Madras Library Asso-
ciation, em abril de 1953. Na verdade, a resposta a esta pergunta depende
da resposta a uma outra: ‘o que é ciência?’ A nota de ceticismo com relação
à biblioteconomia como ciência remonta, com frequência, a uma definição
restrita do termo ‘ciência’. Essas duas restrições são comuns e pode-se
provar que são falsas.
* No original ‘Is there a library science?’, cuja tradução literal é ‘existe uma ciência das bi-
bliotecas?’ Desde o título e ao longo do texto, Ranganathan empregou a denominação library
science, e sua intenção se torna clara neste capítulo. Embora se encontre, aqui e ali, tanto em
português, como em francês (science des bibliothèques), espanhol (ciencia de las bibliotecas) e
italiano (scienze delle biblioteche), estas opções são empregadas muito raramente. Derivam,
por intermédio do inglês, do alemão de começo do século xix: Bibliothekswissenschaft, li-
teralmente ‘ciência das bibliotecas’ ou library science. Segundo Arnim Graesel, foi Martin
Schrettinger quem primeiro empregou esta denominação em seu Versuch eines vollständigen
Lehrbuches der Bibliothek-Wissenschaft, publicado em Munique entre 1808 e 1829 (Cf. Graesel,
Arnim. Manuel de bibliothéconomie. Trad. de Jules Laude. Paris: H. Welter, 1897, p. 6 (nota),
264
o método científico 265
15-16.) Sobre este ponto muito já se discutiu e até hoje não se chegou a um consenso. Na
realidade, no mundo lusófono, a denominação ‘biblioteconomia’ é empregada, de modo
predominante, como equivalente a library science e, antes do advento desta, a librarianship e
a bibliotheconomy (donde, ainda, por etimologia equivocada, library economy). As discussões
sobre se se trata ou não de uma ciência parece que migraram, a partir do final da década
de 1960, para o novo flanco das guerras epistemológicas e semânticas aberto pela ‘ciência
da informação’. Nesta tradução, foi adotado sistematicamente o termo ‘biblioteconomia’
para library science, por admitirmos que a ‘ciência das bibliotecas’ é, por razões de ordem
histórica e prática, e em respeito ao uso e à tradição, no contexto de língua portuguesa,
a biblioteconomia. O que não esgota a questão abordada pelo autor neste capítulo. Quer
dizer, não é o nome em si mesmo que decide se um conhecimento é ou não é científico. (n.e.)
266 as cinco leis da biblioteconomia
81 O Método Científico
811 Termos Pressupostos
Na descrição de método científico, usaremos os seguintes termos tidos
como pressupostos:
conhecer, conhecedor, conhecido, conhecimento;
sentidos, sensação ou percepção, observação, experimentação;
intelecto, associação, raciocínio, lógica, lógica indutiva, lógica dedutiva;
memória, recordação, lembrança;
o método científico 267
emoção, sentimento;
a forma de conhecer com a ajuda das faculdades e métodos mencio-
nados nas últimas quatro seções é denominada kartru-tantra em sânscrito,
que significa ‘dependente do conhecedor’;
intuição ou modo transintelectual, transsensorial, transemocional e
transmnemônico de conhecer diretamente a coisa em si.
Este modo é chamado vastu-tantra em sânscrito. Diz-se que é adquirido
por meio de tapas, um método de concentração, autossublimação e auto-
desenvolvimento, e significa ‘dependente do conhecido’.
8141 Quadrante 1
O quadrante 1 corresponde ao estágio de desenvolvimento de um do-
mínio do universo do conhecimento, de acordo com o método científico,
em que:
1) utilizam-se os sentidos primários, tanto em seu estado natural,
quanto com o auxílio de instrumentos de vários graus de potência;
2) fazem-se observações de conhecidos, com ou sem a interferência e
o condicionamento da experimentação;
3) há uma progressão em direção à particularização e regressão a partir
da generalização;
o método científico 269
8142 Quadrante 2
O Quadrante 2 corresponde ao estágio em que:
1) usa-se o intelecto tanto sozinho quanto auxiliado pelos instru-
mentos construídos para acelerar o trabalho do intelecto e, de alguma
forma, aliviá-lo;
LEIS FUNDAMENTAIS
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8143 Quadrante 3
O quadrante 3 corresponde ao estágio em que:
1) usa-se uma intuição de certa intensidade, sem a mediação dos sen-
tidos primários ou do intelecto;
2) as leis induzidas ou empíricas são reduzidas a um número bem
pequeno de leis fundamentais — por exemplo, as leis do movimento de
Newton, às quais muitas leis empíricas, como a de Kepler, são reduzidas
de um só golpe — mais fáceis de serem retidas na memória do que as leis
empíricas ou induzidas, em maior número;
3) há uma regressão a partir da particularização e uma progressão em
direção ao máximo de generalização;
4) há uma regressão a partir da concretude e uma progressão em direção
da máxima abstração; e
5) as leis fundamentais são apreendidas e registradas.
8144 Quadrante 4
O quadrante 4 corresponde ao estágio em que:
1) usa-se o intelecto tanto sozinho quanto com o auxílio dos instru-
mentos construídos para acelerar o trabalho do intelecto e, de alguma
forma, aliviá-lo;
2) usa-se o raciocínio com o auxílio da lógica dedutiva, incluindo a
semântica geral e cálculos, inclusive matemáticos, a fim de extrair todas
as inferências obrigatórias das leis fundamentais;
3) há uma progressão em direção à particularização e uma regressão
a partir da generalização;
4) há uma progressão em direção à concretude e uma regressão a partir
da abstração;
5) as leis deduzidas são extraídas e registradas;
6) as leis deduzidas, assim extraídas, incluem todas e cada uma das
leis empíricas induzidas; e
o método científico 271
à espera, desde que são recebidos na biblioteca, até serem liberados para
o uso depois de classificados e catalogados. A classificação e catalogação
pré-natal dos livros, o fornecimento das fichas catalográficas junto com
os próprios livros, a impressão dos números de chamada no verso das
páginas de rosto e sua douração na lombada, bem como a rotina conexa
da aquisição, descritos em Headings and canons,271 permitirão à biblioteca
liberar um livro em prazo de apenas alguns dias após seu recebimento.
Esta é uma prática que ainda não foi adotada em nenhum lugar. Durante
minha visita à Inglaterra, em dezembro de 1956, o Sr. Wells, editor da bnb,
assegurou-me que esse trabalho pré-natal não era tão impraticável como
se pensava que fosse, quando o expus, pela primeira vez, em 12 de agosto
de 1948, numa palestra na Library of Congress. Ele não prevê qualquer
resistência das editoras em cooperar, quando solicitadas por ele.
844 Mecanização
Outra maneira de poupar tempo do pessoal será por intermédio da
mecanização de todas as atividades de rotina da biblioteca. Por exemplo,
o projeto de equipamentos para pesquisas bibliográficas está em pleno
andamento desde a Segunda Guerra Mundial. Uma combinação da análise
o método científico 283
86 Ramos da Biblioteconomia
Vários dos ramos da biblioteconomia aparecem como coerentes, quando
examinados à luz das cinco leis. Ademais, o desenvolvimento de alguns
deles já fez com que ingressassem na espiral do método científico. A força
que os impele vem de cânones, específicos para cada ramo e derivados
das cinco leis e de certas leis gerais que regulam o trabalho em qualquer
campo, como as leis da parcimônia e da imparcialidade. Todos os atri-
butos de todo esse domínio, com foco nas cinco leis no zênite da espiral
do método científico, estão bem refletidos na família de cerca de cinco
dezenas de meus livros. O ancestral desta família é The five laws of library
science (1931).268 Todos os livros formam uma só unidade. Na verdade, é
como se fossem capítulos de um livro único e enorme. Eles satisfazem ao
teste do príncípio de ekavakyata [princípio unitário, unidade de pensamento]
da mimamsa sastra, a ciência da exegética.
861 Classificação
A classificação foi o primeiro ramo a ingressar nos dois primeiros qua-
drantes. Esse trabalho pioneiro coube a W.C. Berwick Sayers, em 1918. Por
meio de um estudo comparado e o confronto de sistemas de classificação
então conhecidos, ele formulou um conjunto de cânones de classificação.
Henry Evelyn Bliss aportou importante contribuição ao tema. A Classifica-
ção dos Dois Pontos veio mais tarde. Levando também em conta suas novas
características e à luz-guia das cinco leis, os cânones foram desenvolvidos
em Prolegomena to library classification (1937),296 somando 33 na segunda
edição publicada em 1957. Os Elements of library classification (1945)267 formu-
laram os princípios pelos quais se pode satisfazer ao cânone da sequência
útil. Em Library classification: fundamentals and procedure (1944)276 foram
desenvolvidos os conceitos das categorias fundamentais, análise de fases e
análise de facetas. Isso foi ampliado desde então pela análise de zona e vêm
sendo estudados sob os auspícios da fid/ca, a Comissão de Teoria Geral
da Classificação, criada pela Federação Internacional de Documentação,
e do Classification Research Group da Grã-Bretanha. Os trabalhos feitos
até agora estimularam a realização da International Study Conference on
Classification for Information Retrieval, na Inglaterra, de 13 a 17 de maio
de 1957.244 Numa carta de 20 de dezembro de 1956, endereçada pelos or-
ganizadores da conferência ao Indian National Scientific Documentation
Centre (insdoc), encontra-se o seguinte trecho:
than nos últimos vinte anos e, sem dúvida, será um meio de divulgar o interesse
por seu trabalho e sua avaliação [...] É essencial que o governo indiano seja
informado sobre a conferência.
862 Catalogação
A catalogação talvez seja o ramo mais recente a acompanhar a espiral
do método científico em seu desenvolvimento. Pois, fora sempre tratada
como um caso de norma prática e empírica. E um código de catalogação
continuava sendo um amontoado incoerente de regras. O código pioneiro
que se originou no terceiro quadrante foi o de Cutter (1876).245 Dois códigos
posteriores, moldados à luz das cinco leis, foram o Classified catalogue code
(1934)261 e o Dictionary catalogue code (1945).264 A primeira tentativa de basear
a catalogação num conjunto de cânones, em conformidade com as cinco leis,
foi feita em Theory of library catalogue (1938).302 Este baseou-se em Cutter, o
primeiro dos códigos mencionados acima, e no código norte-americano.246
Um estudo mais sistemático, correspondente aos quadrantes 2 e 4 da
espiral do método científico, encontra-se em Heading and canons (1955).271
Encontra-se uma aplicação do método científico objetivo na comparação
do catálogo sistemático com o catálogo-dicionário em Library catalogue:
fundamentals and procedure (1950).275 Em 1954, a Federação Internacional de
Associações de Bibliotecários iniciou pesquisas sobre regras de catalogação.
Apela-se a essa entidade para que vá além do trabalho correspondente ao
quadrante 2, valha-se da iluminação proporcionada pelas cinco leis e os
cânones e ingresse na atividade correspondente ao quadrante 4.
das cinco leis foi de imensa ajuda. Isto será visto em Library administration
(1935).273 Em sua tese para titulação como membro (fellow) da Library
Association britânica, C.A. Crossley247 observa que este livro constitui um
“ensaio que qualquer bibliotecário que almeje administrar seu próprio
sistema terá proveito ao lê-lo e recebeu calorosos elogios de especialistas
em administração quando de seu aparecimento.” Qualquer mérito que
tenha, resulta da qualidade normativa das cinco leis. Este é um ramo que
precisa ser mais bem cultivado sobre bases científicas. Trabalho adicional
nessa linha foi iniciado nas páginas da Abgila250 e sua sucessora, os Annals
of Library Science,251 através da coleta de dados empíricos sobre a mão de
obra bibliotecária. S. Ramabhadran deixou o trabalho na metade. Mas vale
a pena que seja continuado e completado.
87 Ensino e Pesquisa
Talvez o efeito de mais longo alcance da força do ingresso do desenvol-
vimento da biblioteconomia na espiral do método científico venha a ser
visto no momento oportuno nas áreas de ensino e pesquisa dessa disciplina.
Estas duas áreas são bem conhecidas por se alimentarem mutuamente. O
290 as cinco leis da biblioteconomia
8722 Librometria
Tendo em vista essa enorme gama de possibilidades, eu cunhei o termo
‘librometria’ (librametry) durante uma palestra na conferência da Aslib
de 1948, em Leamington Spa. Trata-se da analogia de termos tais como
biometria, psicometria e econometria. É sabido como a aplicação da ma-
temática a essas matérias levou à criação e refinamento de instrumentos
matemáticos precisos a elas necessários. Alguns instrumentos projetados
para uma disciplina podem ser aplicáveis também a outras. A quantidade
desse tipo de instrumento cresceu somente nas últimas décadas. O desen-
volvimento desses instrumentos acelerou o crescimento das respectivas
áreas. Problemas que estavam fora do alcance da investigação objetiva
agora se encontram sob controle preciso. Não há razão alguma para que a
pesquisa em biblioteconomia com o auxílio da librometria não nos conduza
igualmente a resultados favoráveis com segurança.
8751 Indústrias
É preciso adotar medidas para que as indústrias do país se associem
às atividades do instituto de biblioteconomia. Elas devem ser persuadidas
a utilizar seus serviços em matéria de documentação. O instituto deve
dedicar-se a projetos de pesquisa em consulta com as indústrias. Organi-
zações industriais de ponta, como os institutos de pesquisa sobre têxteis,
câmaras de comércio e organizações similares estaduais e nacionais e até
mesmo grandes indústrias, como as do grupo Tata, devem ser persuadidos
a manter bolsas de pesquisa e de estudos no instituto, tanto para pesquisar
problemas específicos propostos por elas, quanto para fazer pesquisas bá-
sicas. O instituto deve apropriar-se de problemas que surgem no dia a dia
298 as cinco leis da biblioteconomia
8752 insdoc
O insdoc deve ser usado como um laboratório externo à universidade
para classificação especializada. Isto trará vantagens recíprocas. É difícil
parauma só pessoa publicar as listas semanais de documentos e, ao mesmo
tempo, relaxar vez por outra para pensar sobre os fundamentos do traba-
lho de documentação para resolver os problemas que surgem de tempos
em tempos. Ela pode somente identificar os problemas fundamentais
que precisam ser pesquisados. A própria pesquisa deve ser entregue aos
cuidados do pessoal de pesquisa do instituto. Pela mesma razão, o próprio
instituto não deve assumir o trabalho de preparar as listas de documentos.
Acho que [...] a soma de dinheiro a que terei direito será bem maior do que
necessito. Espero pagar [...] 50 libras por ano aos meus pais e que o saldo, depois
de atendidas minhas despesas necessárias, seja usado para uma finalidade edu-
cativa, como, em particular, a redução de taxas escolares para meninos pobres
e órfãos, bem como o fornecimento de livros para as escolas.249
seus cargos e salários forem comparáveis àqueles dos diretores distritais e dos
chefes de departamento, respectivamente.
88 A Marcha da Digvijaya
O capítulo 3, intitulado ‘A Segunda Lei e sua Digvijaya’ é virtualmente
uma breve história do movimento por bibliotecas em diferentes países. Foi
atualizado à época da primeira edição, ou seja, 1931. Durante os últimos
vinte e cinco anos, o movimento por bibliotecas fez um enorme progresso
nesses países e tomou forma também em alguns novos países. Traçar sua
história com detalhes tomará muito mais espaço do que este livro dispõe, e
muito mais esforço do que eu posso dispor. Os fatos ligados às bibliotecas
no mundo são agora tantos que seria preciso destinar um volume à parte
para eles, e uma pessoa teria que dedicar muitos meses, senão anos, para
coletar todos os dados necessários para escrevê-lo.
e a leitura ativa de livros faz parte das bibliotecas públicas cresceu de 15%
da população em 1931 para 64% em 1956. Destes, cerca de 10% corres-
pondem ao fornecimento de livros para centros de educação de adultos;
supõe-se também que, hoje em dia, um livro retirado por empréstimo de
uma biblioteca pública seja lido pelo menos por dois membros da família.
Na vila de Bakewell, o número de usuários da biblioteca é de cerca de 90%
da população. Existem hoje serviços bibliotecários financiados com taxas
municipais em cada cidade, vila e povoado, exceto em Mountainash, uma
cidade mineradora no País de Gales; é a única que ainda prefere recorrer
somente à biblioteca do Mining Institute* local. O empréstimo de obras de
ficção caiu de 70% em 1931 para 40% em 1956, o que se deve em grande
parte ao interesse por livros técnicos atualizados constantemente por causa
dos avanços tecnológicos. É provável que o advento da automação inten-
sifique esta mudança na qualidade dos livros lidos. Em Nottinghamshire,
região altamente industrializada e urbanizada, o empréstimo de livros
passou de 800 mil em 1935 para quatro milhões em 1956. Em Northum-
berland, região muito montanhosa e rural, esse número subiu de 500 mil
em 1935 para 1,5 milhão em 1956. Em Nottinghamshire, a verba anual para
compra de livros subiu de 30 mil rupias em 1935 para 600 mil rupias em
1956. Em Northumberland, ela passou de 12 mil rupias em 1935 para 300
mil em 1956. A quantidade de volumes disponíveis para livre utilização
nas bibliotecas cresceu de 15 milhões em 1915 para 40 milhões em 1956.
883 Transformação
O desenvolvimento do serviço de bibliotecas na Alemanha do pós-guer-
ra é característico de certas transformações em alguns países do Ocidente.
Primeiramente, dá-se mais atenção ao serviço bibliotecário para as pessoas
comuns, em comparação com os pesquisadores. A associação de bibliotecas
populares [Verein Volksbibliothek] torna-se cada vez mais influente. A
conferência desta associação, em 1956, foi realizada em Berlim simultane-
amente com a da associação dos bibliotecários alemães [Verein Deutscher
Bibliothekare] que é predominantemente uma associação de bibliotecas
de pesquisa. Estando presente e tendo apresentado trabalho em ambas,
pude testemunhar a transformação pela qual a Alemanha estava passando.
Nessa conferência, havia também provas do grande impacto das ideias
norte-americanas na biblioteconomia. Uma sessão inteira foi dedicada ao
livre acesso às bibliotecas e aos problemas correlatos. Como consequência,
a arquitetura das bibliotecas também está passando por transformação.
Vale a pena registrar uma surpresa agradável por causa de sua relação
885 Índia
Na Índia, em geral, a independência política, conquistada em 15 de
agosto de 1947, propiciou meios e liberdade para acelerar a digvijaya da
Segunda Lei. A Indian Library Association foi fundada em outubro de
1933. É essencialmente uma associação de bibliotecários. Existem agora
associações estaduais em praticamente todos os estados. Elas terão que ser
logo reestruturadas para se adequarem à formação de estados com critérios
linguísticos em novembro de 1956. As associações estaduais de bibliotecas
são formadas na sua grande maioria pelo público em geral. Têm, portanto,
um grande potencial para facilitar a marcha da Segunda Lei. Os centros
de educação de adultos, criados pela municipalidade de Déli em várias
partes da cidade, deram grande visibilidade à fome de livros até aqui do
homem comum, inclusive os analfabetos. Estes centros foram criados
a partir de 1948. Eles levaram à aceitação pela Unesco de solicitação de
auxílio para implantação de um projeto de uma biblioteca-piloto em Déli.
Isto demonstrou que persistia a vontade de ler entre as pessoas comuns.
O mesmo fenômeno foi visto por mim no mundo inteiro, em cidades e
vilas. A intensidade da fome de livros é tão grande em alguns lugares que
o povo voluntariamente criou serviços bibliotecários, sem saber, natural-
mente, que esses esforços voluntários têm muitas deficiências e podem
não durar muito tempo. As bibliotecas nas cidades estão começando a
306 as cinco leis da biblioteconomia
co trabalho a fazer ‘nos bastidores’. A maior parte do seu tempo poderá ser
dedicada ao atendimento direto dos leitores.
A biblioteca estadual central deve ser
1) uma biblioteca depositária, onde qualquer biblioteca de serviço do estado
possa retirar material emprestado para uso local;
2) somente uma biblioteca de referência para uso no seu próprio recinto.
Até mesmo os residentes da cidade de Madras somente podem conseguir
emprestados os livros dela por intermédio de um serviço local de biblioteca.
A comissão estadual de bibliotecas deve tratar somente de princípios gerais
de política.
As cláusulas relativas a censura, constantes das normas de concessão de
verbas às bibliotecas assistidas, devem ser eliminadas. Numa democracia, a
censura de livros não deve ser delegada pelo governo a qualquer autoridade de
escalão inferior, principalmente a uma biblioteca. Todo cidadão tem o direito
de encontrar em sua biblioteca ou por intermédio dela qualquer livro, cuja
publicação haja sido permitida no estado ou que nele tenha ingressado e não
tenha sido proibido pelo governo.
A seleção de livros deve ser, rigorosamente, uma questão local. Nem a
comissão estadual de bibliotecas, nem o diretor de bibliotecas devem interferir
neste assunto. A comissão local de bibliotecas poderá solicitar ao diretor de
bibliotecas que publique periodicamente uma lista anotada de seleção de livros
para uso dos sistemas de bibliotecas distritais.
A bibliografia de obras recebidas por depósito legal deve ser preparada e
publicada de acordo com as mais recentes normas técnicas. Deve conter uma
parte principal classificada e um índice alfabético.
A compra centralizada de livros e a encadernação centralizada talvez não
funcionem satisfatoriamente. Alguma redução de custo, no entanto, pode ser
conseguida por meio de um esforço cooperativo nestas atividades.
As regras existentes precisam de modificações; mas não é urgente fazer
emendas à lei.
para Karnataka. Estes distritos, porém, correspondem a apenas uma fração dos
novos estados. Também eles ficarão com a lei de Madras? Será que Kerala e
Karnataka adotarão a lei trazida pelas regiões que lhes deram origem?
Depois que sua lei de bibliotecas entrou em vigor, Hyderabad está sendo
dividido em três partes. Não será difícil fundir numa única lei para Andhra
Pradesh a lei de Hyderabad que veio com Telengana e a lei de Madras que
veio com Andhra Desa.
A situação de Maharashtra será diferente. Adotará a lei de bibliotecas de
Hyderabad, que veio com Marathawada? O parceiro do antigo estado de Bom-
baim foi criado numa tradição bibliotecária diferente. O estado que o abrigava
acreditava que o serviço bibliotecário podia ser desenvolvido por uma simples
ação do poder executivo sem uma lei especial para as bibliotecas. Também
acreditava que o financiamento das bibliotecas podia basear-se em assinaturas
anuais voluntárias pagas por quem quisesse ler. Já em 1948, tive o ensejo de
informar o ministro de Educação de Bombaim sobre a inanidade de tais opiniões.
Os reveses sofridos pelo estado de Bombaim em matéria de bibliotecas nos
últimos oito anos demonstraram amplamente essa inanidade. Gostaria que
Maharashtra aceitasse de Marathawada este presente de uma lei de bibliotecas.
Karnataka deveria sentir ainda mais a pressão de um presente semelhante.
O estado está sendo formado por quatro áreas. South Kanara ficará com a lei
de Madras. A área de Kannada de Hyderabad ficará com a de Hyderabad.
A área de Kannada de Bombaim ficará com a tradição ineficaz de Bombaim.
Com relação ao antigo Mysore, trata-se de solo virgem para a legislação bi-
bliotecária. Mas a educação de adultos progrediu bem e tem estimulado uma
consciência bibliotecária. O mínimo a ser feito é que as áreas que ficarem com
leis de bibliotecas continuarão a trabalhar com elas. O máximo a ser feito é o
estado ampliado de Karnataka, como um todo, adotar uma combinação das leis.
Em Kerala, Malabar, que será um grande parceiro, ficará com a lei de Ma-
dras. Ambos os outros parceiros — Travancore e Cochin — analisaram projetos
de leis de bibliotecas que redigi para eles há cerca de nove anos. Ademais,
suas associações de bibliotecários foram muito atuantes. Também foi criada a
Kerala Library Association, antes da presente fusão, que pode influir a favor
da adoção da lei de Malabar pelo novo estado de Kerala. Se estes anseios se
tornarem realidade, cinco dos quinze estados indianos terão leis de bibliotecas,
que permitirão assentar seus serviços de bibliotecas sobre bases sólidas. Esses
cinco estados abrangerão todo o sul da Índia. Isso será uma fonte de inspiração
para que os outros dez estados deem andamento à sua legislação bibliotecária.
um funcionário de outra biblioteca, que não tenha nem relação oficial, nem
contratual com as Nações Unidas.
Esta fórmula dará à biblioteca plena capacidade de utilizar recursos desti-
nados no orçamento das Nações Unidas para serviços contratuais, sem implicar
o aumento do número de funcionários permanentes.
Realmente, todo bibliotecário, toda biblioteca e todo cidadão tem um dever
para com a Segunda Lei, no sentido de manter a maior vigilância possível,
necessária para impedir a intromissão de qualquer tipo de filtro pecuniário,
visível ou invisível, entre os documentos da biblioteca e seus usuários, e para
proteger a Carta Magna das Bibliotecas em sua letra e em seu espírito.
888 Unesco
O maior evento no mundo bibliotecário, desde a Segunda Guerra Mun-
dial, foi a criação da divisão de bibliotecas da Unesco, instituição auxiliar
das Nações Unidas para promover os assuntos educacionais, científicos e
culturais no mundo. Embora o serviço bibliotecário permeie todas as três
principais áreas da Unesco, a divisão de bibliotecas está, para fins adminis-
trativos, ligada à área da cultura. Desde sua fundação em 1946, a divisão
de bibliotecas tem feito o melhor possível para ser uma aliada poderosa
de todas as leis da biblioteconomia. Vem exercendo suas atribuições no
sentido de persuadir os governos dos países-membros a organizarem uma
rede de bibliotecas públicas em seus respectivos territórios e, para tal fim,
introduzir em sua estrutura jurídica leis bibliotecárias abrangentes. Implan-
tou projetos de bibliotecas públicas em diferentes regiões do mundo para
demonstrar a fome de livros das pessoas e o uso de um serviço gratuito
de bibliotecas. Contribui para a tradução de obras clássicas de cada nação
para as línguas de outras nações. Vem influindo na produção de revistas
internacionais de resumos e outros periódicos e publicações seriadas biblio-
gráficas, de modo a eliminar a duplicidade de esforços e evitar que algum
campo do conhecimento seja deixado sem cobertura. Para esta finalidade,
organiza levantamentos sobre os materiais existentes. Colabora no estabe-
lecimento de centros nacionais de documentação em vários países. Fornece
ou promove meios para viagens de estudos para bibliotecários. Começa a
exercer influência sobre órgãos internacionais não-governamentais, como
a ifla e a fid, e a promover algum grau de normalização internacional das
técnicas bibliotecárias. Empenha-se na promoção do depósito legal, biblio-
grafias nacionais, intercâmbio e empréstimo internacional de documentos.
Existe um enorme campo de ação para a Unesco colaborar na implantação
em caráter permanente da vigência das cinco leis da biblioteconomia no
mundo inteiro.
314 as cinco leis da biblioteconomia
APÊNDICE 1*
Especificações para um Módulo de Estante Feito de Teca
(Ver ilustração na página 246)
* Esta tradução manteve a integridade do texto original e, por isso, conservaram-se estes
dois apêndices. É óbvio, no entanto, que aqui também as mudanças técnicas se fazem
sentir, como em outros passos do texto. Estas recomendações de Ranganathan devem
ceder lugar àquelas que preceituam o emprego de materiais menos suscetíveis ao fogo e
que sejam consentâneas com as leis de proteção ambiental. (n.e.)
314
apêndice 315
7. Os três montantes são unidos pelos quatro pares de prateleiras fixas. Convém
reforçar esta união por meio da fixação de duas barras de aço, a 76 cm da parte
de baixo e a 76 cm do alto. Para acomodar estas barras talvez seja preciso separar
a divisória em três partes, de modo a deixar espaço para a passagem das barras.
8. Talvez seja conveniente fixar suportes retráteis de persianas em cada seção
para pendurar mapas. Pelo menos dois mapas podem ser colocados na frente de
cada seção, os quais estarão normalmente enrolados. Quando necessário, podem
ser desenrolados para serem consultados e depois devolvidos à posição anterior.
9. A teca utilizada deve estar bem seca e seu fornecedor deve dar a garantia
de que qualquer rachadura que vier a apresentar durante o primeiro ano de sua
instalação será reparada.
10. O comprimento de todas as prateleiras deve ser muito bem preciso, de
modo que possam ser trocadas sem qualquer limitação.
Para construir este módulo são necessários 0,28 m3 de madeira. Ele tem 25,60
m de espaço de prateleira, comportando, em média, mil volumes. Cheia de livros,
pesará cerca de uma tonelada.
APÊNDICE 2
Especificação para uma Mesa de Periódicos Feita de Teca
32. Uma estrutura retangular passando sob os dois tampos das mesas
mencionados em 21 e 23, e também para unir todas as pernas; cada um dos sete
membros de união que formam a estrutura deve ter 1,82 m × 7,60 cm × 3,80 cm;
33. Uma estrutura retangular para unir todas as pernas e ajustada por meio de
juntas de macho e fêmea a uma altura de 15,20 cm do piso; as duas partes paralelas
aos lados da mesa serão inclinadas para fora de maneira a formar apoios para os
pés; todas as cinco partes de união que formam esta estrutura devem sobrar 7,6
cm × 3,8 cm; duas partes de 1,82 m de comprimento, enquanto as outras três terão
o comprimento de 1,22 m.
4. Um mostruário de duas faces para ser inserido no vão entre os dois tampos.
O mostruário terá dois módulos cada um com as dimensões totais de aproxima-
damente 91 cm de largura e 61 cm de altura na base, afilando para 15,20 cm de
profundidade na parte superior, e 87,60 cm de altura. Cada face do mostruário
deverá ter seis degraus inclinados para dentro para acomodar os periódicos. O
degrau mais baixo ficará 15,20 cm abaixo do tampo da mesa. Um arame de aço
deverá ser preso a parafusos de anel, adequadamente posicionado nos painéis
dos montantes laterais de cada expositor, um arame para cada degrau, a fim de
impedir que os periódicos caiam.
5. Três painéis inteiriços, em cada extremidade e no centro, para colocar os
degraus e os fundos inclinados do mostruário.
6. Dois tubos galvanizados de 2,5 cm de diâmetro externo, presos a flanges
parafusadas em partes de teca de 7,6 cm por 5 cm, unindo os dois pares de pernas
das extremidades, a uma altura de 56 cm do chão, de modo a atuar como barras
de reforço.
7. Ao longo do pé do mostruário em cada um dos tampos da mesa, será
instalado um suporte inclinado de etiqueta. Ele deverá ter um entalhe com um
corte transversal em forma aproximadamente de cunha, para receber uma tira de
cartolina, de 3,8 cm de largura e cerca de 0,064 cm de espessura.
o método científico 317
BIBLIOGRAFIA
Nota — A referência depois do número sequencial remete para o número da seção do livro
onde ocorre a citação.
317
318 as cinco leis da biblioteconomia
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series, 7). Em colaboração.
305. University reform in contemporary India. 1952. (Educational review, Madras).
306. Retrospective bibliography of learned periodicals published in Asia. Completed in 1955. Original
datilografado entregue à Unesco, Paris.
326 as cinco leis da biblioteconomia
ÍNDICE*
Os números remetem aos capítulos ou às seções, conforme o caso.
acessibilidade dos livros 525 alfabético 621
acervo de livros 711 classificado 521, 622-624
acesso livre ver livre acesso Quarta Lei 62
administração da biblioteca 864 Quinta Lei 73
Afeganistão 374 Terceira Lei 52
África do Sul 32-328 Ásia 37-388, 885-8855
agente promotor 541 associação de bibliotecários
Aiyar, P.S.S. 80 África do Sul 328
Alemanha 351-3515, 883 Alemanha 3514
catalogação centralizada 6911 Andhra 386
biblioteca para deficientes visuais 241 Bengala 384
América Central e América do Sul 314 China 373
América do Norte 31-313 eua 311-3123
América do Sul 6911 Finlândia 3411
American College de Teerã 374 França 353
American Library Association 311-3123 Índia 885
catalogação centralizada 691 Itália 352
publicidade da biblioteca 562 Japão 3713
Amherst College Madras 387
horário da biblioteca 14, 142 biblioteca rural 2323
analfabetos 571 livros em tâmil 3386
análise posição do bibliotecário distrital 8771
de facetas 833 Países Baixos 355
de fases 833 Polônia 3371
de zonas 833 Association des Bibliothécaires Français 353
analíticas de assuntos 4781 astras 333
bibliografia 654-655 Atheneum 333
economia 644-646 atlas 477
pessoal do catálogo 643 Austrália 361
Quarta Lei 64 autoridade responsável pela biblioteca
Segunda Lei 4781 acesso livre 516
Terceira Lei 531-534 compromisso 46
apartheid 323 crescimento do acervo 7121
aquisição de materiais ver também serviço crescimento do pessoal 75
de aquisição dimensão do salão de leitura 741
registro 687 pessoal técnico 644
rotina 683 rotina de catalogação analítica 534
Aristóteles 211 seleção de livros 581
Arnold, Matthew 217 suas obrigações 46
arquitetura das bibliotecas 712-72 auxílio ao leitor 541-542
arranjo nas estantes 52 Ayyar, V.R. 2312
* Foram mantidas, na medida do possível, as entradas e o formato adotados na edição original. (n.e.)
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índice 327