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RELIGIOES E CIDADES
RIO DE JANEIRO E SAO PAULO

Clara Mafra e Ronaldo de Almeida


organizadores

editora
TERCEIRO NOME
Colec;ao Antropologia Hoje
Conselho Editorial
José Guilherme Cantor Magnani (diretor) - NAU/USP
Luiz Henrique de Toledo - UFSCar
Renata Menezes - MN/UFRJ
Ronaldo de Almeida - UNICAMP

Editora
Mary Lou Paris

COLE~ÁO ANTROPOLOGIA HOJE


Assessoria editorial
Carolina Pereira Pinto, Claudia Piccazio, Dominique Ruprecht Scaravaglioni,
Estevao Azevedo, Gustavo Regina Leme, Irene Paris Buarque de Hollanda,
Sandra Frota, Sarah Czapski Simoni, Vinícius Moisés
Preparac;áo
Helena Pacca Conselho Editorial: José Guilherme Cantor Magnani (Diretor) - NAU/USP;
Revisáo Luiz Henrique de Toledo - UFSCar; Renata Menezes - MN/UFRJ; Ronaldo
Vivian Miwa Matsushita de Almeida - UNICAMP
Projeto gráfico, diagramac;áo e capa
Antonio Kehl

A cole<;:ao Antropología Hoje é urna iniciativa resultante de entendimento


Dados Internacionais de Catalogac;ao na Publicac;áo (CIP) entre o Núcleo de Antropologia Urbana da Universidade de Sao Paulo (USP)
(Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) e a Editora Terceiro Nome, como propósito de divulgar ensaios, resultados
Religióes e cidades: Rio de Janeiro e Sáo Paulo/ Ronaldo de Almeida, de pesquisas, etnografias e propostas teórico-metodológicas da Antropologia
Clara Mafra, organizadores. -- Sao Paulo : Editora Terceiro Nome, 2009. -- voltados para a dinamica cultural e processos sociais contemporaneos.
(Antropologia hoje)
O primeiro volume foi Jovens na metrópole: etnografias de circuitos de lazer,
Vários autores
Bibliografia encontro e sociabilidade, organizado por José Guilherme Magnani e Bruna
Mantese, e trouxe um panorama sobre comportamento e práticas culturais
l. Áreas metropolitanas - Aspectos religiosos 2. Áreas metropolitanas -
Aspectos sociais 3. Pluralismo religioso 4. Religiáo e sociologia S. Rio de de jovens no contexto de um grande centro urbano; o seguinte foi A Igreja
Janeiro (Cidade) - Religiáo 6. Sagrado 7. Sáo Paulo (Cidade) - Religiáo Universal e seus demónios, de Ronaldo de Almeida, sobre um novo e polé-
8. Sociologia urbana I. Almeida, Ronaldo de II. Mafra, Clara .
mico fenómeno no campo religioso brasileiro. Agora, a cole<;:ao apresenta
09-l311S CDD-306.6 Religióes e cidades - Río de Janeiro e Sao Paulo, coleta.nea organizada por
Índices para catálogo sistemático: Ronaldo de Almeida.
1. Metrópoles : Práticas religiosas : Sociologia da religiáo 306.6
Esses trés volumes constituem urna mostra da atual produ<;:ao na área da
Antropologia e da linha que se pretende imprimir a cole<;:ao, com resultados
tanto da reflexao de pesquisadores já com experiéncia de pesquisa como de
Copyright© Clara Mafra e Ronaldo de Almeida (org.) 2009
jovens autores recém-titulados na pós-gradua<;:ao.
Todos os direitos desta edic;áo reservados a
EDITORA TERCEIRO NOME O objetivo, em suma, é oferecer ao público académico trabalhos inovadores
Rua Belmiro Braga 70 no que se refere aos temas, métodos de pesquisa ou enfoques interpretativos,
OS432-020 - Sáo Paulo - SP
www.terceironome.com.br sem perder de vista, contudo, um círculo diversificado de leitores, interessados
fone SS 1138160333 em divisar horizontes mais amplos para o entendimento de quest6es contem-
Sáo Paulo 2009
poraneas a partir do enfoque antropológico.
RELIG IAO E M ETRÓPOLE 1
JOSÉ GUILHERME CANTOR MAGNANI

A porta do templo, seja urna pequena e discreta casa de bairro ou um edifício


imponente e facilmente reconhecido, está sempre aberta: náo é preciso ser
membro da lgreja Messianica Mundial para entrar em algum dos 87 enderei;;os
disponíveis na cidade de Sáo Paulo e receber o johrei, ritual de purificai;;áo
que canaliza energia através da imposii;;áo das máos, para alívio tanto no corpo
quanto no espírito do receptor.

O toque dos atabaques é inconfundível: anuncia o comei;;o da gira semanal num


dos incontáveis centros de umbanda da cidade, e náo é preciso ser filho-de-fé
para receber umpasse do caboclo ou conselho do preto-velho. É diada sessáo
de caridade e todos sáo bem-vindos em sua busca de ajuda para as aflii;;óes e
perplexidades que a vida na grande cidade parece multiplicar.

Era um antigo e famoso cinema que agora, reformado, recebe a multidáo de


fiéis para leitura da Bíblia, sessóes de cura e louvores ao Espírito Santo; as portas
estáo abertas, náo é preciso pertencer a igreja para logo ser encaminhado pelo
solícito obreiro até o centro da assembleia: se for dia e hora de exorcismo, o
pastor náo vai deixar de interpelar e expulsar algum encosto causador de vícios,
doeni;;as e desaveni;;as familiares.

Os exemplos poderiam continuar: missas, beni;;áos, novenas, procissóes, pro- -¡


messas, giras, saídas de orixás, sessóes de jogo de búzios, descarregos, benzi- /
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mentos, consultas astrológicas e de taro, meditac;:áo transcendental, sessóes
de shiatsu, hatha-yoga, massagem ayurvédica ... A lista parece náo ter fim: i
estreitamente associada a capacidade humana de simbolizac;:áo, .ela independe
de lugar, forma de assentamento ou organizac;:áo social: fez-se presente, de
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em cada canto da cidade é possível encontrar urna espécie de oásis, discreto t.
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diferentes maneiras, ao longo do processo de hominizac;:áo, como indicamos rn
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ou bem visível que, no meio da agitac;:áo característica da vida urbana, oferece vestígios de cultos e práticas religiosas descobertos por pesquisas históricas, '::'.1
arqueológicas e até paleontológicas em remanescentes de acampamentos de "'
o
urna pausa propícia ao recolhimento, a orac;:áo silenciosa, ao encontro com
alguém disposto a ouvir, a dar um conselho, fazer urna imposic;:ao de máos ou
conduzir um trabalho corporal para realinhar os "chakras".
1j grupos cac;:adores e coletores, nas aldeias de agricultores do Neolítico e ou em
ruínas de cidades antigas. '
~

Esta é a primeira impressáo que se tem quando se olha a religiao de urna forma ! No entanto, a cidade constitui um caso especial. Diferentemente das demais
modalidades de assentamento humano - o acampamento e a aldeia, aqui
ampla, em suas inúmeras modalidades e em sua relac;:áo coma cidade - prin-
cipalmente na escala metropolitana, como é o caso de Sao Paulo. Há muitos i ~
tomadas em sua forma estrutural e náo na infinidade das realizac;:óes histó-
.ricas -, o núcleo urbano, desde as mais remotas realizac;:óes propicia padróes
espac;:os, para todos os credos, e, o que é mais surpreendente, pode-se circular
t de relacionamento e sociabilidade entre seus moradores que diferem daqueles
por eles sem necessariamente ser um adepto. Ao contrário de localidades me- ~~
l· -encontrados nas primeiras aldeias de agricultores ou num acamparnento de
nores, onde a oferta dos servic;:os religiosos é reduzida e a filiac;:áo su]eita a um .J-

controle social mais atento, no contexto de urna grande metrópole a vi-;~ñc}a nornades do Paleolítico, por exernplo. Nesses, sáo principalmente os vínculos
religiosa tem mais alternativas de exercício e manifestac;:ao.
Antes, contudo, de apreciar mais de perto a paisagem religiosa característica
t instituídos pelo parentesco que definem as hierarquias, as obrigac;:óes, as regras
de troca. Os parceiros estáo ligados por lac;:os, seja de descendencia, seja de
afinidade, e é ao longo dessas redes, consolidadas em parentelas, linhagens e
de Sáo Paulo, aqui tomada como exemplo e protótipo de um grande centro
urbano contemporaneo, éorn'-ém.pensar, desde um ponto de vista conceitual,
as relac;:óes entre cidade e religiáo~\
f1 ~
das que se definem as regras de convivencia, os códigos de deveres e direitos,
as relac;:óes sociais ern geral - entre as quais as de cunho religioso. A importan-
cia dos cultos aos ancestrais nessas populac;:óes atesta a profunda irnbricac;:ao
A comec;:ar por "religiáo", termo genérico e abrangente que, apesar de ser aplicado entre religiáo e parentesco: os ritos, as lealdades, as prescric;:óes, os tabus e
a um variado conjunto de experiencias, revelac;:óes, ritos e doutrinas, de certa dernais rnanifestac;:óes concretas da atividade religiosa se dáo entre pessoas que
forma aponta para um eixo comum: a busca de contato com um outro plano se veern corno rnernbros de conjuntos ern que reconhecern origens cornuns,
que transcende as vicissitudes do cotidiano e lhes dá um sentido. Parafraseando trac;:arn filiac;:óes e tecem alianc;:as.
2
urna conhecida citac;:áo do antropólogo norte-americano Clifford Geertz (1978),
Na cidade, contudo, aparece a figura do estranho, do estrangeiro,-4aquele que
pode-se dizer que na base de toda experiencia religiosa há, em graus variados,
- nao se-enquadr;.n:la malha·constituídirpelas sólidas e seguras alianc;:~s familiares
urna tríplice procura: a busca de urna justificativa (e alívio) para o sofrimento, de
"·estabelecidas. Náo se sabe de onde ele veio, que~- sá~ seus--a~cendentes¡ no
um sentido para a perplexidade e a percepc;:áo da finitude e de urna motivac;:áo
entanto, ele aí tern lugar, pode mostrar suas habilidades, vender seus produtos.
para o comportamento moral. Segundo esse autor, a sensac;:áo de falta de ordem
As vezes nao é bern visto, pois tern hábitos estranhos, chocantes por vezes, mas
que ameac;:a o homem nos limites de seu poder de suportar o sofrimento, de sua
é tolerado, pois o que oferece é diferente e necessário acrescente complexi-
capacidade analítica e do sentimento de ruptura ética - quando a injustic;:a é que
daded;;i_yid;a_ µrbana. E ele tern seus deuses, altares e ritos, com urna forma
parece ser recompensada - impele-o para urna dimensáo onde essas contradic;:óes --pe~~liar de ven~~á.-los:·-~-exp;~ssi;;--pübiie:a:·¿o---culto ésuJeita a negó~i~~ó~s
se resolvem, numa ordem superior. Este é o plano do sagrado que, na multiplici- ., ~ ---~-.
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--. ·--- -_..----., ·-------- .-"---. '-----"'-
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nérn sernpr~ isentas de conflitos. - - -


dade de suas formas históricas e culturais, desde aquelas praticadas em pequenas - -
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comunidades até as religióes universais - assim chamadas por sua difusáo e grau É preciso deixar claro que este é urn quadro geral, urna espécie de modelo que
de institucionalizac;:ao - oferece um sentido ordenador mais amplo. serve antes para identificar um sistema de relac;:óes do que para descrever casos
concretos: náo há corno negar os incontáveis casos de disputas, enfrentamentos
A cidade, por sua vez, apresenta um ambiente onde as práticas religiosas
e guerras desencadeadas por causa de controvérsias religiosas, ao longo da his-
encontram condic;:óes especiais de desenvolvimento e manifestac;:áo. É claro
tória, nos mais diversos contextos, urbanos ou náo. Na realidade, nao é a cidade
que, sendo a religiáo, como foi mostrado acima, expressáo de urna experiencia
em si que garante o espac,,:o de tolerancia e as condic;,:óes para a convivencia com
as diferen¡_;:as, mas umatributo que se aplica a alguinas delas. -----
e Bela Vista, entre outros; a dos alemaes em Santo Amaro e posteriormente
também na Vila Mariana e em Santana; de orientais na Liberdade (mas os
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Trata-se do caráter cosmopolita de alguns núcleos urbanos que, para além das nativos de Okinawa ficaram inicialmente em torno do Mercado Central); de
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fronteiras d~II1ésticas, constituem entroncamentos de rotas por ond~ cir-~f~ judeus no Bom Rétiro; libaneses no Brás, Paraíso, lpiranga; dos nordestinos ':'.:!
em Sáo Miguel Paulista (mas náo só lá); sem falar da presenc;,:a de negros no '"'
o
pessoas, -ideias, inovac;óes e artefatos das mais variadas e longínquas procedeñ-
"
das. Nao necessariamente essa característica está -associada ao tarnanho da Bexiga e em Santana, de latino-americanos na Mooca e no Pari e de espa- ~
Cldade, ou a sua importancia em termos económicos, mas a urna espécie de nhóis, portugueses, lituanos, ciganos - além das correntes migratórias mais
ethos particular, como se pode ver no exemplo narrado nos Atas dos Apóstolos recentes - em outros espac;,:os da cidade. O padráo de ºS:l!P.ªS:aO .nao foi-º_do
-1r;,-10::3-zrr:sobi'e a chegada do apóstolo Paulo para pregar a doutrina crista gueto: atualmente o Brás é caracterizad; péTa-p~¡;-~~n~a de nordestinos; os
em Atenas. Como procede ele? No meio do panteao dos deuses aí cultuados, ·judeus, que se transferiram para Higienópolis, deixaram o Bom Retiro, hoje
havia um nicho, vazio, dedicado ao "deus desconhecido". Foi amparado por ocupado principalmente por coreanos e bolivianos; já no Bexiga convivem
essa evidencia concreta de tolerancia e curiosidade como novo, próprias dessa negros ( com a famosa escola de samba Vai-Vai) e descendentes de italianos,
cidade da antiguidade clássica acostumada como debate, coma controvérsia, com sua tradicional festa de Nossa Senhora de Achiropita (já na 83• edi¡_;:áo),
comas discussóes na ágora, que o arauto de urna nova religiao pode pregar sua que acolhe cerca de 200 mil visitantes nos onze dias de festa, aos sábados e
doutrina, cuja núcleo era a promessa de salvac;,:ao em urna vida futura, feita por domingos, durante o mes de agosto. Esse panorama, restrito a regiao central
um judeu dissidente que morrera crucificado e que ressuscitara depois de tres e mais antiga de Sao Paulo nao leva em conta outros bairros de classe alta e
dias ... proposta, sem dúvida, muito estranha a mentalidade grega de entao. média e, principalmente, a extensa periferia da cidade.

Assim, se a presenc;,:a das diferenc;,:as é elemento constitutivo da forma-cidade, Sao símbolos dessa presenc;,:a os templos, catedrais, santuários, mesquitas,
em todos os setores - e a religiao é um deles - sua aceitac;,:áo, a convivencia sinagogas, igrejas, capelas, cemitérios, oratórios, pagodes, zendos, tendas,
·-rnmetl.s, a fofed.iiC:ia,- enfim, dependem dessa carat:terística, () C()S:rn.ºP.21i!is..:· terreiros, iles, espalhados por todos os bairros da cidade e que, com seus ri-
mo, que as vezes é tomado como sinonimo de um outro term91 __hc~i~__Il1_uito tos, cerimonias, devoc;,:óes e festas públicas atestam a pluralidade das origens
em voga, a globáliza¡_;:ao. Na realidade, o caráter propriamente cosmopolita de religiosas de seus moradores.
urna ciclad.e e sua capacidade de aceitar e conviver com o diferente sao resul- Toda essa variedade de locais de culto, visível na paisagem da cidade, é também
tantes de um conjunto mais complexo de fatores - históricos, demográficos, reveladora de um outro plano, o das possibilid~cies__de escolha entre as várias .i ·
políticos, culturais - do que um efeito direto do tamanho ou do papel que __ vertentes de urna mesma religiao. Assim, no~ua~ tem-se a linha tibetana
ocupa na economia mundial. Ou nas palavras do antropólogo Ulf Hapr.ierz: representada, em suas diferentes versóes, pelo Instituto Nyingma do Brasil, Cen-
"[ ... ] um cosmopolitismo genuÍno é antes de maisnada urna orientac;,:áo, 11ma tro de Dharma da Paz Shi De Choe Tsog, Chagdud Gonpa Odsal Ling, Centro
disposi~iÍo para eñtiar em contato com o Outr;. Irl1plica urna aberturairite~ Budista Mahabodhi e Kagyu Dak Shang Choling, entre outras instituic;,:óes; a
lectual e estética-em direc;,:ao a experiencias culturais divergentes, urna b_µsca escala Theravada (Casa de Dharma); as escalas de tradi¡_;:ao japonesa Soto-zen
por contrastes, mais do qué por uniformidades''.T- · · (Templo Bushinji) e Jodo Shinshu Hongwanji-ha (Budismo da Terra Pura),
-~~-,
É_ nessa perspectiva que a plu~alidade religiosa e:r1(S~o Paul~?ode ser .apre- assim como as chamadas novas religióes - Soka Gakai, Perfect Liberty, lgreja
ciada. Como se sabe, o cresc1mento e a consohda~ao-da capital pauhstana Messianica Mundial, Seicho-no-ie (de inspirac;,:ao budista mas de formato mais
deveram-se a contribuic,,:ao de correntes migratórias nacionais e estrangeiras moderno), como também a Associa¡_;:ao Internacional Buddha' s Light do Brasil,
que deixaram, ao longo dos anos, suas marcas na paisagem, na dinamica e no chinesa, cujo !_.egiplo está na cidade de Cotia, na Grande Sáo Paulo).
/ \
repertório cultural da cidade. Num rápido panorama cabe registrar, em dife- Na lgreja réatólic'a, o leque vai da ultraconservadora Tradic;,:ao Família e Pro-
, /
rentes momentos de chegada e ocupac;,:ao, a presenc;,:a de trabalhadores ingleses priedade até as-(já nem tanto) combativas Comunidades Eclesiais de Base,
da estrada de ferro nas imediac;,:óes da estac;,:áo da Luz; de italianos vindos do passando pela Renovac;,:ao Carismática, Can¡_;:ao Nova, pastarais específicas
Veneto, Nápoles, Bari ou Calábria nos bairros do Brás, Belém, Barra Funda (para surdos, moradores de rua), as chamadas Comunidades de Vida e Alianc;,:a
(Toca de Assis, Aliarn;:a da Misericórdia), os cultos de cunho popular, como a denominadas ora místicas, ora esotéricas, ou ainda New Age - e que juntarn
devrn;:áo a Santo Expedito, a Sao Cristóváo, as almas (na Igreja da Santa Cruz livros de autoajuda (Paulo Coelho é o top de ~enda~), oráculos e sist~rnas divÍ- ~..
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do Enforcados), a peregrinac;:áo ao túmulo do agora santo Frei Galváo - além -natófíos como o i-ching ou o taró, rituais ocultistas, práticas corporais, terapias o
do seu ramo oriental, comas comunidades das Igrejas Ortod~xas (maronita, ditas alternativas, lojas de produtos "naturais", incensos, imagens de anjos e ~
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grega, russa, síria etc.). No caqipo protestante, há as denominac;:óes históricas duendes. Esse fenómeno, qué já foi considerado urna espécie-de "religiáo pós- "'o
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(igrejas anglicana, episcopal, presbiteriana, batista, metodista etc.) ligadas aos ~:~oaerna", é geralmente encarado corno urna imensa bricolagem, resultado ~
grupos de imigrantes, além das pentecostais (Congregac;:áo Cristá do Brasil e da livre escolha e da junc;:áo de elementos tirados das mais diversas linhas e
Assembleia de Deus) e das mais recentes, as neopentecostais (Igreja Universal filosofias, desde tradic;:óes orientais até o xamanismo indígena e rituais wicca,
do Reino de Deus, Igreja Internacional da Grac;:a de Deus, Renascer em Cristo evocando as experiéncias da contracultura dos anos 1960.
etc.) - além dos inúm~ros grupos gospel, espac;:os jovens de lazer.
Fazem parte desse conjunto instituic;:óes táo diferentes como a Fraternidade
No campo afr9-brasileÍro, o candomblé aparece com suas várias "nac;:óes" Pax Universal, o Instituto de Pesquisas Xamánicas-Paz Geia, o Instituto de
( quetu, angola, ij~á}é'~rientac;:óes (os reafricanizados que propóem, ern busca Naturopatia Ponto de Luz, o Centro Esotérico da Comunháo do Pensamento,
de autenticidade, urna volta as origens na África, e os que se rnantém ligados a Livraria Spiro, o Espac;:o Alquimia Interior, o Spa Holístico Hecriar, a Asso-
as linhagens tradicionais da Bahia); na urnbanda, o leque é rnais amplo ainda, ciac;:áo de Massagern Oriental, o Triom Centro de Estudos, aloja de produtos
enquanto no espiritismo é possível vislumbrar até urna vertente ligada a Nova esotéricos Alemdalenda, a Unidade Holística Expansáo Cósmica e muitas
Era,\lifundida pela farnília Gasparetto, além do "divinismo", urna proposta outras que, apesar da diversidade, apresentam urna lógica tanto espacial como
recente de renovac;:áo do kardecisrno. No judaísmo, longe da regiáo central por de propósitos: situadas geralrnente em bairros de classe média, definem certo
onde circulam membros do ramo mais tradicional, os ashkenazitas, um grupo estilo de vida que incluí, como um dos fatores do desenvolvimento das poten-
de fiéis da Assernbleia de Deus passou a se identificar corno bnei anussim - cialidades pessoais, a busca por novas formas de espiritualidade - acessíveis,
descendente de judeus convertidos ao cristianismo - e cria a sinagoga Beith abertas, sem mecanismos exclusivistas ou sectários de adesáo. Na realidade, as
Israel na longínqua periferia da zona leste de Sáo Paulo, onde praticam um chamadas práticas neo-esotéricas náo constituem um movirnento homogéneo,
judaísmo ortodoxo, conforme seus padróes de entendirnento dessa tradic;:áo. mas um circuito por onde se pode circular sern exigéncia prévia de adesáo
incondicional ou definitiva.
Certamente urna cidade de menor porte pode ter algumas dessas possibilidades,
mas náo todas elas, corno é o caso da cidade de Sao Paulo, e este é o diferencial Assim, se o neo-esoterismo é um bom exemplo de sincretismo, tarnbém ilustra
da escala da metrópole. Contudo, náo é só a variedade de opc;:óes que chama urna outra característica que pode ser encontrada ern várias formas das religióes
a atern,;!o. Pode-se ir alérn e distinguir alguns princípios que está~ n~_b~s=e_9:.a na metrópole: as passagens, as trocas. É urna pecuJiaridade que se verifica em 1
dinámica religiosa metropolitana. Assirn, a matriz católica de molde popular muitas práticas: em vez da conversáo definitiva,(Ü tránsit~; em vez da filiac;:áo
- aquela de "muita reza e pouca rnissa", "muito santo e pouco padre"-, nada exclusivista, duplos ou mais pertencimentos, simultáneos ou sucessivos. O
afeita a minúcias teológicas ou lealdades doutrinárias, certamente deixou suas exemplo mais conhecido é o do católico que procura, principalmente quando
marcas na forma de religiosidade do Brasil e é um dos fatores a considerar na enfrentado com perdas na família, centros espíritas em busca de contato corn o
aceitac;:áo das diferenc;:as e nas trocas entre as várias religióes. O sincretismo, espírito do morto, por rneio de mensagens psicografadas; outro caso é o da iaó
que até há pouco era considerado um fator de desagregac;:áo ou sinal da pouca que costuma completar a cerimónia de iniciac;:áo a seu orixá assistindo a urna
coeréncia interna de algurna prática religiosa (geralrnente referido aos cultos missa católica e recebendo a comunháo ou, ainda, de rnembros de diferentes
afro-brasileiros entre ern si ou em relac;:áo coma Igreja Católica), comec;:a a ser credos ou mesmo de nao crentes que nao hesitam em recorrer a cartomante,
encarado como um padráo constitutivo de trocas e influéncias mútuas entre ao jogo de búzios, ao astrólogo em busca de algurna certeza em momento de
sistemas religiosos de urna forma geral. 4 dúvida ou sofrimento.
E se há um dornínio onde o sincretismo é a regra inconteste, este é o do Os exernplos se multiplicarn; nao obstante esse nomadismo, entretanto, é
neo-esoterismo, termo que designa formas de religiosidade náo institucionais -a
preciso observar que nao se pode circular por todas fo~~as de religiao e cul-
to, de maneira indiscriminada; algumas sáo mais restritas, seja por um genero
1 possam até ser levadas ao plano judiciaI5, náo tem maiores consequencias na
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) 1 de filiac;áo que se herda por descendencia, como no caso da religiáo judaica, convivencia cotidiana entre seus membros. l>•
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e que gera um tipo de lealdade peculiar; seja pelo caráter iniciático, como Para terminar a caracterizac;áo da paisagem religiosa de Sáo Paulo é preciso,
acorre na mac;onaria, nas fraternidades, nas religióes combase no uso da planta !'i finalmente, levar em conta o próprio tamanho da cidade. Além daqueles espa-
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ayahuasca: náo se pode ir entrando, sem mais, numa sinagoga, numa reuniáo t o
c;os religiosos, anteriormente classificados como pequenos oásis espalhados no "
do Santo Daime ou em ritos fechados de urna loja mac;onica. 1 ~
1 tecido urbano, o tamanho da populac;áo e a extensáo do território mantem urna
Mesmo assim, náo há maiores conflitos, náo ao menos nas dimensóes que 1 proporcionalidade com a imponencia de algumas edificac;óes. Mas já náo é a
ocorrem em outras partes do mundo. Além das razóes já expostas, é preciso i arquitetura católica oficial que se impóe, soberana, na ambientac;áo urbana: além
lembrar-se que no caso de Sáo Paulo (e no Brasil, de forma geral)_ "uáo h~ Ó
que se pode chamar de "englobamento" 4e lealdades, quandq_µIl1~ opc;ao
religiosa é suostiinida por perfrncinJ:~~t~s de outra natureza - principalmente
t da catedral da -Sé, ainda referencia como centro de manifestac;óes religiosas e
- cívicas, outras pontuam a cidade: o Solo Sagrado da Igreja Messi~;;i~~ Mundial,
' a presentado como "protótipo do Paraíso terrestre", situado numa área verde de
do tipo nacionaliC:lade, opc;áo político-partidária, fronteira étnica, ofigem racial 327 mil metros quadrados a margem da represa de Guarapiranga; o Santuário
ou vínculo clanico. Muitas vezes sobrepostas e, por isso, potencializ;;-~do-se, do Templo Bizantino; a sede mundial da Igreja Pentecostal Deus é Amor, de
constituem ós motivos que geralmente estáo na raiz de graves conflitos como Oavi Miranda (com capacidade para mais de 60 mil pessoas); a Mesquita Brasil,
os que ocorriam entre protestantes e católicos na Irlanda ou muc;ulmanos e no bairro do Cambuci; o Templo Zu Lai, da Associac;áo Internacional Buddha's
católicos na regiáo dos Bálcás, entre judeus e palestinos, xiitas e sunitas no Light do Brasil, entre outros. Ainda na chave da escala metropolitana pode-se
conturbado Oriente Médio, entre separatistas muc;ulmanos e hinduístas na mencionar também a ocorrencia de megamanifestac;óes como as marchas para
fronteira entre Índia e Paquistáo e em vários outros contextos marcados pelo Jesus, de evangélicos, as missas multitudinárias por ocasiáo das visitas do papa,
fundamentalismo. o carnaval carismático do padre Marcelo, as raves gospel, as comemorac;óes do
Vesak (que celebra o nascimento, a iluminac;áo e a morte de Buda), a festa de
Em contraposic;áo, na cidade de Sáo Paulo náo deixa de ser significativa a
Sáo Jorge/Ogun no Ginásio de Esportes do lbirapuera etc.
proximidade, em torno da estac;áo Paraíso do metro, de tres templos: urna
igreja católica, a Santa Generosa, a catedral ortodoxa síria e a igreja de Concluindo: se num primeiro momento tem-se a impressáo de que a magnit:ude
Nossa Senhora do Paraíso, greco-melquita. Já no bairro da Liberdade, ao da diversidaóe-~eligi;sae~-lirría-Cloacte-do-poite-cfe S-ao-Paulo ~or;esp~nde~ia
lado de templos budistas e xintoístas convivem a primeira igreja metodista, "aproÍiferac;áo desordenada dos mais diferentes ~istemas, ger~ndo tensÚ~~ um.
a igreja maronita e urna ortodoxa russa, além da Igreja da Santa Cruz dos -on;:;r mais atento descobre que, definitivamente, náo se ~stá <liante de t:~ª
Enforcados, católica, e de urna das mais antigas casas de artigos religiosos Babel. Há regularidades, mesmo quando as trocas parecem ir ~lém do campo
de cultos afro-brasileiros ... ·religioso, estabelecendo parcerias e arranjos aparentemente esdrúxulos como
o contato entre straight edgers, jovens roqueiros da cena hardcore (cuja opc;áo
Certamente, as relac;óes entre algumas denominac;óes neopentecostais com
de vida incluí o veganismo) e os hare krishnas, a quem recorrem em busca
outras religióes nem sempre sáo das mais amistosas - quem náo lembra do
de refeic;áo sem ingredientes de origem animal para seus festivais; colóquios
famoso "chute na santa", na imagem de N ossa Senhora Aparecida, durante urna
e workshops entre pajés e psicanalistas em busca dos caminhos místicos da
transmissáo de programa televisivo da Igreja Universal do Reino de Deus? No
viagem xamanica, na aldeia e na cidade; entre evangélicos e surfistas, na lgreja
entanto, essas tensóes náo redundam em conflitos generalizados ou de maiores
Bola de Neve Church; entre o conservadorismo protestante e a constituic;áo
proporc;óes. Com relac;áo as religióes afro-brasileiras, o processo é mais de
de espac;os friendly de culto para homossexuais ...
"antropofagia": ao exorcizar "encostos" que identificam em seus fiéis, alguns
pastores terminam reconhecendo e reforc;ando a crenc;a na presenc;a e no poder Esse panorama nada tem de insólito, quando considerado no contexto de sua
dessas entidades. Mesmo em campo aparentemente mais pacífico, como o do ocorrencia privilegiada, o da cidade, e, numa escala específica, a da metrópole.
budismo, há divergencias, muitas delas motivadas por querelas e conflitos nos ÍPI2.t>_r-io da_cidade ~_brigar as diferenc;as - o ar da cid:q,d_eJQma.li.vre,_rez.a__Q_
contextos de origem e que repercutem nas comunidades; no entanto, embora antigo adági;~~di~~al.:::-, ~i-ss~~~;~~-~~~~~~-~q~i-de-scrito, se aplica também y/
"'·""--·---~ ... ____ ---·-·--- -- ·- . ----- - -··-----------~--·-----·-----------··,.-------~---------------
as escolhas no campo religioso. Urna cidade cosmopolita como Sao Paulo nao
~ apena~fatolne as-diferenc,:as religiosas de seus moradores, mas permite que elas
sejam exercidas, manifestadas e tornadas públicas. As dificuldades e embates
que possam ocorrer em func,:áo das modalidades de contato, das trocase dos
caminhos de negociac,:áo, seguem o padráo geral da cultura urbana para o qual
nao apenas a diversidade mas também os canais e instrumentos conquistados
para seu exercício, como direito de cidadania, tém sua raiz na própria consti-
tuic,:ao da forma-cidade.
Quem sabe a estratégia seguida pelo apóstolo Paulo no Areópago de Atenas, no PLURALISMO RELIGIOSO E ESPA<;O
início de sua pregac,:áo, tenha, de alguma forma, ecoado no Pátio do Colégio, METROPOLITAN0 1
que deu origem a cidade que leva seu nome.
RoNALDO DE ALMEIDA

NOTAS
Urna primeira versáo deste trabalho fo¡ publicada no catálogo da exposic;ao "Diversidade religiosa
no Brasil", Palácio do ltamaraty, 19 de outubro a 19de novembro de 2006, Brasília, DF.
"( ... ] portanto, sem mais cerimónias, urna religiáo é: um sistema de símbolos que atua para es-
tabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposi<;:óes e motivac;óes nos homens através da
formulac;:áo de conceitos de urna ordem de existencia geral e vestindo essas concepc;óes com tal Em 1944, a extinta Sociología: revista didática e científica, editada pela
aura de fatualidade que as disposic;óes e motivac;:óes parecem singularmente realistas" (op. cit.: entao Escola de Sociologia e Política de Sao Paulo, publicou um relató-
104,105).
rio de pesquisa de Florestan Fernandes intitulado "Aspectos mágicos do
1996, P- 103.
folclore paulistano". 2 Nele, Fernandes relata os achados de urna pesquisa
Sanchis, 1994.
bem preliminar em termos analíticos, sobretudo se comparada ao legado
Usarski, 2006.
de sua obra. No relatório, ele localiza na cidade de Sao Paulo de meados do
século XX o que denominou de crendices, práticas simpáticas, superstic,:6es,
práticas medicinais e indícios favoráveis e desfavoráveis que comporiam a
dimensao mágica do folclore paulistano.
Cachorro: encontrar um cachorro morto é sinal de muita sorte durante o dia
(Pari); Elefantes: ter estatuetas de elefantes em casa dá sorte; devem ser colocadas
sobre os móveis de forma a voltarem a parte posterior para a porta (Bom Retiro);
Jogo de bicho: para ganhar é preciso náo contar o sonho a ninguém, e tampouco o
número em que se joga (Lapa, Belém); Preta: dormir com preta dá sorte, porque
tira a "urucubaca" (Cidade); Quem ve urna estrela cadente e conta que a viu fica
mexeriqueiro (Penha; Afranio Peixoto também a registra em Missangas); Mudarn;:a:
quem muda para casas de número ímpar, lá náo tem sorte (Brás); Alecrim: usado
atrás da orelha para neutralizar o efeito da intervern;:áo de fon;;as estranhas ("inveja",
"mau olhado" etc.) (Bela Vista); Dentes: quando se extrai um dente deve-se atirá-lo
ao telhado, de costas, porque, dizem, o "rato traz outro" (Braz); recolhemos na
Penha a mesma prática, como auxílio de urna fórmula: "Mourao Mourao. Leva o
meu dente podre. E me traga um sao ... ".
nas como pano de fundo, urna paisagem (embora também seja isso), mas
como urna variável independente que inflecte sobre as próprias religióes, i 131
mais especificamente suas práticas e ratinas. Isso implica tratar religiáo e ~
Alguns dos "artefatos" dessa cita<_;:áo podem ser capturados pela categoria o
cidade como variáveis interdependentes, mais do que urna subordinada ~
religiáo; entretanto, náo é este o ponto que pretendo enfocar. Chamo a aten- analiticamente a outra. e;
o
<_;:áo para o procedimento metodológico de dispar um conjunto de símbolos o
m
e significados no espa<_;:o urbano de Sáo Paulo dos anos 1940. O texto aqui m

proposto caminha parcialmente em dire<_;:áo semelhante ao refletir sobre as "'


};

transforma<_;:óes mais recentes do universo das religióes articuladas a dinamica Q PROBLEMA DA ESCALA "o
~-t
urbana dos pontos de vista das características socioeconomicas e da territo-
De imediato, um problema de ordem metodológica surge. Como tratar do "'o
rialidade dos religiosos. Em resumo, duas dimensóes que váo sendo discutidas
conforme a apresenta<_;:áo dos dados sobre religiáo na Regiáo Metropolitana de
Sáo Paulo (doravante RMSP) nos últimos anos.
J pluralismo religioso nas diferentes escalas do espa<_;:o social metropolitano? Se
0 campo religioso se transforma, como apreende-lo em sua extensáo territorial,
"o
~
z
o
sobretudo quando se parte (mas náo se limita) da perspectiva antropológica,
Se existe algo sobre o qual náo há (ainda) questionamento nos estudos das que classicamente (mas náo obrigatoriamente) resulta de estudos de caso, cuja
religióes no Brasil é a crescente diversificac;áo das práticas - a multiplica<_;:áo pretensáo é de que estes podem (e devem) generalizar para além do universo
das instituic;óes - ao mesmo tempo em que há menor fidelidade a elas. Os empírico investigado e construir padróes de mudanc;a com significa<_;:áo demo-
dados censitários estáo aí para nos demonstrar isso, assim como a experiencia gráfica e territorial na escala da metrópole?
cotidiana de transitar pelas grandes cidades revela a profusáo de locais de
Goldman (1999) faz urna considera<_;:áo que vai no mesmo sentido dessa in-
participac;áo religiosa, sejam templos, terreiros, festas, lugares abertos e/ou
dagac;áo:
tornados sagrados em um determinado período de tempo, entre outros. 3
Assim, com grande frequencia, em estudos etnográficos em sociedades autodeno-
Se, por um lado, há diversidade do número das alternativas, por outro, ve-se
minadas complexas e modernas implicam objetos etnográficos bastante simples
a mobilidade de pessoas entre as diferentes religióes. Esses dois fenome-
quando comparados a certos objetos etnográficos pertencentes as sociedades que
nos estáo articulados em um mesmo macroprocesso de transformac;áo da
está fora de moda chamar de simples. Considerando-se isso, a questao ése a com-
religiáo no Brasil contemporaneo. Acrescente-se ainda que eles ocorreram
plexidade das sociedades assim designadas é algo mais do que a consequencia da
de forma mais intensa nos grandes centros, onde a quantidade de pessoas
maneira como se faz etnografia (incluindo-se o trabalho de campo). Por si mesmas,
associada a um alto grau de diferenciac;áo interna forma o espa<_;:o social no
as sociedades nao sao nem simples nem complexas, mas nossas análises podem
qual a proliferac;áo das religióes é um dos aspectos do dinamismo urbano.
constituir realidades uni ou multidimensionais.
Para ser mais preciso, a perda da hegemonía católica foi mais acentuada em
contextos urbanos e em frentes de expansáo territorial por meio da migra- Para ser mais preciso, os dados que seráo apresentados pretendem trabalhar
<_;:áo; nestes, os evangélicos (em especial os pentecostais) foram os que mais algumas dimensóes da vida urbana por meio de procedimentos metodológicos
proliferaram. Ressalte-se ainda que também nos grandes centros urbanos, multiescalares. Para tanto, foi-me bastante sugestiva a formula<_;:áo de Lévi-
sobretudo no Rio de Janeiro e em Sáo Paulo, a diversidade institucional -Strauss em urna das poucas vezes em que tratou do espa<_;:o urbano. No clás-
extrapolou de forma significativa o universo cristáo ao abrigar também as . sico texto A no9iío de estrutura em etnología, ele se coloca a questáo de como
religióes orientais, da Nova Era e as de matrizes indígenas, entre outras. utilizar seu conceito de cultura na cidade, urna vez que este fo¡ construído em
Mesmo que demograficamente inferiores, elas, em boa medida, coexistem contexto de baixa densidade demográfica (a aldeia), que por meio do método
grac;as a dinamica do meio urbano. etnográfico trabalha na escala dos fenomenos ou na escala l: 1. Grosso modo, na
'·; atividade etnográfica, o universo observado costuma estar limitado ao alcance
O que me interessa, portanto, é compreender como o contexto urbano,
de nossos olhos ou da possibilidade de compartilharmos as experiencias dos
mais específicamente na RMSP, parcialmente conforma e é conformado
- grupos sociais investigados.
pelas práticas religiosas. Nesse sentido, a cidade náo deve ser tratada ape-
Lévi-Strauss, após se referir a Escola de Chicago, cita o trabalho do demógrafo recolhidos em sua grande maioria na interac;áo face a face entre pesquisa-
Dahlberg que, por meio da noc;áo de "isolado" (entendido em termos espaciais dor e universo pesquisado. Em resumo, o pedaqo (urna categoria nativa) ~ 133
e demográficos) 1 demonstrou que os departamentos de franceses tinham a refere-se ao espac;o intermediário entre o privado (a casa) e o público ( 0 ~
o
sua disposic;áo um universo de 1.000 a 2.800 pessoas entre as quais poderia restante da cidade), onde se desenvolve urna sociabilidade mais imediata. ~
Q
ocorrer casamentos. Ou seja, apesar de náo se tratar de urna sociedade cuja As manchas referem-se as áreas contíguas compostas por equipamentos o
regra geral seja o casamento prescritivo (o qual define um universo limitado que demarcam a predominancia de certas práticas sociais. Os circuitos sáo o
rn
rn
de possíveis cónjuges segundo regras de parentesco, como frequentemente espacialidades definidas a partir do pertencimento a determinados grupos "'
~
observa-se em sociedades ditas "simples"), existem constrangimentos de ordem sociais (gays, religiosos, consumidores culturais etc.). Por fim, os trajetos "'o
espacial, de classe, de escolaridade, de renda etc. que limitam as possibilidades sáo percursos que conectam as outras categorias de acordo com um padráo ~
-i
::o
de casamento. A posic;áo no espac;o social faz com que o número de mulheres de circulac;áo pela cidade. o
"~
disponíveis para o casamento seja limitado.
Se as duas primeiras categorias de Magnani (pedaqo e mancha) revelam urna ~
z
Antes de chegar ao exemplo dado pelo demógrafo, Lévi-Strauss, ainda neste continuidade no espac;o, as duas últimas (circuito e trajetp) o pensam de o
mesmo texto, já havia definido cultura como um sistema de comunicac;áo e de forma descontínua, mas conectada por demarcadores materiais e simbólicos.
reciprocidade que envolve bens, mulheres e mensagens; 4 em resumo, cultura é Em suma, trata-se de formas diferenciadas de disposic;áo das relac;6es de
compreendida como múltiplos sistemas de comunicac;áo em torno de códigos sociabilidade no espac;o físico que atribuem ordem a experiencia urbana. 5 O
compartilhados, que possibilitam o reconhecimento e a identificac;áo entre argumento de fundo - com o qual compartilha este texto - é de que o espac;o
alguns e a diferencia¡;áo de outros, a exemplo das "crendices" e suas localidades metropolitano náo <leve ser pensado pela lógica do "caos", como ocorre em
listadas por Florestan Fernandes no início <leste capítulo. parte da literatura sobre a experiencia urbana nos grandes centros populacionais,
mas como um universo com vários planos de ordem que organizam o uso do
Mas o que sáo 1.000 a 2.800 pessoas? Algumas aldeias? Para Lévi-Strauss,
espac;o e a circulac;áo por ele.
valendo-se de análises demográficas, a diferenc;a entre urna aldeia e um centro
urbano náo estaria propriamente no número de pessoas, mas na capacidade Voltando a sugestáo de Lévi-Strauss sobre a demografia qualitativa, esse texto
<leste último de produzir "afastamentos significativos" entre os múltiplos articula um conjunto de dados para produzir urna análise em diferentes planos
sistemas de reciprocidade que estruturam e geram descontinuidades no es- da dinamica religiosa na RMSP Os procedimentos metodológicos empregados
pac;o social. Esses circuitos de reciprocidade, ou "isolados", nunca se fecham aquí podem ser classificados em tres níveis. Primeiro, vali-me dos dados do
por completo. Como se houvesse um adensado de códigos compartilhados, Censo 2000 e de um survey na RMSP com a finalidade de encontrar perfil
mas que nas suas fronteiras se tornariam mais tenues, espac;o de transic;áo sociodemográfico dos religiosos e como eles se distribuem pelo espac;o me-
para um outro "isolado". Por fim, Lévi-Strauss sugere a formulac;áo de urna tropolitano. Segundo, a espacializac;áo dos dados por meio do georreferencia-
"demografia qualitativa", que buscaria náo propriamente "variac;6es contí- mento dos "lugares de culto" no município de Sáo Paulo (locais de realizac;áo
nuas" (em urna perspectiva propriamente quantitativa ou sociológica), mas da atividade religiosa estrito senso e onde as interac;6es ocorrem de maneira
"descontinuidades significativas" no espac;o social urbano e a articulac;áo frequente, em suma, equipamentos com capacidade de circunscrever urna
entre elas, como prevista na ideia relacional de "afastamentos significativos". sociabilidade contínua em torno da prática religiosa). 6 E, por fim, pesquisa
Esses afastamentos, contudo, náo devem ficar restritos a dimensáo ecológica. etnográfica que procura compreender aquilo que é definido como do universo
O espac;o físico é apenas urna possível dimensáo do compartilhamento dos da religiáo em articulac;áo com outras dimens6es da vida cotidiana metropo-
códigos, que pode se apresentar de forma contínua (ou ecológica) ou náo litana. A proposta é apreender a dinamica religiosa no espac;o metropolitano
limitada a fronteiras espaciais. de forma multi-escalar e em torno de dois materiais empíricos: as condic;6es
socioeconómicas e a territorialidade das religi6es.
As categorias socioespaciais (pedaqo, mancha, circuito, trajeto) desenvol-
vidas por Magnani (1996) em duas décadas de pesquisa na cidade de Sáo
Paulo váo nessa mesma direc;áo, embora o autor tenha se valido de dados
1
FIUA~ÁO RELIGIOSA E DESIGUALDADE SOCIAL

No capítulo "Efeitos de lugar" do livro A miséria do mundo, Pierre Bour-


dieu adverte sobre os equívocos das análises que tendero a substantivar os
r1 TABELA 1:

Grupos
RESUMO DOS GRUPOS SOCIAIS

Popula\ao Características principais


i 135
V"
;;:
o
lugares, como se a observac;:áo sociológica se restringisse as fronteiras físi-
~ 1 3.130.249 muito pobres com baxíssima escolaridade, muitos pretos e pardos e migrantes ¡g
cas do universo observado e naturalizasse o espac;:o social ao sobrep6-lo ao 1 2 2.519.271
nordestinos recentes, péssimas condi\éíes urbanas e altíssimo crescimento
muito pobres, baxíssima escolaridade, muitos pretos e pardos e migrantes
(';)
6
V"
o

i
m
espac;:o físico. A isto dá o nome de efeito de naturalizafáO. Para Bourdieu, nordestinos recentes, condi\éíes urbanas ruins e alto crescimento m
V"

as realidades locais derivam de mecanismos mais amplos de estruturac;:áo ~

do espac;:o social que, regra geral, ancora-se na dominac;:áo e reproduz a "'o;;:

1
3 1.516.073 muito pobres, baxíssima escolaridade, muitas mulheres chefes com baixa
desigualdade material e simbólica. escolaridade, condi\éíes urbanas médias e sem crescimento C'1
4 1.019.352 classe média baixa pobre com baixa escolaridade, condi\éíes urbanas e alto
"'o
"O

A história da urbanizac;:áo de Sáo Paulo é exemplar na reproduc;:áo de desi- ~


1 crescimento ¡!
z
gualdades no espac;:o físico. Caldeira (2003:211) argumenta que durante o 5 1.735.361 classe média baixa pouco preta, parda e migrante, com condi\éíes urbanas o
século XX, a metrópole paulista passou por tres modelos de habitac;:áo. Na boas e com crescimento
primeira metade, parte da populac;:áo pobre habitava as proximidades do 6 3.321.056 classe média baixa pouco preta, parda e mígrante, com condi\éíes urbanas
boas e sem crescimento
centro histórico e comercial, sobretudo em cortic;:os. Coro a industrializa-
c;:áo, a partir dos anos 1950, a mancha urbana se expandiu e os mais pobres 7 1.468.915 classe média, pouco preta, parda e migrante e sem crescimento

foram levados para mais longe do centro da cidade, construindo periferias 8 826.933 classe média alta muito pouco preta, parda e migrante e em esvaziamento

urbanas como as da Zona Leste e da Zona Sul. Esse segundo modelo refere- 9 683.159 classe alta muito pouco preta, parda e migrante e em esvaziamento

se ao qUe a literatura urbanística denomina de padráo "radial-concentrico", 10 162.895 classe alta jovem muito pouco preta, parda emigrante e em crescimento
no qual as condi<;;óes de vida pioram conforme se avanc;:a para as periferias. Total 16.383.264

Por fim, mais contemporaneamente, formou-se outro padráo de habitac;:áo, Fonte: Censo demográfico IBGE 2000, elabora~ao CEPID-FAPESP/Centro de Estudos da Metrópole (CEM)/
Cebrap, 2003.
também encontrado em outras grandes cidades do mundo, que isola os mais
abastados em condomínios privados, os quais a autora denomina de enclaves
A tabela acima revela a concentrac;:áo de mais de 40% da populac;:áo nos
fortificados. Estes náo se encontram necessariamente nas partes centrais da
tres grupos com piares condic;:óes socioecon6micas da RMSP. O mapa 1 (a
cidade, mas preferencialmente em lugares amplos, onde o valor da terra é
seguir) refere-se a disposic;:áo dos dez grupos sociais no espac;:o metropoli-
menor. Tais lugares costumam receber investimentos urbanísticos privados e
tano, no qual constata-se a predominancia do padráo "radial-concentrico"
públicos que garantem "qualidade de vida" aos cond6minos, principalmente
que disp6e gradualmente os estratos sociais. A excec;:áo é a regiáo do ABC
em termos de seguranc;:a domiciliar. Assim, a desigualdade social se traduz
paulista, no setor Sudoeste, que compreende os municípios de Santo André,
necessariamente em desigualdade espacial.
Sáo Bernardo do Campo, Sáo Caetano e Diadema, que foi o epicentro da
A análise de cluster realizada a partir das variáveis renda, escolaridade, cor, industrializac;:áo de Sáo Paulo no setor automotivo e do movimento sindical.
migrac;:áo nordestina, condic;:óes urbanas e taxa de crescimento, permite Ciente da necessidade de mais rnediac;:6es analíticas, é possível afirmar que
identificar a distribuic;:áo territorial das condic;:óes de vida no espac;:o metro- tais características foram importantes na produc;:áo de condic;:6es de vida
politano paulista, que se traduzem na heterogeneidade dos grupos sociais melhores para as carnadas trabalhadores. De forma geral, a configurac;:áo
descritos a seguir. 7 da RMSP difere da cidade do Rio de Janeiro, onde os mais pobres forarn
em direc;:áo aos subúrbios 8 e/ou subiram os morros localizados nas partes
mais centrais da cidade.
1: RMSP
361 MAPA GRUPOS SOCIAIS NA
Grupos de áreas ponderadas classificadas segundo condic;oes socioeconómicas e
Em linhas gerais, os autodeclarados católicos distribuem-se entre os grupos sociais
próximos a média geral (67,6% dos moradores da RMSP), mas tendem a se con- ~ 137
crescimento demográfico, IBGE 1991-2000
centrar nas melhores partes da cidade, diminuindo conforme se aproximam das ~
o
piores condic;:6es urbanas. Essa distribuic;:ao é semelhante a das religi6es de origem PJ
oriental (0,8%) e muito mais acentuada entre os kardecistas (2,5%), que apresen- Ci
o
~

tam a melhor renda e a maior'escolaridade dentre os segmentos religiosos listados o


rn
na tabela 2. Em termos espaciais, nas periferias da RMSP há poucos kardecistas e
indivíduos pertencentes as religi6es orientais, e há cada vez menos católicos. 9
°'
~
.n
o
~
--1

MAPA 2: CATÓLICOS
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o
25
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o

GRUPOS
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IO(U)
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,__s¿:~!:....:5

Se este é o quadro, segue a pergunta: como os religiosos se distribuem no espac;:o


metropolitano, urna vez que as religi6es (como ideologia, moral, prática ou crenc;:as)
encontram mais correlac;:ao com alguns estratos sociais do que com outros? Ao PopuJa.,~o
% dapessoas
católlca da RMSP
thlcl~radasc;uólic~&
'-,Wil.<0aso
distribuir os segmentos entre os grupos sociais, tem-se a seguinte disposic;:ao: -!O~!oll
-~ºª~º
-70at.._~~ 5

TABELA 2: GRUPOS SOCIAIS POR SEGMENTOS RELIGIOSOS NA RMSP


Fonte: amostra do Censo 2000, IBGE
-~
C3 ·iij Vl ~
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1~ ~ro
V> o ro
V> V>
o - u.J o ~

~ ·= Em contrapartida, a distribuic;:ao dos evangélicos tradicionais (2,9%) e das


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u e -~ t;:; o ~

c...:::;!;
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E ·¡:;, ~ .Q ~8 ·o U"!J
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religi6es afro-brasileiras (0,4%) entre os grupos sociais nao varia muito quando
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l.:J V>
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u.J 1- u.J
""' "' comparados aos outros segmentos. Apesar da semelhanc;:a, a consistencia das
11,2 63,6 2,2 18,2 0,6 0,3 0,3 3,5
2 10,9 64,1 2,7 16,8 0,8 0,3 0,4 3,9 respostas dadas ao Censo a pergunta "Qual é a sua religiao?" é diferente para
3 10,5 65,2 2,6 16,2 1,0 0,4 0,5 3,7 os dois segmentos religiosos. No caso das religi6es afro-brasileiras, os adeptos
4 9,0 66,8 3,2 14,9 1,8 0,4 0,6 3,3 ·costumam nao revelar essa identidade religiosa e sima católica. Situac;:ao com-
5 8,5 67,2 3,2 13,2 2,5 0,5 0,9 3,9
6 7,3 68,9 3,2 11,7 3,2 0,6 1.1 4,1 pletamente inversa a dos evangélicos tradicionais, que fazem da declarac;:ao
7 6,6 72,6 3,2 7,6 4,7 0,6 1.2 3,6 pública da (única) fé um ato religioso (o testemunho).
8 7,0 73,8 2,9 4,3 5,9 0,3 1,5 4,2
9 7,5 73,6 2,8 2,3 5,1 0,2 1,2 7,1 fim, em sentido contrário ao dos católicos, e mais ainda dos kardecistas, os
10 6,7 75,7 2,9 4,6 4,9 0,2 0,9 4,1
Total 8,9 67,6 2,9 12,9 2,5 0,4 0,8 3,7 sem religiao, e mais ainda os pentecostais, expandem-se entre as camadas média
Fonte: Censo demográfico IBGE 2000, elabora~ao CEPID-FAPESP/Centro de Estudos da Metrópole (CEM)/
e baixa dos centros urbanos e nas regi6es mais periféricas. Ressalte-se
Cebrap, 2003. que boa parte dos sem religiao nessas regi6es passou por várias instituic;:6es ou
381
práticas religiosas, daí declarar-se como sem institui<;ao específica. Quanto aos
evangélicos, estes costumam se identificar como sem religiao por considerá-la
r
·'t

1
Em pesquisa etnográfica realizada em Paraisópolis, segunda maior favela de
Sao Paulo, a maioria da popula<;ao se considera católica; no entanto, o nível de i 139
~
algo sem vida, em síntese, urna prática tradicional. Assim, do ponto de vista 1
'l
participa<;ao é babeo comparado aos evangélicos. Se levarmos em considera<;ao a o
~
participa<;ao em atividades religiosas, a diferen<;a entre católicos e evangélicos é PJ
demográfico, os maiores deslocamentos de identidade religiosa nas periferias
i menor do que quando comparada adeclara<;ao da identidade religiosa. A pesquisa Ci
foram feitos pelos católicos, pelos pentecostais e pelos sem religiao. 10 B
J
~
¡r
mostrou que os evangélicos nao só atuam sobre o ponto de vista individual, bus-
V>
o
m
~
~ cando a regenera<;ao da pessoa, mas como urna rede de prote<;ao social. Trata-se
~
MAPAS 3 E 4: PENTECOSTAIS E SEM RELIGIAO 1 de ajudas, sobretudo no auxílio dos mais carentes na organiza<;ao de sua vida n
o
1 económica, dos pontos de vista prático (racionaliza<;ao dos ganhos e dos gastos), s:
C':1

'
:;a
moral (estímulo para o trabalho e disciplina do consumo) e espiritual (prote<;ao o

1
-o
o
contra for<;as malignas). As redes evangélicas tém esse efeito no indivíduo ao e:
:¡;!
z
estimulá-lo ao trabalho, o que decorre na melhoria (ou equilíbrio) da vida. Do o
ponto de vista religioso, a explica<;ao para tais práticas ancora-se no princípio
evangélico, encontrado nas Epístolas do apóstolo Paulo, de ajudar em primeiro
lugar os irmiios de fé, entendidos como o conjunto de membros de urna igreja,
ou, mais restritamente, do templo religioso no qual os fiéis congrega.
Os evangélicos também tém como orienta<;ao religiosa casar-se entre os irmiios de
fé, o que faz dos membros da comunidade religiosa parentes potenciais. Inversa-
mente, o dever primeiro de um evangélico convertido é tentar converter sua familia
nuclear. Lago, parentes também sao potenciais irmiios de fé. 11 A resultante é um
adensamento dos vínculos sociais na medida em que, em igrejas como Assembleia
de Deus, Batista, Presbiteriana, la<;os de parentesco se sobrep6em a la<;os religiosos
e podem se estender a la<;os de trabalho e de vizinhan<;a. A solidariedade acorre
por meio de benefícios materiais em circula<;ao, como, por exemplo, auxílio de
cesta básica, cuidar do filho dos outros, informa<;6es de emprego. Trata-se do
efeito de urna rede de prote<;ao social, que também é traduzido pelo fiel no plano
da espiritualidade: "É Deus quem está me ajudando~".
Entretanto, nao existe apenas a virtuosidade do vínculo social, pois o perten-
cimento é condi<;ao do partilhamento de recursos, o que limita o alcance dos
efeitos da rede. Se as preferencias pelos irmiios de fé adensam os vínculos,
elas os tornam redundantes. Como nos informa Granovetter (1973), os la<;os
densos demais acabam limitando a extensao da rede. Daí sua no<;ao de forra
dos Zaras fracos, que permitem mais cantatas e flexibilidade. Em resumo, em-
bora a rede evangélica tenha esse efeito de proterao e organizarao, ela possui
PopUlafilo sem rellgiao da R.MSP
%daspess..,.sdeclar.uiassemrellgiki
pouca extensao lateral. No trabalho de Lavalle e Castello (2004), os católicos
2'>\'JO~!
•S••~
•ID•t9 participam das associa<;6es religiosas e também da associa<;ao de moradores,
-!hl!~ " 1Q u
--~-·- dos sindicatos, organiza<;6es de lazer etc. Em contraste, os evangélicos prati-
camente só participam do circuito de associa<;6es evangélicas. Trata-se de urna
rede densa, mas com menor efeito lateral. 12
Fonte: amostra do Censo 2000, IBGE
401 Por sua vez, a rede dos católicos é menos densa, porém é mais aberta e
redistribuidora de servi<;:os e benefícios. No caso católico a atividade passa
Assembleia de Deus antes de entrar na criminalidade. A busca da cura na Igreja
Universal naquele momento deveu-se a pelo menos dois motivos: por um lado, i 141
pelo assistencialismo e pela capacitai;:ao das pessoas vía educai;:ao básica e a enfase desta igreja na cura milagrosa; por outro, ªº fato de ela, diferentemen- '-"
;;;::
e
formai;:ao técnica. A presen<;:a kardecista, por sua vez, quase insignificante te de outras igrejas mais comunitárias, permitir relativo anonimato na prática
o
s
dos pontos de vista da identidade religiosa e dos equipamentos religiosos religiosa. Isso explica o fato de Tenório frequentar os grandes templos da Igreja Q
o
(os "Centros Espíritas"). Conforme a tabela 2, a estratificai;:ao social dos Universal espalhados por lugares de intensa circulai;:ao de pessoas na RMSP Sua o
en
kardecistas é simétrica e inversa a dos pentecostais. No entanto, os karde- condi<;:ao de chefe da favela comprometía a ida aos pequenos templos da Assem- en
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cistas, impulsionados pela ideia do exercício da "caridade" como meio de bleia de Deus ou da Deus é Amor, frequentada por boa parte de seus familiares n
o
"evolui;:ao espiritual", realizam nas periferias atividades assistenciais dirigidas em Paraisópolis. Para manter sua posii;:ao de chefe foi necessário afastar-se dos ~
~
por agentes nao moradores das localidades. constrangimentos da comunidade moral. Mas ele nao via contradii;:ao entre sua "'
o
atuac;:fo em Paraisópolis e a possibilidade de cura na Igreja Universal, pois entendía "
~
Em resumo, pode-se afirmar que, ao contrário dos evangélicos, as ai;:óes de cató- ~
os seus males como feiti<;:os enviados por inimigos ou por ex-amantes. 13 Nao estou z
licos e kardecistas sao mais universalistas, na medida em que o pertencimento a o
urna ou a outra religiao nao é filtro de sele<;:ao na distribuii;:ao de benefícios. A ati- afirmando que é aceitável ser justiceiro e ser crente, mas havia urna margem de
vidade católica é menos proselitista e mais voltada para a ai;:ao social que procura ambiguidade que permitía a Tenório a vivéncia de duas moralidades. 14
atingir as causas sociais da pobreza; a filantropía kardecista tem um perfil mais Em relai;:ao a vida economica, a lgreja Universal temo discurso da chamada
assistencialista sem enfatizar as transforma¡;:óes sociais; e, por fim, os evangélicos "teología da prosperidade", para a qual o indivíduo pode enriquecer se aplicar
compreendem as dificuldades materiais como decorréncia das ordens moral e na obra de Deus - urna espécie de "teología da fortuna", diferente da ética
espiritual, mas cujos efeitos indiretos do regramento do comportamento e da economica protestante e da "teodiceia da providéncia" do pentecostalismo
solidariedade interna entre os irmiios de f é atenuam a vulnerabilidade social. clássico. Chamo de "providéncia" a creni;:a dos pentecostais mais tradicionais
O discurso evangélico, no que diz respeito a pobreza, é diferente do católico, no socorro divino em momentos de dificuldades materiais. A noi;:ao de que
o qual aponta mais para urna crítica a estrutura social. O discurso evangélico é deus provém tem como contrapartida a ideia de que a vida neste mundo é
individualista e aponta para a regenerai;:ao pessoal, e nao para a crítica ao sistema atribulada e e cheia de provai;:óes, e a recompensa é a vida eterna. Algo di-
economico e a reprodu<;:ao de desigualdade: "O problema da pobreza é vocé; Deus ferente da prosperidade que promete sucesso neste mundo. O discurso da
nao ajuda porque vocé nao teve fé". Essa énfase individual se estende também Igreja Universal prega que o desempregado deve virar "patrao" como início
a outro fen6meno contemporaneo dos grandes centros urbanos, sobretudo os de um hegócio próprio, algo em sintonía com urna economía significativamente
latino-americanos: a violéncia. O discurso católico adverte para os problemas baseada na informalidade, sobretudo das grandes metrópoles brasileiras. O
familiares e economicos como principais geradores da violéncia, enquanto o chamado pentecostalismo clássico tem um tipo de resposta a pobreza que
evangélico pentecostal atribuí as causas da violéncia os problemas familiares passa por essas redes de pertencimento, de protei;:ao; seus templos costumam
(entenda-se educai;:ao dos filhos) e as questóes morais-espirituais. Em termos crescer em torno de núcleos familiares, boa parte deles formados no processo
discursivos, o problema da violéncia urbana é solucionado, no caso católico, por migratório do Nordeste para Sao Paulo e seu discurso está mais em sintonía
meio de ai;:óes mais comunitárias e de interveni;:óes sociais, enquanto para os com a referéncia do trabalhador formal.
evangélicos o enfoque é dirigido para a regenerai;:ao moral dos indivíduos.
A pesquisa realizada na favela de Paraisópolis, ainda nos anos 1990, revelou a
EQUIPAMENTOS RELIGIOSOS E SOCIABILIDADE URBANA
existéncia de poder local. Tenório Cavalcante era o chefe da favela quando o
tráfico de drogas ali ainda era diminuto. Tenório estava mais para justiceiro do
Se no item anterior o foco empírico sao os fiéis caracterizados a partir do domi-
que para traficante. Em determinado momento de sua vida, quando se encontrava
__ dlio, conforme os dados censitários, agora trata-se de pensar as religióes a partir
com urna doen<;:a da qual nao conseguía descobrir a causa, comei;:ou a frequentar
. de seus equipamentos, mais precisamente de seus "lugares de culto" (paróquias,
a Igreja Universal do Reino de Deus. Na verdade, Tenório havia se convertido a
~f>entecostais
421 templos, terreiros e centros). Tais lugares e a frequencia a eles sáo aqui tomados
como metonímias da prática religiosa capazes de nos revelar alguns dos seus
- -
-

--
i ¡4:
Assembleia de Deus
779
aspectos, mais precisamente a interac;:áo entre fiéis. A hipótese é de que a Deus éAmor
520 ~
definic;:áo desses lugares está relacionada, concornitantemente, a lógica interna Congrega~ao Crista do Brasil o
409
dos segmentos religiosos e as próprias transforrnac;:6es do contexto urbano. Evangelho Quandrangular ~
163 Ci
O Brasil para Cristo 6
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Antes, contudo, de iniciar algurnas interpretac;:6es, convém destacar os limites 52 o
Casa da Ben\áo rn
analíticos dessa objetivac;:áo da religiáo no espac;:o urbano por meio dos "lugares 12 rn
V>
Comunidade da Gra\a 10 ~
de culto", urna vez que ela poderia ser estendida a festas, passeatas, prociss6es, Total "o
1945
isto é, a express6es religiosas que sáo mais bern descritas por sua periodicidade f~i6pentecostais . . ~
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mais do que por sua territorialidade. Por exemplo, o foco nos terreiros limita em lgreja Universal
""
o
muito o entendimento da religiosidade afro-brasileira, que necessita de matas,
198 "
;2
Internacional da Gra\a 160 ~
cachoeiras, praias e outros lugares náo urbanizados ou corn pouca urbanizac;:áo. Renascer em Cristo z
142 o
Por outro lado, as unidades empíricas (paróquias, templos, terreiros e centros) Paz e Vida 14
reforc;:am a ideia da comunidade moral durkheimiana, cujo modelo é cristáo. Total
514
Náo por acaso as interpretac;:6es neste capítulo sáo mais robustas quando abor- &2: TOTAL GERAL 3351
darn as igrej as católica e evangélicas (protestantes e pentecostais). Fonte: CEM/Cebrap

TABELA 3: TEMPLOS EvANGÉucos No MuN1cfp10 DE SAo PAULO


Conforme a Tabela 1, a quantidade de paróquias católicas é rnuito baixa quan-
do comparada a dos evangélicos, ainda mais tendo ern vista o percentual da
Segmentos Evangélicos Denomina~óes Templos
populac;:áo que se identifica como católica. É rnuito comurn ouvirrnos a dife-
Protestantes Históricos
renciac;:áo entre católicos praticantes e náo praticantes, forrnulac;:áo nativa que
Batista (CBB) 371
circunscreve duas formas de se relacionar corn a religiáo católica. Para boa parte
Presbiteriana do Brasil 84
Metodista 69 dos católicos náo praticantes, a frequencia ao templo náo possui a centralidade
Presbiteriana lndependente 59 que tem para a quase totalidade dos evangélicos. O calendário da frequencia
Adventista do Sétimo Día 52 dos católicos aos servic;:os religiosos é mais distendido, sern limites sáo os ritos
Batista Regular 45 de nascirnento, casarnento e morte. As paróquias abrigarn algurnas atividades,
Congregacional 19 caracterizando-se corno locais menores de encontros sernanais de católicos
Metodista Livre 18 para atividades religiosas, corno catecismo, orac;:6es, novenas, estudo da religiáo
Presbiteriana Conservadora 17 cristá etc. Náo obtive o número de comunidades no rnunicípio de Sáo Paulo,
Confissáo Luterana no Brasil 13 mas em entrevistas corn funcionários daArquidiocese de Sáo Paulo, estimou-se
Luterana do Brasil 7 a existencia de cerca de cinco ou seis comunidades ern rnédia por paróquia.
Total 754 Mesmo sornadas paróquias e comunidades corno "lugares de culto", a lgreja
Protestantes Carismáticos . -
Católica já há muito tempo náo faz frente a expansáo pentecostal pela cidade
Batista Nacional 50
e, principalmente, pelas periferias. Os evangélicos pentecostais sáo aqueles que
Adventista da Promessa 49
possuern o equiparnento templo na cidade de Sáo Paulo. Muitos desses
Presbiteriana Renovada 21
-pontos de culto sáo construc;:6es tanto grandes corno rnédias e pequenas; e, na
Metodista Wesleyana 18
maíoria dos templos, a frequencia costuma ser alta.
Total 138

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MAPA 5: TEMPLOS POR VIAS PRINCIPAIS DA ZONA LESTE DE 5Ao PAULO
i 145
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Templos da Renascer

Templos da Assembleia de Deus

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Templos da lgreja Universal

Os mapas acima georreferenciam, nas vias principais da Zona Leste de Sao


Paulo, as paróquias católicas e os templos pentecostais daAssembleia de Deus,
da lgreja Universal e da Renascer em Cristo. As paróquias católicas sao cons-
Paróquias Católicas truc;:6es que, regra geral, formam centralidades vicinais (no interior dos bairros)
e mesmo metropolitanas (ao se localizarem em áreas de grande circulac;:ao),
como no caso das catedrais ou dos templos históricos. Da mesma forma que
461 a identidade religiosa católica diminui conforme caminha-se em direc;;ao aos
a partir dos templos é criada a interac;;ao entre fiéis. Boa parte da audiencia
~ 14;
dos que frequentam os templos nao se ancora em núcleos familiares como
mais pobres e as periferias, a presenc;;a de templos e sacerdotes católicos di-
na Assembléia de Deus. As "catedrais" possuem um grande salao e poucas "'
;;;::
minui também, surgindo mais em forma de ac;;óes sociais e caritativas, além o
repartic;;óes internas, que sao utilizadas pela administrac;;ao. o templo perma- p
do estímulo a devoc;;óes. Ci
nece aberto boa parte do tempo e é possível acessar com facilidade o "servic;;o o
A presenc;;a da Assembleia de Deus, instituic;;ao religiosa com maior quantidade religioso", que é também ofertado nas madrugadas, por meio de programas de ~
de lugares de culto na cidade de Sao Paulo, cresce conforme se aproxima das televisao e de rádio. As interac;;óes sao menos horizontais entre os fiéis e mais ""
""
periferias e do interior dos bairros, sobrepondo-se em parte a lógica de vizi- verticalizadas coma instituic;;ao e seus pastores, o que é retroalimentado pelos ...
"'
"]5.
o
nhanc;;a. De forma geral, os templos nesta igreja (assim como entre batistas, meios de comunicac;;ao. Trata-se de urna religiosidade acessível no fluxo da vida ~-l
presbiterianos, metodistas, lgreja do Evangelho Quadrangular e Deus é Amor, urbana, o que parcialmente difere de outras igrejas evangélicas que estimulam o"'
entre outras) geram um tipo de sociabilidade "congregacional", definida em a convivencia entre os fiéis para além das atividades religiosas. Penso em grupos "~
~
torno de um grupo de pessoas organizadas, de um nome (a denominac;;ao), de organizados por faixas etárias (crianc;;as, adolescentes, jovens, jovens recém- z
o
um conjunto de ideias e práticas religiosas (Fernandes, 1992:257), de algumas -casados, adultos e anciaos) e/ou atividades culturais ou esportivas (teatro, grupo
lideranc;;as tradicionais e/ou carismáticas e de fortes vínculos afetivos e sociais musical, coral, danc;;a e esportes) que formam um denso tecido nas igrejas mais
de longa durac;;ao. Nao raro, em urna congregac;;ao pentecostal tradicional, o tradicionais, as quais fazem da religiao urna experiencia social mais ampla.
pastor que casou um homem e urna mulher provavelmente casará os seus filhos.
Por fim, conforme o mapa 5, a territorialidade dos templos da lgreja Renascer
Em termos nativos, a congregac;;ao ancora-se nas relac;;óes entre o pastor e seu
em Cristo assemelha-se a da lgreja Universal (além de outras características,
rebanho e do rebanho entre si. Urna convivencia de longo prazo e geradora de
como o poder centralizado nos fundadores, a construc;;ao de grandes salóes, o
outros vínculos (o parentesco, por exemplo).
uso dos meios de comunicac;;ao, a enfase no discurso da prosperidade financeira,
A lgreja Universal, por sua vez, apresenta um padrao territorial próximo ao do a forma de administrac;;ao, dentre outras). No entanto, existem diferenc;;as que
católico, na medida em que distribui de forma planejada seus templos pelas conferem a essa denorninac;;ao um lugar particular entre as igrejas neopentecostais.
centralidades urbanas. De forma diferente a da Assembleia de Deus - que, Destaco aqui a juventude como público-alvo e, por conseguinte, a modernizac;;ao
devido a relativa autonomia administrativa das suas congregac;;óes, pode ter dos costumes e o uso da música como fator de atrac;;ao. A Renascer em Cristo
dois ou mais templos no espac;;o de urna quadra -, a lgreja Universal possui um apresenta um duplo aspecto: realiza grandes eventos como a lgreja Universal,
planejamento centralizado que distribui os equipamentos estrategicamente pela a exemplo da "Marcha para Jesus", 15 mas gera urna sociabilidade mais estreita
cidade, como fazem também a lgreja Renascer em Cristo e outras denomina- entre seus membros, principalmente jovens, que se encontram forado espac;;o
c;;óes englobadas na categoria neopentecostal. Embora o número de templos sagrado do templo para ouvir música, cantar, danc;;ar, em suma, realizar outras
da Assembleia de Deus seja superior ao da Igreja Universal, esta ocupa com atividades sociais e culturais nao religiosas estrito senso entre os religiosos.
maior destaque a paisagem urbana das grandes cidades brasileiras, devido aos
A prática espacial da Renascer insere-se em um movimento mais amplo, de-
enormes templos também chamados de "catedrais". Se em alguns aspectos
finido como gospel. Na verdade, muitas coisas (produtos de consumo, genero
a Igreja Universal assemelha-se a territorialidade da lgreja Católica, ela nao
musical, religiosidade, estética, corporalidade, tempo livre, práticas culturais)
funda centralidades vicinais como as paróquias. Na verdade, ela se sobrepóe
sao compreendidas por essa categoria nativa. Quero, no entanto, restringir-me
as centralidades já formadas. É muito comum encontrarmos as "catedrais" em
a sociabilidade gerada pelos usos da cidade em forma de shows com bandas
grandes avenidas, conforme o mapa 5, e próximo a terminais de transporte
de heavy metal, samba, pagode, reggae e outros estilos musicais, de grandes
público. Há, portanto, urna estratégia intencional de visibilidade.
festas, de cafés com músicas gospel, de "Cristotecas" para danc;;ar, dentre outros
Na Igreja Universat o dinheiro recolhido nos templos é centralizado em um espac;;os e momentos. Um circuito no espac;;o urbano nao contínuo, demarcado
"caixa único" e, a partir dali, novos templos sao planejados e construídos. Em por pontos na cidade que definem um tipo de interac;;ao social cujo elemento
geral, eles nao sao resultados do crescimento de urna comunidade; ao contrário, estrnturante é a opc;;ao religiosa. Além de visar a sociabilidade, a intenc;;ao des-
ses novos espac_;:os é também atrair mais fiéis por meio de urna religiosidade
interdenominacional que abre mao de certas exigencias morais para se colocar de suas práticas. A primeira dimensao discutiu como a vida urbana, pensada
no mundo sem rejeitá-lo completamente (Mariano, 1995). aqui como a qualidade dos suportes materiais, articula-se ou nao aos discursos
das religióes, pois alguns estao mais em sintonia do que outros as demandas
Vale destacar ainda que do circuito gospel participam também muitos cató-
sociais cotidianas. A segunda identificou duas práticas religiosas caracterizadas
licos, em boa medida via Renovac,,:ao Carismástica. A finalidade, nesse caso,
conforme varia a intensidade das interac,,:óes sociais: algumas mais sujeitas a
é atrair os jovens para o convívio na igreja por meio de práticas juvenis que
comunidade moral, outras a dinamica metropolitana. A princípio opostas,
nao representam em si urna atividade pecaminosa, como entre os evangélicos.
ambas traduzem duas características ainda presentes na metrópole paulista:
Assim, as duas práticas tem sentidos diferentes quando pensadas a partir das
as interac,,:óes nas centralidades urbanas e vias principais, e as relac,,:óes vicinais
respectivas instituic,,:óes: uns pretendem se liberar enquanto outros querem
dos pedaqos da cidade. Assim, religióes e cidades, ou mais especificamente
se espiritualizar. O circuito gospel representa novas formas de usar o tempo
pluralismo e territorialidade, sao universos empíricos analiticamente correla-
livre e o espac,,:o urbano que reúne evangélicos e católicos. Como estes últimos
tos, e a paisagem urbana e a sociabilidade religiosa na RMSP sao índices dessa
já haviam se aproximado daqueles por meio da doutrina do Espírito Santo
mútua inflexáo.
(glossolalia, cura) e da emotividade da religiosidade evangélica, ternos, por-
tanto, urna espécie de ecumenismo via sociabilidade entre aqueles que foram
atingidos pelo Espírito Santo.
NOTAS

Agradec;o a Tiaraju D'Andrea e Jacqueline Moraes Texeira pela fundamental contribuic;ao na pro-
dm;áo dos mapas e dados quantitativos.
CoNSIDERA<;Ao FINAL
2 Agradec;o ao amigo Luiz Jackson a informac;ao e o exemplar da revista Sociologia que contém a
segunda parte do texto de Florestan Fernandes.
A pluralidade daquilo que é denominado como religiao no espac,,:o metropolitano
Pierucci, 2006, recentemente questionou a táo alardeada "diversidade religiosa" brasileira afirmando
(segmentos, equipamentos, lugares, festas, manifestac,,:óes) é extremamente que o campo das religióes no Brasil ainda se encontra demograficamente concentrado ern torno
ampla e este texto analisou algumas de suas dimensóes sem a pretensao de do cristianismo. De fato, este é urn argumento forte, que coloca limites a "festejada" diversidade.
urna interpretac,,:ao geral. Para tanto, vali-me de dados empíricos construídos Desse modo, pode-se concluir que existe urna diversidade institucional significante, mas demogra-
ficamente restrita ao cristianismo.
por diferentes procedimentos metodológicos, partindo do pressuposto de que
Na verdade, ele ainda cita urn quarto circuito entre os códigos genéticos.
todos sao insuficientes frente a complexidade do fenómeno. Um releva o que o
Idem.
outro nao; mas isso nao significa a busca por complementaridade, urna vez que
Forarn fontes para o levantamento: o cadastro de empresas do IBGE (CNPJ); a Fundac;áo SEADE;
os dados podem tanto convergir em suas conclusóes quanto colocar problemas e, principalmente, cantatas com lideranc;as religiosas.
uns aos outros. Complementaridade, corroborac,,:ao, refutac,,:ao e contradic,,:áo sao Marques, 2005.
algumas das possibilidades quando se articulam diferentes procedimentos para Categoría nativa empregada nestas cidades e que descreve contextos parcialmente semelhantes as
apreender a dinamica religiosa na metrópole em diferentes escalas empíricas. denominadas "periferias" em Sao Paulo.
Ganhos e perdas, limites e avanc,,:os, ficam sob o crivo do leitor. 9
Almeida, 2004.
'º Alérn das periferias, os sem religiiío estao presentes tambérn nas regióes centrais da RMSP, em
De forma geral, a configurac,,:áo encontrada na RMSP é de pluralidade institu- especial na Zona Oeste, ern bairros como Pinheiros e Perdizes, cujas características socioeconomicas
cional e de prática social decorrentes de transformac,,:óes recentes. Estas estao sao de carnadas médias e escolarizadas.
mais concentradas nos segmentos católico, evangélico e os declarados sem 11 Em vários depoimentos as pessoas valorizam ou desvalorizam certas religióes conforme o parente
religiao. Na escala da metrópole sao estes os principais vetores de mudanc,,:a a elas as saciado.
12
religiosa e de diversificac,,:ao interna, e conforme este texto foi sendo construí- Em Paraisópolis existe o Fórum Multientidades, que reúne associac;ao de moradores, ONGs, agentes
estatais, institui<;óes filantrópicas e religiosas. Os declarados católicos e a Igreja Católica participam
do, o universo empírico foi se restringindo a alguns evangélicos pentecostais e do Fórurn, enquanto as inúmeras igrejas evangélicas, principalmente as pentecostais, quase ou nada
a populac,,:ao mais pobre e perifericamente situada na RMSP A metrópole foi participam dele.
articulada a religiao dos pontos de vista das relac,,:óes sociais e da espacialidade 13
Almeida, 2009.
14
A tese de doutorado de Christina Vida! (2009) apresenta diversos casos etnográficos de intera~áo
1¡ entre evangélicos e traficantes, a ponto de, algumas vezes, acorrer a indefini<;ao de algumas fronteiras
entre eles.
15
Evento que acorre urna vez por ano e reúne milhéies de evangélicos numa gnmde passeata pela cidade.
Tal iniciativa teve as cidades do Ria de Janeiro e de Sao Paulo como as primeiras organizadoras do
evento que, atualmente, é realizado em vários lugares do país.

DINÁMICAS ESPACIAIS EM MACAÉ: LUGARES


PÚBLICOS E AMBIENTES RELIGIOSOS 1
CLAUDIA WoLFF SwATOWISKI

Este artigo se origina de um estudo da relac;:áo entre as transformac;:óes do espac;:o


urbano e a reconfigurac;:áo do campo religioso. Minha proposta é refletir sobre
como a religiáo e as instituic;:óes religiosas participam do processo de expansáo
e remodelac;:áo de Macaé, cidade de médio porte no interior do estado do Rio
de Janeiro. Procuro explorar como a instalac;:áo de urna base operacional da
Petrobras nesta cidade do litoral norte-fluminense, nos anos 1970, impulsionou
a acelerac;:áo do crescimento e o adensamento da área urbana.
As principais questóes a serem abordadas ao longo do artigo decorrem das
transformac;:óes da paisagem urbana ao longo do tempo. De que forma os
chamados lugares de culto se inserem na nova paisagem e qual o papel das
religióes no processo de remapeamento de urn espac;:o urbano transformado? 2
De que forma referenciais religiosos orientam as pessoas na circulac;:áo e
nos usos do espac;:o? Corno a dinamica espacial está conectada a dinarnica
religiosa? Visando apontar alguns caminhos para pensar tais questóes, apre-
sentarei urna análise que procura ressaltar os papéis que os diferentes atores
sociais assumern na transforrnac;:áo da cidade de Macaé, e corno suas ac;:óes
se rnaterializam na paisagern.

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