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1. Introdução
Alterações de consciência são comuns e relevantes (pela alta mortalidade) na prática
clínica. Dessa forma fica claro a importância do estudo desse tópico.
A consciência é definida como a percepção de si próprio e do ambiente. Ela pode ser
dividida em duas, que são: conteúdo de consciência (são as emoções e as funções
superiores, como: atenção, memória e linguagem) que tem como base anatómica o
córtex cerebral e o nível de consciência (relaciona-se ao grau de alerta do indivíduo
e tem relação com a formação reticular ativadora ascendente - FRAA).
A localização da FRAA é o tegumento paramediano da parte superior da ponte e
mesencéfalo, que faz projeções para os núcleos paramediano, parafascicular,
centromediano e intralaminar do tálamo.
Tendo como divisor a tenda do cerebelo, pode-se categorizar os locais que levam a
alterações da consciência e suas etiologias. O estudo de Plum e Posner divide tais
alterações em: encefalopatias focais infratentoriais em torno de 15% dos casos;
encefalopatias focais supratentoriais cerca de 20% dos casos; encefalopatias difusas
ou metabólicas e/ou multifocais em torno de 65% dos casos.
Na história clínica e exame físico geral deve-se sempre buscar pistas que ajudem a
verificar a causa das alterações do nível de consciência. IMPORTANTE!!! Deve-se
sempre suspeitar de uma possível lesão na coluna cervical, sendo assim até que
sejam realizados exames radiológicos NÃO SE DEVE TIRAR O COLAR CERVICAL.
a) Nível de consciência
Coma é AUSÊNCIA TOTAL de consciência, ou seja, é uma situação em que o
indivíduo não demonstra conhecimento de si mesmo e do ambiente, tendo
ausência ou extrema diminuição do nível de consciência. Difere do sono
fisiológico, porque o indivíduo não responde a estímulos externos. Sempre
tem instalação aguda.
O coma resulta de lesão ou disfunção da FRAA, do córtex cerebral difusamento
ou de ambos. Sendo que pequenas lesões no FRAA já podem causar o estado
de coma, mas o córtex cerebral precisa de uma grande lesão para causar
coma. Entre o coma e o estado de completa
consciência há vários estados intermediários, como:
sonolência (estado em que o indivíduo pode despertar
facilmente com estímulos leves, ou seja, verbalmente e
se manter desperto por algum tempo, conseguindo
responder perguntas complexas e está LOTE), topor
(precisa de um estímulo mais rigoroso para despertar,
ou seja, estímulo mecânico, responde a perguntas
simples, orientado autopsiquicamente, mas
desorientado alopsiquicamente), estupor (paciente
desperta com estímulos dolorosos e volta a dormir
quase imediatamente após o estímulo cessar).
Contudo, para evitar essa subjetividade surgiu a
Escala de Glasgow. Ela avalia 3 pontos, que são
abertura ocular (pontua de 1 a 4), resposta verbal
(pontua de 5 a 1) e resposta motora (pontua
de 6 a 1). Nessa escala a pontuação zero
não existe.
Por questão ética o estímulo sensitivo
doloroso deve ser realizado em locais
específicos, que são: leito ungueal,
clavícula, músculo trapézio, articulação
temporomandibular. Ademais sempre deve
ser realizado de modo a não deixar marcas
arroxeadas no paciente e outros tipos de
lesão. IMPORTANTE!!! Sempre deve ser considerado o lado que tiver a
melhor resposta para fazer a pontuação.
A escala de Glasgow é útil para atendimento na fase aguda. Sendo que quando
abaixo de 8 é indicado necessidade de intubação orotraqueal e quando o
paciente for receber o transporte inter-hospitalar deve-se intubar com Glasgow
abaixo de 10.
Deve-se ter cuidado com pacientes com transtornos psiquiátricos como
catatonia, transtornos conversivos e afasia (em especial a de Wernicke), pois
essas alterações no conteúdo de consciência podem erroneamente serem
classificadas como alteração do nível de consciência.
Outra escala, bem menos utilizada, que pode avaliar consciência é a escala de
Jouvet. Ela tem como vantagem melhor correlação anatômica (diferenciando
alterações de perceptividade, disfunção cortical, alteração de reatividade e
disfunção de FRAA), mas é de difícil aplicação.
Uma função nervosa superior é a atenção. Ela é a
capacidade de direcionar, preferencialmente, recursos
de processamento mental e canais de respostas a
estímulos relevantes. Sendo a situação clínica em que
há um deficit de atenção de forma aguda o delirium
(estado confusional agudo, diferente de demência, em
que há uma alteração crônica da atenção).
Delirium:
Não possui sinais neurológicos focais como
tremores, mioclonais ou asterixis (flapping). Na grande
maioria das vezes tem origem metabólica e/ou
infecciosa. Tendo como manifestações importantes:
incapacidade de manter atenção, instalação aguda,
alteração do ciclo sono-vigília, incapacidade de manter
coerência de pensamento, incapacidade de executar
uma série de movimentos com objetivo definido.
As causas mais importantes dos estados
confusionais agudos são: encefalopatias tóxico-metabólicas (mais
comum), doenças cerebrais multifocais (meningites, encefalites, anóxia,
vasculites, CIVD, embolia gordurosa e piora aguda de demência tipo
Alzheimer causada por infecções), traumas crânio-encefálico, epilepsia,
massas expansivas (em especial hematoma subdural crônico bilateral)
e lesões focais.
Sobre as lesões focais, elas possuem origem vascular, tendo como
principais regiões afetas: lobo parietal posterior direito, lobo pré-frontal
direito e giro parahipocampal-fusiforme-lingual. Sendo importante
sempre distinguir de alguns possíveis diagnósticos diferenciais, como:
psicose de Korsakoff, depressão, afasia de Wernicke, demência (tem
como critério de diferenciação o tempo de evolução) e psicose aguda
(esquizofrenia ou mania).
O estado vegetativo persistente é definido como um estado crônico ou
subagudo, com duração acima de 2 a 4 semanas, no qual o paciente pode até
recuperar o ciclo sono-vigília e com uma aparente total ausência de cognição.
Sendo que o paciente pode seguir com o olhar, mas sem comportamento
voluntário.
b) Resposta motora
É uma área relativamente extensa. Ela vai do giro pré-central até o bulbo, local
em que decussa e atingi a medula cervical. Normalmente é afetada por lesões
estruturais do SNC. Por isso, a presença de sinais motores focais, geralmente
assimétricos, sugere doença estrutural (tendo como excessos hipoglicemia,
encefalopatia hepática e encefalopatia urêmica, em que podem ser vistas
paresias ou plegias que revertem com a correção do distúrbio).
Avaliação do padrão motor deve ser sistematizada: observando
movimentação espontânea do paciente, como protrusão de língua,
movimentos que possa sugerir crises focais, pesquisa de reflexão ( tanto os
fisiológicos quanto os patológicos, como sinal de Babinski e preensão palmar),
pesquisa de tônus muscular (observando hipo ou hipertonia e paratonia, que
é: é uma resistência ao movimento passivo que, ao contrário da rigidez
parkinsoniana, aumenta com a velocidade do movimento e difere do sinal
do canivete da espasticidade; existe durante todo o movimento e se deve a
uma lesão difusa do prosencéfalo) e observar movimentos causados por
estímulo doloroso (leito ungueal, região supraorbitária e esterno).
Essa observação cuidadosa contribui para caracterizar padrões motores
localizatórios:
Hemiparesia com comprometimento facial: demonstra uma lesão no
hemisfério contralateral.
Hemiparesia com comprometimento facial e paratonia: Sugere
envolvimento do hemisfério contralateral com herniação central
incipiente ou afecção frontal predominante.
Rigidez de decorticação: este padrão é geralmente produzido por
extensas lesões envolvendo o diencéfalo e o mesencéfalo,
normalmente unilateral. Sendo caracterizado pela
postura de flexão e adução dos braços e extensão das
pernas. É importante ressaltar que o paciente
normalmente assume essa posição após estímulos
dolorosos.
Rigidez de descerebração: este padrão ocorre
comumente após lesões bilaterais no mesencéfalo e
na ponte. Sendo explicado fisiopatologicamente por
lesões de vias corticofugais (que faz a inibição da
musculatura extensora) e liberação do trato
vestibuloespinhal e reticuloespinhal pontino, que
estimula a musculatura extensora e inibi a flexora. Há
flexão e adução dos braços e extensão das pernas.
Tem pior prognóstico.
Ausência de resposta: Pode ocorrer em lesões periféricas graves
(exemplo é síndrome de Guillain-Barré, que pode cursar com
comprometimento de nervos cranianos e simular coma), pontina
(síndrome de encarceramento, causada por lesões na porção anterior
da ponte) e bulbar. Por esses motivos é importante estimular o paciente
para obedecer ordens simples, mesmo quando esse está
aparentemente desacordado. Exemplo disso é a síndrome do
encarceramento que apresenta lesão da porção anterior da ponte, o que
compromete as fibras motoras para os membros e musculatura
craniofacial, mas permite a movimentação vertical dos olhos e o piscar.
Ademais a formação reticular não é afetada e, por isso, o paciente está
CONSCIENTE e pode se comunicar através de códigos usando os
olhos.
O exame da motricidade esquelética segue-se, então, com a avaliação
do tônus muscular e dos reflexos. Danos estruturais agudos acima do
tronco resultam em hipotonia assimétrica, enquanto nos casos de
distúrbios metabólicos tais achados são geralmente simétricos. A
presença do sinal de Babinski pode contribuir para o diagnóstico
topográfico do coma, uma vez que pode sugerir uma possível lesão
focal hemisférica.
c) Padrão respiratório
Possui valor relativo, pois é comum que indivíduos em coma tenham alterações
pulmonares e desequilíbrios hidroeletrolítico e ácido-básico. Dessa maneira,
os ritmos respiratórios como mecanismo de localização de alterações
neurológicas não é muito adequado. Contudo, ainda assim vale a pena
caracterizar as alterações respiratórias e as prováveis alterações anatómicas
associadas, são eles:
Apneia pós-hiperventilação: indica alterações telencefálica difusa.
3. Investigação etiológica
É necessário um rastreamento tóxico-metabólico e infeccioso por causa da gama de
etiologias que podem levar a alteração de consciência.
Devemos lembrar que 65% destes são atribuídos à encefalopatia multifocal ou difusa.
Pacientes com encefalopatias e dados que sugerem lesões focais devem sempre ser
submeti dos a exame de imagem intracraniano.
4. Conduta
Na emergência em alterações de consciência deve ser investigar incialmente
hipóteses diagnósticas que possam comprometer precocemente o prognóstico do
paciente. Sendo que oxigênio, glicose devem ser fornecidos precocemente ao
paciente.
É necessário realizar a glicemia capilar, caso
não seja possível, é preciso administrar
empiricamente bolus IV de glicose hipertônica.
IMPORTANTE!!! Antes da administração de
glicose deve ser reposto tiamina, pois se não
realizada pode precipitar a encefalopatia de
Wernicke (caracterizada por confusão mental,
ataxia, alterações de motricidade ocular e até
mesmo choque e coma). Dessa forma, é
obrigatório a administração de tiamina 50 a100 mg
IM ou IV, antes de administrar glicose hipertônica.
Em caso de suspeita de intoxicações por
exógenas por opiáceos ou benzodiazepínicos,
pode-se considerar a administração de antídotos O
uso de naloxona pode reverter coma por uso de
opiáceos, e o flumazenil é útil em casos de
intoxicação por benzodiazepínicos. Também, no
coma hepático, pode haver melhora do nível de
consciência após a administração de flumazenil IV.
Em ambas as situações, a resposta é transitória,
mas tal procedimento é bastante esclarecedor do
ponto de vista diagnóstico, e não como forma de
tratamento.
Morte encefálica:
A confirmação da morte encefálica deve se
basear em 4 princípios fundamentais: perfeito
conhecimento da etiologia da causa do coma,
irreversibilidade do estado de coma, ausência de
reflexos do tronco encefálico e apneia, ausência de
atividade cerebral cortical.
Para o diagnóstico é necessário perceber e
documentar exclusivamente a arreatividade
supraespinal, pois a presença de reflexos
infraespinal não exclui a morte encefálica.
O exame neurológico deve ser repetido para
se confirmar o diagnóstico clínico, antes de solicitar
a confirmação por exame complementar. Sendo
que o tempo entre cada exame deve ser de 6 horas
para maiores de 2 anos, 12 horas para pessoas de
1 a 2 anos incompletos, 24 horas de 2 meses a 1
ano incompleto e de 48horas para pessoas de 7 a 2
meses incompletos.
O reflexo oculovestibular deve ser realizado
como já descrito. Sendo que para morte encefálica
o resultado é a ausência de movimentos oculares.
A prova da apneia é baseada no fato de que
um indivíduo em coma, precisa de maiores níveis de
CO2 para desencadear estímulo
respiratório (até 55mmHg). Tal fato
pode determinar u tempo de vários
minutos entre a desconexão do
ventilador e o aparecimento de
movimentos respiratórios (em caso de
integridade bulbar). O protocolo de
realização é o seguinte: primeiro
ventilar o paciente com O2 100% por
10 minutos, depois desconectar o
ventilador e instalar cateter traqueal de
oxigênio com fluxo de 6 L/min,
posteriormente observar se aparecem
movimentos respiratórios por 10
minutos ou até quando o pCO2 atingir
55 mmHg (colher gasometria arterial
ao final dos 10 minutos).