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SUMÁRIO
Debruçar-se, então, sobre esse contexto significa entender como foi difícil Não por acaso Hannah Arendt chamou o liberalismo de uma teoria do indi-
para esses indivíduos verem-se novamente vinculados a seus grupos sociais de víduo, contraposta ao racismo científico; certamente u m modelo em que o gru-
origem. O fato é que, até então, tal mobilidade ascendente positiva reforçava , mais po era mais determinante e resumia as potencialidad es dos sujeitos isolados. Para
do que negava, a estrutura de estratificação social, uma vez que destacava a ex- ela, o racismo seria, de fato, um modelo de grupo, necessariamente paradoxal
cepcionalidade de certos sujeitos, q ue se distinguiam por sua cultura, cor mais diante do predom ínio das ideologias do indivíduo voluntarista, herdeiras da
branca ou proeminência social de classe. No e:1tanto, e nesse momento de início Ilustração francesa7 •
do século xx, a história seria outra, com a República inaugurando tanto uma li- Foi também nesse mesmo sentido que Louis Dumont concluiu que o racis-
berdad e cidadã como também um modelo classista que igualava, sob a rubrica mo não significava um desvio social do modelo igualitarista liberal e ocidental.
de libertos, experiências sociais muito distintas, e desigualava raças, a partir de Ele seria, sobretudo, uma perversão interna ao mesmo sistema, uma vez que, se-
novas teorias deterministas científicas de análise. Igualdade e liberdade são, por- gundo esse antropólogo, a Hevolução Francesa impusera uma ideologia iguali-
tanto, termos lidos em perspectivas distintas nesses mome ntos marcados pela tária cm m eio a sociedades profunda e in ternamente hierarquizadas º.
transitoriedade, não só política como social. Não se pode esquecer, ainda, o medo que pairava, nesse contexto, com relação
Em contrapartida, vale notar como esse grupo de homens negros livres era a novas formas de escravização ou da volta das antigas. O final do sistema escravis-
bem mais numeroso do que se poderia imaginar à primeira vista. Não era exata- ta era ainda uma realidade próxima e, nessa época, ainda mais paradoxalmente,
mente uma exceção que confirmava a regra. Assim, nessa sociedade escravista e, muito associado à monarq u ia. Não poucos libertos manifestaram suas lealdades a
portanto, sem classes -ao menos no sentido que a modemid&de ocidental cunhou -, uma monarqu ia, mais alegórica e simbólica do que real, mas também suas descon-
cujo prestígio vinha do capital cultural e social acumulado, novos projetos de ele- fianças em relação ao novo regime republicano. Como tudo era muito recente ein-
vação social e de distinção foram se afirmando. Além do mais, havia uma distin - certo, vivia-se um ambiente de muita ambiguidade e igual insegurança.
ção fundamental entre ser escravo, liberto recente, "Treze de Maio';liberto, filho No seminário em tela, discutimos essas questões a partir dos textos de Pedro
de escravos, neto de escravos ou, simplesmente (se é que há algo de simples nis- Cantisano, "Entre Escravidão e Liberdade: Ficções Jurídicas e Consequên cias
so), um cidadão, alheio à sua origem ou cor social. Com a Hepública, porém, sur- Reais no Brasil do Século x1x';que abraçou um ponto de vista da história do di-
gem novas formas de classificação social - misturando -se o estatuto da lei com a reito; e do ensaio de Manuela Areais Costa, "Participação Política, Identidade
certeza da ciência determinista. O resultado é uma clara instabilidade das posi- Negra e Projeções da Memória nas Músicas e Crônicas de Manoel Tranqu ilino
ções, também implicando a emergência de uma variedade de manifestaç ões e Bastos (Cachoeira-BA, 1884-1935)'; que apresentou urna abordagem da história da
iniciativas, caracterizando, assim, essa ordem social em m11dança. cultura afrodescendente, mostrando a intensa participação de um homem negro
Seriam outros, então, os critérios de classificação - o racial inclusive -; o que na vida cultural de uma importante cidade baiana. O texto de Manuela nos recor-
ocasionou uma espécie de tábula rasa diante das antigas distinções cultivadas da que esse tipo de história de vida foi apagado das narrativa s canônicas, que cos-
durante o Império. Agora, libertos era termo de largo alcance e que nivelava ex- tumam invisibilizar o protagonismo de agentes sociais afrodesccn dentes.
periências - culturais, econômicas e sociais - em tudo distintas. . Já Lívia Antunes, em "Memórias da Abolição: O Lugar do Negro na Construção
Éimportante destacar a relevância e penetração do critério racial nos circu1· da História Nacional'; e Matheus Gato de Jesus, em "Negro, porém Hepublic:rnw';
tos intelectuais e políticos de finais do século XIX. Como mostra Leo Spitzer, esse ao abraçarem, respectivam ente, uma perspectiva da história e da sociologia, dis-
tipo de teoria e prática criariam novas formas de hierarquia e estratificação so- cutem a inserção política e a construção da memória dessa invisibilid ade impos-
cial6.Depois de uma era de libertações, vivia-se novamente o embaraço da ex- ta pelas narrativas dominantes, que tornaram os afrodescendentes ausentes de
clusão e o retorno, em bases renovadas (porque biológicas), de modelos de dife- sua própria identidade e vítimas passivas e inermes da sujeição a que estavam
renciação. E não sóno Brasil. De uma maneira geral, as novas práticas científicas submetidos. Matheus descentraliza a discussão, mostrando como, também no
e sociais serviam para justific ar, de maneira renovada, antigas formas de exclu- pouco estudado Maranhão, o surgimento de um novo regime político foi visto
são social.
7. Hannah Arend t, Origens do Totalitarismo, Sã0 Paulo, Companhia das Letras, 2000.
6. Leo Spitzer, Vidasde Entremeio, Rio de Janeiro, Editora UERJ,2001. 8. Louis Dumont, Homo J-lierarchicus, São Paulo, Edusp, i992.
com desconfiança pelos africanos e seus descendentes. Estes, porém, pud eram termos nada têm de ingênuos, e seu emprego sempre inaugura uma cartilha so-
se posicionar frente ao republicani sm o de maneira objetiva, quer dizer, muito cial estrita. No caso das cores, e de seu uso visual , o modelo funciona de forma
afastados de uma visão fantasiosa da monarquia e seus rituais, sempre descritos azeitada, com os tons revelando divisões sociais reafin.1adas e confirmadas pe-
como talhados para alimentar a visão de mundo dos primitivos. los discursos visuais.
Papel semelhante cumpriri a a iconografia científica da época, essencializan-
do raça como conceito monolítico, essencial e fixo. A asc;ociação com outros mar-
O regime visual da raça e do racismo cadores sociais da diferença - como região, origem e gênero - seria fundamental
Já faz algum tempo que a academia vem prestando atenção ao papel das ima- para a construção de conceitos rígidos como a natureza. O exemplo da Vênus
gens - inscritas em telas, fotos, esculturas, mas também moedas, desenhos, em- Hotentote - com suas nádega s e lóbulos de orelha protuberantes - serviria para
blemas, vídeo e dísticos -, e não como mera ilustração. Isto é, não apenas como confirmar o que se queria saber previamente: o atraso das raças diferen tes das
documentos que espelham passivamente a realidade - decoram e a lustram -, euroamericanas.
mas como fontes que muitas vezes constituem essa própria realidade. Sabemos Argumento semelhante desenvolve Tatiana Lotierzo em seu ensaio "Uma
bem quão persistentes e influentes são os estereótipos visuais, as representações Pintura Preconceituosa? Racismo e Estética na Tela A Redenção de Cam".A par-
imagéticas oficiais e populares. E, com efeito, nunca é tarde para ler imagens com tir da análise da pintura de Modesto Brocos Gómez, Tatiane recupera diferentes
o mesmo cuidado dispensado aos textos escritos. regime s visua is de época, que davam um lugar especial à mulher negra, marca-
Sobretudo com relação às assim chamad as questões raciais, sabemos que da por uma suposta inferiorid ade social e cultural, confirmada por u m corpo em
verdadeiros discursos visuais foram se constituindo, de maneira a reforçar e criar tudo extremado: na sensualidade, nos membros, nos formatos arredondados e
linguagens iconográficas sobre o tema, a tela, o gesso, a fotografia. O papel das elevados.
imagens é nesse contexto revelador, no sentido de confirmar, mas igualmente Já Luis Felipe Hirano enfrenta os "corpos hollywoodianos" no seu texto
afirmar, reforçar, naturalizar e essencializar, lugares delimitados. "A Segregação na Forma: Raça, Gên ero, Sexualidade e Corpo na Cinematografia
Vários autores vêm mostrando de que maneira regimes coloniais têm se va- Hollywood iana e Brasileira (1930-1950)". Aqui retorna a mesma questão que lan-
lido desse tipo de discurso visual. Se Edward Said, Homi Bhabha e Mary Louise çávamos anteriormente sobre cor social", ou sej a, esse uso pragmático que se faz
Pratt9 nos mostraram a penetração desse tema, sobretudo na literatura, já auto- da cor, de maneira que a partir dela serão definidas diferentes formas de exclusão
res como Anne McClintock e Sander Gilman'° mostraram de que maneira esse social. Hirano joga com a diferença na delimitação das coresno Brasil e nos Estados
tipo de registro entrou naspráticas cotidianas: tanto na propagan da como na pin- Unidos, atentando para o fato de que não se classificavam da mesma maneira os
tura e também na ciência. atores independ entemente do contexto. No Brasil, um ator de cabelo liso, louro,
McClintock mostra como propagandas de sabão, por exemplo, reforçavam a traços de rosto distantes do padrão caucasiano, seria logo considerado bran co. Já
contraposição entre brancura e escuridão, dualidade essa que reforçava valores nos Estados Unidos, passar- se por branco era falta grave e considerada crime du-
como pureza e peiigo; higiene e contaminação. O sabão, por sua vez, uma ofer- rante o período de segregação racia l. Afinal, se no Brasil é uma certa marca exter-
ta da civilização, limpava as degenerações da raça escura, ligada sempre a esse na - essa gradação de tons e semitons - que define o grupo racial a que pertence
regime de cor social. Sabemos que cores, pensadas dessa maneira, são constru- o indivíduo -, sendo a fronteira entre eles mais porosa e fluida (mas não menos
ções sociais, e encontram-se muito associadas a regimes de hierarquia social. Os perversa), nos Estados Unidos é a origem que define o local social. Não por coin -
cidência, o passíng as whíte levou não poucas vezes à prática de linchamentos.
9. Edward Said, Orientalismo, São Paulo, Companhia das Letras, i995; Homi Bhabha, O Lo- No caso dos atores de Hollywood, ainda mais, a imagem se consolidou e cons-
cal da Cultura, Belo Horizonte, Editora da UFMG, 1998; e Mary Louise Pratt, Os Olhosdo truiu estereótipos que definiram os grupos sociais, reiterando lugarese redefi-
império:Relatos de Viageme Transcu/turação, Bauru, Edusc, i999. .
nindo posições. De toda maneira, nesses dois estudos temos uma demonstração
10. Anne McClintock, Couro Imperial, Campinas, Editora Unicamp, 2010; Sandre G1lman,
"Black Bodies, White Bodies:Toward an Iconography ofFemale Sexuallty in Late Nineteen-
-Century Art, Medicine, and Literature'; em Henry Louis Gates e Kwame Anon Appia '
"Race;Writing, and Dijference: A Criticai Inquiry Book, Chicago, Chicago Umvers1ty Press, u. Vr, entre outros, Carlos Hasenbalg, Nelson do Valle Silva e Márcia Lima, Cor e Estratifica -
1986, pp. 223-261. çao Social, Rio de Janeiro, Contracapa, i999.
das possibilidade s das fontes visuais como documentos influentes, que, como os ficas, que reconstituíram o mundo segundo os conceitos científicos, naturalizan-
demais, devem ser contrastados com outras fontes, mas igualmente usados a par- do as alteridades na linguagem das raças.
tir de suas possibilidad es como registros que estabilizam significados, assim como A maneira como concepções, ideias e conceitos a respeito do lugar dos afro-
os divulgam de forma eficiente. descendentes se deslocaram através dessas viagens, e como influenciaram dife-
rentes formas de ver o mundo, parece ser um dos temas mais desafiadores. Cabe-
-nos, por exemplo, compreender como o Sul dos Estados Unidos, Cuba e Brasil
A perspectiva translocal e transnacional formaram, a partir dos anos de 1830, um grande arco escravista, com suas classes
Uma perspectiva muito produtiv a que vem se estabelecendo nos nossos es- senhoriais solidárias e com interesses similares na manutenção da escravidão e
tudos dos processos de emancipaçã o nas Américas é a da abordagem translocal tolerância ao tráfico de escravos feito de forma ilegal. Como mostrou, por exem-
e transnacion al. Como parece claro para muitos estudio sos das diferentes áreas plo, o historiador Gerald Horne, em O Sul Mais Distante',3 nas décadas que ante-
das ciências humanas, muitas fontes de interesse para o estudo dos acalentados cederam a Guerra Civil norte-americana, Estados Unidos e Brasil estavam tão pro-
movimentos de superação da escravidão se deram em uma perspectiva conecta- fundamente ligados que ele considera que este último era o Sul mais profu ndo
da. Tal evidência, por si própria, já leva a uma série de novos procedimentos. dos Estados Unidos, o cenário no qual as maiores disputas políticas que redunda-
Trata-se, de fato, de impor um desafio ao estudioso, que é o de compreender como ram na Secessão foram jogadas. Tratava-se de estabelecer, com clareza, os negó-
movimentos de ideias, comportamentos, posições políti cas e formas de repre- cios do tráfico de escravos e a permanência de uma sociedade escravista viável.
sentação viaja ram em velocidade maior do que imaginávamos e, já no século XIX, Para o Sul norte-am erica no, a pa rtir da década de 1820 até a anexação do Texas,
achavam-se tão enredados numa perspectiva ampliada, com o mundo atlântico apenas a expansão territorial o salvaria do estrangulamento político interno14 •
surgindo corno meio de difusão e contatos cada vez mais rápidos. Isso nos leva a Ao estabelecer como questão decisiva para as décadas que imediatamente
considerar o problema da montagem de uma infraestrutura de transport e de mas- antecederam e sucederam a Guerra Civil as complexas relações que sulistas e
sas no século XIX e como ela revolucionou as formas de pensar o mundo. nortistas entretiveram com o Império brasileiro, que aparecia na época como o
De fato, a introdução dos trens e navios a vapor, com sua capacidade de trans- grande reduto escravista do hemisfério, O Sul Mais Distante sugere a revisão de
portar pessoas aos milhares, mercadorias às toneladas e ideias novas e frescas muitos temas, entre os quais o da história da própria Guerra Civil. Tendo a ousa-
com uma rapidez impensável, alterou a face do mundo ocidental. Claro que as dia de estabelecer como tema central do palco político e ideológico norte-ame-
Américas já eram resultado, em si mesmas, de uma história do deslocamento de ricano um país estrangeiro, não republicano, visto como pouco civilizado e, so-
europeus, de índios, e, sobretudo, uma história de diásporas - a dos africanos. No bretudo, fortemente miscigenado como era o Brasil, Gerald Horne propõe uma
entanto, até o advento dos trens e do vapor, as viagens oceânicas eram longas, verd adeira reviravolta. Mostrando como o Brasil se tornou tanto o sonhado pa-
penosas e muito arriscadas, e viajar, no geral, era algo raro. Quando Alexander raíso dos interesses expansionistas sulistas que, enlevados pelo Destino Manifesto,
von Humboldt e Aimé Bonpland viajaram pela América do Sul no alvorecer do buscavam novos territórios escravistas, quanto·a meca dos armadores, baleeiros
século xrx, seus relatos foram considerados pelo pú blico europeu como únicos e negociantes nortistas, sediados na Nova Inglaterra, que disfarçados sob a ban-
testemunhos de um mundo distante e desconhecido. Poucas décadas mais tar- deira de comércio internacional com a África ou da pesca da baleia se encarre-
de, literalmente milhares de viajantes escrutinavam o mundo em todos os seus garam da parte do leão do abasteciment o de escravos dos mercados brasileiros
quadrantes, realizando uma nova conquista - ou uma nova forma de conquista, nas décadas de 1830 e i840, e mesmo depois, Gerald Horne mostra cabalmente
a qual Mary Louise Pratt denominou anticonquista por seu perfil aparentemen- que, na verdade, para além do Alabarna ou Mississippi, o Brasil era o verdadeiro
te passivo e classificatório Estamos falando das viagens naturalistas e etnográ-
12
• deep est South - Sul profundo - dos Estados Unidos. Ora reservatório dos negó-
cios e interesses norte-americanos ligados ao tráfico e vinculados aos portos da
Nova Inglaterra; ora espaço preferencial para a expansão territorial sulista, ba-
i2. Mary Louise Pratt, op. cit., i999; e Maria Helena P. T.Machado, "PRATT, Mary Louise.Olhos
do Império: Relatos de Viagem e Transculturação ';Revista Brasileira de História, vol. 20, 13. Gerald I-Iorne, O Sul Mais Distante: Os Estados Unidos, o Brasil e o Tráfico de Escravos Afri-
n. 39 pp. 281-289, 2000. Disponível em: www.scielo.br/pdf/rbh/V2on39/2 990.pdf.Acesso
1
canos, São Paulo, Companhia das Le ras, 2010.
em: 13set. 2017. 14. Gerald Horne, op. cit., 2010.
)
seada na escravidão ou em formas de subordinação provisória - como a da apren- Mas não só o Brasil precisa ser levado em conta aqui. Como bem discutiu
dizagem e colonato - em direção a um sul hemisférico, visto como militarmente Matthew Guterl em seu estudo dedicado à análise dos inter-relacion amentos en-
mal defendido e pessimamente ad mi nistrado; ora como senhor de vastas áreas tre as classes senhoriais sulista norte-americana e a cubana, os proprietários es-
tropicais férteis, adequadas como nenhuma outra à ocupação e à submissão dos cravistas do Sul norte-americano voltava m os olhos para a sociedade cubana com
africanos e afrodescendentes, o Brasil do Império aparece corno centro de arti- ambivalência. Almejavam tanto mantê-la inalterada, pois assim ela sempre repre-
culação e, como bem afirmou Matthew Fon taine Maury, válvula de escape dos sentaria um refúgio possível, como a desprezavam por seu caráter miscigenado '6.
Estados Unidos'5• Fin<ilmente, as perspectivas translocal e transnacional para o período pós-
Esses inúmeros aspectos novos levantados parecem sugerir uma séria re\i- -emancipação devem .;er consideradas. Nesse sentido, os esquemas de imigra-
são de nossas interpretações sobre o tráfico de escravos dos anos de 1830 e 1840 ção de chineses, coolies e indianos para Cuba e Caribe podem mostrar como os
e sobre os motivos que levaram à sua proibição em 1850. Estudando minuciosa - processos de sujeição e resistência vividos pelos escravos africanos e seus des-
mente a atuação de Henry Wise - um dos principais políticos sulistasdo período, cendentes se eternizaram nos esquemas de colonização pós-emancipação, que
escravista convicto e governador da Virgínia responsável pela execução de John transportaram m ilhões de asiáticos para o Caribe e Cuba. Em "Bound Coolies: Os
Brown após o ataque de Harpers Perry - como plenipotenciário norte-americano Indianos Sujeitos na Gu iana'; Marcelo Mello enfoca, a part ir de uma perspectiva
no Brasil nosanos de 1840, Horne, mas também Nícia Vilela Luz, mostra a abran- antropológica e contemporânea, o pa pel dos coolies indianos na sociedade pós-
gência do controle norte-americano sobre o tráfico, ao mesmo tempo que docu- -colonial da Guiana, cujos conflitos reencenam processos de sujeição que remon-
menta a luta que sulistas e nortistas dos Estados Unidos entretiveram com rela- tam às emancipações e seu legado.
ção ao Brasil. Wise, escravista virulento, em sua estadia no Brasil, combateu o Com a apresentação de ricas perspectivas de pesquisa em um encontro mul-
tráfico ilegal com todas as suas forças, sem n u nca atacar a escravidão em si. tidisciplinar e interinstitucional, o seminário Emancipação, Inclusão, Exclusão:
Companheiro de Wise, surge o já citado Maury, o qual militou em prol da imple- Desafios do Passado e do Presente, fase nacional, surge com um proje to piloto e
mentação de projetos de anexação da Amazônia ao Sul norte-americano. bem-sucedido a ser mantido. Seus resultados reforçam o papel da u niversidade
Além disso, como aponta a pesquisa apresentada por Maria Clara Carneiro como espaço de discussão e criação e de circulação de ideias e realização de de-
Sampaio, em "Colonização e Migrações no Pós-Abolição: Os Projetos de Coloniza- bates para além das divisões institucionais.
ção da Guerra da Secessão e o Caso da Ilha Haitiana de A'Vache':que aparece
neste livro, no decorrer do governo de Abraham Lincoln, novas tentativas de ocu-
pação territorial e transferência de população afrodescendente foram ensaiadas
pelos norte-americanos, buscando ocupar territórios no Brasil, América Central
e América Latina, como forma de controle imperialista e exportação da popula-
ção negra, entendida como destinada a habitar o mundo tropical, talhado para
ser colonizado por um norte superior e por uma população vista como natural-
mente tutelável.
Da mesma forma, trabalhando com uma perspectiva transnacional, Luciana
Brito, em "Perspectivas sobre as Relações Raciais nos Estados Unidos através do
(Anti)Exemplo da Sociedade Brasileira" discute de que modo o olhar norte-ame-
ricano sobre a pureza racial olhava a sociedade brasileira, miscigenada, como
exemplo negativo, mostrando com sua incúria a necessidade da manutenção da
separação das raças.
is. Maria Helena P.T. Machado, "O Adão Norte-Americano do Éden Amazôn ico'; em Brasil 16. Matthew Pratt Guterl, American Mediterranean: Southem Slaveholders inthe Ageof Emcm-
no Olhar de William James: Cartas, Diários e Desenhos, São Paulo, Ed usp, 2010, pp. 14-87. cipation, Cambridge, Harvard University Press, 2008.