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A ESCOLARIZAÇÃO DO ESTUDANTE
AFASTADO DAS ATIVIDADES ESCOLARES
PARA TRATAMENTO DE SAÚDE
Campo Grande - MS
2019
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................................................................3
PLANO DE ENSINO......................................................................................................................................4
INTRODUÇÃO.................................................................................................................................................5
V - A FAMÍLIA ...............................................................................................................................................19
CONSIDERAÇÕES........................................................................................................................................37
REFERÊNCIAS...............................................................................................................................................38
APRESENTAÇÃO
Caro (a) aluno (a),
Seja Bem-Vindo (a) as discussões sobre: Atendimento educacional domiciliar, nesta etapa iremos
refletir sobre os aspectos específicos do atendimento educacional afastados da escola em virtude
do tratamento de saúde, mas que se encontram em processo de recuperação em domicilio. Trata-
se de contexto educativo peculiar que apresenta suas especificidades e nuances.
Bom estudo!
3
PLANO DE ENSINO OBJETIVOS ESPECÍFICOS
1) Compreender o campo de atuação.
Disciplina: Atendimento Educacional em Ambiente Domiciliar
2) Reconhecer a escolarização domiciliar como um processo de Educa-
Carga horária: 35 horas ção Inclusiva.
Área temática: Educação e áreas afins 3) Identificar instrumentos legais do direito à educação e dos direitos da
criança e adolescente em tratamento de saúde.
Público-Alvo: Professores, pedagogos, gestores, estudantes e a quem
mais interessar. 4) Promover a reflexão sobre o processo pedagógico oferecido para
crianças e adolescentes em atendimento educacional domiciliar.
JUSTIFICATIVA
5) Promover a compreensão da importância da educação no contexto
A proposta deste módulo é discutir os aspectos relevantes e necessários domiciliar.
ao atendimento de estudantes em tratamento de saúde no âmbito do-
6) Discutir aspectos relacionados ao convívio constante do docente com
miciliar, considerando aspectos éticos, sociais, de saúde e educacionais
a família em espaço domiciliar.
como elementos importantes, no saber docente para atuação no espaço
da família, tendo em vista que a escola irá até a casa do estudante e aden- METODOLOGIA – ORIENTAÇÕES GERAIS 4
trará em seu espaço de intimidade e convívio familiar.
Aula teórico-expositiva.
CONTEÚDOS Estudo de textos e mapeamento conceitual.
Contexto Realização de trabalho como forma de pesquisa.
Amparo legal da educação ao estudante em tratamento de saúde um
AVALIAÇÃO
processo indefinido
Será realizada de forma contínua, através de frequência e participação
Os aspectos éticos
nas atividades escritas, socialização em fóruns; produções e reflexões in-
O espaço do outro dividuais. Observando o nível de coerência com o conteúdo apresenta-
A família do e a capacidade crítica discursiva do cursista.
OBJETIVO GERAL
Reconhecer, analisar e compreender as ações pedagógicas desenvolvi-
das em contexto do atendimento educacional em ambiente domiciliar,
sua legalidade e aspectos didáticos envolvidos.
INTRODUÇÃO
Estudar o atendimento educacional domiciliar exige discussões que envolvem aspectos distintos:
a condição de tratamento de saúde, afastamento da escola, a acolhida da família e as interligações
com o processo de apoio educacional em domicilio. Para além desses aspectos, é necessário refletir
o modo como esse processo se organiza e considerar todas as nuances de se atender um sujeito
que tem sua rotina organizada e determinada pela sua condição de saúde.
Considerando todos estes aspectos, ousamos propor uma reflexão que contempla o contexto
histórico do atendimento educacional domiciliar, o apoio pedagógico domiciliar e seu amparo
legal, ou seja, desde quando a legislação brasileira contempla esta modalidade e quais termos
garantem e validam os atendimentos, ampliando a reflexão. O texto apontará os aspectos éticos do
atendimento em domicilio e a relação direta entre eu (docente) e o outro (estudante e/ou familiar),
focando também na história da família e nas particularidades deste espaço e dessa construção
social, para finalmente discutir, analisar e construir saberes com relação à docência na educação
domiciliar.
Tomaremos como base, para as discussões, textos e estudos de diversas áreas, tais como: filosofia,
5
história, sociologia, direito, saúde e educação, a fim de criar mecanismos de investigação, pesquisa,
estudo, comparação e construção teórica de uma área de atuação docente que ainda exige
construção e formulação de escopo teórico.
Fonte2: https://www.pirai.rj.gov.br/materias/item/577.
4
LEI, Nº. 6.202, DE 17 DE ABRIL DE 1975. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1970-1979/L6202.htm.
5
Lei Nº 6.503, de 13 de dezembro de 1977. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L6503.htm.
6
LEI Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm.
7
LEI Nº 7.692, de 20 de dezembro de 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L7692.htm.
Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada com os sistemas de
saúde, devem organizar o atendimento educacional especializado a alunos
impossibilitados de frequentar as aulas em razão de tratamento de saúde que
implique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou permanência
prolongada em domicílio.
§ 1o As classes hospitalares e o atendimento em ambiente domiciliar devem dar
continuidade ao processo de desenvolvimento e ao processo de aprendizagem
de alunos matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo para seu
retorno e reintegração ao grupo escolar, e desenvolver currículo flexibilizado
com crianças, jovens e adultos não matriculados no sistema educacional local,
facilitando seu posterior acesso à escola regular.
§ 2o Nos casos de que trata este Artigo, a certificação de frequência deve ser
realizada com base no relatório elaborado pelo professor especializado que
atende o aluno. (BRASIL, CNE/CEB, 2001, art. 13).
Enfatizando assim, o dever dos estados e municípios em organizar os seus sistemas de ensino para 10
que garantam o atendimento especializado aos estudantes que se encontram em tratamento de
saúde e, em razão deste, não podem frequentar as aulas em suas escolas de matricula, seja ela,
regular ou especial.
Um ano a mais, 2002, o Ministério da Educação e Cultura – MEC, lança o documento Classe hospitalar
e atendimento pedagógico domiciliar: Estratégias e orientações, documento já mencionado que visa
apontar estratégias de organização para a implementação de serviços de atendimento educacional
a estudantes em tratamento de saúde, por meio de classes hospitalares e do atendimento
pedagógico domiciliar.
Com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva8 (2008), há o
reforço do conceito de inclusão e da necessidade de acompanhamento pedagógico dos estudantes,
mediante ação conjunta entre os profissionais da escola regular e os professores especializados.
Ressaltando o papel do professor no processo de inclusão e no desenvolvimento de programas de
apoio que minimizem as perdas causadas pela ausência da escola.
8
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/
politicaeducespecial.pdf.
Observando o texto legal, entendemos que os estudantes afastados da escola em função de
tratamento de saúde, seja este físico ou mental, têm respaldo legal para dar continuidade a seus
estudos em ambiente domiciliar. Entretanto, a legislação menciona que esse atendimento se dê
quando o afastamento for por longos períodos, porém o que se considera um longo período de
afastamento em termos de conhecimento e aprendizagem? Em virtude desta brecha legal, cada
ente federado organiza o atendimento pedagógico domiciliar como lhe convém e do modo que o
seu sistema de ensino comporta esse atendimento.
No Estado do Paraná, por exemplo, os atendimentos domiciliares ocorrem desde 1999, se
tornam mais efetivos a partir de 2007 com a implantação do Serviço de Atendimento a Rede de
Escolarização Hospitalar – SAREH, e ganham em 2017, uma instrução normativa9 que regulamenta
e dita as regras do atendimento domiciliar. Neste documento constam aspectos relacionados a
legislação, a definição do que é o atendimento, a quem se destina e como o direito se garante, o
aspecto da contratação e vinculação dos professores, os procedimentos necessários para que se
faça o atendimento, enfatizando a orientação médica e o laudo de afastamento das atividades
escolares. E por fim, tratando da organização do próprio sistema de educação para que o direito à
educação dos adolescentes e crianças seja garantido.
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Outro modelo de atendimento educacional domiciliar organizado e estruturado vem da vizinha
Argentina. Lá são criadas Escolas Hospitalares e domiciliares, chamadas de Institutos que se
responsabilizam pelo atendimento seja ele no hospital ou em domicilio. A legislação regulamenta
os serviços escolares hospitalares e domiciliares desde 2006 e envolve os níveis iniciais, primários
e secundários o que equivale no Brasil a Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Porém, as escolas hospitalares argentinas já estavam em atendimento desde 1946, tiveram seu auge
no início dos anos 70 quando o país possuía uma escola em cada hospital, a partir da ditadura (1976-
1983) houve o fechamento das escolas hospitalares e domiciliares que só retomaram seus serviços
a partir de 1989 com duas escolas segundo Álvarez10 (2014). Atualmente, as Escolas Hospitalares
e Domiciliares da Argentina contam com um aporte legal bem definido, e apresentam-se como
modelos educativos inovadores ao levar aos domicílios laboratórios móveis, tecnologia inclusiva e
uma proposta de ensino completamente distinta e aberta que faz a interface com o currículo, mas
pauta-se principalmente na pesquisa e na descoberta como ferramentas do conhecimento.
9
INSTRUÇÃO Nº 09/2017-SUED/SEED. Disponível em: http://www.educacao.pr.gov.br/arquivos/File/instrucoes2017/
instrucao092017sued_seed.pdf
La educación hospitalaria en Argentina: entre la supervivencia y compromiso social. Antonio García Álvarez. In. Foro
10
de Educación, v. 12, n. 16, enero-junio 2014, pp. 123-139. 123, ISSN: 1698-7799 // ISSN (on-line): 1698-7802.
No Brasil, em virtude das grandes dimensões e da variedade dos sistemas educativos o atendimento
educacional domiciliar esbarra nas mesmas dificuldades da educação hospitalar, ainda está em
fase de implementação, embora seja direito não está concretizado em todos os estados e sua
organização é lenta, gradual e depende dos sistemas de ensino, bem como de produção do aporte
teórico e técnico que referencie e respalde as propostas, pois, somente o documento orientador
do MEC e a inserção em legislação educacional não são suficientes para garantir a efetivação de
políticas públicas para essa condição.
Reflexão: na atividade anterior você pesquisou sobre o tempo de afastamento que marca a
necessidade do atendimento educacional domiciliar. Identifique como é a relação de tempo
para garantia do atendimento educacional domiciliar e o tempo da aprendizagem. Como
podemos pensar sobre esta questão e propor alternativas com relação a essa questão?
A educação em domicilio está no limite entre o espaço íntimo e a ação pública, e em razão desta
questão há a exigência de um cuidado ético nas ações e intenções de todo o processo educativo. Ao
cruzar a fronteira do público e adentrar no espaço privado, que é a casa do estudante a dimensão
ética e o olhar atento e cuidadoso dos docentes precisam estar em alerta. Simultaneamente o
espaço de intimidade se torna público e aberto a indivíduos (professores) até então, estranhos ao
convívio diário da família.
O espaço doméstico exige uma preocupação com a questão ética na medida em que o professor
irá se deparar não apenas com a criança/adolescente em tratamento de saúde, mas com toda sua
família, com a rotina da casa, com os animais de estimação, com as lembranças e memórias da
família e toda sua intimidade, além das suas condições socioeconômicas.
Há na rotina do atendimento educacional domiciliar o contato com um universo do estudante que
talvez não fosse aberto na sala de aula comum, e isso exige claramente um compromisso ético e
estético do professor, a delicadeza de ouvir, acompanhar e tratar tudo com carinho sem expor o
que acompanha na rotina dos atendimentos em domicilio.
Segundo Silva (1998), há aspectos da intimidade que, se revelados, não podem ser desvelados a
terceiros, pois quebram uma relação de confiança além de ferirem princípios legais. De acordo com
o autor,
13
É importante tutelar a intimidade, especialmente porque a revelação de certos
aspectos das vidas das pessoas pode por vezes causar discórdia, dor e sofrimento.
Imaginem-se as consequências de revelar a alguém as relações adulterinas do
seu cônjuge; a sua condição de filho adotivo; aos pais, que o filho ou a filha é
homossexual; e muitas outras situações em que a dor e o sofrimento, o profundo
abalo moral, surgem como consequência inevitável de tais revelações. (SILVA,
1998, p.52-53).
Diante de tais afirmações, cabe compreender que a presença do professor em domicilio esbarra
em certos segredos íntimos, mas que cabe também a este profissional o cuidado e a competência
para lidar com a situação. Além disso, é dever do docente ter clareza de que há na Constituição
Federal um artigo que trata do direito a privacidade e é seu papel respeitar o espaço íntimo. O
artigo 5º, inciso X, afirma que: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das
pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Diante deste texto, reforça-se o caráter ético necessário ao apoio pedagógico domiciliar.
De acordo com Guerra (2006), a definição de intimidade envolve questões da vida que não dizem
respeito a terceiros, segundo o autor:
[...] a intimidade é algo a mais do que a vida privada, ou seja, a intimidade
caracteriza-se por aquele espaço, considerado pela pessoa, como impenetrável,
intransponível, indevassável e que, portanto, diz respeito única e exclusivamente
à pessoa, como por exemplo, recordações pessoais, memórias, diários etc. Este
espaço seria de tamanha importância que a pessoa não desejaria partilhar com
ninguém. São os segredos, as particularidades, as expectativas, enfim, seria o que
vamos chamar de o “canto sagrado” que cada pessoa possui. (GUERRA, 2006, p.06).
Assim, o papel do professor se define e se organiza a partir de sua função docente, mas atrelada
a ela, há a exigência de um princípio norteador e balizador do seu agir que é a ética como ação e
procedimento.
Porém, o que é ética e por que tratar tão claramente dela no contexto educacional domiciliar, como
se tal conceito não fosse importante em outros espaços educativos também. A grande questão
contextual é a individualidade e inserção no espaço da intimidade do outro, o que exige um rigor
técnico do docente e princípios éticos muito bem apurados.
Segundo Arroyo (2007, p.04), até mesmo na Paidéia a pedagogia se interroga sobre a formação ética
do cidadão da polis, sobre o que é ético e o que deixa de sê-lo, sobre a formação do sujeito virtuoso.
Entretanto, essa discussão não se fixa apenas nos termos, é necessário investir na construção teórica
e de postura humana, para que essa postura seja uma postura ética. Arroyo (2007) discute a ética
e o comportamento docente como constructos que devem ser trabalhados durante a formação
acadêmica e profissional. Para o autor,
Diante de tais apontamentos, nos cabe refletir sobre o momento em que o aspecto ético tão
urgente e necessário será discutido, compreendido e colocado em prática na ação docente.
Porém, no próprio fazer pedagógico o componente ético aparece com um outro elemento associado
a ele, a dicotomia ética/moral. Em uma indefinição de termos e conceitos. Para La Taille, Souza e
Viziolli (2004, p.98) moral e ética não são termos que precisam ser necessariamente empregados como
sinônimos. No entanto, não são discutidos e entendidos na educação em todos os seus aspectos.
De acordo com os autores, pode-se falar em moral para designar os valores, princípios e regras
que, de fato, uma determinada comunidade, ou um determinado indivíduo legitima, e falar em ética
para se referir à reflexão sobre tais valores, princípios e regras. (LA TAILLE, SOUZA e VIZIOOLI, 2004,
P. 98). E estabelecer um parâmetro de estudo e discussão em linhas distintas filosofia e ciência,
compreendendo como tais conceitos interferem e fazem parte do contexto e do processo
educativo. Ainda segundo os pesquisadores,
A segunda diferença que se faz entre moral e ética não incide sobre o grau de
abstração de uma em relação à outra (na definição anterior, a ética estaria em
nível superior), mas sim sobre duas problemáticas diferentes, embora certamente
indissociáveis. A moral referir-se-ia à dimensão do dever, enquanto a ética diria
respeito à dimensão da felicidade. (LA TAILLE, SOUZA e VIZIOOLI, 2004, P. 98).
Assim, poderíamos entender que a dimensão pedagógica exige tanto princípios éticos, como
princípios morais, para que o processo educativo cumpra seu papel de formador de sujeitos
atuantes no desenvolvimento da cidadania. A compreensão do dever docente para com o sujeito
em atendimento educacional hospitalar e domiciliar perpassa também o conceito ético desse
docente com relação a todo processo de escolarização, tratamento de saúde e estabelecimento
de relações educativas.
No campo educacional, ética e moral agem como balizadores das ações de docentes e estudantes
em todos os níveis do processo. Porém Rodrigues (2001), ressalta que ao mesmo tempo que há
uma determinação de papéis e ações tais conceitos podem determinar as finalidades do processo
educativo. 16
Ao definir os atributos do ato educativo como o de preparar os indivíduos para
a vida social, institui-se um parâmetro universal sobre os fins da Educação.
E esse parâmetro pode ser expresso em um outro discurso paralelo e a ele
correspondente: o de formar os indivíduos para o exercício da Cidadania. O que
se coloca como fim ou finalidade da ação educativa constitui-se, ipso facto, em
seu próprio conceito. Um exame mais acurado dessas proposições indicaria que,
por esse caminho conceitual, o discurso educativo acaba se convertendo numa
proposição tautológica, e coopera para enfraquecer a construção de um bom
entendimento a respeito do que seja a Educação. (RODRIGUES, 2001, p. 234).
A partir dos versos de Sá-Carneiro (1914), poeta do início do século XX, iniciamos as discussões
17
sobre o espaço do atendimento educacional domiciliar e o espaço do outro, a casa do estudante.
Nessa perspectiva, pensamos a educação enquanto processo de mediação, metaforicamente
traduzindo como uma ponte que liga o conhecimento escolar ao conhecimento da vida, da saúde,
da medicação e de muitas outras coisas necessárias à vida. Assim, a educação se constitui em um
elo de ligação com o outro, com o mundo e com os outros. Para Gallo (2015), não há como pensar
a educação sem a relação dos sujeitos envolvidos.
[...] educar significa lançar convites aos outros; mas o que cada um fará – e se
fará – com estes convites, foge ao controle daquele que educa. Para educar,
portanto, é necessário ter o desprendimento daquele que não deseja discípulos,
18
que mostra caminhos, mas que não espera e muito menos controla os caminhos
que os outros seguem. (GALLO, 2015, p. 15).
Isto posto, nos cabe compreender que na educação hospitalar e domiciliar, lançamos sempre
um convite a descoberta, ao estudo, ao conhecimento, a pesquisa e ao prazer da aprendizagem.
Aprendizagem esta, que é construída num processo de mediação qualificada, consciente e pontual.
Ainda nesta linha de pensamento, Paulo Freire nos faz refletir ao apontar que:
[...] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é
educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.
Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que
os “argumentos de autoridade” já, não valem. (FREIRE, 1987, p. 44).
19
Observando e analisando a sociedade podemos perceber que ela não existe sem um dos seus
elementos que, a priori, é o mais importante, a família. A organização grupal é um fato natural e
sempre ocorreu na existência dos seres humanos, embora seja modificada de tempos em tempos
a família dificilmente deixará de existir.
Esse grupo social, denominado família, sofreu muitas modificações e ainda assim continua existindo.
Dessa forma, cada pessoa possui um conhecimento a respeito de uma família; conhecimento este
que vai se modificando pela ação da própria sociedade e principalmente pelo papel dos meios de
comunicação que informam as modificações e alterações que ocorrem frequentemente alterando
as instituições familiares.
De um período de enfraquecimento da família; a sua supervalorização e declínio há longas histórias
que valem ser consideradas para que possamos entender o perfil dual de família que a sociedade
criou e assim interagir com o contexto de ação docente.
As primeiras ideias de representação da família aparecem quando a idade média retrata os ofícios,
embora não seja a intenção, a família é aí representada porque marca a contribuição nas atividades
dos homens e da vida dos trabalhadores. Nessa época, a família é uma imagem discreta, pois a
intenção é mostrar o trabalho e a importância dele na vida do homem.
Somente a partir do século XVI, que as mulheres começam a fazer parte das representações; sendo
vistas em dois papéis bem distintos: a dama do amor cortês ou a dona de casa. Começou nesse
mesmo período a representação do trabalho doméstico, quebrando a imagem de que a mulher
é o ser ocioso. Já no final do século XVI, toda a família faz parte das atividades camponesas e é
representada nas imagens, pinturas da época, participando do trabalho cotidiano.
A ideia de família e a sua representação se constituem como elementos importantes, quando
surge uma nova simbologia para retratar as fases da vida; marcadas no século XV, por imagens
que representam uma criança, um casal e um velho. Logo adiante, a representação passa a ser
20
de um conjunto de elementos; mostrando uma representação familiar. Assim,, se entendermos
a família como uma instituição social, percebemos que ela é, com toda certeza, a mais antiga das
instituições, fundada pelo próprio homem em sua natureza, através da história e da cultura.
De uma família medieval quase sem importância e representatividade, nas famílias atuais
encontramos várias formas de representação desse grupo. Se analisarmos a idade média, por
exemplo, percebemos que a família não era um fator relevante para ser representado de alguma
forma seja na literatura, nas artes ou outro meio. E a partir do século XVI, as imagens desse grupo
ficam explícitas, e ele recebe uma nova importância, já que suas ações vão estar centradas a partir
desse período na criança.
Acompanhando os estudos de Ariès (1998) verificamos que no século X, a família era um grupo
reduzido baseado em uma única célula conjugal sem muitos laços de ligação. Nos séculos seguintes,
os laços familiares começaram a se modificar por dois fatores interessantes, uma lei do estado que
obrigava os homens a se agruparem mais estreitamente. Nos séculos, a ideia de família passou a
existir como um sentimento de proteção entre as pessoas do mesmo grupo. Foi nesses séculos que
os bens de herança passaram a ser comum e não poderiam ser vendidos, gerando assim famílias
imensas reunidas em um mesmo ambiente.
Já no século XIII, a situação se inverteu e em função das condições financeiras, as famílias voltam a
ser independentes, porém os laços familiares ainda se mantêm. O sentido de família é diretamente
relacionado à casa, seu governo e sua vida. Até o final do século o que se entendia por família era
a linhagem do indivíduo sem que isso tivesse muita importância social.
Entretanto, é somente no século XIV, que os novos modelos familiares começam a surgir e revelam
a origem da família moderna, que em partes ainda se assemelham ao modelo dessa época.
No século XVIII, a família é reconhecida como um valor social do homem e é exaltada em toda
sua forma e emoção; sentimento este que cresceu em torno da família conjugal formada por pais
e seus filhos. A grande família ou a família patriarcal formada por avós, tios, primos e etc. é uma
criação dos dois últimos séculos e da cultura tradicional.
Quando a sociedade começou a reconhecer o valor da família, muitas áreas da ciência viram esse
grupo social como objeto de estudo. Tais estudos mostram com muita clareza, todo o processo de
transformação pelo qual a família passou.
Como a família é, em grande parte, a responsável pela formação e repasse de valores morais, éticos 21
e sociais ao indivíduo, vale considerar que em cada época temos diferentes modelos familiares,
que vão formar uma consciência coletiva diferente. Porém, a modernidade nada mais é do que o
resultado de uma nova adaptação às condições que a sociedade passou a exigir.
Entre os setores da sociedade que mais sofreu modificações, a família vai dos casamentos precoces
à prostituição infantil, dos casamentos indissolúveis aos divórcios e o convívio dos filhos com as
novas uniões que se formam. Cada época conhece suas transformações familiares, em grande parte
evidenciada pelos meios de comunicação com tecnologia avançada, pelo progresso na agricultura
e na industrialização.
A partir de 1970, com o aumento e autenticidade da produção sociológica sobre a família, a
sociedade passou a conhecer os fatos e fatores de evolução da família, de acordo com a história,
permitindo assim, uma análise estatística mais detalhada do comportamento familiar.
O parentesco das sociedades ocidentais reaparece com grande força e fica marcado na paisagem
demográfica e social. Em primeiro lugar o aumento da expectativa de vida faz com que várias
gerações estejam presentes no contexto familiar. Sendo assim, as representações coletivas geradas
socialmente passam a se alterar em função desse novo perfil. Para compreender a estrutura familiar,
as linhas sociológicas propõem que os estudos sejam feitos observando a esfera dos costumes, do
direito, dos hábitos, pois algumas informações sobre o costume da herança, por exemplo, podem
mostrar, de forma mais clara, a constituição da família.
Dessa forma, a família é entendida como espaço de posições sociais, e surge como uma construção
ideológica, uma abstração, um domínio desencadernado que supõe uma total ausência de
variedade de modelos.
Enquanto a interrogação global se refere às relações entre organização familiar e mudança social,
uma outra vertente analisa a família a partir de conceitos de industrialização e urbanização,
mostrando perspectivas similares da nova organização familiar.
Para Freire L. (2017), a ideia de família está relacionada também a construção conceitual do próprio
termo e aos aspectos culturais,
A família talvez seja uma das instituições mais antigas da vida no planeta. Os
antropólogos e arqueólogos já encontraram rastros dessa forma tão peculiar
que diga-se de passagem, não é privilégio do Homo sapiens. Desde muito
cedo no planeta, talvez até porque a família está intrinsecamente relacionada
22
à reprodução, enquanto seres vivos, a família existiu. O homem pré-histórico,
evidentemente, logo sentiu a necessidade de constituir uma “família” para poder
ter mais potência e dominar as forças da natureza e, assim, milênios mais tarde
criar o que para nós, seres humanos, nos é tão precioso: a cultura. Família está
muito estreitamente relacionada com a cultura, não existe família sem cultura,
assim como também não existe cultura sem família. (FREIRE, L. 2017, p.176).
Ao apontar que os aspectos culturais têm relação direta com a família, o autor nos faz refletir sobre
a relação do docente no atendimento educacional domiciliar e a relação direta deste docente com
a cultura da família, seus valores, seu modo de organizar e pensar a vida, entre outros aspectos. Tal
reflexão retoma a discussão dos princípios éticos e morais envolvidos no atendimento educacional
hospitalar e domiciliar.
Compreender a família como um constructo social responsável pelos cuidados de uma criança ou
adolescente, em especial numa situação de tratamento de saúde, exige a clareza de que é a família
que apresenta papel essencial no desenvolvimento do indivíduo, é a partir dela que o sujeito se
constrói como humano, cresce e se desenvolve.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (BRASIL, 27/09/1990) aponta que a base familiar
é de significativa importância para o desenvolvimento da criança, com a função de ajuste físico,
mental, moral, espiritual e social, resguardando sempre, a dignidade dos menores. Cabe ainda a
família as obrigações referentes a educação e a escolarização. Conforme o artigo 53, que trata dos
direitos à Educação, Cultura, Esporte e Lazer, a família deve acompanhar e participar das propostas
pedagógicas e processos que envolvem a formação de seus filhos.
Logo, a ação docente em ambiente domiciliar é organizada pelo viés da participação e atuação da
família, tanto no cuidado com o sujeito em tratamento de saúde, como na atenção e valorização
do processo de escolarização. Acreditamos, diante dessa discussão, que o professor tem papel
essencial no desenvolvimento de uma proposta pedagógica domiciliar ao compreender as
dinâmicas de organização e respeitar as condições desse espaço de atuação.
Para refletir: leia a letra da música Família, de Fábio Correa Ayrosa Galvão, e discuta qual
a ideia vinculada à família na atualidade e como é entendida, por você, a diversidade de
composições familiar?
Família
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Família é coisa mais maluca que eu conheço
Família tem cheiro, tem cor, tem endereço
Família pode ser a minha, pode ser a sua
Família se constrói em casa, e também na rua
Família é uma pessoa que vem com defeito
Família pode ser do seu ou do meu jeito
Família é um instrumento difícil de tocar
Família parece casa, mas é um lar
Família eu sou, família amor
Família eu quero, tô sendo sincero
Família é fonte de amor inesgotável
Família é um monte de dor inexplicável
Família faz coisas que ninguém explica
Família não vai embora, família fica
Família as vezes briga quase todo dia
Família se você não escolhe, devia
Família é tempestade num copo d’agua
Família magoa, mas perdoa toda mágoa
Família eu sou, família amor
Família eu quero, tô sendo sincero
Família é assim mesmo, família é uma doideira
Família é pra hoje, pra agora e pra vida inteira
Família é uma luz, um porto seguro
Família é passado, presente, futuro
Família eu sou, família amor
Família eu quero, eu tô sendo sincero.
(GALVÃO, 2015).
25
Inegavelmente a família faz parte do processo educativo, o atendimento educacional hospitalar e
domiciliar essa relação se acentua e se aproxima, exigindo do docente, habilidades que se diferem
do rol didático corriqueiro. Há na nova rotina uma gama de saberes, de tempos, de dúvidas e de
descobertas que são compartilhados entre estudante, professor e familiar que acompanha as aulas.
Para Borges (2009), o ato educativo pauta-se na função materna como condição para que o
educador tenha laços identificatórios, para que seu discurso se sustente. (BORGES, 2009, p. 07).
Assim, a relação da escola com a família estabelece uma conexão com todos os aspectos humanos,
e cria uma relação triangular que envolve diretamente o conhecimento que se constrói com base
nestes aspectos.
VI - A docência na educação domiciliar
Embora a escola tenha especificamente o caráter de lidar com o aspecto pedagógico. Há inúmeros
recursos didáticos que auxiliam no desenvolvimento cognitivo e psíquico, levando o sujeito a
mudar o foco e enfatizar a possibilidade de desenvolvimento do conhecimento, da descoberta da
literatura, da arte, dos jogos, da música, etc., fazendo com que o centro de interesse não seja a
doença. Daí a importância da inserção dos programas de escolarização em hospitais e domicílios
entre outros espaços. É inegável o benefício do processo educativo, Matos e Mugiatti (2014),
destacam ainda:
O que mais importa é que a criança ou adolescente hospitalizado venha receber,
sempre e com o máximo empenho, o atendimento a que fazem jus, nessa tão
importante fase da vida, da qual depende a sua estrutura, enquanto pessoa e
cidadão. (MATOS e MUGIATTI, 2014, p. 65).
Ou seja, a atuação docente com o sujeito em tratamento de saúde exige um profissional que escute
suas necessidades, e faça o processo de modo diferenciado: organizando, adaptando, priorizando
aspectos que envolvem brincar, pesquisar, descobrir, criar, em que o interagir com o professor e
com o conhecimento, seja um momento prazeroso de tal modo que amenize o sofrimento do
adoecer e de estar afastado da sua rotina.
A condição de tratamento de saúde impõe uma série de restrições que vão do afastamento da
escola e de suas atividades ao distanciamento da rede de convívio social e familiar. Segundo
Moreno (2015), é necessário que tenhamos a compreensão do que é o adoecimento e de como
acompanhar esse processo.
Marcando assim, a projeção de uma teia de atenção ao desenvolvimento escolar que integra
multiplas possibilidades e que exige ações de todos os sujeitos envolvidos. Trazendo claramente
o conceito e a perspectiva de uma escola inclusiva e centrada nas necessidades individuais,
onde cada sujeito (estudante) é compreendido a partir do seu nível de conhecimento, da sua
escola de origem, do seu tratamento de saúde, do seu currículo específico e do seu processo de
desenvolvimento cognitivo, social, emocional, afetivo, etc.
Ao considerarmos o direito à educação dos sujeitos, em tratamento de saúde, inseridos nos
programas de atendimento educacional hospitalar e domiciliar, é necessário compreender que
essa escola exige uma reconfiguração. Covic e Oliveira (2011) afirmam que:
[...] a escola que atenda a essa demanda não está posta, no entanto,
compreendemos que possa acontecer com um processo de aprendizagem por
ressignificação de seus espaços, tempos, horizontes, concepções, posições e
formação. Ressignificar, compreendido aqui, como o processo criativo de atribuir
novos significados a partir daquele já conhecido, validando um novo olhar sobre
o contexto em que o sujeito está imerso. Em termos mais concretos, nessa ação
temos o moto mudança/permanência. (COVIC e OLIVEIRA, 2011, p. 27).
30
Fonte: http://das.prodegesp.ufsc.br/portaria-licenca-para-tratamento-de-saude.
Iniciamos nossa reflexão partindo do princípio de que ninguém quer ficar doente, entretanto
a doença acontece e com ela, vem uma série de procedimentos e questões que precisam ser
resolvidas. De acordo com Rubio (2001), grande parte das necessidades educativas domiciliares
e das defasagens de aprendizagem, está associada às doenças crônicas e enfermidades de longa
duração, ou seja, é o tratamento da doença crônica, da doença grave que exige maiores períodos
de afastamento da escola.
Segundo Albertoni e Chiari (2014), a tipologia das condições de saúde faz-se a partir da forma
como os profissionais da saúde se organizam nos cuidados e manifestação das doenças. Ou seja,
tal determinação considera fatores como transmissão, contágio, tempo de tratamento, formas de
tratamento, entre outros aspectos. Para as autoras,
Dessa forma, os estudos brasileiros, corroboram com o que apontou Rubio (2001) ao enfatizar que
é a doença crônica a que exige mais tempo de afastamento das atividades regulares e pressupõe
maior atenção da saúde e da família nos cuidados.
Há inúmeros fatores que envolvem as doenças e suas múltiplas causas. Assim como, apresentam
também um conjunto de sintomas que muitas vezes vão se associando e desencadeando a exigência
de muitos cuidados. Essas ocorrências são comuns em cardiopatias, nefrologias, síndromes raras e
casos oncológicos, por exemplo.
Outra questão importante relacionada à doença crônica envolve o quadro de instabilidade, há
momentos mais críticos em que a doença se manifesta de forma aguda e requer tratamentos
emergenciais e outros momentos em que o tratamento é de manutenção, acompanhamento ou
protocolar como nos casos de tratamento oncológico, em que há um tempo longo de medicação,
acompanhamento, afastamento da escola para que o tratamento seja feito.
31
Porém, o afastamento em virtude do tratamento de saúde acarreta uma série de dificuldades.
Holanda e Collet (2012, p.35), evidenciam em sua pesquisa que os estudantes com uma doença
crônica apresentam, uma baixa frequência na escola e [...] dificuldades para acompanhar o curso
regular durante o tratamento. Reforçando apontamentos já feitos por outros autores, de que há
comprovações da dificuldade de manutenção da sequência de conteúdos da escola regular, da
regularidade das avaliações e de acompanhar efetivamente as discussões, conteúdos e propostas
desse processo escolar.
Fonseca (2008) elenca um conjunto de fatores que envolvem a criança / o adolescente em
tratamento de saúde. Para a autora, o sujeito que passa por uma hospitalização e tem uma
problemática de saúde para resolver, sente-se angustiado com relação a frequência escolar, suas
atividades e até mesmo com relação a matrícula e ao vínculo com a escola. E isso pode interferir
claramente na sua percepção de si e do mundo. Fonseca (2008) defende ainda que a criança da
escolarização hospitalar é uma criança de risco.
Risco à sua saúde mental. Risco em relação à visão que seus familiares possam ter
dela. Risco a sua autoestima. Risco a utilização plena de seu potencial, apesar das
limitações impostas adoecimento. E não seria uma criança de risco uma criança
portadora de necessidades especiais? (FONSECA, 2008, p. 34).
Atividade de reflexão: nesta etapa você terá duas sugestões de filme, para refletir sobre o
cotidiano de uma pessoa que tem o curso da sua vida alterado em função de uma situação
de saúde.
Atividade
Opção 1. O escafandro e a borboleta.
Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=sex6LWH_0lU.
Opção 2. Como eu era antes de você.
Disponível em: https://www.youtube.
com/watch?v=QC8jtNWYvRA.
O aspecto pedagógico no atendimento educacional domiciliar
Fonte: https://www.dicionariodesimbolos.com.br/simbolo-pedagogia.
33
Iniciamos as discussões deste tópico retomando o texto do MEC (2002), que indica a finalidade do
atendimento educacional domiciliar.
Para refletir: Ouça a música “Pra ser feliz”, e procure respostas sobre o processo de inclusão
e escolarização. Que relações podemos estabelecer entre a canção e os conceitos de
educação discutidos no capítulo? 35
37
Reflexão: finalizamos esta etapa, com um convite ao estudo, a reflexão, a pesquisa e a
descoberta de novos caminhos. Leia o texto “O ato de estudar” e reflita como esse processo
se organiza na tua carreira acadêmica e docente.
O ato de estudar
Tinha chovido muito toda a noite. Havia enormes poças de água nas partes mais
baixas do terreno. Em certos lugares, a terra, de tão molhada, tinha virado lama.
Às vezes, os pés apenas escorregavam nela. Às vezes, mais do que escorregar,
os pés se atolavam na lama até acima dos tornozelos. Era difícil andar. Pedro e
Antônio estavam transportando numa camioneta cestos cheios de cacau para
o sítio onde deveriam secar. Em certa altura, perceberam que a camioneta não
atravessaria o atoleiro que tinham pela lente. Pararam. Desceram da camioneta.
Olharam o atoleiro, que era um problema para eles. Atravessaram os dois metros
de lama, defendidos por suas botas de cano longo. Sentiram a espessura do
lamaçal. Pensaram. Discutiram como resolver o problema. Depois, com a ajuda
de algumas pedras e de galhos secos de árvores, deram ao terreno a consistência
mínima para que as rodas da camioneta passassem sem se atolar. Pedro e Antônio
estudaram. Procuraram compreender o problema que tinham a resolver e, em
seguida, encontraram uma resposta precisa. Não se estuda apenas na escola.
Pedro e Antônio estudaram enquanto trabalhavam.
Estudar é assumir uma atitude séria e curiosa diante de um problema.
Esta atitude séria e curiosa na procura de compreender as coisas e os fios
caracteriza o ato de estudar. Não importa que o estudo seja feito no momento e
no lugar do nosso trabalho, como no caso de Pedro e Antônio, que acabamos de
ver. Não importa que o estudo seja feito noutro focal e noutro momento, como
o estudo que fazemos no Círculo de Cultura. Em qualquer caso, o estudo exige
sempre esta atitude séria e curiosa na procura de compreender as coisas e os
fatos que observamos.
Um texto para ser lido é um texto para ser estudado. Um texto para ser estudado
é um texto para ser interpretado. Não podemos interpretar um texto se o lemos
sem atenção, sem curiosidade; se desistimos da leitura quando encontramos a
primeira dificuldade. Que seria da produção de cacau naquela roça se Pedro e 38
Antônio tivessem desistido de prosseguir o trabalho por causa do lamaçal?
Se um texto às vezes é difícil, insiste em compreendê-lo. Trabalha sobre ele como
Antônio e Pedro trabalharam em relação ao problema do lamaçal. Estudar exige
disciplina. Estudar não é fácil porque estudar é criar e recriar é não repetir o que
os outros dizem. Estudar é um dever revolucionário! (FREIRE, 1989, p. 33).
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