Sei sulla pagina 1di 14

Cult ura, Poder e Reações à Mudança n

Cultura, noo
Processo de Implantação do M odelo
Modelo
Organizacional de Células Semi-autôn omas:
Semi-autônomas:
um Est udo de Caso em uma Empresa do Ramo Industrial
Estudo

Marilene Zazula BEATRIZ


Coordenadora do CIMA – COORDENAÇÃO DE Integração Mercado Aluno
Universidade Tuiuti do Paraná
marilene.zazula@utp.br

Resumo Abstract
No presente artigo, buscou-se identificar se a The present article aimed to investigate if the
cultura organizacional, representada a partir dos organizational culture, represented by values, and
valores, e se as dependências de poder por meio if power dependence, indicated by organizational
dos interesses organizacionais atuaram como interests acted as a source of acceptance and/or
fonte de aceitação e/ou de resistência à resistance regarding the implementation of the
implantação do Modelo Organizacional de Organizational Model of Semi-autonomous Cells,
Células Semi-autônomas, realizada entre 1999- carried out between 1993-2003. The research is
2003. A pesquisa constitui um estudo de caso de a case study focusing on a Brazilian multinational
uma multinacional brasileira, líder de mercado, that has a leading position in the market and 4,870
possuindo 4.870 funcionários na região employees in the metropolitan region of Joinville,
metropolitana de Joinville (SC). Para o state of Santa Catarina. Data were analyzed by
tratamento dos dados, empregaram-se means of descriptive-qualitative procedures. The
procedimentos descritivo-qualitativos. O nível de level of analysis is organizational, and the unit of
análise é o organizacional, e a unidade de análise analysis is formed by directing and operational
é formada por grupos: dirigente e operacional. groups. It was possible to conclude that the
Pôde-se concluir que a Empresa em questão organization in question reacted in a resistant way
reagiu de modo resistente tanto em relação aos in relation to organizational values as well as
valores quanto aos interesses organizacionais, já interests, as both of them promote system
que ambos promovem a perpetuação do sistema, perpetuation, more strongly at the beginning of
mais fortemente no início do processo. No the process. During its implementation, there
decorrer da sua implantação, ocorreram were modifications in the organizational values
alterações nos valores organizacionais para a favoring the reaction of acceptance, but the
reação de aceitação, permanecendo resistente no organization remained resistant concerning
que compete às dependências de poder. power dependence.

Palavras-chave: Cultura Organizacional – Key-words: Organizational Culture – Semi-


Células Semi-Autônomas - Poder. Autonomous Cells – Power.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7 71
CULTURA, PODER E REAÇÕES À MUDANÇA NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO MODELO ORGANIZACIONAL DE CÉLULAS SEMI-AUTÔNOMAS:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO RAMO INDUSTRIAL

1 Referencial teórico 1.2 Valores e interesses organizacionais


1.1 Base teórica-empírica Em uma organização, podemos encontrar tanto
O tema da mudança organizacional ganhou grupos bastante integrados como grupos
preeminência em razão do aumento da velocidade fortemente fragmentados em relação à realidade
das macromudanças, que forçou as organizações e a como a organização deveria ser. O foco
a aumentar o seu grau de preocupação e atenção principal está em saber de que modo a experiência
diante desses processos. se torna significativa, incluindo “[...] como os
Vários estudos surgiram nas últimas décadas para indivíduos interpretam e entendem suas
captar, estudar e compreender o fenômeno da experiências e de que forma essa interpretação é
mudança organizacional. E cada vez mais, esse ligada à ação” (SMIRCICH, 1983, p. 351).
processo demanda do pesquisador novas
habilidades para apreender o movimento, que A literatura pertinente demonstra que os valores
transcorre de modo tão abrangente e veloz, que organizacionais são considerados componentes
Fleury e Fleury (2001) o compararam a uma primários da cultura organizacional (ZAZULA
montagem de quebra-cabeça com a estrutura de BEATRIZ, 1998), e a partir desse raciocínio
um caleidoscópio, que assume novos contornos adotar-se-á, nesta pesquisa, a concepção de valor
cada vez que um novo movimento acontece. Esses como elemento de identificação da cultura. Nesse
movimentos podem-se referir à forma como sentido, Morgan (1996, p. 131) observa que nas
ocorrem na organização, ou seja, de maneira organizações “[...] existem freqüentemente
planejada, ou emergir dela. Na primeira situação, sistemas de valores diferentes que competem
a implementação do processo de mudança requer entre si e que criam um mosaico de realidades
a especificação antecipada. Já na segunda, pode organizacionais em lugar de uma cultura
ser um fenômeno inesperado, porquanto a corporativa uniforme”. É o caso, por exemplo,
mudança é o resultado da combinação de fatores de grupos profissionais com valores corporativos
históricos, econômicos e políticos (WILSON, e diferentes visões de mundo e do negócio da
1992; FISCHER, 2002). Outros estudos apontam organização, e também de grupos sociais ou
que a mudança pode ser incremental ou estratégica étnicos que podem dar origem a diferentes regras
(HININGS & GREENWOOD, 1988; NADLER
e padrões de comportamento, influenciando
& TUSHMAN, 1990; SIMS et al.,1993). A
sobremaneira o funcionamento da empresa.
primeira é de pequeno e médio alcance, atingindo
a organização somente em alguns aspectos Os valores da empresa podem constituir a fonte
organizacionais. Já a mudança estratégica tem de referências, quando as regras não são mais
como objetivo a modificação profunda e suficientes, e servem de guia para escolher e
significativa no que tange à estratégia, à estrutura, fornecer significados a várias ações e metas
às pessoas, aos processos e, em algumas situações, (ENZ, 1986, 1988), em especial, quando regras,
aos valores organizacionais. Tais mudanças são normas e procedimentos da organização não são
vitais para a existência das organizações e, claros e/ou suficientes perante situações novas
geralmente, originam-se de pressões do meio
e/ou inesperadas (THÉVENET, 1991). Os
ambiente. Nadler e Tushman (1990) ainda
valores, uma vez aceitos e compartilhados na
incorporam, em sua categorização, o caráter
organização, têm por característica natureza
reativo das mudanças, que corresponde às
respostas das pressões que se manifestam na duradoura. Existe a possibilidade de mudanças,
organização e à visão antecipatória, que quando tiverem sentido para os atores, mas,
corresponde a mudanças resultantes de uma análise geralmente, refletem princípios e guias de ação
de cenários futuros. da alta administração (ENZ, 1986).

72 FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7
Marilene Zazula BEATRIZ

Outra característica do valor organizacional é ser autor, os interesses estão relacionados


derivado tanto do contexto social mais amplo intrinsecamente com as escolhas individuais e
quanto do contexto organizacional em que é vantagens privadas. As organizações podem ser
construído, sendo produto da interação social compreendidas também a partir da idéia de
(FLEURY & SAMPAIO, 2002). Nesse sentido, sistema político, no qual os interesses de grupos
Enz (1986, p. 29) comenta que os valores são perseguidos e alcançados pelo confronto de
organizacionais são “[...] estados preferenciais um grupo com outro, no que tange a obter
culturalmente aceitos, penetrantes e duradouros, vantagens (HININGS & GREENWOOD, 1988),
mas capazes de serem mudados. Os valores permitindo ressaltar os interesses subjacentes ao
influenciam como as organizações são desenhadas processo de mudança, bem como as reações por
e não são uniformemente compartilhados por ela desencadeadas (MORGAN, 1996).
todos os subgrupos organizacionais”.
Já Bacharach e Lawler (1980) analisam a
As práticas na organização podem-se caracterizar organização com relação ao sistema de barganhas
por confronto entre valores e interesses relativos políticas, que ocorrem mais claramente quando
a subculturas distintas (ENZ, 1986); no entanto, se fala em termos de processo decisório: os
quanto maior for a congruência entre tais valores grupos de interesses esforçam-se para influenciar
e interesses permeados nos diversos grupos, menor decisões que os afetem favoravelmente na
será o conflito, facilitando o processo da mudança. organização, tendo os executivos do nível
Nessa direção, Enz (1986, 1988) salienta que a estratégico papel importante nesse tipo de
noção de congruência deve passar necessariamente
processo (FINKELSTEIN, 1992).
por duas condições: os valores devem ser
compartilhados por diferentes membros, e os Assim, quando os interesses são divergentes, dão
grupos devem considerar o grau de importância origem a conflitos, visíveis ou velados, que são
ou desejabilidade do valor em exame. resolvidos ou não por meio de vários jogos de
poder. O jogo político que se origina torna-se
É importante frisar que a concentração em valores
visível, especialmente, em situações que
compartilhados, como foco de análise, permite
promovam a chegada de novas pessoas ou a
o entendimento da dinâmica organizacional
substituição de uma pessoa por outra.
porque, quando há qualquer alteração na
configuração dos valores organizacionais, haverá Hinings e Greenwood (1988) comentam que os
também mudanças na organização para que esta grupos de interesse valorizam a sua interpretação
se encaixe dentro da nova configuração do que seja congruente, como ações interessadas
(HININGS et al., 1996). no sentido de satisfazer suas necessidades.
No entanto, os valores, isoladamente, não “Assim, a articulação entre valores e interesses
conseguem explicar a dinâmica organizacional, torna explícitas as intenções subjacentes à
seja na estabilidade seja na mudança, pois outros conduta, refletindo-se nas práticas
elementos influenciam essa dinâmica. Um deles organizacionais” (MACHADO-DA-SILVA &
são os interesses que devem ser avaliados na FONSECA, 1993, p. 52).
determinação do comportamento das Depois dessa breve exposição teórica sobre
organizações e do papel que desempenham na valores e interesses organizacionais, num esforço
legitimação da mudança. para compreender a complexidade das possíveis
A explicação da ação por meio dos interesses reações diante da mudança organizacional em
refere-se aos propósitos particulares de estudo, acredita-se que seja importante, também,
indivíduos ou grupos (PROVIS, 1996). Para esse compreender como funciona um grupo de

FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7 73
CULTURA, PODER E REAÇÕES À MUDANÇA NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO MODELO ORGANIZACIONAL DE CÉLULAS SEMI-AUTÔNOMAS:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO RAMO INDUSTRIAL

trabalho, mais especificamente um grupo compreendidos por meio dos padrões de


autônomo, para subsidiar a compreensão da comunicação, utilizados pelos membros do grupo
dimensão e do impacto desse processo na para o estabelecimento dos objetivos; do processo
organização em foco. de tomadas de decisões; das dinâmicas do poder e
do relacionamento entre os membros. Esses
1.3 Desenvolvimento de equipes
processos são importantes porque estão diretamente
As equipes tornaram-se parte do modo como as relacionados à eficácia do grupo, influindo para a
empresas estão sendo geridas, atualmente, por definição de normas de seu funcionamento e
serem consideradas mais flexíveis e reagirem estabelecimento do clima grupal.
melhor às mudanças do que os departamentos
O impacto dos processos do grupo sobre o seu
tradicionais ou outras formas de agrupamentos
desempenho e a satisfação de seus membros é
permanentes (ROBBINS, 2002).
moderado pelas tarefas que o grupo está
De acordo com Moscovici (1999), as equipes realizando. Se houver alto grau de
superam o desempenho de indivíduos agindo interdependência entre as tarefas a serem
sozinhos ou em pequenos grupos. Elas absorvem executadas, os membros terão de interagir mais.
e aplicam conhecimentos e experiências de vida Portanto, uma comunicação eficaz e níveis
de seus membros para responder agilmente a mínimos de conflito mostram-se relevantes para
novos desafios. A mudança para sistemas de o desempenho grupal, o que aumenta a
equipe permite às organizações coordenar e importância de seus processos. Contudo, o fato
aproveitar melhor as interações e estimular as de um grupo ter falhas – comunicação, liderança
pessoas a trabalhar efetivamente para objetivos empobrecida e altos níveis de conflito – não
comuns. Contudo, as equipes não estão livres de significa que terá baixo desempenho. Se as suas
dificuldades e problemas e, eventualmente, tarefas forem simples e exigirem pouca
podem-se deparar com obstáculos que dificultam interdependência entre os membros, o grupo
o seu funcionamento, mas, uma equipe madura e ainda poderá ser eficaz (ROBBINS, 2002).
motivada poderá encontrar uma forma de
enfrentá-los e superá-los (MOSCOVICI,1999). Para sobreviver à passagem do tempo, um
grupo precisa ser produtivo em termos de
Para explicar o funcionamento de um grupo de atingimento de metas e objetivos e atender às
trabalho, faz-se necessário verificar os componentes necessidades emocionais e de bem-estar
que determinam o seu desempenho e a sua
pessoal de seus integrantes (BOWDITCH e
satisfação, que são as condições externas impostas
BUONO, 2000). Os atos e os comportamentos
ao grupo, como: estratégia geral da organização,
relacionados à produtividade e dirigidos à
estrutura de autoridade, regulamentações formais,
realização das atividades do grupo
recursos, processo de recrutamento e seleção,
caracterizam as funções de tarefa. As funções
sistema de avaliação de desempenho e recompensas,
de manutenção relacionam-se aos atos e
cultura organizacional e condições físicas de
comportamentos que exprimem as
trabalho (ROBBINS, 2002). Já o grupo
necessidades sociais e emocionais dos
propriamente dito possui variáveis que “modela” o
membros dos grupos.
comportamento de seus membros e torna possível
a explicação e a previsão de boa parte dos De acordo com Moscovici (1995), o conjunto de
comportamentos dos indivíduos, bem como de seu funções de tarefa e manutenção mostra-se
desempenho. Entre essas variáveis estão a liderança importante para a eficácia do grupo. Contudo,
formal, os papéis, as normas, o status do grupo, o pode acontecer de alguns grupos darem ênfase à
seu tamanho, a sua composição e o seu grau de realização da tarefa, negligenciando ou
coesão. Os processos grupais podem ser sacrificando as necessidades socioemocionais de

74 FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7
Marilene Zazula BEATRIZ

seus integrantes. Quando isso ocorre, os indivíduos De acordo com Bion (apud ZIMERMAN, 1995),
podem redirecionar seus esforços para atos todo grupo trabalha em dois níveis,
egocêntricos – tais como fazer objeções simultaneamente. Um nível denomina-se “grupo de
repetidamente para bloquear o progresso do trabalho” e está direcionado para os aspectos
grupo, questionar a competência dos demais conscientes da tarefa. O outro nível denomina-se
membros, tentar dominar o grupo - para satisfazer “grupo de supostos básicos” e funciona obedecendo
as suas necessidades pessoais. Esses às leis do inconsciente. Esse nível opõe-se a todo
comportamentos mostram-se prejudiciais à coesão processo de desenvolvimento do grupo. São três
do grupo e à realização da tarefa. Assim, embora as modalidades de supostos básicos: Dependência,
uma ênfase excessiva nas funções de tarefa possa Luta e Fuga e Acasalamento.
aumentar o desempenho do grupo a curto prazo, O suposto básico de dependência remete ao fato
a longo prazo pode minar a sua eficácia e a de o grupo procurar apoio, proteção e segurança
tentativas infrutíferas de socializar novos membros, em um líder, e acontece em razão da necessidade
bem como ao “congelamento” do grupo numa das de seus membros de ter alguém que os oriente.
suas primeiras etapas de desenvolvimento.
O suposto básico de luta e fuga refere-se a uma
No nível socioemocional, os processos de grupo condição em que o grupo se mostra defensivo
ocorrem em três dimensões: intrapessoal, contra qualquer situação-problema. Na
interpessoal e de grupo. modalidade de luta, o grupo tende a atacar a
situação, respondendo agressivamente ao
A dimensão intrapessoal é decisiva na interação
problema e, com isso, evitando tratar dele. Na
com os outros, pois a apreensão e a interpretação
fuga, o grupo esquiva-se da situação, física ou
de cada situação interpessoal e grupal são
psicologicamente, ao criar um inimigo externo,
influenciadas pelo repertório relacional,
ao qual atribui todos os males. Assim, evita
motivação e ideologia da pessoa. “Dificuldades
deparar com obstáculos reais e enfrentá-los.
intrapessoais não resolvidas aparecem nas
situações de grupo, de forma direta ou indireta” O suposto básico de acasalamento alude à união,
(MOSCOVICI, 1999). em busca de apoio mútuo, de dois ou mais
membros, e à sua separação do restante do grupo.
A dimensão interpessoal é a mais visível e
Nesses casos, o grupo costuma expressar
marcante do grupo. Desenvolve-se em comportamentos defensivos, o que o afasta de
decorrência do processo de interação entre os um processo de amadurecimento e de
membros e pode assumir formas afetuosas e de desenvolvimento.
cooperação ou formas conflitivas, competitivas
e de aparente cordialidade. “As habilidades De acordo com Moscovici (1999), equipe é um
interpessoais facilitam o estabelecimento de grupo que compreende seus objetivos e está
objetivos e metas grupais, diagnóstico e resolução engajado em alcançá-los de maneira
de problemas, planejamento e implementação de compartilhada. Para isso, a comunicação entre
mudanças intragrupais e intergrupais” os membros do grupo deve acontecer de forma
(MOSCOVICI, 1999, p. 103). verdadeira, com estímulo de opiniões divergentes,
a confiança deve ser grande para possibilitar o
O grupo constrói um clima emocional próprio assumir riscos e para atingir os resultados. Os
por meio das relações entre os seus membros. A objetivos devem ser compartilhados. O respeito
dimensão em que o grupo opera compreende os e a cooperação devem ser elevados e deve haver
movimentos do conjunto como um todo, em seus investimento constante do grupo em seu próprio
níveis de interação intrapessoal e interpessoal, desenvolvimento. Um grupo transforma-se em
de tarefa e socioemocional. equipe quando passa a prestar atenção à sua

FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7 75
CULTURA, PODER E REAÇÕES À MUDANÇA NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO MODELO ORGANIZACIONAL DE CÉLULAS SEMI-AUTÔNOMAS:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO RAMO INDUSTRIAL

própria forma de operar e procura resolver os Figura 1 – Fase 1 da implantação das Células
problemas que afetam o seu funcionamento Semi- autônomas
(MOSCOVICI, 1999).
Um grupo de trabalho autônomo é um sistema Facilitador
alternativo, no qual um produto inteiro é
produzido por um pequeno grupo de
Células
funcionários. Os grupos são responsáveis pelo
seu próprio gerenciamento, exigindo menor
supervisão (SPECTOR, 2002), mas também
maior maturidade emocional para trabalhar.
Pesquisas demonstram que a satisfação no
trabalho é normalmente maior no sistema de Fonte: Projeto de Aperfeiçoamento do Modelo
Organizacional Células Semi-autônomas, 1999, p. 2.
grupos autônomos do que nos sistemas
tradicionais (CORDERY, MUELLER e SMITH,
1991; PEARCE e RAVLIN, 1987). FASE 2 – É o período em que o Facilitador deixa
de ser o executor para dar apoio à equipe no
desenvolvimento das Células Semi-autônomas.
2 O caso em análise Estas começam a assumir mais responsabilidades
e maior autoridade na busca de resultados. Cada
O caso em análise é o da Empresa MM, uma célula terá um representante que auxiliará a célula
multinacional brasileira, líder mundial do mercado quanto ao cumprimento das metas, treinando e
em que atua, possuindo fábricas na Itália, orientando os demais integrantes. No início, o
Eslováquia e China, com escritórios nos Estados Representante será escolhido pelo Facilitador, em
Unidos e Cingapura. Atualmente, conta com consenso com a Chefia e deverá preencher alguns
4.870 funcionários na matriz brasileira, situada requisitos para ocupar a função por um ano,
na região metropolitana de Joinville (SC). Destes, como: grau de escolaridade e know-how técnico.
61 são executivos (diretores e gerentes); 99 são O exercício dessa função não está vinculado ao
facilitadores (ex-supervisores); 451 são técnicos; cargo, podendo ser assumido por qualquer
439 são administrativos e 3.820 são operacionais. integrante. Quando a célula adquirir maior
maturidade técnica e emocional, o representante
será indicado pelos seus integrantes.
2.1 A mudança
A mudança estratégica investigada foi a
Figura 2 – Fase 2 da implantação das Células
implantação do Modelo Organizacional de
Semi-autônomas
Células Semi-autônomas, que teve como objetivo
geral a delegação do gerenciamento da célula ao
pessoal operacional, para eliminar a necessidade Células
permanente de supervisão (Projeto
Aperfeiçoamento do Modelo Organizacional
Células Semi-autônomas, 1999, p. 2). Esse
processo foi projetado em três fases, a saber:
FASE 1 – Compreendeu o período da preparação Facilitador
necessária para iniciar o trabalho em células.
Nessa fase, a figura do Facilitador (antigo Fonte: Projeto de Aperfeiçoamento do Modelo
supervisor) ainda é centralizada, mas auxilia no Organizacional Células Semi-autônomas, 1999, p. 2.

76 FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7
Marilene Zazula BEATRIZ

FASE 3 – Quando o nível de maturidade da 3 Aspectos metodológicos


célula chegar a um ponto em que não haja mais Com o objetivo de averiguar a reação à mudança
a necessidade de qualquer supervisão (figura 3), dos grupos envolvidos na implantação de Células
os Facilitadores poderão ser aproveitados no Semi-autônomas da Empresa Brasileira MM, este
staff técnico de melhorias da Unidade, estudo orientou-se pelos seguintes aspectos
auxiliando a função gerencial (Diretor da metodológicos:
Unidade) a atingir as metas.
• as categorias analíticas consideradas foram
as seguintes: a mudança no modelo
Figura 3 – Fase 3 da implantação das Células organizacional a partir da implantação das
Semi-autônomas Células Semi-autônomas; as reações à
mudança; a cultura organizacional e as
dependências de poder. A mudança
Facilitador organizacional foi definida como a
modificação parcial ou total na organização
por meio da implementação de uma inovação
estrutural, de uma nova política ou objetivo,
ou de uma mudança na filosofia, no clima ou
Células no estilo operacional (STONER &
FREEMAN, 1985). Tais mudanças no modelo
organizacional foram delimitadas por meio das
dimensões: forma organizacional (alterações
Fonte: Projeto de Aperfeiçoamento do Modelo no arranjo formal) e plano de gestão (a partir
Organizacional Células Semi-autônomas, 1999, p. 2. das modificações nas estratégias e liderança);
• a cultura organizacional foi apreendida
mediante a identificação dos valores
Para a implantação das Células Semi-autônomas
organizacionais, considerados como padrões
por fábrica, houve vários procedimentos, desde de preferências racionalizados e
controle do processo (verificação de anomalias, compartilhados entre os membros e grupos
por ex.), até treinamentos para todos os chefes da organização, que designam o que seja
de Unidade, Técnicos, Facilitadores e desejável como procedimentos a serem
Operadores, com o objetivo de criar um seguidos (ENZ, 1988), à mudança
ambiente participativo (envolvimento da equipe, supramencionada;
motivação, comprometimento, participação em
• as dependências de poder (interesses) foram
CCQ, participação em 5S, participação em
abordadas a partir da identificação de
TPM, participação em Programas de interesses organizacionais compreendidos
segurança). Adaptação de lay out da fábrica, como a expressão de necessidades reais ou
desenvolvimento do posto de trabalho para o potenciais dos indivíduos ou grupos da
Representante, incluindo treinamentos organização que, associadas a valores,
específicos de liderança e perfil, além do orientam a ação, visando ao alcance de seus
desenvolvimento do sistema de informação e objetivos individuais ou coletivos
comunicação (mural, gestão à vista e reunião (FEUERSCHÜTTE, 1996);
de cinco minutos) também foram desenvolvidos.
• a reação à mudança foi compreendida como
a manifestação de grupos sob a forma de

FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7 77
CULTURA, PODER E REAÇÕES À MUDANÇA NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO MODELO ORGANIZACIONAL DE CÉLULAS SEMI-AUTÔNOMAS:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO RAMO INDUSTRIAL

aceitação ou resistência, em virtude de ações (técnicos de manutenção, representantes e


implementadas na organização, com base nos operadores). O total da amostra foi de 678
valores e nos interesses organizacionais pessoas entre dirigentes e operacionais,
(FEUERSCHÜTTE, 1996). A reação de separados em dois momentos, a saber: fase 1,
aceitação à mudança é desencadeada quando compreendida entre o período de 14/06/1999
os valores e/ou os interesses dos integrantes a 28/06/2000, e a fase 2, compreendida entre
dos grupos compactuam com a mudança o período de 01/08/2000 a 10/04/2001. As
proposta, facilitando a sua implantação. fases 1 e 2 repetiram-se até 2003, em razão
Contrariamente, a reação de resistência à da entrada de novos funcionários, de
mudança, manifestada a partir do integração dos funcionários em licença para
levantamento de valores e/ou interesses dos tratamento de saúde, licença maternidade, ou
integrantes dos grupos estudados, que são do atraso nos cronogramas de cada Unidade.
incoerentes com a mudança proposta, dificulta • os dados utilizados foram obtidos em fontes
sua implantação; secundárias e primárias. Os dados secundários
• o conceito de Células Semi-autônomas foi foram abordados por meio de consultas a
definido pela organização estudada como a documentos, folders, relatórios da organização
união de pequenos grupos de pessoas que em estudo, que permitiram identificar o processo
possuem motivação e comprometimento com de mudança introduzida. Os dados primários
os resultados esperados; trabalham em uma foram coletados por meio do treinamento
mesma linha ou conjunto de máquinas que desenvolvido com os grupos. Na fase 1, aplicou-
permitem fácil comunicação e interação entre se um curso (denominado Desenvolvimento de
elas; possuem tarefas bem definidas com Células (DC) – Módulo I), cujo conteúdo,
metas-padrão preestabelecidas sobre os eminentemente comportamental, visava
resultados esperados; têm liberdade para desenvolver algumas habilidades nos integrantes
organizar assuntos internos à célula; das células e das Unidades, consideradas de
apresentam limitações em funções de decisões grande importância para a implantação do novo
tecnológicas e pelo fato de que as metas são modelo organizacional de trabalho em células.
definidas pela empresa, sendo, por essa razão, Tais conteúdos foram os seguintes: trabalho em
denominadas Semi-autônomas (Projeto de equipe, cooperação, comunicação, empatia,
Aperfeiçoamento do Modelo Organizacional tomada de decisão, percepção de reações à
Células Semi-autônomas, 1999, p. 4); mudança, entre outros. Esse módulo de vinte
• esta pesquisa constitui um estudo de caso, com horas de duração foi realizado com 14 grupos,
perspectiva longitudinal, uma vez que observa compostos por 18 participantes em média. Cada
o comportamento da categoria analítica – grupo era composto por operadores, técnicos e
implantação do novo modelo organizacional – facilitadores. Na fase 2, foi desenvolvido o DC
tanto nos momentos iniciais como nos – Módulo 2, com o objetivo de diagnosticar a
momentos posteriores à sua implantação. Para evolução da maturidade de cada célula entre as
o tratamento dos dados, empregaram-se fases 1 e 2, com intervalo em média de um ano
procedimentos descritivo-qualitativos. O nível entre elas. Tal módulo de quatorze horas e meia
de análise é o organizacional. A unidade de foi aplicado em 12 grupos de trabalho,
análise é constituída pelos grupos: dirigente e compostos por 22 participantes em média, entre
operacional; facilitadores, técnicos e operadores. Registrou-
se cada encontro em relatório, o que possibilitou
• a população desta pesquisa compreende os a captação e a interpretação dos processos
dirigentes (facilitadores) e operacionais grupais diante do objetivo pretendido.

78 FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7
Marilene Zazula BEATRIZ

4 Análise dos Resultados encontrou na empresa a reação de resistência


A implantação das Células Semi-autônomas na baseada tanto no valor quanto no interesse que
Empresa Brasileira MM provocou uma série de perpetuam o sistema organizacional, pelo menos
reações desde o início até o momento final (1999- no início do processo, conforme pode-se verificar
2003). Tal processo de mudança estratégica nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1 - Conjunto dos Valores Organizacionais das Células compostas por Dirigentes e Operacionais

CÉLULAS
VALORES DIFICULTADORES VALORES FACILITADORES
SEMI-AUTÔNOMAS
· Individualismo/desunião
DC - Módulo 1 · Dependência (cultura de subordinação) · Abertura para aprender
· Imediatismo
· Medo de ousar
· Disponibilidade para resolver
· Individualismo/desunião problemas
DC Módulo 2
· Dependência (cultura de subordinação) · Abertura para mudanças
· Abertura para aprender

Fonte: Relatórios dos DC – Módulos l e 2

Os valores organizacionais encontrados na uma ou mais pessoas, sem que haja iniciativa
empresa em foco (Quadro 1) caracterizam dois por parte de outros integrantes do grupo para
tipos de preferências de ação: 1º) valores que ajudá-los, a não ser quando solicitada pelo
dificultam a mudança: o individualismo/desunião, facilitador. De modo geral, o trabalho é
a dependência, o imediatismo e o medo de ousar; individualizado, sem visão do todo. A confiança
e 2º) valores que facilitam a mudança: abertura não é generalizada, e as pessoas mostram-se
para aprender, disponibilidade para resolver com dificuldades para se ouvirem, preferindo
problemas, abertura para mudanças. Os valores comunicações distorcidas (fofocas). Alguns
do primeiro tipo de preferências de ação no DC grupos demonstram falta de assertividade para
– Módulo 1 apresentam-se fortemente permeados resolver problemas de aspecto relacional,
entre os grupos estudados, não privilegiando, promovendo a desunião, também encontrada
portanto, o movimento de mudança na no DC- Módulo 2. Como no modelo de gestão
organização e, consequentemente, favorecendo- de células, a interdependência entre as tarefas e
lhe a reação de resistência. Ainda no DC – os membros mostra-se relevante para o
Módulo 1, os valores do segundo tipo de desempenho grupal, os membros deveriam
preferências de ação apresentam-se permeados interagir mais, com uma comunicação eficaz e
entre os grupos, mesmo em menor escala, níveis mínimos de conflito, apesar de que o fato
de um grupo ter falhas na comunicação, ter uma
sugerindo espaço para a reação de aceitação à
liderança empobrecida e/ou altos níveis de
mudança introduzida.
conflito, não significa, por si só, que terá baixo
Os valores do primeiro tipo no DC – Módulo 1 desempenho (ROBBINS, 2002). Pode
mostraram-se em maior abrangência do que os acontecer de dar-se ênfase na realização da
facilitadores. Por exemplo, o individualismo é tarefa, em detrimento das necessidades
fortemente marcado entre os operadores. É socioemocionais de seus integrantes. A curto
comum ocorrer o acúmulo de trabalho sobre prazo, o desempenho grupal pode permanecer

FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7 79
CULTURA, PODER E REAÇÕES À MUDANÇA NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO MODELO ORGANIZACIONAL DE CÉLULAS SEMI-AUTÔNOMAS:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO RAMO INDUSTRIAL

alto, mas, a longo prazo, pode minar a sua anos o operacional dessa empresa tem
eficácia (MOSCOVICI, 1995). Segundo trabalhado sem o hábito de planejar ações,
Bowditch e Buono (2000), para sobreviver à reforçando com isto a abordagem de urgência,
passagem do tempo, um grupo precisa ser que é incompatível com qualquer estratégia
produtivo em termos de atingimento de metas que promova a gestão compartilhada e o
e objetivos e atender às necessidades emocionais planejamento de ações.
e de bem-estar pessoal de seus integrantes.
Contudo, há motivo para preocupação se Como é uma empresa com a sua história focada
ocorrer o individualismo/desunião ainda na gestão de pessoas, de maneira autocrática, em
fortemente marcados na fase 2 do DC. que não era permitida a participação ou o
questionamento dos funcionários em relação à
A dependência dos grupos perante uma figura atitude do supervisor (autoridade), no momento
de autoridade mostrou-se fortemente em que a empresa resolve alterar sua forma de
compartilhada no momento inicial da mudança, gestão, o grupo mostra-se receoso para ousar.
já que as pessoas da organização em estudo
estavam habituadas a trabalhar sob supervisão No DC –Módulo 2, percebe-se uma
direta, que direcionava e delegava atividades. minimização dos valores dificultadores em
Durante o DC – Módulo 1, apareceram várias relação ao Módulo 1, e um acréscimo nos
reações emocionais por parte dos operadores, valores do segundo tipo de preferências de
como: sensação de estar perdido, raiva, medo, ação. Nesse momento, o grupo mostra-se mais
receio de errar, entre outras, que inviabilizaram, aberto à mudança e com maior maturidade,
num primeiro momento, o comportamento quando seus membros assumem que possuem
autônomo. Até mesmo no DC - Módulo 2, no dificuldades, mas que acreditam na mudança
qual todos os operadores e facilitadores já haviam e estão buscando ações para melhorias,
passado pelo programa de desenvolvimento, esse demonstrando abertura para aprender e
comportamento de busca por uma liderança, disponibilidade para resolver os problemas.
agora na figura do Representante, ainda é notória. Percebem que estão se adequando ao trabalho
Ou seja, percebeu-se que pelo menos em alguns em célula, aos poucos. Nesse sentido, Enz
grupos ainda há a necessidade de criar um líder (1986, p. 29) comenta que os valores
para direcionar, isentando os demais integrantes organizacionais são “[...] estados
da responsabilidade pelo que acontece na célula preferenciais culturalmente aceitos,
de trabalho, o que impede, que os membros do penetrantes e duradouros, mas capazes de
grupo aprendam a fazer por si mesmos, busquem serem mudados. Os valores influenciam como
autonomia e assumam riscos. Uma das as organizações são desenhadas e não são
modalidades pesquisadas por Bion (apud uniformemente compartilhados por todos os
ZIMERMAN, 1995), encontra-se, fortemente, na subgrupos organizacionais”.
pesquisa realizada, caracterizada pela Os valores encontrados durante as duas fases
dependência que remete ao movimento do grupo
da implantação da mudança estratégica
em busca de apoio, proteção e segurança em um
estudada delinearam o que Morgan observa:
líder. Porquanto, se tal movimento persistir, ele
que nas organizações “[...] existem
opor-se-á a todo processo de desenvolvimento
freqüentemente sistemas de valores diferentes
do grupo pela busca de sua autonomia.
que competem entre si e que criam um
O imediatismo aparece fortemente na mosaico de realidades organizacionais em
primeira fase, pois é um valor que reforça a lugar de uma cultura corporativa uniforme”
cultura da improvisação, já que há muitos (1996, p. 131).

80 FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7
Marilene Zazula BEATRIZ

Quadro 2 - Conjunto de Interesses Organizacionais das Células compostas por Dirigentes e Operacionais

CÉLULAS
INTERESSES DIFICULTADORES INTERESSES FACILITADORES
SEMI-AUTÔNOMAS
· Medo de perder emprego
· Manutenção do status quo
DC - Módulo 1 · Chefias autocráticas · Disponíveis para aceitar pequenas
· Falta de fluidez na comunicação mudanças
· Falta de reconhecimento
· Desrespeito aos horários de intervalos
· Falta de reconhecimento
DC Módulo 2 · Chefias autocráticas · Sentem-se mais livres (à vontade) e
· Desrespeito aos horários de intervalo responsáveis pelo seu trabalho.

Fonte: Relatórios dos DC – Módulos l e 2


Ao analisar os interesses predominantes na Alguns grupos demonstraram insatisfação por se
Empresa Brasileira MM, por ocasião da sentirem obrigados a participar do treinamento.
implantação das Células Semi-autônomas, Questionaram fortemente se os facilitadores (antigos
percebeu-se que interesses dificultadores para supervisores) estavam recebendo treinamento, já
aceitar a mudança proposta ocorrem em maior que muitos deles continuavam a gerenciar os grupos
incidência do que os interesses facilitadores, de trabalho de forma autocrática, impondo
conforme demonstrado no Quadro 2. decisões que, na visão dos operadores, tornaram-
No DC - Módulo 1, as pessoas pareciam se incoerentes com a natureza do programa
apreensivas com “seu futuro” na organização, proposto. Essa reclamação permanece forte também
bem como em relação aos motivos pelos quais no Módulo 2. Segundo Provis (1996), os interesses
estariam passando pelo treinamento. Apesar de estão relacionados intrinsecamente com as escolhas
o discurso dos gestores ser de confiança, individuais e vantagens privadas.
sugerindo que as pessoas aproveitassem o As organizações podem ser compreendidas também
treinamento para se desenvolver e ampliar a partir da idéia de sistema político, no qual os
horizontes, e que não haveria corte de pessoal, interesses de grupos são perseguidos e alcançados
os participantes sentiam-se ameaçados, com pelo confronto de um grupo com outro, no que
medo de perder o emprego, existindo um clima tange a obter vantagens (HININGS &
de desconfiança durante boa parte de GREENWOOD, 1988), quando os operadores se
treinamento. Então, os interesses de manutenção sentem incomodados em participar de algo com que
do emprego e de manutenção do status quo não concordam e quando os gestores argumentam
sugerem que qualquer movimento que promova que o grupo não está preparado para gerir-se.
a não satisfação destes pode funcionar como Alguns gestores não passaram pelo processo de
reação de resistência à mudança. Segundo treinamento ao mesmo tempo que sua célula de
Hinings e Greenwood (1988), os grupos trabalho, o que ocasionou um descompasso de
valorizam o que está diretamente associado à sua entendimento e de atuação. Na opinião dos
interpretação do que seja congruente em termos operadores, esses gestores deveriam dar o exemplo.
de seus interesses. Para alguns facilitadores, isso Por sua vez, alguns grupos mostraram-se
promove uma competição predatória, pois as dependentes e desejosos de uma figura de
pessoas que se sentem ameaçadas passam a tomar autoridade, para decidir por eles. Outros grupos
atitudes de defesa, fantasiando que tais demonstraram maturidade suficiente para gerenciar-
comportamentos lhes trarão maior segurança. se como célula de trabalho, mas o facilitador ainda

FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7 81
CULTURA, PODER E REAÇÕES À MUDANÇA NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO MODELO ORGANIZACIONAL DE CÉLULAS SEMI-AUTÔNOMAS:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO RAMO INDUSTRIAL

portava-se de forma autoritária. Parecia haver um quando passam meses sem intervalo para descanso
sentimento de perda de poder, apesar de o discurso e isso é reconhecido. Importante ressaltar que o
organizacional privilegiar o aproveitamento desses reconhecimento solicitado não é meramente o
supervisores como staff de melhorias, econômico, mas principalmente o moral, já que a
redirecionando-os para outras atividades cobrança por resultados é muito grande.
estratégicas. Tal fato vem confirmar o que
No DC – Módulo 2, os operadores argumentaram
Bacharach e Lawler (1980) comentam sobre a
que houve maior responsabilidade funcional e
organização ser analisada com relação ao sistema
diversificação, sem a mesma proporção de retorno
de barganhas políticas; para esses autores, os grupos
financeiro. Houve grupos que apenas se diziam
de interesses esforçam-se para influenciar decisões
“injustiçados” em termos de benefícios que recebiam
que os afetem favoravelmente na organização, tendo
da organização versus o número de atividades/
os executivos do nível estratégico papel importante
funções que assumiram, depois da implantação da
neste tipo de processo (FINKELSTEIN, 1992). Na
célula de trabalho. Alegaram que se sentiam bem
opinião de alguns facilitadores, ainda falta o real
em trabalhar em célula, pois o trabalho ficou melhor,
entendimento do papel do facilitador no
mas a compensação não estava adequada, e isso
desenvolvimento de uma célula semi-autônoma, o
tornava as pessoas desmotivadas.
que reforça a cultura da subordinação.
Quando o Representante assume a função, tem
Na sua maioria, os grupos não demonstraram
sido comum arranjar depois outra função e não
conhecimento prévio do projeto, alegando que a
voltar mais para trabalhar na linha. Alguns
comunicação entre os gestores e as células de
facilitadores alegaram que não há operador com
trabalho não ocorreu de forma fluida, o que
perfil adequado para assumir a função de
dificultou o entendimento e aceitação do novo
Representante, além de não haver tempo hábil
modelo. Demonstraram descrença no programa,
para que ele seja treinado. Nesse sentido, alguns
argumentando que “será mais um curso sem
representantes não compreenderam seu
aplicação prática”. O feedback é pouco utilizado
verdadeiro papel, atuando de forma muito
em algumas células ditas imaturas em termos
semelhante aos antigos supervisores.
relacionais. A comunicação não fluiu entre o
representante e a célula, e os operadores não Alguns grupos demonstraram falta de
buscaram informações atualizadas nos respectivos assertividade para resolver suas dificuldades de
quadros de avisos espalhados pela empresa. Muitos relacionamento interpessoal, com comunicações
deles comentaram que estavam ali em seu horário distorcidas a respeito dos integrantes dos grupos,
de folga, não conseguindo descansar a contento. O que não são expostos diretamente às pessoas
impacto dos processos do grupo sobre o seu envolvidas. Poucos grupos demonstraram
desempenho e a satisfação de seus membros é comportamento de união, por meio de
moderado pelas tarefas que o grupo está realizando. disponibilidade para se relacionar de forma
Se houver alto grau de interdependência entre as adequada, com baixa incidência de conflitos, e
tarefas a serem executadas, os membros terão de com interesse em aprender coisas novas.
interagir mais. Portanto, uma comunicação eficaz
Neste módulo, percebeu-se que as pessoas
e níveis mínimos de conflito mostram-se relevantes
demonstraram maior satisfação em trabalhar em
para o desempenho grupal.
células, por sentirem-se mais livres e
Os operadores queixaram-se de que na empresa responsáveis pelos resultados de seu trabalho,
não há uma cultura de reconhecer o trabalho apesar de ainda existirem grupos que tendiam a
realizado, quando as metas são alcançadas ou voltar a comportamentos passados, como
quando trabalham horas extras, por “vestirem a trabalho individualizado, não parecendo
camisa” da empresa. A insatisfação agrava-se acreditar na idéia de células.

82 FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7
Marilene Zazula BEATRIZ

De forma geral, os grupos, mesmo depois de um mudança e com maior maturidade quando seus
ano de atividades na nova forma de gestão, membros assumem que possuem dificuldades,
apresentavam dificuldades para trabalhar com ela. mas que acreditam na mudança e estão buscando
Mas, de modo unânime, concordavam que houve ações para melhorias. Percebem que estão se
melhora significativa do tratamento interpessoal adequando ao trabalho em célula, aos poucos.
entre as pessoas das células, no planejamento e Ao analisar os interesses predominantes na
no foco dos resultados e que isso facilitou mais Empresa Brasileira MM, percebeu-se que
o próprio entendimento do processo de trabalho. interesses dificultadores para aceitar a mudança
No entanto, percebiam que a empresa precisava proposta ocorreram em maior incidência do que
melhorar processos para conseguir que essa nova os interesses facilitadores, concluindo-se que
mentalidade se constituísse em uma realidade e qualquer movimento que promova a não
também que o alcance dos resultados havia ficado satisfação desses interesses pode funcionar como
mais fácil depois da implantação do trabalho em reação de resistência à mudança.
célula, e que conseguiram resolver alguns
problemas antigos. Percebiam que precisavam Assim, pôde-se concluir que a Empresa Brasileira
treinar para melhorar o processo decisório, a MM reagiu à introdução de células semi-
comunicação e a cooperação entre eles. autônomas de modo resistente tanto nos valores
quanto nos interesses organizacionais, já que
ambos promovem a perpetuação do sistema.
5 Conclusão Percebeu-se maior resistência na implantação do
No presente estudo, buscou-se identificar se a processo. Depois de maior conhecimento e
cultura organizacional, representada a partir dos interação com a mudança, notou-se que houve
valores, e se as dependências de poder por meio alterações nos valores organizacionais para a
dos interesses organizacionais, nos diversos reação de aceitação, confirmando Enz (1986, p.
grupos celulares da Empresa Brasileira MM, 29), quando comenta que os valores
atuaram como fonte de aceitação ou de organizacionais são “[...] estados preferenciais
resistência ao novo modelo de gestão. Tal modelo culturalmente aceitos, penetrantes e duradouros,
promoveu mudanças estratégicas (NADLER & mas capazes de serem mudados”, mas que
TUSHMAN, 1990), por alterar permaneceram resistentes no que compete às
predominantemente a sua forma de gestão dependências de poder.
individualista para o desenvolvimento de células
de trabalho, em toda a organização. Referências
Os valores organizacionais encontrados BACHARACH, S. B.; LAWLER, E. J. Power
caracterizam dois tipos de preferências de ação: and Politics in Organisations. São Francisco e
1º) valores que dificultam a mudança: o Londres: Jossey-Bass, 1980.
imediatismo, o individualismo, a dependência e
o medo de ousar e 2º) valores que facilitam a BOWDITCH, J.L.; BUONO, A F. Elementos de
mudança: abertura para aprender, abertura para comportamento organizacional. 4. ed. São
mudanças e disponibilidade para resolver Paulo: Pioneira, 2000.
problemas. ENZ, C. A. Power and Shared Values in the
No DC – Módulo 2, percebe-se uma minimização Corporate Culture. Ann Arbor, Michigan: Uni
dos valores dificultadores, em relação ao Módulo Research Press, 1986.
1, e um acréscimo nos valores do segundo tipo _____. The Role of Value Congruity in
de preferências de ação. Observa-se que, nesse Intraorganizational Power. Administrative
momento, o grupo mostra-se mais aberto à Science Quarterly, v. 33, p. 284-304, 1988.

FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7 83
CULTURA, PODER E REAÇÕES À MUDANÇA NO PROCESSO DE IMPLANTAÇÃO DO MODELO ORGANIZACIONAL DE CÉLULAS SEMI-AUTÔNOMAS:
UM ESTUDO DE CASO EM UMA EMPRESA DO RAMO INDUSTRIAL

FEUERSCHÜTTE, S. G. Cultura de Janeiro: José Olympio, 1995.


Organizacional e Dependências de Poder: A
mudança estrutural no centro de informática NADLER, D. A.; TUSHMAN, M. L. Beyond
e automação do Estado de Santa Catarina. the Charismatic Leader: Leadership and
Dissertação (Mestrado em Administração). Organizational Change. California
Florianópolis: UFSC, 1996. Management Review, p. 77-97, 1990.

FINKELSTEIN, S. Power in Top Management Projeto de Aperfeiçoamento do Modelo


Organizacional Células Semi-autônomas, Santa
Teams: Dimensions, Measurement, and
Catarina, 1999.
Validation. Academy of Management Journal,
v. 35, n. 3, p. 505-538, 1992. PROVIS, C. Unitarism, Pluralism, Interests and
FISCHER, A. L. Um Resgate conceitual e Values. British Journal of Industrial Relations,
histórico dos modelos de gestão de pessoas. In: v. 34, n. 4, p. 473-495, 1996.
FLEURY, M. T. L. (Org.) As pessoas na ROBBINS, S. P. Comportamento
organização. São Paulo: Editora Gente, 2002. organizacional. 9. ed. Rio de Janeiro: Prentice
_____.; FLEURY, M. T. L. Estratégias Hall do Brasil, 2002.
empresariais e formação de competências: um SIMS, D.; FINEMAN, S.; GABRIEL,Y.
quebra-cabeça caleidoscópio da indústria Organizing and organizations. Sage, 1993.
brasileira. São Paulo: Atlas, 2001.
SMIRCICH, L. Concepts of Culture and
FLEURY, M. T. L.; SAMPAIO, J. R. Uma Organizational Analysis. Administrative Science
Discussão sobre cultura organizacional. In: Quartely, v. 28, n. 3, p. 339-358, 1983.
FLEURY, M.T.L. (Org.) As pessoas na
organização. São Paulo: Editora Gente, 2002. STONER, J. A. F.; FREEMANN, R.E.
Administração. Rio de Janeiro: Prentice Hall do
HININGS, C. R.; GREENWOOD, R. The Brasil, 1985.
Dynamics of Strategic Change. New York:
Brasil Blackwell, 1988. THÉVENET, M. A cultura de empresa hoje em
dia. Revista de Administração, v. 26, n. 2, p.
_____.; THIBAULT, L.; SLACK, T.; KIKULIS, 32-39, Abr./Jun. 1991.
L. M. Values and Organizational Structure.
Human Relations, v. 49, n. 7, p. 885-916, 1996. ZIMERMAN, D. E. Bion: da teoria à prática.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
MACHADO-DA-SILVA, C. L; FONSECA, V.
S. Estruturação da Estrutura Organizacional: o WILSON, D. C. A Strategy of Change. London:
caso de uma empresa familiar. Organizações e Routledge, 1992.
Sociedade, v. 1, n. 1, p. 42 -71, 1993.
MORGAN, G. Imagens da Organização. São
Paulo: Atlas, 1996.
MOSCOVICI, F. Equipes dão certo: a
multiplicação do talento humano. 5. ed. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1999.
MOSCOVICI, F. Desenvolvimento
interpessoal: treinamento em grupo. 4.ed. Rio

84 FACEF PESQUISA - v.7 - n.3 - 2004


v.7

Potrebbero piacerti anche