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S U P E RI O
Teósofo.
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in The Theosophist S U P E RI O
SUMÁRIO Editorial
A
Maio ~ Agosto 2010 abertura mental à renovação é fundamental nas nossas
vidas. A regeneração do ser humano, como consequência
Editorial dinâmica do conhecimento de si mesmo, pressupõe essa
Carlos Guerra 1
abertura mental. Uma tal abertura mental gera a harmonia
entre as nossas vidas e o facto indiscutível de que tudo nelas é
Paciência: O Aspecto Espiritual impermanente; por sua vez, esta harmonia dá leveza às nossas
Radha Burnie r 2
vidas, e aprofunda-lhes o sentido.
A revista Osíris, cujo primeiro número data de 1933, na
A Energia da Meditação continuação da anterior revista Ísis, iniciada em 1921, dá agora,
J. Krishnamu r t i 6
uma vez mais, sinais desse sentido de renovação – uma renova-
ção que valoriza todo o trabalho anteriormente desenvolvido e,
Libertar-se da Ilusão ao mesmo tempo, abre novas oportunidades a um trabalho que
Danielle Audo i n 8
aguarda a sua concretização. A revista Osíris pretende ser um
reflexo dos princípios de carácter filantrópico que têm norteado
A Dinâmica da Fraternidade o trabalho da Sociedade Teosófica, desde a sua formação oficial
N. Sri Ram 12
em Novembro de 1875. Desde o seu início, tal trabalho, do qual
a dedicação de H. P. Blavatsky e de H. S. Olcott, entre outros, é
A Natureza do Silêncio referência inspiradora, tem sido marcado pelo questionamento,
Surendra Naraya n 16
do qual a investigação partilhada é, simultaneamente, uma
causa e uma consequência. O questionamento e a investigação
O Caminho da Verdade favorecem o aprender; e a vontade de aprender, no seu sentido
Phan-Chon-Tô n 18
dinâmico, é um elo de ligação entre os membros e os amigos da
S.T., e deveria assumir-se como um elo de ligação entre todos os
A Fraternidade como uma Via seres humanos. A revista Osíris pretende ser um canal daquela
para a Consciência Desperta Sabedoria Universal que não é pertença de nenhum ser humano,
nem de nenhuma organização; o nome dado a essa Sabedoria
Trân-Thi-Kim-D i ê u 22
Universal é de somenos importância, mas conhecemo-la e divul-
A Vida e a sua Mensagem gamo-la sob o nome de Teosofia. De uma forma despretensiosa,
a revista Osíris assumir-se-á como um estímulo à reflexão, evi-
C. Jinarajadas a 27
tando o mero intelectualismo, bem como a falsa espiritualidade
Nos Sábios Não Existe Apego que, por vezes, tendem a afirmar-se no nosso tempo.
Expressamos um agradecimento a todos aqueles que, com
C. A. Shinde 31
empenho desinteressado, têm contribuído para manter em
Teosofia para Quando? plena actividade a S.T.P. e lançamos um apelo a todos aqueles
que, de uma forma igualmente generosa, desejem envolver-se
José Correia 35
num novo fôlego impulsionador dessa actividade.
Notícias da S.T. A todos os membros e amigos da S.T. manifestamos um
voto de indómita determinação – como afirma H. P. Blavatsky
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num pequeno texto intitulado Autoconhecimento – para
Notícias da S.T.P. percorrermos, sem motivo e sem meta, os caminhos daquele
conhecimento maior que é o conhecimento de si mesmo, o qual
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está na base da regeneração humana.
Carlos Guerra
I
maginemos uma pessoa que nasceu cega; nar-se-iam. Este é apenas um nível em que o
não só está impossibilitada de ver muitas tempo funciona.
das coisas que são necessárias para facilitar A ilusão do tempo faz com que o ser huma-
a vida, como também não pode ver a beleza da no encare o mundo de forma psicologicamente
terra, as cores do céu, os pássaros, as plantas, os diferente daqueles para quem o tempo não tem
animais e, está claro, o rosto dos seres humanos. valor. A primeira regra do livro Luz no Caminho
Mas a pessoa cega consegue apreender, sentir diz “Mata a ambição”. A ambição só existe sob
o gosto, cheirar, ouvir, pensar, etc. É capaz de o controlo do tempo. É o desejo de se obter
experienciar o mundo de forma diferente da- algo, para se conseguir fazer algo dentro de
queles que vêem. De modo idêntico, podemos determinado tempo. Assim, a ambição tem mui-
imaginar como várias outras criaturas, por to a ver com o tempo tal como o conhecemos.
exemplo animais e pássaros, sabem como viver Tudo na natureza existe, cresce e morre
no seu próprio mundo, porque o poder do de acordo com as suas regras. Quando uma
raciocínio e a experiência da razão que afecta a criança nasce, não temos muito a fazer com o
vida humana não têm qualquer significado para seu crescimento. De modo semelhante, quando
eles. A nossa compreensão dos animais faz-se uma semente é plantada, se o tiver sido nas
através do afecto, mas eles não podem compre- condições correctas, germina e torna-se uma
ender esta experiência humana, tal como não planta nova, tornando-se depois numa árvore
podem compreender o que faz o raciocínio, com flores e frutos. Isto acontece por si. Tudo
pois vivem pelo instinto e entendem as coisas isto acontece não apenas fisicamente sob a
de forma diferente. forma de crescimento, mas também através
Por analogia, compreendemos que há das mudanças que ocorrem nas faculdades que
pessoas que levam uma vida muito diferente da todo o homem possui.
nossa. O que é essencial e vital para elas não é Todo o ser humano possui faculdades ex-
para nós importante e o que é importante para traordinárias, não só a faculdade de raciocínio,
nós não possui qualquer relevância no mundo mas também outras que despertam o sentido da
em que elas vivem. O tempo é muito impor- beleza, que criam a consciencialização da paz,
tante no mundo dos homens, sendo muito etc. Estas faculdades cresceram até ao estado
mais importante para o homem moderno do actual por si mesmas, mas estranhamente não
que para os antigos. Organizações e institui- aceitamos o crescimento, essa expansão que
ções funcionam com o tempo, como aconte- vem através da Natureza. Por causa do nosso
ce como a maior parte dos seres humanos. sentido do tempo pensamos que durante um
Se não prestassem atenção ao passar do tem- determinado período de tempo temos de che-
po, grande parte das organizações desmoro- gar a determinado ponto e obter certas coisas.
O tempo é uma ilusão; passa de forma livre é aquele que não sente em si a opressão
diferente consoante estamos felizes ou em so- do tempo, pois deseja que as coisas cresçam e
frimento. Se estamos de pé numa fila ele pode se movam de acordo com o fluxo da Natureza.
passar muito lentamente, mas se nos encontra- Porque é que a planta pequena não é uma ár-
mos no princípio da fila então o tempo já não vore grande? Se não nos sentirmos ansiosos em
passa tão lentamente. Se pensarmos nisto ve- termos do tempo, limitar-nos-emos a observar
mos que o modo como o tempo passa depende a planta a crescer até se tornar uma árvore;
do nosso desejo. Se estivermos no fim da fila e veremos que o homem a quem chamamos um
quisermos desesperadamente estar no começo, homem mau se tornará um homem bom, sem
o tempo passa lentamente, mas se estivermos o forçar e sem o modelar para que se modifi-
no princípio da fila o tempo não parece mover- que. Fazemos todas as coisas que o ser humano
se da mesma maneira. médio deseja fazer, mas aqueles que sabem, os
Talvez esta seja uma das coisas a ter em Mestres da Sabedoria, não fazem estas coisas.
mente quando Krishnamurti afirmou “O desejo Actuam com paciência. A qualidade da paciên-
é tempo”. A ambição é um tipo de desejo – um cia é uma grande qualidade que inunda o
desejo intenso – e provoca muitas dificuldades mundo com luz.
nos relacionamentos. As guerras em curso que
causam muito sofrimento a um imenso número Ser Livre do ‘Conhecimento’
de pessoas são produto da ambição. A ambição O conhecimento que possuímos – conheci-
faz com que as pessoas desejem cada vez mais mento mental – pode ser uma ilusão. Pensamos,
coisas. Podemos sentir ambição por coisas vemos e sabemos, mas o que sabemos não vale
pequenas ou por coisas grandes, por satisfação realmente ser sabido. Com excepção de uma
espiritual ou apenas por satisfação intelectual pequena parte da existência física, para a qual
ou sensorial. É tudo a mesma coisa – o desejo poderá ter valor, do ponto de vista espiritual
de se alcançar algo neste tempo de vida. não tem qualquer valor. Conhecemos alguns
Os animais não têm ambição porque, ao ‘factos’ que podem não ser realmente factos.
contrário dos seres humanos, não possuem o Por exemplo, quando dizemos que conhecemos
sentido do tempo. Não se apercebem de que determinada pessoa, é possível que conheçamos
outros passaram à frente e por isso são mais alguns factos acerca dessa pessoa. Mas a maior
livres. O ser humano ambicioso quer que todo parte das vezes existe a ilusão de que se conhece
o mundo saiba que foi ele quem fez mais e me- a pessoa, mesmo quando não conhecermos
lhor. Esta é parte da satisfação que a ambição todos os factos acerca dessa pessoa.
proporciona – comparar-se com os outros, dizer Certo tipo de significado, que não conse-
“corri mais depressa do que todos os outros”. O guimos descrever, é o coração do conhecimen-
animal corre muito depressa inconscientemen- to. No início de A Voz do Silêncio encontramos
te sem tentar impressionar ninguém. a frase “Tendo-se tornado indiferente para
A competição no mundo é origem de com os objectos da percepção…’ Isto é muito
imenso mal, como Madame Blavatsky escreveu significativo. Os objectos da percepção não
no seu livrinho Ocultismo Prático. É a parte desaparecerão, pois existem, pelo menos por
do mundo em que a ilusão do tempo é forte. enquanto. Mas o que acontece ao ser humano
Ambição, desejo, consecução, são tudo apenas vulgar é que ele se envolve, e depois se enreda,
expressões das ilusões da mente. Aquele que é nesses objectos. A partir do momento em que
dizemos “gosto disto, não gosto daquilo, isto é que chamamos conhecimento. É a percepção
agradável, aquilo não é”, o juízo que fazemos da verdade da divindade em todo o lado. É a
é uma forma de envolvimento, um enredo verdadeira percepção de que a Realidade Una é
psicológico. imanente em todo o átomo. Esta percepção é a
Embora o objecto de percepção ainda exis- origem da consciência desperta, da beleza e do
ta, e a mente esteja em observação, pode não amor no relacionamento. É um insight que vai
ficar poluída se não se formularem opiniões, directo à natureza oculta das coisas. O mundo
se não houver atracção nem repulsão. Fica, da Luz é diferente por causa da consciência
de certa forma, indiferente. Quando a mente desperta, não pelo conhecimento superficial
pessoal não avalia, não emite opinião, sem ser que actualmente tanto apreciamos. Nesse co-
atraída nem repelida, através da observação ou nhecimento não existe a ilusão do tempo nem
da atenção, a mente chega a saber o que está conhecimento de qualquer género particular.
dentro, não apenas a aparência do objecto. Isto O Teósofo não é apenas um membro da
aplica-se não só a um determinado objecto da Sociedade Teosófica. Cabe-lhe um papel espe-
percepção, mas a todo o mundo, isto é, a tudo cial – descobrir o verdadeiro conhecimento.
o que experienciamos. O Caminho do Meio
ensinado por Buddha consiste em não experi- A Promoção do Trabalho
mentar nenhuma reacção, quer seja atracção, A evolução que ocorreu até agora tem sido
quer seja repulsão. A mente é, então, apenas muito instrutiva. Alguns dos pontos de vista
uma testemunha. Isto é a verdadeira renúncia, científicos recentes confirmam o que alguns
o espírito de não movimento que é o verdadeiro teósofos têm vindo a dizer – que a futura evo-
conhecimento. lução na terra será uma continuação do actual
Um Mahatma diz, numa carta, que aos processo nosso conhecido. As chamadas coisas
Mahatmas basta focar a atenção em algo para não vivas, depois as pequenas criaturas, a vida
obterem a compreensão instantânea daquilo vegetal e a vida animal impulsionaram a evolu-
para que estão a olhar. Do seu ponto de vista, ção até ao actual estádio humano; novos passos
todo o nosso conhecimento é trivial e gastamos serão dados quando o ser humano melhorar.
demasiado tempo no esforço para acumular Está claro que todas estas partes da evolução
conhecimento que é trivial. Até nos podemos levam um tempo imenso, mas a Natureza nada
considerar peritos mas, para além da utilização tem a ver com o tempo inventado pelo homem.
prática, se é que existe alguma, o conhecimento O futuro conduzirá o ser humano para lá
não tem qualquer valor. Será que aquele que do estádio humano até ao nível do Rshi, o qual
é muito conhecedor de aviões ou de qualquer sabe muitas coisas sobre as quais não pode por
coisa do género, é mais generoso por causa enquanto falar ao homem. Mas neste processo
disso, mais compassivo, mais capaz de se evolutivo misterioso aprenderá aquilo que
libertar da infelicidade ou do sofrimento? Não mencionámos atrás, isto é, a natureza da beleza,
creio. O conhecimento vulgar não faz qualquer do amor e a percepção que é consciencialização
diferença, a não ser na imaginação do próprio, do que reside no interior, bem como do que
e é isto que acontece com todo os outros que se reside no exterior das coisas. É uma nova fase
encontram na mesma situação. para a qual nos dirigimos. Já há sinais deste
De acordo com certas ideias espirituais, movimento nas afirmações de alguns cientistas
o verdadeiro conhecimento não é o mesmo a e, está claro, das pessoas que sabem.
O insight ou consciencialização do que irá que são intelectualmente avançados pode não
acontecer no futuro é de grande importância ser muito válida. Temos de fazer apelo aos que
para toda a humanidade. Sabemos que seres conseguem ver para a frente, para um modo
humanos mentalmente espertos não são ne- de vida que será extremamente diferente. Este
cessariamente as pessoas que virão a ser figuras modo de vida só se pode concretizar quando as
líderes no avanço para o futuro. Serão antes iniquidades do pensamento e da acção actuais
aqueles cuja intuição os leva para níveis mais não fizerem parte deste quadro. Pertence à
elevados e, para tal, é necessária preparação. nova mente substituir o pensamento antigo.
Para a intuição funcionar não pode misturar-se Encontramo-nos no processo de iniciar uma
com um pensamento confuso sobre as próprias nova vida e não nos podemos permitir que-
capacidades de cada um. Por outro lado, a rermos parecer inteligentes a partir do ponto
intuição faz apelo a uma mente pura – os de vista competitivo vulgar. Tem de haver uma
que aprenderam a manter as suas mentes não mudança radical na nossa abordagem em que
tocadas por impulsos animalescos, medos e o possam existir pureza, amor, o sentido do que
género de sentimentos que caminham a par está certo e verdade. Todas estas coisas são
dos estádios de crescimento. Por conseguinte, importantes.
o nosso ajuizamento sobre várias coisas será ba- Se na Sociedade Teosófica existirem algu-
seado não no que sabemos serem considerações mas pessoas que possam exemplificar estas
mundanas, mas em factores que são necessários qualidades nas suas vidas, elas começarão a
para o novo estádio. Este novo estádio foi produzir efeito. O perigo é que, à medida
grandemente tocado nos primeiros tempos da que o tempo passa, esquecemos o propósito
Sociedade Teosófica, mas agora desapareceu original. ∞
para último plano.
Por exemplo, a ideia de que devemos in The Theosophist, Setembro de 2009
produzir literatura que seja apelativa para os
Annie Besant
O
pensamento é limitado porque o as posturas, todos os exercícios de respiração,
conhecimento acumulado é limitado, todas as actividades do pensamento.
e qualquer que seja a acção que ele Quando tudo isso é posto de lado, então
realiza, ou invente, tem de ser limitada. Temos surge a questão: Pode o pensamento ficar
de ter uma mente e um coração lúcidos para suspenso? Ou seja, sendo o pensamento tempo,
podermos compreender o que é uma mente pode esse tempo parar? Não o tempo exterior, o
religiosa. Para descobrirmos o que é uma cronológico, mas o tempo psicológico que tem
mente religiosa temos de negar por completo a ver com o «vir a ser – vir a ser iluminado, vir
todos os rituais e símbolos inventados pelo a ser não violento, um homem vaidoso vir a
pensamento. ser um homem humilde. Todo este padrão de
Se rejeitarmos, negarmos aquilo que é psicologicamente «vir a ser» é tempo, e este é
falso, então encontraremos o que é verdadeiro. também pensamento.
Negamos todos os sistemas de meditação por- Pode o pensamento parar? Não através de
que vemos que esses sistemas foram inventados disciplina ou de controle, porque quem é essa
pelo pensamento; eles foram elaborados pelo entidade que disciplina? Existe sempre em nós
homem. E porque a vida é tão medíocre, tão este sentido de dualidade: o «controlador» e o
incerta, desejamos ter uma qualquer satisfação controlado, o «observador» e o observado, o
«profunda», algum amor, por algo que seja «experienciador» e o experienciado, o «pensa-
estável, permanente, que perdure. Queremos dor» e o pensamento. Há sempre esta dualidade
algo que seja imutável, e julgamos que o con- divisionista em nós. Provavelmente surge a par-
seguimos se fizermos certas coisas. Essas coisas tir da observação que se faz do mundo exterior.
são inventadas pelo pensamento, e este, em si Neste há dualidade: luz e sombra, homem e
próprio, é contraditório, e deste modo qualquer mulher... Provavelmente trouxemos essa dua-
estrutura em meditação gerada pelo pensamen- lidade para o campo da psique. Assim, haverá
to não é meditação. Tem de haver uma rejeição um «controlador» que seja diferente daquilo
completa, uma negação total de tudo o que o que é controlado? Examinemos isto com muito
ser humano tem inventado psicologicamente, cuidado.
não tecnologicamente. Na meditação tradicional os gurus, que a
Não se pode negar a tecnologia, trata-se propagam, estão interessados no «controlador»
de negar todas as coisas que o homem tem e naquilo que é controlado. Afirmam que te-
inventado e escrito ao buscar a Verdade. Como mos de controlar os pensamentos porque desse
queremos fugir do nosso tédio e do nosso so- modo faremos parar o pensamento, ou passar a
frimento, caímos nessa armadilha. Portanto, na ter apenas um pensamento. Mas nós estamos a
meditação, temos de rejeitar totalmente todas investigar quem é o controlador. Pode-se dizer:
Q
ualquer encontro teosófico é uma presa aos mesmos problemas psicológicos e
ocasião para clarificar e aprofundar relacionais, incapaz de alcançar a serenidade de
a nossa compreensão do ensinamen- que fala o ensinamento, de escapar às dores e
to. Não se trata tanto de adquirir novos conhe- aos sofrimentos da existência.
cimentos mas, antes, de ponderar sobre aquilo No início de qualquer pesquisa existe um
que acreditamos saber e de nos questionarmos descontentamento, um sentimento de limitação
se estamos, verdadeiramente, na direcção certa. mais ou menos confuso. É o germe do desejo
É tão fácil acomodar-se em certezas que depois de libertação. De facto, falar de libertação pres-
se revelam estéreis. Quando a teoria não dá supõe a existência de um aprisionamento. Mas
acesso à prática, quando se vê que os nossos estaremos nós verdadeiramente conscientes da
conhecimentos teosóficos não conseguem natureza dessa prisão na qual nos sentimos en-
produzir dentro de nós uma transformação clausurados? Saberemos verdadeiramente a que
profunda, é preciso ousar questioná-los, ainda é que queremos escapar? Talvez que até aqui
que seja desconfortável, e até mesmo doloroso. não tenhamos sabido enfrentar esta questão
Os ensinamentos, eles próprios, não estarão em fundamental. Por conseguinte, sem conhecer
causa, mas como os temos interpretado. O que a natureza do obstáculo, não tomámos as
é que aconteceu para não os termos assimilado medidas adequadas para fazê-lo desaparecer.
mais? Na verdade, não conhecemos a nossa prisão.
Sri Ram dizia que seja quem for que queira Não nos interrogamos sobre quem a construiu,
dominar a arte de viver… somente pode descobrir nem como foi construída. Acreditamos estar
o quanto é difícil e como é vital interrogar-se aprisionados, limitados pelas circunstâncias,
de que natureza é a nossa abordagem e qual é a pelos outros, pelo nosso mau karma, e assim
direcção do verdadeiro progresso. por diante.
Teremos seguido a melhor direcção? Se nos temos na conta de Sábios, de
Consideramos como adquirido que estamos Seres Libertados, estamos totalmente presos às
comprometidos numa busca espiritual. Mas pa- armadilhas da ilusão, e a nossa suposta prisão
rece que, se o nosso objectivo fosse justo e claro, não tem a solidez que lhe atribuímos. Afinal
deveríamos aproximar-nos dele de forma mais depende apenas de nós vê-la desabar como
fácil e mais rapidamente. Se formos honestos um castelo de areia, ou dissipar-se como a
perante nós mesmos, devemos reconhecer que, bruma matinal. De Shankaracharya a Plotino,
após anos de estudo e de participação em reu- de H.P.B. a Krishnamurti, os Instrutores de
niões teosóficas, “progredimos” muito pouco. todos os tempos falaram da busca espiritual
Podemos até ter a desagradável sensação de per- como de uma viagem da aparência à Realidade.
manecermos mais ou menos a mesma pessoa, Do irreal conduz-me ao Real – esta frase dos
Krishnamurti disse que o acto de ver é a quando estiver vazio de qualquer pensamento.
única verdade, acrescentando mesmo que não Disse um poeta: Assim como o dia depende da
era necessário procurar a verdade, que nos inocência, o mundo inteiro depende dos teus
devíamos somente libertar da ilusão. Quando olhos puros (Paul Eluard). A pureza é a ausência
esta se dissipa, a verdade está ali. de egoísmo, o esquecimento de si. Quando
A verdade não é, portanto, uma questão de cessam as preocupações pessoais, as motivações
crenças ou de conceitos, mas de percepção direc- interesseiras, quando o eu é esquecido, o pen-
ta, de visão. Para ver, é preciso olhar. Podemos samento pára, o olhar é puro, nem que seja só
interrogar-nos se olhamos para o mundo que por um instante, e a visão penetrante torna-se
nos rodeia. Estamos a tal ponto encerrados no possível. É pelo facto de o eu ser tão raramente
pequeno e limitado círculo das nossas preocu- esquecido, que só muito raramente conhece-
pações pessoais que não vemos para além dele. mos esse estado de encantamento que revela a
E, mesmo no interior desse horizonte muito verdade e a bondade do mundo manifestado
restrito, quando alguma coisa nos desagrada na sua essência. As experiências místicas, que
ou nos perturba, fugimos. Refugiamo-nos nas são tomadas de consciência da essência das
distracções que são a nossa última escapatória coisas, são sempre acompanhadas de um estado
– distracções que nem sempre são coisas fúteis: de admiração. Aquele que não sabe contemplar,
mergulhar em estudos teóricos ou actividades disse Albert Einstein, que não conhece a vibra-
frenéticas pode ser uma forma de distracção que ção profunda da alma maravilhada, esse pode
nos permite escapar áquilo que não queremos considerar-se morto, já tem os olhos fechados.
ver. De facto, existem poucas coisas que aceita- Iremos manter sempre os olhos fechados
mos ver. E, mesmo no caso em que acreditamos ou embaciados pela ilusão, perdidos nos cami-
levar as coisas em consideração, com efeito nhos sem saída? Ou vamos realmente tomar a
não olhamos verdadeiramente, comentamos, direcção certa, esforçar-nos por purificar o nos-
julgamos, pensamos. A alguém que perguntou so olhar, por desembaraçá-lo progressivamente
a Krishnamurti o que é que ele pensava de uma de todas as ilusões, nas suas formas grosseiras
certa coisa, ele respondeu Senhor, eu não penso, ou mais subtis: ilusão da permanência, ilusão
eu vejo, e acrescentou porque pensamos, que nós da separatividade, ilusão sobre si mesmo… de
não vemos. todas as formas de ilusões nascidas do pensa-
O pensamento é um movimento na maté- mento? Muitos véus deverão ser levantados an-
ria mental. Assim como o mais pequeno sopro tes mesmo que o olhar esteja purificado de toda
de vento agita a superfície da água e perturba o a deformação e de toda a limitação. Mas, desde
reflexo da paisagem – do mesmo modo o me- as primeiras etapas deste processo, a vida toma
nor movimento da matéria mental criado pelo um novo significado, uma nova dimensão.
pensamento deforma o reflexo da Realidade. E Qualquer coisa – logo que seja vista tal
somos o brinquedo da ilusão, nunca vemos as como é, sem referência ao observador, ao uso
realidades tais como elas são. que ele possa fazer, aos benefícios que dela
Alguém disse que a lucidez é a observação possa retirar, às suas preferências e às suas
silenciosa e sem escolha daquilo que é. Mas conveniências – revela o seu carácter único e
isto só acontece quando o pensamento pára. insubstituível. Quando não existe avidez, nem
Observar não é pensar. O mental não pode re- apego, o movimento da vida é percebido como
flectir a realidade do mundo manifestado senão uma descoberta apaixonante, de momento a
P
ode dizer-se sem exagero, que, se existe uma forma vazia, um rótulo de exclusividade
uma chave para a solução de todos os e respeitabilidade, além de ser um meio de
problemas no relacionamento humano, auto-ilusão e causa de antagonismos. A caridade
ela é a simples, mas contudo profunda, verdade transforma-se num meio de auto-exibição e de
da fraternidade universal, que emerge do facto se ganhar consideração e apoio, como também
de que todos os seres humanos se originaram um bálsamo para a consciência.
das mesmas raízes, e que são essencialmente da De modo idêntico, a Fraternidade, mes-
mesma natureza, por mais que este facto possa mo quando considerada como uma dou-
estar velado e eclipsado pelas modificações trina prática e não apenas suportada como
por que passa esta natureza, apresentando uma ideia inócua, é vertida em termos de
assim diferenças nas características mentais e coexistência que apenas reclama paciência e
físicas. Mesmo que todos os sistemas sociais e tolerância para com aqueles com os quais dis-
políticos existentes permaneçam como estão, cordamos e de que não gostamos. Meramente
imperfeitos e nada satisfatórios como são, se for existir neste planeta simultaneamente com um
dado um sentido e realização genuínos a esta outro, sem que um ataque o outro, pode ser
verdade subjacente, o mundo presenciará uma uma melhoria no que respeita à lei da selva,
mudança milagrosa; em vez de ser, como é, um mas é o mais pobre dos pobres objectivos do
grande caos emergente, quase um inferno para ser humano, dado ser ele constituído como
inúmeras pessoas cujo sofrimento não vemos, uma fonte de energias que podem florescer em
ele tornar-se-á quase um paraíso. muitas formas diversas de beleza, agindo sobre
Toda a palavra que possui um significado os outros e produzindo uma diversidade de
bonito tende, com o decurso da utilização, a bençãos e de felicidade para si mesmo e para
tornar-se uma coisa gasta e vazia, uma moeda os demais. Também contém em si energias,
praticamente sem valor. Tornada um conven- talvez a mesma energia fundamental levada
cionalismo, um mero sinal, a indicação de uma a padrões auto-deformantes, que explodem
ideia, não a realidade, torna-se um oposto que em violência e catástrofe. A Natureza não
dá jeito, que cobre a nossa falta de sensibilidade permite um vácuo no espaço sem que este es-
e ignorância. Todo o conceito que encerra um teja cercado de pressões. Não existem durante
valor, que é espiritual num sentido fundamen- muito tempo paredes de isolamento sem que
tal, isto é, desprovido de qualquer elemento se gerem ou provoquem forças fora dessas
de interesse próprio e de auto-satisfação, é paredes que se organizem para as atacar. A
degradado e materializado; vê-se transformado, História oferece inúmeros exemplos desta lei.
na prática, em termos que desdizem o seu Aí onde existem privilégios, legalmente ou co-
significado original. Assim a religião torna-se mummente protegidos, baseados em nenhum
princípio justo, existem também forças de no plano dos afectos e da compreensão, e nesses
inveja e descontentamento; e quando estes sentimentos mais profundos normalmente ge-
privilégios negam oportunidades legítimas ou rados pelo contacto íntimo. Tal como as estrelas
causam dificuldades aos que deles são excluí- e as galáxias se diz estarem a afastar-se umas das
dos, também criam ressentimento e violência. outras num universo em expansão, do mesmo
Assim nascem e se alimentam revoluções, a lei modo no mundo moderno cada homem, perse-
da acção e reacção actuando de forma cega e guindo de forma intensa e febril o seu objectivo
catastrófica nas relações humanas, bem como particular, afasta-se dos seus companheiros,
psicologicamente, tanto como no campo dos cada qual movendo-se na sua própria direcção.
fenómenos naturais. Na medida em que cobre um terreno maior –
Os homens são supostos darem-se com os não sendo este o caso com o número crescente
seus iguais em respeito e compreensão mútuos, de especialistas e técnicos que não saem muito
e aprenderam a cooperar, de formas diversas, para fora dos seus estreitos trilhos – ele perde
para o seu enriquecimento e bem mútuos. Este profundidade de compreensão e profundidade
interesse surge por si quando as circunstâncias nos relacionamentos. Com toda a variedade de
não são desfavoráveis, tal como a natural curio- contactos e de interesses que o excitam, ainda
sidade de um jovem animal ou a sua ligação que superficialmente, a vida é um assunto
à mãe. Infelizmente, as condições modernas muito pouco satisfatório.
não parece serem propícias para estes instintos Vivemos um período da história mundial
verdadeiros e profundamente enraizados no em que a mente humana anda à procura, acti-
homem, que o podem guiar ao longo de um va, agitada, inquieta. Esta actividade, dirigida e
caminho de felicidade para si e para os demais, controlada, resulta nos avanços construtivos da
florescendo nessas graças e virtudes sem as Ciência e da tecnologia que emprestam a sua
quais a vida tende a tornar-se vulgar, demasiado tónica particular a este período, diferenciando-
excitante e desprovida de qualquer significado -o de outros, mas também traz dificuldades à
profundo. A competição agressiva, a luta pelo condição da mente do homem comum que é
sucesso e pela construção daquilo que se chama empurrado, puxado e excitado por uma va-
auto-identidade, como se tal já não existisse, a riedade de forças e acontecimentos. Existe
incessante procura de sensação de uma outra uma maré mista de ideias, criada não só pelos
forma, tudo isto não só destrói a paz da mente contributos notáveis do conhecimento, como
e do coração como também a capacidade e a também pelos acontecimentos diários, crónicas,
disposição para a concretização de qualquer da- comentadores e livros que tratam de mil e um
queles valores que não se encontram no plano assuntos diferentes. Estas ideias que penetram
das respostas superficiais de cada um. na mente do homem mediano de maneira
É um facto infeliz que, à medida que as nenhuma ajudam à sua iluminação. Até mesmo
oportunidades se expandiram com todos os as melhores mentes tendem actualmente a viver
meios de movimentação e de comunicação em segunda mão, satisfeitas com ideias que mais
que a Ciência nos proporcionou, e à medida não são que representações, mesmo quando
que novos campos de actividade foram abertos verdadeiras, e não a realidade. As imagens que
devido a um maior conhecimento científico, as formamos tornam-se paredes ou tabiques que
pessoas afastaram-se umas das outras, não só não deixam que a vida seja vivida em contacto
fisicamente, e nos seus interesses, mas também directo com as pessoas e as coisas tal como
elas são. Aquilo que podemos começar por A Fraternidade tem um significado na
considerar como uma fonte de enriquecimento realidade das coisas que nos passa despercebido
torna-se uma desvantagem. Um americano não quando se torna uma doutrina académica.
vê um habitante do Vietname como o ser hu- Significa, no plano psicológico, um interesse
mano que é, mas como a imagem desse homem positivo e sentimento pelos outros, bem como
já impressa na sua mente. A imagem classifica a compreensão dos mesmos. A partir dessa
aí os seres humanos em pró-América e pró-Viet base, ascendendo a realizações mais profundas
Cong. De modo idêntico, pessoas de outros pa- e subtis, ela pode tornar-se uma expressão de
íses têm as suas próprias imagens. Porque não toda aquela beleza de sentimento veiculada por
estamos em contacto com a realidade que é a S. Paulo nas suas Cartas aos Romanos e aos
vida, perdemos a capacidade de compreender a Coríntios. S. Paulo fala da caridade do coração
vida seja sob que forma for, e somos capazes dos ou, como alguns traduziram, do amor, que é
actos mais atrozes, tudo em nome da imagem, sempre belo. O amor, tal como a afeição, é real
da ideia que perseguimos. A nossa preocupação quando existe, porque é preciso e claro. É tão
com o recheio das nossas próprias mentes, bem real como os vários raios que penetram uma
como com as ideias daí resultantes, torna as substância sólida ou como uma corrente de
nossas vidas irreais, rotineiras, vulgares e nada electricidade que difunde um campo magnéti-
satisfatórias. co e despoleta várias reacções físicas.
A simpatia por uma pessoa procede da Por que a Fraternidade se aplica a uma
compreensão dos seus sentimentos, das suas variedade de seres, torna-se ou uma abstracção
necessidades e experiências, e normalmente a ou um sentimento enfraquecido pela sua
simpatia provoca afeição. Mas o ritmo louco disseminação, algo vago e amorfo a que falta
em que a vida é vivida por causa das atracções um foco e delineamento precisos. É ineficaz
que hoje existem no mundo, tão diferente de porque se trata de um conceito colocado numa
épocas passadas, não permite que haja tempo prateleira do nosso pensamento e não uma
para esse conhecimento. Quando fazemos uma força que muda a nossa maneira de pensar e o
observação superficial ou convencional sobre nosso comportamento de forma absolutamente
algum fenómeno significativo ou sobre algum definitiva. Se existe a mesma essência, com as
acontecimento importante que afecta as vidas mesmas energias, metaforicamente o mesmo
humanas, ou sobre algo belo, e rapidamente sangue, em diferentes indivíduos em alguma
passamos para outros assuntos, é óbvio que não camada do seu ser, ela pode desenvolver neles a
fomos tocados por isso. Estamos preocupados capacidade para se conhecerem como parentes
com as nossas próprias ideias, fins e objectivos. e responderem-se entre si com afeição e beleza.
A mente raramente está liberta deles e, por É neste conhecimento e nestas respostas que
conseguinte, trata-se de uma mente quase nada tem de ser descoberto o verdadeiro significado
aberta. A ideia que formamos de nós mesmos da Fraternidade. Sendo a Fraternidade um
e de todas as coisas geralmente está em parte termo abstracto, ela soa como uma condição
moldada por reacções que não paramos para estática de que se deve apenas tomar nota,
examinar e, em parte, deriva de leituras e de embora na realidade consista num intercâmbio
vários meios de propaganda. Só raramente natural entre dois seres humanos, em que cada
entramos em contacto directo com outro ser um é uma forma especializada de Vida ou
humano sem esta barreira. Espírito, o termo Espírito referindo-se a uma
profundidade e âmbito de sentido que terá quereria ser mais proeminente do que é. Uma
de ser descoberto por cada qual dentro de si. nota particular pode ser soada apenas para fazer
Quando a Fraternidade é imbuída desse signi- ressaltar o significado de outra. Ficará contente
ficado torna-se um relacionamento em que o com o seu próprio lugar e contribuição para a
desenvolvimento de cada um se vê enriquecido beleza e eficácia do conjunto, não desejando
pelas respostas do outro. que o conjunto rode à sua volta, dando-lhe a
A vida, que começa como uma unidade, tónica ou função dominante.
presta-se a diferenciações que constroem uma É desta forma, a cada passo, em associação
árvore com numerosos ramos e galhos, cada com membros de cada grupo natural que nos
um com as suas características especiais. Cada possa incluir, que começamos a perceber como
homem é diferente de outro no seu ser interior, a vida deve ser vivida, o que realmente significa
embora este ser pertença à mesma árvore da cooperar com os outros, qual é o dharma de cada
Vida. Esta diferença, quando correctamente um em relação com eles, o que a Fraternidade
entendida, torna-se um meio de intercâmbio significa em acção e prática. Todo o auxílio e
e de enriquecimento para ambos. O professor serviço que possamos prestar aos outros para
beneficia tanto como o aluno, o homem suprir uma necessidade ou promover um em-
tanto como a mulher, no relacionamento que preendimento benéfico faz parte desse dharma,
estabelecem entre si. Até mesmo um homem que é o caminho do nosso progresso em frente,
estúpido pode ajudar um amigo inteligente ao fora do campo das limitações e sombras, para
dar-lhe oportunidade de penetrar na máscara o reino da unidade e da luz; é também uma
da sua estupidez e encontrar forma de a solu- expressão dessa Fraternidade que é a verdadeira
cionar. Onde quer que haja interdependência, relação entre os seres, seja ela reconhecida ou
seja de que forma for, o tipo de interacção que não. Diz-se que quando finalmente se entra
conduz não só ao serviço das necessidades ime- nesse reino de luz e o ser mais interno se funde
diatas de cada parte, como também ao seu bem na essência que o constitui, toda a Natureza
supremo comum, deve ser considerado acção canta um hino de alegria, porque a Natureza,
da Fraternidade. ou melhor, as suas camadas mais profundas, são
As possibilidades de enriquecimento um tampo harmónico para cada frémito, quer
mútuo – sem prejuízo do carácter dos tipos es- de alegria quer de dor, sentido por qualquer
pecializados – multiplicaram-se enormemente um dos seus filhos. É a unidade que subjaz a
devido aos desenvolvimentos ocorridos neste toda a diversidade que nos faz participantes da
século. Não resta dúvida que é na unidade que parte e destino uns dos outros. Cada um actua
o verdadeiro progresso acontece, mas a natureza inevitavelmente sobre os outros de formas que
dessa unidade deve ser compreendida por forma aumentam ou diminuem as suas próprias ale-
a incluir o facto do processo de diversificação grias e sofrimentos, dependendo se a sua acção
e de especialização da Vida. É só a partir de segue as leis da unidade que constituem o bem
diferentes notas na sua pureza, diferentemente e o belo, ou as formas de separatividade sempre
espaçadas, que a harmonia é produzida. Se cada causadoras de distorção e de conflito. ∞
uma dessas notas fosse uma entidade conscien-
te, ela não só estaria consciente do valor das ou- in The Theosophist, Dezembro de 2009
tras notas, bem como partilharia da harmonia
produzida em colaboração com elas. Nenhuma
N
os ensinamentos dos Grandes Seres, a ficar irritado nem perturbado por aquilo que nos
ênfase é posta sobre a necessidade de chega do exterior. Que pode ser uma censura, ou
silêncio nos diferentes níveis de cons- o sentimento de não se ter sido suficientemente
ciência. Relativamente à palavra, um instrutor apreciado ou louvado, ou por se ser ignorado,
disse: o silêncio é o controlo da palavra. Aquela por não se ter sido convidado a falar numa
jóia teosófica, Aos Pés do Mestre, também nos reunião. Pode mesmo ser o facto de não se ser
aconselha: festejado pelo aniversário de nascimento ou de
É bom falar pouco, melhor ainda nada casamento. O amor-próprio e a teimosia tornam-
dizer, a menos que estejamos certos de que o que se grandes obstáculos para o desenvolvimento e
se quer dizer é verdadeiro, amável e útil. Depois conservação do silêncio dos nossos pensamentos
acrescenta: e dos nossos sentimentos. Na sua mensagem à
Um enunciado das qualidades requeridas é secção Americana em 1889, Madame Blavatsky
assim apresentado: saber, ousar, querer, calar; e a advertiu:
última destas qualidades é a mais difícil. São numerosos os membros activos da
Podemos recordar aqui aquele incidente Sociedade Teosófica que desejam trabalhar e que
bem conhecido da vida de Buda quando, en- trabalham firmemente. Mas eles exigem, como
quanto pronunciava um discurso, uma pessoa, prémio da sua ajuda, que todo o trabalho seja feito
de repente, se pôs a insultá-lo com palavras abo- conforme as suas ideias e não segundo as de outrem.
mináveis, mas Buda ficando calmo, e sem estar Se não acedermos às suas exigências, afundam-se
afectado por aquela torrente de injúrias, no final na apatia ou retiram-se inteiramente da Sociedade,
perguntou-lhe simplesmente: “Amigo, o que é proclamando bem alto que só eles são os verdadeiros
que acontece a um presente que não é aceite pela teósofos.
pessoa a quem é dado?” A Luz da Ásia, do Sr. Algumas vezes, mesmo nas publicidades
Edwin Arnold lembra-nos: humorísticas da televisão, passa uma mensagem
Vigiai os vossos lábios séria, como aquela na qual os passageiros se
Como se fossem as portas empurram para encontrar um lugar num auto-
de um palácio habitado por um Rei. carro abarrotado, um homem grita para outro:
Que todas as vossas palavras sejam calmas, “Porque é que me deu um soco?” Responde o
francas e corteses outro “ Não lhe dei um soco, mas, mesmo que
Como se Sua Majestade estivesse presente lhe tivesse dado, porque é que o apanhou?”
Outro nível de consciência relaciona-se Infelizmente, nós apanhamos e, imediatamente
com os nossos pensamentos e os nossos senti- e com pressa, acumulamos tantos “golpes” no
mentos. O silêncio dos nossos pensamentos e nosso cérebro que continuamos a estar de mau
dos nossos sentimentos inclui o facto de não se humor e a sofrer.
Como um instrutor uma vez observou, a O silêncio supremo nasce quando começa-
função do cérebro é a de registar, mas é assim mos a compreender o nosso puro Eu, “o espírito
para o vosso cérebro como o é para o vosso no nosso coração” e experimentamos viver nele.
gravador: parai a gravação quando alguém vos Este Eu é a nossa verdadeira natureza, unitiva
lisonjeia ou vos critica com palavras cáusticas e sempre harmoniosa. Uma tal compreensão
e pouco amáveis. Com o tempo isso irá trazer vem através do discernimento entre o real e o
felicidade à vossa vida! irreal, o permanente e o transitório, o durável e o
O silêncio, ou um dos seus aspectos cha- mutável, o Eu e o “não-eu”. A vigilância e a total
mado calma, vem também pela compreensão consciência acentuaram-se como guias. Olhar
das Leis da Natureza. Essas Leis são imutáveis e sabiamente para as coisas e para os acontecimen-
imparciais, e, consequentemente, a justiça, uma tos é uma outra forma de exprimir o mesmo
justiça absoluta, prevalece na aplicação dessas ensinamento.
Leis. Somos tentados a citar aqui uma passagem J. Krishnamurti exorta:
inspiradora de Annie Besant: Deveis estar intensamente conscientes, cons-
Ele sabe que tudo o que lhe acontece na vida cientes das vossas palavras, conscientes do vosso
é o que ele próprio criou no passado. E assim a sua snobismo, conscientes dos vossos medos, das vossas
atitude é uma ausência de ressentimento… fica en- ansiedades, do vosso sentimento de culpa. E ao
corajado ao lembrar-se que a dívida uma vez paga morrerdes para tudo isso, então dessa morte virá a
está paga para sempre… Qualquer dívida que é beleza do silêncio.
satisfeita é riscada da lista da vida para sempre. E Mais adiante, elucida o impacto do silêncio
é assim que está à vontade no meio do sofrimento, sobre as nossas vidas quotidianas e acrescenta:
porque o homem interno se satisfaz com a Lei. À luz desse silêncio, todas as acções podem
Podemos dizer que na essência, o silêncio ter lugar, na vida quotidiana… e questionamos,
é perturbado quando temos tendência em nos será possível agir neste mundo com esse imenso
identificarmos com os nossos veículos – os corpos sentimento de silêncio?... Quando se coloca esta
físico, astral e mental, e os seus desejos incontro- questão, separamos o silêncio da acção. Por isso é
láveis. Daí nasce uma distinção entre “eu” e “vós”, uma pergunta perigosa… Sabem, é como um tam-
a minha vontade e a vossa, as minhas simpatias bor que está perfeitamente afinado, se lhe baterdes
e antipatias e as vossas, e, depois, os meus inte- ele dará a nota correspondente, mas está sempre no
resses, a minha felicidade, as minhas exigências e vácuo, silencioso!
os meus desejos. Como foi dito por Buda, para É este o estado de pura atenção, suprema-
aquele que se agarra, o movimento existe, para mente silencioso e, no entanto, vibrando com
aquele que não se prende, não existe movimento. uma ressonância sagrada.
Os ensinamentos vão mais longe e acrescentam Aquele que se harmonizou através da yoga,
que até mesmo o sentimento ou a emoção mais cujo eu está purificado, cujos sentidos estão domi-
subtil, como a inclinação para o que quer que nados, cujo eu se tornou o eu de todos os seres, esse
seja, é um estremecimento de sede, sede talvez sob não é afectado mesmo quando ele age. (Bhagavad
a forma mais nobre. E, quanto à questão o que Gita, V.7). ∞
resta quando é retirado tudo o que é da natureza
do apego, a resposta é fica a bondade, a pura bon- (in The Theosophist, Novembro de 2001)
in Le Lotus Bleu, Agosto-Setembro de 2009
dade. A bondade é o amor purificado pela visão
penetrante das escórias do desejo e do apego.
A
presento-vos alguns pensamentos que porta da nova Era. O desenvolvimento de todos
me foram inspirados pela divisa da os sistemas anteriores, desde a Índia, Egipto,
Sociedade Teosófica: “Satyan Nasti Paro China, até ao Budismo, ao Cristianismo e ao
Dharma” [“Nenhuma Religião é superior à Islão, levou a um entrelaçamento inextricável
Verdade”]. que encerra o indivíduo humano de forma
A VERDADE está, por conseguinte, inexorável e podemos dizer que, na maioria
muito solidamente colocada como fundamento dos casos, em lugar de conduzirem o homem
dessa obra grandiosa – a que foi empreendida para a liberdade, todos esses sistemas religiosos
pelos Fundadores da Sociedade Teosófica. amarram o homem, fazem dele um escravo, um
Nós sabemos, porque no-lo foi dito bastantes adorador, um fiel. Por essa razão, a nova palavra
vezes, que no último quarto de cada século, a de ordem deve ser para cada um de nós a des-
Grande Hierarquia Branca, o Governo Interno truição dessa cerca, abrir a fenda na muralha e
do Mundo, faz um novo esforço para preparar ter acesso à Verdade por meio da liberdade.
a vinda do século seguinte, tentando incutir Em lugar de decretar dogmas ou de
na mentalidade da humanidade do século que constituir um corpo para veicular os segredos
finda a nota directriz do século vindouro. Isto superiores, a nova Teosofia explica as coisas,
com o sentido de tentar assegurar uma marcha revela os segredos reveláveis, e, no todo, pede
normal na evolução da humanidade, uma um estudo inteligente e ponderado. Um canto
entrada normal nas sucessivas etapas do seu do véu foi levantado, diz-se, mas agora, em vez
desenvolvimento. A etapa que se abre na nossa de ser levantado para um pequeno número,
frente parece, pois, estar marcada pela Verdade. é-o para todos. Também nada de indiscrição.
A humanidade conheceu outras épocas As Leis Ocultas são rigorosas porque são reais:
onde a tónica esteve posta em um ou outro “Somente aqueles que têm os olhos abertos
aspecto da busca espiritual, no conhecimento, podem ver.” E uma vez os “segredos” revelados,
no símbolo, na fé… Mas hoje nenhum desses conhecidos pela maioria dos homens, damo-
sistemas particulares predomina sobre os nos conta de que sempre estiveram expostos
outros, todos são estimulados e aprofundados. aos olhos do público, mas que este público
Hoje, é o próprio centro de toda a esfera espi- permaneceu cego porque procurava a verdade
ritual, o próprio objectivo da busca espiritual, algures, uma verdade que ele julgava estar bem
que é levado para a frente: a Verdade. Verdade escondida, até mesmo inacessível.
inteiramente pura, completamente despida, Quando o investigador abre um pouco
sem nenhuma roupagem misteriosa, sábia ou os olhos, fica admirado por ver o número de
fascinante. “Nenhuma Religião é superior à coisas, que lhe foram sempre declaradas como
Verdade”. Esta é a fórmula mágica que abre a extremamente secretas, expostas à luz do dia e,
isso, desde há séculos. Mas os seus olhos esti- razão por que vê aparecer toda aquela floração
veram sempre velados, ou desviados, e nunca de mestres, de magos e toda essa “plêiade” de
viram a realidade das coisas. ciências esquecidas e ignoradas pela ciência
Se nos voltarmos para o lado material da oficial.
pesquisa, damo-nos conta de que aí, igualmen- O que é a Verdade? O Dicionário Larousse
te, se iniciou algo de novo. Até ao presente, a definiu-a muito bem nesta espécie de prestidi-
ciência seguiu um sistema após outro. Demoliu gitação. Quando o abrimos na palavra Verdade,
um a um todos os princípios enunciados segun- lemos: “qualidade do que é verdadeiro”. E
do as experiências e considerados invioláveis. quando nos reportamos à palavra verdadeiro
Por exemplo, o princípio de conservação da está escrito “conforme a verdade”. Existe algo
matéria “nada se perde, nada se cria”, que foi de… verdadeiro, nesse reenvio de um para o
destruído com a descoberta da radioactividade outro lado. Sim, a Verdade, em verdade, não
e pela famosa fórmula de Einstein. se define e não pode definir-se por palavras. A
Aqui também o sábio ao fazer uma des- Verdade não se aprende, não se lê, não se diz,
coberta apercebe-se de que o princípio que não se ensina. Lembremo-nos daquela frase do
descobriu sempre estivera operante, sem que os Senhor Buda: “Aquele que interroga engana-
seus olhos, turvados pelas teorias convergentes, se, aquele que responde engana-se. Não digas
o tivessem detectado. nada.” É um conselho de valor inestimável,
E a ciência, no seu impulso de descoberta, um conselho cuja sabedoria e autenticidade
lança em cada dia uma revelação à cabeça da apreciamos, e que não seguimos de modo
humanidade, que fica atordoada com tudo nenhum. Com efeito, não se desperdiça tanto
isso. A humanidade encontra-se bruscamente tempo, tanta energia, tanto dinheiro, para dar
confrontada com um número incalculável e conferências atrás de conferências, palestras e
insuspeito de “descobertas” que ainda não sabe mais palestras, discursos, simpósios, debates e,
como utilizar. No seu prazer da descoberta e no por acréscimo, para publicar todos os livros e
seu tacteamento pueril, a ciência brinca com todas as revistas. No fundo, todos os que falam
as energias postas à sua disposição e mal se dá e escrevem, sabem bem, com a maior sinceri-
conta dos perigos em que incorre. dade, que sabem apenas pouca coisa, e tomam
Se regressarmos ao domínio do invisível, sempre a precaução de dizer que, simplesmente,
produz-se o mesmo fenómeno. Para fazer não é necessário agarrarem-se às suas palavras,
tocar o despertador no séc. XIX, Madame que a Verdade está muito para além de tudo o
Blavatsky, em conjunto com o Coronel Olcott, que possam dizer. Esta é uma verdade muito
colocaram a ênfase nos fenómenos sobrenatu- difícil de ser compreendida pela maioria.
rais. Despertaram tão bem no homem aquela Com efeito, o que quer que se possa dizer,
atracção pelo maravilhoso, e, sobretudo, de tal por maior que possa ser quem se expressa, o que
modo tornaram a colocar ao alcance do homem diz nunca será a Verdade, mas uma expressão
essas possibilidades, essas ciências, essas práti- pessoal do que ele retirou da luz da Verdade.
cas esquecidas, que o homem da actualidade, “Tu entrarás na Luz, mas nunca tocarás a
ao encontrar-se bruscamente diante de uma chama.” Somente uma pequena parcela de luz
revelação cuja amplitude o assombrou, não é que pode ser percebida, ao mesmo tempo, e
sabe onde mergulhar. Ainda aqui, a atracção somente uma parcela ainda mais pequena é que
pelo prazer, pelo agradável o arrebata; e é essa a poderá ser transmitida pela palavra.
a ponta do véu. Foi com este objectivo que os lido este ou aquele livro, se envaidecessem por
Fundadores da Sociedade Teosófica voltaram saberem muito de Teosofia ou se precipitassem
a colocar em livre circulação todas essas leis nas práticas cerimoniais ou psíquicas, mas para
que constituem a base da sabedoria de todos aqueles que, tomando consciência dessas leis,
os tempos. Foi com esse objectivo que tiveram pudessem orientar a sua vida no sentido da
a bondade de nos revelar a construção e o evolução, para aqueles, cujos olhos estivessem
progresso do universo. Mas, como todos os abertos para estes ensinamentos, experimen-
homens, tiveram de utilizar a linguagem hu- tassem pô-los em prática nas suas vidas, mais
mana, e além disso tiveram que encontrar uma ainda, para que a sua vida fosse a expressão das
maneira compreensível de apresentar as coisas leis naturais.
aos homens da época em que iniciaram o traba- É este o caminho que foi iniciado pela
lho. Daqui resulta o carácter rígido e parcial de Sociedade Teosófica; aqui está, na minha
algumas apresentações da Teosofia, daquilo que opinião, a nota da Era que se abre: “Viver
actualmente muitos teósofos se comprazem em verdadeiramente o que se aprendeu”. Sem ne-
designar “a antiga” apresentação da Teosofia. cessidade de sistemas, de rituais, de códigos, de
Foi também com este objectivo que Madame religiões. Mas uma vida totalmente impregnada
Blavatsky consentiu em produzir certos fenó- pela expressão das leis naturais; uma vida muito
menos. Se o fez, foi muito menos para produzir simples e pura; uma vida natural sem medo,
fenómenos, foi muito menos para erigir um sem autodefesa, uma vida espontânea, uma
sistema, foi muito menos para fazer o novo, do vida livre. É somente com esta liberdade que se
que para demonstrar com exemplos e provas pode esperar alcançar a luz da Verdade.
que o Universo, e, em consequência, o homem,
são regidos por Leis imutáveis, e que, quando Cada Homem é para si mesmo o Caminho, a
se obedece a essas leis, a evolução acontece. Verdade, a Vida. (A Luz no Caminho) ∞
Se os nossos antecessores falaram, escreveram
tanto, não foi tanto para que os membros da (in Le Lotus Bleu, Novembro-Dezembro de 1960)
in Le Lotus Bleu, Novembro de 2009
Sociedade Teosófica se glorificassem por terem
M
ais do que uma vez me foi dito que de guias mediúnicos de baixa condição que
as pessoas que não pertencem à continuam a enfeitiçar tantas mentes confusas.
Sociedade Teosófica são bem mais Um membro da ST em particular ou
fraternas do que aquelas que são membros da qualquer outro ser humano em geral, que tenha
ST. Confesso que, de ambas as vezes, senti alí- atingido um certo nível de cultura e de com-
vio. De facto, tendo a ST menos de trinta mil preensão, só poderá ver a fraternidade como
membros e, se se assumir que esses membros uma necessidade. Na verdade ela representa o
são mais ou menos fraternos, isto contra seis objectivo principal da trilogia de objectivos da
biliões de humanos, não podemos deixar de Sociedade. É a condição para:
ficar muito felizes com a observação e esperar - em primeiro lugar, viver em paz com o
que seja mesmo assim. E há verdade nisto. meio circundante e com o próprio,
O núcleo de fraternidade a ser formado de - em segundo lugar, descobrir algo mais
acordo com o primeiro objectivo da Sociedade amplo e mais profundo no campo da consci-
Teosófica está na realidade em formação. Estar ência, e
em vias de formação significa que não está - em terceiro lugar, experienciar a verdade.
ainda totalmente formado… Consideremos estes três pontos. Em pri-
Quando os objectivos da Sociedade foram meiro lugar, a fraternidade é uma necessidade
estabelecidos, há mais de 130 anos, o primeiro pata se viver em paz com o meio circundante.
objectivo consistia em ‘formar um núcleo de Não podemos manter a separação entre amigos
fraternidade sem distinção de raça, credo, sexo, e inimigos. Temos de chegar a um ponto na
casta ou cor’. Houve uma altura, pelo menos em mente em que esta distinção desapareça. Então
algumas Secções, em que só o primeiro objecti- quem é que está à minha frente, à vossa frente,
vo era exigido como condição que o candidato se não são amigos nem inimigos? Apenas seres
teria de aceitar. É perfeitamente óbvio que o humanos a lutarem, a maior parte das vezes,
primeiro objectivo seja o mais importante. pela sua sobrevivência, seres humanos muitas
De facto, imaginemos o segundo objectivo vezes apegados às suas posses, a esse pequeno
parcialmente realizado, produzindo eruditos pedaço a que chamam reconhecimento ou
‘medianos’; se o primeiro objectivo não for apli- prestígio. Esses seres humanos sentem-se prin-
cado, esses ditos eruditos iniciarão lutas entre cipal e inconscientemente ameaçados pelo pós-
si apenas para promover o seu próprio ponto morte e semi-conscientemente amedrontados
de vista. Isto aplica-se igualmente a pessoas não pela morte. A morte é o terminal do comboio
cultas. E imaginemos igualmente o terceiro desta vida em que vós e eu viajamos e onde
objectivo só parcialmente explorado e fazendo partilhamos a mesma sorte. Durante a viagem
as delícias de todo o tipo de gurus baratos e a caminho do terminal, os viajantes muitas
vezes zangam-se por questões ínfimas. Quando importante e de ordem essencial requer este es-
se agrupam em famílias, clãs, tribos, etc., as tado unificado de consciência em que a mente
zangas transformam-se em guerras. dualista é transcendida num todo indiviso. Este
Podem observar-se muitos fenómenos estado é denominado ‘consciência desperta’ ou
como efeitos secundários da guerra. Por vezes ‘inteligência em acção’. A consciência desperta
os clãs acalmam-se, mas algumas facções, por somente poderá habitar numa mente serena.
causa de interesses pessoais, mantêm o clima de Por conseguinte, uma mente agitada vive num
tensão de forma a dominarem a situação ou, estado não inteligente. A descoberta de níveis
pelo menos, a não perderem influência. Todos mais profundos de consciência leva à inteligên-
sabemos que, pelo mundo fora, algumas pessoas cia ou ao insight capazes de oferecer indicações
‘especiais’ lucram sempre com a guerra. Mas o sobre a natureza da Verdade.
comboio continua a correr inexoravelmente em Em terceiro lugar, a fraternidade é uma
direcção ao seu terminal. As famílias, os clãs, necessidade para se experienciar a Verdade. A
as facções, acabarão por ser arrastadas. Alguns Verdade é o objecto da pesquisa dos ocultistas.
dirão, “Não importa! Consegui aquilo que que- É a Realidade para os cientistas e o Supremo
ria” e, ao agirem, esquecem as consequências. para os místicos, o objectivo último de todo o
Outros, de certo modo mais conscientes do inquiridor genuíno. Para se investigarem as leis
facto de o comboio levar todos até ao final, não inexplicadas da Natureza e os poderes latentes
iniciarão um conflito. O risco continua para no homem, tal como é afirmado no terceiro
além desta vida. A próxima questão é como objectivo, a fraternidade tem, até certo ponto,
evitar o conflito. de ser concretizada, bem como feito algum
O conflito tem início na nossa consciência estudo aprofundado. Abordar-se a Verdade não
antes de se exteriorizar. Isto implica que, para significa explicá-la. Como é que se explica e
se estar em paz com o meio circundante, temos veicula a Verdade se, ‘enquanto tal’, ela é vazia?
de estar em paz connosco próprios. Nenhum Qualquer tentativa para a explicar ou definir
conflito, nenhuma atormentação, nenhuma iria circunscrevê-la e provocar mais confusão…!
auto-tortura… A paz interior não pode de for- Contudo, é inegável que experienciar a Verdade
ma alguma ser conseguida sem uma vida limpa pertence à vivência individual; todo o processo
e um coração puro, bem como sem alguma ocorre dentro da consciência do indivíduo.
compreensão que acabará por levar, na altura Portanto a experiência da Verdade é necessaria-
própria, ao insight. Não há outro caminho a mente subjectiva. Mas, a subjectividade desta
seguir. Penso que, embora não consigamos experiência não pode ser assemelhada a nenhu-
compreender isto totalmente, disto possamos ma experiência de realidade virtual, na qual
ter alguma percepção. está envolvida grande parte da imaginação que
Em segundo lugar, para se descobrir algo a cria. A experiência da Realidade ou Verdade,
mais amplo e mais profundo no campo da apesar da sua subjectividade, é uma experiência
consciência a fraternidade é uma necessidade. real vivida pela consciência individual dentro
É justamente por isso que a descoberta de algo da consciência unificada, sem intervenção da
mais amplo e mais profundo exige um campo imaginação.
unificado dentro da consciência, um estado em Assim, a fraternidade vista a partir do
que nem sempre haja dicotomia entre um e o ângulo da actividade é uma necessidade.
outro, entre isto e aquilo. Qualquer descoberta Vista do ângulo do intelecto é um estado de
relacionamento natural onde ainda existe a fraternidade origina-se deste estado de inocên-
distinção entre ‘tu’ e ‘eu’. No entanto, o rela- cia em que o amor ainda não caiu na corrupção
cionamento não se deixa ensombrar, quer pelo de ser nomeado, mas que surge espontanea-
fardo de hierarquias, quer pela obscuridade mente nos cuidados e no serviço. Se o serviço
da inveja ou ainda por alguma confusão de fosse entendido não como estando ao serviço
funções. A fraternidade representa uma mente do egoísmo da humanidade, a fraternidade
onde não existe ambição para o próprio e ne- não seria vivida como um privilégio recebido
nhuma expectativa em relação aos outros. Este e conferido a uma população limitada, um clã,
estado natural faz lembrar o estado de inocência uma família, uma etnia, etc.
descrito pelo filósofo Taoista Tchuang-Tzu que Se a fraternidade for o caminho para a
escreveu sobre o tempo ‘quando a vida era plena consciência desperta, este caminho deverá
não havia história’. precisamente traçar a via de regresso a esta ino-
No tempo em que a vida na terra era plena cência original em que não existe luta interior
ninguém prestava especial atenção aos homens capaz de produzir conflito exterior. Este estado
com valor, nem fazia sobressair o homem com de inocência exalta a ética universal que não é,
mais capacidades. Os governantes eram sim- em definitivo, nem moralidade nem assunto a
plesmente os ramos mais altos da árvore, e os ser codificado.
homens eram como veados nos bosques. Eram Então, sendo mais do que uma necessida-
honestos e rectos sem que se apercebessem de de para a paz de espírito, para uma consciência
que ‘estavam a cumprir o seu dever’. Amavam- mais abarcante e para experienciar a Verdade, e
-se entre si e não sabiam que isto era ‘amor ao mais do que o primogénito natural nascido da
próximo’. Não enganavam ninguém, contudo inocência, a fraternidade representa a dinâmica
não sabiam que eram ‘pessoas em quem se do relacionamento. Exploremos um pouco mais
podia confiar’. Eram de confiança e não sabiam esta observação.
que isto era ‘boa fé’. Viviam juntos livremente Todos estamos de acordo com o facto de
dando e recebendo e não sabiam que eram a vida ser uma rede de relacionamentos. Estar
generosos. Esta a razão por que as suas acções relacionado implica geralmente estar-se envol-
não foram narradas. Não fizeram história. (1) vido nalguma forma de parentesco, de amizade
Infelizmente, a história passou a ser escrita ou de conhecimento pessoal. Mas que tipo de
desde então. Onde se encontra agora a frescura relacionamento se tem com o homem da rua?
da inocência? A honra perdeu-se. O que se pode Ele e eu partilhamos a mesma humanidade.
fazer? Tentar formar um núcleo de fraternidade! Ambos viajamos, como anteriormente se disse,
É o que estamos a tentar fazer, não é? no mesmo comboio em direcção ao fim, a
É evidente que quando a vida ‘era plena’ morte. Todos partilhamos o destino colectivo
(significando que não havia divisão) e se desen- de todas as criaturas, o que inclui a raça hu-
rolava sem ego (o que significa, de acordo com mana. Parentes e amigos têm mais pormenores
o Tao, a Via do Céu ou o Divino), não havia a partilhar como as suas profissões, crenças e
necessidade de se levantar a questão da virtude. talvez mesmo as suas idiossincrasias. Mas é
Quando se perde o Tao aparece a virtude. De tudo? Tem de se acrescentar um factor especial,
igual modo, quando a inocência é perdida, a solidariedade, a solidariedade de ser humano.
surge a fraternidade; quando a fraternidade se A solidariedade tem um significado muito mais
perde surge a noção de justiça, lealdade, etc. A profundo do que simplesmente dar de comer
aos pobres e/ou auxiliar pessoas necessitadas. propósito imediato é identificado no âmbito da
A solidariedade implica respeitar a dignidade consciência? Quantas vezes não conseguimos
dos outros e, ao fazê-lo, respeitar a sua própria estar conscientes do nosso próprio estado de
dignidade e vice-versa. consciência?
E ainda mais do que isso. Quando encon- A fronteira entre a capacidade na acção,
tramos alguém, o que predomina na mente como yoga, e a hipocrisia, é muito ténue, tão
de cada um? Encontramo-lo com uma mente ténue como a fronteira entre a esperteza não in-
preconceituosa? Trata-se de um amigo? Sim, teligente e a loucura. Sem consciência desperta
absolutamente, ele pagou as minhas despesas. e sem integridade, essas fronteiras poderão ser
Não está do meu ‘lado’? Certamente que não, ignoradas inconsciente ou conscientemente.
pois nunca deixou de tagarelar sobre mim. É No seu discurso em Ommen, na Holanda,
um idiota; magoou-me, etc. Krishnamurti antes da bem conhecida A Verdade é uma
salienta que, a maior parte das vezes, na rea- Terra sem Caminhos, Krishnamurti exortou a
lidade não vamos realmente ao encontro do audiência:
outro. O dito encontro não é mais do que uma […] Falo daquele eu de que todas as coisas
justaposição de imagens, de realidades virtuais, dependem e do qual todas as transformações
dos respectivos egos, por vezes chocando-se surgem. Esse eu está em toda a gente e digo que, se
entre si, por vezes elogiando-se mutuamente, quiserdes essa glória, essa força, que é Libertação,
para se contornarem dificuldades ou para se que é Verdade, deveis olhar para esse eu e pôr tudo
conseguirem recompensas, de acordo com a o resto de lado […] (2)
esperança ou expectativa de cada um. Será Olhar para esse eu e pôr tudo o resto de lado
que existe algo de genuíno no relacionamento leva a que se tenha uma visão real da situação,
ou apenas queremos uma aproximação? A das pessoas e de si próprio – é o todo. Para se
fraternidade não pode ser vivida sem uma ser mais preciso, dever-se-ia dizer que a visão do
consciência desperta – a consciência desperta todo, do eu, leva à percepção das situações, das
de ser genuíno para consigo próprio, de ser rec- pessoas e do relacionamento. Esta percepção dá
to, honesto para consigo mesmo e para com os vida ao relacionamento, bem como um sabor
outros. Esta integridade pode ser sentida a par de frescura e de inocência. Do lado interno
do movimento de motivações escondidas que das coisas significa que a pessoa está a morrer
estão sob controlo e bem visíveis. A integridade para si própria pois nenhum eu pode sobreviver
deve ser vivida pelo próprio, por si mesma, e quando a consciência desperta está em acção.
não por qualquer reputação ou recompensa E Krishnamurti prosseguiu:
moral/material, porque a vida cumprida na sua Para que serve uma multidão de pessoas
completude e expressão última é incorruptível. sempre acomodadas, um grande número que são
Então, a fraternidade é uma via para a indecisas, vagas, receosas [e] com dúvidas? (3)
consciência desperta? Ou antes, não será a Como se disse atrás, o núcleo de fraterni-
consciência desperta uma via para a frater- dade a ser formado de acordo com o primeiro
nidade e para outros estados de consciência? objectivo da Sociedade Teosófica está na verda-
A consciência desperta parece ser a base das de em formação. Estar em formação significa
virtudes. Porque não somos fraternos? Não será que não está ainda totalmente formado …
porque todo o género de motivações masca- A Humanidade é o nosso reservatório. E
ram a visão interior de modo que somente o a fraternidade está sempre a ser construída. É
como os bandos de gansos selvagens a voar no uma permanente consciência desperta não
céu. A sua composição varia consoante a época, comprometida.
mas há sempre bandos a voar.
Continua a haver perguntas para colocar. Roma, Julho de 2010 ∞
Sois vós, sou eu, indeciso, vago, receoso e des-
Referências:
crente? Estou acomodado? Estais acomodados? (1) The Way of Chuang-Tzu, traduzido por Thomas
A formação do núcleo de fraternidade Merton, p.114/115
depende da procura e da resposta da alma de (2) Agora, de J. Krishnamurti – Ommen Camp, 1929
(3) id.
cada um. E a resposta pertence a todos. Tem a
sua validade no pano de fundo da consciência,
John Coats
E
xiste uma máxima, cuja exactidão todos ao que pensa e ao que sente. Daqui resulta que
nós podemos verificar com a nossa cada um de nós transporta consigo uma forma
própria experiência que afirma que nos subtil de antipatia para com os que não são seus
elevamos na vida espiritual através dos degraus compatriotas ou para com aqueles que não têm
estabelecidos no nosso passado. as mesmas crenças religiosas; e se não for uma
A vida do homem consiste numa mudança verdadeira antipatia, será então um sentimento
contínua no modo de encarar a existência. À de superioridade. Manifestamos um espírito
medida que ele passa por experiências, uma crítico e fazemos com que tudo dependa do
atrás da outra, eleva-se, por assim dizer, de um nosso eu e das suas necessidades. O que pode
nível para outro, no caminho escarpado de servir ao nosso “eu”, designamos como “bem”
uma montanha e a paisagem que avista muda mas, em qualquer lugar, se alguma coisa parece
continuamente. restringir a expansão do nosso eu denominamo-
Reconhecemos que existem duas espécies la por mal.
de visão ao nosso alcance: a do homem co- É por isso que possuímos a visão comum
mum e uma outra visão que foi revelada pelos do homem médio que se baseia no sentido
grandes guias da humanidade, os Fundadores crítico, e somos muito pouco influenciados
das Religiões. No entanto, somos levados a por aquela simpatia mais alargada de que, na
acreditar que essa visão dos Grandes Instrutores realidade, somos capazes.
tão elevada é só para Eles e que, nós, os huma- Mas existe uma visão diferente que qual-
nos, vivendo em níveis inferiores, não somos quer homem e qualquer mulher mais cultos
capazes de semelhante visão. Mas o objectivo começam a entrever porque lhes é revelada
da mensagem da Teosofia é precisamente o de pelos grandes poetas. O que caracteriza um
mostrar que aquilo que os Seres maiores alcan- poeta é precisamente essa visão mais ampla
çaram também um dia será alcançado por cada e, em particular, o poder ver o Divino no
ser humano. homem. O grande poeta mantém-se afastado
Em primeiro lugar, vejamos em que da humanidade; descobrireis que Shakespeare,
consiste a visão comum do homem. Qual é a que vê todos os homens como do alto do
atitude do homem médio perante aqueles que Olimpo, aponta as suas fraquezas e os seus
o rodeiam? Sabem que, de uma forma ou de defeitos mas, no entanto, envolve-os com a sua
outra, resvala no ressentimento. O homem benevolência. Dá prova dessa capacidade de
comum não gosta de ver à sua volta coisas visão quando coloca na boca de um dos seus
diferentes daquelas a que está habituado; não se personagens, ao falar de um outro a seguinte
sente à vontade entre os que pensam de outro afirmação: Deus o fez, então admitimos que seja
modo, e não é feliz se encontra uma oposição um homem.
Observareis que cada vez que Shakespeare grandes lições é a da Vida Una. Lentamente,
se ocupa de um ladrão não lhe testemunha muito lentamente, os homens são levados a
nenhuma antipatia; fá-lo viver e realizar as suas compreender que existe uma UNIDADE; essa
perversidades porque não tem ressentimento Unidade será descoberta por cada um de nós
contra o mal que daí depende. consoante o seu temperamento e pouco impor-
Passemos agora ao grande Instrutor Sri ta os nomes que irão dar a essa Vida Única. Em
Krishna, na Índia. Ele dá provas desta mesma primeiro lugar, vem, pois, o reconhecimento
visão divina quando diz qualquer que seja a da Vida Una. Mas isso não é suficiente, porque
forma como os homens se aproximam de mim, eu é necessário que o homem descubra também
acolho-os a todos porque todos os caminhos que a sua imortalidade, a sua libertação da morte,
podem percorrer são os meus caminhos. mesmo enquanto vive num corpo mortal. Cedo
É essa mesma visão divina que nos mostra ou tarde, cada um de nós deverá resolver o pro-
esse outro grande Instrutor, o fundador do blema da imortalidade. É necessário estarmos
Budismo, quando dá um código de conduta absolutamente certos de que somos imortais.
àqueles que queriam segui-lo – do modo que Podemos considerá-lo intelectualmente ou
uma mãe ama o seu filho, o seu único filho, do voltarmo-nos para esta ou aquela filosofia, mas
mesmo modo é preciso que cada um de nós ame não encontraremos a prova da imortalidade
todos aqueles que nos rodeiam, quer esteja senta- senão quando descobrirmos um trabalho ao
do, de pé ou deitado. qual nos consagremos inteiramente. É somen-
Amar todos aqueles que o cercam. Eis te quando nos entregamos completamente a
aquela esplêndida visão do homem na qual já um trabalho assim, sofrendo por ele fazendo
não existe a questão de divisão de raça, credo sacrifícios que teremos, pela primeira vez, um
ou religião e que é dada à humanidade pelos vislumbre da nossa natureza imortal. E quando
maiores Instrutores, aqueles que abriram a tivermos tido essa percepção, quando tivermos
porta do Céu. sentido e conhecido algo dessa Unidade, então
Afigura-se-nos que esta sublime visão todos os homens terão para nós uma nova
não é possível senão a um pequeno número, mensagem.
a esses gigantes espirituais, a esses altos cumes Não menos importante, mas mais difícil
da cadeia da humanidade. Mas a mensagem da de compreender, é a mensagem da Vida que os
Teosofia aí está para nos afirmar que aquilo que vossos inimigos vos trazem. Não pensamos nos
os maiores realizaram também será realizado nossos inimigos, naqueles que nos detestam,
por cada um de nós, por cada um dos milhares como se tivessem para nós uma mensagem.
de seres que vivem no mundo. É por isso que No entanto, na condição de estar desligado e
é interessante estudar o caminho que conduz a de considerar objectivamente o nosso inimigo,
essa realização e de que modo todos os homens esforçando-nos por compreendê-lo, começa-
alcançarão a visão divina. mos a perceber que ele não nos detesta senão
Quando, com a ajuda da Teosofia, ana- pelo que está em nós próprios. Ele apenas faz
lisarem o processo da vida e particularmente o retorno do que faz parte da nossa natureza e
quando começarem a compreender o mistério que já tínhamos exteriorizado. É a isso que nós
do vosso próprio sofrimento, vereis pouco a chamamos ódio.
pouco, que a vida está a forçar-nos, a obrigar- O nosso inimigo pode ensinar-nos algo
nos a aprender certas coisas, e uma dessas do mistério da vida, dar prova de desapego,
como permanecer sereno entre a dor e o prazer. Beethoven exprimir a grandeza da Vida como
É assim que, de todos os lados, os homens, ele a compreendeu? Não. É muito mais. Ele
o amigo, o Guru, o Instrutor, o inimigo nos desperta, no coração daqueles que o escutam, a
ensinam alguma coisa sobre a Vida. nobreza do coração; ele liberta o músico escon-
Acontece o mesmo quando se trata de um dido na multidão de ouvintes que se apertam
grande número de pessoas. Elas tomarão um para escutar a sua música.
novo significado à medida que se descobre a Aqui está um dos sentidos da Vida.
misteriosa natureza do ser humano. A razão A Vida liberta-nos incessantemente e
de ser dessa mensagem é, antes de mais, a de quando olhamos para os nossos amigos, cada
libertar alguma coisa que existe dentro de nós. um deles liberta em nós a capacidade da Vida
O que é que acontece quando gosto do meu Divina.
amigo? Em verdade, sinto uma grande alegria De modo contínuo, pela troca constante
e, mais ainda, ele liberta em mim uma capa- de pensamentos e de sentimentos, as forças
cidade de amor e de ternura e, desde que essa escondidas dos homens agem umas sobre as ou-
ternura se liberte dentro de mim, poderei dá-la tras, cada um de nós fica liberto e, lentamente,
aos outros. Eu que pensava ser incapaz de fazer o nosso eu mortal é posto de lado e, só então,
algo de grande, ou de fazer o menor sacrifício, descobrimos algo da nossa natureza escondida,
sinto que, porque amo, sou capaz de realizar imortal.
grandes coisas. Esta capacidade sempre estivera Quando aquele que procura a visão divina
dentro de mim, mas foi necessário esperar pelo chegou a este ponto e sente que cada homem
momento em que alguém batesse, que tivesse a tem para ele uma mensagem qualquer, quan-
chave da minha porta, e que pudesse libertar- do vê com “esses olhos mais abertos”, então
me. O amigo é sempre aquele que liberta as aparece-lhe uma cena maravilhosa que faz parte
capacidades do outro que estão escondidas. da visão divina. É como se toda a sua vida de
Quando admiro um herói e fico maravilha- dever, de tribulação, tudo o que torna o mundo
do com o seu acto de heroísmo, é uma forma de tão cheio de obscuridade e de trevas se tivesse
descobrir em mim próprio o poder de vir a ser transformado.
também um herói. Quando tomo a resolução Quando chegamos à fase de ver os homens
de viver como ele, quando me comprometo a sob esse ponto de vista e de compreender que
segui-lo, não faço senão libertar-me das cadeias todos eles têm uma mensagem para nós, então
que me embaraçam, a fim de me elevar até ao começaremos a pressentir e a ver por detrás de
seu nível. cada mulher e de cada homem um arquétipo
Quando vamos aos museus para admirar divino, através do qual Deus se esforça por
as obras de grandes artistas, o que é que aconte- talhar uma obra divina imortal na nossa frágil
ce? Descobrimos alguma coisa da natureza, da humanidade.
beleza que está dentro de nós. Porque o belo É esta visão dos divinos arquétipos por
desperta em nós é que nós somos capazes de o detrás de todos os homens que é, em verdade, a
admirar nas obras de arte. GRANDE MENSAGEM que a vida nos ensina
Qual é o mistério que se verifica numa quando estamos prontos para compreendê-la.
sala quando, ano após ano, milhares de pessoas Anteriormente nunca tínhamos visto a huma-
escutam e se sentem arrebatadas de admiração nidade sob este aspecto. Então, todos os seres
pela mensagem da música? Será somente por sem distinção de raça, credo, casta ou cor, tanto
os maiores como os mais pequenos ou os mais até que um número de seres, sempre crescente,
humildes, nos aparecerão como divinos. possuindo a visão divina, se eleve com Eles
Temos o hábito de considerar divinos juntando-se à sua santa companhia.
apenas alguns seres muito elevados. Cristo, A vida de hoje não é totalmente fácil e
Krishna, Buda, Zoroastro, Maomé são divinos, feliz. Tantos espinhos que existem sob as rosas,
dizemos nós, porque sentimos neles algo da tanta fadiga e tanta angústia. No entanto,
Divindade, mas não existe diferença de natu- através dessa nuvem de aflição, podeis escutar
reza entre os seres humanos, quer permaneçam uma maravilhosa melodia porque o Amor é o
no cume ou na base da escada da evolução. seu canto. Essa melodia lembrar-vos-á a vossa
Todos os homens têm a mesma natureza di- própria alegria interior, dando-vos a certeza de
vina, somente que em Cristo, em Buda, essa que a Beleza suprema e o Bem são Um convos-
natureza divina está plenamente desenvolvida co. Para vós, torna-se possível possuirdes todos
e, em todos aqueles que para nós são enigmas, esses tesouros do Reino de Deus. Eles não estão
e cujos rostos nada nos ensinam, a natureza guardados no céu para que os tenhais depois da
divina ainda está aprisionada. vossa morte. O céu e todos os seus esplendores
É para proclamar esta mensagem que cada serão vossos se ousardes viver e trabalhar pela
Instrutor vem. Porque é que Cristo nasceu na visão divina.
Palestina? Seria somente para que os homens Assim, não imagineis que, para se ser espi-
se lançassem aos seus pés e o adorassem? Não, ritual, seja preciso assistir a serviços religiosos,
mas, de preferência, para mostrar que cada ser a conferências ou ler livros. É uma questão
humano podia viver a vida crística. de olhar para dentro do coração dos homens,
Porque é que Buda surgiu? Seria para dizer partilhar das suas alegrias e dos seus desgostos
eu sou como vós, um homem entre os homens. e sentir que, dado que sois um pouco mais
Eu lutei, mantenho-me agora como um salva- velhos e mais fortes do que a maior parte dos
dor da humanidade para mostrar a cada um de vossos semelhantes, podeis tornar os fracos
vós que, se seguirdes o caminho da santidade e mais fortes e purificar os lugares obscuros do
viverdes do modo mais apropriado, sereis como mundo. Ousai começar a trabalhar para essa
eu sou. vida gloriosa e obtereis inevitavelmente a divina
Os Instrutores Divinos vieram e tornarão a visão do homem. ∞
vir ainda muitas e muitas vezes, para nos mos-
trarem que a visão de que são capazes é igual- (Extractos de uma conferência dada em Londres
a 8 de Maio de 1927)
mente a nossa herança. Está ali, no sacrifício, a in Le Lotus Bleu, Janeiro de 2010
sua alegria. Eles tornarão a vir continuamente
C. Jinarajadasa
S
e fizermos a pergunta “quem está apegado à realidade da sua vida e às situações que o
à acção e a quem pertence a acção sem rodeiam. O seu cérebro, mente e consciência
apego”, a resposta que poderá surgir na juntam-se para proporcionar conhecimento em
nossa mente é que os ignorantes estão apegados três níveis diferentes e torná-lo cada vez mais
às suas acções e os sábios vivem desapegados. sábio. O cérebro ajuda-o a processar os dados
Tentemos perceber o verdadeiro significado da sensoriais, a mente reflecte sobre os dados reco-
afirmação nos sábios não existe apego, dividindo- lhidos, a consciência confere-lhe subjectividade
-a em duas partes. Em primeiro lugar para e ele torna-se capaz de obter conhecimento
compreendermos quem é o sábio e, depois, em primeira mão. Assim o homem, com a sua
para compreendermos o processo do apego. mente inquiridora, pode ter convicção intelec-
Consideremos a primeira parte, isto é, quem tual e dar um passo em frente para o insight
é sábio? Poder-se-á responder que, entre as espiritual ou realização intuitiva. Em suma, o
espécies da terra, a espécie humana é a que é homem é único e tem o potencial para se tornar
sábia. O nome científico do homem é Homo sábio se se libertar dos seus reflexos animais, das
Sapiens; Homo é o nome do género que signi- suas paixões animais. Devido aos seus reflexos
fica ‘homem’ e Sapiens o nome da espécie que e paixões animais está apegado, ligado ao seu
significa ‘sábio’. Assim, Homo Sapiens quer di- grupo, e não se importa de enganar e lutar com
zer ‘homem sábio’. É fácil sermos denominados os outros grupos.
sábios, mas não tão fácil agir sabiamente. Agir É comum julgar-se que uma coisa é boa e
de modo sábio significa trazer valores elevados que outra coisa é má, que isto é útil e que aqui-
para a vida. lo não é útil; mas tal não chega para se tornar
sábio. No sábio prevalece a responsabilidade.
Ser Humano – uma Espécie Única Ser-se humano é viver num estado de respon-
O homem é autoconsciente, isto é, tem sabilidade. O sentido da responsabilidade é
consciência de si próprio. Enquanto outras construído na natureza psíquica do homem
espécies possuem uma consciência grupal que como uma força positiva, sendo esta a razão por
pertence à sua própria espécie, o ser humano que ele oscila entre dois pólos. Num pólo existe
é uma espécie única no sentido em que tem a o sentido da responsabilidade e, no outro, os
capacidade de inquirir. Só o homem consegue reflexos animais que tentam escapar-lhe, pelo
fazer perguntas e inquirir sobre a sua origem que o homem fica confuso, permanecendo
e lugar na natureza. O seu cérebro volumoso numa constante luta interior. O homem não é
e postura erecta distinguem-no dos outros sábio porque tem a tendência para se evadir da
primatas. Com esta vantagem evolutiva desen- responsabilidade, que é um impulso puramente
volveu uma profunda sensibilidade em relação biológico e uma forma de egoísmo que conduz
mundo. Se o mundo estiver cheio de corrup- que existem incarnações de diferença entre um
ção, ódio, inveja, ira, ganância, ambição, etc., homem ignorante e um homem sábio.
então o estudante aceita, com este novo passo, Quantos de nós seremos capazes de reco-
que ele contribuiu para isso. Não pode atirar a nhecer um santo? Para se reconhecer tal pessoa
responsabilidade para qualquer outro. Sempre tem de haver algo dentro de nós que ressoe e
que condena alguém, ele compreende que esteja sintonizado com a sua natureza, que
está a condenar-se a si mesmo. Assim, alcança vibre em harmonia com ela. É uma lei que,
uma visão holística do mundo, vendo-o como se a pessoa criar harmonia dentro de si, então
um todo integrado e não como um conjunto a harmonia divina manifesta-se através dela
dissociado de partes. tornando-a santa ou sábia. O antídoto para o
Com o terceiro passo ele compreende o apego é o desapego ou ‘abrir mão’.
real significado da palavra ‘mundo’; pergunta-se
como é que podemos ser considerados responsáveis O Desapego é a Essência da Virtude
quando só temos bons pensamentos, sentimentos O processo do desapego é a virtude de
de boa vontade e agirmos correctamente? Ele agir sem apego. O homem precisa primeiro
reflecte, profunda e honestamente, e verifica de saber quanto está apegado. Por ignorância
que ele próprio não é sempre o mesmo, porque e egoísmo está apegado à acção; e, por conse-
algumas vezes está agitado e utiliza palavras guinte, está sujeito ao karma, a que chama sina,
ásperas. Ele compreende que esta é a sua con- sorte ou destino. Está apegado ao seu corpo e
tribuição para o estado de fealdade do mundo e é movido pelas emoções e pensamentos. Está
aceita, assim, a responsabilidade e compreende psicologicamente isolado e vive cada vez mais
o verdadeiro valor da frase vós sois o mundo. E para si mesmo, simplesmente aproveitando-se
então compreende que ser-se humano é viver dos outros. Ganância, egoísmo e desonestidade
num estado de responsabilidade. Passa a ser a são características suas. Reage rapidamente,
sua própria descoberta que ele não é apenas sem que tenha compreendido totalmente, ou
uma parte do mundo, mas que é o mundo. realmente percebido, o que está a acontecer.
Como atrás se disse, a responsabilidade é a Predomina a ideia de ‘eu’ e ‘meu’.
qualidade formativa da sua natureza psíquica, O ego é o pensamento eu, mim e meu, mas
reflectindo-se na sua conduta. o verdadeiro ‘Eu’ é o puro Si. Se considerarmos
Utiliza os seus dons como um bem à sua o Si como ego, então tornamo-nos egoístas. Se
guarda e não como posses. O seu tempo, capa- considerarmos o Si como a mente, tornamo-
cidades e posses são os seus dons e ele utiliza-os nos a mente, se como o corpo, tornamo-nos o
em benefício da humanidade. Com esta quali- corpo. É o pensamento que constrói paredes ou
dade magnânima eleva-se acima da futilidade invólucros de tão variadas maneiras. Os homens
e torna-se sábio. Desta forma eleva-se do ego estão apegados aos seus animais de estimação,
pessoal para o ego espiritual. Neste sentido é ao jardim ou à quinta, à sua posição, mobília,
o seu salto quântico – da animalidade para a filho ou filha, aos seus deuses, à sua religião,
Divindade. ao seu país, etc. A sua vida baseia-se tanto em
Então possui verdadeiro conhecimento, apegos materiais como em apego ao dogma,
o qual acarreta naturalmente magnanimidade crenças, ideias, etc. Uma pessoa pode ser letrada
e contentamento. A luta que pertence à perso- e culta, mas também lasciva, gananciosa e fútil.
nalidade perde o seu poder. Annie Besant diz Onde existe verdadeiro conhecimento não
existe apego. Se o conhecimento não ajudar o O corpo não é real. Cada partícula nele
homem a tornar-se desapegado e livre, então é está em constante mutação. O mesmo se aplica
porque há algo errado com a sua interpretação à mente. Num momento está feliz para logo a
ou compreensão. seguir estar infeliz. É como um redemoinho de
O que é necessário ao desapego é com- água sempre a mudar. Então o homem com-
preender e aceitar o apego e aprender a ver e preende e realiza que o corpo e a mente são um
a perceber que no apego há dor, medo, inveja conjunto de fenómenos mutáveis e deixa de se
e ansiedade. É verdade que não se pode evitar sentir apegado ou identificado com eles. Com
que se formem impressões no cérebro e aí se o verdadeiro conhecimento o homem torna-se
acumulem, porque o cérebro regista automa- activo no nível físico e não preguiçoso. No
ticamente. Temos padrões cerebrais de com- nível emocional deixa de sentir zanga, luxúria
portamento. Não precisamos de ter o trabalho e ganância e, no nível mental, deixa de sentir
de fazer parar este registo automático de im- orgulho e inveja. Torna-se desapegado, o que
pressões no cérebro, mas devemos prestar uma passa a ser a sua virtude essencial. Isto ajuda-o
atenção constante a este processo de registo e a posicionar-se correctamente e não tanto a
aprender a ver as nossas próprias reacções. O posicionar os outros correctamente. ∞
verdadeiro conhecimento não conhece apego;
por exemplo, a identificação com o corpo e a in The Theosophist, Julho de 2009
mente é uma ilusão.
Albert Einstein
T
odos vivemos na história, num período dimensioná-la por um outro padrão. No fim, e
histórico que é o da nossa vida. Sabemos como alvo, o que nós pretendemos é enquadrar-
bem que o não escolhemos por não nos neste mundo objectivo, nesta vida material e
termos ainda esse direito de opção e que as rosas palpável, quente ou gelada, violenta ou pacífica
e os cardos, as alegrias e as dores, as oportuni- que nos rodeia.
dades e as contrariedades não correspondem, A consciência é neste ponto uma escrava do
como erradamente supomos, àquilo a que am- mundo.
bicionamos. A realidade final está para além da fronteira
As dores, logo e violentamente as rejeitamos da mente.
como obstáculos daninhos e inúteis nas nossas Quando com sinceridade procuramos
vidas. As alegrias e as oportunidades, essas sim, transpô-la, então, oh que tragédia a nossa!... Lá
quadram bem com os nossos desejos. se vai o certo pelo incerto, o seguro pelo inse-
Na aparência assim é. O mal rejeitamo-lo, guro, o conhecido pelo desconhecido. Este é o
o bem abraçamo-lo sôfregos. Mas será o mal um campo de batalha da Vida com maiúscula que a
mal e o bem um bem? si mesma se procura sempre através de nós pró-
Tudo depende do ponto de vista em que se prios. Ninguém mais nos compreende. Somos
veio a situar a nossa consciência. escolhos na vida dos nossos próprios familiares,
A partir da fronteira desta vida material e da criaturas sem préstimo a não ter em conta e com
vida espiritual assim nos é sugerida a realidade ideias estranhas para aqueles que mais se ligam
ou a ilusão do bem e do mal. Essa fronteira é a connosco. Falamos mas é como se não falásse-
mente. Para cima e para baixo há dois homens mos. Não nos entendem nem se preocupam com
distintos: o da matéria e o do espírito. Ao aquilo que ouviram. Avisamo-los mas sorriem
primeiro pertencem a carne, a emoção e o pen- trocistas e atraim sobre si dificuldades e males
samento concreto. Aqui, então, a noção entre o que não quiseram ver e lhes foram mostrados.
bem e o mal revela-se como reacção ao mundo Tudo para eles é experiência e para nós
que nos cerca. As portas dos sentidos abrem-se exemplo.
para ele e tudo, para a consciência que apenas Chegaremos assim à noção de tolerância,
pode perceber o que através deles lhe chega, permitindo ao karma ou destino que se realize
se lhe afigura como a realidade e o fim. Pensa- e dê frutos.
mos, trabalhamos, dormimos, comemos, planea- Só cada um se instrui e salva a si próprio sem
mos e actuamos como se fosse este o metro o recurso a outrem. Se fosse possível chegarmos à
avaliador e bem aferido das nossas vidas, a salvação por interposta pessoa, de nada valeria a
única medida dos nossos actos, desejos e pen- beleza e a fraternidade cooperativa de uma vida
samentos. Difícil e bem difícil é apreciar a vida, vivida com dignidade e aprumo.
Há quem aguarde no fundo de uma mon- Viajamos num autocarro? Sejamos com a
tanha que outro o transporte ao seu cume sem nossa bênção o perfume que inspire os nossos
ter de dar um passo. Mas isto é loucura. Por companheiros de viagem.
isso tantas vezes me interrogo: – Teosofia para Com esta atitude interior salvar-nos-emos
quando? de muitos sofrimentos e de muitas angústias
Fácil será a resposta: – Para quando a Vida desnecessárias.
transponha a fronteira do mental inferior, racio- Não pretendo dizer que com isto a vida se
cinante, discriminador onde parou a consciência. torne para nós imediatamente um mar de rosas.
E então virá uma nova luz. Nova aparentemente, Pelo contrário, torna-se uma moita de espinhos.
apesar de antiga, que iluminará de dentro e não Mas a dor destes será cada vez menor à medida
de fora, de cima e não de baixo, de um além de que a atitude interior se volte para fora. Então
mistério cujo esplendor dizem não ter limites. a consciência em nós poderá responder de mais
Carregados com os fardos usuais da famí- alto ao que lhe chega de baixo.
lia, da profissão e das capacidades corpóreas, Ao fazê-lo, iluminará o campo da consciên-
encontramo-nos presos, impedidos de atravessar cia e uma felicidade indizível transpirará de nós
a barreira. Não podemos ser livres nem trabalhar por todos os nossos poros.
com assídua segurança naquilo que nos daria É esta uma resposta à pergunta: – Teosofia
a grande oportunidade da realização esperada. para quando?
Tal é o nosso karma, um karma que em geral Para quando as portas da nossa mente se
complicamos com involuntárias reacções que abrirem à luz de dentro, casando-se com a luz
mais nos prendem do que nos libertam. É esta de fora.
a maior de todas as dores humanas, pelo menos Se alguma coisa mais não houvesse para a
para quem algum dia pôde sentir no coração a justificar, esta seria já óptima. Mas a Teosofia é
alegria e a felicidade infinita que se não podem para todos os tempos, para todos os temperamen-
descrever por meio de palavras. tos. Talvez que alguns a vivam por intermédio da
«Teosofia para quando?» mente. Estes serão os filósofos. Talvez alguns a
Para hoje mesmo, para amanhã, para sintam e derramem por meio da emoção. Esses
sempre. Teosofia para todas as horas, todos os serão os santos. Para outros ela será a acção di-
tempos, todos os momentos. recta no campo material. Esses serão os mártires.
Penso que a rosa exala todo o seu perfume e A todos e para todos, à pergunta feita ela dará
expõe toda a sua beleza quando levada ao peito resposta. Esta chama-se Renúncia. E aqui está
de cada um. uma palavra que nos poderá causar arrepios de
Sejamos como ela ao peito da humanidade. horror. Mas o que por ela se pretende dizer é
E em casa, o lugar mais difícil, na rua, no em- que deveremos viver a vida sem reclamação de
prego, façamos como ela, abrindo os corações e salário. É pela renúncia que poderemos vir a
dando as nossas bênçãos a quanto encontrarmos encontrar o Caminho.
e aos que convivem connosco. E o Caminho, diz Patanjali, é a renúncia
Passamos por cadeias? Não o façamos sem voluntária.
enviar a nossa simpatia àqueles que estão na O salário é o prémio que o egoísmo reclama
clausura. do reconhecimento público. ∞
Passamos por hospitais? Abençoemos quan-
tos ali se encontram em sofrimento. in Revista Osiris nº 174, Abril-Junho 1976
qualquer adulação servil e elogios fúteis, o sentimento os participantes, num clima de partilha e de bom
geral de lembrança afectuosa para com ela, que nos humor. A manhã de Domingo foi iniciada com uma
trouxe o guia da Senda ascendente que conduz aos Meditação conduzida pelo Secretário-Geral e, de-
cumes do CONHECIMENTO. pois de apresentadas as reflexões levadas a cabo pelos
Grupos de Debate, procedeu-se ao encerramento do
H. S. OLCOTT, Presidente da Sociedade Teosófica Seminário. Um ambiente verdadeiramente fraterno
Adyar, 17 de Abril de 1892 marcou todo o Seminário e aproximou os cerca de
Lucifer, vol. X, nº 57, Maio 1892, págs. 250-51 trinta participantes. ∞
Blavatsky Collected Writings, vol 6, pág. 322 ∞
No dia 19 de Junho realizou-se um Passeio
Nos dias 22 e 23 de Maio realizou-se, na Sede Temático, cujo Programa integrou um primeiro
da S.T.P., em Lisboa, o 11º Seminário Teosófico, su- encontro em Guadalupe, entre Évora e Montemor-
bordinado ao tema O Lugar da Beleza na Vida, num o-Novo, e uma visita ao Recinto Megalítico dos
trabalho de cooperação entre a Federação Europeia Almendres, seguida de almoço vegetariano e um
da Sociedade Teosófica e a S.T.P. Por motivos de passeio pelo Centro Histórico de Évora. Antes da
força maior, a Presidente da Federação Europeia partida, os participantes tiveram a oportunidade
– Trân-Thi-Kim-Diêu, não teve a possibilidade de de lanchar ao ar livre numa agradável esplanada da
estar fisicamente presente neste Seminário; ainda Praça do Giraldo. Estiveram presentes no Passeio
assim, enviou uma mensagem inspiradora na qual Temático cerca de vinte e cinco participantes, entre
se pode ler o seguinte:(…). Junto-me a vós em os quais, alguns membros da Secção Espanhola
pensamento nesta exploração do Lugar da Beleza da Sociedade Teosófica, nomeadamente alguns
na Vida. A vida é bela na sua significação profunda, membros do Ramo Ceres, Cáceres, incluindo o
mas também naquilo que ela tem de efémero. É a Presidente do próprio Ramo, Jose Luis Mendoza. ∞
significação da vida que dá um sentido ao efémero,
e o transcende em direcção aos reinos do Inefável. No dia 24 de Julho decorreu na Sede da S.T.P.,
Poderíamos dizer que o efémero é uma espécie de em Lisboa, pelas 11:30, um encontro com Dolores
passagem que conduz a alma sensível à descoberta Gago. Dolores Gago que reside actualmente no
do Imutável como o instante que leva à descoberta Uruguai, onde desempenhou o cargo de Secretária-
da Eternidade. Toda a alma sensível é uma alma de Geral da Secção Uruguaia da S.T., é Membro da
artista… O Programa do Seminário, cuja abertura Sociedade Teosófica há mais de cinquenta anos.
esteve a cargo do Secretário-Geral, Carlos Guerra, Durante os últimos dez anos, aproximadamente,
e da Vice-Presidente da S.T.P., Ana Maria Coelho viveu em Adyar, onde desempenhou os cargos de
de Sousa, integrou dois simpósios nos quais parti- Secretária Internacional da Sociedade Teosófica e
ciparam Lício Correia, Rosa Duarte, Ana Maria de Secretária da Escola de Sabedoria. De facto, foi
Coelho de Sousa, Isabel Nobre Santos, Júlio Teles uma oportunidade excepcional este encontro com
e Maria João Figueira; a participação de Maria João Dolores Gago, a qual, com grande poder de comu-
Figueira incluiu a colaboração de Isolina Lages. Para nicação, e com uma visão pragmática das questões
além dos simpósios, o Programa integrou Grupos de que aborda, a par de um grande sentido de humor,
Debate, nos quais houve a possibilidade de explorar partilhou com os cerca de vinte participantes não só
e aprofundar os diferentes aspectos do Lugar da as suas experiências como Teósofa, mas também ide-
Beleza na Vida, de uma forma partilhada. O serão ais diversas sobre a Teosofia, a Sociedade Teosófica e
de Sábado, dia 22, foi preenchido com um animado os Teósofos de renome internacional com quem teve
e verdadeiramente convivial Serão Criativo, no qual a possibilidade de contactar. A dedicação de Dolores
todas as intervenções, com um carácter mais ou me- Gago não pode deixar de ser referência inspiradora
nos espontâneo, tiveram o dom de aproximar todos para todos os Membros da Sociedade Teosófica. ∞
+
Data de formação * Associação Regional † Agência Presidencial ∆ Grupo adstrito a Adyar
SOCIEDADE TEOSÓFICA
A Sociedade Teosófica foi fundada em Nova Iorque, Estados Unidos da América,
a 17 de Novembro de 1875.
A sua sede internacional foi instalada em Adyar, Chennai (Madras), Índia, em 1882