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2018
http://rodriguesia.jbrj.gov.br
DOI: 10.1590/2175-7860201869445
Natácia Evangelista de Lima1,5, Alexandre Assis Carvalho2, Matheus Souza Lima-Ribeiro3 & Maura Helena Manfrin1,4
Resumo
A região Neotropical, detentora da maior riqueza de espécies no globo, ocorre do México Central ao sul do Brasil.
Neste trabalho, buscamos sumarizar as principais informações disponíveis na literatura que caracterizam os biomas
neotropicais de Florestas Sazonalmente Seca (FTSS), Chaco e Savanas. Revisamos hipóteses biogeográficas
concernentes a esses ambientes que buscam explicar sua dinâmica histórica. Nosso objetivo é oferecer uma
caracterização desses biomas como etapa principal para o entendimento das principais hipóteses biogeográficas a eles
associadas. Ainda que comporte como um cenário atraente para pesquisa, as espécies neotropicais são pouco estudas,
sendo questões referentes a seus aspectos ecológicos, origem, história evolutiva e manutenção da elevada biodiversidade
desconhecidas ou, ainda, pouco compreendidas. Embora, nossa revisão apresente pesquisas com diferentes pontos de
vista quanto à dinâmica biogeográfica das formações vegetais, há consenso de que é produto de complexa interação
entre os processos históricos, ecológicos e biológicos. Os estudos em biodiversidade de regiões ameaçadas, como os
Neotrópicos, são norteadores para simulações e previsões de impactos, planos e estratégias de pesquisa.
Palavras-chave: América do Sul, Cerrado, Chaco, Floresta Sazonalmente Seca, Savana.
Abstract
The Neotropical region holds the largest species richness in the globe, occurring from Central Mexico to southern
of Brazil. In this paper, we aim to summarize the main information available in the literature that characterizes
the Neotropical biomes of Seasonally Dry Forests (SDF), Chaco and Savannas. Here we surveyed and reviewed
biogeographic hypotheses concerning these environments that seek to explain their historical dynamics. Our goal
is to offer a characterization of these biomes as a major step towards the understanding of the main hypotheses
biogeographical associated with them. Although it supports an attractive scenario for research, Neotropical species are
poorly studied, and questions concerning their ecological aspects, origin, evolutionary history and maintenance of the
high biodiversity are unknown or even little understood. Although our review presents researches with different points
of view regarding the biogeographic dynamics of vegetation formations, there is a consensus of being the product of
a complex interaction between the historical, ecological and biological processes. Biodiversity studies of threatened
regions, such as the Neotropic, are guidance for simulations and impacts predictions, for plans and research strategies.
Key words: South America, Cerrado, Chaco, Seasonally dry forest, Savannah.
1
Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Depto. Genética, Prog. Pós-graduação em Genética, Ave. Bandeirantes 3900, 14040-
900, Ribeirão Preto, SP, Brasil. natevlima@gmail.com
2
Universidade de Brasília (UnB), Faculdade de Tecnologia, Depto. Engenharia Florestal, Campus Universitário Darcy Ribeiro, 70910-900, Brasília, DF, Brasil.
alexandreassis.1@gmail.com
3
Universidade Federal de Goiás (UFG), Regional Jataí, Inst. Biociências, BR 364, km 192, Zona Rural, 75801-615, Jataí, GO, Brasil. mslima.ribeiro@gmail.com
4
Universidade de São Paulo (USP), Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Depto. Biologia, Av. Bandeirantes 3900, 14040-901, Ribeirão Preto,
SP, Brasil. maura.manfrin@usp.br
5
Autor para correspondência: natevlima@gmail.com
2210 Lima NE et al.
hotspots de biodiversidade (Williams et al. 2011). e não pode ser atribuída a eventos pontuais
O cenário é atraente para pesquisa, no entanto as na escala do tempo. O direcionamento dado
espécies neotropicais são pouco estudas, sendo por eventos tectônicos iniciados no Neogeno
ainda desconhecidas ou pouco compreendidas (23,03–5,33 Ma) e a reorganização paleogeográfica
acerca de seus aspectos ecológicos, origem, mantida pelas alterações climáticas durante o
história evolutiva e manutenção dessa elevada Pleistoceno (2,58–0,0117 Ma), no Quaternário,
biodiversidade (Antonelli & Sanmartin 2011; são algumas das hipóteses para explicar isso. Os
Turchetto-Zolet et al. 2013; Tinoco et al. 2015). estudos filogenéticos sugerem que os padrões de
Definir a origem de tão rica e elevada diversificação verificados para a escala Neotropical
biodiversidade ainda confere caráter desafiador, estão mais estruturados em termos ecológicos que
Figura 1 – Distribuição geográfica da Região Neotropical com enfoque nas áreas de Florestas Tropicais Sazonalmente
Secas (FTSSs) (1, 2, 4, 5, 8, 9, 11-18, 21-38), Savanas (3, 10, 19, 20) e o Gran Chaco (6, 7). FTSSs: 1. Caatinga, 2. Floresta
Atlântica Seca, 4. Floresta do Interior da Bahia, 5. Floresta Atlântica do Alto do Paraná, 8. Floresta Seca de Chiquitano,
9. Floresta Seca Montana da Bolívia, 11. Yunga peruana, 12. Floresta Seca de Marañón, 13. Floresta Seca de Tumbes-
Piura, 14. Floresta Seca Equatoriana, 15. Floresta Seca do Vale do Patia, 16. Floresta Seca do Vale do Cauca, 17. Floresta
Seca do Vale de Magdalena, 18. Floresta Seca Apure-Villavicencio, 21. Floresta Seca do Panamá, 22. Floresta Seca do
Valé de Sinú, 23. Floresta Seca de Maracaibo, 24. Floresta Seca Lara-Falcón, 25. Floresta Seca da América Central, 26.
Floresta Seca do Pacífico Meridional, 27. Floresta Seca de Balsas, 28. Floresta Seca de Jalisco, 29. Floresta Seca de Sierra
de la Laguna, 30. Floresta Seca de Sinaloan, 31. Floresta Seca de Bajío, 32. Floresta Seca de Veracruz, 33. Floresta Seca
de Yucatán, 34. Floresta Seca Cubana, 35. Floresta Seca da Jamaica, 36. Floresta Seca Hispaniola, 37. Floresta Seca de
Porto Rico e 38. Floresta Seca das Anilhas Menores. Savanas: 3. Cerrado, 10. Savana de Beni, 19. Llanos e 20. Savana
Guianense. Chaco: 6. Chaco Úmido e 7. Chaco Seco. (Fonte dos arquivos vetoriais: Olson (2001) e Conservancy (2009).
Figure 1 – Geographic distribution of the Neotropical Region focusing on Seasonally Dry Forests (SDFs) (1, 2, 4, 5, 8, 9, 11-18, 21-38),
Savannahs (3, 10, 19, 20) and the Gran Chaco (6, 7). SDFs: 1. Caatinga, 2. Atlantic dry forests, 4. Bahia interior forests, 5. Alto do Paraná
Atlantic forest, 8. Chiquitano dry forest, 9. Bolivian montane dry forests, 11. Peruvian Yungas, 12. Marañón dry forest, 13. Tumbes-Piura
dry forest, 14. Ecuadorian dry forests, 15. Patia Valley dry forest, 16. Cauca Valley dry forests, 17. Magdalena Valley dry forests, 18. Apure-
Villavicencio dry forest, 21. Panamanian dry forests, 22. Sinú Valley dry forests, 23. Maracaibo dry forest, 24. Lara-Falcón dry forest, 25.
Central America dry forest, 26. Southern Pacific dry forests, 27. Balsas dry forest, 28. Jalisco dry forest, 29. Sierra de la Laguna dry forest,
30. Sinaloan dry forest, 31. Bajío dry forest, 32. Veracruz dry forest, 33. Yucatán dry forest, 34. Cuban dry forest, 35. Jamaican dry forest,
36. Hispaniolan dry forests, 37. Puerto Rico dry forests and 38. Lesser Antillean dry forests. Savannah: 3. Cerrado, 10. Beni Savanna, 19.
Llanos and 20. Guianan Savanna. Chaco: 6. Humid Chaco and 7. Dry Chaco. (Source of vector files: Olson (2001) and Conservancy (2009).
Rodriguésia 69(4): 2209-2222. 2018
Caracterização dos ecossitemas secos neotropicais 2211
geográficos, sendo esse aspecto de importante importante componente das savanas (Pennington
papel para a conservação de nicho ecológico et al. 2006). Com menos características bióticas e
(Hughes et al. 2013). abióticas compartilhadas com a FTSS e as savanas,
Uma gama de ecossistemas, desde ambientes o Chaco apresenta o clima semiárido, fortemente
desérticos a florestas úmidas caracteriza a região sazonal com verões de temperatura elevada e
neotropical. São os biomas neotropicais: as ocorrência de geadas no inverno (Prado 1993)
florestas tropicais Amazônica e Atlântica, prados (Tab. 1).
de alta altitude andinos – páramos, puna e jalca –, Nesta revisão objetivamos fornecer uma
Pampas, florestas sazonalmente secas, savanas e visão geral e uma síntese da literatura a respeito
campos rupestres (Hughes et al. 2013; Pennington dos biomas secos da região neotropical: as
& Lavin 2016), Chaco (Prado 1993), desertos florestas sazonalmente secas, o Chaco e as savanas
(Roig et al. 2009) e Pantanal (Pott et al. 2011). – particularmente em referência ao Cerrado
Outros autores apresentam para o neotrópico brasileiro. Compilamos informações ecológicas,
ecorregiões, definidas como unidades de terra que fitogeográficas, palinológicas e as hipóteses
incluem um conjunto distinto de comunidades biogeográficas que buscam explicar a dinâmica
naturais e espécies (Olson et al. 2001). Embora histórica desses ambientes.
haja divergências quanto aos conceitos a serem
adotados para as regiões que compartilham Florestas Sazonalmente Secas e Chaco
elementos bióticos e abióticos, não adentraremos A definição de FTSS seguida por Pennington
na discussão por não crermos que incongruências et al. (2006), embasada na definição dos estudos
terminológicas sejam pertinentes à compreensão e desenvolvidos por Murphy & Lugo (1986),
entendimento sobre a temática proposta. assume uma ampla interpretação com a inclusão
O Neotrópico possui vasta área de Floresta de formações abrangendo florestas de copa elevada
Tropical Sazonalmente Seca (FTSS) e savanas. As em regiões úmidas, até florestas de cactos nas áreas
“Florestas Sazonalmente Secas são encontradas em mais secas. Prado & Gibbs (1993) e Pennington
áreas espalhadas, com a maior riqueza de espécies et al. (2000) compararam a atual distribuição das
no México, mas níveis similares de diversidade FTSS na América do Sul, mostrando que mais de
podem ser encontrados em outros lugares (ex. 100 espécies não relacionadas filogeneticamente
Peru, Bolívia). Os níveis de similaridade florística possuem um padrão similar de distribuição,
entre as áreas são geralmente baixos, e em algumas formando quatro núcleos disjuntos de FTSS
(ex. Caatinga brasileira, Vales inter-Andinos organizados diagonalmente ao sul da Amazônia.
peruanos, e a Costa Pacífica do México) são ricas São eles: Andino, da Caatinga, Chiquitano, de
em espécies endêmicas, enquanto outras (ex. Misiones e o Piedmont Andino (Fig. 1).
Chiquitano Boliviano) não o são. De longe, as Pennington et al. (2006) avaliam que, embora
maiores savanas são os cerrados do Brasil Central com grandes contribuições para o entendimento
e os Llanos da Venezuela e Colômbia. Os cerrados das FTSS, alguns estudos sobre a composição
têm a maior riqueza de espécies e endemismo, e a biogeografia de espécies pertencentes a essa
e a flora lenhosa de outras áreas é muitas vezes formação (Prado & Gibbs 1993; Pennington et al.
apenas um subconjunto das espécies do Cerrado” 2000) podem ter superestimado as similaridades
(Pennington et al. 2006, p. 2). O Chaco possui florísticas entre as áreas separadas de FTSS
uma biota com elementos presentes em diversos do Neotrópico. Outros dados apontam que há
outros biomas, e é divido em áreas secas – chaco uma elevada heterogeneidade entre essas áreas
seco – e úmidas – chaco úmido – que representam (Pennington et al. 2006; Banda-R et al. 2016). É
composições florísticas definidas (Spichiger et al. sabido que a comparação de estudos de inventário
2004) (Fig. 1). florístico das regiões em voga pode ser enviesada,
Em relação à vegetação seca no Neotrópico, pois as informações ainda são incipientes para
é importante definir e fazer a distinção entre muitas delas.
FTSS e savanas, embora a relação entre essas Os táxons variam entre as diferentes áreas
formações seja complexa. As FTSS constituem e a similaridade florística entre tais regiões pode
um ecossistema dominado por árvores com ser baixa (Pennington et al. 2006; Banda-R et al.
dossel contínuo ou quase contínuo e as gramíneas 2016). Conquanto, embora essas diferenças existam,
são elementos pouco presentes, enquanto uma há fatores comuns que devem ser fortemente
cobertura xeromórfica e tolerante ao fogo é um apontados: a família Leguminosae possui maior
riqueza de espécies em todas as áreas, com exceção baixa composta de pequenas árvores e arbustos,
do Caribe (Lugo et al. 2006) onde Myrtaceae é frequentemente com troncos retorcidos e espinhos,
predominante; é habitual encontrar as espécies da com folhas muito pequenas que são decíduas na
família Cactaceae, uma das famílias com maior estação seca. As plantas suculentas da família
riqueza de espécies; há poucas famílias de espécies Cactaceae são comuns e há presença de herbáceas
lenhosas que são mais abundantes em FTSS do que no solo na estação curta chuvosa (Queiroz 2006).
em qualquer outro lugar (Pennington et al. 2006; Vários tipos de solo são encontrados na região,
Banda-R et al. 2016). formando um mosaico retalhado, com mudanças de
As FTSS ocorrem em locais onde a um tipo de solo para outro, frequentemente ocorrendo
precipitação anual é menor que 1.600 mm, com com poucos metros de distância. Verifica-se desde
períodos de pelo menos 5 a 6 meses recebendo solos rasos e pedregosos, associados à imagem
menos que 100 mm (Pennington et al. 2006). A típica do sertão seco coberto por cactáceas, a solos
vegetação é predominantemente decídua durante arenosos e profundos que dão lugar às caatingas de
a estação seca e essa queda das folhas aumenta de areia (Velloso et al. 2002). Em termos geológicos, a
intensidade com a redução das chuvas. Entretanto, é Caatinga é separada em dois ambientes: o cristalino
verificado um aumento de espécies suculentas e de – de maior abrangência – e o sedimentar. Há ainda,
árvores que sempre se mantêm verdes (Pennington espalhados pela região, terrenos cárticos, geralmente
et al. 2009). Desenvolvem-se, geralmente, em solos constituídos de rocha calcária (Moro et al. 2016).
férteis associados a rochas calcárias, com moderado Foi proposta por Velloso et. al (2002) a
a elevado valores de pH e nutrientes, e baixos subdivisão da Caatinga em oito ecorregiões, com
níveis de alumínio, sendo adequados a agricultura base na similaridade da biodiversidade e fatores
e pecuária (Pennington et al. 2006). abióticos. São elas: 1 - Complexo de Campo Maior;
O maior e mais isolado núcleo de FTSS 2 - Complexo Ibiapaba; 3 - Depressão Sertaneja
da América do Sul é a Caatinga (Prado 2003), Setentrional; 4 - Planalto da Borborema; 5 -
compreendendo quase 10% do território brasileiro e Depressão Sertaneja Meridional; 6 - Dunas do São
ocupando uma área de cerca de 845.000 km2 (IBGE Francisco; 7 - Complexo da Chapada Diamantina;
2004). Ocorre em clima semiárido com um elevado e 8 - Raso da Catarina.
potencial de evapotranspiração (1.500–2.000 mm/ De acordo com Queiroz (2006), à exceção da
ano), baixa precipitação (300–1.000 mm/ano) e Chapada Diamantina, a flora da Caatinga divide-se
estação seca de 6 a 11 meses (Queiroz 2006; Moro em duas grandes unidades florísticas: uma associada
et al. 2016). É caracterizada por uma floresta às áreas de escudo cristalino, majoritariamente de
conceitos. O relicto é qualquer espécie vegetal Essa “diagonal” forma um corredor que
encontrada em uma região específica circundadas separa geograficamente os ecossistemas Amazônia,
por trechos de outro ecossistema. Os enclaves são a noroeste, e a Mata Atlântica, a leste e sudeste
manchas de ecossistemas característicos de outros (Oliveira-Filho & Ratter 1995). Várias questões
domínios, mas encontra-se inseridas no interior biológicas de associação entre essas áreas e a fauna
de um bioma diferente, sendo frequentemente e flora foram levantadas (Prado & Gibbs 1993).
utilizado como enclave fitogeográfico, como por A “Diagonal Seca” foi considerada por diversos
exemplo as manchas de Mata Atlântica no interior autores como uma barreira de impedimento a
da caatinga (brejos de altitude) (Ab’Sáber 2003). migração de espécies entres esses dois ecossistemas,
De acordo com essa hipótese, durante as o que justificaria as diferenças florísticas entre eles.
alterações ambientais ocasionadas pelas últimas Entretanto, há padrões de distribuição disjunta
glaciações, caracterizadas por gelos nos polos e de algumas espécies que ocorrem na Floresta
redução do nível dos oceanos em todo o planeta, Amazônica e no domínio Atlântico , sugerindo
as caatingas se estenderam em áreas litorâneas da a ocorrência de ligações florestais no passado
porção atlântica do Brasil e os Cerrados passaram (Oliveira-Filho & Ratter 1995; Ledo & Colli 2017).
a ocupar as áreas de vegetação tropical da floresta Inicialmente, os mapas de distribuição de
úmida que se contraia nas planícies amazônicas. espécies florestais para a Caatinga (Andrade-Lima
Essa redução das florestas ocorreu 1981) nortearam a percepção de que diversas delas
concomitantemente a eventos de refúgios compartilhavam um padrão de distribuição comum.
progressivos por parte da fauna de ocorrência Tais espécies frequentemente estavam ausentes
nas áreas ombrófilas – florestas compostas no Cerrado e Chaco. Em muitos casos, algumas
principalmente de árvores verdes com pouca espécies margeavam os solos pobres do Cerrado
tolerância ao frio ou à seca, que podem ficar e outras estavam presentes em ilhas restritas de
sem folhas por algumas semanas, no entanto afloramentos de solo calcário presentes no interior
não concomitante e diversas de espécies com do Cerrado (Prado & Gibbs 1993). Nos mapas de
gotejamento nas pontas das folhas (Ellenberg distribuição gerados por Prado & Gibbs (1993),
& Mueller-Dombois 1967) –, com um aumento essas espécies estendiam sua ocorrência para a
populacional nesse espaço restrito (Haffer & Prance região sul e sudeste do Brasil e, em muitas situações,
2002). A elevada biodiversidade atual teria surgido em áreas bem definidas no Paraguai, Argentina e
no final da glaciação, quando as áreas de redutos Bolívia. Para o cenário de distribuição disjunta
teriam voltado a se expandir (Haffer 1969; Vanzolini de espécies nas FTSS, os autores elencaram duas
& Williams 1970; Haffer & Prance 2002). possíveis explicações para esse padrão: a separação
Entretanto, há autores que sugerem cuidado de uma distribuição contínua de vegetação (eventos
quando na intepretação dos padrões de distribuição de vicariância), ou múltiplos eventos de dispersão
das espécies atuais, como resposta à luz da entre diferentes áreas.
“Hipótese dos Refúgios” durante o Pleistoceno Nesse contexto, Prado & Gibbs (1993)
(Nelson et al. 1990). Outros argumentam assumiram para tal cenário a ocorrência de um único
que a hipótese não possui suporte de dados evento de vicariância, por ser uma escolha mais
paleobotânicos, palinológicos, paleoecológicos, parcimoniosa do que a hipótese de vários eventos
paleoclimáticos, moleculares e de genética de independentes de dispersão. Assim, propuseram
populações (Connor 1986; Bush & De Oliveira que o padrão de distribuição atual das FTSS e das
2006), bem como apresentam dados que não a espécies a elas associadas, fragmentado e disjunto,
corroboram (Colinvaux et al. 1996; Bush & De é um vestígio de uma anterior formação florestal
Oliveira 2006). sazonal grande e contínua, que possivelmente
A maior área de FTSS ocorre ao sul da floresta atingiu máxima extensão de ocorrência durante os
tropical Amazônica, formando uma distribuição períodos secos e frios do Último Máximo Glacial –
disjunta, conectadas pelo Cerrado e Chaco, que UMG (18.000–12.000 anos antes do presente (A.P.)
juntos formam uma “Diagonal Seca” de floresta para esses autores) –, coincidindo com a contração
entre a Caatinga e as FTSS do Piedmont Andino das florestas úmidas.
(Mayle 2006). Assim, o Cerrado, a Caatinga, o Prado & Gibbs (1993) intitularam esse
Chaco e as FTSS formam a chamada “Diagonal de cenário como “Hipótese de Arco Pleistocênico”,
formações abertas”, ou “Diagonal Seca” (Vanzolini na qual sugerem, portanto, a conexão das FTSS
1963; Prado & Gibbs 1993) (Fig. 1). em um arco de diagonal seca, englobando o núcleo
do Quaternário, como a expansão de formações Por outro lado, Werneck et al. (2012)
abertas com gramíneas durante os períodos secos sugerem, para o UMG, que o refúgio de espécies
do UMG, especialmente a distribuição sul e central de Cerrado nos planaltos é caracterizados por
do domínio do Cerrado (Salgado-Labouriau 1997; um clima mais frio e seco. Isso não coaduna
Salgado-Labouriau et al. 1998). com a persistência das espécies de árvores do
O registro fóssil polínico indica a Cerrado em altitudes mais baixas, que teria sido
predominância de uma vegetação arbórea estacional favorecida por um clima mais quente do que
durante a maior parte do Pleistoceno em atual aquele encontrado em elevada altitude, conforme
área de Cerrado (Ledru 1993). As condições verificado por Bueno et al. (2017). Para esses
climáticas mais úmidas no Brasil Central, com autores, as depressões entre tabuleiros e os
pequenos períodos de seca, foram estabelecidas declives de planaltos na região central do Cerrado
no Holoceno recente (Behling 2002). Oliveira- provavelmente foram refúgios para flora durante
Filho & Ratter (1995) pontuam que os efeitos das a retração no UMG (Bueno et al. 2017).
flutuações climáticas, durante o Quaternário sobre A área climaticamente estável para a
as formações de vegetação aberta do Brasil Central, região central do Cerrado – área core – ao
não se resumiram a eventos de expansão e contração longo do tempo (UMG, presente e futuro) é
de Cerrado e Floresta, mas abarcaram uma gama reconhecida e identificada por modelagem
de alterações complexas no interior da Diagonal de nicho ecológico para diversas espécies de
Seca. As formações vegetais de florestas úmidas plantas desse ecossistema (Terribile et al. 2012;
e estacionais, de Cerrado e até mesmo florestas de Bueno et al. 2017). Os trabalhos filogeográficos
Araucária, se estabeleceram em vários momentos, acoplados à modelagem para plantas de Cerrado
ao menos em determinadas áreas do Cerrado. são concordantes em identificar tal região como
Para o Cerrado, Werneck et al. (2012) climaticamente de maior adequabilidade no UMG
geraram modelos que não predizem as áreas e, detentora de maior diversidade genética atual
de ocorrência do Cerrado em áreas de domínio (Collevatti et al. 2012a; Collevatti et al. 2012b;
Atlântico e de FTSS, sendo complementares a Collevatti et al. 2014; De Lima et al. 2014;
modelos disponíveis para esses grupos florestais Collevatti et al. 2015; Souza et al. 2017).
(Carnaval & Moritz 2008; Werneck et al. 2011). No que concerne especificamente o núcleo
O Último Interglacial (UIG, 120 mil anos), Caatinga de FTSS, o registro fóssil de pólen e
provavelmente favoreceu uma distribuição mais paleodados climáticos e geológicos apontam
ampla do Cerrado, incluindo áreas ao norte da que as florestas úmidas tropicais o substituíram,
Amazônia. Entre o UIG e o UMG, o Cerrado pelo menos em partes, quando o clima se tornou
retraiu, atingindo sua extensão mínima. Entre o mais úmido. As condições de seca teriam sido
UMG e o Holoceno médio, o Cerrado expandiu em estabelecidas durante o início (Behling 2002) ou
resposta ao aumento de umidade e experimentou meio do Holoceno (De Oliveira et al. 1999). A
pequenas mudanças até sua distribuição atual. Os partir de estudo palinólogico realizado na região
resultados de Werneck et al. (2012) não tiveram do Vale do Rio Itacu, localizado em um sistema
suporte para a ocorrência de porções significativas de dunas de areia na porção media do Rio São
de Cerrado na região central da Amazônia, ou Francisco, De Oliveira et al. (1999) sugeriram
grandes corredores durante o UMG. possível migração entre os grupos amazônicos
Bueno et al. (2017) verificaram através de e de Mata Atlântica – e vice-versa – durante ou
paleomodelos para os tempos atual, UIG e UMG, anteriormente às fases úmidas do Pleistoceno.
mudanças na distribuição de espécies de árvores Essa migração teria sido facilitada por uma
do Cerrado. Em concordância com os resultados de rede antiga e muito maior de florestas de galeria,
Werneck et al. (2012), verificaram conexões entre o a qual provavelmente existiu na região central do
Cerrado e outras savanas sul americanas durante o Brasil. Os autores propuseram rota de migração,
UIG, além de ausência de corredores significativos a partir da formação de um corredor conectando
de savana na porção central da Amazônia durante a Floresta Amazônica e Mata Atlântica, cruzando
o UMG. A maior expansão de espécies de árvore a área da Caatinga (Hartwig & Cartelle 1996;
do Cerrado pode ter ocorrido no UIG devido ao De Oliveira et al. 1999). Reconhecem outra rota
clima mais quente. As retrações verificadas durante hipotética, com base em registros botânicos,
o UMG foram relacionadas tanto ao decréscimo de na qual a migração dos grupos seguiu uma rota
temperatura quanto precipitação. costeira, da Mata Atlântica até a Amazônia (Ducke
Tabela 2 – Sumarização das principais conclusões para as hipóteses biogeográficas revisadas. Em que FTSSs -
Florestas Sazonalmente Secas; A.P - anos antes do presente; kyr - mil anos.
Table 2 – Summary of the main conclusions of the biogeographical hypotheses revised. SDFs - Seasonally Dry Forests; A.P - years
before present; kyr - thousand years.
18.000 –
Arco Pleistocênico (AP) Redução Estável Prado & Gibbs (1993)
12.000
Rota de conexão entre Florestas Redução e Redução e 10.990 e
De Oliveira et al. (1999)
Amazônica e Atlântica Expansão Expansão 6.230 – 4.535
Floresta Sazonalmente Seca 18.000 –
Redução Estável Pennington et al. (2000)
Residual do Pleistoceno (FSSRP) 12.000
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