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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

DANO À ECODIVERSIDADE: RUPTURA CONCEPTUAL

UMA PERSPECTIVA JUSPUBLICISTA

Paula de Castro Silveira

Orientador: Professor Doutor Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em

Ciências Jurídico-Políticas

2017
UNIVERSIDADE DE LISBOA
FACULDADE DE DIREITO

DANO À ECODIVERSIDADE: RUPTURA CONCEPTUAL

UMA PERSPECTIVA JUSPUBLICISTA

Paula de Castro Silveira

Orientador: Professor Doutor Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva

Júri:

Presidente: Doutor José Artur Anes Duarte Nogueira, Professor

Catedrático e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de

Direito da Universidade de Lisboa;


Vogais:

 Doutora Maria Alexandra de Sousa Aragão, Professora Auxiliar

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Arguente;

 Doutor José Eduardo de Oliveira Figueiredo Dias, Professor Auxiliar

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra;

 Doutor Vasco Manuel Pascoal Dias Pereira da Silva, Professor

Catedrático

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Orientador;

 Doutora Carla Maria Fermento Amado Gomes, Professora Auxiliar

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

 Doutora Rute Neto Cabrita e Gil Saraiva, Professora Auxiliar

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa;

 Doutor João Pedro Oliveira de Miranda, Professor Auxiliar

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Arguente;

 Doutor Rui Manuel Tavares Lanceiro, Professor Auxiliar

Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em

Ciências Jurídico-Políticas

2017
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
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“E pessoa alguma não lance nos rios e lagoas, em qualquer tempo


do ano (postoque seja fora dos ditos trez mezes de criação),
trovisco, barbasco, cocca, nem outro algum material, com que se o
peixe mate.

E quem o fizer, sendo Fidalgo, ou Seudeiro, ou dahi para cima, pola


primeira vez seja degredado um ano para Africa, e pague trez mil
réis.

E pola segunda haja a dita pena de dinheiro e degredo em dobro:


E assi por todas as vezes que for comprehendido, ou lhe for
provado.

E sendo de menor qualidade, seja publicamente açoutado com


baraço e pregão, e por qualquer outra vez que nisso for
comprehendido, ou se lhe provar, haverá as mesmas penas: e será
degredado do lugar, onde for morador, e dez lagoas ao redor, per
tempo de humano”1.

Ordenações Filipinas

1 Cfr. Ordenações Filipinas, Livro V, Título LXXXVIII: Das caças e pescarias defesas,
Apresentação Mário de Almeida Costa, 1927, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa,
imp.1985.

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“Deve-se por fim à descarga de substâncias tóxicas ou


de outros materiais que liberam calor, em quantidades
ou concentrações tais que o meio ambiente não possa
neutralizá-los, para que não se causem danos graves e
irreparáveis aos ecossistemas.”.2[sublinhado nosso]

Princípio 6, Declaração de Estocolmo

2Princípio 6, da Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente


Humano, realizada em Estocolmo de 5 a 16 de junho de 1972 (adiante designada Declaração
de Estocolmo).

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À Minha Mãe,

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AGRADECIMENTOS

No decurso dos cinco anos de preparação deste trabalho muitas


pessoas entraram e outras tantas saíram da minha vida, porque a distância
ou as circunstâncias assim o ditaram. Contudo, a todas devo um profundo
obrigada, cada uma teve, a dado momento, um papel crucial em cada linha
escrita neste trabalho, seja a nível académico, ou pessoal. Todas
contribuíram para a sua conclusão.

Contudo, para algumas pessoas, em particular, seria injusto não


dirigir uma palavra expressa de agradecimento. Para a minha Mãe não existe
forma suficiente de agradecer o esforço contínuo que faz para me dar a
possibilidade de perseguir os meus sonhos, fazendo deles os seus sonhos
também. Sem o seu apoio, força e coragem nada disto seria possível. Ao
António, por nunca me deixar vacilar, mesmo nos momentos mais difíceis e
por acreditar em mim, sempre e para sempre. À Ana Paula, à Paula e à
Conceição, por serem mais do que irmãs. À Ana Paula, em especial, agradeço
a leitura atenta, a correcção e as sugestões que fez para me auxiliar na
revisão e conclusão deste trabalho. Erros e omissões são da minha exclusiva
responsabilidade.

No que respeita à vida académica, várias foram as personalidades


que me auxiliaram na conclusão deste trabalho, seja com uma crítica, um
ponto de vista ou um conselho. Contudo, um agradecimento especial tem
que ser dirigido a algumas individualidades: ao Professor Doutor Vasco

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Pereira da Silva, meu orientador, de quem ouvi as primeiras palavras sobre


Direito do Ambiente nos bancos da FDL, como aluna de licenciatura, e que
me fizeram imediatamente uma eterna fã, sua e do assunto, apenas posso
agradecer a inteira disponibilidade e constante incentivo ao longo deste
processo; à Professora Doutora Carla Amado Gomes, por quem tenho muita
admiração, pela forma como se entrega de corpo e alma a estas discussões,
pelo tempo, paciência e atenção; ao Professor Doutor Menezes Leitão e ao
Professor Doutor Januário da Costa Gomes, pelos valiosos conselhos que me
deram em terras africanas; ao Professor Doutor Joseph A. Borg, Director do
Departamento de Biologia da Faculdade de Ciências da Universidade de
Malta pelo tempo e paciência que teve em traduzir alguns conceitos
científicos de forma a que uma jurista, como eu, os compreendesse; e ao
Professor Doutor David Attard, Director do IMO – International Maritime
Law Institute e Juíz do Tribunal Marítimo Internacional, um orientador para
a vida, cujos conselhos e incentivo foram cruciais na fase final deste trabalho.

Não posso, ainda, deixar aqui de agradecer a algumas instituições


e ao seu pessoal que durante estes anos seguiram, lado a lado, comigo: à
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e, em particular, ao Instituto
de Cooperação Jurídica, ao Gabinete de Estudos Pós-Graduados e à
Biblioteca, à Biblioteca da Procuradoria Geral da República, à Biblioteca da
Pace University, à Biblioteca da Universidade de Malta, à Biblioteca do IMO
– International Maritime Law Institute, à Biblioteca do International Oil
Pollution Compensation Fund, e a um acervo pessoal considerável a que tive
acesso devido à colaboração de vários professores ao longo deste percurso,
à Fundação LLoyds Register, à IMO – International Maritime Law
Organization e ao International Maritime Law Institute por me concederem
uma bolsa integral em 2013 que me deu o estímulo necessário à conclusão
deste trabalho.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
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Por fim, tenho que agradecer a todos os alunos em Moçambique


enquanto colaboradora do Instituto de Cooperação Jurídica da Faculdade de
Direito da Universidade de Lisboa, e mais recentemente, como Assistente-
Convidada da Universidade Católica de Moçambique, que acompanharam o
meu percurso, e que fizeram com que os meus anos em África tentando
encontrar o rumo para esta tese não se assimilasse, nem de perto, a um
degredo, antes me inspirando com a sua vontade de saber e ensinando que
nunca se deve deixar de buscar essa aprendizagem, por muitas dificuldades
que o seu percurso reserve.

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SUMÁRIO

A problemática em torno da compensação do dano causado ao


ambiente não é nova. A “responsabilidade ambiental tem-se tornado um dos
problemas legais de referência da década”3. Contudo, ela sempre esteve
intrinsecamente ligada à discussão em torno da possibilidade, ou não, de se
compensar e reparar o dano por meio do instituto clássico da
responsabilidade civil. Esta discussão, que não é pacífica, leva
necessariamente à restrição da reparação, apenas, aos danos sofridos pelo
Homem através do ambiente. Não é este o pressuposto deste trabalho.

Nesta dissertação, procede-se a uma análise juspublicista do


dano causado ao ambiente natural, nos termos apresentados pelo regime
especial europeu de responsabilidade ambiental criado pela Directiva
2004/35/CE do Parlamento e do Conselho de 21 de abril de 20044 (adiante
Directiva 2004/35/CE). Nesse sentido, vai-se proceder à análise do conceito

3Abrahan S. Kenneth, “Environmental Liability and the Limits of Insurance”, in Columbia


Law Review, Vol.88, pp. 942-988, 1998, p. 942.

4Alterado pela Directiva 2006/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de


Março de 2006, Directiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Abril
de 2009; e Directiva 2013/30/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Junho de
2013.

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adoptado, apontar as suas insuficiências e apresentar um novo conceito de


dano – o dano à ecodiversidade. Nomeadamente, procede-se à análise da
adequabilidade do critério “significativo” como elemento caraterizador do
próprio dano.

Com isso, propõe-se uma nova configuração do conceito de dano


de acordo com um conjunto de pressupostos que visam colmatar as
insuficiências existentes e verificadas, de forma a viabilizar o objectivo
primordial de estruturação de um regime europeu de responsabilidade
ambiental que resulte em um nível-base elevado e harmonioso de protecção
ambiental em todos os Estados-Membros5.

Pode-se questionar o porquê de se discutir sobre o conceito de dano


causado ao ambiente6. Contudo, a verdade é que não existe ainda um consenso
no que respeita ao conceito a adoptar para designar o dano causado ao ambiente
natural, muito menos no que respeita às características que o compõem. Temos,
ainda hoje, uma panóplia de definições que são utilizadas pela legislação,
jurisprudência e doutrina, nacional e estrangeira, que titubeiam entre um e outro
conceito como se da mesma coisa se tratasse e como se isso não tivesse qualquer

5 Sobre o Princípio do Nível Elevado de Proteção Ambiental, Ver Alexandra Aragão, “O


Principio do Nível Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e
dos Resíduos”, Almedina, Coimbra, 2006.

6 Adoptamos ao longo deste trabalho o termo “dano causado ao ambiente” ou “dano causado

ao ambiente natural” como forma neutra de referência ao dano aos elementos bióticos,
abióticos, a relação entre estes, e dos ecossistemas. Não estão incluídos, pois, nesta fórmula
a paisagem e o património cultural. Faz-se isso porque teremos que abordar, ao longo do
trabalho, vários conceitos e não queriamos comprometer a análise global com preconceitos
associados aos mesmos.

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influência na efectividade do regime. Quando, na prática, geram dúvidas


desnecessárias no que respeita ao seu âmbito de aplicação.

Quanto a nós, isso coloca inevitavelmente em causa qualquer regime


especial que se crie para a reparação do dano causado ao ambiente. Afinal, como
se pode discutir acerca do nexo de causalidade, da forma de reparação, ou acerca
de outros problemas que se avolumam a respeito do tema da responsabilidade se,
na prática, existe ainda um nebuloso conjunto de definições que são associadas
ao mesmo tipo de dano, usando-se muitas vezes a agressão ao ambiente apenas
como forma e meio de fundamentar a reparação, directa ou indirecta, do dano
pessoal e relegando para segundo plano a reparação do dano causado ao
ambiente, quando na realidade este deveria assumir o lugar de protagonista.

A nossa teoria pretende, assim, conciliar o regime criado pela


Directiva com os últimos desenvolvimentos internacionais na área, de modo
a alcançar uma protecção global e integrada do ecossistema. Com a adopção
do conceito de “dano à ecodiversidade”, com os fundamentos, características
e abordagem que aqui propomos, entendemos ser possível simplificar,
racionalizar e harmonizar o regime de responsabilidade ambiental a nível
europeu. Resultando, assim, numa ampliação do âmbito de proteção da
norma e numa proteção ecológica acrescida.

PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade; Dano à Ecodiversidade; Dano


Ambiental; Alteração Adversa; Directiva 2004/35/CE.

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Uma Perspectiva Juspublicista

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ABSTRACT

The problems surrounding the liability and compensation for


damage to the environment is not new. The "environmental liability has
become one of the reference legal problems of the decade".7 However, it has
always been intrinsically linked to the discussion on the possibility, or not,
to compensate and repair the damage through the classical institution of
civil liability. This discussion, which was not peaceful, necessarily leads to
the restriction of compensation for damage suffered by humans through the
environment – the environmental damage. It is not that the premises of this
work.

This dissertation, proceeds to a juspublicist analysis of the


damage caused to the environment as presented by the special european
environmental liability regime established by Directive 2004/35/EC of the
European Parliament and the Council of 21 April 2004 (hereinafter Directive
2004/35/CE)8. In accordance, it will be examined the concept of damage

7Abrahan S. Kenneth, “Environmental Liability and the Limits of Insurance”, in Columbia


Law Review, Vol.88, pp. 942-988, 1998, p. 942.

8Amended by Directive 2006/21/EC of the European Parliament and of the Council of 15


March 2006, Directive 2009/31/EC of the European Parliament and of the Council of 23

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adopted by, it will be pointing out its shortcomings and presented our new
concept - the ecodiversity damage. Proceeds to the analysis of the suitability
of the criteria "significant" as characterizing element of hurt.

Thus, we propose a new configuration of the concept of damage


according to a set of new assumptions to remedy the shortcomings observed
and enable the primary objective of structuring an European environmental
liability regime get a high and harmonious base level of environmental
protection in all Member-States9.

One may question why to discuss the concept of ecodiversity


damage. However, the truth is that there is still no uniform definition of harm to
the environment, much less of its features. We have, today, a range of concepts
that are used by legislation, case law and national and foreign doctrine that falter
between one and another concept as if it were the same thing and as if it had no
impact on the effectiveness of the regime.

This inevitably undermines any special arrangements created to


repair it. How can one argue about causation, remedy, or about other looming
problems on the subject of liability for such damage if, in practice, there is a fuzzy
set of definitions that are associated with the same kind of damage, often using
aggression to the environment as the basis for the repair of personal injury and

April 2009 and Directive 2013/30/EU of the European Parliamenty and of the Council of
the 12 June 2013.
9 About the Principle of High Level of Environmental Protection, See Alexandra Aragão, “O

Principio do Nível Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e


dos Resíduos”, Almedina, Coimbra, 2006.

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not damage to the natural environment and relegating to the background


compensation for the damage to the environment.

Our theory will allow to make the reconciliation of the regime


established by Directive with the latest international developments in the field in
order to achieve a comprehensive and integrated protection of the ecosystem.
With the adoption of our concept of "ecodiversity damage" with the
fundamentals, characteristics and approach that we propose, we believe it is
possible to simplify, rationalize and harmonize the environmental liability regime
in Europe. This results in an extension of the scope of protection of the
standard and an increased ecological protection.

KEY-WORDS: Liability; Ecodiversity Damage; Environmental Damage;


Adverse Change; Directive 2004/35/CE.

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ABREVIATURAS UTILIZADAS

APA – Agência Portuguesa do Ambiente

CBD – Convenção Sobre a Diversidade Biológica

CEDH – Convenção Europeia dos Direitos do Homem

CEE – Comunidade Económica Europeia

CERCLA – Comprehensive Environmental Response, Compensation and


Liability Act

CFC – Clorofluorcarboneto ou Clorofluorcarbono

Cfr. – Conforme

CLC – International Convention for Civil Liability for Oil Pollution

CNUAD – Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e


Desenvolvimento

COP – Conference of the Parties

CO2 – Dióxido de Carbono

CRTD – Convention on civil liability for damages caused during carriage of


dangerous goods by road, rail and inland navigation vessels

DQEM – Directiva Quadro Estratégia Marinha

EASAC – European Academies Science Advisory Council

EIA – Environmental Impact Assessment

ELD – Environmental Liability Directive

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EPA – Environmental Protection Agency

EUA – Estados Unidos da América

FDL – Faculdade de Direito de Lisboa

HNS – Hazardous and Noxious Substances

ILC – International Law Commission

IMO – International Maritime Organization

IOPC – International Oil Pollution Compensation

JO – Jornal Oficial

JOCE – Jornal Oficial da União Europeia

LLMC – Limitation of Liability for Maritime Claims

MEA – Millennium Ecosystem Assessment

n.º - Número

NCP – National Contingency Plan

NPL – National Priorities List

OCDE – Organisation for Economic Co-operation and Development

OGM – Organismos Geneticamente Modificados

OPA – Oil Pollution Act

PPP – Princípio do Poluidor Pagador/Polluter Pays Principle

p./pp. – página/páginas

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SARA – Superfund Amendments and Reauthorizaton Act

SDR – Special Drawing Rights

TEDH – Tribunal Europeu de Direitos Humanos

TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity

TFUE – Treaty on the Functioning of the European Union

TSCA – Toxic Substances Control Act

TUE – Tratado de Maastricht/Tratado da União Europeia

EU – União Europeia

UN – United Nations

UNEP – United Nations Environment Programme

UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change

Vol. – Volume

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS............................................................................................ 11

SUMÁRIO .............................................................................................................. 15

ABSTRACT ........................................................................................................... 19

ABREVIATURAS UTILIZADAS ......................................................................... 23

INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 33

CAPÍTULO I......................................................................................................................... 43

O PORQUÊ DE UM NOVO CONCEITO DE “DANO” ............................................................ 43

1.1 A actual multiplicidade de conceitos de “dano”.................................................. 45

1.2 Conceitos a substituir ......................................................................................... 55

1.2.1 Dano Ambiental .............................................................................................. 57

1.2.2 Dano Ecológico ............................................................................................... 61

1.2.3 Dano à Biodiversidade.................................................................................... 67

CAPÍTULO II ....................................................................................................................... 75

FONTES DA DIRECTIVA 2004/35/CE: PERSPECTIVA HISTÓRICO-COMPARATIVA .... 75

2.1 O modelo Norte-Americano de protecção directa dos “natural resources”:

CERCLA ........................................................................................................................... 77

2.1.1 Contextualização: o regime Norte-Americano para além da CERCLA............ 79

2.1.2 Estrutura do modelo CERCLA......................................................................... 87

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2.1.2.1 Tipo de responsabilidade: Objectiva ...................................................... 91

2.1.2.2 Sujeito passivo: “Potentially Responsible Parties” ................................ 97

2.1.2.3 Dano: “Natural Resource Damage” ...................................................... 103

2.2 O modelo internacional de compensação por “pollution damage”: CLC ........... 107

2.2.1 Antecedentes do actual regime CLC ............................................................. 111

2.2.2 Estrutura do modelo CLC ............................................................................. 123

2.2.2.1 Tipo de responsabilidade: Objectiva .................................................... 131

2.2.2.1.1 Canalização da responsabilidade .................................................... 133

2.2.2.1.2 Limitação da responsabilidade ....................................................... 139

2.2.2.2 Sujeito passivo: “Owner” ...................................................................... 145

2.2.2.3 Dano: “Pollution Damage” .................................................................... 149

CAPÍTULO III .................................................................................................................... 165

DIRECTIVA 2004/35/CE: FUNDAMENTOS, ESTRUTURA E CONCEITO DE DANO

ADOPTADO....................................................................................................................... 165

3.1 Antecedentes da Directiva 2004/35/CE .......................................................... 167

3.1.1 Proposta de Directiva relativa aos resíduos (1976 - 1991) ......................... 171

3.1.2 Livro Verde sobre a reparação dos danos causados no ambiente (1993) ... 177

3.1.3 Livro Branco sobre a Responsabilidade por Dano Ambiental (2000) ......... 179

3.1.4 Proposta de Directiva (2002) ....................................................................... 183

3.2 Ratio Legis da Directiva 2004/35/CE ............................................................... 187

3.3 Dimensão juspublicista da responsabilidade ambiental .................................. 197

3.4 Tipo de Responsabilidade: Objectiva/Subjectiva ............................................. 203

3.4.1 Causas de Exclusão da Responsabilidade..................................................... 213

3.5 Sujeito Passivo: “Operador” .............................................................................. 221

3.6 Dano: “Dano Ambiental” ................................................................................... 227

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3.6.1 Danos ambientais incluídos no âmbito de aplicação da Directiva ............... 231

3.6.1.1 Danos causados às espécies e habitats naturais protegidos ................ 231

3.6.1.2 Dano causados à água .......................................................................... 237

3.6.1.3 Danos causados ao solo........................................................................ 243

3.6.2 Fonte ............................................................................................................. 247

3.6.2.1 Actividade-Ocupacional ....................................................................... 247

3.6.2.2 Actividades perigosas .......................................................................... 253

3.6.2.3 Actividades excluídas ........................................................................... 263

3.6.3 Periodicidade................................................................................................ 267

3.6.3.1 Efeitos históricos.................................................................................. 267

3.6.3.2 Efeitos continuados.............................................................................. 271

3.6.3.3 Efeitos futuros ...................................................................................... 273

3.7 Tipos de danos não incluídos no conceito de “dano ambiental” ...................... 279

3.7.1 Dano patrimonial ambiental......................................................................... 281

3.7.2 Dano moral ambiental .................................................................................. 283

3.7.3 Dano patrimonial puro ................................................................................. 291

CAPÍTULO IV .................................................................................................................... 299

IMPLEMENTAÇÃO DA DIRECTIVA: O CASO PORTUGUÊS ............................................ 299

4.1 Implementação da Directiva 2004/35/CE em Portugal ................................... 301

4.1.1 Opções de execução da Directiva em Portugal ............................................. 303

4.1.2 Tentativa de unificação do conceito de “dano” ............................................ 309

4.1.3 Implementação do Decreto-Lei n.º 147/2008 ............................................. 315

4.2 Co-Relação entre o Decreto-Lei n.º 147/2008 e a Nova Lei de Bases do

Ambiente ....................................................................................................................... 321

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
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CAPÍTULO V...................................................................................................................... 325

UMA NOVA TEORIA: ENQUADRAMENTO DOGMÁTICO DO DANO À ECODIVERSIDADE

........................................................................................................................................... 325

5.1 Âmbito de protecção da responsabilidade ambiental: “Ecodiversidade”......... 327

5.2 Quadro de referência da protecção da Ecodiversidade na União Europeia ..... 337

5.3 Racionalização da Ecodiversidade enquanto “Capital Natural” ....................... 347

5.4 Re-conceptualização do dano no regime de responsabilidade ambiental: “Dano à

Ecodiversidade” ............................................................................................................ 351

5.4.1.1 Danos às espécies e habitats naturais “não protegidos” ...................... 357

5.4.1.2 Danos causados à atmosfera ................................................................ 359

5.4.1.3 Danos causados aos solo “strictu sensu”............................................... 365

5.5 Ruptura com o conceito tradicional “dano”...................................................... 369

5.5.1 Da “(des)humanização” do Dano à Ecodiversidade ..................................... 373

5.5.2 A “autonomização” do Dano à Ecodiversidade............................................. 381

5.6 Adopção de um conceito restrito de “dano” ..................................................... 387

5.6.1 Dano como “alteração adversa”.................................................................... 391

5.6.2 Dano como “concreto” (determinável)......................................................... 401

CAPÍTULO VI .................................................................................................................... 405

ABANDONO DO “EFEITO SIGNIFICATIVO” NA DEFINIÇÃO DO “DANO À

ECODIVERSIDADE” .......................................................................................................... 405

6.1 Insuficiências do método tradicional de definição do dano ............................. 407

6.1.1 O “significativo” como critério qualificador do dano ................................... 411

6.1.2 O “Efeito Significativo” na Directiva 2004/35/CE ........................................ 417

6.1.3 Abolição do “Efeito Significativo” na Definição do Dano à Ecodiversidade . 425

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.2 Uma nova abordagem na definição do Dano à Ecodiversidade........................ 433

6.2.1 Adopção do “Ecosystem Approach” ............................................................. 433

6.2.2 Autonomização das etapas de determinação do dano: Verificação versus

Avaliação ................................................................................................................... 439

6.3 Aplicação do “ecosystem approach” na definição do Dano à Ecodiversidade por

meio da valorização dos serviços fornecidos pelo ecossistema.................................... 443

6.3.1 Serviços do ecossistema ............................................................................... 443

6.3.2 Serviços dos recursos naturais..................................................................... 451

6.3.3 Afectação dos “serviços dos recursos naturais” como forma de definição do

Dano à Ecodiversidade.............................................................................................. 455

CONCLUSÕES, RECOMECOMENDAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS................ 461

7.1 O conceito de “dano” adoptado pela Directiva 2004/35/CE conseguiu atingir um

nível elevado de protecção ambiental? ......................................................................... 463

7.2 Como fazer o conceito de “dano” alcançar o pretendido nível elevado de

protecção ambiental? .................................................................................................... 471

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................. 479

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
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INTRODUÇÃO

Desde meados da década de 70, impulsionados pela Declaração


de Estocolmo de 1972, têm-se desenvolvido vários regimes específicos de
responsabilidade para a cobertura de danos causados ao ambiente. Contudo,
durante muito tempo, o quadro normativo existente para a compensação e
reparação dos danos causados ao ambiente era, na sua maioria, composto
por regimes de responsabilidade civil e encontrava-se restrito à
compensação e reparação, apenas, dos danos pessoais sofridos pelos
indivíduos por meio do ambiente natural10.

A partir de 1990, esta situação começa, no entanto, a tomar um


rumo diferente com o ambiente natural a ser considerado, ou pelo menos
referido, como preocupação num conjunto de convenções internacionais,
incentivando-se, com isso, a discussão em torno da potencial
responsabilidade por danos ao mesmo. Exemplos disso podem-se
encontrar: no artigo I, n.º 6, da Convenção Internacional sobre
Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos de 199211 e no artigo 2.º, al. c), ponto iv e alínea d), do

10 Nadége Coudoing, “Le Dommage Écologique Pur e L´Article 31 du NCPC”, in Revue


Juridique de L´Environnement, 2, 2009, Juin, pp. 165-180, p. 166.

11 A versão inicial da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos


Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos de 1969 (adiante CLC 1969) foi alterada
pelo Protocolo à Convenção, de 1992, resultando naquilo que actualmente se designa por
Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição
por Hidrocarbonetos de 1992 (adiante CLC 1992).

33
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Protocolo de Basileia sobre Responsabilidade e Compensação por danos


resultantes de movimentos transfronteiriços de resíduos perigosos e sua
eliminação de 199912; entre outros.

Acontece que, apesar de já ser discutida há vários anos pela


doutrina, jurisprudência e legislações nacionais e internacionais, a nível
europeu (e global) é apenas depois da Directiva 2004/35/CE que se aborda
directamente o dano causado ao ambiente13.

Devido à sua novidade, a doutrina tem-se multiplicado na análise


e discussão dos problemas levantados por este regime. Inclusivamente,
algumas teses de doutoramento já abordaram temas conexos ao que irá aqui
ser tratado. Acontece que, na grande maioria, o foco da pesquisa destes
estudos reside na implementação da Directiva numa jurisdição específica 14,
nas formas e métodos de reparação 15, no uso de mecanismos financeiros
para a cobertura destes danos16 e nos problemas relacionados com a

12 Naversão oficial, Basel Protocol on Liability and Compensation for Damage Resulting from
Transboundary Movements of Hazardous Wastes and their Disposal, 10 de Dezembro de
1999 (adiante Protocolo de Basileia sobre Responsabilidade e Compensação)

13 Publicada no JO L143, p.56, 30.4.2004 e alterada pela Directiva 2006/21/CE do


Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Março de 2006 (JO L102, p.15, 11.4.2006), pela
Directiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Abril de 2009 (JO
L140, p.114, 5.6.2009) e pela Directiva 2013/30/EU do Parlamento Europeu e do Conselho
de 12 de Junho de 2013 (JO L178, p. 66, 28.6.2013), adiante Directiva 2004/35/CE ou
Directiva.

14 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008.

15 José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação

do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, Coimbra, 1998.

16 Liu Jing, Compensating Ecological Damage. Comparative and Economic Observations,


Intersentia, United Kingdom, 2013.

34
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

implementação da Directiva nos diferentes Estados-Membros17. Mas,


raramente, a discussão foca, a título principal, no dano causado ao ambiente
natural em si mesmo considerado18.

Com efeito, esta tese tem como objecto central a compreensão da


figura do dano causado ao ambiente natural à luz do quadro legal criado pela
Directiva 2004/35/CE. Posto isto, tendo em consideração que o
Considerando 3 da Directiva dispõe que é “objectivo da presente (…)
estabelecer um quadro comum de prevenção e reparação dos danos” e que o
artigo 191.º, n.º 2, TFUE dispõe que “a política da União no domínio do
ambiente terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado”19, a
questão que vai nortear a presente investigação é saber se o conceito de

17Lucas Bergkamp, and Barbara J. Goldsmith, (Editors), The EU Environmental Liability


Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 9;
Monika Hinteregger, Environmental Liability and Ecological Damage in European Law,
Cambridge University Press, United Kingdom 2008; Geneviève Viney, e Bernard Dubuisson,
(ed.), Les Responsabilités Environmenales Dans L´Espace Européen. Point de Vue Franco-
Belge, 45, Bruyland, Bruxelles, 2006; Laurent Neyret e Gilles J. Martin, Nomenclature des
prejudices environnementaux, Droit Des Affaires, L.G.D.J, Lextenso éditions, Paris, 2012;
Blanca Lozano Cutanda, (Coord.), Comentários a la Ley de Responsabilidad
Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008.

18 A obra de Paulo de Bessa Antunes, de facto, opta pela conceitualização do dano ambiental,

contudo, faz uma análise jurídico-filosófica do assunto e cuja preocupação central é


reafirmar a dimensão humana do ambiente. Não obstante a indiscutível valia da obra, por
um lado, não procede à análise do conceito com as particularidades trazidas pela Directiva,
por outro, utiliza um conjunto de argumentos pró-antropocêntricos que não vão de
encontro com a tese aqui defendida como teremos oportunidade de analisar mais à frente.
Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição, Editora
Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. xiv.

19Sobre o Princípio do Nível Elevado de Proteção Ambiental, Ver Alexandra Aragão, “O


Principio do Nível Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e
dos Resíduos”, Almedina, Coimbra, 2006.

35
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

dano adoptado pela Directiva 2004/35/CE conseguiu alcançar, ou não, um


nível elevado de proteção ambiental.

Falar-se em “dano ambiental”, “dano ecológico”, e outras tantas


designações semelhantes, tornou-se bastante comum. Pelo que, se pode
questionar a relevância de se discutir sobre o conceito de dano causado ao
ambiente. Contudo, a verdade é que não existe ainda um consenso no que
respeita ao conceito a adoptar para designar-se o dano causado ao ambiente
natural, muito menos no que respeita às características que o definem.
Temos, ainda hoje, uma panóplia de definições que são utilizadas pela
legislação, jurisprudência e doutrina nacional e estrangeira que titubeiam
entre um e outro conceito como se da mesma coisa se tratasse e como se isso
não tivesse qualquer influência na efectividade do regime. Ressaltando-se,
assim, a pertinência e oportunidade do tema em questão.

Nesse sentido, atendendo que o regime criado pela Directiva


coloca uma série de constrangimentos, aqui, iremos cingir a discussão
àquele que é, para nós, o ponto de partida para todos os demais problemas
que possam surgir na sequência da implementação de um regime de
responsabilidade, que é a conceptualização do dano para efeitos de
aplicação do mesmo. Assim,

No CAPÍTULO I – “O Porquê de um Novo Conceito de “Dano” –


começa-se, desde logo, por evidenciar o actual estado de confusão
terminológica com que nos deparamos ao iniciar o estudo do dano causado
ao ambiente. Em especial, dando-se particular enfoque aos três conceitos
que, quanto a nós, têm maior relevância para a problemática em análise –
“dano ambiental” (adoptado pela Directiva), “dano ecológico” (adoptado
pela Doutrina) e “dano à biodiversidade” (adoptado pela legislação

36
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

internacional). Com isso, pretende-se verificar, por um lado, se estes


conceitos respondem, actualmente, às necessidades da problemática em
causa, segundo, se a criação de um regime especial a nível europeu gerou, ou
não, a adopção, teórica ou de facto, de um “conceito uniforme” para o dano
causado ao ambiente natural.

No CAPÍTULO II – “Fontes da Directiva 2004/35/CE:


Perspectiva Histórico-Comparativa” – visa-se compreender quais foram os
instrumentos que, no passado, serviram de inspiração para as soluções que
foram adoptadas na Directiva 2004/35/CE. Dirige-se então, a investigação
para os dois regimes que, quanto a nós, influenciaram de forma decisiva as
soluções adoptadas pela Directiva: um de modo directo – a CERCLA – outro
de modo indirecto - a CLC. Com isso pretende-se, primeiro, compreender as
soluções desses regimes no que respeita ao tipo de responsabilidade
adoptado, ao tipo de danos cobertos e a identificação do sujeito passivo.
Segundo, verificar os pontos de encontro entre estes modelos e o regime
europeu. E, terceiro, verificar se a Directiva conseguiu, ou não, ir além e fazer
melhor do que estes regimes.

No CAPÍTULO III – “Directiva 2004/35/CE: Fundamentos,


Estrutura e Conceito de “Dano” Adoptado” – faz-se uma viagem pelo
caminho que antecedeu a consagração da responsabilização por danos
causados ao ambiente na União Europeia. Isso vai nos ajudar a compreender
a necessidade, ou não, de um regime de responsabilidade ambiental
uniforme na União Europeia. Em seguida, segue-se para o tratamento do
regime da Directiva nos seus contornos gerais: ratio legis do regime,
dimensão juspublicista da responsabilidade ambiental, tipo de
responsabilidade adoptado, causas de exclusão da responsabilidade e
sujeito passivo. E, em seguida, nos seus contornos específicos referentes ao

37
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

conceito de “dano ambiental” adoptado: sub-classes de danos abrangidos


(danos causados às espécies e habitats naturais protegidos, danos causados
à água e danos causados ao solo) e tipos de danos não incluídos no âmbito
da Directiva (dano patrimonial ambiental, dano moral ambiental e dano
patrimonial puro). Com isso pretende-se, depois de compreendidos os seus
fundamentos e opções, identificar as limitações teóricas do regime.

No CAPÍTULO IV – “Implementação da Directiva: O Caso


Português” – iremos compreender as opções que foram tomadas no direito
português aquando da transposição da Directiva 2004/35/CE. A análise
efectuada assenta os seus dados empíricos nos relatórios sobre a
experiência obtida com a aplicação da Directiva apresentados pelos Estados-
Membros em cumprimento ao disposto no artigo 18.º da Directiva. Assim,
analisa-se a implementação da Directiva em Portugal através da análise,
primeiro, das opções de execução, segundo, da tentativa de unificação do
conceito de dano intentada pelo legislador português e, por fim, da
implementação do Decreto-Lei n.º 147/2008 que procede à transposição da
Directiva para o ordenamento jurídico nacional. Concomitantemente,
procede-se a uma análise comparativa entre o Decreto-Lei de transposição
da Directiva e a nova Lei de Bases do Ambiente. Dessa forma, pretende-se
identificar as limitações práticas do regime no que respeita ao conceito de
dano adoptado.

No CAPÍTULO V – “Uma Nova Teoria de Dano: Enquadramento


Dogmático do “Dano à Ecodiversidade” – tenta-se encontrar formas de
colmatar as deficiências encontradas nos capítulos anteriores. Começa-se
por identificar o âmbito “ideal” de protecção do regime de responsabilidade
ambiental – a “ecodiversidade” –, estipula-se o quadro de referência da
protecção da ecodiversidade na União Europeia, e procede-se à

38
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

racionalização da ecodiversidade enquanto “capital natural”. Culminando-se


assim, com a proposta de adopção de um novo conceito: o de “dano à
ecodiversidade”. Essa alteração acarreta a necessidade, desde logo, de
configurar o âmbito do regime em vigor para se ajustar às características do
novo conceito. Em seguida, analisa-se a ruptura concetual face ao seu
congénere de Direito Civil. E, quanto a isto, apontam-se as duas
caraterísticas que, quanto a nós, afastam este dano do conceito tradicional e
criam a necessidade de uma noção jurídica própria. Por fim, analisa-se
aquele que chamamos de conceito restrito de dano à ecodiversidade nos
termos da Directiva. Com isso, pretende-se estabelecer as bases doutrinárias
que fundamentam o alargamento do conceito de dano do regime especial de
responsabilidade ambiental.

No CAPÍTULO VI – “O Abandono do “Efeito Significativo” na


definição do Dano à Ecodiversidade” – vai-se analisar a suficiência, ou não,
do critério tradicional de definição do dano causado ao ambiente ao longo
dos anos e, também, incorporado na Directiva 2004/35/CE – o “efeito
significativo”. Em seguida, indo de encontro à posição tomada, propõe-se
uma abordagem diferente na teorização da definição deste tipo de dano, com
a incorporação do “ecosystem approach” na sua identificação. A
incorporação desta abordagem ecossistémica elevará os serviços fornecidos
pelo ecossistema a critério indicador da ocorrência de dano. Pretende-se,
aqui, analisar a adequabilidade, ou não, do critério “significativo” como
elemento caracterizador do próprio dano e encontrar uma forma de
objectivizar a determinação do mesmo.

Por fim, apontam-se as conclusões, recomendações e


consequências da teoria proposta através da resposta a duas questões:

39
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ O conceito de “dano” adoptado pela Directiva 2004/35/CE


conseguiu atingir um nível elevado de protecção ambiental?

▪ Como fazer o conceito de “dano” alcançar o pretendido nível


elevado de protecção ambiental?

Não obstante a oportunidade do tema, desde já se ressalva,


contudo, que esta investigação não tem a pretensão de dar resposta a todos
os problemas colocados pelo regime europeu de responsabilidade
ambiental criado pela Directiva 2004/35/CE. Vários outros poderiam
apontar-se, como o tipo de responsabilidade mais adequado, a causalidade
e a prova, a forma de reparação e a compensação do dano, entre outros.
Neste trabalho visa-se tratar aquele que é, para nós, o ponto de partida de
qualquer discussão sobre a reparação, ou não, de um dano – e que é o
próprio conceito de dano. Pretendemos assim, apresentar uma possível via
de jure constituendo de definição do dano causado ao ambiente que
entendemos poder auxiliar na obtenção de melhores resultados a nível de
aplicação e abrangência do regime de responsabilidade ambiental.

Delimitado o percurso do nosso estudo, importa dizer algo sobre


o modo como será realizado. E, quanto a isso, sustentamos a solução da
nossa problemática em dois métodos que irão, em conjunto, permitir
alcançar uma visão abrangente e totalizante dos problemas levantados e das
hipóteses trabalhadas. Primeiro, procedemos a um levantamento e análise
de legislação europeia e internacional relevantes para a matéria que nos
ocupa e, em seguida, confrontamos as soluções adoptadas na legislação e
suas inconsistências com as posições doutrinárias nacionais e
internacionais, de modo a identificar os acertos e desacertos do actual

40
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

regime de responsabilidade ambiental no que respeita à conceptualização


do dano.

41
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

42
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

CAPÍTULO I

O PORQUÊ DE UM NOVO CONCEITO DE “DANO”

43
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

44
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

1.1 A actual multiplicidade de conceitos de “dano”

O conceito de dano assume uma importância decisiva 20 no


regime de responsabilidade ilustrado pela Directiva 2004/35/CE.21 Pelo
que, a adopção de um conceito uniforme e a clareza na sua definição são
essenciais para uma ampla eficácia do sistema. De facto, assume tal
importância, que já o Livro Verde chamava a atenção ao referir que “a
definição jurídica de dano causado no ambiente apresenta uma relevância
especial”22.

Nesse sentido, não poderíamos começar esta análise de outra


forma senão a evidenciar, desde logo, a actual “confusão”23 terminológica
com que nos deparamos ao iniciar a nossa jornada pelo estudo do conceito
de dano causado ao ambiente, no geral, e do conceito de dano utilizado pela
Directiva 2004/35/CE, em particular. Com isso, pretende-se verificar se a

20Albert Ruda González chama-lhe de “pieza central”, “En Tierra de Nadie. Problemas de
Delimitación del Nuevo Daño Medioambiental”, in Revista de Derecho Privado, Enero-
Febrero 2009, p. 21.

21Edward H.P. Brans, Liability to Public Natural Resources. Standing, Damage and Damage
Assessment, International Environmental Law and Policy Series, Vol.61, Kluwer Law
International, Netherlands, 2001, p. 319.

22Cfr. Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu e ao Comité


Económico e Social: Livro Verde sobre a reparação dos danos causados no ambiente,
COM(93) 47 final, 14 de Maio de 1993, p.10.

23 Como salienta Maria Alexandra Aragão “[r]esta-nos esperar que as dúvidas suscitadas
pela interpretação da lei de responsabilidade ambiental não originem um novo tipo de
poluição, a “poluição normativa”, vislumbrada por Luciano Botti em 1990”, O Princípio do
poluidor pagador como princípio nuclear da responsabilidade ambiental no Direito Europeu,
in Actas do Colóquio A Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Faculdade de Direito,
Lisboa Dias 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, Organização de Carla Amado Gomes e Tiago
Antunes, Edição Instituto de Ciências Jurídico-Políticas, p. 119.

45
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

implementação deste regime especial a nível europeu gerou a adopção de


um “conceito uniforme” e, se não, tirar as necessárias conclusões do cenário
apresentado.

Como refere VASCO PEREIRA DA SILVA, é importante de


salientar ab initio que o amor à natureza, e a consequente preocupação com
o seu destino, é um fenómeno que se verifica desde os primórdios da
humanidade e que dá lugar às mais variadas manifestações individuais ao
longo da História, de acordo com distintas perspectivas religiosas, morais ou
filosóficas, contudo, só recentemente é que ele adquiriu uma dimensão
colectiva, tornando-se um problema “político” e, eu acrescentaria “jurídico”,
da comunidade24.

Como tal, pode dizer-se que as definições legais adoptadas ao


longo dos tempos foram fortemente influenciadas pelas preocupações
sociais e políticas de cada época. Talvez isso justifique, de algum modo, a
panóplia de conceitos e termos utilizados desde a década de 60 para
apelidar o dano causado ao ambiente natural25. Talvez por isso, seja até
injusta a crítica à multitude de conceitos utilizados. Afinal, neste estudo
temos pressupostos específicos de um contexto legislativo, social e político

24 Vasco Pereira da Silva, Verdes são também os Direitos do Homem, Principia, p. 9.

25 Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição, Editora

Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 3.

46
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

que nos permite encontrar o conceito jurídico mais adequado, neste


momento, para designar o dano causado ao ambiente26.

Ora, está assente que as preocupações ambientais mudam de


ênfase a cada época. Em 1960, a agenda mundial girava em torno dos danos
resultantes de derrames petrolíferos e do uso de agrotóxicos27, dando azo à
adopção de importantes medidas, como a proibição do uso de DDT 28 nos
Estados Unidos da América em 1972, e a adopção da “International
Convention on Civil Liability for Oil Pollution Damage” (CLC) em 1969, famosa
por criar um dos primeiros modelos de Convenção referente à compensação
de danos resultantes de contaminação proveniente de poluição por
hidrocarbonetos.

Já durante a década de 80 a questão ambiental alcança outra


proporção e a poluição resultante de fontes difusas passa a ser uma
preocupação patente na agenda internacional. Desenham-se os quadros
legais para a protecção da camada de ozono com a adopção do Protocolo de
Montreal sobre Substâncias que Destrõem a Camada de Ozono, em 1987,

26 Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição, Editora

Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 3.

27Aqui não vamos tomar partido no que respeita ao conceito mais adequado relativamente
a este tipo de substâncias químinas, apenas referimos que também são utilizados outros
conceitos para referir-se à mesma situação, tais como: Praguicidas, biocidas, fitossanitários,
pesticidas, defensivos agrícolas, venenos e remédios, José Darlon Nascimento Alves;
Francisco Carlos Almeida de Souza; Antonia Moraes Mota; Raimundo Thiago Lima da Silva,
Educação Ambiental E O Uso De Agrotóxicos: Uma Análise Na Comunidade Agrícolado
Induazinho Em Capitão Poço – PA, disponível para consulta in
http://www.revistaea.org/pf.php?idartigo=1607 (última consulta realizada no dia
21.12.2017).

28 Sigla de “Diclorodifeniltricloroetano”.

47
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

cujo objectivo era fazer os países se comprometerem a acabar com o uso de


CFC29 e outras substâncias que contribuem para a destruição da mesma30.

Depois de 1987, na sequência do Relatório Brundtland “Our


Common Future”, uma viragem na forma de ver e actuar face ao ambiente
teve lugar. Como refere MARIE-LOUISE LARSSON, “antes … [do relatório] a
discussão centrava-se numa abordagem caso a caso e os perigos ambientais
eram analisados distintamente”31. Hoje, pelo contrário, o problema
ambiental e a poluição já não podem, nem devem ser analisados de forma
parcelar, a preocupação ambiental é uma constante e para trás ficou a
abordagem caso a caso, problema a problema, para se adoptar uma
abordagem integrada ou “multi-media”32 dos problemas ambientais.

Actualmente, os ecossistemas mundiais estão a ser


continuamente afectados devido às actividades humanas. Pelo que, importa,
do nosso ponto de vista, utilizando esta visão globalizante e abrangente de
protecção ambiental, direccionar o foco da protecção do “ambiente” para
uma protecção da “diversidade do ecossistema”. E, com isso, através de uma

29 Sigla de “Clorofluorcarboneto” ou “Clorofluorcarbono”.

30O tratado ficou aberto para adesão a partir do dia 16 de Setembro de 1987, e entrou em
vigor no dia 1 de Janeiro de 1989.

31 Marie-Louise Larsson, “Legal Definition of the Environment and of Environmental


Damage”, in Scandinavian Studies in Law (Sc. St. L) Series, vol. 38, 1999, p. 155-176, p. 155,
disponível para consulta no site http://www.scandinavianlaw.se/pdf/38-7.pdf, consultado
no dia 24/03/2014.

32Este termo é normalmente utilizado com referência às novas tecnologias de informação,


contudo, aqui tem em conta a abordagem de não-categorização e aplicação não exaustiva
de instrumentos, como refere Marie-Louise Larsson, “Legal Definition of the Environment
and of Environmental Damage”, in Scandinavian Studies in Law (Sc. St. L) Series, vol. 38,
1999, p. 155-176, p. 155, disponível para consulta no site
http://www.scandinavianlaw.se/pdf/38-7.pdf, consultado no dia 24/03/2014.

48
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

resposta jurídico-política direccionada, operacionalizar uma efectiva


prevenção e reparação do ambiente natural. Responsabilização que não
pode mais ser, simplesmente, focada nos elementos integrantes do ambiente
individualmente considerados, mas tem que levar em consideração a sua
forma de actuar e interagir entre si e com os restantes seres vivos, enquanto
partes integrandes de um verdadeiro sistema.

Ora, essa mudança de atitude face à maneira de ver e entender o


ambiente e os problemas com ele relacionados tem, necessariamente, como
efeito directo uma oscilação nas definições adoptadas para representar o
conceito de dano causado ao ambiente, colocando, desde logo, algumas
dificuldades na aplicação prática da Directiva.

A Directiva tentou e, inclusivamente, refere que “devem ser


definidas noções úteis para a boa interpretação e aplicação do regime previsto
[…] em especial no que se refere à definição de danos ambientais”33. Contudo,
adopta o termo “dano ambiental” que não contribui para a clareza do regime
e que, até hoje, coloca dúvidas ao seu implementador.

Internacionalmente, vários conceitos são utilizados para


designar o dano causado ao ambiente. Em várias convenções internacionais
o conceito adoptado é o de “impairment of environment”. Exemplo disso é a
Convenção de Lugano (1993), paradigmática no que respeita à
responsabilidade por dano causado ao ambiente e que estabelece o seu

33 Cfr. Considerando 5, da Directiva 2004/35/CE.

49
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

conceito no artigo 2.º, n.º 7, al. c) da Convenção 34. Nos EUA o conceito de
“natural resource damage” (NRD) ganhou notoriedade, sobretudo depois de
o artigo § 107 (a)(4)(C) da CERCLA35. Este regime influenciou e

34 O artigo 2.º, n.º 7 da Convenção de Lugano estabelece, que [tradução da autora]:

“Dano significa:

a) Morte ou lesão corporal;

b) Perda ou prejuízo causado a bens, que não à própria instalação ou bens que estejam sob o
controle de quem a explora, no local da actividade perigosa;

c) Perda ou prejuízo resultante da alteração do ambiente, na medida em que não seja


considerada como dano no sentido das alíneas a) ou b) acima mencionadas, desde que a
reparação a título de alteração do ambiente, executada a perda de ganhos por esta alteração,
seja limitada ao custo das medidas de restauração que tenham sido efectivamente realizadas
ou que serão realizadas;

d) O custo das medidas de salvaguarda, assim como qualquer perda ou qualquer prejuízo
causado por essas medidas, na medida em que a perda ou o dano previsto nas alíneas a) e c)
do presente número tenham origem ou resultem das propriedades de substâncias perigosas,
de organismos geneticamente modificados ou de microrganismos, ou tenham origem ou
resultem de resíduos”.

35 Cfr. CERCLA § 107 (a)(4)(C).


“(4) any person who accepts or accepted any hazardous substances for transport to disposal
or treatment facilities, incineration vessels or sites selected by such person, from which there
is a release, or a threatened release which causes the incurrence of response costs, of a
hazardous substance, shall be liable for—
(A) all costs of removal or remedial action incurred by the United States Government or a
State or an Indian tribe not inconsistent with the national contingency plan;
(B) any other necessary costs of response incurred by any other person consistent with the
national contingency plan;
(C) damages for injury to, destruction of, or loss of natural resources, including the reasonable
costs of assessing such injury, destruction, or loss resulting from such a release; and
(D) the costs of any health assessment or health effects study carried out under section
9604(i) of this title.
The amounts recoverable in an action under this section shall include interest on the amounts
recoverable under subparagraphs (A) through (D). Such interest shall accrue from the later
of (i) the date payment of a specified amount is demanded in writing, or (ii) the date of the
expenditure concerned. The rate of interest on the outstanding unpaid balance of the amounts
recoverable under this section shall be the same rate as is specified for interest on investments
of the Hazardous Substance Superfund established under subchapter A of chapter 98 of title
26. For purposes of applying such amendments to interest under this subsection, the term

50
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

revolucionou o regime mundial de reparação e compensação por danos


causados ao ambiente na sua acepção mais ampla36. A CLC 1969, bem como
a CLC 1992, utiliza o termo “pollution damage”, ou “prejuízo resultante de
poluição” na versão portuguesa37.

Também a nível europeu, vários conceitos foram sendo


utilizados antes de a Directiva ser aprovada. Por exemplo, a Proposta de
Directiva do Conselho Relativa à Responsabilidade Civil Pelos Danos
Causados por Resíduos, em 1989, adopta o conceito de “injury to the
environment” ou “lesão ao ambiente” no seu artigo 2.º, n.º 1, al. d)38.

Para além disso, nesta matéria, também a doutrina tem


desempenhado um papel decisivo e, na maior parte das vezes, avant-garde

“comparable maturity” shall be determined with reference to the date on which interest
accruing under this subsection com­mences.”

36Kenneth O. Corleyn e Ann Al-Bahish, “Understanding Natural Resource Damages”, in 59


Rocky Mountain Mineral Law Institute 2-1, 2013, p. 3.

37 Cfr. artigo I, n.º 6, “pollution damage”:

Na CLC 1969, versão original, entende-se por “loss or damage caused outside the ship
carrying oil by contamination resulting from the escape or discharge of oil from the ship,
wherever such escape or discharge may occur, and includes the costs of preventive measures
and further loss or damage caused by preventive measures”.

Na CLC 1992, versão original, entende-se por “loss or damage caused outside the ship by
contamination resulting from the escape or discharge of oil from the ship, wherever (a) such
escape or discharge may occur, provided that compensation for impairment of the
environment other than loss of profit from such impairment shall be limited to costs of
reasonable measures of reinstatement actually undertaken or to be undertaken; b) the costs
of preventive measures and further loss or damage caused by preventive measures.”

38“Os prejuízos importantes e persistentes no ambiente provocados por uma alteração das
condições físicas, químicas ou biológicas da água, do solo e/ou do ar desde que não sejam
considerados como danos”. Cfr. Artigo 2.º, n.º 1, al. d), Proposta de Directiva relativa à
responsabilidade civil pelos danos causados pelos resíduos, COM(89) 282 final,
apresentada pela Comissão em 1 de Setembro de 1989.

51
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

no que respeita à conceptualização do dano causado ao ambiente natural.


Até porque muitos dos instrumentos internacionais e comunitários trazem
à tona novos conceitos, mas não lhes dedicam muita explicação, relegando a
tarefa da sua interpretação e aplicação à doutrina.

Posto isto, pode-se afirmar que esta é uma das matérias onde
mais se faz sentir a infixidez da terminologia. Pelo que, várias são as
fórmulas adoptadas para identificar o dano causado ao ambiente per se ao
longo dos últimos anos39: dano ambiental, dano ambiental strictu sensu,
dano ecológico, dano ecológico puro, dano ambiental individual e dano
ambiental colectivo, macrobem e microbem ambiental, dano ao
ecossistema40 são, apenas, alguns exemplos41.

Esta situação permanece mesmo depois da Directiva. Isto deve-


se, quanto a nós, sobretudo, ao facto de a Directiva utilizar um conceito de
ambiente vago e ambíguo, com interpretações variadas nos diferentes
Estados-Membros e, por regra, confundir o momento da definição do dano

39 Evidenciando esta “confusão” terminológica José Rubens Morato Leite e Outros escrevem
“…para se conceituar o dano ambiental, ou ecológico, como preferem alguns…”. Como se a
opção pelo conceito utilizado fosse mais uma questão de gosto, de costume, do que de
direito. José Rubens Morato Leite e Outros – “Dano Ambiental e Compensação Ecológica no
Direito Brasileiro”, in Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, n.º 1 e 2, 2001, pp. 387-414, p.
391.

40Carla Amado Gomes, Rute Saraiva, e Rui Tavares Lanceiro, “Compensação


ecológica e pagamento por serviços e ambientais: a propósito dos novos
fundos municipais de sustentabilidade ambiental e urbanística”, in
Ordenamento do Território, Urbanismo e Cidaddes. Que Rumo?, Vol. I,
Almedina, 2017, org. Fernanda Paula Oliveira, pp. 117-146, p. 119.

41 João de Castro Mendes, “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16,
Lisboa, 1952, pp. 41-66, p. 41.

52
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

com o momento de mensurabilidade do mesmo, como teremos


oportunidade de ver também mais à frente ao longo da nossa exposição 42.

Nesta sede, em vez de analisar todos os conceitos utilizados para


a qualificação do dano causado ao ambiente, vamos dar por adquirido o
conhecimento generalizado dos vários conceitos utilizados ao longo dos
anos para especificar esta realidade, tanto a nível comunitário como
internacional, e optar por focar a nossa atenção em três conceitos-chave:
dano ambiental, dano ecológico e dano à biodiversidade. Estes conceitos
serão analisados tendo em atenção os objectivos e as ambições subjacentes
ao regime criado pela Directiva. Com isso, pretende-se demonstrar a
incapacidade e insuficiência dos mesmos para servirem como “conceito
uniforme” a todos os Estados-Membros e, consequentemente, apontar
desde logo a nossa posição quanto a esse assunto: a necessidade, urgente, de
os substituir por um conceito que de facto promova a almejada
harmonização e a elevada proteção ambiental no cenário europeu e evite os
mal-entendidos que podem resultar da aplicação do conceito adoptado pela
Directiva e que é responsável pela “fraca” implementação do regime a nível
europeu43.

42Cfr. Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu e ao Comité


Económico e Social: Livro Verde sobre a reparação dos danos causados no ambiente,
COM(93) 47 final, 14 de Maio de 1993, p. 7.

43Laurent Neyret e Gilles J. Martin, Nomenclature des prejudices environnementaux, Droit


Des Affaires, L.G.D.J, Lextenso éditions, Paris, 2012, p. 2.

53
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

54
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

1.2 Conceitos a substituir

Como já referimos, tanto no campo normativo, como a nível


doutrinal, a terminologia utilizada para referir o dano causado ao ambiente
não é pacífica. A nível internacional é possível encontrar diferentes
terminologias para a designação deste tipo específico de dano. Mais grave, é
possível encontrar terminologias semelhantes para a caracterização de
tipos diferentes de danos, o que aumenta, ainda mais, a dificuldade de
consolidação de um regime de responsabilidade ambiental.

Aqui focaremos a nossa atenção em, apenas, três destas


designações:

▪ Dano Ambiental;

▪ Dano Ecológico; e

▪ Dano à Biodiversidade.

Fazemos isso porque entendemos que, mesmo depois da


Directiva 2004/35/CE, estes conceitos continuam a ser utilizados no cenário
europeu para a designação do dano causado ao ambiente natural. No
entanto, como teremos oportunidade de verificar já de seguida, entendemos
que actualmente nenhum destes conceitos se coaduna com os objectivos do
regime.

55
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

56
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

1.2.1 Dano Ambiental

Começamos a nossa análise pelo conceito de “dano ambiental”


que é, sem dúvida, o mais utilizado, afinal, é o termo adoptado pela Directiva
2004/35/CE. Contudo, é também o termo que maior confusão gera. Isto
porque este conceito pode ser encontrado com referência a diferentes
significados. E, inclusivamente, não raras as vezes nos deparamos com a
adopção deste conceito para a referência a tipos de danos diferentes daquele
que de facto representa na Directiva, o que inevitavelmente leva a erro e à
pouca coerência do regime de responsabilidade ambiental.

Assim, “dano ambiental” pode ser entendido como sinónimo de


“dano tradicional”, ou seja, enquanto dano causado a bens jurídicos
concretos, nomeadamente através de emissões particulares ou através de
um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes emissoras.
Inclui, assim, os danos causados ao património ou à pessoa por intermédio
do ambiente44.

Pode, também, o conceito de “dano ambiental” ser visto numa


acepção latu sensu, entendido como o dano aos interesses difusos da
colectividade, abrangendo todos os componentes do ambiente, o património
cultural, o dano pessoal, à saúde ou patrimonial, resultante de agressão ao

Processo n.º 05849/10, secção CA – 2.º Juízo, Relator Paulo Pereira Coelho, disponível in
44

www.dgsi.pt, visualizado a 9/03/2014.

57
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ambiente45. Assim, estariam protegidos o Homem, o ambiente e todos os


seus componentes, numa concepção unitária46.

E, por fim, pode ainda o conceito de “dano ambiental” ser


entendido numa acepção strictu sensu, onde é compreendido como a
alteração negativa ao conjunto de elementos que compõem o ambiente
natural47. Ou seja, diz, unicamente, respeito a agressão ao ambiente per se,
enquanto conjunto de recursos bióticos (seres vivos) e abióticos (ar, água,
terra. etc.) e à sua interacção, independentemente da existência de dano em
qualquer esfera privada.

Como se vê, durante vários anos o conceito de dano ambiental foi


sendo utilizado ao sabor do vento e das conveniências: ora para designar os
danos causados ao ambiente natural, ora para designar os danos ditos
tradicionais, ora para juntá-los numa concepção unitária.

Aqui, interessa ter em conta, sobretudo, o dano ambiental strictu


sensu. Afinal, este é o termo adoptado pela Directiva 2004/35/CE para
denominar o “dano causado às espécies e habitats protegidos”, “dano causado
à água” e “dano causado ao solo”. Daí referirmos atrás que, hoje, é este
conceito mais utilizado, não necessariamente porque é o mais adequado,

45Ana Perestrelo de Oliveira, Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil


Ambiental, Almedina, Coimbra, 2007, p. 13.

46José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao
colectivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2010, p. 93.

47 José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação

do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 129.

58
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

mas devido à opção legislativa efectuada a nível europeu. Opção, do nosso


ponto de vista, que não foi a mais acertada.

Para se compreender isto, é importante ter em consideração que,


não obstante as possíveis significações teóricas do dano ambiental, na
jurisprudência o conceito é, normalmente, associado à compensação do
indivíduo. Evidência deste facto encontra-se patente no Acórdão do Tribunal
Central Administrativo do Sul, de 7 de Fevereiro de 2013, no qual se pode
ler:

“[o] dano ambiental é aquele dano no meio ambiente que tem


repercussões na esfera patrimonial de um particular. Compreende os danos
provocados a bens jurídicos concretos através de emissões particulares ou
através de um conjunto de emissões emanadas de um conjunto de fontes
emissoras. Reflecte uma lesão de direitos e interesses legalmente protegidos
na sequência da afectação de um determinado componente ambiental”48.

Com efeito, de pouco adianta adoptar um conceito perfeito do


ponto de vista dogmático, mas que não corresponde ao real uso do conceito
na comunidade jurídica. Isso levará, inevitavelmente, à inaplicabilidade do
regime tal como foi concebido ou à subversão dos objectivos inicialmente
pretendidos. Do exposto, não obstante, ser o termo adoptado na Directiva, a

Processo n.º 05849/10, secção CA – 2.º Juízo, Relator Paulo Pereira Coelho, disponível in
48

www.dgsi.pt, visualizado a 9/03/2014.

59
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ambivalência49 gerada pela sua múltipla utilização torna a sua adopção, no


nosso entender, desaconselhável 50.

Para além disso, o que a adopção deste conceito faz é,


unicamente, manter a senda da reparação dos danos causados ao ambiente
unicamente através da compensação e reparação dos danos pessoais. Como
ficou plasmado no Livro Branco ”várias leis nacionais designadas por lei da
responsabilidade ambiental (ou por nomes semelhantes) tratam de tipos de
danos tradicionais, tais como os danos pessoais ou patrimoniais, e não os
danos causados ao ambiente em si mesmo”51. Não era isso que se pretendia
com a Directiva, pelo que, quanto a nós é de afastar.

49José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao
colectivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2010, p. 92.

50Apesar da maioria dos autores defender que a ressarcibilidade do dano ao ambiente não
deve ser realizada através do instituto da responsabilidade civil, uma vez que estando em
causa o interesse global da defesa do ambiente só o direito público poderia intervir, como
refere Luís Menezes Leitão, “A tutela Civil do Ambiente”, RDAOT, n.º 4 e 5, Dezembro 1999,
pp.31-41; outra parte da doutrina, por seu lado, tende a aceitar a ressarcibilidade destes
por via do regime da responsabilidade civil, desde que preenchidos os seus pressupostos, e
através da legitimidade popular, como são exemplos Miguel Teixeira de Sousa, A
Legitimidade Popular na Tutela dos Interesses Difusos, Editora Lex, Lisboa, 2003; Ana
Perestrelo de Oliveira, Causalidade e Imputação na Responsabilidade Civil Ambiental,
Almedina, Coimbra, 2007, pp.13 e 14.

51Cfr. Ponto 4.2.1, p. 17, do Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental, COM(2000)
66 final, apresentado pela Comissão a 9 de Fevereiro de 2000.

60
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

1.2.2 Dano Ecológico

Outro conceito importante é o de “dano ecológico”52. Este teve a


sua origem na doutrina alemã, foi muito trabalhado na doutrina francesa,
onde foi introduzido por M. DESPAX, e é adoptado entre nós, entre outros,
por GOMES CANOTILHO, CUNHAL SENDIM e CARLA AMADO GOMES53. Este
conceito já foi objecto de divergências doutrinais relativamente à questão
referente ao detentor da posição de “vítima”54: se o Homem ou o Ambiente55.

Por outro lado, a expressão dano ecológico tem tido, ainda, uma
variante com a adopção da expressão “dano ecológico puro”56. Este último
foi adoptado, entre outros, por RUDA GONZÁLEZ57 e é geralmente utilizado
para reforçar o facto de se cingir aos danos ao ambiente per se, mais

52O dano ecológico (Okologischer Shaden), bem como o eco-dano (Oko-Shaden), são
conceitos que nascem na Alemanha em virtude da Lei Alemã de Responsabilidade
Ambiental, de 1990. Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi,
Navarra, 2008, p. 75.

53 Michel Prieur, Droit de L´Environnement, 5.ª Ed., Dalloz, 2004, p. 916.

54 Quanto a este assunto, concordamos com Alexandra Aragão, “O Principio do Nível


Elevado de Proteção e a Renovação Ecológica do Direito do Ambiente e dos Resíduos”,
Almedina, Coimbra, 2006, p. 187, onde refere que não se verifica um “direito a existir” do
ambiente. Ele continua a ser objecto de direitos e não sujeito de direitos. Contudo a sua
eliminação pode colocar em causa a sua existência, bem como a do Homem.

55 Michel Prieur, Droit de L´Environnement, 5.ª Ed., Dalloz, 2004, p. 916.

56Edward H.P. Brans, Liability to Public Natural Resources. Standing, Damage and Damage
Assessment, International Environmental Law and Policy Series, Vol. 61, Kluwer Law
International, Netherlands, 2001, p. 19; Pascale Steichen, “La Responsabilité
Environnementale dans le Site Natura 2000”, Revue Europeene de Droit de
L´Environnement, 3, 2009, pp. 247-270, p. 248.

57 Ver Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008.

61
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

especificamente aos seus elementos inapropriáveis. A junção do termo


“puro” ao “ecológico” procede a uma tentativa de afastar, de uma vez por
todas, qualquer referência ao dano causado ao Homem, cingindo-se
unicamente aos danos que atingem, de forma intensa, bens próprios da
natureza, em sentido restrito58. Contudo, quanto a nós, pouco acrescenta ao
conceito de dano ecológico, pelo que restringiremos a nossa análise e
comentários àquele.

Ora, não obstante a sua popularidade no seio da doutrina, na


prática, não foi este o conceito adoptado pelo regime europeu. Contudo, é o
conceito utilizado por parte da doutrina para designar o dano causado ao
ambiente natural e, mais especificamente, o tipo de dano tratado na
Directiva 2004/35/CE, pelo que importa tê-lo em consideração.

Para GOMES CANOTILHO, “fala-se em dano ecológico quando


existe uma agressão aos bens naturais (água, terra, luz, clima) bem como às
relações recíprocas entre eles”59. Assim, a lesão ambiental seria a alteração,
causada pelo Homem, ao ambiente, nas qualidades físicas, químicas ou

58José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao
colectivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2010, p.93. Nesse sentido também Albert Ruda
González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008; José Juan González
Marquez, La Responsabilidad por el Daño Ambiental en América Latina, Derecho Ambiental,
Serie documentos sobre derecho ambiental 12, PNUMA, México, 2003.

59J.J. Gomes Canotilho, “Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por


Danos Ambientais”, in Boletim da Faculdade de Direito 69, 1993, pp. 1-69, p. 13.

62
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

biológicas dos elementos constitutivos do ambiente que, pelo seu carácter


indirecto e difuso, normalmente não dava lugar à reparação 60.

Refere-se, especificamente, a dois sub-tipos de danos dentro do


dano ecológico:

a) Os danos sem lesados individuais (lesões intensas causadas ao


sistema ecológico natural sem que tenham sido violados
direitos individuais). Estes estariam abrangidos pelo escopo
de aplicação da Directiva 2004/35/CE.

b) Os danos sem causador determinado, como por exemplo os


danos acumulados ou produzidos por fontes longínquas61.
Pelo seu carácter indeterminado, estariam de fora do escopo
de proteção da Directiva 2004/35/CE.

Já CUNHAL SENDIM apresenta-o como “uma perturbação do


património natural – enquanto conjunto dos recursos bióticos (seres vivos) e
abióticos e da sua interacção – que afecte a capacidade funcional ecológica e

60 Michel Prieur, Droit de L´Environnement, 5.ª Ed., Dalloz, 2004, p. 916.

61J.J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p.


146; J.J. Gomes Canotilho, “A Responsabilidade por Danos Ambientais – Aproximação
Juspublicística”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 397-407, pp. 402-403.

63
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

a capacidade de aproveitamento humano de tais bens, tutelada pelo sistema


jurídico-ambiental”62.

Outras posições focam a compreensão do dano ecológico no facto


de serem danos insusceptíveis de terem um valor monetário e que, por
conseguinte, não constituiriam lesões de valor patrimonial, antes a violação
de interesses de protecção da natureza (ex. destruição de componentes
abióticos, interrupção do ciclo de efeitos biológicos, etc.)63.

Assim, constituiria, também, dano ecológico, para além dos


danos causados à natureza selvagem – res nullius – os danos causados aos
interesses colectivos da colectividade, quase como numa extensão
geográfica da teoria das relações de vizinhança e encarando o ambiente
como património comum64. Sendo opinião dominante que só os danos
ambientais e não os ecológicos são susceptíveis de gerar mecanismos de

62José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Cadernos
CEDOUA, Almedina, Coimbra, 2002, p. 35 e Edward H.P. Brans, Liability to Public Natural
Resources. Standing, Damage and Damage Assessment, International Environmental Law
and Policy Series, Vol. 61, Kluwer Law International, Netherlands, 2001, p. 17.

63J.J. Gomes Canotilho, “Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por


Danos Ambientais”, in Boletim da Faculdade de Direito 69, 1993, pp. 1-69, p. 13.

64 Phillippe Ch.-A. Guillot, Droit de L´Environment, Collection Universités Droit, Éditeur


Ellipses, 2010, p. 213.

64
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

responsabilidade individual65. Afinal, não existe neste qualquer esquema de


lesante/lesado 66.

Isto significa que dano ecológico é, nesse sentido, um conceito


mais restrito face ao de dano ambiental, englobando apenas a afectação da
integridade ecológica dos elementos naturais. Ou seja, “pode-se, por isso,
dizer que existe, tendencialmente, um dano ecológico quando um bem jurídico
ecológico é perturbado”67.

Este conceito seria o apropriado ao invés do de dano ambiental


adoptado pela Directiva, se se adoptasse uma postura ecocêntrica de
protecção da natureza. Nos termos desta postura, a Natureza passa a ter
valor intrínseco e a medida moral das acções deixa de ser a utilidade para o
Homem e passa a ser unicamente a sua utilidade para a comunidade biótica.
Com efeito, na prática, os elementos naturais são salvaguardados pelo valor
intrínseco que cada um apresenta, focando a atenção, sobretudo, na
protecção dos elementos naturais indivualmente considerados68.

Contudo, como salienta CUNHAL SENDIM corre-se o risco, com


esta teoria, de se sobrepor por completo as duas esferas de protecção – o

65J.J. Gomes Canotilho, “Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por


Danos Ambientais”, in Boletim da Faculdade de Direito 69, 1993, pp. 1-69, p. 15.

66J.J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, 1998, p.


146.

67José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos, Cadernos
CEDOUA, Almedina, Coimbra, 2002, p. 35.

68 José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação

do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 94.

65
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

bem-estar do Homem e o valor intrínseco do ambiente – e isso encerrar, por


si, qualquer possibilidade de pensar as relações entre elas. Desta forma, esta
confusão conceptual, geraria um novo erro, o de tornar o ambiente não só
princípio de vida, mas também a única forma de conhecimento e acção 69.

Como teremos oportunidade de analisar no Capítulo VI, hoje já


não faz sentido continuarmos a adoptar uma postura estritamente
ecocêntrica no que respeita à protecção do ambiente e, consequentemente,
da configuração do regime de responsabilidade por danos. É necessário
encontrar uma abordagem conciliadora do valor intrínseco da natureza e
dos interesses do Homem. Dificilmente isto consegue ser alcançado com a
manutenção deste conceito, afinal, ele se encontra umbilicalmente ligado às
doutrinas estritamente ecocêntricas, para as quais o único valor que
interessa salvaguardar é o valor intrínseco do ambiente, sem qualquer
relação com os interesses do Homem (inclusive o da vida).

69 José de Sousa Cunhal Sendim, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação

do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, p. 95.

66
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

1.2.3 Dano à Biodiversidade

Por último, vamos tratar de um conceito que tem tido uma


aceitação crescente no cenário actual – “biodiversity damage”. Ora, este dano
à biodiversidade, na sua versão portuguesa, tem sido entendido como um
tipo de dano causado ao ambiente, como refere AKIHO SHIBATA70. Contudo,
como iremos demonstrar, não somos do entendimento de que falar em dano
à biodiversidade e falar de dano causado ao ambiente seja, por si só,
sinónimo. O conceito de dano à biodiversidade, quanto a nós, não abarca
todas as realidades que o dano ao ambiente comporta, como teremos
oportunidade de verificar71.

Apesar do conceito de “dano à biodiversidade” ter ficado


mundialmente conhecido depois da CDB, sendo actualmente utilizado
pacificamente pela comunidade académica, ele não aparece expresso nem
no texto da CDB, nem em nenhum dos Protocolos posteriores a esta
(Cartagena e Nagoya-Lumpur)72. Foi um conceito que nasceu fruto da

70 Akiho Shibata, International Liability Regime for Biodiversity Damage. The Negoya-Kuala

Lumpur Supplementary Protocol, Routledge, London and New York, 2014.

71 Worku Damena Yifru, Kathryn Garforth e Paola Scarone, Review of Issues, Instruments
and Practices Relevant to Liability and Redress for Damane Resulting from Transbundary
Movements of Living Modified Organisms, CBD Biodiversity Technical Series 03, Secretariat
of the Convention on Biological Diversity, Canada, 2012, p. 21.

72 Para analisar este conceito iremos girar em torno de três instrumentos internacionais: a
Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB) adoptada em 20 de Maio de 1992; o
Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica estabelecido no quadro do artigo 19.º,
parágrafo 3 da CDB adoptado a 29 de Janeiro de 2000 e assinado, em Nairobi, a 24 de Maio
de 2000; e o Protocolo Suplementar de Negola-Kuala Lumpur, sobre responsabilidade civil
e indemnização, ao Protocolo de Cartagena sobre Segurança Biológica adoptado a 15 de
Outubro de 2010, em Nagoya, Japão (adiante, Protocolo Suplementar).

67
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

doutrina interpretativa das disposições da Convenção e seus Protocolos73.


Mais especificamente, é um diminutivo do “dano à diversidade biológica”,
esse sim utilizado pela CDB74.

A palavra biodiversidade nasce de uma contracção do termo


“diversidade biológica”. Este termo difundiu-se de tal forma que ultrapassou,
em larga escala, o seu antecessor em popularidade75. Criava-se assim, um
dos conceitos que mais revolucionaria o cenário do direito ambiental
internacional nos últimos anos, chamando a atenção para a necessidade de
conciliar o desenvolvimento humano e o seu bem-estar com a manutenção
da diversidade biológica do ecossistema.

Posto isso, antes de analisar o conceito de dano à biodiversidade


importa saber o que deve estar incluído dentro do conceito de “diversidade
biológica”. Ora, à semelhança do que tem acontecido noutros domínios jus-
ambientais, o Direito Internacional Público foi percursor no tratamento
jurídico da biodiversidade e tem funcionado como propulsor de novos e

73Helena Telino Neves Godinho, A tutela Jurídica da Fauna Selvagem Terrestre, Juruá
Editora, Curitiba, 2011, p. 34.

74Ronald G. Eckstein e Robert C. Willging, Biodiversity and Wildlife Damage Management,


Great Plains Wildlfe Damage Control Workshop Proceedings, 1995,
http://digitalcommons.unl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1429&context=gpwdcwp,
última visualização 05.02.2015.

75 Anne E. Magurran, Measuring Biological Diversity, Blackwell Publishing, United Kingdon,


2004, p. 6.

68
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

diversificados instrumentos de conservação da natureza, como salienta


TIAGO ANTUNES76.

Não obstante a panóplia de instrumentos relevantes


internacionalmente na protecção jus-internacional da diversidade biológica,
aqui, focaremos a atenção no conceito apresentado na CDB 77. Assim, nos
termos desse normativo, diversidade biológica “significa a variabilidade
entre os organismos vivos de todas as origens, incluindo, inter alia, os
ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os
complexos ecológicos dos quais fazem parte: compreende a diversidade dentro
de cada espécie, entre as espécies e dos ecossistemas” 78.

Como tal, dano a diversidade biológica, como se encontra


definido na CDB, implica a mensurabilidade do dano à “variabilidade entre
os organismos vivos”, o que é uma inovação no cenário do direito do

76Tiago Antunes, “Singularidades de Um Regime Ecológico – O Regime Jurídico da Rede


Natura 2000 e, em Particular, as Deficiências da Análise de Incidências Ambientais”, in
Direito e Biodiversidade, Juruá Editora, Curitiba, 2010, pp. 177-226, p. 180.

77São de salientar: a Convenção de Ramsar, de 1971, sobre zonas húmidas de importância


internacional; a Convenção sobre o comércio internacional de espécies da fauna e da flora
ameaçadas de extinção (mais conhecida pelo acrónimo Cites), assinada em 1973, em
Washington; a Convenção de Berna, de 1979, sobre a protecção da vida selvagem e do
ambiente natural na Europa; e a Convenção sobre a diversidade biológica, assinada na
Cimeira da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro. Cfr. Tiago Antunes, “Singularidades de Um
Regime Ecológico – O Regime Jurídico da Rede Natura 2000 e, em Particular, as Deficiências
da Análise de Incidências Ambientais”, in Direito e Biodiversidade, Juruá Editora, Curitiba,
2010, pp. 177-226, p. 180.

78 Cfr. artigo 2.º CDB.

69
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ambiente e, mais especificamente, no direito de responsabilidade por danos


causados ao ambiente79.

Já o conceito de dano à biodiversidade teve a sua introdução no


cenário jurídico internacional através do United Nations Environment
Programme (UNEP), sendo posteriormente acolhido na CDB que, não
obstante não instituir nenhum regime de responsabilidade, apresenta o
conceito globalmente e, pela primeira vez, insere-o numa Convenção
Internacional. Por um lado, o artigo 14, n.º 2 da CDB refere-se a “danos
causados à diversidade biológica”, por outro, o artigo 19.º, n.º 3 da CDB
dispõe sobre “efeitos adversos para a conservação e a utilização sustentável
da diversidade biológica”. Este último indo ao encontro do conceito adoptado
pelo Protocolo Suplementar supra referido.

Apesar de a CDB apresentar duas formas de se referir ao dano à


biodiversidade, a verdade é que, como já referimos, em nenhum momento a
Convenção indica claramente qual foi a intenção destas opções. Não existe
uma definição de dano adoptada e apresentada pela Convenção, não se
consegue, de facto, apontar as distinções ou semelhanças que ambas as
formas podem ter, nem mesmo se a ideia era, realmente, adoptar dois
conceitos diferentes, um para quando se referisse à diversidade biológica
em geral e outro para quando se referisse aos organismos vivos modificados

79 Worku Damena Yifru, Kathryn Garforth e Paola Scarone, Review of Issues, Instruments
and Practices Relevant to Liability and Redress for Damane Resulting from Transbundary
Movements of Living Modified Organisms, CBD Biodiversity Technical Series 03, Secretariat
of the Convention on Biological Diversity, Canada, 2012, p. 21.

70
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

em especial. Como tal, na maior parte dos casos as duas formas são usadas
quase como sinónimos para designar o dano à biodiversidade80.

Posto isto, é o Protocolo Suplementar o instrumento tido como


ponto de referência, no cenário internacional, no estudo da
responsabilidade por dano à biodiversidade. Isto porque o Protocolo
procede à “criação de regras e procedimentos internacionais no domínio da
responsabilidade civil e da indemnização respeitantes aos organismos vivos
modificados” por danos resultantes de organismos vivos modificados à
conservação e utilização sustentável da diversidade biológica, tendo em
conta os riscos para a saúde humana81.

De facto, o conceito de dano à biodiversidade era virtualmente


desconhecido até à adopção do Protocolo Suplementar que posiciona o
conceito em causa como objecto central de um regime global de
responsabilidade por danos82.

O Protocolo define assim, como dano o “efeito adverso na


conservação e utilização sustentável da diversidade biológica, tendo
igualmente em conta os riscos para a saúde humana, que: i) seja mensurável
ou de outro modo observável, tomando em consideração, caso existam, bases
de referência estabelecidas cientificamente e reconhecidas por uma

80 Akiho Shibata, International Liability Regime for Biodiversity Damage. The Negoya-Kuala

Lumpur Supplementary Protocol, Routledge, London and New York, 2014.

81 Cfr. Artigo 1.º do Protocolo Suplementar.

82 Worku Damena Yifru, Kathryn Garforth e Paola Scarone, Review of Issues, Instruments and
Practices Relevant to Liability and Redress for Damane Resulting from Transbundary
Movements of Living Modified Organisms, CBD Biodiversity Technical Series 03, Secretariat
of the Convention on Biological Diversity, Canada, 2012, p. 21.

71
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

autoridade competente, que tenham em conta qualquer outra variação


antropogénica e qualquer variação natural, e ii) seja significativo…”83.

No primeiro Considerando da Directiva 2004/35/CE pode ler-se


que “[e]xistem hoje na Comunidade muitos sítios contaminados que suscitam
riscos significativos para a saúde, e a perda da biodiversidade acelerou-se
acentuadamente durante as últimas décadas. A falta de acção poderá resultar
no acréscimo da contaminação e da perda da biodiversidade no futuro”. Com
efeito, a protecção da diversidade ecológica assume um papel central na
criação do regime especial de responsabilidade por dano causado ao
ambiente.

Alguns, na sequência desse trecho do Considerando da Directiva,


poderão ser levados a indagar o porquê de não se adoptar, então, o conceito
mundialmente aceite de dano à biodiversidade ao invés de dano ambiental
como de facto ocorreu. Inclusivamente porque este conceito tem adquirido
nos últimos anos uma forte aceitação por parte da comunidade
internacional. Contudo, entendemos que quando se fala em biodiversidade
fala-se em “variabilidade entre os organismos vivos de todas as origens,
incluindo, inter alia, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros

83 Cfr.Artigo 2.º, n.º 2 e pontos i) e ii) do Protocolo Suplementar. Para estabelecer se o dano
é, ou não, significativo são apresentados pelo Protocolo Suplementar uma lista, não taxativa,
de indicadores a ter em consideração, nomeadamente:
“a) A alteração de longo prazo ou permanente, entendido como uma alteração que não é
reparável através de recuperação natural num período razoável;
b) A extensão das alterações qualitativas ou quantitativas que afetam negativamente os
componentes da diversidade biológica;
c) A redução da capacidade dos componentes da diversidade biológica de fornecerem bens e
serviços;
d) A extensão dos eventuais efeitos adversos na saúde humana, no contexto do Protocolo”.

72
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte;


compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as espécies e dos
ecossistemas”84.

Acontece que, como é apontado pela doutrina, esta definição


padece na sua origem de um contra-senso85. Afinal, inclui dentro do termo
“biodiversidade” ou “diversidade biológica” o ecossistema, sendo que este
compõe-se tanto de elementos bióticos, como abióticos, e a biodiversidade
é definida, por natureza, pela “variedade de vida”, ou seja, apenas por
elementos bióticos86. Pelo que, aponta-se a necessidade de se entender o
conceito de forma restritiva, apenas, como “sinónimo de riqueza de espécies
e relativa abundância de espécies em espaço e tempo” 87.

Quanto a nós, a Directiva vai mais além do que a mera protecção


dos seres vivos, ela prevê “danos causados às espécies e habitats naturais
protegidos”, mas também “danos à água” e “danos causados ao solo”. Com
efeito, não só os seres vivos, mas o ecossistema como um todo é levado em
consideração para criar esta teia de prevenção e de reparação de danos. Pelo
que, entendemos que no centro do nosso conceito deve-se encontrar não
apenas o elemento biológico, mas o ecossistema como um todo, incluindo

84 Cfr. Artigo 2.º da CDB.

85 Nayjot S. Sodhi, Conservation Biology for All, Oxford University Press, New York, 2010, p.
31.

86 Nayjot S. Sodhi, Conservation Biology for All, Oxford University Press, New York, 2010, p.
31.

87 Anne E. Magurran, Measuring Biological Diversity, Blackwell Publishing, United Kingdon,


2004, p. 7.

73
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

elementos bióticos e abióticos, bem como os serviços fornecidos pelos


mesmos.

74
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

CAPÍTULO II

FONTES DA DIRECTIVA 2004/35/CE: PERSPECTIVA HISTÓRICO-


COMPARATIVA

75
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

76
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.1 O modelo Norte-Americano de protecção directa dos


“natural resources”: CERCLA

Na parte anterior apresentamos, à luz da esfera internacional e


doutrinária, os conceitos que mais têm contribuído para a discussão em
torno da prevenção e reparação do dano causado ao ambiente. Deixamos
claro que, no nosso entendimento, nenhum dos conceitos actualmente
empregues são capazes de dar resposta aos problemas colocados por um
regime especial de responsabilidade como aquele criado pela Directiva
2004/35/CE.

No entanto, antes de passarmos a uma análise mais profunda da


própria Directiva, importa compreender sob uma perspectiva histórico-
comparativa quais foram os instrumentos que, no passado, serviram de
inspiração para as soluções que foram adoptadas na mesma. Com isso
pretende-se, primeiro, compreender as soluções desses regimes no que
respeita ao tipo de responsabilidade adoptado, ao tipo de danos cobertos e
à identificação do sujeito passivo. Segundo, verificar os pontos de encontro
entre estes modelos e o regime europeu. E assim compreender,
especialmente no que respeita à conceptualização do dano, de que forma os
ensinamentos destes regimes poderiam auxiliar na reconfiguração de um
conceito de dano mais operacional e uniforme.

Com esse objectivo, optámos por tratar, apenas, dois


instrumentos nesta análise empírica e a ordem pela qual procederemos
encontra-se intimamente ligada à influência que ambos tiveram na criação
e estruturação do regime implementado pela Directiva.

77
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Assim, iremos ver mais detalhadamente como o regime


americano, especificamente a CERCLA 88, regula a matéria dos danos e
influencia directamente alguma das soluções adoptadas no direito europeu.
Afinal, como já foi salientado e como é assente no próprio texto da proposta
de Directiva: “o facto de a CERCLA ser suficientemente similar à presente
proposta em termos de objectivos e meios, (…) a torna um bom modelo de
referência”89.

88Comprehensive Environmental Response, Compensation and Liability Act (CERCLA), 42


U.S.C. §§ 9601-9675.

89 Cfr. Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à


responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação dos danos ambientais,
COM(2002) 17 final, de 13 de Janeiro de 2002, p. 11.

78
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.1.1 Contextualização: o regime Norte-Americano para


além da CERCLA

No que respeita ao Direito Americano, a grande importância do


seu regime reside na protecção directa dos “natural resource”. Contudo, esta
protecção não se fez sem colocar qualquer tipo de problemas, antes pelo
contrário. Ela apresenta, ainda hoje, uma enorme dificuldade na definição
do conceito de ambiente e, consequentemente, na identificação e
conceptualização do dano aos “natural resources”90. Não obstante esse facto,
a verdade é que comparativamente ao que acontece no resto do mundo, a
problemática da reparação e indemnização dos “natural resource damage”,
ou “danos aos recursos naturais”, se encontra bastante desenvolvida na
doutrina, jurisprudência e legislação americana.

Antes de mais, importa ressaltar que o regime americano é


complexo91. Seria imperfeito iniciarmos a análise daquele que é, de facto, a
grande inspiração da Directiva – a CERCLA – e deixarmos de lado todo o
restante sistema. Tanto mais quando, estas soluções poderiam levar a uma
ideia limitada do regime Norte-Americano92. Assim, para se compreender o

90Sandra Cassotta, Environmental Damage and Liability Problems in a Multilevel Context.


The Case of the Environmental Liability Direcive, Energy and Environment Law & Policy
Series Vol. 22, Wolters Kluwer, Law & Business, The Netherlands, 2012, p. 75.

91 Para compreender melhor o mecanismo da utilização das acções cíveis para a


implementação dos direitos ambientais, nos EUA. Kristi M. Smith, “Who´s Suing Whom? A
Comparison of Government and Citizen Suit Environmental Enforcement Actions Brought
under EPA administer Statutes, 1995-2000”, in Columbia Journal of Environmental Law,
vol. 29, 2004.

92Como se refere na Proposta de Directiva, com o seu longo historial, o Superfund tem
gerado dados valiosos, disponíveis ao público, sobre número de locais contaminados, custos
de descontaminação em função do tipo de local, distribuição dos locais contaminados por

79
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

sistema Norte-Americano, inclusivamente no que se refere à legislação


ambiental, é necessário ter em consideração que coexistem dois sistemas de
direito diferentes: a common law e o direito codificado93.

Isto acontece porque os EUA responderam aos problemas


colocados pelas questões ambientais, também, através dos tribunais
transformando, com o passar do tempo, assuntos sociais, de compensação e
de responsabilidade, em categorias doutrinárias de Tort Law94. Como a
poluição não respeita limites de propriedade, reconhece que o direito de
danos possa ter uma dimensão ambiental, criando assim a figura dos Toxic
Torts95. Estes são, dentro dos Tort Law, as acções que tenham na sua base a
ideia de que um indivíduo sofreu danos pessoais, à propriedade, ou ao

indústria, ritmo de identificação de novos locais contaminados e número de incidentes


envolvendo dano de recursos naturais e custos associados. Quanto a este aspecto, a
Directiva, não criando um fundo, pretendeu, contudo, obter o mesmo resultado que o
Superfund conseguiu, durante algum tempo, que é uma obrigação de actuação da
autoridade administrativa. Mas aqui a Directiva pretende fazer uma “omelete sem ovos”, o
que geralmente redunda num fracasso. Cfr. Proposta de Directiva do Parlamento Europeu
e do Conselho relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação
de danos ambientais, apresentada pela Comissão a 23 de Janeiro de 2002, COM(2002) 17
final, p.11

93 William A. Butler, “Panorâmica Geral das Questões Actuais do Direito Ambietal


Americano”, in Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, n.º 6 e 7,
Lisboa, 2004, pp. 57-120, p. 67.

94Enrique Alonso García, “La Ley de Responsabilidad Medioambiental A Vista De Pájaro,


Desde El Prisma De La Comparación Del Sistema Europeo Con El Norteamericano”, in
Comentários a la Ley de Responsabilidad Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008,
pp.13-83, p. 23.

Sobre os “Toxic Torts” ver Jean Macchiaroli Eggen, Toxic Torts in a nutshell, 4th Edition,
95

West, Thomson Reuters, 2010, pp. 1-5.

80
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

aproveitamento da sua propriedade, ou que existiram danos causados ao


ambiente, todos em resultado de poluição96.

O termo Toxic Torts engloba um conjunto de acções de natureza


pública e/ou privada97. As acções mais utilizadas quando está em causa um
despejo de, ou uma exposição a, ou ameaça de despejo ou exposição, a uma
ou mais substâncias alegadamente “tóxicas”98 são: responsabilidade

96Mark Wilde, Civil Liability for Environmental Damage: A Comparative Analysis of Law
and Policy in Europe and the United States, Comparative Environmental Law & Policy
Series, Vol. 4, Kluwer Law International, Netherlands, 2002, p.9.

97 William A. Butler, “Panorâmica Geral das Questões Actuais do Direito Ambiental


Americano”, in Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, N.º 6 e 7,
Lisboa, 2004, pp. 57-120, p. 67; Jean Macchiaroli Eggen, Toxic Torts in a nutshell, 4th
Edition, West, Thomson Reuters, 2010, p. 1.

98 Para a delimitação do que se enquadra dentro do termo “toxic” remete-se para no Toxic
Substances Control Act (TSCA), 15 U.S.C.A. Secção 2606(f) onde no contexto da fabricação
de produtos químicos e misturas, dano iminente é descrito como envolvendo “the
manufacture, processing, distribuction in commerce, use, or disposal of [a substance that] is
likely to result in …injury to health or the environment”. Jean Macchiaroli Eggen, Toxic Torts
in a nutshell, 4th Edition, West, Thomson Reuters, 2010, p. 2.

81
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

objectiva99, trespass100, nuisance (pública e privada)101, negligence102, e ultra-


hazardous activity103. Estas acções visam todas, em última instância,

99Alguns tipos de degradação ambiental, como a contaminação por substâncias perigosas,


podem fazer actuar a responsabilidade objectiva resultante da doutrina oriunda do caso
Rylands v. Fletcher (1989, LR 3 HL 330). Dispõe-se assim que “the person who for his own
purpose brings on his lands and collects and keeps there anything likely to do mischief if it
escapes must keep it at his peril, and, if he does not so, is prima facie answerable for all the
damage which is a natural consequence”, Cfr. Court of Exchequer Chamber, (1866) LR 1 Ex
265, pp. 338-340.

Relativamente a aplicação desta regra especificamente à protecção do ambiente ver John


Murphy, “Noxious Emissions and Common Law Liability Tort in the Shadow of Regulation”,
Jonh Lowry e Rod Edmunds, (Editors), Environmental Protection and the Common Law,
Hart Publishing, Oxford, 2000, p. 63; Mark Wilde, Civil Liability for Environmental Damage:
A Comparative Analysis of Law and Policy in Europe and the United States, Comparative
Environmental Law & Policy Series, Vol. 4, Kluwer Law International, Netherlands, 2002, p.
24; Edward J. Kionka, Torts in a nutshell, 5th Edition, West Nutshell Series, Thomson
Reuters, United States of America, 2010, pp. 346 ss; Jean Macchiaroli Eggen, Toxic Torts in
a nutshell, 4th Edition, West, Thomson Reuters, 2010, p.78.

100 No “trespass” tradicionalmente existe umaagressão ao direito de posse de alguém sobre


a terra que ocorre quando existe uma invasão física sobre ou sob a superfície da terra. Neste
caso em concreto, não é necessário que exista uma invasão física por parte do sujeito na
propriedade, apenas que o mesmo tenha causado a entrada de uma substância tangível
dentro da propriedade alheia. Jean Macchiaroli Eggen, Toxic Torts in a nutshell, 4th Edition,
West, Thomson Reuters, 2010, pp. 82 ss.

101 No “tort of nuisance”, mais amplo que o trespass, a causa de acção é a interferência no uso
e aproveitamento da terra, mas não é necessário que exista uma entrada ou invasão física
na terra em causa. Neste caso, como refere EDWARD J. KIONKA, “Its the interes of plaintiff
that has been invaded, and not the conduct of the defendant, which determines whether na
action for nuisance will lie”. Edward J. Kionka, Torts in a nutshell, 5th Edition, West Nutshell
Series, Thomson Reuters, United States of America, 2010, pp. 346 ss.

102 As acções por toxic torts, com algumas excepções, tipicamente não são fundamentadas
na lei, mas nascem sob os auspícios da common law. Contudo, as obrigações impostas pela
lei, ou regulação específica, podem ser relevantes relativamente aos deveres que impõem
entre os sujeitos. Assim, uma acção por negligência pode fundamentar o dever de reparar
por dano à terra se o demandante conseguir provar que: i) o demandado tinha um dever de
cuidado para com o demandante; ii) o demandado violou esse dever; iii) a violação do
demandado provavelmente causou dano ao demandante; e iv) que o demandante sofreu
um dano. O dever de agir de acordo com um específico dever de cuidado na sequência de
reconhecidos níveis standards, faz com que a degradação do ambiente, incluindo a poluição
e a contaminação, sejam cobertas por este tort, mais do que pelos restantes. Jean
Macchiaroli Eggen, Toxic Torts in a nutshell, 4th Edition, West, Thomson Reuters, 2010, pp.
102 ss.

82
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

permitir às vítimas interpor acções civis judiciais contra os poluidores para


a protecção dos interesses privados ou públicos104. Saliente-se, porém, que,
nem todo o dano é passível de sustentar uma acção de reparação no âmbito
dos Tort Law, e por maioria de razão dos Toxic Torts, tal acontece apenas nos
casos em que os requisitos de cada tipo estejam preenchidos105. Como tal, a
aplicação do regime dos Torts ao dano ambiental, no seu sentido mais amplo,
habilita empresas e indivíduos a proteger os seus próprios interesses 106.
Contudo, os tribunais não atribuem compensação por dano causado ao
ambiente em si mesmo considerado107.

Posto isto, a verdade é que o regime da common law nunca


desenhou regras específicas no que respeita aos resíduos perigosos e aos
danos para o ambiente natural deles resultantes, antes optando por adaptar

103Uma acção ou processo inerentemente perigoso que a pessoa ou entidade que realiza a
actividade tem uma "responsabilidade objetiva" por qualquer prejuízo causado pela
mesma. Exemplos: trabalhar com explosivos de alta potência ou a realização de uma corrida
de automóveis profissionais em ruas públicas. Ver Michael Bowman e Alan Boyle,
Environmental Damage in International and Comparative Law. Problems of Definition and
Valuation, University Press, Oxford, 2002, p.214.

104Mark Wilde, Civil Liability for Environmental Damage: A Comparative Analysis of Law
and Policy in Europe and the United States, Comparative Environmental Law & Policy
Series, Vol. 4, Kluwer Law International, Netherlands, 2002, p.4; David Woolley QC e outros
(editores), Environmental Law, Second Edition, Oxford University Press Inc., United States,
2009, pp.747 e seguintes.

105Mark Wilde, Civil Liability for Environmental Damage: A Comparative Analysis of Law
and Policy in Europe and the United States, Comparative Environmental Law & Policy
Series, Vol. 4, Kluwer Law International, Netherlands, 2002, p.9.

106David Woolley QC e outros (editores), Environmental Law, Second Edition, Oxford


University Press Inc., United States, 2009, p. 746.

107David Woolley QC e outros (editores), Environmental Law, Second Edition, Oxford


University Press Inc., United States, 2009, p.785.

83
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

as figuras já existentes às novas necessidades108. Como tal, o maior poder no


que respeita à regulamentação ambiental reside, de facto, nas Leis Federais
e a common law apresenta-se com um papel subsidiário109.

Essa posição ficou expressamente consagrada na decisão


proferida no caso Cambridge Water v Eastern Counties Leather Limit onde se
refere que: “Não resulta desses desenvolvimentos que um princípio de
common law: como a regra em Rylands v Fletcher deve ser desenvolvida ou
tornada mais rigorosa para prever a responsabilidade no que respeita a tal
poluição. Pelo contrário, uma vez que agora é colocada à disposição legislação
mais bem informada e cuidadosamente estruturada, há menos necessidade
dos tribunais desenvolverem um princípio de common law para atingir o
mesmo fim, e de facto pode muito bem ser indesejável que o façam”110.

Nesse sentido, desde 1970, o direito Norte-Americano tem


produzido um stock considerável de legislação a nível federal, estadual e
local, em matéria ambiental, nomeadamente no que respeita à reparação e

108 Sobre a necessidade de reforma do “Tort Liability” Ver: Carl F. Cranor, Toxic Tort.
Science, Law, and the Possibility of Justice, Cambridge University Press, New York, 2006,
pp. 363 ss; Elizabeth Glass Geltman, “Superfund: a Call for Restraint”, in Rethinking
Superfund, The National Legal Center for the Public Interest, Washington, D.C, EUA, 1991,
pp.1-27, p.1.

109David Woolley QC e outros (editores), Environmental Law, Second Edition, Oxford


University Press Inc., United States, 2009, p. 746.

110 Tradução da Autora. Original: “It does not follow from these developments that a common
law principle, such as the rule in Rylands v Fletcher, should be developed or rendered more
strict to provide for liability in respect of such pollution. On the contrary, given that so much
well informed and carefully-structured legislation is now being put in place for this purpose,
there is less need for the courts to develop a common law principle to achieve the same end,
and indeed it may well be undesirable that they should do so” [1994] 2 AC 264, p. 305, Lord
Goff.

84
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

compensação do dano ao recurso natural111. A base para isso reside na


doutrina do “public trust”, de acordo com a qual toda a terra, água e vida
selvagem é entregue ao Estado, para gerir em benefício da colectividade,
ultrapassando os problemas de legitimidade processual relativamente à
protecção do ambiente natural, levantados pelos Torts112.

Com efeito, a par do regime de imputação de danos previsto no


âmbito da common law, sucederam-se a publicação de leis federais que
tratam, sectorialmente, questões relacionadas com a responsabilidade por
danos aos recursos naturais, como sejam: Clean Water Act113, Comprehensve
Environmental Response, Compensation, and Liability Act (CERCLA), Oil
Pollution Act (OPA), Clean Air Act e Toxic Substances Control Act, entre
outros114. No âmbito da Legislação Federal, várias acções relativas a danos
aos recursos naturais têm sido interpostas fundamentadas na Secção 107 da
CERCLA, na Secção 311(f)(4) do Clean Water Act (CWA), na Secção 1002 da
Oil Pollution Act (OPA), pelo Marine Protection Reserch and Santuary Act e
pelo National Park System Resource Protection Act115.

111 William A. Butler, “Panorâmica Geral das Questões Actuais do Direito Ambiental
Americano”, in Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, n.º 6 e 7,
Lisboa, 2004, pp. 57-120, p. 69.

Monika Hinteregger, Environmental Liability and Ecological Damage in European Law,


112

Cambridge University Press, United Kingdom 2008, p. 9.

Cfr. Secção 311 do Clean Water Act (CWA), resultante da alteração de 1972 ao Federal
113

Water Pollution Act.

Stuart B. Frankel, “Full disclosure: financial statement disclosure under CERCLA”, in


114

Duke environmental law & policy forum, 57, 1993, pp. 58 e ss.

Monika Hinteregger, Environmental Liability and Ecological Damage in European Law,


115

Cambridge University Press, United Kingdom 2008, p.9.

85
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Contudo, a fonte principal de regulação no que respeita à


reparação de danos causados ao ambiente encontra-se, sem dúvida, no
regime da Comprehensive Environmental Response, Compensation, and
Liability Act116, também conhecida pela denominação CERCLA ou
SUPERFUND117. Pelo que, na nossa análise vamos cingir o tratamento a este
normativo, tanto mais quando, no texto da Proposta de Directiva
encontram-se várias referências ao mesmo118.

116Actualmente, a CERCLA compõe-se do texto original Comprehensive Environmental


Response, Compensation and Recovery Act, que data de 1989, e de duas revisões
posteriores, a primeira em 1986, pelo Superfund Amendments and Reauthorization Act
(SARA) e a segunda em 1996, pelo Asset Conservation, Lender Liability, and Deposit
Insurance Protection Act.

117Em 1986, o regime do CERCLA foi alterado pelo Superfund Amendments and
Reauthorization Act of 1986 (SARA).

118Cfr. Como se refere na Proposta de Directiva, com o seu longo historial, o Superfund tem
gerado dados valiosos, disponíveis ao público, sobre número de locais contaminados, custos
de descontaminação em função do tipo de local, distribuição dos locais contaminados por
indústria, ritmo de identificação de novos locais contaminados e número de incidentes
envolvendo dano de recursos naturais e custos associados, Cfr. Proposta de Directiva do
Parlamento Europeu e do Conselho relativa à Responsabilidade Ambiental em termos de
prevenção e reparação de danos ambientais, apresentada pela Comissão a 23 de Janeiro de
2002, COM(2002) 17 final, p.11. Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do
Conselho relativa à Responsabilidade Ambiental em termos de prevenção e reparação de
danos ambientais, apresentada pela Comissão a 23 de Janeiro de 2002, COM(2002) 17 final,
pp. 9 e 10.

86
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.1.2 Estrutura do modelo CERCLA

Antes de mais, é curioso assinalar que na discussão da sua


aprovação a CERCLA levantou-se um dos problemas com que muito a
Directiva se tem deparado. Referimo-nos à tentativa, debatida no Congresso
em 1980, de inserir uma previsão na lei relativamente a um direito de acção
por danos pessoais. Essa tentativa foi rejeitada à partida e, actualmente, não
existe nenhum direito de acção por danos pessoais em resultado dos
despejos abrangidos pela lei, tal como acontece com a Directiva119.

A verdade é que, com a CERCLA, os EUA criaram uma actuação


em duas frentes para atingir o seu duplo objectivo, a limpeza dos sítios
contaminados e a recuperação de custos 120. Primeiro, foi conferida ao
Governo Federal (através da “U.S Environmental Protection Agency” - EPA)
autoridade para responder a qualquer despejo de resíduos e abandono de
sítios contaminados. O Governo Federal pode utilizar o Superfund121 para

119 Cfr. Considerando 14 da Directiva 2004/35/CE.

120 O termo “Superfund”, pelo qual o regime CERCLA é usualmente conhecido, foi
inicialmente utilizado nos corredores do Capitol Hill quando várias propostas de lei sobre
limpeza de sítios contaminados, na sequência do incidente de Nova Iorque conhecido como
Love Canal, em 1980, foram apresentadas. O termo reflecte a percepção do Congresso
relativamente ao tamanho do problema e à antecipação da dimensão dos custos de limpeza
dos sítios de depósito de resíduos na América. Interessante, contudo, denotar que na Lei
aprovada no Congresso – a CERCLA – o termo Surperfund não aparece uma única vez, e não
obstante a comunidade jurídica continuar a referir-se ao regime como tal, apenas com
SARA, que vem alterar a CERCLA, em 1986, vemos a introdução definitiva deste termo no
corpo do diploma. Carole Stern Switzer e Peter Gray, CERCLA, Comprehensive
Environmental Response, Compensation, and Liability Act (Superfund), Section of
Environment, Energy and Resources, Second edition, American Bar Association, EUA, 2008,
p.4.

121O “Superfund” é um fundo que existe para financiar os esforços directos do Governo na
limpeza dos locais contaminados, para pagar créditos decorrentes de actividades de

87
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

levar a cabo a limpeza de um sítio e, depois, solicitar o reembolso de


qualquer parte responsável 122. Pode, ainda, proceder directamente contra
as partes responsáveis ou encorajar limpezas voluntárias, sob pena de
eventual processo judicial de responsabilização. Segundo, as partes privadas
podem directamente financiar e proceder à limpeza e, em seguida, accionar
os responsáveis e, caso sejam parcialmente responsáveis, solicitar o
reembolso da parte em excesso123.

Na essência, procura proteger o público e o ambiente,


requerendo que os custos dos danos resultantes dos sítios contaminados
sejam suportados pelas partes responsáveis pela contaminação, ao invés
dos contribuintes em geral. Exactamente esta foi a opção do legislador
europeu quando optou por um regime administrativo onde, em primeira
linha, temos a autoridade competente a actuar e a “forçar” a prevenção e a
reparação dos danos, bem como fazendo incorrer o pagamento dos custos
daí inerentes ao operador124.

limpezas de partes privadas que não são responsáveis como PPR no âmbito da CERCLA, e
para compensar o Governo Federal e Estatal por danos aos recursos naturais causados
pelos sítios de depósitos de resíduos perigosos.

122 Este imposto foi criado em 1986, nos termos da revisão ao regime CERCLA levada a cabo
pela SARA, que expandiu o tamanho do fundo para 8.5 bilhões de dólares. Sendo que, grande
parte deste valor provinha de um imposto extraordinário, denominado “Superfund Tax” e
que viria a expirar em 1995, devido à sua não renovação pelo Congresso.

123Tradução do Autor. Original: “The dinamics of the program assure excess of demand for
care and clean-up resources”. Bruce Yandle, “Superfund and Risk Reduction”, in Cutting
Green Tape, Toxic Pollutants, Environmental Regulation and the Law, Transaction
Publishers, New Brunswick (EUA) and London (U.K), 2000, pp.27-57, p.46.

124 Cfr. artigo 5.º e 6.º da Directiva 2004/35/CE.

88
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Para tal, é necessário, nos termos do disposto na Secção 107,


provar que: houve um “release” ou que existe uma ameaça de despejo; de
uma substância perigosa; proveniente de uma instalação; e que esse despejo
fez incorrer o queixoso (enquanto autoridade pública ou outras pessoas com
legitimidade para tal) na realização de despesas para fazer face aos
“response costs” (custos de resposta) que não sejam inconsistentes com o
Plano Nacional de Contingência125.

O termo “release” ou despejo inclui “qualquer derrame, fuga,


bombagem, difusão, emissão, esvaziamento, descarga, injecção, escape,
lixiviação, despejo, ou descarte no ambiente”126. Sendo que, alguns despejos,
porque previstos noutras legislações sectoriais encontram-se fora do
âmbito de aplicação do regime, como sejam: “despejos no local de trabalho;
emissão dos veículos a motor; material nuclear de sítios de processamento e a
aplicação normal de um fertilizante” 127.

Para efeitos deste regime, “hazardous substances”, significa um


conjunto de poluentes, contaminantes e resíduos. Como salienta JOHN
APPPLEGATE, uma vez que se optou pelo termo “substance”, ou substância
em português, pode ser despoletada uma situação de responsabilidade no
âmbito deste normativo mesmo que não exista “waste” ou resíduos,

Jean Macchiaroli Eggen, Toxic Torts in a nutshell, 4th Edition, West, Thomson Reuters,
125

2010, pp. 113 ss.

126 Tradução da Autora. Original “any spilling, leaking, pumping, pouring, emitting, emptying,
discharging, injecting, escaping, leaching, dumping, or disposing into the environment” cfr.
§101(22) CERCLA.

127Tradução da Autora. Original: “releases in the workplace; emission from motor vehicles;
nuclear material from a processing site; and the normal application of a fertilizer”.

89
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

aplicando-se a materiais brutos, produtos consumidos e a produtos


manufacturados128.

Importante de salientar é que, ao contrário do regime da


Directiva, a CERCLA não requer a existência de níveis mínimos, ou
significativos, de concentração de “hazardous substances” para que se
despolete a actuação do regime em causa. Pelo que, os sujeitos serão
responsáveis quando confrontados com custos de limpeza de resíduos,
mesmo que em pequenas quantidades, que não cheguem a ser consideradas
perigosas. A explicação para essa opção, reside no facto do regime da
CERCLA referir-se a “any substances”, preocupando-se com a presença
dessas substâncias e não com o grau de gravidade que essa ameaça pode
significar.

128John S. Applegate e Jan G. Laitos, Environmental Law, RCRA, CERCLA and the
Management of Hazardous Waste, Foundation Press, Thomson West, 2006, p. 214.

90
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.1.2.1 Tipo de responsabilidade: Objectiva

Preenchidos os requisitos supra referidos serão, então, os


sujeitos objectivamente responsáveis pela reparação dos danos resultantes
da sua actividade. A CERCLA, ao contrário da maioria das leis federais em
matéria ambiental, como sejam o “Resource Conservation and Recovery Act,
Clean Water Act” ou o “Clean Air Act”, não é um tradicional diploma
regulamentador, mas sim uma lei de reparação, desenhada para impor
responsabilidade por danos. Esta é, de facto, uma das grandes semelhanças
entre os dois regimes – a CERCLA e a Directiva – afinal, ambos se afirmam
como diplomas de compensação e reparação, não apenas regulamentadores.

Contudo, não obstante esta semelhança, no que respeita ao tipo


de responsabilidade adoptado encontramos algumas divergências
importantes de salientar. Assim, nos termos da CERCLA, se as partes
responsáveis forem identificáveis e localizadas, elas serão objectivamente
responsabilizadas pela limpeza dos sítios, pelos gastos de prevenção de
derrames e lançamento de resíduos tóxicos no ambiente. Já na Directiva
temos a opção por uma responsabilidade objectiva para um conjunto
definido de actividades, previamente estabelecidas no Anexo III, e por uma
responsabilidade subjectiva para todas os danos causados às espécies e
habitats naturais protegidos resultantes de actividades não listadas no
Anexo III.

Ora, compreendendo melhor a CERCLA, importa chamar a


atenção que apesar do texto ser ambíguo no que respeita à natureza jurídica
da responsabilidade que impõe – afinal, o diploma não refere que tipo de
responsabilidade adopta – nos projectos iniciais está patente a opção pela

91
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

responsabilidade “jointly, severally, and strict”129. A Secção 101(32) define o


conceito de “liable” como “…the standard of liability which obtains under
section 1321 of title 33”, ou seja, remete para o Clean Water Act.130 E, este,
como é pacificamente aceite, impõe uma responsabilidade objectiva, pelo
que, por maioria de razão, uma remissão para esse normativo é uma
assunção da adopção do mesmo tipo de responsabilidade131.

Nesse sentido, decisões dos tribunais americanos têm


confirmado tratar-se de uma responsabilidade de tipo objectiva132,
solidária, e com efeito retroactivo133. Assim, uma pessoa ou entidade
responsável por uma pequena percentagem do local de depósito de resíduos
pode ser responsabilizada na íntegra, pelo valor total dos danos, e pode,

Elizabeth Glass Geltman, “Superfund: a Call for Restraint”, in Rethinking Superfund, The
129

National Legal Center for the Public Interest, Washington, D.C, EUA, 1991, pp.1-27, p.5.

130Joel S. Moskowits, Environmental Liability and Real Property Transactions: Law and
Practice, Second Edition, Environmental Law Library, United States of America, John Wiley
& Sons, Inc, 1995, p. 49.

131 Existem, contudo, decisões dos tribunais americanos a optarem por uma postura mais
conservadora e a relegarem a opção pelo tipo de responsabilidade, caso a caso, para o Juiz
da causa. No caso United States v. Chem-Dyne, após uma atenta análise da razão pela qual a
Lei Federal não toma uma opção, ao contrário do seu draft, refere-se que “a reading of the
entire legislative history in contexto reveals that the scope of liability and term joint and
several liability were deleted to avoid a mandatory legislative standard applicable in all
situations which might procude inequitable results in some cases”. Pelo que, conclui-se que
“the term was omitted in order to have the scope of liability determined under common law
principles, where a court performing a case-by-case evaluation of the complex factual
scenarios associated with multiple-generator waste sites will assess the propriety of applying
joint and several liability on an individual basis”, Elizabeth Glass Geltman, “Superfund: a Call
for Restraint”, in Rethinking Superfund, The National Legal Center for the Public Interest,
Washington, D.C, EUA, 1991, pp.1-27, p.14.

132John S. Applegate e Jan G. Laitos, Environmental Law, RCRA, CERCLA and the
Management of Hazardous Waste, Foundation Press, Thomson West, 2006, pp.129ss.

133Steven Baird Russo, “Contribution under CERCLA: judicial treatment after SARA”, in
Columbia Journal of Environmental Law, Vol. 14, pp. 267-287, pp. 270 e seguintes.

92
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ainda, ser responsabilizada por danos que se verificam no presente, quer


como pelos danos passados, independentemente de culpa134.

Com efeito, sendo a responsabilidade objectiva, ou estrita, o


queixoso, público ou privado, não precisa de provar que o despejo dos
resíduos perigosos resultou de conduta negligente ou intencional do sujeito.
Apenas carece de fazer prova de quatro elementos:

▪ Que é um local de despejo de resíduos contaminados;

▪ Que o sujeito se enquadra numa das classificações de “pessoa


potencialmente responsável”;

▪ Que ocorreu uma contaminação, ou ameaça de contaminação; e

▪ Que essa contaminação levou o queixoso a incorrer em custos de


reparação e recuperação.

Por outro lado, apesar da responsabilidade ser objectiva, existem


algumas causas expressas de defesa e de exclusão da mesma: actos de força
maior; actos de guerra; actos ou omissões de uma terceira parte que não
esteja em relação contratual com a pessoa que alega a defesa; proprietários
(inocentes) que possam demonstrar que a causa do dano se deve a uma
terceira parte e que façam prova de “due diligence” aquando da compra e

Abrahan S. Kenneth, “Environmental Liability and the Limits of Insurance”, in Columbia


134

Law Review, Vol.88, pp. 942-988, 1998, p. 957.

93
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

proprietários que não participaram na gestão do sítio em causa. No que


respeita às causas de exclusão da responsabilidade a Directiva assemelha-se
à CERCLA, não obstante não ser tão ampla e prever outras causas não
compreendidas no regime americano, como o “risco de desenvolvimento”135.

Assim, quando ocorre um despejo, ou a ameaça de um despejo,


de resíduos perigosos provenientes de uma instalação, num local ou área
determinada, e uma parte preencher os requisitos para se tornar uma parte
potencialmente responsável, no âmbito da CERCLA, esta parte é responsável
por todos os custos de acções de limpeza e reparação levados a cabo pelo
Governo dos EUA, por um Estado, ou por uma tribo indígena, desde que, de
acordo com o Plano Nacional de Contingência136. Para determinar quais os
sítios que são passíveis de serem limpos pelo “Superfund”, a CERCLA
autoriza a EPA a criar uma lista de prioridades de âmbito nacional,
denominada “National Priorities List” (NPL)137.

135Carole Stern Switzer e Peter Gray, CERCLA, Comprehensive Environmental Response,


Compensation, and Liability Act (Superfund), Section of Environment, Energy and
Resources, Second edition, American Bar Association, EUA, 2008, pp.37ss.

136 National Contingency Plan (NCP).

137Para determinar quais sítios entrarão nesta lista, criou-se um ranking que atribui uma
pontuação a cada sítio, baseado em alguns critérios de avaliação de risco (potencialidade
de contaminação de água potável, de produzir um dano à saúde pública, etc). Uma vez
estabelecida a NPL, o Plano Nacional de Contingência estabelece os procedimentos e
standards a seguir para responder ao abandono de substâncias perigosas no local em causa
que se podem traduzir em medidas de curto prazo, para aliviar danos imediatos, e medidas
de longo prazo, medidas que pretendem ter um carácter mais permanente. Bradford F.
Whitman, Superfund Law and Practice, A Handbook on Comprehensive Environmental
Response Compensation and Liability Act and Cleanup Laws of New Jersey, Alibaba, EUA,
1991, pp. 50ss.

94
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Os perigos futuros para o ambiente podem, também, ser


abrangidos por este regime enquanto “threat of release”. Na decisão
proferida no caso New York v. Shore Realty Corp138 entendeu-se que a
ameaça de despejo incluía o armazenamento de substâncias tóxicas em
tanques corroídos e deteriorados, a falta de experiência do proprietário no
manuseamento de resíduos perigosos e a falta de licenciamento da
actividade139. Esta “ameaça” encontra-se consagrada na Directiva na figura
do dano iminente.

138Shore argued that §107(a)(1) should be read to cover only owners and operators at the
time of disposal. However, the Appellate Court rejected this argument and found that
§107(a)(1) unequivocally imposes strict liability on the current owner of the facility, without
regard to causation [759 F.2d 1032 (2d Cir. 1985)].

139John S. Applegate e Jan G. Laitos, Environmental Law, RCRA, CERCLA and the
Management of Hazardous Waste, Foundation Press, Thomson West, 2006, p. 214.

95
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

96
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.1.2.2 Sujeito passivo: “Potentially Responsible Parties”

No âmbito da CERCLA, “Potentially Responsable Parties (PRP) 140


são os sujeitos passivos de uma acção e de acordo com a Secção 107(a) do
mesmo, a responsabilidade pode ser imputada a quatro classes de
sujeitos141:

▪ O actual proprietário ou operador de qualquer instalação na qual


se verifique um despejo ou uma ameaça de despejo de resíduos
perigosos ao ambiente;

▪ Qualquer pessoa que, ao tempo do despejo de resíduos


perigosos, fosse proprietário ou operador;

▪ Qualquer pessoa que, por contrato, ou outra forma, tenha


contratado o despejo ou tratamento de resíduos perigosos, ou
quem tenha arranjado transporte para despejo ou tratamento de
resíduos perigosos para o local de despejo 142;

140 Bradford F. Whitman, Superfund Law and Practice, A Handbook on Comprehensive


Environmental Response Compensation and Liability Act and Cleanup Laws of New Jersey,
Alibaba, EUA, 1991, pp. 69ss.

141Carole Stern Switzer e Peter Gray, CERCLA, Comprehensive Environmental Response,


Compensation, and Liability Act (Superfund), Section of Environment, Energy and
Resources, Second edition, American Bar Association, EUA, 2008, p.25.

142Sobre este assunto os tribunais americanos têm sido bastante abrangentes, incluindo
nesta categoria, partes que não tenham a intenção de despejar os resíduos perigosos,
mesmo que seja, apenas, o produtor do bem que contrata uma terceira parte para adicionar
ao produto elementos que o transformam em comercial, ver United States v. Aceto. Carole

97
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Qualquer pessoa que escolheu as instalações e o transporte para


o local, resíduos perigosos para despejo ou tratamento 143.

Como tal, por força da lei, um considerável número de pessoas


pode ser considerada Partes Potencialmente Responsáveis: o proprietário
actual da instalação144; o proprietário no momento em que houve a
contaminação; o industrial que esteve na origem dos resíduos; o
transportador dos resíduos; e o indivíduo que desenvolve a sua actividade
comercial no domínio dos resíduos145.

A Secção 107(a) impõe a responsabilidade sobre o proprietário e


operador, o que tem levado a discussões relativamente à questão de saber

Stern Switzer e Peter Gray, CERCLA, Comprehensive Environmental Response,


Compensation, and Liability Act (Superfund), Section of Environment, Energy and
Resources, Second edition, American Bar Association, EUA, 2008, p.34.

143Carole Stern Switzer e Peter Gray, CERCLA, Comprehensive Environmental Response,


Compensation, and Liability Act (Superfund), Section of Environment, Energy and
Resources, Second edition, American Bar Association, EUA, 2008, p.10.

144Importa chamar a atenção para o facto de todas as categorias de PPR utilizarem para a
sua descrição o termo “facility” que traduzimos como “instalação”, mas que é um termo
muito amplo e que não deve, de forma alguma, ser restringido a prédios, mas
inclusivamente a vários recipientes ou até áreas onde os resíduos “came to be located”,
CERCLA§101(4).

145 Cfr. Na prática, mesmo as instituições de crédito, como os Bancos, podem ser
consideradas responsáveis, se se transformarem em proprietárias de um terreno
contaminado objecto de uma hipoteca, por exemplo. Contudo, outras dúvidas se colocam,
como sejam, relativamente aos arrendatários, sendo controvertida a aplicação do regime
aos mesmos. Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu e ao Comité
Económico e Social: Livro Verde sobre a Reparação dos Danos causados no ambiente [COM
(93) 47 final], de 14 de Maio de 1993, p.30. Michelle Weiler, “The Environmental Protection
Agency´s New Standard for CERCLA all Appropriate Inquiry: More Time an Money for
Compliance, But Well Woth The Cost To Avoit CERCLA Liability”, in University of Baltimore
Journal of Environmental Law, Vol.14, 2007, pp. 159-187; Stanley M. Spracker and James D.
Barnette, “Lender Liability under CERCLA”, in Columbia Business Law Review, Vol. 1990,
pp. 527-551; Anthony J. Obadiah, “Superfund and the Lender: Protecting Loan Collateral
Without Incurring Environmental Liability – Can It Be Done?”, in Rethinking Superfund, The
National Legal Center for the Public Interest, Washington, D.C, EUA, 1991, pp. 29-41.

98
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

se o proprietário carece de ser, simultaneamente, proprietário e operador,


ou se apenas uma das características bastaria para fazer accionar a
responsabilidade no âmbito do regime da CERCLA. Tem-se entendido que
tanto o proprietário como o operador, separadamente, podem ser
responsabilizados, bastando, pois, a assunção de uma destas características.
Não esquecendo, porém, que a data de determinação do título de
proprietário ou operador terá sempre por referência o momento em que se
efectivam as acções de limpeza e de recuperação de custos.

Se quisermos compreender quem será este proprietário e este


operador o texto da CERCLA não adianta muito. Afinal, na Secção 101 (20)
(A) define-se como “owner or operator”, qualquer pessoa que seja
proprietário ou operador. Como a responsabilidade, aqui, baseia-se
unicamente no status e não na qualificação da conduta do agente, como já se
viu, o queixoso não carece de provar que o actual dono ou operador causou
o dano, sabia do dano, nem que era proprietário ou operador da instalação
à data dos acontecimentos. Afinal, o mero estatuto das partes, enquanto
proprietário e operador actual fazem destes responsáveis por todos os
acontecimentos relacionados com determinado local ou instalação, mesmo
que ocorridos no passado146.

No caso dos operadores, entende-se por “operator”, quem tenha


a autoridade legal para controlar as actividades no sítio e quem, de facto,
exerce esse controlo. O Supremo Tribunal decidiu no caso United States v.

146Alfred R. Light, “More Equal Than Others: The United States Government Under
CERCLA”, in Rethinking Superfund, The National Legal Center for the Public Interest,
Washington, D.C, EUA, 1991, pp.43-52, p.43.

99
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Bestfoods, que o operador será aquele que gerir directamente ou conduzir


operações relacionadas com a poluição, ou seja, operações que estejam
relacionadas com o despejo de resíduos perigosos, ou decisões acerca da
observância de regulamentação ambiental147.

Do exposto, se o Governo ou as partes privadas conseguem


identificar a parte responsável pelos resíduos perigosos, essa parte é sujeita
a uma rigorosa forma de responsabilidade. Sob a égide da CERCLA, a
responsabilidade não é determinada pela forma tradicional dos Torts Laws
que requer um nexo de causalidade entre o acto do sujeito e o dano
verificado. Ao invés, o regime da CERCLA impõe responsabilidade quando
exista um nexo causal entre certa categoria de sujeitos, o despejo de
substâncias perigosas e a verificação de custos de descontaminação e
limpeza148.

Se nenhuma das partes responsáveis pelo despejo dos resíduos


for encontrada ou, sendo encontrada, estiver em situação de insolvência, o
Governo Federal, através da EPA poderá utilizar o “Superfund” e proceder à
devida descontaminação do local em causa.

Quanto ao sujeito responsável, importa fazer as necessárias


ressalvas e dizer que a Directiva se mostra menos abrangente no que
respeita à amplitude do sujeito potencialmente responsável. O conceito de
“operador” adoptado pela Directiva não pode, nem deve ser assimilado ao

147 Cfr. 524 U.S. 51 (1998).

148John S. Applegate e Jan G. Laitos, Environmental Law, RCRA, CERCLA and the
Management of Hazardous Waste, Foundation Press, Thomson West, 2006, pp.129 ss.

100
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

de Partes Potencialmente Responsáveis. A Directiva adopta o conceito de


“operador” como figura central do regime de responsabilidade, contudo, o
operador europeu tem uma definição menos ampla, incluindo um conjunto
menor de indivíduos, como teremos oportunidade de verificar mais à frente.

101
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

102
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.1.2.3 Dano: “Natural Resource Damage”

Não obstante a importância que todo o regime da CERCLA detém


como fonte de inspiração dos regimes de responsabilidade por dano
causado ao ambiente, em especial do regime de responsabilidade criado pela
Directiva 2004/35/CE, o conceito de “natural resource damage” merece
particular cuidado. Afinal, ele é uma das primeiras tentativas a nível
internacional de autonomizar o dano causado ao ambiente natural.

Este conceito é maioritariamente adoptado nos Estados Unidos


da América e, de facto, ficou mundialmente conhecido depois da sua adopção
em Leis Federais, como a CERCLA149 e a OPA, desenhadas para reparar os
danos resultantes da destruição dos recursos naturais em resultado de
contaminação150.

A Secção 101(16) da CERCLA define “recursos naturais” de forma


ampla, incluindo “terra, peixes, vida selvagem, biota, ar, água, águas
subterrâneas, abastecimento de água potável e outros recursos do mesmo
género” que sejam da propriedade de, sejam geridos pelo, entregues em
confiança por, pertencentes a, ou de outra forma controlados pelos Estados

149Este foi alterado em 1986 pelo Superfund Amendments and Reauthorization Act, mais
conhecido como SARA.

Kenneth O. Corleyn e Ann Al-Bahish, “Understanding Natural Resource Damages”, in 59


150

Rocky Mountain Mineral Law Institute 2-1, 2013, p. 3.

103
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Unidos da América, um Estado, uma Tribo Indígena, um Governo Local, ou


um Governo estrangeiro151.

Quanto ao “natural resource damage” propriamente dito, a


Secção 107(a)(4)(c) da CERCLA refere que uma parte potencialmente
responsável pode ser responsável por “damages for injury to, destruction of,
or loss of natural resources”. Ora, com uma definição tão abrangente, podem-
se enquadrar dentro dos “natural resource damage” virtualmente todos os
prejuízos causados ao ambiente em resultado de uma substância perigosa,
desde que o bem afectado seja, de algum modo, detido, controlado ou de
alguma forma confiado à guarda de uma entidade governamental 152153.

Quanto à medida da indemnização devida pelos danos, a CERCLA,


na Secção 107(a)(4)(A), prevê que, uma vez considerado responsável, o
sujeito responde por "todos os custos de remoção ou medidas correctivas
efetuadas pelo Governo dos Estados Unidos ou de um Estado ou de tribo
indígena que não sejam incompatíveis com o Plano de Contingência Nacional".
Por maioria de razão, sempre que se reúnam os requisitos exigidos pela lei,
devem de igual modo ser responsáveis pelos “damages to natural
resources”154.

151 Cfr. CERCLA §101 (16).

152John S. Applegate e Jan G. Laitos, Environmental Law, RCRA, CERCLA and the
Management of Hazardous Waste, Foundation Press, Thomson West, 2006, p. 227.

153Liu Jing, Compensating Ecological Damage. Comparative and Economic Observations,


Intersentia, United Kingdom, 2013, p. 23

154 Cfr. CERCLA § 107 (a)(4)(C).

104
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Contudo, o termo “natural resource damage”, da forma como tem


sido utilizado, pelo legislador e pela doutrina, inclui mais do que os danos
aos recursos naturais em si mesmo considerados. Abrange, também, o dano
sofrido pelo público em geral na sequência da ofensa ou destruição do
recurso natural em causa155. Assim, o termo inclui os danos resultantes da
perda dos serviços fornecidos pelo bem ambiental, seja de uso humano, ou
ecológico156. Esta componente humana pode incluir os valores de uso do
recurso natural, bem como os valores de não uso do mesmo157.

O conceito de “natural resource damage” tem uma importância


fundamental no cenário internacional devido à influência que os regimes
que o adoptam detêm. Inclusivamente, a Directiva adopta o conceito de
“recurso natural” para delimitar o âmbito de aplicação do seu regime.
Contudo, apesar de utilizar o conceito de “recurso natural”, a Directiva não o
adopta com a amplitude que este detém no regime americano, sendo este,
no nosso entendimento, e como teremos oportunidade de constatar mais à
frente, um dos maiores problemas do regime158.

155Liu Jing, Compensating Ecological Damage. Comparative and Economic Observations,


Intersentia, United Kingdom, 2013, p. 24.

Kenneth O. Corleyn e Ann Al-Bahish, “Understanding Natural Resource Damages”, in 59


156

Rocky Mountain Mineral Law Institute 2-1, 2013, p. 4.

Kenneth O. Corleyn e Ann Al-Bahish, “Understanding Natural Resource Damages”, in 59


157

Rocky Mountain Mineral Law Institute 2-1, 2013, p. 4.

158 Cfr. Artigo 2.º, n.º 12, Directiva 2004/35/CE.

105
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

106
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2 O modelo internacional de compensação por “pollution


damage”: CLC

Não obstante o cariz inovador da legislação americana, neste


segundo momento passamos para a análise do direito internacional. Afinal,
foi no direito internacional que a temática relativa à responsabilidade por
danos causados ao ambiente ganhou notoriedade e maior desenvolvimento
nas últimas décadas159. Este facto deve-se à dimensão e complexidade da
matéria em causa, que excede, em muito, a capacidade técnica dos Estados
isoladamente considerados, mesmo dos mais evoluídos160. Tanto assim é,
que têm sido desenhados regimes de responsabilidade civil em áreas ou
sectores de actividade considerados de elevada perigosidade, como o
nuclear, o transporte marítimo de hidrocarbonetos ou o transporte de
resíduos perigosos. E, na prática, muitas similitudes existem entre estes
diferentes regimes161.

159 “As imagens do sofrimento e das mortes de pássaros marinhos e de peixes, envoltos no crude

derramado, as fotografias das praias e das rochas envoltas nos óleos derramados a flutuar no
mar, levaram ao que pode ser, adequadamente, descrito como um corte epistemológico ao
nível das representações dos media”. Carlos de Oliveira Coelho, Poluição Marítima por
Hidrocarbonetos e Responsabilidade Civil, Almedina, Coimbra, 2007, p.14.

160 Pedro Silva Pereira, “Direito Internacional Público do Ambiente: as Convenções


Internacionais e suas Implicações para Portugal”, in Direito do Ambiente, INA 1994, pp.
165-174, p.166.

161 Um levantamento sobre os principais sistemas de responsabilidade no direito


internacional Ver Guido Fernando Silva Soares, Direito Internacional do Meio Ambiente.
Emergência, Obrigações e Responsabilidades, Editora Atlas S.A, São Paulo, 2001, pp. 710 e
ss.

107
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Contudo, de todos os regimes que se desenharam ao longo dos


últimos anos162, os únicos que estão actualmente em vigor são os regimes de
responsabilidade civil relacionados com os danos resultantes de actividades
nucleares e com o transporte marítimo de hidrocarbonetos. Com efeito, do
ponto de vista cronológico, talvez devêssemos optar por referir o regime da
responsabilidade por danos resultantes de poluição nuclear, que remonta a
1960163.

162 A primeira Convenção, no âmbito da IMO, a tratar a poluição resultante de


hidrocarbonetos de Navios-Tanque foi a International Convention on the Prevention of
Pollution of the Sea by Oil, adoptada a 12 de Maio de 1954,

O quadro jurídico no que respeita à compensação por danos nucleares é, actualmente,


163

composto pelos seguintes normativos:

▪ Convenção sobre a Responsabilidade Civil no Domínio da Energia Nuclear de 29


de Julho de 1960 (Convenção de Paris de 1960) que foi adoptada sob os auspícios
da actual OCDE, antiga OEEC, e entrou em vigor a 1 de Abril de 1968;

▪ Convenção Complementar à Convenção de Paris de 29 de Julho de 1960 sobre a


Responsabilidade Civil no Domínio da Energia Nuclear (Convenção de Bruxelas de
1971), que entrou em vigor a 4 de Dezembro de 1974.

▪ Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares de 21 de


Março de 1963 (Convenção de Bruxelas de 1963) adoptada sob os auspícios da
IAEA e que entrou em vigor a 12 de Novembro de 1977;

▪ Protocolo Conjunto relativo à aplicação da Convenção de Paris e de Viena, de 21 de


Setembro de 1988. Este Protocolo tem, actualmente 26 Membros, incluindo 16 que
fazem Parte da Convenção de Viena e 10 que são também Membros da Convenção
de Paris.

▪ O Protocolo Adicional à Convenção de Paris de 1960, de 12 de Fevereiro de 2004 e


o Protocolo Adicional à Convenção Suplementar de Bruxelas de 1963, assinado a
12 de Fevereiro de 2004, elaborados sob a alçada da OCDE;

▪ O Protocolo que altera a Convenção de Viena de 1963, também designado de


Convenção de Viena de 1997, elaborado pela IAEA e aberto à adesão de todos os
Estados. Esta Convenção foi adoptada a 12 de Setembro de 1997 e entrou em vigor
a 4 de Outubro de 2003, tendo actualmente 5 Membros;

108
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Contudo, apesar de posterior, o regime que se cria, em 1969, na


sequência da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil por
Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos de 1969 (adiante CLC
1969)164 e da Convenção Internacional para a Constituição de um Fundo
Internacional para a Compensação pelos prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos de 1971 (adiante IOPC Fund 1971)165 teve, e ainda tem,
uma aplicabilidade manifestamente superior.

Com efeito, sendo o regime de responsabilidade civil por


prejuízos devidos à poluição por hidrocarbonetos o único com experiência
prática na compensação por danos resultantes de contaminação, será este
objecto de análise neste capítulo. Esta opção não é de estranhar, afinal, com
mais de 25 anos de experiência na compensação de danos resultantes de
poluição166 este regime tem servido como modelo a seguir por regimes

▪ A Convenção para Compensação Suplementar por Danos Nucleares (CSC 1997),


elaborada pela AIEA e aberta à adesão de todos Estados-Membros da Convenção
de Paris e de Viena, e ainda ao Estados que não sendo parte de nenhum destes
instrumentos têm uma legislacção nacional nuclear que respeita aos princípios
presentes nas mesmas. Esta Convenção não se encontra, ainda, em vigor.

164Esta Convenção é mundialmente conhecida pela sigla CLC, que significa Civil Liability
Convention for Oil Pollution Damage, pelo que, por uma questão de uniformização e
adequação aos termos assentes na doutrina, vamos também denominá-la da mesma forma.
Chama-se, contudo, a atenção para o facto da CLC ter sido alterada em 1992, criando-se um
regime baseado no anterior mas com alterações de tal forma substanciais que fazem-no ser
conhecido e tratado de forma autónoma da CLC 1969, daí referirmo-nos a ele como CLC
1992, para distingui-las.

165Adopta-se a sigla IOPC para fazer referência ao Fundo criado para complementar o
regime da CLC, mais uma vez, por uma questão de uniformização com a prática corrente na
doutrina nacional e estrangeira. IOPC é o anacrónimo de International Oil Pollution
Compensation Fund.

166Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under


International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de

109
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

posteriores nacionais e internacionais167. Porém, importa averiguar que tipo


de danos este regime cobre, de modo a verificarmos se consegue, ou não, dar
resposta a alguns dos problemas com que nos deparamos na análise da
Directiva. Faz-se, então, uma análise aos elementos essenciais do regime de
forma a, com isso, poder levar-se a cabo uma análise comparativa entre o
regime da Directiva e aquele desenhado pela CLC.

l´environment. Implementation of International Environmental Law, Nijhoff, 2011, pp. 419-


467, pp. 419ss.

167 Para além destes instrumentos, pode dizer-se que o quadro jurídico internacional
relativo à responsabilidade por danos devido à poluição marítima, somente ficará completo
se fizermos referência também a:

▪ Convenção relativa à Responsabilidade Civil inerente ao transporte de material


nuclear de 1971;

▪ Convenção sobre a limitação da responsabilidade por ocorrências marítimas de


1976 (LLMC);

▪ Convenção Internacional de 1996 sobre a Responsabilidade e a Indemnização por


Danos Ligados ao Transporte por Mar de Substâncias Nocivas e Potencialmente
Perigosas (HNS); e

▪ Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil dos Danos Causados pela


Poluição de Combustível de 2001 (BUNKERS 2001).

Todas estas Convenções, independentemente de se cingirem a problemas diferentes e


específicos no transporte marítimo, são profundamente inspiradas no modelo da CLC e no
IOPC Fund, com a responsabilidade objectiva do proprietário complementada com a
existência de um fundo. Não obstante, tentaram ir mais além, ultrapassando, por um lado, a
cobertura dos danos causados por poluição, cobrindo também os riscos de incêndio e
explosão, incluindo a perda da vida e ofensas corporais, tais como danos à propriedade e,
por outro, abrangendo também os danos resultantes de derramamentos de
hidrocarbonetos utilizados como combustível de qualquer tipo de Navio e não apenas os
“Tankers”. Contudo, até a data nenhuma delas entrou em vigor.

110
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2.1 Antecedentes do actual regime CLC

O naufrágio do Navio-tanque Torrey Canyon, ocorrido em 1967,


marca o nascimento do regime especial de responsabilidade civil por danos
resultantes de derrames de hidrocarbonetos, não obstante a Convenção que
o regula somente surgir em 1969168. E afirma-se isto porque, de facto, foi
somente na sequência da forte atenção mediática que se gerou em torno dos
danos resultantes desse incidente, com milhões gastos em custos de
limpeza, que se tornou evidente a necessidade de um regime internacional
uniforme que garantisse uma efectiva e adequada compensação às
vítimas169.

Assim, em jeito de reacção, sob os auspícios da International


Maritime Organization (IMO), surge uma série de instrumentos
internacionais que visam regulamentar o transporte marítimo, tanto no que
concerne à prevenção da poluição por Navios (MARPOL170); à preparação e

168Como bem refere Teresa Fajardo del Castillo, “o acidente do petroleiro liberiano Torrey
Canyon não foi o primeiro derramamento de hidrocarbonetos, mas certamente o primeiro que
gerou uma resposta internacional e uma mudança no Direito internacional tradicional”.
Teresa Fajardo del Castillho, “Contaminação por hidrocarbonetos depois da catástrofe do
Prestige e seu impacto no Direito Internacional e Comunitário”, in Governo de Riscos, Rede
Latino-Americana-Européia sobre Governo dos Riscos, UNITAR, Brasilília, 2005, pp. 120-
139, p. 218.

169 Cfr. Liability and Compensation for Ship-Source Oil Pollution: An overview of the
international legal framework for oil pollution damage from tamkers, Studies in Transport
Law and Policy, n.º 1 United Nations Conference On Trade and Development, United
Nations, 2012, UNCTAD/DTL/TLB/2011/4, p. 9.

170International Convention for the Prevention of Pollution from Ships ou MARPOL como é
geralmente designada foi adoptada a 2 de Novembro de 1973, e alterada pelo Protocolo de
1978 e, o seu Anexo IV, pelo Protocolo de 1997. Encontram-se em vigor, desde 2 de Outubro
de 1983, os seus Anexos I e II.

111
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

resposta face a um incidente deste género (OPRC 1990171 e Protocolo OPRC-


HNS 2000172) e à responsabilidade e indemnização pela poluição
relacionada com o transporte marítimo (CLC 1969 e IOPC Fund 1971;
Convenção HNS173 e Protocolo HNS174; Convenção Bunkers175 e LLMC) 176.
Sendo que, no que respeita ao objecto do presente trabalho, iremos focar,
sobretudo, na CLC.

Se, na secção anterior, a relação entre a Directiva e a CERCLA foi


referida apenas sobre o prisma de fonte de inspiração do regime, no que
respeita à relação entre a CLC e a Directiva a situação é diferente. Para além
de fonte de inspiração, a Directiva coexiste e se relaciona directamente com
o regime da CLC. É, por isso, também importante compreendender-se como
e em que termos esta relação é levada a cabo.

International Convention on Oil Pollution Preparedness, Response and Co-Operation ou


171

OPRC como é conhecida foi adoptada a 30 de Novembro de 1990 e entrou em vigor a 13 de


Maio de 1995.

Protocol on Preparedness Response and Co-Operation to Pollution Incidents by Hazardous


172

and Noxious Substances ou OPRC-HNS Protocol como é conhecido foi adoptado a 15 de


Março de 2000 e entrou em vigor a 14 de Junho de 2007.

173International Convention on Liability and Compensation for Damage in Connection with


the Carriage of Hazardous and Noxious Substances (HNS) by Sea, foi adoptada em Maio de
1996 mas, até à data, ainda não entrou em vigor.

174O Protocolo que altera a Convenção HNS foi adoptado em 2010, mas também ainda não
entrou em vigor.

175 A International Convention on Civil Liability for Bunkers Oil Pollution Damage (Bunker)
foi adoptada a 23 de Março de 2001 e entrou em vigor a 21 de Novembro de 2008.

176A Convention on Limitation of Liability for Maritime Claims (LLMC) foi adoptada a 19 de
Novembro de 1976 e entrou em vigor a 1 de Dezembro de 1986. Foi posteriormente
alterada pelo Protocolo de 1996 adoptado a 2 de Maio desse ano e que entrou em vigor a
13 de Maio de 2004.

112
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

A CLC surge em 1969 com o objectivo de criar um regime de


responsabilidade civil harmonizado entre os Estados-Partes177. Visava, com
isso, criar um quadro normativo que assegurasse uma indemnização
adequada às vítimas de poluição resultante de fugas ou descargas de
hidrocarbonetos minerais persistentes, ou seja, petróleo bruto, fuelóleo,
óleo diesel pesado e óleo de lubrificação178, transportados a bordo de um
Navio179.

Contudo, perante a insuficiência de recursos para a cobertura


dos danos resultantes de poluição por hidrocarbonetos, em 1971, surgiu o
International Oil Pollution Compensation Fund (adiante IOPC Fund)180. Este
tinha como objectivo complementar a reparação aos lesados por danos
resultantes de poluição marítima por hidrocarbonetos pesados e repartir o

177 Entrou em vigor em 1975.

178 “Hidrocarbonetos significa quaisquer hidrocarbonetos minerais persistentes,


nomeadamente petróleo, fuelóleo, óleo diesel pesado e óleo de lubrificação, quer sejam
transportados a bordos de um Navio, quer como carga, quer como combustível do Navio”, cfr.
art.º I, n.º 5, da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos
Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969, com a redacção de 1992, aprovada pelo
Decreto n.º 40/2001, de 28 de Setembro, DR I Série-A, n.º 226, pp.6143-6154.

179“Navio significa qualquer embarcação marítima ou engenho marítimo seja de que tipo for,
contruído ou adaptado para o transporte de hidrocarbonetos a granel como carga, desde que
se trate de um Navio com capacidade para o transporte de hidrocarbonetos e outros tipos de
carga só deve ser considerado como um Navio quando transporte, efectivamente, como carga,
hidrocarbonetos a granel assim como durante qualquer viagem que se siga àquele transporte,
a menos que se prove que não existem quaisquer resíduos de hidrocarbonetos a bordo
originados por aquele transporte a granel”, Cfr. Artigo I, n.º 1, da Convenção Internacional
sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de
1969, com a redacção de 1992, aprovada pelo Decreto n.º 40/2001, de 28 de Setembro, DR
I Série-A, n.º 226, pp. 6143-6154.

180 Que entrou em vigor em 1978.

113
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

risco inerente à actividade marítima desde o ponto de vista da


contaminação.

Cria, assim, um sistema de solidariedade, baseado numa


repartição equitativa de responsabilidades entre os transportadores e os
importadores de hidrocarbonetos persistentes, com a finalidade de dar uma
resposta economicamente satisfatória para aqueles que possam vir a ser
afectados no âmbito da poluição resultante dessa actividade e que se traduz
num segundo nível de compensação a adicionar aos limites já estabelecidos
na CLC181. E, isto pode acontecer quando:

▪ Se aplicar uma das excepções ao regime de canalização da


responsabilidade;

▪ A seguradora do proprietário for incapaz de cumprir


integralmente as suas obrigações financeiras; ou

▪ O custo de compensação dos danos causados pela poluição


exceder os limites de responsabilidade definido pela CLC.

Entretanto, ao longo dos últimos anos, uma série de outros


incidentes envolvendo Navios-tanque ocorreram, como é o caso do Amoco
Cadiz, em França, em 1976, Exxon Valdez, nos EUA, em 1989, Braer, no Reino

181 Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el Derecho Marítimo: la efectiva
aplicación de las medidas de prevención en materia de seguridad marítima”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-
245, p.207.

114
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Unido, em 1993, Erika e Prestige, ambos em Espanha, em 1999 e 2002, entre


outros182. Contribuindo, assim, para incrementar a produção legislativa 183
(TOVALOP184 e CRISTAL185) e doutrinária nesta área, surgindo, na grande

182 Para uma análise histórica dos desastres envolvendo navios petrolíferos, consultar o site
a seguir indicado, visualizado no dia 16 de Agosto de 2012:

http://www.itopf.com/information-services/data-and-statistics/case-histories/tlist.html

183 Acontece que, o volume de danos gerados por este tipo de incidentes é de tal forma
elevado que, na mesma altura em que estava a ser negociado o regime da CLC 1969, os
proprietários de Navios e a indústria petrolífera adoptaram dois regimes voluntários sobre
a mesma matéria. Estes regimes, conhecidos como TOVALOP (Tanker Owners Voluntary
Agreement Concerning Liability for Oil Pollution) e CRISTAL (Contract Regarding an
Interim Supplement to Tanker Liability for Oil Pollution), tinham como objectivo servirem
de solução interina enquanto a CLC não obtinha aplicação mundial. Como tal, a 20 de
Fevereiro de 1997, cessaram a sua aplicação, uma vez que a manutenção dos mesmos era
vista, por muitos, como um desincentivo à ratificação da CLC. Cfr. The IOPC Fund´s 25 years
of compensating victims of oil pollution incidents, IOPC, 2003, p.14, disponível no site
www.iopc.com

184 TOVALOP estabelecia a responsabilidade dos proprietários nos casos de danos


resultantes de derramamento de petróleo dos seus Navios. Contudo, este regime não se
aplicava, caso a CLC fosse competente para regular o incidente em causa. No que respeita
ao dano ecológico, na sua versão inicial, de 1987, a definição de “pollution damage” era em
tudo semelhante àquela que vamos encontrar na CLC/69, contudo, um aspecto é de
salientar: o facto de o TOVALOP excluir reclamações baseadas em cálculos teóricos.
Reclamações por danos a recursos naturais tidos como “não-comerciais, como as aves, os
recifes de coral, entre outros, eram excluídos. Cfr. Edward H.P. Brans, Liability to Public
Natural Resources. Standing, Damage and Damage Assessment, International
Environmental Law and Policy Series, Vol. 61, Kluwer Law International, Netherlands,
2001, p.362.

Nos termos do CRISTAL, a compensação por danos resultantes de derrames de petróleo


185

poderia ser obtida da empresa proprietária da carga, ou seja, do petróleo.

115
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

maioria das vezes, como já se viu, como reacção 186 aos diferentes tipos de
danos verificados em resultado de cada novo desastre 187.

Face a isto, chegou-se à conclusão que, apesar do regime ter


funcionado bem, mostrava-se insuficiente para a cobertura do volume de
danos resultantes deste tipo de incidentes 188. Com efeito, entendeu-se que a
CLC necessitava de ser revista e alterada, mantendo a sua essência, sim, mas
aumentando os limites financeiros adoptados, bem como alargando o seu
âmbito de aplicação ao ampliar a sua cobertura a outros tipos de danos,
como sejam os danos causados ao ambiente189.

Assim, após uma tentativa de alteração, frustrada, em 1984,


depois do desastre do Navio-tanque Exxon Valdez, ocorrido em 1989, na
sequência do qual os EUA aprovaram legislação própria – “Oil Pollution Act”
de 1990 (OPA) – dá-se conta que as alterações previstas no Protocolo de

186 Mark Davis, “Lessons unlearned: the legal and policy legacy of the BP Deepwater Horizon

Spill”, in 3 Wash e Lee J. Energy, Climate & Envi´T 155, 2012, pp. 155-175, p.155.

187 Como refere Rute Saraiva, “Direito Internacional Privado, Responsabilidade e


Ambiente”, in Estudos em Memória do Professor Doutor António Marques dos Santos,
Volume I, Almedina, Coimbra, 2005, pp. 637-672, “As companhias petrolíferas, por seu turno,
numa tentativa de recuperação de imagem depois de uma sucessão de graves acidentes,
estabelecem sistemas privados de responsabilização e indemnização por danos causados por
hidrocarbonetos”.

188 “O regime provou ser efectivo, prático e funcionou bem durante os seus 25 anos de
operação. A maioria das reclamações são resolvidas fora dos Tribunais. O regime é
relativamente fácil de compreender e de aplicar em qualquer caso” (tradução própria), The
IOPC Fund´s 25 years of compensating victims of oil pollution incidents, IOPC, 2003, p. 30,
in www.iopc.com

189 The IOPCFund´s 25 years of compensating victims of oil pollution incidents, IOPC, 2003,
p. 14, in www.iopc.com

116
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

1984 eram, de facto, necessárias190. E, em 1992, sem necessitar da


ratificação dos EUA, a CLC 1969 foi alterada pelo Protocolo à Convenção
Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos Prejuízos Devidos à
Poluição por Hidrocarbonetos de 1992 (CLC 1992).

No entanto, mais uma vez na sequência de um acidente


petrolífero, neste caso envolvendo o Navio-tanque Erika, em 1999, a
necessidade de um novo aumento dos níveis de compensação tornou-se
premente e, de facto, em 2000, os níveis de compensação previstos em 1992
foram acrescidos em cinquenta por cento191 aos valores estipulados nas
Convenções de 1992192. No entanto, não se afigurando, ainda, suficiente para
uma cobertura efectiva dos danos causados, em 2003 cria-se um Fundo

190Michael Faure e Song Ying, China International Environmental Liability. Legal Remedies
for Transboundary Pollution, New –horizons in Environmental Law, Edward Elgar
Publishing Limited, UK, 2008, pp. 75 e ss.

Estes novos limites entraram em vigor a 1 de Novembro de 2003 para todos os Estados-
191

Membros da CLC.

192No que respeita à relação entre as várias alterações que se foram verificando com o
passar dos anos, importa salientar que, tanto a CLC 1969, como a CLC 1992 encontram-se
actualmente em vigor. Consequentemente, na análise a realizar, teremos como base a CLC
1969, chamando sempre a atenção para as alterações que tenham ocorrido na sequência da
CLC 1992. Pelo que, quando nos referirmos, sem mais, à CLC, queremos nos referir ao
regime composto pela CLC 1969 e pela CLC 1992 e quando pretendermos referir cada um
em particular faremos a devida indicação. Conforme informação obtida no site
www.iopc.com, consultada a 19 de Agosto de 2012, são ainda apenas Parte da CLC/69, a 2
de Agosto de 2012, 36 Estados, enquanto da CLC/92, à mesma data, fazem parte 107
Estados

117
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Complementar, que se estrutura como um terceiro nível facultativo de


compensação193.

Ora, tendo em conta o número de países que já denunciaram, à


data, a CLC 1969 e o IOPC Fund 1971 e ratificaram a CLC 1992 e o IOPC Fund
1992, o antigo regime constituído pela CLC 1969 e pelo IOPC Fund 1971,
perdeu grande parte da sua importância194. Tanto mais quando, a 24 de Maio
de 2002, o IOPC Fund 1971 cessou a sua vigência, uma vez que o número de
Estados-Parte do mesmo caiu abaixo dos vinte e cinco, o que levou ao seu
encerramento, continuando a operar apenas até às reclamações
relacionadas com os danos resultantes de incidentes ocorridos antes de 24
de Maio de 2002 estarem resolvidas. Saliente-se que, apesar da própria
União Europeia não ser parte da Convenção, uma vez que as regras de
ratificação adoptadas não permitem que tal aconteça, a maioria dos Estados-
Membros são, hoje, parte da CLC e do IOPC Fund 1992.

Assim, no que respeita aos fundos, encontra-se em vigor o IOPC


Fund 1992 e o IOPC Fund 2003195. Como já se referiu, o IOPC Fund 1992
estabelece um regime complementar de compensação para a CLC, operando
sob a mesma área geográfica e com o mesmo regime legal196. Seu objectivo

193 Karine Couviour, “Aprés L´Érika: réformer d´urgence le regime international de


responsabilité et d´indemnisation des dommages de pollution par hydrocarbures”, La
Semaine Juridique, Mars, n.º 12, 2008.

194The IOPC Fund´s 25 years of compensating victims of oil pollution incidents, IOPC, 2003,
p. 14, in www.iopc.com

195 Cfr. Annual Report 2011, IOPC, p. 4, in www.iopc.com

196Saliente-se que, não obstante a íntima conexão com a CLC, o Fundo tem órgãos próprios
e plena autonomia face à mesma. Com efeito, o IOPC Fund é composto pela Assembleia, pelo

118
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

é garantir a indemnização dos danos não cobertos adequadamente pelo


proprietário do Navio ao abrigo da CLC 1992. Já no que respeita ao Fundo
Complementar de 2003, que vamos chamar de IOPC Fund 2003, ao contrário
do IOPC Fund 1992, o seu objectivo não é alterar os limites em vigor, mas
sim complementá-los197. Actuando assim com um carácter de terceiro nível
facultativo de ressarcimento dos danos causados por contaminação por
hidrocarbonetos198. Tanto assim é que, apenas aos Estados-Parte do Fundo
de 1992 foi permitido aderir a este, tendo, até à data, sido ratificado por 31
Estados199.

Comité Executivo e pelo Secretariado. A contribuição para o fundo é feita pelos


importadores de hidrocarbonetos em cada Estado-Parte da CLC, sobre a quantidade de
hidrocarbonetos que tenham recebido por via marítima, tendo em conta o volume recebido
no ano anterior ao ano que é solicitado o pagamento. Ou seja, os Estados-Partes é que são
Parte da CLC e, consequentemente, do Fundo, mas são as empresas importadoras do
hidrocarboneto transportado, por via marítima, que deverão proceder aos pagamentos que
financiam o mesmo.

197 Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el Derecho Marítimo: la efectiva
aplicación de las medidas de prevención en materia de seguridad marítima”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-
245, p.219.

198 Na sequência da criação deste Fundo Complementar, surgem dois novos acordos: o
STOPIA 2006 e o TOPIA 2006, que entraram em vigor a 20 de Fevereiro de 2006 e que têm
como objectivo introduzir um conjunto de medidas de indemnização de carácter voluntário.
Estes acordos têm como finalidade corrigir os desequilíbrios criados com a constituição do
IOPC Fund 2003. Salienta-se, contudo, que a CLC e o IOPC Fund 1992 e o IOPC Fund 2003,
continuarão a ser aplicáveis mesmo no caso dos eventos abrangidos no âmbito de aplicação
do STOPIA e do TOPIA. Contudo, conforme estipulado nestes novos acordos, o Fundo será
ressarcido pelo proprietário do Navio. Nesse sentido, de acordo com o TOPIA 2006, o Fundo
Complementar tem direito a ser ressarcido por parte do proprietário do Navio no valor de
50% dos pagamentos com indemnização efectuados aos demandantes quando no sinistro
intervenha um Navio a que se aplique o referido acordo.

199Este Fundo Complementar tem, também, personalidade jurídica própria e o mesmo


âmbito de aplicação da CLC. No entanto, distancia-se do IOPC Fund 1992 no que respeita ao
modo de contribuição, prevendo um valor mínimo de pagamento anual por parte dos
Estados-Partes. Este mínimo contributivo supõe uma quantidade igual à recepção de um

119
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Com efeito, a compensação paga 200, por incidente, no âmbito do


IOPC Fund 1971 era originalmente de 30.000.000 milhões de SDR201 e
passou, em 1987, a ser de 60.000.000 milhões de SDR 202. Já no que respeita
ao IOPC Fund 1992, o limite máximo é de 135.000.000 milhões de SDR,
incluindo o montante pago pelo proprietário do Navio e seu segurador no
âmbito da CLC 1992. Desde 1 de Novembro de 2003, esse limite foi
aumentado para 203.000.000 milhões de SDR, facto que ainda não deixou
satisfeitos alguns Estados-Partes203. E, desde novembro de 2003, o IOPC
Fund 2003 tem à sua disposição 547.000.000 milhões de SDR, a acrescer aos

milhão de toneladas de hidrocarbonetos. Cfr. http://www.iopcfunds.org/about-


us/membership/a-z-listing/, última consulta a 26.12.2017.

200Por fim, cabe ainda aos órgãos do IOPC 1992 a tarefa de gerir todo este regime de
compensação por danos estruturado pela CLC e pelo IOPC Fund, atenta a necessidade de
dar uma resposta rápida e efectiva à multiplicidade de interesses em causa. Temos, então,
um processo de reclamação de danos e compensação dos mesmos, tendencialmente out-of-
court e que se rege, basicamente, pelos critérios de recebimento de queixas e avaliação de
danos previsto no “claims manual”, documento interpretativo da Convenção aprovado pela
Assembleia Geral do IOPC Fund.

Com efeito, na sequência da ocorrência de qualquer um dos danos abrangidos pela CLC, as
reclamações deverão ser apresentadas num prazo máximo de três anos a contar da data da
ocorrência do dano. Deverão ser apresentadas por escrito, com os documentos apropriados,
ao proprietário do Navio e seu segurador, normalmente um dos seis P&I Clubs existentes.
E, se, previsivelmente, pela quantidade e valores dos danos em causa, o IOPC Fund for
chamado a intervir, será estabelecido um escritório local, para, juntamente com o P&I,
receber as referidas reclamações. Posteriormente, depois de definido o valor disponível
pela CLC e pelo IOPC para cobrir os danos de determinado sinistro, as reclamações são
processadas e decididas pelo Director, que concorda, ou não, com o pagamento das mesmas.
Para uma melhor compreensão do estado actual dos processos junto ao IOPC ver
IOPC/JUN10/6/1, 30 Juno 2010, in www.iopc.com

201 Special Drawing Rights é a unidade de conta estipulada nas Convenções em análise, como
definida pelo IOPC.

202 The IOPC Fund´s 25 years of compensating victims of oil pollution incidents, IOPC, 2003,
p. 15, disponível no site www.iopc.com

Thomas J. Schoenbaum, “Liability for Damages in Oil Spill Accidents: Evaluating the USA
203

and International Law Regimes in the Light of Deepwater Horizon”, in Journal of


Environmental Law, 2012, pp.1-22, p. 10.

120
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

203.000.000 milhões de SDR já previstos no âmbito do IOPC Fund 1992 para


a cobertura de danos resultantes de poluição marítima por
hidrocarbonetos204.

204 Face a uma situação de insatisfação por parte do reclamante, ou queixoso, agora sim,
este deverá recorrer às vias judiciais e aos tribunais competentes à luz da CLC e intentar um
processo que já não se regerá pelos limites do Claims Manual, mas estritamente pelo teor
das Convenções ratificadas pelo Estado, ou seja, pelo direito nacional de responsabilidade
civil por danos. Esta decisão será válida e reconhecida pelo Tribunal dos restantes Estados-
Parte da Convenção. No entanto, problema distinto poderá ser a questão da vinculatividade
desta decisão face ao próprio IOPC Fund e à obrigação, ou não, deste ter que seguir uma
decisão que pode não ir ao encontro dos parâmetros que segue para a compensação dos
danos. Quanto a isto, muitos problemas se colocam, mas o Director do Fundo é, em última
instância, quem decide se e quanto atribui a cada queixoso. Pelo que, face a uma decisão de
um Tribunal, ela terá sempre que vir seguida de uma posição do Fundo no mesmo sentido
para que a sentença seja executada. Atendendo que o Fundo não se encontra vinculado às
decisões nacionais, ou a qualquer tribunal internacional, resta como solução, após uma
decisão favorável de um tribunal de um Estado-Parte que não seja acatada pelo IOPC Fund,
proceder-se a uma Acção de reconhecimento de sentenças no Tribunal competente, ou seja,
no Tribunal onde se encontra sedeado o mesmo, Londres.

121
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

122
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2.2 Estrutura do modelo CLC

A CLC 1969 tem como objectivo unificar as regras, métodos e


conceitos para garantir uma indemnização justa e suficiente para as
pessoas205 que sofram danos causados pela poluição resultante de derrames
ou descargas de hidrocarbonetos procedentes de Navios dedicados ao seu
transporte206. Ou seja, ela tem sobretudo um intuito reparador207. Ora,
apesar de também possuir um intuito reparador, a Directiva aqui tem uma
posição bastante afastada deste regime. Afinal, na Directiva não temos a
compensação dos danos sofridos pelas pessoas, mas sim a prevenção e

205“CONVINDED of the need to ensure that adequate compensation to persons who suffer
damage caused by pollution resulting from the escape or discharge of oil from ships” Cfr.
Preâmbulo da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos Prejuízos
devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969 (Sublinhado nosso).

206 Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el Derecho Marítimo: la efectiva
aplicación de las medidas de prevención en materia de seguridad marítima”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-
245, p.207.

207Nesta altura, ainda, dominava uma visão dualista do regime aplicável na sequência de
contaminação, como refere Nerea Magallón Elósegui, “Precisamente como resultado de su
predicada autonomía, el fenómeno de la contaminación posee fuentes normativas que
también atienden a critérios especiales. Desde un punto de vista material cabe distinguir las
normas que lo componen según posean una finalidade preventiva o una finalidd reparadora.
Mientras las primeras se dirigen a disminuir la contaminación, las segundas esablecen
mecanismos para la reparación de los efectos de la contaminación una vez producida. Esta
clasificación en normas preventivas y reactivas también nos permite separar el carácter
público o privado de las normas reguladoras de la contaminación marítima.
Tradicionalmente los sistemas jurídico públicos y administrativos se han centrado en normas
preventivas de la contaminación que tratan de evitar o reducir sus efectos a través de la
imposición de determinadas pautas y sanciones para los comportamentos que las incumplan.
En cambio los sistemas jurídico privados buscan la reparación de los daños producidos por la
contaminación a través de sistemas indemnizatorios de reparación patrimonial”. Nerea
Magallón Elósegui, “La contaminación marina por hidrocarburos y el Proyecto de Ley
General de Navegación marítima: una amalgama de Fuentes normativas”, in Las Lecciones
Jurídidicas del Caso Prestige. Prevención, Gestión y Sanción Frente a la Contaminación
Marina por Hidrocarburos, primera edición, Thomson Reuters, Arazandi, 2011, pp. 137-
162, pp.140,

123
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

reparação do ambiente natural afectado. Contudo, é interessante


conhecermos melhor este regime, tanto mais quando a própria Directiva
entende que o mesmo pode gerar situações conflituantes com o disposto na
mesma, optando mesmo por excluir do seu âmbito de aplicação os danos ou
ameaça iminente de danos causados ao ambiente que resultem de incidentes
relativamente aos quais a responsabilidade ou compensação seja abrangida
pelo âmbito de aplicação da CLC208.

O seu âmbito de aplicação é delimitado material e


geograficamente. No que respeita à delimitação material, a CLC aplica-se
apenas aos danos devidos à poluição por hidrocarbonetos resultantes de
derrames de hidrocarbonetos persistentes procedentes de Navio. Sendo
que, para uma adequada compreensão do seu âmbito material de aplicação
é necessário compreender a definição que a Convenção atribui a alguns
conceitos essenciais. Conceitos como: Navio (Ship), Hidrocarbonetos (Oil) e
prejuízos devidos à poluição (Pollution Damage). Tendo em consideração
que a CLC 1992 vem alterar algumas das definições empregues para estes
conceitos que modificam, necessariamente, o campo de influência da
mesma, a sua análise é essencial.

A definição de Navio, ou “Ship”, é uma das que maiores celeumas


têm colocado ao longo dos anos, afinal, face a um incidente, ela poderá ser
determinante para afastar, ou confirmar, a aplicação da Convenção. E,
actualmente, com a inovação tecnológica e com a questão das plataformas
petrolíferas offshore, muitas dúvidas têm sido suscitadas quanto à

208 Cfr. artigo 4.º, n.º 2 e Anexo IV da Directiva 2004/35/CE.

124
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

necessidade de uma maior especificação do conceito adoptado e,


consequentemente, da necessidade da sua revisão e actualização.

A CLC 1969 definia Navio como sendo “qualquer embarcação


marítima ou engenho marítimo, qualquer que seja, que transporte
efectivamente, como carga, hidrocarbonetos a granel” 209. Em 1992, altera-se
esta definição e passa a significar “qualquer embarcação marítima ou
engenho marítimo seja de que tipo for, construído ou adaptado para o
transporte de hidrocarbonetos a granel como carga, desde que se trate de um
navio com capacidade para o transporte de hidrocarbonetos e outros tipos de
carga só deve ser considerado como um navio quando transporte,
efectivamente, como carga, hidrocarbonetos a granel assim como durante
qualquer viagem que se siga àquele transporte, a menos que se prove que não
existem quaisquer resíduos de hidrocarbonetos a bordo originados por aquele
transporte a granel”210.

Na prática, várias questões podem ser colocadas na sequência


deste conceito, nomeadamente se o Navio é um “sea-going”, ou seja,
preparado para a navegação marítima ou não. Afinal, podemos deparar-nos

209Cfr. artigo I, n.º 1 da CLC 1969: “ship means an sea-going vessel and any seabrne craft of
any type whatsoever, actually carrying oil in bulk as cargo”.

210Cfr. artigo 2.º, n.º1 da CLC 1992 que altera o artigo I, n.º 1 da CLC 1969: “Ship means any
sea-going vessel and seaborne craft of any type whatsoever constructed or adopted for a
carriage of oil in bulk as a cargo, provided that a ship capable of carrying oil and other cargoes
shall be regarded as a ship only when it is actually carrying oil in bulk as cargo and during
any voyage following such carriage unless it is proved it has no residues of such carriage of oil
in bulk aboard”. Na tradução portuguesa, artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 40/2001 de 28 de
Setembro que aprova o Protocolo de Alteração à Convenção Internacional sobre
Responsabilidade Civil pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, assinado
em Londres a 27 de Novembro de 1992

125
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

com um Navio que transporte hidrocarbonetos como carga, mas que não
esteja preparado, ou não tenha sido concebido para a navegação marítima,
não obstante, de facto, a realizar. Podemos, também, nos deparar com
Navios que transportem hidrocarbonetos até certo local e aí se estabeleçam
como plataformas de armazenamento. E, nesses casos, questiona-se se,
faltando a intenção de dar continuidade à jornada marítima, será colocada
em causa a sua qualificação como Navio211.

De facto, parece-nos defensável que se possa verificar uma


situação em que este tipo de embarcação seja considerado Navio, para
efeitos da Convenção, até certo momento, e deixe de o ser aquando da perda
de certas características, nomeadamente a intenção de dar continuidade à
jornada marítima. Do exposto, verifica-se que a identificação do Navio não é
automática e requer análise da situação de facto em causa. Sendo que, para
facilitar esta tarefa, algumas características do Navio são, desde logo,
apontados pela própria Convenção, como sejam:

▪ O Navio não precisa de ser originariamente concebido para o


transporte de hidrocarbonetos, pode de facto ter sido adaptado
para esse efeito;

211 Sobre o “Navio” ver António Menezes Cordeiro, “Da natureza jurídica do Navio”, in O
Navio, II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de Novembro de 2010, Almedina,
Coimbra, 2012, pp. 7-44; Luís de Lima Pinheiro, “O navio em Direito Internacional”, in O
Navio, II Jornadas de Lisboa de Direito Marítimo, 11 e 12 de Novembro de 2010, Almedina,
Coimbra, 2012, pp.97-123; Eliane M. Octaviano Martins, Curso de Direito Marítimo, Vol.I,
Teoria Geral, 4.ª edição actualizada e ampliada, Editora Manole, Lda, Brasil, 2013, pp.120 e
ss.

126
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Para ser considerado Navio não basta a capacidade de


transportar hidrocarbonetos a granel como carga, ele tem
efectivamente de estar a transportar hidrocarbonetos a granel
como carga;

▪ Caso não esteja, a Convenção também se aplica, caso se trate da


viagem imediatamente seguinte ao transporte de
hidrocarbonetos a granel como carga212.

Nessa sequência, faz-se crer que apenas estão abrangidos pela


Convenção os hidrocarbonetos transportados como carga, ou na viagem
imediatamente posterior àquela, os resíduos do mesmo213. No entanto,
conciliando-o com a definição de hidrocarbonetos apresentada pela
Convenção, iremos chegar a uma conclusão ligeiramente diferente.

Como se verifica no conceito apresentado pela CLC 1992,


hidrocarboneto214 “significa quaisquer hidrocarbonetos minerais
persistentes, nomeadamente petróleo bruto, fuelóleo, óleo diesel pesado e óleo
de lubrificação, quer sejam transportados a bordo de um navio, quer como

212Cfr. Artigo I, n.º 1, da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos


Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969, com a redacção de 1992.

213Não se encontra dentro do âmbito da CLC os danos resultantes de derrame, mesmo que
de hidrocarbonetos pesados, se estes provierem, a título de exemplo, de uma plataforma de
exploração petrolífera offshore. Esta lacuna da Convenção deve ser preenchida pela IMO e
por organizações regionais competentes para lidar com o problema da poluição marítima.
Thomas J. Schoenbaum, “Liability for Damages in Oil Spill Accidents: Evaluating the USA and
International Law Regimes in the Light of Deepwater Horizon”, in Journal of Environmental
Law, 2012, pp.1-22, p.5.

214“Any persistent hydrocarbon mineral oil such crude oil, fuel oil, heavy diesel oil and
lubricating oil, whether carried on board a ship as cargo or in the bunkers of such a ship”

127
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

carga, quer como combustível do navio”215. Ou seja, a Convenção aplica-se aos


danos resultantes de hidrocarboneto transportado como carga ou como
combustível do Navio-Tanque, desde que resultantes de hidrocarbonetos
persistentes216.

Importa, face a isto, frisar que o regime da CLC não é um regime


abrangente, como por exemplo prevê-se que a Directiva seja, ele não tem a
ambição de dar resposta a todos os danos resultante de poluição marítima.
Pelo contrário, ele é um regime com as fronteiras bem delimitadas e talvez
por causa deste escopo limitado, o mesmo, tenha conseguido vingar e
manter-se firme no direito internacional como fonte de inspiração para
outros regimes, seja em outros sectores de actividade, seja em diplomas
mais abrangentes como é o caso da Directiva.

Para além da delimitação objectiva, o âmbito de aplicação da CLC


é, ainda, limitado geograficamente. E, para compreender essa delimitação é
necessário convergir as informações fornecidas pelo artigo I, n.º 6.º, al. a) e
artigo II, ambos da CLC 1992. O primeiro refere que, por prejuízos devidos à
poluição entende qualquer perda ou dano exterior ao navio causado por
uma contaminação resultante de fuga ou descarga de hidrocarbonetos

215Cfr. artigo I, n.º 5, da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos


Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos de 1969, com a redacção de 1992.

216 Fá-lo porque este tipo de hidrocarbonetos são considerados de difícil dissipação natural
quando lançados no mar, requerendo medidas de limpeza especialmente desenhadas para
o efeito. Enquanto os danos resultantes de derrames de hidrocarbonetos leves, como a
gasolina, o diesel refinado, e o querosene, tendem a evaporar-se rápido não requerendo,
regra geral, medidas de limpeza especiais. Pelo que, o regime da CLC, e do IOPC Fund,
somente se aplicará aos danos resultantes de descargas de petróleo bruto, fuelóleo, óleo
diesel pesado e óleo de lubrificação transportados a bordo, quer como carga, quer como
combustível do Navio, desde que na viagem seguinte ao efectivo transporte do
hidrocarboneto como carga.

128
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

provenientes do Navio, qualquer que seja o local onde possam ter ocorrido.
Portanto, não é o local da ocorrência do dano que irá condicionar a aplicação,
ou não, da Convenção. Mas então, qual o critério que deverá ser seguido?

Para dar resposta a esta questão e completar a definição


apresentada é necessário socorremo-nos do artigo II já referido, que
consagra expressamente que a Convenção se aplica exclusivamente aos
prejuízos devidos à poluição causados no território, incluindo o mar
territorial, de um Estado-Parte.

Depois de 1992, e apenas para os Estados que ratificaram a CLC


1992, o referido regime amplia-se e passa a abranger, também, os danos
ocorridos na Zona Económica Exclusiva (ZEE) de um Estado-Parte,
estabelecida em conformidade com o direito internacional ou, se um Estado-
Parte não tiver estabelecido tal zona, numa área para além da adjacente ao
mar territorial desse Estado, determinada por esse Estado em conformidade
com o direito internacional, numa extensão não superior a 200 milhas
náuticas contadas a partir das linhas de base utilizadas para delimitar o mar
territorial217.

Do exposto, a CLC será aplicável mesmo que o incidente ocorra


no território de um Estado não-Parte, desde que, os seus efeitos se façam
sentir no território de um Estado-Parte. Consequentemente ficam de fora da
alçada da CLC os danos resultantes de poluição por hidrocarbonetos que se
verifiquem no território de um Estado não-Parte, bem como aqueles que

Cfr. artigo II da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos


217

Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969, com a redacção de 1992.

129
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ocorram em Alto Mar e que não resultem em danos, ou ameaça iminente de


danos, no território de um Estado-Parte218.

218 Este tipo de situações encontra-se coberto pela Convenção Internacional sobre a
intervenção no Alto Mar em caso de acidente que provoque ou possa vir a provocar a
poluição por hidrocarboneto, celebrada em Bruxelas, em 1969.

130
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2.2.1 Tipo de responsabilidade: Objectiva

A CLC dispõe que o proprietário de um Navio, no momento em


que se verifique um evento, ou, se o evento consistir numa sucessão de
factos, no momento em que se verifique o primeiro, é responsável por
qualquer prejuízo devido à poluição causada pelo Navio e resultante do
evento219. Ou seja, o proprietário do Navio está obrigado a reparar os danos,
independentemente de incorrer em culpa.

Temos assim, a consagração da corrente que começa a ganhar


cada vez mais força e que entende que, face a determinadas actividades
consideradas potencialmente perigosas, a imputação deve ser a título do
risco e não com base na culpa do sujeito. A Directiva posiciona-se como forte
defensora desta corrente, contudo, adopta um regime híbrido com a
responsabilidade objectiva utilizada, lado a lado, com a responsabilidade
subjectiva, dependendo do tipo de actividades em causa.

A Convenção prevê, contudo, a possibilidade de exclusão da


responsabilidade do proprietário, desde que se prove que os danos em
causa:

▪ Resultaram de um acto de guerra, hostilidades, guerra civil e


insurreição ou de um fenómeno natural de carácter excepcional,
inevitável e irresistível;

219 Cfr. Artigo III, n.º 1, da CLC 1969, com a redacção de 1992.

131
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Tenham sido totalmente causados por uma acção ou omissão


intencional de um terceiro para causar danos; e

▪ Tenham sido totalmente causadas por negligência, ou outro acto


lesivo, de qualquer Governo ou outra autoridade responsável por
luzes ou outras ajudas à navegação, no exercício dessa função 220.

No entanto, estas exclusões não estão isentas de problemas,


nomeadamente, podem levantar questões quando, por exemplo, o prejuízo
por poluição resultar directamente de “um fenómeno natural de carácter
excepcional, inevitável e irresistível” mas existir, a montante, um erro de
navegação do capitão que desviou o Navio de uma rota segura. Nesses casos
questiona-se se o proprietário do Navio poderá, ou não, exonerar-se de
responsabilidade. E aqui, importa verificar que afastando a Directiva do seu
âmbito de aplicação os incidentes que caiam dentro do escopo de aplicação
da CLC, na prática, exonerando-se o proprietário da responsabilidade nos
termos da CLC, e não se aplicando a Directiva, este não será sujeito a nenhum
tipo de responsabilização pelo dano causado ao ambiente natural.

220Cfr. Artigo III, parágrafo 2, da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil


pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969.

132
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2.2.1.1 Canalização da responsabilidade

Reforçando a desresponsabilização, a Convenção adopta um


duplo grau de objectividade, com a responsabilidade objectiva, por um lado,
e com a canalização da responsabilidade por outro221.

De facto, uma das maiores inovações da Convenção não é a


adopção da responsabilidade objectiva, por si só, mas sim aquilo que se
apelida de “channeling of liability” ou canalização da responsabilidade. Isto
significa que, para além da responsabilidade ser objectivamente do
proprietário, a Convenção estabelece que nenhum outro pedido referente a
prejuízos devidos à poluição, que não tenha por fundamento o disposto na
mesma, pode ser formulado contra o mesmo.

Para além disso, a responsabilidade é exclusivamente do


proprietário. A Convenção estabelece que nenhum pedido de indemnização
por prejuízos devidos à poluição, fundamentado, ou não, nas disposições da
mesma, pode ser formulado contra222:

a) “Os funcionários ou agentes do proprietário ou membros da


tripulação;

221Sabrina Robert, L´Érika: Responsabilités pour un desastre écologique, Pedone, Paris,


2003, p.30.

222 De formacontrária a esta, entende Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el
Derecho Marítimo: la efectiva aplicación de las medidas de prevención en materia de
seguridad marítima”, in Las Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters,
Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-245, p. 209, ao dispor que “No obstante no se impide
interponer acciones contra otras personas que hayan podido ocasionar el accidente o incluso
agravarlo”.

133
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

b) O piloto ou qualquer outra pessoa que, não sendo membro da


tripulação, preste serviço no Navio;

c) Qualquer afretador (seja qual for o seu estatuto, incluindo o


afretador de Navio em casco nu), gestor ou operador do Navio;
223

d) Qualquer pessoa que desenvolva operações de salvamento com o


consentimento do proprietário ou de acordo com instruções de
uma autoridade pública competente;

e) Qualquer pessoa que esteja a executar medidas de salvaguarda;

f) Todos os funcionários ou agentes das pessoas mencionmadas


nas alíneas c), d) e e)”.224.

Assim, como refere JANUÁRIO DA COSTA GOMES, falar de


canalização da responsabilidade corresponde a uma situação na qual é
identificável uma imputação específica – no caso, ao proprietário do Navio –
e uma, ou mais, “desimputações” externas, traduzidas na consagração, ex

223Mathilde Boutonnet, “Vers une indemnisation des victims des mares noires en dehors
du droit de la responsabilité civile”, in Recueil Dalloz, Hebdomadaire 185.º anné, 12 mars
2009, n.º 10/7371, pp. 701-705, p. 705.

224 Cfr.
Artigo III da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos
Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969, com a redação de 1992.

134
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

lege, da ineficácia, face aos lesados, de imputações operadas ou operáveis


nos termos gerais de direito225.

Na prática, isto significa que, em princípio, está interdito às


vítimas a possibilidade de intentar pedidos de indemnização contra outros
sujeitos que não o proprietário do Navio, bem como, no que respeita ao
proprietário do Navio, pedidos de reparação por prejuízos devidos à
poluição que não tenham como fundamento o disposto na CLC. A Directiva,
pelo contrário, refere expressamente que ela não impede a propositura de
acção contra o operador por danos que não estejam cobertos pela mesma.

Não obstante parecer algo restritivo, este regime foi pensado


para protecção da segurança jurídica das vítimas, por um lado, e do próprio
proprietário do Navio, por outro. Tenta-se, com isso, ultrapassar o ónus que
seria obrigar o lesado a intentar pedidos de indemnização sobre uma série
de sujeitos, o que poderia colocar em causa a efectiva compensação pelos
danos resultantes da poluição em causa 226. E, ainda, limitar a
responsabilidade do proprietário ao disposto na CLC, compensando assim o
ónus que significa ser responsabilizado objectivamente por um dano,
mesmo quando não se verifique culpa ou dolo na ocorrência do mesmo.

A exclusão da responsabilidade para os sujeitos mencionados na


CLC é um dos pontos mais importantes do regime, afinal, ela evita a

225Manuel Januário da Costa Gomes, Limitação de Responsabilidade por Créditos


Marítimos, Almedina, Coimbra, 2010, p. 393.

226 Edward H.P. Brans, Liability to Public Natural Resources. Standing, Damage and Damage
Assessment, International Environmental Law and Policy Series, Vol.61, Kluwer Law
International, Netherlands, 2001, p.315.

135
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

prossecução de acções judiciais contra os mesmos. No entanto, nenhuma


referência é feita na CLC 1969, quer na CLC 1992, relativamente ao
proprietário da carga e à sociedade responsável pela classificação do
Navio227. Devido a isso, o Tribunal Correctional de Paris, na Sentença de 16
de Janeiro de 2008, relativamente ao caso Erika228, recusou à sociedade de
classificação (RINA) a imunidade prevista ao abrigo do artigo III, n.º 4, al. b,
da CLC 1992, por não poder ser considerada como pessoa que presta
serviços ao Navio229. O Tribunal considerou, ainda, que ao atribuir
certificados oficiais de segurança agiu como Agente do Estado de Malta
(Estado de Bandeira). Pelo que, tal como este, goza da faculdade de
imunidade de jurisdição230. Contudo, isto teria que ser invocado
atempadamente e, ao não o fazer, renunciou ao mesmo, pelo que pode ser
considerada responsável e, com efeito, condenada criminal e civilmente pela

227 Sobre a responsabilidade civil das sociedades de classificação do Navio, Ver Marco Lopez

de Gonzalo, “The liability of classification societies”, in O Navio, II Jornadas de Lisboa de


Direito Marítimo, 11 e 12 de Novembro de 2010, Almedina, Coimbra, 2012, pp.125-136.

228 Para análise do mesmo problema, referente à eventual responsabilidade civil das
sociedade de classificação de Navios, no caso, contra a Americana Bureau Shipping (ABS)
na sequência do incidente envolvendo o Prestige, Ver Juan M. Velázquez Gasdeta, “Reino de
España v Americana Bureau of Shipping et al: punto final o punto aparte?”, in Las Lecciones
Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 163-191; Fco.
Javier Quel López e Mª Dolores Bollo Arocena, “Claves de la Evolución Reciente del Derecho
del Mar en Materia de Prevención de la Contaminación. Hacia una Revisión de las
Competencias del Estado Rector Del Puerto, Estado Ribereño y Estado del Pabellón”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 35-
64.

229“De facto, no que respeita à responsabilidade criminal, os arguidos, a companhia italiana


de classificação de Navios, o proprietário do Navio, o gestor, bem como o afretador do Navio-
Tanque, foram considerados culpados e condenados a pagar a multa máxima”. Dandi
Papadopoulou, “The Role of French Environmental Associations in Civil Liability for
Environmental Harm: Courtesy of Erika”, in Journal of Environmental Law, 21:1, 2009, pp.
87-112, p. 88.

230 Cfr. IOPC/JUN10/3/1, 17 de Maio de 2010, in www.iopc.com.

136
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

reparação dos danos resultantes do acidente implicando o Navio-Tanque


Erika.

Em março de 2010 esta decisão foi confirmada pelo Tribunal de


Recurso Criminal e, no que respeita à canalização da responsabilidade,
outras conclusões são ainda importantes de se enunciar:

▪ O representante do proprietário registado do Navio-Tanque


Erika foi considerado “agente do proprietário”, tal como definido no artigo
III 4 (a) da CLC 1992 e apesar de ser, teoricamente, capaz de beneficiar da
canalização da responsabilidade prevista na Convenção, considerou-se que
agiu negligentemente e com o conhecimento de que tal prejuízo poderia
ocorrer, afastando assim a possibilidade de usufruir da desimputação aí
prevista;

▪ O Presidente da sociedade de gestão (Panship) era agente da


companhia que presta serviços ao Navio, artigo III 4 (b) e, como tal, não se
encontra protegido pela canalização da responsabilidade;

▪ A Total SA era “de facto” o afretador do Navio-Tanque Erika e,


como tal, pode beneficiar da canalização da responsabilidade prevista no
artigo III 4 (c) da CLC 1992231.

231 Cfr. IOPC/JUN10/3/1, 17 de Maio de 2010, in www.iopc.com.

137
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

No entanto, a canalização da responsabilidade não é uma regra


absoluta232. Em algumas situações pode afastar-se a responsabilidade do
proprietário, responsabilizando-se alguns daqueles sujeitos expressamente
imunes. Isto acontece nos casos em que se prove que o prejuízo resultou de
acção, ou omissão, destas pessoas com a intenção de causar tal prejuízo ou
por imprudência e com o conhecimento de que tal prejuízo poderia
ocorrer233.

232Philippe Delebecque, “La pollution marine, Rapport français”, in Les responsabilités


environnementales dans l´espace européen: point de vue franco-belge, Bruxelles, Bruylant,
2006, pp. 375-395, p. 391.

233Cfr. artigo III, n.º 4 da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil pelos
Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969, com a redação de 1992.

138
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2.2.1.2 Limitação da responsabilidade

Ainda que o proprietário seja responsabilizado, responderá


apenas até certo limite expressamente previsto na CLC. De facto, o
proprietário tem o direito de limitar a sua responsabilidade a valores
definidos pela Convenção e de acordo com a pesagem do Navio 234. Para tal,
deve constituir um fundo no montante do limite da sua responsabilidade
junto do Tribunal de qualquer dos Estados-Partes235. Isso não tem paralelo
com o que existe na Directiva, afinal, nesta não existe limites de valor nem
máximos, nem mínimos para a prevenção e reparação do dano.

No que respeita à CLC, na sequência da Resolução adoptada pelo


Comité Legal da IMO a 18 de Outubro de 2000, os valores inicialmente
previstos em 1992 foram ampliados. A partir de 1 de Novembro de 2003, o
proprietário do Navio tem o direito de limitar a sua responsabilidade a um
montante total, por evento, que não exceda, em qualquer caso, 89.770.000
milhões de SDR, calculado como segue236:

▪ 4.510.000 Milhões de SDR para um Navio que não exceda as


5000 unidades;

234 Claims Manual, International Oil Pollution Compensation Fund, 1992, April 2005 Edition,

p. 9. Este elemento de interpretação, elaborado pelo IOPC, apesar de não ter carácter
vinculativo, serve como guia interpretativo das disposições apresentadas na CLC e no IOPC.

Cfr. artigo V da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil pelos Prejuízos


235

Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969, com a redação de 1992.

236 Cfr.
N.º 3, da Resolução do Comité Legal da IMO, de 18 de Outubro de 2000, que altera os
Valores de Limitação do Protocolo de 1992 que altera a CLC de 1969.

139
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Para um Navio com uma arqueação superior àquela, por cada


unidade de arqueação adicional, devem ser acrescidas ao montante referido
anteriormente 631 SDR;

A figura da limitação de responsabilidade tem a sua origem no


Direito Marítimo geral, nomeadamente, nas convenções internacionais
relativas à limitação de responsabilidade em matéria de dívidas por créditos
marítimos237. No entanto, é no direito de responsabilidade civil por danos
resultantes de poluição por hidrocarbonetos que ela alcança os seus limites
mais elevados, nomeadamente, face aos valores previstos na CLC e na
Convenção de Londres de 1976, verifica-se que os tectos estabelecidos na
primeira são substancialmente superiores àqueles previstos na Convenção
de 1976238.

Nesse sentido, o artigo V, n.º 3 da CLC, na sua versão pós 1992,


refere que “para beneficiar da limitação prevista no parágrafo 1 do presente
artigo, o proprietário deve constituir um fundo, no montante do limite da sua
responsabilidade, junto do tribunal ou de qualquer outra autoridade
competente de um dos Estados-Contratantes, onde é movida ou possa vir a ser
movida uma acção ao abrigo do Artigo IX. O fundo pode ser constituído quer
pelo depósito da soma correspondente, quer pela apresentação de uma
garantia bancária ou de qualquer outra garantia aceitável pela legislação do

237A Convenção de Bruxelas de 1957 e, posteriormente, a Convenção de Londres de 1976


tratam especificamente desta matéria.

238 Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el Derecho Marítimo: la efectiva
aplicación de las medidas de prevención en materia de seguridad marítima”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-
245, pp.194 e ss.

140
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Estado-Contratante no território no qual o fundo for constituído e julgada


satisfatória pelo tribunal ou qualquer outra autoridade competente”.

No entanto, também esta faculdade apresenta algumas


limitações, trazendo à colação outra regra comum no Direito Marítimo que
é aquela que prevê que o proprietário deixa de poder beneficiar da limitação
de responsabilidade se se provar que o prejuízo devido à poluição resultou
de acção ou omissão que lhe seja imputada, cometida com a intenção de
causar tal prejuízo ou por imprudência e com o conhecimento de que tal
prejuízo poderia vir a ocorrer.

Para além da limitação, a CLC prevê, também, uma possibilidade


de transferência da responsabilidade para o segurador, através da
imposição de um seguro obrigatório, ou outra garantia financeira no valor
máximo de responsabilidade prevista na CLC. Esta obrigação é imposta aos
proprietários de Navios registados num Estado-Parte, com capacidade para
transportar mais de 2000 toneladas de hidrocarbonetos a granel como
carga239. Ficam assim, de fora desta obrigação os Navios que não tenham
sido registados num Estado-Parte, seja qual for a quantidade de
hidrocarbonetos que transportem240.

239Cfr. artigo VII, parágrafo 1, da Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil


pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969.

240 Quanto aisto, podemos dizer que, na realidade, outros regimes acabam colmatando esta
falha, pelo menos parcialmente, por exemplo, na União Europeia todos os Navios,
independentemente da carga e do Estado de Bandeira, são obrigados a ter seguros válidos
para se aproximarem dos portos europeus.

141
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Por outro lado, um Navio que transporte menos do que 2000


toneladas de hidrocarbonetos, mesmo que seja registado num Estado-Parte,
não está obrigado a subscrever um seguro ou a manter qualquer outro tipo
de garantia financeira241. Tendo em consideração que, na maioria das vezes,
este tipo de transporte é realizado por companhias de “single ship”, o que
acontece é que face a um acidente onde o proprietário não tenha seguro, as
vítimas não têm outra garantia do total ressarcimento dos danos, pois a
embarcação em causa poderá não ser suficiente.

Na realidade, nada garante que um acidente com um Navio que


transporte menos de 2000 toneladas de hidrocarbonetos seja menos
gravoso do que um que transporte um valor superior a esse. O nível de
poluição depende de uma série de factores como: o sucesso das medidas de
limpeza, o tipo e características do hidrocarboneto derramado, o estado do
tempo e as condições oceanográficas, bem como a possibilidade de natural
dispersão242. Pelo que, a severidade e a escala dos efeitos do derrame de

241 A título de exemplo, veja-se a extensão do impacto ecológico do derramamento de


petróleo resultante do Navio Braer, no Reino Unido em 1993, e do Navio Exxon Valdez, nos
EUA, em 1989. O Braer derramou mais do dobro da quantidade de petróleo do que o Exxon
Valdez, contudo, o impacto global ecológico resultante do Exxon Valdez foi
exponencialmente maior do que aquele resultante do Braer. E isso deve-se, em parte, pela
limitada dispersão natural do petróleo no caso do Exxon Valdez, o que contribuiu para a
existência de danos significativos no ambiente e dos habitats costeiros. Edward H.P. Brans,
Liability to Public Natural Resources. Standing, Damage and Damage Assessment,
International Environmental Law and Policy Series, Vol.61, Kluwer Law International,
Netherlands, 2001, p.313.

242A título de exemplo, em Janeiro de 2001, o derramamento de 90 toneladas de petróleo


para o mar, offshore das ilhas galápagos, em São Cristóvão, apesar de ser considerado um
“acidente menor” levou à morte de 60% da Iguanas marinhas da região, uma espécie rara.
Como se vê, de pouco adianta termos uma responsabilidade de tipo objectivo se o sujeito
responsável, no caso o proprietário do Navio, não tem capacidade para fazer face aos danos
dele resultantes, seja por meio do seu património, seja por meio de seguro ou outra garantia
financeira. Quanto a isso, pode dizer-se que a UE desde cedo tentou contornar esta
limitacção, impondo mesmo um seguro obrigatório a todos os Navios que aportem em

142
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

hidrocarbonetos de Navios que transportem menos de 2000 toneladas


poderá ser muito superior a um que transporte uma quantidade maior que
essa243.

Por fim, a limitação da responsabilidade, foi um dos motivos que


fez com a que os EUA não ratificassem a CLC 1992 e criassem um regime
próprio – Oil Pollution Act 1990 (OPA)244. Este regime, mais abrangente do
que o regime internacional, não prevê qualquer limitação à
responsabilidade, nem tão pouco qualquer canalização da responsabilidade
no proprietário do Navio245. Para além disso, prevê uma cobertura a um
maior número de danos, ao contrário da CLC. No direito europeu, a questão
da limitação da responsabilidade a um valor estipulado também não ficou
consagrada. Condiciona assim, a estipulação de limites de responsabilidade
à opção de cada Estado-Membro.

Portos Europeus. Como tal, seria de esperar que a sensibilidade da Directiva neste assunto
fosse no sentido de ir além do disposto na CLC, impondo de facto uma garantia financeira a
todos os sujeitos responsáveis. Contudo, isto não aconteceu. The IOPC Fund´s 25 years of
compensating victims of oil pollution incidents, IOPC, 2003, p.40, in www.iopc.com

243 Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el Derecho Marítimo: la efectiva
aplicación de las medidas de prevención en materia de seguridad marítima”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-
245, p.210 e Edward H.P. Brans, Liability to Public Natural Resources. Standing, Damage
and Damage Assessment, International Environmental Law and Policy Series, Vol.61,
Kluwer Law International, Netherlands, 2001, p.313.

Thomas J. Schoenbaum, “Liability for Damages in Oil Spill Accidents: Evaluating the USA
244

and International Law Regimes in the Light of Deepwater Horizon”, in Journal of


Environmental Law, 2012, pp.1-22, p.8.

245 Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el Derecho Marítimo: la efectiva
aplicación de las medidas de prevención en materia de seguridad marítima”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-
245, p.213.

143
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

144
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2.2.2 Sujeito passivo: “Owner”

De facto, a adopção de um regime de responsabilidade de tipo


objectivo é um dos grandes corolários da CLC. Contudo, para delimitar
adequadamente o âmbito de aplicação da mesma, importa compreender o
conceito de “proprietário”246. Proprietário, ou “owner”, significa a pessoa ou
pessoas registadas como proprietário do Navio ou, na ausência de registo, a
pessoa ou pessoas detentoras do Navio. No entanto, no caso de um Navio
propriedade de um Estado e operado por uma companhia que nesse Estado
está registada como operadora do Navio, proprietário significa essa
companhia247.

Isto significa que será, em princípio, o sujeito que figura no


registo de propriedade do Navio - o proprietário - o responsável pela
compensação e indemnização pelos danos resultantes da sua embarcação,
independentemente da existência ou prova de culpa248. Bastando, apenas,
que a vítima faça a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou
seja, entre a fuga ou descarga de hidrocarbonetos do Navio e o dano em

246 Cfr. Artigo I, n.º 8, da CLC 1969, com a redacção de 1992.

247 Cfr. Artigo I, parágrafo 3, da CLC 1969 “owner means the person or persons registered as
the owner of the ship or, in the absence of registration, the person or persons owning the ship.
However in the case of a ship owned by a State and operated by a company which in that State
is registered as the ship´s operator, “owner” mean such company”.

248Philippe Delebecque, “La pollution marine, Rapport français”, in Les responsabilités


environnementales dans l´espace européen: point de vue franco-belge, Bruxelles, Bruylant,
2006, pp. 375-395, p. 389.

145
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

concreto, tal como acontece nos regimes tradicionais de responsabilidade


civil249.

Importa ter em consideração que, nos dias de hoje, com a


complexidade de relações que se desenvolvem no âmbito do transporte
marítimo de mercadorias, esta responsabilização pode ser eficiente, mas
revelar-se profundamente injusta250. Afinal, actualmente, a expedição
marítima é caracterizada por uma multiplicidade de intervenientes, o que
faz com que o proprietário do Navio, na maior parte das situações, não
controle o tipo de mercadoria que é transportada, nem tão pouco tenha
autoridade ou meios de verificar se estão a ser tomadas as medidas de
segurança e prevenção adequadas por parte do afretador, transportador,

249Philippe Delebecque, “La pollution marine, Rapport français”, in Les responsabilités


environnementales dans l´espace européen: point de vue franco-belge, Bruxelles, Bruylant,
2006, pp. 375-395, p. 390.

250A título de exemplo: “…no caso do Prestige, petroleiro construído no Japão, com bandeira
das Bahamas e propriedade de uma obscura companhia Grega de navegação, que
transportava petróleo bruto russo… responderá pelos danos com um seguro e com valores
complementares obtidos pelo Fundo”, Teresa Fajardo del Castillho, “Contaminação por
hidrocarbonetos depois da catástrofe do Prestige e seu impacto no Direito Internacional e
Comunitário”, in Governo de Riscos, Rede Latino-Americana-Européia sobre Governo dos
Riscos, UNITAR, Brasilília, 2005, pp. 120-139, p. 226.

146
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

armador, etc251. Isto leva a casos de responsabilidade fictícia que não


correspondem ao real252 sujeito responsável pelos danos em causa253.

251Como refere Sabrina Robert, “L'exploitation de l'Erika faisait I'objet d'une grande opacité
patrimoniale”. Sabrina Robert, L´Érika: Responsabilités pour un desastre écologique,
Pedone, Paris, 2003, pp. 26ss.

252 Mais ainda, quando o proprietário que consta no registo é um, e o “proprietário de facto”
é outro, muitas vezes, de nacionalidade diferente, e com o proprietário de registo sendo,
quase sempre, companhias de “simple ship”, ou seja, companhias cujo único activo
financeiro é a embarcação em causa.

253Sabrina Robert, L´Érika: Responsabilités pour un desastre écologique, Pedone, Paris,


2003, pp. 26ss.

147
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

148
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2.2.2.3 Dano: “Pollution Damage”

O conceito de “pollution damage” é um conceito largamente


utilizado nas convenções marítimas internacionais, sobretudo naquelas que
sucedem ao regime da CLC. Ele é, muitas vezes, erroneamente adoptado
como sinónimo de dano causado ao ambiente, contudo, iremos verificar que
o seu escopo de aplicação não é necessariamente o mesmo.

O termo “pollution damage”, ou na sua versão portuguesa


“prejuízos resultantes de poluição”, foi adoptado pela CLC 1969 e o seu
objectivo era prover uma adequada compensação às vítimas por danos
causados na sequência de um derrame de hidrocarbonetos persistentes.

A ênfase do regime original era a compensação da “vítima”


individual que sofreu um dano na sequência da contaminação em causa, não
a compensação pelo dano causado ao ambiente natural, nem tão pouco ao
ecossistema. Contudo, pela proximidade, pela definição adoptada depois de
1992, e, também, porque representa uma das exclusões expressas de
aplicação da Directiva, importa ser analisado nesta sede.

Em 1969, pollution damage, significava perdas ou danos


exteriores ao Navio causados por uma fuga ou descarga de hidrocarboneto
proveniente do Navio, onde quer que eles ocorram, incluindo os custos com
as medidas preventivas e outras perdas resultantes da aplicação das
mesmas254. A ambiguidade resultante desta definição levou ao longo dos

254“loss or damage caused outsider the ship carrying oil by contamination resulting from the
escape or discharge of oil from the ship, wherever such escape or discharge may occur, and

149
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

anos a diferentes interpretações por parte dos tribunais nacionais, fazendo


inclusivamente surgir um movimento no sentido de se adoptar uma nova
definição, mais completa, que levasse a uma aplicação uniforme do conceito
nos Estados-Partes. Com efeito, após uma tentativa frustrada em 1984,
procede-se à alteração do preceito em 1992.

Assim, para os Estados que ratificaram o Protocolo de alteração


da CLC, “pollution damage” passa a significar: qualquer perda ou dano
exterior ao Navio causado por uma contaminação resultante de fuga ou
descarga de hidrocarbonetos provenientes do Navio, danos causados ao
ambiente, excluindo os lucros cessantes motivados por tal dano, desde que
limitado aos custos das medidas necessárias tomadas ou a tomar para a
reposição das condições ambientais e o custo das medidas preventivas, bem
como quaisquer perdas ou danos causados pela aplicação das mesmas.

Poder-se-ia supor que a partir de 1992 o dano causado ao


ambiente passou, de facto, a ser considerado reparável no âmbito do
conceito de “pollution damage”. No entanto, a forma como se apresenta a
definição de pollution damage, mesmo depois de 1992, não indica,
exactamente, quais os danos que cobre, o que faz com que quase todo o tipo
de danos resultantes de poluição por hidrocarbonetos possa ser incluído
neste conceito.255 Porém, será que isso significa uma plena incorporação dos

includes the costs of preventive measures and further loss or damage caused by preventive
measures”, Cfr. Art. º I, n.º 6 da Convenção Internacional sobre a Responsabilidade Civil
pelos Prejuízos Devidos à Poluição por Hidrocarbonetos, de 1969. Esta definição
encontrava-se, igualmente, incluída no art.º 1.º, n.º 2, do IOPC 1971.

255 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 427.

150
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

danos causados ao ambiente natural? A resposta a esta questão depende,


por um lado, da análise da eventual alteração de paradigma de 1969 a 1992,
e, por outro, das soluções adoptadas em quatro incidentes: Antonio Gramsci
em 1979, Patmos em 1985, Haven em 1991 e Erika, em 1999. Este último vai
merecer, pelas posições que assume no que respeita aos “préjudices
ecológiques”, a maior das nossas atenções, afinal, ele traduz uma mudança
de atitude face à reparação deste tipo de danos256.

A problemática da compensação por danos causados ao


ambiente foi, pela primeira vez, levantada, no âmbito do regime da CLC e do
IOPC Fund, na sequência do incidente com o Navio-tanque Antonio Gramisci,
a 27 de Fevereiro de 1979, do qual resultou o vazamento de cerca de 5.500
toneladas de hidrocarboneto pesado nas Costas da antiga URSS (Letónia e
Estónia), Suécia e Finlândia, responsável pela poluição das mesmas 257. Em
resultado deste incidente, e com base na Lei da antiga URSS, o Ministério das
Águas da União Soviética intentou uma acção por danos aos recursos
naturais e pelos custos e despesas relacionadas com a limpeza das águas
poluídas. Sendo que a Lei Soviética atribuía ao Ministério das Águas o direito
de acção, uma vez que o mar territorial era considerado propriedade do
Estado258.

256 Laurent Neyret, “Naufrage de L´Erika: vers un droit commun de la réparation des
atteintes à l´environnement”, in Recueil Dalloz, 30 Octobre, 2008, N.º 38, pp. 2681-2689, p.
2681.

257 Ver Fund/WGR.7/4, de 4 de Janeiro de 1994.

Wu Chao, Pollution from the Carriage of Oil by Sea: Liaility and Compensation, Kluwer
258

Law International, United Kingdon, 1996, pp.361 e ss.

151
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Contudo, a parte controvertida da referida acção baseava-se no


modo como foi avaliado o recurso natural danificado, porquanto o dano foi
quantificado com recurso a uma fórmula matemática designada
“Methodika”. Nos termos dessa técnica, a quantidade de dano foi
determinada pela multiplicação da quantidade de água poluída, estimada
com base na quantidade de hidrocarboneto derramado em águas soviéticas,
multiplicado por dois rublos por metro cúbico259.

Não obstante a compensação por este incidente não ser realizada


através do IOPC Fund 1971, uma vez que a antiga URSS não era Parte do
mesmo nesse momento, na sua sequência, surge a Resolução n.º 3, que teve
como objectivo clarificar a situação da compensação por danos causados no
ambiente. No documento pode ler-se “a avaliação da compensação a ser paga
pelo IOPC Fund não é para ser feita com base numa quantificação abstracta
dos danos calculada de acordo com modelos teoréticos”260.

259 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 428.

260 Cfr. “The Assembly of the International Oil Pollution Compensation Fund:

Conscious of the dangers of pollution posed by the world-wide maritime carriage of oil in bulk,

Aware of the detrimental effect of the escape o discharge of persistent oil into sea may have
on the environmental and, in particular, on the ecology of the sea,

Conscious of the problems of assessing the externa of such damage in monetary terms,

Noting that under the civil liability convention a claim for ecological pollution damage has
been raised against the ship-owner which was based on a theoretical model for assessment,

Confirms its intention that the assessment of compensation to be paid by the International Oil
Pollution Compensation Fund is not to be made on the basis of an abstract quantification of

152
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Para efeitos de aplicação da CLC e do IOPC Fund, só pode ser


solicitada compensação ao proprietário do Navio se a vítima tiver um direito
legal de acção nos termos da lei nacional e se tiver sofrido danos económicos
na sequência da poluição261.

Depois de Antonio Gramisci outros incidentes se seguiram e os


tribunais nacionais foram obrigados a se pronunciar no que respeita à
aceitabilidade, ou não, da compensação pelos danos causados ao ambiente,
bem como sobre a sua eventual avaliação 262.

A 21 de Março de 1985, o Navio-Tanque Grego Patmos colidiu


com o também Navio-Tanque espanhol Castillo del Monte Aragon, offshore
da Costa da Calabria, Itália, derramando cerca de 700 toneladas de
hidrocarboneto pesado263. Sendo que, a maioria deste, foi dispersada de
forma natural, e apenas algumas toneladas de hidrocarboneto foram em
direcção à Costa da Sicília. Na sequência do mesmo, várias acções foram
intentadas no Tribunal da Sicília contra o proprietário do Navio e contra o

damage calculated in accordance with theoretical models”(sublinhado nosso), in Annex, da


Fund/WGR.7/4, de 4 de Janeiro de 1994.

261 Cfr. 71FUND/A.4/16, de 2 de Outubro de 1981.

262 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 428.

Wu Chao, Pollution from the Carriage of Oil by Sea: Liaility and Compensation, Kluwer
263

Law International, United Kingdon, 1996, pp.366-367.

153
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

IOPC Fund 1971. No que aqui nos interessa, importa tomar em consideração
a queixa intentada pelo Governo Italiano por danos ao ambiente marinho264.

O Governo Italiano baseou a sua argumentação no artigo I, n.º 6


da CLC 1969, uma vez que, segundo este, a definição de “pollution damage”
era suficientemente ampla para abranger, também, os danos sofridos pelo
ambiente em si. A 30 de Julho de 1986, o Tribunal de Primeira Instância de
Messina rejeitou a acção italiana. E, para tal, fundamentou a sua decisão em
dois argumentos: primeiro, que as águas territoriais não são propriedade do
Estado, mas antes res communis omnium e a flora e fauna marinha
constituíam res nullius, pelo que, o Estado não tinha o direito de pedir
compensação pelos mesmos. Segundo, o Tribunal declarou que o Estado não
tinha sofrido nenhuma perda de ganhos e não incorreu em nenhum custo
em resultado do alegado dano às águas territoriais, fauna e flora. O Estado
não sofreu, também, nenhum dano económico, adoptando-se, nesta decisão,
a posição oficial do IOPC Fund presente na Resolução n.º 3 supra
mencionada265.

O Governo Italiano apelou da decisão e a 30 de Março de 1989, o


Tribunal de Recurso de Messina alterou a decisão original e declarou que a
queixa do Governo Italiano era admissível. O Tribunal argumentou que o
direito ao ambiente, considerando o ambiente como um bem unitário,

264 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 429.

265 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 430.

154
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

incluindo os recursos naturais, saúde e paisagem, pertencem ao Estado na


sua qualidade de representante da colectividade. E, por outro lado, que
apesar de se reconhecer que os valores ambientais não têm um valor de
mercado e que são, nessa medida, difíceis de avaliar, isso não é razão
suficiente para não se admitir a acção, e que o dano causado ao ambiente
pode ser compensado através de um juízo de equidade 266 que pode ser
estabelecido pelo Tribunal com base na opinião de especialistas 267.

No entanto, não se chegou a saber a posição do IOPC Fund quanto


aos argumentos utilizados, porque o valor estipulado pelo Tribunal para
compensação dos danos resultantes de poluição não atingiu os montantes
mínimos necessários para despoletar a intervenção do Fundo.

A 11 de Abril de 1991, o Navio-tanque, do Chipre, Haven, 268


pegou fogo e foi responsável por uma série de explosões enquanto ancorava
a sete milhas offshore de Génova, Itália269. O Navio partiu-se em três partes
e derramou cerca de 10.000 toneladas de hidrocarboneto pesado. Muitas
acções foram recebidas pelo Tribunal de Génova, contudo, a que nos

266Mais tarde, este argumento do juízo de equidade torna a ser defendido, ver
71FUND/EXC.49/6 de 10 Junho 1996 e 71FUND/EXC.49/12 de 28 Junho 1996, in
www.iopc.com.

267 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 431.

268 Sobre o caso Haven, ver 71FUND/EXC.28/6, 2 Setembro 1991,


71FUND/EXC.28/6/Add.1, 2 Outubro 1991, 71FUND/EXC.28/9, 8 Outubro 1981, in
www.iopc.com.

Wu Chao, Pollution from the Carriage of Oil by Sea: Liaility and Compensation, Kluwer
269

Law International, United Kingdon, 1996, pp.368-369.

155
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

interessa para o presente estudo é aquela intentada, pelo Governo Italiano,


por danos causados ao ambiente marinho. A posição do IOPC Fund
mantinha-se em consonância com a Resolução n.º 3, defendendo-se mesmo
que este tipo de queixas por danos inquantificáveis podem ser intentadas
fora da alçada da Convenção com base na Lei Nacional, mas nunca no âmbito
da Convenção270.

Contudo, o que importa frisar deste exemplo, em particular,


prende-se com a decisão do Tribunal de Primeira Instância de Génova que
entendeu que a CLC e o IOPC Fund não excluíam queixas por danos ao
ambiente. E que, tendo em consideração que os mesmos não podem ser
avaliados com base em critérios económicos, deve-se quantificar o dano na
medida da proporção, de, aproximadamente, um terço dos custos das
operações de limpeza271. Esta decisão foi sujeita a recurso pelo IOPC Fund,
porém, antes de se saber a decisão do Tribunal de Recurso foi celebrado um
acordo extra-judicial global, entre o IOPC Fund, o proprietário do Navio e o
P&I Club (UK Club), por todas as acções intentadas pelo Governo nos
Tribunais Italianos272.

270 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 433.

271 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 434.

Ver FUNF/EXC.48/4 de 10 Abril 1996 e FUND/EXC.48/6 de 17 Abril 1996, in


272

www.iopc.com.

156
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Mais recentemente, a questão torna a ganhar destaque na


decisão, proferida no caso do Navio-Tanque Erika, do Cour de Cassation,
Chambre Criminelle, a 25 de Setembro de 2012, que decidiu o recurso
intentado contra a decisão do tribunal a quo, Cour d´Appel de Paris, chambre
4-11, a 30 de Março de 2010, onde se reconheceu o dano causado ao
ambiente natural como reparável273. Como tal, o julgamento Erika tem sido
apontado, nos últimos tempos, como um passo decisivo para a protecção
ambiental. Contudo, ele se afasta bastante do disposto na CLC e no IOPC
Fund274.

O Tribunal de Recurso, na decisão proferida no caso Erika 275,


aceitou não apenas a compensação dos danos materiais (custos de limpeza,
medidas de restauração e danos patrimoniais), danos económicos, mas
também danos morais resultantes da poluição, incluindo o “loss of
enjoyment” (perda de uso/aproveitamento), dano à reputação, marca e
imagem, bem como os danos morais resultantes do dano ao património
natural. De igual modo, aceitou, ainda, o direito de compensação por
“préjudice écologique”276. Ou seja, danos a recursos ambientais sem valor de

273 Um total de 1016 queixas foram rejeitadas, cfr. IOPC/JUN10/3/1, 17 de Maio de 2010, in
www.iopc.com.

274Dandi Papadopoulou, “The Role of French Environmental Associations in Civil Liability


for Environmental Harm: Courtesy of Erika”, in Journal of Environmental Law, 21:1, 2009,
pp. 87-112, pp. 88 e 89.

275José Juste-Ruíz, “Compensation for pollution damage caused by oil tanker accidents:
from "Erika" to "Prestige", in Aegean Revue Law Sea, 1, 2010, pp. 37-60, pp. 44 ss.

276L´arrêt de la Cour de Cassation, Chambre Criminelle, 25 de Setembro de 2012, n.º 3439,


p.231 (sentença do recurso no caso ERIKA).

157
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

mercado que constituam um legítimo interesse colectivo “distincte de celle


portée aux intérêts patrimoniaux et extra-patrimoniaux des sujets de droit”277.

Nesta decisão, fica bastante clara a necessidade de não se cingir


a compensação por danos causados ao ambiente ao valor do custo das
medidas de limpeza ou reparação encetadas. Nesse sentido, o Tribunal
aponta alguns elementos que deverão ser levados em consideração na
avaliação do montante da mesma, como sejam:

▪ O custo das medidas de reparação razoável;

▪ O número de aves de cada espécie afectadas pelo vazamento;

▪ A capacidade da natureza para se auto-regenerar;

▪ A capacidade das espécies relativamente comuns para


compensar a sua perda de reprodução; e

▪ A capacidade de restaurar a população de aves raras 278.

Do exposto, verifica-se aqui uma evolução notória da postura do


Tribunal no que respeita à inclusão dos danos causados ao ambiente natural
no conjunto de danos passíveis de reparação. De facto, esta também parece
ser a posição da Convenção se tivermos em conta apenas o texto das versões

277 Cfr. IOPC/JUN10/3/1, 17 de Maio de 2010, in www.iopc.com.

278L´arrêt de la Cour de Cassation, Chambre Criminelle, 25 de Setembro de 2012, n.º 3439,


p.231 (sentença do recurso no caso ERIKA).

158
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

de 1969 e de 1992. No entanto, na realidade, a posição dos órgãos


responsáveis para aplicação da Convenção tem sido restritiva no que
respeita à compensação dos danos causados ao ambiente natural.

Os órgãos responsáveis pela aplicação da CLC e do IOPC Fund, na


sequência das dúvidas levantadas relativamente a cobertura, ou não, dos
danos causados ao ambiente no âmbito de aplicação do regime, se
apressaram a conceber o claims manual279, bem como outros manuais e
brochuras referentes aos diferentes tipos de danos abrangidos pelo regime,
deixando clara a interpretação seguida no que respeita aos danos
reparáveis280.

Assim, segundo estes: “é virtualmente impossível trazer um sítio


danificado de volta para o mesmo estado ecológico que existiria se não tivesse
ocorrido o derrame de hidrocarboneto” 281. Como tal, de acordo com a

279Sobre as constantes alterações que este manual tem sido alvo, ver 92FUND/A.7/4, 15
Junho 2002, 92FUND/A.7/29, 18 Outubro 2002, 92FUND/A.7/4, 15 Junho 2002,
92FUND/WGR.3/11, 5 Março 2002, 92FUNF/WGR.3/11/1, 20 Março 2002,
92FUND/WGR.3/11/2, 23 Março 2002, 92FUND/WGR.3/11/3, 28 Março 2002,
92FUND/WGR.3/11/4, 15 Abril 2002, 92FUND/WGR.3/11/4/Add.1, 24 Aril2002,
92FUND/WGR.3/11/5, 15 Abril 2002, 92FUND/A.7/29, 18 Outubro 2002 in
www.iopc.com.

280 Não obstante a sua valia prática, estes manuais, estas resoluções, ou brochuras, não têm,
ao contrário do texto da CLC e do IOPC Fund, carácter vinculativo para os Tribunais dos
Estados-Partes, valendo apenas como base de interpretação dos regimes previstos naqueles
instrumentos. Como tal, caso não haja acordo entre as partes envolvidas, a questão da
interpretação dos danos cobertos pelo regime da CLC terá que ser resolvida em sede
jurisdicional, abrindo assim, caminho à ambiguidade no tipo de danos que podem ser
abarcados sob a sua égide, conforme o Tribunal do país onde a questão for colocada seja
mais, ou menos, permissivo.

281 International Oil Pollution Compensation Fund 1992, Claims Manual, April 2005 Edition,
p. 25 ss.

159
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Resolução n.º 3 do IOPC Fund, que tinha como objectivo clarificar a situação
da compensação por dano causado ao ambiente, “a avaliação da
compensação a ser paga pelo IOPC Fund não é para ser feita com base numa
quantificação abstracta dos danos calculada de acordo com modelos
teoréticos”282.

A compensação será, assim, contabilizada com base nos custos


das medidas de reintegração razoáveis, destinadas a acelerar a recuperação
natural do ambiente, não nos danos causados ao ambiente natural em si
mesmo considerado, sublinhe-se. Esta posição ficou publicamente
conhecida na Conferência de 1984, onde os órgãos do Fundo afirmaram que
“o ambiente marinho não possui valor real, uma vez que não pode ser
comercializado, nem poderiam ser as suas criaturas ou peixes até que sejam
capturados”283.

282 Cfr. “The Assembly of the International Oil Pollution Compensation Fund:

Conscious of the dangers of pollution posed by the world-wide maritime carriage of oil in bulk,

Aware of the detrimental effect of the escape o discharge of persistent oil into sea may have
on the environmental and, in particular, on the ecology of the sea,

Conscious of the problems of assessing the externa of such damage in monetary terms,

Noting that under the civil liability convention a claim for ecological pollution damage has
been raised against the ship-owner which was based on a theoretical model for assessment,

Confirms its intention that the assessment of compensation to be paid by the International Oil
Pollution Compensation Fund is not to be made on the basis of an abstract quantification of
damage calculated in accordance with theoretical models”(sublinhado nosso), in Annex, da
Fund/WGR.7/4, de 4 de Janeiro de 1994.

283Tradução do Autor. Original: “the marine environment possessed no real value since it
could not be marketed, nor could the sea creatures or fish in it until they were caught”.
Official Reords of the Conference (1984-1992, Official Records, vol2,

160
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Nesse sentido, problemas se colocam quando a dimensão da


catástrofe tenha prejudicado uma reposição, qua tale, por exemplo, das
mesmas espécies animais ou vegetais. A interpretação mais lata – e que tem
também a vantagem de não premiar o poluidor – é aquela que admite que a
reposição seja feita através de componentes equivalentes. Aqui encontra-se,
então, a grande inspiração da CLC no regime da Directiva.

Contudo, destaca-se o facto de a CLC exigir que as medidas de


reposição das condições ambientais sejam razoáveis, o que suscita,
naturalmente, a questão da concretização dessa razoabilidade, questão que
se colocará com particular delicadeza nas situações em que o efeito
catastrófico seja mais intenso.

Isto limita a compensação dos danos causados ao ambiente


natural ao custo das medidas razoáveis de restauração de facto realizadas
ou a realizar, deixando de fora as acções por danos ditos inquantificáveis ou
além do “razoável”284. Posto isto, para efeitos de aplicação da CLC e do IOPC
Fund, o dano causado ao ambiente natural que não se materialize em
medidas de reparação realizadas ou a realizar, e que não estejam dentro do
que se entender por razoável, não se entende como dano patrimonial, como
dano à pessoa, nem sequer como dano puramente patrimonial já que não

LEG/CONF.6/C.2/SR.15, p.480, citado por Wu Chao, Pollution from the Carriage of Oil by
Sea: Liaility and Compensation, Kluwer Law International, United Kingdon, 1996, p.152.

284 Luisa Rodríguez-Lucas, “Compensation for Damage to the Environment Per Se under
International Civil Liability Regimes”, in La mise en oeuvre du droit international de
l´environment. Implementation of International Environmental Law, 2011, p. 437.

161
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

têm valor de mercado. De igual modo, também não se deve considerar um


dano moral, afinal, afecta um interesse colectivo e não uma pessoa concreta.

Sendo assim, apenas será indemnizável o dano no limite das


medidas implementadas para o seu ressarcimento, ou para a sua prevenção,
ficando por ressarcir o dano existente, mas inquantificável ou futuro285. Com
efeito, uma clara distinção é realizada entre as acções por danos actuais
verificados na sequência de custos de restauração, por um lado, e acções por
danos mais abstractos, por outro lado, como aquelas que resultam da
valoração monetária do ambiente e o prejuízo do uso e aproveitamento do
mesmo286.

Ou seja, acções na sequência deste tipo de danos, somente, são


aceites se sustentadas num dano económico, por exemplo, se se levou a cabo
medidas de reintegração do ambiente 287. Qualquer outro tipo de reclamação

285 Unai Belintxon Martín, “La responsabilidad civil en el Derecho Marítimo: la efectiva
aplicación de las medidas de prevención en materia de seguridad marítima”, in Las
Lecciones Jurídicas del Caso Prestige, Thomson Reuters, Arazandi, Navarra, 2011, pp. 193-
245, p. 208.

Cfr. 71FUND/EXC.30/2, 29 Novembro 1991, 71FUND/EXC.30/5, 17 Dezembro 1991, in


286

www.iopc.com.

287Sobre a questão da avaliacção económica do dano ecológico, na decisão de recurso do


caso ERIKA encontramos uma proposta da Ligue de Protección des oiseaux (LPO), que
apresenta alternativas, viáveis, para a análise económica do mesmo:

“alors que, dans ses écritures d'appel, la LPO avait proposé trois méthodes d'évaluation du
préjudice écologique, à savoir une première méthode, consistant à prendre en compte la valeur
unitaire fixée par chaque espèce déterminée conformément à la décision n/ 07/01 du conseil
d'administration de l'Office national de la chasse (ONCFS), séance du 12 avril 2007, fixant des
valeurs de référence devant les tribunaux des principales espèces de gibier, tarif appliquée,
suivant l'espèce concernée, aux oiseaux morts des suites de la pollution par hydrocarbures,
une deuxième méthode, reposant sur l'affectation d'un coefficient de « rareté-menace » établi
selon les catégories CMAP (espèces dont la conservation mérite une attention particulière)

162
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

é liminarmente excluído para efeitos de compensação pelo regime da CLC e


do IOPC Fund288. Face a isto, pode constatar-se que a posição do IOPC Fund
fica aquém daquelas consagradas nos Tribunais e nas decisões acima
descritas, ela é restritiva e faz-nos responder negativamente quanto à
alteração de paradigma no que respeita à compensação por danos causados
ao ambiente de 1969 para 1992.

Do exposto verifica-se que, mesmo depois da alteração ocorrida


em 1992, e não obstante o texto da Convenção permitir voos mais altos, o
conceito de “pollution damage” actualmente utilizado tem, ainda, como
principal objectivo a compensação das vítimas de contaminação, não do
ambiente natural. Prevê, essencialmente, a cobertura do dano individual,
sendo discutível até que ponto e em que situações cobre também o dano
causado ao ambiente natural.

A Directiva 2004/35/CE segue esta visão transnacional dos


danos, contudo, afasta-se daquela, primeiro, no que respeita ao objecto,
afinal, na CLC o que interessa são os danos sofridos pelas pessoas, ao invés,
na Directiva, o que vai importar, apenas, são os danos causados ao ambiente
natural. Segundo, no que respeita à função, na Directiva vemos a função
preventiva e reparadora a andar lado a lado em todo o regime jurídico,

définies par le « Livre rouge des oiseaux menacés » à une valeur de référence unique pour
toutes les espèces d'oiseaux touchées, valeur appliquée, suivant l'espèce correspondant aux
catégories du CMAP, au nombre d'oiseaux secourus par la LPO, et, enfin, une troisième
méthode, dite « méthode contingente », fondée sur le consentement à payer pour « réparer »
la perte des oiseaux mazoutés”, L´arrêt de la Cour de Cassation, Chambre Criminelle, 25 de
Setembro de 2012, n.º 3439, p.231 (sentença do recurso no caso ERIKA).

288 Edward H.P. Brans, Liability to Public Natural Resources. Standing, Damage and Damage
Assessment, International Environmental Law and Policy Series, Vol.61, Kluwer Law
International, Netherlands, 2001, p.346.

163
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

interligando-se nas soluções adoptadas, ao contrário do que se passa na CLC


em que apenas releva a função reparadora.

164
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

CAPÍTULO III

DIRECTIVA 2004/35/CE: FUNDAMENTOS, ESTRUTURA E CONCEITO


DE DANO ADOPTADO

165
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

166
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.1 Antecedentes da Directiva 2004/35/CE

Vimos até aqui como o actual regime europeu de


responsabilidade ambiental sofreu uma forte influência externa na sua
concepção. Contudo, para compreender as opções tomadas não basta um
olhar externo é necessário analisar o problema, também, numa perspectiva
interna. Afinal, as leis, como as nações e os indivíduos, são produto e reféns
das suas histórias e o regime de responsabilidade criado pela Directiva
2004/35/CE não é excepção.

Neste capítulo pretende-se compreender os fundamentos,


opções, âmbito de aplicação do conceito de dano adoptado pela Directiva e,
em consequência, identificar as actuais limitações teóricas do regime, que
quanto a nós colocam em causa a efectiva implementação do mesmo. Como
tal, antes de mais, é necessário compreender o caminho que antecedeu a
consagração da responsabilização por danos causados ao ambiente na
Europeia, sobretudo, porque isso nos vai ajudar a perceber a necessidade
existente de um regime de responsabilidade ambiental uniforme na União
Europeia.

Pode dizer-se que as opções tomadas na Directiva variam


bastante das propostas que a antecederam. Tendo entrado em vigor a 30 de
Abril de 2004, mais de 20 anos se passaram entre o primeiro intento nesse

167
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

sentido e a sua definitiva consagração. Pelo que, importa conhecer os


momentos marcantes e as controvérsias que alimentaram esta demora289.

Na década de cinquenta, seis países – França, Itália, Alemanha,


Bélgica, Holanda e Luxemburgo – decidiram juntar-se e criar a Comunidade
Económica Europeia (CEE). Pretendia-se, à data, alcançar dois objectivos:
primeiro, a transformação das condições económicas das trocas comerciais
e da produção no território da comunidade; segundo, de carácter mais
político, colocar a CEE ao serviço da construção funcional da Europa política,
constituindo um passo rumo a uma unificação mais alargada da Europa 290.
A preocupação com a tutela do ambiente não era, de todo, uma prioridade 291.
Tanto que não foi feita qualquer referência à protecção do ambiente no
Tratado que instituiu a Comunidade Económica Europeia, assinado em
Roma, em 1957 (doravante designado como Tratado CEE ou Tratado de

289Geert Van Calster e Leonie Reins, “The ELD´s background, in The EU Environmental
Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford
University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 10.

290 Mais informações sobre o tema podem ser obtidas no website:


http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_eec_pt.ht
m, consultado no dia 10-01-2014.

291Maria Alexandra de Sousa Aragão, O Princípio do Poluidor Pagador. Pedra angular na


política comunitária do ambiente, Stvidia Ivridica 23, Boletim da Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 45 e ss.

168
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Roma)292. E, durante anos, esta foi uma área, pelo menos de forma explícita,
esquecida no panorama político comunitário293.

Porém, seguiram-se à sua constituição casos de impacto


internacional, como Seveso294, Amoco Cadiz295, Sandoz296 e Braer 297. Estes
incidentes, ocorridos na Europa, tiveram impactos ambientais graves e

Richard Burnett-Hall e Brian Jones, Burnett-Hall on Environmental Law, Third Edition,


292

Sweet & Maxwell, 2012, p. 37.

293Ludwing Krämer, Trente ans de Droit Communautaire de L´Environnement: Ébauche


d´un Bilan, in Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, n.º 1 e 2, 2002, pp. 481-506, pp. 481-
482.

294 O acidente "Seveso" aconteceu em 1976 numa fábrica


química de pesticidas e herbicidas
em Seveso, Itália. Numa reacção exotérmica descontrolada foi libertada uma nuvem de
vapor denso contendo uma dioxina que criou um subproduto venenoso e cancerígeno.
Embora nenhuma fatalidade imediata tenha sido relatada, isto resultou numa
contaminação imediata de cerca de dez quilómetros quadrados de terra e vegetação. Mais
de 600 pessoas tiveram de ser retiradas de suas casas e até 2000 foram tratadas por
intoxicação por dioxina. Para mais informações sobre o caso Ver
http://ec.europa.eu/environment/seveso/, consultado no dia 04-09-2014.

295O petroleiro Amoco Cadiz encalhou ao largo da costa da Bretanha, a 16 de Março 1978,
após uma falha mecânica. Durante um período de duas semanas toda a carga de 223 mil
toneladas de petróleo bruto iraniano e petróleo árabe leve, bem como 4000 toneladas de
óleo de combustível para Navios foi lançada ao mar. Até ao final de Abril seguinte o petróleo
derramado contaminou 320 quilómetros da costa da Bretanha, e estendeu-se a leste até às
Ilhas do Canal da Mancha. Mais detalhes sobre este incidente Ver http://www.itopf.com/in-
action/case-studies/case-study/amoco-cadiz-france-1978/ consultado no dia 04-09-2014.

296“O incêndio no armazém 956, em Sandoz, perto de Basel, Suiça, em Novembro de 1986 e o
consequente derramamento de químicos tóxicos no rio Reno teve um impacto desastroso no
ecossistema do rio. O acidente é largamente considerado o pior desastre ambiental da Europa
de Leste das últimas décadas”, Aaron Schwabach, “The Sandoz Spill: The Failure of
International Law to Protect the Rhine from Pollution”, 16 Ecology L.Q. 443, 1989.

297 Após uma falha no motor, Braer encalhou em condições climatéricas severas sobre Garth

Ness, Shetland no dia 5 de Janeiro de 1993. Durante um período de 12 dias toda a carga de
84.700 toneladas de crude oil, além de cerca de 1.500 toneladas de óleo de combustível
persistente, foram derramadas no Mar. Mais detalhes sobre este incidente Ver
http://www.itopf.com/in-action/case-studies/case-study/braer-uk-1993/ consultado no
dia 04-09-2014.

169
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

trouxeram, a partir da década de 70, o tema da protecção do ambiente para


o centro do debate político298. Impelia-se assim, os Estados-Membros a uma
rápida acção no sentido de encontrar medidas adequadas para reparar o
ambiente degradado, bem como os danos daí resultantes299.

Com efeito, não obstante a protecção do ambiente não constar do


Tratado que institui a CEE de forma autónoma, a partir de 1968 dá-se uma
viragem crucial no sentido de incorporar o ambiente nas preocupações da
Comunidade300. Várias foram, nesse sentido, as movimentações a nível
europeu que traduziram esta mudança de estratégia301.

298Maria Alexandra de Sousa Aragão, O Princípio do Poluidor Pagador. Pedra angular na


política comunitária do ambiente, Stvidia Ivridica 23, Boletim da Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 46 e ss.

299Cfr. Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu e ao Comité


Económico e Social: Livro Verde sobre a Reparação dos Danos causados no ambiente [COM
(93) 47 final], de 14 de Maio de 1993, p. 4.

300Jorge Miranda, “A Constituição e o Direito do Ambiente”, in Direito do Ambiente, INA,


Lisboa, 1994, pp. 353-366, p. 353.

301 Salientam-se, como pontapé inicial, as duas declarações adoptadas pelo Conselho da
Europa, uma sobre a luta contra a poluição do ar de 8 de Março de 1968, e outra sobre a
protecção dos recursos hídricos de 6 de Maio de 1968. Rodrigo Costa e Júlia Alexim N. Silva,
“Sobre a autonomia do direito do patrimônio cultura”, in Políticas Culturais em Revista, n.º
2 (3), 2010, pp. 61-76, p. 63.

170
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.1.1 Proposta de Directiva relativa aos resíduos (1976 -


1991)

Em 1973, a CEE, tendo em consideração a disparidade na


regulação da responsabilidade por danos causados ao ambiente nos
Estados-Membros e alegando que uma regulamentação nacional severa num
país poderia criar distorções desfavoráveis em termos de comércio
internacional, pela primeira vez, considera instituir um regime especial para
os danos resultantes de poluição302. Surge então a proposta de Directiva, a
28 de Julho de 1976, relativa a resíduos tóxicos e perigosos. Na referida
proposta encontra-se, no artigo 9.º, a previsão expressa da responsabilidade
civil por danos causados a uma terceira parte por resíduos tóxicos e
perigosos303. No entanto, esta cláusula foi eliminada e no texto final da
Directiva, de 20 de Março de 1978, já não constava 304.

No terceiro programa de acção em matéria de ambiente, em


1983, foi delineada uma estratégia global de âmbito europeu305. E, a partir
dessa data, passou-se a privilegiar a prevenção, continuando, contudo, a
manter-se apenas a fiscalização das actividades atentatórias do ambiente,

302Alexandre Kiss, “Direito Internacional do Ambiente”, in Direito do Ambiente, INA, 1994,


pp. 147-164, p. 148; Bernat Mullerat, “Algunas Reflexiones Sobre el Nuevo Regimen
Comunitario de Responsabilidad Ambiental”, Revista Arazandi de Derecho Ecológico, Ed.
Thomson Arazandi, 2005, p. 232.

303Cfr. Artigo 9.º da Proposta de Directiva relativa aos resíduos tóxicos e perigosos,
publicada no JO C194/2, 19.8.76.

304 Publicada no JO L84/43, 31.3.78.

305 Publicada no JO C46, 1983.

171
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

sem se prever, no entanto, qualquer responsabilidade reparatória306. A 24


de Junho desse ano, a Comissão propõe, novamente, o estabelecimento de
um regime de responsabilidade por danos resultantes de resíduos na sua
proposta de Directiva sobre supervisão e controlo de transferência de
resíduos perigosos. Porém, mais uma vez, a cláusula de responsabilidade
não sobreviveu. Sendo que, desta feita, restou uma previsão na Directiva
instando os Estados-Membros a o mais tardar até 30 de Setembro de 1988,
prover pela criação de condições que permitissem a implementação de um
regime de responsabilidade civil por danos resultantes de resíduos307.

Em 1987, com a entrada em vigor do Acto Único Europeu (AUE)


reconhece-se formalmente o ambiente como objecto de interesse
comunitário308. Obedecendo, assim, à necessidade de incorporar
formalmente esta matéria nos textos dos tratados europeus309. Com a
emenda feita ao Tratado de Roma introduziu-se o artigo 130.º R que dispõe
expressamente sobre o ambiente 310. E, ainda, o artigo 100.º A, relativo ao

306Júliode Pina Martins, “A Aplicabilidade das Normas Comunitárias no Direito Interno”, in


Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 185-200, p. 190.

Richard Burnett-Hall e Brian Jones, Burnett-Hall on Environmental Law, Third Edition,


307

Sweet & Maxwell, 2012, p. 794.

308Maria Alexandra de Sousa Aragão, O Princípio do Poluidor Pagador. Pedra angular na


política comunitária do ambiente, Stvidia Ivridica 23, Boletim da Faculdade de Direito,
Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1997, p. 45 e ss.

309Duarte dos Santos Vaz Geraldes, “Responsabilidade Ambiental do Estado por Actos de
Direito Interno”, in Revista FDUL Vol XLIII n.º 2, Coimbra Editora, 2002, pp. 1114-1153, p.
1121.

Nigel Haigh, “Direito Comunitário do Ambiente”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp.
310

175-184, p. 175.

172
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

mercado único, que menciona igualmente o ambiente 311. Opera-se aquilo a


que alguns autores apelidam de “constitucionalização” do direito ao
ambiente no âmbito regional europeu312.

Atribui-se, então, o estatuto de normas fundamentais a


princípios estruturantes do direito do ambiente, de entre os quais se
destacam o princípio da prevenção, o princípio do poluidor-pagador e o
princípio da correcção na fonte, todos fundamentais para a estruturação de
um regime de responsabilidade especial por danos causados ao ambiente 313.

Segue-se-lhe o quarto programa de acção em matéria de


ambiente314, nos termos do qual, se fez sentir uma maior vontade política,
para a aplicação, na sua plenitude e de forma eficaz, da legislação
comunitária em vigor315. Apesar de adoptar uma ênfase à actuação
preventiva, previu no seu ponto 2, n.º 5, em sede de instrumentos

Nigel Haigh, “Direito Comunitário do Ambiente”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp.
311

175-184, p. 182.

312Francesco Francioni, Realism, Utopia and the Future of International Environmental


Law, EUI Working Papers, European University Institute, Department of Law, Florence,
2012/11, p. 4, disponível in http://ssrr.com/abstract=2068656.

313Maria Alexandra Aragão, “O Princípio do poluidor pagador como princípio nuclear da


responsabilidade ambiental no direito europeu”, in Actas do Colóquio a Responsabilidade
Civil por Dano Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição
Instituto de Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 91-120, p. 91.

314 Publicada no JO C328, 1987.

315 Júlio de
Pina Martins, “A Aplicabilidade das Normas Comunitárias no Direito Interno”, in
Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 185-200, p. 190.

173
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

económicos, a criação de um regime de responsabilidade por dano causado


ao ambiente316.

Estas intenções ficaram, igualmente, plasmadas na Proposta de


Directiva sobre responsabilidade civil pelos danos causados por resíduos de
1989317. A proposta prevê que o produtor dos resíduos é civilmente
responsável, independentemente de culpa, por morte ou lesões físicas;
danos à propriedade ou por “lesão ao ambiente”318. Esta última entendida
como o “prejuízo importante e persistente no ambiente provocado por uma
alteração das condições físicas, químicas ou biológicas da água, do solo e/ou
do ar” ou pela degradação do ambiente319. Depois de 1991, entendida como
qualquer deterioração do ambiente, de ordem física, química ou bióloga 320.
Apesar de pioneira, esta proposta nunca chegou a ser adoptada e foi
qualificada como “obsoleta” e afastada com vista à definição de um regime
mais abrangente que não se cingisse, apenas, aos danos causados por

316Jesús Jordano Fraga, “La Responsabilidad por Daños Ecológicos en el Derecho de la Unión

Europea: Análisis de la Directiva 2004/35/CE, de 21 de Abril, sobre Responsabilidad


Medioambiental”, in Revista Arazandi de Derecho Ambiental, Thomson Civitas, N.º 7, 2005,
p. 14

317Cfr. Proposta de Directiva do Conselho relativa à responsabilidade civil pelos danos


causados pelos resíduos, COM(89) 282, alterada em 1991 pela COM(91) 219.

318Cfr. Artigo 3.º da Proposta de Directiva do Conselho relativa à responsabilidade civil


pelos danos causados pelos resíduos, COM(89) 282, alterada em 1991 pela COM(91) 219.

319Cfr. Artigo 2.º, al. c) e d), Proposta de Directiva do Conselho relativa à responsabilidade
civil pelos danos causados pelos resíduos, COM(89) 282.

320 Cfr. Artigo 2.º, al. d) da Proposta alterada de Directiva do Conselho relativa à
responsabilidade civil pelos danos causados pelos resíduos, COM(91) 219 final.

174
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

resíduos321. Como tal, abandonada esta via, inicia-se a discussão para a


criação do que viria a ser a Directiva 2004/35/CE.

321Ludwing Krämer, EC Environmental Law, Fouth Edition, Sweet & Maxwell, London,
2000, p. 122.

175
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

176
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.1.2 Livro Verde sobre a reparação dos danos causados no


ambiente (1993)

Impelidos por esta vontade crescente de protecção do ambiente


a nível europeu, em 1993, foi adoptado o quinto programa de acção
designado “Rumo à Sustentabilidade”322 e a Comissão publicou o Livro
Verde sobre a reparação dos danos causados ao ambiente323. Este livro tinha
como objectivo suscitar o debate a respeito da reparação dos danos
causados ao ambiente, a fim de fundamentar adequadamente as futuras
acções que deveriam ser tomadas nesse domínio. Fá-lo com base num
regime de responsabilidade civil, apresentando aquilo que entende serem
os traços essenciais que o regime deve possuir sem, contudo, apresentar
uma proposta de Directiva. Assim, no que respeita à reparação dos danos
causados ao ambiente, com base nos mecanismos de responsabilidade civil,
refere, antes de mais, que a responsabilidade civil permite duas possíveis
abordagens: a responsabilidade fundada na culpa e a responsabilidade
objectiva.

O Livro Verde chama a atenção para uma série de questões que


deveriam ser resolvidas previamente ao estabelecimento de um regime de
responsabilidade. Uma delas, que, como refere, apresenta uma relevância

322 Publicada no JO C138, 1993.

323Cfr. Comunicação de 14 de Maio de 1993 [COM(93) 47 final] apresentada ao Conselho,


ao Parlamento e ao Comité Económico e Social: Livro Verde sobre a Reparação dos danos
causados no Ambiente.

177
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

especial, é a definição jurídica de dano causado ao ambiente e que põe em


relevo a importância da investigação aqui realizada.

Face às questões levantadas pelo Livro Verde, em Abril de 1994,


o Parlamento Europeu aprovou uma resolução instando a Comissão a
apresentar “uma proposta de Directiva que regulamente a responsabilidade
ambiental relativa aos (futuros) danos causados ao ambiente” 324. Em seguida,
o Comité Económico e Social emitiu um parecer sobre o Livro Verde, a 23 de
fevereiro de 1994, no qual apoiava a acção europeia em matéria de
responsabilidade pelos danos causados ao ambiente, sugerindo que esta
poderia assumir a forma de Directiva-quadro baseada nos Artigos 174.º e
175.º do Tratado de Roma325.

324 Cfr. Resolução de 20 de Abril de 1994 (JO C 128, p.165).

325 Cfr. Parecer do CES de 23 de Fevereiro de 1994 (CES 226/94).

178
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.1.3 Livro Branco sobre a Responsabilidade por Dano


Ambiental (2000)

Tendo em conta a necessidade de dar resposta à Resolução do


Parlamento Europeu, e à opinião pública na sequência do naufrágio do
Navio-tanque Erika, em 1999, a Comissão decidiu proceder à elaboração, em
2000, do Livro Branco sobre a Responsabilidade por Dano Ambiental 326.
Documenta, assim, do nosso ponto de vista, o início de uma mudança de
paradigma, ao abandonar o termo “civil” e ao apresentar um esboço, ainda
confuso, do que viria a ser o regime de responsabilidade adoptado pela
Directiva327.

O Livro Branco analisa diversas formas de configurar um “regime


comunitário de responsabilidade ambiental” tendo em vista: “impor
responsabilidades às partes cujas actividades encerram riscos de provocar
esse tipo de danos”328; melhorar a aplicação dos princípios ambientais e da
legislação ambiental europeia; assegurar a descontaminação e a restauração
do ambiente; proceder à introdução do ambiente nas demais áreas políticas;
e incrementar o melhor funcionamento do mercado interno.

Quanto aos tipos de danos a cobrir, entende que o regime deveria


abranger: os danos causados à biodiversidade, nomeadamente, áreas e

326 Cfr. Resolução de 20 de Abril de 1994 (JO C 128, p.165).

327A referência restringe-se ao título que, para nós, já é significativo de uma alteração de
perspectiva. Contudo, no texto do Livro Branco encontra-se por variadas vezes a referência
à responsabilidade civil para delinear o regime de reparação dos danos em causa.

328 Cfr. Introdução do Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental.

179
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

espécies protegidas pela Rede Natura 2000; os danos sob a forma de


contaminação de locais; e os danos tradicionais, danos a pessoas e bens, caso
tenham sido causados por uma actividade perigosa abrangida pelo âmbito
de aplicação do regime, uma vez que, em muitos casos, os danos tradicionais
e os danos ao ambiente natural resultam de um mesmo facto329.

Ou seja, o regime proposto pelo Livro Branco adopta o conceito


de “dano ambiental”, mas fá-lo porque, como vimos, tem em vista uma
postura abrangente do conceito de dano, onde se inclui o dano tradicional e
o dano ao ambiente natural. Ficando, contudo, este último limitado aos
recursos naturais protegidos sob a égide de outras legislações europeias 330.
Este conceito uniformizador do dano ambiental não é, sob o nosso entender,
acolhido na versão final da Directiva. Contudo, não obstante, não adoptar
esta postura uniformizadora, a Directiva mantém o conceito, o que cria
maior confusão aquando da sua aplicação.

O Livro Branco utiliza, por mais do que uma vez, o termo “danos
causados à biodiversidade” para se referir aos danos resultantes da violação
das Directivas Aves e Habitats. No entanto, isto é, susceptível de criar
dúvidas, afinal, o termo biodiversidade da forma como é empregue no Livro
Branco não vai totalmente ao encontro do previsto na Convenção sobre
Diversidade Biológica de 1992. Biodiversidade, como vimos, é mais do que

329 Cfr. Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental, p.18.

330Edward Brans, “The EC White Paper on Environmental Liability and the Recovery of
Damages for Injury to Public Natural Resources”, in Environmental Damage in International
and Comparative Law. Problems of Definition and Valuation, University Press, Oxford, 2002,
Chapter 5, p. 323.

180
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

um conjunto de espécies numa determinada área 331. Daí que, no texto


aprovado este conceito seja abandonado e substituído por dano às espécies
e habitats protegidos.

Posto isto, o Livro Branco procurou avaliar diferentes opções de


acção no domínio da responsabilidade por dano causado ao ambiente. Como
sejam: a adesão à Convenção de Lugano, de 1993332; a elaboração de um
regime exclusivo para os danos transfronteiriços333; a orientação da acção

331Edward Brans, “The EC White Paper on Environmental Liability and the Recovery of
Damages for Injury to Public Natural Resources”, in Environmental Damage in International
and Comparative Law. Problems of Definition and Valuation, University Press, Oxford, 2002,
Chapter 5, p. 325.

332Esta Convenção entraria em vigor depois da sua terceira ratificação, contudo, até à
presente data apenas nove Estados a assinaram (Chipre, Finlândia, Grécia, Islândia, Itália,
Liechtenstein, Luxemburgo, Portugal e os Países Baixos), mas nenhuma ratificação foi
levada a cabo. Como tal, este instrumento tem uma importância sobretudo teórica e
doutrinária, afinal, foi o primeiro passo dado, a nível europeu, para a responsabilização por
danos causados ao ambiente.

A adesão da União a esta Convenção teria a vantagem de estar de acordo com o princípio da
subsidiariedade a nível internacional. Além disso, a Convenção possui uma cobertura
abrangente (todos os tipos de danos resultantes de actividades perigosas) e um âmbito
amplo e aberto, que tem o mérito de apresentar um sistema coerente e de tratar os
operadores de todas as actividades perigosas da mesma maneira. Cfr. Livro Branco sobre
Responsabilidade Ambiental, p.27.

333 O principal argumento utilizado a


favor de um regime “exclusivamente transfronteiriço”
é de que, em termos de subsidiariedade, não há argumentos suficientes para aplicar um
regime de responsabilidade a problemas inteiramente circunscritos a um Estado-Membro,
mas os problemas transfronteiriços são, na verdade, resolvidos de um modo mais eficaz a
nível comunitário. As desvantagens advêm do facto de um sistema exclusivamente aplicável
a problemas transfronteiriços deixar um grave vazio no que respeita à responsabilidade
pelos danos causados à biodiversidade, uma vez que estes ainda não estão cobertos pela
maioria dos Estados-Membros. Cfr. Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental, p. 28.

181
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

dos Estados-Membros por um Regulamento334; ou a adopção de um regime


de responsabilidade sectorial, nomeadamente na área da biotecnologia335.

Por fim, considerou que a opção mais apropriada seria a adopção


de uma Directiva-quadro336. Devendo-se, igualmente, optar pela
responsabilidade objectiva – com causas de justificação – no que diz respeito
aos danos tradicionais (nomeadamente os danos a pessoas e bens) e aos
danos causados ao ambiente natural (contaminação de locais e danos à
biodiversidade nas áreas incluídas na Rede Natura 2000) causados por
actividades perigosas regulamentadas a nível europeu. E, pela
responsabilidade subjectiva em relação aos danos causados à
biodiversidade por actividades não perigosas.

334Uma recomendação, sendo um instrumento não vinculativo e sem mecanismos de


execução, acarretaria menos custos para os operadores do que um instrumento vinculativo,
mas também teria menos benefícios para o ambiente, designadamente em casos de danos
transfronteiriços no interior da Comunidade. Cfr. Livro Branco sobre Responsabilidade
Ambiental, p. 28.

335Uma abordagem sectorial não asseguraria um sistema coerente ou uma aplicação igual
dos princípios do poluidor-pagador, da prevenção e da precaução a actividades que são
comparáveis na medida em que apresentam um risco para o Homem e para o Ambiente. Cfr.
Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental, p. 29.

336 Na elaboração de uma Directiva Comunitária, o âmbito da acção comunitária pode ser
mais bem delimitado e o regime para os danos causados à biodiversidade mais bem
desenvolvido, em harmonia com a legislação comunitária pertinente. Uma abordagem
horizontal tem a vantagem de fornecer o quadro geral num único acto. Desde que as
actividades abrangidas apresentem riscos ambientais semelhantes e suscitem questões
económicas comparáveis, esta abordagem será não só mais consistente, mas também mais
eficiente. Cfr. Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental, pp. 28 e 29.

182
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.1.4 Proposta de Directiva (2002)

Finalmente, em Janeiro de 2002, surge a proposta de Directiva do


Parlamento Europeu e do Conselho relativa à responsabilidade por danos
causados ao ambiente337. O percurso de aprovação da referida proposta
arrastou-se por cerca de dois anos338. Sendo importante de salientar que, a

337 Publicada com a referência COM (2002) 17 final, Bruxelas, 23 de janeiro de 2002.

338 E os passos fundamentais deste percurso são:

▪ 23 de janeiro de 2002, Proposta de Directiva do Parlamento Europeu e do


Conselho, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e
reparação dos danos ambientais (COM (2002) 17, 2002/0021/COD);

▪ 19 de fevereiro de 2002, transmissão para o Conselho e para o Parlamento


Europeu, em conformidade com o procedimento de co-decisão, nos termos do n.º
1 do artigo 175.º do Tratado CE.

▪ O Comité das Regiões decidiu não emitir qualquer parecer.

▪ 18 de julho de 2002, Parecer do Comité Económico e Social (DOC/2002/241/161);

▪ 14 de maio de 2003, Parecer do Parlamento Europeu em primeira leitura (ainda


não publicado no Jornal Oficial);

▪ 13 de junho de 2003, acordo político sobre Posição Comum;

▪ 18 de setembro de 2003, adopção de Posição Comum pelo Conselho (JO C277 E de


18.11.2003, p.10);

▪ 17 de dezembro de 2003, posição do Parlamento Europeu (ainda não publicado em


Jornal Oficial);

▪ 26 de Janeiro de 2004, Parecer da Comissão nos termos do artigo 251° n° 2, terceiro


parágrafo, alínea c) do do Tratado CE, sobre as alterações do Parlamento Europeu
à posição comum do Conselho (COM(2004) 55 final);

▪ 10 de março de 2004, projecto comum adoptado pelo Comité de Conciliação.

▪ 30 de março de 2004, decisão do Conselho

▪ 31 de março de 2004, resolução legislativa do Parlamento Europeu.

183
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

18 de Setembro de 2003, o Conselho finalizou a primeira leitura da Directiva


ao adoptar a posição comum. Nesta, foi abandonada a posição que previa
que os Estados-Membros deviam assegurar a adopção de medidas
preventivas e reparatórias mesmo quando o operador não é conhecido ou
tem meios financeiros insuficientes para realizar a sua obrigação 339. A 17 de
Dezembro de 2003, o Parlamento Europeu procede à segunda leitura da
proposta de Directiva e introduz algumas alterações à posição comum do
Conselho, entre as quais se destacam as seguintes:

▪ A Directiva não deverá prejudicar o direito do operador de


limitar a sua responsabilidade, de acordo com as várias
Convenções Marítimas, como é o caso da CLC;

▪ As autoridades competentes devem tomar medidas de


prevenção ou reparação, mas apenas como último recurso, se o
operador não for identificado, não conseguir realizá-las, ou não
for obrigado a fazê-lo pela Directiva340.

O Conselho não aceitou todas as propostas de alterações


efectuadas pelo Parlamento Europeu resultando na formação de um Comité
de Conciliação. A 20 de Fevereiro de 2004, o Comité chega a um acordo entre
o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão. A Directiva 2004/35/CE foi
adoptada com votos contra da Áustria, Irlanda e Alemanha e foi publicada

Richard Burnett-Hall e Brian Jones, Burnett-Hall on Environmental Law, Third Edition,


339

Sweet & Maxwell, 2012, p. 797.

Richard Burnett-Hall e Brian Jones, Burnett-Hall on Environmental Law, Third Edition,


340

Sweet & Maxwell, 2012, p. 798.

184
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

no Jornal Oficial a 30 de Abril de 2004341. Concretiza-se, assim, o propósito


de criação de um regime transversal – e não sectorial – de responsabilidade
por dano causado ao ambiente na União Europeia342.

A Directiva deveria ser transposta em todos os Estados-Membros


até 30 de Abril de 2007, nos termos do seu artigo 19.º, n.º 1. Contudo, a
transposição da mesma foi, igualmente, um processo moroso e apenas a 1
de Julho de 2010 o regime foi finalmente transposto para as leis nacionais
de todos os Estados-Membros343. Daí nos podermos referir, ainda hoje,
mesmo passados cerca de 10 anos da sua criação, ao “novo” regime de
responsabilidade europeu.

341As duas primeiras entendiam que o regime deveria ser extensível aos danos nucleares e
a última defendeu a existência de um regime mais severo, ou mais flexível, consoante o tipo
de danos que estivessem em causa. Lucía Gomis Catalá, “La Ley de Responsabilidad
Medioambiental en el Marco del Derecho de la Unión Europea”, in Comentários a la Ley de
Responsabilidad Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008, pp. 83-146, p. 97.

342 Heloísa Oliveira, “A restauração natural no novo regime jurídico de responsabilidade


civil por danos ambientais”, in Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano
Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de
Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 252-273, p. 252.

Richard Burnett-Hall e Brian Jones, Burnett-Hall on Environmental Law, Third Edition,


343

Sweet & Maxwell, 2012, p. 799.

185
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

186
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.2 Ratio Legis da Directiva 2004/35/CE

A novidade e importância do tema, a disparidade da sua


regulamentação nos diferentes ordenamentos jurídicos europeus e a
discrepância entre os diferentes grupos de interesse justificam, grosso
modo, toda esta dificuldade em se alcançar um consenso institucional no
seio da União Europeia344. No entanto, durante este período de gestação,
vários incidentes ocorreram no cenário europeu. Desses incidentes, de
grande proporção a nível de danos e de área afectada, salientam-se o caso
do derrame de Aznacóllar em Espanha em 1998345, o caso do derrame de
Baia Mare (Roménia) em 2000346, ambos causados por operações mineiras,

344Tiago Antunes, “Da natureza jurídica da responsabilidade ambiental”, in GOMES, Carla


Amado, e ANTUNES, Tiago (Org.), Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano
Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de
Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 121-152, p. 121.

345A 25 de Abril de 1998 quebra a balsa de lodos tóxicos da mina de Boliden-Apirsa SL, em
Aznalcóllar, derramando ao rio Agrio e daí para o rio Guadiamar cerca de 6 hm 3 de águas
contaminadas com cerca de 2,5 hm3 de lodos tóxicos com alto teor de arsénico e muitos
metais de efeitos contaminantes. Ver Francisco García Novo, Ángel Martín Vicente e Julia
Toja Santillana, La Frontera de Doñana, Colección de Divulgación Científica, n.º 10,
Universidade de Sevilla, Sevilha, 2007, p. 241.

346O derrame de cianetos no rio Tisza na sequência da ruptura de uma barragem na mina
de ouro “Baia Mare”, na Roménia, prvocou um rasto tóxico de poluição que se propagou até
ao Danúbio. Ver http://www.unep.org/geo/GEO3/spanish/464.htm consultado no dia
23/10/2014.

187
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

bem como o desastre do Navio-taque Erika347 ocorrido em França em 1999,


causado pelo transporte de hidrocarbonetos.348

Na sequência destes incidentes, a discussão intensificou-se no


sentido de se saber até que ponto era necessária uma acção conjunta
europeia para estabelecer a responsabilidade e reparação dos danos
causados ao ambiente natural, especialmente no caso de danos
transfronteiriços. Paralelamente, começa também a surgir a necessidade de
lado a lado com um sistema de reparação, se desenhar um regime que
fornecesse incentivos para a prevenção349 deste tipo de incidentes e
consequentemente evitasse a ocorrência deste tipo de danos350.

Visto que, no que respeita a matéria ambiental, a UE tem


“competência partilhada”351 com os Estados-Membros, é necessário
demonstrar que o princípio da subsidiariedade e da proporcionalidade

347A 12 de Dezembro de 1999, o Navio-tanque Maltês "Erika" partiu-se em dois frente à


Costa da Bretanha francesa, derramando cerca de 20 mil toneladas de fueóleo. Ver
http://www.itopf.com/in-action/case-studies/ consultado no dia 23/10/2014.

348Geert Van Calster e Leonie Reins, “The ELD´s background, in The EU Environmental
Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford
University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 12.

349Ao contrário dos regimes clássicos de responsabilidade civil a Directiva tem uma
vertente preventiva lado a lado com a vertente reparadora. Sendo, mesmo, esta
característica uma das mais inovadoras do regime.

350Geert Van Calster e Leonie Reins, “The ELD´s background, in The EU Environmental
Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford
University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 12.

351 Cfr. artigo 4.º do Tratado de Funcionameno da União Europeia.

188
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

foram tomados em consideração352. Nos termos desses princípios, é


necessário demonstrar que a prevenção e a reparação dos danos seriam
melhor alcançadas pela UE em razão da causa e da escala dos seus efeitos,
bem como, que as medidas adoptadas seriam adequadas e razoáveis para
alcançar os efeitos pretendidos de prevenção e reparação do dano353.

Como tal, na sequência dos incidentes supra mencionados, e


como expressamente foi salientado na Directiva constatou-se que “existem
hoje na Comunidade muitos sítios contaminados que suscitam riscos
significativos para a saúde” e para “a perda da biodiversidade”354. Pelo que,
tornou-se urgente uma acção concertada. Identificada a necessidade de uma
política europeia direccionada para a prevenção e reparação do dano
causado ao ambiente e, em consequência, a necessidade de se estruturar um
regime europeu de responsabilidade especial para este tipo de danos,
importa compreender a base legal que justifica a actuação da União Europeia
nesse campo.

A Directiva, entendida como uma medida de harmonização


necessária para a protecção do ambiente, justifica a sua criação através da

352 Contudo, alguns autores defendem que o Parlamento e o Conselho falharam no seu dever

de justificar a Directiva com base no princípio da subsidiariedade. Ver Nick Farnsworth, “Is
the Directive on Environmental Liability with Regard to Prevention and Remedying of
Environemntal Damage Justified under the Subsidiary Principle?”, in European
Environemntal Law Review, n.º13, 2004.

353Geert Van Calster e Leonie Reins, “The ELD´s background, in The EU Environmental
Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford
University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 23.

354 Cfr. Considerando 1, da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu


e do Conselho, de
21 de Abril de 2004, relativa à Responsabilidade Ambiental em termos de prevenção e
reparação de Danos Ambientais, JO L 143 de 30 de Abril de 2004.

189
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

interpretação do ex-artigo 175.º do Tratado de Roma (actual artigo 192º da


versão consolidada do Tratado de Funcionamento da União Europeia,
adiante TFUE) e teve um longo caminho até ser o que hoje conhecemos como
Directiva 2004/35/CE.

Nos termos do disposto no artigo 191.º do TFUE, “a política da


União no domínio do ambiente terá por objecto atingir um nível de protecção
elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes
regiões da União”355.

Para atingir esse “nível de protecção elevado” a Directiva baseia-


se, e implementa, alguns dos princípios que se foram sedimentando no
panorama ambiental europeu ao longo dos últimos anos, como sejam o
princípio do poluidor-pagador e o princípio do desenvolvimento
sustentável. Referência a ambos é feita no Livro Branco, no memorando de
justificação da Directiva e no próprio texto da mesma.356 No seu
Considerando 2 pode ler-se que: “[a] prevenção e a reparação de danos
ambientais devem ser efectuadas mediante a aplicação do princípio do
poluidor-pagador [PPP], previsto no Tratado e em consonância com o
princípio do desenvolvimento sustentável”. 357

355Cfr. artigo 191.º, n.º 2, da Versão Consolidada do Tratado e Funcionamento da União


Europeia.

356Geert Van Calster e Leonie Reins, “The ELD´s background, in The EU Environmental
Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford
University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 12.

357O Desenvolvimento Sustentável foi colocado na agenda política mundial pela


Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (CNUAD), realizada no

190
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Estes princípios tentam, na prática, incorporar a protecção


ambiental no seio do mercado. Assim, o desenvolvimento sustentável impõe,
grosso modo, às gerações actuais a obrigação de uma utilização racional dos
recursos naturais de maneira que não fique comprometida a herança
ambiental das gerações futuras. Constituindo uma chamada à participação
activa de todos os sujeitos na sua protecção, o qual se converte em referência
imprescindível a nível da actuação da Administração e dos particulares.
Trata-se de um princípio especialmente impulsionado pelo Direito
Comunitário, como o demonstra a sua inclusão como razão do crescimento
económico e de um alto nível de qualidade ambiental, entre os objectivos a
realizar pela União Europeia em todas as suas políticas desde o Tratado de
Maastricht (artigo 2.º TUE).

Uma vez que a “poluição” é resultado de uma actividade


económica, a par do princípio do desenvolvimento sustentável, a tese que
defende a internalização dos custos ambientais nos preços dos produtos tem
vindo a ganhar força.358 Sobretudo graças à aplicação do princípio do
poluidor-pagador (PPP) que, juntamente com aquele, são responsáveis por
uma alteração na forma de tratar o ambiente e as questões com ele
relacionadas. Como definição do PPP vamos usar, como base, aquela

Rio de Janeiro em 1992, também designada por Cimeira da Terra. Nessa ocasião foi
reafirmado este conceito, lançado em 1987 pelo Relatório Brundtland "O Nosso Futuro
Comum" - elaborado sob a égide das Nações Unidas na Comissão Mundial para o Ambiente
e Desenvolvimento - definido como "o desenvolvimmento que satisfaz as necessidades
presentes sem comprometer a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas
próprias necessidades".

358Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 136.

191
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

apresentada pela OCDE359 na “Recomendação do Conselho sobre Princípios


Orientadores Relativos aos Aspectos Económicos Internacionais das Políticas
Ambientais”360. Nessa recomendação, este é entendido como “[o] princípio
que se usa para afectar os custos das medidas de prevenção e controlo da
poluição, para estimular a utilização racional dos recursos ambientais
escassos e para evitar distorções ao comércio e ao investimento
internacionais”. “Este princípio significa que o poluidor deve suportar os
custos do desenvolvimento das medidas acima mencionadas decididas pelas
autoridades públicas para assegurar que o ambiente esteja num estado
aceitável. Por outras palavras, o custo destas medidas deveria reflectir-se no
preço dos bens e serviços que causam poluição na produção e no consumo. Tais
medidas não deveriam ser acompanhadas de subsídios que criariam
distorções significativas ao comércio e investimento internacionais”361.

Contudo, saliente-se que este princípio tem vindo a apresentar


ao longo dos últimos anos desenvolvimentos e aprimoramentos que
impossibilitam, hoje, a adopção de uma definição estanque relativamente ao
mesmo. Nesse sentido, a Directiva inclui este princípio, faz dele o seu eixo
central, como destaca ALEXANDRA ARAGÃO, mas não apresenta qualquer

359Cfr. Recomendação C(72)128, de 26 de Maio de 1972, “Guiding Principles Concerning


International Economics Aspects of Environmental Policies”.

360 Para mais desenvolvimento sobre o PPP Ver Maria Alexandra de Sousa Aragão, O
Princípio do Poluidor Pagador. Pedra angular na política comunitária do ambiente, Stvidia
Ivridica 23, Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora,
1997, pp. 60 e ss.

361Cfr. Recomendação C(72)128, de 26 de Maio de 1972, “Guiding Principles Concerning


International Economics Aspects of Environmental Policies”.

192
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

definição relativamente ao mesmo.362 Ao invés, justifica a sua introdução


com o objectivo por detrás da sua utilização. Quanto a nós, entendemos que,
no caso da Directiva, o PPP ganha uma nova configuaração, afinal, a
finalidade da Lei não é tanto “quem contamina paga”, mas antes “primeiro se
repara o dano e depois se determina quem tem que suportar os custos” 363.

Ora, a justificação por detrás desta configuração do conceito é


que o poluidor vai preferir investir na prevenção do dano em resposta à
ameaça de ser responsabilizado e ter que reparar o mesmo. E nada disto tem
a ver com estar, ou não, a “comprar o direito a poluir”, o que se pretende é
que o pagamento imposto ao poluidor tenha efeitos dissuasores 364. Esta
ideia não é novidade da Directiva. Ela acolhe a doutrina da internalização
dos custos ambientais com o objectivo de isso levar a um decréscimo do
dano causado ao ambiente e à diminuição das “externalidades negativas”,
aqueles elementos não contabilizados no preço dos bens e que trazem
efeitos negativos ao ecossistema e à sociedade, como a poluição365.

362Para mais informação sobre os últimos desenvolvimentos do PPP, Ver Maria Alexandra
Aragão – “O Princípio do poluidor pagador como princípio nuclear da responsabilidade
ambiental no direito europeu”, in Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano
Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de
Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 91-120, pp. 94 e seguintes.

363Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños Medioambientales, Baker &


Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 24.

364 Alexandra Aragão, “O Princípio do poluidor pagador como princípio nuclear da


responsabilidade ambiental no direito europeu”, in Actas do Colóquio a Responsabilidade
Civil por Dano Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição
Instituto de Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 91-120, p. 110.

365Paula de Castro Silveira; Direito de Poluir? Regime e Natureza da Licença e do Título de


Emissão, Dissertação de Mestrado em Direito em Ciências Jurídico Ambientais, disponível
para consulta na Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, pp. 21 e ss; Michael Faure,

193
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Esta corrente doutrinária, que alguns apelidam de “perspetivas


multidimensionais da economia”366 ou de “análise económica do direito”367,
defende que através das regras de mercado se pode evitar o desperdício dos
recursos naturais368. Mas, o que se pretende, no fundo, é compreender e
auxiliar a resolução destes problemas, apresentando soluções que possam
permitir que o egoísmo inerente aos seres humanos possa contribuir para
melhorar o ambiente e preservar o ecossistema, em vez de destruí-lo. Afinal,
como refere SOUSA FRANCO “… entre as determinantes do lucro (…) não
estão naturalmente as agressões ao ambiente, as disfunções e as
incomodidades que o empresário possa ocasionar”369.

Nesse sentido, surgiram entre os economistas teses onde se


defendia que, por constituir uma falha de mercado, a poluição deve ser
compreendida e reduzida no seio do mercado que a produz. Procurando-se
atingir um nível em que os danos causados ao ambiente sejam
internalizados no preço dos produtos e, com isso, se crie condições para o

“Economic Aspects of Environmental Liability: an introduction”, in European Review of


Private Law, Vol.4, N.º 2, 1996, pp. 85-109, p. 87; Tiago Antunes, O Ambiente entre o Direito
e a Técnica, AAFDL, 2003, p. 18.

366António Sousa Franco, “Ambiente e Desenvolvimento – Enquadramento e Fundamentos


do Direito do Ambiente”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 35-82, p. 61.

367 António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português II. Direito das Obrigações,
Tomo III, Almedina, 2010, pp. 346 e ss.

368“em determinadas áreas problemáticas principais, uma solução possível é estabelecer


organismos internacionais através de um processo político. Estes assumem, então, direitos de
quase-propriedade que exercem em proveito das partes para chegar a um acordo com um
quadro legislativo internacional e específico a que os signatários concordam submeter-se (por
exemplo o acordo internacional para a redução de CFCs)”. Denis Smith, As Empresas e o
Ambiente. Implicações do novo ambientalismo, Coleção Sociedade e Organização, Instituto
Jean Piaget, Lisboa, 1993, p. 84.

369António Sousa Franco, “Ambiente e Desenvolvimento – Enquadramento e Fundamentos


do Direito do Ambiente”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 35-82, p. 47.

194
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

desenvolvimento de uma relação de concorrência justa e equilibrada entre


os vários intervenientes do mercado e se promova a prevenção do dano370.

A realidade, contudo, tem demonstrado que a simples negociação


no mercado não é suficiente para solucionar o problema371. Pelo que, a
Directiva visa condicionar os eventos futuros, através do desenvolvimento
tecnológico e alterações de comportamento dos agentes económicos, de
modo a alcançar a prevenção e reparação dos danos372. Contudo,
actualmente podem levantar-se dúvidas sobre até que ponto a aplicação das
teorias de internalização dos custos e do princípio do poluidor-pagador, de
facto, inibem o poluidor e criam incentivos efectivos à prevenção do dano.

Por um lado, as actividades poluentes são, na maior parte dos


casos, muito lucrativas para o operador, pelo que, segue em frente com elas
pois a actividade lesiva é fonte de lucros substanciais. Nesses casos, se a
responsabilidade ambiental se traduzir num processo moroso (como
acontecia com a responsabilidade civil e os lentos processos judiciais
inerentes) o que teremos, na prática, é o custo da reparação a ser entendido

370“O que é que significa internalizar os custos externos? Basicamente, que terá de
contabilizar como custo seu a indemnização que tem que pagar ou os gastos com a prevenção
ou a correcção das disfunções geradas pela sua actividade produtiva…”. António Sousa
Franco, “Ambiente e Desenvolvimento – Enquadramento e Fundamentos do Direito do
Ambiente”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 35-82, pp. 47 e 48.

371Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 146.

372Donald T. Hornstein, “Reclaiming Environmental Law: A Normative Critique of


Comparative Risck Analysis”, in Columbia Law Review, Vol. 92, 1992, pp. 562-633, p. 616.

195
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

como custos de produção com direito a “pagamento diferido” e, em muitos


casos, sem sequer serem suportados pelo mesmo 373.

Por outro lado, sobretudo no que respeita ao dano causado ao


ambiente natural, alguns detalhes do actual regime, como por exemplo a
obrigatoriedade do dano ser significativo para ser reparado, a falta de
uniformidade do conceito de dano nos diferentes Estados-Membros, fazem
com que na realidade existam, hoje, vários regimes diferentes de
responsabilidade ambiental no seio da UE. Tendo em consideração a forte
componente económica relacionada com a protecção do ambiente, inegável
nos dias de hoje, o que acontecerá na prática é que se alcançará aquilo que
lá no início quando se começou a pensar num regime do género se tentou
colmatar: distorções nos mercados internos resultantes de níveis de
protecção diferentes do ambiente.

Como tal, actualmente, a ratio legis do regime não pode mais


basear-se unicamente no artigo 192.º do TFUE, mas antes resultar de um
equilíbrio entre este e os objectivos patentes no artigo 114.º do TFUE que
apela a uma “aproximação das disposições legislativas, regulamentares e
administrativas dos Estados-Membros, que tenham por objectivo o
estabelecimento e o funcionamento do mercado interno”.

J.J. Gomes Canotilho, Introdução ao Direito do Ambente, Universidade Aberta, 1998, p.


373

146.

196
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.3 Dimensão juspublicista da responsabilidade ambiental

A presente Directiva tem por objectivo estabelecer um quadro de


responsabilidade ambiental baseado no princípio do poluidor-pagador para
prevenir e reparar danos ambientais, como refere logo no seu artigo 1.º.
Relativamente a isso, LUDWING KRÄMER é peremptório quando escreve
que “a palavra “responsabilidade ambiental” poderia bem ter sido excluída do
título da Directiva [2004/35/CE]”374. Ora, compreendida a razão que
justifica um regime especial deste género, importa agora compreender que
tipo de regime é este afinal.

O conceito de “responsabilidade ambiental” levanta várias


dificuldades, não é definido no texto da Directiva, nem tão pouco constitui
expressão da prática jurídica375. Inclusivamente, ele sugere que nos
encontramos perante a criação de um regime de responsabilidade civil por
danos individuais, o que, quanto a nós, não é o caso376. Como tal, cumpre
proceder-se às distinções necessárias com base no que aqui está a ser
analisado.

374 Tradução do Autor. Ludwing Krämer, “The Directive 2004/35 on Environmental


Liability – Useful?”, in Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de Ciências
Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 42-55, p. 42.

375Alan E. Boyle, “Deterring, Compensating and Remedying Environmental Damage: The


contribution of tort liability”, in Harms to the Environment: The Right to Compensation and
the Assessment of Damages, Claredon Press, Oxford, 1997, p.11-27, p.12.

376Carlos Alberto Ghersi, Graciela Lovece e Celia Weingarten, “Daños al Ecossistema y al


Medio Ambiente, Editorial Astrea, De Alfredo y Ricardo De Palma, ciudad de Buenos Aires,
2004, p. 108.

197
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

No direito comparado, a CLC é o exemplo de um regime que


adopta a responsabilidade civil para a reparação de danos ambientais, afinal,
prevê a compensação às pessoas por danos resultantes de poluição
marítima. Realmente prevê a compensação e reparação do dano causado ao
ambiente, mas fá-lo de forma mediata, uma vez que entende que com a
compensação efectiva dos danos sofridos pelo Homem através do ambiente,
naturalmente, o ambiente será reflexamente salvaguardado.

A Directiva, ao invés, apesar de manter o termo


“responsabilidade”, abandona o “civil”, porquanto, o que prevê é a reparação
dos danos causados ao ambiente natural, não a protecção de um interesse
individual. Inclusivamente afirma, de forma expressa, que não confere aos
particulares o direito a compensação na sequência de danos causados ao
ambiente ou ameaça iminente dos mesmos377.

Apesar de adoptar elementos e institutos característicos da


responsabilidade civil, como a responsabilidade objectiva, a
responsabilidade subjectiva, as causas de exclusão de responsabilidade,
entre outras, o que temos agora é um sistema de carácter público de
responsabilidade por danos causados ao ambiente378. Segundo este regime,
cabe à autoridade competente (autoridade pública) a determinação dos
sujeitos responsáveis, dos danos causados e dos custos de

377 Cfr. Artigo 3, n.º 3, da Directiva 2004/35/CE.

Ver Albert Ruda González, “En Tierra de Nadie. Problemas de Delimitación del
378

Nuevo Daño Medioambiental”, in Revista de Derecho Privado, Enero-Febrero


2009, pp. 25 ss.

198
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

prevenção/reparação379. Ou seja, é um sistema que se modela no direito civil


para estruturar o regime, mas utiliza o quadro do direito administrativo
para a sua implementação e justificação doutrináriaporque refere-se aos
poderes dados a uma entidade administrativa de requerer (imediatamente
e sem ser necessário mediar qualquer acção judicial) a prática de actos de
prevenção, reparação e compensação dos danos causados ao ambiente. Isto
inclui os poderes de actuação directa do órgão e o direito de recuperação
dos custos380.

São os Estados-Membros que designam a ou as autoridades


competentes para dar cumprimento ao disposto na Directiva 381. E, incumbe
à autoridade competente a obrigação de determinar o operador que causou
o dano ou a ameaça iminente de dano, avaliar a importância do dano e
precisar as medidas de reparação que devem ser tomadas com referência ao
Anexo II. Para o efeito, a autoridade competente tem o direito de exigir que
o operador em causa efectue a sua própria avaliação e forneça os dados e
informações necessários382.

379Inaki Lasagabaster Herrarte, e outros, Derecho Ambiental, Parte General, Segunda


Edición, LETE, IVAP, Bilbao, 2007, p. 411.

380Geert Van Calster e Leonie Reins, “The ELD´s background, in The EU Environmental
Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford
University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 9.

381 Cfr. Artigo 11.º, n.º 1 da Directiva 2004/35/CE.

Albert Ruda González, – “Las Relaciones Entre La Repsonsabilidad Ambiental Conforme


382

A La Directva 2004/35/CE Y La Responsabilidad Civil”, in Nuevas Perspectivas De La


Responsabilidad Por Daños Al Medio Ambiente, Ministerio De Medio Ambiente, Madrid,
2006, Pp. 93-102, p. 93.

199
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Face a esta estrutura, alguns autores apelidam o regime criado


pela Directiva de “responsabilidade administrativa”. Contudo, essa opção
tem levantado algumas celeumas383. Nomeadamente, devido ao facto de isso
poder levar à errónea ideia de que a responsabilidade é da Administração
ou, num sentido mais amplo, do Estado, o que não é o caso.

No âmbito do regime jurídico instituído, porque ninguém tem a


titularidade do bem jurídico em causa384 – o ambiente385 – visa-se
responsabilizar financeiramente os operadores pelas actividades
desenvolvidas que provoquem danos causados ao ambiente e imputar a
estes a obrigação de levar a cabo medidas de prevenção da ocorrência do

383 Carla Amado Gomes, relativamente ao Decreto-Lei de transposição da Directiva em


Portugal, refere que o “Capítulo II dedicado à Responsabilidade Civil, introduziu um elemento
de dúvida existencial no regime pois, não só fez crer que no capítulo III se não trata, afinal, de
utilizar o instituto da responsabilidade civil (ou, noutra perspectiva, se aplicaria este mas
apenas a entidades públicas, o que geraria um outro pólo problemático, derivado da
necessidade de articulação com o regime da Lei 67/2007, de 31 de Dezembro…), in “O Regime
da Prevenção e Reparação do Dano Ecológico: Algumas Questões”, Direito do Urbanismo e
do Ambiente: Estudos Compilados, Quid Juris, Sociedade Editora, Lisboa, 2010, pp.345-362,
p. 348.

384Juan José Arbues Salazar e Jesús Labrador Bernard, El Seguro de Responsabilidad Civil
por Danõs al Medio Ambiente: El Pool Español de Riesgos Medioambientais, Dykinson, S.L,
Madrid, 1998, p.13.

385Alguns tipos de bens, enquanto recursos naturais (florestas, solos e em alguns cados a
água) são de propriedade privada e ao mesmo tempo constituem um bem de carácter
ambiental, difuso. Para alguns autores não haveria contradição nisto, coexistindo direitos
difusos e individuais sobre a propriedade. Contudo, a aplicação deste entendimento não é
tão pacífica na prática. Centram-se nos problemas decorrentes desta coabitação de direitos
as dificuldades para a implementação de diversas políticas públicas. Ver Ricardo
Abramovay, Construindo a Ciência Ambiental, Editora Annablume, 2002, p. 59 (disponível
para consulta em google books).

200
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

dano, afinal, poderão também ser responsáveis pelas ameaças iminentes ao


bem jurídico afectado386.

Como tal, não sendo nem um regime novo de responsabilidade


civil, nem um regime de responsabilidade do Estado, apresenta os elementos
necessários para ser qualificado como um regime de responsabilidade
público sui generis387. Uma vez que o bem jurídico em causa é o ambiente,
bem de fruição indivisível pela colectividade, não existe um lesado
individual e a sua implementação fica entregue à autoridade administrativa
designada para o efeito. Sobretudo através de obrigações impostas ao
operador de prevenir e/ou reparar o dano resultante da sua actividade,
oficialmente impostas por um regime de direito administrativo388.

Do referido resulta que os sujeitos privados não podem intentar


uma acção contra o operador responsável 389. A própria Directiva
expressamente refere que não é aplicável aos casos de danos pessoais, de
danos à propriedade privada ou de prejuízo económico e não prejudica

386Laure Demez, “Directive 2004/35/CE du Parlement européen et du Conseil du 21 avril


2004 sur la responsabilité environnementale”, in La Responsabilité Environnementale.
Transposition de la Directive 2004/35/CE et Implication en Droit Interne, CEDRE,
Anthemis, 2009, p. 14.

387Laure Demez, “Directive 2004/35/CE du Parlement européen et du Conseil du 21 avril


2004 sur la responsabilité environnementale”, in La Responsabilité Environnementale.
Transposition de la Directive 2004/35/CE et Implication en Droit Interne, CEDRE,
Anthemis, 2009, p. 15.

388 J.J. Gomes Canotilho, “A Responsabilidade por Danos Ambientais – Aproximação


Juspublicística”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 397-407, p. 403.

389 Ludwing Krämer, “The Directive 2004/35 on Environmental Liability – Useful?”, in Actas

do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Faculdade de Direito da


Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20
de Novembro de 2009, pp. 42-55, p. 45.

201
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

quaisquer direitos inerentes a danos desse tipo 390. Pelo que, a Directiva não
confere aos particulares o direito de compensação na sequência de danos
causados ao ambiente ou de ameaça iminente desses danos que lesem a sua
esfera privada391.

Em suma, o objectivo da Directiva não é, como o seu título pode


erroneamente sugerir, estabelecer um regime de responsabilidade de
direito privado que regule as acções para reparação de danos sofridos pelos
sujeitos privados contra os poluidores, mas sim estabelecer um
procedimento administrativo especial de prevenção e reparação por dano
causado ao ambiente que se alicerça nas premissas dogmáticas da
juspublicística ambiental.

Com a sua adopção, temos a nível europeu, pela primeira vez na


sua história, uma legislação que se baseia no princípio do poluidor-pagador
e trata “de forma horizontal e sistemática a questão da prevenção e
reparação” do dano causado ao ambiente392. Pelo que, estabelece-se, de raiz,
um regime público sui generis393.

390 Cfr. Considerando 14, da Directiva 2004/35/CE.

391Geert Van Calster e Leonie Reins, “The ELD´s background, in The EU Environmental
Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford
University Press, United Kingdom, 2013, pp. 9-30, p. 10.

392 Charles Pirotte, “La Directive 2004/35/CE du 21 Avril de 2004 sur la Responsabilité
Environnementale: Premiers Commentaires”, in Les responsabilités environnementales
dans l´espace européen: point de vue franco-belge, Bruxelles, Bruylant, 2006, pp. 655-730,
p. 655.

393Rui Tavares Lanceiro, “As medidas de reparação de danos ambientais no âmbito do


regime jurídico da responsabilidade por danos ambientais – um estudo da componente

202
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.4 Tipo de Responsabilidade: Objectiva/Subjectiva

Como já ficou assente, a Directiva é hoje o regime a aplicar a nível


europeu quando falamos em responsabilidade por dano causado ao
ambiente. Contudo, ainda antes de analisarmos, mais detalhadamente, em
que consiste este dano, importa verificar que tipo de responsabilidade foi
adoptado pela mesma. Isto vai permitir, desde logo, proceder a algumas
destrinças úteis para a própria compreensão do conceito adoptado.

A Directiva tem como objectivo fornecer um regime


harmonizado para a prevenção e reparação do dano e assim complementar
alguns regimes de protecção ambiental já existentes no seio da UE, como
sejam a Directiva Aves394 e a Directiva Habitats395. Esta necessidade de
complementaridade surge porque os regimes de protecção ambiental já

procedimental”, in Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental,


Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de Ciências
Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 194-252, p. 195.

394 Directiva 2009/147/CE do Parlamento Europeu, de 30 de Novembro de 2009. Esta


Directiva substituiu a Directiva 79/409/CEE de 2 de Abril 1979 (geralmente designada por
Directiva “Aves”), sendo este o texto legislativo mais antigo da UE relativamente à natureza.
No entanto, as modificações realizadas são exclusivamente alterações de forma. A Directiva
“Aves” instituiu, pela primeira vez, um regime geral para a protecção de todas as espécies
de aves selvagens naturalmente presentes no território da União. Reconhece ainda que as
aves selvagens, que incluem um grande número de aves migratórias, são uma herança
partilhada pelos Estados-Membros da UE e que a sua conservação requer uma cooperação
à escala mundial para ser eficaz. Para informação actualizada sobre os desenvolvimentos:
http://europa.eu/legislation_summaries/environment/nature_and_biodiversity/ev0024_
pt.htm

395Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21 de Maio de 1992, relativa à preservação dos


habitats naturais e da fauna e flora selvagens, alterada pela Directiva 97/62/CE do Conselho
de 27 de Outubro de 1997, Regulamento (CE) n.º 1882/2003 do Parlamento Europeu e do
Conselho de 29 de Setembro de 2003 e pela Directiva 2006/105/CE do Conselho de 20 de
Novembro de 2006.

203
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

existentes foram pensados, sobretudo, para uma actuação ex ante396. Não


tendo, regra geral, previsões no que respeita a responsabilidade por dano
causado ao ambiente, o que torna difícil, senão mesmo impossível, a sua
reparação por meio dos mesmos. Sendo, por isso, necessário um regime
especial de danos que cumpra este fim de conciliar a regulação ex ante e a ex
post397.

Como já vimos, um dos principais objectivos do regime de


responsabilidade criado pela Directiva é criar um quadro regulatório
comum no seio da UE que faça o sujeito levar a cabo medidas preventivas
com o objectivo de evitar o dano ou a ameaça de dano 398. A Directiva limita,
contudo, o seu âmbito de aplicação aos danos causados às espécies e habitats
naturais protegidos por legislação europeia, danos causados à água e danos
causados ao solo. E o tipo de responsabilidade que faz recair sobre cada um
destes tipos de dano é diferente.

Cria, assim, um regime misto de responsabilidade objectiva e


subjectiva, afastando-se da experiência passada proveniente da CLC e da
CERCLA que se caracterizam por adoptarem um regime de responsabilidade
exclusivamente objectiva para a reparação de danos. E, ao mesmo tempo,

396 António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português II. Direito das Obrigações,
Tomo III, Almedina, 2010, p. 429.

397 Edward Brans,


“Fundamentals of liability for environmental harm under the ELD, in The
EU Environmental Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A
Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 31-50, p. 32.

398 Edward Brans,


“Fundamentals of liability for environmental harm under the ELD, in The
EU Environmental Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A
Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 31-50, p. 32.

204
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

afastando-se também da regra geral do direito civil em que a reparação de


danos é, por excelência, uma responsabilidade fundada na culpa do agente.

De facto, na senda de variada legislação nacional e internacional


sobre este tema, a Directiva adopta a responsabilidade objectiva,
independente de culpa do agente, no caso do dano resultar de actividade
ocupacional que, por si só, considera representar um risco, de tal forma
elevado, que se justifique o ónus imposto aos seus operadores.
Paralelamente, adopta também um regime de responsabilidade subjectiva
para a reparação de dano que não seja proveniente de nenhuma das ditas
actividades consideradas perigosas, e identificadas na Directiva, quando o
operador actue com culpa.

Assim, os operadores que desenvolvam uma actividade


ocupacional prevista no Anexo III da Directiva são objectivamente
responsáveis pelos danos causados às espécies e habitats protegidos, à água
e ao solo. A Directiva, ao contrário da Convenção de Lugano onde
encontramos um conceito abrangente para definir este tipo de actividades,
opta pela adopção de uma lista fechada de actividades para fazer aplicar o
regime de responsabilidade objectiva. Assim, as actividades listadas no
Anexo III são aquelas consideradas “environmentally risky activities”399. O
Anexo III foi já alvo de duas alterações em resultado da Directiva
2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 5 de Junho, relativa
ao armazenamento geológico de dióxido de carbono e da Directiva

399 Edward Brans,


“Fundamentals of liability for environmental harm under the ELD, in The
EU Environmental Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A
Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 31-50, p.42.

205
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

2006/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 15 de Maio, relativa


à gestão dos resíduos de indústrias extractivas.

A opção por um regime de responsabilidade pelo risco, ao invés


do regime-regra da responsabilidade por culpa, no que respeita à reparação
do dano causado ao ambiente, já foi objecto de elevada discussão ao longo
dos anos. Sobretudo porque não se trata de danos ilícita e/ou culposamente
provocados, mas de lesões a bens públicos causados por certas actividades
às quais são inerentes certos riscos típicos ou um potencial acrescido de
perigo400.

Com efeito, alguns Estados-Membros utilizaram a prerrogativa


conferida no artigo 16, n.º 1 da Directiva e procederam à transposição da
mesma de forma mais ampla no que respeita ao escopo de aplicação da
responsabilidade objectiva. Países como a Hungria e a Grécia procederam a
uma aplicação da responsabilidade objectiva às actividades do Anexo III,
bem como às actividades que não se encontram no Anexo III (Hungria) e a
uma aplicação da responsabilidade objectiva para os danos às espécies e
habitats naturais resultantes de actividades descritas no Anexo III, bem
como para aquelas que não estão aí definidas (Grécia). Outros países, como
a Bélgica, Croácia, Finlandia, Letónia, Lituânia, Polónia, Espanha e Suécia,

400 J.J. Gomes Canotilho, “A Responsabilidade por Danos Ambientais – Aproximação


Juspublicística”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, pp. 397-407, p. 404.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

também procederam a extensões às actividades abrangidas pelo regime da


responsabilidade objectiva para além daquelas previstas no Anexo III 401.

No que respeita ao regime criado pela Directiva, para alguns


autores, como ESTEVE PARDO402, não se pode dizer que nos encontramos
perante um regime de responsabilidade objectiva. São apontadas duas
razões para fundamentar esta posição: primeiro, porque no âmbito do
regime em causa se prevê não um regime de responsabilidade objectiva,
mas, antes, dois regimes diferentes de responsabilidade, e se a um podemos
apelidar de objectiva, o outro terá um carácter marcadamente subjectivista.
Segundo, porque entende o autor, que não é correcto denominar de
responsabilidade objectiva quando se desvaneceu o marco caracterizador
da responsabilidade civil. Afinal, a responsabilidade é uma responsabilidade
sem vítimas individuais, ou seja, sem pessoas que se podem considerar
lesadas de modo imediato.

De facto, em consonância com este autor e no nosso


entendimento, não seria rigoroso afirmar que a Directiva adopta um regime
de responsabilidade objectiva, sem mais explicações. Por um lado, porque a
Directiva prevê também um tipo de responsabilidade baseado na culpa do
operador. A Directiva optou por adoptar este posicionamento apenas para
alguns elementos naturais específicos – espécies e habitats protegidos403.

401 BIO Inteligence Sercice,


ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared
for European Commision, DG Environment, published by European Union, 19 February
2014, pp. 41 e 42.

José Esteve Pardo, Ley de Responsabilidad Medioambiental. Comentário Sistemático,


402

Manuales Profesionales Administrativo, Marcial Pons, 2008, p.48.

403 Cfr. Artigo 3.º, n.º1, al. a), da Directiva 2004/35/CE.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Por outro lado, não obstante, nos danos causados ao ambiente não existem
lesados directos particulares, no sentido que a palavra adquire no direito
civil, aqui temos o ambiente como lesado directo e a colectividade, apenas,
como lesado indirecto, devido à perda da possibilidade de usufruir dos
serviços proporcionados pelo mesmo.

Assim, não podemos concordar quando o mesmo autor diz que


não estamos perante um regime de responsabilidade objectiva, unicamente
porque, segundo o próprio, não configura um regime de responsabilidade
civil, devido ao facto de não tratar de danos causados a pessoas, por
terceiros, mas sim danos causados ao ambiente. Realmente, como salienta
BARACHO JÚNIOR, a responsabilidade civil, até ao início deste século, era
objecto de análise essencialmente no âmbito do direito privado404. Contudo,
aqui temos que concordar com CARLA AMADO GOMES, quando refere que
“isto denota uma visão claramente privatista, a qual esquece a natureza de
“património comum do Direito” que a responsabiliade civil reveste”405.

Não obstante não estarmos na senda de uma responsabilidade


civil tout court, é necessário tentar compreender os fenómenos da
problemática ambiental a partir de variados ramos do conhecimento, para,

José Alfredo de Oliveira Baracho Júnior, Responsabilidade Civil por Dano Ao Meio
404

Ambiente, Editora Del Rey, Belo Horizonte/MG, 1999, p. 293.

405 Carla Amado Gomes, “De que falamos quando falamos de dano ambiental? Direito,
Mentiras e Crítica, in Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de Ciências
Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 153-171, p. 158; Carla Amado
Gomes, “De Que Falamos Quando Falamos De Dano Ambiental? Direito, Mentiras e Críticas”,
in Revista do CEJ, 1.º semestre 2012, n.º 13, pp. 323-339, pp. 327.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

em seguida, produzir uma solução à medida que visará buscar soluções


jurídicas concretas para problemas interdisciplinares. 406

Nesse sentido, a Directiva, apesar de não ser um regime de


responsabilidade civil, mas sim de cariz administrativo, importa do direito
civil a teoria da responsabilidade pelo risco, ou também chamada objectiva.
Fá-lo a partir do momento que, independentemente de quem seja o lesado,
havendo um dano resultante de uma actividade ocupacional considerada
perigosa e, com efeito, expressamente identificada na Directiva, torna
responsável o operador, pela reparação do mesmo, independentemente da
verificação ou não de culpa sua. E esta responsabilidade objectiva, não pode
ser analisada sob uma perspectiva civilista, mas publicista, de modo a dar
resposta aos problemas colocados relativamente à reparação do bem
jurídico em causa.

Tanto assim é que ela se aplica também à prevenção do dano. E,


nestes casos, o operador de qualquer actividade ocupacional407, seja
considerada perigosa ou não, face a uma ameaça iminente de verificação de
um dano causado ao ambiente é responsável objectivamente pelas “medidas
de prevenção necessárias”, independentemente de ter incorrido em culpa ou

406 Tasso Alexandre Richetti Pires Cipriano, “O Conceito Econômico-Jurídico de


Desenvolvimento sustentável”, in Temas de Direito do Ambiente, Cadernos O Direito, n.º 6,
2011, pp. 337-360, p. 339.

407“Actividade ocupacional” é um termo definido pelo artigo 2.º, n.º 7, da Directiva


2004/35/CE como “qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade
económica, de negócio ou de uma empresa, independentemente do seu carácter privado ou
público, lucrativo ou não”. Este conceito irá ser objecto de detalhada análise aquando da
identificação da fonte do dano como elemento caracterizador do mesmo.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

não408. Temos, então, a responsabilidade objectiva a dar resposta directa aos


objectivos de prevenção, base do regime especial de responsabilidade
criado pela Directiva409.

Para além desta responsabilidade objectiva, a Directiva utiliza,


ainda, uma abordagem subjectivista para os danos causados às espécies e
habitats naturais protegidos, quando causados por qualquer actividade
ocupacional distinta das enumeradas no Anexo III e à ameaça iminente
desses danos em resultado dessas actividades. Com efeito, nestes casos, os
operadores somente terão a obrigação de prevenir e reparar os danos
referidos se agirem com culpa ou negligência.

Quanto a este aspecto, chama a atenção o facto de a Directiva


restringir a aplicação da responsabilidade subjectiva apenas aos danos às
espécies e habitats protegidos e não ter, em nenhum momento, apontado
uma solução para os danos à água e ao solo resultantes de actividades que
não estejam listadas no Anexo III da Directiva. Se a situação poderia ser
compreensível para os danos à água e ao solo que não caíssem dentro do
escopo da Directiva, ela é pouco compreensível e até ineficiente para os
casos de danos causados a àgua incluídos na Directiva Águas e os danos ao
solo abrangidos pela Directiva Habitats.

Em resumo, a Directiva vem criar um regime que responsabiliza


o operador da actividade ocupacional da qual resultou o dano, seja a título

408 Cfr. artigo 5.º, n.º 1, da Directiva 2004/35/CE.

409Jacobo Martín Fernández, “Prevención, Evitación y Reparación de Daños Ambientales”,


in Comentários a la Ley de Responsabilidad Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra,
2008, pp. 293-314, p. 298.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

de culpa ou negligência, seja a título de risco da actividade. Contudo, importa


salientar que ela vai mais longe e salvaguarda algumas situações onde a
actuação destes agentes possa não ser eficaz ou satisfatória para a
prevenção e reparação dos danos causados ao ambiente, colocando a
autoridade competente com a obrigação subsidiária de reparação face à
inércia ou ineptidão daqueles.

Como refere o artigo 5.º, n.º 3, al. d) e o artigo 6.º, n.º 2, al. e),
ambos da Directiva, a autoridade competente, antes de mais, tem a
possibilidade de, em qualquer momento, tomar ela própria as medidas de
prevenção e/ou reparação necessárias. Contudo, se o operador não cumprir
as obrigações de reparação do dano, não puder ser identificado ou não for
obrigado a suportar os custos ao abrigo das excepções e exclusões previstas
na Directiva, “pode [leia-se deve] ser a própria autoridade competente a
tomar essas medidas, como último recurso” 410. Esta solução mostra-se muito
coerente com os princípios de precaução e prevenção do regime de direito
ambiental, caso isto não se apresente, apenas, como faculdade da mesma,
mas obrigação integrante do dever de actuar que pauta a própria
Administração Pública em matéria de protecção e reparação ambiental e
que se encontra constitucionalmente consagrado no artigo 66.º, n.º 2 da
Constituição da República Portuguesa.

410 Cfr. Artigo 6.º, n.º 3 da Directiva 2004/35/CE.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.4.1 Causas de Exclusão da Responsabilidade

A Directiva prevê, como vem já sendo hábito em variada


legislação europeia, um vasto rol de causas de exclusão desta
responsabilidade411. Interessa-nos aqui compreender que causas são essas
e que espaço deixa para a efectiva aplicação do modelo em causa412.

A Directiva não se aplica aos danos ao ambiente, ou ameaça de


danos, causados por actos de conflito armado, hostilidades, guerra civil ou
insurreição, bem como por fenómenos naturais de carácter excepcional,
inevitável e irresistível 413.

Os casos de força maior – actos de conflito armado, hostilidades,


guerra civil ou insurreição414 – são acontecimentos que criam a
impossibilidade de cumprir não atribuível nem à vontade do devedor, nem
à do credor415. Entram, nesta categoria, a tempestade, a guerra, a inundação,

411Bruno Albergaria, Direito Ambiental e a Responsabilidade Civil das Empresas, Editora


Forúm, 1.º Edição, 2005, p 146.

Lucía Gomis Catalá, Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, Arazandi Editorial,
412

Pamplona, 1998, p. 129.

413 Cfr. Artigo 4.º, n. 1, da Directiva 2004/35/CE.

414Discute-se, actualmente, se deverá, ou não, incluir-se o “terrorismo” dentro do conceito


de “actos de guerra” ou “insurreição”. Ver Lucía Gomis Catalá, Responsabilidad por Daños
al Medio Ambiente, Arazandi Editorial, Pamplona, 1998, p. 131, nota de rodapé n.º 165.

415Fernando Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil,


(Reimpressão) Livraria Almedina, Coimbra, 1995, p. 120.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

as acções de natureza política totalmente fora da esfera de controlo do


sujeito que pratica uma actividade, entre outras416.

A exclusão devida em resultado de fenómenos naturais coloca,


contudo, no âmbito europeu, alguns problemas de interpretação. Torna-se
necessário entender o alcance do preceito à luz do direito europeu e não,
apenas, tendo em consideração as diferentes interpretações que apresenta
no ordenamento jurídico de cada Estado-Membro. Não obstante nenhum
texto europeu oferecer, actualmente, uma definição única para o mesmo,
alguns contributos foram fornecidos pelo Tribunal de Justiça da União
Europeia (TJUE)417.

Como descreve PESSOA JORGE, de um modo geral, o caso fortuito


ou de força maior é um acontecimento que, para alguém e nos quadros da
situação concreta em que se encontra, é insuperável ou invencível. Esta
insuperabilidade, salientada pela expressão “força maior”, resulta de o facto
ser imprevisível (não se sabe em tempo útil que ele se vai dar); inevitável
(não é possível impedi-lo quando já se sabe que vai ocorrer) e irremovível
(não se pode afastá-lo ou pôr-lhe termo quando já se desencadeou); estas
duas últimas características englobam-se na ideia de inevitabilidade. Como
tal, a imprevisibilidade, salientada pela expressão “caso fortuito”, significa

Lucía Gomis Catalá, Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, Arazandi Editorial,
416

Pamplona, 1998, p. 131.

Lucía Gomis Catalá, Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, Arazandi Editorial,
417

Pamplona, 1998, p. 131.

214
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

tratar-se de algo que interrompe inesperadamente o rumo normal dos


acontecimentos418.

Concretamente, o Tribunal referiu-se a estes fenómenos naturais


como “circunstâncias estranhas ao operador em causa, anormais e
imprevisíves, cujas consequências não puderam ser evitadas apesar das
diligências empregues”419. Nesta senda vai, directamente, o legislador
europeu ao adoptar na Directiva os termos “excepcional”, “inevitável” e
“irresistível”, como teste para a identificação das mesmas.

Dúvida, contudo, pode ser levantada quando, paralelamente


ao fenómeno natural, medeie uma acção humana que tenha um papel
relevante na ocorrência do dano. Nesses casos, a Directiva não responde. No
entanto, somos a entender que medeando uma acção voluntária em
resultado da qual, seja a título directo ou indirecto, o dano resulte, a
excepção da exclusão da responsabilidade por fenómenos naturais não pode
actuar e, com efeito, o operador será responsabilizado nos termos do regime
em causa, seja pelas medidas preventivas empregues, seja pelas medidas de
reparação.

Fora estas situações, a Directiva, expressamente, refere que


não se aplica aos danos que resultem de incidentes relativamente aos quais

418Fernando Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil,


(Reimpressão) Livraria Almedina, Coimbra, 1995, p. 122.

419 Cfr. Sentença de 22 de Janeiro de 1986, as. 266/84, Denkavit c. Francia, Rec. 1986, p. 149.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

a responsabilidade ou compensação seja abrangida pelo âmbito de aplicação


de um conjunto de Convenções, como sejam:

▪ Convenção Internacional de 27 de Novembro de 1992 sobre a


Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos (CLC 1992);

▪ Convenção Internacional de 27 de Novembro de 1992 para a


Constituição de um Fundo Internacional para Compensação
pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos (IOPC
Fund 1992);

▪ Convenção Internacional de 23 de Março de 2001 sobre a


Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos contidos em Tanques de Combustível
(Convenção Bunker Oil);

▪ Convenção Internacional de 23 de Março de 2001 sobre a


Responsabilidade e a Indemnização por Danos ligados ao
Transporte por Mar de Substâncias Nocivas e Potencialmente
Perigosas (Convenção HNS);

▪ Convenção de 10 de Outubro de 1989 sobre a


Responsabilidade Civil pelos Danos causados durante o
Transporte de Mercadorias Perigosas por Via Rodoviária,
Ferrroviária e por Vias Navegáveis Interiores.

A Directiva, não obstante, incluir posteriores alterações


dessas convenções, faz depender esta excepção do facto de a Convenção em

216
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

causa se encontrar em vigor no Estado-Membro em questão. Caso contrário,


aplica-se o disposto na Directiva. Encontramo-nos, aqui, face a uma tentativa
de harmonizar os diferentes regimes internacionais que, de alguma forma,
visam a reparação e compensação de danos relacionados com a agressão ao
ambiente natural.

Numa análise mais detalhada verificamos que o problema ocorre,


contudo, quando estas exclusões provocam, na prática, uma lacuna no seio
do próprio regime. Afinal, deixam por compensar danos que não estarão
cobertos nem pelas Convenções supra mencionadas, nem pela Directiva,
porque prevê que esta não se aplica aos danos causados ao ambiente “que
resultem de incidentes relativamente aos quais a responsabilidade ou
compensação seja abrangida pelo âmbito de aplicação de alguma das
Convenções Internacionais enumeradas” 420.

Por exemplo, no caso da CLC 1992 e do IOPC Fund 1992, melhor


analisados no Capítulo 2, abrange-se a cobertura do “Pollution Damage”. Nos
termos do artigo I, n.º 6 da CLC, este conceito compreende: qualquer perda
ou dano exterior ao Navio causado por uma contaminação resultante de fuga
ou descarga de hidrocarbonetos provenientes do Navio, danos causados no
ambiente, excluindo os lucros cessantes motivados por tal dano, desde que
limitado aos custos das medidas necessárias tomadas ou a tomar para a
reposição das condições ambientais e o custo das medidas preventivas, bem
como quaisquer perdas ou danos causados pela aplicação das mesmas.

420 Cfr. Artigo 4.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Efectivamente, o texto da Convenção faz referência a


“compensation for impairment of environment”, contudo, a Resolução n.º 3
do IOPC deixa clara a posição interpretativa deste dispositivo por parte dos
órgãos responsáveis pela implementação do mesmo. Para estes, “o ambiente
marinho não possui valor, uma vez que não pode ser comercializável, tal como
não podem ser as suas criaturas ou peixes nele existentes até serem
capturados” 421. Com efeito, a compensação deste dano será realizada apenas
de acordo com as medidas de reparação levadas a cabo. Isto faz com que este
dano tenha como última rácio os prejuízos individais, não o dano causado ao
ambiente. Posto isto, este dano causado ao ambiente ficará,
necessariamente, de fora do âmbito de aplicação da Convenção, o que não
sucederia se a Directiva fosse aplicada. Esta exclusão, da forma como se
encontra configurada, gera uma lacuna nos casos em que se verifique um
dano ao ambiente natural resultante do transporte de hidrocarboneto em
Navio, nos termos como é entendido pela CLC.

No que respeita à Convenção Bunkers 2001, à Convenção HNS, e


à Convenção de 10 de Outubro de 1989 sobre a Responsabilidade Civil pelos
Danos causados durante o Transporte de Mercadorias Perigosas por Via
Rodoviária, Ferrroviária e por Vias Navegáveis Interiores (conhecida como
Convenção CRTD422) aplica-se o mesmo raciocínio utilizado para a CLC
1992, afinal, a compensação por dano causado ao ambiente é desenhada à
imagem daquela. Tanto assim é que, o “Pollution Damage” da Convenção

421 International Oil Pollution Compensation Fund 1992, Claims Manual, April 2005 Edition,
p. 25 ss.

Convention on Civil Liability for Damage Cause During Carriage of Dangerous Goods by
422

Road, rail and Inland Navigation Vessels, 1989.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Bunkers, o “Loss or damage by contamination of the environment caused by


the hazardous and noxious substances” da Convenção HNS, ou o “loss or
damage by contamination to the environment caused by the dangerous goods”
da Convenção CRTD423 espelham-se no formato adoptado pela CLC424.

Contudo, esta tentativa de evitar conflitos não existe somente


com os dispositivos legais internacionais, a Directiva afasta ainda a sua
aplicação nos casos de riscos nucleares ou ameaça iminentes destes danos,
causados pelas actividades abrangidas pelo Tratado que institui a
Comunidade Europeia da Energia Atómica ou por incidentes ou actividades
relativamente aos quais a responsabilidade ou compensação seja do âmbito
de algum dos seguintes instrumentos internacionais:

▪ Convenção de Paris, de 29 de Julho de 1960, sobre a


Responsabilidade Civil no domínio da Energia Nuclear, e Convenção de
Bruxelas, de 31 de Janeiro de 1963;

▪ Convenção de Viena, de 21 de Maio de 1963, relativa à


Responsabilidade Civil em matéria de Danos Nucleares; 425

423 Cfr. Artigo 1, n.º 10 e Artigo 2, Convenção CRTD.

424 Cfr. Artigo 1 (9) (a) and (b).

425Sobre a cobertura dos custos para reabilitar o ambiente, ver Art. I, al. K) da Convenção
de Viena, Henry W. Macgee, e Luz E. Ortiz Nagle, “Hacia un regimen de responsabilidad civil
por dano ecológico transfronterizo”, in Revista Jurídica Universidad de Puerto Rico, Vol.
71:1, pp. 111-145, p. 122.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Convenção de 12 de Setembro de 1997, relativa à


Indemnização Complementar por Danos Nucleares;

▪ Protocolo Conjunto de 21 de Setembro de 1988, relativo à


Aplicação da Convenção de Viena e da Convenção de Paris;

▪ Convenção de Bruxelas, de 17 de Dezembro de 1971, relativa


à Responsabilidade Civil no Domínio do Transporte Marítimo de Material
Nuclear.

A tentativa de pensar o cenário da reparação do dano com âmbito


global, tentando criar um quadro que se relacione de forma coerente e
garanta efectivamente a reparação do mesmo, mas evite a duplicação de
compensação, é de louvar. Porém, o problema coloca-se, como vimos,
quando algumas das convenções supra listadas apresentam um conceito de
dano mais limitado do que a própria Directiva, o que necesariamente irá
deixar um vazio jurídico que não era certamente a intenção do legislador426.
O dano causado ao ambiente corre o risco de não ser reparado no âmbito do
regime da Directiva, nem pelos regimes internacionais expressamente
excluídos427.

426 Edward Brans,


“Fundamentals of liability for environmental harm under the ELD, in The
EU Environmental Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A
Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 31-50, pp. 43-44.

427 Clemente Auger Linán,


“Problemática de la responsabilidad civil em materia ambiental”,
Medio Ambiente. Poder Judicial. Número especial IV, pp. 111-123, p. 121.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.5 Sujeito Passivo: “Operador”

Antes de compreender que tipos de danos devem, ou não, estar


incluídos dentro do conceito de dano reparável é necessário determinar
quais os sujeitos que podem realizar as actividades causadoras dos danos,
ou seja, quem são aqui os sujeitos potencialmente responsáveis.

A Directiva centraliza a responsabilidade ambiental na figura do


operador. O operador é, nos termos do artigo 2.º, n.º 6, “qualquer pessoa
singular ou colectiva, pública ou privada, que execute ou controle a actividade
profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha
sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico
dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o
efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade”.

Esta definição apresenta uma importância crucial no regime de


responsabilidade ambiental, afinal, ela identifica os responsáveis potenciais
pelo dano causado ao ambiente. Contudo, importa diferenciar este conceito
de outro já atrás referido, o de “Partes Potencialmente Responsáveis” (PPR)
previsto na CERCLA. No regime Americano, o termo PPR é interpretado
normalmente de forma bastante ampla, incluindo um conjunto vasto de
sujeitos passíveis de serem responsabilizados pelo Superfund. Pelo
contrário, a Directiva pretendeu evitar os transtornos que essa posição
poderia causar à prevenção e reparação do dano e limitou o seu âmbito a um
pequeno grupo de sujeitos428.

428 Lucas Bergkamp e Anke von Gergeik, Scope of The ELD Regime, n The EU Environmental
Liability Directive, A commentary, edited by Luas Bergkamp e Barbara J. Goldsmith, Oxford,
2013, p. 52.

221
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Da forma como o conceito se encontra definido na Directiva


algumas características são de destacar:

1.º A natureza de pessoa singular ou colectiva;

2.º A natureza pública ou privada;

3.ºA necessidade que execute ou controle a actividade


profissional ou tenha poder económico decisivo sobre o funcionamento
técnico dessa actividade.

Segundo ALEXANDRA ARAGÃO, o poluidor que deve pagar é


aquele que tem poder de controlo sobre as condições que levam à ocorrência
da poluição, podendo portando preveni-las429. Mas a que tipo de controlo
nos devemos referir? Ao económico? Ao técnico? Ao jurídico? Ou ao domínio
de facto da actividade causadora do dano?

Para ESTEVE PARDO, o que a Directiva pretende é fazer referência


aos centros de decisão e de controlo da actividade. Contudo, como em
muitos casos concretos será difícil estabelecer onde se localiza este centro
directivo e quem é responsável pelas decisões, entende este autor que será
necessário fazer uma leitura administrativa e não mercantil do teor da
Directiva. Assim, deverá prestar-se atenção prioritária, em detrimento da
organização que apresenta a empresa, à união temporal de empresas, aos
estatutos ou demais convénios que estabelecem o nível de relação em causa,
às licenças, autorizações, comunicações e outros documentos ou registos
administrativos e no que aí esteja especificado sobre os responsáveis e

429Maria Alexandra de Sousa Aragão, O Princípio do Poluidor Pagador, Stvidia Ivridica, 23,
Coimbra Editora, p.95.

222
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

directores das actividades autorizadas ou comunicadas430. O operador é,


também, a pessoa que registe ou notifique essa actividade431. Esta situação
pode levantar alguns problemas, sobretudo se a pessoa que registe ou
notifique a actividade não tiver nenhum nível substancial de controlo sobre
a mesma432.

No nosso entendimento, a Directiva aponta, claramente, para quem


tem o poder económico. A dúvida é se o poder técnico deve, também, ser ou
não levado em consideração. E, se sim, importa compreender se para
aplicação da Direciva devem estes dois poderes estar cumulativamente
representados, ou se bastará a existência de um deles para poder
caracterizar o sujeito como operador. E, caso assim seja, alguns problemas
de identificação do operador poderão ser colocados. Afinal, o conceito
comporta em si várias entidades que se podem concentrar na mesma
pessoa, mas que na maioria das vezes se encontram dispersas por pessoas
diferenciadas433.

A ideia de controlo inserida neste último conceito permitiria fazer


responder, também, às sociedades-mães por actos das suas filiais434. A

José Esteve Pardo, Ley de Responsabilidad Medioambiental. Comentário Sistemático,


430

Manuales Profesionales Administrativo, Marcial Pons, 2008, pp.40 e 41.

431 Cfr. artigo 2.º, n.º 6, da Directiva 2004/35/CE.

432 Lucas Bergkamp e Anke von Gergeik, Scope of The ELD Regime, n The EU Environmental
Liability Directive, A commentary, edited by Luas Bergkamp e Barbara J. Goldsmith, Oxford,
2013, p. 53.

433 A Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Eslovénia, Finlândia e França optaram por uma
responsabilidade conjunta. Portugal optou pela responsabilidade solidária, conforme artigo
4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 147/2008. Ver COM (2010) 581 final, p. 6.

434 Lucas Bergkamp e Anke von Gergeik,Scope of The ELD Regime, n The EU Environmental
Liability Directive, A commentary, edited by Lucas Bergkamp e Barbara J. Goldsmith,
Oxford, 2013, p. 53.

223
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Directiva fala-nos em poder económico determinante para o seu


funcionamento técnico. Contudo, não define o que entende por controlo e
isso poderá levar a algumas dúvidas de interpretação e, consequentemente,
de aplicação da mesma. Afinal, pode-se suscitar a dúvida de saber se o
controlo se refere a aspectos ambientais ou não.

Em caso afirmativo, pode-se correr o risco das sociedades mães


confiarem a gestão de certos aspectos perigosos a sociedades filiais
descapitalizadas e que deixem de supervisionar as políticas ambientais
levadas a cabo pelas mesmas. Isso poderia levar a uma deterioração do
ambiente. A alternativa consiste em substituir o termo controlo pelo
requisito de que o operador utilize uma substância perigosa ou a tenha sob
seu domínio. E, à margem disso, fazer responder o grupo de sociedades, se
houve utilização abusiva da pessoa jurídica ou fraude à lei435.

Nos casos de contrato de locação financeira ou leasing, a questão


também é controvertida. Afinal, é possível que em algumas situações o
proprietário tenha tido a possibilidade de coadjuvar no desenvolvimento da
actividade proibida ou, pelo menos, omitido acções que pudessem ter
impedido que o ocupante causasse o dano. Nestas hipóteses ambos
deveriam responder pelo dano436. Contudo, nestes casos, a solução não se
encontra respaldo na lei e, como tal, torna-se mais complicado aplircar-se-
lhes o regime especial de responsabilidade ambiental.

Por fim, em muitos casos, será a própria administração a levar a cabo


a gestão do bem e será ela mesma que ostenta a condição de operador.

435 Cfr. artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 147/2008.


Sobre isto Ver Albert Ruda González, El Daño
Ecológico Puro, Thomson Arazandi, 2008, p.277.

436 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, 2008, p.236.

224
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Nesses casos, a trama adensa-se quando o operador (aqui enquanto


entidade pública) concessiona a terceiros a realização de serviços ou
empreitadas que seriam da sua responsabilidade. Nestes casos, importa
compreender quem será responsável pela ocorrência de evetuais danos ou
ameaças iminentes de danos na sequência na actividade levada a cabo pelo
concessionário, se o operador público ou o privado.

Realmente, o operador de facto será o sujeito privado, que é aquele


que em virtude de uma relação de tipo contratual realiza actos que podem
gerar dano ao ambiente, como pode ser a construção de obras públicas, ou
gestão de recursos437. Por outro lado, os sujeitos que mantêm uma relação
contratual com a Administração – concessão de serviços, construtores
contratados, etc. – actuam segundo as directrizes ditadas pela
Administração Pública no contrato, como tal, existe quem defenda que,
mesmo sendo operadores potencialmente responsáveis, não devem
suportar os custos com a reparação de eventuais danos. Nesse sentido,
dispõe o art.º 8.º, n.º 3 da Directiva “[n]ão é exigido ao operador que suporte
o custo de acções de prevenção ou de reparação executadas por força da
presente directiva, se este puder provar que o dano ambiental ou a ameaça
iminente desse dano: (…) b) Resultou do cumprimento de uma ordem ou
instrução emanadas de uma autoridade pública que não sejam uma ordem ou
instrução resultantes de uma emissão ou incidente causado pela actividade do
operador”. Quanto a nós, não entendemos ser de aplicar a exclusão do art.º
8.º, n.º 3, al. b) da Directiva, afinal, é demasiado forçado equiparar as
disposições resultantes de um acordo de vontades, o contrato

José Esteve Pardo, Ley de Responsabilidad Medioambiental. Comentário Sistemático,


437

Manuales Profesionales Administrativo, Marcial Pons, 2008, p.42.

225
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

administrativo, com uma “ordem” ou “instrução”, mais próximos dos Actos


Administrativos438.

438 Posição contrária apresenta Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños
Medioambientales, Baker & Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, pp. 160 e 161.
Entende que “La exoneración será efectiva si los daños o amenazas de danõs se deben
únicamente al cumplimiento de tal orden o instrucción obligatória dictada por una autoridad
pública. A estos efectos, se incluyen también las órdenes dadas en ejecución de un contrato a
que se refiere la legislación de contratos de las Administraciones públicas”.

226
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6 Dano: “Dano Ambiental”

A presente Directiva “tem por objectivo estabelecer um quadro de


responsabilidade ambiental baseado no princípio do «poluidor-pagador» para
prevenir e reparar danos ambientais”439. Com efeito, a delimitação do
conceito de dano reparável é essencial, afinal, sem ele não existe nada para
reparar e, portanto, não se palica o regime em causa. Portanto, a delimitação
do objecto da Directiva – os danos ambientais – encontra-se estritamente
relacionada com a definição do conceito de dano adoptado. E, como
veremos, a análise desse conceito faz ressaltar uma série de problemas com
ela intimamente relacionados como, por exemplo, a definição de “dano” e a
discriminação das sub-categorias de dano.

Com a elaboração da Directiva, vislumbrou-se, por breves momentos,


o fim da incerteza jurídica que pairava à volta da definição de dano causado
ao ambiente . Relembre-se que em alguns dos normativos internacionais
supra estudados, nomeadamente no Livro Branco e no Livro Verde,
considerava-se que o âmbito de aplicação do futuro sistema comunitário
deveria abarcar tanto os denominados “danos tradicionais”, como os
chamados “danos causados ao ambiente”, mesmo que submetidos a um
regime diferenciado. Defendendo-se, assim, um conceito amplo de “dano” e
pondo fim às suas imensas sub-divisões.

Recentemente, um estudo levado a cabo em França, por LAURENT


NEYRET e GILLES MARTIN apresenta a “nomemclature des préjudices

439Cfr. artigo 1.º da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de


Abril de 2004 relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação
de danos ambientais.

227
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

environnementaux”440 e vai exactamente nesse sentido. Vamos aqui analisar


o conceito apresentado pela Directiva, seus contornos e eventuais limitações
para, dessa forma, verificar (demonstrar) a insuficiência do regime para
uma cobertura ampla e efectiva do ambiente.

Antes de mais, a Directiva não opta, quanto a nós, por um regime


único para todos os potenciais danos resultantes da afectação do ambiente.
Considerou-se, ao invés, que pelo menos numa primeira fase não seria de
contemplar os “danos tradicionais” no sistema proposto, afinal, estes, bem
ou mal, encontram respaldo na legislação nacional de cada Estado-Membro
referente à responsabilidade civil. Assim, a Directiva restringe o seu âmbito
de aplicação ao que denomina de “danos ambientais”, de acordo com um
conceito ultra restrito de ambiente, limitado apenas a alguns recursos
naturais. E prevê expressamente que não é aplicável aos casos de danos
pessoais, de danos à propriedade privada ou de prejuízo económico,
deixando liminarmente de fora do seu escopo de protecção os danos
particulares441.

Consciente de que a definição do âmbito de aplicação objectivo


poderá colocar em causa a efectividade do regime criado, a Directiva salienta
que devem ser definidas noções úteis para a boa interpretação e aplicação
do seu regime, em especial no que se refere à definição de “danos
ambientais”. Para além disso, salienta ainda a necessidade de coordenação
entre os vários normativos ambientais. Afirmando que, se a noção em

Laurent Neyret e Gilles J. Martin, Nomenclature des prejudices environnementaux, Droit


440

Des Affaires, L.G.D.J, Lextenso éditions, Paris, 2012.

441Cfr. Considerando 14, da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho


de 21 de Abril de 2004 relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e
reparação de danos ambientais.

228
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

questão derivar de outra legislação comunitária relevante, deve recorrer-se


à mesma para que se possam utilizar critérios comuns e promover uma
aplicação uniforme do regime442.

A Directiva tem por objectivo estabelecer um quadro de


responsabilidade ambiental para prevenir e reparar “danos ambientais”443.
E para se compreender o que define por “dano ambiental”, para efeitos da
sua aplicação, é necessário recorrer à interpretação conjugada de diferentes
conceitos – dano, dano ambiental, recursos naturais, etc. – patentes em
vários artigos da Directiva, como os artigos 2.º, 3.º e 4.º, bem como os Anexos
I, II, III e IV.

Assim, nos termos do disposto no artigo 2.º, n.º 2, vemos que por
“dano” deve-se, para efeitos de interpretação e aplicação da Directiva,
entender a “alteração adversa e mensurável, de um recurso natural ou a
deterioração mensurável do serviço de um recurso natural, quer ocorram
directa ou indirectamente”. Uma questão que poderá suscitar dúvidas será
compreender-se os contornos desta “alteração adversa e mensurável” ou
“deterioração mensurável”, bem como quais os serviços ambientais que
estão aqui abrangidos, mas isso relegamos para os próximos Capítulos.

442 Cfr.
Considerando 5, da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de
21 de Abril de 2004 relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e
reparação de danos ambientais.

443Cfr. Artigo 1.º, da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21 de


Abril de 2004 relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação
de danos ambientais.

229
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Aqui, importa compreender que o conceito de dano adoptado faz


alusão directa a “recurso natural444”, dando a entender que o “dano
ambiental” será o dano a qualquer recurso natural, o que como veremos não
é o que acontece445. Aquando da definição de “danos ambientais” verifica-se,
com base no n.º 1 do mesmo artigo, uma restrição clara dos recursos
naturais protegidos. Nos termos do disposto no art.º 2.º, n.º 12 da Directiva
entende-se por “recurso natural”, apenas, as espécies e habitats naturais
protegidos, a água e o solo.

Pelo que, para a identificação do tipo de dano tratado no âmbito


de aplicação da Directiva importa ir além do disposto no artigo 2.º,
conjugando-o com alguns Considerandos, nomeadamente o 4, o 13 e o 14.
Assim, nos termos do disposto na Directiva o “dano ambiental” se subdivide
em três sub-categorias de danos:

i) “Danos causados às espécies e habitats naturais protegidos”;


ii) “Danos causados à água”; e
iii) “Danos causados ao solo”.

Vamos analisar cada uma destas categorias de dano


individualmente e, dessa forma, tentar compreender as eventuais limitações
do regime.

444A adopção do conceito de “recursi” na Directiva não foi, também, a mais adequada, uma
vez que apregoa uma visão utilitarista que não era, do nosso ponto de vista, aquela prevista
na elaboração de um regime autónomo de responsabilidade ambiental.

445“Esta clasificación de “numerus clausus” ha sido criticada por la doctrina, ya que a pesar
del título de esta norma con ella no se pretende la defensa del conjunto del medio ambiente,
sino únicamente de una serie de recursos contemplados en ella. Por esta razón, hubiese sido
más adecuado establecer una enumeración “apertus” que permitiese dar cabida al conjunto
del medio ambiente”, Ver Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños
Medioambientales, Baker & Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 80.

230
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.1 Danos ambientais incluídos no âmbito de aplicação da


Directiva

3.6.1.1 Danos causados às espécies e habitats naturais


protegidos

No que respeita à fauna e flora protegidas no âmbito da Directiva,


o artigo 1.º, al. a) da Directiva dispõe que constitui dano ambiental os “danos
causados às espécies e habitats naturais protegidos”, “isto é, quaisquer danos
com efeitos significativos adversos para a consecução ou a manutenção do
estado de conservação favorável desses habitats ou espécies. O significado de
tais efeitos deve ser avaliado em reacção ao estado inicial, tendo em atenção
os critérios do Anexo I”. Acrescenta, ainda, que “os danos causados às espécies
e habitats naturais protegidos não incluem os efeitos adversos previamente
identificados que resultem de um acto de um operador expressamente
autorizado pelas entidades competentes nos termos das disposições de
execução dos n.os 3 e 4 do artigo 6.º ou do artigo 16.º da Directiva 92/43/CEE
ou do artigo 9.º da Directiva 74/409/CEE, ou, no caso dos habitats e espécies
não abrangidos pela legislação comunitária, nos termos das disposições
equivalentes da legislação nacional em matéria de conservação da
natureza”446.

Na realidade, na perspectiva histórica da elaboração da Directiva


tivemos a oportunidade de constatar que na proposta de Directiva
encontrava-se uma referência a “danos contra a biodiversidade”, aludindo-se
aos danos às espécies e habitats naturais protegidos e, com isso, parecendo-

446 Cfr. Artigo 2.º, n.º 1, al. a) da Directiva 2004/35/CE.

231
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

se adoptar uma postura ampla de protecção da fauna e flora. Contudo, nesse


normativo, entendia-se por biodiversidade “habitats e espécies naturais
constantes do Anexo I da Directiva 79/409/CEE ou dos Anexos I, II e IV da
Directiva 92/43/CEE ou habitats e espécies não abrangidos por aquelas
Directivas mas em relação aos quais tiverem sido designadas áreas de
protecção ou conservação nos termos do direito nacional relativo à
conservação da natureza”.

Ora, se confrontarmos esta definição utilizada com aquela outra


apresentada na Convenção da Diversidade Biológica (CDB), “diversidade
biológica significa a variabilidade entre os organismos vivos e todas as origens
incluindo, inter alia, os ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos
quais fazem parte; compreende a diversidade dentro de cada espécie, entre as
espécies e dos ecossistemas”, verifica-se que elas não se assemelham 447. Nos
termos da CDB, biodiversidade é definida como o número e variedade de
todas as espécies de plantas, animais, e micro-organismos, bem como dos
ecossistemas de que fazem parte, logo, é mais do que um conjunto de
espécies numa certa área e vai para além das espécies referidas na proposta
de Directiva448.

Assim, este termo foi abandonado, e passou-se a falar


directamente em “danos às espécies e habitats naturais protegidos” optando-
se, claramente, por uma posição mais restritiva de protecção da fauna e

Cfr. Artigo 2.º da Convenção sobre a Diversidade Ecológica, ratificada por Portugal pelo
447

Decreto-Lei n.º 21/93 de 21 de Junho.

448 Edward Brans,


“Fundamentals of liability for environmental harm under the ELD, in The
EU Environmental Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A
Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 31-50, p.34.

232
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

flora. Daí que, o dano à biodiversidade, como definido na CDB, não seja
necessariamente coberto pela Directiva. O âmbito da Directiva é limitado às
espécies e habitats naturais protegidos pela Directiva Habitats e pela
Directiva Aves449. Seria mais consentâneo com o escopo de protecção da
norma que este adjectivo “protegidas” tivesse sido eliminado do texto e as
Directivas respectivas actuasseem como mero parâmetro mínimo e
indicativo de protecção das espécies e habitats 450.

Por outro lado, destaca-se que a Directiva se refere às espécies


como tal e não, ao invés, aos indivíduos singularmente considerados que a
ela pertencem. Esa consideração é importante porque reforça a nossa
posição de que o que passa a estar em causa é a manutenção da diversidade
do ecossistema e não a protecção dos elementos individualmente
considerados.

Com efeito, nos termos do seu artigo 2.º, n.º 3, a Directiva


considera “espécies e habitats naturais protegidos”:

▪ Espécies mencionadas no artigo 4.º, n.º 2 da Directiva


2009/147/CE451 relativa à conservação das aves selvagens ou enumeradas

449Nesse sentido, Julia Pedraza Laynez refere que “No obstante, hubiese sido gran acierto
haber eliminado este adjectivo, ampliando así la protección a cualquier tipo de espécie
independentemente de que encontrasse o no bajo la protección estatal o autonómica
correspondiente”, La Responsabilidad por Daños Medioambientales, Baker & Mackenzie,
Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 86.

450Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños Medioambientales, Baker &


Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 86.

451 Revoga a Directiva 79/409/CEE.

233
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

no seu Anexo I ou nos Anexos II e IV da Directiva 92/43/CEE relativa à


preservação dos habitats naturais e da fauna e da flora selvagens;

▪ Habitats das espécies mencionadas no artigo 4.º, n.º 2 da


Directiva 2009/147/CE ou enumeradas no seu Anexo I ou no Anexo II da
Directiva 92/43/CEE;

▪ Habitats naturais enumerados no Anexo I da Directiva


92/43/CEE;

▪ Locais de reprodução ou áreas de repouso enumeradas no


Anexo IV da Directiva 92/43/CEE; e

▪ Quando um Estado-Membro assim o determine, quaisquer


habitats ou espécies não enumeradas nos referidos Anexos que o Estado-
Membro designe para efeitos equivalentes aos estipulados nestas duas
Directivas.

Posto isto, os Estados-Membros têm a opção de incluir dentro do


âmbito de aplicação da Directiva, espécies e habitats naturais que não
estejam cobertos pela Directiva Habitats e pela Directiva Aves. Uma das
condições para que isso aconteça é que estes recursos naturais sejam

234
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

protegidos por legislação nacional de protecção e conservação da


Natureza452.

Ora, tendo em consideração que a classificação das áreas a


submeter a um especial regime de protecção é, em regra, proposta pelos
Estados-Membros à Comissão Europeia, que confronta o pedido com os
critérios das Directivas, confirmando ou infirmando o desígnio dos Estados-
Membros, será em última instância a estes a quem caberá a tarefa de definir
e apontar as designadas espécies e habitats protegidos, seja mediata, seja
imediatamente453.

Especificamente no que respeita ao dano às espécies e habitats


protegidos importa salientar que neste tipo de danos o “efeito significativo
adverso” vai ter uma particularidade, que os demais danos não apresentam.
Para serem considerados “significativos” deverão produzir os seus efeitos
não directamente na espécie natural e habitats, mas sim na capacidade para
“a consecução ou manutenção do estado de conservação favorável desses
habiats ou espécies”. Quanto à identificação deste “estado de conservação
favorável” ela não é simples, mas a Directiva refere no Anexo I que este deve
ser avaliado tomando como ponto de referência o estado de conservação, no
momento dos danos, os serviços proporcionados pelo quadro natural que
oferecem e a sua capacidade de regeneração natural.

452 Edward Brans,


“Fundamentals of liability for environmental harm under the ELD, in The
EU Environmental Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A
Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 31-50, p.33.

453 Carla Amado Gomes, “Os bens ambientais como bens de interesse comum da
Humanidade: entre o universalismo e a razão do Estado”, in O Direito, Ano 141.º, 2009, V,
pp.1051-1069, p.1059.

235
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

236
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.1.2 Dano causados à água

A Directiva prevê, também, como dano ambiental os “danos


causados à água”, isto é, quaisquer danos que afectem de forma muito séria:

i) “O estado ecológico, químico ou quantitativo ou o potencial


ecológico das águas em questão, conforme a definição
constante da Directiva 2000/60/CE, com excepção dos
efeitos negativos aos quais seja aplicável o n.º 7 do seu
artigo 4.º, ou

ii) O estado ambiental das águas marinhas em questão,


conforme a definição constante da Directiva 2008/56/CE,
na medida em que aspectos particulares do estado
ambiental do meio marinho não sejam já tratados na
Directiva 2000/60/CE”.454

Para tal, para poder determinar os “danos causados à água” é


necessário compreender qua o elemento que está a ser protegido. Assim, a
Directiva define o conceito “água”, no artigo 2.º, n.º 5, como “todas as águas
abrangidas pela Directiva 2000/60/CE”.

454 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, al. b), pontos i) e ii) da Directiva 2004/35/CE.

237
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Por sua vez, a Directiva 2000/60/CE aplica-se às:455

▪ Águas de Superfície Interiores: “águas interiores, com


excepção das águas subterrâneas, das águas de transição e das águas
costeiras, excepto no que se refere ao estado químico; este estado aplica-se
também às águas territoriais”.456

▪ Águas Interiores: “todas as águas lênticas ou concorrentes à


superfície do solo e todas as águas subterrâneas que se encontram entre a
terra e a linha de base a partir da qual são marcadas as águas territoriais”. 457

▪ Águas de Transição: “massas de água de superfície na


proximidade da foz dos rios, que têm um carácter parcialmente salgado em
resultado da proximidade de águas costeiras, mas que são significativamente
influenciadas por cursos de água doce”. 458

▪ Águas Costeiras: “as águas de superfície que se encontram entre


a terra e uma linha cujos pontos se encontram a uma distância de uma milha
náutica, na direcção do mar, a partir do ponto mais próximo da linha de base

455Cfr. artigo 1.º da Directiva 2000/60/CE, com a redacção posterior à alteração realizada
pela Directiva Directiva 2014/101/EU de 30 de Outubro de 2014.

456 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, Directiva 2000/60/CE, com a redacção posterior à alteração
realizada pela Directiva 2009/31/CE de 25 de Junho de 2009.

457 Cfr. artigo 2.º, n.º 3, Directiva 2000/60/CE, com a redacção posterior à alteração
realizada pela Directiva 2009/31/CE de 25 de Junho de 2009.

458 Cfr. artigo 2.º, n.º 6, Directiva 2000/60/CE, com a redacção posterior à alteração
realizada pela Directiva 2009/31/CE de 25 de Junho de 2009.

238
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

e de delimitação das águas interiores estendendo-se, quando aplicável, até ao


limite exterior das águas de transição”. 459

▪ Águas Subterrâneas: “todas as águas que se encontram abaixo


da superfície do solo na zona de saturação e em contacto directo com o solo ou
com o subsolo”.460

Com efeito, a remissão da definição de “águas” para a Directiva


2000/60/CE não facilitou a tarefa de interpretação dos Estados-Membros
aquando da transposição da Directiva. Desde logo, deixou de fora as águas
marinhas dentro da jurisdição dos Estados-Membros para além de uma
milha náutica a contar da linha de base de delimitação das águas interiores.
Afinal, a cobertura da Directiva Águas é limitada às águas costeiras dos
Estados-Membros e, por conseguinte, também a cobertura da Directiva
estava limitada a estas.

Contudo, esta situação ficou resolvida depois da Directiva


2013/30/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Junho de 2013
que procede à terceira alteração da Directiva 2004/35/CE. Uma vez que, a
partir de 19 de Julho de 2015 a Directiva passa também a incluir dentro das
“àguas” a proteger as “águas marinhas” dos Estados-Membros tal como
definido na Directiva 2008/56/CE. Passando a incluir dentro do conceito de
“águas”:

459 Cfr. artigo 2.º, n.º 2, Directiva 2000/60/CE, com a redacção posterior à alteração
realizada pela Directiva 2009/31/CE de 25 de Junho de 2009.

460 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, Directiva 2000/60/CE, com a redacção posterior à alteração
realizada pela Directiva 2009/31/CE de 25 de Junho de 2009.

239
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

a) As águas, os fundos e os subsolos marinhos situados entre a linha


de base a partir da qual são medidas as águas territoriais e o
limite exterior da zona sobre a qual um Estado-Membro possua
e/ou exerça jurisdição, em conformidade com a UNCLOS, com
excepção das águas adjacentes aos países e territórios referidos
no Anexo II do Tratado e às autarquias e departamentos
franceses ultramarinos; e

b) As águas costeiras, tal como definidas na Directiva 2000/60/CE,


o seu fundo e subsolo marinhos, na medida em que aspectos
particulares do estado ambiental do meio marinho não sejam já
tratados na referida directiva ou noutra legislação comunitária.

Esta alteração ocorre devido ao “Deepwater Horizon”, incidente


ocorrido no Golfo do México, em Abril de 2010, na sequência do qual a
Comissão Europeia propôs o alargamento do âmbito da Directiva às águas
marinhas dentro da jurisdição dos Estados-Membros. Tendo sido,
inclusivamente, publicada, em Outubro de 2011, uma proposta de resolução
do Parlamento Europeu intitulada “Enfrentar os desafios da segurança das
plataformas offshore de petróleo e de gás natural” 461.

Nos termos da referida Proposta, se “considera que o âmbito da


directiva relativa à responsabilidade ambiental deve ser alargado, a fim de
que o princípio do poluidor-pagador e o primado da responsabilidade estrita
se apliquem a todos os danos causados às águas marinhas e à biodiversidade
e que as companhias de petróleo e gás possam ser responsabilizadas por todo

461 Cfr. Documento A7-290/2011, de 26/7/2011.

240
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

e qualquer dano ambiental causado e assumam plena responsabilidade, sem


quaisquer limites máximos, por eventuais prejuízos, garantidos pelas reservas
mantidas pelos operadores”462. Isto representou, de facto, um aumento
significativo da extensão da aplicação da Directiva.

462Cfr. Ponto 76 da Proposta de Resolução do Parlamento Europeu “Enfrentar os desafios


da segurança das plataformas offshore de petróleo e de gás natural”, Documento A7-
290/2011, de 26/7/2011.

241
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

242
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.1.3 Danos causados ao solo

A Directiva entende como dano ambiental, também, o “dano


causado ao solo”, definindo este como “qualquer contaminação do solo que
crie um risco significativo de a saúde humana ser afectada devido à
introdução, directa ou indrecta, no solo ou à sua superfície, de substâncias,
preparações, organismos ou microorganismos”463.

Como se verifica da definição supra, este tipo de danos será


apenas sujeito ao regime de prevenção e reparação criado pela Directiva se,
e na medida em que, criar um risco à saúde ou bem-estar do Homem e,
apenas, quando resultantes de uma das actividades consideradas
potencialmente perigosas e previstas no Anexo III. Se não for esse o caso, se
por exemplo estivermos no âmbito de uma afectação da diversidade do
ecossistema, esta actuação parece ser irrelevante se não significar perigo
para a vida humana. Isto é contraditório com o objecto da norma, afinal não
faz sentido eliminar/afastar a reparação dos danos tradicionais para,
posteriormente, usá-lo como critério de determinação do dano ao solo.

A justificação para a distinção entre danos causados ao solo


resultantes das actividades listadas no Anexo III serem sujeitas a
responsabilização e os danos resultantes de actividades não identificadas
não implicarem responsabilização do sujeito não está, em lugar algum da
Directiva, explicada. Este problema agudiza-se, ainda mais, se se verificar
uma situação onde ocorra um dano na sequência de uma actividade não

463 Cfr. Artigo 1.º, n.º 1, al. c), da Directiva 2004/35/CE.

243
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

listada, mas, não obstante, dentro de uma área protegida464. Parece-nos que
deveria implicar a obrigação de reparar, contudo, ficará fora do regime.

No caso específico dos danos ao solo, a Directiva aproxima-se da


visão antropocêntrica, onde o dano só adquire relevância, e só deve ser
reparado, se afectar o Homem465. Ora, como refere CARLA AMADO GOMES,
o regime “não pode, arbitrariamente, estabelecer distinções entre bens
ambientais merecedores de tutela preventiva, reconstitutiva e compensatória
e bens isentos dela. Não há (não deve haver) bens ambientais de 1.ª e de 2.ª”466.

Quanto a isto, Alexandra Aragão refere como “curioso” o facto da


Directiva incluir aqui a saúde humana, depois de ter restringido o âmbito de
aplicação da lei apenas aos danos causados ao ambiente natural, deixando
de fora os danos ambientais. Nas suas palavras “esta opção não significa, no
entanto, um recuo na opção de não tratar de danos causados ao homem
através do ambiente (danos ambientais). Significa apenas que a saúde
humana é utilizada como critério de relevância, ou indicador objectivo da
poluição do solo”467.

464 Edward Brans,


“Fundamentals of liability for environmental harm under the ELD, in The
EU Environmental Liability Directive”, in The EU Environmental Liability Directive. A
Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 31-50, pp.35. e ss

465Tiago Antunes, “Da natureza jurídica da responsabilidade ambiental”, in Temas de


Direito do Ambiente, Cadernos O Direito, n.º 6, Almedina, 2011, pp. 137-167, p.146.

466Carla Amado Gomes, “Responsabilidade civil por dano ecológico: reflexões preliminares
sobre o novo regime instituído pelo DL147/2008, de 29 de Julho”, in O que há de novo no
Direito do Ambiente?, Actas das Jornadas do Ambiente, Faculdade de Direito de Lisboa, 15
de Outubro de 2008, AAFDL, Lisboa, 2009, pp. 235-275, pp.248 e ss.

467Alexandra Aragão, “Dano Ecológico: Critérios Práticos de Identificação e Avaliação”, in


Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2013, II, pp. 271-307, p. 279.

244
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Discordamos desta interpretação. Quanto a nós, o legislador


criou um problema hermenêutico ao fazer a determinação do dano ao solo
dependente da verificação, ou não, do dano ao Homem. Este tipo de dano
deveria, tal como os restantes, levar em consideração, sobretudo, as
alterações ao equilíbrio ecológico do solo para a sua definição.

245
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

246
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.2 Fonte

3.6.2.1 Actividade-Ocupacional

O regime adopta uma postura, comum no seio da


responsabilidade por danos, de que nem todos os danos são reparáveis.
Nesse sentido, refere que, para que este regime de responsabilidade seja
eficaz, tem de haver um ou mais poluidores identificáveis 468. Ou seja, a
identificação do autor da poluição, no sentido jurídico de fonte do dano,
transforma-se em pressuposto do próprio dano469.

O regime de responsabilidade desenhado pela Directiva adopta


dois tipos de responsabilidade, uma responsabilidade objectiva para as
actividades listadas no Anexo III e uma responsabilidade subjectiva para
qualquer actividade ocupacional, desde que se actue com culpa.

Com efeito, como se estabelece no artigo 3.º da Directiva, este


regime aplica-se “aos danos ambientais causados por qualquer das
actividades ocupacionais enumeradas no Anexo III e à ameaça iminente
daqueles danos em resultado dessas actividades” e aos “danos causados às
espécies e habitats naturais protegidos por qualquer actividade ocupacional
distinta das enumeradas no Anexo III, e à ameaça iminente dessas actividades,
sempre que o operador agir com culpa ou negligência”.

468 Cfr. Considerando 13, da Directiva 2004/35/CE.

469 KISS, Alexandre e BEURIER, Jean-Pierre, Droit International de L´Énvironnement, Etudes

Internationales, 2.º ed., 2000, Pedone, p. 368.

247
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

O conceito de actividade ocupacional condiciona, assim, a


caracterização do dano como reparável, ou não. Ou seja, não basta que exista
um qualquer dano para que seja qualificado como dano reparável e,
consequentemente, o regime de responsabilidade seja aplicável. É condição
sine qua non da qualificação do dano como reparável, e consequentemente a
sua cobertura no âmbito da Directiva, que este seja resultante de uma
actividade ocupacional.

Do exposto, podemos concluir que o novo modelo de


responsabilidade europeu restringe o seu âmbito de aplicação aos danos que
resultem de actividades ocupacionais, estejam ou não previstas no Anexo III.
Pelo que, importa conhecer e tratar o conceito de “actividade ocupacional”,
de forma a estipular os seus limites e fronteiras.

Nos termos do artigo 2.º, n.º 7 da Directiva, actividade


ocupacional é “qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma
actividade económica, de um negócio ou de uma empresa, independentemente
do seu carácter privado ou público, lucrativo ou não”. Esta definição
apresenta-se muito ampla e coloca alguns problemas de delimitação exacta
do campo de aplicação, uma vez que utiliza conceitos jurídicos e económicos,
misturando-os470.

Não entendemos que a Directiva ao optar pelos termos


“actividade económica, negócio e empresa” para definir o conceito de

470 Nicolas Sadeleer, “La Directive 2004/35/CE Relative A La Responsabilite


Environnementale: Avancee ou Recul Pour Le Droit de De L´Environnement Des Etats
Membres?”, in Les Responsabilités Environmenales Dans L´Espace Européen. Point de Vue
Franco-Belge, 45, Bruyland, Bruxelles, 2006, pp. 731-777, p. 739.

248
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

actividade ocupacional, teve a intenção de limitá-lo471. Antes pelo contrário,


com isso, permite a abrangência do conceito de actividade ocupacional às
actividades desenvolvidas, no âmbito de um negócio isolado ou organização,
por pessoa singular ou colectiva. Pelo que, quer seja sob a forma organizada
de empresa, quer seja sob a forma de um negócio ocasional, desde que esteja
em causa uma actividade de cariz económico, existindo ou não lucro, e dessa
actividade resultem danos causados ao ambiente, aplica-se o regime
previsto pela Directiva. Em suma, o que está em causa são os danos
resultantes de uma conduta humana organizada472.

Para alguns autores, como ESTEVE PARDO, esta actividade


económica não está necessariamente vinculada a uma habilitação específica,
como poderia ser uma licença para o exercício de determinada actividade ou
autorização para o exercício de uma profissão. Trata-se de um conceito
amplo e não formal de actividade económica que pode estender-se, também,
a actividades que não tenham fim lucrativo, sempre que sejam
desenvolvidas no âmbito de uma actividade económica473.

Concordamos com CARLA AMADO GOMES quando defende a


exclusão, implícita mas inequivocamente, das actividades com finalidades

471Lucía Casado Casado, “Atribuición de Responsabilidades, Comentarios a la Ley de


Responsabilidad Medioambiental”, in Comentários a la Ley de Responsabilidad
Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008, pp. 229-293, p. 233.

472Carlos Alberto Ghersi, Graciela Lovece e Celia Weingarten, Daños al Ecossistema y al


Medio Ambiente, Editorial Astrea, De Alfredo y Ricardo De Palma, ciudad de Buenos Aires,
2004, p. 109.

José Esteve Pardo, Ley de Responsabilidad Medioambiental. Comentário Sistemático,


473

Manuales Profesionales Administrativo, Marcial Pons, 2008, p.40.

249
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

de ócio e lazer474. Nestes casos, os danos que se possam verificar, terão uma
reacção jurídica através da imposição de sanções, que podem consistir numa
multa, ou podem originar a obrigação de reparar o dano através de uma
prestação de fazer de conteúdo restaurador475.

Contudo, isto não quer dizer que basta a qualificação de uma


actividade como de ócio ou lazer para que seja, imediatamente, excluída do
âmbito de aplicação da Directiva e, consequentemente, não possa ser
geradora de dano reparável. Importa, quanto a isso, salientar que caso estas
actividades sejam desenvolvidas profissionalmente, com a obtenção de
vantagens económicas, terão necessariamente que cair dentro do âmbito do
regime. A exclusão é pensada, no nosso entendimento, para aquele que
pratica qualquer uma destas actividades de ócio ou lazer, com esse
propósito específico. No momento em que esta actividade assume um
carácter profissional ou de empresa, será abrangida pelo regime.

A ideia é distinguir entre actividades económicas e todas as


restantes actividades levadas a cabo pelo indivíduo, como actividades
quotidianas, lúdicas e de recreação. Contudo, ao referir que se encontra no
seu âmbito qualquer actividade económica “independentemente do seu
carácter (…) lucrativo ou não” coloca a questão de saber, por exemplo, no

Carla Amado Gomes, Introdução ao Direito do Ambiente, AAFDL, Lisboa, 2012, pp.196-
474

197.

José Esteve Pardo, Ley de Responsabilidad Medioambiental. Comentário Sistemático,


475

Manuales Profesionales Administrativo, Marcial Pons, 2008, p. 40.

250
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

caso de associações476 e fundações sem fim lucrativo que desenvolvam uma


actividade económica, se estarão abrangidas ou não pelo regime criado477.

Quanto a nós, a solução que vai de encontro aos preceitos do


regime não pode ser outra que não a de abranger dentro da esfera de
competência da Directiva todos aqueles casos em que mesmo não visando o
lucro como objectivo principal esse existiu e é uma consequência directa das
actividades realizadas. Assim, gerando um dano causado ao ambiente no
âmbito do desenvolvimento das suas actividades, seja principal ou
secundária, teriam que responder pelos prejuízos daí resultantes.

476Lucía Casado Casado, “Atribuición de Responsabilidades, Comentarios a la Ley de


Responsabilidad Medioambiental”, in Comentários a la Ley de Responsabilidad
Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008, pp. 229-293, pp. 233-234.

477Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 62.

251
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

252
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.2.2 Actividades perigosas

A Directiva estabelece como fonte elementar do dano a


“actividade ocupacional”. Porém, existem um conjunto de actividades que
representam um risco elevado ao Homem e ao ambiente, pelo que tem sido
prática na UE, desde o caso Seveso e da Directiva com o mesmo nome,
Directiva 67/548/CE, adoptar uma postura mais severa para este conjunto
de actividades, e a Directiva 2004/35/CE não é excepção 478. Assim, para um
conjunto específico de actividades ocupacionais a Directiva vai mais longe e
qualifica-as como “perigosas”, tendo isso efeito directo no dano reparável e
no tipo de responsabilidade aplicável.

O objectivo do regime da Directiva foi, assim, cobrir os danos


resultantes de actividades que contêm um risco intrínseco de causar dano
ao ambiente. Muitas dessas actividades encontram-se, presentemente,
reguladas por legislação europeia no domínio do ambiente, ou por
legislação, que, a par de outros objectivos, possui também um objectivo
ambiental479.

Existem várias formas de levar a cabo a identificação destas


actividades perigosas. Pode-se optar por uma definição expressa e ampla de
“actividade perigosa”, adoptando-se uma cláusula geral de

478 Stefan Schwager e outros, Droit de L´Environnement Suisse-CE, Ecologie e Société, 2, pp.
46-54, p. 52.

Cfr. Ponto 4.2.2, do Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental, apresentado pela
479

Comissão a 9 de Fevereiro de 2000, COM(2000) 66 final.

253
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

responsabilização de modo a que qualquer actividade, em abstracto, por ser


apta a produzir o dano causado ao ambiente seja considerada perigosa480.

Pode-se, ao invés, adoptar o método de listagem. Dentro deste,


podem ser identificadas as instalações, as actividades ou as substâncias
abrangidas pelo regime como critério qualificador da perigosidade da
actividade ocupacional.

A primeira hipótese apresentada consiste em enumerar uma


série de instalações que, pelas suas características, estejam aptas a produzir
estes danos. Dentro desta “responsabilidade por instalação” pode-se optar
por um regime de numerus clausus, lista fechada, ou ao invés, por um modelo
de numerus apertus, lista aberta.

O primeiro tem origem alemã e compõe-se de dois elementos


essenciais: a referência à instalação sujeita ao regime especial na definição
do âmbito de aplicação da responsabilidade e uma lista fechada de
instalações prevista em anexo ao articulado legal.

Em teoria, este método tem como objectivo promover a


segurança jurídica e facilitar o cálculo dos riscos associados à
responsabilidade. Não obstante, esta teoria tem a desvantagem de permitir
que uma instalação não incluída na lista, que determine um risco
equivalente a outra que esteja, não seja abrangida pelo regime, uma vez que,
de acordo com a lista taxativa, não se permite analogia ou interpretação

480 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p.238.

254
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

extensiva. Podendo apenas ser aplicado aos casos expressamente


consagrados, este sistema leva, dessa forma, a um tratamento desigual de
situações semelhantes, o que vai colocar em causa o princípio da igualdade,
norteador de todas as soluções jurídicas adoptadas 481.

A alternativa ao critério de lista fechada é o de lista aberta, que


pressupõe uma cláusula geral onde se incluam todas as instalações
consideradas especialmente perigosas para o ambiente. A principal
vantagem deste critério é que permite que sejam incluídas no seu âmbito de
aplicação instalações novas que não puderam ser tidas em consideração
aquando da elaboração do regime, mas que não ficarão de fora do seu âmbito
de aplicação. Pelo contrário, como desvantagem principal aponta-se a sua
limitada precisão e demasiada amplitude.

Esta amplitude, contudo, pode ser diminuída caso se adopte uma


limitação à aplicação do mesmo, seja requerendo-se o uso de determinadas
substâncias, seja fazendo responder apenas as instalações que tenham um
carácter económico, ou não, e ainda outra hipótese é fazer restringir a
influência da instalação a um determinado elemento natural482.

A segunda hipótese consiste em adoptar o método de “listagem


das actividades” abrangidas pelo regime. Dentro desta duas possibilidades
se afiguram: referência a actividades perigosas, sem mais indicações, ou a
enumeração de um conjunto de actividades específicas que se pressupõe

481 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 228.

482 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p.231.

255
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

acarretarem um risco elevado de gerarem dano. Este último é o critério


adoptado pela Directiva483.

Com efeito, são identificadas no Anexo III da Directiva um


conjunto de actividades ocupacionais relativamente às quais, na sequência
da ocorrência de um dano, aplica-se a responsabilidade objectiva. Esta lista
é uma lista fechada. Primeiro, o artigo 3.º, n.º 1, al. a), dispõe que este regime
se aplica aos danos e à ameaça iminente daqueles “causados por qualquer
das actividades enumeradas no Anexo III”, “em resultado dessas actividades”,
em seguida, o Anexo III apresenta a lista dessas actividades.

Assim, nos termos do seu Anexo III, consideram-se actividades


perigosas:

▪ A exploração de instalações sujeitas a licença, nos termos da


Directiva 96/61/CE do Conselho, de 24 de Setembro de 1996,
relativa à prevenção e controlo integrados da poluição484;

▪ Operações de gestão de resíduos, incluindo a recolha, o


transporte, a recuperação e a eliminação de resíduos e resíduos
perigosos, incluindo a supervisão dessas operações e o
tratamento posterior dos locais de eliminação, sujeitas a licença
ou registo, nos termos da Directiva 75/442/CE do Conselho, de
15 de Julho de 1975, relativa aos resíduos, e da Directiva

483Posição diferente aponta Albert Ruda González, ao defender que encontramo-nos


perante um regime de “responsabilidade por instalações”. Ver Albert Ruda González, El
Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p.228.

484 Cfr. Ponto 1, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

256
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

91/689/CEE do Conselho, de 12 de Dezembro de 1991, relativa


aos resíduos perigosos. Estas operações incluem, entre outras, a
exploração de aterros nos termos da Directiva 1999/31/CE do
Conselho de 26 de Abril de 1999, relativa à deposição de resíduos
em aterros, e a exploração de instalações de incineração nos
termos da Directiva 2000/76/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 4 de Dezembro de 2000, relativa à incineração de
resíduos;

Para efeitos da presente Directiva, os Estados-Membros podem


decidir que estas operações não incluam o espalhamento de
lamas de águas residuais provenientes de instalações de
tratamento de resíduos urbanos, tratadas segundo normas
aprovadas, para fins agrícolas485;

▪ Todas as descargas para as águas interiores de superfície que


requeiram autorização prévia, nos termos da Directiva
76/464/CEE do Conselho, de 4 de Maio de 1976, relativa à
poluição causada por determinadas substâncias perigosas
lançadas no meio aquático da Comunidade486;

▪ Todas as descargas de substâncias para as águas subterrâneas


que requeiram autorização prévia nos termos da Directiva
80/68/CEE do Conselho, de 17 de Dezembro de 1979, relativa à

485 Cfr. ponto 2, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

486 Cfr. ponto 3, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

257
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

protecção das águas subterrâneas contra a poluição causada por


certas substâncias perigosas487;

▪ As descargas ou injecções de poluentes nas águas de superfície


ou nas águas subterrâneas que requeiram licença, autorização ou
registo nos termos da Directiva 2000/60/CE488;

▪ Captação e represamento de água sujeitos a autorização prévia,


nos termos da Directiva 2000/60/CE489;

▪ Fabrico, utilização, armazenamento, processamento,


enchimento, libertação para o ambiente e transporte local de:

a) Substâncias perigosas definidas no artigo 2.º, n.º 2 da


Directiva 67/548/CEE do Conselho, de 27 de Junho de
1967, relativa à aproximação das disposições legislativas,
regulamentares e administrativas respeitantes à
classificação, embalagem e rotulagem das substâncias
perigosas490;

b) Preparações perigosas, definidas no artigo 2.º, n.º 2 da


Directiva 1999/45/CE do Parlamento Europeu e do

487 Cfr. ponto 4, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

488 Cfr. ponto 5, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

489 Cfr. ponto 6, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

490 Cfr. ponto 7, alínea a), do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

258
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Conselho, de 31 de Maio de 1999, relativa à aproximação


das disposições legislativas, regulamentares e
administrativas dos Estados-Membros respeitantes à
classificação, embalagem e rotulagem das preparações
perigosas491;

c) Produtos fitofarmacêuticos definidos no artigo 2.º, n.º 1


da Directiva 91/414/CEE do Conselho, de 15 de Julho de
1991, relativa à colocação dos produtos
fitofarmacêuticos no mercado492;

d) Produtos biocidas definidos na do artigo 2.º, n.º 1, al. a)


da Directiva 98/8/CE do Parlamento Europeu e do
Conselho, de 16 de Fevereiro de 1998, relativa à
colocação de produtos biocidas no mercado493;

▪ Transporte rodoviário, ferroviário, marítimo, aéreo ou por vias


navegáveis interiores de mercadorias perigosas ou poluentes
definidas no Anexo A da Directiva 94/55/CE do Conselho, de 21
de Novembro de 1994, relativa à aproximação das legislações
dos Estados-Membros respeitantes ao transporte rodoviário de
mercadorias perigosas, no Anexo da Directiva 96/49/CE do
Conselho, de 23 de Julho de 1996, relativa à aproximação das
legislações dos Estados-Membros respeitantes ao transporte

491 Cfr. ponto 7, alínea b), do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

492 Cfr. ponto 7, alínea c), do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

493 Cfr. ponto 7, alínea d), do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

259
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ferroviário de mercadorias perigosas, ou na Directiva 93/75/CE


do Conselho, de 13 de Setembro de 1993, relativa às condições
mínimas exigidas aos navios com destino aos portos marítimos
da Comunidade ou que deles saiam transportando mercadorias
perigosas ou poluentes;

▪ Exploração de instalações sujeitas a autorização, nos termos da


Directiva 84/360/CEE do Conselho, de 28 de Junho de 1984,
relativa à luta contra a poluição atmosférica provocada por
instalações industriais, no que respeita à libertação para a
atmosfera de quaisquer das substâncias poluentes abrangidas
pela referida Directiva494;

▪ Quaisquer utilizações confinadas, incluindo transporte, que


envolvam microrganismos geneticamente modificados definidos
pela Directiva 90/219/CEE do Conselho, de 23 de Abril de 1990,
relativa à utilização confinada de microrganismos geneticamente
modificados495;

▪ Qualquer libertação deliberada para o ambiente, incluindo a


colocação no mercado ou o transporte de organismos

494 Cfr. ponto 9, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

495 Cfr. ponto 10, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

260
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

geneticamente modificados definidos na Directiva 2001/18/CE


do Parlamento Europeu e do Conselho496;

▪ Transferências transfronteiriças de resíduos, no interior, à


entrada e à saída da União Europeia, que exijam uma autorização
ou sejam proibidas na acepção do Regulamento (CEE) n.º
259/93, de 1 de Fevereiro de 1993, relativo à fiscalização e ao
controlo das transferências de resíduos no interior, à entrada e à
saída da Comunidade;

▪ A gestão de resíduos de extracção, nos termos da Directiva


2006/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de
Março de 2006, relativa à gestão dos resíduos de indústrias
extractivas;

▪ A operação de locais de armazenamento, nos termos da Directiva


2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de
Abril de 2009, relativa ao armazenamento geológico de dióxido
de carbono.

Aqui o reparo a fazer prende-se com a distinção realizada pelo


regime entre recursos naturais ambientais afectados em resultado de
actividades perigosas, vulgo actividades previstas no Anexo III, e aqueles
afectados em resultado de actividades que não estejam previstas no Anexo
III. Isto significa que, na prática um dano às espécies e habitats naturais,

496 Cfr. ponto 11, do Anexo III, da Directiva 2004/35/CE.

261
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

dano à água e dano ao solo, que seja resultado de uma actividade


ocupacional estará abrangido dentro do âmbito de aplicação do regime e,
com efeito, sujeito às medidas de prevenção e reparação necessárias. Já no
que respeita aos mesmos tipos de danos, mas resultantes de outras
actividades que não as enumeradas no Anexo III teremos a prevenção e
reparação apenas aplicada aos danos às espécies e habitats naturais
protegidos. Ficarão sem previsão os danos ao solo e à água.

262
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.2.3 Actividades excluídas

Verifica-se, pois, que o conceito de “actividade ocupacional”,


adoptado pela Directiva, tem uma extensão bastante grande, incluindo uma
série de realidades que caracterizam a vida em sociedade497. Contudo, ele
não é aplicável de forma absoluta, a Directiva prevê demasiadas excepções
ao mesmo.

Nos termos do disposto no artigo 4,º, n.º 6 da Directiva são


expressamente excluídas do campo de aplicação do regime, “as actividades
cujo principal objectivo resida na defesa nacional ou na segurança
internacional”, bem como as “actividades cujo único objectivo resida na
protecção contra catástrofes naturais”.

De igual modo, a Directiva não se aplica aos danos causados ao


ambiente pelas actividades abrangidas pelo Tratado que institui a
Comunidade Europeia da Energia Atómica ou por incidentes ou actividades
relativamente aos quais a responsabilidade ou compensação seja do âmbito
de algum dos instrumentos internacionais, como sejam:

▪ Convenção Internacional de 27 de Novembro de 1992 sobre a


Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos (CLC);

497 Charles Pirotte, “La Directive 2004/35/CE du 21 Avril de 2004 sur la Responsabilité
Environnementale: Premiers Commentaires”, in Les responsabilités environnementales
dans l´espace européen: point de vue franco-belge, Bruxelles, Bruylant, 2006, pp. 655-730,
p. 609.

263
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Convenção Internacional de 27 de Novembro de 1992 para a


Constituição de um Fundo Internacional para Compensação
pelos Prejuízos devidos à Poluição por Hidrocarbonetos (IOPC
FUND);

▪ Convenção Internacional de 23 de Março de 2001 sobre a


Responsabilidade Civil pelos Prejuízos devidos à Poluição por
Hidrocarbonetos contidos em Tanques de Combustível (Bunkers
Convention);

▪ Convenção Internacional, de 3 de Maio de 1996 sobre a


Responsabilidade e a Indemnização por Danos ligados ao
transporte por Mar de Substâncias Nocivas e Potencialmente
Perigosas (HNS);

▪ Convenção de 10 de Outubro de 1989 sobre a Responsabilidade


Civil pelos Danos Causados durante o Transporte de Mercadorias
Perigosas por Via Rodoviária, Ferroviária e por Vias Navegáveis
Interiores;

▪ Convenção de Paris, de 29 de Julho de 1960, sobre a


Responsabilidade Civil no domínio da Energia Nuclear, e
Convenção Complementar de Bruxelas, de 31 de Janeiro de 1963;

▪ Convenção de Viena, de 21 de Maio de 1963, relativa à


Responsabilidade Civil em matéria de Danos Nucleares;

▪ Protocolo Conjunto, de 21 de Setembro de 1988, relativo à


aplicação da Convenção de Viena e da Convenção de Paris;

264
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Convenção de Bruxelas, de 17 de Dezembro de 1971, relativa à


Responsabilidade Civil no Domínio do Transporte Marítimo de
Material Nuclear.

O problema é que, como já foi atrás apontado, algumas vezes,


estas exclusões significam, na prática, a irresponsabilização pelos danos
causados ao ambiente natural, uma vez que estes não são cobertos nem
pelas Convenções, nem pela Directiva. Conforme já foi referido, a Directiva
levanta a discussão, uma vez que adopta no seu âmbito de aplicação uma
série de actividades que já se encontram reguladas por outras normas
europeias e cujo denominador comum é o facto de representarem um risco
para o ambiente e para a saúde das pessoas498. Contudo, como vimos, exclui
expressamente a sua aplicação aos danos que resultem de um incidente
onde se aplique qualquer um dos normativos internacionais supra
mencionados.

Ou seja, adopta duas bitolas diferentes, quanto à relação da


Directiva com o Direito Comunitário, verifica-se uma inclusão e conjugação
de regimes. Pelo contrário, no que respeita ao direito internacional, a
Directiva abstém-se da tarefa de distinguir os âmbitos de aplicação
diferentes de alguns normativos e adopta uma postura demasiado
abrangente, excluindo simplesmente, estas actividades do seu escopo de
influência.

À partida, isto faz pensar que a Directiva se preocupou, e bem, em


não onerar em demasia as actividades económicas desenvolvidas com uma

498 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p.243.

265
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

eventual sobreposição de regimes. Contudo, é necessária uma revisão


urgente da mesma. Em algumas das actividades excluídas, os danos
causados ao ambiente ou não são de todo cobertos, como é o caso das
actividades nucleares, ou são apenas parcialmente levados em consideração,
na medida do razoável, como é o caso das actividades de transporte
marítimo de hidrocarbonetos e substâncias perigosas.

Admitir-se, assim, uma aplicação do regime previsto na Directiva


para a reparação dos danos causados ao ambiente resultantes destas
actividades, agora excluídas, não iria originar sobreposição alguma, porque
se aplicam, ambos, a diferentes tipos de danos.

266
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.3 Periodicidade

3.6.3.1 Efeitos históricos

Um dos maiores problemas relativamente à caracterização do


dano como reparável no âmbito da Directiva prende-se com as limitações
temporais impostas pelo regime. Nem todos os casos de dano serão
abrangidos pelo regime499. Tendo em consideração que, em muitos casos,
estes danos não se manifestam imediatamente a seguir ao evento danoso,
mas entre o mesmo e a sua manifestação medeia um lapso temporal, a
questão relativa aos danos históricos é crucial para se compreender até
onde pode ir o conceito de dano reparável.

A problemática tem por isso que ser analisada sob duas


perspectivas: por um lado, compreender-se até que ponto se pode fazer
responder o operador pelo dano verificado antes da entrada em vigor da
Directiva, quando a consciência ambiental era muito menor e o
ordenamento jurídico mais permissivo e, por outro, quanto tempo pode
mediar entre a ocorrência do facto danoso e a manifestação do dano para
que o mesmo possa ser qualificado como dano reparável para efeitos da
Directiva500.

499 Stuart Bell e Donald Macgillivray, Environmental Law, Seventh Edition, Oxford, p. 549.

500 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 436.

267
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Uma possibilidade, que não detém muitos seguidores, seria


adoptar a posição expressa na CERCLA 501. Nesse normativo, como vimos, a
responsabilidade objectiva é imposta relativamente aos custos de limpeza
de sítios contaminados. A particularidade desse regime, contudo, é que esta
responsabilidade actua independentemente do tempo que a substância
perigosa foi depositada no local e independentemente da falta de culpa por
parte daquele considerado responsável 502.

No entanto, a maioria dos ordenamentos jurídicos exclui a


responsabilidade com efeitos retroactivos e a Directiva segue esta posição,
no que concordamos. Desde logo, de forma expressa, a Directiva prevê que
não se aplica aos danos causados por emissões, acontecimentos ou
incidentes que tenham ocorrido antes de 30 de Abril de 2007503.

Acrescendo a isso, a Directiva exclui ainda do seu âmbito de


aplicação os danos causados por emissões, acontecimentos ou incidentes
que tenham ocorrido depois de 30 de Abril de 2007, quando derivem de uma
actividade específica que tenha tido lugar e tenha terminado antes da
referida data504.

501Enrique Alonso García, “La Ley de Responsabilidad Medioambiental A Vista De Pájaro,


Desde El Prisma De La Comparación Del Sistema Europeo Con El Norteamericano”, in
Comentários a la Ley de Responsabilidad Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008,
pp.13-83, p. 52.

502Ver Kenneth S. Abraham, “Environmental Liability and The Limits of Insurance”, in


Columbia Law Review, Vol. 88, 1988, pp. 942-988, p. 957.

503 Cfr. Artigo 17.º, da Directiva 2004/35/CE.

504 Cfr. Artigo 17.º, da Directiva 2004/35/CE.

268
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

No entanto, face ao facto da Directiva não definir os limites deste


“específica”, o preenchimento deste conceito torna-se ambíguo, não
identificando que actividades poderão ser enquandradas nesta excepção 505.

Por fim, para efeitos de reparação nos termos do regime especial


criado pela Directiva não é considerado dano reparável, o dano que se tenha
manisfestado decorridos mais de 30 anos desde a emissão, acontecimento
ou incidente que lhe tenha dado origem506. Pelo que, se infere que se entre o
momento da emissão, acontecimento ou incidente e a manifestação do dano
decorrer menos de 30 anos poderemos estar perante um dano reparável.

Regra geral, os danos causados ao ambiente manifestam-se com


uma dilação temporal muito grande entre o momento em que se realiza o
facto danoso e o momento em que se verificam os resultados danosos.
Assim, seja os largos períodos de latência, seja a continuidade dos danos, é
muito difícil solicitar a reparação de um dano cujo facto gerador se localiza
muitos anos antes da exteriorização dos efeitos danosos do mesmo, o que
deixa grande parte destes danos em situação de impunidade injustificável.
Exemplo disso são os casos da contaminação por amianto, cujos danos
muitas vezes demoram mais de 40 anos a se verificar 507. Pelo que, a

505Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 71.

506 Cfr. artigo 17.º, da Directiva 2004/35/CE.

507Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008,
pp.429 e ss.

269
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

indodução deste prazo limita substancialmente o âmbito de cobertura do


regime, pelo que deveria ser abandonado.

270
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.3.2 Efeitos continuados

O dano causado ao ambiente, em regra, não resulta de uma acção


localizada num único ponto temporal, mas sim de um somatório de danos
resultantes de todo um processo que se prolonga no tempo.

Urge, portanto, fazer a distinção entre os “danos continuados”,


“danos que se prolongam no tempo” e “danos progressivos”. Os “danos
continuados”, em sentido estrito pode dizer-se, são resultado de uma
sucessão de actos, de um mesmo autor, levados a cabo em épocas diversas.
Já os “danos que se prolongam no tempo” são causados por um único acto,
perfeitamente localizável num único ponto temporal, mas cujos efeitos
permanecem. Por fim, os “danos progressivos” são aqueles produzidos por
uma série de actos sucessivos, de uma mesma pessoa ou de pessoas
diferentes, cuja conjugação provoca um dano maior do que a soma de cada
um dos danos individualmente considerados. É o que acontece nos
processos de saturação508.

Ora, quando se está a verificar se uma alteração adversa ocorrida


no ambiente, de forma continuada, será, ou não, considerada como dano e,
com efeito, reparável no âmbito da Directiva, alguns pontos têm que ficar
bem esclarecidos. Assim, se o dano se manifestou antes de 30 de Abril de
2007 e é contínuo até hoje, será importante verificar se o evento originário
do dano deriva de uma actividade específica que tenha tido lugar e tenha
terminado antes de 30 de Abril de 2007 ou se entre a data da ocorrência do

Jorge Mosset Iturraspe, “El Daño Ecológico en el Derecho Privado”, in Daño Ambiental,
508

Tomo I, Rubinzal-Culzoni Editora, Buenos Aires, 1999, pp.82 e ss.

271
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

dano e a sua verificação não tenham decorrido mais de 30 anos. Nesse caso,
o dano será coberto pelo regime especial criado.

Se, pelo contrário, o dano se verificou antes de 30 de Abril de


2007, prolongou-se no tempo, mas não deriva de uma actividade que cessou
antes dessa data, será realizado um juízo de modo a estabelecer uma meta
para a aplicação do regime. Se for possível estabelecer a quantidade de dano
que foi causada antes e depois de 30 de Abril de 2007 o regime aplicar-se-á
aqueles que ocorrerem depois dessa data, mesmo que a actividade tenha
iniciado antes de 30 de Abril de 2007. Quanto aos restantes danos, poderão
que ser cobertos por outro meio.

272
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.6.3.3 Efeitos futuros

No âmbito da protecção do bem jurídico ambiente, tanto quando


nos referimos ao dano causado ao ambiente, como quando nos referimos à
figura da ameaça iminente, o que está em causa já não é só a reparação do
dano emergente ou actual mas também, e sobretudo, do dano futuro.

Um dos ensinamentos que nos vem do direito civil é que o dano


deve ser certo e actual. 509. No que respeita ao dano aqui tratado esta
afirmação coloca muitas dificuldades e talvez seja de abandonar, afinal isto
significaria que o dano futuro seria passível de reparabilidade somente
quando configurada a certeza dos prejuízos futuros decorrentes de um dano
presente510.

Esta concepção é demasiado restritiva, daí surgir, a par do


conceito de dano, o de “ameaça iminente de dano”, em virtude da
imprevisibilidade que marca a problemática ambiental. Como refere
DÉLTON CARVALHO, as constantes irreversibilidade e irreparabilidade dos
danos causados ao ambiente ensejam a institucionalização da prevenção e
da precaução como pilares lógico-ambientais511.

Sofia Sá, Responsabilidade Ambiental. Operadores Públicos e Privados, Vida Económica,


509

2011, p.114.

Délton Winter de Carvalho, Dano ambiental futuro. A responsabilidade civil pelo risco
510

ambiental, Forense Universitária, Brasil, 2008, p. 123.

Délton Winter de Carvalho, Dano ambiental futuro. A responsabilidade civil pelo risco
511

ambiental, Forense Universitária, Brasil, 2008, p. 102.

273
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

A “ameaça iminente de danos” é a probabilidade suficiente da


ocorrência de um dano num futuro próximo512. Contudo, qual deverá ser a
interpretação do termo “suficiente” não é adiantado pela Directiva 513. A
complexidade inerente ao dano, no que respeita à intensidade, magnitude e
dilação temporal dos efeitos do mesmo, dificultam, na maior parte das vezes,
uma visão completa e imediata da situação, tornando necessária a tomada
de decisão em contextos de incerteza científica. Nesses casos, é necessário
actuar não com a certeza do risco, mas perante a incerteza do mesmo, ou
seja, o risco de dano deve ser suficiente para fazer actuar o regime e as
medidas de prevenção e reparação514.

A falta de conhecimento científico e a sua incerteza implicam


uma disfunção, podendo ocasionar duas formas de riscos possíveis, sobre os
quais o Estado deve actuar, de forma paliativa, como gestor de controlo dos
riscos:

a) Risco concreto ou potencial (visível e previsível pelo


conhecimento humano);

b) Risco abstracto (invisível e imprevisível pelo conhecimento


humano), significando que, apesar da sua invisibilidade e

512Cfr. Artigo 2.º, n.º 9, da Directiva 2004/35/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de


21 de Abril de 2004 e art.º 11.º, n.º 1, al.b), do Decreto-Lei n.º 147/2008 de 29 de Julho.

513Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 65.

Lucía Gomis Catalá, Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, Arazandi Editorial,
514

Pamplona, 1998, p.73 e ss.

274
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

imprevisibilidade, existe a probabilidade de o risco existir via


verosimilhança e evidências, mesmo não detendo o ser humano
a capacidade perfeita de compreender este fenómeno515.

Assim, o direito deve ser vislumbrado não apenas como elemento


correctivo, de incidência post factum, mas também como instrumento de
gestão de risco, actuando preventivamente à efectivação do dano516. Desta
forma, a ameaça iminente faz accionar o regime da responsabilidade da
mesma forma que a existência de um dano o fará. Esta regulação do risco
não é nova, já na CLC as medidas preventivas são salvaguardadas, nelas
estando incluídas as medidas tomadas antes da produção do dano perante
uma ameaça séria de ocorrência do mesmo e, ainda, as medidas adoptadas
na sequência de um evento danoso e inclusive depois da sua reparação com
o objectivo de evitar a ocorrência de danos futuros maiores517.

A regra prevista na Directiva prevê que o operador é obrigado a


adoptar medidas de prevenção, em caso de ameaça iminente, bem como no
caso de já ter ocorrido o dano e se pretenda prevenir a ocorrência de novos
danos a ele associados, independentemente de estar ou não obrigado a
adoptar medidas de reparação 518. De igual modo, o regime da CERCLA prevê

515José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao
colectivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2010, p.114.

Délton Winter de Carvalho, Dano ambiental futuro. A responsabilidade civil pelo risco
516

ambiental, Forense Universitária, Brasil, 2008, p. 126.

Lucía Gomis Catalá, Responsabilidad por Daños al Medio Ambiente, Arazandi Editorial,
517

Pamplona, 1998, p.79 e ss.

518 Cfr. Artigo 14.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 147/2008 de 29 Julho.

275
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

expressamente a responsabilidade pelas emissões actuais ou potenciais que


provenham de estabelecimento que contenha determinadas substâncias
perigosas.

Esta opção deve-se a dois factores a ter em conta, por um lado o


princípio da prevenção que adopta uma posição central na responsabilidade
por dano causado ao ambiente, por outro lado, a noção de risco que passa a
estar presente nessa dita prevenção. Floresce, assim, a influência das teorias
da sociedade de risco e da prevenção.

Argumento contrário é de que já é deveras difícil conseguir a


aceitação pacífica da reparação deste tipo de danos de forma autónoma aos
danos individuais, pelo que, a tradição neste tipo de legislação especializada,
como bem poderemos ver na CLC e nas regras do IOPC FUND, solicita
sempre a reparação e a compensação por danos reais e presentes, caso
contrário entraremos num campo de futurologia difícil de fundamentar
dada a imaterialidade do bem em causa e suas características distintivas519.
Não concordamos, contudo, com este posicionamento, tanto mais quando a
prevenção é assumida como objectivo central desta nova responsabilidade.

Verificam-se, pois, dois tipos de danos futuros: por um lado, a


ameaça iminente de danos, casos onde a probabilidade de superveniência
do dano é máxima, e por outro, danos futuros strictu sensu, equiparado ao
dano eventual ou hipotético. Tendo-se, contudo, em consideração que a

Délton Winter de Carvalho, Dano ambiental futuro. A responsabilidade civil pelo risco
519

ambiental, Forense Universitária, Brasil, 2008,2008, p. 129.a

276
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

distinção entre um e outro é uma questão de quantidade da probabilidade,


como refere CASTRO MENDES, não há “uma linha divisória nítida”520.

Nos casos de danos futuros causados ao ambiente natural, há


uma margem de risco, em termos de probabilidade, na concretização futura
da degradação ambiental, que deve ser admitida como compatível com a
certeza do dano para autorizar, desde logo, no presente, a determinação da
sua reparabilidade521.

O facto desta responsabilidade pautar a sua actuação, a par dos


intuitos reparatórios, pelo princípio da prevenção – entendendo-se aqui a
prevenção no seu sentido mais amplo, incluindo, quanto a nós, tanto o risco
concreto, como o referido risco incerto – faz com que este regime tenha em
conta o dano presente, físico e verificado.

No entanto, no que respeita ao ambiente é praticamente


impossível apontar a verdadeira dimensão do dano, sendo, por isso,
necessário realizar ponderações técnicas não apenas do dano actual, mas da
sua potencial capacidade lesiva futura, de modo a que a reparação imposta
tenha em consideração as acções necessárias para reparar o dano existente,
mas também aquele que é expectável.

520João de Castro Mendes, “Acerca da condenação por danos genéricos, possíveis e


eventuais”, in Jornal o Foro, Ano 17, Lisboa, 1953, pp. 162-177, pp. 167-168.

Délton Winter de Carvalho, Dano ambiental futuro. A responsabilidade civil pelo risco
521

ambiental, Forense Universitária, Brasil, 2008,p. 132.

277
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

278
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.7 Tipos de danos não incluídos no conceito de “dano


ambiental”

Quando se fala em “dano ambiental” vários tipos de danos podem


ser incluídos neste conceito. De facto, delimitar o escopo de aplicação dos
tipos de danos abrangidos é uma das tarefas mais difíceis do regime. Isto
acontece, sobretudo, porque existe ainda uma confusão generalizada entre
os danos causados ao próprio ambiente natural e os danos sofridos pelos
indivíduos na sequência do mesmo.

É interessante constatar que os tipos de danos cobertos por um


regime especial de responsabilidade ambiental provoque tamanha celeuma
a nível internacional que, inclusivamente, temos a publicação por parte da
UNEP das “Draft guidelines for the development of national legislation on
liability, response action and compensation for damage caused by activities
dangerous to the environment” em 2009. Este instrumento, não vinculativo e
que em nada altera as soluções adoptadas na Directiva, tem contudo um
interesse interpretativo, na medida em que pretende chamar a atenção para
uma série de questões com que os Estados, nomeadamente os Estados-
Membros, se deparam aquando da incorporação de um regime especial de
responsabilidade ambiental.

Assim, a “Guideline 3” referente a definições dispõe que deve-se


entender por dano: “a) morte ou lesão pessoal; b) perda ou dano a
propriedade; c) dano patrimonial puro; d) os custos das medidas de
restauração do ambiente, limitados aos custos das medidas efectivamente
realizadas ou a realizar; e) custo das medidas preventivas, incluindo

279
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

qualquer perda ou dano causado por essas mesmas medidas; e f) dano


causado ao ambiente”522.

Quanto a nós, como vamos verificar já de seguida, entendemos


que a Directiva é bastante clara ao dispor, no seu Considerando 14, que não
é aplicável aos casos de danos pessoais, de danos à propriedade privada ou
de prejuízo económico. Contudo, isto torna-se menos claro quando se
analisa as transposições da mesma para os ordenamentos internos. Exemplo
disso é a mistura de categorias de danos intentada pelo legislador português.
Pelo que, opta-se aqui por afirmar e demonstrar o afastamento de certos
tipos de danos do âmbito do conceito de dano causado ao ambiente natural.

522 Tradução da Autora. Original: a) loss of life or personal injury; b) loss of or damage to
property; c) pure economic loss; d) the costs of reinstatement measures of the impaired
environment, limited to the costs of measures actually taken or to be undertaken; e) the
costs of preventive measures, including any loss or damage caused by such measures; and
f) environmental damage”.

280
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.7.1 Dano patrimonial ambiental

Falar em dano ambiental e em dano causado ao ambiente não é a


mesma coisa. Contudo, não poucas vezes, na sequência de uma alteração
adversa de um recurso natural apregoa-se, imediatamente, a necessidade de
reparação do dano. Porém, na maior parte das vezes, sobretudo porque até
à Directiva falava-se em reparação a título de responsabilidade civil, isto
significa falar em reparação do “dano ambiental” na sua vertente ampla de
“dano tradicional” sofrido pelo Homem na sequência de um dano causado
ao ambiente.

De facto, a reparação do dano causado ao ambiente pode, em


alguns casos, bastar-se com a reparação deste dano ambiental, contudo, em
várias situações não é isso que acontece. Apenas a vertente patrimonial é
levada em consideração na reparação do dano ambiental communmente
designado e, com efeito, temos o elemento natural e o seu valor intrínseco a
ser preterido por uma análise eminentemente antropocêntrica, onde o
ambiente apenas tem valor se, de facto, possuir um valor de uso para o
indivíduo523. O que temos, nesse caso, é na realidade um dano individual cuja
única particularidade reside no facto de dever-se a ou ser mediado por uma
lesão a um elemento natural.

Não vamos prolongar muito a discussão relativamente a este tipo


de danos porque, quanto a nós, eles devem ser tratados em sede da figura

523 Ou, como refere Carla Amado Gomes, entendendo os bens naturais “como veículos de
satisfação de necessidades vitais e de incremento do bem-estar. Trata-se de tutelar o ambiente
consoante a sua capacidade de aproveitamento, e o seu valor é calculado à medida do homem
que dele se aproveita”. “O Ambiente como Objecto e os Objectos do Direito do Ambiente”, in
Textos Dispersos de Direito do Ambiente, AAFDL, 2005, pp. 7-34, p. 13.

281
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

do dano tradicional do direito civil e, como tal, analisados em sede do


mecanismo da responsabilidade civil como danos pessoais e individuais.
Nesse sentido, o dano patrimonial ambiental, vulgo “dano ambiental”, “é
aquele dano no meio ambiente que tem repercussões na esfera patrimonial de
um particular. Compreende os danos provocados a bens jurídicos concretos
através de emissões particulares ou através de um conjunto de emissões
emanadas de um conjunto de fontes emissoras. Reflecte uma lesão de direitos
e interesses legalmente protegidos na sequência da afectação de um
determinado componente ambiental”524.

E, como tal, nos termos do Considerando 11 da Directiva, não se


enquadram no âmbito do conjunto de danos causados ao ambiente natural
reparáveis pelo regime europeu. Não obstante, a presente Directiva ter por
objecto prevenir e reparar os danos ambientais, tal não afecta os direitos de
compensação por danos tradicionais concedidos ao abrigo de lei nacional ou
qualquer acordo internacional relevante que regulamente a
responsabilidade civil.

524Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, Processo 05849/10, de 07-02-2013,


Relator Paulao Pereira Gouveia.

282
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.7.2 Dano moral ambiental

Em contraponto ao dano ambiental na sua vertente patrimonial,


encontra-se o dano ambiental, agora, na sua vertente moral ou
extrapatrimonial525. A reparação dos danos morais será, com efeito, questão
autónoma frente aos prejuízos relativos aos bens patrimoniais 526. Contudo,
o importante aqui é constatar qual o motivo pelo qual esta figura muitas
vezes se confunde com o dano causado ao ambiente natural e apontar a
forma de diferenciá-los.

Fala-se em dano moral ambiental quando o prejuízo ao indivíduo


ou à colectividade for não-patrimonial (por ter lesado bens imateriais). Ora,
como se verifica deste conceito, duas realidades distintas convivem dentro
da mesma denominação: o dano ao indivíduo, quando a vítima experimenta
algum sofrimento psíquico, de afeição ou físico por meio e/ou na sequência
do dano causado ao ambiente natural. E, por outro lado, o dano à

525Antes de mais, importa salientar que optamos pelo conceito de dano moral ambiental
porque, quanto a nós, esse é aquele que colhe a maior aceitação por parte da doutrina e
jurisprudência. Contudo, a discussão não é pacífica, existindo quem entenda que o termo
extrapatrimonial é menos restritivo, pois não vincula o dano à palavra moral que pode ter
várias significações e tornar-se, por isso, imprecisa. Ver José Rubens Morato Leite e Patryck
de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao colectivo extrapatrimonial. Teoria e
prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada, Editora Revista dos Tribunais, Brasil,
2010, p. 108.

526João Hélio Ferreira Pes e Mariano Bertoldo Simonetti, “O Carácter Extrapatrimonial do


Dano Ambiental no Brasil. A quantificação e aplicação em nome da coletividade”, in Jus
Scriptum, Ano IV, n.º 8, 2008, pp. 152-166, p. 164.

283
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

colectividade, quando existe uma repercussão na qualidade de vida da


colectividade527.

Posto isto, alguns distinguem entre a natureza subjectiva, que diz


respeito ao sofrimento psíquico da vítima, e a natureza objectiva do dano,
quando o dano afecta a dimensão moral da pessoa no ambiente social em
que vive528. Assim, explica MORATO LEITE que “constatar-se-á um dano
ambiental extrapatrimonial subjectivo sempre que o interesse ambiental
afligido relacionar-se a um interesse individual, ou seja, quando a lesão ao
meio ambiente refletir negativamente em bens individuais de natureza
imaterial, provocando sofrimento psíquico, de afeição ou físico à vítima (…) o
que se denomina de “dano ambiental extrapatrimonial de carácter individual”.
Já no que respeita ao dano ambiental extrapatrimonial objectivo, refere que
“caracteriza-se pela lesão a valor imaterial coletivo, pelo prejuízo
proporcionado a patrimônio ideal da coletividade, relacionado à manutenção
do equilíbrio ambiental e da qualidade de vida” 529.

Ora, o dano moral ambiental na sua vertente subjectiva é


liminarmente afastado do escopo de protecção da normal, afinal, o qe estará
em causa é um dano individual. Assim, quanto ao que aqui nos interessa, o

527José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao
colectivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2010, p. 108.

528 Anderson Furlan e Willian Fracalossi, Direito Ambiental, Editora Forense, Rio de Janeiro,
1.ª Edição, 2010, p. 505.

529José Rubens Morato Leite, “O dano moral ambiental difuso: conceituação, classificação e
jurisprudência brasileira”, in Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano
Ambiental, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de
Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 56-90, p. 60.

284
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

nosso foco vai cingir-se ao caso do dano moral ambiental na sua vertente
objetiva, enquanto afectação da vida em comunidade530. Este é, de facto, o
tipo de dano que não raras vezes é confundido com o dano causado ao
ambiente, mas que na verdade constitui um dano autónomo daquele.

Tal confusão deve-se, sobretudo, a alguma doutrina531 que


defende que, nestes casos, o ambiente já não é apenas um meio
intermediário entre o dano e o lesado, mas é ele próprio lesado, ocorrendo
uma perda de qualidade de vida das presentes gerações e um
comprometimento à qualidade de vida das futuras gerações (humanas e não
humanas). Entra-se aqui numa visão antropocêntrica alargada, na qual a
preservação ambiental não corresponde apenas a interesses humanos
imediatos, mas preponderantemente, a um valor intrínseco do ambiente,
que, se preservado, culmina na sadia qualidade de vida de toda a
colectividade532. Foi nesta senda que o Tribunal de Paris, no Recurso do caso
Erika, decidiu pela indemnização dos “préjudice écologique” e dos “préjudice
moral”, abrindo-se caminho à confusão.

Não é nosso entendimento que essa seja a forma mais adequada.


Ao invés, quando se fala em dano moral ambiental pretende-se referir a

530Sobre o dano ambiental moral na sua vertente subjectiva Ver Guillermina Yanguas
Montero, El Daño No Patrominial En El Derecho Del Medio Ambiente, Thomson Civitas,
Navarra, 2006, pp. 40 ss.

531José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao
colectivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2010, p. 108.

532José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Dano Ambiental. Do individual ao
colectivo extrapatrimonial. Teoria e prática, 3.ª edição, revista, actualizada e ampliada,
Editora Revista dos Tribunais, Brasil, 2010, p. 108.

285
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

reparação por um dano moral a interesses difusos, o ambiente, mas não na


sua vertente intrínseca, e sim na medida em que a sua lesão acarreta
incómodos físicos ou psíquicos à saúde da colectividade. Sendo um interesse
difuso, o ambiente natural interessa a todos os membros da sociedade, como
tal, ofendido o bem ambiental, ofendidos estarão todos os membros da
sociedade533. Importa, nesse caso, a repercussão física ou psíquica que o
dano causado ao ambiente gera na comunidade devido à deterioração de um
interesse difuso534.

Chamando à colação um exemplo apresentado por CARLA


AMADO GOMES, “pensemos no exemplo da floresta que alberga espécies
protegidas de fauna e flora destruída por um incêndio decorrente de uma
acção humana [e resultante de uma actividade-ocupacional]. Esta floresta
era palco de reuniões comunitárias, acções de pedagogia ambiental, zona de
excursões de escuteiros, alvo de visitas turísticas em razão da sua beleza e
estado de conservação”535. Face a este caso, será que podemos dizer que o
dano causado ao ambiente e o dano moral ambiental são a mesma coisa?

A resposta a esta questão é negativa. Com efeito, o que existe no


dano moral ambiental é uma ofensa ao sentimento difuso ou colectivo, não

533José Ricardo Alvarez Vianna, Responsabilidade Civil por Danos o Meio Ambiente, 2.ª
Edição Revista e Actualizada, Juruá Editora, Curitiba, 2009, p. 138.

534 Anderson Furlan e Willian Fracalossi, Direito Ambiental, Editora Forense, Rio de Janeiro,
1.ª Edição, 2010, p. 506.

535 Carla Amado Gomes, “De que falamos quando falamos de dano ambiental? Direito,
mentiras e crítica, in Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental,
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de Ciências
Jurídico Políticas, 18, 19 e 20 de Novembro de 2009, pp. 153-171, p. 166.

286
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

um dano causado ao ambiente536. Apesar de não existir um lesado


individual, neste tipo de danos existe um lesado individualizado, a
comunidade, uma associação de defesa do ambiente ou simplemente um
conjunto de cidadãos, não uma alteração adversa ao elemento natural.
Contudo, apesar de parecer simples a distinção, esta confusão tem sido
fomentada, também, pela jurisprudência em importantes casos de derrame
petrolíferos e consequente poluição por hidrocarbonetos.

Assim, o Tribunal de Recurso de Paris, na decisão proferida no


caso Erika, dispõe que as associações de protecção ambiental têm o direito
de obter uma indemnização, não apenas pelos danos patrimoniais que
eventualmente tenham sofrido na sequência da lesão ao elemento natural,
mas também pelos danos causados aos interesses ambientais colectivos que
defendem, bem como pelos danos causados ao ambiente que prejudique,
directa ou indirectamente, esses interesses.

Nesse sentido, numa sentença que ficará para a História do


direito do ambiente, consagrou-se definitivamente a compensação por dano
moral ambiental argumentando-se: “que, pour ce qui concerne son préjudice
écologique, la communauté de ses membres, très impliquée dans l’action
menée pour la préservation de la nature, avec laquelle elle se veut en symbiose,
a perdu, avec la souillure de la mer, une partie de son animus societatis et d’une
certain façon une partie d’elle-même; que ce préjudice qui lui est personnel,
doit être réparé; que la cour considère au vu des éléments fournis sur
l’importance de cette association que le dommage ainsi causé doit être évalué

536 Anderson Furlan e Willian Fracalossi, Direito Ambiental, Editora Forense, Rio de Janeiro,
1.ª Edição, 2010, p. 506.

287
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

à 50 000 euros, comme le préjudice moral, qui est en quelque sorte le prix du
découragement qu’elle a subi, avec lequel cependant il ne se confond pas”537.

Contudo, esta decisão assume o conceito de dano moral


ambiental, mas fá-lo a par e passo com o conceito de “préjudice
écologique”538. Ora, apesar da própria sentença referir expressamente que
estamos perante dois tipos de danos distintos, os argumentos que utiliza
para a justificação da compensação de um e de outro são demasiado
próximos podendo gerar confusão. Ora vejamos, no que respeita à
Associação “Robin des bois” o tribunal decide pela indemnização a título de
dano moral e de “préjudice écologique” e, para o efeito refere que “conceder
à associação Robin des bois indemnização, respectivamente, por danos morais
e “préjudices écologique”(…) a sentença afirma que o primeiro resulta da
violação dos objectivos da associação e o segundo da invasão à affectio
societatis”539.

Com efeito, é importante frisar que o reconhecimento do dano


moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no
ambiente, mas, ao invés, relacionado à agressão do sentimento colectivo,

537 L´arrêt de la Cour de Cassation, Chambre Criminelle, 25 de Setembro de 2012, n.º 3439,
p. 233 (sentença do recurso no caso ERIKA).

538 Bernoit Steinmetz,


“Préjudice écologique et réparation des atteintes à l’environnement -
Plaidoyer pour une catégorie nouvelle de préjudice”, Revue Européenne de Droit de
l’Environnement – Décembre 2008, pp. 407-419, p. 410.

539 Tradução da Autora. Original: “pour accorder à l’association Robin des bois des
indemnités respectivement au titre du préjudice moral et de son préjudice écologique,
l’arrêt énonce que le premier résulte de l’atteinte portée aux objectifs de l’association et le
second de l’atteinte à l’affectio societatis”, L´arrêt de la Cour de Cassation, Chambre
Criminelle, 25 de Setembro de 2012, n.º 3439, p. 240 (sentença do recurso no caso ERIKA).

288
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante


de determinada lesão ambiental540. Nestas condições, o dano causado ao
ambiente poderá ou não dar lugar, também, a um dano moral ambiental e,
igualmente, poderemos ter uma lesão ao ambiente que não se consubstancie
em dano, mas que cause um dano moral ambiental. Tudo dependerá de como
tais eventos irão repercutir na comunidade onde se situa o bem afectado 541.

Como refere a decisão do caso Erika supra referido, “pour


procéder à l’évaluation des préjudices écologiques et environnementaux, la
cour d'appel a pris en compte l’importance de la population des collectivités
territoriales et la notoriété et l’importance du nombre d’adhérents des
associations; qu’en retenant de tels critères consistant à évaluer le préjudice
en fonction de l’importance des membres constituant la partie civile et donc de
la répercussion sur les intérêts individuels et de la notoriété de l’association, et
non au regard des conséquences de l’atteinte au milieu naturel
indépendamment de toute répercussion individuelle causée par l’infraction
incriminée”542.

Nesse sentido, encontramo-nos perante danos de tipo tradicional


ou individual e o principal problema prende-se com a dificuldade natural de
destrinçar o que são incomodidades suportáveis e o que se configura em

540 Anderson Furlan e Willian Fracalossi, Direito Ambiental, Editora Forense, Rio de Janeiro,
1.ª Edição, 2010, p. 506.

541José Ricardo Alvarez Vianna, Responsabilidade Civil por Danos o Meio Ambiente, 2.ª
Edição Revista e Actualizada, Juruá Editora, Curitiba, 2009, p. 140.

542 L´arrêt de la Cour de Cassation, Chambre Criminelle, 25 de Setembro de 2012, n.º 3439,
p. 247 (sentença do recurso no caso ERIKA).

289
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

autêntico dano moral que deve dar lugar a indemnização543. Pelo que, este
distancia-se do dano causado ao ambiente, onde, como melhor se
compreenderá no próximo Capítulo, se abandona a necessidade de um
lesado individual ou colectivo individualizado.

Assim, tal como defendemos anteriormente no que respeita ao


dano patrimonial ambiental, também neste caso estes danos não são
cobertos pelo regime especial de responsabilidade ambiental, uma vez que
a Directiva tem por objectivo prevenir e reparar os danos ambientais, não
sendo aplicável aos casos de danos pessoais (Considerandos 11 e 14 da
Directiva).

543 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p.214.

290
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

3.7.3 Dano patrimonial puro

Costuma-se falar em dano patrimonial puro para se fazer


referência àqueles casos em que o dano repercute sobre o património de
uma pessoa, sem que afecte directamente nem a própria pessoa, nem os seus
bens. Nesses casos, o dano não tem carácter tangível, apenas afecta, em
abstracto, os interesses económicos do indivíduo. Assim sucede, a título de
exemplo, quando o dano causado ao ambiente repercute negativamente
sobre o desenvolvimento de actividades económicas dos indivíduos, bem
como sobre a imagem de determinada pessoa/localidade na sequência da
poluição.

O conceito de dano patrimonial puro não colhe posições pacíficas


na doutrina, nem tão pouco apresenta um conceito uniformizado e assente
nos diversos ordenamentos onde a problemática é uma realidade. Como
refere SINDE MONTEIRO, “a noção de dano puramente patrimonial (...)
aparece sempre apresentada de uma forma negativa: é aquele que uma pessoa
sofre sem que tenha existido prévia violação de um direito ou bem
absolutamente protegido”544. Nesta sede, pela necessidade de sintetização e
focalização na problemática que nos ocupa, adopta-se o critério apresentado
por BRUCE FELDTHUSEN545 e entre nós dado a conhecer por ADELAIDE
MENEZES LEITÃO no qual o dano patrimonial puro é aquele “dano

544 Jorge Ferreira Sinde Monteiro, Responsabilidade por Conselhos, Recomendações e


Informações, Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 1989, p. 187.

545 Adelaide Menezes Leitão,“Danos Puramente Económicos nos Sistemas da Common Law
– II (Jurisprudência Norte-Americana)” in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Joaquim
Moreira da Silva Cunha, AAFDL, 2005, pp. 19 ss.

291
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

patrimonial que não decorre de qualquer violação a direitos de personalidade


ou de propriedade”546.

Dada a complexidade de situações que abarca, a problemática


dos danos patrimoniais puros tem suscitado interesse, cada vez maior, por
parte da doutrina nacional e internacional, como refere FERNANDO GOMÉS
POMAR ”estes casos de danos causados pelo mesmo acto lesivo a um potencial
muito grande e diversificado número de pessoas, e desconectado de lesão a
direitos patrimoniais ou pessoais (vida, integridade física) ou a propriedade,
constituem a representação mais clara de uma das áreas de interesse e
expansão da lei de danos existentes”547.

Na maior parte dos ordenamentos jurídicos onde a problemática


do ressarcimento dos danos patrimoniais puros é uma realidade e uma
constante querela colocada à jurisprudência, é dominante uma visão
restritiva quanto à ressarcibilidade delitual dos mesmos548. Normalmente é

546 Outra tentativa de enquadramento da problemática da conceptualização dos danos


puramente patrimoniais é realizada por Jorge Ferreira Sinde Monteiro, “Protecção dos
Interesses Económicos na Responsabilidade por dano ambiental”, in STVDIA IVRIDICA 81,
Boletim da Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, Coimbra,
2005, pp. 135ss onde refere “As perdas patrimoniais que alguém sofra sem prévia violação
de um direito daquele tipo (direito subjectivo absoluto) caem então na categoria dos danos
pura, primariamente ou meramente patrimoniais.”

547 Tradução da Autora. Original: “estos casos de daños producidos por un mismo hecho
dañoso a un número potencialmente muy elevado y heterogéneo de personas, y
desconectado de lesiones a bienes o derechos de la personalidad (vida, integridad física) o
a la propriedad, constituyen la representación más clara de uno de los terrenos de mayor
interés y de expanción del Derecho de daños actual”, Recensión a Pure Economic Loss, 2004.

548O Reino Unido é o ordenamento jurídico que maior hostilidade apresenta à teoria da
indemnizabilidade dos danos patrimoniais puros. Ao contrário dos outros ordenamentos
estudados, o inglês não apresenta uma cláusula geral de responsabilidade, mas distingue
uma série de torts, cada qual com um regime próprio. Alguns destes torts permitem a

292
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

afastada a ressarcibilidade destes prejuízos por não resultarem de posições


jurídicas absolutamente protegidas, como, entre nós, salienta CARNEIRO DA
FRADA549. No entanto, posições diferentes foram-se desenvolvendo 550.
Dentro destas, retira-se um denominador comum, sempre que o agente
prevê a lesão patrimonial de uma pessoa determinada, ou de um grupo
conhecido de pessoas ou pessoas previsíveis nas circunstâncias, deve haver

reparação dos danos puramente patrimoniais, no entanto deixa de fora os danos


patrimoniais puros por negligência.

A decisão Murphy veio reafirmar a regra geral da não indemnizabilidade dos danos
patrimoniais puros. No entanto, esta tem ao longo dos tempos sido objecto de várias críticas
e posições contrárias. Há quem considere que falta um critério decisivo, nomeadamente
pela falta de densificação e consequente arbitrariedade do conceito de proximity, special
relationship e reliance by third party.

Em França, não estão familiarizados nem com o conceito, nem tão pouco com a
problemática dos danos patrimoniais puros. O artigo 1382º do Código Civil Francês dispõe
que qualquer pessoa que provoque danos a outro por sua “faute” (culpa) é obrigada à
reparação e à compensação. O sistema legal francês mostra-se, ao contrário dos
anteriormente estudados, mais acessível à reparação de danos puramente patrimoniais,
desde que se esteja perante um facto do Homem, que cause a outrem um dano. Assim, obriga
aquele por cuja culpa tal facto se deu a repará-lo, não indicando a violação de um direito
como requisito do dever de indemnizar.

549Manuel A. Carneiro da Frada, Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil, Colecção


Teses, Almedina, Coimbra, 2004, pp. 288 e seguintes.

550 O ordenamento jurídico italiano adoptou uma posição intermédia entre o sistema de
matriz germânica e o de matriz francesa. O respectivo Código Civil adoptou uma cláusula
geral de responsabilidade civil baseada na protecção a direitos específicos, como a saúde e
a propriedade. Prevendo no seu artigo 2043.º CC Risarcimento per fatto illecito: “Qualunque
fatto doloso o colposo, che cagiona ad altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso
il fatto a risarcire il danno (Cod. Pen. 185)”.

No entanto, o regime italiano afastou-se do germânico ao adoptar o conceito de “danno


ingiusto” no artigo 2043.º do CC que foi interpretado, em 1971, pelo Supremo Tribunal
Italiano como permitindo a defesa em sede de danos patrimoniais puros, abrangendo o
âmbito de protecção do artigo citado não somente os danos provocados aos direitos
absolutos, mas abarcando todo “the entire patrimony” como direito legalmente protegido.

293
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

indemnização. Assim, o grau de previsibilidade está intimamente ligado e


condiciona o grau de responsabilidade do agente causador do dano551.

Como refere, entre nós, CARNEIRO DA FRADA “...nem todos os


danos podem ser reparados, não é qualquer prejuízo que desencadeia a
obrigação de indemnizar [...] o alargamento do dever de responder implica o
aumento do risco da acção”. Assim sendo, não se pode expandir
desmesuradamente o âmbito da responsabilidade sob pena de comprimir,
para além do razoável, as áreas de acção isentas do risco da suportação de
danos”552.

De facto, um dos argumentos contra a indemnizabilidade dos


danos patrimoniais puros é o “floodgate argument”. Este traduz-se,

551 A problemática dos danos patrimoniais puros, apesar de não referido de forma expressa,

é tratada no Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Outubro de 1994 em que a Autora


desenvolvia como actividade principal, o comércio por grosso de bebidas. Assim, da matéria
de facto ressalta que, a 14 de Julho de 1989, na Costa de Sines, o Navio tanque petroleiro
Marão, propriedade da Ré bateu no fundo rasgando 2 tanques e derramando no mar cerca
de 600 a 830 toneladas de ramas que se espalharam por grande parte da costa do Sudoeste
Alentejano. O derramamento das ramas de petróleo provocou a diminuição dos turistas e
veraneantes das zonas referidas. Tal provocou à Autora uma quebra nas vendas de bebidas
a retalho das zonas referenciadas nos meses de Julho, Agosto e Setembro de 1989. A questão
colocada à jurisprudência foi a de apurar se a Autora tem ou não direito à indemnização
requerida e concomitantemente se existe da parte da Ré a obrigação de a indemnizar. A
decisão do tribunal “a quo” foi favorável à Autora deferindo o peticionado pela mesma, e fê-
lo partindo dos princípios gerais da responsabilidade civil, baseado na culpa, paralelamente
com o regime da responsabilidade objectiva da Convenção Internacional de Bruxelas de
29/11/69, ratificada por Portugal pelo Decreto 694/76, de 21 de Setembro., ou seja, decidiu
e fundou a sua decisão em regras próprias de ambas responsabilidades, por factos ilícitos,
baseada em culpa, do 483º do C.C. e da responsabilidade objectiva, pelo risco da Convenção.
Pelo contrário, a Relação, não teve o mesmo entendimento dando procedência ao recurso
interposto pela Ré, revogando a decisão apelada e absolvendo, a Ré, do pedido.

552Manuel A. Carneiro da Frada, Uma “Terceira Via” no Direito da Responsabilidade Civil?,


Almedina, Coimbra, 1997, p. 32.

294
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

basicamente, num excesso de responsabilização553. Ou seja, o número de


reclamações recebidas nos tribunais corre o risco de ser semelhante ao
número de licenciamentos atribuídos, e mais, o excesso de reclamações
(muitas infundadas) poderá ser responsável pela ruína ou falência
económica do agente eventualmente causador dos danos.

No entanto, este argumento apesar de utilizado largamente pela


jurisprudência e doutrina estrangeira, começa nos tempos actuais a sofrer
rejeições por parte das mesmas. Apesar de servir de argumento não significa
que detenha legitimidade jurídica. É um argumento com fontes puramente
empíricas e como refere G. VINEY “este argumento parece-me perigoso
porque carece completamente de rigor”554.

Outro argumento também utilizado pela doutrina estrangeira


para negar, à partida, a indemnizabilidade dos danos patrimoniais puros é a
“indeterminacy of numbers and amounts”. Este argumento, foi apresentado
nos EUA na decisão proferida no caso Ultramares Corporation v. Touche
Niven & Company (1931), o Juíz proferiu a seguinte justificação para negar
provimento à pretensão de reparação na sequência de uma auditoria
negligente “...o réu estaria exposto a um passivo em uma quantidade

553“there would be no of claims”. W.H. van Boom, “Pure Economic Loss: A Comparative
Perspective” in Pure Economic Loss, Springer 2004, Wien/New York, pp. 1-40, p. 43.

554Como transcreve W.H. van Boom, “Pure Economic Loss: A Comparative Perspective” in
Pure Economic Loss, Springer 2004, Wien/New York, pp. 1-40, p. 43.

295
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

indeterminada por um tempo indeterminado para uma classe


indeterminada”555.

Não se rejeita a ideia de que ambos os argumentos merecem


atenção e respostas, no entanto, a solução encontra-se em criar critérios
passíveis de delimitar objectivamente os danos ressarcíveis, as classes de
lesados com legitimidade processual e não a simples afirmação – os danos
patrimoniais puros não são indemnizáveis. Como refere ADELAIDE
MENEZES LEITÃO “...o primeiro vector importante passa por determinar se o
lesado ou lesados provêm de uma classe identificável, sendo esta a que o
agente prevê em termos dos tipos de pessoas ou entidades que são membros
desta classe. Esta classe de pessoas deve ser certa, numerável e ter danos
económicos que sejam identificáveis...”556.

Sem intentar chamar a atenção de uma “velha” tendência para o


instituto dos danos patrimoniais puros, a não indemnizabilidade dos
mesmos não pode cingir-se a argumentos de receio jurisprudencial, como
entre nós “o ciclo infernal”557 do Tribunal da Relação de Lisboa bem
demonstra. A responsabilidade deve ser aferida por critérios objectivos,
permitindo ao lesado, que assim tenha direito, a reparação e compensação
pelos danos suportados. Não importa se falamos de um património atingido,
ou como no caso dos desastres ambientais, múltiplos patrimónios, importa

555W.H. van Boom, “Pure Economic Loss: A Comparative Perspective” in Pure Economic
Loss, Springer 2004, Wien/New York, pp. 1-40, p. 44.

556Adelaide Menezes Leitão, “Os Danos Puramente Económicos nos Sistemas da Common
Law – II (Jurisprudência Norte-Americana)”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor
Joaquim Moreira da Silva Cunha, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 37.

557 Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Outubro de 1994.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

sim encontrar critérios de delimitação e concretização dos danos


suportados. Contudo, no que aqui interessa, fica claro que estamos aqui a
referirmo-nos a danos “pessoais” que saem do escopo de aplicação do
regime de responsabilidade ambiental desenhado pela Directiva.

Concluindo, tanto no dano patrimonial ambiental, no dano moral


ambiental, como no dano patrimonial puro ambiental temos, de facto, tipos
diferentes de danos pessoais. Pelo que, nos termos dos Considerandos 11 e
14, a Directiva não é aplicável, não obstante não prejudicar quaisquer
indemnizações por danos desse tipo.

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

298
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

CAPÍTULO IV

IMPLEMENTAÇÃO DA DIRECTIVA: O CASO PORTUGUÊS

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Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

300
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

4.1 Implementação da Directiva 2004/35/CE em Portugal

Como já explicamos, foi nossa opção trabalhar o conceito de dano


proposto pelo novo regime europeu de responsabilidade criado pela
Directiva 2004/35/CE. Com efeito, o cerne da nossa análise encontra-se no
direito europeu. Não obstante, uma vez que o que pretendemos aqui, mais
do que descrever o regime em causa, é compreender até que ponto o
conceito de dano ora existente é bastante para garantir uma elevada
protecção do ambiente, é necessário analisar do ponto de vista da aplicação
e implementação do regime criado pela Directiva como as coisas se
processam nesse sentido.

Pelo que, iremos ter em conta, a título instrumental, as opções


que foram tomadas no direito português aquando da transposição da
mesma. A análise efectuada tem a sua base em variada doutrina, mas assenta
os seus dados empíricos nos relatórios sobre a experiência obtida com a
aplicação da Directiva apresentados pelos Estados-Membros, e no caso por
Portugal, em cumprimento ao disposto no artigo 18.º da Directiva558.

558Em cumprimento do artigo 18.º da Directiva 2004/35/CE, que determinou que, o mais
tardar até 30 de Abril de 2013, os Estados Membros apresentassem relatórios à Comissão
sobre a experiência obtida com a aplicação da Directiva, foi elaborado por Portuga o
Relatório sobre a Experiência obtida com a aplicação do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29
de Julho, disponível em http://ec.europa.eu/environment/legal/liability/.

301
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

302
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

4.1.1 Opções de execução da Directiva em Portugal

A Directiva 2004/35/CE foi transposta para o ordenamento


jurídico português por meio do Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho
alterado pelo Decreto-Lei n.º 245/2009, de 22 de Setembro, pelo Decreto-
Lei n.º 29-A/2011, de 1 de Março e pelo Decreto-Lei n.º 60/2012, de 14 de
Março. Entrou em vigor a 1 de Agosto de 2008, cerca de um ano e quatro
meses depois do prazo estabelecido para a sua transposição, 30 de Abril de
2007559. De salientar que apenas quatro Estados-Membros procederam à
transposição da Directiva no prazo estipulado pela mesma (Itália, Lituânia,
Letónia e Hungria)560. Entende-se que este foi, de facto, um dos principais
factores responsáveis pelo limitado número de casos que estão a ser
tratados pelas autoridades competentes nos Estado-Membros até à
presente data561.

Relativamente ao diploma de transposição para o ordenamento


jurídico português, este apresenta-se dividido em cinco capítulos: Capítulo
I, Disposições Gerais; Capítulo II, Responsabilidade Civil; Capitulo III,
Responsabilidade administrativa pela prevenção e reparação de danos

559 Cfr. Artigo 19.º da Directiva 2004/35/CE e Artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 147/2008.

560Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e


Social Europeu e ao Comité das Regiões. Nos termos do artigo 14.º, n.º 2 da Directiva
2004/35/CE relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de
danos ambientais, COM (2010) 581 final, 12.10.2010, p. 3.

561Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e


Social Europeu e ao Comité das Regiões. Nos termos do artigo 14.º, n.º 2 da Directiva
2004/35/CE relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de
danos ambientais, COM (2010) 581 final, 12.10.2010, p. 5 e Relatorio da Comissão ao
Conselh e ao Parlamento Europeu, Bruxelas 14.04.2016, COM (2016) 204 final.

303
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ambientais; Capítulo IV, Fiscalização e regime contra-ordenacional; Capítulo


V, Disposições complementares, finais e transitórias562.

Desde logo, pode-se constatar que o diploma pretendeu ampliar


os critérios para a responsabilidade civil e administrativa, indo
nomeadamente além do que se dispunha na Directiva ora em análise.

A Directiva apresenta-se como um regime de mínimos, ou como


muitos lhe designam uma Directiva-quadro. Isto resulta inevitavelmente
numa maior divergência entre o disposto na Directiva e o consagrado nos
Estados-Membros, por um lado, e numa maior divergência entre os próprios
regimes dos Estados-Membros, por outro.

Portugal não é excepção à regra, apresentando um texto de


transposição que coloca dúvidas de interpretação, para além daquelas já
resultantes do texto original da Directiva 2004/35/CE. Conforme dispõe o
diploma de transposição, este estabelece o regime jurídico de
responsabilidade por “danos ambientais”. Ora, como se verifica, o diploma
segue a solução da Directiva de designar este “dano” como “dano ambiental”.
Já nos pronunciamos quanto a essa escolha e iremos falar um pouco mais

562Para além do Decreto-Lei e suas posteriores alterações será importante, ainda, ter em
consideração que a APA – Agência Portuguesa do Ambiente disponibiliza um “Guia para a
Avaliação de Ameaça Iminente e Dano Ambiental. Responsabilidade Ambiental”. Como refere
na Introdução deste, “[p]retende-se com este documento providenciar a todos os interessados
(operadores, entidades competentes e público em geral) a informação relativa à aplicação do
regime da responsabilidade ambiental (Regime RA), procurando clarificar alguns conceitos,
identificar os critérios de abrangência do mesmo, desenvolver aspectos técnicos inerentes à
sua aplicação, assim como evidenciar as obrigações dos operadores abrangidos. Este guia, sem
carácter vinculativo, constitui um documento de auxílio aos operadores na verificação do
cumprimento das obrigações decorrentes da aplicação deste diploma legal e,
simultaneamente, uma ferramenta de apoio à decisão da autoridade competente na aplicação
do Regime RA”, p. 1.

304
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

especificamente no que respeita à transposição, contudo, antes importa


conhecer as opções que o legislador nacional fez no que respeita a elementos
essenciais para a execução do regime disposto na Directiva. Assim:

▪ No que respeita ao conceito de “espécies e habitats protegidos”, o


diploma faz uso da faculdade que a Directiva lhe apresenta, nos
termos do artigo 2.º, n.º 3.º, al. c), de incluir no conceito “[q]uando
um Estado-Membro assim o determine, quaisquer habitats ou
espécies não enumeradas nos referidos Anexo que o Estado-
Membro designe para efeitos equivalentes aos estipulados nestas
duas directivas [Directiva Aves e Directiva Habitats]”. Pelo que,
no Decreto-Lei opta-se por uma disposição bastante ampla
referindo incluir dentro das espécies e habitats naturais
protegidos “os habitats e as espécies de flora e fauna protegidos
nos termos da lei”563. Outros treze Estados-Membros fizeram a
mesma opção564.

▪ No que respeita a outra definição essencial do regime, a de


“operador”, a grande maioria dos Estados-Membros optaram por
um alargamento do âmbito de abrangência da mesma. Contudo,
Portugal tomou uma posição que, por um lado, alarga o conceito
e, por outro, restringe-o. Ora vejamos, nos termos da Directiva,

563 Cfr. artigo 11.º, n.º 1, al. g) do Decreto-Lei n.º 147/2008.

564Áustria, Bélgica, Chipre, Espanha, Estónia, Grécia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia,
Reino Unido, República Checa e Suécia, cfr. Relatório da Comissão ao Conselho, ao
Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Nos
termos do artigo 14.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE relativa à responsabilidade ambiental
em termos de prevenção e reparação de danos ambientais, COM (2010) 581 final,
12.10.2010, p. 4.

305
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

“operador” significa “qualquer pessoa singular ou colectiva,


pública ou privada, que execute ou controle a actividade
profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a
quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o
funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de
uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe
ou notifique essa actividade”565. Já no âmbito do Decreto-Lei de
transposição, o “operador” é definido como “qualquer pessoa
singular ou colectiva, pública ou privada, que execute, controle,
registe ou notifique uma actividade cuja responsabilidade
ambiental esteja sujeita a este decreto-lei, quando exerça ou possa
exercer poderes decisivos sobre o funcionamento técnico e
económico dessa mesma actividade, incluindo o titular de uma
licença ou autorização para o efeito” 566.

Isto significa que, no regime português, por um lado, o sujeito


pode ser considerado “operador” mesmo que não detenha um
“poder económico decisivo” sobre o funcionamento da
actividade. É enquadrado nos termos deste conceito, quem
“exercer poderes decisivos”, ou seja, é considerado “operador”
quem detém o poder de decisão, abrangendo assim um conjunto
de pessoas que, embora sem o controle económico da actividade,
são responsáveis pelas decisões do dia-a-dia da mesma. Isto
denota, desde logo, um alargamento do âmbito de aplicação do
conceito face à congénere Directiva. Contudo, este alargamento é

565 Cfr. artigo 2.º, n.º 6 da Directiva 2004/35/CE.

566 Cfr. artigo 11.º, n.º 1, al. l) do Decreto-Lei n.º 147/2008.

306
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

imediatamente minado por uma opção que, talvez por lapso de


semântica, transforma o conceito de operador numa figura com
uma amplitude extremamemte reduzida. Afinal, se na Directiva
basta-se que o sujeito detenha poder económico decisivo sobre o
funcionamento técnico da actividade, no regime português exige-
se que o sujeito deve deter poderes decisivos sobre o
funcionamento técnico, mas também económico da actividade.
Isto anula o alargamento antes realizado.

▪ A Directiva dá aos Estados-Membros a possibilidade de


escolherem se os operadores podem invocar a “isenção pela posse
de autorização” e/ou a “isenção relacionada com o estado do
conhecimento técnico e científico”. Opta-se, a nível nacional, por
autorizar ambas as isenções, a exemplo de cerca de metade dos
Estados-Membros567.

▪ No que diz respeito às actividades abrangidas pela


responsabilidade objectiva, Portugal, a exemplo de outros
Estados-Membros568, isentou o espalhamento de lamas de
depuração resultantes de operações de gestão de resíduos.

567 Bélgica (a nível regional), Chipre, Eslováquia, Espanha, Estónia (excepto OGM), Grécia,
Itália, Letónia (excepto OGM), Malta, Reino Unido e República Checa (excepto OGM na
Escócia e País de Gales), cfr. Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao
Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Nos termos do artigo 14.º, n.º
2 da Directiva 2004/35/CE relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção
e reparação de danos ambientais, COM (2010) 581 final, 12.10.2010, p. 4.

568Bulgária, Eslováquia, Eslovénia, França, Letónia, Malta, Reino Unido e Roménia, cfr.
Relatório da Comissão ao Conselho, ao Parlamento Europeu, ao Comité Económico e Social

307
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Europeu e ao Comité das Regiões. Nos termos do artigo 14.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE
relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos
ambientais, COM (2010) 581 final, 12.10.2010, p. 4.

308
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

4.1.2 Tentativa de unificação do conceito de “dano”

O Decreto-Lei de transposição da Directiva 2004/35/CE


estabelece, por um lado, um regime de responsabilidade civil subjectiva e
objectiva nos termos do qual os operadores-poluidores ficam obrigados a
indemnizar os indivíduos lesados pelos danos sofridos por via de um
componente ambiental. Por outro, fixa um regime de responsabilidade
administrativa destinado a reparar os danos causados ao ambiente 569.

Quanto a isso, posições divergentes têm dominado a doutrina


nacional. Sendo exemplo claro destes extremos a posição adoptada por
CARLA AMADO GOMES em contraponto à posição adoptada por VASCO
PEREIRA DA SILVA. Com efeito, para a primeira, “a maior novidade
introduzida pelo RPRDE – apesar de esbatida pela errância do legislador –
traduz-se na autonomização do dano ecológico em face do dano
ambiental”570.

Totalmente contrário, salienta VASCO PEREIRA DA SILVA que,


“[a]té agora, a responsabilidade civil ambiental, entre nós, podia ser
caracterizada pela “falta de unidade”, dando origem “a uma situação de
verdadeira “manta de retalhos” de soluções jurídicas, a uma espécie de

569 Cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 147/2008.

570 Já aqui
deixamos claro que não adoptamos o conceito de dano ecológico, mas a discussão
mostra-se neste contexto pertinente. Carla Amado Gomes, “De Que Falamos Quando
Falamos De Dano Ambiental? Direito, Mentiras e Críticas”, in Revista do CEJ, 1.º semestre
2012, n.º 13, pp. 323-339, p 326.

309
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

“labirinto” jurídico…”571. Uma das causas que aponta para esta apelidada
“fragmentação”, prendia-se com a própria fragmentação do regime jurídico,
onde se apresentava uma multiplicidade de fontes de direito como a
Constituição, a Lei de Bases do Ambiente, o Código Civil, a Lei da Acção
Popular, entre outros.

Entende, assim, que nos encontramos num momento de


unificação do conceito, sobretudo, depois do Decreto-Lei n.º 147/2008, de
29 de Julho que procede à transposição da Directiva para o ordenamento
jurídico Português572. Com efeito, refere que, depois desse diploma, se
verifica a “consagração de uma noção ampla de dano ambiental, abrangendo
tanto os danos subjectivos como os objectivos. O que tem como consequência
pôr em causa a anterior distinção entre dano ambiental e dano ecológico, que

571 Vasco Pereira da Silva, “Ventos de Mudança no Direito do Ambiente – A


Responsabilidade Civil Ambiental”, in O Que Há de Novo no Direito do Ambiente?, Actas da
Jornadas de Direito do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
A.A.F.D.L., Lisboa, 2009, pp. 11-37, p. 12.

572 José Eduardo Figueiredo Dias, “Aspectos Contenciosos da Efectivação da


Responsabilidade Ambiental. A Legitimidade, em Especial”, in Boletim da Faculdade de
Direito, Vol. LXXXV, Coimbra, 2009, pp. 531-564, p. 534, dispõe que “no que diz respeito à
tradicional oposição entre danos ambientais e danos ecológicos propriamente ditos, também
o Decreto-Lei n.º 147/2008, de 29 de Julho, parece acolher ambos os tipos: os primeiros,
costumadamente definidos como os prejuízos causados às pessoas e às coisas pelo meio
ambiente em que vivem e que durante muito tempo foram a única forma de fazer face aos
atentados ambientais, em face da inexistência de protecção específica dos bens naturais; e a
noção de danos ecológicos, que traduz um alargamento da indemnização das lesões
ambientais uma vez que se verificam independentemente dos prejuízos causados às pessoas
ou à propriedade, traduzindo uma tutela directa ou imediata dos componentes ambientais
naturais”.

310
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

perde “utilidade prática”, uma vez que tanto a prevenção como a reparação
devem dizer respeito tanto ao dano subjectivo como objectivo”573.

De facto, a necessidade de dar cumprimento à disposição de


transposição da Directiva, entre nós, foi vista como a “oportunidade ideal”,
não apenas para a transposição da mesma, mas também para regular de
forma sistemática e integrada, através de lei própria, todo o “universo
jurídico” da responsabilidade em matéria de ambiente 574. Pelo que, à revelia
do que é hábito, a transposição portuguesa vai bastante além do que dispõe
a Directiva 2004/35/CE.

Já o Livro Branco sugeria nesse sentido ao dispor que “o regime


proposto deverá abranger não só os danos causados às pessoas e aos bens e à
poluição dos sítios como os danos provocados à natureza, em especial aos
recursos naturais que são importantes na perspectiva de conservação da
diversidade biológica da Comunidade (nomeadamente áreas e espécies
protegidas pela Rede Natura 2000)”575. Esta visão eco-humanista defende

573 Vasco Pereira da Silva, “Ventos de Mudança no Direito do Ambiente – A


Responsabilidade Civil Ambiental”, in O Que Há de Novo no Direito do Ambiente?, Actas da
Jornadas de Direito do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
A.A.F.D.L., Lisboa, 2009, pp. 9 e seguintes, p. 21.

574 Vasco Pereira da Silva, “Ventos de Mudança no Direito do Ambiente – A


Responsabilidade Civil Ambiental”, in O Que Há de Novo no Direito do Ambiente?, Actas da
Jornadas de Direito do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
A.A.F.D.L., Lisboa, 2009, pp. 11-37, p. 17.

575 Cfr. Livro Branco sobre Responsabilidade Ambiental, COM(2000) 66final, 9 de Fevereiro
de 2000, p. 5.

311
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

que não deve existir distinção entre os danos ambientais tradicionais e os


danos causados ao ambiente576.

Isto significa que se pretendeu, com a transposição interna da


Directiva, criar um regime único para duas realidades distintas – o dano
causado ao Homem e o dano causado ao ambiente. Com a adopção de uma
noção ampla de “dano ambiental”, abrangendo tanto os danos subjectivos
como os objectivos577.

Dito isto, o regime do Decreto-Lei estabelece um regime de


responsabilidade civil subjectiva e objectiva, nos termos do qual os
operadores-poluidores ficam obrigados a indemnizar os indivíduos lesados
pelos danos sofridos por via de um componente ambiental. E, por outro lado,
fixa um regime de responsabilidade administrativa destinado a reparar os
danos causados ao ambiente perante toda a colectividade 578.

Na doutrina, outras vozes têm também defendido a unificação do


conceito (com a adopção do conceito de dano ambiental latu sensu).
Exemplo dessa posição pode-se encontrar no recente estudo levado a cabo

576Um dos argumentos utilizados para defender essa postura é a de que todos os danos
ambientais são pessoais. Não porque afectam a esfera de direitos de um sujeito, mas sim
porque afectam a sua esfera de deveres. E, assim, integram ambos os tipos numa única
categoria. Esta posição tem encontrado alguma consagração, quer seja normativamente,
quer seja por parte da doutrina, contudo, não nos parece ser a mais adequada. Andrés
Betancor Rodríguez, Instituciones de Derecho Ambiental, Ed. La Ley, Madrid, 2001, p. 1251.

577 Vasco Pereira da Silva, “Ventos de Mudança no Direito do Ambiente – A


Responsabilidade Civil Ambiental”, in O Que Há de Novo no Direito do Ambiente?, Actas da
Jornadas de Direito do Ambiente, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
A.A.F.D.L., Lisboa, 2009, pp. 11-37, p. 21.

578 Cfr. Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 147/2008.

312
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

por um grupo de trabalho coordenado por LAURENT NEYRET e GILLES J.


MARTIN. Neste, defende-se a visão unificadora ao apresentar a sua
“nomenclature des préjudices environnementaux”, onde “o dano ambiental
pode ser definido como a interferência à integridade e/ou qualidade do
ambiente natural”579 e onde os prejuízos daí resultantes podem “ser
repartido[s] em duas categorias: dano causado no ambiente e dano causado
ao Homem”.

Do que já aqui tivemos oportunidade de argumentar, não


concordamos com esta posição, entendemos que nada na Directiva incentiva
a tal unificação do regime. Como salienta CARLA AMADO GOMES, o
legislador nacional, ao dedicar-se à parte da lesão do regime de
responsabilidade ambiental, no capítulo III, foi coerente com os objectivos
da Directiva, porém, ao inserir o Capítulo II dedicado à responsabilidade
civil, introduziu um elemento de dúvida existencial no regime580.

Para começar, é nosso entendimento que a responsabilidade pelo


dano causado ao ambiente não é uma responsabilidade civil, não obstante
alguma doutrina apontar nesse sentido 581. Quanto a nós, como tivemos
oportunidade de constatar supra, está-se perante uma responsabilidade sui
generis de cariz administrativo. Em seguida, o regime unifica o conceito de

Laurent Neyret e Gilles J. Martin, Nomenclature des prejudices environnementaux, Droit


579

Des Affaires, L.G.D.J, Lextenso éditions, Paris, 2012, p. 15 (tradução nossa).

Carla Amado Gomes, “De Que Falamos Quando Falamos De Dano Ambiental? Direito,
580

Mentiras e Críticas”, in Revista do CEJ, 1.º semestre 2012, n.º 13, pp. 323-339, pp. 324-325.

Carla Amado Gomes, “De Que Falamos Quando Falamos De Dano Ambiental? Direito,
581

Mentiras e Críticas”, in Revista do CEJ, 1.º semestre 2012, n.º 13, pp. 323-339, pp. 324-325.

313
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

dano, mas depois tratar cada tipo de dano de forma diferenciada e com
diferentes pressupostos.

Isto coloca, a nosso ver, em causa a efectiva implementação do


regime, afinal, o aplicador sem compreender o “dano” em causa opta, na
maioria das vezes, por proteger aquele que lhe é mais próximo e cujos
contornos compreende – o dano ambiental, vulgo dano tradicional.

Na verdade, quanto a nós, o legislador interno apontou para


soluções que permitem um leque diferenciado de interpretações e que
incitam à confusão sistemática. O diploma nacional tentou, de facto,
proceder a esta unificação. Contudo, sob o nosso prisma, nada na Directiva
indica nesse sentido, nem incentiva a tal conduta. Pelo contrário, o texto
refere expressamente que “não é aplicável aos casos de danos pessoais, de
danos à propriedade privada ou de prejuízo económico”582. Ora, perde o
sentido unificar o conceito para, em seguida, distinguir os regimes, afinal,
um será abrangido pelo regime de responsabilidade civil tradicional e o
outro por um regime sui generis de responsabilidade de cariz administrativo
como o criado pela Directiva. O que leva, inevitavelmente, a maior confusão
em torno do conceito de dano causado ao ambiente natural.

582 Cfr. Considerando 14 da Directiva 2004/35/CE.

314
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

4.1.3 Implementação do Decreto-Lei n.º 147/2008

A implementação do Decreto-Lei n.º 147/2008 e, por


conseguinte, do regime de responsabilidade ambiental criado pela Directiva
em Portugal foi objecto de um relatório apresentado pela APA – Agência
Portuguesa do Ambiente –, autoridade competente nos termos do artigo 29.º
do Decreto-Lei n.º 147/2008. Nesta fase, não sendo o regime português e as
opções nele tomadas objecto central deste trabalho, interessa-nos apontar
os dados públicos de implementação do regime. Com isso, visa-se
compreender aquele que é o principal problema deste regime e que, como
tal, apresenta-se como problemática central deste trabalho – o conceito de
dano adoptado e a sua ineficácia no que respeita à efectiva prevenção e
reparação dos danos causados ao ambiente.

É de salientar que, de acordo com o relatório apresentado por


Portugal, até Abril de 2013 (data de publicação do relatório), somente, dois
casos de “danos ambientais” foram reportados e registados pela APA, ambos
na sequência de derrame e vazamento de hidrocarbonetos no solo583. As
situações foram inicialmente denunciadas à autoridade competente como
ameaça iminente de danos, contudo, a existência de inaceitáveis riscos para
a saúde humana, confirmados na sequência de uma avaliação de riscos
levada a cabo, converteram-nas em situações de “dano ambiental”584.

583 As informações recolhidas junto daAPA reforçam que, até à data de entrega do presente
trabalho, não existe ocorrência de outros danos ou ameaças iminentes registadas junto à
Autoridade Competente.

584Report on the experience gained in the application of Decree-Law No. 147/2008 of 29


July 2008, Portuguese Environment Agency, Waste Department, April 2013, p. 14.

315
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Tabela 1: Listagem dos casos classificados como “dano ambiental” à luz da Directiva
2004/35/CE registados em Portugal pela APA até 2015

Tipo de Descrição dos Danos Data da Data da Data do Data do Implementaçã


Dano Ocorrênci Determina Início dos Plano de o das Medidas
a ção/Confir Procedimen Reparação de Reparação
mação do tos de
Dano Prevenção
Dano ao Vazamento de um Março Dezembro Dezembro de Janeiro de Fevereiro de
Solo tanque subterrâneo para 2009 2009 2009 2010 2010
o subsolo de gasolina 95
sem chumbo num posto
de gasolina.
Dano ao Derrame do conteúdo de 16 de - 2011 Abril de Junho 2012
Solo um recipiente de recolha Outubro 2012
de resíduos produzidos de 2011
na separação de
hidrocarbonetos, em
particular óleo
combustível. O
derramamento da
mistura água e de óleo
combustível afectou
uma área de terreno de
aproximadamente
13.000 m2.

Fonte: Report on the experience gained in the application of Decree-Law No. 147/2008 of 29
July 2008 585

585Report on the experience gained in the application of Decree-Law No. 147/2008 of 29


July 2008, Portuguese Environment Agency, Waste Department, April 2013, pp. 7 e ss.

316
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Para além destas situações estão registados, também, seis casos


de ameaça iminente de dano:

Tabela 2 – Casos de ameaça iminente de dano em Portugal até Abril de 2013

Caso Tipo de Data do Actividade Medidas Preventivas


Ameaça evento ou referida adoptadas
Iminente da no Anexo
descoberta III do DL
da ameaça
I Derrame de óleo Setembro de 1 Colocação de barreiras de
combustível na 2008 contenção;
linha de água (evento) Remoção de água de superfície
e da vegetação contaminadas
por hidrocarbonetos;
Limpeza da estrutura
existente.
II Comtaminação Janeiro de 2 Remoção dos resíduos e solo
por eliminação 2009 contaminado.
de resíduos (descoberta
da ameaça)
III Contaminação Novembro 1 Remoção do solo contaminado;
por de 2008 Extracção do produto
hidrocarbonetos (descoberta infiltrado;
de solos e águas da ameaça) Elaboração de uma análise de
subterrâneas risco para a saúde humana.

IV Vazamento de Abril de 7 Extracção do produto


anilina em solo e 2009 infiltrado;
(evento)

Apesar do relatório só referir os casos ocorridos e registados até Abril de 2013, foi-nos
confirmado pela Divisão de Responsabilidade Ambiental e Contaminação de Solos, da
Agência Portuguesa do Ambiente, que até à data (12-03-2015) não existem mais casos de
dano registados na referida entidade.

317
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

águas Elaboração de uma análise de


subterrâneas risco para a saúde humana.
V Vazamento de Maio de 2011 7 Remoção do solo contaminado;
hidrocarbonetos (descoberta Extracção do produto
no solo e águas da ameaça) infiltrado;
subterrâneas Elaboração de uma análise de
risco para a saúde humana.
VI Vazamento de Fevereiro de 7 Extracção do produto
hidrocarbonetos 2012 infiltrado;
no solo e águas (descoberta Elaboração de uma análise de
subterrâneas da ameaça) risco para a saúde humana.

Fonte: Report on the experience gained in the application of Decree-Law No. 147/2008 of 29
July 2008 586

Antes de analisarmos estes resultados, importa referir as


conclusões retiradas pela autoridade competente no que respeita à
implementação do regime de responsabilidade ambiental em Portugal.
Nesse sentido, no relatório refere-se que “na implementação da Directiva de
Responsabilidade Ambiental, algumas limitações e constrangimentos
resultantes da introdução de novos conceitos foram observadas, em especial
aqueles relativos à “condição de base”, “ameaça iminente de dano ambiental”
e “dano ambiental”587. Isto é, a própria autoridade competente chamou a

586 Tabela 1, Report on the experience gained in the application of Decree-Law No.
147/2008 of 29 July 2008, Portuguese Environment Agency, Waste Department, April
2013, pp. 7 e ss. Apesar do relatório só referir os casos ocorridos e registados até Abril de
2013, foi-nos confirmado pela Divisão de Responsabilidade Ambiental e Contaminação de
Solos, da Agência Portuguesa do Ambiente, que até à data (12-03-2015) não existem mais
casos de dano registados na referida entidade.

587Report on the experience gained in the application of Decree-Law No. 147/2008 of 29


July 2008, Portuguese Environment Agency, Waste Department, April 2013, p. 13.

318
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

atenção para a inerente subjectividade na implementação destes conceitos,


devido à complexidade técnica dos mesmos.

De facto, não podemos deixar de concordar que a implementação


de conceitos novos leva, necessariamente, a uma dificuldade inicial de
ajustar a máquina jurídica e administrativa aos mesmos. Contudo, parece-
nos que o problema aqui vai além da dificuldade de implementação de um
conceito novo – “dano ambiental” – mas sobretudo deve-se à sua errónea
compreensão. Essa, sim, responsável pelo fracasso em que se traduz a
implementação da responsabilidade ambiental em Portugal, nos termos
consagrados na Directiva e no Decreto-Lei de transposição.

Tal como já aqui referimos, o conceito de “dano ambiental” foi


uma má opção da Directiva e a sua fraca implementação é prova disso. Ou
seja, quando referimos acima que existe no regime português uma errónea
aplicação do conceito, será o mesmo que dizer que não se compreendeu, de
todo, o âmbito de aplicação do mesmo e, com efeito, a sua implementação
padece necessariamente de um problema. Vejamos, mencionámos atrás a
existência de dois casos registados como dano ambiental e de seis casos de
ameaça iminente de dano ambiental, num período de cerca de cinco anos.

Na senda do disposto na Directiva, o Decreto-Lei prevê a sua


aplicação aos danos às espécies e habitats naturais protegidos, danos à água
e danos ao solo. Sendo que, o dano ao solo é o único aferido com base no
risco que possa resultar para o Homem, enquanto os restantes são aferidos
com base no valor intrínseco do elemento natural em si mesmo considerado.
Se virmos os dois exemplos de danos ambientais registados são, na verdade,
casos de danos ao solo. E, dos seis casos de ameaça iminente, cinco referem-
se a ameaça iminente de danos ao solo. Ou seja, na prática, o que o regime
de responsabilidade ambiental criado pela Directiva fez, da forma como foi

319
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

transposto para o ordenamento nacional, foi cingir a prevenção e reparação,


apenas, do dano causado ao ambiente que resulte num risco significativo
para a saúde humana.

Isto significa que a autoridade compentente, como órgão


implementador, modelou o dano causado ao ambiente aos parâmetros do
dano tradicional e procedeu à prevenção e reparação do ambiente, apenas,
de forma reflexa, na sequência da prevenção e protecção da saúde do
Homem.

320
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

4.2 Co-Relação entre o Decreto-Lei n.º 147/2008 e a Nova Lei de


Bases do Ambiente

Como vimos, o Decreto-Lei n.º 147/2008 estabelece um regime


de responsabilidade por “dano ambiental” e, para tal adopta um regime de
responsabilidade civil e outro a que apelida de responsabilidade
administrativa. Já tecemos aqui a nossa crítica às opções adoptadas nesse
diploma e ficou claro da análise da implementação do mesmo que essas
opções não levaram, de modo algum, a uma elevada protecção do ambiente.

A confusão incutida no Decreto-Lei é ainda mais grave depois da


nova lei de bases da política de ambiente, aprovada pela Lei n.º 19/2014 de
14 de Abril. De facto, a nova lei de bases é um diploma posterior ao Decreto-
Lei, pelo que seria muito difícil que, com quase seis anos de diferença, os
objectivos e princípios de um fossem integralmente assimilados pelo outro.
Contudo, a nova lei de bases aponta, quanto a nós, o caminho que deve ser
seguido para promover uma maior e melhor definição dos conceitos e a
efectiva implementação do regime de responsabilidade.

Assim, referindo-se a objectivos, o artigo 2.º da LBA dispõe que


“a política de ambiente visa a efectivação dos direitos ambientais através da
promoção do desenvolvimento sustentável, suportada na gestão adequada do
ambiente, em particular dos ecossistemas e dos recursos naturais,
contribuindo para o desenvolvimento de uma sociedade de baixo carbono e
uma “economia verde”, racional e eficiente na utilização dos recursos naturais,
que assegure o bem-estar e a melhoria progressiva da qualidade de vida dos
cidadãos”. Temos assim, o ecossistema a ganhar maior protagonismo na
política ambiental nacional, tal como entendemos ser desejável e como
veremos no próximo capítulo.

321
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Por outro lado, quando se refere aos princípios materiais de


ambiente, o artigo 3.º, apresenta alguns princípios importantes588:

▪ Princípio do desenvolvimento sustentável “que obriga à


satisfação das necessidades do presente sem comprometer as das
gerações futuras, para o que concorrem: a preservação de recursos
naturais e herança cultural, a capacidade de produção dos
ecossistemas a longo prazo, o ordenamento racional e equilibrado
do território com vista ao combate às assimetrias regionais, a
promoção da coesão territorial, a produção e o consumo
sustentáveis de energia, a salvaguarda da biodiversidade, do
equilíbrio biológico, do clima, e da estabilidade geológica,
harmonizando a vida humana e o ambiente”;

▪ Princípio do utilizador-pagador “que obriga o utente de serviços


públicos a suportar os custos da utilização dos recursos, assim
como da recuperação proporcional dos custos associados à sua
disponibilização, visando a respectiva utilização racional”;

▪ Princípio da responsabilidade “que obriga à responsabilização de


todos os que directa ou indirectamente, com dolo ou negligência,
provoquem ameaças ou danos ao ambiente, cabendo ao Estado a
aplicação das sanções devidas, não estando excluída a
possibilidade de indemnização nos termos da lei”; e

588Vasco Pereira da Silva, “Como a Constituição é Verde”, Os Princípios Fundamentais da


Constituição Portuguesa de Ambiente, Associação Académica da Faculdade de Direito de
Lisboa, Lisboa, 2001, p. 13.

322
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

▪ Princípio da recuperação, “que obriga o causador do dano


ambiental à restauração do estado do ambiente tal como se
encontrava anteriormente à ocorrência do facto danoso”.

Com a consagração expressa destes princípios temos uma


posição clara por parte do regime: a diversidade ecológica do ecossistema
deve ser salvaguardada para as próximas gerações; havendo um dano
causado no ambiente este deve ser reparado; e havendo a deterioração de
um serviço fornecido pelo ecossistema este deve ser compensado e
reparado. Temos assim, as ases para a consagração da diversidade do
ecossistema e dos serviços do ecossistema como elementos essenciais do
nosso ordenamento jurídico ambiental.

No que respeita aos componentes protegidos, refere-se que a


política de ambiente tem por objecto os componentes ambientais naturais,
como o ar, a água, e o mar, a biodiversidade, o solo e o subsolo, a paisagem,
e reconhece e valoriza a importância dos recursos naturais e dos bens e
serviços do ecossistema589. Assim, a conservação da natureza e da
biodiversidade são entendidas como dimensão fundamental do
desenvolvimento sustentável. Para tal, impõe-se a adopção das medidas
necessárias para travar a perda da biodiversidade, através da preservação
dos habitats naturais e da fauna e flora no conjunto do território nacional, a
protecção das zonas vulneráveis, bem como através da rede fundamental de
áreas protegidas, de importância estratégica neste domínio590.

589 Cfr. Artigo 10.º, da Lei n.º 19/2014 de 14 de Abril.

590 Cfr. Artigo 10.º, al. d), da Lei n.º 19/2014 de 14 de Abril.

323
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Quanto aos serviços fornecidos pelo ecossistema, também eles


são consagrados na nova lei, como já dissemos. Mas para além da sua
consagração, assume-se expressamente que através dos instrumentos
económicos e financeiros poder-se-á alcançar a utilização racional dos
recursos naturais e a internalização das externalidades ambientais.

324
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

CAPÍTULO V

UMA NOVA TEORIA: ENQUADRAMENTO DOGMÁTICO DO DANO À


ECODIVERSIDADE

325
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

326
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.1 Âmbito de protecção da responsabilidade ambiental:


“Ecodiversidade”

Com o regime especial de responsabilidade ambiental criado


pela Directiva 2004/35/CE tentou-se alcançar um nível-base elevado de
protecção ambiental. Contudo, tivemos oportunidade de constatar que o
conceito de dano adoptado pela Directiva não levou, até agora, a que esse
objectivo fosse cumprido com sucesso. Uma das causas apontadas para esta
falha prende-se com o reduzido âmbito de aplicação do regime,
consequência directa do conceito ultra restrito de ambiente adoptado pela
Directiva.

Daqui em diante, propomos algumas soluções. Neste capítulo, em


particular, iremos começar por apresentar o enquadramento dogmático de
uma nova teoria de dano que entendemos suprir as deficiências apontadas.
Nesse sentido, vamos, primeiro, delinear o escopo de aplicação de um
regime de responsabilidade ambiental europeu. E, em seguida, identificar as
mudanças que, quanto a nós, devem ser realizadas para se conseguir
alcançar o pretendido nível-base elevado de protecção ambiental.

Já estabelecemos atrás que o regime jurídico criado pela


Directiva 2004/35/CE tinha a pretensão de ser um regime de prevenção e
reparação do dano causado ao ambiente natural. Contudo, como
constatámos, não é exactamente isso que acontece na sequência da
implementação do conceito de “dano ambiental”. Com efeito, pode dizer-se
que, hoje, o bem teoricamente a proteger não equivale na íntegra ao bem

327
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

efectivamente protegido591. Deparamo-nos, assim, com uma dificuldade


evidente por parte dos implementadores do regime de compreender o
âmbito de protecção do “ambiente”, sem fazer referência directa ao
Homem592.

Entendemos, por isso, que um dos motivos para a fraca protecção


do ambiente resultante da aplicação da Directiva se deve a uma equívoca e
restrita percepção do âmbito de protecção da norma. Afinal, como chama à
atenção GOMES CANOTILHO, e foi reforçado no Livro Verde, a análise do
problema dos danos relacionados com o ambiente pressupõe,
necessariamente, a discussão jurídica do próprio conceito de ambiente.
Aqui, esclarece-se, não iremos tratar a evolução história do conceito de
ambiente. Ao invés, optamos por demonstrar como, neste momento, este
conceito é incorporado na Directiva e como entendemos que a sua
operacionalização deva ser entendida daqui para a frente.

Esta equivocidade relacionada à definição do conceito de


ambiente fica-se a dever, desde logo, a uma difícil delimitação deste
conceito, seja do ponto de vista naturalístico, seja jurídico593. Juridicamente,
o conceito de ambiente pode ser entendido de várias formas e a doutrina

591 Fanny Sandez Lujan, El Bien Juridico Protegido en el Dedecho Penal del Medio Ambiente,

Breviarios de La Universidad Catolica de Cuyo, Año 1, n.º 2, San Juan, Republica Argentina,
1994, p.17.

592José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala, Direito Ambiental na Sociedade do
Risco, 2.ª edição revista, atualizada e ampliada, Forense Universitária, p. 240.

Luís Filipe Colaço Antunes, “Para uma Noção Jurídica de Ambiente”, in Scientia Ivridica,
593

Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Janeiro-Junho, 1992, Tomo XLI, n.º
235/237, pp. 77-94, p. 77.

328
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

tem sido frutífera neste assunto594. No entanto, de forma resumida, podemos


dizer que a compreensão do ambiente pode ser realizada através da adopção
de um conceito restrito ou de um conceito amplo. Entendido de forma
restrita o ambiente limitar-se-ia “ao chamado ambiente natural constituído
pelos elementos fundamentais da vida humana, designadamente o solo, ar,
água, biosfera, nas suas relações recíprocas e nas suas relações com os homens
e outros seres vivos”595. Ou, ao invés, pode ser compreendido numa acepção
ampla ou extensiva, onde quase se confunde com o conceito de qualidade de
vida, e pode ser entendido como a globalidade dos aspectos exteriores à
pessoa596. Nos termos desta posição, mais abrangente, o conceito de
ambiente abrange uma série de diferentes elementos: os elementos

594 Deu-se, por exemplo, o debate entre aqueles que adoptavam uma teoria unitária de
ambiente, considerando assim o ambiente como um bem único, e a teoria atomista, de
acordo com a qual o ambiente é composto de uma pluralidade de bens. Parece-nos que, hoje,
a posição será mais no sentido da segunda, como veremos. Teresa Morais Leitão, Civil
Liability for Environmental Damage. A Comparative Survey of Harmonised European
Legislation, Dissertation submitted to the department of Law in candidacy for the Degree of
Master in European, International and Comparative Law, Florence, Italy, January 30, 1995,
p. 13.

595 J.J.
Gomes Canotilho, “Procedimento Administrativo e Defesa do Ambiente”, in Revista de
Legislação e de Jurisprudência, Ano 123.º, n.º 3799, 1990/91, p. 290.

596 Para José Rubens Morato Leite, na concepção ampla de ambiente considera-se “o
conjunto das relações estabelecidas entre o homem e o meio ambiente, não apenas em função
da ação transformadora das características físicas naturais do bem ambiental, mas, também,
devido às relações culturais que são estabelecidas pelo homem em função das possibilidades
de desenvolvimento social determinadas pelo meio ambiente”. José Rubens Morato Leite, “O
dano moral ambiental difuso: conceituação, classificação e jurisprudência brasileira”, in
Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20
de Novembro de 2009, pp. 56-90, p. 57.

329
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

naturais, culturais, económicos e/ou sociais que influenciam de forma


relevante o ser humano597.

Na Directiva, assumindo-se ser problemática a definição do


conceito jurídico de ambiente, este não é directamente desenvolvido598.Ao
invés, o conceito é tratado apenas de forma indirecta, por meio do conceito
de “dano”, de “dano ambiental” e de “recurso natural”. Assim, dispõe que se
entende por dano “a alteração adversa mensurável, de um recurso natural ou
a deterioração mensurável do serviço de um recurso natural, que ocorram
directa ou indirectamente”599. Com efeito, utiliza o conceito de “recurso
natural” como objecto do dano. Contudo, quando define o que entende por
“recurso natural” restringe o mesmo às espécies e habitats naturais
protegidos, à água e ao solo600.

Nesse sentido, pode dizer-se que a noção jurídica de ambiente


adoptada pela Directiva (como objecto de protecção da norma)
circunscreve-se, apenas, a um conjunto restrito de bens ambientais naturais.
Ficam de fora, por conseguinte, as restantes espécies e habitats naturais, o

Henrique Sousa Antunes, “Ambiente e Responsabilidade Civil”, in Estudos de Direito do


597

Ambiente, Publicações Universidade Católica, Porto, 2003, pp. 150-179, p. 154.

598 Giovanni Cordini, “O Direito do Ambiente em Itália”, in Direito do Ambiente, INA, 1994,
p. 202.

599 Cfr. Artigo 2.º, n.º 2, da Directiva 2004/35/CE.

600J.J. Gomes Canotilho, “Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por


Danos Ambientais”, in Boletim da Faculdade de Direito 69, 1993, pp. 1-69, p. 2.; Teresa
Morais Leitão, Civil Liability for Environmental Damage. A Comparative Survey of
Harmonised European Legislation, Dissertation submitted to the department of Law in
candidacy for the Degree of Master in European, International and Comparative Law,
Florence, Italy, January 30, 1995, p. 13.

330
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ar, o solo e o subsolo601. Entendemos que esta posição, por ser demasiado
restritiva, não fomenta um nível-base elevado de protecção ambiental, antes
pelo contrário602.

Importa, por isso, encontrar uma forma de operacionalizar o


conceito de “ambiente” que não seja tão restritiva. Para além de que, o
próprio conceito de recurso natural traz consigo subjacente uma ideia de
utilização do bem natural pelo Homem que não se coaduna com o escopo de
protecção da norma. Pelo contrário, a Directiva 2004/35/CE estipula
expressamente a prevenção e a reparação das espécies e habitats naturais
protegidos e da água tendo em consideração o valor intrínseco que possui e
não o valor (de uso e não uso) que o Homem lhes atribui. O valor atribuído
pelo Homem, somente, é levado em consideração no que respeita
especificamente aos danos causados ao solo, onde a sua prevenção e
reparação fica dependente do risco causado à saúde humana603.

Para nós, na sequência do que já atrás referimos, entendemos


que a protecção do ambiente não pode mais ser encarada nesta visão
parcelar e individualizadora de protecção dos elementos ambientais
naturais individualmente considerados. Pior, no caso da Directiva, apenas,
de alguns elementos especialmente identificados – espécies e habitats
naturais protegidos, água e solo (em algumas situações). Actualmente o que
deveria estar em causa, com a criação de um regime especial de

601Carla Amado Gomes, “Constituição e Ambiente: Errância e simbolismo”, in Revista de


Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, N.º 13, Almedina, p. 46.

602 Enrique Beltrán Ballester, “El Delito Ecológico”, Medio Ambiente, Poder Judicial, Número

especial IV, pp. 91-108, p. 94.

603 Cfr. Considerando 1, da Directiva 2004/35/CE.

331
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

responsabilidade ambiental, é a protecção e reparação dos elementos


ambientais naturais enquanto parte de um sistema, enquanto componentes
fundamentais para a “diversidade dos ecossistemas”. Esta, sim, responsável
pela garantia das diferentes formas de vida na Terra604.

Esta posição aproxima-se daqueles que adoptam um conceito


sistémico de ambiente605. Contudo, aqui vamos retirar o foco, apenas, na
“relação” e incidir sobre a “diversidade” das espécies, entre as espécies e dos
ecossistemas propriamente ditos606. Afinal, esta diversidade será essencial
para garantir o equilíbrio ecológico que pode colocar em causa o
funcionamento do conjunto dos elementos bióticos e abióticos que
compõem os ecossistemas607. Nesse sentido, aponta o próprio texto da
Directiva quando faz referência, no conceito de dano, aos “serviços”
fornecidos pelos recursos naturais. Constituirá assim, dano não só a
alteração dos bens individualmente considerados, mas a própria afectação

604Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 105.

Luís Filipe Colaço Antunes, “Para uma Noção Jurídica de Ambiente”, in Scientia Ivridica,
605

Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Janeiro-Junho, 1992, Tomo XLI, n.º
235/237, pp. 77-94, p. 79.

606 Marie-Louise Larsson, “Legal Definition of the Environment and of Environmental


Damage”, in Scandinavian Studies in Law (Sc. St. L) Series, vol. 38, 1999, pp. 155-176, p. 155,
disponível para consulta no site http://www.scandinavianlaw.se/pdf/38-7.pdf, consultado
no dia 24/03/2014.

607Demetrio Loperena Rota, El Derecho al Medio Ambiente Adecuado, Cuadernos Civitas,


pp. 93-152, p. 94.

332
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

da diversidade do ecossistema traduzida na afectação dos serviços


fornecidos pelos ecossistemas608.

O conceito de ambiente encontra-se, assim, necessariamente


projectado no ecossistema. Este se traduzindo na rede de inter-relações
existentes entre a comunidade biótica e abiótica e o biótipo envolvente 609.
Assim, o conceito de ecossistema ganha uma posição de relevo em toda a
nossa discussão. Importa, portanto, compreender como definir este
conceito.

Juridicamente podemos definir “ecossistema” trazendo à colação


o conceito apresentado pela CDB: “um complexo dinâmico de comunidades
vegetais, animais e microorganismos e o seu ambiente não vivo, interagindo
como uma unidade funcional”610. No entanto, esta definição foi pensada para
a Convenção sobre a Diversidade Biológica cujo foco central reside na
protecção apenas dos seres vivos611, sendo os seres não vivos entendidos e

608Paulo Cunha, “A Globalização, a Sociedade de Risco, a Dimensão Preventiva do Direito e


o Ambiente”, in Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, n.º 1 e 2, 2001, pp. 465-492, p. 471.

609 Enrique Beltrán Ballester, “El Delito Ecológico”, Medio Ambiente, Poder Judicial, Número

especial IV, pp. 91-108, p. 94.

610 Cfr. Artigo 2.º da CDB.

611Como refere A.G. Tansley, “The use and abuse of vegetational concepts and terms”, in
Ecology, Vol. 16, N.º 3, pp. 284-307, p. 299, “our natural human prejudices force us to consider
the organisms (in the sense of the biologist) as the most important parts of these systems, but
certainly the inorganic “factors” are also parts – there could be no system without them, and
there is constant interchange of the most variouskinds within each system, not only between
the organisms but between the organic and the inorganic”.

333
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

protegidos meramente numa visão funcional perante as necessidades dos


seres vivos.

Acontece que, apesar de não existir um conceito único e uniforme


de ecossistema, até porque o conceito empregue será necessariamente
comprometido com os objectivos pretendidos, entendemos que não foi
intenção aquando da elaboração da Directiva cingir-se, unicamente, à
protecção dos seres vivos e dos não vivos apenas numa relação funcional
com os primeiros612. Tanto assim é que alguma doutrina faz referência a
estes danos causados ao ambiente como “danos à biodiversidade”.
Biodiversidade, que é a forma contraída de denominar a diversidade
biológica refere-se ao grau de variedade das espécies bióticas. Alguns
autores apresentam-na em três níveis: diversidadade genética, diversidade
cultural e diversidade das espécies613.

Quanto a nós, já tivemos oportunidade de apontar logo no


começo a nossa posição quanto a isto, mas a verdade é que
independentemente dos critérios que se use para conceptualizar a
biodiversidade esta tem como foco a “vida”, ou seja, os elementos bióticos.
Sendo o ecossistema e os elementos abióticos que o compõem levados em
consideração, apenas, numa relação de funcionalidade para com aqueles.

612O termo ecossistema foi introduzido no vocabulário biológico por A. D. Tansley, no ano
de 1935. Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 106.

613R. Montenegro, Ecodiversity or Biodiversity? Towards a New Concept, in Biodiversity


and International Law. The Effectiveness of International Environmental Law, IOS Press,
Amsterdan, Oxford, Washington, DC, Tokyo, 1992, pp. 47- 55. Posição oposta pode-se
encontrar em MILIEU, LTD., IUCN, Experience Gained in the Application of ELD Biodiversity
Damage, Final Report For The European Commission, DG Environment, Brussels, February
2014.

334
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Como tal, quando nos referimos à protecção do ambiente pelo valor


intrínseco e se estabelece um regime especial para a protecção directa do
ambiente o que está em causa não é mais apenas “vida humana”, mas o valor
intrínseco dos “bens ambientais”, de todos eles, incluindo os elementos
bióticos, abióticos e os serviços fornecidos pelos ecossistemas.

Não obstante a importância que o conceito de ecodiversidade vai


assumir daqui em diante, quando se fala em regime de responsabilidade
ambiental o objecto da protecção não será o ecossistema por si só, mas antes
a “diversidade do ecossistema”. Tendo em consideração que a actuação
humana, desde a mais inócua, provoca necessariamente alterações no
ambiente envolvente, ampliar o escopo de protecção da norma para “todo”
o ecossistema significaria simplesmente que o mero acto de “viver” poderia
gerar dano. O que está aqui em causa não é a protecção integral de todos os
elementos que compõem os ecossistemas individualmente considerados. O
que interessa é garantir que a diversidade dos ecossistemas seja prevenida
e reparada caso afectada614. Com isso, consegue-se, conciliar o
desenvolvimento e o bem-estar humano com a protecção do valor intrínseco
do ambiente natural. Tornando-se assim, uma fórmula conciliatória de
protecção ambiental.

Luís Filipe Colaço Antunes, “Para uma Noção Jurídica de Ambiente”, in Scientia Ivridica,
614

Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Janeiro-Junho, 1992, Tomo XLI, n.º
235/237, pp. 77-94, p. 87.

335
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

336
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.2 Quadro de referência da protecção da Ecodiversidade na


União Europeia

Na Europa, as medidas específicas a nível comunitário com


incidência directa sobre a protecção do ambiente natural tardaram porque,
até meados da década de 80, a maioria dos Estados-Membros eram da
opinião de que isto constituía matéria da exclusiva competência dos Estados.

Em 1979, a Comunidade adopta a Directiva 79/409/CEE do


Conselho, de 2 de Abril, relativa à conservação das aves selvagens, na
sequência de uma forte pressão pública em favor de tal medida 615.
Posteriormente, em 2009, atendendo a uma necessidade de codificação e
sistematização do texto da Directiva, bem como da sua conformação com o
sexto programa de acção comunitária do ambiente 616, que prevê acções
específicas destinadas a garantir a biodiversidade, incluindo a protecção das
aves e dos seus habitats, esta Directiva viria a ser revogada pela Directiva
2009/147/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Novembro
de 2009.

A Directiva Aves, como normalmente é designada, visa a


conservação de todas as espécies de aves que vivem naturalmente no estado
selvagem no território europeu dos Estados-Membros. Tem por objectivo a

615Ludwing Krämer, EC Environmental Law, Fouth Edition, Sweet & Maxwell, London,
2000, p. 134

616Decisão n.º 1600/2002/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Julho de


2002

337
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

protecção, a gestão e o controle dessas espécies e regulamenta a sua


exploração aplicando-se, também, às aves e seus ovos, ninhos e habitats617.

Nos termos do disposto na Directiva Aves, os Estados-Membros


devem tomar medidas para manter ou restabelecer as populações das
espécies em perigo para um nível que corresponda às exigências ecológicas,
científicas e culturais, tendo em conta as necessidades económicas e de
recreio618. Para tal, devem tomar todas as medidas necessárias para
preservar, manter ou restabelecer uma diversidade e uma extensão
suficientes de habitats para todas as espécies de aves. A preservação, a
manutenção e o restabelecimento dos biótopos e dos habitats comportam,
em primeiro lugar, as seguintes medidas: a) criação de zonas de protecção;
b) manutenção e adaptação ajustadas aos imperativos ecológicos dos
habitats situados no interior e no exterior das zonas de protecção; c)
reabilitação dos biótopos destruídos; d) criação de biótopos.

As espécies mencionadas no Anexo I da Directiva são objecto de


medidas de conservação especiais respeitantes ao seu habitat, de modo a
garantir a sua sobrevivência e a sua reprodução na sua área de distribuição.
Estas medidas levam em conta: a) As espécies ameaçadas de extinção; b) As
espécies vulneráveis a certas modificações dos seus habitats; c) As espécies
consideradas raras, porque as suas populações são reduzidas ou porque a
sua repartição local é restrita; d) Outras espécies necessitando de atenção

617 Cfr. Artigo 1.º, n.º 1 da Directiva 79/409/CEE.

618 Cfr. Artigo 2.º da Directiva 79/409/CEE.

338
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

especial devido à especificidade do seu habitat 619. Os países da UE devem


criar zonas de proteção especial (ZPE) para as espécies ameaçadas e para as
aves migratórias, com condições favoráveis à sua sobrevivência e situadas
na área natural de distribuição das aves (ou seja, onde elas se encontram
naturalmente). É dada uma atenção especial às zonas húmidas. As ZPE fazem
parte da rede Natura 2000 de áreas ecológicas protegidas. Esta Diretiva
instaura, além disso, um regime de proteção geral de todas as espécies de
aves selvagens da UE.

Em 1992, adopta-se a Directiva 92/43/CEE do Conselho, de 21


de Maio de 1992, relativa à preservação dos habitats naturais e de fauna e
flora selvagens, conhecida como Directiva Habitats. A Directiva Habitats foi
alterada pela Directiva 97/62/CE de 29 de Novembro de 1997, pelo
Regulamento (CE) n.º 1882/2003 de 20 de Novembro de 2003 e pela
Directiva 2006/105/CE de 1 de Janeiro de 2007. Esta Directiva tem por
objecto garantir a biodiversidade pela conservação dos habitats naturais,
bem como de fauna e flora selvagens no território dos Estados-Membros620.
Para o efeito, é criada uma rede ecológica de áreas especiais protegidas,
denominada “Natura 2000”. As demais actividades previstas em domínios
como o controlo e a vigilância, a reintrodução de espécies indígenas, a
introdução de espécies não indígenas e a investigação e educação
contribuem para dar coerência à rede. A Directiva Habitats cria a rede
Natura 2000. Esta rede é a maior rede ecológica do mundo e é constituída

619Tiago Antunes, “Singularidades de Um Regime Ecológico – O Regime Jurídico da Rede


Natura 2000 e, em Particular, as Deficiências da Análise de Incidências Ambientais”, in
Direito e Biodiversidade, Juruá Editora, Curitiba, 2010, pp. 177-226, p. 182.

620 Sobre a Directiva Habitats e seu status:


http://europa.eu/legislation_summaries/environment/nature_and_biodiversity/l28076_
pt.htm, consultado pela última vez no dia 16.06.2015.

339
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

por zonas especiais de conservação que os Estados-Membros designam à luz


da presente Directiva.

Os Anexos I e II da Directiva Habitats contêm os tipos de habitats


e as espécies cuja conservação exige a designação de zonas especiais de
conservação. Alguns deles são definidos como tipos de habitats ou espécies
“prioritários” (em perigo de extinção). O Anexo IV enumera as espécies
animais e vegetais que necessitam protecção particularmente estrita. A
designação das zonas especiais de conservação é feita em três etapas.
Segundo os critérios estabelecidos nos anexos, cada Estado-Membro elabora
uma lista de sítios que abriguem habitats naturais e espécies animais e
vegetais selvagens. Com base nessas listas nacionais e em concertação com
cada Estado-Membro, a Comissão aprova uma lista dos sítios de importância
comunitária para cada uma das nove regiões biogeográficas da UE (a região
alpina, a região atlântica, a região do Mar Negro, a região boreal, a região
continental, a região macaronésica, a região mediterrânica, a região
panónica e a região estépica). No prazo máximo de seis anos após a selecção
de um sítio como sítio de importância comunitária, o Estado-Membro em
causa designa esse sítio como zona especial de conservação 621.

A Rede Natura 2000, para além destas zonas especiais de


conservação, inclui também zonas de protecção especial instauradas por
força da Directiva Aves 2009/147/CE. Pelo exposto, pode dizer-se que a
Directivas Aves e a Directiva Habitats constituem o tronco central da política

621 http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/LSU/?uri=CELEX:31992L0043

340
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

europeia de protecção do ambiente em si mesmo considerado622. Contudo,


ao contrário da Directiva 2004/35/CE, estes dispositivos não contêm
previsões expressas no sentido de autorizar os Estados-Membros a impor a
obrigação de prevenir e reparar o dano causado ao ambiente.

Não obstante, a nível de política de protecção da natureza, várias


foram as iniciativas levadas a cabo ao longo dos últimos anos no seio da
União Europeia. Estas iniciativas marcam, efectivamente, uma evolução na
postura adoptada pela União, e pelos Estado-Membros, no que respeita à
protecção do ambiente. Nesse sentido, a União Europeia, bem como os seus
Estados-Membros, são parte da Convenção sobre a Diversidade Biológica
adoptada em 1992 e que entrou em vigor em 1993. Na sequência da CDB,
várias iniciativas ocorreram na UE até aos dias de hoje:

▪ Estratégia Comunitária para a Biodiversidade de 1998: Esta


Estratégia foi estabelecida em 1998 e apresenta um modelo geral
de desenvolvimento de políticas comunitárias para o
cumprimento dos objectivos estabelecidos na CDB. Estabelece
assim objectivos específicos a serem atingidos em sectores como:
a conservação de recursos naturais, agricultura, pesca, e
cooperação e desenvolvimento económicos. Outros sectores de
actividade (políticas regionais e ordenamento do território,
florestas, energia, transporte e turismo) não foram incluídos
neste plano, mas foram integrados em instrumentos já existentes
ou tratados individualmente, como aconteceu com a Política

622Tiago Antunes, “Singularidades de Um Regime Ecológico – O Regime Jurídico da Rede


Natura 2000 e, em Particular, as Deficiências da Análise de Incidências Ambientais”, in
Direito e Biodiversidade, Juruá Editora, Curitiba, 2010, pp. 177-226, p. 182.

341
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Agrícola Comum (PAC). O principal objectivo deste instrumento


foi chamar a atenção para as questões relacionadas à
biodiversidade, de facto esta foi a sua maior valia623.

▪ Plano de Acção em matéria de Biodiversidade de 2001: Em 2001


a União Europeia publicou um Plano de Acção em matéria de
biodiversidade abrangendo quatro áreas de conservação dos
recursos naturais: agricultura, pesca, desenvolvimento e
cooperação económica. Este plano começou a ser revisto em
2003 e terminou em 2004, durante uma Conferência que ocorreu
na Irlanda. Esta segunda estratégia optimizou a prioridade de
acção nos quatro sectores sobre os quais incide e adoptou um
plano de acompanhamento da sua implementação pelos Estados-
Membros624.

▪ Comunicação e Plano de Acção da UE sobre Biodiversidade de


2006: Em Maio de 2006, a Comissão Europeia adoptou a
Comunicação “Parar a Perda da Biodiversidade até 2010 – e para
além”, que revê, designadamente, a anterior Estratégia
Comunitária para a Biodiversidade e estabelece um Plano de
Acção para a Biodiversidade, que se desenvolve em torno de 10

623Cfr. Estratégia Europeia em matéria de Diversidade Biológica, apresentada na


Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamrnto Europeu, de 4 de Fevereiro de
1998, COM(98) 42.

624Cfr. Comunicação da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu, “Planos de acção


em matéria de biodiversidade nos domínios da conservação dos recursos naturais, de
agricultura, das pescas e da cooperação económica e para o desenvolvimento”, de 27 de
Março de 2001, COM(2001) 162 final, Volume I.

342
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

objectivos e cerca de 150 acções, identificando-se o nível de


execução (Comunidade ou Estados-Membros)625.

▪ Estratégia Europeia para a Biodiversidade da UE para 2020626: O


objectivo central desta estratégia é travar a perda de
biodiversidade e a degradação dos serviços ecossistémicos na
União Europeia até 2050 e, na medida em que seja viável,
recuperar essa biodiversidade e esses serviços intensificando
simultaneamente o contributo da UE para evitar a perda da
biodiversidade ao nível mundial. De salientar que estipula que
em 2050, a biodiversidade e os serviços ecossistémicos por ela
prestados – o seu capital natural – serão protegidos, valorados e
adequadamente restaurados pelo valor intrínseco da
biodiversidade e pela contribuição essencial para o bem-estar
humano e a prosperidade económica, de forma a que sejam
evitadas as mudanças catastróficas decorrentes da perda de
biodiversidade.

Estes vários Planos e Estratégias denotam as posições que vão


sendo assumidas e abandonadas ao longo dos tempos. E torna evidente a
evolução que esta temática tem assumido no cenário europeu ao longo dos
últimos anos. Importa, contudo, ressaltar que grande parte das medidas e
planos implementados em matéria de protecção e conservação do ambiente

Eurropean Academies, Science Advisory Councl, Ecosystem Services and Biodiversity in


625

Europe, EASAC Policy Repport 09, February 2009, pp. 25 e ss, disponível para consulta em
www.easac.com, última vizualisação a 17.03.2015.

626 Com o título “O nosso seguro de vida, o nosso capital natural”, COM (2001) 244 final.

343
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

visam, pelo menos de forma directa e expressa, apenas a protecção dos


elementos bióticos, ou seja da diversidade biológica.

Nós, pelo contrário, já aqui demonstramos que a nossa posição é


mais abrangente e prevê a inclusão tanto dos elementos bióticos, como
abióticos, como elementos fundamentais da protecção do ecossistema. Pelo
que, os avanços realizados a nível europeu no que respeita à protecção da
biodiversidade supra mencionados vão ser importantes para demonstrar o
nosso ponto de vista e para estruturar um quadro de referência completo de
protecção da ecodiversidade na europa.

Do exposto, pode-se constatar que os argumentos utilizados para


a protecção da biodiversidade na UE já não são, apenas, restritos à protecção
da biodiversidade, mas sim do ecossistema (e isso implica os seres vivos e
os não-vivos). Tem-se, assim, aplicado uma postura ampla no que respeita
ao conceito de biodiversidade, que para nós já não se restringe à
biodiversidade, mas alcança a ecodiversidade. Marcante é o facto de, na
última estratégia de biodiversidade, que vigora no momento, apresentar-se
na previsão para 2050 uma posição que vai directamente ao encontro do
que entendemos ser a posição actual e de futuro no que respeita à protecção
e, mais precisamente, da responsabilização por dano.

Por um lado, temos a consagração definitiva da importância dos


serviços do ecossistema. Por outro, temos a assunção do valor intrínseco da
ecodiversidade, a par e passo, com a contribuição que esta tem no bem-estar
do Homem. Como “Meta 2” da Estratégia de Biodiversidade da EU para 2020,
temos a “[m]anutenção e recuperação dos ecossistemas e seus serviços”,
prevendo-se que “até 2020, os ecossistemas e seus serviços serão mantidos e
valorizados mediante a criação de infraestruturas verdes e de recuperação de,

344
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

pelo menos, 15% dos ecossistemas degradados”627. Postura que marca uma
mudança de paradigma no direito de responsabilidade por dano causado ao
ambiente.

Em suma, neste momento, podemos apontar como falha do


quadro europeu o facto de ainda não conseguir promover a protecção do
ambiente como um conjunto integrado de elementos bióticos e abióticos.
Verifica-se que a nível de objectivos já se vai além da mera protecção do
elemento biótico, mas expressamente existe ainda uma atenção
iminentemente focada apenas para os assuntos relacionados aos seres vivos,
como se apenas estes afectassem a vida do Homem e como se apenas estes
tivessem valor. Não obstante esta incompletude, os argumentos e as
posições que se foram desenhando para a protecção da biodiversidade são,
por maioria e razão, totalmente válidos no que respeita à protecção da
ecodiversidade.

627 Estratégia de Biodiversidade da EU para 2020, União Europeia, Dezembro de 2011, p. 2.

345
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

346
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.3 Racionalização da Ecodiversidade enquanto “Capital


Natural”

Do exposto, pode dizer-se, sucintamente, que o regime que hoje


temos a vigorar na União Europeia no que respeita à responsabilidade por
dano causado ao ambiente abrange, dentro de si, uma evolução de conceitos
e de posturas que ao longo dos últimos anos se foram interligando e que,
hoje, são parte integrante do próprio direito do ambiente. Falamos, com
efeito, dos princípios do poluidor-pagador e da sustentabilidade. Estes,
incorporam e traduzem a ideia de que o Homem não mais pode consumir o
ambiente sem qualquer ónus. Assume-se que não existe mais “free lunch” no
que respeita ao uso e abuso do ambiente natural.

Dessa forma são incorporadas na economia ambiental as teorias


que visam a correcção das externalidades negativas, também denominados
custos sociais, adoptando a via da correcção do mercado, ou seja, apostando
na reviravolta das preferências individuais por intermédio do Estado. Tendo
como preocupação central a internalização das externalidades ambientais,
tenta-se alcançar um estado de uso racional e eficiente dos recursos. Assim,
a fim de equacionar o problema da escassez dos recursos naturais e da
melhoria da qualidade de vida, mantendo o processo produtivo, deve a
economia ambiental incorporar ao mercado o factor “ecodiversidade”.

Contudo, não temos ainda hoje a consolidação de um valor a


proteger por si próprio. Para a evolução do regime actual para um
verdadeiro regime de responsabilidade por dano causado ao ambiente,
vamos precisar de dar um passo mais contundente na consagração do valor
da diversidade do ecossistema e da sua importância para o bem-estar do
Homem. Vai ser necessário ir além da internalização das externalidades

347
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ambientais, para efectivamente colocar a “ecodiversidade”, lado a lado, com


os restantes factores de produção que devem, necessariamente, ser levados
em consideração pelo operador de uma actividade ocupacional.

No nosso entendimento, o que se pretende é equilibrar


interesses que, à partida, deveriam ser confluentes, mas que, na prática, têm-
se revelado conflituosos, que são a protecção da diversidade dos
ecossistemas e o desenvolvimento económico. Procurando-se, assim, atingir
um nível intermédio e equilibrado em que a diversidade dos ecossistemas
seja incorporada, ao lado da terra, do trabalho e do capital, como um factor
de produção a ser tido em consideração na hora de incorporação dos custos.
Com isso, permite-se o desenvolvimento de uma nova fórmula de lucro,
assente na sustentabilidade e na responsabilização por danos causados, pelo
Homem, à diversidade ecológica dos ecossistemas628.

Com isso em mente, o stock de ecodiversidade existente na Terra


passa a ser encarado como “Capital Natural”, conceito já utilizado no direito
económico para fazer referência às vantagens económicas que se pode
retirar do ecossistema, ou dito de outra forma, o “capital natural pode ser
definido como o stock mundial de bens naturais que incluem a geologia, o solo,
o ar, a água, e todas as coisas vivas”629.

628Paula de Castro Silveira; Direito de Poluir? Regime e Natureza da Licença e do Título de


Emissão, Dissertação de Mestrado em Direito em Ciências Jurídico Ambientais, disponível
para consulta na Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa, pp.21 e ss.

629Tradução da Autora. Original: “[n]atural Capital can be defined as the world´s stocks of
natural assets which include geology, soil, air, water, and all living things”. Definição
apresentada pelo Natural Capital Forum disponível em http://naturalcapitalforum.com.

348
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Contudo, aqui, interessa ir além do mero tratamento económico


para transformar este conceito económico em mote de formação de um
conceito jurídico-ambiental, nos termos do qual a diversidade do
ecossistema, e os serviços por si fornecidos, sejam reconhecidos e sirvam de
fundamento suficiente para a criação de um regime onde sejam encarados
como valor por si próprios, com uma protecção explicitamente direccionada
nesse sentido. De facto, nesse sentido entendemos ir, por exemplo, a Rio +20,
que estabeleceu internacionalmente uma necessidade expressa de
protecção (prevenção e reparação) do Capital Natural, enquanto, “todos os
activos naturais da terra (solo, ar, água, flora e fauna) e todos os seus serviços
ecossistémicos”630.

630 Declaração do Capital Natural disponível em www.globalcapitaldeclaration.org.

349
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

350
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.4 Re-conceptualização do dano no regime de


responsabilidade ambiental: “Dano à Ecodiversidade”

Como se verificou, muitas teses foram esboçadas ao longo dos


anos para tentar identificar e qualificar o dano causado ao ambiente. Várias
tentativas de distinguir o dano causado ao ambiente dos demais tipos de
dano que com ele apresentam relação directa ou indirecta foram levadas a
cabo.

A verdade é que a multiplicidade de conceitos adoptados se deve,


também, à evolução das mentalidades e das preocupações com as questões
relacionadas com a protecção do ambiente. Muitos dos conceitos, agora
insuficientes, à época eram inovações que respondiam às ânsias de uma
sociedade em mudança e carente de novas figuras que dessem corpo às suas
preocupações.

Entendemos que na sequência de uma agressão ao ambiente


resultam uma série de tipos diferentes de danos, o que faz com que, em
resumo, a discussão (num sentido amplo) ande basicamente à volta da
reparação de três tipos de prejuízos diferentes:

a) Danos ao património, à saúde ou à vida do Homem;


b) Afectação dos serviços proporcionados pelo ecossistema 631; e

631António Barreto Archer, Direito do Ambiente e Responsabilidade Civil, Almedina,


Coimbra, 2009, pp. 21ss.

351
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

c) Degradação de um elemento natural e o consequente


desequilíbrio da diversidade ecossistema632.

Neste trabalho apenas releva, para efeitos de discussão, a


degradação do elemento natural, o consequente desequilíbrio da
diversidade do ecossistema e a afectação dos serviços por si proporcionados
(alínea b) e c) supra mencionadas), pelo que será sobre esses casos que a
nossa atenção se irá centrar.

Tendo em consideração esta multiplicidade de relações jurídicas,


ao longo dos anos várias posturas foram sendo esboçadas. Inicialmente com
a protecção totalmente virada para a responsabilização por danos causados
ao Homem através de uma agressão ao ambiente, e sendo assente que os
danos causados no ambiente natural não eram, por si, protegidos pelo
direito, apenas a título reflexo. Depois, com o aparecimento de novas
correntes filosóficas, influenciadas pela “Deep Ecology”, vê-se ser atribuído
ao ambiente valor intrínseco e, como tal, começam a surgir novos conceitos,
ou adaptam-se os anteriores, de modo a consagrar a reparação do ambiente,
não fazendo isto depender apenas dos interesses do Homem que estejam, ou
não, em causa.

Hoje, com objectivo de se alcançar um “desenvolvimento


sustentável”, o ambiente não pode mais ser encarado numa visão
generalista, mas antes traduzindo a diversidade ecológica dos ecossistemas
que, por maioria de razão, deve ser salvaguardada e reparada, caso

632 Silvia Jaquenod De Zögnön, El Derecho Ecológico y sus Principios Rectores, 3.ª Editión,
S. L. Dykinson, España, 1991, p. 221.

352
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

degradada633. Pelo que, afastada a expressão utilizada na Directiva, “dano


ambiental”, entendemos que o conceito que melhor traduz a afectação da
diversidade do ecossistema é “dano à ecodiversidade”.

Tendo em atenção que o regime tem como objectivo estabelecer


um quadro comum de prevenção e reparação do dano causado ao
ambiente634 e que não é aplicável aos casos de danos pessoais, de danos à
propriedade privada ou de prejuízo económico635, a adopção do conceito de
dano à ecodiversidade é mais adequada, de forma a salientar que se
pretende, agora, analisar o dano sofrido pelo próprio ambiente em si mesmo
considerado, numa visão ecossistémica, envolvendo os efeitos que essa
degradação pode causar nos seres vivos e nos habitats e, em última
instância, no ecossistema como um todo, uma vez afectada a sua diversidade.
Somente assim, se vai conseguir, de facto, tratar os danos causados ao
ambiente com o regime de responsabilidade sui generis desenhado pela
Directiva 2004/35/CE.

Com efeito, concordamos que estamos numa nova Era, onde o


ecossistema impera como força motriz. E nesse aspecto, fazemos nossas as

633Marie-Louise Larsson, “Legal Definition of the Environment and of Environmental


Damage”, in Scandinavian Studies in Law (Sc. St. L) Series, vol. 38, 1999, p. 155-176, p. 155,
disponível para consulta no site http://www.scandinavianlaw.se/pdf/38-7.pdf, consultado
no dia 24/03/2014.

634 Cfr. Considerando 3, da Directiva 2004/35/CE.

635 Cfr. Considerando 14, da Directiva 2004/35/CE.

353
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

palavras de R. MONTENEGRO, “[c]ada ecossistema tem algum “conteúdo” de


ecodiversidade (não apenas de biodiversidade!)”636.

Seguimos o entendimento que defende que a “[e]codiversidade


resulta da interacção entre três sistemas:

▪ Geodiversidade – inclui todo o sistema estrutural que suporta


a vida como a hidrosfera, atmosfera, litosfera e geomorfologia.
Rios, oceanos e desertos de areia são exemplos destas
“estruturas”: eles actuam como “matrizes” onde os organismos
vivos existem;

▪ Diversidade Climática – inclui o resultado da interacção dos


factores climáticos como a temperatura, humidade e
contribuições de energia solar;

▪ Diversidade Biológica ou Biodiversidade – inclui a


“disponibilidade biótica” ou “oferta biótica” que tem um
número estimado de 30 milhões de espécies no mundo”637.

636R. Montenegro, Ecodiversity or Biodiversity? Towards a New Concept, in Biodiversity


and International Law. The Effectiveness of International Environmental Law, IOS Press,
Amsterdan, Oxford, Washington, DC, Tokyo, 1992, pp. 47- 55. Posição oposta pode-se
encontrar em MILIEU, LTD., IUCN, Experience Gained in the Application of ELD Biodiversity
Damage, Final Report For The European Commission, DG Environment, Brussels, February
2014.

637R. Montenegro, Ecodiversity or Biodiversity? Towards a New Concept, in Biodiversity


and International Law. The Effectiveness of International Environmental Law, IOS Press,
Amsterdan, Oxford, Washington, DC, Tokyo, 1992, pp. 47- 55.

354
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Para uma efectiva compreensão e total implementação do


conceito de dano à ecodiversidade, é, com efeito, necessário adaptar e
reestruturar a figura e suas características para responder às necessidades
específicas de reparação do valor em causa – a ecodiversidade. Se tivermos
em mente que aqui estamos a tentar ultrapassar a visão tradicional do dano,
importa compreender quais as características que o dano à ecodiversidade
deverá ter para ser reparável nos termos do regime de responsabilidade
ambiental. Nesta sede importa identificar que tipo de objecto, caso afectado,
é passível de despoletar a referida prevenção e reparação.

Sendo o objecto do dano de extrema importância para a


implementação do próprio conceito, está na altura de encontrar uma
fórmula de estruturar o bem jurídico em causa que vá além daquela
adoptada na Directiva e proceda efectivamente à protecção do ambiente
sem contrangimentos.

Com efeito, para nós, o objecto do dano, num sentido amplo, será
em última instância o ambiente natural (como vimos constituído pelos seus
elementos bióticos e abióticos), contudo, como já referimos, este será
representado pela figura da “ecodiversidade”. Com a assunção da protecção
da diversidade do ecossistema, em específico, vamos encontrar uma forma
de proteger o sistema que esteja de acordo com os fundamentos, objectivos
e pressupostos do regime atrás apontado. Esta abordagem significará, na
prática, como veremos já a seguir, uma maior amplitude dos bens objecto de
tutela jurídica pelo esquema de prevenção e reparação europeu.

Ao invés do ambiente, genericamente considerado, aqui o bem


jurídico afectado será a diversidade do ecossistema – uma unidade em que,
pela interacção entre componentes bióticos e abióticos, se geram

355
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

propriedades novas, quanto à estrutura e função, que ultrapassam a simples


soma dos atributos das partes integrantes do ecossistema638. Pelo que, para
termos um dano pode-se ter um dano aos tais “componentes” bitóticos e
abióticos, mas também ao seu Capital Natural (os serviços fornecidos por
estes), como veremos no próximo capítulo.

Nesse sentido, entendemos que a Directiva adopta uma posição


incompleta, ao cingir a qualificação como dano reparável apenas aos danos
às espécies e habitats naturais protegidos, danos à água e danos ao solo.
Excluindo, necessariamente, todos aqueles danos à ecodiversidade que
fiquem de fora deste conjunto. Ficará, com efeito, fora do escopo de
qualificação do dano como reparável, o dano às espécies e habitats naturais
que não sejam protegidos, o dano ao solo e subsolo caso não cause perigo
para a saúde Humana e o dano à atmosfera 639. Veremos, de seguida, que o
conceito de dano à ecodiversidade, pelo contrário, não exclui estas situações.

638Maria Amélia Martins-Loução, O Conceito de Ecossistema no Mundo Actual, Faculdade


de Ciências, Lisboa, 1992, p. 5.

639Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 58.

356
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.4.1.1 Danos às espécies e habitats naturais “não


protegidos”

Como vimos, o âmbito de aplicação do conceito de “danos


causados às espécies e habitats naturais protegidos” nos termos da Directiva
2004/35/CE é limitado às espécies e habitats naturais protegidos pela
Directiva Aves e pela Directiva Habitats, acrescido às espécies e habitats
naturais incluídos por opção dos Estados-Membros. Este escopo restrito do
conceito faz, imediatamente, levantar a discussão em torno da possibilidade
de alargamento do mesmo de forma a ser mais amplo e incluir um maior
número de espécies e habitats. De facto, este foi um dos tópicos mais
discutidos aquando da elaboração e discussão do texto que viria a dar azo
ao que hoje se apelida de regime de responsabilidade ambiental.

Discute-se sobre o que de facto deverá ser passível de protecção


no âmbito de um regime de reparação de danos. Pode-se optar por uma
protecção ampla, onde toda a fauna e flora seja levada em consideração e,
consequentemente, qualquer dano a estes elementos seja passível de
reparação. Ou, ao invés, pode-se optar por circunscrever a reparação e, com
efeito, a protecção apenas a algumas espécies específicas.

Alguns autores, contudo, tendem a defender que adoptar um


conceito amplo de “dano às espécies e habitats” seria impraticável. Entre
nós, HELOÍSA OLIVEIRA, argumenta que “há que ponderar se é possível
operacionalizar um conceito tão amplo, vasto, impreciso”, afinal, “seria dano

357
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

qualquer lesão de qualquer coisa viva ou afectação de qualquer


ecossistema”640.

Não concordamos com essa visão. Poderá ser adoptado, sim, um


conceito amplo de dano às espécies e habitats, uma vez que existirá dano,
não quando exista a lesão de qualquer ecossistema ou coisa viva, mas antes
quando essa lesão colocar em causa a diversidade do ecossistema. Com isso,
consegue-se proteger as espécies e habitats naturais e garantir os serviços
fornecidos pelos mesmos. Este conceito de “diversidade” será assim,
essencial para a aferição da “alteração adversa” no ambiente natural.

640Heloísa Oliveira, “O Dano à Biodiversidade: Conceptualização e Reparação”, in Estudos


de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. IV, Edição da Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Coimbra, pp. 363-388, pp. 365 e 367.

358
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.4.1.2 Danos causados à atmosfera

No que respeita aos danos causados à atmosfera, a Directiva


dispõe que “os danos ambientais incluem igualmente os danos causados pela
poluição atmosférica, na medida em que causem danos à água, ao solo, às
espécies ou aos habitats naturais protegidos”641.

Ora, é preciamente nos danos à camada de ar que envolve a


Terra (Atmosfera) que maiores dúvidas/problemas se levantam no que
concerne à prevenção e reparação dos mesmos. Desde logo, a Directiva não
os considera de forma autónoma, relativamente aos danos aos restantes
elementos naturais – água, solo e espécies e habitats naturais protegidos.
Nesse sentido, a Directiva não prevê, de forma directa, a aplicação do regime
especial de prevenção e reparação aos danos causados à atmosfera 642.

Com efeito, não autonomizando este dano, apresenta a figura da


“poluição atmosféria” como um vector de possíveis danos aos restantes
elementos naturais regulados. Contudo, em nenhum momento a Directiva
define o que entende por “poluição atmosférica”.

Assim, antes de se criticar a posição adoptada na Directiva, é


necessário fazer uma análise global e compreender a forma como é regulada,
hoje, a situação no seio da UE. Com efeito, a UE participou nas negociações,

641 Cfr. Consierando 4 da Directiva 2004/35/CE.

642Eduardo Orteu Berrogal, “Ámbito de Aplicación de la Ley, Comentarios a la Ley de


Responsabilidad Medioambeintal”, in Comentários a la Ley de Responsabilidad
Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008, pp.165-203, p. 166.

359
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

no âmbito da Comissão Económica para a Europa, de uma Convenção e de


uma Resolução sobre a poluição atmosférica transfronteiriça a longa
distância. Convenção essa, que foi assinada em 14 de Novembro de 1979, e
que previa a aplicação provisória da Convenção, a título interino, no âmbito
da Comissão Económica para a Europa até à sua entrada em vigor643.

Para efeitos dessa Convenção a expressão “poluição atmosférica”


designa “a introdução na atmosfera, pelo Homem, directa ou indirectamente,
de substâncias ou de energia que tenham uma acção nociva de tal natureza
que ponha em perigo a saúde humana, prejudique os recursos biológicos e os
ecossistemas, deteriore os bens materiais e afecte ou prejudique os valores
recreativos e as outras utilizações legítimas do ambiente, devendo a expressão
«poluentes atmosféricos» ser entendida no mesmo sentido”.

Tendo em consideração que um dos maiores problemas que se


coloca, no que respeita à poluição atmosférica, prende-se com a facilidade
de propagação e a dificuldade de identificação da fonte e de prova do nexo
de causalidade, a mesma apresenta, ainda, uma definição de “poluição
atmosférica transfronteiriça a longa distância”. Assim, por essa, entende-se
“a poluição atmosférica cuja fonte física esteja situada, totalmente ou em
parte, numa zona sujeita à jurisdição nacional de um Estado, e que tenha
efeitos prejudiciais sobre uma zona sujeita à jurisdição doutro Estado a uma

Cfr. Decisão do Conselho 81/462/CEE de 11 de Junho de 1981, relativa à conclusão da


643

Convenção sobre a poluição atmosférica transfronteiriça a longa distância.

360
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

distância tal que não seja geralmente possível distinguir as contribuições de


fontes individuais ou grupos de fontes de emissão”644.

Posteriormente, surge a Directiva do Conselho n.º 80/779/CEE,


de 15 de Julho de 1980, relativa aos valores limite e aos valores guia de
qualidade do ar para o anidrido sulfuroso e as partículas em suspensão 645; a
Directiva do Conselho n.º 84/360/CEE, de 28 de Junho de 1984 relativa à
luta contra o inquinamento atmosférico provocado pelos estabelecimentos
industriais646; a Directiva 89/369/CEE, de 8 de Junho de 1989 relativa à
prevenção da poluição atmosférica proveniente de novas instalações de
incineração de resíduos urbanos; e a Directiva 84/429/CEE, de 21 de Junho
de 1989 relativa à redução da poluição atmosférica proveniente das
instalações existentes de incineração de resíduos urbanos.

Com efeito, a União Europeia demonstrou647, desde cedo, uma


preocupação acrescida com as questões relacionadas com a temática
ambiental, nomeadamente, no que concerne àquelas relacionadas com as
alterações climáticas e do efeito de estufa. Assim, em 1991, o Conselho
autorizou a Comissão a participar, em nome da UE, nas negociações relativas

644Cfr. artigo 1.º, alínea a) e b) da Convenção sobre a poluição atmosférica transfronteiriça


a longa distância e aprovou a resolução sobre a poluição atmosférica transfronteiriça a
longa distância, de 1979.

645 Publicado no JOCE de 30 de Agosto de 1980, 1, p.229-230.

646 Publicado no JOCE de 16 de Julho de 1984, 1, p.188-200.

647 “O Tribunal de Justiça declarou expressamente no processo de reenvio prejudicial n.º


240/83, que a protecção do ambiente contra o perigo da poluição era um dos objectivos
essenciais da Comunidade…” Maria Alexandra de Sousa Aragão, Direito Comunitário do
Ambiente, Cadernos CEDOUA, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 15.

361
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

à UNFCCC648. Em 1993, a UE procedeu à ratificação da referida Convenção


através da Decisão 94/69/CE, de 15 de Dezembro, que se encontra em vigor
desde 21 de Março de 1994.

No entanto, não obstante todos os esforços para prevenir a


poluição atmosférica enveredados no seio da UE, a verdade é que as
dificuldades relacionadas com este tipo de poluição ditaram uma solução
diferente no que respeita à compensação e reparação do dano. No que
respeita ao regime de responsabilidade por dano causado ao ambiente, o
dano à atmosfera não se encontra directamente salvaguardado.

A Directiva, apesar de referir que os danos incluem igualmente


os danos causados pela poluição atmosférica, condiciona a sua reparação ao
consequente surgimento de danos aos restantes elementos físicos: água,
solo e espécies ou habitats naturais protegidos649. Isso significa que, na
prática, a exclusão do dano à atmosfera da Directiva tenha como
consequência que na sequência de uma explosão ou fogo, que não resulte
danos às espécies e habitats naturais protegidos, ao solo ou à água, este não
será objecto de prevenção ou reparação por parte do regime especial criado
pela Directiva650.

Acrescenta ainda, para fazer face às inúmeras variáveis


relacionadas com o ar e com a poluição atmosférica, que para o dano ser

648 Cfr. Artigo 3.º da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas.

649 Cfr. Considerando 4, da Directiva 2004/35/CE.

650 BIO Inteligence Sercice,


ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared
for European Commision, DG Environment, published by European Union, 19 February
2014, p. 76.

362
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

reparável “tem que haver um ou mais poluidores identificáveis, o dano tem de


ser concreto e quantificável e tem de ser estabelecido um nexo de causalidade
entre o dano e o ou os poluidores identificados. Por conseguinte, a
responsabilidade não é um instrumento adequado para tratar a poluição de
carácter disseminado e difuso em que é impossível relacionar os efeitos
ambientais negativos com actos ou omissões de determinados agentes
individuais”651.

De facto, este é o argumento mais utilizado para a rejeição da


abertura do âmbito de aplicação do regime para incluir, também, de forma
imediata os danos à atmosfera: o facto de normalmente este tipo de dano ser
causado por poluição difusa652. Esse é, no entanto, um argumento falacioso,
uma vez que o próprio regime, como vimos, estabelece a prevenção e
reparação, apenas, dos danos que possam ser determinados e provenham
de fontes determináveis. Pelo que, nada impede a ampliação do regime para
que o dano à atmosfera seja, também, considerado e, consequentemente,
passível de prevenção e reparação de forma imediata.

Situação semelhante se verificará no que respeita ao nosso dano


à ecodiversidade, desde que determinados e provenientes de fontes
determináveis serão passíveis de prevenção e reparação.

651 Cfr. Considerando 13, da Directiva 2004/35/CE.

652 BIO Inteligence Sercice,


ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared
for European Commision, DG Environment, published by European Union, 19 February
2014, p. 85.

363
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

364
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.4.1.3 Danos causados aos solo “strictu sensu”

A Directiva não apresenta uma definição clara para o conceito de


solo. Contudo, faz sentido que a sua interpretação, bem como qualquer
lacuna, seja integrada, não com base no senso comum, ou mesmo no direito
interno, mas antes com base nos demais dispositivos comunitários que
prevejam sobre a matéria. Nesse sentido, o facto de não termos uma
“Directiva Solos”, como temos a Directiva Aves e a Directiva Habitats
dificulta sobremaneira esta tarefa interpretativa, contudo sempre nos
poderemos socorrer da Comunicação “Para uma Estratégia de Protecção dos
Solos”. Nos termos do disposto na Comunicação, o solo é definido como a
camada superficial da crosta terreste 653. É constituído por partículas
minerais, matéria orgânica, água, ar e organismos vivos. O solo é a interface
entre a terra (geosfera), o ar (atmosfera) e a água (hidrosfera).

Como tal, esse mesmo normativo, vem apresentar as principais


funções-chave ambientais, económicas, sociais e culturais, que se pode
atribuir a esse bem e faz, assim, referência a cinco funções principais, que
passamos a enumerar654:

▪ Produção alimentar e de outra biomassa: a produção de


alimentos, bem como de outros produtos agrícolas essenciais para a
sobrevivência humana, e a silvicultura estão totalmente dependentes do

653Cfr. Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento, ao Comité Económico e


Social e ao Comité das Regiões, COM (2002) 179 final de 16 de Abril de 2002.

654Alguns autores salientam que as funções dos solos são múltiplas, mas que quatro delas
são especialmente importantes: biológica; alimentar; filtro; e suporte mecânico e material,
Allan Ruellan e Victor Targalian, “A degradação dos Solos”, in Terra Património Comum,
Instituto Piaget, 1992, p.36.

365
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

solo. Quase toda a vegetação, incluindo as pastagens, as culturas arvenses e


as árvores, necessitam do solo para ter água e nutrientes e para fixar raízes;

▪ Armazenagem, filtragem e transformação: o solo armazena e


transforma parcialmente os minerais, a matéria orgânica, a água e a energia,
bem como as diversas substâncias químicas. Funciona como um filtro
natural para as águas subterrâneas, a principal fonte de água para o
consumo humano, e liberta CO2, metano e outros gases para a atmosfera;

▪ Habitat e banco de genes: o solo é o habitat de uma enorme


quantidade e variedade de organismos que vivem no interior do solo e à sua
superfície, todos eles com padrões genéticos únicos. Desempenha, portanto,
funções ecológicas essenciais;

▪ Ambiente físico e cultural para a humanidade: O solo serve de


plataforma para as actividades humanas e também como elemento da
paisagem e do património cultural;

▪ Fonte de matérias-primas: Os solos fornecem matérias-


primas como a argila, areias, minerais e turfa 655.

As primeiras três destas funções são geralmente


interdependentes e à medida em que os solos as realizam são extremamente
importantes para a sustentabilidade. Quando o solo é utilizado como fonte

655Cfr. Ponto 2.2 da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento, ao Comité


Económico e Social e ao Comité das Regiões, COM (2002) 179 final de 16 de Abril de 2002.

366
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

de matérias-primas ou o espaço que ocupa é usado como suporte de


actividades humanas, a sua capacidade para desempenhar as suas funções
pode ser reduzida ou alterada, gerando concorrência entre as diversas
funções 656.

A Directiva, ao ter somente em conta a visão antropocêntrica de


protecção do bem em causa, deixou para trás a consideração do bem em si
mesmo e as restantes funções desempenhadas pelo mesmo, dando
relevância, apenas, ao bem-estar do Homem, quando nem sempre isso se
compagina com a protecção do ambiente natural.

O solo é habitat de uma enorme variedade de organismos vivos.


Além disso, o carácter de todos os ecossistemas terrestres está fortemente
dependente do tipo de solo. Este último determina, em grande medida, os
ecossistemas que se encontram em cada zona, muitos deles de grande valor
ecológico (zonas húmidas, planícies aluviais, turfeiras). É no interior do
próprio solo que se encontra a maior quantidade e variedade de organismos
vivos. Como tal, numa pastagem, por cada 1 a 1,5 toneladas de biomassa
(gado e ervas) que vive à superfície do solo, há cerca de 25 toneladas de
biomassa (bactérias, minhocas, etc.) que habitam nos 30 cm de solo
imediatamente abaixo657.

Ao apresentar a Comunicação sobre a protecção do solo, supra


referida, em 2002, a Comissão coloca o solo ao lado da água e do ar como

656Cfr. Ponto 2.2 da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento, ao Comité


Económico e Social e ao Comité das Regiões, COM (2002) 179 final de 16 de Abril de 2002.

657Cfr. Ponto 3.6 da Comunicação da Comissão ao Conselho, ao Parlamento, ao Comité


Económico e Social e ao Comité das Regiões, COM (2002) 179 final de 16 de Abril de 2002.

367
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

bens ambientais que devem ser protegidos para o futuro. Contudo, até à
data, apesar de haver alguma protecção do solo através de várias políticas
sectoriais, ainda não existe uma abordagem global europeia relativa à
protecção do mesmo.

Como refere ALAIN RUELLAN, “o futuro está no equilíbrio entre


as potencialidades do solo e as pressões das actividades humanas” e este
equilíbrio somente se conseguirá atingir se o Homem aprender a tratar o
solo como um elemento autónomo e com valor por si só 658. Pelo que, urge
uma correcção do regime ora em análise de modo a não se limitar a
prevenção e reparação dos danos causados ao solo aos prejuízos causados
aos interesses do Homem que possam estar directamente afectados.

Assim, neste caso, passaria a ser considerado dano à


ecodiversidade a alteração adversa ao solo, independentemente do efeito
que tal situação tenha para o Homem. Da mesma forma que o termo “água”,
o “solo” deverá ser definido pela Directiva 2004/35/CE. Pelo que, a
prevenção e reparação do solo, em si mesmo considerado, poderá assim ser
levada a cabo nos termos da Directiva659.

658Allan Ruellan e Victor Targalian, “A degradação dos Solos”, in Terra Património Comum,
Instituto Piaget, 1992, 1992, p.43.

659 BIO Inteligence Sercice,


ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared
for European Commision, DG Environment, published by European Union, 19 February
2014, p. 78.

368
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.5 Ruptura com o conceito tradicional “dano”

Até aqui tivemos a oportunidade de constatar que prevenir e


reparar o dano causado ao ambiente cria, ainda hoje, mesmo depois da
Directiva 2004/35/CE, várias dificuldades ao implementador do regime de
responsabilidade ambiental. Isto acontece, como vimos, porque o conceito
de dano adoptado não consegue ser abrangente e simples o suficiente para
ser implementado de forma harmoniosa nos vários Estados-Membros.
Propomos aqui a sua substituição por um novo conceito, o dano à
ecodiversidade. Importa, portanto, compreender como este conceito se
adequa ao regime existente e vice-versa.

Como vimos, depois da Directiva 2004/35/CE, temos um regime


de responsabilidade de direito público. Contudo, este regime não se
consegue configurar dentro do esquema simples das relações bilaterais
típicas do direito administrativo660. A verdade é que ele se estrutura e
configura com institutos clássicos do direito privado, como o dano ora em
análise. Isto não é uma novidade, nem tão pouco gera grande alarde no meio
jurídico. De facto, como refere BRANCA MARTINS DA CRUZ, a distinção
tradicional entre Direito Público e Direito Privado tem vindo a ser posta em
causa pelo carácter horizontal e/ou multidisciplinar de alguns ramos do
direito, como é o caso do direito do ambiente661. Tornando-se, hoje, comum
a utilização de alguns mecanismos mais clássicos do Direito Privado pelo

660J.J.
Gomes Canotilho, “Privatismo, Associonismo e Publicismo no Direito do Ambiente ou
o rio da minha terra e as incertezas do direito público”, in Textos, Centro de Estudos
Judiciários, I Volume, Ambiente e Consumo, 1996, p. 148.

José Manuel de Araújo Barros, “Sobre a Jurisprudência Portuguesa em Matéria


661

Ambiental”, in Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, n.º 1 e 2, 2002, pp. 455-479, p. 460.

369
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Direito Público662. Discutindo-se, até, se fará actualmente sentido continuar


a empregar esta distinção de modo tão linear e abstracto, quando na
realidade já não consegue ser realizada, com o direito público a ser
influenciado por institutos do direito privado e vice-versa.

Não obstante não ser propriamente uma inovação, a verdade é


que essa importação, feita pelo Direito Público, dos instrumentos típicos do
Direito Privado faz acrescer as dificuldades naturais de compreensão do
dano, e o caso do dano à ecodiversidade não é excepção 663. Contudo, destarte
as dificuldades inerentes a esta opção, temos que concordar que é uma
opção necessária e oportuna. Como salienta VASCO PEREIRA DA SILVA, o
Direito Administrativo foi criado mais com o objectivo de assegurar a
primazia da Administração do que preocupado com a protecção do
Ambiente, só paulatinamente é que se vai libertando dos traumas
provocados por uma “infância difícil”664. Pelo que, os “novos domínios” do
Direito do Ambiente implicam a reavaliação e reequacionamento de
conceitos tradicionais e à criação de noções e estruturas novas para
realidades, também elas, novas665.

662Branca Martins Cruz, “Que Perspectivas para a Responsabilidade Civil por Dano
Ecológico? A Proposta de Directiva Comunitária Relativa à Responsabilidade Ambiental”, in
Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, n.º 1 e 2, Coimbra Editora, 2001, pp. 359-374, p. 360.

663Branca Martins Cruz, “Que Perspectivas para a Responsabilidade Civil por Dano
Ecológico? A Proposta de Directiva Comunitária Relativa à Responsabilidade Ambiental”, in
Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, n.º 1 e 2, Coimbra Editora, 2001, pp. 359-374, p. 362.

Vasco Pereira da Silva, Em Busca do Acto Administrativo Perdido, Almedina, Coimbra,


664

1996, p. 26.

665Vasco Pereira da Silva, Responsabilidade da Administração em Matéria de Ambiente,


Principia, Lisboa, 1997, p. 8.

370
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Assim acontece com a temática da definição do dano. Com efeito,


seria difícil não abordar a controvérsia que sempre pautou a discussão em
torno da dificuldade de dogmatização do dano causado ao ambiente, e que
por maioria de razão acabará incidindo sobre o dano à ecodiversidade: a
dificuldade acrescida de enquadramento deste tipo de dano nos tradicionais
parâmetros do “dano” de direito civil. Por isso, importa ultrapassar este
problema e direccionar a discussão para o rumo pretendido.

Quando se fala em “responder” por algo, imediatamente é-se


reportado para o facto de se ser (civilmente) responsável por algo, no
sentido de impor a uma pessoa a obrigação de reparar um dano causado a
outrém666. Contudo, aqui vamos ter, necessariamente, que alargar o âmbito
desta responsabilidade quando falamos em dano à ecodiversidade. Afinal,
vão existir diferenças entre o regime de responsabilidade civil por dano
ambiental e o regime de responsabilidade por dano à ecodiversidade de
Direito Público. Ambas não se confundem ou sobrepõem.

666 Jorge F. Sinde Monteiro, Estudos sobre a Responsabilidade Civil, Coimbra, 1983, p. 8.

371
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

372
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.5.1 Da “(des)humanização” do Dano à Ecodiversidade

Dissemos atrás que o nosso dano à ecodiversidade apresenta


contornos sui generis face ao seu homólogo dano ambiental de direito civil.
Neste momento, vamos ter oportunidade de apontar o elemento que, por
mais do que uma vez, levou à “equivocidade da distinção entre danos
ambientais” e dano causado ao ambiente em si mesmo considerado667. Pelo
que, importa aqui realizar as devidas distinções de modo a evitar que essa
situação possa vir a colocar em causa a efectiva implementação da teoria de
dano à ecodiversidade.

A responsabilidade civil obedece à preocupação de reparar


patrimonialmente um dano sofrido por uma pessoa 668. Como tal, exige-se a
existência de um prejuízo real e efectivo sofrido pelo lesado na sua pessoa
ou no seu património669. Ou, como refere PESSOA JORGE, “uma questão de
responsabilidade civil surge por alguém entender que sofreu danos em
resultado de certo comportamento de outrem”670. No caso do dano ambiental
esse dano individual terá, então, a particularidade de ter sido causado por

667 J.J. Gomes Canotilho, “A Responsabilidade por Danos Ambientais – Aproximação


Juspublicística”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, p. 402.

668 Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição Revista e Actualizada, 1997,
p. 209.

669Francisco Manuel Pereira Coelho, “O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil”,


Separata do volume IX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, Coimbra, 1950, p. 94.

670 Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Os Pressupostos Da


Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Centro de Estudos Fiscais da
Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças, Lisboa, 1986, p. 385.

373
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

intermédio de um dano a um elemento natural, mas em última instância


temos aqui um dano patrimonial ou moral individual.

Posto isto, no sentido tradicional, fazendo uso das palavras de


SANTOS JÚNIOR, há dano quando a vítima perde alguma “coisa” em razão de
um facto que ela imputa ao responsável, verificando-se uma lesão de um
interesse legítimo. Acrescenta, ainda, que o dano deve ser pessoal, no
sentido de que, em princípio, a pessoa – e só ela – que sofre o dano ou
prejuízo é que pode pedir indemnização na sequência do mesmo671. O que
significaria que, face a um dano ambiental, somente o sujeito directamente
lesado poderia solicitar a prevenção e a reparação do dano. No caso do dano
à ecodiversidade temos que ir muito além desse pensamento
unidimensional, como veremos, sobretudo porque o “lesado 672” deixa aqui
de ocupar o lugar central no regime de danos. Parafraseando GALVÃO
TELLES, o dano tradicional e, no nosso caso, o dano à ecodiversidade “giram
em órbitas diferentes”673.

671E. Santos Júnior, Da Responsabilidade Civil de Terceiro por Lesão do Direito de Crédito,
Colecção Teses, Almedina, Coimbra, 2003, p.240.

672A falta de existência de um “lesado” é outra das características essenciais deste regime.
Assim, a responsabilidade ambiental pode iniciar os seus mecanismos de protecção do
ambiente sem a existência de um lesado concreto, como ocorre com os danos “órfãos”, cujo
“afectado” é o interesse geral. Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños
Medioambientales, Baker & Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 25.

673 Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição Revista e Actualizada, 1997,
p. 209.

374
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

O dano à ecodiversidade não se limita, como o dano de direito


privado, a uma mera redução patrimonial ou ofensa à honra 674. Não existe
uma “vítima” individual, daí muitos defenderem que este dano não interessa
ao direito e, como tal, não deve obter reparação675. De facto, concordamos
quando se afirma que ele não deve ser reparado de acordo com os
tradicionais moldes da responsabilidade civil, contudo, isto não implica que
não o possa ser de outra forma676.

Para se encaixar nos parâmetros restritos do conceito de dano


utilizado na responsabilidade civil – no que respeita ao seu carácter
“pessoal” – tem surgido uma corrente que defende a caracterização do dano
causado ao ambiente, também, como pessoal. Para tal, escudam-se numa
interpretação muito abrangente do conceito de pessoal, de forma a defender
que, qualquer dano sofrido pelo ambiente tem repercussão, de maneira mais
ou menos imediata, nos seres Humanos. Pelo que, o Homem seria sempre,
em última rácio, lesado e vítima dos danos sofridos pelo ambiente677.

Entre nós, ANA SOFIA BARROS, defende que os


desenvolvimentos jurisprudenciais recentes revelam uma tendência

674 Anderson Furlan e Willian Fracalossi, Direito Ambiental, Editora Forense, Rio de Janeiro,
1.ª Edição, 2010.

675Sidónio Pereira Rito, “Elementos da Responsabilidade Civil Delitual”, Separata do Jornal


do Fôro, Ano 10, Lisboa, 1946, p.18.

676Francisco Manuel Pereira Coelho, O Nexo de Causalidade na Responsabilidade Civil,


Separata do volume IX do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, Coimbra, 1950, p. 94.

677Francesco Francioni, Realism, Utopia and the Future of International Environmental


Law, EUI Working Papers, European University Institute, Department of Law, Florence,
2012/11, p.11, disponível in http://ssrr.com/abstract=2068656.

375
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

crescente para “esverdear” os direitos humanos, surgindo os chamados


direitos humanos ambientais678. Nesse sentido, salienta-se a decisão do caso
“Ogoniland”, no âmbito do qual a população local queixou-se acerca da
devastação ecológica causada pela indústria de extracção petrolífera na
Nigéria.679 Nessa decisão, ficou patente a opção por uma visão mais
abrangente do carácter colectivo de ambiente, cuja preservação é
indispensável para a vida e para o bem-estar da sociedade, entendida como
um todo680.

Com efeito, a Comissão Africana dos Direitos Humanos e da


Pessoa, decidiu a favor dos queixosos e, nesse sentido, ordenou ao Governo
da República Federal da Nigéria que garanta a protecção do ambiente, da
saúde e da vida das pessoas de “Ogoniland”, de entre outras formas, através
da realização de uma limpeza completa dos solos e rios danificados pelas
operações petrolíferas681. De acordo com esta visão mais abrangente de
ambiente, a Comissão, com fundamento no artigo 24.º da Carta Africana de
Direitos Humanos, declarou que “um ambiente degradado pela poluição e

678 AnaSofia Barros, Multinacionais e a Deslocalização de Indútrias Perigosas, Ensaio Sobre


a Protecção dos Direitos Humanos Perante o Dano Ambiental, Coimbra Editora, Coimbra,
2012, p. 89.

679 Francesco Francioni,“International Human Rights in an Environmental Horizon”, in The


European Journal of International Law, Vol.21, n.º1, EJIL 2010, pp. 41-55, p. 51.

680 AnaSofia Barros, Multinacionais e a Deslocalização de Indútrias Perigosas, Ensaio Sobre


a Protecção dos Direitos Humanos Perante o Dano Ambiental, Coimbra Editora, Coimbra,
2012, pp.80 e 97.

681“Appeals to the government of the Federal Republic of Nigeria to ensure protection of


the environment, health and livelihood of the people of Ogoniland by:... undertaking a
comprehensive cleanup of lands and rivers damaged by oil operations”, The Social and
Economic Rights Action Center and The Center for Economic and Social Rights v. Nigeria,
African Commission on Human and People Rights, Comm. N.º 155/96 (2001), parágrafo 51
e parte final.

376
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

desfigurado pela destruição de toda a beleza e variedade é tão contrário às


condições de vida satisfatórias e ao desenvolvimento como a ruptura do
equilíbrio ecológico fundamental é prejudicial para a saúde física e moral”. 682

Contudo, esta visão abrangente, não encontrou consagração nas


decisões tomadas pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH).
Neste, os cidadãos continuam impotentes para proteger o ambiente, afinal,
o nosso dano à ecodiversidade, por exemplo, seria insusceptível de
constituir violação da Convenção. Ele só ganha relevância através da
violação de um direito individual consagrado naquele texto683.

Exemplo paradigmático é o caso Kyrtatos v. Grécia. Nesse


processo, o TEDH dispõe que “…o elemento crucial que deve estar presente
para determinar se, nas circunstâncias do caso, a poluição ambiental, tem
afectado negativamente um dos direitos salvaguardados pelo parágrafo 1.º do
artigo 8.º é a existência de um efeito nocivo para a esfera privada ou familiar
de uma pessoa e não simplesmente a deterioração geral do ambiente”684.

682Tradução da Autora. Original: “An environment degraded by pollution and defaced by


the destruction of all beauty and variety is as contrary to satisfactory living conditions and
development as the breakdown of the fundamental ecological equilibrium is harmful to
physical and moral health”. Francesco Francioni, “International Human Rights in an
Environmental Horizon”, in The European Journal of International Law, Vol.21, n.º1, EJIL
2010, pp. 41-55, p.51.

683 Carla Amado Gomes, “Escrever Verde por Linhas Tortas: O Direito ao Ambiente na
Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, in Revista de Direito do
Ambiente e Ordenamento do Território, 16 e 17, pp. 81-117, p.116.

684 Tradução da Autora. Original: “The crucial element which must be present in
determining whether, in the circumstances of a case, environmental pollution has adversely
affected one of the rights safeguarded by paragraph 1 of Article 8 is the existence of a
harmful effect on a person’s private or family sphere and not simply the general
deterioration of the environment. Neither Article 8 nor any of the other Articles of the
Convention are specifically designed to provide general protection of the environment as

377
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Expressamente afirma que nem o artigo 8.º, nem qualquer outro artigo da
CEDH, são projectados especificamente para oferecer protecção geral ao
ambiente. Ou seja, fica patente, nessa decisão, que o objectivo da CEDH é o
de salvaguardar os Direitos Humanos individuais, não as expectativas ou
necessidades da colectividade como um todo685, nem tão pouco os danos
sofridos pelo ecossistema686.

De facto, ao defendermos que o dano à ecodiversidade tem um


carácter colectivo, uma vez que não estamos perante um dano individual, ou
seja, um dano a um sujeito ou património em concreto, nem todos os
problemas estão resolvidos. Como se vê na jurisprudência relacionada com
a defesa dos direitos do Homem, podemo-nos deparar com duas situações
diferentes que, por conseguinte, merecem tratamento: um prejuízo que
afecte a colectividade, por um lado, e um prejuízo sofrido pelo próprio
ecossistema, por outro.

A responsabilidade por dano à ecodiversidade prevê a aplicação


das suas disposições quando se verifique danos ao ecossistema e não danos
pessoais ou à propriedade privada ou qualquer prejuízo económico, sejam
individuais ou colectivos. Caso contrário, numa situação hipotética, face a
um dano à ecodiversidade sem prejuízos para o Homem, directa ou

such”, Kyrtatos c. Grécia, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, 1.ª Secção, Proc. N.º
41666/98, Estrasburgo, 22 de Maio de 2003, parágrafo 52.

685 Francesco Francioni,“International Human Rights in an Environmental Horizon”, in The


European Journal of International Law, Vol.21, n.º1, EJIL 2010, pp. 41-55, p.45.

Manual on human rights and the environment, Council of Europe Publishing, 2.ª edição,
686

2012, p.46.

378
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

indirectamente, a obrigação de reparação do mesmo perderia o seu


fundamento687.

Assim, para se falar em responsabilidade por dano à


ecodiversidade é crucial abandonar o pré-conceito de que “só há
prejuízo…quando um indivíduo, sujeito de direito, sofre a perda ou a
diminuição de um bem (material ou imaterial) que a lei lhe garantiu”688. Está,
de facto, aqui em causa um dano colectivo, não no sentido de que visa a
reparação dos danos sofridos pela colectividade, mas, porque não é passível
de apropriação individual, nem pode pautar-se apenas pela medida do dano
que causar ao Homem, individualmente ou enquanto sociedade689. Tira-se
assim, com a adopção do conceito de dano à ecodiversidade o carácter
humano como elemento essencial para a prevenção e reparação do mesmo
– desumanizando-o.

687Andrés Betancor Rodríguez, Instituciones de Derecho Ambiental, Ed. La Ley, Madrid,


2001, p. 1251.

688Sidónio Pereira Rito, “Elementos da Responsabilidade Civil Delitual”, Separata do Jornal


do Fôro, Ano 10, Lisboa, 1946, p.18 e p.96.

689Segundo Carla Amado Gomes “A ideia de bens colectivos assenta, desta feita, na vertente
imaterial dos bens ambientais, a qual dispensa o contacto directo com o suporte físico desses
bens (ou, pelo menos, dos que o tiveram), ou, o mesmo é dizer, o vínculo de propriedade”, in
Risco e Modificacção do Acto Autorizativo Concretizador de Deveres de Protecção do
Ambiente, Coimbra Editora, 2007, p. 171.

379
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

380
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.5.2 A “autonomização” do Dano à Ecodiversidade

Ora, é facto assente que, independentemente do nome que se lhe


dê – discussão que já atrás foi levada a cabo – a Directiva 2004/35/CE
procede ao tratamento de um tipo de dano que, até à data, não era
reconhecido como reparável pela maioria das leis nacionais dos Estados-
Membros, com particular ênfase para o caso dos danos à água, e dos danos
às espécies e habitats naturais690.

Como tal, somos confrontados com uma tarefa delicada, seja


porque a definição do dano no sentido jurídico diverge, na maioria das vezes,
do sentido comum que atribuímos à palavra, seja porque o ambiente natural,
em geral, e o ecossistema, em particular, pertencem aquelas categorias cujo
conteúdo é mais fácil intuir do que definir 691. Com efeito, importa
compreender como o conceito de dano se apresenta aqui com o objectivo de
dar resposta às necessidades específicas do tipo de bem jurídico em causa –
a diversidade do ecossistema692.

690 BIO Inteligence Sercice,


ELD Effectiveness: Scope and Exceptions, Final Report prepared
for European Commision, DG Environment, published by European Union, 19 February
2014, p. 69.

691Luís Filipe Colaço Antunes, “Para uma Noção Jurídica de Ambiente”, in Scientia Ivridica,
Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Janeiro-Junho, 1992, Tomo XLI, n.º
235/237, pp. 77-94, p. 77; Dandi Papadopoulou, “The Role of French Environmental
Associations in Civil Liability for Environmental Harm: Courtesy of Erika”, in Journal of
Environmental Law, 21:1, 2009, pp. 87-112, p. 99.

692Sidónio Pereira Rito, “Elementos da Responsabilidade Civil Delitual”, Separata do Jornal


do Fôro, Ano 10, Lisboa, 1946, p.16.

381
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

A compreensão do conceito de dano causado ao ambiente é


delimitada normativamente por dois momentos: primeiro através de uma
definição de “dano” enquanto “alteração adversa mensurável, de um recurso
natural ou a deterioração mensurável do serviço de um recurso natural, quer
ocorram directa ou indirectamente”693. Segundo, através da delimitação dos
tipos de danos compreendidos dentro do conceito, para efeitos de aplicação
da Directiva 2004/35/CE: dano às espécies e habitats naturais protegidos,
dano causado à água e dano causado ao solo694.

Como refere MENEZES CORDEIRO, a aplicação da


responsabilidade civil à problemática ambiental levanta uma série de
dificuldades técnicas e de fundo695. Estas podem ser analisadas através dos
diversos pressupostos da responsabilidade: facto, ilicitude, culpa,
causalidade e dano.696 Neste trabalho, focamo-nos nas questões suscitadas,
apenas, pelo preenchimento do elemento “dano”.

Existem, com efeito, várias concepções ou teorias sobre a noção


jurídica de dano697. Aqui, não vamos discorrer de forma detalhada sobre

693 Cfr. Artigo 2.º, n.º 2, da Directiva 2004/35/CE.

694 Cfr. Artigo 2.º, n.º 1, da Directiva 2004/35/CE.

António Menezes Cordeiro, “Tutela do Ambiente e Direito Civil”, in Direito do Ambiente,


695

INA, Lisboa, 1994, p. 389.

696 Quanto aos elementos da responsabilidade civil, trata-se de uma enumeração puramente

descritiva e que visa facilitar a exposição subsequente.

697Júlio Gomes, “Em Torno Do Dano Da Perda de Chance – Algumas Reflexões”, in ARS
IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Vol. II:
Direito Privado, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, STVIDIA
IVRIDICA 91, AD HONOREM 3, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 289-327, p. 289.

382
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

cada uma delas, não é esse o nosso escopo e essa tarefa já foi realizada
amplamente no direito civil. Para o que aqui interessa, importa, sobretudo,
referir alguns pontos que julgamos essenciais para o entendimento da nossa
posição698.

Dito isto, considera-se “dano”, nas palavras de ALMEIDA COSTA,


toda a ofensa de bens ou interesses alheios protegidos pela ordem
jurídica699. Já para MENEZES LEITÃO este conceito deve ser definido num
sentido simultaneamente fáctico-normativo, ou seja, o dano deve ser visto
como a frustração de uma utilidade que era objecto de tutela jurídica700.

Assim, pode dizer-se que “a partir do momento, em que o


ambiente aparece como tutela de normas júris-ambientais (…) as utilidades
que ele proporciona tornam-se objecto de tutela jurídica, pelo que qualquer
lesão do ambiente satisfaz os requisitos para a configuração do conceito de
dano”701. Acontece que, esta postura se funda na verificação de danos

698Sobre o dano como pressuposto da responsabilidade civil: Fernando de Sandy Lopes


Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência
e Técnica Fiscal, Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos,
Ministério das Finanças, Lisboa, 1968, pp. 371 e ss.

699Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9.ª ed., Revista e Actualizada,
Almedina, Coimbra, 2001, p.542.

700 Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, 3.º Edição, Almedina,

Coimbra, 2003, p.334.

701Luís Menezes Leitão, “A Responsabilidade Civil por Danos Causados ao Ambiente”, in


Actas do Colóquio a Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Ebook, Edição Instituto de Ciências Jurídico Políticas, 18, 19 e 20
de Novembro de 2009, pp. 21-41.

383
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

provocados a bens jurídicos concretos e individuais, os ditos danos


ambientais, não serve, portanto, para o dano à ecodiversidade702.

São apontadas diferentes teorias sobre o dano: o conceito


abstracto de dano e o conceito concreto de dano são algumas das mais
utilizadas. No âmbito da primeira, como explica CASTRO MENDES, o objecto
do dano é o valor do património e afere-se pela teoria da diferença703.
Afastamos esta teoria, afinal, para o tipo de bem em causa isto poderia levar
à discussão da viabilidade da valoração económica, ou não, dos bens
naturais e a uma especulação que não seria útil para a harmonização do
conceito704.

Na segunda teoria, o conceito concreto de dano, consiste na


perda ou deterioração de um bem, ou na lesão de um interesse 705. Para os
que assinalam como objecto do dano os interesses (entendido em sentido
objectivo), ou, mais simples e rigorosamente, o bem, objecto do dano seria a
própria coisa (latu sensu) ou bem. O dano definir-se-ia pela efectiva

702 J.J. Gomes Canotilho, “A Responsabilidade por Danos Ambientais – Aproximação


Juspublicística”, in Direito do Ambiente, INA, 1994, p. 403.

703João de Castro Mendes, “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16,
Lisboa, 1952, pp. 41-66, p. 52.

704Talvez numa segunda fase em que falássemos do cálculo da indemnização isso fizesse
sentido, contudo, neste trabalho não teremos oportunidade de chegar a essa fase da
discussão, cingindo-nos à discussão que tem que ser feita de forma preliminar, onde se
constata a existência do dano e o fundamento da obrigação de reparação.

705João de Castro Mendes, “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16,
Lisboa, 1952, pp. 41-66, pp. 43 e ss.

384
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

subtracção ou diminuição de um bem. Ou seja, o objecto da ofensa não é o


interesse ao bem, mas o próprio bem706.

Quanto a nós, não parece fazer sentido coincidir o objecto do


dano à ecodiversidade ao interesse humano individual. Como vamos aqui
demonstrando, é necessário abandonar os pré-conceitos e adaptar o
raciocínio, para que o ambiente natural apareça sob uma dupla vertente,
como suporte e como vector de interesse humano (saúde, actividade
económica, etc), mas sobretudo como valor em si mesmo, para além da
utilidade (cultural, social ou económica) que possa representar para o
Homem – um valor por si mesmo, independentemente da sua utilidade para
o Homem.

Por outro lado, no caso do dano à ecodiversidade, poder-se-ia


indagar se podemos qualificar o ambiente natural, em geral, e o ecossistema,
em particular, como coisa. Ora, o ecossistema se compõe fundamentalmente
de elementos naturais (nomeadamente, a ozonosfera, o ar, entre outros),
logo, são inapreensíveis e consequentemente estão fora do comércio
jurídico. Apesar disso, existem actualmente doutrinas económicas do direito
que poderão ter outra posição quanto a este assunto, mas no que a este
assunto em concreto diz respeito não as perfilhamos707.

Assim, quer globalmente, quer através de cada um dos seus


diferentes componentes, a diversidade do ecossistema deve ser considerada

706João de Castro Mendes, “Do Conceito Jurídico de Prejuízo”, in Jornal do Foro, Ano 16,
Lisboa, 1952, pp. 41-66, p. 52.

707 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 82.

385
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

como um valor, um “centro de interesse”, ultrapassando a esfera de


interesses humanos, quer sejam individuais ou colectivos708. Afastam-se,
dessa forma, as limitações existentes e impostas pelo regime da
responsabilidade civil e abre-se caminho para uma interpretação objectiva
do conceito de bem jurídico referente ao elemento natural em si mesmo
considerado.

Do exposto, uma coisa começa a tornar-se bastante evidente,


apesar da utilização do conceito de dano no regime de responsabilidade por
dano à ecodiversidade, o que se pretende não é uma mera transposição das
teorias já assentes de dano de direito civil. Pelo contrário, as
particularidades que o caracterizam – sobretudo o facto de se referir a uma
lesão ao ecossistema, independentemente da ocorrência de qualquer dano
ao próprio Homem – fazem com que seja necessário desenhar este dano com
contornos próprios709. Nesse sentido, deixando os antigos conceitos para
trás, por não se adequarem à realidade ora em causa, importa, então,
encontrar uma forma de compreender e definir este dano em particular. E,
para isso, vamo-nos socorrer dos inputs trazidos pela Directiva e tentar
enriquecê-la e apontar a melhor forma de torná-la realmente um regime-
base de protecção elevada do ambiente.

708Isabelle Doussan, “La représentation juridique de l´environnement et la Nomenclature


des préjudices environnementaux”, in Nomenclature des prejudices environnementaux,
Collection Droit Des Affairs, L.G.D.J, lextenso éditions, Paris, 2012, pp. 103-122, p.105.

António Menezes Cordeiro, “Tutela do Ambiente e Direito Civil”, in Direito do Ambiente,


709

INA, Lisboa, 1994, p. 379.

386
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.6 Adopção de um conceito restrito de “dano”

Depois do que ficou aqui exposto uma coisa está totalmente


esclarecida, o conceito de dano que estamos aqui a apurar não é mais o
conceito genérico de dano, comum a todos os ramos do direito710. Pelo
contrário, é um conceito de dano de direito do ambiente que se ajusta às
necessidades específicas do bem jurídico em causa – a diversidade do
ecossistema.

Posto isto, uma vez que a Directiva lida com um tipo de dano
pouco desenvolvido, que não é reparável pela maioria dos direitos nacionais
dos Estados-Membros, faz sentido e torna-se necessário que através da
mesma se chegue a uma definição de “dano” aplicável uniformemente nos
vários Estados-Membros711. E, de uma vez por todas, definam-se “noções
úteis para a boa interpretação e aplicação do regime previsto na Directiva, em
especial no que se refere à definição de danos” 712.

Assim, como tivemos oportunidade de verificar, para efeitos de


caracterização do dano à ecodiversidade tem que se deixar de lado as ideias
pré-concebidas relacionadas ao dano, nomeadamente aqueles que
defendem que: “dano é a perda ou diminuição de um bem económico” e que

710Sidónio Pereira Rito, Elementos da Responsabilidade Civil Delitual, MCMXLVI, Lisboa,


1946, p.16.

711Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 55.

712 Cfr. Considerando 5, da Directiva 2004/35/CE.

387
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

“só há prejuízo…quando um indivíduo, sujeito de direito, sofre a perda ou a


diminuição de um bem (material ou imaterial) que a lei lhe garantiu”713.

Nesse sentido, duas possibilidades se afiguram: a adopção de um


conceito naturalístico ou real de dano, nos termos do qual, o dano à
ecodiversidade seria qualquer alteração ao ambiente ou à sua integridade,
ou seja, toda a perturbação de funcionamento do ambiente. Ou, por outro
lado, pode-se optar por um conceito restrito de dano, nos termos do qual o
direito forneça uma valoração do tipo de alteração verificada, de forma a
distinguir aquelas que são naturais e positivas, daquelas que são contrárias
à protecção e conservação do elemento em causa, e que devem ser
susceptíveis de reparação nos termos do direito714.

Uma vez que toda e qualquer actividade humana afecta o


ambiente, a primeira posição seria impraticável, afinal, nem toda a alteração
ou modificação do ambiente pode ser considerada como geradora de dano,
parte dela pode ser positiva, e parte é tolerada e reparada por meio do
processo de regeneração natural do sistema715. Como tal, dano à
ecodiversidade deverá ser, apenas, a modificação em sentido negativo e que
a Directiva apelida de “alteração adversa”.

713Sidónio Pereira Rito, Elementos da Responsabilidade Civil Delitual, MCMXLVI, Lisboa,


1946, p.18 e p.96.

714 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 95.

715 Philippe Sands, Jacqueline Peel, Adriana Fabra e Rith Mackenzie, Principles of
International Environental Law, Cambridge University Press, New York, 2012, p. 706.

388
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Assim, centrando-nos na definição utilizada pela Directiva


devemos destacar os três elementos fundamentais da noção de dano
adoptada na Directiva:

1.º - Para considerar que um dano é ambientaldeve produzir-se


efeitos adversos em algumas das suas variantes;

2.º - O dano deve ser mensurável (que afecte a qualidade ou


quantidade do recurso); e

3.º - Que os danos tenham repercussão tal que os classifique


como significativos.

Neste momento, com a Directiva tal como se encontra


configurada, estes 3 elementos são imprescindíveis, pois a falta de um deles
fará com que seja impossível qualificar o dano como ambiental e
consequentemente prevení-lo e repará-lo no seio do regime de
responsabilidade ambiental.

389
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

390
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.6.1 Dano como “alteração adversa”

Poe-se dizer que o carácter/efeito destrutivo do dano é o que o


torna relevante a nível jurídico. Afina, sem efeitos negativs resultantes da
alteração ocorrida não fazia sentido delinear-se um regime especial, porque
não haveria nada a reparar, logo, não haveria dano. Como tal, a Directiva
opta por apresentar o dano como uma “alteração adversa”, ou seja, segundo
a nossa posição uma alteração negativa que afecte/coloque em risco a
diversidade do ecossistema716. Assim, o que importa é saber se a conduta
humana em relação ao ambiente afectará, ou não, a diversidade do
ecossistema717. Se afectar de forma negativa, haverá alteração adversa e,
consequentemente, dano à ecodiversidade.

A natureza, o ambiente, o ecossistema, não são estáticos. Estão


em constante “alteração”. Importa, portanto, compreender quando estas
“alterações” são suportáveis e quando é necessário fazer recair os seus
efeitos sob a égide do Direito. Para além disso, para saber quais s efeitos e
alcance de qualquer tipo de alteração no ambiente temos que ter em conta
que este é um sistema em contínua relação, o que resulta necessariamente
no facto de que ao produzir-se um dano sejam afectados mais do que um
elemento (pense-se, por exemplo, na contaminação das águas que por sua
vez afectará o solo e os animais em contacto com ela)718.

716 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 95.

717José Ricardo Alvarez Vianna, Responsabilidade Civil por Danos o Meio Ambiente, 2.ª
Edição Revista e Actualizada, Juruá Editora, Curitiba, 2009, p. 134.

718Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños Medioambientales, Baker &


Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 76.

391
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Apesar do conceito de “alteração adversa” não ser novidade no


cenário internacional, tendo já sido utilizado pela Convenção sobre a
Diversidade Biológica, no seu artigo 8.1 e artigo 10. B, e pela Declaração do
Rio, no Princípio 13, carece ainda de atenção especial por parte da doutrina,
afinal, a Directiva não apresenta critérios objectivos, ou outros, que possam
auxiliar na caracterização da negatividade desta alteração.

E entenda-se, esta percepção do carácter negativo da alteração


configura o próprio conceito de dano em si, afinal, face à sua não
constatação, no nosso entendimento, a aplicabilidade do regime é colocada
em causa ab initio. Então, o que se deve entender por alteração adversa? Ou
melhor, quando será a alteração da diversidade do ecossistema realmente
adversa?

Alguns critérios são apontados pela doutrina dependendo se se


adopta uma postura mais antropocêntrica ou mais ecocêntrica. Para os
primeiros, uma forma de verificar essa alteração adversa seria centrar-se no
conceito de “qualidade de vida”. O importante aqui seria o facto de que o
ecossistema deixa de fornecer certos serviços às pessoas719.

Por afectação de um serviço entende-se, nesta posição, qualquer


diminuição de benefícios ou vantagens que os Homens retiram dos
elementos naturais ou das suas funções ecológicas 720. Se se fizesse uma lista
dos serviços e do respectivo valor económico podia-se conhecer o valor total

719 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 97.

720 Laurent Neyret, e Gilles J. Martin, (Direction), Nomenclature des prejudices


environnementaux, Collection Droit Des Affairs, L.G.D.J, lextenso éditions, Paris, 2012, p.18.

392
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

do recurso danificado. Nesses casos ter-se-ia, também, que levar em conta o


tempo que o serviço demorará para ser restaurado, bem como a
eventualidade deste serviço não ser passível de uma reparação integral721.

Quanto a nós, entendemos que a análise da negatividade da


alteração não pode centrar-se, unicamente, na análise custo-benefício que o
Homem retira dos elementos naturais e dos serviços por estes prestados722.
Antes pelo contrário, o ambiente natural apresenta um valor intrínseco que
deve, de igual modo, ser levado em consideração aquando de uma avaliação
qualitativa e quantitativa, independentemente de esta avaliação ter,
necessariamente, de ser realizada pelo Homem.

Nesse sentido, MICHEL PRIEUR previa que o ambiente seria, um


dia, reconhecido como “centro de interesses autónomos, distinto dos
interesses daqueles que exercem sobre ele o seu controle ou o seu direito de
propriedade, susceptível de entre outros meios de tutela poder ver-lhe
reconhecido o direito à restauração ou à reparação”723.

De facto, o que temos com a consagração da figura da alteração


adversa é a consagração do valor intrínseco do ambiente, para além dos
interesses do Homem. Configurando assim, uma forma autónoma de
responsabilidade que se funda na lesão da diversidade do ecossistema vista

721 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 98.

Christopher H. Schroeder, “Rights against Risks”, in Columbia Law Review, Vol. 86, pp.
722

495-562, 1986, p. 505.

723Michel Prieur, “Sites Contaminés en Droit Comparé de L´Énvironment”, in Actes des


Journées organisées à Limoges, 18 et 19 Janvier 1994, Pulim, 1995, p.55 e 56.

393
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

como afectação do próprio ambiente natural como centro de interesses


próprios.

Acerca da definição de critérios que auxiliem na compreensão do


grau de negatividade necessário para se qualificar a lesão como dano, a
Directiva não adianta muito. Pelo que, é necessário recorrer a outras
legislações, nomeadamente europeias, mas não só, de forma a conseguir
captar qual a intenção do legislador aquando da opção pelo mesmo724.

Quando se fala em “efeito negativo”, é-se imediatamente


remetido para o termo “poluição”. Afinal, desde os primórdios da discussão
em torno da protecção e preservação do ambiente natural o termo poluição
surge como sinónimo de uma situação de facto, causada pela acção humana,
capaz de alterar negativamente um certo ambiente725. Nesse sentido, a
OCDE, na sequência da Declaração de Estocolmo de 1972, apresentou uma
definição de “poluição” que pelo seu pioneirismo e completude serve,
quanto a nós, de parâmetro para a identificação deste efeito negativo sofrido
pelo ecossistema.

Assim, entende-se por poluição “a introdução pelo Homem,


directa ou indirectamente, de substâncias ou de energia no ambiente,
resultando em efeitos negativos de tal forma que coloque em perigo a saúde
humana, prejudique os recursos vivos e os ecossistemas, coloque entrave ao

724 Cfr. Considerando 10, da Directiva 2004/35/CE.

725Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 119.

394
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

usufruto do ambiente ou interfira com outras utilizações legítimas do


ambiente"726.

Em 1996, a Directiva 96/61 de 24 de Setembro de 1996,


posteriormente revogada e substituída pela actual Directiva 2010/75/UE do
Parlamento Europeu e do Conselho de 24 de Novembro de 2010 relativa às
emissões industriais (prevenção e controlo integrado de poluição), como
outras congéneres, também utiliza o termo “poluição” para qualificar a
actuação que irá resultar, potencialmente, numa alteração negativa do
ambiente. E define-a como “a introdução directa ou indirecta, por acção
humana, de substâncias, de vibrações, de calor, ou de ruído no ar, na água ou
no solo, susceptíveis de prejudicar a saúde humana ou a qualidade do
ambiente e de causar deterioração dos bens materiais ou deterioração ou
entraves ao usufruto do ambiente ou a outras utilizações legítimas deste
último”727. Esta visão, ainda mais antropocêntrica que a anterior deve ter a
importância de, desde logo, deixar claro que resulta de uma acção humana,
complementando assim aquele conceito trazido pela OCDE.

Com efeito, a primeira característica que se pode apontar a esta


alteração adversa será que ela é resultante de uma acção humana 728. Ficam
assim de fora as contribuições provenientes de fontes naturais, enquanto
emissões de poluentes que não são causadas directa, nem indirectamente,

726Cfr. Recomendação da OCDE de 17 de Maio de 1977, C(77)28(Final), Recommendation


of the Council for the Implementation of a Regime of Equal Right of Access and Non-
Discrimination in Relation to Transfrontier Pollution (tradução nossa).

727 Cfr. artigo 3.º, n.º 2, da Directiva 2010/75/EU.

728 Michel Despax, Droit de L´Environnement, Librairies Techniques (LITE), 1980, pp. 3 ss.

395
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

por actividades humanas, onde se incluem catástrofes naturais, como


erupções vulcânicas, actividade sísmica, actividade geotérmica, incêndios
florestais, ventos de grande intensidade ou o transporte atmosférico de
partículas naturais provenientes de regiões secas 729.

Para além disso, não é qualquer acção humana que está em causa.
Para auxiliar a compreensão do tipo de actuação ora em causa o conceito de
“emissão” é utilizado. E, nos termos da mesma Directiva, emissão significa
“a libertação directa ou indirecta de substâncias, de vibrações, de calor ou de
ruído para o ar, a água ou o solo, a partir de fontes pontuais ou difusas com
origem numa dada instalação”730. Seriam, então, os impactos negativos
resultantes de uma acção humana com origem numa dada instalação, no
caso, resultantes de uma actividade ocupacional como já tivemos
oportunidade de verificar, aquela que poderá dar azo à classificação do
prejuízo como “alteração adversa” para efeitos de reparação do dano à
ecodiversidade.

Quanto à própria alteração em si mesma, para compreender este


impacto, ao invés do conceito de qualidade de vida, parece-nos mais de
acordo com uma visão “multi-media”, que aqui adoptamos, fazer uso do
conceito de “norma de qualidade ambiental”, apresentado como “o conjunto
de requisitos que devem ser satisfeitos num dado momento por um
determinado meio físico ou por uma parte específica do mesmo, conforme

729Cfr. artigo 2.º, n.º 15, Directiva 2008/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21
de Maio de 2008 relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa. Michel
Despax, Droit de L´Environnement, Librairies Techniques (LITE), 1980, pp. 3 ss.

730Cfr. artigo 2.º, n.º 4, Directiva 2008/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21


de Maio de 2008 relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa.

396
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

especificados na legislação da União”, e conciliá-lo com a definição de “estado


de conservação”731.

Este último deverá ser entendido, em relação a um habitat


natural, como “o somatório das influências que se exercem sobre ele e sobre as
suas espécies típicas e que podem afectar a respectiva distribuição natural,
estrutura e funções a longo prazo das suas espécies típicas dentro, consoante
o caso, do território europeu dos Estados-Membros em que é aplicável o
Tratado, do território de um Estado-Membro ou da área natural do referido
habitat”.732 E, em relação a uma espécie, como “o somatório das influências
que se exercem sobre ela e que podem afectar a distribuição e a abundância a
longo prazo das suas populações”733.

Sendo, então, o estado de conservação de um habitat natural


considerado negativo, quando:

i) A sua área e as superfícies por ela abrangidas forem instáveis


ou estiverem a diminuir;
ii) A estrutura e funções específicas necessárias para a sua
manutenção a longo prazo estiverem a deixar de existir e estejam
susceptíveis de ameaça de extinção num futuro previsível;

731Cfr. Artigo 2.º, n.º 6, Directiva 2008/5/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21


de Maio de 2008 relativa à qualidade do ar ambiente e a um ar mais limpo na Europa.

732 Cfr. Artigo 2.º, n.º 4, a), Directiva 2004/35/CE.

733 Cfr. Artigo 2.º, n.º 4, b), Directiva 2004/35/CE.

397
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

iii) O estado de conservação das suas espécies típicas for


desfavorável734.

Já em relação às espécies, uma leitura à contrário do disposto na


Directiva, faz-nos chegar à conclusão de que o seu estado de conservação se
considera desfavorável quando:

i) Os dados relativos à dinâmica populacional da espécie em


causa indiquem que não está a manter a longo prazo, enquanto componente
viável dos seus habitats naturais;
ii) A área natural da espécie esteja a reduzir e seja provável que
venha a reduzir num futuro previsível, e;
iii) Não exista, e deixe de existir, um habitat
suficientemente amplo para manter as suas populações a longo prazo735.

Tem assim lugar de relevo na definição deste “estado de


conservação” e, consequentemente, do grau “negativo” da alteração a
identificação do “estado inicial” – “situação no momento da ocorrência do
dano causado aos recursos naturais e aos serviços que se verificaria se o dano
ao ambiente não tivesse ocorrido, avaliada com base na melhor informação

734 Cfr. Artigo 2.º, n.º 4, a) da Directiva 2004/35/CE.

735 Cfr. artigo 2.º, n.º 4, b) da Directiva 2004/35/CE.

398
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

disponível”736. Com efeito, os termos de comparação são a situação anterior


e a situação posterior à ocorrência do evento danoso737.

Quanto à água, para auxilar nesta definição, o legislador remeteu


para a Directiva Águas, onde se vão encontrar critérios que permitem avaliar
rigorosamente o estado e a qualidade de cada massa de água. Por fim, para
a apreciação técnica da alteração adversa no solo a Directiva limita-se, como
já apontamos, a remeter para a saúde humana como indicador central desta
avaliação, sem, contudo, apresentar critérios ou parâmetros objectivos para
avaliar esta afectação à saúde humana.

Esta “alteração adversa” inclui as alterações adversas causadas


de forma directa aos elementos naturais identificados pela Directiva, como
também aquelas causadas de forma indirecta aos mesmos. Aqui temos que
compreender que os danos causados aos vários elementos não são
estanques e consequentemente podem causar danos indirectos aos demais,
por um lado. Por outro, a questão da reparação dos danos indirectos já
surgiu aquando da discussão em torno da reparação de danos económicos.
Mas, aqui, no cenário do dano à ecodiversidade, suscita ainda mais
incertezas no que respeita aos limites da cadeia de desenvolvimentos
negativos resultantes de uma alteração adversa 738. De facto, uma alteração
adversa numa área ou espécie vai causar, necessariamente, efeitos noutras

736 Cfr. artigo 2.º, n.º 12 da Directiva 2004/35/CE.

737Alexandra Aragão, “Dano Ecológico: Critérios Práticos de Identificação e Avaliação”, in


Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2013, II, pp. 271-307, p. 289.

738Marta Pardo Leal, “La Futura Directiva sobre Responsabilidad Ambiental: de a


Responsabilidad Civil a la Responsabilidad Administrativa”, in Gaceta Jurídica de La Unión
Europea y de La Competencia, N.º 225, Mayo/Junio, 2003, p. 108.

399
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

áreas e habitats conduzindo a um sem fim de interconexões, que se podem


apontar como “indirectamente causadoras” do dano739.

Nesta matéria, tendo em consideração a complexidade do


ecossistema e, inclusivamente, o limitado conhecimento que o Homem
detém sobre o mesmo, parece-nos que a reparação por dano causado de
forma indirecta deverá, sempre, ser analisada caso a caso e utilizando um
critério baseado na proximidade da alteração adversa originária para
justificar a reparação de um eventual dano à ecodiversidade. Tanto mais
quando o conceito de alteração adversa, utilizado pela Directiva, não requer
explicitamente a necessidade de um dano físico. Com efeito, podem ser
reparáveis os efeitos resultantes de impactos intangíveis e funcionais, se
destes resultarem alterações adversas ao ambiente740.

739Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 56.

740Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 57.

400
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

5.6.2 Dano como “concreto” (determinável)

Para além de definir o dano como uma alteração adversa a


Directiva opta, ainda, por apresentar outros elementos para definir este
dano que merecem a nossa atenção 741. Assim, no seu Considerando 13
dispõe que “[p]ara ser eficaz [a reparação do dano], tem que haver um ou
mais poluidores identificáveis, o dano tem de ser concreto e quantificável e tem
de ser estabelecido um nexo de causalidade entre o dano e os poluidores
identificados”742.

Ora, deste exerto da Directiva retiram-se três ideias-chave: para


o dano ser reparável tem que haver poluidores identificáveis 743, o dano deve
ser concreto e quantificável e deve existir um nexo de causalidade entre os
poluidores identificados e o dano. Tendo em atenção o nosso escopo de
actuação, nem a imputação do dano, nem o nexo de causalidade merecerão
aqui o nosso tratamento. Ao invés, interessa-nos a parte que qualifica o dano
reparável como “concreto e quantificável”, ou seja, deve existir e facto e ser
determinável.

Retida essa ideia é necessário, também, trazer à colação a própria


definição de dano apresentada pela Directiva. Nessa se define o “dano” como
“a alteração adversa mensurável”744. Assim, temos os adjectivos “concreto”,
“quantificável” e “mensurável” relacionados ao dano e importa

741 Cfr. Considerando 14, da Directiva 2004/35/CE.

742 Cfr. Considerando 13, da Directiva 2004/35/CE.

743 Não inclui os danos difuso provenientes de fontes indetermináveis.

744 Cfr. Artigo 2.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE.

401
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

compreender que papel vão desempenhar na definição do próprio conceito


de dano.

Ora, a simples existência de um dano ambiental não o caracteriza


como reparável. Para efeitos do disposto na Directiva alguns requisitos são
exigidos: que o dano seja “concreto”, “quantificável” e “mensurável”. Em
primeiro lugar, um dano é concreto uma vez que deve existir realmente
(excluindo os meramente hipotéticos ou eventuais, pois estes podem chegar
a produzir-se ou não). Isto justifica-se porque se não houver uma afectação
real não se pode qualificar um facto como lesivo, deixando de fazer sentido
a sua reparação. Segundo, “quantificável” e “mensurável” uma vez que deve
ser determinável no que respeita ao seu alcance uma vez que para reparar
algo temos qe saber até onde foi o dano sofrido745.

Quanto ao “mensurável”, desde logo, podemos demonstrar a


nossa posição de total desacordo com a sua associação à alteração adversa
critério de definição do próprio dano. A definição deste termo no dicionário
é a de que “pode ser medido”, ora isso é uma tarefa para ser realizada no
momento da avaliação do dano e não na definição do mesmo para efeitos de
accionamento do regime especial de prevenção e reparação. Como veremos
mais à frente isto são dois momentos que não se devem confundir e ao impor
a mensurabilidade do dano ab initio está-se a confundir o plano normativo
e o plano fáctico que terão, necessariamente, momentos distintos: a
definição e a avaliação. Este argumento serve, ipsis verbis, para o adjectivo
“quantificável”. Pelo que, quanto a nós não podem ser utilizados para definir
o próprio dano, mas apenas para determinar/avaliar o dano reparável.
Quanto a nós, nesta fase não carece, ainda, de medição mas de ser

745Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños Medioambientales, Baker &


Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 61.

402
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

determinável. Pelo que, este conceito deveria ser substituído por


“determinável”, de modo a garantir a possibilidade de delimitação das
fronteiras do dano e, consequentemente, das medidas de prevenção e
reparação.

Posto isto, sobra-nos o qualificador “concreto” que, não obstante


não ter sido apresentado no momento de definição do próprio dano, é
utilizado para descrevê-lo e, do nosso ponto de vista, foi nesse ponto que o
“mensurável” do legislador quis focar, mas errou a mão. Vamos explicar,
quando dispõe que o dano é a alteração adversa mensurável, parece-nos
crer que entendeu que o dano seria a alteração adversa que possa ser
“verificada” objectivamente. Ou seja, que existe realmente e não é
meramente abstracta, mas que se baseia em critérios objectivos de se ter
verificado o dano ou a existência de circunstâncias que o tornem provável.
Isto não significa, contudo, que estamos aqui a falar de dano imediato, afinal,
a Directiva prevê igualmente a aplicação do seu regime ao chamado “dano
iminente”746.

Isto, com efeito, não é o mesmo que dizer que o dano é “certo”,
até porque muitas vezes aqui é difícil identificar o quantum destes danos
imediatamente. Daí a opção do legislador pelo “concreto” ao invés do “certo”.
Afinal, no dano à ecodiversidade o simples perigo ou ameaça de um dano
serão suficientes para fazer accionar o regime, desde que baseado em

746Júlio Gomes, “Em Torno Do Dano Da Perda de Chance – Algumas Reflexões”, in ARS
IVDICANDI, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, Vol. II:
Direito Privado, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, STVIDIA
IVRIDICA 91, AD HONOREM 3, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pp. 289-327, p. 291.

403
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

elementos objectivos bastantes para demonstrar a probabilidade da


ocorrência do mesmo747.

Para além disso, a doutrina tem optado, ainda, por apontar a


“gravidade” ou a “significância” do dano como elemento essencial à própria
definição do dano. De facto, este tem sido apontado pela Doutrina como o
“elemento-chave” na definição do dano causado ao ambiente. Como refere
ALEXANDRA ARAGÃO, este dano “(existente ou iminente) só será significativo
quando configure uma modificação em sentido negativo”, o que faz depender
a determinação do carácter negativo do dano da significância do mesmo 748.
Não concordamos com essa posição e os motivos serão já a seguir
apresentados no próximo capítulo.

747Alfredo Orgaz, “El Acto Ilicito y El Daño”, in Revista Jurídica de Cordoba, Octubre-
Deciembre, Año 2, N.º 8, TEA Distribuidores, Buenos Aires,1948, pp. 431-452, p. 445.

748Alexandra Aragão, “Dano Ecológico: Critérios Práticos de Identificação e Avaliação”, in


Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2013, II, pp. 271-307, p. 289.

404
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

CAPÍTULO VI

ABANDONO DO “EFEITO SIGNIFICATIVO” NA DEFINIÇÃO DO “DANO À


ECODIVERSIDADE”

405
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

406
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.1 Insuficiências do método tradicional de definição do dano

Como vimos no capítulo anterior, tanto na teoria como na prática,


o actual conceito de “dano” não basta para determinar a ocorrência de um
dano causado ao ambiente. Como tal, surge a figura, absorvida pelo regime
europeu, da “alteração adversa”. No entanto, tendo em consideração que
este fenómeno não apresenta as mesmas características de certeza e
segurança do conceito tradicional de dano surgiu a necessidade de criar uma
“baliza” de modo a trazer consigo a aceitabilidade desta “nova” forma de
encarar este conceito749.

Como refere GILLES MARTIN, desde os primórdios da doutrina


da reparação do dano causado ao ambiente que se exige um requisito que
reflectia já a especificidade desse dano: o interessado tinha de provar que o
dano sofrido era “anormal”. Actualmente, este requisito persiste, mas
assumiu novos contornos750. A identificação desta “anormalidade” é, agora,
apreciada relativamente ao ambiente lesado, não mais relativamente às
pessoas e bens. Assim, nos termos como se encontra actualmente
operacionalizado o dano causado ao ambiente na Directiva 2004/35/CE,
pressupõe que se ultrapasse um determinado limiar de ofensa, esse
“excesso” deve ser “significativo”, caso contrário coloca-se em causa a

749 Abdurrahman Saygili, Legal Functions of the Concept of Significance in the Process of
Environmental Impact Assessment, in Ankarabarreview, Vol. 2, Issue 1, January 2009, pp.
25-29, disponível para consulta no site
http://www.ankarabarosu.org.tr/siteler/AnkaraBarReview/tekmakale/2009-1/3.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 25.

750Laurent Neyret e Gilles J. Martin, Nomenclature des prejudices environnementaux, Droit


Des Affaires, L.G.D.J, Lextenso éditions, Paris, 2012, p. 15 “L´atteinte est préjudiable
lorqu´elle est qualifiée, selon les cas, de “mensurable”

407
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

própria existência do dano751. Afinal, tem sido entendido que somente se


aplicará o regime da Directiva quando o dano tenha suficiente envergadura,
que o justifique.

De facto, tem sido prática corrente, na jurisprudência e doutrina,


a defesa da teoria de que apenas será qualificada como dano a “alteração
negativa” ao ambiente que cause “efeitos significativos” ou “substanciais” 752.
MARTÍN MATEO, no que respeita à intensidade do dano, faz referência a
transtornos ordinários e extraordinários para significar a mesma coisa 753.
Pelo que, a determinação da significância do dano tem sido apresentada
como fundamental para o nascimento da própria obrigação de
responsabilização e consequentemente como critério essencial da definição
do dano causado ao ambiente natural754.

Neste Capítulo pretendemos analisar a insuficiência desse


critério para a definição do dano e, consequentemente, o seu contributo para
alcançar o elevado nível de protecção ambiental. Como tal, iremos numa
primeira fase analisar a suficiência, ou não, da utilização deste critério como
elemento caracterizador do dano. Em seguida, indicaremos a abordagem

751Gilles Martin, “Direito do Ambiente e Danos Ecológicos”, in Revista Crítica de Ciências


Sociais, As Novas Fronteiras do Direito, 31, Março, 1991, pp. 126 ss.

752 Philippe Sands, Jacqueline Peel, Adriana Fabra e Rith Mackenzie, Principles of
International Environental Law, Cambridge University Press, New York, 2012, p. 708.

753 Ramón Martín Mateo, Tratado de Derecho Ambiental, Vol. VI, Edisorfer SL, Madrid, 2003,

p. 252.

754MacAlister Elliot and Partners Ltd and the Economics for The Environment Consultancy
Ltd, Study on the Valuation and Resporation of Damage to Natural Resources for the
Purpose of Environmental Liability, European Commission, Directorate-General
Environment, B4-3040/2000/26578/MAR/B3, May 2001, p. 11.

408
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

que defendemos no que respeita à operacionalização da definição do dano à


ecodiversidade.

409
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

410
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.1.1 O “significativo” como critério qualificador do dano

O uso do termo “significativo” para qualificar os impactos


causados ao ambiente natural não é novo. De facto, a utilização desse critério
se vem consolidando nos últimos 15 anos.755 Surgiu intimamente
relacionado com o regime de avaliação de impacto ambiental.756 Contudo,
regra geral, é utilizado sem apresentação de um conceito uniforme, ou
quando apresentado, os conceitos são vagos, amplos e/ou ambíguos.757

Tabela 3: Interpretações do conceito de “significativo” apresentados na doutrina


internacional

Fonte Conceito de “significativo”

Haug et al. (1984) “Determinar a significância é, em última instância, um juízo de valor.


O significado de uma determinada questão é determinado por um

755O termo “significativo” aparece em diversos textos de relevo, europeu e internacional,


como são exemplos: a Directiva 85/337/CEE do Conselho relativa à avaliação dos efeitos de
determinados projectos públicos e privados no ambiente (vulgarmente conhecida como
Directiva “Avaliação de Impacto Ambiental”) e a Convenção sobre Avaliação de Impacto
Ambiental em Contextos Transfronteiriços, no quadro da Organização das Nações Unidas,
Comissão Económica das Nações Unidas para a Europal, adoptada a 25 de Fevereiro de
1991 e que entrou em vigor em Setembro de 1997. Alan Gilpin, Environmental Impact
Assessment (EIA). Cutting the Edge for The Twenty-First Century, Cambridge Universty
Press, New York, 1995, p. 7.

756 Abdurrahman Saygili, Legal Functions of the Concept of Significance in the Process of
Environmental Impact Assessment, in Ankarabarreview, Vol. 2, Issue 1, January 2009, pp.
25-29, disponível para consulta no site
http://www.ankarabarosu.org.tr/siteler/AnkaraBarReview/tekmakale/2009-1/3.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 25.

757 Peter N.
Duinker e Gordon E. Beanlands, “The Significance of Environmental Impacts: An
Exploration of The Concept”, in Environmental Management, Vol. 10, n. º 1, pp. 1-10, 1986,
p. 1.

411
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

limiar de preocupação, uma prioridade relativamente a essa


preocupação, e uma probabilidade de que um potencial impacto
ambiental podem ultrapassar o limiar de preocupação ". [tradução
da autora]758

Duinker and “A significância dos impactos ambientais está centrada sobre os


Beanlands (1986) efeitos das actividades humanas e envolve um juízo de valor sobre o
significado ou a importância destes efeitos. Tais juízos, muitas vezes
com base em critérios sociais e económicos, reflectem a realidade
política de avaliação de impacto em que significado se traduz numa
maior aceitação pública e conveniência ".[tradução da autora]759

Thompson (1990) "A significância de um impacto é uma expressão do valor ou custo de


um impacto para a sociedade. O foco da AIA deve ser um julgamento
quanto à possibilidade ou não dos impactos serem significativos, com
base no juízo de valor da sociedade, ou de grupos de pessoas

758 “Determining significance is ultimately a judgement cal. The significance of a particular


issue is determined by a threshold of concern, a priority of that concern, and a probability that
a potential environmental impact may cross the threshold of concern”. John Philip Bevan,
Determining Significance in Environmental Impact Assessment: A Review of Impacts upon
the Socio-Economic and Water Environments, Master of Science Thesis, University of East
Anglia, September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

759 “Significance of environmental impacts is centred on the effects of human activities and
involves a value judgement of the significance or importance of these effects. Such judgements,
often based on social and economic criteria, reflect the political reality of impact assessment
in which significance is translated into public acceptability and desirability”. John Philip
Bevan, Determining Significance in Environmental Impact Assessment: A Review of Impacts
upon the Socio-Economic and Water Environments, Master of Science Thesis, University of
East Anglia, September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

412
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

escolhidas para representar os interesses da sociedade ". [tradução


da autora]760

Cantes and Canty “A significância pode ser considerada em três níveis: (1) significativo
(1993) e não mitigável; (2) significativo, mas mitigável, e (3) insignificante.
A significância é, por vezes, baseada no julgamento profissional, no
poder executivo, na importância do projecto/assunto, na
sensibilidade do projecto/assunto, e contexto, ou pela controvérsia
suscitada". [tradução da autora]761

Sadler (1996) "A avaliação da significância é subjetiva, depende de valores, é


dependente do contexto ambiental e da comunidade. Disciplina
científica e perspectivas profissionais enquadram as avaliações da
significância. Os cientistas, portanto, avaliam a significância de

760 “The significance of an impact is an expression of the cost or value of an impact to society.
The focus of EIA must be a judgement as to whether or not impacts are significant, based upon
the value-judgements of society, or groups of people chosen to reprensent the whishes of
society”. John Philip Bevan, Determining Significance in Environmental Impact Assessment:
A Review of Impacts upon the Socio-Economic and Water Environments, Master of Science
Thesis, University of East Anglia, September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

761 “Significance can be considered on three levels: (1) significant and not mitigatible; (2)
significant but mitigatable, and (3) insignificant. Significance is sometimes based on
professional judgement, executive authority, the importance of the project/issue, sensitivity of
the project/issue, and context, or by the controversy raised”. John Philip Bevan, Determining
Significance in Environmental Impact Assessment: A Review of Impacts upon the Socio-
Economic and Water Environments, Master of Science Thesis, University of East Anglia,
September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

413
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

forma diferente, um do outro, e de forma diferente das comunidades


locais ". [tradução da autora]762

Sippe (1999) "A significância ambiental é um conceito antropocêntrico, que usa


um juízo e valores na mesma, ou em maior medida, do que critérios
e padrões baseados na ciência. O grau de significância depende da
natureza (isto é, tipo, magnitude, intensidade, etc.) dos impactos e
da importância que a comunidade lhes atribui ". [tradução da
autora]763

Lawrence (2007) "A determinação da significância na prática da AIA faz julgamentos


sobre o que é importante, desejável ou aceitável. Também
interpreta graus de importância ". [tradução da autora]764

762 “The evaluation of significance is subjective, contingent upon values, and dependent upon
the environmental and community context. Scientific disciplinary and professional
perspectives frame evaluations of significance. Scientists therefore evaluate significance
differently from one another and from local communities”. John Philip Bevan, Determining
Significance in Environmental Impact Assessment: A Review of Impacts upon the Socio-
Economic and Water Environments, Master of Science Thesis, University of East Anglia,
September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

763 “Environmental significance is an anthropocentric concept, which uses judgement and


values to the same or greater extent than science-based criteria and standards. The degree of
significance depends upon the nature (i.e. type, magnitude, intensity, etc.) of impacts and the
importance communities place on them”. John Philip Bevan, Determining Significance in
Environmental Impact Assessment: A Review of Impacts upon the Socio-Economic and
Water Environments, Master of Science Thesis, University of East Anglia, September 2009,
disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

764“Significance determination in EIA practice makes judgements about what is important,


desirable or acceptable. It also interprets degrees of importance”. John Philip Bevan,
Determining Significance in Environmental Impact Assessment: A Review of Impacts upon

414
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Ljäs et al. (2009) "A avaliação visa determinar o principal responsável pela carga
ambiental global do projecto, de forma a planear as medidas
adequadas para mitigar esses impactos. Para atingir este objetivo
a questão essencial a ser respondida é se um projecto é susceptível
de causar alterações ambientais significativas, que podem então
ser usadas como um gatilho para acções autoritárias em relação ao
projecto ". [tradução da autora]765

Fonte: Adaptação da tabela 2.2 apresentada por John Philip Bevan766

A nível europeu, a opção por este critério-base ficou, também,


patente no Livro Branco, supra referido, onde se referia que: “[d]everá existir
um limiar mínimo para desencadear o regime: só os danos significativos
devem ser cobertos. Os critérios para determinar este limiar deverão ser

the Socio-Economic and Water Environments, Master of Science Thesis, University of East
Anglia, September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

765 “The assessment seeks to determine the key responsible for the overall environmental
burden of the project so as to plan suitable measures to mitigate these impacts. To achieve this
goal the essential question to be answered is whether a project is likely to cause significant
environmental change, which can then be used as a trigger for authoritative actions relative
to the project”. John Philip Bevan, Determining Significance in Environmental Impact
Assessment: A Review of Impacts upon the Socio-Economic and Water Environments,
Master of Science Thesis, University of East Anglia, September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

766 John Philip Bevan, Determining Significance in Environmental Impact Assessment: A


Review of Impacts upon the Socio-Economic and Water Environments, Master of Science
Thesis, University of East Anglia, September 2009, disponivel em
http://www.uea.ac.uk/env/all/teaching/eiaams/pdf_dissertations/2009/Bevan_John.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 16.

415
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

obtidos, em primeiro lugar, a partir da interpretação deste conceito no


contexto da Directiva «Habitats»”767. [sublinhado nosso]

767 Sublinado nosso, Livro Branco, ponto 4.5.1, p. 21.

416
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.1.2 O “Efeito Significativo” na Directiva 2004/35/CE

No modelo europeu de responsabilidade ambiental, criado pela


Directiva 2004/35/CE, adopta-se o critério do “efeito significativo” para
delimitar os tipos de danos que abrange dentro do conceito de “dano
ambiental”: dano causado às espécies e habitats naturais protegidos, dano
causado à água e dano causado ao solo. Assim, define como:

▪ Danos causados às espécies e habitats naturais protegidos:


quaisquer danos com efeitos significativos adversos para a
consecução ou a manutenção do estado de conservação favorável
desses habitats ou espécies. O significado de tais efeitos deve ser
avaliado em relação ao estado inicial, tendo em atenção os
critérios do Anexo I;

▪ Danos causados à água: quaisquer danos que afectem “de forma


muito séria” (na versão portuguesa, anterior à alteração operada
pela Directiva 2013/30/EU, lia-se, ao invés, “adversa e
significativamente”): i) o estado ecológico, químico ou
quantitativo ou o potencial ecológico das águas em questão,
conforme a definição constante da Directiva 2000/60/CE, com
excepção dos efeitos negativos aos quais seja aplicável o n.º 7 do
seu artigo 4.º; ii) o estado ambiental das águas marinhas em
questão, conforme a definição constante da Directiva
2008/56/CE, na medida em que aspectos particulares do estado
ambiental no meio marinho não sejam já tratados na Directiva
2000/60/CE;

▪ Danos causados ao solo: qualquer contaminação do solo que crie


um risco significativo de a saúde humana ser afectada

417
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

adversamente devido à introdução, directa ou indirecta, no solo


ou na superfície, de substâncias, preparações, organismos ou
microorganismos768.

A Directiva não estabelece um critério uniforme para a


identificação do “significativo” nos diferentes tipos de dano que cobre.
Dispõe, apenas, no que respeita ao dano às espécies e habitats naturais
protegidos, que “[o] carácter significativo dos danos que afectam
adversamente a consecução ou a manutenção do estado de conservação
favorável dos habitats ou espécies deve ser avaliado tomando como ponto de
referência o estado de conservação, no momento dos danos, os serviços
proporcionados pelo quadro natural que oferecem e a sua capacidade de
regeneração natural. As alterações adversas significativas do estado inicial
devem ser determinadas por meio de dados mensuráveis como:

▪ O número de indivíduos, a sua densidade ou a área ocupada,

▪ O papel dos indivíduos em causa ou da zona danificada em relação


à espécie ou à conservação do habitat, a raridade da espécie ou do
habitat (avaliada a nível local, regional ou mais elevado, incluindo
a nível comunitário),

▪ A capacidade de propagação da espécie (em função da dinâmica


específica dessa espécie ou dessa população), a sua viabilidade ou
a capacidade de regeneração natural do habitat (em função da

768 Cfr. artigo 2.º, n.º 1, al. a), b) e c), da Directiva 2004/35/CE.

418
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

dinâmica específica das suas espécies características ou das


respectivas populações),

▪ A capacidade das espécies ou do habitat de recuperar dentro de um


prazo curto após a ocorrência dos danos, sem qualquer outra
intervenção além de um reforço das medidas de protecção, até um
estado conducente, apenas em virtude da dinâmica das espécies ou
do habitat, a um estado considerado equivalente ou superior ao
estado inicial”769.

Não obstante a indicação destes critérios, a implementação deste


conceito coloca, ainda, uma série de entraves à efectiva implementação do
regime, sobretudo no que respeita aos restantes tipos de dano cobertos pela
Directiva770. Para além da falta de critérios objectivos no que respeita aos
danos causados à água e ao solo, outro problema com que nos deparamos
relativamente ao efeito significativo é que ele tem sido traduzido pelos
Estados-Membros de diferentes maneiras, como pode-se verificar no
próprio caso português. Com efeito, no texto original em inglês (tanto antes
como depois da alteração provocada pela Directiva 2013/30/EU) pode ler-
se o termo “significant adverse effects” no que respeita aos danos causados
às espécies e habitats naturais; “significantly adversely effects” no que
respeita aos danos causados à água e “significant risk” no caso dos danos
causados ao solo. Ou seja, o termo “significativo” está presente na definição
dos três tipos de danos cobertos pela Directiva. Já nas traduções paras as

769 Cfr. Anexo I, Directiva 2004/35/CE.

770Michael G Faure, and Kristel De Smedt, The ELD´s effects in practice, in The EU
Environmental Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United
Kingdom, 2013, pp. 299-314, Oxford University Press, 2013, United Kingdom, p. 313.

419
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

restantes línguas europeias perde-se algo na tradução, por exemplo, como


vimos no caso português o “significativo” dá lugar a “de forma muito séria”,
seguindo o exemplo francês que traduz o “significativo” como “grave“ nos
três tipos de danos.

Ora, é facto assente que, para responder de forma adequada à


importância que o regime lhe atribui, como “qualificador” do dano
reparável, este termo deve ser utilizado de forma correcta. Contudo, não
estando a forma correcta definida, cabe à autoridade competente dos
diferentes Estados-Membros a tarefa de encontrar a melhor forma de
preencher este critério caso a caso. E, inclusivamente, a forma como cada
Estado-Membro transpôs o conceito, evidencia à partida a posição que vai
assumir quanto ao mesmo, se mais restritiva ou mais abrangente.

Como resultado, encontra-se o termo “significativo” utilizado de


formas totalmente diferentes no seio dos Estados-Membros que
transpuseram o regime para os seus respectivos ordenamentos jurídicos. A
França, a Dinamarca e a Eslovénia interpretam o termo “efeito significativo”
como sinónimo de “grave” e, nesses casos, o regime somente é utilizado em
situações “catastróficas” e excepcionais. Já outros países, como a Alemanha
ou a Polónia, consideram como “significativo” aquele efeito que ultrapassa
as variações negativas do estado de conservação favorável dos habitats ou
espécies771.

Com efeito, tendo em consideração a forma lacónica como o


mesmo é tratado na Directiva, para compreender e aplicar o conceito

771 Milieu Ltd, IUCN, Experience gained in the application of the ELD biodversity damage,
Final Report for The European Commission, DG Environment, Brussels, February, 2014, p.
78.

420
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

adoptado será necessário, como já aconselhava o Livro Branco, trazer à


colação a interpretação dada ao mesmo conceito em outras legislações
europeias e até em disposições internacionais. Nesse sentido, o
Considerando 10 da Directiva dispõe que “[d]evem ser expressamente tidos
em conta o Tratado Euratom, as convenções internacionais aplicáveis e a
legislação comunitária que regulem de forma mais abrangente e rigorosa o
exercício de quaisquer actividades incluídas no âmbito da presente Directiva”.

A adopção da qualificação do critério de delimitação do efeito


grave causado ao ambiente pelo adjectivo “significativo” remonta à
legislação de avaliação de impacto ambiental, e no direito europeu não é
diferente. Nesse sentido, encontra-se o artigo 1.º da Directiva 2011/92/UE
(Directiva AIA) que dispõe que “[t]his Directive shall apply to the assessment
of the environmental effects of those public and private projects which are
likely to have significant effects on the environment”. Optou-se aqui, de forma
propositada, não adoptar a tradução portuguesa do texto da Directiva no
texto do trabalho uma vez que, quanto a nós, este sofre de um vício de
tradução. Na versão portuguesa do referido artigo lê-se “A presente Directiva
aplica-se à avaliação dos efeitos no ambiente de projectos públicos e privados
susceptíveis de terem um impacto considerável no ambiente”[sublinhado
nosso]. Ora, não se compreende a tradução do “significant” para
“considerável”. Tanto mais quando na Directiva 2014/52/EU que altera a
Directiva 2011/92/EU encontram-se referências ao efeito “significativo”,
não obstante não proceder a nenhuma correcção ou alteração do artigo 1.º
tal como o apresentamos.

Esse critério foi, também, incorporado na Directiva Habitats


onde, no artigo 6, n.º 2 dispõe-se que “[o]s Estados-Membros tomarão as
medidas adequadas para evitar, nas zonas especiais de conservação, a
deterioração dos habitats naturais e dos habitats de espécies, bem como as

421
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

perturbações que atinjam as espécies para as quais as zonas foram


designadas, na medida em que essas perturbações possam vir a ter um efeito
significativo, atendendo aos objectivos da presente directiva”.

Contudo, não obstante este critério aparecer num conjuno de


legislações, por regra, o termo “significativo” não costuma ser definido ou
concretizado. Internacionalmente, a Comissão de Direito Internacional
(ILC), tomou uma posição sobre o assunto nos seus comentários ao “Draft
Principles on the Allocation for Transboundary Harm Arising Out of
Hazardous Activities”, em 2006, que dispõe sobre a compensação do “dano
significativo”772. Refere, quanto a esse assunto que, “the term “significant” is
understood to refer to something more than “detectable” but need not be at
the level of “serious” or “substantial”. The harm must lead to a real detrimental
effect (…). Such detrimental effects must be susceptible of being measured by
factual and objective standards”773.

A verdade é que mesmo recorrendo-se a parâmetros objectivos,


a qualificação do dano como significativo envolve, necessariamente, juízos
de valor de quem interpreta a severidade dos seus efeitos. Sobretudo porque
este critério foi construído quando ao ambiente natural não se atribuía um
valor intrínseco, mas sim utilitário face ao interesse do Homem e da
manutenção do seu bem-estar.

Não existem, no nosso conhecimento, registo de casos decididos


no Tribunal de Justiça da União Europeia no sentido da nossa pesquisa –

772 Cfr. UN Doc. A/61/10, p. 122 e ss.

773 Philippe Sands, Jacqueline Peel, Adriana Fabra e Rith Mackenzie, Principles of
International Environental Law, Cambridge University Press, New York, 2012, p. 710.

422
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

interpretação do conceito de dano empregue na Directiva 2004/35/CE. No


mesmo sentido, da informação pública, também a significância do dano
ainda não foi discutida judicialmente, não especificamente no que respeita à
implementação da Directiva 2004/35/CE.

Contudo, não obstante este facto, a verdade é que o Tribunal de


Justiça da União Europeia tem uma posição expressa no que respeita à
qualificação do dano como “significativo” e na interpretação do conceito de
“efeito significativo” nos termos do artigo 6, n.º 3 da Directiva Habitats, que
carece ser levada em consideração para efeitos de tomada de posição no
presente estudo. Iremos fazer referência a diferentes case laws para
demonstrar essa posição, mas quanto a nós o Caso C-127/02 será, sem
dúvida, aquele que melhor nos mostrará uma panorâmica sobre o assunto.

Assim, neste caso, a Comissão salienta que deve ser levada a cabo
uma interpretação objectiva do conceito de “efeito significativo”. Referindo
que o efeito negativo deve ser considerado significativo quando:

▪ Resultar na impossibilidade ou improbabilidade de levar a cabo


a implementação dos objectivos de conservação;

▪ Destruir irrevogavelmente um componente vital do ecossistema


que caracterize o sítio e que seja essencial para a sua integridade
ou importância da coerência da Rede Natura 2000774.

Cfr. Case C-127/02, Opinion of Advocate General Kokoti delivered on 29 January 2004,
774

Waddenverenigings and Vogelbeschermingsvereniging, para. 77, I-7428.

423
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Nesse sentido, o Governo Alemão chamou a atenção para a


necessidade de se evitar “an arbitrary or casual assessment of
significance”.775 Contudo, nas prévias decisões do Tribunal é evidente que
esta objectividade tem levado a uma interpretação do conceito
“significativo” como sinónimo de “grave” e “sério”, o que para produzir um
efeito útil, não pode ser a interpretação do conceito na Directiva
2004/35/CE. Tal fica evidente na decisão do Caso C-355/90 onde se salienta
que os efeitos devem ser consideráveis, relativamente sérios ou difícieis de
se reparar para serem considerados significativos.

Com efeito, nos termos do decidido no Caso C-127/02 fica


expresso que “o termo significativo descreve dois parâmetros de comparação,
neste caso a relação entre certos efeitos adversos numa área de protecção. A
área de protecção é definida pelos seus objectivos de conservação. A seriedade
do efeito adverso é evidente a partir da extenção e natureza do possível dano.
Não só a habilidade de reverter ou eliminar os efeitos, mas também a raridade
dos habitats e espécies em causa são relevantes neste respeito”776.

Assim, de acordo com o Tribunal qualquer efeito adverso aos


objectivos de conservação deve ser entendido como um efeito significativo
na integridade do sítio em questão777.

Cfr. Case C-127/02, Opinion of Advocate General Kokoti delivered on 29 January 2004,
775

Waddenverenigings and Vogelbeschermingsvereniging, para. 78, I-7428.

Cfr. Case C-127/02, Opinion of Advocate General Kokoti delivered on 29 January 2004,
776

Waddenverenigings and Vogelbeschermingsvereniging, para. 81, I-7428.

Cfr. Case C-127/02, Opinion of Advocate General Kokoti delivered on 29 January 2004,
777

Waddenverenigings and Vogelbeschermingsvereniging, para. 85 and 86, I-7428.

424
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.1.3 Abolição do “Efeito Significativo” na Definição do


Dano à Ecodiversidade

Contudo, na prática não tem sido essa a posição que tem sio
adoptada aquando da interpretação do “efeito significativo” como
qualificador do dano. Ao invés, a Directiva adopta uma posição no sentido
de que nem toda a alteração adversa do ambiente natural pode considerar-
se geradora de responsabilidade e, consequentemente, que nem todas as
formas de danos podem ser corrigidas pelo mecanismo da
responsabilidade778. Assim, nos termos do regime especial criado, o dano
causado ao ambiente só será reparável se for significativo779.

Considerando o dano à ecodiversidade como o definimos,


entendido enquanto “alteração adversa”, a imposição do elemento
“significativo” para a sua determinação será sempre subjectivo. 780 Ora, a
ideia poderia justificar-se com a eventual necessidade de excluir a
responsabilidade por aqueles inúmeros impactos no ecossistema, de
mínima abrangência, que poderiam ser incluídos, caso não se criasse uma
fronteira entre o prejuízo tolerado e aquele que não o pode ser 781. Afinal, se
praticamente toda a actividade humana afecta o ambiente, importa

778 Cfr. Considerando 13 da Directiva 2004/35/CE

779 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 95.

780Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 4.

781 Cfr. UN Doc. A/61/10, p. 123 e ss.

425
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

identificar quais danos devem ser ressarcíveis, e quais devem ser


suportados e internalizados pela sociedade782.

Contudo, quanto a nós, o facto de a Directiva adoptar o termo


“significativo” deve, antes, ser indício de que se pretendeu mais do que
afastar aquele prejuízo irrisório, porque esse exigiria apenas um regime que
determinasse a necessidade de um “mínimo de gravidade” para que a
reparação fosse possível, mas sim definir um patamar máximo de
tolerabilidade, ultrapassado o qual o dano deve ser reparável. Daí que
“significativo” esteja a ser entendido, do nosso ponto de vista, como “grave”.

Como já foi salientado no ponto anterior, a Directiva não


apresenta no seu texto um conceito de “significativo”. Expõe, apenas, no seu
Anexo I, alguns indicadores que devem ser avaliados aquando do
preenchimento deste requisito. Face a isto, pode-se questionar até que
ponto a informação existente é fiável de modo a se conseguir, de facto, aferir
o elemento “significativo” de caracterização do dano. Esta avaliação será
sempre condicionada pela existência, ou não, de informação suficiente sobre
a “condição de base” antes da ocorrência da alteração adversa no ambiente

782No que respeita à responsabilidade civil, PESSOA JORGE, refere que “assim como um
defeito insignificante na execução não tira a esta o carácter de cumprimento, deve entender-
se que um prejuízo irrisório não constitui pressuposto da responsabilidade civil (…) tal
conclusão é importante pelo bom senso e até pelo princípio da boa-fé: a exigência de
reparação de um desses prejuízos só poderia explicar-se pelo proósito de vexar o lesante e,
como tal, não mereceria a tutela do direito”. Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge, Ensaio
Sobre Os Pressupostos Da Responsabilidade Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal,
Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das
Finanças, Lisboa, 1968, p. 387.

426
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

natural e depois da ocorrência do evento danoso. Afinal, esta comparação


será o elemento chave para a operacionalização do termo “significativo”783.

Como tal, se esta “condição de base” não estiver objetivamente


estruturada o preenchimento do elemento “significativo” será,
eminentemente, uma avaliação subjectiva, e até discricionária, que poderá
condicionar a reparação do dano à ecodiversidade aos interesses e à vontade
do Homem, como até aqui tem acontecido.

Por outro lado, entende a Directiva que, na percepção desta


significância do dano, deve-se ainda levar em consideração a questão da
regeneração natural. Para ser significativo o dano deverá ser permanente e
não meramente transitório, porquanto muitas actividades colocam em
causa a diversidade do ecossistema. Contudo, apenas algumas fazem-no de
modo a que a natureza em si não se consiga regenerar e fazer face à agressão
a que está a ser sujeita e, nessa sequência, causando um dano. E, para além
disso, o dano deverá resultar de uma actividade humana e não de qualquer
factor natural784.

Esta relação entre o ambiente natural e a sua capacidade de


regeneração natural, expressa na Directiva, tem sido, por alguns autores,
analisada sob a perspectiva do princípio da tolerabilidade. Na sua dimensão
ambiental, falar em tolerabilidade é o mesmo que falar em capacidade real e

783Lucas Bergkamp e Anke van Bergeijk, “Scope of ELD Regime”, in The EU Environmental
Liability Directive. A Commentary, Oxford University Press, United Kingdom, 2013, pp. 51-
79, p. 58.

784Carlos Miguel Perales, Derecho Español del Medio Ambiente, Tratados e Manuales,
Segunda Edición, Thomson Reuteus, p. 331.

427
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

concreta de absorção por parte do elemento natural ou ecossistema


específico em questão, capacidade esta traduzida por mecanismos naturais
conhecidos, como, por exemplo, a autodepuração da água e a
biodegradabilidade dos resíduos de forma geral 785.

Nessa senda, o Anexo I da Directiva 2004/35/CE refere que “não


têm de ser considerados como danos significativos:

▪ As variações negativas inferiores às flutuações naturais


consideradas normais para a espécie ou habitat em causa,

▪ As variações negativas devidas a causas naturais ou resultantes de


intervenções ligadas à gestão normal dos sítios, tal como definidas
nos registos do habitat ou em documentos de fixação de objectivos,
ou tal como eram anteriormente efectuadas por proprietários ou
operadores,

▪ Os danos causados a espécies ou habitats sobre os quais se sabe que


irão recuperar, dentro de um prazo curto e sem intervenção, até ao
estado inicial ou que conduza a um estado que, apenas pela
dinâmica das espécies ou do habitat, seja considerado equivalente
ou superior ao estado inicial”786.

Délton Winter de Carvalho, Dano ambiental futuro. A responsabilidade civil pelo risco
785

ambiental, Forense Universitária, Brasil, 2008, p. 104.

786 Cfr. Anexo I da Directiva 2004/35/CE.

428
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Assim, mesmo que o dano seja passível de ser absorvido


naturalmente, mas previsivelmente este processo possa demorar muito
mais tempo do que o habitual, devido ao carácter preventivo e punitivo do
regime, deverá ter lugar a configuração do dano à ecodiversidade.

Afinal, esta reversibilidade, como refere ALEXANDRA ARAGÃO,


pode ser natural, mas também pode ser humana. De facto, na maior parte
dos casos a reversibilidade terá que ser humanamente induzida, traduzindo-
se, por exemplo, na limpeza das costas após uma maré negra, na
reflorestação, na reintrodução de espécies da fauna, na descontaminação
dos solos, e na realimentação das praias com areia dragada dos rios, entre
outras787.

Para além destes casos, e independentemente do preenchimento


de qualquer um dos supra referidos critérios objectivos, serão sempre
qualificados como significativos os danos com efeitos negativos
comprovados para a saúde humana. ANTÓNIO BARRETO afirma que esta
situação é “compreensível”. Não concordamos com essa ideia788. Quanto a
nós, esta análise estritamente antropocêntrica afasta a necessidade de
efectivo dano à ecodiversidade, bastando-se com a potencialidade de dano
tradicional, que, na realidade, não é objecto deste diploma.

787Alexandra Aragão, “Princípio da precaução: manual de instruções”, in Revista do Centro


de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente (CEDOUA), 2/2008,
pp.9-57, p.32.

788António Barreto Archer, Direito do Ambiente e Responsabilidade Civil, Almedina,


Coimbra, 2009, p.53.

429
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Como refere PETER N. DUINKER, “qualquer consideração da


significância do efeito ambiental deve reconhecer que a avaliação de impacto
ambiental é inerentemente um conceito antropocêntrico”789. Ou seja,
centraliza-se a análise da significância em torno das actividades humanas
afectadas e a importância desse efeito negativo determinado por valores
morais da sociedade em questão.

Assim, quanto a nós, uma crítica que se pode fazer é que este
conceito é demasiado subjectivo, gerando múltiplos critérios densificadores
que em pouco auxiliam na objectivação do mesmo. Em outras palavras, a
utilização do critério “significativo” como limite para a reparação, ou não, do
dano à ecodiversidade traz consigo o risco da reparação deste dano ficar
intrinsecamente modelada aos interesses de uma determinada sociedade.
Significativo será, no final, um julgamento da Autoridade Competente, do
Governo e do Público em geral790. Ficando assim, o julgamento da
significância do dano dominado por uma abordagem iminentemente
antropocêntrica791.

Isto significará, na prática, que, não obstante ter-se criado um


regime especial de responsabilidade ambiental, continua-se, como defende

789 Peter N.
Duinker e Gordon E. Beanlands, “The Significance of Environmental Impacts: An
Exploration of The Concept”, in Environmental Management, Vol. 10, n. º 1, pp. 1-10, 1986,
p. 5.

790Alan Gilpin, Environmental Impact Assessment (EIA). Cutting the Edge for The Twenty-
First Century, Cambridge Universty Press, New York, 1995, p. 7.

791 Abdurrahman Saygili, Legal Functions of the Concept of Significance in the Process of
Environmental Impact Assessment, in Ankarabarreview, Vol. 2, Issue 1, January 2009, pp.
25-29, disponível para consulta no site
http://www.ankarabarosu.org.tr/siteler/AnkaraBarReview/tekmakale/2009-1/3.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 28.

430
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

PAULO BESSA ANTUNES, a realçar o ser humano como o mais importante


factor ambiental a ser protegido792. Não podemos concordar com essa
posição.

Pelo que, entendemos que a análise da gravidade do dano deve


ser, obviamente, tida em consideração, mas numa etapa posterior, não como
elemento densificador do dano. O juízo de proporcionalidade estará sempre
presente aquando da determinação do quantum indemnizatório, o que irá
colmatar as situações de injustiça e equilibrar os diferentes níveis de
intensidade dos danos. Proporcionalidade que não deveria ser aferida
aquando da verificação da existência do dano, mas somente no momento de
reparação do mesmo.

Em suma, somos obrigados a concluir que “uma objectividade que


repousa em critérios que não são facilmente evidenciáveis e que assentam em
inevitável discricionariedade é enganadora”793. Pelo que, maior efeito teria o
regime se não fosse estipulado um limite mínimo de gravidade794 a ser
ultrapassado para se considerar o dano à ecodiversidade reparável. Sendo
retirado este elemento da caracterização do dano ab initio, seria suficiente a

792Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. xiv.

793José Fernando de Salazar Casanosa Abrantes, “Introdução à Temática do Dano na


Responsabilidade Civil”, in O Dano na Responsabilidade Civil, Ebook, Centro de Estudos
Judiciários, Outubro 2004, pp. 17-23, p. 18.

794 Como refere Julia Pedraza Laynez, La Responsabilidad por Daños Medioambientales,
Baker & Mackenzie, Thomson Reuters Arazandi, 2016, p. 75, “Sin embargo, la doctrina ha
llegado a preguntarse si la gravedad del daño es un requisito que debe exigirse o, em cambio
es una decisión que se dibuja puramente subjectiva o arbitraria. Opinión, que a su vez, se ha
apoyado por la tradicional falta de exigencia por parte del derecho español (art.º 1902.º del
CC) de una gravedad particular del daño”.

431
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

verificação de um dano à ecodiversidade para que se considerasse passível


de compensação e reparação795. Caso contrário, não existindo um conceito
uniforme, seja a nível nacional, internacional, ou comunitário para descrever
esta condição, apenas interpretações jurisprudenciais e doutrinárias,
poderemos encontrar soluções díspares para a avaliação da mesma situação
em Estados-Membros diferentes, dando origem a uma situação onde num
Estado-Membro um dano seja considerado significativo, enquanto noutro
não, não obstante a situação de facto ser a mesma.

795 Albert Ruda González, El Daño Ecológico Puro, Thomson Arazandi, Navarra, 2008, p. 102.

432
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.2 Uma nova abordagem na definição do Dano à


Ecodiversidade

6.2.1 Adopção do “Ecosystem Approach”

O “ecosystem approach” é um termo que se fez conhecido


internacionalmente com a CDB. Traduz uma nova abordagem796 virada para
a conservação da diversidade do ecossistema e que difere da tradicional
técnica de protecção da natureza através da protecção de espécies
específicas, uma vez que encara o ecossistema como um todo, levando em
consideração a relação entre as espécies e as condições ecológicas do
sistema envolvente797.

Esta abordagem torna explícita a ligação existente de forma


inerente entre o valor intrínseco que o ambiente natural detém por si
próprio e a importância de conservação do mesmo como garantia do bem-
estar do Homem. Foi inicialmente utilizada, sobretudo, relacionada à
temática da gestão sustentável do ambiente e, mais especificamente, da
diversidade biológica e genética do ecossistema798.

Contudo, a verdade é que não existe, até a data, uma definição


uniforme e assente de “ecosystem approach”. Ele varia de acordo com as

796 Sobre a abordagem ecossistemática aplicada ao espaço marinho Ver João Miranda,
Estudos de Direito do Ordenamento do Território e do Urbanismo, AAFDL, 2016, pp. 13 e
ss.

797Yoshifumi Tanaka, The Changing Approaches to Conservation of Marine Living


Resources in International Law, in ZaöRV 71, 2011, pp. 291-330, p. 303.

798House of Parliament, Parliamentary Office of Science & Technology, The Ecosystem


Approach, Postnote, Number 377, May 2011.

433
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

áreas de protecção que estejam em causa, bem como com os objectivos


pretendidos. Contudo, alguns auxílios na sua compreensão, pelo menos do
ponto de vista jurídico, podem ser retirados de algumas interpretações já
apontadas por diferentes entidades relativamente a este conceito.

Pretendia-se, através desta nova abordagem, a adopção de uma


“estratégia para a gestão integrada da terra, água e recursos vivos que
promovesse a conservação e uso sustentável de forma equitativa”799. A
aplicação da abordagem ecossistémica iria assim, ajudar a alcançar um
equilíbrio face aos três objetivos da CDB: conservação, uso sustentável e
partilha justa e equitativa dos benefícios resultantes da utilização dos
recursos genéticos800.

Este conceito está directamente conectado com a definição de


ecossistema adoptada pela CDB, nos termos da qual, como já tivemos
oportunidade de ver, ecossistema “significa um complexo dinâmico de
comunidades vegetais, animais e microorganismos e seu ambiente não vivo,
interagindo como uma unidade funcional”801.

No entanto, no caso aqui em análise como já tivemos


oportunidade de apontar, o conceito de ecossistema deve ser entendido de
forma mais abrangente – para compreender a ecodiversidade e não apenas

799 Cfr. COP 5 Decision V/6 e COP 7 Decision VII/11, disponível para consulta in
http://www.cbd.int/decision/cop/default.shtml?id=7748, última vizualiação a 20.02.105.

800 Cfr. COP 5 Decision V/6 e COP 7 Decision VII/11, disponível para consulta in
http://www.cbd.int/decision/cop/default.shtml?id=7748, última vizualiação a 20.02.105.

801 Cfr. Artigo 1.º da CDB.

434
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

a biodiversidade – incluindo assim, os elementos bióticos e abióticos e a


inter-relação entre os mesmos e o Homem.

Do exposto, já temos o suficiente para concluir que nos


encontramos, hoje, perante uma verdadeira mudança de paradigma no que
respeita à responsabilização por dano causado ao ambiente. Esta mudança
estrutura-se na necessidade da consagração de uma nova teoria de dano,
uma teoria que se funda em um paradigma de conciliação entre o interesse
Humano e o valor intrínseco da natureza.

As diversas legislações têm apontado pistas neste sentido, mas


talvez por desconhecimento, talvez propositadamente, as posições se
extremam entre um antropocentrismo alheado da protecção ambiental,
focado na protecção dos interesses e necessidades humanas802. E um
ecocentrismo radical, fundado numa posição que, na prática, peca por deixar
de lado a premissa de que as leis são feitas pelos Homems e para os Homems.
Pelo que, qualquer intento de colocar totalmente de parte ambos os factores
redundam inevitavelmente em letra morta, ou letra “morna” como acontece
no caso da Directiva.

Ao invés, se nos concentrarmos no panorama global, analisando


as soluções apresentadas pela Directiva, através de um quadro maior que
engloba os novos desenvolvimentos no que respeita, por exemplo, à
protecção e conservação da diversidade biológica, sobretudo depois do ano
2000 com a assunção da importância da diversidade funcional do

802Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 2.

435
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ecossistema, vamos verificar onde, de facto, reside a grande inovação no que


respeita à responsabilidade por dano à ecodiversidade – a consagração de
uma aborgadem ecossistémica que, por um lado, é resultado da adopção de
uma nova teoria de dano causado ao ambiente – o dano à ecodiversidade –
e, por outro, resulta no abandono da qualificação subjectiva do dano como
“significativo” e na adopção de uma visão funcional do mesmo onde faz
corresponder o mesmo à afectação, ou não, dos serviços naturais e
ecológicos do ecossistema.

Com efeito, porque vimos que esta abordagem ecossistémica foi


maioritariamente pensada para a gestão dos recursos e não para a
responsabilização e reparação de danos, para a sua incorporação no regime
europeu de responsabilidade por dano à ecodiversidade ocorrer será
necessário proceder a alguns ajustes na forma de a apresentar. Assim,
juridicamente, esta abordagem ecossistémica do regime de
responsabilidade significará que se deixa de lado a visão antropocêntrica,
bem como a ecocêntrica, de dano causado ao ambiente e adopta-se uma
visão conciliatória, onde o todo é levado em consideração mais do que as
partes isoladamente consideradas, assim o ecossistema será afectado não
apenas quando os componentes do ecossistema individualmente
considerados sejam afectados, mas também quando os serviços por si
prestados sejam afectados.

Encontramos assim, através da abordagem ecossistémica uma


forma de equilibrar a necessidade de aproveitamento do ambiente para
garantir o bem-estar do Homem e a importância de se proteger o ambiente
pelo valor intrínseco que possui, independentemente da utilidade que
signifique para o Homem. Conciliando ambas as vertendes, abandonam-se
as teorias utópicas e/ou subjectivas e encontra-se uma forma de

436
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

operacionalizar a determinação do dano à ecodiversidade através de uma


mudança de paradigma onde o ecossistema passa a ocupar um lugar de
destaque na avaliação da verificação, ou não, da ocorrência de um dano à
ecodiversidade803.

803Outros falam, ainda, da possibilidade de uma terceira via através de um “paradigma


socioambiental”. Lucas Abreu Barroso, A Obrigação de Indenizar e a Determinação da
Responsabilidade Civil por Dano Ambiental, Editora Forense, 2013, p.116.

437
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

438
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.2.2 Autonomização das etapas de determinação do dano:


Verificação versus Avaliação

Do que vimos até aqui fica claro que é de suma importância para
uma eficiente implementação e aplicação do regime especial de prevenção e
reparação que se saiba, exactamente, quando é que existe um dano à
ecodiversidade. Consequentemente, quando é que estamos perante um
dano passível de accionar a protecção criada pelo regime da Directiva
2004/35/CE.

De acordo com o disposto na própria Directiva no que respeita à


responsabilidade ambiental a diferenciação de diferentes “etapas” vai ser
crucial para a determinação do dano reparável. Assim, o procedimento
conducente à determinação do dano é complexo e carece de ser aqui
compreendido para se evitar sobreposições e desajustes que culminam
inevitavelmente numa errónea implementação do mesmo.

O artigo 5.º da Directiva referente às acções de prevenção dispõe


que “quando ainda não se tiverem verificado danos ambientais, mas houver
uma ameaça iminente desses danos, o operador tomará sem demora as
medidas de prevenção necessárias”804. Contudo, caso o operador não actue
eficazmente, a autoridade competente pode, em qualquer momento, exigir
que o operador tome as medidas de prevenção necessárias, dar instruções

804 Cfr. Artigo 5.º, n.º 1 da Directiva 2004/35/CE.

439
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

quanto às medidas de prevenção a tomar ou até tomar ela própria as


referidas medidas805.

Isto significa que existe um primeiro momento – o da


“identificação do dano” – que cabe ao operador, em primeira linha, e à
autoridade competente, subsidiariamente caso aquele não actue com a
diligência devida. Com efeito, perde sentido o argumento de parte da
doutrina que defende que para os três tipos de danos cobertos pela Directiva
– dano às espécies e habitats naturais protegidos, danos ao solo e danos à
água – a lei de responsabilidade ambiental põe uma exigência simétrica
quando à relevância do dano.806Nesse sentido, para desencadear o dever de
prevenção, contenção ou reparação de danos, não bastaria verificar que um
qualquer dano à ecodiversidade já ocorreu ou está iminente. No
entendimento desta corrente, seria necessário que esse dano fosse
significativo.

Já tivemos oportunidade de demonstrar os perigos de se utilizar


o critério da significância do dano para a sua “definição” para efeitos de
aplicação do regime especial. Aqui reforça-se, ainda mais, esta posição pois
ao verificar-se, representaria na prática, impor um ónus aos operadores e
até à autoridade competente difícil de suportar. Afinal, neste momento os
elementos existentes podem ainda não ser bastantes para avaliar a
gravidade do dano, mas suficientes para dar início às medidas de prevenção.

805 Cfr. Artigo 5.º, n.º 3, al. b), c) e d) da Directiva 2004/35/CE.

806Alexandra Aragão, “Dano Ecológico: Critérios Práticos de Identificação e Avaliação”, in


Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2013, II, pp. 271-307, p. 288.

440
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Estas que somente serão obrigação do operador depois de se “identificar a


existência do dano ou da sua iminência”.

Depois desse momento, sim, assumido que estamos dentro do


escopo de aplicação da lei, cabe então à autoridade competente a obrigação
de determinar o operador que causou o dano ou a ameaça iminente de dano,
avaliar a importância do dano e precisar as medidas de reparação que
devem ser tomadas.807 Isto significa que, depois de “identificado” o dano,
este deve ser “avaliado”. Contudo, importa frisar que estamos aqui perante
dois momentos que carecem de ser autonomizados para minimizar as
dificuldades existentes na sua responsabilização.

De facto, isto pode parecer óbvio, mas a verdade é que na prática


os momentos se confundem e a autoridade competente acaba incumbindo-
se a si própria de uma dupla função valorativa do dano, primeiro da sua
significância, para efeitos e determinação do mesmo como dano à
ecodiversidade, depois da sua significância, para efeitos de determinação
das medidas de reparação necessárias. Seria, com efeito, mais útil
compreender que são dois momentos que carecem de ser autonomizados e
que entre a “identificação” e a “reparação”, medeia uma avaliação que não
pode, nem deve, fazer parte da definição do próprio conceito de dano à
ecodiversidade.

Assim, com a nossa teoria de dano à ecodiversidade para a


determinação da existência de dano, apenas será necessária a verificação,
atestada pelas melhores técnicas disponíveis, que ocorreu uma alteração

807 Cfr. Artigo 11.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE.

441
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

adversa num elemento que compõe a diversidade do ecossistema, ou num


serviço forcecido pelo mesmo. Assim, o dano à ecodiversidade irá sempre
ser passível de responsabilização, independentemente do carácter maior ou
menor do mesmo, o que irá variar vai ser o modo e o quantum
indemnizatório.

442
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.3 Aplicação do “ecosystem approach” na definição do Dano à


Ecodiversidade por meio da valorização dos serviços
fornecidos pelo ecossistema

6.3.1 Serviços do ecossistema

Como salienta ALEXANDRA ARAGÃO, a aplicação de quaisquer


medidas pressupõe, antes de mais, que se saiba identificar, com grande
clareza, quando é que existe um dano, no nosso caso, um dano à
ecodiversidade808. Nesse sentido, e depois do exposto, fazer depender a
verificação da existência do dano à ecodiversidade do efeito significativo, ou
não, que o Homem atribui ao mesmo é incorrecto e não vai de encontro aos
objectivos de prevenção e reparação incutidos na criação de um regime de
responsabilidade especial como aquele criado pela Directiva 2004/35/CE.
Contudo, é facto assente que “o valor da Natureza é incalculável”, o que
dificulta809, em muito a dita determinação supra referida810. De facto, a este

808Alexandra Aragão, “Dano Ecológico: Critérios Práticos de Identificação e Avaliação”, in


Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2013, II, pp. 271-307, p. 277.

809 Mas não inviabiliza. Com refere Alexandra Aragão, A Natureza Não tem Preço…Mas
Devia. O Dever De Valorar e Pagar os Serviços dos Ecossistemas, in Estudos de Homenagem
ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. IV, Direito Administrativo e Justiça Administrativa,
Edição Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Coimbra, 2012,
pp. 11-41, p. 7 “Fazendo um paralelo com a indemnização do dano morte no direito civil, tal
como a perda de uma vida humana, também as perdas de biodiversidade podem ser tão graves
que não há indemnização que compense os danos causados. Porém, de forma mais
pragmática, e concordando com a dourina civilista maioritária, tal como consideramos
injusto ão compensaqr a lesão do bem vida “só” porque a vida humana tem um valor
incalculável, também consideramos injusto desenvolver actividades que comportem perdas
graves de biodiversidade, sem o estabelecimento de qualquer forma de pagamento
compensatório a pretexto do seu valor incalculável”.

810 AlexandraAragão, A Natureza Não tem Preço…Mas Devia. O Dever De Valorar e Pagar os
Serviços dos Ecossistemas, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol.

443
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

valor costuma ser dada pouca atenção na elaboração de políticas e medidas


de protecção ambiental811.

Para nós, na sequência do exposto, fica claro que tem vindo a


ganhar forma uma nova forma de, abandonando o subjectivismo inerente
aos antigos métodos, operacionalizar a definição do dano à ecodiversidade
através da valoração dos serviços ecossistémicos afectados pela alteração
adversa sofrida pelo ambiente natural. Atenção, contudo, que o que está aqui
em causa não é o pagamento por serviços prestados pelo ecossistema, mas
pelo contrário a definição do dano à ecodiversidade por equivalência dos
serviços afectados812.

Esse parece ser, quanto a nós, o caminho que vem sendo


proposto paulatinamente e que ganha forma com a Directiva 2004/35/CE,
onde se qualifica como “dano” “a alteração adversa mensurável de um
recurso natural ou a deterioração mensurável do serviço de um recurso
natural, quer ocorram directa ou indirectamente”813. Da forma como se
encontra conceptualizado o “dano” para efeitos do novo modelo europeu de
responsabilidade, este deveria ir para além da mera “soma dos elementos”

IV, Direito Administrativo e Justiça Administrativa, Edição Faculdade de Direito da


Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 11-41, p. 11.

811Robert Constanza, e outros, “The Value of World´s Ecosystem Services and Natural
Capital”, in Nature, Vol. 387, 15 May 1997, pp. 253-260, p. 253.

812Joan Mogas Amorós, “El Criterio Valor-Valor en La Directiva 2004/35/CE: Métodos de


Valoración de Daños Medioambientales”, in Nuevas Perspectivas de la Responsabilidad por
Daños al Medio Ambiente, Ministerio de Medio Ambiente, Madrid, 2006, pp. 49-56, p. 50.

813 Cfr. artigo 2.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE.

444
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

naturais individualizáveis, tendo em conta a mais-valia que resulta do


conjunto – os serviços do ecossistema814.

Passa assim, a desempenhar um papel crucial na determinação


da “alteração adversa” no ecossistema, os “serviços de recursos naturais”
afectados815. Este conceito, outrora utilizado por alguns textos da União
Europeia - como é exemplo, o Considerando 8 da Directiva 2000/60/CE do
Parlamento Europeu e do Conselho de 23 de Outubro de 2000 que
estabelece um quadro de acção comunitária no domínio da política da
água816 - é definitivamente consagrado, no âmbito europeu, com o regime da
Directiva 2004/35/CE.

Nos termos do artigo 2.º, n.º 13 da Directiva entende-se por


“serviços de recursos naturais” as “funções desempenhadas por um recurso
natural em benefício de outro recurso natural ou do público”. Apesar de se
adoptar no regime europeu um conceito e uma definição para os ditos

814 Como salienta MARTA CHANTAL, referindo-se então à biodiversidade, “vista pelo prisma

de conjunto de genes, espécies e ecossistemas, a biodiversidade reflecte-se no nosso


processo cognitivo como um fenómeno quantitativo, susceptível de desdobramento em
números”. Marta Chantal da Cunha Machado Ribeiro, A protecção da biodiversidade
marinha através de áreas protegidas nos espaços marítimos sob soberania ou jurisdição do
Estado: Discussões e soluções jurídicas contemporâneas. O caso português, Coimbra
Editora, Coimbra, 2013, p.65.

815 Esteban Castellano Jiménez, “Valoración de Los Daños A Los Recursos Naturales”, in
Comentários a la Ley de Responsabilidad Medioambiental, Thomson Civitas, Navarra, 2008,
pp. 369-394, p. 369.

816Alterada pela Decisão n.º 2455/2001/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 20


de Novembro de 2001, da Directiva 2008/32/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de
11 de Março de 2008, Directiva 2008/105/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16
de Dezembro de 2008 e Directiva 2009/31/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 23
de Abril de 2009.

445
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

“serviços de recursos naturais”, é necessário analisar esta figura mais


pormenorizadamente, uma vez que abarca realidades diferentes.

Ora, a figura dos “serviços de recursos naturais”, utilizada no


direito europeu, encontra o seu fundamento no conceito de “ecossistema”.
Nos termos do artigo 2.º da Convenção sobre a Diversidade Biológica (CDB),
ecossistema “significa um complexo dinâmico de comunidades vegetais,
animais e de microorganismos e o seu ambiente não vivo, interagindo como
uma unidade funcional”817. Ou seja, pode dizer-se que, inicialmente, este era
visto, apenas, como um sistema complexo de interacção entre um conjunto
de espécies vivas e um meio natural. Contudo, desde 2000, a esta
interpretação junta-se o conceito de “diversidade funcional”, nos termos do
qual se entende que mais do que a quantidade, são as características
funcionais das espécies que realmente influenciam as propriedades de um
ecossistema818.

Como tal, o conceito de “serviço” deve ser analisado sob duas


perspectivas, por um lado temos o serviço que proporciona a si próprio, por
outro lado, temos as “funções desempenhadas por um recurso natural em
benefício de outro”, ou em benefício do Homem “…ou do público”819. Pelo que,

817Cfr. Artigo 2.º da Convenção sobre a Diversidade Bológica (CDB), adoptada em 20 de


Maio de 1992, pelo Comité Intergovernamental de Negociação, instituído pela Assembleia
Geral das Nações Unidas, e aberta à assinatura em 5 de Junho de 1992, na Conferência das
Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento. Ratificada por Portugal pelo Decreto-
Lei n.º 21/93 de 21 de Junho.

818Isabelle Doussan, “La représentation juridique de l´environnement et la Nomenclature


des préjudices environnementaux”, in Nomenclature des prejudices environnementaux,
Collection Droit Des Affairs, L.G.D.J, lextenso éditions, Paris, 2012, pp. 103-122, p.117.

819 Cfr. Artigo 2.º, n.º 13, Directiva 2004/35/CE.

446
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

pode dizer-se que estamos a viver um momento histórico, em que se pode


perceber uma “descoberta” do ambiente, da fauna e da flora, como valores
que ultrapassam as suas meras utilizações económicas820.

Contudo, na prática o termo “serviço do ecossistema” ou


“ecosystem service” (forma como são conhecidos internacionalmente os
ditos “serviços dos recursos naturais”) tem sido, predominantemente,
utilizado para referir-se aos benefícios humanos, materiais e imateriais,
resultantes da existência e bom funcionamento dos ecossistemas821. Alguns
autores incluem nos “serviços do ecossistema” as “ecosytem functions”,
referindo-se às propriedades ou processos do ecossistema, aos “ecosystem
goods” (p. ex. alimentação), e aos “ecosystem services” (p. ex. eliminação de
resíduos) para fazer alusão às vantagens que o Homem retira daquelas
propriedades822.

A primeira tentativa, a nível global, de descrever e avaliar estes


ditos “serviços” foi realizada sob os auspícios da Organização das Nações
Unidas, entre 2002 e 2005, e denomina-se “Avaliação Ecossistémica do
Milénio” (AEM), do original em inglês Millennium Ecosystem Assessment
(MEA). Neste estudo consagra-se, definitivamente, no cenário político

820Paulo de Bessa Antunes, Dano Ambiental: Uma Abordagem Conceitual, 2.ª Edição,
Editora Atlas S.A, São Paulo, 2015, p. 5.

821Millennium Ecosystem Assessment, Statement of the MA Board, Living Beyond Our


Means: Natural Assets and Human Well-being; Robert Constanza, e outros, “The Value of
World´s Ecosystem Services and Natural Capital”, Nature, Vol. 387, 15 May 1997, pp. 253-
260, p. 253.

822Robert Constanza, e outros, “The Value of World´s Ecosystem Services and Natural
Capital”, in Nature, Vol. 387, 15 May 1997, pp. 253-260, p. 253.

447
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

internacional, os conceitos de “service of nature” ou “ecosystem service” para


designar “os serviços fornecidos pela natureza à humanidade”823. Isso porque
“[a]s populações humanas obtêm diferentes combinações de serviços dos
vários tipos de ecossistemas (…) cuja capacidade provedora depende de
complexas interacções biológicas, químicas e físicas afectadas pelas
actividades humanas”824.

Assim, serviços do ecossistema são “os benefícios que as pessoas


recebem dos ecossistemas. Estes incluem serviços de produção como alimento
e água; serviços de regulação como a regulação de enchentes, de secas, de
degradação dos solos e de doenças; serviços de suporte como a formação dos
solos e os ciclos de nutrientes e serviços culturais como o recreio, o valor
espiritual, o valor religioso e outros benefícios não-materiais”825.

Acontece que, “[a]pesar de o valor da maioria destes produtos


poder ser facilmente calculado, muitos outros serviços da natureza não
aparecem em balanços financeiros convencionais, mas são igualmente
essenciais para a sobrevivência das economias modernas”826. Nestes casos,

823Millennium Ecosystem Assessment, Statement of the MA Board, Living Beyond Our


Means: Natural Assets and Human Well-being (versão portugesa “Vivendo Além dos Nossos
Meios. O Capital Natural e o Bem-Estar Humano”) p. 4.

824Millennium Ecosystem Assessment, Statement of the MA Board, Living Beyond Our


Means: Natural Assets and Human Well-being (versão portugesa “Vivendo Além dos Nossos
Meios. O Capital Natural e o Bem-Estar Humano”) p. 5.

Millenium Ecosystem Assessment, Ecossistemas e o Bem-Estar Humano: Estrutura para


825

uma avaliação, Resumo, Um Relatório do Grupo de Trabalho de Estrutura Conceptual de


Avaliação do Milénio dos Ecossistemas, 2003, Worlds Resources Institute, p.12, disponível
em www.maweb.org, última consulta dia 30 de Outubro de 2012.

826Millennium Ecosystem Assessment, Statement of the MA Board, Living Beyond Our


Means: Natural Assets and Human Well-being (versão portugesa “Vivendo Além dos Nossos
Meios. O Capital Natural e o Bem-Estar Humano”) p. 9.

448
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

falamos não só dos serviços do ecossistema que não são incorporados no


valor dos bens, mas, também e sobretudo, dos serviços que são prestados
dentro do próprio ecossistema para garantir a sua manutenção, também
designada por alguns como função dos ecossistemas.

Contudo, na prática, os esforços que se têm desenvolvido com o


MEA e posteriormente a este, com a iniciativa The Economics of Ecosystems
and Biodiversity (TEEB), visam eminentemente a descrição e valoração dos
benefícios económicos que o Homem pode retirar dos ecossistemas e da
biodiversidade. Menor atenção é dedicada, ainda hoje, às funções do
ecossistema realizadas pelo “recurso natural (…) em benefício de outro”
recurso natural827.

827 Cfr. artigo 2.º, n.º 13, Directiva 2004/35/CE.

449
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Fig. 1 – Serviços do Ecossistema828

Serviços de Aprovisionamento
Produtos obtidos dos ecossistemas
▪ Alimentos
▪ Água Doce
Serviços de Suporte
▪ Combustível
▪ Fibras
Serviços necessários para a ▪ Compostos bioquímicos
▪ Recursos Genéticos
produção de todos os outros
serviços dos ecossistemas Serviços de Regulação/ Controle
Benefícios obtidos através da regulação
dos processos dos ecossistemas

▪ Regulação do Clima
▪ Formação do Solo ▪ Regulação de Doenças
▪ Regulação de Água
▪ Ciclo de Nutrientes ▪ Purificação de Água
▪ Produção Primária
Serviços Culturais
Benefícios não materiais obtidos dos
ecossistemas
▪ Espirituais e Religiosos
▪ Recreio e Turismo
▪ Estéticos
▪ Inspiradores
▪ Educacionais
▪ Sensação de Lugar
▪ Herança Cultural

828 Fonte: Ecossistemas e o Bem-Estar Humano: Estrutura


para uma avaliação, Resumo, Um
Relatório do Grupo de Trabalho de Estrutura Conceptual de Avaliação do Milénio dos
Ecossistemas, 2003, Worls Resources Institute, p.13, Figura n.º 1, disponível em
www.maweb.org, última consulta dia 30 de Outubro de 2012.

450
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.3.2 Serviços dos recursos naturais

Como vimos, foi depois do MEA que os “serviços de recursos


naturais”, então “serviços dos ecossistemas”, ganharam consagração no
cenário político internacional829. Contudo, do ponto de vista jurídico, é, de
facto, o regime da Directiva, aquele que incorpora na íntegra este conceito a
nível europeu e, importa salientar, que o utiliza não só para efeitos de
prevenção e/ou reparação do dano, mas, quanto a nós, como forma de
definição do mesmo.

Segundo ISABELLE DOUSSAN, a análise da definição apresentada


pela Directiva pode ser feita sob dois pontos de vista: por um lado, pode-se
equiparar “as funções desempenhadas por um recurso natural em benefício de
outro recurso natural”830 ao “serviço de suporte” previsto no MEA e supra
apontados. Isto se traduziria, em última instância, num serviço relacionado
com o bem-estar humano e, como tal, um serviço fornecido ao Homem. Por
outro lado, pode-se entender que esta função se refere às relações/conexões
biofísicas de um ecossistema, sem ter em consideração o facto de poder, ou
não, significar uma vantagem para o Homem.831

829 “Tanto no Direito Internacional com no Dreito Europeu e mesmo no Direito Interno, o dever

de valorar tem vindo a ganhar forma”. Alexandra Aragão, A Natureza Não tem Preço…Mas
Devia. O Dever De Valorar e Pagar os Serviços dos Ecossistemas, in Estudos de Homenagem
ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol. IV, Direito Administrativo e Justiça Administrativa,
Edição Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Coimbra, 2012,
pp. 11-41, p. 8.

830 Cfr. artigo 2.º, n.º 13, da Directiva 2004/35/CE.

831Isabelle Doussan, “La représentation juridique de l´environnement et la Nomenclature


des préjudices environnementaux”, in Nomenclature des prejudices environnementaux,
Collection Droit Des Affairs, L.G.D.J, lextenso éditions, Paris, 2012, pp. 103-122, p.120.

451
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Outro ponto de vista, fortemente influenciado na doutrina


francesa mais recente, é dado a conhecer entre nós por ALEXANDRA
ARAGÃO e apresenta uma dicotomia entre funções ecológicas e serviços
ecossistémicos, fazendo um paralelo com a distinção entre danos ambientais
e danos ecológicos. Assim, os danos aos serviços ecossistémicos são os danos
nos componentes ambientais, que prejudicam também a sua capacidade de
prestar serviços ao Homem. São, portanto, danos ambientais na medida em
que é o Homem, que em última instância, é prejudicado, embora através do
ambiente. Estes prejuízos não estariam abrangidos pela Directiva. Por outro
lado, os danos às funções ecossistémicas, são os danos nos componentes
ambientais (água, ar, solo, espécies e habitats) que prejudicam também a
capacidade de os componentes desepenharem funções que permitem a
manutenção e viabilizam o funcionamento do próprio ecossistema. Seriam
estes, apenas, aqueles expressamente visados na Directiva, na medida em
que é o equilíbrio ecológico que é directamente prejudicado832.

Não concordamos com estas visões, a Directiva opta por tratar as


duas realidades, tal como acontece no regime americano OPA833. Para isso,
distingue os tipos de situações que estão em causa. Verifica-se, de facto, que
há aqui uma adopção indistinta do termo “função”, estando tanto esta, como
aquela outra vista acima, englobadas dentro do conceito de serviço. Esta
opção leva à necessidade de uma mais cuidada análise da opção tomada.
Afinal, a utilização de ambos os conceitos, sem qualquer distinção, faz-nos

832Alexandra Aragão, “Dano Ecológico: Critérios Práticos de Identificação e Avaliação”, in


Revista do Centro de Estudos Judiciários, 2013, II, pp. 271-307, p. 283.

833Para uma visão comparativa do regime da Directiva 2004/35/CE com o regime OPA Ver
Emilie Cornu - Thenard, “La Reparation du Dommage Environnemental”, in Revue Juridique
de L´Environment, 2, 2008, Juin, pp. 175-189, p. 180.

452
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

trabalhar duas realidades diferentes dentro da mesma figura – as funções do


ecossistema e as funções ambientais. Importa compreender o porquê.

No que respeita às funções desempenhadas por um recurso


natural em benefício de outro, parece-nos que a melhor forma de as
entender é associá-las ao conceito de “função do ecossistema”, que atrás
falamos. O que está aqui em causa é, primeiramente, a relação e inter-relação
que o elemento natural desempenha no ecossistema. Assim, a função do
elemento natural seria equivalente à função ecológica que o mesmo
desempenha no ecossistema.

Mas então qual será a função do elemento natural em benefício


do público? Quanto a nós, esta função, dita humana, equivaleria à perda das
vantagens e do uso do elemento natural, ou seja, estaríamos aqui a olhar
para o elemento natural como um recurso que provê a satisfação de
necessidades humanas.

Contudo, importa aqui fazer uma distinção. A perda do uso do


recurso pode traduzir-se, por exemplo, num dano moral pela perda da
capacidade de uso do recurso em causa, este dano quanto a nós não se
considera um dano à ecodiversidade. Como tal, parece-nos que esta previsão
não pode, nem deve dar cobertura a este tipo de danos ditos tradicionais.

No entanto, estes serviços fornecidos ao Homem são vistos como


parte integrante do equilíbrio do ecossistema, numa visão segundo a qual
com a impossibilidade de realização e continuidade dos mesmos coloca-se
em causa a integridade do próprio ecossistema. Nesse caso, as medidas de
reparação devem, como tal, prever também todas as acções necessárias para
a restituição de todas as capacidades do mesmo e, por maioria de razão,

453
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

também aquelas que apresentam uma utilidade directa, ou indirecta, para o


Homem.

A Directiva, apesar de afastar aquela visão restritiva que


assemelha a qualidade do ambiente à qualidade de vida do Homem, não
chega, contudo, ao ponto de considerar o ambiente como centro de
interesses autónomo totalmente independente do interesse Humano. Tanto
assim é que, para além da perda da biodiversidade, preocupa-se também
com os riscos para a saúde do Homem834. Pelo que, a análise da negatividade
da alteração ocorrida no elemento natural deverá ser realizada de forma a
englobar as duas visões supra apontadas: terá em conta os serviços
fornecidos pelo ambiente, seja no quadro das suas funções dos ecossistemas,
seja no quadro das funções ambientais, mas deverá também ter em conta a
mudança verificada no próprio elemento natural em si mesmo considerado,
independentemente das funções e serviços pelos quais seja responsável.

834 Cfr. Considerando 1 da Directiva 2004/35/CE.

454
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

6.3.3 Afectação dos “serviços dos recursos naturais” como


forma de definição do Dano à Ecodiversidade

Como tivemos oportunidade de verificar, o método da definição


do dano, mais especificamente do dano à ecodiversidade, por meio da
avaliação do efeito significativo do mesmo, leva a um subjectivismo que,
pouco ou nada, auxiliam à efectiva responsabilização por este tipo de danos.
Seja porque é difícil identificar critérios estritamente objectivos que
norteiem este juízo de valor, seja porque como o nome indica “juízo de valor”
traz inerente os interesses humanos para o centro da protecção ambiental,
o que não parece que esteja de acordo com esta nova postura que se vem
implementando com normativos como o de responsabilidade por dano à
ecodiversidade.

Assim, sendo necessário abandonar o critério da significância do


efeito, torna-se urgente encontrar uma forma que, de facto, promova a
operacionalização necessária do regime de responsabilidade por dano à
ecodiversidade. Entendemos que a própria Directiva, mesmo que não
directamente, nos proporciona a resposta ao nosso problema quando
conceptualiza o dano como “alteração adversa mensurável, de um recurso
natural ou a deterioração mensurável de um serviço de um recurso natural,
quer ocorram directa ou indirectamente”835.

Ora, já fizemos menção à velha máxima de que a natureza tem um


valor incalculável, contudo, isso não pode significar a irresponsabilidade
pelos danos a ela causados. Durante muitos anos foi de facto o que se passou,

835 Cfr. Artigo 2.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE.

455
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

com o dano a ser encarado iminentemente numa visão antropocêntrica e


com a cobertura apenas dos danos pessoais. Acontece que tem-se vindo
paulatinamente a reconhecer um valor intrínseco à natureza, para além do
valor instrumental que tem para o Homem836. Isto para nós, significa que é
necessário entender este novo dano de forma diferente.

Passamos a explicar, será utópico discutir o “valor intrínseco” do


ambiente natural e a correlativa responsabilização pelos danos a si
causados, apenas, com recurso às teorias ecocêntricas. Defender a
responsabilização pelos danos à ecodiversidade abstraindo-se dos efeitos
que estes danos podem ter no bem-estar do Homem será, na prática, muito
difícil e levará inevitavelmente a que o regime seja pautado por uma
implementação ineficaz, como até agora tem acontecido com a Directiva
2004/35/CE, onde passados mais de 10 (dez) anos desde a sua criação não
se conseguiu a devida aceitação e incorporação do regime – o que se
demonstra no pequeno número de casos registados nos Estados-Membros
como cobertos pela Directiva.

Para nós, isto seria sobremaneira evitado se se adoptasse uma


postura clara e operacional do dano à ecodiversidade. Isto seria possível,
entendemos, se se ultrapassasse os melindres de atribuir um valor à
natureza e se encontrasse uma forma de “identificar”, primeiro, se existe ou
não um dano. Antes de se “valorar” seja o que for, isso será uma tarefa
posterior, nomeadamente aquando da identificação do quantum do dano e

836Sylvie Faucheaux e Jean-François Nöel, Économie des Ressources Naturelles et de L´


Énvironnement, Armand Colin Editora, pp. 211-235, p. 212.

456
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

da forma de reparação. Aqui interessa identificar, apenas, a existência do


dano e a sua qualificação como dano à ecodiversidade.

De facto, esta ideia é já praticada no seio do regime, mas no que


respeita à reparação. Quanto a isso, ALEXANDRA ARAGÃO refere que na
responsabilidade ambiental, a valoração está associada à impossibilidade de
reparação de danos através de abordagens ditas “de equivalência de
primeira escolha recurso-a-recurso ou serviço-a-serviço” para
compensação dos danos que não possam ser reparados837. Nesse sentido, no
Anexo V, 1.2.3 do Decreto-Lei n.º 147/2008 pode ler-se “a autoridade
competente pode prescrever o método, por exemplo, valoração monetária,
para determinar a extensão das medidas de reparação complementares e
compensatórias necessárias. Se a valoração dos recuros e ou serviços de
substituição não puder ser efectuada num prazo ou por custos razoáveis, a
autoridade competente pode entãoescolher medidas de reparação cujo custo
seja equivalente ao valor monetário estimado dos recursos naturais e ou
serviços perdidos”.

Assim, seguindo o proposto pela própria Directiva, quanto a nós,


essa ideia pode também ser utilizada no momento prévio de definição do
dano. Pois, quando não puder ser determinada a afectação da diversidade
do ecossistema por meio da afectação dos seus elementos bióticos e
abióticos, a definição do dano à ecodiversidade deve ser feita com base na
identificação dos serviços do ecossistema afectados (incluindo as funções do

837 AlexandraAragão, A Natureza Não tem Preço…Mas Devia. O Dever De Valorar e Pagar os
Serviços dos Ecossistemas, in Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Miranda, Vol.
IV, Direito Administrativo e Justiça Administrativa, Edição Faculdade de Direito da
Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, pp. 11-41, p. 28.

457
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ecossistema e as funções ambientais). Ou seja, teremos um dano à


ecodiversidade sempre que se verifique uma modificação das propriedades
físicas, químicas ou biológicas do ambiente, resultante de uma actividade
ocupacional, que afecte directa, ou indirectamente, a qualidade de um
elemento natural especificamente considerado ou resultando na
deterioração de uma função ecológica ou ambiental do ecossistema.

Do exposto, é importante chamar a atenção que a questão da


importância crescente dos serviços do ecossistema deram azo,
inclusivamente, a uma proposta da European Academies Science Advisory
Council (EASAC) nos termos da qual se recomendava que uma forma de
manter a integridade dos serviços fornecidos pelo ecossistema seria a
criação de uma Directiva relativa aos Serviços dos Ecossistemas, análoga a
já existente no que respeita às espécies e habitats protegidos, que
estabelecesse a estratégia e os objectivos para a conservação da
ecodiversidade na Europa838.

Ora, pode-se questionar se ao pretender definir o dano à


ecodiversidade através da equivalência dos serviços afectados não se estará
a atribuir um valor exclusivamente instrumental ao ambiente natural. E,
com isso, os interesses do Homem e a valoração que este faz do ambiente
para o seu bem-estar será, uma vez mais, o que vai condicionar a efectiva
reparação, ou não, do dano à ecodiversidade. Afinal, como salienta MARIA
DA GLÓRIA GARCIA: “[a]té há pouco tempo, essa relação [entre o Homem e o

838House of Parliament, Parliamentary Office of Science & Technology, The Ecosystem


Approach, Postnote, Number 377, May 2011; European Academies Science Advisory
Council, 2009, Ecosystem services and biodiversity in Europe, EASAC policy report 09.

458
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ambiente] era entendida como uma relação de domínio, de base utilitarista: a


terra ao serviço do Homem, e de cada homem, no uso da sua liberdade, e, no
limite, uma relação que divide e fragmenta839.

Não entendemos que seja esse o caso, muito pelo contrário. O


modelo europeu de responsabilidade por dano à ecodiversidade virá alterar
este paradigma e adoptar, quanto a nós, uma postura que vai mais ao
encontro daquilo que tem sido conhecido como “ecosystem approach” e
descrito como “uma ponte entre o ambiente e o bem-estar humano”. 840
Conjugam-se, assim, as duas posições que se vêm degladeando nos últimos
anos, o interesse do bem-estar Humano (teoria antropocêntrica)841, com a
assunção do valor intrínseco do ecossistema (teoria ecocêntrica)842, para de
facto estruturar uma teoria conciliatória e operacional.

839Maria da Glória F. P. D. Garcia, “Pressupostos Éticos da Responsabilidade Ambiental”, in


Revista da Facudade de Direito da Universidade de Lisboa, Vol. 50, n.º 1 e 2, Nov. 2010,
Lisboa, pp. 81-91, p. 82.

840 UNEP, Ecosystem and Human Well-Being: A Framework For Assessment, Ecosystem and

their Services, pp. 51-52.

841 Nesse caso, os ecossistemas e os serviços fornecidos tinham valor para as sociedades
humanas porque as pessoas, directa ou indirectamente, tiravam proveito do seu uso (valor
de uso). Dentro deste conceito utilitário de valor, as pessoas também dão valor a serviços
do ecossistema que não estão a usar no momento (valor de não uso). Os valores de não uso,
geralmente conhecidos como valores de existência, envolvem os casos em que o Homem
atribui valor ao mero conhecimento de que um recurso existe, mesmo que ele nunca venha
a utilizar esse recurso directamente. Estes recursos envolvem amiúde valores históricos,
nacionais, éticos, religiosos e espirituais profundamente enraizados, que as pessoas
atribuem aos ecossistemas. Isabelle Doussan, “Les services écologiques: un nouveau
concept pour le droit de l´environment?”, in La Responsabilité Environnmentale.
Preventión, imputatión, réparation, Dalloz, Paris, 2009, pp. 125-142, p.126.

842Por outro lado, um paradigma oposto, o do valor não utilitário (ecocêntrico), considera
que algo pode ter um valor intrínseco, isto é, pode ter valor por si e para si mesmo,
independentemente da sua utilidade para outros. Na perspetiva de muitos pontos de vista

459
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

éticos, religiosos, culturais, os ecossistemas podem ter valor intrínseco,


independentemente da sua contribuição para o bem-estar do Homem. Millenium
Ecosystem Assessment, Ecossistemas e o Bem-Estar Humano: Estrutura para uma
avaliação, Resumo, Um Relatório do Grupo de Trabalho de Estrutura Conceptual de
Avaliação do Milénio dos Ecossistemas, 2003, Worlds Resources Institute, p.26, disponível
em www.maweb.org, última consulta dia 30 de Outubro de 2012.

460
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

CONCLUSÕES, RECOMECOMENDAÇÕES E CONSEQUÊNCIAS

461
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

462
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

7.1 O conceito de “dano” adoptado pela Directiva 2004/35/CE


conseguiu atingir um nível elevado de protecção ambiental?

O Considerando 3 da Directiva 2004/35/CE dispõe que o


objectivo da presente Directiva é “estabelecer um quadro comum de
prevenção e reparação de danos ambientais”, por outro lado, o Artigo 191.º,
n.º 2 do TFUE843 estipula que “a política da União no domínio do ambiente
terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado”. Com efeito, no início
deste trabalho nos propusemos tentar responder, através da análise do
conceito de dano adoptado pela Directiva, se de facto se conseguiu alcançar
este nível elevado de protecção ambiental. E, depois do percurso realizado,
estamos aptos a retirar algumas ilações que auxiliam a resposta à questão
em causa.

Antes de mais, a Directiva constitui um momento de viragem no


que respeita à protecção ambiental, dando autonomia à prevenção e à
reparação do dano causado ao ambiente. Estipula, assim, pela primeira vez
a nível europeu, e mesmo a nível global, um regime especial directamente
vocacionado para a prevenção e reparação do dano causado ao ambiente em
si mesmo considerado. No entando, isso não significou necessariamente o
fim da confusão terminológica relacionada com a conceptualização do dano
causado ao ambiente. Não existe, ainda, unanimidade no que respeita à
adopção de um conceito uniforme para a designação do dano causado ao
ambiente. Para além do “dano ambiental” adoptado na Directiva mantém-se,
ainda hoje, quer a nível doutrinário, quer a nível legislativo, a utilização de

843 Versão consolidada.

463
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

outros conceitos para o tratamento deste tipo de danos, o que coloca desde
logo em causa o escopo uniformizador do regime.

Na sequência da perspectiva histórico-comparativa que


realizamos, verificou-se, desde logo, que a Directiva não se limita a ser um
“copy/paste” dos regimes que a influenciaram. Ela é, de facto, o culminar de
um esforço que tentou, num único documento, recolher o que de melhor já
se fazia na área da responsabilidade por danos causados ao ambiente e
apresentar novas soluções para os problemas já identificados, no passado,
na sequência da implementação desses diferentes regimes. Por um lado,
existem elementos que são facilmente reconhecíveis de outros regimes e
que pela prova já dada foram directamente adoptados pelo regime da
Directiva. Por outro lado, algumas das influências mais marcantes são
reconhecíveis pela negativa, ou seja, nos elementos que foram
propositadamente deixados para trás e, muitas vezes, deram azo à adopção
de soluções liminarmente opostas à então existente.

Assim, tal como a CERCLA, a Directiva apresenta-se, como um


regime de reparação e compensação de danos; que não abrange a cobertura
dos danos pessoais; com uma actuação em duas frentes, primeiro com a
responsabilidade do operador e, subsidiariamente, com a autoridade
competente a proceder às medidas de prevenção e reparação dos danos com
os custos a serem suportados, em última instância, pelos operadores; e, por
último, com a cobertura dos “danos aos serviços dos recursos naturais” que
aproxima-se, sobremaneira, da componente humana dos “natural resource
damage”. Pelo contrário, em directa oposição ao regime CLC, a Directiva não
se configura como um regime de responsabilidade civil por dano causado ao
ambiente; tem como objectivo não só a reparação, mas também a prevenção,
do dano causado ao ambiente; não prevê a indemnização de eventuais

464
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

“vítimas” individuais; exclui expressamente a cobertura dos danos pessoais;


pretende ser um regime abrangente de “responsabilidade ambiental” e não
apenas sectorial; não impõe limites à responsabilidade do operador,
deixando este assunto a cargo dos Estados-Membros e, por fim, opta por um
conceito de dano bem mais estrito se comparado com o “pollution damage”
que consegue virtualmente abranger quase todos os danos resultantes de
poluição.

Acontece que, esta mistura de elementos “positivos” e


“negativos” fez com que as novas opções da Directiva nem sempre se tenham
traduzido em soluções adequadas para garantir a tal almejada
harmonização do regime de responsabilidade ambiental no seio europeu.
Por exemplo, a Directiva adopta o conceito de “recurso natural” mas não o
faz com a mesma abrangência que este detém no regime americano. Tendo
em consideração que esse conceito é essencial para a delimitação do escopo
de aplicação da lei, coloca-se com isso, desde logo, em causa a efectividade
do conceito de dano adoptado.

Assim, não obstante o carácter progressista e inovador do texto


europeu, a nível teórico o conceito de dano adoptado apresenta limitações
que colocam em causa o objectivo supra referido. De facto, na sequência do
que aqui foi visto, pode-se concluir que no que respeita especificamente à
abordagem dogmática do conceito de dano adoptado pela Directiva vários
problemas se colocam que condicionam uma elevada protecção ambiental
por meio da aplicação do regime europeu de responsabilidade ambiental.
Vejamos:

Primeiro, o conceito adoptado na Directiva para fazer referência


ao dano causado ao ambiente – “dano ambiental” – encontra-se desajustado
ao uso comum empregue ao mesmo. Tivemos oportunidade de analisar os

465
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

conceitos mais utilizados para fazer referência ao dano causado ao ambiente


e pode dizer-se que, em regra, o termo “dano ambiental” é utilizado na
doutrina, legislação e jurisprudência, para designar os danos tradicionais
causados aos indivíduos por intermédio do ambiente. Tendo em
consideração que da análise levada a cabo podemos concluir que, no regime
em vigor, apenas estão compreendidos dentro do conceito de “dano
ambiental” os “danos causados às espécies e habitats naturais protegidos”,
os “danos causados à água” e os “danos causados ao solo”, expressamente
afastando-se a cobertura de dano patrimonial ambiental, dano moral
ambiental e dano patrimonial puro. Utilizar este conceito cria, desde logo,
confusão desnecessária ao implementador do regime, que terá tendência
para aproximar o “dano ambiental” da Directiva ao conceito comummente
associado ao mesmo e, por conseguinte, afastá-lo dos objectivos pretendidos
pelo regime.

Para além disso, a definição adoptada na Directiva para fazer


referência ao dano causado ao ambiente mostra-se contraditória. A
Directiva adopta o conceito de “dano ambiental” que faz supor a opção por
uma protecção alargada do ambiente com a referência aos “recursos
naturais” como objecto de protecção do dano. Contudo, não é isso que de
facto ocorre. Para compreender o conceito é-se remetido para as sub-
categorias de “dano ambiental”, respectivamente, “dano causado às espécies
e habitats naturais protegidos”, “danos causados à água” e “danos causados
ao solo”. Da análise dos conceitos de cada uma destas sub-categorias pode-
se constatar que as definições adoptadas na Directiva são, na maioria dos
casos, demasiado restritivas. A protecção oferecida pelo regime abarca,
apenas, alguns elementos naturais, e mesmo no âmbito de cada elemento
nem todas as situações de danos ocorridos merecem tutela.

466
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

No que respeita ao dano causado às espécies e habitats


naturais, a definição adoptada na Directiva cinge-se, apenas, às espécies e
habitats naturais protegidos pela Directiva Aves e pela Directiva Habitats,
atribuindo a possibilidade aos Estados-Membros de optarem por alargar o
campo de aplicação da mesma e incluir espécies e habitats naturais
protegidos no âmbito de legislação nacional. Deixa assim, de fora as espécies
e habitats naturais não protegidos no âmbito das Directivas citadas e abre
caminho para profundas divergências nos regimes adoptados pelos Estados-
Membros.

No que respeita aos danos causado à água, a Directiva


inicialmente mostrava-se bastante mais restrita ao fazer referência
unicamente à Directiva 2000/60/EU. Depois de 2015, contudo, esta situação
foi colmatada com a Directiva, também, a prever a protecção das águas
marítimas com a inclusão da Directiva 2008/56/CE. Contudo, a referência a
esta deveria constar também do conceito “água” e não apenas do conceito
“danos causados à água”.

Por fim, no que respeita ao dano causado ao solo, como se


verificou, este tipo de danos será apenas sujeito ao regime de prevenção e
reparação criado pela Directiva se, e na medida em que, criar um risco à
saúde ou bem-estar do Homem e, apenas, quando resultantes de uma das
actividades consideradas potencialmente perigosas e previstas no Anexo III.
Se não for esse o caso, se por exemplo estivermos no âmbito de uma
contaminação do ecossistema, esta actuação não obterá protecção no
âmbito do regime de responsabilidade ambiental, se tal não significar perigo
para a vida humana.

Do ponto de vista pragmático, estas limitações colocam


problemas na efectiva implementação do regime, pelo que, conforme vimos

467
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

não obstante a Directiva já ter sido transposta em todos os Estados-


Membros a sua implementação fica ainda aquém do esperado: na maioria
dos Estados-Membros a mesma nunca foi aplicada a nenhum caso, e nos
Estados-Membros em que tal aplicação ocorreu, os casos são poucos e na
maior parte das vezes direccionados para a reparação dos danos ao solo,
uma vez que este tipo de dano é aquele que projecta um maior risco ao
Homem. Vimos o caso português e constatou-se que, até a data, apenas dois
casos de “dano ambiental” foram registados e ambos os casos são
classificados como “danos causados ao solo”.

Isso acontece, também, na nossa opinião, porque o momento


prévio de análise no qual se identifica o dano prevê etapas que não deveriam
fazer parte da sua definição para efeitos de aplicação do regime – como seja
a determinação da significância do dano. Assim, neste momento, face a uma
informação por parte do operador de uma situação de dano segue-se,
necessariamente, uma análise técnica para verificar a ocorrência do mesmo.
Afinal, nos termos do disposto no regime “cabe à autoridade competente a
obrigação de (…) avaliar a importância do dano”. 844 Contudo, esta análise
técnica não se limita a demonstrar a verificação da ocorrência de uma
“alteração adversa”, ou não, ela comporta, para além da parte técnica, um
juízo de valor, no que respeita à qualificação do dano como significativo. Isto
leva, necessariamente, a uma subjectivização da definição do “dano” que não
deveria ocorrer nesta fase.

Do exposto, pode-se concluir que o conceito de dano adoptado na


Directiva não conseguiu atingir um nível elevado de protecção ambiental.

844 Cfr. Artigo 11.º, n.º 2 da Directiva 2004/35/CE.

468
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Pelo contrário, temos um conceito de dano demasiado restrito que, caso seja
seguido à letra pelos Estados-Membros, culmina numa protecção ambiental
superficial e diferenciada entre os bens ambientais. Com determinados bens
a merecerem protecção pelo regime de responsabilidade ambiental e outros,
da mesma natureza, fora da protecção atribuída pelo regime.

Para além disso, apesar do objectivo inicial de harmonização do


regime, diferentes regimes de responsabilidade ambiental podem ser, de
facto, aplicáveis nos diferentes Estado-Membros, dependendo das opções
tomadas aquando da transposição da Directiva. A Directiva deixou muitas
opções em aberto de forma a permitir uma fácil conciliação entre a adopção
de medidas mais estritas de protecção ambiental e o disposto na mesma.
Contudo, estas medidas podem incidir no conceito de dano adoptado,
permitindo a inclusão, por exemplo, de diferentes sub-categorias de danos.
Isto pode provocar distorções graves a nível interno dos Estados no que
respeita à protecção ambiental, indo de facto em sentido contrário aquele
pretendido.

Com efeito, no que respeita ao conceito de dano, entendemos ser


necessário estabelecer uma base legal comum para os Estados-Membros.
Nesse sentido, a base legal e dogmática do regime europeu de
responsabilidade ambiental deve ser repensada de modo a conseguir, de
facto, alcançar um nível elevado de protecção ambiental e,
consequentemente, um regime harmonizado entre os Estados-Membros que
não provoque distorções indesejáveis nos mercados internos.

469
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

470
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

7.2 Como fazer o conceito de “dano” alcançar o pretendido nível


elevado de protecção ambiental?

Como concluímos acima, o conceito de dano adoptado pela


Directiva não levou, até agora, a que o objectivo de criação de um nível-base
elevado de protecção ambiental fosse cumprido com sucesso. A principal
causa apontada para esse facto prende-se com o reduzido âmbito de
aplicação do regime. Nesse sentido, para resolver este problema sugerimos,
neste trabalho, várias medidas.

Desde logo, um alargamento do âmbito de protecção da


responsabilidade ambiental. Na Directiva, o conceito de ambiente não é
directamente desenvolvido. Utiliza-se, ao invés, o conceito de “recurso
natural” como objecto do dano, o que resulta na limitação do objecto de
protecção da norma apenas a “bens ambientais naturais” específicos.
Entendemos que esta posição, por ser demasiado restritiva, não fomenta um
nível-base elevado de protecção ambiental, antes pelo contrário. O que deve
estar em causa, a partir daqui, não é alguns elementos ambientais naturais
individualmente considerados, mas a diversidade do ecossistema,
responsável pela garantia das diferentes formas de vida na Terra. Daí deve-
se alargar o âmbito de protecção da norma, passando a ser entendido como
objecto do regime a “ecodiversidade” ao invés do “recurso natural”. Com
isso, alcança-se uma abordagem integradora do ambiente, passando o
regime, de facto, a proteger os elementos naturais em si, as qualidades
desses elementos naturais, mas também as suas interacções com outros
elementos e com o Homem, o ecossistema e os serviços fornecidos pelo
ecossistema.

471
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

A atribuição ao ecossistema do papel de protagonista do


regime de prevenção e reparação ambiental implica, ao mesmo tempo, que
expressamente se confirma uma nova abordagem na protecção do ambiente.
Aborgadem essa, que atrás designamos de ecossistémica, implicará que não
exista uma análise parcelada e individualizada dos elementos naturais.
Assim, com a adopção do ecossistema como figura central, a interligação
existente entre as espécies e habitats e dentro do próprio ecossistema passa
a ser valorizada. Relações estas, que podem ser com o Homem, mas podem
ser, apenas, entre os restantes seres vivos e seus habitats. Nesse sentido
entendemos que apontam os vários Planos e Estratégias Comunitárias, que
mostram uma evidente evolução rumo à protecção dos elementos do
ecossistema e, sobretudo, dos serviços forcecidos pelo mesmo (ecológicos e
ambientais). Postura que, quanto a nós, marca uma mudança de paradigma
no direito de responsabilidade por dano causado ao ambiente. Não obstante,
esta mudança parece ainda não ter chegado aos “títulos” das estratégias e
programas, que teimam em focar a atenção iminentemente nos assuntos
relacionados aos seres vivos, pelo que importa alterar essa situação.

Com isso em mente, o stock de ecodiversidade existente na Terra


deve passar a ser encarado como “Capital Natural”. Transformando-se este
conceito económico em mote de formação de um princípio jurídico-
ambiental nos termos do qual o ecossistema, e os serviços por si fornecidos,
sejam reconhecidos e sirvam de fundamento suficiente para a criação de um
regime onde sejam encarados como valor por si próprios, com uma
protecção explicitamente direcionada nesse sentido.

Nesse sentido, propomos uma nova designação para o dano


causado ao ambiente objecto do regime europeu de responsabilidade
ambiental – dano à ecodiversidade. Para ir ao encontro à protecção da

472
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

diversidade do ecossistema que defendemos, este dano passará, portanto, a


incluir dentro do seu escopo de aplicação os danos causados às espécies e
habitats naturais (protegidos pela Directiva Aves e Habitats, ou não), os
danos causados às águas, os danos causados ao solo (mesmo que não
resultem danos significativos para o Homem), e os danos causados à
atmosfera (de forma autónoma, mesmo que não se repercuta em danos
causados às espécies e habitats naturais, danos à água e danos ao solo).

Este dano à ecodiversidade apresentará contornos sui generis


face ao seu homólogo dano ambiental de direito civil. Pelo que, não se
limitará, como o dano de direito privado, a uma mera redução patrimonial
ou ofensa à honra. Não existirá uma “vítima” individual. A responsabilidade
por dano à ecodiversidade prevê a aplicação das suas disposições quando se
verifique danos à diversidade do ecossistema e não danos pessoais ou à
propriedade privada ou qualquer prejuízo económico, sejam individuais ou
colectivos. Está, de facto, aqui em causa um dano colectivo, não no sentido
de que visa a reparação dos danos sofridos pela colectividade, mas, porque
não é passível de apropriação individual, nem pode pautar-se apenas pela
medida do dano que causar ao Homem, individualmente ou enquanto
sociedade. Tira-se assim, com a adopção do conceito de dano à
ecodiversidade o carácter humano como elemento essencial para a
prevenção e reparação do mesmo – (des)humanizando-o.

Com efeito, a partir de agora o factor preponderante para se


extrair a definição do dano à ecodiversidade residirá na identificação da
ruptura do equilíbrio da diversidade do ecossistema. Pelo que, é esta a
característica que, no nosso entendimento, resume o próprio conceito de
dano para o efeito ora analisado. De facto, o que temos com a consagração
da figura da “alteração adversa” é a afirmação do valor intrínseco do

473
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ambiente, para além dos interesses do Homem. Configurando assim, uma


forma autónoma de responsabilidade que se funda na afectação da
diversidade do ecossistema vista como afectação do próprio ambiente
natural, enquanto centro de interesses próprios.

A utilização do critério “significativo” para balizar esta “alteração


negativa” atrofia todo o sistema. Não existe um critério uniforme para a
identificação do “significativo” nas diferentes sub-categorias de dano
previstas na Directiva. Isto significa que, em última instância, cabe à
autoridade competente dos diferentes Estados-Membros a tarefa de
encontrar a melhor forma de estruturar esta “baliza” caso a caso. Como
resultado, encontra-se o termo “significativo” utilizado de formas
totalmente diferentes no seio dos Estados-Membros que transpuseram o
regime para os seus respectivos ordenamentos jurídicos. A qualificação do
dano como significativo envolve, necessariamente, juízos de valor de quem
interpreta a severidade dos seus efeitos. Sobretudo porque este critério foi
construído quando ao ambiente natural não se atribuía um valor intrínseco,
mas sim utilitário face ao interesse do Homem e da manutenção do seu bem-
estar. Assim, quanto a nós, a maior crítica que se pode apontar é que este
conceito é demasiado subjectivo, gerando múltiplos critérios densificadores
que em pouco auxiliam na objectivação do mesmo. Ficando assim, o
julgamento da significância do dano dominado por uma abordagem
iminentemente antropocêntrica.845

845 Abdurrahman Saygili, Legal Functions of the Concept of Significance in the Process of
Environmental Impact Assessment, in Ankarabarreview, Vol. 2, Issue 1, January 2009, pp.
25-29, disponível para consulta no site
http://www.ankarabarosu.org.tr/siteler/AnkaraBarReview/tekmakale/2009-1/3.pdf,
última consulta 23.01.2015, p. 28.

474
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

Pelo que, entendemos que a análise da gravidade do dano deve


ser, obviamente, tida em consideração, mas numa etapa posterior, não como
elemento densificador do dano. O juízo de proporcionalidade estará sempre
presente aquando da determinação do quantum indemnizatório, o que irá
colmatar as situações de injustiça e equilibrar os diferentes níveis de
intensidade dos danos. Proporcionalidade que não deveria ser aferida
aquando da verificação da existência do dano, mas somente no momento da
reparação do mesmo, daí sair do âmbito do escopo deste trabalho. Pelo que,
maior efeito teria o regime se não fosse estipulado um limite mínimo de
gravidade a ser ultrapassado para se qualificar um dano como “dano à
ecodiversidade” e, com efeito, protegido nos termos da Directiva
2004/35/CE.

Sendo retirado este elemento da caracterização do dano ab initio,


seria suficiente a verificação de um dano à ecodiversidade para que se
considerasse passível de aplicação das prerrogativas do regime. Caso
contrário, não existindo um conceito uniforme, seja a nível nacional,
internacional, ou comunitário para descrever esta condição, apenas
interpretações jurisprudenciais e doutrinárias, poderemos encontrar
soluções díspares para a avaliação da mesma situação em Estados-Membros
diferentes, dando origem a uma situação onde num Estado-Membro um
dano seja considerado significativo, enquanto noutro não, não obstante a
situação de facto poder ser a mesma.

Por fim, atendendo à postura ecossistémica que adoptamos,


opta-se por defender a aplicação do regime, também, quando for possível
identificar alterações nos serviços fornecidos pelo ecossistema, quer sejam
nas suas funções ecológicas ou ambientais. Assim, procede-se a uma
equivalência entre a afectação de um serviço de um recurso natural e a

475
Dano à Ecodiversidade: RupturaConceptual
Uma Perspectiva Juspublicista

ocorrência de dano à ecodiversidade, para efeitos de aplicação das regras da


Directiva ao caso concreto. Com isso, elimina-se mais um entrave à célere e
efectiva implementação do regime de responsabilidade por dano à
ecodiversidade.

Esta teoria operacionaliza uma verdadeira ruptura conceptual.


Ela provoca uma autêntica alteração nos fundamentos da tutela jurídico-
política do ambiente. Afinal, a protecção do ambiente sempre andou
balizada pela dúvida se se deveria proteger o ambiente pelo próprio
ambiente, em face do valor que ele tem em si mesmo e em face dos direitos
de que a comunidade biótica e abiótica devem gozar ou, pelo contrário,
“apenas” como salvaguarda da vida do Homem, em condições dignas de
existência.846 Com a teoria do dano à ecodiversidade verifica-se um
afastamento destas posições mais radicais, indo ao encontro da posição que
paulatinamente está a ser adoptada em variados dispositivos internacionais,
cuja epítome é a Convenção para a Diversidade Biológica, com a
fundamentação da adopção de um regime especial de responsabilidade por
danos fundada numa abordagem ecossistémica, nos termos da qual os
elementos deixam de ter valor, apenas, individualmente considerados e
encarando a protecção do ambiente numa visão globalizante. Assim, a nossa
teoria do dano à ecodiversidade irá operar como uma verdadeira “ponte
entre o ambiente e bem-estar humano”, rompendo com os pré-conceitos.847

846 François Ost, A Natureza à Margem da Lei, Instituto Piaget, 1997, p. 310.

847 UNEP, Ecosystem and Human Well-Being: A Framework For Assessment, Ecosystem and

their Services, pp. 51-52.

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