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HISTÓRIA DAS MULHERES NO OCIDENTE

Vol. 5: O século XX
Titulo original: Sioria delle Donne
© Giiis. Lalerza & Figli Spa, Roma-Bari, 1991

Direitos reservados para a língua portuguesa pior


Edições Afronlamento, Lda. / Rua de Costa Cabral. 859 / 4200 PORTO
N.? de edição: 565
ISBN: 972-36-0393-4
Depósito legal: 96210/95
Impressão e encadernação: Rainho & Neves, Lda. / Santa Maria da Feira

As ilustrações e as suas legendas, com excepção das do capítulo «Mulheres


e imagens», que fazem parte da edição original, são da responsabilidade de
AllEa, Taurus. Alfaguara S.A./Madrid
Volume 5

Sob a direcçao de
Françoise Thébaud

Nancy F. Cott
Anne-Marie Sohn
Victoria de Grazia
Gisela Bock
Danièle Bussy Genevois
Hélène Eck
Françoise Navaiih
Françoise Collin
Marcelle Marini
Luisa Passerini
Anne Higonnet
Nadine Lefaucheur
Rose-Marie Lagrave
Mariette Sineau
Yasmine Ergas
Yolande Cohen
Jacqueline Costa-Lascoux

Tradução de
Alda Maria Durães, Alice Teles, Alberto Couto,
Egito Gonçalves, João Gaspar Neves, José S. Ribeiro,
Maria João Lourenço e Maria Manuela Marques da Silva
Mulheres, consumo
e cultura de massas
Luisa Passerini

Este capítulo examina, em primeiro lugar, as teses que estabelecem


uma equação entre cultura de massas e feminização da sociedade e
evidencia a duplicidade da primeira, em particular no que respeita às
mulheres./A figura feminina surge de facto na cultura de massas
contemporânea como sujeito potencial e como objecto, utilizando
tanto sugestões provenientes dos estímulos libertadores políticos e
sociais quanto tradições e permanências de velhos estereótipos sobre
as mulheres no seio da cultura ocidental.
Em segundo lugar, são analisadas as mudanças ocorridas, sobre-
tudo no período entre as duas guerras, em alguns países da Europa
e da América — Estados Unidos, França e Itália — significativos
pela diversidade da sua história e dos seus tipos de desenvolvimento.
Neles se articulam propostas de novos modelos femininos que
incluem a nova dona de casa e a mulher emancipada (não contradi-
tórios entre si), como sujeitos de novos consumos de massa também
no plano cultural. Integram o quadro novas formas de publicidade,
quer de caracter comercial quer induzidas pelos poderes públicos.
Os meios de comunicação de massas, entre os quais a rádio e o
cinema, reforçam tais processos.
Por último, é estudado o cruzamento entre o caracter apocalíptico
e o carácter integrativo da cultura de massas escolhendo um sector
determinado, a imprensa feminina do segundo pós-guerra, nos três Sedutora imagem de Rita Hayworth
países já citados. A grande difusão dessa imprensa, nas suas varian- interpretando Gilda. Milhões de
pessoas de ambos os lados do oceano
tes ligadas ao grupo social e às idades daquelas a quem são desti- vibram e emocionam-se com as
nadas as publicações, dá-nos o exemplo privilegiado das contradi- histórias que passam no cinema.
As personagens das películas
ções próprias dos processos.de emancipação cultural das mulheres, apresentam modelos femininos
mesmo esses marcados pela duplicidade de auto-afirmação e subor- capazes de juntar imagens
dinação. Também tem interesse o exemplo escolhido por razões de tradicionalmente irreconciliáveis.
Saberemos quantas mulheres terão
natureza metodológica, uma vez que, sobre esse tema, se debruçaram podido repensar o seu destino
autoridades de diversas áreas, em busca das dialécticas entre indiví- mobilizadas pela cultura de massas?
lulheres, criação e representação
duo e colectivo, entre libertação e opressão, entre feminismo e
cultura de massas.

A cultura de massas
entre masculino e feminino
Repetidas vezes, e de vários modos, os intérpretes da cultura de
massas sublinharam as conexões em sua opinião existentes entre
essa cultura e o feminino, tal como este foi definido na história do
mundo ocidental. Desde Edgar Morin, em 1962, até um congresso
que em 1984 pretendeu retomar um tom crítico reagindo à indulgên-
cia dos vinte anos anteriores a respeito da cultura de massas1, propôs-
-se de vários pontos de vista uma equação que levanta muitas per-
plexidades, mas que não pode ser ignorada dados os aspectos de ver-
dade que permite desvendar.
/Á feminização das sociedades que atingiram um certo nível de
conforto baseava-se segundo Morin, em primeiro lugar, numa espécie
de inversão de valores: a emancipação da mulher incluía o acesso às
carreiras masculinas no trabalho e na política, ao mesmo tempo que
elas tomavam com crescente freqüência a iniciativa igualmente no
domínio privado (símbolo disso era a cena do filme To Have and
Have Nol em que Laureen Bacall iniciava uma história de amor
:orpos de mulheres pedindo lume a Humphrey Bogart); ao mesmo tempo, o homem tor-
is revistas e as suas páginas
ias. Aqui vemos uma
nava-se mais sentimental, mais temo, mais fraco. A cultura de massas
eliz e juvenil emergindo do desempenhava uma função-chave nesta mutação, quer como lugar
ivalente, pois perpetua um de afirmação dos valores definidos como puramente femininos,
ilativo à natureza mas tem
uma nova relação de entre os quais a individualidade, o bem-estar, o amor, a felicidade,
com o corpo. Janeiro de quer como amplificador de imagens de mulheres sedutoras, desde a
trty.
cover-girl* a essa Gilda encarnada por Rita Hayworth que repre-
sentava a reunificação de dois termos tradicionalmente inconciliá-
veis: a vamp** e a virgem.;

Na realidade a cultura de massas revela, no preciso momento em


que dela se apropria, a ambivalência da imagem feminina na cultura
ocidental, acrescida, mais do que reduzida, pelas exigências de eman-
cipação: a hegemonia da figura feminina na publicidade, nas capas
das revistas e nos cartazes, remete com efeito para a coincidência
entre a mulher como potencial sujeito e a mulher como possível
objecto. Corie-se porém o risco de confundir dois elementos dife-
rentes: a real duplicidade na qual o curso da história lançou as mu-
lheres, sobretudo com o desenvolvimento do último século e meio

* Jovem atraente cuja fotografia aparece nas capas das revistas (N.R.).
** Mulher sedutora que atrai os homens por interesse (N.R.).
Mulheres, consumo e cultura de massas 383

no plano da emancipação social e política; ò uso de valores histori- Um novo ataque do Billboard
(frente de libertação dos placards).
camente marcados (força e agressividade peremptoriamente ligadas Colocaram um soutien gigante no
aos homens, suavidade e ternura desde sempre atribuídas às mulheres) tradicional «machão» da Camel
por parte, da cultura de massas, que os fixa em papéis rígidos e os como protesto pela utilização que
a publicidade faz dos seus corpos.
«democratiza», reproduzindo-os em larga escala. A isso se adiciona São Francisco.
o facto de a predominância na vida quotidiana da forma de erotismo
proposto pela cultura de massas deixar inevitavelmente o papel de
protagonista — embora também com muita ambigüidade — à figura
feminina, que o Ocidente identificou com a própria sexualidade.
São portanto bem evidentes os limites do tipo de feminização
analisado por Morin, tanto no plano teórico como no plano histórico.
Além disso, no que respeita a este último, assistiu-se nos últimos
anos, de 1962 até hoje, a um aumento da presença da imagem mas-
culina na publicidade e no cinema2. As reformulações da relação pri-
vilegiada entre a cultura de massas e o feminino propostas vinte
anos depois das teses de Morin apresentam maior subtileza e dis-
tinções mais precisas, entre as quais a distinção fundamental entre o
feminino histórico e as mulheres de carne e osso. Pôs-se em relevo
o caracter sexista da operação com que, na viragem do século, o dis-
lulheres, criação e representação

curso político, psicológico e estético caracterizava como feminina a


cultura de massas e as próprias massas (basta recordar a equação
proposta por Le Bcn em 1895 a propósito das multidões histéricas
e «femininas») enquanto a alta cultura permanecia um domínio pri-
vilegiado masculino3. Portanto, ji desvalorização constante do femi-
nino convergia com o desprezo tradicional pelas formas «baixas»
relativamente às formas «altas» da cultura exactamente num período
em que se afirmavam por parte das mulheres novas formas de com-
portamento e de imagem.
/Com a acentuação dos dois fenômenos — por um lado a crescente
entrada das mulheres na vida pública, por outro a expansão da cul-
tura de massas — vemos aparecer outras formas de pretensa femini-
zação,, Após a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a cultura de
massas dos Estados Unidos pareceu obcecada com a perda de auto-
ridade masculina: a banda desenhada representava um marido com
metade do tamanho e da força da mulher, armada com o rolo da
massa, enquanto a televisão mostrava um papá domesticado, ridículo
los Unidos, os modelos quando procurava ser viril e empreendedor4. Esta tendência era o
pela cultura de massas
uniformizar certos prolongamento do culto de «Mom»*, denunciado por Philip Wylie
Ias mulheres: ela ocupa-se no seu romance de 1942 Generation ofVipers e analisado por Erik
is ao mesmo tempo presta
ienção ao seu arranjo Erikson em Childhood and Society, de 1950. Do nosso ponto de
V maquilhagem é patrimônio vista não nos interessa tanto o fenômeno em si mesmo — uma vez
is mulheres e não apenas
íes.
que no plano factual se poderiam encontrar tendências contrárias —
mas como tentativa de lançar sobre as mulheres a responsabilidade
das grandes mutações que subtraíam poder à estrutura familiar e
patriarcal, Sem atribuir à cultura de massas a capacidade de fomentar
conspirações diabólicas, há no entanto que reconhecer a sua tendência
para a inversão e a camuflagem dos problemas reais; um exemplo
que vai nessa mesma direcção é proposto pelas autoras acima citadas,
ao sustentarem que a pressão exercida sobre as empregadas do ter-
ciário nos anos 60 para parecerem sexy pode ser explicada como
uma necessidade de mascarar sob uma fachada de feminilidade a
entrada crescente das mulheres no mercado do trabalho.
Ao lado da tese sobre a equação cultura de massas/feminino
desenvolveu-se uma crítica ao sexismo dos meios de comunicação
de massas, acusados de privilegiar de vários modos o masculino e
os homens5. Sãô inúmeras as análises que apontam nesse sentido e
encontraremos algumas no decurso deste estudo, Também » acusa-
ção de sexismo tem momentos de verdade, se adequadamente com-
binada com a tese da equação citada, por sua vez reformulada na
base de uma crítica dos valores herdados. Se é verdade que a cultura
de massas quer reforçar a idéia de uma divisão nítida entre masculino/
/trabalho/social, por um lado, e feminino/tempo livre/natural, por

Mamá (NJU
Mulheres, consumo e cultura de massas 385

outro, como o demonstra uma boa parte da publicidade6, é também


verdade que não nos podemos deter nesse terreno. Numerosos tra-
balhos de historiadoras e de antropólogas mostraram que em muitas
iimaiiM
sociedades de diversas épocas o papel das mulheres não esteve
simplesmente confinado à esfera privada ou à esfera da vida situada
numa natureza a-histórica7, mas foi exercido precisamente na char-
neira entre o público e o privado, onde as mulheres preencheram
uma função de mediação, por exemplo entre a própria família e as
instituições da sociedade civil.
lEm conclusão, são mais convincentes as interpretações que con-
seguem pôr em evidência a relação contraditória entre as mulheres
e o feminino, por um lado, e a cultura de massas, por outro. O que
conduz a reconhecer os aspectos de real conexão entre o desen-
volvimento da cultura de massas e as formas de emancipação das
mulheres ou a permanência de velhas formas de feminilidade. No As revistas femininas — Maric
primeiro tipo de conexão inclui-se a capacidade dos meios de comu- Claire tem uma tiragem de
nicação para retomar e relançar discursos de inspiração feminista, 800000 exemplares — introduzem
novos deveres para as mulheres: o
• por exemplo na publicidade de «soutiens que libertam» no final dos cuidado com a pele e com o corpo,
anos 60, ou das férias como «liberdade de escolher» nos anos 808. No o penteado, a maquilhagem e o
vestuário, tudo misturado com
segundo tipo cabem todas as identificações da imagem feminina práticas de iiigiene e novos hábitos.
com o natural, com o biológico e com a reencamação daquilo que no Capa de Marie Claire, 5/3/1937.
nosso mundo é representado como «exótico», como «outro» facil-
mente integrável no plano do turismo e do look*.'
Mas os produtos da cultura de massas devem ser sempre avalia-
dos em função da interacção que com eles estabelece o público. As
análises mais úteis são aquelas que conseguem colocar tais produ-
tos num contexto activo, como a expansão e a comercialização dos
tempos livres de que as mulheres foram pioneiras nos Estados
Unidos desde o final do século passado até aos anos 209, ou uma
história do cinema que consente a espectadores e espectadoras
oscilarem entre identificações femininas e masculinas em relação a
personagens propostas10. Os resultados de tais aproximações são
igualmente interessantes no plano metodológico, m o se trata já de
acusar a cultura de massas de conivência com um único sexo, mas
sim de caracterizar o modo como ela reformula a subordinação das
mulheres, graças também aos seus novos comportamentos e modos
de pensar. Ao mesmo tempo, admite-se uma função positiva dos
meios de comunicação, porque capazes de propor um conjunto de
atitudes que os espectadores podem assumir em relação às mulheres.
O gênero sexual não é em tal caso determinado mecanicamente, mas
definido com base em atitudes culturais das pessoas reais, de tal
modo que, no caso de um filme, as mulheres podem escolher um
papel masculino e vice-versa. O importante é que desta maneira se

• Aparência (N.R.).
lulheres, criação e representação
restitui aos adores sociais uma certa forma de autodeterminação
mesmo que limitada por condicionamentos e pressões, e que nenhum
juízo a priori fere indiscriminadamente a cultura de massasi
Por conseqüência, pode perguntar-se em que medida respostas e
reacções do espectador dependem do seu gênero sexual, e não de um
conjunto de fadores em que o sexo se conjuga com elementos como
classe, raça e geração. Mais uma vez a v a l i a ç ã o deve ser circuns-
tanciada^ em certos períodos e lugares prevalecerá a consciência
do sexo a que se pertence, por sua vez influenciada por heranças
inconscientes de outra natureza. Além do mais, devem ser tidas em
conta as inversões próprias da cultura de massas a que fizemos
alusão. Já se sustentou, por exemplo, que o desafio do movimento
das mulheres à visão masculina da sexualidade feminina — desafio
que se propagou nas metrópoles dos últimos trinta anos — tomou
possível a produção e o consumo de novos tipos de romances de
grande difusão, definidos como «pornografia para mulheres»11. Ou
então, a observação de que a imagem «emancipada» da publicidade
mais exclusivamente dedicada às mulheres na nossa sociedade, a
dos pensos higiênicos, esconde uma retoma do folclore e dos seus
tabus que insiste, de um modo subtil, no sentimento de culpa, ao
contrário do que tenta fazer crer12.
A cultura de massas, comparada por Adorno com a rainha da
história da Branca de Neve, obtém sempre a mesma garantia do
espelho mágico do narcisismo, que estimula e simultaneamente usa
como contexto. A investigação histórica desengana-a, desvendando
de tempos a tempos as conivências com as idéias dominantes do
masculino e do feminino, mas também a influência que sobre elas
exercem as novas idéias a esse propósito. Em última análise, a for-
tuna da cultura de massas depende das escolhas de mulheres e homens
que estão redefinindo a combinação entre feminino e masculino
corporizada por cada indivíduo.'

Modelos culturais
para os consumos de massa
Embora tenham as suas raízes no século anterior, os processos de
produção e distribuição de massa, num sistema industrial que cria
produtos de série destinados a um mercado tendencialmente muito
amplo, envolvem as mulheres sobretudo a partir do final do século
XIX. No período entre as duas guerras o fenômeno acentua-se e ace-
lera-se, pelo menos no que diz respeito ao mundo europeu e norte-
-americano, com diferenças importantes de nível e de desfasamento
no tempo não só entre os diversos países mas também entre regiões
e classes sociais no interior do mesmo país.
Mulheres, consumo e cultura de massas 387

O que significa a transformação das mulheres em massas? Muitas


coisas, de que evocaremos apenas algumas. Só em parte o processo
assume a forma da arregimentação de fábrica ou de escritório, como
acontece com os homens. Na medida em que isso aconteceu, deve
no entanto ter em conta a massificação proposta na esfera privada e
doméstica. Os modelos avançados no início do nosso século em
países como os Estados Unidos da América insistem especialmente
na modificação e uniformização de aspectos cruciais da mulher
tradicional e dizem respeito ao cuidado da casa e da. própria pessoa.
, À nova dona de casa, capaz de racionalizar o trabalho domés-
tico em tempo e em rendimento, apresenta-se como complementar
ao homem na produção extra-doméstica, onde ocorrem os mesmos
processos de uniformização e de parcelização'3. O funcionamento
da casa deve ser assimilado e integrado na oiganização da socie-
dade. A partir dos anos 20 assiste-se a uma verdadeira proposta de
«taylorizar»* o trabalho doméstico, com a oferta de electrodomés-
"ticos e de novos equipamentos. Ó que é verdade não apenas para
os Estados Unidos, mas também, por exemplo, para a França, pelo
menos a nível de protótipos, como demonstra o Salon des Arts
Ménagers, criado em 1923 e em pleno desenvolvimento a partir de
1926'4. Sabemos que propostas deste gênero devem sempre ser
apreciadas à luz da realidade, mas um aspecto importante é que elas
alteram muitas vezes os modelos e as ideologias, mesmo quando se
não podem pôr imediatamente em prática.
it-Doravante, a dona de casa deve ser tanto consumidora como
administradora da casa. Fica portanto com a responsabilidade de
controlar o consumo, que se torna uma actividade a organizar e pla-
nificar rigorosamente, incluindo compras a prestações e projectos
de longa duração, À esta luz é compreensível o domínio material e
imaginário que nos Estados Unidos têm os grandes armazéns,
sobretudo no seu período de ouro (1890-1940). Eles desenham um
novo tipo de espaço público para as mulheres americanas, um lugar
de recreação e de sociabilidade e não apenas de consumo, onde as
mulheres podem desempenhar certos papéis de autoridade como
clientes ou chefes de sector. Em tal âmbito, a cultura empresarial,
a cultura burguesa urbana (de clientes e directores), a cultura das
classes trabalhadoras (as vendedoras) e Finalmente a cultura das
mulheres, transformada mas não destruída pelo processo em curso,
çonfluem para formar uma nova cultura de massas".'Esta última pode
ser designada deste modo, embora não abranja ainda a totalidade
das mulheres mas sobretudo as das classes médias e altas, pela sua

* Referência ao taylorismo, sistema de ofgamzação do trabalho, desenvolvido por


F. W. Taylor, que racionalizou os processos de trabalho, looarendD i máxima mecani-
nção e diminuindo os tempos mortos (NJL).
lheres, criação e representação
nnina que usa a tendência intrínseca a expandir-se para todas as classes graças à
ida recorta-se,
lum fundo de montanhas,
pressão do mercado.
a também do espaço do À nova mulher americana é também exigida uma aparência física
As revistas italianas particularmente cuidada, segundo uma redefinição do ideal de femi-
iculam elementos
lente tradicionais e nilidade em que a indústria cosmética tem influência determinante16,
i. 1941, Milão, Moda. tal como a indústria dos vários produtos higiênicos (o primeiro penso
Kotex aparece esm 1921 no mercado americano). Também aqui o
carácter de massa é anunciado por uma versão do princípio da igual-
dade de oportunidades e da democratização: todas as mulheres podem
aceder à beleza se nisso se empenharem suficientemente. A unifor-
mização da aparência feminina (e da própria idéia do feminino, uma
vez que a transformação proposta é ao mesmo tempo exterior e inte-
rior: saber maquilhar-se inclui «encontrar-se a si mesma») estende-
-se mesmo às mulheres negras, cujo sucesso pessoal depende de
cabelos desfrisados e pele aclarada. No entanto, deve recordar-se
que existe uma diferenciação entre as diversas classes e idades, dado
que as mesmas firmas produtoras visam cuidadosamente as diversas
fatias de mercado.,
Tais processos apoiam-se largamente nos meios de comunicação
de massa, como os periódicos, a publicidade, o cinema; e é sobretudo
este último que reforça a «cultura da beleza». Nos anos 20 e 30 saem
dos estúdios de Hollywood imagens femininas de grande carisma,
encarnadas por actrizes que foram definidas como precursoras
das reivindicações de independência das mulheres17. Também aqui
é interessante notar que algumas das personagens femininas mais
completas emergem como produto de uma convergência — típica
da produção de massa — de fenômenos muito diversos: a tecnologia
de Hollywood, as características promocionais do studio-system*,
uma visão do mundo sexista, mas capaz de integrar o desejo de afir-
mação de muitas mulheres.
O vedetismo foi mesmo a principal correia de transmissão dos
modelos norte-americanos na Europa do período entre as duas
guerras. Os filmes ofereciam lições práticas de moda, de maquilha-
gem e de comportamento, num período em que tudo aquilo que era
inovador e moderno se identificava com os Estados Unidos18. A
promoção de um novo tipo de mulher ligada ao mundo do consumo
teve, segundo alguns, uma influência emancipatória, pelo menos até
à Segunda Guerra Mundial,"pelo facto de apoiar comportamentos e
relações sociais por parte das mulheres mais livres do que no pas-
sado". De um modo mais genérico, Edgar Morin (1957) sustentou
que a influência das stars pôde encorajar tanto um recuo narcísico
como uma afirmação de si20.

* Sistema de produção cinematográfica dominado pelas directrizes dos grandes


estúdios (N.R.).
Mulheres, consumo e cultura de massas 389
lulheres, criação e representação
No velho continente, os processos de modificação do trabalho
doméstico e da imagem feminina estavam em curso de um modo
autônomo em conseqüência das grandes mudanças econômicas e de
consumo induzidas pela Primeira Guerra Mundial. Se tomarmos
como referência» França, país medianamente desenvolvido na época,
encontramos tendências tais como a exigência do trabalho fora de
casa, mesmo para as mulheres da burguesia31. A necessidade de sim-
plificar as tarefas domésticas conjuga-se com a introdução da elec-
tricidade e a adopção generalizada do gás, promovendo uma evolu-
ção que se destaca do universo tradicional entre 1927 e 1932, apesar
da crise econômica. Na década seguinte emerge — sobretudo em
Paris — um novo modo de vida que inclui uma atenção inusitada à
higiene da casa, a alteração dos hábitos alimentares (das refeições
de longa e complicada preparação às refeições de queijo e crudités*),
a diminuição do número de criadas. Em 1939, o progresso técnico
da casa limita-se aos pequenos aparelhos. Mas a imagem da casa
mudou, bem como a da mulher* que à noite deve aparecer sorridente
e atraente, bem vestida e maquilhada. Em suma, mudaram aspectos
culturais fundamentais, mesmo que apenas no âmbito de uma visão
ideológica do papel feminino. Não foi por acaso que a indústria de
cosméticos se impôs também em França no decurso dos anos trinta.
A imprensa feminina reflecte e ao mesmo tempo estimula estas
mudanças. Em 1937, a nova revista Marie-Claire, com uma tiragem
de 800000 exemplares, põe os tratamentos de beleza ao alcance das
francesas dos meios populares22. O seu preço módico faz dela a
«Vogue dos pobres», «democratizando», também neste caso, aquilo
que antes apenas era acessível às mulheres de um estrato social mais
abastado. O ideal de energia, alegria, higiene, assim como uma gra-
ciosa coqueteria e uma forma de independência, não segue apenas o
exemplo americano oferecido por Bette Davies e Katharine Hepburn,
mas representa uma interpretação das novas necessidades que utiliza
a tradição francesa do fascínio e da liberdade da mulher. É interes-
sante recordar que, apesar da predominância do modelo americano,
a cultura de massas usa a referência constante a um modelo «outro»,
inacessível; no período entre as duas guerras ele é certamente, para
a publicidade mericana, o modelo da mulher francesa, a ponto de
muitos dos produtos americanos serem apresentados como uma
recuperação de práticas oriundas de Paris.
No final da década de 1930 afirmam-se, em França, formas típi-
cas de meios de comunicação de massa dedicados às mulheres: a
partir de 1938 aumenta e generaliza-sé o correio do coração; do
mesmo ano data Confidences, que adopta uma nova fórmula. Reco-
nhecendo a solidão das mulheres, o jornal abre as suas páginas a

• Verduras (N.T.).
Mulheres, consumo e cultura de massas 391

confidências que se mantêm anônimas, mas permitem uma circulação


de relatos autobiográficos que deixam transparecer o sofrimento das
mulheres no decurso das grandes mudanças já evocadas. Em 1939
Çonfidences consegue ultrapassar largamente o milhão de exem-
plares23. Todos os processos descritos experimentarão uma fase de
interrupção durante a guerra, mas serão retomados e desenvolvidos
na sf gimda /inc anos 40 e na década seguinte.
É interessante considerar o que, no mesmo período entre as duas
guerras, se passa num país como a Itália, que se diferencia dos dois
até agora abordados não só por um diferente nível de desenvolvimento
econômico—dada a sua peculiar mistura de grave atraso e de indus-
trialização avançada —, mas também por um regime autoritário e
por uma débil tradição democrática. Em Itália, as propostas de ino-
vação do papel feminino dispunham-se ao longo de um eixo contra-
ditório, e todavia funcional, em relação à ordem constituída, embora
não sem conflitos. As propostas do regime fascista balançavam
entre a uniformização das mulheres nas suas organizações de massa
(até mesmo no sentido literal, graças ao uniforme que vestiam) e a
construção da dona de casa, «esposa e mãe exemplar»24, capaz de
suportar todo o peso que uma política de expansão demográfica c
imperialista comportava. A mulher devia modernizar-se, mas também
produzir muitos filhos e providenciar a alimentação e o vestnrio
para toda a família com os recursos de uma economia autáicica:
fibras de giesta e de urtigas em lugar do algodão, lanital* em vczdc
lã, lenhite em vez de carvão. A essas contradições juntavam-se as
que eram próprias de um país de tradição fortemente católica, onde
a Igreja de Roma via com maus olhos a integração dos jovens e das
mulheres nas organizações fascistas — apesar do apoio da hierar-
quia eclesiástica ao regime — e criticava asperamente aspectos
como o desporto praticado pelas mulheres, comparando-o aos diver-
timentos, à libertinagem e à «frivolidade» que atraíam a mulher para
fora do lar23.
A funcionalidade destas indicações contraditórias — pelo menos
das duas primeiras, as que podemos definir como saídas do processo
de modernização capitalista e as sugeridas mais directamente pelo
regime autoritário — fica demonstrada na prática da sua realização.
É evidente que a mulher italiana não podia ser consumidora e admi
nistradora de recursos comparáveis aos das americanas e das france-
sas (considerando as diferenças sociais e regionais internas dos
vários países). Aquilo que se afirmava era sobretudo uma forma de
modernização repressiva, cujos custos eram largamente suportados
pelas mulheres, quer das classes trabalhadoras (pela compressão dos
salários e pela severa disciplim industrial), quer das classes n i f o

* Li sintética nrilirenfa durante a c a fascista (Nota da trtdnçio francês}.


e representação
(pelas crescentes prestações exigidas à nova dona de casa). Do con-
junto de mutações parciais, que incluíram, na segunda metade dos
anos 30, maior assistência social e mais tempo livre mesmo para as
classes trabalhadoras mas que aconteciam no quadro institucional
da ditadura, resultava uma mudança profunda nas relações entre o
público e o privado.
Assistia-se a uma invasão da esfera privada pelo poder público,
que para as mulheres implicava, não só o afrouxamento dos vínculos
familiares, ou pelo menos um conflito em relação a eles (a nova ita-
liana das manifestações políticas e desportivas nem sempre benefi-
ciava da aprovação de pais e irmãos, e até mesmo da mãe, se esta
fosse uma católica devota), mas implicava também colocar a própria
capacidade reprodutora à disposição do Estado, que evidenciava
como nunca o tinha feito antes a função pública das mães, ainda que
de um modo perverso e contra as resistências das mulheres26. Se o
privado era manipulado, o público perdia as suas características de
esfera de troca de opiniões livres para se tomar cada vez mais um
domínio gerido por administrações e corporações; ao mesmo tempo,
a fronteira entre o público e o privado deslocava-se sob a pressão de
uma publicidade política e comercial que tendia a condicionar as
escolhas dos indivíduos. Esses fenômenos assemelhavam-se, embora
com as suas especificidades, aos processos de modernização em
curso nos sistemas democráticos, e antecipavam as grandes mudanças
na relação público/privado que viriam a dar-se depois da Segunda
Guerra Mundial, inclusive na Itália.
O que acontecia ao indivíduo-mulher no decurso de tais processos
de massificação pode ser intuído a partir de um romance que repre-
senta um caso particular no panorama italiano da época: Nascita e
morte delia massaia, de Paola Masino. Escrito em 1938-39 e recu-
sado, já em provas, pela censura fascista, que o considerou «derrotista
e cínico», o livro conta uma história de mulher que começa pelo
conflito com a mãe na época da infância e da adolescência. A filha,
«poeirenta e sonolenta», está obcecada pela sua busca de saber:
«Tudo tem uma razão e eu devo descobri-la»; é entravada e vili-
pendiada pela mãe, a tal ponto que a pequena Massaia se fecha
durante anos dentro de um baú. Porfimcede, e aceita «experimentar»
— para dar prazer à mãe — «uma vida normal» em vez de prosseguir
«na sua verdade». A mãe, feliz, descreve-lhe a sorte que a espera:
«Far-te-ei um belo vestido, levar-te-ei a um cabeleireiro, serás lavada,
maquilhada». Massaia* casa-se e toma-se o que dela se espera,
ocupando-se obsessivamente da casa, bem como dos seus compro-
missos sociais e políticos, até obter o «diploma de cidadã benemé-
rita» e ser «proclamada Exemplo Nacional». A narração usa tons

* Massaia significa dona de casa (N.R.).


Mulheres, consumo e cultura de massas 393
grotescos e por vezes surrealistas, que acentuam a ironia da reali-
dade social. O mal-estar de Massaia e as suas revoltas, sem esquecer
a hipérbole com que afronta tudo isso, aparecem continuamente
lado a lado. Citarei um único exemplo, onde Massaia manifesta a
sua nova obsessão pela higiene, precisamente ela que outrora,
«inculta», negligenciava a limpeza. De um começo que faz lembrar
a publicidade sobre a nova dona de casa,
deslizando suavemente sobre o pavimento brilhante como um espelho [...]
com as belas saias brancas abertas em tomo dela como velas,
passa-se para a descrição das tentativas que faz para verificar, com
as pontas dos dedos, se ainda restam traços de poeira no pavimento.
Finalmente, para um exame mais apurado, Massaia
não teve pejo em lançar-se de joelhos e lamber escrupulosamente o pavi- \STI SPl MANTE m m ^
mento duas ou três vezes. A língua deslizava para a frente e para trás no
mármore brilhante e um odor picante, como o do mosto, subia das juntas Em Itália, as revistas femininas
das lajes; um fermento gelado, uma vaporização de morte mineral, um são um grande negócio: em algumas
formigueiro de germes estelares, o anúncio de embalsamados universos. A delas a publicidade supera 50% do
ponta da língua, feita em gelo, tinha-se soldado ao pavimento, mas a conteúdo total. As imagens
publicitárias convidam a sonhar,
mulher permaneceu assim, com o rosto no chão, a cheirar e a respirar o promovem a identificação e novos
sopro da pedra27. valores e normas.

Entre as alterações na relação entre o público e o privado inserem-


-se os fenômenos da cultura de massas propriamente dita. Nos anos
trinta alarga-se enormemente, também em Itália, o público radiofô-
nico, que passa dos 27000 assinantes de 1926 para os 800000 de
1937. Ao mesmo tempo multiplicam-se as publicações destinadas
às massas e não apenas as dos periódicos das organizações fascistas,
cuja tiragem atingia centenas de milhares de exemplares. No período
1930-1938 nascem cinco das mais importantes revistas femininas
que irão permanecer depois da guerra (Rakam, Annabella, Eva, Gioia,
Graziá), algumas das quais ainda hoje existem. Nessas revistas
encontra-se a presença conjunta dos elementos reaccionários e dos
elementos progressistas da política fascista a respeito das mulheres;
em comparação com os anos vinte, há uma intensificação e uma
expansão dos espaços publicitários, incluindo a propaganda dos
produtos autárcicos. Os periódicos de massa destinados ao público
feminino não conseguem apagar a divisão em classes; os que se
destinam aos estratos sociais mais baixos utilizam uma linguagem
simples e acessível, já que não devemos esquecer que no período
entre as duas guerras a grande maioria das mulheres italianas é
«semi-analfabeta»28; em 1921, o analfabetismo feminino atinge 30,4%
contra 24,4% do masculino29. Todas as revistas contêm rubricas sobre
o amor, os trabalhos domésticos, a família, a religião, a cozinha, os
horóscopos, os sonhos. Algumas, como Cinema Ubtstraáone, incluem
indiscrições sobre a Cinecittà (estúdios cinematográficos italianos);
lulheres, criação e representação
ao lado das estrelas aparecem (por exemplo em Eva) as personagens
da Casa Real e o Duce com a sua Família. A narrativa apresenta
figuras como a mãe heróica que não chora se o seu filho morre na
guerra, antes lhe aponta com firmeza a defesa da pátria, mas também
costureiras, empregadas, mulheres desportivas empenhadas nas
corridas fascistas, com papéis de protagonistas por vezes heróicas,
como no caso dos romances sobre o novo colonialismo italiano; de
qualquer maneira papéis mais activos, embora de um modo ambíguo,
se comparados com o sacrifício silencioso tradicional.
Também em Itália, tal como se observou já em França, a Segunda
Guerra Mundial interrompe processos que serão retomados visto-
samente nos anos cinqüenta. Tal retoma é sobretudo evidente no que
respeita à imbricação entre modelos culturais e consumo. Apenas
nos anos cinqüenta se realizará plenamente em Itália o modelo do
consumo de massa, com o acesso de um número crescente de utentes
a bens como os televisores, os electrodomésticos, o automóvel. As
mulheres terão uma função de leadership* no campo dos novos con-
sumos, que incluirão amplamente o campo da cosmética mas também
o da higiene, o do vestuário e o da casa. Tomou-se famosa a análise
do sociólogo Alberoni sobre o significado para as jovens da Itália
meridional da preferência pelas novas camisas de noite em mate-
riais sintéticos e transparentes em detrimento das do enxoval tra-
dicional:
Que sentido têm para uma rapariga as novas camisas de noite que ela
viu numfilme?Adoptá-las, ou mesmo só pensar nelas é coisa que implica
a revolta. O enxoval na sociedade estacionária é fixo e imutável [...] é a
expressão, com a sua cor branca e a austeridade das suas peças de roupa
íntima, dos deveres austeros, e dos valores comunitários ligados ao casa-
mento. Comprar uma tal camisa, preferi-la à outra, é uma revolta; é, de
súbito, retirar ao enxoval todo o seu valor patrimonial e por conseqüên-
cia alterar a forma-institucional do dote [...] nos consumos femininos
exprime-se a conquista de uma igualdade de valor relativamente ao homem.
Mais do que o homem, a mulher tem a necessidade de se sentir uma cidadã
de novo direito na nova sociedade30.
Pode ser discutível atribuir ao consumo uma tal força de inser-
ção numa comunidade moderna e mundial, em ruptura com as
comunidades locais e tradicionais; poder-se-á hoje, à distância de
quase trinta anos, moderar a euforia das análises observando os
limites da emancipação do gênero. No entanto, essas análises resis-
tem nas suas grandes linhas e no seu significado de fundo, recor-
dando-nos a importância de considerar o contexto histórico e
geográfico das mudanças culturais para as poder avaliar de um
modo apropriado.

• Liderança (N.R.).
Mulheres, consumo e cultura de massas 395

Apocalipse e integração
No debate entre especialistas da cultura de massas aparece desde
há algum tempo a oposição que Umberto Eco definiu em 1964
«entre apocalípticos e integrados», advertindo que a fórmula não
sugeria uma aporia, mas combinava duas atitudes complementares.
adaptáveis aos mesmos críticos, e antes ainda à cultura de massas.
Também os intérpretes do apocalipse, que a consideram como uma
catástrofe para os valores culturais, prometem sobre um tal fundo
uma comunidade de super-homens. Mas isso está já implícito no
objecto criticado: típica da cultura de massas, segundo Eco, foi
sempre a tendência para fazer cintilar aos olhos dos utentes, a quem
se pede uma «mediania» disciplinada, o sonho do super-homem que
poderá um dia nascer de cada um de nós, dadas as condições exis- O desenvolvimento da imprensa
feminina adquire dimensõu
tentes e precisamente graças a elas31. surpreendentes. Nela, além da
A indicação mais preciosa que emerge desta análise confirma o cozinha, costura, malha, maquilhagem
e roupa, abrem-se secções sobre a
que várias vezes encontrámos no decurso do parágrafo precedente: educação dos filhos e de correio das
a dualidade de produções culturais que de vez em quando alimentam leitoras, onde as mulheres exprimem
grandes esperanças de inovação, dando afinal respostas em perfeita as suas preocupações.

conformidade com o respeito pela ordem estabelecida. A duplici-


dade depende das condições históricas em que se deu a ascensão das
classes subalternas à participação na vida pública; elas tomam-se
protagonistas, mas sem poderem decidir sobre os modos de se
divertir, de pensar, de imaginar, propostos ao invés pelos meios de
comunicação de massa. Tudo isto se acentua mais se tomarmos em
consideração os pontos em que a história das mulheres se cruza com
questões idênticas.
Para o evidenciar escolhi um domínio específico: o da imprensa
feminina, por um lado porque é um dos sectores mais documentados,
em especial nos países até agora abordados, e por outro porque isso
faz parte de uma história longa e muito significativa para as mulheres.
Convirá recordar, de facto, que a partir do século XVII a cultura
europeia admitiu as mulheres na esfera pública no plano da literatura
e do espectáculo (o romance, o teatro), mais do que no da política.
A imprensa feminina tem portanto, de uma maneira mais continuada
do que outros sectores, como o cinema, um relevo no plano histórico
e teórico que não é reduzido pelas suas numerosas ambigüidades.
Antes de nos aventurarmos num excurso pela imprensa feminina de
massas, é útil situá-la, ainda que muito brevemente, num contexto
mais amplo e frisar que o fenômeno diz respeito às civilizações da
Europa e da América do Norte. A nível mundial, os dados sobre o
analfabetismo das mulheres para o período considerado neste
parágrafo são impressionantes: cerca de 40% em 1970, contra 28%
dos homens, com pontas de 83% em África (e 63% para os homens),
de 57% na Ásia (37%), de 85% nos estados árabes (60%). Para
lulheres, criação e representação
todas estas mulheres — que são mais de um terço das mulheres do
mundo inteiro — a imprensa tem na verdade pouca importância;
menos de um quarto vê televisão; o público feminino mais vasto
a nível mundial é o da rádio. Mas a história das mulheres tem
até agora produzido menos no sector radiofônico que no da
imprensa.
Estas considerações podem ser úteis para redimensionar os termos
«massas» e «de massa». Chamámos a atenção para o facto de que
eles têm um valor no plano das potencialidades; devemos acrescentar
que não se referem apenas, no uso corrente, a aspectos quantitativos,
mas também a aspectos qualitativos. Queremos com isso dizer que
a cultura de massas não é produzida por intelectuais e que é destinada
a uma massa social, ou seja, um aglomerado aparentemente não
diferenciado em classes e áreas geográficas. Ao lado das culturas
clássicas, radicadas num povo particular, a nova forma cultural
parece nascida dos meios de comunicação de massa, sem raízes
locais definidas".
Voltando à imprensa feminina, ela aparece no final do século
XVn (o Lady's Mercury nasce na Inglaterra em 1693), mas os aspec-
tos de massa manifestam-se no final de oitocentos. Expressam-se
claramente pela primeira vez em 1886, quando Laura Jean Libbey
propõe a um jornal americano «histórias de amor jovens, puras, inte-
ligentes [...] histórias para as massas»33. A expansão produz-se nos
anos entre as duas guerras, mas sobretudo no segundo pós-guerra,
quando a imprensa feminina se toma um sector «gigantesco» que
contará com dezenas de milhões de leitoras34. Esta mesma difusão
alarma rapidamente os «apocalípticos», cujos olhos detectam a típica
presença simultânea de arcaico e de grande escala que já tinham
notado nos anos trinta os críticos da massificação, de Ortega y
Gasset a Horkheimer.
Quando Gabriella Parca publicou, em 1959, Le italiane si con-
fessano (As italianas confessam-se), uma antologia de 8000 cartas
recebidas nos três anos anteriores no correio dos leitores ou correio
do coração de dois semanários ilustrados, L'Osservatore romano (o
diário do Vaticano) expressou grandes preocupações pelo facto de
tantas mulheres parecerem agora preferir o correio dos periódicos
femininos ao confessor. O livro revelava dúvidas, medos, obsessões,
insatisfações, e ao mesmo tempo dificuldade em mudar, das mulheres
italianas, não como espelho fiel do costume social — se acaso ele
existe — mas no interior de um específico reino do imaginário que
era o mundo da fotonovela. A linguagem era da mesma natureza e
era utilizada sobretudo para exprimir um dos caracteres nacionais na
sua forma feminina: a obsessão pelo sexo, acompanhada pela igno-
rância do próprio corpo, mais ainda do que pelo encontro com um
outro corpo. Todo o conjunto mostrava o cruzamento entre velho e
Mulheres, consumo e cultura de massas 397

novo em que as italianas viviam, penosa mas vigorosamente. A


terceira edição do livro foi publicada em 1966, com um prefácio de
Pier Paolo Pasolini, a quem não escapou que cada carta continha
uma idéia «para um conto ou para um filme», isto é, para o mundo
que emprestava a linguagem às novas confissões. Mas também ele
se deixou levar por uma misoginia de tipo apocalíptico, confundindo
a reescrita operada pelas redacções das revistas com o sinal de um
nivelamento lingüístico produzido pela cultura de massas, e interpre-
tando-o simplesmente como uma «incrustação superficial de moder-
nidade», sob a qual «nos encontramos imediatamente em estratos de
civilização inferior», onde campeia a «tendência feminina para o
conservadorismo»35.
As atitudes a respeito da imprensa feminina, sobretudo a de grande
difusão,reflectemo mal-estar dos investigadores e das investigadoras
progressistas que sobre ela se debruçam analiticamente; mas nas
últimas décadas houve uma súbita evolução. No início dos anos ses-
senta abandona-se o desprezo pelas formas de cultura de massas e
começa-se a considerá-las com interesse; contudo, mantêm-se os
sinais de uma atitude muito crítica. Mesmo Evelyne Sullerot, embora
muito atenta aos aspectos positivos da imprensa feminina, fala de
«uniformidade na futilidade e na mediocridade»36, reconhecendo logo
em seguida a responsabilidade dos intelectuais, o seu snobismo e o
seu medo da quantidade. Sullerot admite que o público feminino é
o mais conservador que existe, mas lembra também que as mulheres
lêem muito e, no que respeita aos meios populares, mais do que os A supressão do divórcio é recusada
homens. A moral estabelecida, que a imprensa de massas respeita em Itália, em 1974, por 59% dos
votos. Na imagem, uma defensora do
com um leve distanciamento, parece ser a única que garante às divórcio. Alguns autores assinalam a
mulheres uma certa segurança. influência que a imprensa feminina
teve na formação de opinião. Roma.
Dez anos depois, uma intérprete «apocalíptica», Anne-Marie Dar-
digna37, reprovar-lhe-á a excessiva «integração» contrapondo uma
crítica áspera ao caracter mistificador da imprensa feminina. Nessa
imprensa, a mulher ideal aparece como passiva, disponível, corrupta,
interessada em manobrar os homens, considerados apenas como
maridos. Segundo Dardigna, a mensagem é nitidamente distinta con-
forme a classe a que é dirigida: às mulheres dos estratos sociais
modestos os periódicos femininos propõem uma ideologia norma-
tiva e sem apelo; às dos estratos abiastados ou médios propõe-se uma
interacção permanente com as revoltas reais das mulheres, habil-
mente recuperadas. As revistas femininas sugerem sempre que a
libertação das mulheres está em marcha, e mesmo quase consumada.
A influência opressiva da imprensa feminina é, nesta análise de
valor, inestimável para o poder estabelecido, uma vez que contribui
para manter um horizonte no qual a palavra é desviada do real: a
formulação da «miséria» feminina e da revolta radical que ela pode
gerar nunca aparece como verdadeiramente possível.
lulheres, criação e representação
Estes tons apocalípticos, que trazem um eco de 1968 e do femi-
nismo do início dos anos setenta, não são de rejeitar completamente.
A sua principal debilidade é a ausência de perspectiva histórica, mas
os estudos sobre as mulheres conservarão alguns ecos da sua crítica.
Em meados dos anos setenta, também em Itália se iniciou uma via
que combina a abordagem histórica com a crítica da ordem patriarcal.
São postos em evidência, como Sullerot tinha de resto começado
a fazer, os interesses econômicos em causa: em Itália, a imprensa
feminina é o ramo mais sólido e florescente da indústria cultural de
massas, tanto que em muitas revistas a publicidade supera 50% do
total (de 1953 a 1963 o número de páginas a ela consagrado aumen-
tou para o dobro, em certos casos para o triplo). Nas publicações
femininas, a publicidade custa quase uma vez e meia mais do que
nas dirigidas a um público misto38. Na realidade, também o público
da imprensa feminina é misto, calculando-se que tenha cerca de
vinte milhões de leitores, 30% dos quais são homens. Toda esta
enorme fatia de mercado é controlada por um oligopólio: quatro
grupos editoriais possuem mais de três quartos dos títulos39. Por outro
lado, acentua-se a consciência do papel da mulher na produção
cultural e sublinha-se a importância do processo que leva as mulheres
que operam em sectores como o da informação a tornarem-se mais
numerosas e mais solidárias entre si40.
Particulaimente difícil é enfrentar a produção mais popular no
interior desse universo que é, na Itália do segundo pós-guerra, a
fotonovela, fenômeno de grande expansão, mas também exemplo de
obstinada permanência ideológica. Na realidade, ela nasce de uma
inovação, embora híbrida: combina de facto as técnicas do cinema
e da fotografia com a banda desenhada, enxertando-as na tradição
do folhetim. Conhecerá uma ampla difusão na imprensa feminina
latina (incluindo a América do Sul), mas aparece em Itália em 1946,
inicialmente com gravuras desenhadas (Grand Hotel) e depois, em
1947, com fotografias (Bolerofilm,Sogno). Segundo parece, no início
da sua história a fotonovela teria encontrado ainda lugar no âmbito
comunitário (como teria mais tarde acontecido com a televisão): nas
aldeias mais recônditas, ao domingo, alguém lia em voz alta os
diálogos, enquanto as pessoas que pouco ou nada sabiam ler (por
exemplo as anciãs) seguiam a história através das imagens41. Em
seguida teria prevalecido a leitura solitária e a feminização, no
entanto nunca total, do seu público. De 1946 até ao final dos anos
setenta foram produzidas em Itália pelo menos dez mil fotonovelas,
particularmente difundidas entre os jovens; os títulos incluíram
versões reduzidas de grandes romances como / promessi sposi* e
Tess d' Urbervilles. Dadas as características do meio e da sua fruição,

* Oi noivas (de Alessandra Iganzoni) (N.R.).


Mulheres, consumo e cultura de massas 399

que acentuam a separação da realidade em favor da evasão, a presença


da publicidade é muito escassa; os temas predilectos continuam a
ser a infelicidade secreta das personagens famosas, as vicissiiudes
dignas de compaixão ligadas à maternidade e à infância, os destinos
radiosos da gente comum42.
Da desvalorização «apocalíptica» de tais publicações passou-se
ao reconhecimento de que elas respondiam a uma «necessidade
profunda» e eram capazes de exercer «uma função na economia
psíquica», como momento de jogo43; ou então a considerá-las não
apenas como momentos de evasão, mas também de afinação da
sensibilidade44. Esta mudança insere-se numa nova perspectiva his-
tórico-política que controla por exemplo a posição a favor do divór-
cio de algumas importantes revistas femininas (como Grand Hôtel,
Cosmopolitan, Amica, Annabellá), por ocasião do referendo que
pretendia a sua revogação, rejeitada em 1974 por 59% de votos.
Alguns comentadores atribuíram essa escolha a considerações de
mercado; reaparecia pois, de uma forma nova, a conexão proble-
mática entre o mercado e o consumo, por um lado, e a emancipação,
por outro.
As mais interessantes tentativas para conciliar a crítica apoca-
líptica e a perspectiva historicizante da integração ocorrem na década
de oitenta, em particular com as análises sobre a produção massificada
de fantasias para as mulheres nos Estados Unidos. Não se traçou
apenas uma linha de derivação histórica que liga a produção em
massa de romances de amor (tipo Harlequin, iniciados em 1958 em
Toronto e que atingiram, em 1977, uma difusão de cem milhões de
exemplares) ao romance sentimental dos séculos XVIII-XIX, através
da Pamela de Richardson e das obras das irmãs Brontê e de Jane
Austen45. Investigaram-se também os mecanismos psicológicos que
esclarecem a predilecção de muitas mulheres por tal literatura. Tania
Modleski pôs em relevo inversões — graças às quais, por exemplo,
o desejo de ser tomada à força é apenas um conteúdo expresso sob
o qual se esconde a angústia da violação e o desejo de poder e de
vingança (conteúdo latente) — e propôs interpretações que apro-
veitam a experiência feminista. A esta luz, o «acto de desaparecer»
que as mulheres praticam quando lêem a literatura de evasão sugere
que elas desejam, na realidade, ser vistas de um modo novo. Janice
Radway insistiu na importância, por parte de quem interpreta, de
não relegar as leitoras para a passividade e para a impotência. A
investigadora reconhece a duplicidade de actos que incluem a
momentânea recusa do papel social de abnegação, mas também a
compensação que permite redefinir um espaço e não contestai esse
papel. Sublinha no entanto que em última análise os textos são
escolhidos, comprados, concebidos e usados por pessoas que iowestem
nessas acções as suas necessidades, os-seus desejos e as soas
lulheres, criação e representação

estratégias intapretalivas. A comunidade de leitoras — e de autoras


— que assim idealmente se constitui deve no entanto submeter-se à
mediação da ocganização capitalista, que inclui a distância entre elas
e entre os seus desejos de mudança e de aceitação.
Apesar das diferenças que revelam entre si, as perspectivas que
orientam estas análises da imprensa feminina podem ser alargadas a
outros sectores da cultura de massas. Modleski aplicou também o
seu método às soap operas*, condhmido qae a fantasia de uma família
extensa não está de modo algum em contradição com o discurso
feminista, o qual pode assim retomar e reelaborar um desejo de
comunidade qae desafia os valores tradicionais mesmo quando parece
reafirmá-los. A um olhar sem preconceitos a cultura de massas pode
ainda reservar algumas agradáveis surpresas, como aconteceu a
Milly Buonamo, numa análise dos programas italianos de televisão,
no início dos anos oitenta. A investigação demonstrou que as críticas
endereçadas aos programas de carácler informativo-cultural eram as
mesmas que eram detectadas em investigações idênticas sobre a
televisão nos Estados Unidos: desvalorização e distorção da figura
feminina em relação à masculina. Mas nos programas de fiction**
descobriu-se, quase com estupefacção por parte da investigadora,
que a relação homem/mulher não era de modo algum refigurada
como de domínio, e que uma pluralidade de identidades femininas
emergia. A fiction alimenta os processos de diferenciação dos per-
cursos femininos, propondo modos variados e legítimos de ser
mulher, abrindo espaço a uma transformação dos velhos papéis e
estereótipos'".

Do conjimto deste excurso pode extrair-se uma brevíssima refle-


xão. Nunca como hoje parece abrir-se a um número crescente de
mulheres a possibilidade de serem sujeitos em sentido pleno, quer
individualmente quer de um modo associativo. O processo parece
longo e complexo, quer no que respeita à plena realização das
esperanças de emancipação e descoberta de si nos países do Norte
quer no que respeita à invenção e alargamento dos processos de
libertação adequados à maioria das mulheres do planeta. Não é
necessário, mas paradoxalmente aconteceu t ainda acontece, que os
processos de auto-afirmação passem pela massificação e pela
uniformização. Mas estas, por uma ironia freqüente na história,
podem muito bem produzir o seu contrário.

[Traduzido do italiano por Egito Gonçalves.


Revisão científica de Guilhermina Mota]

* Ópera de aabão. Nome por que fiavam conhecidas as telenovelas nos Estados
Unidos (NJL).
*• Ficção « C f . ) .
Mulheres, consumo e cultura de massas 401

Notas
As referências completas estão assinaladas na bibliografia.
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