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Bas’Ilele Malomalo
e Carlos Henrique Lopes Pinheiro
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Neste trabalho faz-se referência aos países de África subsariana (ASS) tendo em vista a existência
de elementos históricos comuns que são analisados neste trabalho.
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Alguns países tiveram a independência nos anos de 1950, mas na década de 1960 a maioria dos
Estados africanos saiu formalmente da colonização europeia.
Francisco Patrício Esteves
Introdução
O continente africano entra no século XXI sem atingir uma robusta e diversificada
economia. A dependência de matérias-primas levou o continente à subordinação dos grandes
centros financeiros ocidentais. África conseguiu alcançar a sua descolonização política,
entretanto, falhou no que diz respeito à sua independência económica.
Em 1963, quando da fundação da OUA4 em Adis Abeba, um grupo de governantes
africanos declarou que seria seu dever colocar recursos naturais e humanos do continente a
serviço do progresso geral do seu povo em todos os domínios da atividade humana. Essa
resolução foi reiterada por mais de uma década. Depois, em 1979, na cidade de Monróvia, as
lideranças africanas comprometeram-se, com a chamada Declaração de Monróvia, em promover
o desenvolvimento económico e social, bem como a integração das economias com vista a
expandir a capacidade de favorecer o desenvolvimento endógeno e autossustentado. Um ano
depois, em Lagos, os africanos projectaram o futuro do continente nos 20 anos subsequentes,
através do que foi conhecido como Plano de Ação de Lagos, objetivaram criar, até ao ano 2000,
uma Comunidade Económica Africana, com a finalidade de garantir a integração económica,
cultural e social do continente (M´BOKOLO, 2011).
Todavia, chegando ao ano 2000, constata-se o incumprimento de todas as promessas
feitas. O continente ainda apresentava características típicas de economias coloniais.
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Possui graduação em Ciências Econômicas pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (1998), Mestrado
em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (2002) e Doutor em História Social pela UFRJ. Atualmente é
Professor do Instituto Superior Politécnico de Tecnologias e Ciências (ISPTEC). Tem experiência na área de
Economia, com ênfase em História do Pensamento Econômico e Sistemas Econômicos atuando principalmente nos
seguintes temas: Desenvolvimento Econômico, Economia Brasileira, Desigualdades Sócio-econômico e Étníco
Racial, Economia de Angola e História Económica da África. Email: francisco.esteves@isptec.co.ao
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Organização de Unidade Africana
Quando se deu início às independências dos países africanos 5, as suas economias eram
semelhantes a de muitos países asiáticos. Entretanto, os asiáticos actualmente pertencem a
grupos de países recentemente industrializados e África continua dependente de matérias-primas
e, pior, perdeu a capacidade de garantir a sua própria subsistência. Por que a persistência do
subdesenvolvimento em África? em que as lideranças africanas fracassaram?
Algumas interpretações têm sido difundidas em relação às causas e a persistência do
subdesenvolvimento, o fracasso das lideranças africanas, bem como as propostas para a
superação da crise permanente no continente.
Dado o exposto, o objetivo deste artigo é, a partir da análise da inserção do continente
africano na economia-mundo, apresentar as diferentes interpretações que explicam as razões do
seu subdesenvolvimento e verificar de que forma estas influenciam na manutenção do atraso
económico e social do continente. A pesquisa é de cunho bibliográfico, já que a literatura
existente referente à história económica do capitalismo e do continente africano serviu de
alicerce na elaboração do trabalho.
Para isso, os argumentos centrais estão estruturados em torno de três unidades: a
primeira discute a inserção e o papel do continente africano na economia-mundo, desde o
mercantilismo até aos dias actuais. A ideia é ilustrar a origem da economia primário-exportadora
que caracteriza a maioria das economias africanas e a razão do seu subdesenvolvimento. A
segunda parte foca como algumas interpretações explicam o subdesenvolvimento africano a
partir desses eventos históricos que África viveu e vive, sendo a parte derradeira reservada as
conclusões.
África na Economia-Mundo
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Alguns países tiveram a independência nos anos de 1950, mas na década de 1960 a maioria dos Estados africanos
saiu formalmente da colonização europeia.
erradicar. Como disse o historiador KI-Zerbo: “Fomos classificados como figurantes, isto é,
como utensílios e segundas figuras para pôr em destaque os papéis dos protagonistas” (KI-
ZERBO, 2006).
poderia tentar a vida de outra forma, criando problemas para o fluxo de mão de obra para a
empresa mercantil (FAUSTO, 1996).
A adoção de mão de obra escrava em detrimento de mão de obra livre ou nativa deveu-
se, principalmente, à falta de excedente populacional na metrópole e ausência de uma oferta
adequada de mão de obra indígena na colónia (PRADO JÚNIOR, 1981).
Para Marquese (2008) os índios foram os primeiros a serem submetidos ao trabalho
escravo. Entretanto, dois eventos obrigaram os colonos a abandonar a escravidão indígena. O
primeiro foi a ocorrência de várias epidemias que dizimaram os escravos índios e o segundo era
a pressão dos jesuítas para que a Coroa portuguesa coibisse a escravização de índios. Havia
necessidade urgente de encontrar um substituto para a mão de obra indígena.
Os portugueses, por sua vez, tendo já experiência em produzir a cana-de-açúcar com o
trabalho escravo a partir das ilhas de Madeira e São Tomé no século XV (embora em escala
pequena) não tiveram dificuldades de transferir para as Américas quando se verificou a falta de
braços para a plantation (FAUSTO, 1996).
O escravo africano tornou-se parte importantíssima no processo de acumulação e
produção de capital. O cativo era economicamente lucrativo para os europeus por três razões
principais: a primeira, o africano era trocado por mercadorias e não por dinheiro, o que permitia
que o seu comprador conservasse os seus haveres financeiros. A segunda, chegando nas
Américas, o africano era vendido através de um valor monetário que apresentava uma garantia
financeira adicional. Finalmente, a sua manutenção nas fazendas exigiria custos extremamente
reduzidos comparados ao lucro que ele proporcionaria através do seu trabalho (MILLER, 1997).
O sistema colonial nas Américas possuía uma estrutura económica mercantilista que
concentrava um conjunto de relações entre metrópoles e colónias. O fim último deste sistema
consistia em proporcionar às metrópoles um fluxo económico favorável que resultasse das
atividades desenvolvidas na colónia. Em outras palavras, a economia colonial surgia como
complemento da economia metropolitana europeia, de forma que permitisse à metrópole
enriquecer cada vez mais para fazer frente às demais nações europeias.
As colónias deveriam contribuir para a autossuficiência da metrópole, transformando-se
em espaços reservados de cada potência colonizadora, na concorrência internacional com as
demais. Para isso, era preciso estabelecer uma série de normas e práticas que afastassem os
concorrentes da exploração das respetivas colónias (WILLIAMS, 2012).
Assim sendo, criou-se o que foi chamado de “exclusivo” metropolitano ou “pacto”
colonial que consistia na exclusividade do comércio externo da colónia em favor da metrópole.
Ou seja, as colónias somente venderiam seus produtos primários para a metrópole e comprariam
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Neste caso o antigo regime é o Mercantilismo.
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A discussão sobre a superioridade do trabalho livre frente ao trabalho escravo vai mais além, porém não faz parte
dos objetivos deste trabalho. Para este tema de estudo ver Rocha (1989); Mathias (2013)
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O Brasil, sendo um país economicamente dependente da escravidão, somente extinguiu de forma definitiva a
escravidão em 1888 com a Lei Áurea.
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É importante sublinhar que não são ignorados a luta de escravos pela sua liberdade, nem os movimentos
abolicionistas. Procurou-se apenas dar um enfoque mais económico nessa discussão em função do espaço.
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O continente foi “partilhado” na Conferência de Berlim (1884-1885)
fortalecer os graus de parentesco. O excedente produtivo servia para a troca, mas a produção não
era direcionada exclusivamente para o comércio.
Como resultado, houve fortes resistências por parte dos africanos à implantação da
cultura agrícola virada para a exportação. Os colonos, por sua vez, conseguiram resolver este
transtorno com a instauração do trabalho forçado e com a obrigatoriedade do pagamento de
impostos11.
Para que o continente sob domínio desempenhasse a sua finalidade, os europeus
realizaram vários investimentos em infraestruturas tais como estradas, pontes, portos, por forma
a poderem escoar as matérias-primas para a exportação.
África ficou colonizada oficialmente por quase um século. 12 Tendo em vista a sua
ilegalidade e sua barbaridade, três factores importantes contribuíram para a erradicação do
colonialismo: Primeiro, a força de oposição ao colonialismo, liderada pelos próprios africanos
que lutaram para se verem livre do jugo colonial. Segundo, a 2ª Guerra Mundial que afetou
economicamente o continente europeu e as suas grandes potências coloniais. Como
consequências as metrópoles não tinham mais condições financeiras de aguentar por muito
tempo as guerras de libertação que ocorriam no continente. O terceiro fator é a ascensão das
duas grandes potências, os Estados Unidos da América e a União Soviética que iniciaram uma
pressão internacional considerando os regimes coloniais como incompatíveis com a nova ordem
nascente13.
Com a descolonização, este discurso prevaleceu: A “África não tem condições de
caminhar sozinha, sempre vai depender da ajuda internacional”. A velha justificativa colonial de
que o homem branco tem o dever moral de educar e civilizar o continente negro. Novamente, o
“fardo do homem branco”.
Mesmo com o fim do colonialismo, o capitalismo não encerrou as suas atividades, pelo
contrário, expandiu-se, remodelou-se e perdeu sua suposta identidade fixa. Desta vez, a
exploração capitalista no continente começa a ser realizada através de atividades económicas
internacionais e acordos bilaterais que interferem na autonomia dos estados recém-
independentes da África. As novas formas de dominação se caracterizaram, não através de
políticas de Estado, mas por intermédio de negócios com a elite política do continente.
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Com essas medidas as metrópoles conseguiram resolver a questão da mão-de-obra e da monetização das suas
colónias
12
Desde a partilha até a descolonização das antigas colônias portuguesas nos anos de 1970.
13
É importante mencionar também o surgimento da ONU, a retomada dos Congressos Pan-africanos que
desempenhou um papel importante na luta pela descolonização.
A título de exemplo destes acordos bilaterais tem-se a criação da zona do Franco CFA14
em 1945 pelo General De Gaulle e, até aos dias de hoje, continua em vigor. O franco CFA
constitui a moeda única de todos os países que compõem esta zona franca15. Entretanto, este
acordo é contestado por perpetuar o controlo francês sobre as economias dos países africanos.
Um pacto colonial com uma nova roupagem.
Primeiro, a centralização das reservas de câmbio no tesouro público francês. Isto é, os
seus membros são obrigados a depositar 50% das receitas provenientes das suas exportações no
Tesouro Público francês e este, por sua vez, garantirá a convertibilidade dessas divisas em
Franco CFA e permitirá a emissão de moeda pelo o Banco Central dos Estados da África
Ocidental (BCEAO). Com essa medida, os africanos perdem autonomia do controlo monetário.
O segundo princípio é a política da taxa de câmbio fixo do Franco CFA indexado a Euro. Este
princípio constitui uma camisa de força para os países africanos que não podem implementar
nenhuma política cambial em prol das suas balanças comerciais. Por último, é a livre
convertibilidade do Franco CFA. Na verdade, é uma moeda que somente circula nos países
membros e não ostenta nenhum valor fora dessa zona franca. A convertibilidade funciona
somente entre países membros favorecendo os investimentos e as importações das matérias-
primas por parte da Estado francês e impede as trocas comerciais fora da zona CFA
(DEMBELE, 2014 ).
A descolonização política não se acompanhou de uma emancipação económica. A
“cooperação” entre a África e o ocidente é sempre desigual. Os africanos, por não possuírem
uma economia diversificada, já que herdaram do colonialismo o papel de fornecedor de matéria-
prima, enfrentam as fortes flutuações nos preços dos produtos primários e a consequente
instabilidade nas receitas, bem como a deterioração nos termos de troca que se resume na
constante baixa relativa dos preços das matérias-primas, quando comparadas àqueles dos
produtos manufaturados.
Como destaca KI-Zerbo:
Quando, juntamente com Kwame Nkrumah, Almicar Cabral e outros nos batíamos pela
independência africana, replicavam-nos: “Vocês nem podem produzir uma agulha, como
querem ser independentes?” Mas porque razão os nossos países não podiam produzir
uma agulha? Porque, durante cem anos de colonização, tinham-nos remetido para esse
papel preciso: não produzir nem sequer uma agulha, mas matérias-primas, isto é despojar
todo o continente (KI-ZERBO, 2006, p.25).
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Outrora Colónias Francesas da África e
actualmente Comunidade Financeira Africana
15
São 14 países membros entre eles dois que não foram ex colónias francesas (Guiné Bissau e Guiné Equatorial).
Após a 2ª Guerra Mundial, a escalada das duas potências mundiais (E.U.A. e U.R.S.S) 16
mostrou que cada uma possuía também seus próprios objectivos imperialistas. Outrora excluídas
da partilha da África na Conferência de Berlim e, consequentemente, marginalizadas no acesso
aos mercados, matérias-primas e áreas de influência no continente africano, essas duas
superpotências instalaram um sistema mundial bipolar que foi denominado de guerra fria. Uma
guerra em que os principais protagonistas se abstinham de recorrer diretamente às armas, mas
utilizaram um contra o outro, as mais refinadas e agressivas formas de propaganda ideológica e
intervinham no fomento de conflitos localizados em apoio, por vezes pouco dissimulados, aos
beligerantes.
Os Estados Unidos e a União Soviética passaram a apoiar os movimentos de
independência em África, interessados, principalmente, em atrair para as suas respectivas áreas
de influência os países que se tornassem independentes. Isso fez com que os africanos, desta vez,
disputassem o poder entre eles com base nas orientações políticas e ideológicas ditadas pela
guerra fria. Fragmentados por disputas ideológicas, alguns países africanos não foram capazes de
formar governos de carácter nacional e consequentemente mergulharam numa guerra civil. Em
África, a guerra não foi “fria”. O continente assumiria, desta forma, um novo papel: o de
excelente mercado para a venda de armas das duas potências.
Enquanto os EUA defendiam um regime político democrático-liberal e uma economia
inspirada no modelo capitalista, a URSS defendia um regime socialista de centralismo
democrático e uma economia coletivizada e planificada. O mundo estava dividido em dois
blocos antagónicos: capitalismo e socialismo. Os americanos e os soviéticos ampliaram os seus
domínios nas antigas colónias europeias com justificativas de “impedir o avanço do
comunismo”, por um lado, e por outro, “evitar a expansão do imperialismo capitalista”.
A guerra fria culminou em 1990 com a dissolução da URSS, deixando vários países
africanos órfãos ideologicamente e com economias dependentes da ajuda do bloco socialista.
Mas o fim da guerra partiu do fracasso do socialismo soviético, enquanto o capitalismo
ficou fortificado com a ascensão do neoliberalismo. Para muitos africanos o fim da guerra fria
representou o desfecho de apoio político e financeiro de uma das duas superpotências mundiais.
A baixa de preços das matérias-primas nos anos de 1980 e a permanência de guerras internas em
alguns países levaram as suas economias ao colapso e consequente endividamento externo.
África e o Neoliberalismo
Com a debilidade económica da URSS que era um dos parceiros principais na área de
financiamento, a ajuda não se materializou. Sem saída, e com a necessidade imperiosa de
conseguir empréstimos, esses países foram “forçados” a negociar com as instituições financeiras
capitalistas, tais como: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial que, por sua
vez, condicionaram a ajuda financeira com a mudança de regime político-económico. Ou seja,
para que os africanos “socialistas” conseguissem financiamento teriam que adotar o “laissez-
faire”.
A ideia era de que a crise nos países periféricos era consequência das políticas
estatizantes e contrárias ao mercado por elas adotadas, do que como resultado das suas
limitadas aptidões periféricas (BURATTO; PORTO JÚNIOR, 2001). Com isso, as instituições
internacionais de financiamento passaram a tomar atitudes coerentes com o objetivo de reduzir
os seus riscos. Não somente começaram a evitar a concessão de novos empréstimos, mas
também a exigir que os devedores criassem excedentes em conta corrente. Foi exigido aos países
devedores a implantação de programas de ajustamentos e reformas que promovessem
modificações nos modelos económicos.
Essa política de ajustamento foi realizada com base nas doutrinas do chamado
“Consenso de Washington”. Este “Consenso” fez parte do conjunto de reformas neoliberais que,
apesar de práticas distintas nos diferentes países, estava centrado doutrinariamente na
desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira e redução do tamanho e papel
do Estado.
Para que os países desenvolvidos tivessem maior liberdade possível de movimento e
ação, os países africanos foram orientados a abrir as suas economias seguindo as regras da
globalização numa competição totalmente desigual.
A privatização das empresas e serviços do Estado, em muitos países africanos, sem que
houvesse como contrapartida o estabelecimento de um sistema tributário, a constituição de um
poder regulatório e a aposta nos investimentos produtivos geradores de emprego, contribuíram
para uma maior informalização da economia e consequente perda de receitas por parte do
Estado.
Como resultado, hoje, nota-se o enfraquecimento das estruturas estatais com a
incapacidade de controlar regiões periféricas e a inépcia de fornecer serviços básicos ao seu
povo. Criaram-se dinâmicas clientelistas no exercício da governação, na distribuição de
16
Estados Unidos da América (E.U.A) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)
benefícios, na obtenção de lealdades grupais, motivando fortes oposições por parte de grupos
marginalizados socialmente ou etnicamente (FERREIRA, 2014).
Até aos dias atuais, os Estados africanos não conseguiram realizar reformas estruturais
nas suas economias e continuam condenados a depender das exportações das suas matérias-
primas, papel que herdaram do colonialismo. O continente vive em constante crise que se
resume no crescimento da dívida externa, queda acentuada dos preços das matérias-primas e
elevadas taxas de crescimento demográfico em busca de recursos alimentares escassos.
Essa persistência ao subdesenvolvimento fez com que surgissem muitas interpretações.
Este estudo aponta quatro (4) abordagens que justificam o atraso socioeconómico do continente
africano:
Afro-pessimismo
A afro-subordinação ocidental defende a missão do branco para tirar o negro das trevas,
tendo em vista a sua ignorância e inferioridade racial. É uma abordagem que justifica a
colonização e o neocolonialismo em África. Essa ideia tem sua origem numa vertente racista e
racialista amparada por um cientificismo característico do final do século XIX, de base
evolucionista, que possuía uma visão hierarquizada de “raça”. Um Darwinismo social que
postulava a inferioridade da “raça” negra, justificando suas teses através de supostas evidências
extraídas do atraso das sociedades africanas. Para essa interpretação, existiam sociedades
humanas superiores a outras, e que estas deveriam "dominar" as inferiores com o objetivo de
"civilizá-las" e ajudá-las no seu "desenvolvimento” (BALSANELLO, 1996).
Nasce assim a missão civilizadora europeia que, junto com o racismo serviu como
justificativa ideológica para associar o domínio colonialista à conquista e subjugação de povos
não-europeus, ligada aos valores do progresso económico, do avanço científico, da ordem
política liberal e do cristianismo. São esses valores que as potências europeias coloniais
defendiam para serem transmitidos aos nativos, selvagens, desorganizados, atrasados, incapazes
de se autogovernarem e pagãos. O “fardo do homem branco” (SERRANO e WALDMAN, 2007,
p. 207)
A afro-fragilidades dos Estados constitui na vertente que defende que a tragédia africana
estaria ligada a uma suposta fragilidade das instituições do Estado que se resume nas “más
políticas” e no “mau governo”.
A definição de fragilidade, aplicada ao processo de desenvolvimento, surge na década de
1990, sendo a designação de “Estado Frágil18” aplicada para qualificar um conjunto de situações,
17
Em Angola essa guerra durou 27 anos
18
A fragilidade do Estado exprimiu-se através de uma diversidade de denominações: Estado falido, Estado fraco,
Estado quebrado, mas o termo Estado frágil uniformizou-se internacionalmente e tem sido utilizado para referenciar
uma multiplicidade de situações e contextos.
Afro-dependência de Matérias-primas
segundo, o autor atribui questões estruturais tais como implementação de políticas inadequadas e
má gestão económica.
Essa mesma reflexão foi feita após a crise de 29 para países latino-americanos que na
época possuíam economias com essas especificidades 19. O modelo de crescimento “para fora” -
como foi chamado - era caracterizado pelo alto peso relativo do sector externo nas economias
primário-exportadoras. A geração e o crescimento da Renda Nacional dependiam das
exportações, sendo esta uma variável exógena enquanto que a aquisição de bens e serviços
necessários ao atendimento da demanda interna era responsabilizada pelas importações
(TAVARES, 1975).
Considerações finais
Este artigo mostrou que ao longo da sua história, o capitalismo gerou a acumulação do
capital, e proporcionou o crescimento conjugado com o avanço tecnológico nos países de
economia desenvolvida. Porém, este crescimento foi fruto da exploração e da colonização de
outros povos, ditos “atrasados”, entre eles os africanos. Este processo histórico modelou as
economias africanas ao ponto de se tornarem dependentes de matérias-primas e atrasadas.
Assim sendo, a colonização da África constitui a gênese do seu subdesenvolvimento.
Todavia, a questão aqui não é imputar a responsabilidade para todos os males à expansão do
capitalismo no mundo, mas mostrar que outros factores contribuem, até aos dias de hoje, para
que o continente continue a depender das exportações de matérias-primas e, consequentemente,
permanecer subdesenvolvido.
O primeiro factor é o interesse ocidental (afro-subordinação ocidental) que constitui
uma barreira ao desenvolvimento africano visto África ser sempre vista como fornecedora de
matérias-primas e, consequentemente, a sua inserção no mercado internacional ser resumida na
falta de reciprocidade de vantagens que sustentam as relações entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. O ocidente vê no continente como fonte de matérias-primas e como grande
mercado para seus produtos e, com isso, qualquer tentativa de desenvolvimento da África será
impedida pelas ex-potências coloniais20.
O segundo factor é a fragilização das instituições (afro-fragilidade dos Estados) e
representa o mais inquietante de todos os factores por dois motivos: Primeiro, porque mostra a
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Nota-se que o continente americano também desempenhou o papel de fornecedor de matérias-primas e mercado
para a venda de produtos europeu no capitalismo mercantil.
20
Isso está mais nítido na realidade das ex-colónias francesas em África.
incapacidade e/ou a falta de compromisso dos próprios líderes africanos para com os seus povos
e segundo, porque através dele, o continente poderá sair do processo de subdesenvolvimento.
O afro-pessimismo embora não constitua um obstáculo ao desenvolvimento africano,
continua assombrando o imaginário de cada um de nós. Essa crença aparece sempre que ocorre
eventos negativos no continente. A persistência de indicadores de subdesenvolvimento e o
sucessivo fracasso dos Estados africanos quanto à melhoria de vida do seu povo leva a que
algumas camadas sociais (dentro e fora do continente) exortem e asseverem que a “maldição” da
África constitui, realmente, uma profecia.
A verdade é que o continente enfrenta sérios problemas de subdesenvolvimento que
exigem reformas estruturais na sua base produtiva que lhe permitirão a saída da dependência das
matérias-primas. Uma das soluções para esta dependência será estabelecer, como base da
transformação estrutural, as suas vantagens comparativas. Em outras palavras, os africanos
precisam deslocar os recursos do seu sector primário herdado do colonialismo para um sector
mais produtivo que difunda os ganhos de produtividade na economia.
Para que isso seja uma realidade, a afro-fragilidade dos Estados deverá dar lugar a uma
nova forma de governança. O desempenho económico dos países africanos deve ser orientado
pelo conjunto de instituições que regulam e estabelecem um bom ambiente de negócios. Isso
exigirá a independência entre os poderes legislativo, executivo e judiciário. Uma política
interministerial que aposte na industrialização baseada na substituição das importações e na
plataforma de exportações.
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