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CAPOEIRA

ÁFRICA E AS INTERPRETAÇÕES SOBRE O


SEU SUBDESENVOLVIMENTO
_____________________________________
RESUMO
O objetivo deste artigo se circunscreve a elaborar, através de uma pesquisa
bibliográfica, uma breve reflexão sobre as interpretações e teorias acerca do
Revista de Humanidades e Letras
subdesenvolvimento de África a partir dos eventos que marcaram a sua história
ISSN: 2359-2354 económica1, sendo que o continente africano entra no século XXI sem atingir
Vol. 3 | Nº. 2 | Ano 2017 uma robusta e diversificada economia, tendo a dependência de matérias-primas
levado o continente à subordinação dos grandes centros financeiros ocidentais
e, embora África conseguisse alcançar a sua descolonização política, não
conseguiu atingir a sua independência económica. Quando se deu início às
independências dos países africanos, as suas economias eram semelhantes às de
muitos países asiáticos2. Entretanto, os asiáticos, atualmente, pertencem ao
Francisco Patrício Esteves grupo de países recentemente industrializados, ao passo que África perdeu a
ISPTEC capacidade de garantir a sua própria subsistência. Este trabalho surge como uma
reação às indagações intrínsecas à persistência do subdesenvolvimento africano.
Por que a persistência do subdesenvolvimento em África? Em que as lideranças
africanas fracassaram? Algumas interpretações têm sido difundidas em relação
às causas e à persistência do subdesenvolvimento no continente: a colonização
moldou o carácter dependente das exportações de produtos primários que a
África possui e a afro-subordinação ocidental, bem como a afro-fragilidade
dos Estados contribuem para a perpetuação dessa dependência e consequente
subdesenvolvimento dos Estados africanos.
Palavras-chaves: África, colonização, capitalismo e subdesenvolvimento
____________________________________
ABSTRACT
The objective of this article is to elaborate, through a bibliographical research, a
brief reflection on the interpretations and theories about the underdevelopment
of Africa from the events that marked its economic history, being that the
African continent enters the 21st century without reaching a robust and
diversified economy, with reliance on raw materials leading the continent to
subordination of the great western financial centers and, although Africa
managed to reach its political decolonization, failed to reach its economic
independence. When the independence of the African countries began, their
economies were similar to those of many Asian countries. However, Asians
currently belong to the group of newly industrialized countries, while Africa has
lost the ability to secure its own livelihood. This work emerges as a reaction to
the intrinsic inquiries into the persistence of African underdevelopment. Why the
persistence of underdevelopment in Africa? Where did African leadership fail?
Site/Contato Some interpretations have been made about the causes and persistence of
underdevelopment in the continent: colonization has shaped the dependent
www.capoeirahumanidadeseletras.com.br nature of Africa's primary commodity exports and Western Afro-subordination
capoeira.revista@gmail.com as well as African Afro-fragility contribute to the perpetuation of this
dependence and consequent underdevelopment of African States.
Editores deste número: Keywords: Africa, colonization, capitalism and underdevelopment

Bas’Ilele Malomalo
e Carlos Henrique Lopes Pinheiro

1
Neste trabalho faz-se referência aos países de África subsariana (ASS) tendo em vista a existência
de elementos históricos comuns que são analisados neste trabalho.
2
Alguns países tiveram a independência nos anos de 1950, mas na década de 1960 a maioria dos
Estados africanos saiu formalmente da colonização europeia.
Francisco Patrício Esteves

ÁFRICA E AS INTERPRETAÇÕES SOBRE O SEU


SUBDESENVOLVIMENTO
Francisco Patrício Esteves3

Introdução

O continente africano entra no século XXI sem atingir uma robusta e diversificada
economia. A dependência de matérias-primas levou o continente à subordinação dos grandes
centros financeiros ocidentais. África conseguiu alcançar a sua descolonização política,
entretanto, falhou no que diz respeito à sua independência económica.
Em 1963, quando da fundação da OUA4 em Adis Abeba, um grupo de governantes
africanos declarou que seria seu dever colocar recursos naturais e humanos do continente a
serviço do progresso geral do seu povo em todos os domínios da atividade humana. Essa
resolução foi reiterada por mais de uma década. Depois, em 1979, na cidade de Monróvia, as
lideranças africanas comprometeram-se, com a chamada Declaração de Monróvia, em promover
o desenvolvimento económico e social, bem como a integração das economias com vista a
expandir a capacidade de favorecer o desenvolvimento endógeno e autossustentado. Um ano
depois, em Lagos, os africanos projectaram o futuro do continente nos 20 anos subsequentes,
através do que foi conhecido como Plano de Ação de Lagos, objetivaram criar, até ao ano 2000,
uma Comunidade Económica Africana, com a finalidade de garantir a integração económica,
cultural e social do continente (M´BOKOLO, 2011).
Todavia, chegando ao ano 2000, constata-se o incumprimento de todas as promessas
feitas. O continente ainda apresentava características típicas de economias coloniais.

3
Possui graduação em Ciências Econômicas pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (1998), Mestrado
em Economia pela Universidade Federal da Paraíba (2002) e Doutor em História Social pela UFRJ. Atualmente é
Professor do Instituto Superior Politécnico de Tecnologias e Ciências (ISPTEC). Tem experiência na área de
Economia, com ênfase em História do Pensamento Econômico e Sistemas Econômicos atuando principalmente nos
seguintes temas: Desenvolvimento Econômico, Economia Brasileira, Desigualdades Sócio-econômico e Étníco
Racial, Economia de Angola e História Económica da África. Email: francisco.esteves@isptec.co.ao

4
Organização de Unidade Africana

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

Quando se deu início às independências dos países africanos 5, as suas economias eram
semelhantes a de muitos países asiáticos. Entretanto, os asiáticos actualmente pertencem a
grupos de países recentemente industrializados e África continua dependente de matérias-primas
e, pior, perdeu a capacidade de garantir a sua própria subsistência. Por que a persistência do
subdesenvolvimento em África? em que as lideranças africanas fracassaram?
Algumas interpretações têm sido difundidas em relação às causas e a persistência do
subdesenvolvimento, o fracasso das lideranças africanas, bem como as propostas para a
superação da crise permanente no continente.
Dado o exposto, o objetivo deste artigo é, a partir da análise da inserção do continente
africano na economia-mundo, apresentar as diferentes interpretações que explicam as razões do
seu subdesenvolvimento e verificar de que forma estas influenciam na manutenção do atraso
económico e social do continente. A pesquisa é de cunho bibliográfico, já que a literatura
existente referente à história económica do capitalismo e do continente africano serviu de
alicerce na elaboração do trabalho.
Para isso, os argumentos centrais estão estruturados em torno de três unidades: a
primeira discute a inserção e o papel do continente africano na economia-mundo, desde o
mercantilismo até aos dias actuais. A ideia é ilustrar a origem da economia primário-exportadora
que caracteriza a maioria das economias africanas e a razão do seu subdesenvolvimento. A
segunda parte foca como algumas interpretações explicam o subdesenvolvimento africano a
partir desses eventos históricos que África viveu e vive, sendo a parte derradeira reservada as
conclusões.

África na Economia-Mundo

Para perceber o modelo económico primário-exportador que constitui o principal


obstáculo ao desenvolvimento económico do continente, há a necessidade de entender como e
por que foi reservado para África no âmbito da divisão internacional do trabalho, o papel de
mero fornecedor de matérias-primas.
A resposta está em como as transformações na economia mundial afetaram o continente
africano. Desde o mercantilismo até aos dias atuais, África sempre desempenhou um papel
subalterno na economia-mundo. Começa como fornecedor de mão-de-obra escrava e hoje
prevalece no papel de fornecedor de matérias-primas, uma herança colonial que não consegue

5
Alguns países tiveram a independência nos anos de 1950, mas na década de 1960 a maioria dos Estados africanos
saiu formalmente da colonização europeia.

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erradicar. Como disse o historiador KI-Zerbo: “Fomos classificados como figurantes, isto é,
como utensílios e segundas figuras para pôr em destaque os papéis dos protagonistas” (KI-
ZERBO, 2006).

África e o Capitalismo Mercantil

África entra na história ocidental como fornecedor de braços escravos para o


desenvolvimento da monocultura açucareira nas Américas satisfazendo a sede do capitalismo
mercantil europeu.
Na Europa, a substituição do feudalismo pelo sistema mercantilista nos meados do
século XV trouxe como domínio a ideia de que a prosperidade de uma nação era determinada
pelo acúmulo de metais preciosos. Estes seriam adquiridos através do comércio. Vários países
europeus movidos com essa ideia foram praticando o mercantilismo priorizando o saldo
superavitário na sua balança comercial. Mas, com o passar do tempo, começava a ficar mais
difícil para uma nação obter superavit nas relações comerciais com outras nações europeias. A
Europa precisou buscar novas alternativas de mercado.
A colonização das Américas foi uma das alternativas encontradas. A montagem do
sistema colonial ocorreu a partir do seculo XVI e foi alimentado pela produção e
comercialização de açúcar e extração de metais preciosos. As economias das colónias
estruturaram-se de maneira a atender às necessidades das metrópoles. As colónias tinham por
objetivo fornecer produtos tropicais para serem vendidos na europa. A organização da produção
foi estruturada com base no tripé: Grandes propriedades de terras, monocultura e trabalho
escravo.
Após o descobrimento, os europeus apoderaram-se das grandes extensões de terras para
poderem produzir. A ideia era cultivar, em grande escala, um produto que tivesse um grande
valor comercial e que trouxesse retornos para a metrópole. O plantio de cana-de-açúcar serviu,
antes de qualquer coisa, como resposta encontrada pela metrópole visto que o açúcar era uma
especiaria bastante procurada na Europa, o “ouro branco” (FURTADO, 2005).
A utilização da mão de obra livre nessa empreitada era inviável já que a agricultura,
baseada em grandes extensões de terra, exigiria a contratação de muita mão de obra que, por sua
vez, prejudicaria o lucro.
Embora as terras concedidas pela lei das Sesmarias estivessem disponíveis, havia ainda
grandes dificuldades em efetivar-se a sua ocupação, já que para manter trabalhadores
assalariados nas grandes propriedades, seria extremamente difícil, pois, essa mão de obra livre

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

poderia tentar a vida de outra forma, criando problemas para o fluxo de mão de obra para a
empresa mercantil (FAUSTO, 1996).
A adoção de mão de obra escrava em detrimento de mão de obra livre ou nativa deveu-
se, principalmente, à falta de excedente populacional na metrópole e ausência de uma oferta
adequada de mão de obra indígena na colónia (PRADO JÚNIOR, 1981).
Para Marquese (2008) os índios foram os primeiros a serem submetidos ao trabalho
escravo. Entretanto, dois eventos obrigaram os colonos a abandonar a escravidão indígena. O
primeiro foi a ocorrência de várias epidemias que dizimaram os escravos índios e o segundo era
a pressão dos jesuítas para que a Coroa portuguesa coibisse a escravização de índios. Havia
necessidade urgente de encontrar um substituto para a mão de obra indígena.
Os portugueses, por sua vez, tendo já experiência em produzir a cana-de-açúcar com o
trabalho escravo a partir das ilhas de Madeira e São Tomé no século XV (embora em escala
pequena) não tiveram dificuldades de transferir para as Américas quando se verificou a falta de
braços para a plantation (FAUSTO, 1996).
O escravo africano tornou-se parte importantíssima no processo de acumulação e
produção de capital. O cativo era economicamente lucrativo para os europeus por três razões
principais: a primeira, o africano era trocado por mercadorias e não por dinheiro, o que permitia
que o seu comprador conservasse os seus haveres financeiros. A segunda, chegando nas
Américas, o africano era vendido através de um valor monetário que apresentava uma garantia
financeira adicional. Finalmente, a sua manutenção nas fazendas exigiria custos extremamente
reduzidos comparados ao lucro que ele proporcionaria através do seu trabalho (MILLER, 1997).
O sistema colonial nas Américas possuía uma estrutura económica mercantilista que
concentrava um conjunto de relações entre metrópoles e colónias. O fim último deste sistema
consistia em proporcionar às metrópoles um fluxo económico favorável que resultasse das
atividades desenvolvidas na colónia. Em outras palavras, a economia colonial surgia como
complemento da economia metropolitana europeia, de forma que permitisse à metrópole
enriquecer cada vez mais para fazer frente às demais nações europeias.
As colónias deveriam contribuir para a autossuficiência da metrópole, transformando-se
em espaços reservados de cada potência colonizadora, na concorrência internacional com as
demais. Para isso, era preciso estabelecer uma série de normas e práticas que afastassem os
concorrentes da exploração das respetivas colónias (WILLIAMS, 2012).
Assim sendo, criou-se o que foi chamado de “exclusivo” metropolitano ou “pacto”
colonial que consistia na exclusividade do comércio externo da colónia em favor da metrópole.
Ou seja, as colónias somente venderiam seus produtos primários para a metrópole e comprariam

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produtos manufaturados exclusivamente da potência colonizadora. A ideia era o domínio


completo e exclusivo do mercado pela metrópole que venderia seus produtos manufaturados
caríssimos e compraria barato as matérias-primas das suas colónias.
Desta feita, estavam alcançados os objetivos da colonização que eram a necessidade de
expandir os mercados para a venda de produtos metropolitanos e de alcançar fontes de matérias-
primas baratas.

África e o Capitalismo Industrial

O mercantilismo durou aproximadamente 300 anos, entrando em decadência a partir


das crises provocadas, não pelo excesso de capital, mas pela competição excessiva. Com a
industrialização da Alemanha e dos Estados Unidos, juntando a estes a França, a Itália e a
Inglaterra, chegou-se à conclusão de que o processo da industrialização exigiria,
necessariamente, uma especialização global. Um estado industrial precisava manter-se através
da troca de matérias-primas por produtos manufaturados. Sendo assim, os europeus precisavam
encontrar fontes de matérias-primas mais baratas e novos mercados para seus produtos.
Assim sendo, o eixo da política económica britânica deslocou da acumulação de metais
preciosos para o desenvolvimento industrial, dando ênfase para o aumento de emprego e o
encorajamento das exportações. Acompanhando essa transformação no continente europeu,
começa a surgir uma ideologia económica que contraria o mercantilismo. Um grupo de
economistas liderados por Adam Smith elaboraram uma teoria económica respaldada no papel
que os interesses individuais desempenhariam na formação de uma sociedade mais rica e justa
do que o ancien regime6.
Esses economistas condicionaram o surgimento desta nova sociedade à existência da
liberdade económica que seria regulado pelo mercado, contrariando um dos princípios do
mercantilismo. A nova ciência defendia a não intervenção do Estado na economia. Isto é, as
corporações deveriam dar lugar à livre-concorrência, os monopólios de comércio deveriam ser
substituídos pelo livre-comércio e os trabalhadores deveriam negociar livremente a sua força de
trabalho, cabendo aos mecanismos de mercado a função de regular o processo económico. Para
isso, era necessário combater a escravidão já que a liberdade económica só seria factível com a
derrocada desta forma de apropriação do trabalho alheio (ROCHA, 1989).
O fim da escravidão surge como condição sine qua non do avanço do capitalismo
industrial dado que a nova ordem capitalista exigia uma ampla acumulação de capital por parte

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

da camada empresarial e uma expansão crescente do mercado consumidor de produtos


manufaturados (NOVAES, 1985). A justificativa dos economistas liberais da época para a
eliminação da escravidão circulava com base na superioridade do trabalho livre, mostrando que
era muito caro manter o trabalho escravo e que o cativo era um trabalhador desmotivado para o
trabalho7.
Desta forma, a Inglaterra defendia que a escravidão já não era mais lucrativa e que
devia ser destruída. Consequentemente, com o declínio do mercantilismo, o tráfico de escravo
foi proibido pelo Parlamento Inglês em 18078 e a escravidão foi abolida em 18339.
O capitalismo industrial, por sua vez, exigiu a reestruturação das relações de produção
e, consequentemente, a capacitação da mão-de-obra. Todavia, este novo capitalismo tinha os
mesmos objetivos do anterior: conseguir fontes de matérias-primas baratas e mercados para os
produtos europeus. Entretanto, as antigas colónias das Américas já estavam independentes e
restava a África.
Assim sendo, ao invés de escravizar, mas sob o pretexto de “civilizar”, os europeus
colonizaram o continente africano. As colónias africanas iriam desempenhar o mesmo papel que
outrora exerceram as colónias americanas. Só que, desta vez, ao invés do trabalho escravo, a
mão-de-obra seria “livre” e “assalariado”10.
O sistema colonial em África possuía uma estrutura económica semelhante a
estabelecida há três séculos nas Américas. Os interesses europeus tinham sempre prioridades
sobre os interesses dos africanos, as colónias serviam para proporcionar lucro para as
metrópoles. A reedição do chamado pacto colonial, desta vez, em África assentava nas seguintes
características: uma economia eminentemente agrícola, com grandes propriedades de terras para
monocultura virada para a exportação, uso da mão-de-obra livre.
O pacto colonial exigiu mudanças nas relações de produção dos autóctones visto que a
implantação de uma cultura de exportação contrariava o seu modo de produção. Com o modelo
de produção denominado de linhagem, os africanos viviam da agricultura de subsistência ou do
pastoreio, conforme a região, apoiada pela caça, pesca e recoleção. A organização social tinha
por base a reciprocidade e a redistribuição como forma de garantir a harmonia social, para

6
Neste caso o antigo regime é o Mercantilismo.
7
A discussão sobre a superioridade do trabalho livre frente ao trabalho escravo vai mais além, porém não faz parte
dos objetivos deste trabalho. Para este tema de estudo ver Rocha (1989); Mathias (2013)
8
O Brasil, sendo um país economicamente dependente da escravidão, somente extinguiu de forma definitiva a
escravidão em 1888 com a Lei Áurea.
9
É importante sublinhar que não são ignorados a luta de escravos pela sua liberdade, nem os movimentos
abolicionistas. Procurou-se apenas dar um enfoque mais económico nessa discussão em função do espaço.
10
O continente foi “partilhado” na Conferência de Berlim (1884-1885)

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fortalecer os graus de parentesco. O excedente produtivo servia para a troca, mas a produção não
era direcionada exclusivamente para o comércio.
Como resultado, houve fortes resistências por parte dos africanos à implantação da
cultura agrícola virada para a exportação. Os colonos, por sua vez, conseguiram resolver este
transtorno com a instauração do trabalho forçado e com a obrigatoriedade do pagamento de
impostos11.
Para que o continente sob domínio desempenhasse a sua finalidade, os europeus
realizaram vários investimentos em infraestruturas tais como estradas, pontes, portos, por forma
a poderem escoar as matérias-primas para a exportação.
África ficou colonizada oficialmente por quase um século. 12 Tendo em vista a sua
ilegalidade e sua barbaridade, três factores importantes contribuíram para a erradicação do
colonialismo: Primeiro, a força de oposição ao colonialismo, liderada pelos próprios africanos
que lutaram para se verem livre do jugo colonial. Segundo, a 2ª Guerra Mundial que afetou
economicamente o continente europeu e as suas grandes potências coloniais. Como
consequências as metrópoles não tinham mais condições financeiras de aguentar por muito
tempo as guerras de libertação que ocorriam no continente. O terceiro fator é a ascensão das
duas grandes potências, os Estados Unidos da América e a União Soviética que iniciaram uma
pressão internacional considerando os regimes coloniais como incompatíveis com a nova ordem
nascente13.
Com a descolonização, este discurso prevaleceu: A “África não tem condições de
caminhar sozinha, sempre vai depender da ajuda internacional”. A velha justificativa colonial de
que o homem branco tem o dever moral de educar e civilizar o continente negro. Novamente, o
“fardo do homem branco”.
Mesmo com o fim do colonialismo, o capitalismo não encerrou as suas atividades, pelo
contrário, expandiu-se, remodelou-se e perdeu sua suposta identidade fixa. Desta vez, a
exploração capitalista no continente começa a ser realizada através de atividades económicas
internacionais e acordos bilaterais que interferem na autonomia dos estados recém-
independentes da África. As novas formas de dominação se caracterizaram, não através de
políticas de Estado, mas por intermédio de negócios com a elite política do continente.

11
Com essas medidas as metrópoles conseguiram resolver a questão da mão-de-obra e da monetização das suas
colónias
12
Desde a partilha até a descolonização das antigas colônias portuguesas nos anos de 1970.
13
É importante mencionar também o surgimento da ONU, a retomada dos Congressos Pan-africanos que
desempenhou um papel importante na luta pela descolonização.

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

A título de exemplo destes acordos bilaterais tem-se a criação da zona do Franco CFA14
em 1945 pelo General De Gaulle e, até aos dias de hoje, continua em vigor. O franco CFA
constitui a moeda única de todos os países que compõem esta zona franca15. Entretanto, este
acordo é contestado por perpetuar o controlo francês sobre as economias dos países africanos.
Um pacto colonial com uma nova roupagem.
Primeiro, a centralização das reservas de câmbio no tesouro público francês. Isto é, os
seus membros são obrigados a depositar 50% das receitas provenientes das suas exportações no
Tesouro Público francês e este, por sua vez, garantirá a convertibilidade dessas divisas em
Franco CFA e permitirá a emissão de moeda pelo o Banco Central dos Estados da África
Ocidental (BCEAO). Com essa medida, os africanos perdem autonomia do controlo monetário.
O segundo princípio é a política da taxa de câmbio fixo do Franco CFA indexado a Euro. Este
princípio constitui uma camisa de força para os países africanos que não podem implementar
nenhuma política cambial em prol das suas balanças comerciais. Por último, é a livre
convertibilidade do Franco CFA. Na verdade, é uma moeda que somente circula nos países
membros e não ostenta nenhum valor fora dessa zona franca. A convertibilidade funciona
somente entre países membros favorecendo os investimentos e as importações das matérias-
primas por parte da Estado francês e impede as trocas comerciais fora da zona CFA
(DEMBELE, 2014 ).
A descolonização política não se acompanhou de uma emancipação económica. A
“cooperação” entre a África e o ocidente é sempre desigual. Os africanos, por não possuírem
uma economia diversificada, já que herdaram do colonialismo o papel de fornecedor de matéria-
prima, enfrentam as fortes flutuações nos preços dos produtos primários e a consequente
instabilidade nas receitas, bem como a deterioração nos termos de troca que se resume na
constante baixa relativa dos preços das matérias-primas, quando comparadas àqueles dos
produtos manufaturados.
Como destaca KI-Zerbo:
Quando, juntamente com Kwame Nkrumah, Almicar Cabral e outros nos batíamos pela
independência africana, replicavam-nos: “Vocês nem podem produzir uma agulha, como
querem ser independentes?” Mas porque razão os nossos países não podiam produzir
uma agulha? Porque, durante cem anos de colonização, tinham-nos remetido para esse
papel preciso: não produzir nem sequer uma agulha, mas matérias-primas, isto é despojar
todo o continente (KI-ZERBO, 2006, p.25).

14
Outrora Colónias Francesas da África e
actualmente Comunidade Financeira Africana
15
São 14 países membros entre eles dois que não foram ex colónias francesas (Guiné Bissau e Guiné Equatorial).

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África e a Guerra Fria

Após a 2ª Guerra Mundial, a escalada das duas potências mundiais (E.U.A. e U.R.S.S) 16
mostrou que cada uma possuía também seus próprios objectivos imperialistas. Outrora excluídas
da partilha da África na Conferência de Berlim e, consequentemente, marginalizadas no acesso
aos mercados, matérias-primas e áreas de influência no continente africano, essas duas
superpotências instalaram um sistema mundial bipolar que foi denominado de guerra fria. Uma
guerra em que os principais protagonistas se abstinham de recorrer diretamente às armas, mas
utilizaram um contra o outro, as mais refinadas e agressivas formas de propaganda ideológica e
intervinham no fomento de conflitos localizados em apoio, por vezes pouco dissimulados, aos
beligerantes.
Os Estados Unidos e a União Soviética passaram a apoiar os movimentos de
independência em África, interessados, principalmente, em atrair para as suas respectivas áreas
de influência os países que se tornassem independentes. Isso fez com que os africanos, desta vez,
disputassem o poder entre eles com base nas orientações políticas e ideológicas ditadas pela
guerra fria. Fragmentados por disputas ideológicas, alguns países africanos não foram capazes de
formar governos de carácter nacional e consequentemente mergulharam numa guerra civil. Em
África, a guerra não foi “fria”. O continente assumiria, desta forma, um novo papel: o de
excelente mercado para a venda de armas das duas potências.
Enquanto os EUA defendiam um regime político democrático-liberal e uma economia
inspirada no modelo capitalista, a URSS defendia um regime socialista de centralismo
democrático e uma economia coletivizada e planificada. O mundo estava dividido em dois
blocos antagónicos: capitalismo e socialismo. Os americanos e os soviéticos ampliaram os seus
domínios nas antigas colónias europeias com justificativas de “impedir o avanço do
comunismo”, por um lado, e por outro, “evitar a expansão do imperialismo capitalista”.
A guerra fria culminou em 1990 com a dissolução da URSS, deixando vários países
africanos órfãos ideologicamente e com economias dependentes da ajuda do bloco socialista.
Mas o fim da guerra partiu do fracasso do socialismo soviético, enquanto o capitalismo
ficou fortificado com a ascensão do neoliberalismo. Para muitos africanos o fim da guerra fria
representou o desfecho de apoio político e financeiro de uma das duas superpotências mundiais.
A baixa de preços das matérias-primas nos anos de 1980 e a permanência de guerras internas em
alguns países levaram as suas economias ao colapso e consequente endividamento externo.

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

África e o Neoliberalismo

Com a debilidade económica da URSS que era um dos parceiros principais na área de
financiamento, a ajuda não se materializou. Sem saída, e com a necessidade imperiosa de
conseguir empréstimos, esses países foram “forçados” a negociar com as instituições financeiras
capitalistas, tais como: o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial que, por sua
vez, condicionaram a ajuda financeira com a mudança de regime político-económico. Ou seja,
para que os africanos “socialistas” conseguissem financiamento teriam que adotar o “laissez-
faire”.
A ideia era de que a crise nos países periféricos era consequência das políticas
estatizantes e contrárias ao mercado por elas adotadas, do que como resultado das suas
limitadas aptidões periféricas (BURATTO; PORTO JÚNIOR, 2001). Com isso, as instituições
internacionais de financiamento passaram a tomar atitudes coerentes com o objetivo de reduzir
os seus riscos. Não somente começaram a evitar a concessão de novos empréstimos, mas
também a exigir que os devedores criassem excedentes em conta corrente. Foi exigido aos países
devedores a implantação de programas de ajustamentos e reformas que promovessem
modificações nos modelos económicos.
Essa política de ajustamento foi realizada com base nas doutrinas do chamado
“Consenso de Washington”. Este “Consenso” fez parte do conjunto de reformas neoliberais que,
apesar de práticas distintas nos diferentes países, estava centrado doutrinariamente na
desregulamentação dos mercados, abertura comercial e financeira e redução do tamanho e papel
do Estado.
Para que os países desenvolvidos tivessem maior liberdade possível de movimento e
ação, os países africanos foram orientados a abrir as suas economias seguindo as regras da
globalização numa competição totalmente desigual.
A privatização das empresas e serviços do Estado, em muitos países africanos, sem que
houvesse como contrapartida o estabelecimento de um sistema tributário, a constituição de um
poder regulatório e a aposta nos investimentos produtivos geradores de emprego, contribuíram
para uma maior informalização da economia e consequente perda de receitas por parte do
Estado.
Como resultado, hoje, nota-se o enfraquecimento das estruturas estatais com a
incapacidade de controlar regiões periféricas e a inépcia de fornecer serviços básicos ao seu
povo. Criaram-se dinâmicas clientelistas no exercício da governação, na distribuição de

16
Estados Unidos da América (E.U.A) e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS)

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benefícios, na obtenção de lealdades grupais, motivando fortes oposições por parte de grupos
marginalizados socialmente ou etnicamente (FERREIRA, 2014).

As interpretações sobre o subdesenvolvimento africano

Até aos dias atuais, os Estados africanos não conseguiram realizar reformas estruturais
nas suas economias e continuam condenados a depender das exportações das suas matérias-
primas, papel que herdaram do colonialismo. O continente vive em constante crise que se
resume no crescimento da dívida externa, queda acentuada dos preços das matérias-primas e
elevadas taxas de crescimento demográfico em busca de recursos alimentares escassos.
Essa persistência ao subdesenvolvimento fez com que surgissem muitas interpretações.
Este estudo aponta quatro (4) abordagens que justificam o atraso socioeconómico do continente
africano:

Afro-pessimismo

O afro-pessimismo é o ceticismo na eficiência do desenvolvimento no continente que


alberga a população negra; o mesmo constitui uma interpretação que justificou a escravização do
africano, e é defendido, ainda hoje, quando qualquer acontecimento negativo ocorre no
continente.
Para essa abordagem, o africano já nasceu amaldiçoado. Uma interpretação baseada no
posicionamento cristão da idade média que considerava os africanos como descendentes de Caim
e que, como castigo por ter assassinado seu irmão Abel, Deus teria denegrido suas faces. Sendo
assim, a cor preta representava uma mancha moral exprimida fisicamente, o pecado e a morte. A
branca, por sua vez, representava a pureza, a redenção e a vida. Nestes termos, ser negro é
sinónimo de mazela, perversão e de um atraso moral (MUNANGA, 1988).
Outra teoria que tem origem no Velho Testamento sugere que a pele negra dos africanos
é resultado da maldição de Noé que condenou os descendentes de Cam a serem os mais
inferiores de todos os servos de seus irmãos, por tê-lo desrespeitado quando o encontrou
embriagado e numa postura pouco decente. Para o cristianismo, a cor negra dos africanos era
associada a uma vida cheia de pecados e o continente africano era um lugar em que se vivia na
escuridão, sem a presença de Deus (VAZ, 2014).
Para Lopes (1995) a origem da inferioridade africana deriva das bulas papais “Dum
Diversas” de 1452 e “Romanus Pontifex” de 1455, que autorizavam os reis portugueses a

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

desapossar e escravizar eternamente os Maometanos, pagãos e povos pretos em geral. Esses


documentos estipulavam claramente o direito de invadir, conquistar, expulsar os infiéis e
inimigos de Cristo.
Essa combinação, entre a teoria camita e as conceções teológicas dominantes na idade
média, provocou a diabolização ou demonização dos homens e mulheres do continente. Esta
representação sobre a inferioridade de determinados povos tinha como objetivo fornecer uma
justificativa para a escravização de diversos grupos étnicos africanos.
Para essa abordagem, não haveria nenhuma política capaz de superar o atual estágio de
subdesenvolvimento do continente já que o mesmo estaria destinado ao infortúnio. Os
defensores deste pensamento justificam seus argumentos através das adversidades que o
continente tem passado para se inserir-se na economia-mundo.
Embora seja muito leviano nos seus argumentos, essa visão ainda prevalece nos dias
atuais, tanto como sentimento quanto como sensação. A permanência de infortúnios como a
pobreza, a fome, a miséria, as doenças, as guerras civis e a onda de emigração de africanos para
a europa somente reforçam os argumentos deste sentimento.

Afro- subordinação Ocidental

A afro-subordinação ocidental defende a missão do branco para tirar o negro das trevas,
tendo em vista a sua ignorância e inferioridade racial. É uma abordagem que justifica a
colonização e o neocolonialismo em África. Essa ideia tem sua origem numa vertente racista e
racialista amparada por um cientificismo característico do final do século XIX, de base
evolucionista, que possuía uma visão hierarquizada de “raça”. Um Darwinismo social que
postulava a inferioridade da “raça” negra, justificando suas teses através de supostas evidências
extraídas do atraso das sociedades africanas. Para essa interpretação, existiam sociedades
humanas superiores a outras, e que estas deveriam "dominar" as inferiores com o objetivo de
"civilizá-las" e ajudá-las no seu "desenvolvimento” (BALSANELLO, 1996).
Nasce assim a missão civilizadora europeia que, junto com o racismo serviu como
justificativa ideológica para associar o domínio colonialista à conquista e subjugação de povos
não-europeus, ligada aos valores do progresso económico, do avanço científico, da ordem
política liberal e do cristianismo. São esses valores que as potências europeias coloniais
defendiam para serem transmitidos aos nativos, selvagens, desorganizados, atrasados, incapazes
de se autogovernarem e pagãos. O “fardo do homem branco” (SERRANO e WALDMAN, 2007,
p. 207)

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O colonialismo, no continente africano, perdurou em toda a África pouco menos de


cem anos: desde a década de 1880 até a de 1970. Trouxe como consequência predominante a
perda da soberania e da independência e, com ela, o direito dos africanos a dirigir o seu próprio
destino e de organizar a sua própria economia. Ou seja, o colonialismo privou os africanos de
um dos direitos mais fundamentais e inalienáveis dos povos: o direito à liberdade (BOAHEN,
2010).
Com o processo de descolonização, África sentiu-se livre da pressão e exploração das
suas ex-potências coloniais europeias. Porém, surgiria outras peças no xadrez político-
económico internacional: O Neocolonialismo e a Guerra fria.
Com a independência dos países africanos, o ocidente mudaria a maneira de dominar:
“Os africanos não teriam capacidade de caminhar sozinhos”. A ideia era de que mesmo
independente, a África continuaria a fornecer matérias-primas para suas antigas metrópoles e
estes, por sua vez, trocariam com seus produtos industriais altamente rentáveis. Desta vez, não
seria por meio da dominação e coação, mas através de “acordos bilaterais” que desfavorecem a
economia africana, caracterizando assim uma nova forma de colonização ou neocolonialismo
(SENGHOR; MADRIDEJOS, 1979).
Outra forma de conseguir as matérias-primas africanas foi transformar o continente em
palco de guerra ideológica, “fria” no ocidente, mas “quente” em África já que resultou nas
perdas de vidas humanas, no desvio de capital humano da produção para o conflito bélico, na
destruição de infra-estruturas produtivas e na canalização de grande parte das divisas (já
escassas) para a importação de tecnologias bélicas para combater o próprio “irmão” 17. Para o
mundo passavam a mensagem, nos meios de comunicação social internacional, de que essas
guerras africanas eram “conflitos étnicos” ou “tribais”.

Afro-fragilidades dos Estados

A afro-fragilidades dos Estados constitui na vertente que defende que a tragédia africana
estaria ligada a uma suposta fragilidade das instituições do Estado que se resume nas “más
políticas” e no “mau governo”.
A definição de fragilidade, aplicada ao processo de desenvolvimento, surge na década de
1990, sendo a designação de “Estado Frágil18” aplicada para qualificar um conjunto de situações,

17
Em Angola essa guerra durou 27 anos
18
A fragilidade do Estado exprimiu-se através de uma diversidade de denominações: Estado falido, Estado fraco,
Estado quebrado, mas o termo Estado frágil uniformizou-se internacionalmente e tem sido utilizado para referenciar
uma multiplicidade de situações e contextos.

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

desde países em crise, países em guerra, em contexto de reconstrução, crises humanitárias e


naturais ou situações de pobreza extrema.
Rotberg (2002) destaca que o processo de deterioração da autoridade do Estado que
termina com sua fragilização e seu fracasso é visto de dois pontos: económico e político. Do
ponto de vista económico, resume-se na queda de padrão de vida das populações, na falta de
investimentos externos, na ausência de gastos públicos e na permanência da corrupção. No
enfoque político, essa fragilidade se manifesta na falta de instituições democráticas, na restrição
da independência dos poderes legislativo e judiciário, na repressão à sociedade e, finalmente, no
controle absoluto sobre as forças de segurança.
Desta feita, a concentração dos indicadores mais preocupantes tais como: índices de
desenvolvimento baixos, estruturas estatais fracas, situação de conflitos, incapacidade de
satisfazer as necessidades básicas das populações e situações mais extremas em que se verifica
um colapso das estruturas estatais, estão no continente africano e que da lista dos chamados
“Estados frágeis” ou “fracos” – que alguns chegam a designar de “Estados falhados” ou mesmo
“Estados colapsados” – seis dos primeiros dez são Estados africanos, e dos “Estados fracos”
existentes, metade são africanos (FERREIRA, 2010).
Nesta interpretação, a elite burguesa autóctone é acusada de enriquecer-se às custas das
massas populares, cada vez mais empobrecidas, enquanto que os governos são cada vez mais
autoritários, ditatoriais, corruptos e desrespeitadores constantes dos processos democráticos e
dos direitos dos cidadãos.
Em África, o Estado está ao serviço da classe dominante e esta legitima o seu poder
através de relações verticais de clientelismo. Consequentemente, este clientelismo altera a lógica
de ação do Estado. Não se procura a decisão mais racional, mais justa, mas aquela que melhor
promove os interesses pessoais da elite. O Estado confunde-se com o sector privado através de
um processo de privatização do Estado onde os recursos públicos são usados ao serviço de um
pequeno grupo de indivíduos. Estes, por sua vez, com contas milionárias fora do continente,
ostentam bens de luxos, consomem nos melhores centro comerciais do ocidente, reproduzindo
misérias já existentes nos seus países (FRADE, 2008).
Esta abordagem defende que a independência formal não se traduziu em progresso e nem
em qualidade de vida para os africanos porque a Burguesia-Estado não permitiu a emancipação
do seu povo. Os fazedores das políticas estiveram sempre mais preocupados com o
enriquecimento pessoal do que com o bem-estar comum. Assim sendo, o Estado africano
constitui o próprio obstáculo para o seu desenvolvimento (FRADE, 2008, p. 32).

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Afro-dependência de Matérias-primas

A afro-dependência de matérias-primas é uma vertente teórica que acredita ser a


dependência de matérias-primas, aliada a uma economia extrovertida - fenómeno herdado do
processo colonial - a razão do subdesenvolvimento africano. Numa perspetiva da história
económica, esta abordagem mostra que a colonização obrigou a transformação das economias
africanas em simples fornecedores de matérias-primas e essa situação não sofreu transformação
mesmo com o fim do colonialismo. Os Estados africanos pós-coloniais não tiveram a capacidade
de modificar esta base material, pelo contrário, moldaram-se no que alguns especialistas
chamam de especialização rendeira (Cf. CARNEIRO, 2012). Uma economia virada para fora
porque depende exclusivamente da renda das suas matérias-primas.
Carneiro (2012) mostra que a África subsariana constitui na sua totalidade um espaço
com relações de produção hegemonicamente pré-capitalistas, dotado de uma lógica diferente do
sistema capitalista, porém, dentro de um mundo global capitalista com lógica própria. E, por
essa razão, as categorias e os conceitos formulados para mensurar o crescimento das economias
capitalistas perdem sentidos quando aplicados ao universo africano.
O autor defende que a extrema dependência de recursos externos provenientes das
exportações de matérias-primas faz com que, nas economias africanas sub-sarianas, os processos
económicos sejam dominados pela recepção de rendimentos externos que não resultam da
remuneração de fatores de produção empregues em obediência a imperativos de maximização da
sua produtividade.
Para Lopes (2016) o continente continua preso às exportações de matérias-primas e,
com isso, está sujeito a uma grande volatilidade de preços e procura. A dependência faz com que
quando o preço das matérias-primas sobe, haja uma apreciação cambial e quando os preços
decaem, haja uma procura mais limitada e deprimida ou haja uma crise cambial, bem como
problemas de tesouraria e défice que origina todo o tipo de dificuldades macroeconómicas. Há
necessidade de sair deste tipo de dependência, utilizando as matérias-primas a bom proveito,
transformando-as, dando maior proveito e valor acrescentado, e isso é muito mais do que falar
da diversificação da economia.
Torres (1986) enumera dois obstáculos ao desenvolvimento económico africano: o
primeiro, de ordem externa e o segundo, de ordem interna. Relativamente ao primeiro obstáculo,
o autor destaca a “dominação” da África pelos países desenvolvidos do Ocidente na perspetiva
de que na mundialização da economia, as trocas comerciais são cada vez mais desiguais e
provocam a deterioração em termos de troca para produtos africanos, trazendo como
consequências o agravamento das contas e o crescimento das dívidas externas. No tocante ao

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África e as interpretações sobre o seu subdesenvolvimento

segundo, o autor atribui questões estruturais tais como implementação de políticas inadequadas e
má gestão económica.
Essa mesma reflexão foi feita após a crise de 29 para países latino-americanos que na
época possuíam economias com essas especificidades 19. O modelo de crescimento “para fora” -
como foi chamado - era caracterizado pelo alto peso relativo do sector externo nas economias
primário-exportadoras. A geração e o crescimento da Renda Nacional dependiam das
exportações, sendo esta uma variável exógena enquanto que a aquisição de bens e serviços
necessários ao atendimento da demanda interna era responsabilizada pelas importações
(TAVARES, 1975).

Considerações finais

Este artigo mostrou que ao longo da sua história, o capitalismo gerou a acumulação do
capital, e proporcionou o crescimento conjugado com o avanço tecnológico nos países de
economia desenvolvida. Porém, este crescimento foi fruto da exploração e da colonização de
outros povos, ditos “atrasados”, entre eles os africanos. Este processo histórico modelou as
economias africanas ao ponto de se tornarem dependentes de matérias-primas e atrasadas.
Assim sendo, a colonização da África constitui a gênese do seu subdesenvolvimento.
Todavia, a questão aqui não é imputar a responsabilidade para todos os males à expansão do
capitalismo no mundo, mas mostrar que outros factores contribuem, até aos dias de hoje, para
que o continente continue a depender das exportações de matérias-primas e, consequentemente,
permanecer subdesenvolvido.
O primeiro factor é o interesse ocidental (afro-subordinação ocidental) que constitui
uma barreira ao desenvolvimento africano visto África ser sempre vista como fornecedora de
matérias-primas e, consequentemente, a sua inserção no mercado internacional ser resumida na
falta de reciprocidade de vantagens que sustentam as relações entre países desenvolvidos e
subdesenvolvidos. O ocidente vê no continente como fonte de matérias-primas e como grande
mercado para seus produtos e, com isso, qualquer tentativa de desenvolvimento da África será
impedida pelas ex-potências coloniais20.
O segundo factor é a fragilização das instituições (afro-fragilidade dos Estados) e
representa o mais inquietante de todos os factores por dois motivos: Primeiro, porque mostra a

19
Nota-se que o continente americano também desempenhou o papel de fornecedor de matérias-primas e mercado
para a venda de produtos europeu no capitalismo mercantil.
20
Isso está mais nítido na realidade das ex-colónias francesas em África.

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incapacidade e/ou a falta de compromisso dos próprios líderes africanos para com os seus povos
e segundo, porque através dele, o continente poderá sair do processo de subdesenvolvimento.
O afro-pessimismo embora não constitua um obstáculo ao desenvolvimento africano,
continua assombrando o imaginário de cada um de nós. Essa crença aparece sempre que ocorre
eventos negativos no continente. A persistência de indicadores de subdesenvolvimento e o
sucessivo fracasso dos Estados africanos quanto à melhoria de vida do seu povo leva a que
algumas camadas sociais (dentro e fora do continente) exortem e asseverem que a “maldição” da
África constitui, realmente, uma profecia.
A verdade é que o continente enfrenta sérios problemas de subdesenvolvimento que
exigem reformas estruturais na sua base produtiva que lhe permitirão a saída da dependência das
matérias-primas. Uma das soluções para esta dependência será estabelecer, como base da
transformação estrutural, as suas vantagens comparativas. Em outras palavras, os africanos
precisam deslocar os recursos do seu sector primário herdado do colonialismo para um sector
mais produtivo que difunda os ganhos de produtividade na economia.
Para que isso seja uma realidade, a afro-fragilidade dos Estados deverá dar lugar a uma
nova forma de governança. O desempenho económico dos países africanos deve ser orientado
pelo conjunto de instituições que regulam e estabelecem um bom ambiente de negócios. Isso
exigirá a independência entre os poderes legislativo, executivo e judiciário. Uma política
interministerial que aposte na industrialização baseada na substituição das importações e na
plataforma de exportações.
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Francisco Patrício Esteves


Possui graduação em Ciências Econômicas
pela Fundação Universidade Federal do
Rio Grande (1998), Mestrado em
Economia pela Universidade Federal da
Paraíba (2002) e Doutor em História Social
pela UFRJ. Atualmente é Professor do
Instituto Superior Politécnico de
Tecnologias e Ciências (ISPTEC). Tem
experiência na área de Economia, com

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Francisco Patrício Esteves

ênfase em História do Pensamento


Econômico e Sistemas Econômicos
atuando principalmente nos seguintes
temas: Desenvolvimento Econômico,
Economia Brasileira, Desigualdades Sócio-
econômico e Étníco Racial, Economia de
Angola e História Económica da
África. Email:
francisco.esteves@isptec.co.ao
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