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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

NÚMEROS IRRACIONAIS NA EDUCAÇÃO BÁSICA: DOCUMENTOS CURRICULARES


E CONHECIMENTOS DE ALUNOS BRASILEIROS E FRANCESES1

Irrational numbers in Basic Education: Curriculum documents and knowledge of


Brazilian and French students

Veridiana Rezende
Clélia Maria Ignatius Nogueira

Resumo1 Abstract

Apresentamos neste artigo parte dos resul- It is presented in this paper the results
tados de uma pesquisa que teve como objetivo of a research whose goal was to analyze the
analisar conhecimentos relacionados aos núme- knowledge related to the irrational numbers
ros irracionais mobilizados por alunos brasileiros done by Brazilian and French students who
do Ensino Fundamental, Ensino Médio e níveis are concluding elementary school, high school
correspondentes franceses, respectivamente, and French corresponding levels, Collège and
Collège e Lycée. Como procedimentos metodo- Lycée. As methodological procedures, it was
lógicos, realizaram-se entrevistas individuais, done some personal interviews which were
que foram filmadas e envolveram resolução de recorded and some mathematical activities
atividades matemáticas. Os resultados apontam were solved as well. The results indicate that,
que, independentemente de os números irracio- whatever irrational numbers are or not stated
nais estarem ou não explícitos nos currículos e on the curriculum and textbooks, the knowledge
livros didáticos, os conhecimentos mobilizados presented by the students related to irrational
por alunos do Ensino Fundamental e Collège, e numbers are similar, therefore it is not possi-
alunos do Ensino Médio e Lycée (TES), relacio- ble to indicate significant differences between
nados aos números irracionais, são equivalentes, Brazilian and French students. According to the
não sendo possível apontar diferenças significa- analysis, it is the experience and the diversity
tivas entre alunos desses dois países. De acordo of mathematical situations that influence the
com as análises, é a experiência e a diversidade understanding of irrational numbers, so the
de situações matemáticas que influenciam na French students of the Lycée (TS) had more
compreensão dos números irracionais, pois fo- precise answers, less indicative of errors related
ram os alunos franceses do Lycée (TS) que apre- to irrational numbers.
sentaram respostas mais precisas, com menores
indicativos de erros. Keywords: Mathematics Teaching. Basic Educa-
tion. Knowledge.
Palavras-chave: Ensino de Matemática. Educa-
ção Básica. Conhecimentos.

1
Este artigo é uma ampliação do texto apresentado no VI
SIPEM, 2015.

48 EMR-RS - ANO 17 - 2016 - número 17 - v.3 - pp. 48 a 60


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Introdução níveis de ensino correspondentes, Collège, Lycée


e Licenciatura em Matemática. No entanto, para
Apresentamos neste trabalho parte dos este artigo o foco está na apresentação da estrutura
resultados da tese2 de doutorado de uma das dos sistemas de ensino investigados, com desta-
autoras, sob orientação da outra, que teve como que para a abordagem dos números irracionais
objetivo principal analisar conhecimentos nos documentos curriculares da Educação Básica
mobilizados por alunos brasileiros e franceses do Brasil e da França. Na sequência, será exibida
relacionados aos números irracionais. parte dos resultados das entrevistas realizadas
Esta investigação foi motivada por uma apenas com os alunos do Ensino Fundamental
das autoras ao identificar que seus alunos do 4º e do Ensino Médio e os correspondentes níveis
ano de Licenciatura em Matemática apresenta- no sistema de ensino francês. A coleta de dados
vam incompreensões relacionadas aos números ocorreu por meio de entrevistas semiestrutura-
racionais, irracionais e reais, sendo que os maio- das, individuais, que foram gravadas em áudio e
res equívocos estavam relacionados aos números vídeo, com atividades matemáticas previamente
irracionais. As incompreensões dos alunos eram elaboradas para os alunos resolverem.
tão elementares, tais como erros ao classificar A pesquisa foi fundamentada na teoria
os números em racionais ou irracionais, erros dos campos conceituais de Gérard Vergnaud
relacionados à natureza do número π, sobre a (VERGNAUD, 1990), teoria de desenvolvimen-
inclusão dos conjuntos numéricos, entre outras to cognitivo que adota o pressuposto de que o
questões que devem ser estudadas, segundo os conhecimento se adapta e se desenvolve com o
Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino tempo e em função das situações que o sujeito
de Matemática (PCN) (BRASIL, 1998), a partir do vivencia, sendo reelaborada a cada nova situa-
8º ou 9º ano do Ensino Fundamental. ção enfrentada. Ainda, com base em Vergnaud
Considerando esses fatos, buscou-se in- (1990), o estudo realizado refere-se ao campo
vestigar conhecimentos relacionados aos núme- conceitual dos números irracionais, conside-
ros irracionais de alunos que finalizavam os três rando Campo Conceitual como um conjunto de
níveis de ensino: Fundamental, Médio e Superior situações, conceitos, representações simbólicas,
de Matemática, com a intenção de analisar as di- propriedades e teoremas que permitem analisar
ferenças e semelhanças que poderiam surgir nas essas situações como tarefas matemáticas.
respostas de alunos desses três níveis de ensino. A seguir, apresentamos os documentos cur-
Ao iniciar essa investigação no Brasil, surgiu a riculares, os níveis de ensino e a abordagem dos
possibilidade de se realizar parte da pesquisa números irracionais dos documentos curriculares
na França. Sendo assim, e considerando as di- da Educação Básica de ambos os países envolvidos
ferenças culturais e entre os sistemas de ensino na pesquisa, buscando explicitar as semelhanças e
desses dois países, sobretudo no que se refere diferenças no que se refere ao estudo dos números
aos números irracionais, como será especificado irracionais no Brasil e na França.
no decorrer deste texto, ampliaram-se os sujeitos
da pesquisa para investigar os conhecimentos Documentos curriculares, níveis
relacionados aos números irracionais de alunos escolares e os números irracionais nos
dos sistemas de ensino brasileiro e francês. sistemas de ensino brasileiro e francês
Nesse contexto, os sujeitos da pesquisa fo-
ram 21 alunos brasileiros que estavam em fase de Os sistemas de ensino brasileiro e francês
conclusão do Ensino Fundamental, Médio e Licen- apresentam algumas semelhanças e diferenças
ciatura em Matemática, e 21 alunos franceses de em suas estruturas. Tanto o sistema de ensino
brasileiro quanto o sistema de ensino francês
2
Tese de doutorado defendida no ano de 2013. Esta pesquisa consiste de cinco anos de educação infantil não
contou com bolsas de estudo da Fundação Araucária – Apoio obrigatória, doze anos de escolaridade obrigató-
ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná – e ria e ensino universitário não obrigatório. Uma
auxílio financeiro e bolsas de estudo do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para síntese dos níveis desses dois sistemas de ensino
o período de estágio de doutorado sanduíche realizado na é apresentada no Quadro 1.
Universidade Lille 3, França.

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Quadro 1 – Correspondências entre os sistemas de ensino brasileiro e francês.

SISTEMA DE ENSINO BRASILEIRO SISTEMA DE ENSINO FRANCÊS

Nível de escolaridade Duração Idade Nível de escolaridade Duração Idade

Educação infantil 5 anos (não De 0 a 5 Escola maternal 5 anos (não De 0 a 5 anos


obrigatório) anos obrigatório)

Ensino Fundamental: 5 anos De 6 a 10 Escola elementar 5 anos De 6 a 10 anos


Anos iniciais anos

Ensino Fundamental: 4 anos De 11 a 14 Collège 4 anos De 11 a 14


Anos finais anos anos

Ensino Médio 3 anos De 15 a 17 Lycée 3 anos De 15 a 17


anos anos

Fonte: autoras desta pesquisa.

Para complementar as informações sobre das nomenclaturas correspondentes a cada ano


os níveis de ensino da Educação Básica brasileira de escolarização, desde o primeiro ano do Ensino
e francesa, elaboramos o Quadro 2, que consiste Fundamental até o 3º ano do Ensino Médio.

Quadro 2 – Nomenclaturas dos sistemas de ensino brasileiro e francês.

SISTEMA DE ENSINO BRASILEIRO SISTEMA DE ENSINO FRANCÊS

Ensino Fundamental: Anos iniciais Escola elementar

1° ano Curso Preparatório ou CP

2° ano Curso Elementar 1° ano ou CE1

3° ano Curso Elementar 2° ano ou CE2

4° ano Curso Médio 1° ano ou CM1

5° ano Curso Médio 2° ano ou CM2

Ensino Fundamental: Anos finais Collège

6° ano Sixième

7° ano Cinquième

8° ano Quatrième

9° ano Troisième

Ensino Médio Lycée

1° ano do Ensino Médio Seconde

2° ano do Ensino Médio Première

3° ano do Ensino Médio Terminale

Fonte: autoras desta pesquisa.

Especificamente em relação ao nível corres- Ensino Médio, que oferece uma educação geral
pondente ao Ensino Médio, existem modalidades para todos, modalidade mais frequente nas escolas
diferentes nesses dois países. No Brasil, além do brasileiras, e que busca preparar os estudantes tan-

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to para a vida cotidiana quanto para o vestibular, Pedagógicas Disciplinares (PPD), documentos
existem cursos de nível médio de educação profis- elaborados em conjunto pelos professores das
sional e tecnológica, com duração de três ou quatro disciplinas de cada instituição.
anos, destinados aos estudantes que concluíram o Na França existe um único documento
Ensino Fundamental. Como exemplos de cursos nacional para cada nível de ensino, denominado
dessa modalidade de ensino citam-se os cursos Programmes. Esses documentos contêm os co-
em Alimentos, Contabilidade, Informática, Progra- nhecimentos essenciais e os métodos aos quais os
mação de Jogos Digitais, Mecânica, entre outros; e alunos devem ser submetidos no decorrer de sua
curso de Formação de Docentes, também com du- aprendizagem, e devem ser seguidos por todas
ração de quatro anos, que habilita para a docência as instituições de ensino, sejam elas públicas
na educação infantil e nos anos iniciais. ou privadas.
Na França, existem três tipos de Lycée: o Para nossa pesquisa, que se refere aos
geral, o tecnológico e o profissional. O geral e o conhecimentos de números irracionais mobili-
tecnológico preparam os alunos principalmente zados por alunos desses dois países, buscou-se
para entrar na universidade, e o Lycée profissio- saber, de acordo com esses documentos cur-
nal prepara os alunos para a vida profissional. riculares, em que momento do ensino e com
A Seconde é o ano escolar comum para todos os quais abordagens os números irracionais fazem
alunos; é nesse momento que os alunos escolhem oficialmente parte do currículo escolar dos alu-
o tipo de Lycée em que vão continuar seus estu- nos brasileiros e franceses.
dos, seja pela via geral ou tecnológica. Contudo, No Brasil, no que se refere ao Ensino
mesmo se o aluno faz a opção pelo Lycée geral, Fundamental, o conteúdo números irracionais é
que o prepara para a entrada na universidade, explicitado no currículo da Educação Básica, e
após cursar a Seconde, ele deve escolher uma deve ser ensinado no quarto ciclo do Ensino Fun-
das três opções para cursar essa modalidade de damental, que corresponde aos 8º e 9º anos desse
ensino: (i) Économique et Social (E.S.), espe- nível de ensino (BRASIL, 1998). Nesse ciclo, os
cialidades de escolhas: Ciências Econômicas e conteúdos são apresentados em quatro blocos:
Sociais, Matemática, Línguas; (ii) Littéraire (L), Números e operações; Espaço e formas; Grande-
especialidades de escolhas: Letras Clássicas, zas e medidas; Tratamento da informação.
Letras e Línguas, Letras e Artes, Letras e Mate- No que concerne ao estudo dos números,
mática; (iii) Scientifique (S), especialidade de os objetivos para o quarto ciclo do Ensino Fun-
escolhas: Matemática, Física-química, Ciências damental, segundo os PCN (1998), são:
da vida e da terra, Ciências do engenheiro. Des-
se modo, o Lycée geral proporciona aos alunos • Ampliar e consolidar os significa-
franceses amplo conhecimento específico da dos dos números racionais a partir
área que prentendem seguir na universidade. Os dos diferentes usos em contextos
sociais e matemáticos e reconhecer
alunos que desejam realizar o ensino superior na
que existem números que não são
área de ciências exatas, como Matemática, por racionais.
exemplo, devem optar pelo Lycée Scientifique,
• Resolver situações-problema
opção de ensino que propicia maior ênfase em envolvendo números naturais,
disciplinas dessa área. inteiros, racionais e irracionais,
Quanto aos documentos que norteiam a ampliando e consolidando os
educação básica desses dois países, temos no significados da adição, subtração,
Brasil os Parâmetros Curriculares Nacionais multiplicação, divisão, potencia-
(PCN), as diretrizes de alguns estados, como é o ção e radiciação.
caso do Estado do Paraná, que possui as Diretri- • Selecionar e utilizar diferentes
zes Curriculares do Estado do Paraná (DCE) para procedimentos de cálculo com nú-
meros naturais, inteiros, racionais e
cada disciplina, que norteiam os conteúdos e
irracionais. (BRASIL, 1998, p.81)
metodologias para os professores dos anos Finais
do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio.
Além disso, cada instituição de Ensino Funda- Segundo os PCN (BRASIL, 1998), no quar-
mental e Médio possui suas próprias Propostas to ciclo é necessária a ampliação dos significados

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dos números por meio do reconhecimento da números além dos racionais. O


existência dos números irracionais. De acordo problema clássico de encontrar
com esse documento, é importante que o aluno o comprimento da diagonal de
um quadrado, tomando o lado
vivencie situações em que os números racionais
como unidade, que conduz ao
não são suficientes para resolvê-las, tornando-se
número . Nesse caso, pode-se
necessária a consideração de outros números: informar (ou indicar a prova)
os números irracionais. Recomenda-se que no da irracionalidade de , por
ensino dos números irracionais não sejam enfa- não ser uma razão de inteiros. O
tizados os cálculos com radicais e que o aluno: problema das raízes quadradas
de inteiros positivos que não
[...] identifique o número irracional são quadrados perfeitos, , ,
como um número de infinitas casas etc., poderia seguir-se ao caso
decimais não periódicas, identifique particular de .
esse número com um ponto na
reta, situado entre dois racionais • Outro irracional que pode ser
apropriados, reconheça que esse explorado no quarto ciclo é o nu-
número não pode ser expresso por mero π. O número π nessa fase do
uma razão de inteiros; conheça nú- aprendizado aparece como a ra-
meros irracionais obtidos por raízes zão entre o comprimento de uma
quadradas e localize alguns na reta circunferência e o seu diâmetro.
numérica, fazendo uso, inclusive, • Deve-se estar atento para o fato
de construções geométricas com de que o trabalho com as medi-
régua e compasso. Esse trabalho ções pode se tornar um obstáculo
inicial com os irracionais tem por para o aluno aceitar a irracio-
finalidade, sobretudo, proporcionar nalidade do quociente entre o
contraexemplos para ampliar a com- comprimento da circunferência
preensão dos números. (BRASIL, e seu diâmetro, uma vez que ele
1998, p.83) já sabe que as medições envolvem
apenas números racionais.
Nos PCN também são apresentadas aos • É possível, no entanto, propor si-
tuações que permitam aos alunos
professores orientações didáticas para a aborda-
várias aproximações sucessivas
gem dos irracionais em sala de aula, no que se de π. Ao trabalhar com essas
refere à medida de números irracionais, à prova aproximações, é interessante
da irracionalidade de , às aproximações su- usar diferentes calculadoras e
cessivas do número π, ao número π como razão informar os alunos a respeito
entre o comprimento de uma circunferência e seu dos cálculos que são feitos em
diâmetro, possibilidades de cálculos aritmético computadores de grande porte,
que produzem o valor de π com
e algébrico com números irracionais (BRASIL,
milhões de dígitos sem que haja
1998). o aparecimento de um período na
No que diz respeito aos números irracio- expansão decimal.
nais, os PCN alertam que seu ensino por meio • Com relação aos cálculos arit-
exclusivamente dos radicais não tem contribuído mético e algébrico com números
para o desenvolvimento desse conceito, e que irracionais, configuram-se duas
um ensino formal desse conteúdo nessa fase de possibilidades: Numa delas o
escolaridade também não é adequado. Nesse aluno deve ser orientado a efe-
sentido, apresentam as indicações que julgam tuar os cálculos seguindo regras
operatórias análogas às que são
adequadas para a abordagem desse conceito
válidas para os racionais. Esse
(BRASIL, 1998, p.106-107): fato pode conduzir, inclusive, à
obtenção de infinitos irracionais
• O estudo dos números irracionais por meio das operações funda-
pode ser introduzido por meio mentais. Por exemplo, explorar
de situações-problema que evi- números na forma ,
denciem a necessidade de outros com a e b racionais, pode con-

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tribuir para a superação da ideia Segundo os autores dessa obra, esse fato
equivocada de que há poucos se repete para qualquer circunferência, e esse
irracionais. Uma segunda possi- valor é representado pela letra grega π. De acor-
bilidade é a de efetuar cálculos
do com os PCN (BRASIL, 1998), esse fato pode
com os irracionais por meio de
aproximações racionais. Nesses induzir os alunos a compreenderem o número
casos apresenta-se uma situação π como um número racional, pois os resultados
apropriada para tratar o conceito das medidas obtidas com os objetos circulares
de arredondamento e utilizar as são aproximações do número π que resultam em
calculadoras. números racionais, e que dependem da espessura
do barbante utilizado para a medição, de precisão
Em relação ao número π, assim como su- e condições da medição que podem conduzir os
gere os PCN, é importante o professor ficar atento alunos a contradições e equívocos, prejudicando
ao fato de que atividades relacionadas a medições a aprendizagem sobre o número π. Ressalta-se
de objetos redondos no que se refere ao compri- que atividades como essa não foi encontrada
mento da circunferência e do diâmetro com o nas obras analisadas francesas do Collége (nível
intuito de se explorar o número π, pode tornar-se correspondente ao Ensino Fundamental).
um obstáculo para os alunos compreenderem De acordo com os Parâmetros Curricula-
sobre a irracionalidade desse número. Ademais, res Nacionais para o Ensino Médio (PCNEM),
não é raro encontrar atividades dessa natureza os conteúdos a serem ensinados nesse nível de
em livros didáticos brasileiros. Como exemplo, ensino são apresentados em três eixos: Álgebra:
cita-se a obra do 8º ano da coleção A Conquista números e funções; Geometria e medidas; Aná-
da Matemática3, na qual, na seção intitulada Um lise de dados. No que concerne aos números, o
irracional importante: o número π propõe uma objeto de estudo é o campo dos números reais,
atividade em que os alunos devem medir o diâme- e eventualmente o conjunto dos números com-
tro e a circunferência de alguns objetos circulares plexos. “Os procedimentos básicos desse tema se
tais como moeda, lata de refrigerante e pneu e referem a calcular, resolver, identificar variáveis,
determinar a razão entre estas duas medidas que traçar e interpretar gráficos e resolver equações
resultam aproximadamente . de acordo com as propriedades das operações
no conjunto dos números reais e as operações
válidas para o cálculo algébrico” (BRASIL, 2000,
Figura 1 – Atividade número π.
p.120-121). No que concerne especificamente
aos números irracionais, os PCNEM apontam
que esses números devem estar relacionados
com geometria e medidas, e que nessa etapa é
necessário que o aluno seja capaz de diferenciar
valores exatos e aproximados de acordo com os
instrumentos disponíveis.
Ao contrário da abordagem nos documen-
tos curriculares brasileiros, na França a expres-
são números irracionais não é mencionada nos
Programmes do Collège e do Lycée. No entanto,
é possível perceber que, embora sem formalizar
e sem mencionar os números irracionais, os
alunos franceses têm os primeiros contatos com
esses números na Quatrième (corresponde ao 8º
ano), no estudo do teorema de Pitágoras, uma vez
que, dependendo dos valores considerados para
Fonte: Giovani Júnior e Castrucci (2009). as medidas dos lados dos triângulos retângulos,
podem surgir cálculos com números irracionais
algébricos, isto é, números da forma , sendo n
3
GIOVANI JÚNIOR, J. R.; CASTRUCCI, B. A conquista da Ma-
temática. Ensino Fundamental, 8º ano. São Paulo: FTD, 2009. um número inteiro positivo que não é quadrado

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perfeito. Esse fato pode ser percebido nos livros • Números inteiros e racionais (divisor co-
didáticos franceses da Quatrième. mum entre dois inteiros; frações irredutí-
Nos Programmes da Troisième (corres- veis; operações sobre os números relati-
ponde ao 9º ano) (FRANCE, 2008) também são vos em escrita fracionária).
percebidos indicativos do estudo dos números • Cálculos elementares sobre os radicais
irracionais no campo Números e Cálculos e no (raiz quadrada de um número positivo;
campo Geometria. No campo Números e Cálcu- produto e quociente de dois radicais).
los é solicitado que os alunos conheçam cálculos As competências neste campo devem ser:
elementares sobre radicais (raiz quadrada de um • Saber que, se a designa um número
número positivo; produto e quociente entre dois positivo, é o número positivo cujo
radicais), resolvam equações do segundo grau quadrado é a e utilizar as igualdades:
da forma , sendo a um número positivo, .
estudem sobre propriedades geométricas elemen- • Determinar, por meio de exemplos numé-
tares de figuras planas e de sólidos: quadrado, ricos, os números x tal que , sendo
retângulo, losango, paralelogramo, triângulo, a um número positivo.
círculo, cubo, paralelepípedo retângulo, cilin- E, de acordo com o campo Geometria, os
dro, esfera. alunos devem estudar sobre:
Desse modo, embora os números irracio- • Propriedades geométricas elementares
nais não estejam explicitamente citados nos Pro- de figuras planas e de sólidos: quadrado,
grammes do Collège, eles fazem parte dos estudos retângulo, losango, paralelogramo, triân-
escolares dos alunos do Collège. Como exemplo, gulo, círculo, cubo, paralelepípedo retân-
citamos os números irracionais algébricos que gulo, cilindro, esfera.
são estudados por meio do teorema de Pitágoras, Provavelmente decorre dessas situações
raízes quadradas, soluções de equações do se- relacionadas aos números irracionais que au-
gundo grau, cálculos de áreas de figuras planas, tores de livros didáticos de Troisième5 definam
relações trigonométricas. O número irracional números irracionais no capítulo específico sobre
transcendente π também é utilizado nesse nível Raízes Quadradas de suas respectivas obras e,
de escolarização em cálculos envolvendo área e algumas vezes, insiram fatos históricos e ativi-
perímetro do círculo, área e volume de sólidos dades sobre o número de ouro.
redondos como o cilindro e a esfera. De acordo Sendo assim, não se pode negar que
com uma das coleções de livros analisada,4 no- são várias as situações presentes no processo
tamos que as primeiras vezes em que o número escolar dos alunos franceses que propiciam
π aparece nos estudos do Collège é na Sixième, conhecimentos sobre os números irracionais,
nível correspondente ao sexto ano do Ensino em particular sobre os irracionais algébricos e o
Fundamental, em tarefas relacionadas a áreas transcendente p.
e perímetros de círculos e circunferências. O No que se refere ao Lycée, a partir de se-
símbolo do número π é utilizado nas fórmulas tembro de 2010 começou a vigorar um novo Pro-
dessas figuras geométricas, e sua aproximação, o gramme da Seconde (FRANCE, 2009), no qual os
número 3,14, é utilizada sempre que necessário, conjuntos numéricos não são mencionados. Por
mas com o devido cuidado para que seja indi- consequência, os livros didáticos editados depois
cado como uma aproximação e não como uma desse período não apresentam nomenclaturas e
identificação entre os números π e 3,14. propriedades dos conjuntos numéricos, com o
Nos Programmes da Troisième (FRAN- primeiro capítulo dos livros didáticos lançados
CE, 2008) também são percebidos indicativos após a reforma de 2009 partindo diretamente do
do conceito de números irracionais no campo
Números e Cálculos e no campo Geometria. No
campo Números e Cálculos, é solicitado que os 5
BRAULT, R. et al. Collection Phare. Mathématiques 3e. Editora
alunos conheçam: Hachette Éducation, Paris, 2008.
CUAZ, L. et al. Collections Prisme.Math 3e. Ed. Berlin, Paris,
2008.
4
Collection Sésamath. Mathématiques 6e. Editora Génération MALAVAL, J. et al. Coleção Transmath.Troisième. Editions
5, France, 2015. Nathan, Paris, 2008.

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conteúdo funções, sem mencionar os conjuntos irracionais nos documentos curriculares e livros
numéricos. didáticos de ambos os países contemplados na
Considerando o estudo realizado no que pesquisa, elaboramos uma síntese apresentada
se refere à presença e/ou ausência dos números no Quadro 3, disponibilizado a seguir.

Quadro 3 – Síntese da presença ou não dos números irracionais nos currículos brasileiro e francês.

Nível Brasil França

Ensino Presença do conceito de números Ausência do conceito de números irracionais no currículo


Fundamental irracionais no currículo oficial de oficial de Matemática. Por consequência:
Matemática. Por consequência: • Na 4e, durante do estudo do teorema de Pitágoras e
• Números irracionais são aplicações, nota-se a presença dos números irracionais
explicitados nos livros didáticos algébricos sem explicitá-los e sem nomeá-los.
de 8º e 9º ano. • Na 3e existe a presença dos números irracionais algébricos
no estudo das raízes quadradas e do número π no
estudo de figuras planas e sólidos geométricos. Porém, a
explicitação ou não desse conceito fica a cargo dos autores
de livros didáticos e professores de Matemática.

Ensino Médio Presença do conceito de números Ausência do conceito de números irracionais no currículo
irracionais no currículo oficial de oficial de Matemática. Por consequência:
Matemática. Por consequência: • Até o ano letivo de 2009, os números irracionais eram
• Números irracionais são mencionados nos livros didáticos na seção destinada
explicitados nos livros didáticos ao estudo dos conjuntos numéricos. A partir de 2010,
do 1º ano no decorrer do estudo a explicitação desses números está ausente dos livros
dos conjuntos numéricos. didáticos.

Fonte: autoras desta pesquisa.

Assim, notamos que, em relação ao siste- números irracionais algébricos e do número π.


ma de ensino brasileiro, pode-se afirmar que o No decorrer do estudo das raízes quadradas,
estudo dos números irracionais é oficialmente alguns autores de livros didáticos, assim como
explicitado nos PCN de Matemática para o Ensi- Malaval et al. (2003)6, chegam a mencionar e
no Fundamental (BRASIL, 1998), inclusive com a definir os números irracionais como sendo
propostas e sugestões para o professor explorar aqueles que não são racionais.
esse conteúdo em sala de aula, no quarto ciclo Desse modo, embora exista diferença no
desse nível escolar. No que se refere ao Ensino que se refere à presença explícita e formal do
Médio, apesar de os números irracionais não conteúdo números irracionais nos documentos
serem enfatizados pelos PCN, os livros didáticos curriculares desses dois países, é possível iden-
e as Propostas Pedagógicas Curriculares dos co- tificar que em ambos os alunos vivenciam situ-
légios, que também foram analisadas para essa ações relacionadas a esse conceito no decorrer
pesquisa, mencionam esse conceito ao revisar e do processo escolar, mobilizando conhecimentos
aprofundar o estudo dos conjuntos numéricos e similares, conforme os resultados obtidos na in-
suas operações. vestigação realizada que são descritos a seguir.
No que diz respeito ao sistema de ensino
francês, o conceito números irracionais não é ex- A pesquisa: conhecimentos de alunos
plicitado nos Programmes do Collège e do Lycée, brasileiros e franceses da Educação
ficando a cargo do professor de Matemática e dos
Básica relacionados aos números
autores de livros didáticos explicitarem ou não
este conteúdo. No entanto, na Quatrième, por
irracionais
meio do teorema de Pitágoras, e na Troisième,
Neste texto, apresentamos uma análise su-
por meio do capítulo sobre Raízes Quadradas ou
cinta contendo os principais resultados de parte
no bloco de Geometria, em conteúdos relaciona-
dos às figuras geométricas planas e aos sólidos 6
MALAVAL, J. et al. Coleção Transmath.Troisième. Editions
geométricos, não há como negar a presença de Nathan, Paris, 2008.

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das entrevistas realizadas com alunos brasileiros Para preservar a identidade dos sujeitos
e franceses do Ensino Fundamental e Ensino colaboradores da pesquisa, os alunos foram
Médio, e níveis correspondentes franceses. As identificados por uma sigla correspondente a
informações analisadas foram obtidas mediante uma letra inicial de seu respectivo nível de en-
a realização de entrevistas individuais, sustenta- sino e um número que varia de 1 a 7, conforme
das na resolução de nove atividades pelos alunos, a legenda a seguir:
que foram filmadas.
Cada atividade do instrumento de pes-
Quadro 4 – Siglas dos sujeitos colaboradores
quisa estava associada a pelo menos uma das
da pesquisa.
ideias base de número irracional, conforme
estabelecidas por Rezende (2013), e foram ela- Níveis do Sistema de Ensino Sigla
boradas de modo que a cada atividade o grau de Brasileiro
complexidade aumentava, no sentido de ampliar Ensino Fundamental F1, F2, F3, F4, F5,
conceitos, representações simbólicas e proprie- F6, F7
dades envolvidas. Ensino Médio M1, M2, M3, M4,
Além disso, na pesquisa original foram M5, M6, M7
levados em consideração pressupostos de Verg-
Níveis do Sistema de Ensino Sigla
naud (1990), conforme os quais, para a compre- Francês
ensão de um conceito, o sujeito deve vivenciar
Collège C1, C2, C3, C4, C5,
uma diversidade de situações relacionadas a C6, C7
esse conceito.
Terminale Economique et ES1, ES2, ES3, ES4
Durante as entrevistas realizadas indivi- Social (TES)
dualmente, procurou-se, como sugere Carraher
(1989, p.32), “[...] acompanhar o raciocínio de Terminale Scientifique (TS) S1, S2, S3, S4, S5

cada sujeito, estando atenta ao que o sujeito Fonte: autoras desta pesquisa.
diz ou faz, sem corrigir automaticamente as
respostas dadas pelo sujeito de acordo com As atividades aqui apresentadas corres-
seu raciocínio e sem completar o que o sujeito pondem às atividades 2, 3, 4 e 8 do instrumento
diz”, oportunizando que o sujeito formasse suas de pesquisa, e que para o presente texto foram
conclusões. enumeradas de 1 a 4. A escolha por cada uma
Para as respostas de cada atividade, foram delas deve-se ao fato de representarem situações,
solicitadas justificativas, permitindo que os su- significantes e ideias base (REZENDE, 2013)
jeitos demonstrassem seu nível de compreensão. distintas em relação ao conceito de números ir-
Procuraram-se meios de esclarecer as ambigui- racionais: a atividade 1 refere-se à representação
dades surgidas nas respostas. Com esse modo decimal dos irracionais e ao uso da calculadora;
de conduzir as entrevistas, juntamente com os a atividade 2 diz respeito à impossibilidade de
pressupostos teóricos de Vergnaud (1990), foram se representar um irracional por meio de fração
analisadas as informações buscando identificar entre números inteiros; a atividade 3 trata de
os conhecimentos implícitos nas respostas dos soluções algébricas irracionais de equações do
sujeitos, de forma a atingir o objetivo da pes- segundo grau e a atividade 4 aborda a construção
quisa. No entanto, para este texto, optamos por de um segmento de medida irracional.
apresentar as principais discussões realizadas A atividade8 1 teve por objetivo investigar
sobre quatro atividades, aplicadas a sete alunos se os alunos mobilizam corretamente o fato de
que finalizavam o Ensino Fundamental, sete que os números disponíveis no visor da calcu-
alunos do Ensino Médio e de alunos de níveis ladora são números decimais, e por esse motivo,
correspondentes franceses, sendo sete alunos do ao teclar um número irracional na calculadora,
Collège, nove alunos do Lycée (quatro alunos de
Terminale7 Lycée Économique et Social (TES) e 8
O instrumento de pesquisa consistiu de nove atividades.
cinco alunos do Terminale Scientifique (TS)). No entanto, por considerar que não influenciaria a apresen-
tação dos resultados, para este texto, serão apresentadas as
análises das atividades 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9. Porém elas foram
7
Terminale corresponde a 3º ano do Ensino Médio. renumeradas de 1 a 7 para dar coerência ao texto.

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como por exemplo , o resultado não passa de . No entanto, os alunos do Ensino Médio e
uma aproximação desse número. Sendo assim, Lycée manifestaram ciência de que a calculadora
duas questões iniciais foram lançadas aos alunos: proporciona a decimalização dos números, con-
a) Ao teclar o número 2 na calculadora seguido forme a fala do aluno brasileiro M4: Eu acho que
da tecla , qual o número que aparece no visor não, porque na calculadora não aparece todos os
da calculadora? b) Podemos afirmar que é números. Vai ter mais números.
igual ao número que apareceu no visor da calcu- No que se refere à irracionalidade de ,
ladora, ou seja, que a igualdade parece haver um avanço por parte dos alunos de
é verdadeira? TS, pois, entre os 12 alunos do Ensino Médio e
Para os alunos que afirmaram que a igual- Lycée, apenas as respostas de dois alunos de TS
dade é verdadeira, questionava- estavam relacionadas à irracionalidade de ,
se: c) Quanto é elevado ao quadrado? d) no que se refere às suas infinitas casas decimais
Quanto é elevado ao quadrado? e) não periódicas.
Compare os valores encontrados no item (c) e Observa-se que 18 alunos da Educação
no item (d). Por que você acha que os resultados Básica (de um total de 30 alunos entrevistados),
foram diferentes? sendo seis alunos brasileiros (de um total de
Para os alunos que afirmaram que a igual- 14 alunos brasileiros entrevistados), três do
dade é falsa, questionava-se: por Ensino Fundamental e três do Ensino Médio, e
que você acha que a igualdade não é verdadeira? 12 alunos franceses (de um total de 16 alunos
Você acha que existem mais alguns ou existem franceses entrevistados), sendo seis do Collège,
muitos números além desses que aparecem no três de TES e três de TS, não souberam dizer se
visor da calculadora? Como são estes números? existem muitas ou poucas casas decimais além
Você acha que eles apresentam um período ou dos números que aparecem no visor da calcula-
não apresentam um período? dora: “[...] A calculadora arredonda os resultados
Embora o número seja um número ir- e não dá pra saber se tem mais dígitos ou não”
racional utilizado com certa frequência nas aulas (ES2). Segundo Jacquier (1996), o fato de os
de Matemática e livros didáticos, os alunos inves- alunos não reconhecerem as infinitas casas de-
tigados, brasileiros e franceses, não ofereceram cimais de um número irracional algébrico pode
indicativos, em suas respostas, de que compre- ser justificado por escutarem frequentemente
endessem a natureza desse número. Essa afirma- de seus professores “Quando nós utilizamos a
ção é baseada no fato de que nenhum aluno do tecla na calculadora, nós obtemos um valor
Collège e do Ensino Fundamental respondeu que aproximado do número na calculadora” (p.35),
a igualdade é falsa. ou especificamente em se tratando de : “Isto
Após a realização dos questionamentos que vocês leem na calculadora de vocês não é
previstos para a atividade, predominou nas res- ” (p.44). De acordo com essa pesquisadora, esse
postas dos alunos o fato de eles suspeitarem que tipo de frase pode causar certo mecanismo aos
possui mais casas decimais além daquelas alunos, conduzindo-os a afirmar que a igualda-
que aparecem no visor da calculadora; conforme de não é verdadeira, porém, a
mostra a fala do aluno francês C4: “Sim, eles são natureza do número não é reconhecida pelos
iguais porque a gente tecla na calculadora e este é alunos.
o resultado. [...] Elevando ao quadrado os resulta- A atividade 2, que objetivou identificar
dos são diferentes, mas é bem próximo de dois... os conhecimentos relacionados ao fato que um
acho que tem mais alguns dígitos”. Nesse caso, número irracional não pode ser escrito como a
depois de induzido a elevar ambos os lados da razão entre dois números inteiros, questionava
igualdade ao quadrado, o aluno os alunos sobre a existência de dois números
apresenta indicativos de perceber as limitações inteiros p e q, q ≠ 0 com os quais podemos es-
da calculadora. crever igual a .
No que se refere aos alunos do Ensino
Médio e do Lycée, dez desses alunos também Nessa atividade, três alunos brasileiros do
indicam em suas respostas a decimalização de Ensino Fundamental e quatro alunos franceses
do Collège responderam que um número não

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inteiro não pode ser escrito como a razão entre nível de ensino o fez, dizendo que a solução de
dois números inteiros, conforme mostra a fala do é .
aluno F2: “Eu acho que não [que não é possível A influência da decimalização proporcio-
representar como a razão entre dois números nada pela calculadora está mais presente nas
inteiros]... porque a gente fez raiz de dois na cal- respostas dos alunos do Ensino Médio e TES, do
culadora e deu um número com vírgula”. que nas dos alunos de Ensino Fundamental, pois
Ainda em relação a este mesmo nível de quatro alunos do Ensino Médio e dois de TES
Ensino – Ensino Fundamental e Collège – Cinco responderam, equivocadamente, que as soluções
alunos responderam que existem dois números das equações e são valores iguais
inteiros p e q, q ≠ 0 tal que , associando ou aproximados ao número disponibilizado pelo
visor da calculadora.
com um número decimal (racional), como mostra
No que diz respeito a considerar correta-
a fala de F3: “O que deu mais aproximado foi 15
mente as soluções irracionais algébricas, apenas
dividido por 13... que deu 1,1538”.
um aluno brasileiro e dois alunos de TES indica-
Em relação ao desempenho dos alunos
ram considerá-las, pois exibiram como solução
do Ensino Médio e alunos do Lycée (TES e TS),
das equações e os números e ,
a possibilidade de avanço desse nível de ensi-
respectivamente. No entanto, é preciso destacar
no, perante os alunos do Ensino Fundamental
que as soluções negativas e não foram
e Collège, é indicada apenas nas respostas dos
mencionadas por esses alunos.
alunos de TS, pois dois desses alunos argumen-
Já nas respostas dos alunos de TS, nota-se
taram, corretamente, apesar de demonstrarem
avanço no desempenho desses alunos quanto
dúvidas, conforme exemplifica a fala de S2:
ao domínio numérico para os valores de raízes
“Pra mim não... pra mim as raízes não podem
quadradas, pois, eles consideram como solução
ser escritas como a divisão entre 2 inteiros, as
os números e , bem como as respectivas
raízes não são inteiras”. Já nenhum dos alunos
soluções negativas e , que não foram
do Ensino Médio e TES responderam correta-
citadas pelos alunos já mencionados.
mente, conforme ilustra a fala do aluno francês
A atividade 4 teve por objetivo analisar
ES3: “Não, eu penso que não... são números com
os conhecimentos dos alunos relacionados a
vírgula, não são números como 1,2,3,4”.
representar um número irracional algébrico, tal
Com a atividade 3, pretendeu-se investigar
como , na reta numérica. A intenção era que
se os alunos consideram, ou não, a existência de
os alunos representassem o segmento de medi-
solução para as equações da forma , com
da na reta, com o auxílio da construção
, sobretudo quando a não é um número
de um triângulo retângulo de catetos unitários,
quadrado perfeito, resultando numa solução
transportando a medida da hipotenusa
irracional algébrica. Sendo assim, os alunos
para a reta numérica.
foram questionados se as seguintes equações do
segundo grau possuem solução no conjunto dos
números reais: a) ; b) ; c) ; Figura 2 – Representação da reta numérica.
d) .
Neste texto, apresentamos as análises re-
alizadas das respostas para as equações b) e d),
que dizem respeito aos irracionais.
Quatro alunos do Ensino Fundamental
e cinco alunos do Collège alegaram que as
equações e não possuem soluções,
conforme justifica o aluno francês C2: “Não tem
solução... porque não tem 17 na tábua de multi-
Fonte: autoras desta pesquisa.
plicação”. Quanto a apresentar solução decimal
com o auxílio da calculadora para as equações
No que se refere aos alunos brasileiros
propostas, apenas um aluno brasileiro desse
e franceses da Educação Básica, entrevistados

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nesta pesquisa, pode-se dizer que eles não vis- diferenças significativas em suas respostas, e
lumbram a possibilidade de se representar um mobilizaram conhecimentos equivocados ou
número irracional algébrico, tal como , na adequados de forma equivalente.
reta numérica. Pois 16 alunos de um total de Em relação aos alunos do Ensino Médio e
30 sujeitos, sendo três do Ensino Fundamental, Lycée (TES e TS) foram identificadas semelhanças
quatro do Collège, um do Ensino Médio, quatro e diferenças em seus desempenhos, com os alu-
do TES e quatro do TS, responderam que não é nos de TS, apresentando respostas mais precisas,
possível representar na reta numérica, con- menor frequência de erros e maior indicativo de
forme exemplifica: F7: “Não. [...] Porque é um desestabilização, ou pelo menos de perturbação
número grande demais”. E, os demais 14 alunos local, de conhecimentos equivocados. Desse
da Educação Básica – quatro do Ensino Funda- modo, comparando o desempenho dos alunos
mental, três do Collège, seis do Ensino Médio, um entrevistados de Ensino Médio, TES e TS, é pos-
do TS – responderam que é possível representar sível afirmar que existe avanço no desempenho
aproximadamente o referido número, conforme dos alunos de TS, diante de situações do Campo
ilustrado pela fala de M5, após representar um Conceitual dos números irracionais contempladas
ponto entre 1 e 2 na reta e escrever o número nesta pesquisa. Esse fato não surpreende, uma vez
: “É, da pra representar aproximada- que os alunos de TS são preparados para ingres-
mente, né? Exato eu acho que não”. sar em cursos universitários de Ciências Exatas,
No entanto, na atividade seguinte do recebendo, portanto, maior ênfase nas disciplinas
instrumento de pesquisa, que apresentava a de Matemática, com carga horária desta disciplina
construção do caracol pitagórico com a intenção mais ampla do que os alunos dos demais Lycée e
de que os alunos refletissem sobre o método de do Ensino Médio brasileiro.
representar números irracionais algébrico na reta Desse modo, a presente pesquisa mostra
numérica, apenas dois alunos do Ensino Médio que, independente de este conceito estar explí-
demonstraram compreender a construção e re- cito ou não nos currículos e livros didáticos,
presentação do segmento de medida , en- de apresentar ou não a definição dos números
quanto que sete alunos do Lycée o representaram irracionais aos alunos, de se inserir ou não um
corretamente, apresentando avanços, em relação capítulo nos livros didáticos para se estudar a na-
às suas respostas nas atividades precedentes. É tureza dos números – racionais, irracionais, reais
preciso destacar que apenas um aluno de TES –, esses fatores não interferem na aprendizagem
e um aluno de TS não souberam representar dos alunos em relação à natureza dos números.
o número na reta, porém, disseram que tal Ao contrário, os resultados da presente investi-
representação é possível, como ilustra a fala gação apontam que é a experiência escolar, a di-
de S4: Sim... Mas eu não sei como representar versidade de situações matemáticas vivenciadas
(o aluno construiu um triângulo retângulo de pelos alunos, e a disponibilidade do professor em
catetos unitários, mas não chegou a transportar apresentar a seus alunos diferentes atividades
a medida da hipotenusa para a reta). que favoreçam a desestabilização de conheci-
mentos errôneos, que vai favorecer a apropriação
Conclusões do conceito de números irracionais.

Os resultados encontrados nesta inves- Referências


tigação indicam que, embora os documentos
curriculares e livros didáticos brasileiros expli- BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais para o
citem os números irracionais, sendo que os livros Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação. Se-
cretaria de Educação Média e Tecnológica, 1999.
didáticos de 8º ou 9º ano apresentam pelo menos
um capítulo para o estudo dos conjuntos numé- BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Mate-
mática. Brasília: Ministério da Educação. Secretaria
ricos, e que no currículo e nos livros didáticos de Educação, 1998.
franceses a expressão números irracionais não
é mencionada, os alunos brasileiros do Ensino CARRAHER, Terezinha Nunes. O método clínico:
usando os exames de Piaget. São Paulo: Cortez,
Fundamental e os alunos franceses do Collège, 1989.
colaboradores desta pesquisa, não apresentaram

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EDUCAÇÃO MATEMÁTICA EM REVISTA – RS

FRANCE. Bulletin Officiel (B. O.) nº 30 du 23 du REZENDE, V.  Conhecimentos sobre números irra-
juillet 2009. Programmes des Mathématiques. Classe cionais mobilizados por alunos brasileiros e franceses:
de Seconde, 2009. um estudo com alunos concluintes de três níveis
de ensino. (Tese de Doutorado). Universidade
FRANCE. Programmes de l’enseignement de Mathé- Estadual de Maringá, Maringá, 2013.
matiques. Bulletin Officiel spécial (B. O.) nº 6 du 28
du août, 2008. Programmes du Collège, 2008. VERGNAUD, G. La théorie des champs concep-
tuels. Recherche en Didactique des Mathématiques.
JACQUIER, I. Quelles conceptions des nombres Grenoble: La Pensée Sauvage, v.10, n.2.3, p.133-
chez des élèves de troisième? Petit x, n.41, Greno- 170, 1990.
ble, IREM, p.27-50, 1996.

Veridiana Rezende – Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade
Estadual de Maringá (UEM), professora adjunta do Colegiado de Matemática da Universidade Estadual do Paraná (Unespar)
– Campus de Campo Mourão. E-mail: rezendeveridiana@gmail.com
Clélia Maria Ignatius Nogueira – Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual Paulista
(Unesp) – Campus de Marília. Docente da Unicesumar. Orientadora desta pesquisa de doutorado. E-mail: voclelia@gmail.
com

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