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o debate recentemente surgido no país so-
bre os métodos e processos do ensino da
JOSÉ HILDEBRANDO
Ungua Portuguesa está marcado por eviden-
te confusão resultante da ausência de uma
DACANAL
visão social e histórica da questão. IÔnatural
que isto ocorra porque a área possu i arraiga-
da tradição de impermeabilidade à idéia de
ver os fenômenos da linguagem e da língua
como integrantes do todo social. Isto já ocor-
ria com os gramáticos do passado e se acen-
tuou ainda mais com a aceitação e a aplica-
ção simplórias de teorias lingü(sticas impor-
tadas recentemente.
DA LfNGUA
:2 EDIÇÃ():
Q
SUMARIO
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11.A LfNGUA COMO PRODUÇÁO DO HOMEM
12 13
111.A L1Í\JGUA COMO CONVENÇÃO
r manos a possuem.
por linguagem
uma língua, sendo, portanto,
resultante
O que,
é a capacidade
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IX
permanecer como membro - a inevitável sina de ter que No sentido amplo porque uma comunidade humana
aprender sua língua. Pode ser, é claro, que não apenas ela. de um espaço e de um tempo determinados não escolhe
Esta, contudo, permanecerá como seu referencial básico livremente sua I(ngua, estando, pelo contrário, condiciona-
sempre que vier a dominar outras. Tal fato é uma imposição da de forma rigorosa e inevitável por um processo no qual
social no sentido lato da expressão. Há outra, porém, que se integra como último elo de uma cadeia mais ou menos
diz respeito a um sentido mais estrito do termo social. longa de eventos. No sentido estrito porque a permanência
Assim, por exemplo, numa sociedade em que - por segmen- e a continuidade de uma língua são fenômenos ligados às es-
tar-se em classes ou grupos mais ou menos rigidamente dife- truturas de poder da referida comunidade - e às transfor-
renciados - coexistirem variantes de uma mesma Iíngua, a mações sofridas por aquelas ao longo do tempo.
passagem de uma classe ou de um grupo considerados infe- A língua dominante é - ou tende a ser - sempre a
riores para uma classe ou grupo considerados superiores só é língua daqueles que detêm o poder econômico, social e po-
permitida àquele indivíduo que dominar antes a variante da Iítico. Contudo, este fenômeno, na prática, apresenta-se em
classe ou grupo superior. formas' bastante complexas, resultantes de características
Por isto, numa sociedade de classes ou grupos rigida- assumidas pelas respectivas comunidades ao longo de sua
mente compartimentados pode ser, a partir de determinada evolução. Um caso clássico é o da Iíngua latina e das que de-
visão ético-polrtica, uma iniqüidade de filisteu humilhar la resultaram ou a substituíram. O latim, instrumento, tanto
uma pessoa ou um aluno por falar ou escrever errado. Mas é quanto as frotas e as legiões, da expansão do Império Ro-
uma iniqüidade muito maior levá-Ios a acreditar que é isto mano, desintegrou-se juntamente com este. Preservado por
que devem continuar fazendo. Porque a primeira atitude é uma reduzidíssima elite, quase que exclusivamente ligada à
e será sempre produto exclusivo da ignorância, da ingenui- Igreja, resistiu por longo tempo mas fossilizou-se como lín-
dade, da irreflexão ou, no pior dos casos, do desprezo do gua, tendo como tal desaparecido junto com a estrutura
fariseu pelo publicano, para usar a parábola evangélica. A político-administrativa do Império, soterrado, ex eequo,
segunda atitude pode ser também apenas isto, mas não ne- pela crise interna e pela avalancha bárbara. Ao final da Idade
cessariamente. Pois nada impede que ela seja politicamente Média, ao se organizarem lentamente os grandes Estados
planejada com o objetivo de usar a língua como arma de nacionais do Ocidente europeu, formam-se também as lín-
barragem a um possível - mesmo que altamente improvável guas até hoje dominantes na região (e nas zonas de expansão
- processo de ascensão na escala social. colonial posterior). Por volta de meados do segundo milênio,
Se por social se entender agora a situação de todo 1. o italiano, o francês, o inglês, o português e o espanhol I
indivíduo que integra um grupo humano num momento de- apresentavam-se definitivamente estruturados, em alguns
terminado e se por histórico se denominar o peso de um casos sobrepondo-se a um número considerável de variantes,
tempo passado, mais ou menos longo, que recai sobre o
grupo e determina ou, pelo menos, influencia suas formas I O alemão, tal como é conhecido hoje, consolidou-se em época
bem posterior, refletindo a dispersão do poder entre os pequenos
de vida, a h'nqua é também uma imposição histórica, tanto
Estados feudais, que sobreviveram praticamente até o final do século
no sentido amplo quanto no sentido estrito da expressão. XI X, sendo unificados a partir da expansão da Prússia, sob Bis-
marck.
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permanecendo praticamente idênticos até hoje. É claro que Os casos da Itália e do Brasil, se bem que com caracte-
não é mera coincidência que tais linguas - ou as variantes rísticas bastante diversas, se assemelham muito e são exem-
delas - tenham sido e sejam aquelas das elites que monta- plares. E rn ambos - no primeiro de maneira mais lenta, no
ram a base das estruturas do poder polrtico e administrativo segundo mais rápida =, a cavaleiro da rápida expansão dos
cem até hoje inteligiveis para qualquer pessoa que fale a Florença, da Unificação e da RAI e diante do português de
lingua em que eles escreveram? Camões, de D. João VI. do Rio de Janeiro e da TV Globo,
~ aqui que entra o elemento que poderia ser chamado os variados e ricos dialetos do italiano e as variantes caipira
de imposição histórica no sentido estrito da expressão, e em e sertaneja do português tendem, se não a desaparecer defi-
cuja base estão causas como a centralização administrativa, nitivamente, como parece mais provável, pelo menos a re-
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~
v. A LlNGUA COMO
INSTRUMENTO DE PODER
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VI. A LlNGUA E A GRAMÁTICA
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mesmo quando exercida através da fala ou da escrita, pres-
irracionalismo, tomar os efeitos pelas causas e a aparência
supõe bem mais do que inócuas alterações gramaticais. Pres-
pela realidade. No caso da teoria da liberdade pela língua
supõe o controle da informação, a posse do conhecimento
trata-se de uma típica posição pequeno-burguesa que toma
a nuvem por Juno. e, claro que não por último, o respaldo do poder, seja este
Na verdade, o que ocorre é que em épocas de rápi- de caráter diretamente pol (tlco, seja, como pode ser em
das e profundas transformações econômicas e sociais a Iín- nossa sociedade, de natureza apenas(!) econômica. Porque o
gua de uma comunidade sempre enfrenta um certo processo poder de mando e o poder econômico são os limites do
de defasagem - em particular na semântica, com menos in- poder da linguagem - e da língua como instrumento de
tensidade na sintaxe - em relação à realidade, defasagem ação.
que se explicita na incapacidade revelada pela linguagem em Para evitar confusões e mal entendidos, não é fora de
referir o real, pois em tal situação os sons passam a carregar propósito lembrar aqui, em breve digressão, que as afirma-
sentidos de coisas antigas que desapareceram, não tendo, ções acima dizem respeito somente à produção de caráter
por outro lado, sido ainda criados - ou, mais comumente, analítico e não à que se enquadra na área do que vulgar-
adequados - sons novos para novas coisas surgidas. Assim, mente se chama de arte. Esta, por sua própria natureza, não
pode-se dizer, a língua começa a ranger e durante certo tem- pode ser julgada pela maior ou menor capacidade de forne-
po difunde-se um mal-estar generalizado no setor, como cer decalques do real. Não é raro, aliás, que concepções
ocorreu na década de 1920 no Brasil e como ocorre hoje, equivocadas - do ponto de vista lógico, histórico, etc. - es-
para não citar o caso também caracterfstico dos anos que se' tejam na base de produções artísticas excepcionais. Como
seguiram à Revolução de Outubro na Rússia. também não é raro que épocas de defasagem entre os sons
Em momentos como estes, a visão pequeno-burguesa, significantes e o mundo significado, como as antes citadas,
incapaz de entender a língua como um fenômeno social e se caracterizem por serem momentos extremamente criado-
histórico e de desvendar os mecanismos que regem a socie- res em termos artísticos. Do que, mais uma vez, o Brasil da
dade como um todo, se excita e se torna, ela própria, refle- década de 1920 e a Rússia pós-revolucionária são exemplos
xo das transformações ocorridas. Contudo, inconsciente adequados.
disto, por suposto, toma os efeitos pelas causas e passa a
pregar a transformação do mundo ... pela linguagem - ou
pela língua em si =, imitando os que, em outras eras, prega-
vam a transformação do mundo pela arte engajada. I
E assim nasce a ilusão de que alterando uma regência
verbal ou trocando uma forma pronominal direta por uma
oblíqua se pode conquistar a liberdade! Mas a liberdade,
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VIII. O PORQUE DA CONFUSÃO
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de um grupo social específico no tempo e no espaço - rui
diante da evidência da existência de outras variantes e,
portanto, de outras normas (nem corretas nem cultas, é
claro ... ) e do fato de que a própria variante dom inante
pode sofrer eventualmente algumas transformações, mesmo
que de reduzida importância. Ora, como tanto a visão dos
letrados tradicionais, que moldara o gramático de formação
leiga, como a visão da Igreja Católica, que moldara o
gramático de formação eclesiástica, caracterizavam-se pela
completa ausência da noção de história (como processo
evolutivo) e de suciedade (como conjunto de classes sociais
diferenciadas), a confusão torna-se generalizada.
Sem condições, portanto, de valer-se dos argumenta
auctoritatis - Camões escreveu assim, Machado de Assis
também, etc. - que eram o fundamento teórico sobre o
qual se assentava sua função, e sem condições, por sua visão
a-histórica e a-social, de relativizá-Ios, os gramáticos tradi-
cionais ficam como que de olhos esbugalhados diante do
abismo em que desaparece o seu papel social e pedagógico
tal como era entendido no passado. Se a isto se acrescentar
IX- COMO ENSINAR A UNGUA
o aparecimento de esdrúxulas teorias gramaticais e lingüísti-
cas importadas, nas quais muitos julgaram e julgam ver a
tábua de salvação que Ihes permita continuar dizendo algo
Aquilo que os manuais tradicionais de pedagogia e
supostamente coerente ou, pelo menos, que Ihes permita
didática denominam processo de ensino-aprendizagem é
impressionar o auditório e os leitores, não é difícil entender
visto quase sempre de uma perspectiva idealista, não referi-
porque o pandemônio generalizou-se.
da à realidade econômica, social, política e cultural. Um
Pandemônio que promete continuar por muito tem-
contra-senso elementar, cuja fortuna e difusão resultam da
po, pois a área é reconhecidamente impermeável à idéia de
ignorância pura e simples ou, mais comumente, da necessi-
ver a língua como um fenômeno social e histórico.
dade ideológica, implícita ou explícita, de ignorar o mundo
concreto. Por tal razão, teorizar sobre o ensino da I(ngua
em um país como o Brasil, que apresenta brutais disparida-
des sociais e culturais, é um risco evidente. Corrê-Io não é
minha pretensão aqui. As observações que seguem devem
ser vistas, portanto, como generalidades que apenas adqui-
rirão - ou não - sentido no quadro amplo da realidade
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concreta histórica e política. Creio, porém, que, pelas idéias sem dúvida, de um ponto de vista pequeno-burguês. De
expostas e pelas posições assumidas até aqui, me seja per- qualquer forma, altamente eficiente. Por outro lado, tam-
mitido fazê-Ias. bém já vi, num colégio de elite, alunos permanecerem insen-
Considerado o que foi visto nos capítulos anteriores e síveis a qualquer método, além de procurarem, por todos os
estabelecido o pressuposto de que na área do ensino da Iín- meios, ridicularizar o professor. Mas há que reconhecer: es-
gua o objetivo será sempre o de levar o aluno a falar e escre- tes, mesmo que de forma mal educada e fascistóide, tam-
ver seu idioma segundo as normas socialmente aceitas, pou- bém estavam sendo coerentes. Já possuíam tudo, econômi-
co há a dizer além de obviedades evidentes para o bom sen- ca e socialmente falando. Em conseqüência, não precisavam
so comum. Este, contudo, é tão raro que mal não fará, se do professor, a não ser como serviçal. Na implacável lógica
não fizer bem nem tiver qualquer resultado, retomar alguns do poder, por eles aplicada instintivamente, afinal, para que
princípios básicos que - dadas as condições sociais mínimas é que existem os serviçais? ...
- deveriam nortear a ação pedagógica no setor.
Três são os fatores fundamentais a serem considera- 2. O meio cultural
dos: a realidade sócio-econômica, o meio cultural e o nível ~ um princípio elementar do bom senso pedagógico
de escolarização. que o aprendizado se dá a partir do mundo do aluno. Tal
princípio é válido, antes de tudo e principalmente, no caso
1. A realidade sócio-econômica do ensino da língua. Não que o aluno tenha que ficar restri-
Em primeiro lugar, seja no aprendizado da lfnqua ou to e limitado a seu mundo, bem pelo contrário. Mas é a par-
de qualquer outra coisa, o aluno precisa estar razoavelmente tir dele que deverá ampliar sua informação e seu conheci-
bem alimentado. Sabe-se que este não é o caso, infelizmen- mento. Por isto, os temas abordados e os textos uti Iizados
te, de grande parte do alunato brasileiro de 1? grau, por devem estar, de alguma forma, relacionados com o meio em
exemplo. Em segundo, o aluno deve dispor dos recursos que vive. Neste sentido, por exemplo, pode ser considerado
mínimos em material escolar, o que também representa um pouco ortodoxo mas não deixa de ser viável e eficiente usar
problema seri íssimo no país, até mesmo no terceiro grau. De textos da crônica policial ou capítulos de uma novela como
qualquer forma, com quadro negro, giz, papel e lápis é pos- material inicial de trabalho. Da mesma forma, é absurdo tra-
sível, com um pouco de boa vontade, fazer verdadeiros mi- tar de temas urbanos no meio rural ou despejar - como vi
lagres no ensino da língua. Já vi alunos quase miseráveis - "recentíssimas" teorias lingüísticas chegadas do exterior
apresentarem resultados surpreendentes com a aplicação sobre alunos de uma Faculdade do interior recém-saídos da
dos tradicionalíssimos métodos do ditado, da cópia e da dis- roça! Isto sem levar em conta a discutlvel inteligibilidade de
cussão de textos - de jornais e revistas - que tratavam, por tais teorias mesmo para mentes mais sofisticadas intelectual-
suposto, de temas mais ou menos próximos da realidade em mente!
~
que viviam. Qual era o seqredo? Simplesmente, além do res-
peito, a tática de mostrar-Ihes que aprender a falar e a escre- 3. O nível de escolarização
ver direito era fundamental para sua sobrevivência futura, pa- Abstraída a família como base do aprendizado das
ra conseguir um emprego, etc. Uma pedagogia conservadora, formas correntes de falar e escrever e considerada uma
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situação mais ou menos normal em termos da relação faixa
teorias lingüísticas à parte, neste estágio a gramática dita
etária/nível de escolarização, talvez não seja totalmente
tradicional presta um serviço inestimável.
incorreto estabelecer três faixas principais no que diz res-
Finalmente, na terceira faixa, o aluno de Letras deve
peito a técnicas de ensino (ou de acompanhamento, se al-
ser levado a dominar e a analisar a língua em todos os seus
guém, mais crítico, argumentar que tal palavra é por demais
ruveis.' a estudá-Ia Como fenômeno histórico-social e a vê-
impositiva e pretensiosa):
Ia como seu futuro instrumento de trabalho. Sobre isto não
até a qu inta ou sexta série do 1? grau
há por que se alongar, pois o que poderia ser dito já o foi,
da sexta ou sétima série do 1? grau até o final do
neste e nos capítulos anteriores. De qualquer forma, nunca
2? grau
é demais repetir que teorias esdrúxulas, nacionais ou impor-
nas Faculdades de Letras
tadas, devem ficar na lata de lixo, de onde nunca deveriam
Parece ser pacífico que na primeira faixa o aprendiza-
ter saído.
do da I(nqua se processará fundamentalmente por assimila-
Encerrando e resumindo tudo em poucas palavras: no
ção, sem complicações teóricas de qualquer tipo. Através da
aprendizado da língua, em todas as situações e em todos os
leitura e da d iscussão de textos adequados que despertem
níveis, deve ser aplicado o mais antigo, o mais moderno e o
seu interesse e lhe dêem elementos para a prática da escrita,
mais eficiente dos métodos, o método de fazer falar, fazer
o aluno deve ser induzido a familiarizar-se com as normas
ler e fazer escrever. O mais é conversa fiada de ignorantes
do - como diziam os antigos .9ramáticos - bem falar e bem
e incompetentes.
escrever, isto é, com as normas da Iíngua socialmente aceita.
Tudo isto nada mais é do que simples e antiqu íssimo bom
senso cuja eficiência já foi tantas vezes comprovada que não
precisa sê-Io mais uma vez. Ao contrário de métodos "mo-
dernos", cuja eficiência nunca foi comprovada e, portanto,
nem merecem ser discutidos.
Na segunda faixa, mantidas a prática da leitura, da
discussão e da escrita, ao processo de ensino devem ser agre-
gados, necessariamente, dois novos elementos, um de cará-
ter técn ico e outro de caráter pedagógico amplo. Do ponto
de vista técnico, se não for essencial é, pelo menos, alta-
mente produtiva a introdução de conceitos básicos de mor-
fologia e sintaxe e a análise da estrutura lógica da frase, do
período e da composição. Do ponto de vista pedagógico, o
aluno deverá dispor, na medida do possível, da liberdade de
escolher os textos e os temas sobre os quais vai trabalhar.
1 Observados os limites do bom senso. Semântica, por exemplo, não
Modismos teóricos, arvorezinhas ininteligíveis e obtusas
se aprende teoricamente mas na prática, quer dizer, lendo textos de
todas as épocas, de todas as áreas e de todos os ruveis.
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x. ADENDO
Entrevista ao Jornal JA 1
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novos gramáticas, coitados, ouviram cantar o galo e não a administração do Estado a partir da expulsão dos mouros?
sabem onde. Andam como baratas tontas. Pois é claro, Ou que o nosso dito código urbano culto seja a variante da
lingüisticamente não há certo ou errado, não pode haver ... administração de D. João VI e do Império e não a variante
JÁ - Como? Você está se contradizendo ... caipira paulista ou a sertaneja? Obviedades, obviedadesL Os
JHD - Calma, calma. Lingüisticamente não há certo ou pretensos novos gramáticas são uns ingênuos, não tanto por
errado porque, estabelecida a convenção, esta, por definição, atacarem a gramática, simples levantamento a posteriori das
está correta. A variante caipira - hoje em extinção - do por- regras da variante utilizada pelas classes dirigentes, mas prin-
tuguês estava ou está tão correta como a variante dita CU/t.1
cipalmente por não verem a lingua como um fenômeno in-
Na variante caipira dizia-se ou diz-se: eu fazia, nóis fazia, etc.. tegrante da evolução histórica e das estruturas de poder de
sem flexão. Aliás, no inglês também: I teke, we teke, etc. Em uma sociedade. E: aí que eles se perdem, caindo, por sua
miopia histórica, numa contradictio in terminis tão elemen-
termos lingüísticos, isto é, considerada a língua primordial e
tar que até se tornam divertidos. Você não vê como atacam
abstratamente como uma convenção, tudo está certo.
Contudo, a Iíngua só funciona como uma convenção. a gramática utilizando o mais escorreito e castiço portu-
Mas ela não é simplesmente isto. Ela é um fenômeno social guês?! E: claro, eles podem ser burros mas não são loucos,
e histórico. E por isto falar como um caipira está socialmente não querem passar por marginais sociais, por isto usam rigo-
errado e falar inglês está certo ... Quer dizer, não estou fa- rosamente a variante dita culta. Obtusos e confusos na teo-
zendo ironias, estou me referindo ao fato de tanto a varian- ria gramatical e lingüística, os pretensos novos gramáticas
te caipira como o inglês não terem a flexão. Enfim, sacia/- são muito coerentes na prática social: eles devem pensar - e
mente há certo ou errado. E quem determina o que está com razão - que se não usarem a variante dita culta não te-
certo ou errado? Ora, elementar: a língua (ou variante) do- rão autoridade para dizerem o que dizem ... Não é fantásti-
minante co? É divertidíssimo! Bem mais coerentes em todos os sen-
,em uma época é a Iíngua (ou variante) da classe do-
minante naquela época. Resumindo esta seqüência um tidos são os defensores da gramática tradicional. Estes apli-
pouco desordenada de raciocínios: toda língua é, por defi- cam os argumenta euctoritetis e fim de papo ...
nição, uma convenção imposta pela classe ou grupo sócio- JÁ - Mas como é que se chegou a esta confusão to-
economicamente dominante ... da?
JÁ - Espera aí, isto é radical ... JHD - Boa pergunta. A história é longa e eu abordei
JHD - Você o disse bem, radical, no sentido de pri- o assunto genericamente em um ensaio publicado pela Mer-
mordial, elementar, básico. Ou, como prefiro, óbvio. Ou cado Aberto e intitulado A literatura brasileira no século
você acha que é mera coincidência que a Iíngua francesa Xx. Resumidamente, esta confusão é resultado de duas coi-
seja a variante da Ile-de-France, onde, por volta dos séc. sas. Em primeiro lugar, das profundas modificações que afe-
XIII/XIV nasceu o Estado nacional francês? Ou será acaso taram a sociedade brasileira nos últimos, digamos, vinte
que o italiano oficial seja o toscano, a região em que fica F 10- anos, em todos os setores. Em segundo, da função que os
rença, a pérola do Renascimento em termos econômicos, letrados - e entre eles os gramáticos - exerciam na socie-
sociais, polític.os e culturais? Ou que o espanhol de hoje seja dade brasileira do passado e da formação que Ihes era pró-
pria, formação esta muito ou completamente limitada em
a variante dos pequenos reinos sobre os quais se estruturou
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termos de informação histórica e de percepção social. Sem
JÁ - Neste seu projeto de livro uma parte do título
poder me prolongar sobre este assunto, eu diria que a rapi-
fala em "ensino da lfnqua". Como você ensinaria portu-
dez das mudanças tomou de surpresa os letrados, os quais,
guês?
sem nenhuma visão histórica, ficaram desarvorados. Não
JHD - Ensinaria, não! Ensino! Já fui especificamente
costumo usar meias palavras nem dizer o que não penso.
professor de Ungua Portuguesa e continuo sendo na práti-
Por isto me sinto em liberdade para afirmar que, apesar de
ca. Como ensino? Do que foi dito se pode deduzir tudo:
achar que certas idéias suas são extremamente contraditó-
procurando mostrar que a I(ngua é um fenômeno histórico-
rias e logicamente insustentáveis, admiro o prof. Luft por-
social ligado às estruturas de classe e levando o aluno a com-
que ele ousa pensar, arrisca avançar. E le foi meu professor
preender que ele precisa, necessariamente, por uma questão
e nunca me criou problemas. Mas pedagógica e tecnicamen-
de sobrevivência econômica, dominar o chamado código ur-
te minha posição é outra, completamente outra. Pol itica-
bano culto. Aliás, se eu fosse partidário da teoria conspira-
mente não sei. Quanto a mim, por ora sou um pequeno pro-
tiva da história e se os pretensos novos gramáticos tivessem
prietário independente e posso me dar ao luxo de dizer o
alguma noção do que seja história e de como funciona a
que penso. As pessoas não gostam disso. Eu entendo. É que
sociedade eu diria que eles estão tentando impedir que,
eu muito cedo aprendi que no nosso sistema só tem um rru-
mesmo por acaso, integrantes dos grupos sociais inferiores-
nimo de liberdade quem tem um mínimo de posses. Apren-
consigam romper as barreiras de classe. Evidentemente, ne-
di e tirei as conseqüências ...
nhuma das hipóteses é verdadeira, principalmente a segun-
JÁ - Você está passando a outro assunto, sua vida
da. Tenho a impressão de que os pretensos novos gramáti-
não interessa ...
cos aplicam rigorosamente o preceito evangélico segundo o
JHD - Como não interessa? Isto revela a sua miopia
qual a mão direita não deve saber o que faz a esquerda.
histórica. Claro que a minha posição social interessa. Eu
Aliás, pelo que sei, alguns deles nem devem distinguir a di-
posso pensar de forma independente e dizer o que penso
reita da esquerda. Voltando ao ensino: de que é que precisa
porque pertenço a um grupo social muito específico, os pe-
um aluno pobre ou quase pobre do primeiro ou segundo
quenos proprietários imigrantes independentes, muitos dos
grau? Em primeiro lugar de comida, é claro. Em segundo,
quais na terceira ou quarta geração ascenderam socialmente
de educação básica: aprender a fazer contas, a pensar orga-
de forma rápida no Rio Grande do Sul. Por variados cami-
nizadamente e a escrever segundo as normas do dito código
nhos e em vários setores, desde o intelectual até o das redes
urbano culto. E isto que lhe garantirá no futuro um empre-
de supermercados e empórios comerciais. Eu, por exemplo,
go e lhe dará, talvez, a capacidade de defender seus interes-
só pude estudar porque existiam os antigos seminários da
ses_ E claro que, pedagogicamente, este aprendizado não
Igreja Católica, à qual os camponeses italianos estavam inti-
pode ser imposto pelo professor de forma autoritária e com
mamente ligados. E claro que hoje a situação mudou e mui-
desprezo pelas formas de falar do aluno. Já tive experiência
tos descendentes de imigrantes engrossam as favelas das
nisto. Há que fazer com que ele se interesse pela leitura, por
grándes cidades. Este sim é outro assunto. Mas eu queria,
escrever, por discutir, o que o levará, automaticamente, a
antes de terminar, atacar também os pseudolingüistas, para
escrever e a falar segundo as normas correntes e socialmente
ser justo com todos ...
exigidas. E claro - mais uma destas estranhas coincidências!
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- que os filhos dos ricos, dos intelectuais e até dos preten- servem ... À primeira vista uma afirmação deste tipo pode
sos novos gramáticos - neste último caso apesar dos pais! - parecer fruto de um distúrbio mental momentâneo ou, caso
não têm este problema. Coerente, não? clínico mais grave, de uma malformação neuronal congêni-
JÁ - ~, visto deste ângulo ... ta. Mas não é! Surpreendente, não?! Trata-se apenas da uti-
JHD - Como "visto deste ângulo"? Ora, em termos lização simplória e colonizada de teorias que possuem uma
pedagógicos e técnicos este é o único ângulo. Claro que eu funcionalidade específica no contexto em que surgiram,
sei que a questão é de vontade pol ítica e que seria uma funcionalidade e contexto desconhecidos por quem as papa-
grande ingenuidade pensar que as classes médias intelectua- gueia. E aí entra a terceira história, que me permitiu montar
lizadas e bem remuneradas venham a defender interesses um quebra-cabeças que há anos me incomodava e para o
outros que não os delas. Dominação sempre existiu e sem- qual eu não encontrava explicação lógica. Você sabe onde
pre existirá. Mas o que eleva meu nível de adrenalina no nasceram as "modernas" teor.ias lingüísticas norte-america-
sangue é ver conservadores ignorantes, como o são os pre- nas? Não? Nem eu sabia. Eu as achava estranhíssimas mas
tensos novos gramáticos, botando banca de liberais e pro- nunca me tinha preocupado com sua origem. Foi um pro-
gressistas. ~ também o caso de alguns teóricos de literatura fessor de Lingüística, aliás, este sim parece que muito bem
infantil. E as crianças vão atrás. As grandes, entenda-se. Por informado, que me deu a chave para decodificar a mensa-
tudo isto, é muito mais saudável cuidar das minhas vacas. gem, como dizem os papagaios. Tais teorias nasceram num
Estou chegando lá ... departamento do serviço de espionagem da Marinha norte-
JÁ - Isto aí vai dar rolo ... Bem, para terminar, o americana, ou coisa parecida, no qual Noam Chomsky, an-
que você tem contra os lingüistas? tes de se tornar o pacifista e o grande analista pol ítico que
JHD - Contra os lingüistas, não. Contra ospseudolin- é, trabalhou. Claro, aí me deu o estalo. Id iota eu por não
güistas. Contra os lingüistas, apesar de achar que, como em ter feito a ligação antes! Está percebendo? Qualquer pessoa
literatura, há pouca coisa a dizer que não tenha sido dita, minimamente familiarizada com álgebra e análise combina-
nada tenho. Contra os pseudolingüistas que papagueiam tória sabe de duas coisas: um código secreto é tanto mais
teorias importadas sem saber o que dizem, sim. Vou lhe difícil de ser decifrado quanto maior for o número de sinais
contar umas histórias. que o compõem e, segundo, cada um destes sinais tem que
Para tentar elevar o n (vel de discussão na área, há ser un ívoco. Por outro lado, todo cód igo secreto tem uma
muito tempo costumo perguntar às pessoas, em aula e fora chave e esta chave, que lhe dá valor, é também seu ponto
frágil. Se ela não existir, o código é indecifrável e, portanto,
dela, para que serve, em primeiro lugar, o estudo de línguas til
inútil. Se ela existe, então pode ser encontrada e a mensa-
e de lingüística nos Estados Unidos e na URSS. E respondo:
gem é decodificada (note como estes dois últimos substan-
para formar técnicos para a CIA, a NSA e a KGB. Riem-se
tivos que empreguei fazem parte destas "modernas" teorias
de mim com o riso alvar da ingorância. Que Deus os proteja,
lingüísticas!). Resumo: nos serviços de espionagem é funda-
como protege aos pequeninos e aos pobres de espírito! Esta
mental - para cifrar e decifrar - reduzir uma Iíngua, quan-
é a primeira história. Agora a segunda. Conheci um profes-
do empregada em código, às suas estruturas sintáticas ele-
sor de l.inqürstica que ensinava sua disciplina com exemplos
mentares. Tanto para montar códigos quanto para decifrar
em inglês porque, dizia ele, os exemplos do português não
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.t
Faulkner nem com o russo de Dostoyevsky ou Tolstoi mas 3 HISTÓRIA DO BRASIL CONTEMPORÃNEO
Lu iz Roberto Lopez
sim com análise combinatória, com álgebra. Naturalmente,
4 HISTÓRIA DO BRASIL COLONIAL
nem o inglês de Shakespeare 00 de Faulkner nem qualquer #
Luiz Roberto Lopez
outra Iíngua, com suas quase infin itas nuances semânticas
5 CINEMA BRASI LEI RO
e construções sintáticas, se adapta às "modernas" teorias Hélio Nascimento
lingüísticas ... Mas disto o professor nunca tinha ouvido t6 CONTO BRASI LEI RO CONTEMPORÃNEO
falar! Antonio Hohlfeldt
"'"
Bem, vou parar por aqui antes que me convidem para 7 O ROMANCE DE 30
trabalhar no SN I. Devem estar precisando de gente compe- José Hildebrando Dacanal
tente lá. O Paulo Francis estes dias escreveu na Folha de 8 HISTÓRIA DO BRASI L IMPERIAL
São Paulo - não sei se é verdade, mas ele escreveu - que o Luiz Roberto Lopez
Itamarati utiliza há anos o mesmo código para enviar men- 9 O ESCRAVISMO BRASILEIRO
Décio F reitas
sagens diplomáticas e comerciais. Parece piada, pois qual-
quer neófito na área sabe que hoje, dada a quase instanta- 10 ESPAÇO & SOCIEDADE NO R. G. DO SUL
Igor A. G. Moreira e Rogério H. da Costa
neidade do processo de análise em computador, um código
11 HISTÓRIA DO SÉCULO XX
secreto só pode ser usado uma vez. Na segunda o inimigo
Luiz Roberto Lopez
já terá a chave.
12 EUA X AMÉRICA LATINA: as etapas da dominação
Interessante, não? Como você vê, há muito mais coi- Voltaire Schillin9
sas entre o céu e a terra do que pensam nossos pretensos 131 - A LITERATURA BRASILEIRA NO SÉCULO XX
novos gramáticos e nossos pseudolingüistas. Espero que eles - notas para uma leitura proveitosa
decodifiquem minha mensagem ... '" José H ildebrando Dacanal
52
SBRIE NOVAS PERSPECfIVAS
I
I. Leitura em crise na escola
- as alternativas do professor
17 - O BANDO DOSOUATRO (Vários)
2. A estrutura do autoritarismo brasileiro
- A industrialização no sudeste asiático
Samuel Sérgio Salinas
, (José Antonio Giusti Tavares)
3. A produção cultural para a criança
(Vários)
18 - ANL: IDEOLOGIA & AÇÃO 4. Escravos e senhores-de-escravos
Leila M. G. Hernandes (Décio Freitas)
5. Leitura & realidade brasileira
1~ - LINGUAGEM PODER E ENSINO DA LlNGUA (Ezequiel Theodoro da Silva)
José Hildebrando Dacanal 6. Invasão da catedral:
literatura e ensino em debate
20 PORTUGAL: DO FASCISMO À REVOLUÇÃO (Lígia Chiappini M. Leite)
José Paulo Netto 7. Raça & cor na literatura brasileira
(David Brookshaw)
21 HISTÓRIA DA AM~RICA LATINA 8. Atualidade de Monteiro Lobato
Luiz Roberto Lopez - uma revisão crítica
(Vários)
22 O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO 9. Metodologia e prática do ensino da
Otto Alcides Ohlweiler lín~ua portuguesa
(Varios)
23 A LITERATURA EM SANTA CATARINA 10. Materialismo histórico e crise
Janete Gaspar Machado contemporânea
(Otto Alcides Ohlweiler)
24 O MOVIMENTO PALESTINO li. Lingüística aplicada ao ensino
Mustafa Yazbek de português
(Varios)
25 BREVE HISTÓRIA DA ESCRAVIDÃO 12. Palmares: a guerra dos escravos
Mario Maestri (Décio Freitas)
13. Nordeste - a urbanização do
2~ A INTENTONA COMUNISTA subdesenvolvimento
Nelson Werneck Sodré (Walncy Moraes Sarmento)
14. A educação nacional
27 GÊNESE E DESENVOLVIMENTO DO (José Verissimo)
CAPITALISMO NO CAMPO BRASILEIRO 15. Ensino e literatura no 2? grau:
Jacob Gorender problemas & perspectivas
(Letícia Malard)
2a) - LlTERATURA.E HISTÓRIA NO BRASIL 16. Comunicação e transição democrática
CONTEMPORANEO (Vários)
17. Metodologia do ensino de ciências
Nelson Werneck Sodré (Georg Hennig)
29 - A FORMAÇÃO DA CLASSE OPERÁRIA 18. Literatura infanto-juvenil
um gênero polêmico
NO BRASIL
(Vários)
José Antonio Segatto 19. A escolarização do leitor:
a didática da destruição da leitura
~ - A PONTUAÇÃO - Teoria e prática (Lilian Lopes Martin da Silva)
José Hildebrando Dacanal 20. Teorias poéticas do Romantismo
(Luíza Lobo)
31 - HISTÓRIA DA ÁFRICA NEGRA 2 I. Alfabetização sem be-a-bá
PRÉ-COLONIAL (Maria Tereza L. Cardoso e Dolorcs Machado)
Mário Maestri 22. Ideologia, educação & repressão no Brasil
pós-64
(Nize M. Campos Pellanda)