Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
URBANA LEGIÃO
consumo e contestação no rock brasileiro
nos anos 80
Gostaria de dedicar este trabalho aos meus filhos Naiana, Caio, Marília e André. Com
muito amor.
Aos meus irmãos. Com alguns deles eu vivo uma verdadeira onda sonora.
A Jorge, o amigo.
2
AGRADECIMENTOS
• Agradecimentos especiais vão para os professores Roberto Mota e Silke Weber que, em
trabalho. A ele sou muito grato. A Profa Silke, de um modo entusiástico, mesmo antes de se
para este estudo. Nossas discussões sempre foram estimulantes. Suas pontuações no
agradecer.
• Um agradecimento muito especial vai, também, para o Prof. Jorge Ventura. Colega e
amigo que, desde a primeira hora, se mostrou um interlocutor informado e de uma singular
• Meus agradecimentos a Aíla, que por horas e horas esteve às voltas com a digitação de
omissões.
3
Escribir rock no se considera adecuado
en un curriculum vitae académico;
“Sociologia” es un insulto
para los escritores de rock
Simon Frith
4
RESUMO
Este estudo busca contribuir para o debate que identifique elementos favoráveis a
interior de uma cultura jovem, em características por ela assumida no Brasil recentemente,
quando da abertura política e de uma maior expansão de uma cultura de consumo. É aí que
se vai entender a importância dos media entre nós; sendo o fenômeno do rock, grande ex-
cotidiano, e em que medida tal discurso estabelece mediações com o mundo de representa-
ções da cultura juvenil; sobretudo, em formas que aí assumem um caráter de negação dos
valores do establishment. Assim, procura-se afirmar dada direção em que certas manifes-
tações deste gênero musical são potencialmente operadoras daquele veio emancipador.
Com efeito, a análise realizada indica, no rock, um texto cuja crítica do cotidiano
tensão entre ambos os aspectos num mesmo texto. Processos de desterritorialização e exo-
gamia cultural vividos pela juventude no cotidiano atual, apresentam-se, em suas media-
5
SUMÁRIO
Resumo 05
Introdução 07
Conclusão 215
Bibliografia 219
6
INTRODUÇÃO
letras de música do rock brasileiro dos anos 80, a partir da consideração de certos
prefiguração do cotidiano urbano brasileiro atual. Na medida em que não se possa atribuir a
Acrescente-se a isso, o fato de que tais elementos não emprestam ao rock apenas as
mediações críticas de um horizonte social e político do presente mundo; devendo ser pen-
sado, sobretudo, no sentido de como essa forma crítica atua por um discurso aqui apreen-
dido como característico de uma cultura jovem, tal como se poderá encontrar posto no
de representações bem apropriado ao que estará sendo vislumbrado como expressão de uma
cultura jovem.
7
Desta perspectiva, e como objetivo básico deste estudo, procurou-se identificar aí,
em meio a um discurso caótico e, por vezes, cético e resignado no que se refere às manifes-
tações relacionadas à crise de identidade e aos conflitos com a ordem social estabelecida, a
quanto social), que possa conter uma forma crítica capaz de ser potencializadora de um veio
emancipador neste produto da comunicação de massa, na própria medida em que uma tal
instância possa inspirar "utopias" de mudanças, face ao status quo dominante, no âmbito de
um segmento social jovem que, por formas de predisposição (Prokop), se sente identificado
tral para este estudo, em particular, no que se refere ao fato de que, no âmbito das atuais
ambíguo assumido por aquele binômio passa a exigir uma investigação que leve em consi-
são crítica essa que pode contemplar tanto o que Becker tipificou como sendo a categoria
dos "Inconformistas" (do ponto de vista do mundo dos artistas), quanto o que Jameson
especificou como "hermenêutica utópica" (da parte do público fruidor), como se verá adi-
ante. Aliás, esse fica sendo um aspecto importante na orientação de uma apreensão de
imagens dialéticas do cotidiano, que possa ser apresentada como potencializadora daquele
recente.
8
O primeiro capítulo procura levantar uma discussão a propósito de uma formaliza-
ção de tópicos concernentes ao que se poderia denominar por teoria social crítica da co-
municação, com especial interesse para os aspectos dessa teoria que apontam para contex-
por teoria crítica algo mais amplo do que o que representaria o debate inicial da Escola de
Frankfurt, tomando-se por tal a discussão posterior que tem nesta escola o seu ponto de
referência e diálogo críticos: incluindo-se, aí, alguns pontos do debate sobre questões rela-
para o entendimento do universo temático formulado por este estudo: são as especificações,
em linhas gerais, do que aqui se está entendendo por canção de consumo, por juventude e
para o entendimento do que venha a ser configurado como cultura juvenil em sua relação
O capítulo terceiro trata mais das questões metodológicas relacionadas à análise das
letras de música do rock, tomando a análise de discurso em seu aspecto mais sócio-político,
diga-se assim, como "produto histórico-social", do que em seu campo mais estritamente
lingüístico. Para isso, buscou-se seguir um roteiro de análise que, inspirado na configuração
9
pessoal (autonomia), liberação sexual, negação da família e desobediência civil, pensados
mais em termos do grau em que eles se articulam entre si e a outros não claramente
Brasil e b) as letras do discurso. No primeiro caso, trata-se de uma breve apresentação das
manifestações do rock no Brasil desde seus primeiros momentos até sua movimentação
recente, particularmente até a virada da década de 80 para 90. A rigor, não se procurou ir
omissões graves quanto a figuração de episódios e nomes necessários a uma mais abran-
gente história do rock no Brasil. O segundo caso constitui, propriamente, a análise das le-
tras de música do rock segundo procedimento definido ao longo do capítulo terceiro: aqui,
urbano em termos das mediações entre discurso poético e processo social, de modo que se
possa apreender nesse quadro aquela dada dimensão potencialmente emancipatória da co-
10
Capítulo Primeiro
tas.
de massa como o produto difundido pelos mass media, tendo como objeto central de estudo
a própria mensagem - medida para se identificar o alcance possível dos meios de co-
municação e sua importância sobre o comportamento do público, bem como, o lastro de sua
influência política e o nível em que se apresenta a cultura de massa. Por outro lado,
recusando a idéia de uma cultura de massa, posto que seria mais adequado se falar em cul-
tura para as massas, Adorno e Horkheimer (l985) elaboraram o conceito de indústria cultu-
ral, uma vez que na sociedade de mercado, cuja base de produção é industrial, também a
cultura passa a se processar nesse circuito, como mercadoria fetichizada, ainda que goze de
autonomia.
11
1.1. Sobre o Desencantamento do mundo, o Simulacro e o Caráter afirmativo da
cultura na teoria crítica da sociedade de consumo
considerar que todo traço de manifestação cultural acaba por ser absorvido pela esfera do
consumo, caindo assim no esquema industrial - ainda que, no caso particular da arte, con-
siga-se manter o caráter ambíguo que caracteriza a sua própria natureza. Em todo caso, tal
processo de absorção finda por apresentar os produtos culturais como mercadorias que,
pelo sistema da moda. Nesse sentido, não apenas os elementos reificadores da ordem esta-
culação no mercado da indústria cultural. Pelo que se pode perceber, dois são os conceitos
clássicos que influenciaram a análise desenvolvida por estes autores: a crítica do fetichismo
Aliás, pode-se afirmar que a direção tomada pelo conjunto dos trabalhos de alguns
encontra-se nitidamente marcada pela crítica à razão instrumental e seu consequente desen-
(idem). Duas passagens do seu texto sobre a indústria cultural é revelador disso:
12
dução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para
a satisfação de necessidades iguais. (...) o que se diz é que o terreno no qual a técnica
conquista seu poder sobre a sociedade é o poder que os economicamente mais fortes
exercem sobre a sociedade. A racionalidade técnica hoje é a racionalidade da pró-
pria dominação. Ela é o caráter compulsivo da sociedade alienada de si mesma”
(p.114; grifei).
E prossegue:
cultura, que tem na arte e nos processos estéticos, as características mais apropriadas dos
Marcuse, uma vez que a racionalidade técnica operada no âmbito das sociedades contem-
13
que Adorno insista na questão da fetichização recuperadora da indústria cultural) (Adorno,
1982). Aliás, o próprio conceito de arte de Adorno segue a clássica distinção da cultura em
níveis. Para ele, um dos problemas centrais da indústria cultural é que a padronização que
ela promove integra domínios há muito separados: a arte superior e a arte inferior - inclu-
sive com prejuízo de ambas (idem, 1986:92-3). Assim a autonomia da obra de arte, que
nunca existiu de uma “forma pura” e sempre sofreu “conexões causais”, vê-se suplantada
“a cultura é uma mercadoria paradoxal. Ela está tão completamente submetida à lei
da troca que não é mais trocada. Ela se confunde tão cegamente com o uso que não se
pode mais usá-la. É por isso que ela se funde com a publicidade. Quanto mais des-
tituída de sentido esta parece ser no regime do monopólio, mais todo-poderosa ela se
torna. Os motivos são marcadamente econômicos. Quanto maior é a certeza de que se
poderia viver sem toda essa indústria cultural, maior a saturação e a apatia que ela
não pode deixar de produzir entre os consumidores” (Adorno e Horkheimer, 1985:
151).
E, noutra passagem: “as produções do espírito no estilo da indústria cultural não são
rem na imediaticidade de sua venda e do seu lucro; visto que a indústria cultural, como o
relações públicas em que se transformou, não precisa manter relações com “produtos ou
(idem, 1986:94). Em todo caso, a motivação do lucro parece ser o ponto fixo do próprio
14
capitalismo e, portanto, da indústria cultural. Para o autor, toda a configuração do novo que
da repetição (p.94).
obras de arte. No primeiro caso, a técnica diz respeito a aspectos de produção e reprodução
terminações que “a objetividade dessas técnicas implica para a forma intra-artística, mas
também sem respeitar a lei formal da autonomia estética” (p.95). Ainda sobre as considera-
ções a respeito da técnica, Benjamin (1980) parece refletir de modo mais dialético, por não
separar rigidamente a técnica na indústria cultural da técnica da arte: para ele não há apenas
reprodução técnica da obra de arte, mas a mudança de percepção pelo público fruidor - a
que promete enganosamente as satisfações que não podem ser satisfeitas, e resolve aparen-
temente os problemas que não podem ser por ela resolvidos; para o autor, o objetivo central
Por outro lado, para o Marcuse de A Dimensão Estética (naquele sentido ainda da
arte como ponto de fuga da dialética realidade-ilusão), a arte parece gozar de uma ca-
racterística curiosa nas sociedades atuais, posto que pode apresentar-se como uma expres-
são positiva da alienação, pela negação que em última instância invoca à realidade padroni-
15
próprias. Determinam o valor de uso (e, com ele, o valor de troca) das obras, mas não o que
elas são e o que dizem”. Assim, firma mais uma vez Marcuse:
“é verdade que a forma estética desvia a arte da realidade da luta de classes - da rea-
lidade pura e simplesmente. A forma estética constitui a autonomia da arte relativa-
mente ao ‘dado’ . No entanto, esta dissociação não produz uma ‘falsa consciência’ ou
mera ilusão, mas, antes, uma contraconsciência: a negação do pensamento realístico-
conformista” (Marcuse, s/d:41).
não mais conseguir comunicar o que caracteriza o mundo atual, Marcuse vai analisar o
caráter afirmativo da cultura e da arte naquilo que ela expressa de negação, de recusa num
riam de toda a espécie social de lumpen, e não necessariamente do proletariado como classe
econômica, Marcuse vai afirmar que a arte, como a linguagem do nosso tempo,
“descobre que existem coisas: coisas e não meros fragmentos e partes da matéria para
serem manipulados e usados arbritariamente, mas ‘coisas em si’: coisas que ‘pedem’
algo, que sofrem e que se rendem ao domínio da forma, o que vale dizer, coisas que
são intrinsecamente ‘estéticas’’’ (Marcuse, 1978:249).
E sentencia:
ais, em que o “caráter totalitário” da sociedade afluente tende a absorver inclusive as ativi-
16
dades não conformistas, anulando a arte “como comunicação e representação de um mundo
“que a crise atual da arte faz simplesmente parte da crise geral da oposição política e
moral à nossa sociedade, de sua inabilidade em definir, nomear e comunicar as metas
da oposição a uma sociedade que afinal de contas, entrega suas mercadorias” (idem,
p.246).
dência e ruptura com o “feitiço do establishment”. Só na medida em que ela não participe
revolucionário”, é que a arte pode alcançar a dimensão revolucionária interna de sua pró-
acusação e protesto” (p.247). Aliás, é nesse sentido que, para ele, a arte assume atualmente
a sua posição política: como uma forma de “antiarte do absurdo, da destruição, da desor-
Mas, talvez, o ponto central a que Marcuse queira chegar nisso tudo, seja o de re-
apaziguante dos instintos vitais”, capaz de subjugar “os instintos agressivos, repressivos e
domínio da forma sensível se caracterizam, para o autor, como a própria finalidade da obra
17
imagens, “sem nunca ser capaz de alcançá-lo” e em que “a razão e a verdade da arte foram
referir à potencialidade transformadora da arte; mas, não no sentido estrito de uma “arte
política” das teorias marxistas do reflexo (que o autor aponta como conceito
“monstruoso”). Não podendo realizar por si mesma este nível estrito de transformação, a
arte, como “forma de imaginação”, como tecnologia e técnica, seria uma importante forma
Por certo, não faltam críticas ao esquema marcuseano do caráter afirmativo da cul-
tura. Em sua apresentação crítica ao citado texto do autor, Lima afirma haver “uma imagem
recorrência que Marcuse faz à psicanálise, em que inverte a análise freudiana do caráter
repressivo às pulsões sexuais e ao instinto agressivo indômitos, para favorecer a uma inter-
prazer. Assim, se em Freud mais prazer havia nas pulsões indômitas; em Marcuse mais pra-
zer existe na humanização dos instintos, o que refletiria a sua maturidade e humanização,
seus primordios, até um maior relaxamento dos tabus sexuais atualmente (sem que isto, em
Marcuse, a maior capacidade de controle global por uma autoridade social - com a diminu-
18
ição da função repressora da autoridade paterna e com a ampliação da autoridade social da
econômico, onde toda ação sexual se dá despojada de sentimentos e, portanto sem a libera-
ção do Eros: ponto crucial para uma cultura humanizadora dos instintos agressivos e onde o
Mantega, 1979:11-34).
Ainda assim, apesar da acusação de ter elaborado uma tese simplista e de ter caído
189), não se pode descurar a importância de Marcuse em sua análise do caráter afirmativo
emancipatória.
forjou um conceito não menos importante, embora distinto, do que foi apresentado por
da cultura como simulacro. Para o autor, teríamos chegado a um estágio de coisas em que
tudo parece ter perdido a sua idéia original, sua essência e valor. Onde “as coisas con-
cado à cultura, com Baudrillard, observa-se um primeiro momento de uma análise estrutu-
objeto de consumo: sendo assim, o valor-signo existe sem a prerrogativa de ser valor de
uso. Para o autor, a forma atual do valor deve mesmo ser orientada pela lógica do valor-
19
signo, como fundamento de transmutação dos valores de uso e de troca, já que a considera
do valor para além de uma condição do trabalho, levando em conta toda uma dimensão do
mais, de forma até dramática, o simulacro se apresenta por um outro domínio do valor: o
que seria o esquema peculiar de nossa cultura hoje. Para o autor, o estágio fractal da cul-
tura, é de ordem viral e de comutação, onde nada desaparece pelo fim ou pela morte, mas
por uma epidemia de simulação: onde não há mais revolução, mas circunvolução, involu-
Com efeito, deve-se considerar que, para Baudrillard, tudo isto é sintoma do fenô-
meno atual das sociedades de consumo; e que, portanto, tende a assumir características
uma das primeiras críticas feitas por Baudrillard em relação ao problema do consumo, é a
do pressuposto da necessária relação entre consumo e abundância. O que há, de fato, para
ele, é uma hierarquia de acesso aos bens de consumo, calcada que está numa diferenciação
20
Assim sendo, a óptica do consumo diferencia os indivíduos num sistema de signos
em sua totalidade, e não por critérios de necessidade, por exemplo. A rigor, o consumo não
consumo parece ter na aglomeração urbana sua principal aliada na formação dos elementos
Por fim, o ataque central de Baudrillard vai ser desferido contra a noção de que os
massa. Assim, o autor ataca a crença de que o papel da esquerda é assumir o controle des-
ses veículos. Para ele, simplesmente não é possível tomar a forma desses meios e mudar o
seu conteúdo para bons propósitos, visto que o código é a própria opressão (Baudrillard,
troca livre e imediata, em que a separação hierárquica entre transmissor e receptor se torna
uma responsividade mútua e uma responsabilidade discursiva num diálogo espontâneo: são
apenas nas atividades discursivas de rua que o autor vai encontrar, romanticamente, a forma
da troca.
21
tural e vê, na noção de indústria da consciência, o centro da questão. Para ele, a dinâmica
essencial da indústria cultural reside nos veículos comunicativos, que não são mais que ca-
nais através dos quais se reproduz e induz elementos da consciência. Elementos, esses, cuja
indústria da consciência transcende a indústria cultural, já que não é produzido por ela
(embora a tenha como pressuposto tecnológico), mas apenas reproduzido, em seu processo
não se produzem bens, mas opiniões, preconceitos, juízos, conteúdos da consciência - seria
o caso do que é reproduzido pelo rádio e pela TV. Diferentemente, com o livro, o disco, a
fita cassete etc., ainda se reproduz algo que é materializado: mas trata-se apenas de um
1985:77-85).
capitalismo avançado, em que uma classe de serviços nessas sociedades gozaria de sua he-
gemonia cultural. Arguto crítico do capitalismo, o autor também diverge da esquerda tra-
dicional, em busca de alternativas para a crítica dos fenômenos sociais e políticos. Assim,
procura estabelecer novos parâmetros para a utilização dos MCM com objetivos políticos:
aqui voltados tanto para a organização popular, quanto para a expressão de idéias das
eletrônicos, possuem um forte potencial emancipador que pode agir na consciência das
socializado, cujos meios práticos se encontram nas mãos da própria massa”; seja porque tal
22
possibilidade existe pela “força mobilizadora” que os MCM possuem e que, se utilizada,
de informações, inclusive as que podem ameaçar o poder do sistema: visto que tais condi-
“potencialidades emancipadoras”. Partindo do que apresenta como uma teoria marxista dos
MCM, o autor vai acusar certos conceitos utilizados na crítica marxista da comunicação de
“indústria cultural”.
Por fim, ao contrário do que pensa Baudrillard, se o fenômeno que envolve os MCM
circunscrito no interior das ambigüidades dos MCM, pode ser possível influir na consciên-
cia das massas de maneiras diferentes, dependendo da forma como os MCM são usados e o
Para o autor, consciência e capacidade de decisão não são direitos abstratos apenas,
para dominar as forças sociais, é necessário despertá-las. E como isto leva a massa a uma
forma de participação, isto pode voltar-se contra aqueles a cujo serviço está submetido.
Com efeito, por não se poder sustar tal processo, há aí momentos contraditórios necessários
cia, bem como, dos seus produtores: os intelectuais. Tais indivíduos não dispõem do apa-
rato industrial, e não têm aí uma relação unívoca, mas ambígua. Enzensberger chama aten-
ção para o fato de que as energias primárias não são comunicadas pelos mandantes, mas
23
pelos seus autores: a um só tempo parceiros e adversários das massas. Assim, ele fala da
necessidade de entrar no jogo perigoso dos MCM, o que nos exige novos conhecimentos e
vigilância contra pressões. E diz, sobre o novo papel social do intelectual, que ele é
apontado para o caráter emancipatório da estética e da arte também num contexto de alta
suas técnicas de reprodução, Benjamin vai afirmar uma mudança significativa no estatuto
da perda do seu caráter de autenticidade. Para o autor, isto se deve ao fato de que, sob efeito
da reprodução, o tradicional como autêntico tem seu testemunho histórico abalado, visto
que a duração material do evento produzido perde seu elo original: o que leva à liquidação
obra de arte vai afetar em cheio a sua aura. O significado da aura artística está relacionado
ao valor cultual presente na obra de arte tradicional. Com a alta reprodutibilidade técnica do
capitalismo, o que se deu foi a passagem do valor da obra como objeto de culto (que torna
distante o que está próximo), para o valor da obra como realidade exibível (tornando
próximo mesmo o que se encontra distante). Para Benjamin, tais transformações históricas
24
Quando se fala de reprodução, o que vem à mente é a condição de autenticidade da
obra, o seu hic et nunc. E Benjamin coloca a questão quando afirma que “a própria noção
de autenticidade não tem sentido para uma reprodução, seja técnica ou não” (Idem, p.7). No
entanto, duas caractarísticas da reprodutibilidade devem ser notadas: uma diz respeito à
autoridade requerida pelo original, quando da reprodução do objeto feita pela “mão do
homem e, em princípio, considerada como uma falsificação”; a outra, em que isso não
ções” dificilmente encontráveis no original (Idem, p.7). Seja como for, o que aqui se desva-
loriza é o hic et nunc do original, o que favorece ao declínio da aura da obra de arte.
cinema. Tanto por aquela capacidade que tais linguagens têm de “ressaltar aspectos do
original que escapam ao olho”, quanto pela referida possibilidade de “situações” em cujo
contexto o original não seria encontrado - e isto é válido para o disco e, atualmente, para o
ouvinte” (Idem, p.7). Aliás, com relação à primeira característica, Benjamin ressalta que o
dução foi a descoberta de um inconsciente óptico. Apesar de longa, caberia citar essa pas-
sagem:
“Fica bem claro, em consequência, que a natureza que fala à câmara é completamente
diversa da que fala aos olhos, mormente porque ela substitui o espaço onde o homem
age conscientemente por um outro onde sua ação é inconsciente. Se é banal analisar,
pelo menos globalmente, a maneira de andar dos homens, nada se sabe com certeza
de seu estar durante a fração de segundo em que estica o passo. Conhecemos em
25
bruto o gesto que fazemos para apanhar um fuzil ou uma colher, mas ignoramos
quase todo o jogo que se desenrola realmente entre a mão e o metal, e com mais forte
razão ainda devido às alterações introduzidas nesses gestos pelas flutuações de nossos
diversos estados de espírito. É nesse terreno que penetra a câmara, com todos os seus
recursos auxiliares de imergir e de emergir, seus cortes e seus isolamentos, suas
extensões do campo e suas acelerações, seus engrandecimentos e suas reduções. Ela
nos abre, pela primeira vez, a experiência do inconsciente visual, assim como a
psicanálise nos abre a experiência do inconsciente instintivo” (Benjamin, 1980:23).
ado à relação que pode ser estabelecida entre o prazer do espectador e a experiência vivida.
reações individuais, levando o público a não separar “crítica de fruição”. Em apoio a essas
afirmações, Benjamin vai estabelecer comparação entre o cinema e a pintura, em que esta
última parece não ter a pretenção de ser contemplada “por mais de um espectador ou, então,
por pequeno número deles” (Idem, p.21). Segundo ele, uma diminuição da significação
“Ora, é exatamente contrário à própria essência da pintura que ela se possa oferecer a
uma receptividade coletiva, (...) A mudança que interveio com relação a isso traduz o
conflito peculiar, dentro do qual a pintura se encontra engajada, devido às técnicas de
reprodução aplicadas à imagem. Poder-se-ia tentar apresentá-la às massas nos museus
e nas exposições, porém as massas não poderiam, elas mesmas, nem organizar nem
controlar a sua própria acolhida. Por isso, exatamente, o mesmo público que em
26
presença de um filme burlesco reage de maneira progressiva viria a acolher o surrea-
lismo com espírito reacionário” (Idem, p.21).
Mas Benjamin não dedicou seus estudos exclusivamente ao cinema, como se sabe.
Trabalho das passagens, Benjamin também vai se dedicar à situação da poesia, por exem-
dernidade, nas passagens e galerias parisienses. Duas situações são dignas de destaque para
o interesse do que se quer esboçar aqui. A primeira diz respeito à configuração do interieur
assim como a expressão por excelência do espaço burguês. É nele que o homem privado vai
“Esta necessidade é tanto mais aguda quanto menos ele cogita estender os seus cálcu-
los comerciais às suas reflexões sociais. Reprime ambas ao confirmar o seu pequeno
mundo privado. (...) O seu salon é um camarote no teatro do mundo” (Benjamin,
1985:37).
Com efeito, assim como o escritório se apresenta em seu realismo como “o centro
colecionador é o verdadeiro habitante desse interior” (Idem, p.38). Ao que parece, o autor
chama a atenção para o fato de que, aí, passa a haver uma espécie de retorno à aura: mas
não pela significação de culto anteriormente referida, e, sim, pela transfiguração de valor
por que passam os bens - o colecionador retira dos objetos, pela posse, o seu caráter de
27
mercadorias; mas, ao invés de restituir-lhes valor de uso, os impregna de puro “valor afe-
tivo”.
“O interior não é apenas o universo do homem privado, mas também o seu estojo.
Habitar significa deixar rastros. No interior, eles são acentuados. Colchas e coberto-
res, fronhas e estojos em que os objetos de uso cotidiano imprimam a sua marca são
imaginados em grande quantidade. Também os rastros do morador ficam impressos
no interior. Daí nasce a história de detetive, que persegue esses rastros” (Idem, p.38).
O contraponto a esse mundo interior e a esse homem privado, Benjamin vai encon-
trar na poesia de Baudelaire. Para ele, é com Baudelaire que Paris se torna, pela primeira
vez, objeto de poesia lírica. Uma poesia que se vale do alegórico e que, melancolicamente,
olha a cidade por uma dimensão de estranhamento. Uma poesia que se traduz pelo olhar do
flâneur - um dos tipos sociais identificados por Benjamin no tocante a existência na mo-
dernidade. Ao que parece, o flâneur representa um tipo social cuja forma de vida encontra
seu limiar tanto na cidade grande quanto na classe burguesa, mas sem que esteja a elas
subjugada. Com efeito, a multidão se expressa como o espaço asilar do flâneur, sua resi-
dência, sua fantasmagoria. O flâneur se representa, ainda, no tipo intelectual marcado pelo
mercado, mercado para o qual a flânerie se torna “útil à venda de mercadorias” (Idem, p.
39).
passagem se lhe apresenta tanto como espaço exibível, quanto como refúgio - aí, o flâneur
vive situações como as de mercadoria, de vagabundo, de proscrito; aí, ainda, ele vivencia
empaticamente a satisfação da compra pelos fregueses, bem como, tem como referência as
28
Em dois momentos os escritos de Benjamin expressam de maneira rica essa situação. Diz o
autor:
“A passagem ocupa uma posição intermediária entre a rua e o interior de uma resi-
dência (...) A rua se torna moradia para o flâneur, que está tão em casa entre as fa-
chadas das casas quanto o burguês entre as suas quatro paredes. As reluzentes placas
esmaltadas das firmas são, para ele, uma decoração de parede tão boa - ou até melhor
- quanto para o burguês uma pintura a óleo no salão; paredes são o púlpito em que ele
apóia o seu caderninho de notas; bancas de jornal são as suas bibliotecas e os terraços
dos cafés são as sacadas de onde, após cumprido o trabalho, ele contempla a sua
casa” (Idem, p.67).
“A multidão não é só o asilo mais recente do proscrito; é também o mais recente nar-
cótico do abandonado. O flâneur é um abandonado na multidão. Nisso ele comparti-
lha da situação da mercadoria. Tal peculiaridade não lhe é consciente. Mas nem por
isso age menos nele. Prazerosamente ela o invade como um narcótico, que pode
compensá-lo por muitas humilhações. A ebriedade a que o flâneur se entrega é a da
mercadoria rodeada e levada pela torrente dos fregueses (...) A empatia é, contudo, a
natureza dessa ebriedade a que o flâneur se entrega na multidão” (Idem, p.82).
exemplo disso têm sido as recentes análises elaboradas por Canevacci a respeito da comu-
nicação urbana e visual: em que o autor se vale, entre outras, das contribuições de
Benjamin.
Partindo de um conceito de cultura emergente, com o qual define “os modelos cul-
29
visual reprodutível (Canevacci, 1990:7-9). Ademais, o autor caracteriza a emergente cul-
tura, na complexidade social de uma ecologia visual, por ser esta marcada de um cunho
da antropologia: assim, ao passo que a cultura complexa vive o seu processo dissolvente de
dissolvência.
Com efeito, uma antropologia da dissolvência deve voltar sua pesquisa para o cru-
zamento da mudança social com a complexidade social e com a comunicação visual, visto
que esta última é hoje o centro tanto das contradições, quanto das vinculações na cultura
em que o caráter ecológico da cultura visual, é bom que se diga, não se encontra vinculado
ao ambiente natural, mas ao ambiente visual, como ordem simbólica, da cultura atual (p.10-
11).
Pelo que já ficou evidenciado, a comunicação visual reprodutível (CVR) tem uma
dimensão supranacional na cultura atual, tendo os media sofrido uma “dilatação transcultu-
ral” com o avanço das novas técnicas de produção e recepção. Para Canevacci, o objeto
tência de um modelo ideológico originário dos próprios objetos e coisas, das mercadorias
30
“nesse novo modelo, as mercadorias visuais emanam dos seus interiora: as ideolo-
gias-mercadoria tornam-se um concentrado de música, moda, técnicas do corpo e
tecnologias cotidianas, de paisagens urbanas e de capacidades perceptivas. Em sín-
tese, a imagem visual faz-se visão do mundo sem nenhuma necessidade de mediações
externas e explícitas, mas com plena e espontânea autonomia” (p.14).
por outro lado, não me parece estar tão distante do conceito adorniano derivado de Marx do
fetichismo na cultura: já que “os objetos” hoje “falam”, cada vez mais, “sozinhos” e “com
animada interioridade”.
Seja como for, Canevacci está mais interessado em definir as características da cul-
tura atual como cultura do consumo. Para ele, a cultura do consumo provocou transforma-
vada: sendo que as mensagens corporais assumem a condição central da difusão da cultura
Canevacci define a cultura do consumo por sua grande diferenciação dos signos; sendo que
“as distinções de classe e das várias frações de classe, além das diversas subculturas,
em vez de enfraquecer-se, se reforçam e se complicam: novos ´minissímbolos’ devem
ser descobertos para manter as diferenças, e o corpo serve perfeitamente para isso”
(p.131).
Em sua constelação urbana, cabe destacar que a cultura hoje se apresenta tanto pela
31
um vídeo-scape. No primeiro caso, o autor chama a atenção para a existência de uma
“exogamia cultural” nas atuais formas de vida metropolitanas, em que os cruzamentos não
se dão unicamente do centro para a periferia, mas, inclusive, em sentido contrário; no se-
municação visual, respectivamente. Por outros termos, pode-se afirmar que, enquanto o
aproxima, com certa distinção do hic et nunc identificado por Benjamin, ou seja, do estado
aurático.
Pelo que se pode perceber, a cultura visual é aqui apresentada como integradora da
cultura de massa tradicional e, ao mesmo tempo, como “síntese imperfeita” dos níveis ou
dos aspectos importantes à obra de Prokop. Segundo Marcondes Filho, a abordagem ana-
lítica desse autor vai além de uma análise do MCM como objeto do conhecimento, organi-
32
“moeda” do dinamismo formal, como equivalente geral, substitutivas das formas
espontâneas das experiências concretas. Por certo, isto representa mais que uma crítica
puramente ideológica do produto cultural, pois o toma pelo caráter fetichista da mercadoria
que, sob condições monopolistas, a reificação que abstrai o valor de uso se dá já na produ-
ção, eliminando a possibilidade de seu valor de uso específico. Prokop vê uma ligação es-
princípio da realidade). Sua ruptura só ocupa espaço se tomarmos o seu conceito de espon-
Com efeito, é nesse sentido que Prokop tenta formular uma teoria emancipatória da
cultura: cujo objetivo é a “investigação das forças que inibem a emancipação”. Devendo,
particularmente aos fatores da integração e despolitização das massas pelo realismo de re-
Prokop assinala a integração e despolitização dos membros sociais, facilitada pelas estra-
tégias de legitimação do Estado, através das políticas do Estado de Bem-estar. Por outro
lado, acentua o autor, mesmo nas sociedades complexas existem “experiências primárias”
33
“A estrutura precária, formal, de legitimação das estratégias do Bem-estar é constan-
temente ameaçada pelo fato de que colocações apolíticas sobre necessidades, desejos
e objetivos qualitativamente determinados se transformam em ações e poderiam, no
seu ‘efeito’ exemplar, impor, praticamente, um contraconceito de eficácia alternativo,
marcado por um caráter mais racional. Estas necessidades contrastam tanto mais com
a forma dominante de legitimação das necessidades, quanto mais puderem apoiar-se
em tais experiências primárias, resultantes de outros contextos de interação” (Prokop,
1986:115).
mais particularmente, nos termos da esfera pública burguesa. Para o autor, este conceito
goza de uma grande limitação, pelo fato de só apresentar a esfera pública pelo seu caráter
de pessoas livres para a discussão de questões de interesse geral” (p.104). Para Prokop, é
compõem a dimensão institucional. Partindo das contribuições de Negt e Kluge (1985), que
definem a existência de uma esfera pública operária no interior de uma organização social
dominada pela esfera pública burguesa, em que o problema estrutural dessas esferas é a
formação de uma ideologia de blocos, Prokop vai se valer desse debate para identificar aí
(inicialmente espontâneo) “do público, das massas, das pequenas empresas, das pequenas
34
street corner societes (clubes de esquinas) de jovens (...), as formas de sociabilidade,
como Simmel (...) os caracterizava” (p.105-6).
Contudo, adverte o autor, é um erro cair numa idealização pura e simples do po-
tencial produtivo das manifestações dessas associações, visto que elas também se encon-
tram condicionadas pelos mecanismos da estrutura social dominante: a própria esfera pú-
blica burguesa - em cujas formas de organização muitas vezes se apoiam. Com efeito, estar
atento para este fenômeno não exclui a necessidade de se investigar os tais potenciais pro-
Creio que seja conveniente expor aqui uma passagem lapidar do autor na caracteri-
“as esferas públicas não-organizadas (ou por longo tempo não-organizadas) do pú-
blico, das massas, das pequenas empresas, das pequenas associações, dos artistas, dos
jornalistas contrapõem tanto à ficção e à oportunidade da razão pública como às
formas atuais institucionais da comunicação persuasiva uma outra qualidade institu-
cional: a ocupação produtiva com o objeto. Um interesse artesanal, só aí existente,
pode manifestar-se produtivamente: na articulação e na utilização dos acontecimen-
tos, das experiências, das necessidades e dos interesses, ou seja, um interesse na
apropriação viva em vez da ocorrida no mercado da legitimação. Seu potencial pro-
dutivo são as capacidades artísticas e artesanais, a reflexão jornalística, as capacida-
des críticas do público” (p.110-11).
total êxito da organização de uma esfera pública despolitizada (na esteira do capitalismo
35
hedonismo privado de consumo e lazer, num contexto do Estado de Bem-estar: cabendo,
reificante em uma crítica deste gênero se deve ao fato de ela não considerar suficientemente
o processo das mediações ideológicas e de valores dos diversos grupos ou classes sociais;
caindo na formulação pessimista de uma “teoria conspiratória” (Idem, p. 64), como pode
Outrossim, ainda que por outros termos, a tese de uma esfera pública não-organi-
zada (ideologia de blocos), não se encontra tão distanciada das formulações derivadas do
sociedade. Em ambos os casos, aliás, a tendência é romper com o clássico modelo conser-
vador e totalitário de conceituação das massas como um todo amorfo que supera as dife-
renciações sociais de grupo ou classe - como uma categoria que passa justamente a ser
analisada como um elemento que dilui as formas do próprio conteúdo social: refiro-me,
para o contexto específico deste trabalho, à ênfase dada em termos de uma forma absoluta
muito distintas das formulações que aqui mais interessam ao presente estudo, mais imbuído
que está em identificar uma concepção do fenômeno cultural em termos de suas mediações:
36
verá adiante; e, por fim, das formas de esfera pública não burguesa e das necessidades es-
Assim, retornando a este autor, podemos afirmar, com ele, que mesmo os MCM
à defesa ocasional daquela libertação real. Para essa afirmação, o autor lança mão da noção
questões é o objetivo do autor rumo a uma teoria emancipatória. Com efeito, isto o põe
(desempenho), Prokop vai afirmar que também os fenômenos estéticos representam estru-
vigente da estrutura social, atua coercitivamente no controle dos desejos pulsivos, que
37
passam por objetivações. Assim é que a atividade consciente da fantasia resulta do conflito
ego os conciliam com exigências do mundo social. Com efeito, a atividade da fantasia, que
fenômenos estéticos. Há, aí, possibilidade de reflexão dos desejos e necessidades através da
e incapazes de atuar, mas que conhecem manifestações de sentimentos livres íntegros. Por
outras palavras, o que isto diz da fantasia é que à abstração regressiva, composta de signos
Por outro lado, Prokop não está isento de constatações mais pessimistas em sua
crítica dos MCM sob monopólio. Para ele, a compreensão das modernas instituições de
forma especial de mercado, como necessidades estruturais. Disso pode resultar o estendi-
38
Valendo-se de elementos de uma teoria dos meios generalizados a partir de Parsons
autor vai tomar a moeda, pelo caráter formal de sua expressão de troca, como o aspecto
estrutural relevante para a análise da cultura de massa. Segundo o autor, este aspecto estru-
tural descrito por Parsons em sua analogia da moeda vem significar, enquanto abstração de
posto, passa a ser concebido como o meio que, na consciência dos membros sociais
(público), qual o “uso” da moeda, assume a forma de uma estrutura abstrata receptivo-ge-
neralizada de expectativas (Idem). Para Prokop, o desfrute das instituições que incorporam
a abstração da troca implica num recalque dos aspectos relacionados aos desejos e necessi-
dades; assim, no lazer dirigido, organizado a partir daquelas instituições de mercado, cria-
claro, isto é mais válido para receptores predispostos ao tipo específico desta forma do
ladas: mas, “os meios de comunicação possuem pouca influência sobre os receptores não-
versível em ‘satisfação dos desejos’, visto que o princípio de realidade (desempenho), re-
39
calca a fantasia individual na direção daquelas formas infanto-regressivas: que realizam
supostamente tais desejos (p.140). Para o autor, ainda, a fragilidade das necessidades es-
Contudo, Prokop afirma que a causa estrutural de os MCM não alterarem as posi-
realidade. Por outro lado, quando o asseguramento da variedade formal deixa de ser
equilíbrio confronta-se com sua própria causa, e com o medo do fracasso ante o princípio
entendimento teórico dos mecanismos sociais e econômicos pelas massas - não como
“ciência livre de valores”, mas da “vivência partidária” (daquela esfera pública não-organi-
zada): desde que possam contar com experiências específicas dadas de reivindicações parti-
culares de uso e prática daqueles a quem se voltar; caso contrário, não há forma cultural
emancipatória (p.146).
40
Procurando acentuar criticamente a dimensão histórica de um processo de demo-
cratização da cultura e comunicação no ocidente; e partindo de uma total recusa dos termos
da teoria da cultura de massa, tal como formulada pelo funcionalismo, pela teoria crítica e
ensaio:
“Os mitos sociais são, politicamente, esquerdistas e reacionários e sua função social é
conservar as estruturas de dominação representadas por uma classe dirigente ou por
um estrato burocrático. No mito, a história se evapora; a realidade é definida em ter-
mos da ideologia dominante, como uma estrutura pré-estabelecida de leis e tendên-
cias objetivas. Assim como o mito aniquila a história, também aniquila a práxis. Se a
cultura é o meio pelo qual o homem afirma sua humanidade e seus fins e aspirações
de liberdade e dignidade, o conceito e a teoria da cultura de massa são sua negação.
Como mito, legitima a dominação democrática e totalitária burguesa; como teoria, é
vazia, ideológica e desprezível” (Swingewood, 1978:101).
Cabe-nos, aqui, dentro de certos limites, apresentar alguns aspectos relativos à in-
terpretação do fenômeno pelo autor, bem como, de sua crítica. Para o âmbito de uma teoria
sociedade capitalista como sociedade de massas, elaborado em torno das teorias centrais da
efeito, a questão central a que o autor quer chegar é a da consideração de que o conceito de
41
Surgido na era do capitalismo liberal, o conceito de esfera pública expressa a esfera
de indivíduos particulares reunidos num órgão público, orientado para as garantias do di-
podendo mesmo se contrapor à própria autoridade pública: a autoridade pública era deba-
tida nos meios utilizados pela esfera pública (Habermas apud Swingewood, p.66). Assim,
“capitalismo liberal auto-regulado do século XIX”, possibilitou uma profunda crise de legi-
timação e o declínio da esfera pública burguesa: agora o Estado moderno é visto pela ótica
autonomia possível do indivíduo, que “fica esmagado pelo peso de um aparato administra-
tivo maciço” (Swingewood, 1978:66). Na verdade, a isto o autor vai caracterizar como
sendo mais uma abordagem do modelo totalitário, próximo de uma “teoria conspiratória”.
Para Swingewood, grande parte dos teóricos marxistas contemporâneos têm assimi-
lado este modelo de esfera pública como princípio de análise, seguindo assim o itinerário
de uma “teoria da sociedade de massa e de ‘indústria da cultura’”, tal como traçada pelos
públicas, a favor de um argumento que funde sociedade civil e sociedade política. Mas o
42
O exemplo histórico disso é que se pode apontar a burguesia como a única classe
dominante que fortalece a sociedade civil; claro, na luta para reforçar o seu domínio, mas,
guesa” é encontrada “em sua autoridade hegemônica sobre a esfera privada” (p.65-66).
distintos, mas, relacionados. Para ele, a formação social do capitalismo segue a dinâmica de
diferenciada no nível de sua produção e dos fatores de organização e ideológicos. Por outro
lado, critica o estruturalismo de Althusser dos agentes sociais passivos (agidos) e faz uma
ideologia que lembra o conceito de dialogismo em Bakhtin (como se poderá ver noutro
“A ideologia é uma força vital que funde os diversos extratos conflitantes do capita-
lismo numa unidade social e histórica, um instrumento flexível e dinâmico de
dominação de classe, mas um instrumento que, se não fizesse sentido algum em
relação às experiências cotidianas da classe operária ou se não se relacionasse com
elas, não teria qualquer função de legitimação” (p.68-69).
Nesse sentido, não se pode aceitar a idéia da ideologia como falsa consciência por
marcada por níveis estruturais inter-relacionados, disso resulta que, nem as instituições
culturais são um mero reflexo das instituições econômicas, nem é a ideologia algo de for-
mação monolítica. Sendo assim, pode-se dizer que há, nas instituições culturais, um pro-
cesso de duas etapas da mediação cultural, em que os MCM transformam ideologia hege-
43
mônica e criam, simultaneamente, ideologia sob a forma do prático-teórico: transformando,
pois, a ideologia em conceitos acessíveis à consciência popular - sendo que esta estrutura é,
teórica popular no contexto do capitalismo moderno”, o autor vai ressaltar o fato de que
Para o autor, “não são os meios de comunicação de massa que mantêm o capita-
lismo contemporâneo”, a sociedade civil é que o mantem. Para ele, o fato de os MCM terem
que refletir certa existência de um consenso no interior de uma sociedade civil com
hegemonia burguesa, não deve implicar numa função de doutrina deliberada desses meios.
definição dos “limites dos problemas dentro de uma dada situação”, que cria, assim, “um
sentido de abertura” e certa “imparcialidade”: não por uma neutralidade, mas por uma certa
autonomia enquanto meio. É, pois, dentro de uma sociedade civil fortalecida tanto quanto
seja possível, que os MCM se apresentam como formadores de “um grande processo de
A saber, o autor vai criticar a visão, indicada por Habermas, de que a esfera pública
no capitalismo liberal estava regida, sem crise de legitimação, por um polipólio e com um
Estado não-político, enquanto, no capitalimo atual, sua crise tem gerado um maior controle
uma esfera política pública despolitizadora cuja garantia da ordem se processa por um as-
44
ormente). Para ele, esse conceito habermasiano de um sistema capitalista auto-regulado
pelas ideologias em transformação e pela dinâmica do seu modo de produção; e, por fim, o
moderna.
está assentada, assim, num elitismo cultural (ora progressista, ora conservador), baseado na
45
idéia equivocada e reificadora de que a cultura, em níveis distintos, em algum momento da
sociedade, teria gozado de um a priori ontológicamente identificável nas suas formas distin-
tas de cultura superior e cultura inferior: tais teses não fazem mais do que romantizar e
está mais profundamente marcado de uma “análise moral” das estruturas culturais, do que
por um conceito como processo de mediação a partir de uma base material e de relações
sociais de produção. Por certo, reconhecer isto não impõe a adoção de um modelo de
De acordo com o autor, uma sociedade com um alto índice de alfabetização é uma
sociedade com consciência do seu passado e com noção do presente como história, em
cujos membros se desenvolvem um raciocínio analítico. Nestes termos, fica claro que o
interesse do autor é o de constatar que o acesso à educação e cultura ajuda a elevar o padrão
cultural dos indivíduos sociais e viabiliza sua participação política. Para ele, consciência e
alfabetização são de importância fundamental para uma teoria da cultura de massa; nas cul-
46
tos, posto que a alfabetização generalizada é “o pré-requisito para qualquer cultura genui-
namente democrática”: dado que quaisquer fatores de consciência dos indivíduos consigo
mesmos e com seus grupos de conflitos e interesses, bem como, com a totalidade do
mundo, passam pelas mediações com o conhecimento e suas bases históricas - há, assim,
A importância deste fator é tal, que se pode atestar que, já no século XIX na Europa,
enorme desejo dos setores mais consequentes do proletariado de se alfabetizar; tanta força
isto assumiu, que levou setores dominantes a manifestarem preocupação para com as
ameaças que poderiam sofrer com o advento de uma educação universal (p.84).
Pelo que foi dito até aqui, pode-se afirmar que a cultura burguesa tendeu, como o
Posto que cada vez mais se liga à cultura comercial “como produto dos mesmos processos
econômicos”. No entanto, caso exista uma cultura de massa, seu florescimento inicial é
observado, pelo autor, como ligado muito mais à integração da classe média à cultura co-
mercial burguesa já no século passado, do que por uma integração dos setores operários:
“não era o proletariado urbano que consumia periódicos, (...) mas um novo estrato de
empregados de escritório, administrativos e profissionais” (p.89).
pela cultura comercial. A ela se liga todo um complexo de reprodução cultural que tanto
atinge os elementos de uma cultura, digamos assim, “alta”, quanto “popular”. Aliás, este
fato leva Swingewood a fazer referências a uma cultura democrática burguesa e a distinguir
47
cultura folclórica de cultura popular - já que esta última tem estado baseada “num conceito
trabalho e da reprodução mecânica dos objetos culturais” (p.90). Por outras palavras, pode-
se identificar cultura popular neste contexto, como cultura operária urbana, que se utiliza
referindo a todo um circuito de reprodução que abrange toda uma multiplicidade dos assim
de todo um conjunto de avanços daquilo que constitui a base de toda cultura: a relação entre
acesso aos MCM, um aumento significativo nos níveis de instrução das diversas camadas
sociais.
tica burguesa continua sem ser atingida” (Idem): há, por certo, uma forte hierarquia no
grau de difusão e uma audiência nunca antes existente: e é insustentável, como salienta
48
“se a Ilíada é vendida na mesma livraria de uma estação ferroviária ao lado de um li-
vro de Harold Robins, isto não altera a qualidade da Ilíada ou a reação do leitor a ela;
e uma sinfonia de Beethoven continua sendo uma sinfonia de Beethoven inde-
pendentemente de ser vendida num supermercado ou numa casa de música ‘de quali-
dade’” (p.19).
as versões originais das citadas obras: ainda assim, tais modificações não representam, pura
e simplesmente, formas de um necessário aviltamento das obras; elas podem ocorrer com
chamada “alta cultura” e a sua produção e reprodução mecânica. Por outro lado, ele lembra
que o problema de “alta” e “baixa” cultura assenta no “mito” de que as massas, “com
hábitos homogêneos de consumo” e “‘baixos’ padrões culturais, exigem uma cultura popu-
lar uniforme”. Para ele, “a história da cultura capitalista em todas as suas formas revela
claramente que os estratos educados e cultos acompanharam as massas lado a lado na exi-
ram ao processo de democratização das linguagens artísticas, na medida exata em que pas-
saram a só refletir cada vez mais as “forças de mercado” e “ideologias associadas ao capi-
49
mercial na “introdução de mudanças significativas nos valores sociais e políticos” das clas-
ses sociais, visto que se pode falar de tendências ao reforço de pressupostos ideológicos
pelos MCM, mas nunca de um evidente elo causal entre cultura produzida em massa e
consciência popular: isto pode ser observado no fato destas classes, notadamente a operária
(e de muito dos grupos das chamadas minorías), manterem suas afiliações de classes e de
resultar numa tentativa bem sucedida, nos termos do mercado capitalista, o processo de
integração de todos os estratos sociais numa base comum e universal da cultura comercial
automática de “uma análise estética e intrínseca da cultura comercial (...) para seus efeitos
da concepção da existência de uma sociedade atomizada. Para ele, tal concepção tem um
implícito nesse tipo de teoria uma visão do indivíduo como agente passivo frente aos
“estímulos ou ‘mensagens’ culturais” dos MCM. Segundo pensa Swingewood, essa forma
pela influência de grupos de ‘iguais’” - tais como família e outrais instituições sociais
(p.94-5).
50
Finalizando, as próprias palavras do autor se encarregam de dar o tom ao núcleo
central desta questão: “não é uma questão de hegemonia de cima (que não é, absoluta-
mente, hegemonia, mas dominação direta), mas da relação entre estas instituições e práticas
duzida em massa.
“A possibilidade de seus efeitos serem mínimos não deve disfarçar o fato de que, a
nível da consciência popular (distinta da consciência de classe ou de classe revolucio-
nária), os produtos da cultura popular capitalista refletem, muitas vezes de modo dis-
torcido e ambíguo, a estrutura conservadora: mas, conforme argumentamos (...), a
consciência popular não é uma estrutura unitária, mas complexa e contraditória, di-
nâmica e não estática. E é nesse sentido extremamente limitado que a cultura popular
capitalista funciona como um modo de integração social e de controle social” (p.95).
dade das massas ou do público, isto também tem possibilitado uma grande vitalidade cultu-
ral: ao invés de uma desintegração do público, tem-se assistido, “sob a influência da má-
fala Canevacci), como alguns dos “processos que tornam cada vez mais indistinta” ou ine-
xistente “a linha (...) entre cultura ‘alta’, ‘média’ e ‘baixa’”: como os críticos de Frankfurt e
complexas” dos quais fazem parte as comunicações e seus meios de difusão cultural mo-
51
dade do “nivelamento cultural” aí presente. Em todo caso, lembra o autor, tendências cole-
acessibilidade (como já foi dito) pelo público: ainda que, em realidade, isto permaneça
muito limitado ou institucionalmente fechado. Segundo pensa, “o ideal de uma cultura de-
mocrática universal baseada na participação ativa de todos (...) é incompatível com o capi-
talismo”, assentado que está “na crença no governo das elites cuja sabedoria ‘superior’”, de
E o que é mais importante, ainda, o autor levanta a tese de que “o mito de massa é
é mais do que os produtos da produção em massa”, mas uma “práxis” pela qual os homens
moldam e humanizam o mundo social, o autor vai encontrar apenas no socialismo com uma
capitalismo e sua cultura comercial, não devemos esquecer que “os elementos hedonistas e
da atualidade. Trata-se do debate sobre a existência ou não de uma fase sucessora da era
52
auge do capitalismo moderno e os aspectos formadores da lógica cultural da atual soci-
cas gerais desse período poderiam ser identificadas, entre outros pontos: pela emergência
pela avalanche das informações, chegando mesmo a quase um limite de saturação; pela
crescente presença dos mass media na esfera da vida coletiva e, mesmo, privada dos cida-
das mesmas; por fim, na nova condição vivida pelos indivíduos face aos produtos culturais,
Para alguns, a amplitude tomada em termos da acessibilidade das massas aos produ-
qual o indivíduo é levado a viver (sitiado pela violência nas cidades, questões ambientais,
ameaça de pane nos sistemas eletrônicos, epidemias como a AIDS, etc.), teria traçado um
quadro cultural de uma sociedade marcada pelo consumismo hedonista, como estratégia de
fiados de sua própria capacidade, se tornam mais “frágeis e dependentes” (Lasch, 1986).
de descrença frente a ideologias, que passaram a ser vistas como discursos redundantes e
sem sentido. Não só no campo intelectual, mas, inclusive, no campo artístico, parece domi-
esgotamento completo das energias criativas e das condições alternativas para o surgimento
53
de novas injunções estéticas, teóricas e ideológicas marca o teor forte de uma cultura
pessimista-niilista.
Assim, para certos críticos do pós-moderno, a cultura atual resulta numa expressão
do pastiche (onde não há originalidade e sim cópia e revivência do passado, num clima
que parece frustrar os mais candentes desejos dos indivíduos), de uma cultura multimídia.
Se seguirmos o horizonte do debate assumido por Jameson (op. cit.), vamos encon-
conclusão do autor, quando este se pergunta sobre o valor crítico da arte mais recente: para
ele, se é consenso de que o modernismo parece ter funcionado contra a sua sociedade; se,
lógica pelo pós-modernismo, se é possível afirmar o seu funcionamento contra a sua socie-
dade: de que haja nele e em seu momento social algo próximo ao que caracterizou o mo-
dernismo em seus primórdios. E o autor deixa em aberto a sua indagação (p.43-4). Para ele,
lógica do primeiro, na medida em que essa crítica se possa valer de um grande tema, como
parece ter perdido a “capacidade de reter seu próprio passado” - vivendo um “presente
acompanhada por nossa percepção. Isto pelo fato de nossa percepção estar formada ainda
54
sob os matizes do que ele denomina modernismo canônico. Contudo, o autor procura deixar
algumas pistas do que pode ser revelado de um momento pós-moderno, distinto do que terá
sido a modernidade: o autor segue, pois, uma linha comparativa. Para ele, a modernidade se
baseou na “invenção de um estilo pessoal e privado”: sua estética liga-se a uma “concepção
ela advém do próprio modernismo a que ele se contrapõe. Aliás, segundo a afirmação de
Jameson, o que tem caracterizado o pós-modernismo é a forma como ele se volta contra o
Assim sendo, falar de pós-modernidade implica fazer uso de “um conceito periodi-
zante, cuja função é correlacionar a emergência de novos aspectos formais da cultura com a
emergência de um novo tipo de vida social e com uma nova ordem econômica” (p.27). Um
teóricas entre “alta cultura” e “cultura de massa” ou “popular”; quanto “das antigas
das antigas disciplinas, em favor de uma teoria “que é todas ou nenhuma dessas coisas ao
signos se liberam da “função de referir-se ao mundo” (Connor, 1992:45), tal como era a
55
“simulacro” de Baudrillard): disto resulta que a “experiência” pós-moderna é a do pastiche,
algo (“a linguagem normal”) a que se contrapor. Sendo assim, o que resta à pós-moderni-
etc.: isto tudo quer dizer de como a pós-modernidade, não podendo mais inventar “novos
laridades), cai numa vasta esfera da pastichização dos “estilos mortos”, de um “museu
imaginário” (p.31). Assim é que o pastiche foi apresentado como a revivência de uma tota-
lidade do passado e das sensações e formas dos objetos de arte do passado pela pós-mo-
atual se mostra como uma séria “acusação contra o capitalismo de consumo”: por não se
saber lidar com o próprio tempo e a própria história, procede-se pela esteriotipação de um
“[E] esse alarmante ponto de desarticulação entre o corpo e seu meio ambiente cons-
truído (...) pode figurar, ele próprio, como símbolo e análogo do dilema ainda mais
agudo que é a incapacidade de nossa mente, pelo menos na atualidade, de mapear a
56
grande rede global multinacional e descentralizada das comunicações em que nos
vemos apanhados como sujeitos individuais” (Idem).
Voltando-se à indagação em aberto de Jameson, crê-se que toda a sua reflexão re-
vela um grande esforço para localizar o momento de uma vocação utópica em todo o sen-
Contudo, críticos como Foster (1989) e Huyssen (1991) fazem a distinção entre um
Nesse sentido, o pós-modernismo crítico seria uma ruptura com a modernidade por
dernidade crítica: 1) crítica ao viés imperialista da cultura modernista, marcada pelo ideário
57
surgimento das preocupações com as questões de meio-ambiente, como ampla crítica da
Tudo isso inviabiliza, como crê Huyssen, falar de continuidade entre modernidade e
resto, todo o modernismo crítico, estiveram marcados pela ideologia iluminista do pro-
ação que inclui o lugar de trabalho e o Estado, mas sem se limitar a estes. Mas isto não tem
Em todo caso, o recado essencial fica dado pelo próprio Huyssen e, também, por
Jameson: a questão que se impôe, hoje, é menos a da adesão fácil ou da condenação abrupta
situar a complexidade dos problemas culturais por nós vivenciados e de suas mediações
58
com os demais processos do todo social que caracterizam o presente estágio da sociedade
capitalista de consumo.
Por outro lado, uma posição menos apaixonada da questão pode revelar o momento
atual como contínuo e descontínuo em relação à modernidade: com relação à lógica geral
do capitalismo, ele não processa uma ruptura como a que se deu entre capitalismo e
feudalismo - vivendo, portanto, uma continuidade; com relação ao estágio atual de uma
cultura do consumo, ele se apresenta como uma nova etapa da sociedade, totalmente pa-
sua cultura urbana, nos termos da cidade-mundo - apresentando, assim, uma desconti-
nuidade interna à própria lógica capitalista de mercado: que, certamente, vende objetos que
se encontram cada vez mais regidos por imagens de um mundo de significantes, embora
não possa suplantar o cotidiano como história. Dito isto, talvez fosse conveniente apre-
dade e descontinuidade da própria modernidade; sendo, pois, o modelo assumido pela mo-
dernidade em sua fase atual: na perspectiva dada por Paz (1984) da modernidade como
tradição da ruptura.
exclusivamente ocidental, que não aparece em nenhuma outra civilização, motivado que é
pela crença da sociedade cristã medieval em um “tempo histórico como um processo finito,
sucessivo e irreversível”, onde, uma vez esgotado, “reinará um presente eterno”, Paz assi-
nala: “É claro que a idéia de modernidade somente poderia nascer dentro desta concepção
59
(...); é claro, também, que só poderia nascer como uma crítica da eternidade cristã” (p.43-
4). Nesse sentido, caracteriza-se a modernidade pela sua oposição à noção cristã de eterni-
dade:
Nesse sentido, Paz lança uma questão que pretende ser o aspecto central da mo-
dernidade: “se a modernidade é a cisão da sociedade cristã e se a razão crítica, como fun-
damento, é permanente cisão de si mesma, como nos curarmos da cisão sem negarmos a
nós mesmos e negar nosso fundamento? como resolver em unidade a contradição sem su-
primí-la?” (Idem). Assim, é que o autor incorpora à sua teoria a noção da modernidade
como tradição da ruptura. Com efeito, a ambigüidade desta terminologia expressa bem o
que difere estruturalmente do conceito habitual de tradição: enquanto este último aponta
para os elementos de continuidade, dando uma idéia de unidade entre o passado e o pre-
quanto em relação ao próprio presente. “Em muitas de suas obras mais violentas e carac-
terísticas - penso nessa tradição que vai dos românticos aos surrealistas - a literatura mo-
tradição da ruptura, transcrevendo, em toda a sua extenção, um trecho lapidar de Paz a este
respeito:
60
“A modernidade é uma tradição polêmica e que desaloja a tradição imperante, qual-
quer que seja esta; porém desaloja-a para, um instante após, ceder lugar a outra tra-
dição, que, por sua vez, é outra manifestação momentânea da atualidade. A moderni-
dade nunca é ela mesma: é sempre outra. O moderno não é caracterizado unicamente
por sua novidade, mas por sua heterogeneidade. Tradição heterogênea ou do hetero-
gêneo, a modernidade está condenada à pluralidade: a antiga tradição era sempre a
mesma, a modernidade é sempre diferente. A primeira postula a unidade entre o pas-
sado e o hoje; a segunda, não satisfeita em ressaltar as diferenças entre ambas, afirma
que esse passado não é único, mas sim plural. Tradição do moderno: heterogenei-
dade, pluralidade de passados, estranheza radical. Nem o moderno é a continuidade
do passado no presente, nem o hoje é filho do ontem: são sua ruptura, sua negação.
O moderno é auto-suficiente: cada vez que aparece, funda a sua própria tradição”
(p.18.Grifei).
Pelo que se pode ver essa problemática, bem como, de forma bastante distinta,
aquela levada a efeito por Foster e Huyssen, parecem ser as posições que melhor situam o
entendimento dos problemas culturais da atualidade; devendo figurar como pontos de refe-
rência a serem considerados neste trabalho, no tocante ao debate atual em relação ao estado
61
Capítulo Segundo
O sentido das caracterizações neste capítulo diz respeito ao fato de que, aqui, não se
social atual, engendrado pela dinâmica dos sistemas produtivos da formação social
deve-se igualmente voltar a atenção para o que tem caracterizado, em linhas gerais, os
“tipos” do segmento social jovem. Por fim, tanto a juventude quanto a expressão musical
entrecruzamento destes três aspectos, que se dará o entendimento de certo discurso do rock
certas formas de manifestações levadas a efeito por grupos de jovens. No que se segue, será
feita a apresentação em separado de cada ítem; mas, unicamente, como forma de enfatizar
certos aspectos mais particulares de cada um - embora seu entendimento deva relacioná-los
62
2.1. Aspectos Sociais da Canção de Grande Circulação (Em Particular do Rock)
rock, esta talvez seja a principal chave para o seu entendimento enquanto modalidade mu-
sical. Pela ênfase em sua materialidade sonora, o rock deveria ser entendido como estilo
que atinge mais o campo das sensações corpóreas e emocionais, do que a esfera da racio-
nalidade. Uma crítica musical efetiva seguiria o entendimento desta correspondência entre a
tência de uma especificidade estética da linguagem do rock cuja orientação difere opositi-
vamente ao que se configura como uma estética tradicional da música. Assim, enquanto a
o autor, se voltaria basicamente para a matéria. Sem querer adotar o princípio da estética
tradicional da separação entre forma e matéria (conteúdo), Baugh vai usar o termo matéria
ele a sente.
63
A confrontação feita por Baugh dos dois níveis da expressão estético-musical é
rock. Por outro lado, seu valor se encontra no fato de identificar os postulados teóricos de
que partem os críticos da estética clássica. Referindo-se a Kant e ao kantismo, o autor vai
um juízo capaz de requerer validade universal” (p.17); ao passo que ao segundo não se
substancial. O autor fala, ainda, que tais considerações da forma e da composição na esté-
tica clássica encontram-se presentes não só nos clássicos, como também na crítica mais
contemporânea que vai de um Adorno até os jornais de hoje. Aliás, Adorno chega a ser
A rigor, tomar este itinerário crítico para a análise do rock significa, no mínimo,
“uma estética do rock julga a beleza musical por seus efeitos sobre o corpo, e desse
modo encontra-se essencialmente voltada para a ‘matéria’ da música. Isso faz com
que a beleza na música do rock seja em certa medida uma questão pessoal e subje-
tiva; na medida em que você avalia uma peça baseado na maneira pela qual ela lhe
afeta, você não pode exigir que outros que são afetados de modo diferente concordem
com sua afirmativa. Mas isso não significa que os padrões do rock são pura e
simplesmente uma questão de gosto individual. Há certas qualidades que uma peça de
rock deve ter para ser boa, embora ouvintes informados possam discordar quanto ao
fato de uma determinada peça de música possuir tais qualidades. Em todo caso, essas
qualidades são mais materiais do que formais, e estão baseadas em padrões de
avaliação da performance, mais do que na composição” (p.20).
64
O ritmo seria uma das qualidades de performance de mais fácil identificação no
rock; e, ainda que ele se encontre na estética clássica, goza de um caráter de formalização
tal que não atinge a mesma visceralidade e o mesmo somatismo contidos no rock. Seu
ritmo não pode ser medido por um “tempo correto” e a batida ou ritmo dependem de seus
efeitos sobre o corpo. Por outro lado, mudanças ocorridas em seu processo, fizeram ressal-
tar outros elementos de performance do rock: por exemplo, a voz (que é menos um fenô-
formance, dos mais criticados, é o do volume ou altura, mas que pode ser importante veí-
“Ritmo, a própria expressividade das notas, a altura: esses são três elementos mate-
riais, corporais do rock que poderiam, como espero, constituir sua essência e formar a
base de uma genuína estética do rock”, [que] “requer uma emancipação do corpo,
uma emancipação da heteronomia. Tal emancipação também é requerida pelas muitas
formas de música centradas na voz e na dança, mais do que na composição e no livre
julgamento pela mente da beleza formal. De fato, a preocupação com a beleza formal
é adequada apenas a um fragmento muito pequeno da música do mundo” (p.23).
Ainda que o autor não dedique atenção à problemática da letra de música, suas
considerações estéticas são muito importantes no sentido de delinear um quadro geral dos
elementos presentes em qualquer crítica substancial do rock. Isto não retira da letra de
música sua qualidade de performance no rock e na canção em geral. Apenas o autor procura
Considerando-se que não se vai tratar aqui dos elementos estéticos do rock, tais
65
e juventude: entre outras coisas, a forma arrebatadora da materialidade sonora, talvez seja o
elemento principal da persistência do rock (em suas múltiplas variações de som, ritmo e
Aliás, esta vizinhança mantida entre a cultura juvenil e o rock, como produto co-
mercial que é, nos obrigaria a refletir não apenas os elementos últimos de uma sociologia
da juventude, mas, também, de uma sociologia do rock: que deveria se manter em estreita
relação com a primeira. Por certo, não se vai traçar aqui o programa de uma sociologia do
rock, que é matéria de interesse para um outro momento; devendo-se, isto sim, não mais do
que situar o rock como manifestação da cultura urbana, altamente mediado dos problemas
No que se refere ao debate geral sobre a canção comercial, pode-se presenciar ainda
ao estudo daquela modalidade musical, no que pese aos efeitos sociais por ela causados.
Nesse sentido, vamos encontrar uma visão profundamente pessimista do fenômeno, que vê
ouvinte - essa idéia tem a sua mais ardorosa defesa na crítica que Adorno faz ao que ele
consumo por que passa essa canção, o que não lhe permite qualquer inovação senão aquela
de ordem funcional ao próprio mercado de sua circulação (in Benjamin et al., op. cit.,
p.165-91).
Por outro lado, entretanto, vê-se surgir uma perspectiva menos elitista de aborda-
gem, e que tenta ver que não é suficiente reduzir toda a explicação dos mecanismos relati-
66
vos à canção de consumo (e, de resto, de grande parte dos produtos da indústria cultural) ao
puro critério das relações industriais e comerciais - sendo necessário tentar ir além dessa
colocação, pelo exame das suas funções não apenas econômicas, mas também sócio-cultu-
rais: deixando os problemas de caráter estético para uma outra ordem de abordagem, aquela
(Luthe, 1971).
pretação dos vários aspectos da canção de consumo, veja-se o que pensa Adorno a esse
respeito, quando analisa a “moda sem tempo” do fenômeno do jazz. Tomando por base a
jazz representam nada mais que a suavização de toda rebeldia oriunda daquele movimento
original, suavização essa caracterizada pela repetição das fórmulas que, na melhor das hi-
das que, embora assumindo a aparência da “irrupção de uma natureza primitiva e sem
que visa indubitavelmente o sucesso. Com efeito, a nota crítica do que se observa neste
no jazz, num processo harmonizador, pela ação mercantil das empresas da indústria cultu-
ral; indo além, Adorno mostra-se intrigado com o próprio fato de que o jazz parece se es-
Sendo que, em sua abordagem, o autor tende não apenas a abraçar uma perspectiva
de análise que se faz valer do repertório da psicopatologia: quando, ao afirmar que “ao
gesto da rebelião se associou sempre no jazz a disposição a uma cega obediência”, o faz
comparando-a ao “tipo sadomasoquista, que se subleva contra a figura paterna, mas conti-
67
nua a adorá-la secretamente, quer imitá-lo e desfrutar, ainda que em última instância a odi-
ada submissão” (p.50); como também, não deixa de chamar atenção para o fato de que no
jazz, pelo aspecto facilitador da comercialização, opera-se uma rígida limitação estética em
sua modalidade musical: quando assinala que “do mesmo modo que nenhuma peça de jazz
conhece história (no sentido musical), do mesmo modo que seus elementos são por assim
dizer desmontáveis, sem que a nenhum compasso se siga uma lógica de desenvolvimento,
assim também essa moda sem tempo converte-se em símbolo de uma sociedade congelada
segundo um plano (p.53) - limitação essa, segundo pensa, presenciada no próprio sentido
tal esforço vem escamotear o verdadeiro sentido de algo que foi estudado e preparado com
sumo é, em última instância, o da esfera das relações mercantis processada no seu bojo. O
autônoma possível que a estética, por suas leis próprias, parece relativamente propiciar
apoia na exclusividade da oferta e na prepotência econômica que há por trás desta” (in
dução industrial capitalista dos produtos culturais: visto que isto será o único ponto a partir
do qual ele vai orientar toda a sua análise dos efeitos da comunicação em circuito comer-
cial. Nesse sentido, o autor tende a uma perspectiva intransigente que soa bem mais uma
68
posição unilateral e mecânica daquele processo e, portanto, pouco dialética, em nome da
qual fala. Trata-se, por certo, da figuração de todo um legado da estética musical clássica de
que falava Baugh. É, neste âmbito, que se pode entender a posição do autor, quando toma
passaria de uma simulação do improviso, já que seguiria regras - honestamente, não se pode
atribuir grande incoerência em se ter certas regras e convenções a partir das quais se
improvise: aliás, todo improviso não está absolutamente isento de regras e convenções.
indústria cultural, o que deve nos levar a uma reflexão sobre a indústria do disco (e da can-
ção) e a toda série de condicionamentos daí advindos, é necessário lembrar que a canção
própria sociedade capitalista. Com efeito, isto deve nos obrigar a pensar a existência dos
outros elementos constitutivos da estrutura da canção ou que, pelo menos, a ela se liga.
Assim, segundo Edgar Morin, haveria um caráter multidimensional na canção, indo da sua
diferencia da música “pura”), até às suas relações quase sem fronteiras com outras
(Morin, 1973). Contudo, o que se tenta demonstrar é que, pela análise pura e simples dos
processos industriais da canção não se pode ter uma compreensão mais que parcial do
fenômeno, negligenciando-se desta forma outros aspectos que lhe são caracteríticos, e que
leva a se estudar essa forma musical não apenas pela óptica de sua imbricação com a
69
mais ou menos específico de público, ampliando a complexidade de suas análises, pela
urgência de um estudo que remeta, entre outras coisas, a uma sociologia dos grupos
(diferenciados de forma plural por diversas categorias interpretativas): este seria, entre
Neste ponto, deve-se chamar atenção para o fato de que não se pode estudar uma
determinada modalidade musical, sem que se leve em conta o universo material e sócio-
cultural do seu público, ainda que não se possa estabelecer uma demarcação rigorosa deste;
canção pela indústria do disco, é de fundamental importância deter alguma atenção sobre o
comportamento do público em relação a um tipo ou modalidade musical dado, por mais que
indústria do disco assumam. Com isto, quer-se afirmar que não é o suficiente o in-
público indiscriminadamente, embora não se tenha a intenção de negar a força efetiva que a
Caso alguém estivesse interessado em especular, mesmo sem realizar uma pesquisa
mais cuidadosa, poderia afirmar que a música “brega” (música popularesca, surgida como
diluição da jovem guarda - conforme encarte “Guia do Rock” da revista Bizz) tende a
atingir mais frequentemente o público de baixa renda das camadas periféricas urbanas, que
parece constituir o seu principal mercado. Em todo caso, só para saírmos de afirmações
fortuitas e pouco acertadas, poderíamos lembrar que estudos sociológicos sobre o fenômeno
musical do rock, atestam que o seu público dominante é configurado, principalmente, por
grupos de jovens, notadamente aqueles que vivem no espaço urbano das grandes cidades
(Frith, 1978).
70
Diante deste quadro, para além do mecanismo da produção, circulação e consumo
que a indústria do disco (e da canção) engendra, torna-se necessário um estudo das condi-
ções sociais que um determinado público apresenta em face do tipo específico de produto
musical predominantemente consumido por ele. Quer seja, entre outros, com base em cate-
gorias que reflitam as condições de ocupação do espaço; quer seja com base na configura-
ção das classes sociais; quer seja pelo estudo atento do comportamento de grupos etários.
Podendo haver ainda, é claro, o que muitas vezes ocorre, a combinação de mais de uma
dessas categorias.
Isto posto, viu-se que trabalhar os problemas relativos à canção de consumo não
trais da segunda vertente de abordagem dos fenômenos da canção de massa, a que se aludiu
anteriormente. Qual seja, a de considerar a importância das funções não apenas econômicas
discurso das “letras” de uma das modalidades da canção de consumo, como é o caso do
rock, torna-se impossível não mencionar as contribuições apresentadas pelas teorias que
destacar ainda alguns pontos concernentes a uma “sociologia” da canção de consumo ou,
71
como quer Luthe, que pelo menos leve à “investigação social empírica” desse fenômeno
municação de massa, e sua indústria cultural, Luthe chega a traçar algumas das principais
caracteríticas fundamentais distintivas do disco; que tanto aproxima, quanto distancia este
se falar que o disco não traz um condicionamento maior quanto a um lugar específico à
recepção do seu conteúdo, ponto que o aproxima relativamente ao rádio e à TV, mas não ao
cinema; em segundo lugar, não parece haver por parte do disco, nenhuma imposição de
tempo para o seu ouvinte, o que o distancia do rádio, da TV e do cinema, embora o apro-
xime da leitura; uma terceira característica do disco, é a que possibilita a sua audição por
várias vezes sucessivas, podendo acontecer o mesmo com o livro, em mais de um momento
assumindo características analógicas ao disco; por fim, uma quarta característica apresen-
tada pelo estudo de Luthe, a propósito da música gravada, é a que diz respeito às necessi-
dades exteriores que se impõem à audição do disco, contrariamente ao que acontece com
outras linguagens dos meios de comunicação, que é a sua dependência mantida tanto em
relação ao rádio e a TV, quanto aos aparelhos de som estereofônicos e o próprio desen-
insidir sobre a realidade da fita cassete gravada. Por fim também não se encontram muito
72
“Consignemos, a este respecto, que para definir en su conjunto los medios de comu-
nicación de masas también podemos utilizar um criterio basado en sus elementos co-
munes: producción masiva, difusión masiva y caráter masivo - pero no necesaria-
mente sincronizado - del consumo. No obstante, el estudio de las caracteríticas fun-
damentales del disco podría suscitar un replanteo de la discusión terminológica sobre
el concepto de comunicación de masas o de grandes medios de información” (p.162).
Um outro aspecto que não se pode deixar de ressaltar, é que um estudo da indústria
do disco não pesa apenas sobre a análise das condições do consumo do disco exclusiva-
mente; devendo-se considerar as relações que este mantém com as outras esferas do con-
sumo, bem como, com os caracteres essenciais envolvidos na produção. Com efeito, não
são as qualidades unicamente subjetivas que um autor imprime a uma canção, que vai per
produção e de tecnização da canção, aliados ao seu processo de difusão, que vão condicio-
nar muito do gosto público e da sua assimilação daquele produto transformado em hit
(canção de grande difusão nas paradas) - e, ainda que não se possa cair no reducionismo de
se conceber todo esse aparato industrial-comercial como sendo a única e absoluta forma de
garantia do sucesso da canção, como já se chamou anteriormente a atenção, não resta dú-
vida que a sua estruturação vai, em última instância, configurar em muito a “fabricação do
sucesso”.
lucros que o seu consumo possibilitará; isso para não falar de que basta a gravação original
de apenas uma fita, para que se tenha gerada as condições de sua alta reprodução técnica no
disco. Por outro lado, a indústria do disco sofre o mesmo processo de qualquer outra
empresa capitalista, fora os elementos de sua peculiaridade. Assim, tanto deve ter uma
equipe técnica altamente especializada para sua especialidade (como produtor executivo,
diretor artístico, engenheiros de som e mixagem e outros), como ter contratos exclusivos
73
com artistas de sucesso, sendo esses dois aspectos os que talvez mais encareçam a
produção.
Não obstante isso, a indústria do disco mantém estreita relação, para além de sua
moda principalmente (ela mesma se caracterizando como indústria da moda), em suas di-
roupas, para se ficar apenas com um exemplo; uma vez que o cantor de sucesso também
assume uma função publicitária ante o grande público. Por sua vez, os astros dos hits ten-
dem a assumir formas de representação, cuja dimensão cênica só enfatiza e assume a força
da interpretação a que a canção é submetida. Veja-se, com efeito, o que diz Michael
não muito distante das manifestações existentes nas sociedades ditas ocidentais):
“os stars apresentados são, em geral, puras cópias de um tipo padronizado, sem
identidade. Até a linha da cintura, são principalmente os jovens, príncipes de conto de
fadas, com olhos parados, românticos; abaixo da linha dos quadris eles oferecem -
agitando-se mecanicamente - o sexo trivial. A aparência sexual e a excitação jovem
são colocados agressivamente a serviço da exploração do capital. O incitado prazer de
assistir, cuja real satisfação pelo MCM fica frustrada, torna o espectador sedento ao
invés de satisfeito e obriga-o à compra e ao consumo sempre renovados da aparência
sexual na forma de mercadorias. De forma estrutural impulsiva reforça-se através
disso um voyeurismo geral. Os textos das canções encobrem parcialmente, com uma
interioridade estereotipadas, a lascividade da sexualidade objetificada e exposta”
(Busilmeier in Marcondes Fo, 1985:60).
teúdos dos diversos produtos dos meios de comunicação de massa, Bulsilmeier prefere ver
gico de repressão”. Onde até mesmo as forças de negação da sociedade de consumo servem
74
apenas para fortalecer o próprio consumo, provavelmente o consumo dos discos que
usar aquele que se designa como público consumidor desse produto. Com isso o autor tende
puro mecanismo de reificação que fetichiza tudo (até mesmo o protesto) em mercadoria,
Em todo caso, a menos que se queira cair numa abordagem unilateral do problema,
atribuindo-lhe uma dimensão meta-social (o que seria um “erro” teórico reificador), é ne-
dade de consumo e seus possíveis desdobramentos. Assim, pode-se considerar que no que a
indústria cultural produz a padronização nas expressões artísticas, necessita, pelo seu alto
se, desta forma, a toda dinâmica das manifestações culturais que, embora “adaptadas” ao
seu sistema padrão, podem estabelecer a crítica do próprio mecanismo da alienação reifica-
verá a seguir e no capítulo 4) e, neste caso, criando novas condições de produção de valores
Por fim, uma coisa é pensar a estruturação lógica do valor de troca da mercadoria,
75
outra é reconhecer que, ainda que tais manifestações virem produtos apaziguados do con-
sumo, seria redutor acusar seus “criadores”, quando assumem uma função dessacralizadora
Se o capitalismo absorve muito das formas de oposição contra ele surgido, absor-
mercantis de comunicação, isso não nega que, apesar do processo de fetichização aí sofrido,
ainda que não permanecendo imune ao processo - pois que, embora assuma o estatuto de
res (como se poderá ver a seguir com Becker): não fosse isso, as superestruturas sociais
nem manifestariam reação ante determinadas ações que parecem acentuar no imaginário do
público fruidor uma certa tendência à “desobediência civil”. (A título de exemplo, o fim da
censura no Brasil não se deveu aos empresários da cultura nem ao Estado, mas à pressão da
ral, estabelecido segundo a lógica dos valores de troca, Prokop (1986:83-4) parece acenar
massa (como se viu anteriormente) - tendendo assim a abrir o círculo novamente: enten-
massa, sem a qual não se consegue manter relação com o público (e isso é tanto mais válido
para o cantor de massa), o autor não se limita, contudo, a essa pura e simples constatação.
76
Indo além, e querendo acentuar o grau de superficialidade e técnica daquelas repre-
pelo grande público, Prokop afirma que só pelo desenvolvimento das contradições presen-
tes no interior da própria mercadoria, pela sua diferenciação entre o “existir natural” e o
“valor de troca”, é que se pode trazer à baila o caráter das ideologias sociais (de domina-
ção) - sendo que isso se processaria no interior do próprio meio de comunicação de massa,
Assim, o perfeito cantor de sucesso “não se apresenta como beleza natural”, única
forma para que “crie relação com o telespectador”. Nesse caso, toda a sua “capacidade de
(p.83).
cas, pelas quais se relaciona com o público. Servindo a sua voz mais de recursos de repre-
“ele ocupa-se com seu efeito concentradamente. O Star constrói a sensibilidade por
meio do trabalho intensivo com aquele objeto, com o corpo perfeito da mercadoria,
cuja imagem ele precisa fazer aparecer na cabeça do telespectador. (...) O trabalho do
Star consiste em, por meio de uma corporalidade desfeita, conduzir os telespectado-
res ao prazer nos valores de troca, passando por todos os altos e baixos da identifica-
ção” (p.84).
Com efeito, pode-se assinalar que a crítica desenvolvida por Prokop traz uma pro-
77
da indústria do disco: a mudança de foco de abordagem desse objeto, não centrando as suas
Nesse sentido, o autor entende que o trabalho intensivo das técnicas de representa-
ção, pelo perfeito cantor de sucesso, representa a sua “alternativa” mais essencial. Mais
ainda que a própria canção, pois tal alternativa “consiste no desenvolvimento de meios de
produção para a arte”; o Star, por seus recursos técnicos e estéticos, antagoniza a diferen-
“caráter do valor de troca dos Leitmotiv”. E é assim que, como o quer demonstrar Prokop,
ele pode “ultrapassar as puras representações (do cantar, da dança, dos papéis e temas),
deixar seu papel e caracterizá-lo como algo montado, que possa interpretar utopias e tornar
Por fim, deve-se considerar ainda um outro fator, relacionado ao campo da produ-
ção artística. Seguindo os passos de Becker, na sua configuração dos “mundos artísticos” e
seus “tipos sociais”, é-se levado à acatar a idéia de que há mundos da arte e que são consti-
objetos definidos por esse mesmo mundo como arte” (Becker, 1977).
78
Em linhas gerais, Becker assinala o fato de que o entendimento da arte resultante da
ação coletiva implica na consideração de uma cooperação como ação coordenada para a
relização do trabalho: que impõe um roteiro de pesquisa que deve estabelecer todo o con-
junto possível de relações dos “tipos de pessoas cuja ação contribui para o resultado obtido”
(Idem, p.11). Tais tipos vão desde os que concebem o trabalho, passando pelos que o
conflito ou em cooperação.
Por referência aos tipos de artistas concebidos pelo autor, pode-se, apenas de pas-
sagem, aqui apresentar duas das três categorias por ele elaboradas: são a dos “Profissionais
mundo, onde tudo está previamente definido e esperado, sem que haja quase violação das
embora “formados” a partir das convenções dominantes dos mundos artísticos, seguindo
mesmo algumas dessas convenções, podem ser considerados “desviantes” no que se refere
a uma série dessas mesmas convenções. Sendo assim, ainda que possam ser integrados ao
mundo artístico canônico num momento posterior, são capazes de violar muitas das expec-
tativas existentes naquele mundo: devendo sua possível futura integração se processar,
também, a partir das mudanças ocorridas nas convenções do mundo artístico (Idem, p.15).
79
disco, mas, também, e substancialmente, pelas condições sócio-culturais que apresenta e
pelas modalidades que expressa; vai-se encontrar, além de uma grande diversidade na
abordagem do fenômeno em questão, uma não menor variedade de categorias a serem es-
tudadas. Pelo que ficou visto, pode-se adotar uma ou mais categorias para análise de um
único objeto em apreço. Tome-se por base a análise das características econômicas da can-
ção de consumo (objeto de que se está falando); ou, ainda, num sentido amplo, o funda-
mento do comportamento social dos grupos (ou de determinado grupo específico). Não
bastasse isso, é perfeitamente possível querer abraçar uma categoria especial; bem como,
optar pela análise da canção stricto sensu, ou dos mecanismos da produção discográfica,
social assumida pelo intérprete (ou grupo de intérpretes); por fim, um estudo pode incorpo-
No caso estrito deste trabalho, vamos interrelacionar duas categorias para a análise
de uma das modalidades da canção de consumo: a da música Rock. Como já foi dito, por
ser um fenômeno musical intimamente ligado aos processos urbanos das sociedades capita-
listas nas últimas décadas e por estar, por outro lado, irremediávelmente associado aos
grupos jovens, não se pode falar de Rock (muito menos de uma Sociologia de Rock), sem
ção da abrangência do campo a que se quer estudar. A primeira, diz respeito ao fato de este
estudo se voltar exclusivamente para a análise do discurso das letras (veja-se capítulo 4); a
segunda se refere à delimitação do período que aqui interessa: os anos 80. Período, digamos
assim, de um ressurgimento do rock no Brasil (a este respeito, também, ver capítulo 4, onde
80
Por enquanto, apenas uma caracterização rápida do rock em geral seria necessário para
justificar o presente interesse pela matéria: a da configuração, nele entranhada, de uma cada
vez mais acentuada presença de “figuras” do cotidiano urbano das metrópoles. Assim,
ainda que a música rock se tenha manifestado, quase sempre em sua própria história, como
final dos anos 70, com o movimento punk, que isto parece se acentuar.
psicodelismo hippie; com os punks, na segunda metade da década de 70, pode-se encontrar
um violento despertar do velho “ideal”, um acordar para a brutalidade das cidades, para as
sutis e declaradas ameaças que sobre elas existem, sem que se queira delas fugir, ao con-
“a música rock será simplesmente a música do presente, uma música moderna, a mú-
sica do mundo das máquinas, dos computadores. Os instrumentos eletrônicos não
servirão mais para projetar o ouvinte numa grande viagem cósmica no futuro: eles
manifestam, ao contrário, barulhentamente sua presença obsedante, opressiva, que-
brando as melodias, deformando a voz humana ou, mesmo, sintetizando-a, desenvol-
vendo os ritmos mecânicos, lancinantes, frios” (Maurice, 1978),
elementos esses conjugadores de uma narrativa da vida cotidiana dos centros urbanos, hoje,
Isto posto, contestação e consumo vão representar aqui duas categorias mutuamente
mediatizada. Por consumo, considera-se todo processo que se apresenta pelo grau de in-
81
na própria ordem dos discursos: em contrapartida, considerando-se certos fatores que se
sistema, analisar-se-á o que se deverá denominar por contestação: aliás, este é o aspecto
dois momentos, referindo-se à adolescência, que ela é a “nova classe econômica” e que é
uma coisa criada pelos americanos. No que pese o tom redutor destas afirmações, ele nos
obriga à constatação de que, tal como tem sido estudada hoje pelas ciências sociais, a ado-
teriza, pode-se dizer, por um maior prolongamento do tempo de transição entre um período
de infância e uma etapa subsequente: a fase adulta. A isso que se está chamando de situação
emocional, rumo à “entrada na vida” do mundo adulto, para usar uma expressão de
Lapassade (1968). Para alguns autores, este longo período que marca a juventude e ado-
lescência da época atual se dá assentado num conjunto complexo de opções, nem sempre
harmônicas entre si, em termos das orientações que exercem sobre os jovens, levando-os a
encontrar dificuldades quanto ao próprio processo de sua definição como adultos (Coleman
e Husén, 1985:23).
82
De um ponto de vista da psicologia social, a idéia de “crise” da juventude como
crise de identidade encontra-se discutida por Erikson (1976): Ele vê na “confirmação mútua
sociedade como um processo vivo que tanto inspira honra como exige confiança”, a força
que torna possível descrever o “perigo fundamental desta idade” como “confusão de iden-
tidade” (p.247). Para ele, na mente dos jovens as pessoas são representadas, embora não se
possa definir, senão ideologicamente, o que as pessoas admiradas significam para eles: “o
jovem ama e odeia nas pessoas o que elas ‘representam’ e escolhe-as para um encontro
como os métodos desta seleção de “heróis” envolvem tanto um nível de “amenidade e ini-
mizade banais até o jogo perigoso nas fronteiras da sanidade e da legalidade” (p.249).
afirma que:
83
mau emprego apologético e fatalista de uma outrora boa fase, ‘a condição humana’”
(p.249-50).
concreta da sociedade em que a juventude se encontra e à qual esta terá que oferecer sua
contribuição” (p.47). Para o autor, a juventude faz parte dos “recursos latentes” dispostos
que as reservas latentes da juventude se mostram como essenciais a tal processo. Para
cial requerem cada vez mais um determinado nível de manifestação daquelas reservas,
Contudo, muito dessas reservas podem permanecer latentes, sem uso ou expressão.
Com efeito, o autor chama a atenção para a necessidade de determinado nível de processo
84
Mas é preciso não cair numa pressuposição de que a juventude é, por sua própria
natureza, progressista. Visto que movimentos tanto progressistas quanto retrógrados podem
orientar movimentos de juventude - aliás, a atualização desta afirmação feita por Mannheim
pode muito bem ser constatada em estudos recentes sobre os atuais movimentos de jovens
racistas: veja-se a este respeito, mais para o caso de São Paulo, o estudo desenvolvido por
põe atribuir de forma clara “os elementos da adolescência que, se mobilizados e integrados,
auxiliam a sociedade a dar uma nova saída” (p.51). Para Mannheim, o elemento de maior
no tocante à puberdade é a da entrada na vida pública, que assume alto relevo na mo-
dernidade, quando ela se vê diante do “caos das valorações antagônicas”: nisso reside os
ente”. Fato relevante, para o autor, é que os conflitos chegam à juventude, na modernidade,
Interessante ver, neste ponto, aonde o autor quer chegar. Para ele, a juventude não é
nova oportunidade”. Tendo vivido até então no espaço familiar, suas atitudes são orientadas
começando a se abrir a outras redes sociais: como a comunidade e esferas da vida pública.
Ainda sem ‘interesses adquiridos’”, tudo parece assumir uma forma desafiadora:
85
“o adolescente não está apenas biologicamente em um estado de fermentação, mas
sociologicamente penetra em um novo mundo em que os hábitos, costumes e siste-
mas de valores são diferentes dos que até aí conheceram (...) por isso, essa penetração
vinda de fora torna a juventude especialmente apta a simpatizar com movimentos
sociais dinâmicos que, por razões bem diferentes das suas, estão insatisfeitas com o
estado de coisas existentes” (p.52-3).
mais importante de sua receptividade e mutabilidade: ser jovem é ser um homem marginal,
estranho de diversa forma ao grupo. Claro que se trata apenas de uma potencialidade,
dependente das “influências orientadoras e diretoras” que vem de fora mobilizá-la e inte-
grá-la a um movimento ou, mesmo, suprimí-la. Resumindo sua análise global, o autor diz:
“a juventude é parte importante das reservas latentes que se acham presentes em toda
sociedade. Dependerá da estrutura social que essas reservas (e quais delas, se as hou-
ver) sejam mobilizadas e integradas em uma função. O fator especial que torna o
adolescente o elemento mais importante para a nova arrancada de uma sociedade é
ele não aceitar como natural a ordem estabelecida nem possuir interesses adquiridos
de ordem econômica ou espiritual. Finalmente, as sociedades estáticas ou de lenta
mudança dispensam a mobilização e integração desses recursos; elas até se mostrarão
ansiosas para suprimir essas potencialidades, ao passo que uma sociedade dinâmica
está fadada a mais cedo ou mais tarde apelar para esses recursos latentes e, em muitos
casos, organizá-los efetivamente” (p.53).
Ao que parece, uma das questões concernentes aos problemas vividos pela juven-
tude nas sociedades contemporâneas, diz respeito ao caráter ambivalente de sua condição
nestas sociedades. Para Lapassade, não de pode configurar a manifestação juvenil como
“revolucionária nem como uma delinquência tradicional” na medida em que, não tendo
negação destes códigos, o jovem tem, não obstante, estes mesmos códigos como referência.
86
Para o autor, não se compreende os meios característicos de expressão utilizados pelos
jovens. Desse modo, partindo da contribuição da psicologia social, percebe que a crise se
Segundo pensa, a crise se expressa deste modo, sendo a rebeldia uma derivação
desse problema.
assumem, por vezes um caráter “deliberadamente destruidor”, já que através delas não se
busca o proveito, mas a destruição ou negação da sociedade. Nesse sentido, Lapassade faz
uma aproximação com as sabotagens no trabalho, levadas a efeito pelos trabalhadores: estas
diferente da resposta por outros meios de luta. Em todo caso, isto se traduz como “oposição
permanente à organização social da produção” (Idem). Para ele, este exemplo serve para a
revolta juvenil:
compreender “a revolta sem causa” da juventude; seu sentido revelaria a contradição social
87
Talvez esteja aí colocado o caráter de reelaboração que pode ser identificado nas
sua negação, mas o reelaboram com as alternativas (quaisquer que sejam) criadas a partir
do que passam a afirmar. Para Lapassade, mais uma vez, a juventude é o momento onde a
realidade; e essa manifestação é tão mais direta, segundo o autor, quanto mais a sociedade
não possui os meios de vinculação do jovem a ela, pela participação efetiva na produção e
no consumo. Para Lapassade, este seria o sentido “oculto” e mesmo “a causa” da revolta
tado pela ausência de um compromisso firmado, por exemplo, a nível profissional. Com
que não consegue solucionar os problemas gerados no interior do seu próprio processo. Se,
(Foracchi, 1983).
88
Neste caso, um dos aspectos que envolve a geração jovem, sobretudo se não se
admitirmos que a classe social do jovem está definida em função de sua origem familiar,
não estando em nada associada a outras categorias, o caráter de sua rebeldia apresenta-se na
afirma que isso não implica a inexistência de uma “violência potencial”, nem a impossibili-
- ora como recusa essencial à rotinização, ora pela crítica aos padrões de comportamento
vigentes e/ou tradicionais. Assim, acentua mais uma vez Foracchi: “o cotidiano (...)
“alguma coisa está acontecendo e a noção de ordem está também sendo submetida a
revisão” (Idem).
Mas, inclusive no plano simbólico da produção cultural, vê-se surgir uma variedade
gente e/ou desviante traduz uma instância de transgressão às formas de controle dadas pelo
ordenamento social vigente. Evidentemente que haveria o “desvio” reificador dos valores
simbólico, daqueles valores, cuja ação apresenta sempre características de mudança. Por
exemplo, todo crime e contravenção da máfia parece manter-se sob a orientação do código
89
vigente (conservando em princípios o que transgride na prática): e, de alguma forma, certa
demonstrar uma orientação negadora de tais códigos (ainda que mantenha na prática o que
naga em princípios). Daí que, mesmo quando estudos do comportamento desviante nos
consentido para transgredir, assumindo assim uma postura em consonância com o sistema
que o limita, ainda assim, tais estudos não negam os traços de ruptura contidos nessa
transgressão.
Talvez seja apropriado citar, mais uma vez, Lapassade quando afirma:
“na sociedade contemporânea (...) não há mais (...) iniciação, e o desvio dos jovens
exprime a recusa do mundo dito ‘adulto’. Mas, os adultos podem ver, nessas
‘iniciações’ modernas (...), a ‘fúria de viver’ o mostra (...), a imagem de sua socie-
dade”. E complementa: “é essa a causa escondida da revolta. Uma revolta que só
toma forma do niilismo por causa do ponto de conflito a que chegou nossa socie-
dade”.
No que finaliza:
“os jovens revoltados tornaram-se indiferentes, se não hostis, ao mundo que os espera
e que lhes pede para serem adultos. Sua revolta está, indubitavelmente, num impasse.
Seu sentido não é por isso menos essencial ao mundo hodierno. Pode-se ver aí,
efetivamente, uma contestação fundamental da forma do adulto, anunciadora do seu
declínio” (Idem).
Um outro aspecto importante sobre o estudo da juventude hoje, diz respeito às ten-
sões que o jovem vive quanto às contradições entre o “universo da rua” e o familiar, no que
este transmite “de sua autoridade, é claro, mas também dos espaços que (...) organiza e dos
modelos que atribui” (Lafont, 1985). Nesse sentido, afirma Lafont, enquanto espaço
“sentimentalizado”, o universo familiar deixa de ser concebido, pelo próprio jovem, como o
90
local apropriado à sua socialização - no que pese aí poder ser encontrado um grau mais
mundo da rua, não há maior conforto e a vida não é “regrada nem regular”, mas feita de
(Idem, p.198).
se identificar uma polarização entre o universo familiar e o universo da rua. Nesse sentido,
há como refletir que, colocada para além do ambiente familiar e da escola (sob certo as-
pecto, uma extensão do ambiente familiar), a rua tem se mostrado como um lugar de socia-
lização altamente requerido por esse grupo de jovens. Pode-se entender essa escolha, aliás,
outro lado, a não abertura aos jovens de canais de participação regulados - numa fase em
que esse passa mais comumente a questionar valores amplamente relacionados aos proces-
sos de sua afirmação como ser (sexualidade, profissão, escola, etc.) - tem afirmado o espaço
da rua como expressão alternativa de sua socialização. Assim, ainda que o estudo de Lafont
aborde questões do jovem existente num outro contexto, não parece se distanciar muito do
que revelam estudos mais recentes: veja-se o caso dos office boys, categoria de jovens
trabalhadores, num estudo aplicado à realidade de São Paulo, em que muitos destes jovens
consumo e à posse de bens - vestuário, casa própria, poupança; confusão entre tempo de
91
horário de expediente; discriminação diferenciadora entre eles e os “jovens que ‘não pen-
punks), mas, sobretudo, em que o espaço da rua tem se mostrado como o “balizador” de
toda a formação profissional e cultural dessa etapa de socialização daqueles jovens na vida
Por certo toda essa digressão sobre problemas da juventude nas sociedades con-
temporâneas não dá conta da complexidade que o quadro apresenta quando se parte para
estudos aplicados à situações específicas. A rigor, não se fez até aqui mais do que traçar
alguns pontos muito gerais sobre as possíveis causas da crise da juventude: questões relati-
vas à construção de identidade, problemas da transição para o mundo adulto, maior des-
Aliás, o que poderia ser dito é que não se elaborou nestas páginas, propriamente, um co-
mentário efetivo sobre a sociologia da juventude; longe disto, buscou-se não mais do que
venil: ou seja, dos estudos que têm dado maior atenção à correlação entre crise e fatores de
contestação. Tal opção aqui seguida se deve ao fato de esta abordagem melhor se adequar
discurso do rock, tal como será definida adiante, como algo que é compartilhado por de-
terminada parcela de jovens que, num estudo mais detalhado, poderia ser identificada como
De passagem, só para se ter uma maior clareza em relação ao que acaba de se afir-
temente, trata-se de uma pesquisa do setor de propaganda, muito mais interessada em traçar
92
o que se poderia caracterizar como um perfil do jovem consumidor; contudo, em nada isto
diminui a validade e qualidade dos resultados obtidos pela pesquisa, que foi montada a
partir de uma elaboração tanto quantitativa quanto qualitativa dos instrumentos de investi-
gação. A partir da conjunção de diversas variáveis, distribuídas como fatores das dimensões
variação do índice de integração dos grupos de jovens em relação aos valores sociais do
status quo. Como se pode antever, só para ficarmos com um destes grupos, de maior inte-
resse para o presente trabalho, o grupo dos contestadores são os que registram “os menores
pesquisa revela que os grupos de integrados estão compostos por jovens pertencentes ao
que caracterizam como classe “C”, ao passo que os contestadores, na outra ponta, gozariam
identifica que quanto mais baixo o nível sócio-econômico e cultural, maior con-
caberia, aqui, talvez, apenas citar a conclusão deste ítem pela pesquisa:
“para resumir, podemos dizer que os traços que se mostraram mais visíveis no perfil
psicológico do pequeno grupo contestador são a superioridade, a diferenciação e a
crítica pessimista. Sua posição no nosso gráfico é oposta à do grupo integrado. O
93
integrado, na sua difícil condição de vida, acredita apenas que ainda não atingiu o
melhor do mundo em que vive, enquanto que o contestador, mesmo no sua favorecida
situação material, tem consciência de que este mesmo mundo não poderá satisfazer às
suas exigências” (p.31).
Ora, por tudo o que foi visto, pensar o problema da juventude e da cultura juvenil na
sociedade contemporânea implica refletir sobre questões tais como ruptura e continuidade
em relação à ordem social estabelecida dos valores. Nessa direção, pode-se identificar um
códigos estes elaborados no âmbito de setores das camadas mais jovens da sociedade,
É isso que leva à idéia de que o potencial contestador do rock como fenômeno uni-
versal, em face aos valores estabelecidos, é um dos outros aspectos mais centrais na manu-
tenção da atualidade deste gênero musical como expressão da cultura jovem. Sendo assim,
o rock não vai apenas fazer parte do jogo comercial do entretenimento pelo entretenimento,
mas vai estar associado a práticas cujo princípio transgressor deseja alterar a ordem das
Por fim, apenas para melhor situar o ponto a que se quer chegar, vale a pena tomar,
cultura de massa. Assim, concebendo a cultura de massas como algo que se metamorfoseia
pelo seu próprio “policentrismo”, correspondente à sociedade que a produz, Morin também
ciedade que a produz, o autor vai perceber, aí, em referência a Marx, tratar-se do processo
94
Para Morin, ao mesmo tempo em que o sistema industrial traz a “ideologia eufórica
própria crise” (Idem, p.112). Nessa perspectiva, o autor atinge um ponto fundamental para
que faz de que “no plano da cultura adolescente (...) há um conflito dialético entre os
Para ele, a natureza desta relação deve ser procurada “do lado de uma reflexão sobre o
Neste segundo caso, “os valores e tendências adotadas” devem ser identificadas nas
(Idem, p.135). Nisto, em parte, aproximando-se do que se viu em Prokop no primeiro capí-
tulo.
95
juvenil não implica afirmar a unidade conceitual do termo como se pode perceber. Ao con-
questões para o qual não existe mesmo um maior entendimento ou concordância entre os
especialistas.
apresentado, pela literatura concernente, menos pelo seu caráter singular na vida hodierna
das sociedades e, muito mais, pela forma e proporção assumidas no interior do próprio
processo. Acusações sobre o caráter de inadaptação dos jovens ao universo adulto da vida
mundo coletivo, a produção e o consumo de símbolos que lhes são próprios, é o que vem
motivar muitas das abordagens que tomam por objeto a questão do comportamento juvenil.
detectar o fato da existência de três fases não claramente distintas do processo. Inicial-
oriundos dos grupos adolescentes, muitas vezes marcado de particularismos e sem um nível
guida, e adotada apenas por certas correntes da indústria cultural, é possível afirmar a
agora na forma de mercadoria destinada ao consumo dos grupos jovens. Por fim, observa-
se que tal situação evoluiu para uma total incorporação dos símbolos juvenis pela cultura
das massas, reorientando inclusive suas formas anteriores de comunicação (Burgelin, 1981:
147-66).
Como observa Burgelin, entretanto, não é fácil distinguir as três referidas fases;
96
douro da cultura juvenil, eles são também uma camada consumidora de cultura massificada.
inspirar, por vezes, “utopias” emancipatórias que se identificam a elementos com princí-
social.
tica do processo de urbanização. Longe de tal perspectiva, procurar-se-á não mais que
apenas indicar, de modo parcial e esquemático, certos aspectos relevados por modelos de
teoria social a propósito do espaço urbano. Além do mais, o maior objetivo deste trabalho
não é o de fomentar um debate sobre as teorias sociais da urbanização, mas, sim, de tentar
se valer de algumas dessas contribuições, a fim de que se possa criar mecanismos que via-
ciedade atual - levando em conta que um tal discurso deve ser configurado como um campo
ocultadas no âmbito do cotidiano urbano daquelas cidades. Especialmente, neste caso, não
se trata, pois, de descrever o urbano tal como se ele se mostrasse em uma cotidianidade per
se; mas de observar como ele pode ser identificado enquanto discurso, a partir das repre-
vozes e imagens que se entrecruzam em seu cotidiano. No caso, aqui, trata-se de como o
97
rock elabora um certo discurso cujos fragmentos criam determinadas imagens do urbano e
capítulo).
tendências a considerá-lo como uma entidade per se, de um lado, ou como espaço interde-
outro. No primeiro caso, trata-se das abordagens que têm no urbano por si só o elemento
determinante sobre todo o processo da vida social. É o que se pode depreender das investi-
gações levadas a efeito pelos teóricos da Escola de Chicago. Influenciados pela idéia
darwinista dos processos naturais da luta pela sobrevivência e pela descoberta freudiana das
ecológico”. Num primeiro ponto deste enfoque, o processo econômico da troca tende a ser
concebido não tanto como produto social que é, mas como resultado de uma luta exclusiva
instintos naturais: aqui as investigações voltam seus interesses para a identificação das
maneiras como o comportamento humano tende a reagir em face das mudanças ocorridas
98
influências sofridas pelos imigrantes e com a consequente quebra de seus laços com os
Um outro nível das investigações orientadas pela Escola diz respeito à consideração
do fenômeno urbano como modo de vida, e que marcam profundamente o conjunto dos
processos sociais, de suas relações e estruturas (Dickens, 1989; Oliven, 1974 e 1984;
Giddens, 1984; e Velho, 1979). Só de passagem, caberia notar como Wirth vai caracterizar
o urbanismo como a determinação do modo de vida atual das cidades. Para ele, “um dos
fatos mais notáveis dos tempos modernos”, que provocou mudanças significativas em
“todas as fases da vida social”, é “a urbanização do mundo” (Velho, 1979:112). Para ele,
uma teoria sobre o urbano deveria partir de um conjunto de proposições sociológicas cen-
Como acentua Oliven (1984), a ênfase de Wirth sobre o urbanismo o levou à for-
mulação de “uma teoria sociológica e sócio-psicológica” daquele fenômeno, por ele con-
99
cebido como “uma variável explicativa” que “afeta a vida social”, aqui vista como
Para Wirth, ainda, o modo de vida urbano apresenta-se em seus traços característi-
cos, pela “substituição de contatos primários por secundários”, pelo “enfraquecimento dos
cial” (p.109). Essas características teriam, para o autor, uma abrangência extensiva a todo o
fenômeno urbano, que não se limita à circunscrição do espaço citadino, visto que sua
influência extrapolaria até outras áreas. Para o autor, uma descrição do modo de vida ur-
bano baseado em tais premissas não esgota, por certo, a compreensão da totalidade deste
fato de ele se atribuir uma aplicabilidade geral; o fato de tomar, exclusivamente, as carac-
terísticas das próprias cidades como descrição do fenômeno urbano em geral, sem uma
articulação com os processos sociais amplos da sociedade da qual faz parte: uma vez que a
decisiva sobre todas as instituições sociais, sua abordagem deve se pautar por aquele nível
de articulação e não por uma atribuição per se de suas características; finalmente, o fato de
ecológico, quanto por uma concepção de mudança social a partir de um modelo dicotômico
moderno ou entre o rural e o urbano - tendência, aliás, que goza de grande influência em
parte significativa da abordagem clássica das ciências sociais: com Tönnies e sua concep-
100
Durkheim em sua formulação do modelo explicativo da divisão do trabalho social, causa
“solidariedade orgânica”; ou, ainda, com Simmel e seu contraste na apresentação do inte-
estaria dominado pela impessoalidade e por uma subjetividade pessoal alta, pela calculabili-
dade e pela atitude blasé - espécie de equivalente geral que embota o poder de discriminar
caso, a cidade se constituiria como variável dependente em que, embora seja um pressu-
1984:15).
gência de interesses, lutas e processos sociais e ideológicos diversos, mediados por instân-
alguns aspectos desta visão, particularmente no que se refere à análise da vida cotidiana e
do urbano em Lefebvre, bem como, na retomada de alguns aspectos das “imagens dialéti-
referência algumas questões recentes tanto da abordagem semiótica, que procura apreender
a cidade como imagem e como linguagem, cujo discurso se configura como representação
101
do cotidiano em suas múltiplas injunções; quanto do debate a propósito do quadro corrente
nossas atuais sociedades. (Aliás, estes serão os principais pontos de orientação na tentativa
manifestações do discurso do rock brasileiro a partir dos anos 80 - discurso este que, se-
gundo entendimento aqui, se apresenta por uma lógica de representação largamente com-
Seguindo os passos de Lefebvre (1978a: 207), pode-se afirmar, com ele, que o es-
tudo dos fatores urbanos não deve ser rigorosamente orientado senão em termos especifi-
Com efeito, o que aqui importa aludir é que, pensar o urbano, no âmbito da modernidade, é
Neste sentido, o autor apresenta o advento de industrialização como algo que vai
capitalismo. No que pese lembrar que a cidade data de momentos muito anteriores ao
zação é o próprio ponto de partida para uma exposição adequada do problema da urbani-
zação (1978b: 17). Aliás, diga-se de passagem, sua tese afirma que a industrialização não é
apenas o ponto de partida para a reflexão da cidade moderna mas, inclusive, para reflexão
de nossa época atual. Sendo assim, duas categorias dão uma orientação mais objetiva aos
102
seus estudos, a saber: a de “indutor” e a de “induzido”. Assim, partindo de sua colocação,
aspectos concernentes à cidade e seu desenvolvimento, bem como, no que toca às questões
zação como categoria necessária à análise do fenômeno urbano e da época atual é, pode-se
mais, quanto seu estudo da vida cotidiana se orienta no sentido de uma crítica efetiva da
O ponto central de que vai partir Lefebvre é o da categoria da reprodução das rela-
ções sociais. Com efeito, numa sociedade regida pelo consumo de mercadorias, o próprio
ciclo que opera a reprodução dos meios de produção tenderá a reproduzir as relações so-
ciais de produção em dadas condições, pelo menos enquanto não se criam as condições
necessárias ao processo de transição de um a outro tipo de formação social. Com isso, o que
se pode observar é que o autor se aproxima de uma análise do cotidiano pela investigação
solo sobre que se erigem as grandes arquiteturas da política e da sociedade” (1978c). Para
consumo dirigido, feita com base no conceito de reprodução das relações sociais, Lefebvre
vai estabelecer conexões entre aquela análise crítica do cotidiano e a de outros fenômenos,
como é o caso do urbano, do economismo, do lazer e da cultura etc. Nestes termos, só uma
103
crítica do cotidiano vai possibilitar uma teoria da cotidianidade, no seu modo de ver tão
necessário aos estudos da sociologia urbana. Sendo assim, a teoria da cotidianidade vai se
criação das condições necessárias para se romper o ciclo ou bloqueio próprio que o
cotidiano apresenta em sua base essencial, qual seja, a da reprodução das relações sociais -
tal como Marx procede na sua crítica do fetichismo da mercadoria. Outrossim, mesmo
correndo o risco de uma citação demasiadamente extensiva, convém chamar atenção para
uma passagem importante do autor, quando da sua formulação dessa problemática. Para
ele,
“Essa tese coerente e lógica abre-se ao mesmo tempo para uma ação prática. No iní-
cio, contudo, ela supõe um ato, ou melhor, um pensamento-ato. Para conceber o co-
tidiano, para tomar em consideração a teoria da contidianidade, algumas considera-
ções preliminares: primeiro fazer um estágio, viver nela - em seguida rejeitá-la e to-
mar uma distância crítica. A ausência dessa dupla condição torna impossível a com-
preensão e suscita os mal-entendidos. A partir deste ponto, o discurso sobre o cotidi-
ano dirige-se a surdos, dos quais os piores são aqueles que não querem ouvir”
(1991:82).
104
Em outras palavras, Lefebvre vai afirmar que uma maior compreensão da vida co-
tidiana só pode se dá mediante uma aproximação entre filosofia e cotidiano, como forma de
mundo. Entretanto, uma tal compreensão não pode se efetivar sem que se proceda por um
distanciamento crítico. Ora, não se pode apenas contemplar o cotidiano, é necessário cri-
ticá-lo. É, nesse sentido, que se pode desvendar as suas ideologias, as suas relações sociais
suas “novas” relações sociais. Só assim é possível ter uma real compreensão (ainda que
produzidos.
trialização capitalista e de seu caráter tipificador da vida moderna; aliás, é o espaço urbano
ciedade atual. Nesse sentido, o autor vai orientar sua visão sobre a sociedade no mundo de
hoje em termos de sociedade urbana; tratando de evocar uma série de problemas claramente
conquista de um quadro determinado de questões que aponte para a solução dos graves
Lefebvre vai apontar para um projeto futuro de cidade em que um socialismo, como crê,
pelo fato mesmo de que “os objetivos tomados da mera industrialização estão em vias de
105
superação e de transformação” (1978b:150), possa ser concebido como “produção orien-
tada para necessidades sociais e, por conseguinte, para as necessidades da sociedade ur-
bana” (Idem) - com efeito, esta é a hipótese estratégica formulada pelo autor.
Assim sendo, a cidade futura seria a inversão da que hoje identificamos como carac-
o que isso configura é a estratégia de obsolescência dos bens de consumo, bem como, do
espaço urbano como espaço mercantilizado, sujeito às modas, à sua perpetuação como
todo o consumo, orientada que está pelo “duplo caráter da centralidade capitalista: lugar de
consumo e consumo de lugar” (Idem). Aqui, convém mostrar o que caracteriza esta dupli-
cidade. Densificação do comércio num centro determinado, com forte atração para a circu-
lação de produtos raros e de luxo, bem como, para a predileção por áreas já identificadas
como tradicionalmente ocupadas para tais fins, são alguns dos aspectos que melhor de-
monstram que em tais situações o consumidor não consome apenas produtos, mas espaço
também. Para Lefebvre, tais espaços repletos de objetos e de modos de consumo são, ainda,
Mas o que Lefebvre mais se empenha em apontar é o fato de que, numa fase de
ainda uma questão que assume um caráter eminentemente político. Para o autor, neste atual
estado de coisas, já não são objetos ou pessoas que sofrem uma tal centralização, mas um
conjunto de informações e conhecimentos que logo nos remete a uma outra característica
106
lúdico ainda a possibilidade da renovação, da invenção criativa. Em todo caso, no âmbito
missão do espaço lúdico (e do ócio, com a categoria de tempo que lhe é necessária) aos
“a centralidade lúdica tem implicações: restituir o sentido da obra que a arte e a filo-
sofia aportaram; conceder prioridade ao tempo sobre espaço, sem esquecer que o
tempo se inscreve e escreve no espaço; pôr apropriação acima da dominação” (Idem,
p.156).
processo contínuo que se opera por uma patologia social, uma espécie de esquizofrenia
protegida por um tipo de racionalidade e cientificidade que transfere para o plano quantita-
Por fim, a saída apontada por Lefebvre, rumo à cidade futura, procura no espaço
lúdico e da esfera cultural a dimensão qualitativa dos contrastes. Com efeito, o que importa
Contrariamente, estes espaços tendem a se articular de forma a que o quantitativo seja so-
bre-determinado pelo qualitativo. Para o autor, “a estes espaços cabe aplicar princípios
sociais assim concebidos se aderem a tempos e ritmos sociais que passam a primeiro plano”
(Idem, p.157). É nesse sentido, que o autor aponta para o aspecto lúdico como o elemento
107
gate do “homo-ludens”, que o autor vai tentar construir a utopia de uma sociedade urbana
futura, descrevendo uma imagem da “cidade futura” na mesma perspectiva da utopia socia-
lista.
Por outro lado, uma crítica que se pode fazer ao autor, é a de, por vezes, estabelecer
de sua existência no vivido. Assim é que, em muitos momentos, vamos encontrar uma ima-
Em todo caso, mesmo nessas passagens, e cabe aqui esta ressalva, o autor frisa a
Ainda que Lefebvre, neste momento, dirija sua atenção para a classe trabalhadora,
como a única camada do tecido social a saber e ter o desejo de jogar, ou, provavelmente, a
ter o jogo em toda a sua dimensão espontânea, para além de suas lutas e reivindicações de
social da juventude, nas suas “reservas da infância (espontaneidade, jogo)” de que fala
Morin, no tipo de manifestação mais original e espontâneo de temas oriundos dos grupos
Lafont, por exemplo, aquela supremacia da qualidade lúdica, sua centralidade como ex-
pressão no jogo. Para Lefebvre, a necessidade de verificar uma tal dimensão do lúdico no
108
interior da vida cotidiana, é ir mais fundo que uma mera consideração do seu uso econô-
mico, visto que é, até mesmo, no centro urbano que se “aporta às pessoas da cidade movi-
Neste sentido interessa retomar a referência ao contraponto que Benjamin faz entre
o flâneur e o “homem privado” na Paris do século XIX. Como vimos, este é um possuidor e
que o primeiro é um ocioso que se dedica a perambular pelas ruas da cidade, observando-a
boêmio, do vagabundo. A multidão não é para o flâneur apenas um lugar de refúgio; como
artista ou em literato; e o bulevar é o espaço que lhe desperta a curiosidade para “qualquer
vagabundagem: “ocioso, caminhava como se fosse uma personalidade: assim era o seu
protesto contra a divisão do trabalho, que transforma as pessoas em especialistas. Assim ele
109
Segundo Ferrara (op.cit.), as mudanças ocorridas no processo de industrialização do
emergente cidade moderna. Mas a “velocidade eletrônica não verbal” de hoje impôs um
experiência”. A referência que a autora faz ao flâneur em nada coincide com um sintoma de
Afinal, para além das questões sócio-econômicas, como se tinha indicado no início,
as cidades estão desenhadas por imagens que revelam suas “máscaras”, suas representações
“as imagens urbanas despertam a nossa percepção na medida em que marcam o ce-
nário cultural da nossa rotina e a identificam como urbana (...) uma atmosfera que
assinala um modo de vida e certo tipo de relações sociais” (p.201).
cidade através da linguagem, que a revela por representação mediadora dela. Para Ferrara,
produzir informação, ou seja, uma representação, um modo de ser que substitui e concretiza
o complexo econômico e social responsável pelo fenômeno urbano”, visto que “as ca-
201-2).
110
alguns destes aspectos: “conhece-se o fenômeno urbano através da linguagem que o repre-
senta e constitui a mediação necesária para a sua percepção: não pensamos o urbano senão
através dos seus signos” (p.202). Inclusive as próprias transformações nos níveis sócio-
econômicos produzem na cidade “marcas ou sinais que contam uma história não verbal
pontilhada de imagens, de máscaras, que têm como significado o conjunto de valores, usos,
hábitos, desejos e crenças que nutriam, através dos tempos, o cotidiano dos homens”
(Idem). Neste ponto a autora se aproxima das “imagens dialéticas” em Benjamin, na passa-
gem em que este reconhece cada época como visualizadora da seguinte e, portanto, mar-
cada pelas visualizações do passado, e onde cada texto ou documento encerra um “gesto
enquanto império fervilhante de signos” (sobre este ponto em Benjamin, ver capítulo
seguinte).
Este é o caso, também, de Canevacci (op.cit.), que procede por uma apropriação
crítica das “imagens” benjaminianas. Para ele, Adorno tem razão nas ressalvas que faz à
futuro (p.151). Em todo caso, o autor afirma que a referência a Benjamin se deve ao fato de
este demonstrar uma grande sensibilidade antropológica para identificar e, mesmo, rela-
noramas, as passages” (p.150). Em seu modo, Canevacci usa o conceito de imagem dialé-
111
fim, no interior da antropologia da cultura visual, em que um modelo favoreça o cruza-
Em si, nenhuma dessas três “imagens” apresentadas “geram uma força liberatória
mente, que o autor vai pensar o conceito de cultura com atenção para o passado (até o mais
reprodutível e o irreprodutível. Se, como foi visto no primeiro capítulo, a cultura emer-
gente, como cultura visual urbana, encontra-se permeada de sincretismos, na forma de uma
exogamia cultural (e não apenas do centro para a periferia, mas, inclusive, desta para
aquele), deve-se de fato concluir, com o autor, por um certo caráter de “aculturação plane-
existência de “um processo geral de desterritorialização”: que existiria por um duplo mo-
Para o autor, o CMI não se caracteriza hoje por uma forma centrada de poder de decisão,
mas, sim, policentrada. Sua tendência, por certo, é a de submeter todo processo de produ-
ao trabalho humano” (Idem, p.212). Procurando estabelecer uma constante e tensa relação
entre o que denomina de molar e molecular (ou seja, entre as semióticas globais e seus
112
presentes no processo de desterritorialização da atual “segmentação do socius”, não diz
respeito exclusivamente aos aspectos econômicos mas, inclusive, àqueles de caráter indivi-
dual e “mais inconscientes da vida social, sem que seja possível estabelecer uma ordem de
de segmentarização sob a óptica exclusiva das dicotomias primeiro mundo vs. terceiro
força coletiva de trabalho em escala mundial”, coexistem hoje áreas de primeiro mundo em
agora no interior do espaço urbano; é, com efeito, nesse contexto desterritorializado de uma
cidade com característica mundial (a cidade-mundo a que se refere Guattari), que vai se dar
todo processo de produção da subjetividade. Ainda uma vez, isto não implica num processo
Todavia, é bom não esquecer, Guattari não tende a afirmar um sentido necessaria-
mente emancipador da produção da subjetividade. Para ele, ela pode ser trabalhada tanto na
progressistas, se não houver, em suas lutas, a implicação de uma constante tensão entre o
113
Com efeito, a dar crédito a tais idéias, não seria difícil imaginar haver maior grau de
e um jovem do Harlem nova-iorquino, do que entre aquele e um jovem carioca da zona sul.
Sob certo aspecto, isto pode ser identificado no estudo feito por Vianna no seu livro O
Aliás, para se finalizar esta questão com elementos mais concretos, pode-se chamar
(1988) vai identificar uma situação que, em muito, se aproxima das noções acima esboça-
produto cultural brasileiro aos padrões do mercado internacional, não implicou uma maior
seria a previsão de todo um debate anterior, quase sempre orientado pela noção de uma
importância deste fato, que o autor aponta para um deslocamento da antiga problemática da
popular’” (p.205).
114
Capítulo Terceiro
O presente estudo tem uma limitação clara quanto ao trato com o seu objeto de pes-
quisa: a canção discográfica. Trata-se do fato de apenas analisar a letra de música sem dedi-
car igual atenção aos demais componentes da canção. Diversos estudiosos apontam para a
necessidade de se estabelecer uma relação íntima entre melodia, letra e ruído sonoro. Para
eles, essa tríade é fundamental para que se tenha maior compreensão de cada uma das
partes, bem como do todo da canção. A exigência de um estudo com essas características é
tal, que Perrone (1988) se refere à letra de música como literatura de performance. Diz o
autor: “seja qual for o enfoque - artístico, musical, antropológico ou literário - será necessá-
rio que se leve em conta as características musicais de uma canção juntamente com os
significados verbais ou funções culturais para que se possa verificar a ação complementar
Entretanto, isto não invalida o tipo de estudo que aqui se fará, visto que frente às
Escreve Perrone:
“Uma letra pode ser um belo poema mesmo tendo sido destinada a ser cantada. Mas
é, em primeiro lugar, um texto integrado a uma composição musical, e os julgamen-
tos básicos devem ser calcados na audição para incluir a dimensão sonora no âmbito
da análise. Mas se, independentemente da música, o texto de uma canção é literal-
mente rico, não há nenhuma razão para não se considerar seus méritos literários. a
leitura da letra de uma canção pode provocar impressões diferentes das que provoca
sua audição, mas tal leitura é válida se claramente definida como uma leitura. O que
115
deve ser evitado é reduzir uma canção a um texto impresso e, a partir dele, emitir jul-
gamentos literários negativos” (Idem, p.14).
Ciente disso, ainda que procurando fazer referência aos aspectos musicais e aos ruí-
dos sonoros, deve-se reforçar que se vai, aqui, praticar mais um estudo sociológico do dis-
curso literário do que uma sociologia da música, com a análise de suas tecnicabilidades,
cultura e comunicação de massa, deve envolver ao menos três pólos principais para a sua
melhor adequação: autor-obra-público (isto para não se falar da própria mídia como produ-
este processo, pretende-se dedicar atenção quase exclusiva a um resultado parcial do que se
poderia chamar de “produto final” da obra (no caso, a letra da canção de rock). Assim,
mas, mais a partir de referências a estudos já amplamente difundidos sobre a produção dis-
letras de música do rock brasileiro a partir da última década, difundidas por algumas das
bandas que mais têm figurado nas paradas de sucesso desde então. Com efeito, o objetivo
festos na forma de uma recusa, negação ou ruptura face ao sistema dominante, a partir de
vividas no cotidiano urbano de nossas cidades, sendo que qualquer consideração sobre este
116
discurso, deve levar em conta o fato de que ele se configura justamente num produto cultu-
agosto de 1985 ao ano de 1992, divulgadas na seção “Parada do leitor”, em que estes reve-
bandas do rock nacional. Por sua vez, este levantamento da frequência serviu, prioritaria-
mente, para que fosse possível obter uma lista das dez bandas mais citadas, a fim de se ob-
ção esta pensada em termos de configurações que parecem estabelecer mediações com o
Em todo caso, não houve pretenção de limitar o trabalho a apenas os grupos mais
freqüêntes àquela seção das preferências do leitor (embora este fator tenha tido sua impor-
tância na escolha). Primeiro, porque ela tende a nem sempre coincidir com o que revelam
outras fontes na própria revista: como é o caso da “Parada” dos DJ, que revelam as bandas
com as músicas mais executadas, bem como, da “Parada” das lojas, que revelam as bandas
com mais vendagem de discos; segundo, porque, uma vez identificada uma tal constelação
quelas mediações com o universo juvenil, pensou-se em proceder por uma seleção das le-
tras das músicas de algumas das bandas do período, a partir de sua pertinência e identifica-
Com efeito, se a tônica essencial aqui deve ser a de voltar a atenção para o quadro
117
de músicas de outros grupos que não apenas os que figuraram sua maior frequência na re-
ferida “Parada do Leitor”; que, volta-se a dizer, serviu mais como itinerário a uma identifi-
ais.
limitado, pode-se constatar, entre os dez maiores índices de freqüência dos títulos nacio-
nais, a presença de treze nomes do rock surgido nos anos 80: embora o período compre-
endido revele um total de 30 bandas nacionais citadas na seção. Dentre os nomes de maior
Hawaii, RPM, Capital Inicial, Ira!, Ultraje a Rigor, Barão Vermelho, Kid Abelha, Plebe
Rude, Lobão e Cazuza. Imediatamente após estes, surgem os nomes da banda baiana Ca-
Após a audição das músicas de todos os discos das referidas bandas, chegou-se a
constatar, em muito do discurso das letras do rock, uma importante presença de elementos
dimensão em que um tal discurso apresente elementos capazes de levar a uma hermenêu-
tica utópica, quer dizer, que possa inspirar utopias que, no plano simbólico, traduzir-se-iam
críticos do cotidiano, pode-se observar nas letras uma significativa presença da insatisfação
e da recusa, em nuances diversos, para com o quadro recente da esfera política e do Estado
118
na nossa sociedade, e seu comprometimento dos fatores de construção da cidadania e dos
nalizada e de como tudo isso se dá em nível difuso no cotidiano social. Ao lado destes as-
discurso do rock: diz respeito aos problemas de marginalidade, pobreza e ao que se pode
caracterizar como a “fala” dos excluídos. Ainda ligado a estes aspectos, tem-se referência
zer e ócio na vida moderna; desemprego, trabalho e rotina; e de como tudo isso se processa
no cotidiano social. Outro importante fator, relaciona-se a formas de críticas dos padrões
contrário, eles devem figurar como “pano de fundo” referente à constelação de elementos
críticos dos valores e representações do status quo, a partir da qual as letras estabelecem
mediação e referência, ora enfatizando mais um que outro elemento. Ademais, o que se
busca é identificar o grau em que eles se articulam entre si e a outros elementos não clara-
referência aos trabalhos de, por exemplo, Hanói-Hanói e Fausto Fawcett, que quase não são
citados na “Parada do Leitor”, mas que constam de referência em outras fontes que melhor
119
atestam a extensão de sua audiência: Fawcett, por exemplo, foi revelação nacional em 1987
na escolha dos próprios leitores da Bizz; ao passo que o trabalho de grupos como RPM,
Isto se deve ao fato de aqui se seguir, uma vez exposto a um vasto repertório de
letras das bandas do rock em estudo (e, agora, não apenas as presentes na “Parada do Lei-
tor”), o roteiro de construção da análise a partir do que se poderia caracterizar como uma
seleção aparentemente aleatória das letras do discurso, e que siga o princípio de uma cola-
tocante à crítica do cotidiano urbano brasileiro, configurada em termos das mediações com
tico, resignação vs. crítica utópica, nomadismo, desterritorialização etc. (como se verá adi-
ante); por outro lado, isto não significa a adoção ou eliminação de textos em função de
preferências pessoais, visto que, se em mais de uma letra identifica-se formas de represen-
tação de várias situações em que se pode apreender certa dimensão crítica de aspectos do
cotidiano, inclusive de aspectos aqui não relevados, teve-se que se proceder, apenas, para se
atender ao espaço que o presente estudo dispõe, por uma limitação necessária da exposição
do material a ser utilizado. Com efeito, as letras de música escolhidas devem, assim,
ções do establishment, mesmo quando se apresenta, outrossim, por certos aspectos de re-
signação: ambos os quais são aspectos que terão melhor referência no desenvolvimento
deste trabalho. Das 40 letras citadas integralmente ou por fragmentos neste estudo, algumas
120
Todo elemento do discurso é passível de inferências que levam à identificação de
aspectos contidos ou representados em sua unidade. Para Bakhtin, por exemplo, todo
“signo” é marcadamente ideológico, o que implica dizer que “possui um significado e re-
mete para algo situado fora de si mesmo” (Bakhtin, 1981). Nesse sentido, não pode haver
ideologia sem signo e, portanto, à palavra não haveria qualquer sentido possível caso não
fosse preenchida de “qualquer espécie de função ideológica: estética, científica, moral, reli-
giosa” (Idem).
tópico sobre ideologia, trabalha dois sentidos importantes para a análise cultural: a concep-
ção de ideologia como “crenças formais e conscientes de uma classe ou de outro grupo so-
Para o autor, o primeiro tópico é um caminho válido, mas, não suficiente para a aná-
lise cultural; sendo necessário que a análise se estenda em dois sentidos: primeiro, para “a
área dos sentimentos, atitudes e compromissos” que são os aspectos menos conscientes ou
inconscientes menos palpável; mas que são, bem mais amplo ainda, os que revelam a cul-
tura em mudança face aquilo que, como crenças formais e conscientes, aparentam perdurar.
Assim, em mediação ao que chama de “coloração global vívida” (crenças formais e consci-
entes), há uma “prática social concreta” (cotidiana, difusa, menos consciente, inconsciente),
121
O segundo sentido da análise cultural, o autor o encontra na necessidade de um pro-
cedimento analítico que se estenda até a “área manifesta da produção cultural” que, pela
“natureza de suas formas”, não é exclusivamente apenas expressão das “crenças formais e
conscientes” - visto que além da filosofia, religião, teoria econômica, teoria política ou di-
reito, também é teatro, ficção, poesia, pintura: que também atuam por formas menos cons-
(idem).
tado alguns elementos essenciais à sua configuração de um método da história. Para o au-
tor, adotar o método da história implica tomar o cotidiano a partir das manifestações das
configurações que nos remetem a processos que vão desde as “construções duradouras” até
passagem, Benjamin elabora uma síntese fundamental do seu método da história quando
diz:
122
utopia que deixa o seu rastro em mil configurações de vida, desde construções
duradouras até modas fugazes” (idem, p.32).
Com efeito, é partindo destas colocações que Benjamin chega à idéia da escrita lite-
rária e da obra de arte como o “gesto semântico”, que, por sua vez, é a configuração do
“gesto político”: aqui traduzido como o “inconsciente do texto” (Kothe in Benjamin, 1985:
20).
Um pouco nessa direção, ainda que com um nível de elaboração relativamente mais
complexo, Jameson (1992) introduz a noção de interpretação textual do discurso pela esfera
do impensé, nondit; ou seja, pelo seu “lado avesso”, não claramente revelado, pelo seu in-
consciente político (idem, p.44). Para o autor, o tipo de hermenêutica que aqui se projeta
vai se distinguir dos demais, justamente, por tentar detectar os traços narrativos reveladores
do inconsciente político do texto, na medida em que prima por trazer à sua superfície toda a
sua realidade historicamente reprimida e ocultada. Nesse sentido, o autor nega-se às formas
de interpretação que separam “textos culturais que são sociais e políticos” dos “que não o
E conclui:
123
No que sentencia: “A única libertação efetiva desse controle começa com o reco-
nhecimento de que nada existe que não seja social e histórico - na verdade, de que tudo é,
‘em última análise’, político” (idem). Com efeito, este reconhecimento se apresenta como a
própria chave do inconsciente político, que conduz, por uma diversidade de percursos, à
textos, o autor vai apresentar três molduras concêntricas que marcam uma ampliação do
sentido social do texto. Nestes termos, o autor procura estabelecer correlação entre os
(idem, p.68-9).
dual; sendo que a diferença entre o discurso e a interpretação é que a obra é apreendida, no
segundo caso, como ato simbólico. No segundo horizonte, o “texto” se transforma até in-
cluir a ordem social, que são os grandes discursos de classe, tornando-se ideologema
(“menor unidade inteligível dos discursos coletivos essencialmente antagônicos das classes
sociais”). Finalmente, no terceiro horizonte, paixões e valores são relativizados pelo hori-
zonte máximo da história humana e por suas posições no modo de produção; dando-se, aí,
uma transformação final tanto do texto individual, quanto dos seus ideologemas, transfor-
ção ideológica” que permanece até nas configurações de sua restauração utópica (p. 307).
Aliás, nesse sentido, o autor vai desde o início afirmar que a própria interpretação da forma
como ato ideológico e mítico, “com a função de inventar ‘soluções’ imaginárias ou formais
124
para contradições insolúveis”, de modo que tal interpretação possa seguir o roteiro de uma
deve-se ver os textos da História como o “pensée sauvage político-histórico”, ou seja, como
o inconsciente político dos “nossos artefatos culturais”: “das instituições literárias do alto
político do texto - sendo, por sua vez, acessível somente na medida em que é textualizada,
ser lida como mediação simbólica sobre o destino da comunidade (p.64); também a reescri-
Para o autor, a apreensão dos ideologemas, relativos ao segundo horizonte, são de funda-
E do mesmo modo que se pode falar em reescrituras das vozes culturais não-hege-
mônicas, também se deve falar nas reescrituras das vozes hegemônicas e de como elas
muitas vezes se (re)textualizam pelas reapropriações e padronizações das fontes vitais dos
125
processos culturais não hegemonizados (notadamente, com a forte intervenção de uma
postos que supera o falso problema das determinações “em última instância”. Trata-se do
momento que engloba tanto o “ato simbólico” mais individualizado, quanto a dialogicidade
horizonte, que revela a multiplicidade coexistente dos “sistemas de signos” dos modos de
produção sobrepostos: arcaicos e novos; econômicos, sexuais, políticos, sociais, etc. Nestes
coexistentes tanto no “processo artístico”, quanto na “formação social geral”, vai apreender
desde os fatores ideológicos aos impulsos utópicos dos artefatos culturais (p.90-1).
no marxismo, afirmando que enquanto a função de um texto da cultura de massa pode ser
persuasão retórica” com “incentivos à adesão ideológica” pelo MCM, a afirmação de uma
“hermenêutica utópica” deve considerar que, embora tal estratégia proceda pela forma es-
púria daqueles incentivos, finda por “despertar” na interioridade do próprio texto, aquilo
que procura justamente silenciar; e, sendo assim, revela o quanto mantém de uma estreita
relação com os “impulsos utópicos” do observador, como processo que pode apresentar
126
“degradadas”, visto que as mais cruas formas de manipulação “dependem das mais antigas
dade, para a leitura e interpretação críticas, de se articular uma “hermenêutica marxista ne-
gativa”, para a análise propriamente ideológica dos textos culturais, com uma
“hermenêutica marxista positiva”, para a “decifração dos impulsos utópicos” daqueles tex-
Enfim, o que o autor procura afirmar, já no início do seu trabalho, é que partirá da
p.10); nisso coincidindo com Benjamin, que parte de um semelhante pressuposto, quando
procura dimensionar o “gesto semântico” do texto como narrativa alegórica - em que “cada
época pensa a seguinte”, estando também marcada pelo “modo antigo”, como foi visto.
Nisso, ainda, coincidindo com Bakhtin, que trata a narrativa textual-sígnica da obra
cara ao autor.
Em seus estudos sobre Dostoiévski, Rabelais, a teoria do romance, Bakhtin vai se-
guir a formulação da análise do discurso por sua categoria dialógica, num contexto cultural
127
altamente heterogêneo e plural, o que o leva a concebê-lo como um discurso “polifônico”,
E mais:
“A concepção do seu objeto, por parte do discurso, é um ato complexo: qualquer ob-
jeto ‘desacreditado’ e ‘contestado’ é aclarado por um lado e, por outro, é obscurecido
pelas opiniões sociais multidiscursivas e pelo discurso de outrem dirigido sobre ele. É
neste jogo complexo de claro-escuro que penetra o discurso, impregnando-se dele,
limitando suas próprias facetas semânticas e estilísticas. A concepção do objeto pelo
discurso é complicada pela ‘interação dialógica’ do objeto com os diversos momentos
da sua conscientização e de seu desacreditamento sócio-verbal. A representação lite-
rária, a ‘imagem’ do objeto, pode penetrar neste jogo dialógico de intenções verbais
que se encontram e se encadeiam nele; ela pode não abafá-las, mas, ao contrário,
ativá-las e organizá-las” (Bakhtin, 1993:86-7).
Como vimos, nenhum enunciado pode ser apreendido como uma forma pura, natu-
ral ou radicalmente original, posto que as condições de sua própria percepção é dependente
da maneira como ele interage e se insere na multidiscursividade dos vários sistemas sócio-
culturais, nas épocas ou tempos históricos da cultura, nas diferenciações de classes e grupos
sociais, na especificação dos níveis culturais, nas configurações espaciais, bem como, na
concreção de suas mais claras ou mais ocultas manifestações “textuais”, verbais e não-ver-
128
se apresentam como conjunto multifacetário: elas são “mesclas nunca inteiramente resolvi-
p.91). O sentido de toda obra é, assim, atribuído de “uma construção dialógica” (Idem).
Cada novo ato interpretativo ou leitura compõe, ao mesmo tempo, um novo sentido do
texto; assim como cada texto absorve e transforma um outro, constituindo-se no novo
social. Este aspecto caracteriza o processo da comunicação como, também, exercício dialó-
Da noção do dialogismo, Bakhtin chega à idéia do discurso polifônico, que está as-
sociada à forma como numa dimensão textual verbal ou não-verbal, artística ou sociológica
pode coexistir uma multiplicidade de vozes não harmônicas, autônomas, disjuntas e, por-
tanto, profundamente marcada de uma heteroglossia. Nesse sentido, a polifonia aponta para
os aspectos vividos dos conflitos sociais no quadro de processos estruturais complexos que
Importante, aqui, observar-se a lúcida distinção feita por Stam (in Kaplan op. cit.) a
129
polifônica e celebratória. Qualquer ato de troca verbal ou cultural, para Bakhtin, deixa
ambos os interlocutores modificados” (p.166-67).
revelam uma característica muito mais radical ou paroxista dos fenômenos do dialogismo e
polifônica das vozes assume a forma de uma oposição total das partes: apresentando-se,
inclusive, um como a inversão paródica do outro (p.99-102). O uso deste conceito tem a ver
populares desde a idade média, e “que oferecem ao povo um breve ingresso numa esfera
Aliás, para Stam, a validade de uma tal noção para os estudos da comunicação de
massa parece ser total. Caso se queira seguir os passos de Bakhtin, pode-se aplicar a noção
valização do próprio discurso midiático. A saber, a polifonia dos discursos não se dá apenas
no sentido do discurso das classes sociais, ou seja, no sentido de que as massas estariam
dispersas em classes; mas, inclusive, em relação ao discurso dos próprios produtos veicula-
dos pela mídia, que está longe de ser aqui interpretado de forma monolítica (Idem, 1992).
Assim, tanto do ponto de vista das massas, quanto dos produtos culturais veiculados
pelos MCM (que têm por trás de si os seus produtores - que não são, entre si, necessaria-
mente partidários de uma mesma visão de mundo; além do que não deve haver, aí, um valor
configura como reescrituras que se manifestam como fenômenos culturais, o que vai carac-
130
terizar o diálogo polifônico como existindo na própria estrutura do processo comunicativo e
da vida cotidiana.
no sentido de que há dois ou mais discursos que se opõem e que são, por isso mesmo, car-
como valores hegemônicos passam, assim, por aquelas reapropriações e modificações po-
lêmicas (Idem).
Por outro lado, não se trata de cair numa visão simplista do fenômeno. Uma coisa é
tomar como referência a análise dos produtos culturais as festividades carnavalescas como
uma polifonia cultural altamente dinâmica, como se pontuou acima, em que se destrói ou se
papéis, numa lógica cuja vigência é a norma do mundo de ponta-cabeça; e outra coisa é
tecer uma observação crítica sobre os diversos nuances destes mesmos produtos culturais:
dos seus aspectos mais transgressivos às suas expressões mais conservadoras ou retrógra-
das.
Por querer refletir as contribuições de Bakhtin para a crítica de esquerda hoje, como
apenas advoga a possibilidade do uso dos conceitos bakhtinianos para a crítica da cultura de
massa, como chama a atenção para o seu uso crítico, de modo a não cair num “ludismo
131
vazio, que discerne elementos redentores até mesmo: nas mais degradadas produções e
nem todas tenham “igual utilidade para a crítica de esquerda”. São elas:
“1) uma valorização de Eros e da força vital (que atrai uma esquerda reichiana), como
atualização dos antigos mitos de Orfeu e Dionísio; 2) a idéia, mais importante para a
esquerda em geral, de inversão social e subversão contra-hegemônica do poder
estabelecido; 3) a idéia, atraente para os pós-estruturalistas, da ‘alegre relatividade’ e
da ambivalência e ambigüidade próprias do rosto de Jano; 4) a noção do carnaval
como transindividual e oceânico (que atrai, ambiguamente, tanto a esquerda quanto a
direita); e 5) o conceito de carnaval como ‘espaço do sagrado’ e o ‘tempo entre pa-
rênteses’ (que atrai os de inclinação religiosa)” (p.171).
No que pese o esquematismo com que Stam apresenta sua crítica, o item segundo é
o que assume particular importância para o presente estudo, por estar em estreita ligação
com o debate da mediações. Por outro lado, deve-se chamar atenção para o fato de que a
análise bakhtiniana mantém estreita relação com o esquema jamesoniano do terceiro hori-
zonte, o da ideologia da forma, pelo menos na direção dada por Stam para a análise da
cultura de massa. Criticando o que denomina por “atitude esquizofrênica” de uma “austera
que deve tratar os meios de comunicação de massa como preditores inadvertidos de possí-
132
ação da ideologia e da utopia, ela proporia um duplo movimento de celebração e crí-
tica. Atenta ao peso inerte do sistema e do poder, também veria aberturas para sua
subversão (...). [Numa] “crítica cultural que não impossibilite nem o riso nem o prin-
cípio do prazer” (p.181-82).
de discurso tem, como ficou dito, nos referenciais já mencionados do “gesto semântico”, do
coincidentes; além disso, implica pensar que tanto o discurso quanto o cotidiano só se mo-
dificam pela ação dos indivíduos em processo de interação - no caso do discurso, pela dia-
lógica das vozes da formação social. Ademais, a heterogeneidade dos discursos se dá atra-
vés daquelas reescrituras dos fenômenos culturais, na própria medida em que é “a língua
(linguagem que se expressa como o próprio corpo do discurso). Para Orlandi, há dois sen-
tidos dessa heterogeneidade: “a) porque apresenta vários subsistemas; b) porque cada fa-
lante dispõe, até certo ponto, de vários subsistemas” (Idem, p.101). A exemplo disto, pode-
anterior.
trata de proceder pelo seu uso complementar, adicional, extensivo ou secundário em relação
133
a outros níveis de análise: o lingüístico, o sociológico, o histórico. Ao contrário, a análise
conhecimento que entrecruza outras formas do saber sobre a linguagem e sua exterioridade:
sociais e humanas tem levado a uma modificação crítica de muitos dos fundamentos destas:
ou porque a análise de discurso não se presta à neutralidade técnica do seu uso, ou porque
não coloca o discurso como submetido ao lingüístico (p.26). Nesse sentido, os aspectos
lingüísticos se apresentam como não mais do que “traços” ou “pistas” dos “processos dis-
cursivos” (Idem, 1989:32); ao passo que os fatores políticos e ideológicos do sentido passa-
ram a se constituir num dos objetos centrais da análise de discurso desde o seu surgimento.
rialismo histórico, da lingüística e da teoria do discurso é o que forma bem o quadro episte-
com uma “teoria das formações sociais e suas transformações, aí compreendida a teoria da
ideologia”; uma “teoria ao mesmo tempo dos mecanismos sintáticos e dos processos de
134
formação discursiva, que deve dar conta da articulação entre o processo de produção de um
Crítico do processo, tal como é apresentado por Pêcheux, da relação entre a análise
são espelhos”) que o argumento que supõe o materialismo histórico, contendo em si uma
teoria da ideologia, como uma das regiões do conhecimento formadoras do quadro episte-
“orientar esta teoria em dois sentidos: A) para uma certa interpretação preferencial
dos dados a serem submetidos à análise e B) para uma seleção quase automática de
um corpus preferencial, que não oferece a priori a garantia de conter dados lingüísti-
cos de todos os tipos, que garantiriam a generalização dos resultados para todo e
qualquer discurso. O corpus privilegiado será o dos discursos políticos”.
E conclui:
campo lingüístico, visto que o autor procura nela ressaltar o fato de que, a partir de formu-
lações como as de Pêcheux, coube à lingüística toda uma série de modificações orientadas
135
Para o autor, a única maneira de tratar a teoria da ideologia como uma das chaves
principais do discurso, seria pela promoção de uma articulação íntima entre ideologia e lin-
guagem, em que ideologia e representação assumiriam uma única e mesma forma - quando,
mesma coisa, retruca, então deve-se tautologicamente constatar que todas as línguas são
ideológicas e, portanto, não tem mais a mesma importância o “papel explicativo das ideolo-
gias” (p.26). Segundo pensa, é muito significativo poder se servir de modo produtivo do
conceito de ideologia “em relação à linguagem”, mas só quando se reserva o seu uso para a
“análise de discursos em que o papel da ideologia é relevante para explicar fatos que não
quadro epistemológico básico da análise de discurso: um seria fixo, uma teoria lingüística,
o outro variável, uma teoria auxiliar (do campo não-linguístico mas pertinente à análise de
Contudo, é justamente a relação entre ideologia e linguagem que Orlandi (1990) vai
apontar como o núcleo central da questão: aliás, é nesse sentido ainda que se pode apreen-
político e do dialogismo. Mostrando que a análise de discurso não pode ser concebida como
“um instrumento ‘neutro’”, dado que se reconhece a “espessura semântica da própria lin-
guagem”, mas não como um mero instrumento ou aplicação com a função de dar legitimi-
dade à ciência. Trata-se de um modelo que, ao ser usado, transforma tanto os pressupostos e
própria historicidade
136
“é a historicidade do texto (...) sua discursividade (sua determinação histórica) que
não é mero reflexo do fora mas se constitui já na própria tessitura da materialidade
lingüística. Trata-se, por sua vez, de pensar a materialidade do sentido e do sujeito,
seus modos de constituição histórica.” (p.29).
ções” existindo fora da linguagem (p.28); ao contrário, é a própria relação entre o sujeito da
linguagem e o sujeito da ideologia que a autora vai caracterizar como de ordem sinto-
dade específica da linguagem (p.28-9). Numa síntese coerente com a definição dada por
“a análise do discurso procura estabelecer essa relação de forma mais imanente, con-
siderando as condições de produção (exterioridade, processo histórico-social) como
constitutivas do discurso” (1987:111. Grifei).
entre análise e o corpus da análise, em que “analisar é dizer o que pertence ou não a um
trabalha com a seguinte relação: objeto empírico, objeto específico (de análise) e objeto
teórico (as sistematicidades discursivas, ‘o’ discurso)” (p.32). Deve-se ressaltar, ainda, que
conseqüências teóricas relevantes”, não tratando “os dados como meras ilustrações” (p.32).
137
Assim, o discurso não é fechado em si, mas “um processo discursivo do qual se podem
Para se delimitar um corpus da análise deve-se dar ênfase aos critérios teóricos (e
“material lingüístico empírico (textos) em si”, ligando-se, isto sim, aos “objetivos e à temá-
tica”. A organização do material deve seguir “um princípio teórico discursivo” segundo o
sustentem, de modo a não permitir uma leitura subjetiva dos dados, é de fundamental im-
portância para os objetivos da análise frente a “um fato discursivo” dado: “o que se exige é
Nesse sentido, a operacionalização aqui seguida optou por uma abordagem qualita-
tiva do discurso visando estabelecer certa afinidade de determinado discurso juvenil com a
contestação, a partir da identificação deste referente naqueles que talvez sejam os produtos
culturais de maior grau de fruição por parte das camadas sociais jovens, o rock; ou seja,
procurou-se apreender aí como se processa, nos termos das mediações, a figuração entre o
universo, o caráter de sua vertente mais tendente à contestação do status quo dominante em
como, de sua exclusão), de parte dessa categoria social jovem, tal como anteriormente
138
ethos dominante), justamente, a partir do estudo desses referentes, volta-se a enfatizar, no
rock brasileiro a aproximação feita entre as imagens críticas do cotidiano urbano das socie-
Uma última nota para um melhor esclarecimento do procedimento aqui adotado diz
lógica do uso das letras da música do rock. Com efeito, não se trata aqui de relevar o valor
“poético” ou “literário” dessas letras, ainda que destacar o valor poético de compositores
como Arnaldo Antunes, Júlio Barroso, Cazuza, Fausto Fawcett, Herbert Vianna, Renato
Russo, entre outros seja tarefa de grande magnitude; ao contrário, tomou-se a direção de
ticos do discurso: como fica evidenciado pela adoção, aqui expressa, dos referenciais de
lógicos; em segundo lugar que, pela própria natureza do que foi identificado no primeiro
aspecto, o produto do rock terá necessariamente ligações com o social - seja quando se faz
139
referência à contundência crítica de suas letras (fator cuja relevância se encontra mediati-
mudanças); seja pelo fato de ter este produto logrado sucesso estupendo (em parte movido
por uma dimensão dialógica com caracteres amplos do imaginário de seu público consumi-
dor jovem, central para este debate, em parte pelas características altamente influentes do
uma cultura do consumo na sociedade brasileira: e, certamente, por uma confluência e me-
diação de ambos estes elementos). Nesse sentido é que não há uma intransponível incom-
pelas já acima mencionadas categorias, poder-se-ia, ainda, ter como referência o que
“representadas pela mimese inconsciente ou interior e pela paródia (...). Em termos gerais a
linguagem aí presente é a do outro, ‘daquilo que para uma cultura é a um tempo interior e
estranho’. É uma linguagem de exclusão e de excluídos” (p.20-21).
Esta categoria foi recentemente utilizada por Cesar (1993) em seu estudo compara-
tivo das canções de Bob Dylan e Chico Buarque. Com efeito, é justamente a tensão entre,
(ou de negação e de desagregação) face ao establishment, que aqui interessa mais especifi-
camente, como ficou dito. Mas, sobretudo, na medida em que os fatores do segundo “tipo”
140
revelem um discurso de “exclusão”, será pensado nos termos de qual perfil crítico que es-
nea. É o que se tentará identificar, de modo quase etnográfico, nas letras que se seguem.
contestatórias de múltiplos aspectos da vida urbana na sociedade brasileira atual (e, mesmo,
que, por vezes, encontre-se marcado de um tom resignatório; enfim, uma “antilinguagem”
processos do cotidiano em sua representação crítica figurada nos discursos dessas letras.
Sendo assim, em outras palavras, uma vez identificados os grupos de ampla audiência de
público, bem como, o vasto conjunto do repertório de suas músicas, procedeu-se à escolha
de certas letras, tanto pelo grau em que estas demonstram atender a formas críticas de re-
discurso juvenil, quanto pelo fato de serem elas representativas de um conjunto de 30 gru-
pos do rock de maior projeção comercial e de público, na década de 80, segundo uma das
fontes de indicação desse fenômeno, a dos leitores: validando, assim, a afirmação, já feita,
de uma tendência significativa no rock brasileiro aqui estudado na direção de uma crítica do
cotidiano social nos termos das representações do mundo da juventude, capaz de po-
fruidor.
141
Entre as bandas que tiveram suas músicas citadas neste trabalho, constam: Titãs,
Legião Urbana, Barão Vermelho (Cazuza), Hanói-Hanói, Lobão, Fausto Fawcett, Ultraje a
Rigor, Capital Inicial, Plebe Rude, Biquini Cavadão e Ira! No caso de Cazuza, será consi-
derada a sua produção fora do Barão Vermelho; já Lobão e Fawcett, embora seus trabalhos
Das 40 letras que constam deste trabalho, selecionadas de um total de mais de 150 músicas
letras correspondem a certas produções das bandas acima citadas, em particular aquelas
produções surgidas a partir de meados da década de 80: período em que, como se verá mais
adiante, parece haver uma maior contundência crítica frente ao processo vivido pelqa
efeito, tanto a escolha delimitada das bandas, quanto a delimitação de suas músicas, partiu
dade social: inclusive no que se refere às ambiguidades do discurso quanto a fatores ora
142
Capítulo 4
mas de suas configurações nas letras do rock nacional dos anos 80. Outrossim, deve-se
assinalar ainda que tais representações são aqui concebidas como mediações de uma cons-
telação ampla de valores que parece fazer parte do conjunto do imaginário da juventude
neste período. Ademais, embora o presente estudo não tenha dedicado qualquer atenção às
formas de recepção ou fruição daqueles produtos culturais por parte do público jovem, o
que demandaria uma outra ordem de investigação distinta do que está sendo proposto aqui,
rock acima delimitado e certas formas de representação social mais tipicamente configura-
a efeito nos capítulos anteriores: em primeiro lugar, com respeito ao caráter ambivalente e
manifestações de contratendência (como foi visto); em segundo, de como isto pode, sim-
inconsciente político do discurso; por fim, no tocante a certos traços característicos do que
143
Outro aspecto importante, quanto à afirmação de uma relação de pertinência entre
aquele discurso do rock e certas formas de representação social da juventude brasileira dos
anos 80, uma vez que não se está concebendo os MCM de forma monolítica e unilateral, diz
também respeito ao fato de ser este segmento jovem o que compõe o grande público da-
quilo que pode ser caracterizado como o maior fenômeno comercial em conjunto já obtido
pelas manifestações do rock no Brasil. Como já se disse, o critério inicial para a escolha das
Leitor da revista Bizz - que, de resto, confirma o que é revelado por outras fontes de infor-
mação sobre os hits de sucesso. Contudo deve ficar claro, desde o início, que só neste ponto
musical do rock. Visto que se está tratando, neste estudo, de se pensar alguns elementos do
derar o fato de que não se está tratando este fenômeno musical como seguindo a orientação
de um movimento estético mais definido. Ao contrário, desde a sua formação e onde quer
que se tenha manifestado, o rock tem sido marcado por uma grande variedade de estilos,
com ramificações diversas, muitas vezes distintas entre si; mas, também, por uma série de
fusões, que é o que tem dado prosseguimento ao forte dinamismo deste gênero musical.
Ainda mais por ele se encontrar, em sua multiformidade, associado a certas “bandeiras”
grupos e/ou movimentos juvenis; quando não surgem diretamente destes grupos. Conforme
144
Por outro lado, talvez seja conveniente lembrar que são bem anteriores as manifes-
tações em que se pode notar a influência deste gênero na movimentação musical brasileira.
Assim, ainda que de modo arbitrário, conciso e essencialmente descritivo, pode-se classifi-
car as principais etapas do rock no Brasil na seguinte ordem: a pré-jovem guarda, a jovem
bandas do rock pauleira e progressivo e, por fim, a grande explosão do “novo” rock brasi-
seu surgimento nos EUA. O Brasil vivia sob o signo da modernização, inspirado na arran-
cada desenvolvimentista de JK, com o seu lema dos “50 anos em 5”. O avanço industrial de
São Paulo, a construção de Brasília, as grandes transformações urbanas no país, são alguns
dos motivos de certo clima de euforia então reinante. Ao mesmo tempo, o surgimento da
televisão já denotava um novo ingrediente à expansão dos MCM no Brasil. No plano musi-
cal, além das primeiras manifestações do rock, este período vai assistir ao surgimento da
no país.
das classes médias: potencialmente o setor que corresponderia à expansão em novos pa-
drões do consumo de bens duráveis que então se acelerava, e isso incluía o consumo dos
145
discos). Ao mesmo tempo que assimilavam novos valores e hábitos incorporados a partir de
tais transformações, estes setores ainda compartiam uma moral fortemente tradicionalista
Quanto à chegada do rock no Brasil, pode-se afirmar que foi no cinema que ele
encontrou seu primeiro e principal meio de difusão em massa. O filme Rock Around the
Clock, lançado aqui em meados dos anos 50, tem sido apontado como o marco inicial de
inicial de difusão do rock em efervescência nos EUA, já que os primeiros hits deste gênero
não haviam sido gravados em gravadoras de grande porte, levou a que os produtores brasi-
leiros gravassem outras versões (ainda em inglês) de algumas das canções que haviam ob-
tido maior sucesso: é o caso da canção homônima ao já referido filme, em que a interpreta-
ção de Bill Haley é substituída pela de Nora Ney; e esse será o caso, também, de outros
artistas como, por exemplo, Cauby Peixoto. O ano de 1959 é, contudo, aquele em que Cely
Campello lança a sua versão em português da música Stupid Cupid, de Neil Sedaka e Gre-
enfield, obtendo grande sucesso e abrindo maior espaço para o rock no Brasil. Agora, não
se trata de simples covers do rock americano, na forma como o fez Nora Ney; tratava-se,
isto sim, de versões em português daquelas músicas: que fez crescer a participação de uma
personagem muito importante neste período e no subsequente - o autor das versões, espécie
de letrista que fazia para o português as adaptações de hits originalmente cantados em lín-
Após o sucesso de Cely Campello com Estúpido Cupido, é a vez de outros nomes se
projetarem no cenário musical: Sérgio Murilo, Demétrius, Tony Campello e outros. Este é o
146
público jovem; visto que Nora Ney, por exemplo, estava mais para o que se identificava
como o grupo de intérpretes da MPB mais tradicional. Em sua maioria, as canções eram
versões ingênuas, marcada de forte romantismo e tímida rebeldia: tudo ao sabor de certa
aura de Brasil moderno, cujo entusiasmo se inspirava no american way of life do pós-
guerra - este é, aliás, um período de grande presença, entre nós, dos produtos culturais
Após a saída de cena de Cely Campello, que troca a carreira de cantora por um ca-
samento, esta primeira fase do rock no Brasil declina, após ter estado no ar em programas
de rádio e TV, um dos quais os irmãos Campello comandavam a apresentação. Este é, par-
será a vez do surgimento de uma outra fase da presença de manifestações do rock no Brasil:
daquela fase inicial do rock ainda ecoa na voz de Ronnie Cord com Rua Augusta. Também
neste momento, vai se delineando uma nova safra de cantores que, ainda marcada pelo rock
dos anos 50, já incorpora toda uma influência do que surgia, no plano internacional, no
início da década de 60 em matéria de rock, em seguida àquela explosão inicial nos EUA:
ar, comandado por três jovens, e se torna o marco principal deste novo momento: é o pro-
rior, os empresários decidem investir ainda mais em uma cultura juvenil de consumo, e o
147
programa faz grande sucesso. Os pilotos do jovem guarda são Roberto Carlos, batizado
Após um rápido e fracassado namoro com a bossa nova, gravando a música João e
Maria, em que parecia imitar João Gilberto, Roberto Carlos começa a emplacar o sucesso
músicas comportava ainda as versões dos hits do rock internacional, conservando-se nesta
fase a figura oculta do letrista das versões, embora já fosse maior o número de canções de
Erasmo. Em sua predominância, as letras das músicas revelavam uma forma ainda branda
de rebeldia que, embora desprovida de uma crítica social mais ampla, ou da referência ao
sos como o namoro de portão, por exemplo, as canções sugeriam situações nem sempre em
total acordo com tais convenções: a exemplo do beijo em público ou da afirmação de que o
expressava nas gírias, nos cabelos, nas roupas (à moda dos Beatles).
No plano cultural mais amplo, o Brasil vivia certa polarização entre o que se consi-
derava como arte engajada e o que era visto como arte meramente de consumo. O público
universitário e a intelligentsia do país acusava, por isso mesmo, a jovem guarda de aliena-
148
ção e de capitulação à cultura imperialista; advogando para si a continuidade de uma arte de
engajamento político que refletisse uma forma de resistência à ditadura militar. Em con-
traposição, inclusive, ao jazzismo da primeira fase da bossa nova, e em total rivalidade para
com a jovem guarda, surge o que ficou conhecido como “canção de protesto”, considerada
como a que melhor atendia aos princípios da arte conscientizadora e a que mais represen-
desde as mudanças ocorridas a partir de 1930; a ditadura militar significava, neste campo,
ção ao avanço das comunicações, constata-se que este é o momento de seu maior grau de
pios do nacional-popular na cultura. Ao que tudo indica, a MPB vivia uma contradição que
não conseguia superar: a do convívio da crítica social em mediação com o processo das
Nesse sentido, a tropicália parece indicar outra solução para esta questão:
“o trabalho dos tropicalistas não fazia distinção, assim, entre o emprego das técnicas,
tornadas possíveis pela situação industrial e o envolvimento comercial e a crítica da
sociedade e da produção artística. Não lhes era possível apropriar-se dos recursos
eletrônicos e, ao mesmo tempo, separar-se do sistema de produção que lhes oferecia
esses recursos” (Favaretto, op. cit., p.98).
149
A chegada dos festivais da MPB coincide com o subsequente declínio da jovem
guarda e com a ascensão do movimento tropicalista, que leva a efeito, de modo muito mais
reconhecer, também, a dicotomia criada entre política e estética e entre cultura engajada e
cultura comercial - dicotomia a qual o discurso militante se encerrava. Como vimos, a me-
diação desses e de outros elementos vai representar um processo altamente fecundo para
produção; fundindo estilos que vão do iê, iê, iê da jovem guarda ao pop mais arrojado dos
sando pelas inovações da bossa nova; mantendo ligações com as referências advindas de
artes plásticas (Oiticica); a tropicália fez emergir uma situação absolutamente inusitada no
cenário musical do Brasil àquela altura. Segundo a denominação de Caetano Veloso, a tro-
tição de todas as influências culturais e da gestação de uma síntese crítica de seus elemen-
tos).
A postura musical heterodoxa da tropicália não pôs apenas esse movimento em uma
posição alternativa entre a MPB e a jovem guarda; como, indo além disso, o levou a superar
presença do maestro Rogério Duprat no movimento foi algo de grande importância nesse
150
sentido); mas, inclusive, a elaborar uma letra que combinava crítica social, curtição (ver
confronto seja com relação ao pensamento militante e de esquerda, que não assimilou a sua
problematização das mediações entre contestação e consumo; seja com relação à direita,
que não via com bons olhos a sua postura provocativa em relação aos padrões de compor-
tamento, além de sua atitude politicamente anárquica. O exemplo disso é o do famoso epi-
sódio do Tuca, em 68, no III Festival Internacional da Canção, quando, agredido, Caetano
como, contra a conjuntura política do país. A certa altura do seu discurso, assinalando a
falsa dicotomia entre o político e o estético, Caetano diz: “se vocês forem em política como
são em estética, estamos feitos”. Pouco tempo após esse episódio, é a vez de o programa
No final deste mesmo ano de 1968, o Brasil vai ser o palco de um maior endureci-
de cidadania de qualquer brasileiro - tudo isso regido pela Lei de Segurança Nacional. Daí
intelectuais e políticos aos meios de expressão, gerando uma grave situação de crise inte-
151
Em termos musicais, a saída de cena dos tropicalistas deixou, contudo, espaço
aberto para o rock nacional, através do seu principal representante: o grupo Mutantes. No
daquele período - na verdade, dito em melhor termo, os Mutantes, que já participavam com
os tropicalistas de toda aquela agitação, não podem ser considerados como apêndice ou
no Parque, o grupo logo vai ser confundido com o movimento subsequente da tropicália,
participando ativamente de todo o processo: tanto das gravações dos tropicalistas, quanto
gravando músicas deles. A rigor, ao passo que os Mutantes sofriam de uma grande influ-
Não é exagero afirmar que são os Mutantes o divisor de águas que abre caminho a
no Brasil até então, chegando mesmo a divisar esteticamente as manifestações do rock entre
o antes da tropicália e o depois. Além dos Mutantes, contudo, toda uma tendência musical
movimento de contracultura: o desbunde. Do grupo da tropicália, vão fazer parte deste des-
bunde o poeta Torquato Neto, um dos ideólogos daquele movimento, e Gal Costa, com
discos como “Gal Fa-Tal”. Ao lado de Torquato Neto, vão figurar poetas como Waly Sa-
coloquial, que inauguraria o que ficou conhecido como a poesia dos anos 70 (poesia de
Chacal, Bernardo Vilhena, Chico Alvim, Cacaso, Eduardo Carneiro entre outros.
152
De fato, o grau de fechamento político que o Brasil se encontrava na virada dos
anos 70, com uma forte presença da intervenção do Estado no processo de agenciamento
cultural: seja a nível estatal ou privado, inclusive com o recrudescimento da censura, levou
a que poetas, jornalistas, intelectuais e artistas em geral, optassem por formas alternativas
tro, música. Será, em parte, nesses circuitos, que surgirá uma leva significativa de grupos
história do rock dos anos 70 no Brasil - tão relevante isso que, convém lembrar, algumas
das figuras mais importantes do rock atual, compositores e letristas, tiveram seu início jus-
grupos de rock, a maioria dos quais, até, permaneciam no underground, sem qualquer apoio
pode-se observar a predominância de bandas que parecem seguir mais fielmente o cardápio
progressive rock e ao heavy metal, com bandas como Genesis, Yes, Pink Floyd, Led
Zeppelin, Rolling Stones e Emerson, Lake and Palmer, por exemplo - esse era o caso de
grupos como os Mutantes (em sua nova trajetória), O Terço, Vímana, O Som Nosso de
Cada Dia, Made in Brazil e muitos outros, alguns dos quais sequer chegariam a ter um re-
gistro de seu trabalho em vinil. Um aspecto desses grupos era a velocidade com que sur-
giam e logo desapareciam de cena. Poucas bandas, como o heavy Made in Brazil ou como o
Joelho de Porco, que desenvolvia uma linha debochada de crítica do cotidiano, emplacaram
os anos 80.
153
Outra característica importante a atestar a presença do rock no Brasil é a dos grupos
que procediam pela fusão do rock a diversos estilos de características mais locais e/ou
regionais; alguns, mesmo, mantendo uma grande proximidade com a MPB. É o caso do
rock rural de Sá, Rodrix e Guarabira, onde se fundia o rock com um tipo de ritmo mais
caipira; é o caso, também, dos Novos Baianos, que tinham um nível bem mais sofisticado
além dos teclados, embalavam a fusão do rock a ritmos como o samba, o frevo, o choro; é o
caso, ainda, da fusão de estilos musicais nordestinos com elementos do rock: no disco
censurado do Ave Sangria, liderado por Marco Polo, no disco “Vivo!” de Alceu Valença,
nos primeiros trabalhos de Ednardo e do Pessoal do Ceará. Numa linha de fusão do rock
com a MPB, que reunia ingredientes bem mais próximos do que fora a experiência tropica-
Walter Franco, Tom Zé (que teve importante presença no tropicalismo), Jards Macalé,
Jorge Mautner e Luiz Melodia - que, em todo caso, não tinham o apoio necessário da mídia.
Numa fulgurante mas fugaz trajetória, fundindo estilos da MPB e dos ritmos latinos
aos do rock, encontra-se o fenômeno comercial mais significativo da época neste campo da
expressão musical: os Secos & Molhados. Também para Rita Lee, ex-Mutantes que já vi-
nha percorrendo carreira solo, o lançamento do disco “Fruto Proibido” será o momento de
sua decolagem e consagração diante do grande público; consagração que tomará uma di-
mensão ainda maior com o disco “Rita Lee”, do final da década de 70 - maior êxito comer-
cial da cantora até então: trata-se de um disco que difere bastante dos seus trabalhos ante-
riores, pela sua ênfase num pop mais descartável, sob a influência dos embalos pasteuriza-
dos da música de estilo discotheque. Aliás, do ângulo de sua carreira solo, Rita já se havia
inscrito na história do rock no Brasil, com alguns dos mais importantes resultados musicais
154
da discografia nacional desse gênero: com destaque para o LP “Atrás do Porto Tem uma
Cidade”.
Um outro trabalho singular será desenvolvido por Raul Seixas: mais fiel ao rock
primitivo, pode-se observar em Raul a fusão do rock a baladas e a elementos da MPB, tudo
isso regado por uma grande dosagem de elementos psicodélicos e do esoterismo; notada-
mente, em sua parceria com Paulo Coelho - que já havia feito parceria com Rita Lee. De
longe, Raul parece ser o cantor de rock que mais enfrenta problemas com a censura nesse
período - além de esoterismo, suas letras se compõem de punjante crítica da realidade brasi-
leira e do comportamento social: a começar pelo seu primeiro grande sucesso com a música
Ouro de Tolo, por exemplo. Contudo, tais obstáculos não o impedem de obter sucesso
frente ao grande público: inclusive com relação ao público jovem dos anos 80. Aliás, tanto
Raul Seixas quanto Rita Lee têm mantido sucesso de público até hoje e, mesmo depois de
sua morte, o “Raul Rock Club” talvez permaneça sendo o maior fã clube de um cantor
brasileiro de rock.
Como já se fez referência, os MCM no Brasil lograram ter, nas últimas décadas, a
sua mais significativa e vertiginosa expansão, pondo o país entre os principais mercados de
consumo e produção de bens simbólicos. Deve-se isso, particularmente, aos grandes inves-
timentos promovidos pelo regime militar na área das telecomunicações, possibilitando uma
grande expansão da indústria eletrônica entre nós. Como acentua Miceli (1984),
155
O autor observa a tendência a que áreas que possibilitam grandes retornos de capital
passem ao controle das grandes empresas privadas formadoras da indústria cultural; ca-
bendo ao Estado dar maior prioridade (embora, não exclusivamente), às ações de conserva-
ção e proteção do “acervo histórico e artístico-nacional”, bem como, aos “gêneros e eventos
culturais” que não conseguem sobreviver pela exclusiva operação de mercado, dependendo
dos subsídios do governo (p.3). Apesar disso, o autor não deixa de considerar que a inicia-
tiva privada também tem apoiado consideravelmente, a partir dos anos 80, “as atividades
teatro, da dança, das artes plásticas etc.). No que se refere, contudo, à presença do capital
disco, com um domínio sobre 70% das vendas no “mercado interno do ramo” (idem).
segunda metade dos anos 70 é palco, de um lado, da hegemonia dos já consagrados nomes
da MPB emergidos dos festivais da canção desde os anos 60, assim como, das baladas ro-
mânticas de cantores como Fagner, Joana, Simone. De outro lado, assiste-se à grande difu-
são de um tipo de variação do funk, música negra americana, que ficou conhecida como
disco-music ou discotheque. Divulgada a partir dos EUA, este gênero fez sucesso em todo o
156
mundo, tendo sua principal difusão em massa no Brasil com a música Saturday Night Fever
Paralelo a isso, vê-se surgir toda uma movimentação de música negra no Brasil for-
temente influenciada pela grande difusão da soul music americana entre nós. No Rio de
Janeiro, este acontecimento assume quase que a forma de um movimento, dada a grande
adesão do público na ida aos bailes do que foi denominado de Black Rio. Aliás, esse movi-
mento foi essencial para a divulgação dos trabalhos de artistas como Tim Maia, Luiz Melo-
dia, Jorge Ben, Cassiano e outros. Uma característica musical do Black Rio era a fusão de
elementos da Soul music com ritmos do samba, do funk e, até, ritmos caribeños.
rizar como bailes funk: agora com características completamente distintas do que foi o
embora ainda incipiente, movimento punk no país (particularmente, em São Paulo). A pro-
leira da época, tendo já sido alvo de análises específicas, como é o caso do estudo feito por
Vaz (1988). Aqui, interessa apenas fazer menção ao conjunto de trabalhos realizados em
torno do selo independente “Lira Paulistana”, em especial com relação àqueles que incor-
gem dos media, como os quadrinhos e os programas radiofônicos de crônica policial ; refe-
157
rência à musica negra urbana e exploração crítica do discurso divergente e marginal como
representação e atribuição de voz ao indivíduo marcado por processos de exclusão; por fim,
de base mais erudita. Com efeito, não se trata esse fenômeno de um grupo homogêneo ou
bastante distintos entre si, sendo que as características acima especificadas, não visaram
discriminar sua maior ou menor presença nesse ou naquele trabalho; mas, tão somente,
nomes desse “grupo paulista” são: Arrigo Barnabé (e sua banda “Sabor de Veneno”), Ita-
mar Assumpção (com a banda “Isca de Polícia”) e os grupos Rumo, Premeditando o Bre-
que e Língua de Trapo. Já nos anos 80 a “lira” vincula seu selo a uma empresa fonográfica
de grande porte. Por outro lado, ainda, alguns desses artistas se vincularam a grandes gra-
Mas um outro elemento que vai marcar completamente o rock no Brasil dos anos
80, é a ressonância do movimento punk e das tendências subsequentes do new wave inter-
nacionais (esta última é uma expressão criada pelos empresários do disco com fins merca-
que reagiu com a sua radical no wave - conforme encarte Guia do Rock da Revista Bizz).
década de 70, pouco tempo após seu surgimento na Inglaterra. Contudo, no âmbito da
música, o ano de 1982 parece ser o marco inicial para a divulgação do trabalho das primei-
ras bandas surgidas desde 78 em São Paulo: o primeiro disco punk, reunindo as bandas
Olho Seco, Inocentes e Cólera, é lançado como produção independente pelo selo “Punk
158
Rock”. Trata-se do disco “Grito Suburbano”. Daí se seguiu a toda uma proliferação de
bandas de estilo punk, além de festivais cujo objetivo era uma maior divulgação dos traba-
Mercenárias e outros são os nomes das novas bandas - das quais um bom número figurará
no cenário do rock da década de 80. Sendo esse o caso, inclusive, de bandas que acederam
ao grande circuito da mídia como os grupos Ira e Ultraje à Rigor, por exemplo.
punks, pode-se falar que houve um significativo alheamento dos MCM num primeiro mo-
mente alternativos ou underground. Por outro lado, o ano de 1982 é de importância fun-
damental para a conquista de espaço na mídia. Ao que tudo indica, aqueles circuitos alter-
nativos dos independentes e dos punks tinham tanto permanecido no undergroud quanto
tinham conquistado uma importante adesão por parte de uma sensível parcela do público
jovem. Particularmente, no caso do punks, tratava-se, ainda, de vencer toda uma onda de
manifestações de intolerância por parte dos “guardiães” da moralidade pública, por parte do
establishment.
grande mídia. Um deles seria o MPB-Shell, do qual participaram alguns dos representantes
dos “novos” direcionamentos tomados pela música mais sintonizada com o que foi aqui
caracterizado por cultura juvenil: por exemplo, com a participação no festival de nomes
como Arrigo Barnabé, Eduardo Dusek e Gang 90 & Absurdetes. Outro seria o caso da
viria a ser caracterizado como rock dos anos 80 (como, por exemplo, o hit do Rádio Táxi
Dentro do Coração). Outro, ainda, seria o de espaços um pouco mais alternativos, como no
159
caso do Circo Voador e seu vinil “Rock Voador”, coletânea de 1982. É a partir de tais es-
paços que as “novas” manifestações do rock começam a ganhar status de grande circuito da
mídia, com os primeiros hits nas paradas e a corrida das gravadoras no sentido da desco-
O caminho aberto com Perdidos na Selva, pela Gang 90 & Absurdetes do DJ Júlio
Barroso, com seu estilo new wave, marcará predominantemente o momento inicial da
grande explosão do rock brasileiro na década de 80. Talvez seja no Rio de Janeiro onde isso
se torna mais visível; sobretudo, com o grande estouro de Você não soube me amar, o pri-
meiro hit da Blitz. A partir daí, será a vez de Kid Abelha e Abóboras Selvagens, Ritchie,
Lulu Santos, Sempre Livre, Barão Vermelho, Lobão e outros, como os Paralamas do Su-
cesso, originária de Brasília. Em São Paulo, a banda Magazine de Kid Vinil emplaca com
um hit que narra o cotidiano de um Office Boy na música Sou Boy, seguido do grande su-
cesso do Ultraje à Rigor, com a música Inútil. De um ponto de vista da crítica, as posições
meiro caso, atesta-se que, finalmente, algo de novo havia surgido no cenário musical após
não passa de mais uma “febre” comercial de pura redundância que nos remeteria a um perí-
mica do país, cuja ponta do iceberg remonta à recessão a nível mundial iniciada nos idos de
160
ser um programa baseado na contração de empréstimos no exterior, cuja meta era construir
a imagem de Brasil-potência, essa situação vai levar o país a enfrentar o problema de ter a
maior dívida tanto externa quanto interna em toda a sua história. Tanto mais quando o
e a forçarem o resgate da dívida e todos os seus dividendos (com pagamento de juros sobre
a dívida). Tudo isso gerou o que os economistas consideram como a “década perdida” em
Toda essa situação contribuiria para o isolamento político das forças que continua-
suas forças de expressão e luta em diversos setores de sua representação. Nestes termos é
que toda a década de 80 será palco do processo de redemocratização iniciado com a aber-
tura política e a promulgação da anistia na segunda metade dos anos 70 e com as eleições
diretas para governador já no início dos 80. A campanha pelas “Diretas-Já” para Presidente
país a uma transição para o regime civil, pela via indireta do Colégio Eleitoral. Transição
essa que desembocará numa nova Constituição e, em seguida, na primeira eleição direta
para Presidente depois dos anos de vigência do período militar: respectivamente em 1988 e
1989.
iniciados com o Cruzado, e da onda de corrupção política que veio à tona através da grande
forças de representação política de esquerda, que gozam de uma importante adesão de parte
da juventude; que muito contribuiu para o avanço dos movimentos de minorias, de meio-
161
ambiente, de democratização do país e do ensino, por exemplo - mesmo que o movimento
estudantil secundário e universitário atravessasse, como ainda hoje, graves problemas inter-
do rock no período pode ser analisada para além dos critérios de mercadologia; podendo ser
apreendido em termos das formas mediadas de representação dos discursos - que estão
longe de atender a um único itinerário estético-político (como foi dito), mas que, no interior
tação de um dado perfil crítico do cotidiano urbano brasileiro, expresso em termos de medi-
ações do que foi situado anteriormente na forma de uma cultura e discurso juvenis; ou seja,
em termos de certas formas e tendências assumidas pela juventude nas sociedade urbano-
industriais capitalistas, no sentido de uma crise condizente com problemas relativos à cons-
É nesse sentido, ainda, que procurar-se-á aqui trabalhar com a produção do rock
surgida a partir de meados dos anos 80, quando esse estilo musical sofre grande modifica-
ção tanto no plano do discurso, quanto no âmbito empresarial. Neste último caso, a realiza-
ção do “Rock in Rio” pode ser apontado como um exemplo demonstrativo de que o rock
brasileiro havia dado sinais de ampla vitalidade e aceitação por parte do público jovem, no-
tadamente com a figuração de algumas bandas nacionais ao lado dos mega-stars internacio-
nais; levando a uma multiplicação e descentralização das bandas para além do eixo Rio-São
Paulo. É o caso de Brasília, com bandas como Legião Urbana, Capital Inicial, Plebe Rude;
é o caso, também, do Rio Grande do Sul, com os Engenheiros do Hawaii, DeFalla e Repli-
162
cantes; e da Bahia, com o Camisa de Vênus - só para ficar com alguns exemplos. Mas é o
caso, ainda, do apoio empresarial a uma proliferação de bandas em São Paulo, Rio e demais
capitais. Algumas dessas bandas surgiram, mesmo, bem anteriormente à sua consagração
exemplo, alguns de seus membros compunham, já em 78, a extinta banda Aborto Elétrico;
ao passo que o grupo Ira! de São Paulo representa uma das mais antigas formações do
“novo” rock. Com efeito, esse é o quadro que vê surgir e se afirmar outros grupos como
Titãs, Metrô, Biquini Cavadão e muitos outros, como o RPM, de longe o maior sucesso de
contundência crítica das letras no tocante à crise de valores e de legitimação nas sociedades
uma das mais significativas formas de expressão e crítica da juventude à realidade nacional
Britto, Marcelo Fromer e Charles Gavin para o lp “Jesus não tem dentes no país dos ban-
guelas” do Titãs e Veraneio Vascaína de Flávio Lemos e Renato Russo, gravada no disco
“Capital Inicial” da banda homônima. Na primeira, o cotidiano se apresenta como uma rea-
lidade caótica e de ordem opressiva, em que o Estado se apresenta como o espaço de circu-
lação das elites governantes e em que os cidadãos não têm respeitada a sua cidadania.
163
Os presos fogem do presídio,
imagens na televisão.
Mais uma briga de torcidas,
acaba tudo em confusão.
A multidão enfurecida
queimou os carros da polícia.
Os preços fogem do controle,
mas que loucura esta nação!
Não é tentar o suicídio
querer andar na contramão?
Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?
Não sei se existe mais justiça,
nem quando é pelas próprias mãos.
População enlouquecida,
começa então o linchamento.
Não sei se tudo vai arder
como algum líquido inflamável,
o que mais pode acontecer
num país pobre e miserável?
E ainda pode se encontrar
quem acredite no futuro...
Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?
É seu dever manter a ordem,
é seu dever de cidadão,
mas o que é criar desordem,
quem é que diz o que é ou não?
São sempre os mesmos governantes,
os mesmos que lucraram antes.
Os sindicatos fazem greve
porque ninguém é consultado,
pois tudo tem que virar óleo
pra por na máquina do Estado.
Quem quer manter a ordem?
Quem quer criar desordem?
sica à existência de uma relação entre pobreza e criminalidade, particularmente entre aque-
164
Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio
toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho
com números do lado, e dentro dois ou três tarados
assassinos armados, uniformizados
veraneio vascaína vem dobrando a esquina
Porque pobre quando nasce com instinto assassino
sabe o que vai ser quando crescer desde menino
ladrão para roubar ou marginal para matar
“Papai, eu quero ser policial quando crescer”
Se eles vêm com fogo em cima é melhor sair da frente
tanto faz, ninguém se importa se você é inocente
com uma arma na mão eu boto fogo no país
e não vai ter problema, eu sei, estou do lado da lei.
Com efeito, o mais importante para o propósito desse trabalho é que: 1) esses as-
pectos apontam para o fato de que não se trata aqui de uma simples reprodução dos mode-
los importados, mas da manifestação específica das características de um perfil próprio da-
quele produto cultural no Brasil atual; 2) que a potencialidade crítica expressa no fenômeno
em pauta tem se manifestado apesar das formas de padronização por que passa esse mesmo
produto, visto que também se encontra alinhado ao amplo processo comercial de consumo
da lógica da cultura industrial. Com efeito, o que se quer é chamar a atenção para o fato de
que tal mediação crítica da realidade só pode ser elaborada nesse contexto, no âmbito das
próprias mediações que essa música rock estabelece com os processos técnicos, industriais
e comerciais de sua produção e circulação - não podendo, pois, ser completamente anulada
isso sim, uma mais atenta observação sobre as formas de representação do referente cotidi-
ano aí expresso; conforme tentar-se-á exemplificar no quadro a seguir das letras seleciona-
das.
165
4.2. As Letras do Discurso
Um dos objetivos centrais deste trabalho, é o de captar uma narrativa do urbano pela
música do rock, como já foi largamente esclarecido. Sendo o rock uma das produções cul-
turais que mais se apresenta como representação do universo simbólico e do modus vivendi
jovem e adolescente, mostra-se ele, também, como uma das manifestações artísticas em que
o fenômeno urbano se expressa como referente central. Por certo, um tal propósito não
representa qualquer novidade em relação ao espaço a que está circunscrito. De modos dis-
tintos em ênfases e abordagens, um sem número de estudos já se fez em termos das ima-
gens e representações do urbano no discurso poético e literário. Nesse sentido, o dado sin-
gular do que se deve buscar aqui é o de apreensão das imagens e representações críticas do
quanto discurso juvenil na sociedade brasileira das últimas décadas e de seu ingresso no
conta tanto os referentes mais específicos e localizados desse urbano, quanto aqueles de um
nele. Exemplo disto pode ser encontrado nos seguintes versos de Música Urbana 2 de Re-
166
motocicletas querendo atenção às três da manhã –
é só música urbana.
Os PM’s armados e as tropas de choque vomitam música urbana
e nas escolas as crianças aprendem a repetir a música urbana.
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana.
O vento forte seco e sujo em cantos de concreto
parece música urbana
e a matilha de crianças sujas no meio da rua –
música urbana.
E nos pontos de ônibus estão todos ali: música urbana.
Os uniformes
os cartazes
os cinemas
e os lares
nas favelas
coberturas
quase todos os lugares.
e mais uma criança nasceu.
não há mentiras nem verdades aqui
só há música urbana.
que há um discurso em parte desta manifestação musical que aponta para um veio emanci-
mente expressivos -, o presente estudo se dará por satisfeito na medida em que já apresente
representação como referente narrado por aquele tipo de música que, na forma como se
expressa e como se pode apreendê-la, demonstra ter uma relativa sintonia com o que se
denominou acima como universo adolescente e jovem. Sendo assim, será sob o signo das
imagens dialéticas de Benjamin, que se irá traçar um roteiro de modo a perseguir o cotidi-
Ademais, como ficou evidenciado no capítulo segundo, tem-se consciência dos ris-
cos de formalização de um possível “mundo” jovem e adolescente que não leve em conta
167
todo um conjunto de processos heterogêneos por que passam os indivíduos nas sociedades
complexas. Mas não se está querendo, portanto, ter como ponto de partida a especificidade
bora seja válido falar da existência de um período próprio dessa segmentação social em ter-
mos de caracteres psico-biológicos, por exemplo, considera-se ainda como de uma maior
validade e de mais extrema necessidade, aqui, abordar o problema dentro de certo contexto
ços mais freqüentemente encontrados na segmentação social da juventude, que digam res-
peito às mudanças por eles vividas de um ponto de vista especificamente etário, não pode
ordem estritamente psico-biológica, não dedicando suficiente atenção para com os aspectos
racterísticas de uma “crise” de adolescência implica em identificá-la como algo próprio das
Nesse sentido, cabe investigar como determinados elementos próprios das socieda-
nar de universo cultural da juventude, ainda que sejam elementos identificáveis em âmbito
modo um tanto arbitrário, tais elementos podem ser identificados como: nomadismo, des-
168
ção básica em uma cultura do simulacro e do pastiche; narcisismo, comportamento blasé e
exogamia cultural. Pode-se identificar a representação de alguns desses elementos em, por
Arnaldo Antunes para o Titãs. A propósito, observe-se respectivamente como Fawcett ex-
169
A situação narrada pela música toma a forma de uma sociedade no futuro, ainda que
a narrativa esteja no presente. Trata-se de um mundo regido pela imagem, em que a ficção
parece substituir a realidade num absoluto simulacro e em que o próprio invisível e trans-
cendental já se apresenta como banais: não restando, pois, qualquer “emoção espiritual”
para os habitantes do mundo da narrativa, a não ser a fascinação que os levam a viver
“mundos que só existem no desejo”. Mundos artificiais transmitidos por telões gigantescos,
patrocinada, que todos voltam os olhos para a manequim número um: Silvia Pfeifer. O lu-
gar descrito pela narrativa encontra-se dominado por gigantescas empresas transnacionais e
mensão de mundo.
Uma característica dessa canção é o fato de ela ser falada e não cantada, assumindo
a música uma aparência de fundo, com sua figuração basicamente eletrônica e de sonori-
dade espacial: como nas trilhas sonoras de filmes de ficção sobre a exploração do universo
cósmico. Inclusive, em sua crítica a um cotidiano dominado pela tecnologia, a letra confi-
gura a imagem de um mundo pós-moderno em que, tal como em Blade Runner, o caçador
de andróides (de Ridley Scott), gigantescos telões compõem o cenário citadino. Aliás, um
que envolvem o sexo e o crime, parece ser a tônica do trabalho “Império dos Sentidos” de
Fausto Fawcett e Robôs Efêmeros - numa linguagem em que predomina um realismo fan-
170
tástico onde um futuro imaginário se precipita como representação crítica do mundo cotidi-
ano. É o que pode ser observado, ainda, nos fragmentos seguintes de algumas das outras
Noite estrelada, uma loura condenada dirige sua Ferrari vermelha à beira de um
abismo/ canadense./ Noite estrelada, uma loura condenada dirige sua Ferrari
vermelha equipada com antena pa-/ rabólica. Ela gira o dial da TV MUNDIAL:
imagens americanas, imagens sul-americanas, ima-/ gens européias, imagens
africanas, imagens asiáticas, imagens oceânicas, imagens antárticas./ Ela
abandona as imagens mundiais e vira o rostinho pra esquerda observando o
Oceano/ Pacífico, um território marítimo reservado para inofensivos testes
bélicos da OTAN. Futuros/ foguetes intercontinentais explodem pacificamente
no horizonte pacífico./ Cabeleira loura entremeada por tranças de poliuretano
vermelho, boca carnuda ideal pra/ batom forte, escorpião tatuado na base da
espinha, coxas de quem faz jazz imensos olhos/ azuis. (...)/ Viviane Vancouver é a
mais famosa fotógrafa hiperrealista do mundo. Usou toda rara sensibilidade
sádica pra transformar atentados terroristas, crimes passionais, desastres
ecológi-/ cos, catástrofes industriais, conflitos de rua, acidentes cirúrgicos nas
mais terríveis naturezas-/ mortas que nenhum pintor jamais ousou transar. Essa
loura de sensualidade over sente, é ator-/ mentada por uma nostalgia da matéria
bruta da qual o homem e a mulher são os acidentes/ mais famosos. As revistas
mundiais pagam milhares de dólares para ter as fotos de Viviane/ Vancouver
publicadas em alto relêvo. Mas o FBI descobriu que Viviane estava se
excedendo/ na sua fissura por naturezas-mortas. Estava pagando pessoas pra
mutilar, matar, se matar,/ explodir lugares. (...)
(Facada leite-moça, Fausto Fawcett e Carlos Laufer.)
Debaixo do bairro japonês/ nos porões da Liberdade/ entre pântanos de esmalte
e lixeiras de sucata cosméticas (...)/ um piloto de rallies subterrâneos vai
trepando (...)/ com uma narcótica andróide nissei (...)/ com a bateria no fim (...)
(Andróide nissei, Fawcett e Laufer.)
Um mecânico negão eletricista sai na noite de São Paulo provocando
Poltergeists/ com micro-Atari,/ micro-computer/ micro-tv fora do ar (...)
(Santa Clara Poltergeist, Fawcett e Laufer.)
em que “um estrato social desterritorializado” emerge “ao lado das realidades nacionais e
171
de classe” (p.291). Também com Guattari (1992), como já se viu antes, pode-se perceber
coletiva no CMI (vide epígrafe acima). Em ambos os autores, esse processo de desterrito-
rialização põe em questão a noção de centro, dando margem a se pensar numa formação
social e econômica atuais de base muito mais policentrada. Aliás, é em sua crítica às formas
de produção de subjetividade atuais que Guattari vai estabelecer a correlação entre o pro-
subjetividade atuais, em que “tudo circula (...) e, ao mesmo tempo, tudo parece petrificar-
se, permanecer no lugar” (p.169). Para Ortiz, ainda, “uma cultura mundo” exige uma rede-
finição de tempo e espaço como “categorias indissociáveis” que são, onde sua tendência à
desterritorialização requer a unidade mundial como “território que transcende as partes que
o constituem” (idem). Construída sob uma forma que lembra um informe noticiário, a letra
Disneylândia pode muito bem ilustrar o texto de Ortiz que, diga-se de passagem, utiliza
172
Filho de imigrantes russos casado na Argentina/ com uma pintora judia, casou-
se pela segunda/ vez com uma princesa africana no México./ Música hindu
contrabandeada por ciganos/ poloneses faz sucesso no interior da Bolívia./
Zebras africanas e cangurus australianos no/ zoológico de Londres./ Múmias
egípcias e artefatos íncas no museu de/ Nova York./ Lanternas japonesas e
chicletes americanos nos/ bazares coreanos de São Paulo./ Imagens de um vulcão
nas Filipinas passam na/ rede de televisão em Moçambique/ Armênios
naturalizados no Chile procuram/ familiares na Etiópia./ Casas pré-fabricadas
canadenses feitas com/ madeira colombiana./ Multinacionais japonesas instalam
empresas/ em Hong-Kong e produzem com matéria prima/ brasileira para
competir no mercado americano./ Literatura grega adaptada para crianças/
chinesas da comunidade européia./ Relógios suíços falsificados no Paraguay/
vendidos por camelôs no bairro mexicano de Los Angeles./ Turista francesa
fotografada semi-nua com o/ namorado árabe na Baixada Fluminense./ Filmes
italianos dublados em inglês com/ legendas em espanhol nos cinemas da
Turquia./ Pilhas americanas alimentam eletrodomésticos/ ingleses na Nova
Guiné./ Gasolina árabe alimenta automóveis americanos/ na África do Sul./
Pizza italiana alimenta italianos na Itália./ Crianças iraquianas fugidas da
guerra não/ obtém visto no consulado americano do Egito/ para entrarem na
Disneylândia.
Como já se deixou claro noutro lugar, acredita-se que se possa estabelecer alguma
relação dialógica entre elementos da vida cotidiana narrados por certo discurso da letra do
rock (elementos esses aqui arbitrados como característicos das sociedades atuais, mais con-
cretamente, de sua malha urbana), e o que certo número de pesquisas sobre adolescência e
vida cotidiana destes adolescentes e jovens - em outras palavras, o que se quer afirmar é a
Na medida em que se possa identificar este diálogo, bem como, caracterizar a sua
173
presente trabalho se dá como tendo atingido sua meta: visto que, assim, se mostra como
indicador de uma representação dialógica entre elementos enunciados pela letra de uma
canção de consumo (o rock) e o que se apresenta como uma espécie de cartografia dese-
jante do universo adolescente e jovem, e o próprio imaginário adolescente e jovem tal como
anteriormente apreendido.
cratização da cultura e da participação social, pode-se considerar que esta óptica serve para
ilustrar o fato deste estudo ter, na grande explosão do rock no Brasil dos anos 80, notada-
mente, em sua versão mais nitidamente marcada de um discurso orientado para uma diver-
seu centro de interesse. Por seu turno, necessário se faz esclarecer que, quando se fala em
termos das mediações que opera no âmbito do imaginário e da linguagem juvenis, tem-se
atenção especial para a forma como se manifesta neste discurso o que se caracterizou como
feita, dos nomes do rock nacional aqui tomados como referência para estudo, poder-se-ia
partir para uma classificação do que seriam versões sobre o amor, sobre o comportamento
social padrão, sobre política etc. Em lugar disso, contudo, partiu-se para a identificação, nas
174
elementos críticos de representação social. Pelo que se pode ver, a complexidade do
fenômeno do rock no Brasil da década de 80, que não deve ser reduzida a pura merca-
dologia, pode, também, ser traduzido a partir da questão de este gênero musical manter
certa relação e não alheamento entre os aspectos enunciados em seu discurso e os processos
momento, com suas lutas pela redemocratização do país e por mudanças mais efetivas nos
cenários social e político: inclusive com relação a fatores identificados a processos éticos.
Aliás, o procedimento da escolha das letras de música esteve orientado, principalmente, por
este último fator - ainda que se tenha identificado, ao lado de potencialidades utópicas
estar associada às frustrações vividas por aquelas mesmas motivações de luta (como já se
Um dos primeiros hits do rock neste período é uma crítica debochada da falta de
cidadania do povo brasileiro que não podia se fazer representar, e em cujo discurso parece
se afirmar o que se pretende negar: que somos um povo inútil, que necessita das tutelas
quais não conseguimos solucionar. Claro que, como todo texto poético, trata-se de um dis-
curso ambíguo, ainda mais por sua característica irônica. Inclusive, com os problemas, esté-
se da versão de um dos principais grupos de rock do período, o Ultraje à Rigor, para quem
175
e vivem pensando que nós é indigente
inútil, a gente somos inútil.
A gente faz carro e não sabe guiar
a gente faz trilho e não tem trem pra botar
a gente faz filho e não consegue criar
a gente pede grana e não consegue pagar
inútil, a gente somos inútil.
A gente faz música e não consegue gravar
a gente escreve livro e não consegue publicar
a gente escreve peça e não consegue encenar
a gente joga bola e não consegue ganhar
inútil, a gente somos inútil.
sociedade mais ética e democrática, encontra-se a música Que País é Este, escrita por
Russo desde o ano de 1978, quando fazia parte da extinta banda Aborto Elétrico, de Brasí-
lia. A música só foi gravada em 87, no terceiro disco do Legião Urbana, uma coletânea do
que não havia sido gravado nos trabalhos anteriores da banda. Trata-se de um discurso
indignado, cujo título é uma referência à famosa frase de Francelino Pereira, então repre-
sentante governista da ditadura militar, e que foi bastante ironizada pelos jornais alternati-
vos de esquerda e anárquicos na época - por ser um governista o formulador de uma tal
frase sobre o caos, em última instância, engendrado pelas políticas de Brasil-potência leva-
176
Terceiro Mundo se for
piada no exterior
mas o Brasil vai ficar rico
vamos faturar um milhão
quando vendermos todas as almas
dos nossos índios em um leilão.
Que país é este.
A certa altura do release sobre esta música, que consta no encarte do disco, se diz
que ela
“nunca foi gravada antes porque havia a esperança de que algo iria realmente mudar
no país, tornando-se a música então totalmente obsoleta. Isto não aconteceu e ainda é
possível se fazer a pergunta do título, sem erros. Jimmy Page dizia que o bom do rock
é que não se aprende na escola. Outros atacam: ‘para ser roqueiro basta pendurar uma
guitarra no pescoço e sair por aí, fazendo a música mais primária do mundo’. Oras,
mas é este mesmo o espírito da coisa! O ataque continua: ‘o rock é isso mesmo, um
bate-estaca, a coisa mais elementar que existe, mais primitiva, menos inventiva que
pode acontecer. O rock não é novidade, é uma imposição, é uma ditadura. É um
sistema estético com a intenção de embotar a cabeça do jovem. Sim, pois se você fica
com aquele bate-estaca o dia inteiro na cabeça, você se esquece da realidade que o
cerca, das coisas realmente importantes’. Dois apartes aqui. Realmente o rock não
pode ser novidade já que é uma forma musical que nasceu em 1955, tem mais de
trinta anos portanto. Bate-estaca ou não, juvenil ou não, preste atenção à letra de ‘Que
País é Este’. Não nos parece coisa de quem se esquece da realidade que o cerca.
Comparar o rock com ditadura? Que país é este? Quem é Jimmy Page?”
Também duas outras canções podem ser apresentadas como algo situado nesta di-
mensão da crítica ética à insolvência política e moral do país. Interessante notar que este
tipo de discurso vai ter sua principal ascendência a partir do recrudescimento da crise polí-
parte, são discursos pessimistas e sem perspectiva aparente, que findam por assumir a
forma de um discurso dos excluídos: só que de uma perspectiva ambígua, em que ora se
está identificado com o “bandido” ou “desviante”, para o qual não parece haver saída; ora
177
mudança assumiram a forma de um desencantamento do mundo, após situações como a
underground. Veja-se o caso, embora distinto em sua forma de tratar a situação, das can-
ções Brasil (de Cazuza, Israel e Romero) e Plic-Plic (de Brandão e Paes):
Não me convidaram
pra essa festa pobre
que os homens armaram
pra me convencer
a pagar sem ver
toda essa droga
que já vem malhada
antes d’eu nascer
não me ofereceram
nem um cigarro
fiquei na porta
estacionando os carros
não me elegeram
chefe de nada
o meu cartão de crédito
é uma navalha
Brasil
mostra a tua cara
quero ver quem paga
pra gente ficar assim
Brasil
qual é o teu negócio
o nome do teu sócio
confia em mim.
Não me sortearam a garota do Fantástico
não me subornaram
será que é o meu fim
ver TV a cores
na taba de um índio
programada pra só dizer sim
grande pátria desimportante
178
em nenhum instante
eu vou te trair.
A música Brasil vai revelar a existência clara de dois mundos: aquele integrado aos
qual, ao mesmo tempo em que denuncia um tal processo de segregação social, assume
formas e valores do banditismo como recurso crítico para ironizar tanto a “vida bandida”
Respectivamente, nas passagens em que se diz: “o meu cartão de crédito/ é uma navalha” e
“não me subornaram/ será que é meu fim”. Neste último caso, fazendo-se referência a uma
patrimonialista. Outro aspecto da ironia passada pelo autor, é o que se refere ao patriotismo,
onde a voz do excluído exige do país que se apresente de modo mais transparente
politicamente, de forma mais democrática; quando finaliza com os versos que diz: “grande
personagem do excluído transita. Diferente do que ocorre em Brasil, em que a voz do ex-
exclusão vivida pela personagem. Personagem contraditória que em si muito revela o qua-
dro de crise social vivida pela sociedade como um todo. Diz a canção:
179
Teu suor tá num baralho: isca de polícia!
Já tentou ser operário, mas foi logo demitido
(acidentes de trabalho são assuntos proibidos)
se virar um comunista, não te aceitam no partido; quem não gosta do trabalho
se pirar, vira bandido - se aplique!!!
A comida custa cara... desemprego é normal;
na escola não tem vaga; não tem hospital!
Você culpa todo mundo, mas não sabe fazer nada.
A preguiça te perturba como uma piada.
Teu salário é uma merreca, o teu trampo é prá leão;
tua vida muito brega tá cheia de confusão
todo dia pensa em greve, toda noite toma um porre,
teu país tá numa “bad” e qualquer dia você morre! Se aplique!!!
Você grita por diretas; depois vota num careta:
a política te agrada como uma punheta.
Você age como bicho; vive numas de que é fera;
mal nutrido e deprimido nem a droga te acelera.
E com toda malandragem, o teu cheque não tem fundo.
Prá você não há jeton, nem chalé no Lago Sul.
Se tivesse educação tua vida tava a mil;
tua fome tinha nome; tua guerra era civil - se aplique!!!
serve muito mais para situá-la como personagem múltipla de uma realidade polifônica. É
nesse sentido que a personagem é apresentada ora como biscateiro ou contraventor, ora
“você grita por diretas; depois vota num careta” -, apático - “a política te agrada como uma
punheta” -, mas, também, militante incompreendido - “sindicatos não entendem teu traba-
lho realista” ou “se virar um comunista, não te aceitam no partido”. O cotidiano vivido na
música é essencialmente caótico: com desemprego, alta dos preços dos produtos básicos,
ausência de assistência escolar e hospitalar, baixos salários, etc. Restando, assim, como
ponto de fuga, o porre, a droga: a personagem pensa em greve, mas, se aplica. Também a
existência de outro mundo, o dos privilégios, é mostrado pela música, quando se refere ao
sistema de moradia e do recebimento de jetons a que tem direito a elite política de Brasília -
180
e, dos quais, a personagem encontra-se excluída. Mas tudo isso se encontra associado à au-
sência de cidadania vivida pela personagem; onde, do contrário, sua realidade seria outra. É
o que a música leva a intuir quando afirma: “Se tivesse educação tua vida tava a mil; tua
fome tinha nome; tua guerra era civil”. Mas, sem isso, “se aplique!!!”
Com efeito, crê-se não se está exagerando o aspecto relacionado a fatores que tra-
duzem elementos críticos com implicações de questões ligadas ao mundo de uma ética so-
cial; visto que se está ciente de que isto não pode ser afirmado enfaticamente de um forma
ção, que tendem a multiplicar em mil a reprodução do modelo que “deu certo” - aliás, digno
de nota é a ironia dos versos de Léo Jaime em sua versão a Rock’n’roll (rock and roll mu-
Em todo caso, já se afirmou que o objetivo deste ensaio é ir além da afirmação tau-
diga-se de passagem, uma vez mais, a abertura política e a expansão de uma cultura do con-
sumo no Brasil são, por sua vez, amplamente favoráveis à recente explosão do rock no país.
Outrossim, claro está que em nenhum momento se pretendeu afirmar a existência, no rock,
de um discurso contínuo, coerente e que não apresente contradições no que se refere aos
em que se afirma um universo utópico desejante, cai-se numa completa desesperança e de-
181
sencantamento do mundo, para dele fugir com acentuada ênfase no presente como espe-
rança possível a um existir: a partir disso, o cotidiano das ruas se apresenta como parâmetro
único da própria existência do mundo presente, em que projeções de um mundo futuro co-
põem como elementos nitidamente norteadores do discurso das letras do rock; sendo, por
excelência, uma forte componente do mundo das representações do imaginário juvenil hoje.
Dois dos exemplos mais lapidares das mediações desse processo no discurso do rock, em
sua forma gregária, ora como exercício da solidão, encontra-se nas músicas Nós de Frejat e
Veja-se como isso se dá nas respectivas músicas; em certo sentido, tradutoras de uma
182
vou te mandar um recado
baby, um reggae bem gingado
alucinado de amor
amassado num guardanapo
prá rirmos dos loucos, sábios e mendigos
e dos palhaços noturnos
o sal da terra ainda arde e pulsa
aqui neste instante
e olhamos a lua, e babamos nos muros
cheios de desejo.
nal deste período. Da mesma forma em que se afirma a juventude e toda uma existência a
ser vivida, tem-se consciência de sua transitoriedade e finitude. A título de exemplo, pode-
e Renato Russo: como é o caso de Ritual, música de Frejat e Cazuza (“prá que sonhar/ a
vida é bela e cruel despida/ tão desprevenida e exata/ que um dia acaba”); como também,
de Tempo Perdido de Renato Russo (“todos os dias quando acordo, não tenho mais o tempo
que passou/ mas tenho muito tempo: temos todo tempo do mundo (...)/ somos tão jovens”).
Ao que parece, ainda, a noção de tempo é o que provoca a derrocada utópica, ameaçando o
desejo, que se reafirma num realismo cotidiano sem ilusões e de consciência fragmentada.
183
sai da minha frente que agora eu quero ver
não me importam os seus atos
eu não sou mais um desesperado
se eu ando por ruas quase escuras
as ruas passam.
Ademais, a forma do discurso pode, por vezes, assumir uma característica de com-
tipo específico de fenômeno que finda por afirmar uma insatisfação não claramente identifi-
cada (talvez seja com o mundo consumista da família), a qual corresponderia uma violência
em despropósito: em que os símbolos do status quo vividos são detonados por uma fúria
caso, a negação do establishment se faz com o uso das próprias armas e lógica de violência
cariam esse tipo de coisas na música Psicopata do mesmo disco do Capital Inicial, como se
pode ler:
Papai morreu
mamãe também
estou sozinho
não tenho ninguém
essa vida me maltrata
estou virando um psicopata
quebrei as janelas
da minha casa
eu rasguei a roupa
da empregada
esta vida me maltrata
estou virando um psicopata
quero soltar bombas no Congresso
eu fumo Hollywood para o meu sucesso
184
sempre assisto à Rede Globo
com uma arma na mão
se aparece Francisco Cuoco
adeus televisão.
mudança social ou, mesmo, individual; quanto a demonstração de uma apatia, decepção,
este último aspecto, uma canção do rock traduz-se no exemplo mais claro disso. É o caso de
Meu partido
é um coração partido
e as ilusões estão todas perdidas
os meus sonhos
foram todos vendidos
tão barato que eu nem acredito
que aquele garoto que ia mudar o mundo
freqüenta agora as festas do “Grand Monde”
meus heróis morreram de overdose
meus inimigos estão no poder
ideologia
eu quero uma pra viver
o meu prazer
agora é risco de vida
meu sex and drugs não tem nenhum rock’n roll
eu vou pagar a conta do analista
pra nunca mais ter que saber quem eu sou
pois aquele garoto que ia mudar o mundo
agora assiste a tudo em cima do muro.
ção utópica no mundo contemporâneo à situação da música, em que não há mais ilusões e
185
Numa época assim desencantada, o conformismo e o pessimismo parece se generalizar,
trumental que possa atribuir, em todo caso, um significado para a vida. Agora, o mundo
enunciado encontra-se povoado de signos cujos significantes não mais possuem significa-
dos; e aqueles que tentaram algo, amargaram o peso de suas investidas, pagando muito caro
por isso: com os heróis mortos por overdose, resta apenas a constatação do controle do po-
der pelos inimigos. Num estado total de desânimo com relação a idéia de “mudar o
mundo”, fica-se acomodado ao puro hedonismo e frivolidade das festas e/ou à neutralidade
Apatia, tédio, monotonia de vida, também fazem parte do cotidiano narrado pela
música Tédio, composta por Bruno, Sheik, Miguel e Álvaro para o Biquini Cavadão, no LP
“Cidades em Torrente”:
186
tédio, esse é o meu drama
o que corrói é o tédio
um dia eu fico sério
me atiro desse prédio.
dança, expresso, em sua multiformidade, como instância negadora dos valores do esta-
uma cultura do consumo: a partir dos projetos de modernização que tiveram, no período
militar, sua versão mais intensificada e autoritária. É, neste momento, que se pretende to-
mar com maior ênfase a referência a uma constelação de valores e representações com a
qual as letras estabelecem mediação e referência. A rigor, uma tal constelação pode ser
terísticas de maior apatia e ceticismo, onde parece não mais se manifestar um universo de-
tes. Mesmo, aqui, ainda que por subtração, na medida em que não se deposita uma maior
crença no futuro, uma tal constelação pode ser observada em seu aspecto de negação do
dirigido o último reduto de um projeto pessoal de vida; cuja saída será a de uma “ideologia”
princípios que delineiam sentimentos e idéias identificados com anseios e aspirações à mu-
187
centramento ou contratendente, cujas representações são capazes de elaborar imagens,
zonte revelador da multiplicidade e coexistência dos “sistemas de signos” dos diversos mo-
dos de produção sobrepostos (arcaicos e novos; econômicos, sexuais, políticos, sociais, en-
tre outros). O pressuposto básico disso é que tais imagens dialéticas podem demandar
ano de carnavalização, parecem ser capazes de operar tanto “inversão social” e “subversão”
próprias” (como se viu no capítulo anterior). Nestes termos, dos sistemas de signos
brasileiro em algumas das produções musicais do rock nos anos 80, como possibilidade de
(Prokop) naquilo que concerne ao âmbito da própria cultura comercial: elo mediador de
reificação ou crítica dos valores do status quo dominante; ou, mesmo, em formas de dis-
ilustrar o aspecto dessa coexistência de imagens e vozes do discurso, nas letras de Fanzine,
Símio, de Marcelo Fromer, Nando Reis e Arnaldo Antunes, para o lp “Õ Blésq Blom” do
Titãs. Em Fanzine, cujo título (neologismo de fan e magazine) faz referência a publicações
de tipo artesanal que circulam entre fãs, assume-se uma forte conotação anárquica do de-
sejo, desde a construção fragmentária dos seus versos até o próprio nonsense que eles
apresentam em muitos dos enunciados. Após referência à música Televisão do Titãs (que
188
diz, em seu primeiro verso: “A televisão me deixou burro, muito burro demais”) e ao fa-
moso livro de Baudelaire, este rock apresenta o fanzine como o espaço de uma nova lin-
Em Racio Símio, jogo de palavras que tanto faz referência ao uso da razão quanto à
forma craniana do macaco, tem-se uma letra de base experimental construída rigorosamente
quais são ditos populares ou, mesmo, trechos de canção popular e slogans publicitários:
com efeito, o que se obtém dessa música é igualmente um discurso marcado de uma
pluralidade de vozes, capazes de alterar completamente o senso em que muito dessas frases
189
O anão tem um carro com rodas gigantes
Dois elefantes incomodam muito mais
Só os mortos não reclamam
Os brutos também mamam
Mamãe eu quero mamar
Eu não tenho onde morar
Moro aonde não mora ninguém
Quem tem grana que dê a quem não tem
Raciosímio
Quem esporra sempre alcança
Com Maná adubando dá
Ninguém joga dominó sozinho
É dos carecas que elas gostam mais
A soma dos catetos é o quadrado da hipotenusa
Nem tudo que se tem se usa
Raciosímio
Os cavalheiros sabem jogar damas
Os prisioneiros podem jogar xadrez
Só os chatos não disfarçam
Os sonhos despedaçam
A razão é sempre do freguês
Eu não tenho onde morar
Moro aonde não mora ninguém
Quem come prego sabe o cu que tem
raciosímio.
Nesse sentido, não é demais reforçar a questão fundamental para este trabalho, no
que se refere à circunscrição do seu estudo a apenas o rock explosivo dos anos 80: o fato de
que, quando se afirma a existência de um “diálogo” crítico em parte da produção desse rock
sumo, onde abertura política e democratização da sociedade não implicam apenas no anseio
190
à volta ao Estado de Direito, mas, inclusive, a uma completa abertura à participação no con-
sumo.
que procure identificar como as formas de protesto e de luta aqui mediatizadas parecem se
ligar, mesmo, a uma dialética que aponta para o fato de que, assim como a luta política pela
urbana massiva necessitou de um nível determinado de participação política por parte dos
civil.
Isto posto, pode-se melhor compreender porque: se, por um lado, a abertura política
como já se fez alusão; por outro, as frustrações no âmbito da esfera política e com o recru-
descimento da crise econômica, que gerou um quadro recessivo obstaculizador das condi-
ções de consumo real, possibilitou uma maior abertura, nos MCM, a uma crítica direta, agu-
çada, desabusada e quase sem metáforas na linguagem desse rock no Brasil, inclusive,
numa perspectiva de negação do sistema social tal como ficou configurado anteriormente
fazer parte de uma cultura juvenil, na forma de uma ruptura com o establishment social -
notadamente, isso fica evidenciado a partir de meados da década de 80, com a ampliação do
quadro de insatisfações surgidas como sintoma agudo da crise social naquele momento;
período em que, ao contrário de outros segmentos culturais, o rock vive seu primeiro
191
grande boom comercial, com um nítido domínio do mercado e com uma vasta proliferação
de bandas.
Neste período, pode-se identificar uma ampla incidência no discurso das letras para
a crítica, entre outras, da falência e autoritarismo das instituições do Estado e demais insti-
tuições sociais (família, escola, igreja). No bojo dessa crítica, surge, também, uma crítica
dos valores e do comportamento social difuso em relação ao amor, ao sexo, às drogas etc.;
da violência urbana; da ordem social em geral. No que diz respeito a este último aspecto,
Tal como foi dito, o teor da crítica no rock assume tanto a forma de um puro ceti-
Entre esses pontos assim polarizados, há uma gradação significativa de situações que não
192
telação de valores e representações negadores do status quo dominante, são, neste contexto,
quando se apresenta por aquela disposição ou anseio à mudança da ordem social estabele-
cida (bem como, pela afirmação de uma postura ou valores assumidos, alternativamente, às
formas opressivas e autoritárias das práticas e valores sociais dominantes). Fica claro, as-
sim, que esses elementos estão sendo observados no interior de um discurso fragmentário,
cujo elo de mediação se configura no âmbito de uma ambígua cultura juvenil e de um coti-
tiplicidade de formas de representação crítica no discurso das letras. Para este momento,
bastaria lembrar algumas dessas formas, no que se refere à desobediência civil, ao anar-
tivamente, os das músicas Lugar Nenhum (de Antunes, Gavin, Fromer, Britto e Bellotto),
gravado pelo Titãs no LP “Jesus não tem dentes no país dos banguelas” e Geração Coca-
193
Uma das características desse discurso pode ser identificada em seu propósito em se
total da “mãe-pátria”. Aliás, essa recusa parece ter, em seus versos finais, uma certa preten-
passagem que diz: “nenhuma pátria me pariu” - revelando-se, nitidamente, como uma
paráfrase a uma forma de xingamento popular. Em Geração Coca-Cola pode-se ver uma
forma de desobediência civil, quando se afirma a completa alteração das regras do jogo, em
A expressão “geração coca-cola” faz alusão a uma situação social vivida no Brasil
nas últimas décadas, cuja característica maior diz respeito ao desenvolvimento de um mo-
194
quanto de um modelo cívico, de longe, apartado das questões envolvidas em qualquer pro-
que vai se dá toda uma configuração da expansão do consumo como projeto político da
ditadura militar pós-64: período em que crescem os “filhos da Revolução”, tão imbuídos de
constituem, mesmo, uma geração de indivíduos, símbolo desse processo, a “geração coca-
vai afirmar que, ao contrário do que poderia ocorrer num real processo democrático, em
que todo cidadão se reconhece como portador de prerrogativas sociais fundamentais, esse
modelo econômico de expansão do consumo tendeu a subordinar o modelo cívico aos seus
dina ao modelo cívico. Devemos partir do cidadão para a economia e não da economia para
o cidadão” (p.5).
Não bastasse isso, o autor vai demonstrar que, mesmo atualmente, a crise econô-
meiro momento, chega-se aos termos atuais de uma “cidadania atrofiada”, em que os indi-
víduos não se apresentam como cidadãos, mas como consumidores usuários: sendo que,
195
como tais, exercitam uma cidadania amplamente estratificada e desigual, entendida aqui
mais pelo fator “riqueza” que pelo princípio dos “direitos essenciais” de “homens livres”
(Haguette apud Santos, op.cit., p.12). E diz, mais uma vez, o autor em relação ao processo
brasileiro:
Em consumo, música da banda Plebe Rude para o lp “Nunca fomos tão brasileiros”,
pode-se constatar esse hiato entre cidadão e consumidor, quando diz a letra:
196
Fazendo eco ao debate levado a efeito por teóricos como Lefebvre, Baudrillard,
Heller, Mészaros, a propósito de uma sociedade dirigida ao consumo, o autor vai contrapor
indivíduo que não exerce a sua cidadania se apresenta como “o consumidor mais-que-per-
feito”, pela razão oposta à do primeiro caso. É o que diz o autor em uma passagem de suma
importância:
“O consumo, sem dúvida, tem sua própria força ideológica e material. Às vezes, po-
rém, contra ele, pode-se erguer a força do consumidor. Mas, ainda aqui, é necessário
que ele seja um verdadeiro cidadão para que o exercício de sua individualidade possa
ter eficácia. Onde o indivíduo é também cidadão, pode desafiar os mandamentos do
mercado, tornando-se um consumidor imperfeito, porque insubmisso a certas regras
impostas de fora dele mesmo. Onde não há o cidadão, há o consumidor mais-que-
perfeito. É o nosso caso” (p.41).
Em Esse mundo que eu vivo, de Lobão e Vilhena (LP “Vida Bandida”) e Comida de
Antunes, Fromer e Britto (LP “Jesus não tem dentes no país dos banguelas”), pode-se
dade de mercado que tudo expõe à venda; quanto à reivindicação coletiva, expressa na fi-
gura “a gente”, do respeito a uma mais ampla satisfação das necessidades, que não se res-
tringe à comida, à bebida, ao dinheiro: posto que também se tem necessidade da arte, da
197
vendem crimes
vendem inveja
vendem tudo
até ilusões
estão brincando
eu não acredito
penso em tudo
até em revoluções
nos verões pela cidade
eu assisto as evoluções
nas escolas desta vida
nas quadras nas concentrações
eu sei que tudo é possível
é nesse mundo que eu vivo
no outono pelas cidades
eu assisto as demolições
destróem casas
implodem edifícios
não é difícil
pra quem não tem emoções
vendem crises
vendem misérias
vendem tudo em mil prestações
estão brincando,
eu não acredito
penso em tudo até em revoluções.
E, no segundo caso:
Bebida é água
comida é pasto. você tem sede de que?
você tem fome de que?
A gente não quer só comida,
a gente quer comida, diversão e arte.
A gente não quer só comida,
a gente quer saída para qualquer parte.
A gente não quer só comida,
a gente quer bebida, diversão, balé.
A gente não quer só comida,
a gente quer a vida como a vida quer.
A gente não quer só comer,
a gente quer comer e quer fazer amor.
A gente não quer só comer,
a gente quer prazer pra aliviar a dor.
A gente não quer só dinheiro,
198
a gente quer dinheiro e felicidade.
A gente não quer só dinheiro,
a gente quer inteiro e não pela metade.
rock brasileiro deve considerar que ele visa exprimir o sentido de um elo mediador entre os
(como já se propôs a partir de Ortiz e Guattari); inclusive, nestes termos, no tocante à crise
bom que se enfatize a forma contraditória, fragmentária, multiforme com que se pode
no início deste capítulo, mantém muito das características do que se ponderou aqui como
tencialismo etc. O retrato melancólico disso pode ser visto em Revanche de Lobão e Vi-
199
A favela é a nova senzala
correntes da velha tribo
e a sala é a nova cela
prisioneiros nas grades do vídeo
e se o sol ainda nasce quadrado
e a gente ainda paga por isso
eu não quero mais nenhuma chance
eu não quero mais revanche
Um café, um cigarro, um trago
tudo isso não é vício
são companheiros da solidão
mas isso foi só no início
hoje em dia somos todos escravos
quem é que vai pagar por isso?
em seus rituais de busca do mito de uma sociedade renovada pela técnica, que se espelha
nas grandes cidades, espaço de excelência do consumo: em que nos tornamos “prisioneiros
nas grades do vídeo” que “transforma” salas de estar em uma nova cela. E apesar de tudo,
a favela a nova expressão da senzala. E frente a este quadro geral, só nos restaria a solidão,
da qual “somos todos escravos” hoje. Mas, frente à dimensão dessa grande engrenagem, em
que “bodes expiatórios” pagam o preço da manutenção do establishment, e num tom de-
sencantado e, em parte, relativamente resignado, diz o refrão da música: “Eu não quero
sauro”: são, respectivamente, Bichos Escrotos (de Antunes, Britto e Reis) e Homem Pri-
mata (de Britto, Fromer, Reis e Pessoa). Na primeira canção, à polaridade civilização vs.
barbárie ou, também, mundo ordenado vs. submundo, criou-se, paralelamente, a polaridade
200
entre dois tipos de classificação das figuras animais: a dos animais domesticados e a dos
Bichos
saiam dos lixos.
Baratas,
me deixem ver suas patas.
Ratos,
entrem nos sapatos
do cidadão civilizado.
Pulgas,
que habitam minhas rugas.
Oncinha pintada,
zebrinha listrada,
coelhinho peludo,
vão se foder!
Porque aqui na face da terra
só bicho escroto é que vai ter!
Bichos escrotos, saiam dos esgotos.
Bichos escrotos, venham enfeitar
meu lar,
meu jantar,
meu nobre paladar.
bens que, capaz de destruir violentamente o meio-ambiente e o próprio espaço que ele
constrói, encontra-se regido pela ética individualista de um mundo cruel em que cada um
deve se voltar para si mesmo, com prévia consciência de que Deus está contra todos. Neste
contexto, o homem civilizado é um homem da barbárie, não tendo ainda se libertado de sua
Desde os primórdios
até hoje em dia
o homem ainda faz
201
o que o macaco fazia
eu não trabalhava, eu não sabia
que o homem criava e também destruía
homem primata/ capitalismo selvagem
ôôô
Eu aprendi
a vida é um jogo
cada um por si
e Deus contra todos
você vai morrer e não vai pro céu
é bom aprender, a vida é cruel
Eu me perdi na selva de pedra
eu me perdi, eu me perdi.
I’m a cave man
A young man
I fight with my hands
with my hands
I am a jungle man, a monkey man
concrete jungle!
sentido de sua contraposição aos valores do establishment, percebe-se que eles se encon-
tram, entre outros aspectos não relevados aqui, relacionados entre si e em sintonia com a
rock (como uma expressão da cultura urbana) e certos elementos próprios do mundo de
representações juvenil (caracterizadores de uma cultura jovem, na qual o rock se tem inclu-
ído); quanto, de outro lado, como já se disse, também é capaz de afirmar a existência po-
discurso daquele produto cultural. A importância, ainda, deste tipo de investigação de uma
dimensão crítico-emancipatória do discurso, cuja proposição faz eco ao que Jameson de-
202
fende como sendo a articulação de uma hermenêutica negativa com uma hermenêutica
positiva (vide capítulo anterior), necessária à leitura e interpretação críticas, apoia-se, tam-
quando se sabe que o discurso do rock, assim como muito do mundo de representações da
cultura juvenil, se apresentam como mediação (com potencial crítico) dos aspectos multifa-
crítico-emancipatória desse discurso não deixa de ter pertinência caso seja considerado os
termos do que Foster (op. cit.) e Huyssen (op. cit.) propuseram como fazendo parte de uma
pós-modernidade crítica.
(de Antunes e Belloto), gravado no disco “Cabeça Dinossauro” e Só as mães são felizes (de
Frejat e Cazuza), que consta do LP “Exagerado” de Cazuza. Em seu aspecto geral, ambas
as canções procedem por um discurso que opõe o universo regrado da família (na
concepção que se tem dela como espaço de garantia de uma base emocional necessária à
familiar é tido, na concepção elaborada por esse discurso, como acentuadamente limitado e
que não permite aos indivíduos ampliar o conjunto de suas experiências, nem, ao menos,
dar vazão ao jogo multifário de suas emoções. Nesse sentido, e contraditoriamente, a famí-
lia é apresentada como espaço de rotina, de castração e de neurose; onde, em lugar de fa-
203
vorecer uma base de apoio emocional dos indivíduos, capitula-os como ponto de fuga e de
aprisionamento pelo qual eles se protegem das ameaças do mundo externo. Isto pode ser
Família, família
papai, mamãe, titia
família, família,
almoça junto todo dia,
nunca perde essa mania.
Mas quando a filha quer fugir de casa
precisa descolar um ganha-pão
filha de família se não casa
papai, mamãe, não dão nenhum tostão.
Família ê
família á
família.
Família, família
vovô, vovó, sobrinha.
Família, família
janta junto todo dia,
nunca perde essa mania.
Mas quando o nené fica doente
procura uma farmácia de plantão
o choro do nené é estridente
assim não dá pra ver televisão.
Família ê
família á
família.
Família, família
cachorro, gato, galinha.
Família, família,
vive junto todo dia,
nunca perde essa mania.
A mãe morre de medo de barata
o pai vive com medo de ladrão
jogaram inseticida pela casa
botaram um cadeado no portão.
Família ê
família á
família.
204
Numa forma diferente de apresentação do universo acomodado da família, a música
Só as mães são felizes estrutura seu discurso, não pela apresentação da família, mas pela
configuração do mundo da rua, do qual a família, aqui expressa na figura materna, seria o
contraponto. Aliás, essa música apresenta em seu discurso um caráter fortemente edipiano,
põem toda uma constelação de cultura rebelde no ocidente. Veja-se como isso se dá:
205
você nunca sonhou
ser currada por animais
nem transou com cadáveres
nunca traiu o teu melhor amigo
nem quis comer a sua mãe
só as mães são felizes.
esfera: são elas Rádio Blá, de Lobão e Arnaldo Brandão (gravada por Lobão e pelo Hanói-
gião). Em Rádio Blá, pode-se identificar uma crítica do comportamento sexual dentro do
Mentiras, jogos de sedução, usados como forma de manipulação, recalque dos desejos: são
que se refere a letra - vivendo-se, assim, uma dimensão afetiva altamente conflitiva e neu-
rotizante no processo (processo, esse, que não se confunde, em nenhum aspecto, com o
feminismo ou com qualquer processo de uma manifestação real liberação sexual). Diz a
canção:
206
eu ligo o rádio
e blá, blá
eu te amo
Sua vida burguesa é um romance
um roteiro de intrigas
pra Felini filmar
cercada de drogas, de amigos inúteis
ninguém pensaria que ela quer namorar
reconheço que ela me deixa inseguro
sou louco por ela e não sei o que falar
o que eu quero é que ela quebre a minha rotina
que fique comigo e deseje me amar.
207
e as suas teorias
e a sua rebeldia
e a sua solidão
vive com seus excessos
mas não tem mais dinheiro
p’rá comprar outra fuga
sair de casa então
então é outra festa
é outra sexta-feira
que se dane o futuro
você tem a vida inteira
você é tão esperto
você está tão certo
mas você nunca dançou
com ódio de verdade.
Você é tão esperto
você está tão certo
que você nunca vai errar
mas a vida deixa marcas
tenha cuidado
se um dia você dançar.
Nós somos tão modernos
só não somos sinceros
nos escondemos mais e mais
é só questão de idade
passando dessa fase
tanto fez e tanto faz.
Você é tão esperto
você está tão certo
que você nunca vai errar
mas a vida deixa marcas
tenha cuidado
se um dia você dançar.
nomia pessoal. Isto pode ser observado em músicas de praticamente todas as bandas de
“Legião Urbana”) se canta: “Não estatize meus sentimentos/ p’ra seu governo,/ o meu Es-
tado é independente”. Em Rebelde sem Causa, de autoria de Roger para o lp “Nós vamos
208
invadir sua praia”, da banda Ultraje a Rigor, observa-se a questão da autonomia posta num
jovem vivendo uma condição bastante singular: aquela em que um quadro geral de mate-
rialismo consumista, tão presente nas aspirações da maioria da juventude nas sociedades de
consumo atuais, inclusive com a completa colaboração e compreensão dos pais, leva este
jovem a se queixar de que nestas condições de harmonia e consumo, não vai poder crescer,
amadurecer, enfim, criar uma identidade própria. Alguns versos desta música já bastam
Uma das letras mais significativas nesse sentido, da autonomia pessoal, é a da mú-
sica O tempo não para, de Brandão e Cazuza (lp “Fanzine” do Hanói-Hanói” e “O tempo
habitando um mesmo universo: em que, por exemplo, ao passo que se demonstra sinais de
cansaço pra lutar, nega-se a condição de derrotado. E, ao mesmo tempo, ainda, a posição de
209
como já foi acima apresentado no exemplo de outras canções. Outrossim, um discurso me-
mundo se mostra como um “museu de grandes novidades”. Veja-se o que diz a música:
210
Outra canção que parece afirmar, de modo significativo, um discurso revelador da
“Carnaval” da banda Barão Vermelho. Pode-se tomar o forte teor existencialista da letra,
são. Nesse quadro de aspectos definidores do establishment, enuncia-se que a saída é pôr-se
à margem “desse mundo escuro e sujo”, afirmando a coragem de amar e da não admissão
humanidade encontra-se menos utópica, menos delirante; e que não aprendeu, sequer, as
questões básicas para um existir mais liberto. Por isso, se denuncia o grande vício da espe-
rança, e o cuidado necessário frente as suas traições; mas, logo se afirma que não se deve
211
essa vida é uma só
nesse buraco negro eu não caio
a humanidade está um porre a menos
não aprendeu a respirar
quebrou prá esquina errada
e avançou os sinais.
dente nas manifestações do rock, atualmente, no Brasil da década de 90, pode-se fazer re-
ferência ao desenvolvimento de muitos dos trabalhos levados a efeito tanto pelas veteranas
bandas dos anos 80, que já sobrevivem a uma década de grande sucesso de público (Titãs,
Paralamas do sucesso, Legião Urbana, Lobão e outras); quanto pelo surgimento de novos
nomes no cenário musical do rock - aliás, com trabalhos bastante singulares no tocante à
fusão de estilos e às características do discurso utilizado nas letras. Nesse sentido, poder-se-
adequado das tendências recentes, demandaria um esforço tal de suas configurações atuais,
que em muito fugiria aos objetivos iniciais do presente trabalho. Por certo, muitos dos
aspectos aqui apresentados a respeito do rock da década de 80, podem ser observados como
atenção para com “novos” elementos em muito necessários à análise do rock dos anos 90. E
Brasil, fica-se aqui com a citação de um hit recente de uma das mais importantes bandas
surgidas desde a década de 80: Legião Urbana. Trata-se da canção Perfeição composta por
tomar atenção para o quadro acima prefigurado daquele discurso contratendente, pode-se
212
fazer alusão à existência nessa música de algumas das características anteriormente apre-
feição, e apenas enfatizando que se tome atenção para com os elementos que compõem
213
Por certo, as interpretações elaboradas aqui não têm qualquer propósito de esgotar
leiro. Longe disso, pretendeu-se não mais que apresentar um quadro bastante limitado de
elementos daquele universo; que, todavia, pudesse ser favorável à identificação de certa
sua configuração crítica com o processo das mediações estabelecido, como se disse, tanto
para análises diversas e que se teve de proceder por uma significativa redução do mesmo;
além da omissão de nomes e trabalhos que figuram por sua enorme importância no cenário
uma conclusão definitiva do processo; mas, sim, de apreendê-la no âmbito de sua própria
sentativas de certa tendência do discurso do rock ora em evidência; tendo, por isso mesmo,
validade e coerência a referida parcialidade de suas conclusões. Com efeito, é por se consi-
derar tais ponderações, que se pretendeu finalizar este capítulo com os últimos versos de
214
CONCLUSÃO
Sob o aspecto de que os MCM não são expressões totais e monolíticas da manifes-
tação simbólica, e que tais meios só produzem a partir das mediações que mantém com o
minada manifestação ou produção cultural se faz, também, como extensão a certas formas
de que o que passa pelos MCM sofre um dado nível de reelaboração, administração e pro-
gramação).
Por mais que, uma vez reelaborados pelos MCM, os produtos culturais sofram a
unilateral e monolítica dos media; não refletindo, assim, a dimensão em que as próprias
215
deração àquele elo mediador que se estabelece entre a dinâmica e expressão culturais e os
Com efeito, aquilo que os MCM disseminam no conjunto amplo da sociedade, mais
própria tecitura desse espaço-tempo. Nesse sentido, é entre a própria multiface do processo
social (tanto em seus elementos mais claramente visíveis no cotidiano, quanto naqueles não
também, revelação e expressão mediadas pelos MCM e, também, pela reação, aceitação,
indiferença do público no conjunto social, que se vai encontrar o referido diálogo: e não
possível encontra-se posto em outra dimensão: a dos valores e representações sociais cujo
social, indivíduos, grupos e classes sociais, por um lado; assim como, por outro lado, da
perspectiva da elaboração dos produtos culturais veiculados pelos MCM, deve-se afirmar
que estes se mostram, essencialmente, como mediações do próprio processo social, em sua
216
"esfera pública não-organizada" e de "regressão produtiva", como manifestação de espon-
taneidade das massas (Prokop); como também, da acepção de que a consciência da relação
do indivíduo com o todo encontra-se mediada pelo conhecimento e pelo saber que se sis-
tematiza (Swingewood). Aliás, convém lembrar a passagem em que Swingewood (op. cit.)
afirma que não são os MCM que mantêm o capitalismo, mas a própria sociedade civil é que
o faz, em meio às próprias crises de legitimação do Estado capitalista (p.73): por isso, é
análise do discurso do rock nos anos 80 no Brasil (particularmente, a partir de 85), onde se
dialização cultural no capitalismo atual. Evidentemente, tais discursos não compõem uma
sua crítica do cotidiano, e que se configuraria nos termos do elo mediador com o que se
qualquer produto cultural hoje, no que se refere ao circuito da cultura urbana, encontra-se
mediado por processos técnicos e de produção que envolvem, necessariamente, a sua rela-
ção com os fatores comerciais da cultura produzida no âmbito dos MCM: por isso a opção
217
Nesse sentido, ainda, é que se tem a idéia de que, embora fragmentária e contradi-
tória, as representações de imagens do cotidiano têm operado, entre outros aspectos, uma
termos do que foi apresentado anteriormente como uma teoria social crítica da comunica-
ção como veio emancipador; na medida em que, por vezes, estabelece uma crítica negativa
utópicos" (na forma jamesoniana de uma "hermenêutica utópica), ainda que contraditoria-
mente isto se dê, também, marcado por formas desencantadas de observação do cotidiano.
Por fim, deve ficar claro que o que se procurou elaborar aqui foi uma discussão a
brasileiro nas letras do rock nos anos 80, representação esta configurada no presente
produto da comunicação massiva. Não se trata, pois, de uma discussão a respeito da recep-
218
BIBLIOGRAFIA
__________. (1986), Sociologia. São Paulo, Ática (Col. Grandes Cientistas Sociais).
BAHIANA, A.M. (1975), “Rock: a pauleira que não houve”. Livro de cabeceira da mulher.
Vol.2, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.
__________. (S.d), Para uma crítica da economia política do signo. São Paulo, Martins
Fontes.
BECKER, H. S. (1977), “Mundos artísticos e tipos sociais”. In: Velho, G. (Org.) Arte e
sociedade: ensaios de sociologia da arte. Rio de Janeiro, Zahar.
BENJAMIN, W. (1985), Sociologia. São Paulo, Ática (Col. Grandes Cientistas Sociais).
__________. et al. (1980), Textos escolhidos. São Paulo, Abril Cultural (Col. Os
Pensadores).
BRITTO, S. (1968), Sociologia da juventude III: a vida coletiva juvenil. Rio de Janeiro,
Zahar.
219
BURGELIN, O. (1981), A comunicação social. São Paulo, Martins Fontes.
CORRÊA, T. G. (1989), Rock, nos passos da moda: mídia, consumo x mercado. Campinas,
Papirus.
DAUFOUY, P. e SARTON, J.-P. (1972), Pop music-rock. 2a ed., Porto, A Regra do Jogo.
220
FIGUEIRA, S. A. (Org.). (1987), Uma nova família? o moderno e o arcaico na família de
classe média brasileiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar ed.
GIDDENS, A. (1984), Sociologia: uma breve porém crítica introdução. Rio de Janeiro,
Zahar.
GUATTARI, F. (1992), Caosmose: um novo paradigma estético. Rio de Janeiro, Ed. 34.
221
KOTHE, F. (1985), “Introdução”. In: Benjamin, W. op. cit.
LAFONT, H. (1985), “As turmas de jovens”. In: Ariès, Ph. e Béjin, A. (Orgs.).
Sexualidades Ocidentais. São Paulo, Brasiliense.
LASCH, C. (1986), O mínimo EU: sobrevivência psíquica em tempos difíceis. 3a ed., São
Paulo, Brasiliense.
__________. (1978c), “Estrutura social: a reprodução das relações sociais”. In: Foracchi,
M. M. e Martins, J. S. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à sociologia. Rio
de Janeiro, LTC.
LIMA, L. C. (Org.). (1978), Teoria da cultura de massa. 2a ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra.
LUTHE, H. O. (1971), “La música grabada y la indústria del disco”. In: Silbermann, A. et
al. Sociologia del arte. Buenos Aires, Nueva Visión.
222
MARTINS, R. (1966), A rebelião romântica da jovem guarda. São Paulo, Fulgor.
MAURICE, F. (1978), “Le rock: une musique pour le présent”. Esprit, No 22/Octobre
(Número Especial “Figures urbaines du quotidien”).
MICELI, S. (1984), Entre no ar em Belíndia (a indústria cultural hoje). São Paulo, Hucitec
(Cadernos IFCH - Unicamp), Outubro.
__________. (1977), Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo II: necrose. Rio
de Janeiro, Forense-Universitária.
MUCHOW, H. H. (1968), “Os fãs do 'jazz' como movimento juvenil de hoje”. In: Britto, S.
op. cit.
MUGGIATI, R. (1981), Rock: o grito e o mito: a música pop como forma de comunicação
e contracultura. Petrópolis, Vozes.
__________. (1990), Terra à vista!: discurso do confronto: velho e novo mundo. São
Paulo/ Campinas. Cortez/Unicamp.
223
__________. (1993), “Cultura e mega-sociedade mundial”. Lua Nova. Revista de Cultura e
Política. No 28-29, São Paulo, Marco Zero.
PROKOP, D. (1986), Sociologia. São Paulo, Ática (Col. Grandes Cientistas Sociais).
STAM, R. (1992), Bakhtin: da teoria literária à cultura de massa. São Paulo, Ática.
VÁRIOS AUTORES. (1983), Rock: a música do século XX. Vol. I e II, Rio de Janeiro,
Rio Gráfica.
VÁRIOS AUTORES. (1988), Brasil musical: viagem pelos sons e ritmos populares. Rio de
Janeiro, Art Bureau.
224
VIANNA, H. (1988), O mundo funk carioca. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed.
225
_________. Vida bandida. São Paulo, RCA, lp 110.0028, 1987.
PLEBE RUDE. Nunca fomos tão brasileiros. Rio de Janeiro, EMI-Odeon, lp 31c-
068.422978, 1987.
_________. Jesus não tem dentes no país dos banguelas. São Paulo/Rio de Janeiro, BMG
Ariola/WEA, lp 670.4033, 1987.
_________. Õ blésq blom. São Paulo/Rio de Janeiro, BMG Ariola/WEA, 670.9075, 1989.
ULTRAJE A RIGOR. Nós vamos invadir sua praia. São Paulo/Rio de Janeiro, BMG
Ariola/WEA, lp 603.6019, 1985.
226