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PROFESSORES
Márcia Maria Strazzacappa Hernández – FEUNICAMP
Agência Financiadora: CNPq
De todas as coisas humanas a única
que tem o fim em si mesma é a arte.
Machado de Assis
O presente ensaio faz uma provocação. Propõe-se a falar de arte por meio da
arte. Apresenta e analisa experiências que a autora vivenciou nos últimos anos ao
conduzir por meio da arte aulas das disciplinas obrigatórias dos cursos de formação de
professores na universidade em que é docente. O que motivou tal atitude foi o cansaço
ao ver a arte sendo tratada como um conhecimento sem voz própria, ao presenciar, em
diferentes congressos e encontros, discussões em que muito se fala sobre arte, mas
sem a presença da arte; em que a arte é defendida como área autônoma, porém por
meio de conceitos oriundos de outras áreas do conhecimento, seja da filosofia, da
história, da psicologia, das ciências da educação, entre outras.
A poetisa Cecília Meirelles nos dizia:
“Não fales as palavras dos homens.
Palavras com vida humana.
Que nascem, que crescem, que morrem.
Faze a tua palavra perfeita.
Dize somente coisas eternas.
Vive em todos os tempos
Pela tua voz.
Sê o que o ouvido nunca esquece.
Repete-te para sempre.
Em todos os corações
Em todos os mundos.”
(Cecília Meirelles)1
1
No presente ensaio, as citações referentes aos textos poéticos e literários serão grafados em itálico
para se diferenciarem das demais citações.
2
A partir desta comunicação no Grupo de Estudos sobre Educação e Arte da Associação Nacional de
aula” ao invés de salas de aula, referindo-se a etimologia da palavra “saber” que vem
de “sabor”; indaguei-me, como artista da cena e docente, sobre quem deveria estar na
escola: o professorou ou o artista? o saber ou o sabor? Questionei-me sobre minha
prática docente universitária. Revi meus conceitos. Não seria a arte da cena minha
voz? Busquei atentamente identificar seu timbre. Parti à procura das “coisas eternas”
e nesta busca, encontrei palavras que ainda não tinham sido ditas e outras que “não
tinham idioma”.
Resolvi encarar um desafio. Inverti os vetores de força. Propus a mim
mesma, em sala de aula na universidade, falar de arte e pela arte, abarcar os temas
escola, cultura e currículo. O presente texto relata e analisa esta experiência, fazendo
um convite a todos artistas e professores para que também experimentem este desafio
e provem do próprio veneno.
Pós-graduação e Pesquisa em Educação, em 2007 surgiu o ensaio “A arte na educação: cinco temas
para reflexão”, presente no livro “A montanha e o videogame: escritos sobre educação” . Campinas:
dança circular.
As “aulas expositivas” (as aspas são propositais) eram organizadas como se
fosse um espetáculo. No lugar de alunos, uma plateia formada por futuros professores
de história, de filosofia, de sociologia, de língua portuguesa, de física e de
matemática, tendo em vista que na última reformulação curricular dos cursos de
licenciatura da universidade em que trabalha, as turmas passaram a ser mistas e as
disciplinas não tinham mais reserva de vagas para cursos específicos. Diante deste
público optei por trabalhar com o texto “A vida de Galileu” (1936/43) de Bertold
Brecht (1898-1956). A peça retrata a vida do físico, matemático, astrônomo e filósofo
italiano, Galileu Galilei (1564-1642), que ao comprovar que a Terra girava em torno
do Sol, contrariou a Igreja e foi vítima da Inquisição. Este texto dramatúrgico é
considerado uma das peças centrais da obra brechtiniana e seu testamento.
Desde o primeiro dia de aula, momento em que o grupo ainda estava se
conhecendo, os estudantes compreenderam que se tratava de uma abordagem
diferenciada em relação às demais disciplinas oferecidas pela Faculdade de Educação.
O plano de curso exposto suscitou olhares de estranhamento. Ao ser proposta uma
primeira atividade não-acadêmica (a escrita de uma carta a um colega narrando sobre
o “professor inesquecível“3) alguns estudantes questionaram a razão de tal
procedimento. A continuação da proposta (trocar as cartas entre si) causou ainda
maior incômodo e algumas negações veementes. Afinal, não queriam que a carta
fosse lida por outro colega, só pela professora!! Mas, para que serve a escrita? Mero
exercício de retórica? O verbo “comunicar” não seria bitransitivo?
Conclui as atividades do dia com a leitura de um trecho de um livro infanto-
juvenil. Poderia parecer estranho em se tratando de um curso universitário, porém,
como nos diz o escritor e pesquisador Ricardo Azevedo “a literatura, inclusive a
infantil, é, sem dúvida, uma forma de tentar compreender a vida e o mundo.” E
continua:
“Acho que a literatura deve tratar sempre daqueles assuntos
meio vagos, sobre os quais ninguém pode ensinar, só
compartilhar: as emoções, os medos, as paixões, as alegrias, as
injustiças, o cômico, os sonhos, a passagem inexorável do
tempo, a dupla existência da verdade, as utopias, o sublime, o
paradoxal, as ambiguidades, a busca do autoconhecimento,
Papirus, 2010.
3
Sobre esta proposta vide LEITE, Sérgio (org). “A afetividade e práticas pedagógicas”, São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2006.
coisas banais que fazem parte do dia-a-dia de todas as pessoas.
(http://www.ricardoazevedo.com.br/biografia.htm-09/04/2012)
4
As autoras têm um blog (http://www.cartasentremarias.blogspot.com.br/p/aos-educadores.html) em
que pedem em alto e bom tom: “não didatizem esse livro! Embora ele tenha sido escrito com a óbvia
intenção de trazer informações a respeito da vida em Guiné-Bissau, ele tem uma dimensão
poética/estética que não apenas deve ser preservada, mas sublinhada. Tomar livros de literatura para
uso didático desemboca nos riscos de matar essa dimensão e, assim, vê-los reduzidos a material
pelos estudantes em seu cotidiano seja ele universitário, familiar ou da cena política
brasileira.
Como uma peça escrita por um dramaturgo alemão, durante a segunda guerra
mundial, sobre a vida de um cientista e filósofo italiano do século XVII pode suscitar
tanta discussão sobre o ofício de educar? Sobre formação de professores? Sobre o que
denominamos conhecimento cientifico versus sabedoria popular? Sobre organização
(ou deveríamos dizer hierarquização) das disciplinas curriculares? Sobre
evolucionismo versus criacionismo? Sobre a atual corrida por um “produtivismo”
acadêmico? Sobre carreira docente? Fontes de financiamento? Bolsas de estudos?
CAPES?
Porque a arte tem este poder de atravessar o tempo. Porque ela pode provocar
reflexões. Porque, como nos diz Gambini, a arte
“é uma antiga e preciosa via de obtenção de novos conhecimentos:
realidades não nomeadas, terrenos não mapeados, valores ainda sem
contorno e definição, sensações não catalogadas, estados de espírito
incomuns, maneiras novas de estar no mundo e de ser humano. A
arte leva a essas dimensões, as descobre, as inventa. Não se trata,
Bibliografia de referência
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A & STRAZZACAPPA, M. Entrelugares do corpo e da arte. Campinas:
Faculdade de Educação, 2011.
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dissertação de mestrado em Educação, Faculdade de Educação. 2011.
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Paulo, 2006
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Sites consultados:
acessado em 05/04/2012
http://www.cartasentremarias.blogspot.com.br/p/aos-educadores.html
http://www.ricardoazevedo.com.br/biografia.htm, acessado em 05/04/2012