Sei sulla pagina 1di 75

CAPÍTULO -1

Quando está escwro


E ninguém te ouve
Quando chega a noite
E você 'pode chorar
Há uma luz no túnel
Dos desesperados
Há um cais de porto
Pra quem precisa chegar
Eu to na Lanterna
dos Afogados
Eu to te esperando
Vê se não vai demorar

Lanterna dos Afogados


HERBERTVUNNA
Mentes com Medo T ra n s t

gam a lidar com prazos restritos, lá está meu cérebro — esse


AS FACES DO MEDO
operário incansável —, sinalizando que meu limiar de an-
Desde pequena possuo um sonho. Para ser mais pre- siedade está no limite máximo. E hora de tomar decisões
cisa, um pesadelo, que se repete de tempos em tempos, que dissolvam os "nós" existenciais ou ignorar o sinal de
principalmente quando atravesso períodos mais estressan- alarme e esperar que a ansiedade cresça um pouco mais e
tes em minha vida. Nesse sonho chego à escola, no perío- me paralise de alguma forma. Afinal, a ansiedade possui
do ginasial, e uma amiga me informa que dentro de cinco diversas facetas, e todas, a partir de uma determinada
minutos a prova vai começar. Faço um sinal positivo com "quantidade", mostram-se disfuncionais, modificando ne-
a cabeça, que demonstra minha tranquilidade em realizar gativamente nosso cotidiano, transtornando nossa vida e,
a prova de História, minha matéria predileta. Em poucos até mesmo, nos paralisando diante de tudo e de todos.
minutos, estamos todos sentados em suas carteiras e aí ini- É claro que, como boa aluna, tento captar rapidamen-
cia o pesadelo: a prova é de Matemática e não de História! te a mensagem do mestre cérebro: dou uma parada, faço
Em total despreparo diante do inimigo, olho ao redor e tudo um flashback básico dos últimos meses e logo identifico
me parece estranho. Meu coração dispara, a respiração tor- o que está me aprisionando. Monto um microprojeto, de
na-se entrecortada, a face banha-se de suor, sinto tontura curto e médio prazo, com as ações necessárias para que o
e de repente... acordo atordoada, olho em volta e consta- sonho (aviso) não se transforme em pesadelo real.
to, com imensa felicidade, que estou em território seguro: Hoje constato, com bastante frequência, que so-
meu quarto, o marido ao meu lado e a cachorrinha em sua nhos com exames escolares são muito comuns entre
cama. O ar condicionado se encarrega de secar o suor e, aos as pessoas. Diria até que esses são um dos casos mais
poucos, tudo volta ao normal. Foi apenas um sonho ruim, comuns de situações que provocam ansiedade. Não há
daqueles que costumava ter às vésperas de provas, que, na dúvida de que todas as pessoas já enfrentaram esse tipo
época, eu considerava dificílimas. de situação, seja em sonho ou na vida real, como as pro-
vas escolares ou uma entrevista no emprego. E a maioria
das pessoas relata que já acordou na véspera de um exa-
me importante com a respiração acelerada, o corpo su-
Muitos anos já se passaram desde então; no entanto, ado e que passou o resto da noite se revirando na cama.
é impressionante perceber a precisão com que meu cére- E mais: muitos ainda salientam o fato de que chega-
bro arquivou essa reação, que foi uma das primeiras situa- ram à sala de aula ou ao local onde o evento importante
ções de medo consciente que vivi quando criança. A cada ocorreria, convictos de não saberem mais nada sobre
liisr da vida, quando os desafios e compromissos me obri- o que estudaram durante todo o processo preparatório.

_» H 29
Meei

Sentem que todos os seus esforços, por dias, semanas ou O mesmo mecanismo de proteção é acionado quando
im-ses, serão perdidos com o irremediável e inexplicável nos engasgamos com algum tipo de comida ou bebida. O
"branco" ou esquecimento de todo o conteúdo estudado. engasgo sinaliza que algo sólido ou líquido entrou no local
( ) pior de tudo é que, ainda que tudo venha a dar certo, errado. No caso, esse local c a traquéia, que c um tubo ca-
ou seja, obtenham a pontuação necessária e/ou desejada pacitado para levar o ar inspirado pelo nariz ou pela boca em
nas provas e entrevistas, será muito difícil esquecerem o direção aos pulmões. A traquéia não transporta outro tipo
lado "ameaçador" dessa experiência. Isso ocorre em fun- de substância que não seja gasosa. Assim, quando engasga-
ção de o nosso organismo ser dotado de um mecanismo mos, automaticamente tossimos e regurgitamos, e a comida
pré-programado de proteção, conhecido como "reação do ou a bebida é lançada para fora da traquéia com grande
medo", que acompanha a espécie humana desde os tem- velocidade. Continuamos a tossir, até que os visitantes in-
pos mais primitivos. desejados (comida e/ou bebida) estejam totalmente fora da
nossa traquéia.
Tanto no caso do ferimento como no caso do engasgo,
A REAÇÃO DO MEDO: REAÇÃO DE LUTA OU FUGA
tudo ocorre de forma automática, como uma máquina per-
O COrpO humano talvez seja a mais criativa e surpre- feita. Não importa se estamos dormindo ou acordados, se
endente invenção de todo o universo. Nosso corpo parece somos ricos ou pobres, geniais ou de inteligência limitada:
ler sido planejado para nos salvar e nos ajudar a lidar com nosso corpo fará tudo para nos socorrer... automaticamente.
todo tipo de perigo. Em pequenos fatos do dia-a-dia po- Um tipo de proteção automática do corpo é a reação
demos ver o quanto essa máquina é programada para nos do medo. Imagine-se andando por uma rua estreita e, de
manter em equilíbrio. repente, avançam em sua direção dois cachorros da raça
Tomemos como exemplo um corte no braço. Em pou- buli temer, que rosnam, expondo seus dentes brilhantes en-
cos minutos, o corpo reconhece que há um ferimento e tre a saliva que escorre por suas mandíbulas. Se você, por
aciona uma série de reações mecânicas e bioquímicas que um acaso, quisesse racionalizar o que fazer, provavelmente
fazem o corte parar de sangrar. Quando o sangue entra em processaria os seguintes pensamentos: Eles são cachorros; são
contato com o ar, reage de maneira diferente e começa a ferozes; estou em perigo! Devo fazer algo! O que devo fazer? Acho
coagular. O sangue fica cada vez mais espesso e, em pouco qtte devo correr!
tempo, uma crosta está formada, tamponando totalmente Bem, se você pensasse tudo isso antes de correr, pos-
o sangramento provocado pelo ferimento. Depois de al- sivelmente já estaria morto e dilacerado, antes mesmo de
iiuns dias, essa crosta cai e toda a área que estava abaixo concluir seus pensamentos. Mas fique tranquilo, pois nessa
f>

dela se encontra sadia novamente. situação, seu corpo reagiria automaticamente, de maneira
M e n t e s com Medo

ultra-rãpida, e você já estaria correndo há muito tempo. tornos de ansiedade. As sensações envolvidas na reação do
Provavelmente já teria se abrigado em algum lugar seguro. medo normal (como instinto de defesa) ou no ataque de
Sem você se dar conta, uma overdose de adrenalina pânico (sensação de medo intenso, súbito e anormal) são
é injetada na corrente sanguínea e, a partir daí, toda uma exatamente as mesmas: taquicardia, sudorese, aceleração
reação se processa automaticamente: o coração dispara, da respiração, tremores, boca seca, formigamentos, cala-
o suor toma conta da pele, os músculos contraem para frios etc. A única diferença — e esta é a grande diferença — é
entrar em açao, a respiração se torna mais rápida, sem que que, no caso dos cachorros, nós temos consciência do por-
tenha tempo de pensar e, em frações de segundos, você quê estamos reagindo daquela maneira (medos das feras).
estará correndo como um leopardo ou lutando com os ca- Já no pânico, por exemplo, nós não conseguimos identificar
chorros como uma fera enlouquecida. Esta é a reação do um fator desencadeante ou um estímulo óbvio para causar
medo que existe para nos salvar de todos os perigos. sentimentos tão fortes.
Em princípio, o instinto nos leva a correr como o ven-
to para fugirmos dos cachorros. Após muitos metros de AS FORMAS DA ANSIEDADE PATOLÓGICA
corrida, encontramos um local seguro e ali permanecemos
até termos certeza de que os animais não estão mais nos O medo é um sentimento universal: todos sentem e
seguindo. Paramos, sentamos no chão e percebemos que diversos estudos demonstram ser uma emoção primária
nosso corpo está totalmente alterado: nosso coração bate (inata) do ser humano, necessária para proteção e perpe-
forte e rápido; nossa respiração está acelerada e profunda; tuação da espécie. Está incrustada em nosso DNA e faz
estamos tremendo e suando por todo o corpo; nossa boca parte do nosso existir. Sua abrangência vai desde a decisão
está seca como uma pedra; estamos tontos; nossas mãos e de lutar ou fugir até o acúmulo traiçoeiro que desagua no
pés estão formigando; estamos tensos, alertas e vigilantes estresse e na ansiedade, levando ao esgotamento físico e
contra novos perigos. mental, Como pudemos descrever no tópico anterior, um
E curioso observar que o medo daquelas feras foi ca- estímulo que desperte o medo é capaz de, em frações de
paz de desencadear em nosso organismo todas as mudanças segundos, munir o corpo inteiro de adrenalina e prepará-lo
atrás citadas e, em momento algum, tivemos medo dessas para urna rápida reação física.
reações em nosso corpo. Os próprios sentimentos não nos As respostas físicas e mentais ao medo eram tão es-
incomodam porque sabemos exatarnente por que os esta- senciais para a sobrevivência de nossos antepassados pri-
mos sentindo. Eles fazem parte de nossa reação ao medo. mitivos, que elas permanecem de forma intensa e muito
A reação do medo está no centro de vários transtornos poderosa até os dias atuais. Infelizmente a manutenção
do comportamento (ou mentais)., conhecidos como trans- dessa resposta adaptativa, com tamanha intensidade,
Mentes com Medo

quase sempre se torna inapropriada no mundo moderno. Esta quebra nos faz cair em uma espécie de abismo, no
Afinal, ao evoluirmos, como espécie e civilização, devería- qual experimentamos desconforto emocional intenso.
mos ter deixado para trás a necessidade de uma reação tão Podemos estabelecer a velha dialética entre o ser e
excessiva. No entanto, nossa reação ao medo continua a o estar. Ser ansioso é possuir sensação de tensão, apreen-
se manifestar de forma quase idêntica àquela vivenciada são e inquietação, dominando todos os demais aspectos
pelos nossos ancestrais mais longínquos. de nossa personalidade. Estar ansioso é tudo isso acompa-
Ao reagirmos, frequentemente de forma exacerbada nhado por manifestações orgânicas tais como palpitações
aos contratempos e dificuldades do dia-a-dia, acabamos (taquicardia), suor intenso (sudorese), tonturas, náuseas,
por adoecer, uma vez que o excesso de hormônios de es- dificuldade respiratória, extremidades frias etc.
tresse (cortisol e adrenalina) pode ocasionar, no organis- Podemos entender que os chamados transtornos de
mo, aumento da pressão arterial, doenças cardíacas, en- ansiedade correspondem aos estados de ansiedade (estar
xaquecas, alergias, úlceras, pânico, fobias, entre outros. ansioso) em indivíduos que possuem uma personalidade
O que, nos tempos primitivos, era um supersistema de ansiosa de fundo ou base (ser ansioso). Logo, fisiologica-
proteção, essencial para o homem da época, transfor- mente pensando, quando o ser se une ao estar em uma
mou-se em uma poderosa arma, cuja potência o homem personalidade ansiosa, estados severos de desconforto e
moderno tem de aprender a desativar ou, pelo menos, a sofrimento são gerados. Os transtornos ansiosos são os re-
reduzir seu poder de fogo. Sendo assim, existem casos bentos, não desejados, de casamento que sempre terá de
nos quais essa reação perde sua função protetora e ganha evoluir para um divórcio, às vezes doloroso, mas sempre li-
força e status de uma situação definitivamente ameaçado- bertador. Eles podem assumir múltiplas formas. Sabemos
ra dentro da mente. que todos, no entanto, possuem uma matriz comum, que
Se observarmos as pessoas, de modo geral, podemos é a personalidade ansiosa. Esta constatação que, à primei-
perceber que o nível de ansiedade é um traço que caracte- ra vista, parece relativamente óbvia, só teve seu reconheci-
riza a personalidade de cada um. Desta forma vemos pes- mento pela ciência médica há muito pouco tempo, quan-
soas com atitudes mais tranquilas diante de situações de do se criou o termo espectro da ansiedade, que pôde agrupar
perigo ou ameaçadoras. Em contrapartida, percebemos, os diferentes transtornos sob um mesmo teto.
em outras, atitudes exacerbadas diante das mesmas situa- Segundo o DSM-IV (Manual diagnóstico e estatísti-
ções ou, no mínimo, bastante similares. O momento exato co cie doenças mentais), os transtornos de ansiedade são
em que manifestamos ansiedade (o chamado estado de vários, e a principal característica deles, além da presença
ansiedade) pode ser considerado um momento de ruptura de ansiedade, é o comportamento de esquiva, ou seja, a
ou quebra em relação à nossa condição emocional básica. pessoa tende a evitar determinadas situações nas quais a

.í 4
M e (i l e s c o m M e d o

ansiedade intensa pode se manifestar. Dessa maneira, en- afinal, trocando em miúdos, o que eles evidenciaram é
contramos diversas formas de o medo patológico se apre- que um quarto da população mundial sofre ou sofrerá
sentar nos transtornos ansiosos. algum tipo de transtorno ansioso durante toda a sua exis-
Os transtornos de ansiedade podem se manifestar tência. Mas, infelizmente, esses dados refletem e ates-
como súbitos ataques de pânico, que podem evoluir para tam â mais absoluta realidade.
o transtorno do pânico; como fobia simples, na qual a ame- O que pode deixar as pessoas com a "pulga atrás da
aça provém de estímulos bem específicos; como fobia so- orelha" em relação a um percentual tão grande assim, é o
cial, na qual as pessoas percebem ameaças potenciais em fato de que grande parte dos indivíduos que apresentam
situações sociais banais. Temos ainda o transtorno obses- transtorno de ansiedade não procura tratamento, além de
sivo-compulsivo (TOC), no qual a mente é invadida por tentar esconder seus sintomas das outras pessoas. Se con-
pensamentos intrusivos e sempre de conteúdo ruim (ob- siderarmos que os transtornos de ansiedade mais comuns
sessões), que desencadeiam rituais repetitivos e exausti- são as fobias simples, ou específicas, (insetos, cobras, ga-
vos (compulsões), na tentativa de exorcizar tais ideias; há tos etc.) e a fobia social (como falar em público) - e que
também o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), tanto os eventos sociais quanto o contato com animais
quando vivemos experiências traumáticas significativas. podem ser evitados, é bem provável que a pessoa que sofra
Por fim, temos o transtorno de ansiedade generalizada de uma fobia simples jamais sinta necessidade de procurar
(TAG), que se caracteriza por um estado permanente de tratamento para seu transtorno.
ansiedade, sem qualquer associação direta com situações Somente quando o medo anormal (patológico) se mani-
ou objetos específicos. festa como um transtorno ansioso, interferindo, de maneira
Todos eles têm em comum a presença de sintomas fí- cotidiana e acentuada na vida do indivíduo, com prejuízos
sicos (taquicardia, sudorese, tontura, cólica, náusea, falta concretos nos setores social, afetivo e profissional, é que ele
de ar etc.) e sintomas psíquicos (inquietação, irritabilida- sente a necessidade de procurar ajuda especializada.
de, sobressalto, insegurança, insónia, dificuldade de con- Além dos transtornos acima citados, outras patolo-
centração, sensação de estranheza etc.). gias também são descritas em manuais específicos de
Os transtornos de ansiedade ocorrem com uma fre- classificação de doenças mentais e fazem parte dos trans-
quência muito alta na população em geral, Recentes tornos de ansiedade. Contudo, não serão objetos deste
estudos norte-americanos, de abrangência significativa, livro, uma vez que nos propusemos a desvendar ao leitor
revelaram que 25% das pessoas apresentam algum tipo somente aqueles com os quais deparamos com mais fre-
de transtorno de ansiedade ao longo de suas vidas. A quência em nossa prática clínica e que consideramos de
primeira reação diante dessa estatística é assustadora. maior relevância,
Mentes com M e ti o

na ressaca), depressão, doenças físicas e inflacionar nossa


DENTRO DESSE TÚNEL TEM LUZ
vida com uma dependência química difícil de ser vencida.
Diante de tudo o que foi exposto até aqui sobre as Até pouco tempo atrás, os transtornos de ansiedade
múltiplas faces da ansiedade, precisamos entender que, possuíam poucas opções terapêuticas realmente eficazes.
diante de um estado de ansiedade que gera desconfor- Um dos grandes avanços foi dado com a utilização dos
to, torna-se oportuno procurar um especialista para es- benzodiazepínicos — popularmente conhecidos como cal-
tabelecer um diagnóstico e possibilidades terapêuticas mantes, e que apresentam tarja preta —; todavia, eles não
adequadas. Somente o diagnóstico preciso do transtorno se mostraram eficazes em todas as formas de transtorno de
(ou patologia) pode assegurar a terapia eficaz. Até porque ansiedade. Além disso, eles apresentam um importante fa-
a ausência de resultados satisfatórios afasta o paciente, tor limitante: agem apenas na supressão dos sintomas, não
uma vez que, como "bom" ansioso, ele tem pressa, ne- exercendo influência sobre as causas do transtorno. Assim,
cessidades exacerbadas e muita ansiedade para utilizar se nos restringirmos à utilização desses medicamentos, te-
pílulas milagrosas. remos a desagradável surpresa de ver os sintomas indese-
f
E necessário muito empenho e determinação de nossa jáveis retornarem, tão logo o uso deles seja suspenso.
parte, como médicos e psicoterapeutas, pois, em alguns ca- Felizmente, nos últimos anos, tivemos boas e anima-
sos de transtorno de ansiedade, ocorre uma grande dificul- doras notícias em relação ao tratamento dos transtornos de
dade em se estabelecer o tratamento mais adequado para ansiedade e hoje dispomos de um leque de possibilidades
cada forma específica de ansiedade e para cada caso indivi- medicamentosas. De mais a mais, o progresso ocorrido no
dual. Casos mais complexos são aqueles em que encontra- campo das terapias psicológicas de apoio foi significativo. A
mos o transtorno de ansiedade associado a outros quadros terapia cognitivo-comportamental (TCC) provou ser capaz
patológicos, como a depressão ou o consumo abusivo de de mudar os esquemas de pensamento que aprisionam es-
álcool e/ou outras substâncias causadoras de dependência sas pessoas aos seus próprios medos, além de alterar o seu
física e psicológica. Em relação ao álcool, de certa maneira, comportamento (reações) diante dos fatores desencadean-
é fácil entender a razão dessa parceria: a bebida alcoólica tes de ansiedade.
é capaz de atenuar o estado de tensão contínua, proporcio- Em relação às novas medicações, algo curioso aconte-
nando alívio momentâneo e aparente para essas pessoas. ceu: a constatação da frequente associação entre ansieda-
No entanto, esse alívio tem um preço. À medida que o de e depressão fez com que os pesquisadores estudassem
tempo passa, pode-se tornar "caro demais", pois o álcool, o uso de substâncias originalmente utilizadas como anti-
a curto, médio e longo prazos, é capaz de cobrar juros na depressivos Lambem para os casos de transtornos de ansie-
forma de insónia, ansiedade mais intensa (especificamente dade. A boa surpresa foi que algumas dessas substâncias

38
se mostraram realmente eficazes em determinadas formas CAPÍTULO • 2
de ansiedade patológica.
Atualmente podemos afirmar que em 80% dos casos
de transtornos de ansiedade é possível melhorar muito a TRWSTORHO
qualidade de vida das pessoas, e isso pode ser atestado pela
satisfação que os próprios pacientes demonstram. Após a
DO PÂNICO
conquista desse bern-estar, sempre recomendamos que o
paciente prossiga em sua terapia de manutenção, pois essa
prática se mostrou eficaz na prevenção de recaídas.
E, corno "em time que está ganhando não se mexe" e
"canja de galinha não faz mal a ninguém", é "melhor pre-
venir do que remediar"! O meu meão é
uma coisa assim,
que corre ?or f ora
entra, vai e volta sem sair

oa,DALTO E CLÁUDIO RABELLO


Pess

40
M e n t e s c o r r i M e ti o

Muitas pessoas apresentam um único ataque de pâ-


TERROR SEM AVISO PRÉVIO
nico, que não se repete com o passar do tempo. No entan-
Sentimento súbito de terror, sensação de morte to, quando esses ataques são frequentes, passam a carac-
iminente, coração disparado, suor intenso, dores no peito, terizar o transtorno do pânico, que pode gerar um círculo
falta de ar, tontura, por vezes acompanhados de sensação vicioso de sensações e comportamentos, que agravam de
de despersonalização ou irrealidade ou de que alguma ca- forma relevante as limitações cotidianas na vida dessas
pessoas. O fato de a pessoa não poder prever a hora ou o
tástrofe vai acontecer!
momento de um novo ataque de pânico faz com que ela
desenvolva uma ansiedade crescente quanto à situação e
A descrição acima se encaixa perfeitamente na des- ao local onde o próximo ataque poderá acontecer. A partir
crição de um ataque cardíaco, mas não é. Trata-se de um daí, instala-se uma sensação muito peculiar aos portado-
ataque de pânico! De fato, várias pessoas que sofrem de res de transtorno do pânico, conhecida como "o medo do
transtorno de pânico são atendidas na sala de emergência medo". Além disso, eles tendem a evitar locais ou situa-
de um pronto-socorro, para onde são levadas com forte ções onde outros ataques já ocorreram como, por exemplo,
suspeita, ou quase certeza, de estarem tendo um enfarte, banco, carro, cinema, teatro, feiras etc.
e lá recebem o diagnóstico de que o coração se encontra De uma forma bem sucinta: o nome pânico foi adap-
em perfeito estado. O caráter aterrorizante do ataque de tado do grego panikon e derivado do nome do deus Pa,
pânico, em função de seus sintomas, é ainda mais agrava- figura mitológica grega, divindade das montanhas e das
do pelo seu aspecto de improviso, ou seja, ele chega sem florestas, protetor de pequenos animais, pastores e caça-
sinais premonitórios e passa a dominar a vida das pes- dores. Apesar de travesso, galanteador e de sempre em-
soas, que até aquele fatídico momento se consideravam punhar uma flauta feita de caniços do brejo, era rejeitado
criaturas detentoras da mais perfeita sanidade mental A pela sua feiúra. Metade homem e metade animal, com
sensação vivida pelas pessoas que sofreram seu primeiro chifres, patas e pêlos de bode, Pa aterrorizava as pessoas
ataque de pânico é algo como a fábula da Cinderela. De com suas aparições inesperadas. Desta forma surgiu a pa-
um instante para o outro perdem todo o glamour do luxo, lavra "pânico", o terror infundado ou repentino.
da realeza, do amor, da música, e deparam com um balde Através dos séculos, observamos que as pessoas têm
com água suja, um trapo de pano, uma vassoura velha qua- sofrido de ataques de pânico há muito tempo. No século
se careca. É dormir rico e acordar pobre. Esta é a sensação XVI, na França, eram denominados terreur panique. Em
após o primeiro ataque de pânico: perder toda a sanidade 1603 (século XVII), um médico inglês descreveu assim um
ataque de pânico: "Tolos tremores repentinos, sem qual-
numa mesa de pôquer.
quer causa precisa, aos quais eles chamam de terrores de sensação de irrealidade (estranheza com o ambiente)
pânico". Sigmund Freud (o pai da psicanálise) foi um dos e de despersonalização (estranheza consigo mesmo);
primeiros a fazer uma descrição minuciosa e apurada dos medo de perder o controle de seus atos
ataques de pânico; em 1884 ele os chamava de "ataques ou de enlouquecer;
de ansiedade" em vez de ataque de pânico. Entre o final do medo de morrer;
século XIX e a década de 1980, podemos observar que tanto sensação de anestesia ou de formigamento;
a medicina quanto a psicologia praticamente ignoraram os ondas de calor ou calafrios.
ataques de pânico. Finalmente, a partir de 1980, a Associa-
ção de Psiquiatria Americana (APA) incluiu os ataques de É interessante observar que, em relação aos demais
pânico na terceira edição do DSM (Manual diagnóstico e transtornos de ansiedade, o transtorno do pânico apresen-
estatístico de transtornos mentais) —, uma espécie de bíblia ta uma frequência relativamente baixa, principalmente se
dos psiquiatras americanos para diagnosticar os problemas compararmos com as fobias (medos exagerados). No entan-
relacionados ao comportamento. to, o transtorno de pânico é campeão entre as pessoas que
Um ataque de pânico é um período inconfundível, de procuram ajuda e tratamento médico. Isso dá a dimensão
imenso medo ou temor, no qual quatro ou mais dos sinto- exata do sofrimento e do desespero vivenciados por um in-
mas listados abaixo, segundo o DSM-IV (quarta edição do divíduo durante um ataque de pânico. A partir desse mo-
manual citado acima), desenvolvem-se de forma abrupta, mento, inicia-se um longo período de temor, insegurança e
que atinge o ápice (pico) ern dez minutos, e costuma se mudança. A época mais comum para ocorrerem os primei-
estender por um total de 40-50 minutos: ros ataques de pânico é entre 15 e 30 anos de idade, o que
não exclui a ocorrência em qualquer outra faixa etária. A
© taquicardia (ritmo cardíaco acelerado); recorrência dos ataques faz com que muitas pessoas sintam
© sudorese intensa (suor, principalmente na face que não podem continuar trabalhando ou tendo a mesma
ou cabeça); vida ativa de antes, por isso não é raro o abandono de carrei-
© tremores ou abalos musculares; ras profissionais absolutamente promissoras.
© sensação de falta de ar ou sufocamento; As mulheres são mais acometidas do mal, e a cau-
© sensação de "nó" na garganta (ou aperto); sa exata dessa diferença até hoje não é satisfatoriamente
© dor ou desconforto no peito; compreendida. Um dado sobre o pânico, que contraria o
© náuseas (enjoo) ou desconforto abdominal senso comum, é o fato de ele ocorrer com igual frequência
(similar à cólica); tanto nos grandes centros urbanos quanto nas regiões agrí-
© tontura, vertigem ou desmaio; colas (campo). Assim, cai por terra a ideia preconcebida
M e li l c s ( o iii M (.' <l 11

de que a vida agitada das cidades grandes, como o Rio de consigo uma preocupação permanente sobre â imin
Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, cause mais pânico de um novo ataque ou mesmo sobre as possíveis c<>ns 9
em seus habitantes. Isso não passa de um mito que come- cias catastróficas desses ataques (enfarte cardíaco,
ça a ser desfeito. cerebral, enlouquecimento etc.), o diagnóstico àe r
A queda do mito (de que o transtorno do pânico esta- no do pânico deverá ser feito. Obviamente devei*105 x
ria atrelado ao estresse físico e funcional das grandes cida- qualquer outra doença física que justifique o quadro
des) nos faz pensar que o estresse afetivo talvez seja, de co, pois muitas podem apresentar sintomas parec!Cl° •
fato, o grande vilão nesse filme de terror chamado pânico. Diferentemente das fobias (medos exacert>a />
Os ataques de pânico são relativamente frequentes ataques de pânico costumam ser espontâneos» ° J>
em nosso meio, podendo apresentar entre 1,5 e 3,5% de "aparecem do nada", e não estão relacionados a J
prevalência vital, ou seja, qualquer urn de nós tem a pro- (determinados animais, por exemplo) ou situaÇ° es P
babilidade de ser acometido por um ataque de pânico em cíficas (falar em público ou iniciar um contato aíe 1V '*
algum momento de nossa existência. que sempre está presente nos quadros fóbicos.
No caso das mulheres, como dito, a situação é um Diante de tudo o que foi exposto até aqui- P°
pouco mais delicada, pois os estudos revelam que elas concluir que o diagnóstico do transtorno do pãfl ico
apresentam duas a quatro vezes mais chances de ocor- tão simples como possa parecer à primeira vista-
rências que os homens. Além disso, ternos de destacar que tenhamos preenchido os critérios para ataq ues e f
a significativa presença de uma propensão genética ao nico, e que eles se apresentem de maneira rep^1
transtorno, uma vez que observamos, de forma nítida, previsível ou inesperada, ainda assim teremos de ex
maior incidência do transtorno entre pessoas cujas famí- uma série de rotinas diagnosticas, uma vez que h# a n
lias possuem descrições de casos semelhantes. sidade de afastarmos a possibilidade de que o$ a '
E importante destacarmos que sofrer um ataque de sejam provocados por uma doença física ou m esr
pânico isolado sern maiores consequências não significa, na um outro transtorno de ansiedade, especialm^11 c
vida cotidiana, que uma pessoa seja portadora do transtorno bias. Daí a necessidade de que o diagnóstico de t ranf
do pânico. Afinal, várias condições diárias corno estresse fa- do pânico seja realizado por um médico, de prerer n
miliar, no trabalho e uso de substâncias como o álcool, an- com larga experiência no trato com pessoas poT^3"0
fetaminas, cigarro, cafeína, cocaína e até maconha podem, transtornos ansiosos e também possuidor de vast° c
esporadicamente, desencadear ataques de pânico. cimento das patologias clínicas em geral.
Por outro lado, precisamos estar atentos: se esses ata-
ques (ou crises de pânico) forem frequentes e trouxerem
-J 7
46

'"'* i
M e n tn s c o 111 M e d o

Podemos constatar o sofrimento vivenciado por Viviane, muito tempo. A grande maioria dos pacientes com trans-
torno do pânico ainda hoje faz verdadeiras peregrinações
31 anos, comerciaria, diante de esse terrível desconforto:
por diversos especialistas médicos e consultórios de psi-
Há seis anos, durante um almoço com um colega de trabalho, vi-
cologia. Tais pacientes são submetidos a diversos exames
venciei uma das piores coisas do mundo. Tudo estava na mais per-
e, ao final, recebem o desolador diagnóstico do nada, que
feita harmonia e tranquilidade quando, de repente, sem mais nem
costumam ser seguidos por tapinhas nos ombros e frases
menos, uma sensação horrível e angustiante tomou conta de mi m.
proféticas do tipo: "Você está ótimo, seus exames são espe-
Começou com uma tontura, depois tudo ao meu redor estava es-
taculares!"; "Isso tudo é da sua cabeça, relaxe"; "Viaje um
tranho (as pessoas, o ambiente) e pensei gue estivesse enlouque-
final de semana e tudo voltará ao normal". Ou: "Você não
cendo. Minha vontade era fugir dali, mas perdi o controle e desabei
tem nada, eu lhe asseguro isso". Quern tem pânico sabe
num choro compulsivo. Eu tive absoluta certeza de que iria morrer,
muito bem que o tal nada, que muitos médicos e psicó-
que iria enfartar, um mal-estar indescritível! Tudo era muito inten-
logos afirmam com veemência, pode ser responsável por
so! Meu corpo suava por inteiro, sentia enjoo, dormência na nuca,
todo o sofrimento do mundo em um curto espaço de tem-
meu coração disparava e me sentia sufocada. Medo! Ninguém
po: — os vinte a cinquenta minutos que duram a crise de
conseguia fazer aguele desespero parar, e os meus pensamentos
pânico. Além disso, o nada, ao se repetir, muda de forma
dramática toda uma vida de planos, sonhos e realizações.
eram os mais terríveis possíveis. Não fazia a menor ideia do que
O fato de apresentarem exames físicos e complemen-
poderia estar acontecendo e jamais esqueci dessas cenas de hor-
ror. Até hoje não consigo passar por perto do restaurante. Tempos
tares (laboratoriais) dentro dos padrões da normalidade
depois, as crises voltaram e cada vez mais frequentes. Meus pais
técnica não significa, em absoluto, que a pessoa não tenha
se desesperavam junto comigo, percorríamos os pronto-socorros
nada. A meu ver, o significado desse suposto binómio doen-
e as clínicas cardiológicas. Fiz todos os exames que me pediram e
te/sem doença reflete a nossa momentânea, mas real, inca-
o diagnóstico era sempre o mesmo: estresse. Convivi com isso por
pacidade de dispormos de métodos laboratoriais ou de ima-
cinco anos, o que me impediu de trabalhar, sair sozinha e dirigir.
gens suficientemente sofisticadas que nos possibilitem ver
Comecei a me informar sobre o assunto e procurei um psiquiatra.
como funciona o cérebro de alguém portador de transtorno
Hoje sei que eu tenho transtorno do pânico e, por meio de medica-
do pânico. E mais ainda, coloca de frente para o espelho a
ção e terapia adequadas, já me sinto muito mais segura e levando
grande dificuldade que os profissionais de saúde possuem
em exercer a função da empatia (capacidade de se colocar
uma vida praticamente normal.
no lugar do outro) na relação médico—paciente.
Infelizmente, a realização de um diagnóstico acerta- Temos de reconhecer que parte dessa deficiência tem
do e a aplicação de um tratamento adequado podem levar sua origem na própria formação médica. Ela é totalmente

49
48
voltada para a produção de médicos onipotentes, que se pro- é o fato de os pensamentos automáticos serem aceitos como
tegem de uma relação mais humana com seus pacientes fatos ou verdades por esses pacientes. Os pensamentos ou
por meio de técnicas e condutas previamente estabelecidas imagens mais comuns são:
e que, por isso mesmo, apresentam grande dificuldade em
aceitar e compreender o sofrimento do outro. O que mais © Vou ter um ataque cardíaco.
agrava isso é o fato de que, tal qual a miséria, o sofrimento © Vou ficar louco.
humano existe em qualquer canto e pode se manifestar em © Vou morrer.
qualquer pessoa. O médico de hoje pode ser o paciente de © Vou ter um derrame.
amanhã e vice-versa. © Vou ser tomado como alguém fraco.
© Vou desmaiar e vão rir de mim.
COMO PENSAM AS PESSOAS © Não posso ficar sozinho, pois preciso de alguém
QUE TÊM TRANSTORNO DO PÂNICO para me socorrer.
© Não consigo controlar minha vida.
Os pacientes portadores do transtorno do pânico, em © Preciso ser capaz de controlar tudo.
sua maioria, costumam apresentar ansiedade antecipatória © Não posso dirigir, pois vou perder o controle
em relação à possibilidade de terem um novo ataque de pâ- do carro e bater.
nico e a respeito de sofrerem as rnais diversas consequências © Não posso praticar esporte, pois posso morrer.
advindas desses ataques (enfarto, derrame, morte etc.). Essa © Não posso fazer sexo, pois posso enfartar.
ansiedade antecipatória se manifesta especialmente na for- © Se eu não dormir, posso enlouquecer ou ter
ma de pensamentos propriamente ditos ou na forma de ima- uma síncope (colapso nervoso).
gens (histórias fantasiadas). Ambos, pensamentos e imagens, © Não posso me emocionar nem chorar, senão perco
povoam a mente dos portadores de transtorno do pânico, tal totalmente o controle das minhas emoções.
qual uma sequência rápida de sons e imagens vistos em um
f
videoclipe de música eletrônica. E comum o paciente ter uma Naturalmente, existem muitas combinações e, até
percepção reduzida do conteúdo desses pensamentos. Isso mesmo, diferentes pensamentos e imagens que podem
se deve à grande velocidade com que eles são processados ocorrer em cada indivíduo que sofre de transtorno do pâ-
dentro do funcionamento mental dos indivíduos que sofrem nico. Afinal, os sintomas são os mesmos. No entanto, cada
de transtorno do pânico. Em função dessa velocidade, esses indivíduo traz consigo uma história própria, que acaba por
pensamentos são denominados sob a expressão de "pensa- facilitar a ocorrência de determinados tipos de pensamen-
mentos automáticos". O que nos causa intensa preocupação tos e imagens que povoam suas mentes.
M en l es c o m Me d u

Em nossa prática clínica, pudemos observar, porém, normais em nossa vida. O que as torna anormais no pânico
que determinados pensamentos ocorrem com tamanha é a forma catastrófica como elas são interpretadas.
frequência entre as pessoas com pânico, que poderíamos Para um paciente com transtorno do pânico (TP), ta-
até chamá-los de pensamentos unânimes ou universais. quicardia e dificuldade respiratória são tomados sempre
Entre eles destacamos três que, sob nosso ponto de vista, como indicadores certeiros de morte iminente. Agora, se
respondem por grande parte do sofrimento quase perma- lembrarmos quantas vezes fizemos exercícios físicos e bom
nente dos portadores de pânico e transformam suas vidas sexo, notaremos que, além de não termos morrido disso,
em verdadeiros martírios antes, durante e após a ocorrên- experimentamos sentimentos revigorantes que nos deram
cia de uma crise: a certeza de que estávamos vivos e felizes.

MORTE LOUCURA
Sem sombra de dúvida, a ideia de morrer é a que mais Excetuando alguns filósofos e poetas, que viam algo de
aterroriza quem sofre de transtorno do pânico (TP). É cla- romântico e revolucionário na loucura, todos nós temos
ro que o assunto "morte" costuma incomodar quase que muito receio de enlouquecer, até porque isso significa
100% da população humana, afinal somos os únicos ani- romper a fronteira do conhecido e quebrar a estrutura
mais que têm consciência de sua inevitável ocorrência. mais íntima de nosso ser. No caso dos portadores de
Mas o que chama atenção entre os pacientes com pâni- transtorno do pânico, esse medo é intenso e muito fre-
co é o fato de eles associarem diretamente esse medo a quente. Ele está profundamente relacionado com os sin-
alguns sintomas que ocorrem durante o ataque de pâni- tomas de despersonalização (deixar de se sentir a própria
co, em especial a taquicardia e a falta de ar (ou dispneia, pessoa) e irrealidade (estranheza em relação aos fatos e
como os médicos costumam denominar). Por outro lado, pessoas que fazem parte de sua vida).
se analisarmos friamente, veremos que essas mesmas sen- Ao forçar a respiração em função da falta de ar, o
sações estão presentes, de forma absolutamente normal, paciente com pânico acaba promovendo uma hiperventi-
em nosso cotidiano. Quem já não teve taquicardia e ligeira lação, ou seja, respiração curta e rápida com baixa produ-
falta de ar ao ter uma maravilhosa relação sexual, ou após ção de oxigénio e maior geração de gás carbónico, resul-
a prática de um esporte de lazer, ou após a subida rápida tando em uma respiração de baixa qualidade. A redução
de uma escadaria, ou mesmo durante uma forte emoção de oxigénio (O,) e o aumento de gás carbónico (CO2) no
de alegria, como o próprio casamento ou a notícia de uma sangue produzem um funcionamento alterado no cére-
premiação profissional"? Como podemos constatar, essas bro, que passa a coordenar mal as ideias e os pensamen-
sensações são, de certa forma, corriqueiras e totalmente tos, dando a sensação de despersonalização e irrealidade
M n n t e s c o rn M e d o

que toma conta das pessoas durante o ataque de pânico. funciona como um filme de suspense e açao, no qual
Essa mesma sensação pode ser provocada quando, vo- acontecimentos trágicos ocorrem a todo instante. E pior,
luntariamente, respiramos rápida e profundamente com muitos desses pacientes chegam a imaginar essas cenas
a boca aberta de 30 a 60 segundos. Faça o teste e você trágicas com detalhes mórbidos e trilhas sonoras fúne-
verá que um pouco de tontura e confusão mental não é bres ao fundo. Literalmente, eles vêem tudo o que ou-
capaz de enlouquecer ninguém. vem e ouvem tudo o que vêem. Dessa forma, perder o
Loucura é outra coisa, bem diferente por sinal. Nela controle de um veículo e atropelar alguém ou mesmo co-
existe a presença de alucinações e delírios, que são alte- meter um ato desvairado são ideias que inundam a men-
rações graves da percepção (ver coisas, ouvir vozes) e do te dos portadores de pânico, mantendo-os como náufra-
julgamento (achar que está sendo perseguido). E isso não gos à deriva dentro de si mesmos.
tem nada que ver com o transtorno do pânico em si. Os portadores de pânico, envoltos em seus pensa-
mentos trágicos ou catastróficos, não se dão conta de um
DESCONTROLE fato bastante simples e acalentador: urn ataque de pâni-
Se pensarmos bem, viver é um exercício diário, cheio de co tem uma duração limitada. Como já dito, os sintomas
imprevistos positivos e, às vezes, negativos. É a velha his- se instalam de forma súbita, atingem um pico máximo de
tória das perdas e ganhos, e não existe viver sem essas intensidade, por volta de dez minutos, iniciam uma curva
condições. Apesar de teoricamente sabermos que con- descendente e passam. Sem esse entendimento, mesmo
trolar os acontecimentos de nossas vidas e das pessoas com todos os sintomas desagradáveis e o descontrole que
que nos cercam é uma tarefa impossível, sempre tenta- as pessoas com ataque de pânico vivenciam, muitas aca-
mos, de alguma forma, controlar os fatos, os sentimentos bam por pedir ajuda a alguém ou mesmo dirigem-se so-
e as circunstâncias de tudo que ocorre em nossas vidas. zinhas a um hospital ou a um local onde possam ser en-
A maioria das pessoas não consegue lidar rnuito bem caminhadas ao atendimento médico. Convenhamos que,
com a impossibilidade de controlar totalmente a vida. E se essas pessoas não tivessem um mínimo de controle
como se o ato de controlar coisas e pessoas conferisse ao sobre as situações, elas não seriam capazes sequer de se
controlador uma espécie de poder ilusório de segurança, articular para solicitar ou buscar ajuda, como costuma
força e equilíbrio. ocorrer na maioria absoluta dos casos. Podemos então
Para quem sofre de transtorno do pânico (TP), per- deduzir que o descontrole, tão temido pelos portadores
der o controle sobre seus atos é algo pensado e imagina- de transtorno do pânico, é muito mais de uma sensação
do com tamanha riqueza de detalhes, e com uma frequên- subjetiva do que de um fato de repercussões tão trágicas
cia tão intensa, que o universo mental dessas pessoas como eles imaginam.

5S
O MEDO DE FICAR SÓ (AGORAFOBIA) meio à multidão, sair de casa, andar de ônibus, carro, ele-
vador, avião, trem, metro ou ainda atravessar pontes, via-
Tinha medo de sair de casa, de estar sozinha, de trabalhar, de ir ao teatro, dutos ou passarelas. Quase sempre as pessoas que sofrem
cinema ou shows. Logo eu, que sempre gostei tanto de tudo isso. de agorafobia necessitam da presença de outras pessoas
de confiança para enfrentar essas situações.
Uma situação que frequentemente acompanha o Diante da relação frequente entre pânico e agorafo-
transtorno do pânico é a agorafobia. A origem desta pala- bia temos de separá-la em dois diagnósticos distintos. O
vra, aparentemente estranha e de difícil pronúncia, tam- DSM-IV descreve a agorafobia em duas situações:
bém advém da mitologia grega. Agora era o nome de praças
onde se realizavam trocas de mercadorias ou reuniões do 1 Transtorno do pânico com agorafobia.
povo para discutir os problemas da cidade, Sendo assim, a 2 Agorafobia sem história de transtorno do pânico.
agorafobia trata de um tipo de fobia generalizada, na qual
o indivíduo apresenta um medo intenso e injustificável Em nossa experiência clínica diária, temos observado
de estar em lugares amplos ou com um contingente sig- que a ocorrência de agorafobia sem história de transtorno
nificativo de pessoas. Nesses casos, o receio apresentado do pânico é um diagnóstico raro. Na grande maioria dos
por essas pessoas deve-se à dificuldade de terem acesso a casos, encontramos a agorafobia como parte ou consequên-
qualquer tipo de socorro, caso haja a necessidade de um cia do próprio transtorno do pânico.
^
atendimento médico ou qualquer outro tipo de ajuda. E importante entendermos que a agorafobia não tra-
Contrariando algumas pessoas, que tendem a citar o ta de um simples temor ou evitação de lugares abertos ou
pânico e/ou a agorafobia como um problema dos tempos fechados, ela engloba diversas circunstâncias que podem
modernos, a agorafobia foi descrita há mais de um sécu- apresentar sutis diferenças de pessoa para pessoa, mas
lo como "impossibilidade de andar nas ruas ou praças ou que possuem em comum o medo de estar longe de casa
fazê-lo somente com medo ou sofrimento acentuado". ou longe de pessoas que lhes dêem segurança. Fora dessas
Segundo o DSM-IV, (Diagnostic and Statistical Ma- situações, tidas como seguras, os pacientes com agorafobia
nual) a agorafobia se caracteriza por ansiedade extrema possuem intenso temor de apresentarem sensações físicas e
de estar em locais ou circunstâncias cuja saída seja difícil psíquicas de ansiedade e isso acabar por desencadear crises
ou, então, o auxílio ou socorro possa não estar disponí- ou ataques de pânico. O medo de ter medo define de forma
vel se houver ocorrência de um ataque ou de sintomas de precisa a essência desse quadro.
pânico. A agorafobia leva as pessoas a evitarem situações Nos pacientes que apresentam o transtorno do pânico
cotidianas diversas, como ficar em casa sozinhas, estar em com agorafobia, os sintomas de ansiedade costumam ser

5 6 5 7
T r a n s l » r n n ti a p â n i c o

bastante variáveis, tanto na frequência quanto na intensi- As situações e locais evitados por pacientes que apresen-
dade. Dessa maneira, esses sintomas podem-se manifestar tam transtorno do pânico com agorafobia são bastante di-
desde um leve desconforto a uma esquiva generalizada, versos, pois dependem da vivência subjetiva e/ou objetiva
que inclui situações, pessoas e locais. Isso ocasiona, mui- de cada pessoa. Mesmo assim, observamos, em nossa prá-
tas vezes, a impossibilidade de o paciente sair de casa ou de tica diária, que determinadas situações e locais são evi-
fazê-lo somente em situações em que esteja acompanhado tados com uma frequência significativa pela maioria das
por pessoas que sejam referências de sua segurança. pessoas que sofrem dessa alteração comportamental. En-
O transtorno do pânico costuma apresentar ótima tre elas, podemos citar:
resposta terapêutica a determinados tipos de antidepres-
sivos, porque esses remédios são bastante eficazes no © sair ou ficar em casa sozinho;
controle dos ataques. No entanto, eles interferem de ma- © permanecer em locais fechados e cheios como teatros,
neira bem menos perceptível na esquiva fóbica - evitação cinemas, restaurantes, shoppings, shows, estádios de
das situações ou locais onde os ataques de pânico tenbam futebol, festas em clubes, congestionamentos
ocorrido anteriormente —, sobretudo se esta for acentuada de trânsito etc.;
e duradoura. É claro que o controle das crises de pânico © andar de carro, ônibus, metro e avião;
gera, em muitas pessoas, maior segurança e predisposição © enfrentar filas de banco;
para que elas enfrentem as situações ou locais que ante- © atravessar túneis, passarelas, pontes, elevados;
riormente eram evitados com afinco. Entretanto, grande © entrar em elevadores;
parte dos pacientes com pânico e que apresentaram ago- © permanecer em consultórios médicos e de dentistas,
rafobia intensa por longo período tende a manter o com- escritórios em geral;
portamento de evitação devido ao medo de terem outro © frequentar lugares muito amplos e abertos, onde
ataque de pânico. a ajuda não possa estar à vista;
A evitação de situações, locais ou de pessoas diminui © realizar viagens e passeios mais distantes.
momentaneamente o medo, reforçando um ciclo vicioso
de falsa segurança e controle. Por isso, a terapia cognitivo- COMPREENDENDO O TRANSTORNO
comportamental (TCC) é tão importante no tratamento
do transtorno do pânico com agorafobia, uma vez que esse Dizem que O primeiro beijo a gente nunca es-
tipo de abordagem psicoterápica prepara o paciente para quece, assim como o primeiro sutiã, o primeiro bombom
enfrentar e romper essa "corrente" de medo, insegurança oferecido como declaração de amor, a primeira paixão,
e incapacitação. o primeiro amor. São momentos mágicos, que povoam
nossas lembranças e superlotam o escaninho de nossas perigo ou de ameaça, é capaz de desencadear no cérebro
almas, como diria Fernando Pessoa, ao se referir às cartas uma verdadeira "explosão" de reações químicas, liberando
de amor. De forma inversa, porém não menos intensa, o neurotransmissores (substâncias que conectam as infor-
mesmo acontece com o primeiro ataque de pânico. Por mações cerebrais e preparam o corpo para as ações) como
razões diametralmente opostas, o pavor vivenciado naque- a noradrenalina, dopamina e endorfinas, as quais deixam
les cinco-quarenta minutos em que a morte mostra a sua nosso corpo pronto para enfrentar um perigo real.
cara mais abusada, jamais abandona a memória de quem já Algo bastante semelhante ocorre em uma crise de
teve ou tem ataques de pânico. pânico. Tudo funciona como se houvesse de fato um perigo
Se quisermos ter uma compreensão, pelo menos par- real, as mesmas alterações bioquímicas, as mesmas sensa-
cial, da tempestade indesejada que acomete nosso orga- ções e até as ações reflexas e imediatas de medo e insegu-
nismo durante uma crise de pânico, devemos raciocinar rança. No entanto, a ameaça real não existe! É como se o
de forma simples e considerar que o nosso cérebro é de- sistema de alarme do detector de perigo tivesse sofrido um
tentor de um sistema de alarme - para detectar perigos e desajuste e sua programação de disparo, para horas especí-
ameaças - e que, por circunstâncias ainda não completa- ficas e necessárias, passasse a funcionar em horas erradas
mente esclarecidas, esse sistema pode se desregular e de- e inapropriadas. Sem qualquer lógica aparente e qualquer
sencadear alarmes falsos em situações que habitualmente controle de nossa parte ou necessidade real, esse alarme
não representam qualquer tipo de ameaça ou perigo para passa a disparar de forma repentina, tomando-nos de assal-
nós. Nosso sistema detector de ameaças funciona produ- to, deflagrando uma série de sintomas que, ao se repetirem
zindo um alarme que sinaliza o perigo e nos prepara para ao longo do tempo, transtornarão toda nossa vida.
situações nas quais precisaríamos correr, fugir ou mesmo Situação análoga ocorreria se nosso despertador, que é
tomar decisões de forma reflexa e imediata. programado para nos fazer acordar todos os dias às sete da
Todos nós já passamos por momentos pelos quais, manhã, passasse, de um momento para o outro, a disparar
devido a algum tipo de risco ou perigo, sentimos nosso às duas, três ou quatro horas da madrugada, em noites su-
coração bater mais rápido e forte. Percebemos nossa respi- cessivas. Com certeza, esses despertares indesejados, com
ração mais intensa, nossos músculos tensos, nosso corpo barulhos irritantes e estressantes, causariam sensações e
quente e nossa pele suada. E foi em função dessas alte- consequências bastante desagradáveis em nossas vidas.
rações em nosso organismo que fomos capazes de tomar Desta forma, podemos afirmar que o ataque de pâni-
atitudes que sequer imaginávamos ser capazes. Tal qual co tem sua origem no aparelho cerebral do medo que, por
uma arma, nosso sistema de defesa cerebral possui um diversos fatores, passa a apresentar sua sensibilidade altera-

l
gatilho que, ao ser acionado por determinada situação de da. Diversas estruturas do cérebro fazem parte desse sistema

60
l\ t- n ) e s co m Medo

complexo que envolve o medo, a ameaça, o risco ou o perigo. horas, últimos dias ou semanas, mas, sim, entre seis e de-
Dentre elas destacamos o córtex prefrontal, a ínsula, o tá- zoito meses antes.
lamo, a amígdala e o tronco cerebral, que são responsáveis Em geral, as pessoas com pânico ignoram totalmente
pelo disparo e pela condução dessas reações, intermediadas, essa ligação retrógrada, por isso resolvemos denominá-la fio
é claro, pelos citados neurotransmissores.* invisível. Todavia, a conexão existe, e os pacientes, via de re-
De acordo com o DSM-IV, o transtorno do pânico é gra, fracassam em ligar os acontecimentos, o que demonstra
classificado dentro dos transtornos de ansiedade, aquela que estão procurando no lugar ou no tempo errado. Eles, rara-
mesma ansiedade que faz parte do nosso dia-a-dia, mas, mente, olham para um período de tempo que seja superior ao
infelizmente, pode assumir o status de patologia que limita dia anterior, na tentativa de explicar seus ataques de pânico.
a vida de diversas pessoas e as faz sofrer de forrna intensa Essa é a razão pela qual os pacientes fracassam em estabele-
e, às vezes, duradoura. Sem nenhuma dúvida, dentre esses cer a ligação correta, uma vez que usam um enquadramento
transtornos de ansiedade, o transtorno do pânico é o que dos fatos com um enfoque temporal totalmente distorcido.
pode atingir as dimensões mais catastróficas, uma vez que É preciso olhar a meia distância quando queremos des-
os ataques constituem-se de crises agudas de ansiedade, de vendar os fatos reais que desencadearam os primeiros ata-
proporções quantitativas imensuráveis em um curto espaço ques de pânico. Os pacientes que atendemos, em sua maio-
de tempo. ria, respondem "não" quando perguntamos se houve algum
fato significativo em suas vidas na ocasião da primeira crise
de pânico. No entanto, conforme vão descrevendo os meses
CAUSAS: O FIO INVISÍVEL DO PÂNICO
anteriores ao primeiro ataque, acabam por revelar os mais di-
As pessoas que sofrem de transtorno do pânico não versos tipos de eventos estressantes: ruptura de casamento,
costumam relacionar algum fato ou motivo óbvio que jus- cirurgia de emergência, um grave acidente ou ainda a morte
tifique a ocorrência dos primeiros ataques de pânico. No de um ente familiar muito querido (pai, mãe, irmão).
entanto, o que constatamos na prática clínica é que, na Para todos nós, médicos e/ou psicólogos, que funcio-
grande maioria dos casos, existe, sim, uma ligação com namos como observadores externos, fica óbvio que eles es-
os eventos da vida dessas pessoas, e que esses foram res- tiveram sob um estresse intenso e prolongado e, por conta
ponsáveis pelo desencadeamento das primeiras crises. Em disso, o organismo preparou toda uma reação, visando mu-
uma investigação mais acurada, pudemos observar que es- nir aquelas pessoas de força e coragem para enfrentarem as
ses eventos ou circunstâncias não ocorreram nas últimas ameaças representadas pelos acontecimentos traumáticos.
As demandas aumentadas de desempenho físico e men-
* Ver figura ilustrativa na página 189. tal, a que as pessoas estão sujeitas quando são expostas a

63
M en ley com Medo

eventos traumáticos, são suportadas pelo organismo por substâncias como as citadas acima foram companhias fiéis
um determinado período de tempo (variável de pessoa nos dias anteriores (sexta, sábado e mesmo domingo).
para pessoa). No entanto, chega um momento em que O exposto assemelha-se muito ao relato de Maurício,
esse frágil equilíbrio é quebrado e a "reação de medo", 25 anos, universitário e bancário, que nos procurou por
acionada pelo organismo, passa a ser disparada sem qual- apresentar sintomas de ataque de pânico.
quer motivo imediato. Surgem, então, os recorrentes ata-
ques de pânico que transtornam de forma abrupta a vida Sei que sou um cara agitado e ansioso, mas nunca tive maiores
das pessoas. problemas com isso. Tenho uma namorada que adoro, trabalho e
estudo normalmente, sem problemas na faculdade. Não sou san-
to, sempre gostei de festas e bares nos finais de semana, quando
SEPARANDO O JOIO DO TRIGO
bebo, fumo muito e uso algumas "bolas" pra curtir e ficar mais
Fazendo Uma analogia com o ditado popular "nem solto e "ligado". Porém, de uns tempos pra cá vem acontecendo
tudo o que reluz é ouro", podemos encontrar pacientes algo meio estranho. Estou tendo um tipo de "ressaca" diferente
que apresentam crises ou ataques de pânico, mas que não e muito ruim. Sinto falta de ar, dor no peito, meu queixo começa
apresentam transtorno do pânico (TP). Isso ocorre porque a tremer sozinho, os braços ficam dormentes e a sensação é de
essas crises foram originadas por outros motivos e não que vou morrer. Na minha cabeça passa um montão de coisas ao
pelo fato de o paciente apresentar, efetivamente, o trans- mesmo tempo e me dá a impressão que posso fazer mal a alguém
torno do pânico. Observamos, com relativa frequência, a qualquer momento. Nunca contei nada pra minha namorada e
ataques de pânico como consequência do uso de drogas prós meus amigos, pois fico com vergonha deles acharem que
como cocaína, ecstasy, anfetaminas (remédios para redu- é frescura minha ou que sou fraco. Já estou evitando sair com
ção do apetite), álcool, maconha etc. Nesses casos, vamos minha turma, pois é uma coisa que não consigo controlar, vem de
observar que as crises de pânico costumam ocorrer no pe- repente e é um mal-estar horroroso.
ríodo de abstinência ou na intoxicação aguda, como é o
caso das substâncias estimulantes (cocaína, anfetaminas Além de descartamos situações de abuso de drogas,
ou mesmo excesso de cafeína e/ou nicotina). devemos também proceder a uma cuidadosa avaliação clí-
Em nossa prática clínica, constatamos relatos de pa- nica para que outras patologias clínicas, que costumam
cientes que nos procuraram por terem apresentado ataques provocar sintomas semelhantes a uma crise de pânico,
de pânico em plena segunda-feira. Após uma investigação possam ser descartadas. As principais situações clínicas
criteriosa, identificamos que tais crises ocorreram após um que devem ser eliminadas, antes de firmarmos o diagnós-
i i n. i de semana emquebadalações, associadas a abusos de tico de certeza de TP, são:
© HIPERTIREOIDISMO: conjunto de sinais e sintomas Outros transtornos de ansiedade (como as fobias), a
decorrentes do excesso de hormônios da tireóide; depressão e a hipocondria são frequentemente encontrados
© HIPOTIREOIDISMO: diminuição do funcionamento nos pacientes com TP. A hipocondria pode ser justificada
da tireóide; pela excessiva preocupação com a saúde, que faz com que o
© HIPERPARATIREOIDISMO: caracterizado pelo excesso indivíduo utilize muitos medicamentos, submeta-se a con-
de funcionamento das glândulas paratireóides; sultas médicas constantes e à realização de uma bateria de
© PROLAPSO DA VÁLVULA MITRAL: anormalidade cardíaca exames em curto espaço de tempo. A hipocondria é até es-
valvar mais comum, que pode ocasionar fadiga perada nos portadores de transtorno do pânico, já que estes
e palpitações; se preocupam muito com o seu corpo, com o seu funciona-
© ARRITMIAS CARDÍACAS: alterações do ritmo mento e a sua reação nas diversas ocasiões da vida.
cardíaco normal; O sofrimento vivenciado por um portador do transtor-
© INSUFICIÊNCIA CORONARIANA: deficiência da artéria no do pânico também pode ser deflagrador de grandes pre-
coronária, responsável pela irrigação do coração; juízos nos diversos segmentos de sua vida:
© CRISES EPILÉPTICAS (especialmente as do lobo
temporal); FINANCEIRO/PROFISSIONAL
© FEOCROMOCITOMA: tumor benigno localizado nas São expressivos os gastos financeiros com médicos e exa-
glândulas supra-renais (85% dos casos), com mes laboratoriais, além de faltas e afastamentos no traba-
flutuação da pressão arterial, cefaléia, sudorese, lho com auxílio-doença e, às vezes, internações em UTI,
palpitações; clínicas e hospitais psiquiátricos, sem nenhum benefício.
© HIPOGLICEMIA; baixo nível de glicose no sangue, É também muito comum ocorrerem recusas de promo-
ções por falta de segurança e desmoralização ou pedido de
demissão e dispensa em função da agorafobia.
COM FREQUÊNCIA, O PROBLEMA NÃO VEM SOZINHO

H, muitO COinurn encontrarmos o transtorno do pâni- SOCIAL

co acompanhado de outras alterações comportamentais, Com a ocorrência sucessiva das crises, o paciente se "reco-
às quais costumamos chamar comorbidaâes ou transtor- lhe" como um bichinho acuado e se restringe ao seu conví-
nos secundários, Na realidade são problemas que, com vio familiar. As recusas dos convites sociais tornam-se cada
o passar do tempo, o transtorno do pânico acaba carre- vez mais frequentes, devido ao receio de que uma crise
gando "debaixo do braço", transtornando ainda mais a vida possa-se desencadear a qualquer momento, o que leva au-
do indivíduo. tomaticamente ao afastamento dos amigos e conhecidos.

f, 6 6 7
Mentes com Medo

De mais a mais, as pessoas de seu convívio social não con- atuais, não cabe mais a figura de profissionais frios e insen-
seguem entender, de fato, o que se passa com esse pa- síveis, com a postura de quem olha de cima, sem um míni-
ciente, a não ser que ele seja muito amigo ou que já tenha mo envolvimento. É necessário que os pacientes sintam-se
passado ou visto algo semelhante. acolhidos e respeitados, com uma conduta que se diferencie
dos inúmeros contatos que foram realizados anteriormente.
FAMILIAR Muitos deles nos chegam desesperançados por terem sido
Após várias consultas médicas e exames, que demons- avaliados e julgados como indivíduos que têm tantas queixas,
tram que o indivíduo não apresenta "nada", pelo menos mas não apresentam "nada". É chegada a hora de rever nos-
aparentemente, os familiares podem supor que todo o so- sos conceitos como profissionais de saúde e entender o "algo
frimento não passa de falta de força de vontade. Podem mais" de cada paciente que nos procura, tão fragilizado, em
imprimir uma responsabilidade muito grande ao porta- nossos consultórios. Sabemos que um indivíduo com pânico
dor na superação dos seus desconfortos sozinho. Além do não está, definitivamente, diante de uma ameaça real, mas
mais, não é raro que o paciente necessite de companhia seu sofrimento existe e é muito expressivo! Além disso, deve-
para sair ou ficar em casa, o que acaba por tolher a liber- ria ser da essência de quem cuida de pessoas, ouvi-las com a
dade das pessoas de seu convívio e trazer aborrecimentos alma e o coração, já que cada uma delas é detentora de todo
conjugais e/ou familiares. um histórico de vida, emoções, cultura, hábitos, e de toda
riqueza de uma experiência humana.
O ALÍVIO DO DIAGNÓSTICO... E FINALMENTE O TRATAMENTO No meio de tantas informações, algumas corretas e
outras sem o menor fundamento, muitas vezes colhidas
Nunca pensei que um diagnóstico pudesse soar de forma tão na internet e em todos os meios de comunicação, o mé-
generosa em meus ouvidos. Apôs urna longa jornada, sem rumo e dico e/ou terapeuta modernos precisam aprender a serem
sem esperança, compreendi o que eu tinha. Descobri que poderia também professores, ensinando, de forma simples, clara e
melhorar e ter de volta a minha vida. confiante, tudo o que se passa com esse indivíduo: a evo-
lução do seu quadro clínico, a conduta terapêutica a ser
Indubitavelmente, os pacientes, em sua maioria, sen- adotada, o tempo de tratamento e a sua real necessidade.
tem um extremo alívio com o diagnóstico correto, pois en- A maioria desses pacientes já viveu situações constrange-
contram justificativas para os seus sofrimentos e descobrem doras e humilhantes no seu dia-a-dia, e o sofrimento não
que podem ser tratados. Nesse aspecto, a empatia do médico foi pequeno: ocasiões em que pararam no trânsito, tiveram
e/ou terapeuta, ao se colocar no lugar do paciente e identificar de ser socorridos, interromperam suas compras, seus pas-
suas angústias, é de fundamental importância. Nos tempos seios, assustaram seus familiares e preocuparam a todos

68 69
T ra nst

são absolutamente comuns nas suas vidas. Muitas perde- midos. A atuação desses medicamentos no equilíbrio da
ram a esperança e a confiança em si mesmas; foram mal serotonina (neurotransmissor que traz bem-estar ao indi-
compreendidas e já consultaram inúmeros especialistas, víduo) tem efeitos extremamente positivos no quadro do
sem qualquer explicação ou ajuda eficaz. transtorno do pânico e outros quadros ansiosos. Diminuem
A esperança reina com o diagnóstico e tratamento sensivelmente a ansiedade e, reconhecidamente, podemos
adequados. Para tanto, é necessário que o médico esteja citar a paroxetina e a sertralina, além de outros mais mo-
familiarizado com o assunto e que haja uma boa relação dernos como o citalopmm e o escitalopram. Não podemos
entre médico-paciente. A partir daí, a conduta terapêuti- esquecer também dos mais antigos, como afluoxetina, que
ca poderá ser estabelecida, com todas as chances de gran- trazem resultados expressivos para muitos pacientes,
de êxito. z A outra questão se refere ao tempo de ação terapêu-
tica, que normalmente não é inferior a 20-30 dias, che-
TRATAMENTO MEDICAMENTOSO gando em alguns casos a 45-60 dias, antes de obtermos
alguns resultados satisfatórios. Sendo assirn, é imprescin-
No tratamento são usadas medicações que atuam dível que o médico oriente seu paciente, advertindo-o, in-
de forma substancial nas crises, na ansiedade e na pre- clusive, que no início do tratamento alguns efeitos inde-
venção de novas crises. Desde o início das pesquisas, sejáveis, porém passageiros, podem estar presentes. Essa
pôde-se observar que alguns antidepressivos teriam seu informação é fundamental, pois alguns pacientes acabam
mérito no tratamento do transtorno do pânico, como de- por desistir do tratamento, ainda na fase inicial, por total
monstraram experimentos com a imipramina, um antigo falta de conhecimento.
antidepressivo tricíclico. Atualmente temos a opção do Quando, no início da administração da medicação, os
uso dos ISRS (Inibidores Seletivos da Recaptação da Se- efeitos adversos surgirem, os pacientes podem ter a falsa
rotonina), que atuam com eficiência comprovada e com impressão de piora, caso não se sintam orientados pelo
menos efeitos colaterais. Porém, destacamos dois pon- médico que os assistiu. Afora isso, são de extrema rele-
tos importantes de serem lembrados com relação a esses vância avaliações médicas periódicas, já que o vínculo e a
medicamentos: perfeita sintonia entre médico e paciente torna possíveis
1 As substâncias conhecidas como antidepressivos têm os ajustes, trocas ou associações medicamentosas para o
sua ação reconhecida e segura em uma série de transtor- melhor conforto do paciente.
nos comportamentais além da depressão. Esse conceito é Outro tipo de medicação muito utilizada no trans-
importante porque muitos perguntam o motivo de usarem torno do pânico pertence à classe dos benzodiazepínicos.
uma medicação dessa categoria, se não se sentem depri- De efeito notadamente ansiolítico (diminui a ansiedade),

70 7 í
Mentes com Medo

betabloqueadores, a mirtazapina, a venlafaxina, além dos


esses medicamentos possuem a vantagem de terem ação
antidepressivos tricíclicos como a imipramina, citada no
mais rápida, o que traz importante alívio das crises já no
início deste tópico.
início do tratamento. Além disso, também são usados em
situações de emergências e em circunstâncias inespera-
das - do tipo SOS —, o que garante maior segurança aos TRATAMENTO PSICOTERÁPICO
que sofrem do transtorno. Atualmente os mais usados
Outra Conduta não-medicamentosa e que considera-
são o alprazolam e o clonazepam, sendo este último de
mos fundamental no tratamento do transtorno do pânico é
efeito mais satisfatório em nossa experiência.
De certa forma, achamos adequada a associação das a terapia cognitivo-comportamental (TCC). A pessoa que
sofre de pânico tende a experimentar uma sensação de pe-
duas classes de medicamentos no início do tratamento
rigo constante e ter interpretações distorcidas dos sintomas
(antidepressivos e ansiolíticos). Aos poucos, suspendemos
físicos, o que acaba acarretando, inicialmente, na evitação
o uso dos tranquilizantes, com manutenção apenas dos
ou esquiva das situações nas quais os ataques ocorreram.
antidepressivos, reservando os benzodiazepínicos somente
Os sintomas físicos, como sensação de sufocamento, au-
para casos de emergência. No entanto, diversas opções de
mento do batimento cardíaco, suor, dentre outros, são su-
tratamento são válidas, observando-se sempre a máxima
pervalorizados e interpretados catastroficamente como um
de que "cada caso é um caso".
aviso de perda de controle ou morte iminente.
Frequentemente encontramos dúvidas em relação ao
A terapia de base cognitivo-comportamental, portan-
tempo necessário para o tratamento. Tudo depende das
to, irá restabelecer o pensamento do paciente em relação
características individuais do paciente e de sua resposta
à sua segurança, à avaliação das crises, ao medo de outras
à medicação. Normalmente é recomendado um ano ou
crises e à agorafobia, além de fornecer exercícios que fa-
mais de tratamento antes de retirarmos completamente a
cilitam o controle da ansiedade e da própria crise, caso ela
medicação, para que não haja recaídas. É importante ter
em mente que não há nenhuma consequência mais grave ocorra. A TCC trabalha métodos que envolvem o controle
em decorrência do uso prolongado da medicação, prin- da respiração, o relaxamento, a exposição às situações
que lhe trazem temores e a reestruturação cognitiva (mu-
cipalmente no que concerne aos antidepressivos. Os pe-
dança na maneira de pensar). Traz o auxílio necessário
quenos incómodos, ou efeitos adversos, são extremamen-
na descoberta de seus pensamentos automáticos e como
te menores do que o alívio e o benefício geral alcançado
modificá-los, alterando assim os sentimentos decorrentes
com o controle das crises. Outros medicamentos também
podem ser usados no transtorno do pânico, ou já foram deles, com benefícios no controle de seu comportamento.
Ela tem por objetivo estudar as condições nas quais se de-
objetos de estudos e pesquisas, tais como os IMAOs. os

72
senvolveram as crenças pessoais que, no momento, estão
causando sofrimento à pessoa, impedindo-a de solucio- Tenha absoluta certeza de que a crise não durará muito tempo,
nar os seus problemas e conflitos e, assim, ajudá-la não mas somente alguns minutos, Muito embora pareça uma eternidade, o pico
somente a entender seus desconfortos como também a máximo da crise chega em dez minutos. Após isso, os sintomas indesejáveis
solucioná-los. Com essa abordagem o terapeuta funciona diminuirão paulatinamente até desaparecerem por completo.
como uma espécie de "técnico" ou "treinador", com o qual
o paciente aprende a ver de forma diferente o seu trans- Quanto mais você relaxar, mais rápido passará a crise.
torno, dando uma nova interpretação aos fatos e sintomas
que o acompanham. PROCURE FAZER A "RESPIRAÇÃO DIAFRAGMÁTICA", QUE CONSISTE NO SEGUINTE:

Além das estratégias já citadas, outra muito utilizada a | coloque uma das mãos na barriga e outra na região do peito;
é a exposição interoceptiva, na qual o paciente experimen- b | inspire profundamente, procurando distender apenas o abdómen
ta as mesmas sensações físicas percebidas no momento e não a região do peito;
de um ataque de pânico, mas agora em ambiente segu- c t ao expirar, solte o ar pela boca até sentir sua barriga totalmente vazia;
ro como o consultório ou casa, na presença de pessoas d I inspire suavemente pelo nariz (contando até três) e expire pela boca por um período
conhecidas e confiáveis. Portanto, exercícios como rodar maior (contando até seis). O ar não deve ser soprado no momento da expiração.
rapidamente em uma cadeira giratória não são coisas de
"maluco", mas, sim, uma das técnicas utilizadas para que ESPERANÇA E VIDA QUE RETORNAM
o paciente se habitue à sensação de tontura que, muitas
vezes, está presente numa crise de pânico. Iniciamos este tópico com o relato de experiên-
Abaixo, relacionamos algumas dicas que podem ser cia de Rosiane, 32 anos, que traduz, de forma precisa, o
muito úteis ao paciente no momento de crise: resgate da esperança e da qualidade de vida ao encontrar
diagnóstico e tratamento bem-sucedidos:

Quando a crise começar, procure se lembrar de que irá sofrer e ter medo, Depois de muito sofrer e não ter a menor noção do que se passa-
mas essa angústia é passageira e você não morrerá. va comigo, encontrei com uma conhecida que não via há tempos.
Expliquei toda minha angústia de tantos anos e, coincidentemen-
Se estiver em casa, procure deitar, relaxar e de preferência ouvir te, ela já havia tido o mesmo problema e, graças ao tratamento,
uma música ou técnicas de relaxamento. estava se sentindo ótima. Então, eu não era a única, pensei! Exis-
tia um nome para aquele mal-estar, diferente de todos os rótulos
que eu já tinha ouvido. A alegria foi tão intensa, que meu desejo

74 7 5
Mentes com Medo o p a ii i f o

era me consultar imediatamente com o psiquiatra que ela me estigmatizar qualquer condição ou problema que afete o
recomendou. Naquela noite, fui tomada de uma forte emoção, nosso cérebro. No entanto, quem sofre de pânico, e hoje
uma vontade enorme de viver! Abraçava meus filhos de forma recebe ajuda especializada, sabe da real importância de
diferente e beijava-os o tempo todo. Queria dizer-lhes o quanto cortar essa ciranda com melodias nada festivas. O pânico
eu estava feliz por ter ouvido de alguém sobre a possibilidade de "cutuca e machuca", e quem é da família sabe que res-
tratamento e alívio do meu sofrimento. Dois dias depois, lá es- pinga em todo mundo.
tava eu no consultório médico falando tudo que havia passado.
Senti um respeito, um carinho, uma solidariedade por parte dele,
A RECONSTRUÇÃO
que nenhum profissional demonstrou em minhas peregrinações.
Ele me explicou todo o processo do pânico e me disse algumas tmbora, para as vítimas do pânico, o problema pareça
palavras que guardo até hoje: "O transtorno do pânico é tratável confuso e ilógico, quando elas começam a compreender a
e você vai ficar bem. Você vai ver o mundo de outra maneira e reação involuntária de medo que nosso organismo possui
ele será agradável e seguro para você, confie!" para nos proteger, tudo passa a fazer sentido.
Hoje torno medicamentos controlados, mas não os vejo como Sabemos que existe muito sofrimento envolvido; a vida
inimigos e sim como aliados, pois sei que são necessários, por de quem sofre desse transtorno gira em torno do pânico e
enquanto. Realmente minha vida tem outro sabor. Estou tentando do medo. Mas é importante saber que é possível superar
ganhar o tempo perdido. Às vezes me pego rindo sozinha e hoje tudo isso e sair da órbita aterrorizadora do medo, voltando
olho pela janela e admiro a chuva, o vento e tudo o que temia, sem a ser capaz de se concentrar na vida cotidiana e normal.
o menor motivo para isso. No entanto, quando isso acontece, a pessoa geralmente
Agradeço muito a Deus por me sentir viva, com o astral lá em cima necessita fazer alguns rearranjos em sua vida cotidiana. Os
e ter a minha vida de volta. anos de concentração em torno do pânico, frequentemen-
te significam que o indivíduo deixou de lado muitas coisas
Sabemos que temos um longo caminho a percorrer que faziam parte de sua vida (profissão, lazer, família etc.)
na descoberta da real causa do transtorno do pânico, para e que davam sentido à sua existência.
que a busca para o tratamento seja uma tarefa menos É de total relevância deixar bem claro que o trans-
espinhosa para quem sofre do problema. Contudo, vale torno do pânico não prejudica de modo permanente suas
ressaltar que a informação é uma peça-chave para isso e, funções mentais. Estas permanecem incólumes, mesmo
por mais que se fale sobre o assunto, ainda é muito pou- após as piores experiências de pânico. A concentração, a
co diante do sofrimento com que deparamos diariamen- memória, as capacidades intelectuais, a alegria e a sensa-
te em nossos consultórios, Nossa tendência é sempre ção de bem-estar são apenas temporariamente suprimidas

76

i 77
pelo medo. Nenhuma delas se perde de forma permanen- CAPÍTULO -

te. Tudo pode ser recuperado, e até mesmo melhorado,


com a superação do pânico.
Em se tratando de pânico, a citação de Nietzsche — fi-
TRANSTORNO
lósofo alemão do século XIX — resume bem todo esse pro-
cesso ao se referir ao sofrimento como um rico material de
DE ANSIEDADE
crescimento e encorajamento às dificuldades com as quais
deparamos: "O que não me mata me fortalece".
SOCIAL (MS)

Se eu tento ser direto,


o meão me ataca
Sem poder nada fazer
Sei que tento me vencer
e acabar com a mudez
Quando eu chego perto, tudo
esqueço e não tenho vez
Me consolo, foi errado
o momento, talvez
Mas na verdade, nada
esconde essa minha timidez

rteliae.. BIQUINI CAVADAO

!
i' r 11 n .s I u r n o <í •

TIMIDEZ, DÁ UM TEMPO!
presença de outras pessoas. As manifestações mais comuns
e facilmente perceptíveis são: o silêncio, o retraimento fí-
E COmum ouvirmos amigOS, parentes e até mesmo sico, o rubor na face (vermelhidão no rosto), a gagueira na
desconhecidos afirmarem que são tímidos. Uns, ainda que fala e a sensação de ansiedade. Devemos entender como
apresentem certa extroversão social, juram que no fundo, "inibição do comportamento" a timidez que pode ser
bem lá no fundo, são tímidos essenciais. Mas afinal, o que observada pelos outros como a quietude e o afastamento
é timidez? Uso de total franqueza para lhes afirmar que das pessoas e/ou de ambientes agitados ou estimulantes.
até hoje, após quase vinte anos de profissão, não consegui Em nossa prática clínica diária, pudemos observar
elaborar nenhuma definição que possa, de fato, descrever o que os tímidos ficam inibidos ou retraídos quando enfren-
que é a timidez. Para meu consolo, pude verificar, ao apro- tam o "novo", principalmente em situações sociais não-
fundar meus estudos nessa dimensão humana tão intrigan- familiares. Eles costumam apresentar uma preocupação
te, que vários autores e pesquisadores também tentaram excessiva sobre os seus desempenhos sociais e também
elaborar teorias que pudessem desvendar essa faceta do sobre a imagem que as pessoas desconhecidas terão de
comportamento humano que aflige tantas pessoas. seus comportamentos. Para eles, situações sociais são
Apesar de existirem muitas teorias sobre a timidez, nin- eventos imprevisíveis e incontroláveis. Ousamos ir um
guém sabe exatamente o que ela significa. Por outro lado, pouco mais além: constatamos que as pessoas tímidas, em
todos são unânimes em reconhecer sua força. Isto porque a sua grande maioria, tendem a se prender a rígidas rotinas,
timidez pode transformar toda a existência de uma pessoa. previamente estabelecidas em cima do que já foi vivencia-
Enquanto ela evoluir ao longo de toda a vida, é capaz de do e testado por elas. Por isso mesmo, os tímidos agem de
estender seus "tentáculos" por todos os aspectos da vivência forma relativamente constante, com o intuito de reduzir as
humana, desde os planos profissionais, reduzindo ou im- novidades e as incertezas do cotidiano. Tal qual numa luta,
possibilitando aspirações e desempenhos, até às questões criam uma tática de fuga ou evasão com o objetivo claro de
pessoais e sociais, como dificuldades em relacionamentos se sentirem seguros. No entanto, essa mesma segurança
afetivos (noivados, casamentos, criação de filhos) e o esta- acaba por limitar muito as possibilidades de experiências
belecimento de elos de amizade e companheirismo. A ti- vitais, contribuindo para alimentar ainda mais a engrena-
midez costuma se transformar, ou melhor, intensificar-se, à gem da timidez. E aquela velha história de que tudo na
medida que amadurecemos e enfrentamos novos desafios. vida tem seu lado positivo e seu lado negativo, até porque
No dia-a-día, costumamos identificar a timidez pelo não existem ganhos sem perdas, e viver é o eterno desafio
desconforto e pelas inibições que as pessoas apresen- de equilibrar essa engrenagem, que já vem malhada antes
tam em seus comportamentos, quando se encontram na mesmo de nascermos.
M <; n l e s c o m Medo •AS

Antes de prosseguirmos, é fundamental que façamos convivência social. Esses indivíduos, também conhecidos
uma pequena, porém necessária, distinção entre timidez e como sociopatas, em geral, apresentam-se camuflados de
introversão, pois notamos que a maioria das pessoas con- boas pessoas e utilizam a boa vontade e generosidade dos
funde essas duas características do comportamento huma- outros para tirarem os mais valiosos resultados individuais.
no. Pessoas introvertidas não são necessariamente tímidas. Abrangem desde os estelionatários (populares "171") até
Elas têm as habilidades de convívio social e auto-estima su- os perigosos delinquentes, como os serial killers. Por isso,
ficiente para obterem êxito nos relacionamentos com outras a confusão que muitos fazem ao chamar pessoas tímidas
pessoas, porém possuem a preferência explícita de ficarem de anti-sociais é um erro grave e uma enorme injustiça
sozinhas. Os introvertidos se sentem bem, e até mesmo cometida com os tímidos.
revigorados, pela solidão voluntária e não apresentam qual- Na timidez, é justamente o conflito entre o desejo do
quer ansiedade ou necessidade de aprovação quando estão contato social e a cruel presença da inibição o responsável
na companhia dos outros. A inibição, os pensamentos de por tanto sofrimento vivenciado e relatado pelas pessoas
derrota e a ansiedade sobre o desempenho, tão frequentes tímidas. Os tímidos apresentam sociabilidade, ou seja,
nos tímidos, não ocorrem com os introvertidos. possuem o desejo de se relacionar com os outros, mas não
Quando as pessoas tímidas se abrem e revelam seus sabem como fazê-lo.
sentimentos, geralmente em suas terapias, demonstram A natureza da timidez é multifatorial, isto é, sua cau-
urn desejo intenso que as outras pessoas as notem e as sa depende de vários fatores, que incluem basicamente o
aceitem. No entanto, julgam-se incapazes de exercer as nosso temperamento — herança genética que determina
habilidades, os sentimentos, os pensamentos e as atitudes nossa bioquímica cerebral e nossa reatividade diante das
necessárias a uma boa interação social. coisas — e nossas vivências acumuladas desde a mais tenra
Chamamos de sociabilidade o desejo de estar com idade. Por isso mesmo, a timidez se desenvolve à medida
outras pessoas. O fato de as pessoas tímidas terem dificul- que envelhecemos e somos desafiados pela vida a enfren-
dades no aspecto dos relacionamentos sociais não signifi- tar novas circunstâncias. Em função dessa natureza mes-
ca que elas sejam "anti-sociais". Indivíduos anti-sociais são clada de timidez, observamos que algumas pessoas pas-
aqueles que se relacionam sem qualquer restrição com as sam por fases de timidez e as superam, enquanto outras,
mais diversas pessoas, mas não seguem a ética necessá- ern função de grandes decepções, perdas ou dificuldades
ria para que esses relacionamentos sejam benéficos para constantes, acabam perdendo as esperanças e se retraem
todas as partes neles envolvidos. Os anti-sociais têm va- de forma intensa para dentro de si.
lores próprios que não guardam qualquer relação com os A timidez costuma ser bastante comum na adoles-
valores morais e éticos necessários a uma boa e saudável cência. Nessa fase da vida o indivíduo passa a se preocupar

82
M e n i es t o m M e d o

muito com a imagem que os outros fazem dele. Não é à


QUADRO DE DIFERENÇAS ENTRE TIMIDEZ (ASN) E TIMIDEZ PATOLÓGICA (TAS)
toa que? nessa fase, tanto meninos como meninas tendem
a andar em grupos específicos, nos quais são aceitos por Ansiedade Social Normal Transtorno de Ansiedade Social
apresentarem determinados comportamentos, pensamen- (timidez) (timidez patológica)
tos, visuais e posturas. Esses grupos funcionam como uma
"muralha de proteção" para os adolescentes, pois criam Necessidade moderada de Necessidade extrema e absoluta
aprovação pelos outros. de aprovação pelos outros.
uma sensação de segurança coletiva e aliviam as dificul-
dades que eles apresentam nas interações sociais mais
Pode apresentar uma expectativa
amplas, que deveriam ser exercidas de forma individual. Expectativa constante de avaliação
de aprovação em relação
A timidez é uma ansiedade normal, e podemos afirmar negativa pelos outros.
aos outros.
que a maioria das pessoas se sente ansiosa em situações
sociais. Exemplos típicos de circunstâncias que podem fa- A desaprovação é vista e sentida
Consegue tolerar a desaprovação.
zer qualquer pessoa se sentir tensa ou tímida são: as en- como uma grande tragédia.

trevistas de emprego, falar em público, encontros afetivos, As "gafes" sociais são remoídas na
festas surpresas de aniversário etc. Todos nós já passamos "Gafes" sociais são esquecidas forma de pensamentos obsessivos
por algum tipo de situação como essas e podemos lembrar, com relativa naturalidade. acompanhados de tristeza
sem muito esforço, das batidas aceleradas do coração, das e auto-recriminação.
mãos levemente trémulas e úmidas e daquele "friozinho" na
Reações duvidosas dos outros Reações duvidosas dos outros
barriga. Essa ansiedade social costuma passar rapidamente, são interpretadas com razoável sempre são interpretadas
durante ou logo após o término do evento que foi gerador da flexibilidade de forma negativa.
ansiedade. Dessa forma, a ansiedade social ou timidez não
é incapacitante e pode, muitas vezes, até contribuir para
um bom desempenho em determinadas situações sociais. TAS OU FOBIA SOCIAL:
Isto porque o tímido, por se saber tímido, tende a se prepa-
QUANDO A TIMIDEZ SE TORNA PATOLÓGICA
rar previamente e com mais afinco para esses eventos.
Tal qual a tristeza, que é uma reaçâo normal de nós, O transtorno de ansiedade social (TAS) ou fo-
seres humanos, e a depressão - a sua correspondente adoe- bia social é muito mais do que timidez. Ele ocorre quando
cida -, a ansiedade social, ou timidez, também é urna rea- a ansiedade é excessiva e persistente ou constante. Há um
ção humana normal e, às vezes, útil. Já o transtorno de medo enorme de se sentir o centro das atenções, de estar
ansiedade social (TAS) é a sua equivalente patológica. sendo permanentemente observado ou julgado negativa-
mente. Os eventos sociais são preferencialmente evitados (vermelhidão no rosto), sudorese intensa (suor, principal-
ou, quando isso não é possível, são suportados com imen- mente na parte superior do corpo), tremores, tensão mus-
so sofrimento. Na maioria das vezes, o medo e a ansiedade cular, voz oscilante (fala tremida), taquicardia (aceleração
começam dias ou semanas antes de o evento social ocorrer, do coração) e boca seca. Na maioria dos casos de TAS, o
e são desencadeados pela mera expectativa de vivenciar a paciente acredita que todos ao seu redor percebem a sua
situação temida. Como se não bastasse esse sofrimento extrema ansiedade, e este fato contribui para que ele fique
prévio, após o evento, é comum o tímido patológico ficar mais tenso, pois julga que as pessoas o acham "estranho",
avaliando, de forma negativa, a sua performance. "nervoso" e até mesmo "arrogante".
O portador de TAS, fobia social ou timidez patológica Pode ocorrer que, ainda de forma eventual, os sintomas
costuma se isolar e sofrer uma profunda sensação de so- de ansiedade em pacientes com fobia social cheguem a um
lidão. Ele julga ser o único culpado de seus problemas e verdadeiro ataque de pânico. A pessoa é dominada por uma
estes não seriam compreensíveis para as outras pessoas. intensa sensação de medo e de que algo terrível possa ocor-
O principal sintoma do TAS é a ansiedade excessi- rer com ela, inclusive morrer, além de apresentar os sinto-
va na presença de outras pessoas. Essa ansiedade está mas físicos como taquicardia, falta de ar, tremores, tontura,
diretamente relacionada com o medo de ser avaliado de sudorese, náuseas, dores abdominais, pressão no peito etc.
forma negativa pelos outros e pode se apresentar de forma Quando, dentro da fobia social, o indivíduo chega a sofrer
circunscrita ou generalizada. No transtorno de ansiedade um ataque de pânico, ele tenta fugir da situação desencade-
social tipo circunscrito, a ansiedade excessiva encontra-se adora da tensão o mais rápido possível, o que acaba por lhe
restrita a uma ou poucas situações como comer, escrever causar sentimentos profundos de humilhação e vergonha.
ou falar em público. Já no tipo generalizado, a ansiedade
excessiva ocorre em grande número de situações sociais,
tais como falar com estranhos, ir ao banheiro em lugares
públicos, falar ou tratar com pessoas hierarquicamente su- Carlos é comerciado, tem 29 anos e resolveu procu-
periores ou ainda em qualquer situação em que possa ser rar ajuda quando já havia passado por um longo período de
observado ou avaliado (julgado). sofrimento. Sobre isso ele relata:
Na maioria das vezes, as situações potencialmente
geradoras de ansiedade excessiva são vividas com intenso Sou muito tímido. Aliás, sinto que é mais do que isso porque não
desconforto ou quase sempre evitadas. O contato ou, sim- consigo ter contato corn muita gente. Em todos esses anos da mi-
plesmente, a expectativa de contato com essas situações, nha vida passei evitando pessoas que não conheço, preferindo ficar
desencadeia sintomas físicos visíveis como rubor facial em casa a frequentar lugares, onde poderia rne divertir um pouco.

87
Terminei meus estudos do colégio, mas não tive forças para enfren- modo peculiar de pensar sobre si próprios e, neste aspec-
tar a faculdade. Sempre que precisava perguntar alguma coisa ao to, percebemos que todos eles têm um medo excessivo de
professor ou colega, minha voz começava a tremer e me dava um serem avaliados ou de serem o foco da atenção dos outros
"branco total", passava a maior vergonha e meus colegas me ridi- ao seu redor. Temem serem avaliados negativamente. Essa
cularizavam. Até tentei fazer cursinho, mas era muito difícil perma- maneira de pensar domina de tal forma o dia-a-dia des-
necer na sala de aula e não conseguia abrir minha boca. Falar com sas pessoas, que passa a atrapalhar suas atividades sociais,
alguém é um verdadeiro suplício: fico muito tenso, transpiro bas- profissionais e afetivas, tornando os relacionamentos in-
tante e meu coração dispara. Trabalho desde os 19 anos na empresa terpessoais, em geral, causa de muito sofrimento.
da minha família, que é o meu "porto seguro", mas sempre evito Os pensamentos ou crenças que povoam a mente
ter contato com os clientes. Perdi várias namoradas, pois nunca sei dos pacientes com transtorno de ansiedade social (TAS),
direito o que conversar, parece que não tenho assunto e fico sem no que tange à sua própria autopercepçao {maneira como
jeito. Todas as tentativas foram absolutamente frustradas e sinto eles vêem a si próprios), podem ser sintetizados por quatro
que sou a pior pessoa do mundo. Preciso de ajuda, isso não pode pensamentos básicos em situações sociais:
ser normal.

© Tenho de parecer competente.


Como podemos observar no relato acima, o transtor- ® Se cometer qualquer erro, ninguém vai gostar
no de ansiedade social costuma causar grandes prejuízos de mim.
na vida profissional, escolar, social e afetiva das pessoas. © Se perceberem o quanto estou ansioso vão me julgar
Algumas destas chegam a evitar praticamente qualquer um tolo.
situação social. Há, ainda, poucas delas que conseguem © Se não conseguir falar nada interessante sobre um
ir a uma festa ou mesmo fazer novos amigos, no entanto, determinado assunto será uma tragédia.
apresentam ansiedade extrema para falar, comer ou escre-
ver em público. O importante a destacar não é em qual
COHO OS FÓBICOS SOCIAIS
situação o indivíduo fica ansioso, mas, sim, a forma, a in-
PENSAM QUE OS OUTROS PENSAM
tensidade e a quantidade com que o medo afeta sua vida.
Como se não bastassem os pensamentos tão autodes-
COMO PENSAM OS TÍMIDOS PATOLÓGICOS trutivos que os fóbicos sociais nutrem por si mesmos, eles
ainda possuem a mente povoada por crenças sobre como as
VimOS que indivíduos que sofrem de transtorno pessoas ao seu redor pensam a seu respeito. Esses pensa-
de ansiedade social, ou timidez patológica, possuem urn mentos podem também ser sintetizados por quatro frases
Mentes com Medo

básicas, que nos dão toda a dimensão da visão depreciativa drogas são parceiros bastante constantes e representam do-
que o fóbico social imagina que as pessoas têm dele: ses a mais de sofrimento para essas pessoas. No caso da
depressão, o paciente com TAS, além de seus sintomas
© Que cara idiota. já descritos e analisados, passa a apresentar um sentimento
© Ele não consegue se controlar e só faz vexame. de tristeza persistente, perda do interesse e do prazer, redu-
© Ele tem algo de muito errado. ção geral da energia física e mental, além de dificuldades
© Ele é muito estranho mesmo, tem algo de esquisito. do sono, da atenção, da concentração, do raciocínio e do
apetite. Além disso, a pessoa se sente culpada por não
obter um bom desempenho social, profissional ou afetivo e
QUEM SOFRE DE TIMIDEZ PATOLÓGICA?
chega a pensar na possibilidade de sumir ou morrer como
A peSSOa que sofre de TAS (transtorno de ansiedade uma forma eficaz de aliviar todo seu sofrimento. A presen-
social) costuma achar que seus problemas com os outros ça da depressão em um paciente com TAS torna o caso
são algo que somente eles sentem e, por essa razão, são mais sério e mais urgente de ser tratado de forma eficaz,
incompreensíveis para as demais pessoas. Por esse motivo, uma vez que a cota extra de dor advinda da depressão difi-
os tímidos patológicos passam a se isolar cada vez mais e culta muito a melhora da ansiedade social excessiva que,
acabam vivendo uma insuportável sensação de solidão. cá entre nós, já é bastante difícil de ser superada.
O TAS acomete cerca de uma em cada oito pessoas. Outro parceiro indesejável do transtorno de ansie-
Afeta homens e mulheres, aproximadamente na mesma dade social é a "automedicação", ou seja, o paciente tenta
proporção, e costuma iniciar na adolescência e perdurar vencer os sintomas da timidez excessiva utilizando álcool,
por toda a vida (curso crónico) se não for tratado. Escon- drogas ou medicamentos inadequados. A intenção, até
der os sintomas por vergonha só aumenta o problema, pois que é boa, pois a pessoa tenta, com a utilização desses re-
atrasa o início do tratamento, que será mais eficaz quanto cursos, tornar-se "mais sociável". Mas, como todos nós sa-
mais cedo puder ser estabelecido e seguido pelo paciente. bemos, boas intenções nem sempre nos conduzem a bons
locais ou a bons resultados: o alívio obtido com o abuso de
álcool e outras drogas e medicamentos impróprios pode
O TAS E SEUS ASSOCIADOS
ocasionar problemas na vida do paciente e prejudicá-lo
Já vimos diversas vezes que, ern medicina do com- ainda mais.
portamento, um transtorno costuma vir acompanhado de E interessante observar situação semelhante no
outros transtornos, que denominamos comorbídades. No depoimento de Marisa, 25 anos, e sua luta de anos com
caso do TAS, a depressão e o abuso de álcool ou outras relação ao TAS:

9I

l
M e fi l e s com M e do

Quando esta infeliz parceria (drogas e TAS) se esta-


Desde que eu me entendo por gente sempre fui muito insegura. belece, é essencial tratarmos ambas as alterações compor-
Lembro-me bem das sensações desagradáveis na minha infância tamentais, uma vez que o abuso ou dependência de drogas
e adolescência que, na época, eu definia como "medo". Enquan- pode potencializar os sintomas fóbicos, principalmente na
to crescia, mais difícil se tornava meu relacionamento com as abstinência das substâncias utilizadas como aliviadores do
pessoas. Na faculdade tudo ficou mais complicado, praticamen- desconforto da exposição social.
te insuportável. Via-me só, tendo de lidar com situações de que Embora o indivíduo se sinta mais "solto" e à vontade
na realidade, até então, passei a vida toda me esquivando. Tinha com o uso dessas substâncias, o que facilita o contato
medo das pessoas distantes e desconhecidas, nunca soube ex- social, isso acaba por aumentar os sintomas do TAS, fa-
plicar direito. Enquanto o pessoal da minha classe formava seus zendo com que ele busque mais e mais "drogas" para se
grupinhos, eu me esforçava para não demonstrar o que tanto automedicar. Isso causa efeitos deletérios para o orga-
me afliqia, fugindo de todos. Encontros com o pessoal da turma nismo, os quais, muitas vezes, são piores do que o pró-
após as aulas era urna verdadeira tortura! E foi nesse período que prio transtorno que originou a sua dependência química.
comecei a beber. Primeiro foram alguns chopes pra relaxar, mas E o eterno ciclo do "bombeiro" que utiliza gasolina ou
depois as portas se abriram para outras drogas também. A ma- álcool para tentar apagar as labaredas de fogo que quei-
conha era a minha grande aliada, pois conseguia enfrentar tudo mam a floresta ao redor de sua casa, ern vez de utilizar
e todos sem maiores problemas e, a qualquer hora do dia, estava a água do riacho que passa a uma pequena distância de
"livre" para viver. Contudo, mej rendimento escolar foi decaindo sua residência.
a olhos vistos e sabia que precisava de apoio. Felizmente pude
contar com o apoio incondicional da minha família que, além de E O TRATAMENTO?
palavras de incentivo e carinho, procurou um especialista. Conse-
gui me livrar (só Deus sabe como!) das drogas e das bebidas alco- Não há qualquer dúvida sobre a eficácia da
ólicas, porém me encontrar com as pessoas se tornou mais difícil. combinação de medicação adequada e psicoterapia de li-
Conno enfrentá-las, agora, de "cara limpa"? Hoje sei que sofro nha cognitivo-comportamental (TCC) para o tratamento
de fobia social e faço tratamento apropriado para isso. Muitas do transtorno de ansiedade social, fobia social ou timi-
situações ainda são muito complicadas para mim e os sintomas dez patológica,
desagradáveis não cessaram total mente, mas a cada d ia me sinto No que se refere ao tratamento medicamentoso do
mais fortalecida. Tentio certeza que talta pouco para levar uma TAS, podemos destacar a utilização de substâncias conhe-
vida inteiramente normal. cidas como antídepressivas, os betabloqueadores e alguns
tipos de benzodiazepínicos (calmantes).
a c t a l ( TA .S')

Tanto os betabloqueadores quanto os benzodiazepíni- É fundamental entender que as medicações ajudam a


cos controlam alguns sintomas específicos do TAS como controlar a ansiedade exacerbada, especialmente aquelas
tremores, taquicardia e sudorese, e são mais eficazes nos tão intensas que se manifestam como os ataques de pâni-
tipos circunscritos (específicos) de fobia social, como assi- co. Isso facilita muito, e de forma decisiva, que as pessoas
nar cheques em público. Mas é importante destacar que, possam enfrentar situações temidas e até evitadas a qual-
especialmente os benzodiazepínicos (alprazolam e clona- quer custo.
zeparn) podem ser utilizados no início do tratamento, para A terapia de base cognitívo-comportamental (TCC),
que ofereçam aos pacientes um alívio imediato de seus tanto individual quanto em grupo, também é de grande
medos e tensões, em geral crónicos. Além disso, a asso- importância para o tratamento do transtorno de ansieda-
ciação dos benzodiazepínicos com alguns antidepressivos de social. Com técnicas e tarefas específicas, a TCC visa
utilizados pode potencializar o efeito deles nos primeiros mudar as crenças erróneas que o fóbico social tem de si
meses (dois a três) de tratamento. Após essa fase inicial, mesmo, ajudá-lo a enfrentar as situações que lhe causem
tanto os betabloqueadores quanto os calmantes devem ser ansiedade, bem como "treiná-lo'' para adquirir urn melhor
retirados, gradativamente, e o tratamento ser calcado ba- desempenho social,
sicamente nos antidepressivos e na psicoterapia cognitivo- Contudo, não podemos esquecer que o enfrenta-
comportamental (TCC), mento das situações temidas requer coragem e determi-
Os antidepressivos que mostram eficácia no trata- nação de cada pessoa que sofre com o TAS. No decorrer
mento do TAS são: os inibidores seletivos da recaptação do tratamento podemos apresentar altos e baixos, afinal
de serotonina (ISRS), os inibidores da monoaminoxidase falhas e enganos fazem parte de nossa existência, espe-
(IMAOS) e um inibidor da recaptação de serotonina e no- cialmente quando estamos nos permitindo a abertura de
radrenalina (IRSN). caminhos que nos levem ao desenvolvimento de novas e
Nossa experiência tem nos levado a preferir os inibi- transcendentes habilidades. Um tratamento sério, hones-
dores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), tanto to e sem falsa demagogia não promete milagres "baratos",
por seus resultados clínicos favoráveis quanto pela sua se- mas, sim, deve oferecer aos pacientes subsídios para que
gurança c reduzida taxa de efeitos colaterais, tenham condições de enfrentar as situações sociais, e que
Os í MÃOS, por serem medicações que exigem uma o medo de passar por situações constrangedoras deixe de
dieta rigorosa e específica e um monitoramento mais cui- ser um problema tão sério em suas vidas, a ponto de im-
dadoso, em geral, devem ser evitados ou reservados para pedir que sejam felizes.
casos que se mostrem resistentes à utilização das medica- Não poderia deixar de destacar que este transtorno é
ções anteriormente citadas. passível de ser superado, atingindo-se os objetivos. Deixo
M e n t e s c o m W e tf o

aqui alguns exemplos, tais como falar para um grande CAP ÍTULO • 4
público (palestra ou conferência), fazer novos amigos,
participar de festas e reuniões, convidar alguém especial
para um encontro romântico, expor suas opiniões diante MEDOS
dos colegas de trabalho ou mesmo diante de seus supe-
riores, entre outras situações nas quais a capacidade de
DIVERSOS
socialização faz toda a diferença. Como todo caminho
que nos conduz a bons lugares, o início exige empenho,
dedicação e fé (crença na fração divina que há dentro de
cada um de nós), no entanto, ao final de tudo, você terá a
certeza de que valeu a pena. Será você com você mesmo,
sem medos e sem ilusões. É como "pescar" a vida real e Não me deixe só
essencial que sempre esteve e estará dentro de cada um Eu tenho meão do escuro
de nós. Eu tenho medo do mseguro
Dos fantasmas da minha voz

,
CAPÍTULO • 6

MHSTORHO
DE
m
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter -me
importado menos
Cow problemas pequenos

£pitálío, SÉRGIO BRÍTTO


Mentes com Medo Ira ri st u r n d de ansiedade generalizada ( T A (i

percepção errónea ou exagerada de perigo que, de forma


PREOCUPAÇÃO EXCESSIVA QUE NÃO LARGA DO PÉ
imaginária, está sempre ali, perseguindo, rodeando, inva-
Por que VOCê sempre olha para os dois lados antes de dindo.
atravessar a rua, por mais apressado que esteja? Por que, Além disso, o paciente que sofre de TAG leva um
ao provar a sopa, você sempre assopra a colher antes de tempo maior do que a população em geral para se "des-
levá-la à boca? Por que, quando você está em um elevador ligar" do agente causador de ansiedade ou do agente es-
e de repente ele pára por falta de energia, você fica ansio- tressor. Mesrno depois de afastada qualquer possibilidade
so, tenso e com falta de ar? de sofrer algum risco, o pensamento ainda fica conectado,
Embora essas perguntas, e suas respectivas respostas, "plugado", remoendo aquela situação estressante. É o esta-
pareçam óbvias ao leitor mais atento, é com base nelas que do de vigília permanente; a luz acesa que nunca se apaga!
podemos fazer algumas considerações. Como já vimos em A ansiedade patológica surge em nossa vida como um
capítulos anteriores, todos nós, desde o nascimento, temos sentimento de apreensão, uma sensação constante e incó-
uma dose "terapêutica" de ansiedade e medo, necessária à moda de que alguma coisa vai acontecer, sem mais nem
nossa sobrevivência e perpetuação da espécie. E o medo de menos. Quem sofre de TAG vive em contínuo estado de
ser atropelado que nos faz olhar para os lados antes de atra- alerta e numa constante inquietude. Deixa de viver o pre-
vessarmos a rua. A reação do medo também evita que quei- sente e desfrutá-lo em forma plena, pois as preocupações
memos a boca ao sorver uma sopa quente, bem como leva à subjetivas tomam o espaço destinado ao "aqui e agora". E
inevitável inquietude de sair correndo do elevador que esta uma ansiedade crónica, que leva a pessoa a começar o dia
em pane. Estas são atitudes, no mínimo, prudentes. em busca de algum motivo de preocupação, desnecessá-
O medo e a ansiedade são fenómenos universais e rio, não importando se o problema é trivial ou doloroso. É
estão presentes em todos nós, em doses variadas, como a aflição constante de que deixou de fazer alguma coisa;
resposta à adaptação aos estímulos de ameaça com que de que algo pode estar errado; de que esqueceu algum de-
deparamos em nosso dia-a-dia. talhe importante; de que não vai dar conta de tudo o que
Diferentemente dos outros quadros clínicos vistos tem para fazer. E o desassossego permanente; o soldado
ao longo do livro, o transtorno de ansiedade generalizada raso de prontidão diante do inimigo imaginário; é o Dom
(TAG) se caracteriza por um estado permanente de ansie- Quixote lutando contra seus moinhos de vento.
dade, sem nenhuma associação com situações ou objetos. Segundo o DSM-IV, a característica essencial do trans-
A pessoa com TAG sofre diversos incómodos subjetivos torno de ansiedade generalizada (TAG) é uma ansiedade ou
e/ou físicos a cada instante de sua existência, por moti- preocupação excessiva (expectativa apreensiva), acerca de
vos injustificáveis ou desproporcionais. Trata-se de uma diversos eventos ou atividades, ocorrendo na maioria dos dias

! 40 l 4 I
M e ti t e s c o m M e d o e ti e r u / j z a ú <i ( TA G )

por um período de pelo menos 6 meses. Nesses casos, con- tomando conta de mim. Meus pés e minhas mãos sempre foram
trolar a preocupação é uma tarefa quase impossível, uma vez assim, úmidos e frios, pingando suor. Se preciso rne encontrar com
que seu senso de avaliação de perigo está comprometido. alguém ou fazer urna entrevista, é um verdadeiro suplício! Dá dor no
Muitos portadores de TAG fazem uma verdadeira estômago, falta de ar, um nó na garganta. Troco de roupa um mon-
peregrinação a vários especialistas como clínicos gerais, tão de vezes, chego sempre antes da hora marcada e, se a pessoa
cardiologistas, neurologistas, até alcançarem o diagnóstico demora um pouquinho, já me sinto a pior das piores. Tudo tem uma
definitivo. Isto se deve ao fato de que o TAG é permeado proporção gigantesca, urna apreensão que não sei de onde vem e
de sintomas somáticos (físicos), além dos psíquicos. vai aumentando cada vez mais. Minha vida está virando um verda-
Entre os sintomas somáticos, destacamos a taqui- deiro inferno! Estou trabalhando, mas sempre preocupada com os
cardia, a sudorese, cólicas abdominais, náuseas, arrepios, horários, com as tarefas, com o que o chefe vai me pedir, penso que
dores musculares, tremores, ondas de calor ou calafrios, não vou dar conta, que vou ser demitida... Cansei de ouvir que sou
adormecimentos, sensação de asfixia, "nó na garganta", di- muito agitada. Vivo sempre com pressa, quero fazer tudo correndo,
ficuldade para engolir, perturbações do sono (insónia, difi- com os nervos à flor da pele. Já acordo "pilhada"; estou aqui, mas
culdade para adormecer, acordar no meio da noite etc.) e a ia quero estar lá. Dá pra entender urna coisa dessas? Estou no limite
fadigabilidade (esgotamento). Dentre os sintomas psíquicos e exausta!
de rnaior relevância encontram-se a tensão, a apreensão, a
insegurança, a dificuldade de concentração, a sensação de Justamente pela riqueza de sintomas, é extremamente
estranheza, o nervosismo e outros sintomas afins. importante que o médico não faça o diagnóstico de TAG
O relato de Márcia, 24 anos, comerciaria, descreve precipitadamente, rnas, sim, que este seja um diagnóstico
bem o desconforto gerado pelo TAG: de exclusão. Explicando melhor: para se estabelecer um
s-' *
diagnóstico de TAG, primeiro, é preciso ser investigado
A sensação de insegurança e medo me persegue desde criança. cuidadosamente se o quadro ansioso não é fruto de outras
Passei a vida toda buscando justificativas para essa coisa estranha. doenças que desencadeiam as mesmas sensações físicas e
Tudo era motivo de aflição: quando havia uma prova na escola, a psíquicas do transtorno acima. Dentre elas destacamos as
preocupação era em função disso; depois da prova, meu medo era seguintes:
o de não ter ido muito bem, da nota vermelha no boletim e de meus
pais brigarem comigo. Muitas vezes, já na adolescência, não conse- (§> TRANSTORNO DO PÂNICO: caracterizado por sucessivos
guia dormir direito devido ao excesso de pensamentos misturados ataques de pânico (ocorrências definidas e
na cabeça: o que eu fiz ou deixei de fazer, a hora de acordar, o tra- inesperadas de medo extremo), acompanhados de
balho para entregar... uma ansiedade sem fim, Hoje a insónia está falta de ar, sudorese, tremores, taquicardia etc.

í 42 i 43
Mentes com M e d o Transtorno d e a n s i e d a d e g e n e r a l i z a d a ( l' A (.! )

© FOBIA SOCIAL OU TRANSTORNO DE ANSIEDADE SOCIAL (TAS): tais. Dentre eies podemos destacar as fobias específicas
o foco do medo se relaciona a situações sociais ou de e transtorno do pânico, entre outros. Frequentemente
desempenho, com forte receio de ser constrangido encontramos pacientes que se queixam de vários medos
publicamente. excessivos ao mesmo tempo e, numa avaliação rnais crite-
© TRANSTORNO OBSESSivo-GOMPULSivo (Toe): caracterizado riosa, observarmos o TAG como o transtorno de origem.
por pensamentos obsessivos e intrusivos, tal qual o O prejuízo no funcionamento social e ocupacional
medo de ser contaminado, por exemplo. para os pacientes portadores de TAG é intenso. Existe
© TRANSTORNO DE ANSIEDADE DE SEPARAÇÃO: caracterizado sofrimento subjetivo devido à constante preocupação, o
pelo medo exacerbado de ficar afastado de casa ou que é de difícil controle. Evandro, 42 anos, corretor de
de parentes próximos. imóveis, descreve com precisão os prejuízos que tem em
© ANOREXIA NERVOSA: predomina a preocupação decorrência do transtorno:
excessiva quanto à possibilidade de engordar ou
ganhar peso.
© FOBIAS ESPECÍFICAS: caracterizadas pelo medo de um Sou casado, pai de três filhos, e não sei bem ao certo quando
objeto ou situação definida. essa minha ansiedade começou. Certamente antes mesmo de me
© TRANSTORNO DE SOMATIZACÃO: leva o paciente a ter casar. Lembro-me que, ainda na adolescência, era extremamen-
múltiplas queixas físicas. te ansioso em tudo o que fazia. Muitas preocupações rondavam
© DEPRESSÃO COM ANSIEDADE ASSOCIADA. meus pensamentos. Será que vou conseguir ter uma namorada?
© HIPOCONDRIA ou medo intenso de adquirir uma Será que vou conseguir um bom emprego? Será que estou agra-
doença grave. dando nesta roda de amigos? O que eu faço se meu pai descobrir
© TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO (TEPT): SC que gastei em uma semana o dinheiro que ele me deu para o mês
desencadeia-se após a exposição ou vivência de um inteiro? Nunca tive dificuldade em arrumar namoradas, mas, inva-
evento traumático significativo. riavelmente, ficava muito tenso e nervoso quando saía com uma
© DOENÇAS ORGÂNICAS: (hipertíreoidísmo, abuso de garota. À medida que se aproximava a hora do encontro, começa-
substâncias, doenças cardiovasculares, entre outras), va a sentir calafrios e náuseas. Por diversas vezes, antes de sair de
que têm como resposta sintomas de ansiedade. casa, cheguei a vomitar de tanta ansiedade.
Hoje minha preocupação já é outra. Tenho um bom emprego,
É importante ressaltar que, embora o diagnóstico de mas não possuo uma renda mensal fixa, dependo de comissões e
exclusão seja necessário, é muito comum que o TAG se de um bom desempenho profissional para garantir uma vida es-
associe ou esteja coexistindo com outros transtornos men- tável para a minha família. É o suficiente para me deixar o tempo

4 4 i 45
M en les eom M e <l o ')' r a it s l íi r n u n s i f J ir ti e f, v ti f r a l i Z a <í <i ( TA C J )

todo preocupado com os meus compromissos financeiros, mesmo ou cardiovasculares. Problemas de hipervigilância (estado
que tudo esteja correndo bem. Algumas vezes, acho que minha de atenção contínua) acarretam irritabilidade constante e
preocupação é exagerada, outras vezes, não. Às vésperas de fe- deixam o indivíduo em verdadeiros "frangalhos", em cacos,
char um bom negócio, minha ansiedade chega a níveis incontrolá- partido ao meio, esgotado.
veis, mesmo após 17 anos de profissão. A saúde de minha mulher e Para os adultos, o TAG está frequentemente relacio-
filhos é um constante motivo de preocupação e apreensão. Quan- nado à preocupação, excessiva e desmedida com as situa-
do tenho uma discussão com minha esposa, simplesmente saio ções corriqueiras e cotidianas, tais como as responsabilida-
dos trilhos e depois percebo gue não precisava me exaltar daque- dês no emprego, tarefas domésticas mais triviais, cuidados
la forma. Levo muito tempo para esquecer aquela situação. Fico com os filhos etc. Já nas crianças e adolescentes, o foco da
"ruminando" tudo o que falamos e isso atrapalha o meu trabalho, ansiedade está mais direcionado para o desempenho esco-
corno se desse um "branco" na mente, e perco bons negócios. Vivo lar ou jogos competitivos. Também é normal que, durante
sempre na pressa, quero tudo pra ontem e levo meus problemas o curso do TAG, o foco de preocupação mude de evento
de um lado para o outro. Além da minha família e do meu trabalho, para evento.
várias coisas também me preocupam; a política financeira, as con-
tas para pagar, as relações dos Estados Unidos com outros países, SEJA GENEROSO COM VOCÊ MESMO: CUIDE-SE!
o barulhinho no painel do carro... Tenho uma tensão muscular cró-
nica e acordo mais cansado do que quando fui dormir. Já não sinto Apesar de parecer difícil para o paciente ansioso se
mais prazer em sair e estou me distanciando dos poucos amigos livrar dos medos e da preocupação excessiva, a terapia cog-
que tenho... Vivo sempre cansado. nitivo-comportamental (TCC) tem se mostrado extrema-
mente eficaz no tratamento do TAG. As técnicas e métodos
O transtorno de ansiedade generalizada acomete mais específicos ajudam o paciente a mudar suas crenças erró-
as mulheres do que os homens e a idade de início, muitas neas, oferecem treinamento na solução de problemas e
vezes, é difícil de calcular, já que a maioria dos pacientes melhoram o gerenciamento do seu tempo. Com a ajuda do
relata uma história típica de preocupação excessiva e ner- terapeuta, o paciente também poderá obter maior controle
vosismo desde a infância ou adolescência. Porém, é co- das próprias ações e aprender a escolher o comportamento
mum que o TAG se manifeste ern idades mais avançadas, mais adequado para determinadas situações. Além disso, o
como no início da fase adulta. Queixas de problemas físi- paciente poderá contar com as técnicas de relaxamento,
cos podem ser excessivas e os pacientes podem apresentar que diminuem consideravelmente os níveis de ansiedade.
sintomas de tensão motora {tremor, inquietude e dor de ca- Embora a TCC seja muito eficaz para o TAG,
beça), assim como problemas gastrintestinais, pulmonares somente essa prática terapêutica, muitas vezes, não é

I 46 i 4 7
M e (i l e s c o m M e d ' C r u n s i n r n o ile a n s i e d a d e g e n e r a l i z a d a f TA G J

suficiente para trazer o alívio necessário para os sintomas mais adequados, mais saborosos e mais saudáveis para
que o paciente apresenta. Neste caso, a intervenção me- saciarmos nossas necessidades básicas. Da mesma for-
dicamentosa se faz necessária, e poderá acelerar o pro- ma, a ansiedade em demasia pode nos cegar diante de
cesso de recuperação e o surgimento de resultados mais decisão de escolhas mais sensatas quanto ao nosso coti-
satisfatórios. diano e à vida futura.
Dentre os medicamentos rnais utilizados estão os que Estar num estado permanente de vigília e ansiedade é
aumentam os níveis de serotonína no cérebro (ISRS), que perder os parâmetros normais da realidade, enfiar os pés
além de diminuírem a ansiedade, agirão também na pelas mãos, viver aos trancos e barrancos, navegar à deriva
depressão, caso ela esteja associada ao TAG. Os benzodia- num mar revolto. É tornar-se refém de um sentimento que
zepínicos (tranquilizantes) também são utilizados conco- insiste em nos dominar; é como se fosse um cão feroz que
mitantemente com os antidepressivos, pois trazem alívio se enforca na própria coleira quanto mais se esforça para se
imediato. No entanto, é necessário ter cautela, pois podem livrar dela!
causar dependência química e, por isso, as doses adminis- A ansiedade excessiva estabelece uma conexão direta
tradas devem ser as mais baixas possíveis. Com o decorrer com o futuro que talvez nunca exista. Enquanto isso, não
do tratamento, os tranquilizantes deverão ser retirados de nos damos conta das oportunidades que o presente genero-
forma gradativa {depois de poucos meses), dando priorida- samente nos oferece e que estão bem ali, o tempo todo, ao
de aos antidepressivos e/ou à psicoterapia. A duração do alcance de nossas mãos. Então, por que não agarrá-las?
tratamento está intimamente relacionada à gravidade de Agora a escolha é de cada um!
cada caso, podendo variar de 6, 12 meses até vários anos.
E sempre born lembrarmos que uma dose equilibrada
e saudável de ansiedade é vital para nossa existência. Sem
ela nos tornaríamos seres absolutamente apáticos, sem
vontade de conquistas, de marchar sempre em frente para
que a vida faça sentido, mesmo com todas as vicissitudes
que estão por vir. E importante ressaltar que planejar o
futuro, com metas e estratégias é extremamente benéfico,
pois nos dá a direção certa a tomar daqui para frente, além
de prevermos as dificuldades que poderão surgir.
Porém, quando estamos famintos demais, por exem-
plo, ficamos impossibilitados de selecionar os alimentos

I 48 l49
OBStSSWO-

Minka pedra é ametista


Minha cor, o amarelo
Mas sou sincero
Necessito ir urgente
ao dentista

Na idade em que estou


Aparecem os tiques,
as manias...
M e n t e s co Medo ' r ir n .s t n r tt D o li s e s s i v o - c o m p 11 l s i v <» (TOC)

PRISIONEIROS DA MENTE: deixar de citá-lo aqui, mesmo que de forma sucinta ou


QUANDO A ANSIEDADE E AS MANIAS SE ENCONTRAM com apenas informações básicas.
Por isso, iniciamos este capítulo com os seguintes
Quando escrevi O livro Mentes & Manias, em 2004, questionamentos:
no qual expus de forma clara e objetiva o transtorno ob- Você tem alguma mania que lhe causa grande incó-
sessivo-compulsivo (TOC), fiquei e até hoje fico muito modo, e se ficasse livre dela sua vida ficaria muito melhor?
impressionada com a quantidade de pessoas que me pro- Preocupa-se excessivamente com a limpeza ou organiza-
curam, seja para consultas e tratamento, seja por cartas ção, que consomem muito tempo de sua rotina? Lava as
e e-mails, no sentido de obter orientação. Pude perceber mãos ou toma banho dezenas de vezes ao dia com medo
quantas pessoas se identificaram com o assunto e sofriam de contaminação? É comum não sair de casa em certas
caladas, sozinhas, envergonhadas, pensando estar enlou- ocasiões com medo de que alguma catástrofe possa acon-
quecendo, sem terem a mínima ideia de que se tratava de tecer? Não usa roupas com uma determinada cor com re-
um problema cujo tratamento está ao alcance de todos. ceio de que algo ruim possa lhe acontecer ou a alguém
As manifestações dos leitores demonstraram que o muito querido? Confere diversas vezes se fechou o gás
objetivo havia sido alcançado: levar o rnaior número de ou trancou portas e janelas antes de sair de casa ou de
informações possíveis ao público sobre os mistérios de um dormir? Tem mania de guardar as facas e outros objetos
transtorno que afeta milhões de pessoas em todo o mun- cortantes, com medo de se ferir ou machucar alguém a
do, norteando-os e despertando o desejo de buscar ajuda qualquer momento? Tem pensamentos persistentes, que
especializada, não somente para si mesmos como também não fazem nenhum sentido, mas provocam muita angústia
para as pessoas de seu convívio. e interferem nos diversos setores de sua vida?
O transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) é, sem Se você respondeu "sim" a algumas dessas perguntas
qualquer dúvida, o mais complexo quadro entre os trans- ou se identificou em situações muito parecidas, você pode
tornos de ansiedade, que intriga tanto os profissionais da estar sofrendo de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC)
classe médica quanto os da psicologia em todo o mundo. e precisando de ajuda especializada.
O transtorno obsessivo-compulsivo traz um intenso sofri- Como o próprio nome já diz, o transtorno obsessi-
mento para quem é portador do problema — normalmente vo-compulsivo (TOC) é caracterizado pela presença de
sofrem sozinhos e tentam esconder o problema dos fami- obsessões e compulsões.
liares —, acometendo cerca de 4% da população mundial. As obsessões são pensamentos repetitivos, negativos,
Sendo assim, mesmo já tendo escrito de forma clara e estressantes, de natureza sempre ruim ou desagradável,
acessível sobre o TOC em um livro à parte, não poderia que surgem de forma insistente e indesejável (intrusivos),

l 52 J 5 Jí
M p n l e s c o ni M e ti o T r ti n s l o r ri o o b s e s s i v o - c « m p u Í s i v u f T O C )

como se fossem "disquinhos arranhados" de que a pessoa mente também deve ter sentido que quando você deseja
não consegue se desvencilhar. Esses pensamentos obses- muito não pensar em aiguma coisa, paradoxalmente, esse
sivos, por mais que pareçam ser absurdos ou irreais, tor- pensamento se fixa na sua mente de uma forma incontro-
nam-se incontroláveis. Mesmo sendo improvável que os lável. É automático.
pensamentos dessa natureza se concretizem no plano real, E exatamente esse descontrole (de pensamento) que
os pacientes acabam supervalorizando a probabilidade de leva a pessoa a praticar os atos compulsivos. Porém, invaria-
eles acontecerem e, por isso, desenvolvem comportamen- velmente, os pensamentos dos que sofrem de TOC e que,
tos repetitivos (compulsões) na tentativa de evitar que conseqúentemente, levam à prática de rituais (compulsões)
ocorram. E uma forma de compensar e aliviar o estado an- são de conteúdo ruim ou catastrófico e persistentes. Assim,
sioso em que se encontram. Assim, as compidsões, conhe- quanto mais o portador de TOC tenta resolver seu proble-
cidas popularmente como "manias", são comportamentos ma, ou seja, livrar-se do pensamento ruim, por meio das
repetitivos que a pessoa se obriga a ter para "anular" as "manias", e "exorcizar" as obsessões geradoras de grande an-
consequências de seus pensamentos obsessivos, que ela siedade e sofrimento, mais este se torna presente e repetiti-
teme que se realizem. Como exemplos, podemos citar vo, mesmo sabendo que não faz nenhum sentido.
a pessoa que checa dezenas de vezes as trancas de suas Henrique, um comerciante de 26 anos, relata a forma
portas e janelas porque pensa, seguidamente, que alguém como surgiram os primeiros sintomas e a proporção que o
pode invadir a sua casa ern função de um mero "descui- problema tomou com o passar dos anos:
do" ; ou, ainda, conta infinitas vezes determinados objetos,
com medo de perdê-los. Mesmo sabendo que tudo está Tudo começou aos 15 anos. Tive uma irmã mais nova, para quem
certo, o medo e a ansiedade são tão intensos, que é qua- eu tinha por hábito dizer muitos "nãos" desde a infância. Mesmo
se impossível cessar a verificação. As compulsões também que eu a amasse muito, aquilo me dava uma sensação de poder
são conhecidas como rituais e podem ser expressas das e autoridade sobre ela, que me proporcionavam certo bem-estar.
mais diversas formas, dependendo de cada caso. Muitas Mas Cristina adoeceu e veio a falecer antes que eu completasse 16
vezes, não têm uma relação direta, pelo menos plausível, anos. A partir daí, passei a pensar que Cristina pudesse ter adoeci-
com o pensamento em si. do e morrido em função das minhas negativas e da forma como eu
Uma boa forma de você, leitor, entender as obsessões a tratava. Jamais me perdoei por isso! Passei a ter pensamentos
no TOC, é vivenciar o seguinte teste: nos próximos dez se- obsessivos que me perturbavam, criando tarefas mentais, as quais
gundos, feche os olhos e não pense na cor azul. Percebeu eu me obrigava a lazer, caso contrário, alguém da minha família
a dificuldade? Se você fez o teste, notou que durante esse poderia ser a próxima vítima. Assim, passei a organizar simetrica-
período foi impossível não pensar nessa cor. Você certa- mente todos os livros da estante, os CDs e tudo o que encontrava

i 55
Mentes com M e d o T r a n s t o r n o o b s e s s i v o - c o m p u l s i v o ('/'O C )

pela frente, sem nenhum controle. Tinha total consciência de que © o portador sabe que esses pensamentos são
isso era absurdo, mas também a nítida impressão de que se eu não absurdos;
fizesse, poderia prejudicar outra pessoa da minha família. Depois, © acredita que, por si próprio, conseguirá controlá-
impus-me a andar sempre com algumas peças de roupa brancas, los, nem que seja dando vazão aos seus atos
principalmente a camisa. Acreditava que o uso de alguma outra compulsivos;
cor atrairia más influências sobre mím. Um dia, um amigo comen- © acredita que essas compulsões não afetarão
tou que seu filho de apenas um ano e meio não poderia mais to- drasticamente a sua vida;
mar leite por recomendação do pediatra. Desde então, nunca mais © tem vergonha de expor aos outros o seu problema.
ingeri leite nem qualquer alimento derivado de leite, com medo de
adoecer ou morrer. Com o tempo, os pensamentos ruins e as com- Os familiares, muitas vezes, percebem alguma altera-
pulsões foram aumentando e hoje estão num nível insuportável. ção no comportamento do paciente com TOC, mas con-
Todos dizem que sou esquisito, sistemático, metódico e acho que sideram estes hábitos repetitivos como "esquisitices" e,
estou enlouquecendo. Pedi férias no trabalho e não consigo mais por falta de informação, não acreditam se tratar de uma
raciocinar direito. doença. A atitude da família só começa a mudar à medida
que o caso progride e piora de tal forma que comprome-
O medo e a ansiedade são sempre os "combustíveis", te a rotina diária desse paciente, assim como a de todos
que alimentam o pensamento obsessivo e, por consequên- os envolvidos.
cia, a compulsão, O seu portador vive numa prisão emo- É muito comum que uma pessoa corn TOC que,
cional e mental, de que somente ele tem a chave, mas habitualmente, é muito pontual e irrepreensível no cum-
por medo ou por falta de entendimento e orientação, não primento de seus deveres, com o passar do tempo, acabe
consegue fazer uso dela. O medo e a ansiedade podem se mudando esse comportamento, uma vez que a realização
tornar insuportáveis se o indivíduo não der vazão à com- dos rituais (manias) impostos por ela mesma demanda um
pulsão, que é o caminho mais curto para se livrar do pen- tempo considerável. Banhos demorados, estar impecavel-
samento desagradável. Infelizmente, esse caminho apa- mente arrumado antes de sair de casa ou verificar todos os
rentemente mais fácil é, na realidade, uma grande cilada! detalhes, por exemplo, consomem, às vezes, horas, inter-
E interessante perceber que, segundo algumas pesqui- ferindo nos compromissos sociais, profissionais e/ou aca-
sas, os pacientes com TOC levam cerca de oito a dez anos, démicos do indivíduo.
após o surgimento dos primeiros sintomas, para procurar Thaís, de 25 anos, secretária bilíngue, relata o quanto
ajuda profissional. Isso se deve aos seguintes fatores: o TOC prejudicou sua vida pessoal:

I 57
iVI f n t e s c o in M ed o

Alguns casos de TOC evoluem de forma tão extrema


Há cerca de três anos comecei a sentir que meus dentes estavam
a ponto de o portador não conseguir mais esconder o pro-
sujos com alguma frequência. Toda vez que isso acontecia, sentia-
blema, expondo-se a situações no mínimo bizarras. Quem
me melhor ao escová-los. O fato é que em alguns momentos sentia
não se lembra das aparições públicas de Michael Jackson
um incómodo muito grande, pois achava que meus dentes ainda es-
com máscara cirúrgica, presumivelmente para evitar ris-
tavam sujos. Precisava urgentemente escová-los novamente e me
cos de contaminação?
ver livre daquela sensação desagradável. Com o passar do tempo,
isso foi piorando e passou a me incomodar por 15, até 20 vezes
ao dia, fazendo com que eu repetisse aquelas escovações com a AS COMPULSÕES OU MANIAS MAIS FREQUENTES
mesma frequência. Ao tentar não escovar os dentes, sentia falta
© MANIA DE LIMPEZA E LAVAGEM: banhos intermináveis, la-
de ar, palpitação, tremores e dormência das mãos. A situação foi
var repetidas vezes as mãos até sangrarem, medo de
se agravando cada vez mais, comecei a ter um intenso desgaste do
se contaminar ao tocar determinados objetos, limpar
esmalte dos dentes e problemas na gengiva, que culminou na perda
os objetos com diversos produtos de limpeza etc. Um
de alguns deles. Depois disso, sentia-me suja por inteiro e precisava
caso publicamente divulgado na imprensa é o do can-
tomar banho várias vezes ao dia. Só saía do banho quando o sabo-
tor Roberto Carlos, que se declarou portador de TOC
nete acabava, o que me fazia ficar muito tempo debaixo do chuvei-
e que, supostamente, limpa com álcool, várias vezes
ro. Com isso, eu, que sempre fui uma secretária exemplar, passei a
ao dia, o telefone de casa, principalmente o bocal.
me atrasar para o trabalho e meu rendimento começou a cair. Sem
falar na minha aparência, que piorava a olhos vistos, com a pele e os
© MANIA DE ORDENAÇÃO ou SIMETRIA: ritual de guardar ou
dentes visivelmente prejudicados. Minha auto-estima desapareceu
ordenar determinados objetos sempre da mesma for-
e a depressão tomou conta de mim por me ver daquela maneira.
ma, na mesma posição ou ainda com a mesma sime-
O pior é que cada vez que eu tentava me controlar, a palpitação,
tria em relação aos demais objetos. O jogador inglês
a falta de ar e o medo me dominavam. Não tive mais chances, fui
de futebol David Beckham confessou, numa entre-
demitida e hoje estou desesperada.
vista à rede de televisão ITV, que possui obsessão por
colocar em ordem os quartos dos hotéis nos quais se
Os sintomas de TOC envolvem alterações do compor- hospeda ou enfileirar as garrafas de refrigerantes para
tamento (rituais, compulsões, repetições, evitações), dos que tudo pareça perfeito. Normalmente em linha
pensamentos (preocupações excessivas, dúvidas, pensa- reta ou aos pares. Segundo ele, ao chegar num hotel,
mentos de conteúdo inapropriado, obsessões) e das emo- antes rnesmo de relaxar, sente a necessidade incon-
ções (medo, desconforto, aflição, culpa). trolável de fazer desaparecer todos os papéis e livros,

I 59
M e n t e s com Medo T r a n s t o r n o o o s e s s í v o - c o m p u i s í v o ( '!' O C )

guardando-os em uma gaveta para que "tudo esteja © MANIA DE REPETIÇÃO: ligar e desligar o interruptor de
perfeito". luz, apagar e reescrever, escrever a mesma frase vá-
rias vezes etc. Este tipo de compulsão, na maioria das
MANIA DE VERIFICAÇÃO ou CHECAGEM: conferir diversas vezes, ocorre em conjunto com outras, tais como a de
vezes se trancou o carro, se o filho chegou da escola, checagem e a de lavagem, por exemplo.
se o despertador está programado para a hora certa,
se desligou o gás do fogão etc. Mesmo que tudo esteja © MANIA MENTAL: normalmente são atos voluntários,
perfeito, a dúvida sempre invade a mente de quem como pensar em uma determinada frase ou som para
sofre de TOC, que acaba por repetir o movimento "anular" determinados pensamentos desagradáveis.
infinitas vezes. Pode ocorrer por meio de questões místicas, como
rezar por horas a fio para evitar que algo ruim ocorra
MANIA DE CONTAGEM: não conseguir subir uma escada com uma pessoa querida. Pensar em números, frases,
sem contar o número de degraus, contar as listras palavras repetidamente para afastar as ideias ruins
da camisa do seu interlocutor durante uma conversa, que invadem sua mente também é comum.
quantas janelas tem o prédio ao lado cada vez que
um pensamento desagradável invade sua mente, en- © MANIAS DIVERSAS: não usar marrom ou outra cor, cuspir
tre outros. ao passar numa esquina com velas, não cortar os ca-
belos ou unhas por medo de que algo aconteça etc.
MANIA DE COLECIONAMENTO: guardar uma série de inuti- Geralmente, estão relacionadas a evitações e supersti-
lidades, na maioria das vezes verdadeiros "lixos", como ções, mas sempre corn intenso sofrimento.
garrafas vazias, jornais velhos, por puro medo de que
possa um dia precisar daquelas "quinquilharias" e não Não raro os pacientes também nos relatam obsessões de
tê-las mais à mão. Muitas pessoas, ao ganhar ou com- conteúdo sexual e/ou de caráter religioso, o que envolve sen-
prar determinados objetos, em vez de usá-los imedia- timentos de muita culpa. Um exemplo desse tipo de obsessão
tamente, guardam-nos por anos a fio, esperando uma pode ser observado no relato de Carla, 22 anos, universitária,
ocasião especial, ou simplesmente por não consegui- que descreve como tentou resolver o seu problema:
rem se desvencilhar deles. Muitas vezes a casa des-
sas pessoas vira um verdadeiro depósito de objetos Quando eu tinha 15 anos, tive uma séria discussão com meu pai
de todas as espécies, que as impede de se locomover que não aceitava de maneira nenhuma que eu namorasse. Passa-
dentro de seu próprio lar. do esse conflito, comecei a ter uns pensamentos absurdos, sempre

l (> i
M e ii t e s c o m M e d o

ligados a temas violentos, sexuais ou religiosos. Imaginava-rne ten- SEJA O GUERREIRO DO SEU PRÓPRIO DRAGÃO
do relações sexuais com meu irmão rnais novo; os santos nus, exi-
bindo seus órgãos genitais; via-rne matando uma criança; pensava O TOC já foi considerado um transtorno raro, até
num palavrão com o nome de Deus. Foi horrível. Lembro que me porque as pessoas portadoras costumam esconder seus
sentia muito culpada e achava que estava ficando louca. Não con- problemas, normalmente por vergonha, já que elas mes-
seguia controlar meus pensamentos. Começava a mentalizar o Pai mas têm consciência do absurdo de seus pensamentos e
Nosso sempre que esses pensamentos me "atacavam", mas nem compulsões. Mas, atualmente, como já dissemos, cerca
sempre dava resultado. Passei a ter manias totalmente sem sentido de 4% da população em geral sofre do problema, sendo o
para me livrar das ideias ruins, como bater de um lado ao outro TOC mais comum que o diabetes, por exemplo. É possí-
da parede, deitar no meio da sala etc. Na época, não suportei e vel que exista um contingente muito maior de portadores
acabei contando aos meus pais o que estava acontecendo comigo. e, conforme as informações vão sendo divulgadas para o
Ficaram apavorados: levaram-me a uma benzedeira, depois a um público leigo, mais condições tem o indivíduo de identifi-
centro espírita e assim por diante. Há algum tempo, através de uma car o problema e ir em busca de ajuda.
matéria numa revista, tomei conhecimento do TOC e reconheci, em O transtorno costuma aparecer, ern média, entre 20
mim, muitos daqueles sintomas descritos. Mostrei aos meus pais, e 25 anos de idade, acometendo um pouco mais as mu-
que procuraram ajuda de um psiquiatra e de uma psicóloga. Depois lheres do que os homens. Hoje, podemos observar um
de um ano de tratamento já rne sinto mais encorajada e aos poucos número relativamente grande de crianças que sofrem do
estou controlando meus pensamentos e minhas manias. problema. O TOC tem um curso crónico e, à medida que
o tempo passa, a tendência é piorar. Assim, quanto mais
Todos nós podemos ser um pouco obsessivos, supers- rápido ocorrer o diagnóstico e o tratamento adequados,
ticiosos ou ter algumas "manias", como forma de nos or- mais chances o indivíduo tem de recuperar sua qualidade
ganizar melhor e de prevenir problemas. Na verdade, ser de vida e evitar que o problema interfira de forma dramá-
um pouquinho preocupado e ansioso na medida certa é tica nos campos sociais, profissionais, académicos, entre
bastante importante. No entanto, se isto passa de um de- outros de grande importância.
terminado limite, chegando a criar pensamentos e com- Quanto às causas do transtorno, ainda não se sabe
portamentos repetitivos, que nos trazem sofrimento, que com precisão, mas há um desequilíbrio neuroquímico em
nos fazem perder horas de nosso dia, impedindo-nos de algumas áreas do cérebro, envolvendo principalmente o
viver a vida de forma plena, é hora de acender a luz verme- neurotransmissor serotonina. O mecanismo exato ainda
lha e procurar ajuda. não está totalmente esclarecido; no entanto, hoje já temos
muito mais dados, importantíssimos, do que há algumas

f 6 2 l 6í
décadas. De qualquer forma, uma coisa é certa: o com- também devem estar muito bem informados a respeito do
ponente hereditário é muito forte, uma vez que é comum assunto, pois muitas vezes, com a melhor das intenções,
vermos pessoas acometidas em uma mesma família. Os acabam se envolvendo nos rituais do paciente e contri-
traços de personalidade que colocam uma pessoa sob risco buindo para que o problema aumente. De maneira inver-
de desenvolver o TOC são a ansiedade, o perfeccionismo, sa, por falta de informação, a família também pode ser um
o desejo de ter tudo sob controle, um senso exagerado de fator de agravamento do problema, ao debochar, ironizar,
responsabilidade e de dever. ridicularizar ou expor o portador de TOC a situações de-
No que concerne ao tratamento, é fundamental que sagradáveis.
seja medicamentoso, pois visa corrigir a carência de seroto- Carinho, apoio e compreensão são fatores que não
nina, juntamente com a psicoterapia de abordagem cogni- podem faltar da nossa parte, quando lidamos com um pa-
tivo-comportamental, como na maioria dos transtornos de ciente com transtorno obsessivo-compulsivo. No entanto,
ansiedade. Essa técnica terapêutica atua de forma bastante é fundamental enfatizarmos que o tratamento só será bem
objetiva, estruturada e prática sobre o problema, envolven- sucedido quando houver muita paciência, vontade e per-
do mudanças de comportamento e modificação de ideias sistência, tanto por parte do portador quanto das pessoas
distorcidas, que as pessoas com TOC têm, ern relação aos do seu convívio. O tratamento, para que seja eficaz, de-
acontecimentos, ao ambiente e à vida em geral. pende de todos, mas principalmente daquele que sofre do
Na maioria dos casos, o ideal é manter a medicação problema. Além disso, para despertar desse sonho ruim, é
por dois anos, para evitar recaídas. Em uma minoria, há necessário se flexibilizar, entender e aceitar as fatalidades
necessidade de a pessoa tomar a medicação, em baixas e os acontecimentos inevitáveis da vida (Ana Beatriz B.
doses, pelo resto da vida. Silva, Mentes & Manias, 2004).
Se a pessoa estiver passando por momentos de estresse
(psicológico ou biológico), os sintomas podem aparecer ou
se intensificarem, Por isso, o tratamento deve conter tam-
bém um componente de mudança de estilo de vida, para
minimizar a suscetibilidade ao estresse. A prevenção é urn
tator importante.
Assim, como pudemos ver, o TOC causa, por suas
diferentes apresentações, grandes sofrimentos aos seus
portadores, que podem se sentir fracos, loucos, incapazes,
autocríticos, gerando culpas e depressão. Os familiares

J ó-f í 6S
CAPÍTULO • 8

DICAS
PRECIOSAS E NÃO-
MEDICAMENTOSAS
PARA SUPERAR
A ANSIEDADE

Bom é não fumar


Beber só pelo paladar
Comer de tudo que
for bem natural
E só fazer muito amor
Que amor não faz mal
Então, olha aí,
monsieur Binot
Melhor ainda
é o barato interior
O que da maior satisfação
E a cabeça da gente, a
plenitude da mente
A claridade da razão
Mentes c o m M e d o / J r c u s p r e c i o s a s e r i f l o - m e d i c a m e n t o s a s p a r a s u p e r a r u (m siedade

O primeiro e decisivo passo para superar a ansieda- depende de você querer se ajudar e, lembre-se, ninguém po-
de e o medo excessivos é reconhecer e aceitar os seus pró- derá fazer isso por você.
prios medos. Todos, sem exceção, têm medos — grandes ou Além destas, existem muitas possibilidades que
pequenos —, e você não fica de fora. contribuem para baixar o nível de ansiedade e que con-
Se isso estiver trazendo prejuízos significativos em sideramos fundamentais como coadjuvantes no trata-
diversos setores da sua vida, o segundo passo é procurar mento dos transtornos de ansiedade, que estão relacio-
ajuda especializada. Você de fato pode estar sofrendo de nadas abaixo:
um transtorno de ansiedade e necessitará de diagnóstico e
tratamento adequados. PRINCÍPIOS DIETÉTICOS
Caso o diagnóstico seja esse, leve o problema e tra-
tamentos a sério. Os transtornos de ansiedade devem ser Muitas pessoas não se dão conta do importante papel
encarados como qualquer outra doença (hipertensão, dia- que a seleção de alimentos pode desempenhar na inten-
betes, enfisema etc.). sificação ou na redução de sintomas de ansiedade, pânico
Não se envergonhe nem esconda o seu problema, e estresse excessivo. As pesquisas médicas nas áreas de
pois isso só faz o "monstro" interno crescer. dieta e nutrição, nos últimos trinta anos, demonstraram
Aprenda tudo sobre os seus medos e os transtornos que muitos alimentos, bebidas e suplementos alimentares
que eles podem lhe causar. Procure literaturas especializa- podem agravar ou desencadear sentimentos de ansiedade.
das, troque experiências com outras pessoas, assista a fil- Em contrapartida, outros estudos concluíram que certos
mes que retratem o problema. Quanto mais souber sobre o alimentos são benéficos por suas propriedades calmantes
assunto, mais aumentará sua munição contra o "inimigo". e estabilizadoras do estado de ânimo ou humor.
Procure suporte de outras pessoas. Tentar melhorar
sozinho é sempre muito mais difícil. Familiares, amigos ALIMENTOS A SEREM EVITADOS
próximos e associações de portadores de transtornos de
ansiedade podem ser bases de apoio importantes e ajudam Em nossa experiência com os pacientes que
bastante no tratamento. sofrem de ansiedade, desde moderada até grave, cer-
Participe ativamente do processo da sua recuperação. tos alimentos deveriam ser inteiramente eliminados
Busque alternativas de melhora, empenhe-se nas tarefas ou, pelo menos, drasticamente reduzidos a pequenas
propostas por seu terapeuta e mantenha sempre um diálogo quantidades, usados ocasionalmente, em um evento
franco e aberto com o seu médico. Esperar passivamente especial:
que os sintomas aliviem não é suficiente. Vencer os medos

I 68
D i c a s preciosas e nâo-medicamentOsas para superar a ad

C A F E Í N A (CAFÉ, CHÁ P R E T O , mós um constante fornecimento de glicose, não podería-


R E F R I G E R A N T E À BASE DE COLA, mos produzir os milhares de reações químicas de que nos-
ETC.) so corpo necessita para desempenhar suas funções diárias.
A cafeína deflagra ansiedade e até sintomas de pânico por- Somente o cérebro, para seu bom funcionamento, é res-
que excita diretamente vários mecanismos de estimulação ponsável pelo consumo de 20% do total de glicose disponí-
do corpo. Eleva o nível de noradrenalina do cérebro, um vel no organismo. Entretanto, a forma como introduzimos
neurotransmissor que aumenta a vivacidade. Além disso, esse importante alimento em nosso organismo pode afetar
a cafeína estimula a descarga de hormônios do estresse, de maneira profunda nosso estado de humor.
principalmente o cortisol, a partir da estimulação das glân- O ideal é ingerir maiores quantidades de carboidra-
dulas supra-renais, intensificando ainda mais os sintomas tos (açúcares) complexos, como cereais integrais, batatas,
de nervosismo e agitação. legumes e frutas. Os açúcares desses alimentos são dige-
A cafeína ainda exaure as reservas de vitaminas do ridos lentamente e liberados na circulação sanguínea de
complexo B e de minerais essenciais do corpo, como o po- forma muito gradual. Assim, a quantidade de glicose ob-
tássio e o cálcio. A deficiência desses nutrientes aumenta tida com a digestão desses alimentos não sobrecarrega a
a ansiedade, as oscilações de humor e a fadiga. A exaus- capacidade do corpo para absorvê-la.
tão do estoque de vitaminas do complexo B no organismo Infelizmente a maioria das pessoas no mundo ociden-
também interfere no metabolismo dos carboidratos e no tal costuma obter as doses necessárias de glicose para o
funcionamento saudável do fígado, o qual ajuda a regular bom funcionamento do organismo pelo uso excessivo de
os níveis de açúcar no sangue. açúcar simples, ou seja, o açúcar refinado branco ou o
Se você sofre de sintomas de ansiedade, devido a qual- açúcar mascavo, que constituem o ingrediente primário
quer causa, recomendamos que reduza o seu consumo de da maioria dos biscoitos, caramelos, bolos, tortas, refrige-
café a uma xícara diária e tente eliminar os refrigerantes à rantes, sorvetes e outros doces. Além disso, as massas e
base de cola e chás que contenham cafeína. Muitos chás os pães feitos de farinha branca, da qual se retira todo o
de ervas como camomila, cidreira, erva-doce e hortela-pi- farelo, ácidos graxos essenciais e nutrientes, funcionam
menta podem exercer um efeito relaxante sobre o corpo, como açúcares simples.
ajudando a reduzir a ansiedade. Com o predomínio do açúcar simples em muitos ali-
mentos, nossa sociedade acaba por produzir milhares de
AÇÚCAR viciados em açúcar em todas as faixas etárias. A excessi-
A glicose é uma forma simples de açúcar que proporciona va ingestão de açúcar pode ser um importante fator no
ao corpo a sua principal fonte de energia. Se não tivésse- surgimento de sintomas de ansiedade. A questão ocorre
J 70
I 7J
Mentes com M e ti o H i c a s p r e c i o s a s e n â o - m i'if i f o m e n t o s a s p a r a s u p e r a r

da seguinte forma: em vez de carboidratos complexos, Não há dúvidas de que o excesso de açúcar estressa
os alimentos baseados em açúcar e farinha branca de- muitos sistemas do organismo, o que piora a saúde e in-
compõem-se facilmente no tubo digestivo, assim a gli- tensifica a ansiedade, a tensão nervosa e a fadiga. Procure
cose é liberada rapidamente na corrente sanguínea e daí satisfazer seu desejo de doce mudando para alimentos mais
absorvida pelas células do corpo a fim de satisfazer suas saudáveis. Prefira as sobremesas baseadas em frutas ou ce-
necessidades energéticas. Para dar conta dessa repen- reais, como biscoitos de farinha de aveia com suco de fruta
tina sobrecarga, o pâncreas libera grandes quantidades ou mel. Peça também orientação a um bom nutricionista,
de insulina - uma substância que realiza o transporte da pois ele conhece várias opções saborosas e saudáveis de
glicose do sangue para dentro das células do corpo. sobremesas, que poderão satisfazer seus desejos sem per-
Diante dessa constante abundância de carboidratos turbarem o seu humor e a sua disposição física.
de fácil digestão (os chamados carboidratos simples), o
pâncreas tende a exagerar a quantidade de insulina ne- ÁLCOOL
cessária. Como consequência, o nível de açúcar (glico- O álcool é também um açúcar simples, por isso é rapida-
se) no sangue vai de um nível alto para um nível baixo mente absorvido pelo organismo. Tal como os açúcares,
demais de forma abrupta. Isso resulta no efeito "mon- o álcool aumenta os sintomas de hipoglicemia. e o seu
tanha-russa", muito visível na hipoglicemia ou na TPM uso excessivo pode aumentar a ansiedade e as oscilações
feminina. de humor.
A pessoa pode se sentir inicialmente eufórica, após O álcool é ainda um irritante para o fígado e diversas
ingerir açúcar, e depois sentir um rápido choque e um outras partes do aparelho digestivo. Também pode causar
mergulho profundo em seu nível de energia. Quando o danos inflamatórios ao pâncreas. Com o tempo, todas essas
nível de açúcar no sangue fica demasiadamente baixo, a alterações talvez resultem em um agravamento dos esta-
pessoa sente-se ansiosa, agitada e confusa porque o cére- dos de hipoglicemia, o que pode deflagrar o aparecimento
bro é privado do seu combustível maior. Para tentar reme- de um quadro de diabetes, assim como uma deficiência na
diar essa situação, as glândulas supra-renais liberam cor- absorção de nutrientes essenciais pelo intestino delgado.
tisol e outros hormônios que estimulam o fígado a liberar O sistema nervoso é particularmente suscetível aos
o açúcar que ele tem armazenado, de modo que o açúcar efeitos deletérios do álcool, uma vez que esse atravessa
no sangue possa voltar aos níveis normais. O problema é facilmente a barreira de irrigação sanguínea do cérebro
que o cortisol, além de estimular a elevação dos níveis de e destrói as células cerebrais. Em função disso, o álcool
açúcar no sangue, também aumenta, infelizmente, os sin- pode causar profundas mudanças comportamentais quan-
tomas de excitação e ansiedade. do consumido em excesso. Os principais sintomas incluem

I 72 l 73
Mentes com M edo D i c a s p r e c i o s a s e n ã o - m e d i e u m e n toio.s p a r a s u p e r a r a ansiedade

a ansiedade, a depressão, os acessos irracionais de cólera, LATICÍNIOS E CARNES VERMELHAS


a baixa capacidade de julgamento, a perda de memória, Devem fazer parte da dieta de forma moderada, uma vez
vertigens e a coordenação motora deficiente. que ambos os tipos alimentares são de digestão extrema-
Mediante estas informações, recomenda-se que as mente difícil para o organismo. Por essa razão podem agra-
pessoas com sintomas de ansiedade usem muito raramen- var a depressão e a fadiga que coexistem em muitas pes-
te bebidas alcoólicas e, quando o fizerem, que seja de for- soas com sintomas de ansiedade.
ma cuidadosa — nunca excedendo duas taças de vinho,
duas latinhas de cerveja ou apenas uma dose de qualquer AUMENTOS QUE ALIVIAM A ANSIEDADE
destilado (uísque, vodka, aguardente etc.).
Certos grupos de alimentos são tolerados por
SUPLEMENTOS ALIMENTARES quase todas as pessoas, até mesmo por aquelas que são
Milhares de suplementos químicos são usados na fa- ansiosas ou extremamente preocupadas. Esses alimentos
bricação comercial de alimentos. Alguns, muito populares, incluem a maioria das verduras, frutas, féculas, alguns ce-
que incluem os adoçantes sintéticos (como o aspartame), reais, quinoa, amaranto, milho, arroz e nozes. No início
o glutamato monossódico (MSG) e os conservantes (como do tratamento, eles devem constituir o núcleo de sua ali-
os nitratos e os nitritos), podem produzir sintomas alérgi- mentação. À medida que você se sentir melhor, podem-se
cos e de ansiedade em muitas pessoas. adicionar mais frutas, cereais, óleos, peixes, aves e carnes
Tivemos alguns casos de pacientes que se queixaram (com moderação).
de que o uso do adoçante artificial aspartame precipitara
neles sintomas pré-pânico, tais como taquicardia, respira- VERDURAS
ção superficial, dores de cabeça, ansiedade e vertigem. São alimentos excepcionais para o alívio da tensão e do es-
O glutamato monossódico é muito utilizado na prepa- tresse, Muitas são ricas em minerais importantes para me-
ração de alimentos em restaurantes chineses com o objeti- lhorar o vigor físico, a resistência e a vitalidade, como o cál-
vo de realçar o sabor dos pratos. Algumas pessoas referem cio, o magnésio e o potássio. Algumas das melhores fontes
dores de cabeça e ansiedade quando consomem alimentos desses minerais incluem a acelga, o espinafre, o brócolis, a
preparados com o glutamato monossódico. couve, as folhas de beterraba e as folhas de mostarda.
Recomendamos às pessoas que apresentam uma Muitas verduras são ricas em vitamina C, que é uma
maior sensibilidade a esses suplementos químicos que importante substância anti-estresse. As verduras ricas em
chequem os rótulos dos alimentos para evitarem tais rea- vitamina C incluem a couve-de-bruxelas, o brócolis, a cou-
coes desagradáveis. ve-flor, a couve-manteiga e a salsa.

I 74 I 75
M en l f s c o m Medo Dictis p r e c i o s a s e riflo-medicamentosas p a r a s u p e r a r a a n s i e d a d e

FRUTAS sistema nervoso, e têm propriedades de relaxamento emo-


As frutas também possuem uma ampla gama de nutrientes cional e muscular. Os legumes fornecem uma ótima fonte
que podem aliviar a tensão e o estresse. Elas são excelen- de proteína que pode ser facilmente utilizada e, por isso
tes fontes de vitamina C (morangos, amoras, framboesas, mesmo, podem substituir as carnes em muitas refeições.
melões e laranjas).
As uvas, amoras e bananas são excelentes fontes de cál- CEREAIS INTEGRAIS
cio e magnésio, dois minerais essenciais ao funcionamento Os cereais integrais são excelentes fontes de nutrientes
adequado do sistema nervoso e da função muscular. As uvas estabilizadores do humor, como o complexo da vitamina
e as bananas são também fontes excepcionais de potássio, B, a vitamina E, muitos minerais essenciais, carboidratos
que é muito bom para a fadiga excessiva e o inchaço. complexos, proteínas, ácidos graxos essenciais e fibra. Os
Recomenda-se comer a fruta toda para beneficiar-se cereais integrais ajudam a estabilizar o nível de açúcar no
do seu conteúdo rico em fibras, as quais ajudam a evitar sangue e, dessa forma, previnem os sintomas de ansiedade
a prisão de ventre e outras irregularidades digestivas. Em desencadeados pela hipoglicemia.
fase de muito estresse, consuma a fruta e evite os sucos O arroz integral e o milho são boas escolhas para pes-
de frutas. O suco de frutas não contém o volume de fibras soas com sintomas moderados de ansiedade. Nessa ca-
da fruta inteira, dessa forma age mais como o açúcar de tegoria estão também o trigo sarraceno e as alternativas
mesa, desestabilizando o nível de açúcar no sangue quan- exóticas, como a quinoa e o amaranto.
do consumido em excesso. Isso pode exacerbar a ansieda-
de, a fadiga e as variações do humor. SEMENTES E NOZES
Sementes e nozes são as melhores fontes dos dois ácidos
FÉC U L AS graxos essenciais, o ácido linóico e o ácido linolênico. Es-
Batatas, batatas-doces e inhames são carboidratos leves, bem ses ácidos fornecem as matérias-primas de que o nosso
tolerados, que fornecem uma fonte adicional de proteínas de organismo necessita para produzir os benéficos hormônios
fácil digestão para pessoas com ansiedade e tensão nervosa. prostaglandinas. Níveis elevados de ácidos graxos essen-
Tal como os carboidratos complexos, as féculas são calman- ciais em uma dieta são muito importantes na prevenção
tes, pois ajudam a regularizar o nível de açúcar no sangue. dos sintomas físicos da TPM, menopausa, transtornos
emocionais e alergias. As sementes que fornecem ambos
LEGUMES os ácidos graxos são a linhaça e as sementes de abóbora.
Feijões e ervilhas são excelentes fontes de cálcio, magné- As sementes de gergelim e de girassol são excelentes fon-
sio e potássio, necessários ao funcionamento saudável do tes de ácido linolênico.

l76 l77
M e n t e s com M e (í o D i c a s p r e c i o s a s e n&Q-medicamentosas paru s u p e r a r <•• a n s i edadn

Nozes e sementes são extremamente ricas em ca- ou de relações pessoais e de trabalho. Essa implacável re-
lorias e podem ser de difícil digestão, principalmente se petição mental de questões não resolvidas pode reforçar
forem torradas e salgadas. Portanto, devem ser ingeridas os sintomas de ansiedade e ser algo extenuante. E fun-
somente em pequenas quantidades. damental, para essas pessoas, aprender como deter esse
constante diálogo interior e aquietar a mente.
CARNES, AVES E PEIXES Existe uma série de exercícios e técnicas de relaxa-
As carnes vermelhas e as aves devem ser comidas em pe- mento, todas muito boas e recomendadas. O mais impor-
quenas quantidades. A melhor escolha é o peixe. Ao con- tante é que você utilize aquela que lhe possibilite atingir
trário das demais carnes, o peixe contém ácido linolênico, paz física e mental. Experimente algumas e observe o re-
ajudando a relaxar o estado de ânimo, assim como os mús- sultado: se sua mente começar a se esvaziar e depois de
culos tensos. algurn tempo permanecer quieta, como se nada mais im-
O peixe é também uma excelente fonte de minerais, portasse na vida, a não ser a manutenção daquele estado
sobretudo de iodo e potássio. Escolhas particularmente mágico de paz e harmonia, saiba que você encontrou a sua
boas para pessoas ansiosas são o salmão, o atum, a cavala técnica ideal. Depois disso é só treinar e treinar, afinal o
e a truta. hábito faz o monge!

TÉCNICAS DE RELAXAMENTO EXERCÍCIOS FÍSICOS

Incluir exercícios de relaxamento no tratamento O exercício físico é uma parte importante em um pro-
da ansiedade e do estresse tem dado um feedback muito grama de redução de ansiedade e do estresse. A descarga
positivo. A grande maioria dos pacientes relata uma sen- de tensão física e emocional, que acompanha uma vigoro-
sação de maior bem-estar com a utilização das técnicas de sa sessão de exercícios, reduz direta e imediatamente a an-
relaxamento e também assinala melhoras significativas em siedade e o estresse. Além disso, os benefícios fisiológicos,
sua saúde física. a longo prazo, da prática de exercícios físicos reforçam a
As pessoas com sintomas constantes de ansiedade e sua resistência ao estresse e promovem mudanças psico-
tensão nervosa são usualmente represadas por um contí- lógicas benéficas.
nuo mental de cogitações negativas. Ao longo do dia, sua Além de melhorar o funcionamento cardiovascular, o
mente consciente é inundada por pensamentos e fanta- exercício regular também reduz a ansiedade pelo aperfei-
sias que geram sentimentos conturbados. A maioria desses çoamento do funcionamento cerebral. O exercício favo-
sentimentos refere-se aos problemas de saúde, de finanças rece em melhor oxigenação e circulação para p cérebro e

í 7 J 79
Mentes com M ado

para os nervos, pois desobstrui e dilata os vasos sanguíneos Não defendemos o fato de as terapias citadas subs-
do corpo e do cérebro. Assim, mais nutrientes podem fluir tituírem o tratamento convencional medicamentoso e/ou
para a execução das funções cerebrais e mais produtos tó- psicoterápico; porém a nossa experiência clínica mostra
xicos podem ser removidos do cérebro. que a procura por outras técnicas, que no nosso entendi-
O exercício regular não só induz progressos funcio- mento são erroneamente rotuladas de "terapias alternati-
nais no cérebro mas também altera de forma surpreen- vas", trazem resultados muito satisfatórios quando associa-
dente a própria química cerebral de um modo muito posi- das ao tratamento estabelecido. Via de regra, as terapias
tivo, através das endorfinas beta. Estas substâncias, além complementares estão voltadas para o bem-estar do indi-
de possuírem efeito sedativo para a dor, apresentam um víduo como um todo (corpo, mente e alma), proporcio-
efeito espetacular sobre a disposição e o ânimo. Reduzem nando conforto, autoconhecimento e, conseqúentemente,
também a ansiedade e a tensão nervosa. autocontrole.
Muitas pessoas transformam a prática de exercícios E por último, não se descuide da sua espiritualidade,
físicos em um bom hábito. E isso é muito positivo, pois seja qual for e do jeito que for a sua crença!
substituem conscientemente, pelo exercício, os modos
mais prejudiciais como lidavam com o estresse no passa-
do, corno abusar do álcool, comer em excesso ou adotar
um comportamento agressivo.
Exercitar-se regularmente, entre três a cinco vezes por
semana, pode até ser considerado um "vício" para alguns,
mas ninguém pode negar que se trata de um vício muito
positivo que acarreta efeitos benéficos para a saúde.

TERAPIAS COMPLEMENTARES

Ouse buscar OUtras técnicas terapêuticas como


coadjuvantes no processo da sua recuperação. Dentre elas,
destacamos a ioga, a meditação, a acupuntura, o shiatsu, a
terapia com florais, entre muitas outras disponíveis e apro-
vadas pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

l 80 I 8 J
CAP ÍTUUO -9

DE ONDE
VEM ISSO?

Mes-mo quando tudo pede


um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede
um pouco mais de alma
A vida não pára
Enquanto o tempo
acelera e pede pressa
Eu me recuso faço
hora vou na valsa
Ávida é tão rara (...)
Será que é o tempo que
lhe falta pra perceber
Será que temos esse
tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara (tão rara)
\, LENINE E DUDU FALCÃO
AS CAUSAS DO MEDO E DA ANSIEDADE dade que existe em cada uma das pessoas que vivem esses
dias tão estressantes.
No mundo moderno, especialmente nos países mais Atualmente, excetuando-se os vícios, os transtornos
desenvolvidos ou nas grandes metrópoles, dificilmente associados à ansiedade são os mais comuns entre todos os
algum de nós irá passar por uma situação de medo intenso transtornos mentais. Mais de 10% dos norte-americanos e
(pavor mesmo) relacionada ao universo natural. Conve- dos europeus sofrem de ansiedade. Se não bastasse a im-
nhamos que, para nós humanos urbanos, será muito difícil portância quantitativa dos transtornos de ansiedade, seu
encontramos uma cobra cascavel ou surucucu, ou mesmo aspecto qualitativo, por si só, justificaria um entendimen-
um crocodilo faminto nas agitadas ruas e avenidas das to mais profundo das causas da ansiedade patológica, cuja
grandes cidades ou, ainda, não encontrarmos abrigo segu- atuação sobre um indivíduo pode levá-lo a várias impossi-
ro em meio a uma grande tempestade. bilidades nos mais diversos setores de uma vida.
Na desafiadora tentativa de governar as forças da na-
tureza e direcionar o destino da humanidade, acabamos
AS CAUSAS DA ANSIEDADE PATOLÓGICA
por criar novos riscos e ameaças para nossa própria sobre-
vivência: estradas de alta velocidade, armas de fogo, bom- Quando uma pessoa se refere à ansiedade por ela
bas nucleares, gases que provocam efeito estufa, armas sentida como uma queixa séria, ou seja, capaz de lhe trazer
biológicas, cobranças sociais provocadas por fracassos pro- transtornos e limitações na vida cotidiana, devemos averi-
fissionais ou mesmo por períodos de dificuldades financei- guar, com precisão, como estão funcionando os seguintes
ras e afetivas, aos quais todos nós estamos sujeitos, sistemas do seu organismo: o sistema nervoso (central e
O fato de esses perigos não se apresentarem subita- periférico), o sistema endócrino, o sistema imunológico
mente (de forma que não provocam uma reação de medo, e/ou o sistema cardiovascular.
intenso e real, na maioria das pessoas) não traduz, em ab- Nos casos de ansiedade patológica ou excessiva, qual-
soluto, o caráter inofensivo deles. A ansiedade manifes- quer um desses quatro sistemas funcionais do organismo
tada por tais situações cotidianas de perigo e ameaças, pode se apresentar comprometido:
aparentemente corriqueiras e banais, representa hoje, na
vida moderna, um dos principais fatores debilitantes para SISTEMA NERVOSO CENTRAL
a saúde. A ansiedade pode reprimir certas sensações como E PERIFÉRICO
a alegria de fazer uma nova descoberta pessoal ou profis- Corresponde ao cérebro (com seus neurônios, suas si-
sional, o prazer de um evento social ou uma competição napses, suas substâncias neurotransmissoras, células de
esportiva, sem falar na inibição da iniciativa e da criativi- sustentação etc.) e às fibras nervosas que ligam o cérebro

1 84 l 8 5
M e n í e .s i o 111 M e d I>c; o n il t' vem isso?

aos órgãos e aos músculos de todo o nosso corpo. Quando SISTEMA CARDIOVASCULAR
a ansiedade excessiva é causada por alterações presentes Corresponde ao conjunto formado pelo coração e todos os
nesse sistema, ela passa a ser denominada de transtorno vasos sanguíneos existentes no corpo. A principal função
de ansiedade. do sistema cardiovascular é conduzir sangue com alimen-
Isso é fácil de entender, uma vez que os transtornos to e oxigénio a todas as células de nosso corpo.
de ansiedade são classificados, pela medicina, como al- É importante destacar que, na maioria das vezes, os
terações mentais e, como sabemos, a mente corresponde sintomas de ansiedade excessiva estão relacionados com
às funções (ou energia) geradas pelo bom funcionamen- um ou mais comprometimentos desses sistemas citados.
to das estruturas nervosas, especialmente o cérebro. Para No entanto, o termo transtorno de ansiedade só poderá ser
que fique bem esclarecida a relação entre cérebro e men- utilizado quando o sistema nervoso for o principal sistema
te, podemos recorrer à analogia feita entre uma lâmpada funcional comprometido e, portanto, responsável pelos
e a luz que esta produz. Neste caso específico, o cérebro sintomas da ansiedade patológica.
corresponderia à lâmpada (estrutura física) e a mente à
luz (estrutura funcional ou energética), que necessita da TRANSTORNOS DE ANSIEDADE E OS FATORES DE RISCOS
estrutura física para exercer sua função de "iluminar".
Como pudemos observar ao longo deste livro, os
SISTEMA ENDÓCRINO (OU GLANDULAR) transtornos de ansiedade incluem urna série de quadros
Corresponde ao sistema que regula as funções reproduti- comportamentais muito frequentes em nossa prática clíni-
vas e metabólicas, tais como a menstruação e a eficiente ca diária e, entre eles, destacamos o transtorno do pânico,
queima dos alimentos para a geração de energia para o o transtorno da ansiedade generalizada, as fobias, entre
organismo. As glândulas produzem hormônios que, pela outros aqui descritos. Pesquisas revelam que esses trans-
corrente sanguínea, levam mensagens químicas a todas as tornos estão associados a mudanças químicas específicas
partes do corpo. no cérebro, o que ratifica o forte vínculo existente entre
mente e corpo.
SISTEMA IMUNOLÓGICO São diversos os fatores que podem predispor uma
Corresponde ao sistema que é responsável pelo combate pessoa a desenvolver transtorno de ansiedade, entre eles
aos "invasores" externos ao nosso corpo. Entre esses inva- podemos citar: desequilíbrios fisiológicos, fatores genéti-
sores, podemos citar os vírus e as bactérias. Outra função cos (predisposição familiar), programação familiar, tensão
importante do sistema imunológico é eliminar as células emocional, a curto e longo prazo, e sistemas de crenças
cancerosas que se formam em nosso próprio organismo. pessoais.

i 86 l 87
M ti ii t e s com M K d o De oncli' \'em i s s o ?

DESEQUILÍBRIOS FISIOLÓGICOS (A amígdala e para o hipocampo. A amígdala e o hipocampo


NEUROQUÍMICA) X T R A N S T O R N O S DE são os principais componentes do sistema límbico do cé-
ANSIEDADE rebro (ver figura a seguir).
Durante muito tempo se atribuiu à adrenalina o papel de
principal neurotransmissor, responsável pela "reação do ESTRUTURAS CEREBRAIS E SISTEMA LÍMBICO
medo" ou pela resposta de "luta ou fuga" apresentada pelo
Córtex
organismo, mediante riscos ou ameaças reais ou mesmo cingulado
direito
Fissura
imaginárias. No entanto, hoje sabemos que a adrenalina longitudinal Córtex
cingulado
esta presente apenas no sistema nervoso periférico, ou esquerdo

seja, nos nervos que se localizam fora do nosso cérebro e


que se comunicam com nossos músculos e órgãos visce-
Fórnix
rais, como o coração, os pulmões e o sistema digestivo.
A adrenalina é secretada pela parte central das glân-
dulas supra-renais (também chamadas de adrenais) em
resposta ao estresse e é uma das fontes das várias manifes-
tações da "reação do medo", como o fato do coração bater
mais forte e rápido. Mas, para que os efeitos da adrenalina
atinjam o cérebro e este possa desencadear os componen- Corpo
mamilar
tes mentais do medo e da ansiedade, essa substância, de
Hipotólamo
ação periférica, estimula uma pequena região localizada Tronco cerebral
na base do cérebro (região denominada de tronco ence-
fálico ou cerebral) que irá, então, transferir a mensagem
da adrenalina para uma região de nome muito esquisito,
denominada locus cendeus. Segundo os anatomistas que
viram esta região pela primeira vez, ela tinha o aspecto de
céu (cerelus) salpicado de estrelas, haja imaginação! O sistema límbico é responsável por todas as emo-
O locus cendeus é o local onde residem as células ce- ções desde as mais agradáveis, como alegria e paixão, até
rebrais que produzem a "irmã gémea" cerebral da adre- as mais incomodas, como tristeza, medo, desespero e an-
nalina, chamada de noradrenalina. O locus cerúleas libe- siedade. Dessa forma, o cérebro emocional (sistema lím-
ra noradrenalina por meio de vias nervosas diretas para a bico) e o "corpo físico" são co-ativados ao mesmo tempo,

! 89
durante a resposta de "luta ou fuga" (estresse), O "corpo
e perceber estímulos. Ele nos "dá consciência" de quando
físico" é ativado pela adrenalina e o cérebro pela noradre-
recuperamos ou lembramos de memórias de forma i n t e n -
nalina. Em termos de medo e ansiedade o que "o corpo
cional. Em relação ao cortisol, a amígdala estimula a sua
sofre, a mente sente".
liberação, enquanto o hipocampo a suprime.
A adrenalina e a noradrenalina não são os únicos
Segundo Bruce McEwen, da Rockefeller University,
neurotransmissores envolvidos na resposta ao medo e à
a amígdala é relativamente "forte" e não parece sofrer ne-
ansiedade. Nas glândulas supra-renais, enquanto a parte
nhuma lesão quando ocorre um acúmulo crónico de cor-
interna está enviando adrenalina, outras partes também
tisol sob condições estressantes. No entanto, o hipocam-
são ativadas pelo estresse e liberam o transmissor neuro-
po é mais sensível e vulnerável. McEwen mostrou que o
endócrino chamado cortisol. Produzido em quantidades
estresse crónico faz com que os neurônios do hipocampo
adequadas e no momento certo, o cortisol também ajuda
percam dendritos (segmentos que fazem um neurônio se
a nos adaptarmos a situações estressantes. O cortisol atua
comunicar com diversos outros), de modo que ele acaba
em diversas partes do corpo: ele regula o ciclo do sono/vi-
"encolhendo". Isso pôde ser confirmado tanto por meio de
gília, a excitação mental e o sistema imunológico.
estudos com animais como também em cérebros huma-
No entanto, temos de destacar que o hipocampo e a
nos, utilizando-se a ressonância magnética estrutural.
amígdala são estruturas repletas de receptores de cortisol
Essas observações têm importantes implicações para
e, por isso mesmo, participam da regulação do estresse
o nosso entendimento das inter-relações entre a memória,
causado pelo medo e pela ansiedade por retroalimentação,
o estresse e a ansiedade. Com elas nos dispomos a tecer
ou seja, trocam mensagens com as glândulas supra-renais,
algumas conclusões, mesmo que iniciais: a perda de cé-
influindo assim na produção quantitativa do cortisol. Por
lulas no hipocampo pelos elevados níveis do cortisol, nas
isso, podemos afirmar que o hipocampo e a amígdala são
situações prolongadas de estresse e ansiedade, seria res-
regiões cerebrais adjacentes e complementares, mas que
ponsável pela dificuldade que apresentamos em memori-
desempenham papéis diferentes nos mecanismos da an-
zar coisas e fatos novos, quando nos encontramos nessas
siedade, do medo e do estresse.
circunstâncias vitais. Por outro lado, as memórias traumá-
A amígdala é a nossa "via rápida", que nos faz rea-
ticas, legadas ao medo e aos fatores estressantes, tornar-
gir sem pensar. O hipocampo, embora também seja uma
se-iam mais pronunciadas, já que as células do hipocam-
região relativamente "primitiva", é um pouco mais sofisti-
po, responsáveis pela memória recente (fatos novos), são
cado e pode ser considerado como outra parte do sistema
mais sensíveis aos efeitos nocivos do cortisol do que as
límbico, a chamada "via lenta", uma vez que ele é respon-
células responsáveis pela memória antiga (fatos passados).
sável por associar contextos (situações diversas entre si)
Essa exacerbação das memórias antigas parece ter estreita
I 90
M f n t e s c o m M e ci o ÍJe i i n d e vem isso?

conexão com o condicionamento do medo em milhões de tecipatória por meio de efeitos diretos sobre a atividade
pessoas que sofrem de transtorno de ansiedade. noradrenérgica no córtex.
Pelo menos, em termos de ansiedade, cortisol, amíg- Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina
dala e hipocampo vale a máxima "tristeza não tem fim, feli- (ISRS) juntaram-se ao armamento terapêutico contra a an-
cidade sim", uma vez que o cortisol, liberado pelos quadros siedade nos últimos anos. Esses medicamentos têm como
prolongados de ansiedade, cria um forte condicionamento alvo o sistema da serotonina e aumentam a disponibilidade
negativo na amígdala e reforça a memorização consciente desse neurotransmissor (serotonina) nas sinapses cerebrais
dos fatores estressantes no hipocampo ao reduzir a capaci- (região de comunicação entre um neurônio e outro). Em-
dade deste adquirir novas e melhores lembranças. bora os ISRS sejam utilizados primariamente como antide-
Um aspecto bastante curioso sobre os medicamentos prcssivos, evidências de diversas fontes sugerem que o tra-
usados para tratar os transtornos de ansiedade é que mui- tamento com essas substâncias, ao longo de várias semanas
tos tipos diferentes são, de forma semelhante, proveitosos ou meses, bloqueia a atividade noradrenérgica de maneiras
e eficientes. O fato comum entre eles é que todos afetam diretas e indiretas. Em pacientes tratados por um período de
os sistemas neuroquímicos do cérebro. Esse fato em si não três meses com esses agentes serotoninérgicos, verificou-se
é tão surpreendente; o que causa admiração realmente é o que eles apresentavam níveis reduzidos de metabólitos da
que tange à diversidade dos sistemas neuroquímicos. noradrenalina em seus exames de urina.
As substâncias antiansiedade mais antigas — os ben- O tratamento em longo prazo com ISRS também pa-
zodiazepínicos ou calmantes - afetam o sistema inibitório rece reduzir a produção supra-renal de cortisol, bloquean-
GABA (ácido y-amínobutírico) do cérebro. Presumivel- do-a no nível do hipotálamo (deixa de liberar o hormônio
mente, os benzodiazepínicos reduzem os efeitos da ativi- corticotrófico, que estimula a supra-renal a produzir cor-
dade excessiva do sistema noradrenérgico, que surge no tisol). Além disso, os neurônios serotoninérgicos também
locus cemleus (no tronco encefálico ou cerebral — fora do apresentam projeções diretas para a amígdala, onde pro-
cérebro) e se projeta de forma difusa por todo o cérebro. vavelmente bloqueiem os estímulos excitatórios do córtex
Do locus cemleus existem projeções noradrenérgicas di- sensorial e do tálamo. Esse pode ser o principal mecanis-
retas para a amígdala e para o hipocampo. A redução do mo pelo qual reduzem a ansiedade.
input (entrada de estimulação) dessas regiões pode ter um
efeito específico sobre a resposta de rnedo condicionado, FATORES GENÉTICOS X TRANSTORNOS
que é produzida pela amígdala, ou sobre a evocação de DE A N S I E D A D E
memórias negativas conscientes no hipocampo. Assim, de Os fatores genéticos parecem ter importância como fa-
maneira alternativa, o GABA pode reduzir a ansiedade an- tores de risco para o desenvolvimento de transtornos de

í 92 í 93
Mentes co m M e De o n d e vê nt l .1 s O :

ansiedade. Estudo com gémeos idênticos mostrou que a enfrentar novos desafios na vida. Os pais que são aberta-
probabilidade de que arnbos tenham um transtorno de mente dominadores, e suprimem a capacidade de afirmação
ansiedade se um deles for afetado é estatisticamente sig- de uma criança por meio de punições, podem engendrar
nificativa (acima de 30%). Os gémeos fraternos, os quais ansiedade em seus filhos. Nesse ambiente, as crianças são
não possuem a mesma constituição genética, também cor- punidas por falar com franqueza e expressar seus sentimen-
rem maior risco de desenvolvimento de um transtorno de tos sem rodeios. Essas crianças podem crescer receosas de
ansiedade se um deles for afetado, embora o risco esteja tomar iniciativa ou mostrar suas verdadeiras convicções.
longe de ser tão grande quanto para os gémeos idênticos. É importante destacar que nem todas as crianças que
A agorafobia, um dos transtornos de ansiedade mais co- crescem em ambientes familiares estressantes desenvol-
muns, também parece mostrar uma predisposição fami- vem transtornos de ansiedade. Muitas crescem em ambien-
liar: enquanto 5% de toda a população sofre desse mal, a tes familiares muito difíceis, sem nunca terem apresentado
taxa de agorafobia em pessoas que têm um dos pais apre- um quadro de ansiedade excessiva. A probabilidade de
sentando esse mesmo diagnóstico é de 1 5 a 25%. desenvolverem um transtorno de ansiedade, quando cria-
das em famílias sumamente estressadas, é maior em crian-
AMBIENTE FAMILIAR X TRANSTORNOS ças cuja reação de "luta-ou-fuga" é facilmente deflagrada
DE A N S I E D A D E por circunstâncias perturbadoras ou desconcertantes.
Certos tipos de ambientes familiares parecem predispor
as crianças para o desenvolvimento de transtornos de an- C I R C U N S T Â N C I A S IMPORTANTES COMO
siedade, produzindo nelas sentimentos de insegurança, D ES E N C A D E A DO R AS DE T R A N S T O R N O S
medo e dependência. Um desses cenários é criado por DE A N S I E D A D E
país que são perfeccionistas e críticos, exigindo, constan- Pessoas que sofreram de séria tensão nervosa durante um
temente, que o desempenho de seu filho atinja níveis in- longo período de tempo, como consequência de um ca-
superáveis. Uma criança nessa situação pode crescer com samento violento ou injurioso, do falecimento ou enfer-
um sentimento sofrível de auto-estima, ansiosa e receosa midade crónica em membros da família ou de constantes
de aceitar riscos, por medo de fracassar. preocupações financeiras, podem descobrir que a sua ca-
Os pais que apresentam fobias, ou são supersticiosos, pacidade para dominar o estresse com calma e equani-
também podem criar filhos que sofram de ansiedade. Esses midade encontra-se comprometida. Tensões emocionais
país tendem a ensinar aos filhos que o mundo é um lugar incessantes e graves são suscetíveis de causar o desgaste
assustador, repleto de perigos e riscos. Esse tipo de família do sistema nervoso e, com o tempo, fazer com que uma
pode criar um filho que seja tímido e ansioso a respeito de pessoa fique excessivamente ansiosa ou estressada.

í 94 l9
Mentes com M e ti De onde vem isso?

Um motivo de muito estresse num curto período de constante diálogo consigo durante boa parte do dia; esse
tempo também pode engendrar ansiedade. Isso é particu- é o chamado de solilóquio. Um solilóquio negativo pode
larmente verdadeiro quando o agente estressante (como a ser um importante fator na perpetuação dos transtornos
morte de um cônjuge ou a perda de um emprego de mui- de ansiedade.
tos anos) provoca significativas mudanças ou transtornos
na vida. Até mesmo experiências positivas, como casar ou NEUROIMAGENS X
ter um bebé, causam ansiedade, pois lançam as pessoas TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
em situações inteiramente novas para as quais elas podem A maioria das pesquisas realizadas sobre a base do medo e
não ter tido preparação adequada. da ansiedade é conduzida com cobaias de laboratório. Os
caminhos do medo/ansiedade estão entre os mais antigos,
CRENÇAS PESSOAIS X TRANSTORNO do ponto de vista filogenético, e parecem estar presentes
DE A N S I E D A D E em todas as espécies de vertebrados.
Muitas pessoas nutrem sistemas de crenças que reforçam Felizmente, por causa do poder das técnicas moder-
os transtornos de ansiedade e geram um comportamen- nas de neuroimagem, também podemos estudar o cérebro
to que mantém o estado ansioso. Incluem-se aí a sofrível humano e medir o seu fluxo sanguíneo, mapeando, assim,
imagem de si mesmas e a baixa avaliação das próprias ca- os circuitos do medo e da ansiedade no cérebro humano.
pacidades e aptidões. As pessoas com transtornos de an- "in vivo". Em estudos de PET (tomografia por emissão de
siedade em sua maioria são muito inseguras, sentindo-se pósitrons) realizados em lowa (EUA), foi possível visuali-
mal equipadas para realizarem, na vida, as transformações zar a maneira como o cérebro normal responde a estímu-
que lhes permitam enfrentar e mudar as questões relacio- los desagradáveis, que são capazes de evocar medo.
nadas à ansiedade. Esses estudos foram realizados da seguinte forma: um
Todas essas pessoas com transtornos de ansiedade grupo de voluntários saudáveis observou um conjunto de
nutrem, com frequência, uma visão negativa do mundo. fotografias padronizado, a uma velocidade de uma a cada
Elas vêem as situações da vida e os lugares como peri- dois segundos. Eram fotografias que retratavam cenas que
gosos e ameaçadores, enquanto outras, que não sofrem a maioria de nós consideraria assustadoras, desagradáveis
desses transtornos, podem encarar as mesmas circuns- ou que provocassem ansiedade. Alguns exemplos são cor-
tâncias corno inofensivas ou mesmo agradáveis. Elas re- pos humanos mutilados; uma criança subnutrida e esquá-
forçam, frequentemente, o próprio transtorno ansioso por lida, que tinha morrido de fome, e uma mosca pousando
meio de um diálogo interno de caráter negativo e amea- sobre uma ferida aberta. Comparou-se, então, a resposta
çador. Como todos sabemos, as pessoas mantêm um do cérebro a essas imagens repulsivas com a reposta pro-

! 96 1 9 7
De onde vê n» i s s o ?
Mentes com Medo

duzida ao se verem imagens agradáveis, como um casal se T E N S Ã O P R É - M E N S T R U A L (TPM)


olhando com uma expressão amorosa.
Os resultados demonstraram que os estímulos desa- Em nossa prática clínica observamos que 90% das
gradáveis e que causam medo produziam aumentos no mulheres com TPM se queixam do aumento de ansiedade
fluxo sanguíneo em diversas regiões cerebrais, a maioria e da irritabilidade, que se intensificam uma ou duas sema-
das quais são componentes das conhecidas vias do medo nas antes da menstruação.
em animais. As regiões mais ativadas foram: da amígdala, Além dos sintomas emocionais, a TPM apresenta nu-
do hipocampo, do tálamo, do giro cingulado anterior e merosos sintomas físicos que envolvem quase todos os sis-
frontal inferior. Essas regiões representam o "cérebro lím- temas do corpo. Os que nos chama mais atenção são: en-
bico" {centro de todas as nossas emoções), mais clássico xaqueca, inchação, seio sensível, aumento de peso, acne e
e primitivo. ânsia por doces.
Interessante foi observar que as imagens agradáveis A TPM não possui uma causa isolada, vários dese-
ativavam áreas cerebrais muito diferentes, quase todas quilíbrios hormonais e químicos podem deflagrar seus
localizadas no córtex cerebral - área cerebral que é subs- sintomas. Uma das possíveis causas é o desequilíbrio dos
tancialmente maior em seres humanos, em comparação níveis de estrogênio e progesterona no corpo. Esses dois
com os demais animais, e que é responsável pelos nossos hormônios apresentam um acentuado aumento durante a
processos de análise e reflexão. Isso indica que são ne- segunda metade do ciclo menstrual. Quando adequada-
cessárias as partes superiores do nosso cérebro para que mente equilibrados, estrogênio e progesterona promovem
possamos reconhecer o prazer, a alegria e a felicidade. In- emoções saudáveis e harmónicas. No entanto, sintomas de
felizmente o medo e a ansiedade parecem vir com mais humor, relacionados à TPM, podem ocorrer se o equilíbrio
facilidade, pois estão embutidos nas partes mais básicas, entre esses hormônios não se estabelecer, pois eles exer-
profundas e primitivas de nossos cérebros. cem efeitos antagónicos sobre a bioquímica do cérebro. O
estrogênio tem um efeito sedativo sobre o metabolismo ce-
rebral. Assim, se há um predomínio do estrogênio, as mu-
ANSIEDADE GERADA POR PROBLEMAS HORMONAIS
lheres tendem a sentir-se ansiosas; se o predomínio for da
MuitOS problemas de saúde relacionados com hor- progesterona, a tendência é elas se sentirem deprimidas.
mônios produzidos por nossas glândulas endócrinas têm O equilíbrio entre estrogênio e progesterona depende
como principais sintomas a ansiedade e as oscilações do da quantidade de hormônio que o corpo produz e da efi-
humor. ciência com que o corpo os decompõe e elimina. Os ová-
rios são a fonte primária de produção desses hormônios; já

í 99
98
Ment es com Medo

o fígado tem a maior responsabilidade pela inativação do Níveis reduzidos de serotonina poderiam explicar o
estrogênio. Dessa forma, ele garante que os níveis desse sono de má qualidade, a fadiga, a ansiedade e a irritabi-
hormônio, que circula em todo o corpo, não se tornem lidade de que sofrem algumas mulheres durante a TPM.
excessivamente elevados. Explicaria também o desejo insaciável de comer doces e
O estresse emocional e os hábitos nutricionais de- carboidratos durante o período pré-menstrual.
sempenham papéis significativos no grau com que o sis- E muito raro a TPM desaparecer espontaneamente
tema hormonal funcionará. Uma exagerada ingestão de sem tratamento. Aquele velho papo "machista" de que
gordura, álcool e açúcar submete o fígado a um esforço "quando casar melhora", é besteira. O que temos observa-
excessivo, pois a ele cabe processar esses alimentos, as- do é que ela piora com a idade, podendo haver uma exa-
sim como os hormônios. A falta de vitamina B reduz a ca- cerbação do desconforto conforme se aproxima a meno-
pacidade do fígado de executar suas tarefas metabólicas. pausa entre os 45-50 anos.
Em qualquer desses casos, o fígado não pode decompor Os desequilíbrios hormonais, químicos e nutricio-
os hormônios de maneira eficaz e, como consequência, nais, agem juntos na produção dos sintomas da TPM.
os hormônios continuam a circular no sangue em níveis Além disso, os desequilíbrios podem diferir em qualida-
elevados, sem terem uma eliminação adequada. Dessa de e em quantidade de uma mulher para outra e, por
forma, a balança pende para o aumento da ansiedade por conseguinte, não existe uma droga milagrosa para curar
excesso de estrogênio. a TPM. Por outro lado, podemos afirmar que ela é tra-
Na TPM ocorrem também desequilíbrios químicos tável e, para isso, além de medicações individuais (anti-
no metabolismo cerebral, que acabam produzindo sin- depressivos, tranquilizantes, diuréticos e hormônios) as
tomas de ansiedade e oscilações do humor. Uma dessas mulheres devem participar ativamente de um programa
alterações seria a queda dos níveis de endorfina beta nos individual, comprometido com salutares mudanças de
5-10 dias que antecedem a menstruação. Como a endor- estilo de vida.
fina beta possui um efeito de bem-estar físico e mental, a
redução dos seus níveis causa sintomas como ansiedade e MENOPAUSA
irritabilidade. A menopausa, ou seja, o término de todo o fluxo mens-
Um outro fator cerebral responsável pelos sintomas trua], ocorre, para a maioria das mulheres, entre os 48 e
de ansiedade relacionados à TPM se deve à redução dos 52 anos de idade. Ansiedade, oscilações de humor e fadiga
níveis de serotonina durante esse período. A serotomna é acompanham, com frequência, esse processo, quando as
um neurotransmissor que regula a qualidade do sono, o mulheres passam pelas mudanças hormonais que culmi-
apetite e o bom humor. nam com o cessar da menstruação.

200 20 i
M e ti o

Os sintomas emocionais da menopausa ocorrem, ini- cluem o uso de drogas para suprimir e até inativar a glân-
cialmente, pelo desequilíbrio dos hormônios estrogênio e dula tireóide, assim como sua remoção cirúrgica em casos
progesterona e, posteriormente, pelos níveis muito baixos mais graves.
deles. Os sintomas se agravam quando as mulheres estão
submetidas a um forte estresse emocional ou possuem há- HIPOGLICEMIA

bitos alimentares desfavoráveis, como a excessiva inges- (BAIXA DE AÇÚCAR NO SANGUE)


tão de cafeína, açúcar ou álcool. Podemos incluir ainda o A hipoglicemia ocorre quando os níveis de açúcar no
sedentarismo e o estilo de personalidade pouco flexível e sangue estão abaixo do normal. Nesse estado, as pessoas
dependente que as mulheres apresentam. apresentam muitos sintomas semelhantes aos de acessos
O tratamento da menopausa pode incluir a terapia de ansiedade, incluindo irritabilidade, tremores, deso-
de reposição hormonal, utilização de medicamentos an- rientação, aturdimento, espaçamento anormal na fala e
tidepressivos, suplementos vitamínicos e de minerais. até palpitações.
Técnicas de administração do estresse e atividades físicas O gatilho alimentar para os episódios hipoglicêmicos é
regulares também podem ajudar bastante a restabelecer a a ingestão excessiva de açúcar simples, como o açúcar bran-
energia e a vitalidade e a estabilizar o humor. co, mel, produtos com farinha branca, doces como tortas,
bolos, sonhos e balas. Quando uma quantidade de açúcar
HIPERTIREOIDISMO é despejada na circulação sanguínea, a insulina é segregada
Ocorre quando a glândula tireóide segrega uma quantidade em doses muito altas. Isso pode ocasionar, realmente, uma
excessiva de hormônio tireoidiano. Trata-se de um proble- queda da taxa de açúcar no sangue a níveis onde ocorrem
ma sério e potencialmente perigoso, se não for diagnostica- os típicos sintomas de ansiedade da hipoglicemia. É impor-
do logo no início. Os sintomas podem simular os ataques tante destacar que as quedas no nível de açúcar no sangue
de ansiedade e incluem a ansiedade generalizada, insónia, também podem ocorrer simplesmente em resposta aos ní-
cansaço ao menor esforço, pulso acelerado, suores, intole- veis muito elevados de estresse, isso porque o corpo utiliza
rância ao calor e aumento da atividade intestinal. glicose extra durante esses períodos.
Um diagnóstico de hipertireoidismo pode ser preço- As pessoas que mantêm uma dieta rica em açúcar
cemente feito por análises de sangue, que revelam a se- simples sentem-se, com frequência, como se estivessem
creção excessiva de hormônios tireoidianos, assim como em uma montanha-russa emocional: por um lado alter-
outras alterações do sangue. nam-se entre os altos e baixos de ansiedade e irritabilida-
O hipertireoidismo deve ser tratado imediatamente a de, e, por outro, de fadiga e depressão. Tudo ao sabor das
fim de reduzir a produção hormonal. Os tratamentos in- flutuações dos níveis de açúcar no sangue.

202 203
Uma dieta à base de carboidratos complexos (cereais dessensibilizantes. Administrar o estresse também pode
integrais, frutas, verduras, etc.), combinados com proteí- ajudar a tratar e impedir as alergias.
nas de alta qualidade como nozes, amêndoas, sementes
c peixes, promovem uma lenta absorção da glicose para ANSIEDADE E DISTÚRBIOS DO SISTEMA CARDIOVASCULAR
o sangue, evitando, assim, uma produção excessiva de in-
sulina. Desta maneira, o nível de açúcar no sangue e as O prolapso da válvula mitral é uma enfermidade car-
emoções mantêm-se estáveis e equilibradas. díaca que pode causar episódios de palpitações, dores no
peito, respiração ofegante e fadiga, semelhantes ao estado
ANSIEDADE E DESEQUILÍBRIO IMUNOLÓGICO
de ansiedade. Parece estar presente com maior frequência
em pessoas com episódios de ansiedade e pânico do que
Alterações no Sistema imunológico (sistema de de- na população geral. É causada por um defeito moderado
fesa do organismo) podem causar uma variedade de sinto- na válvula mitral, localizada entre a cavidade superior e a
mas psicológicos e físicos. inferior do lado esquerdo do coração. Tal defeito faz com
As alergias são um bom exemplo disso, Quando elas que esta válvula não se feche adequadamente e, por con-
ocorrem é porque o nosso sistema imunológico reagiu sequência, o coração é colocado sob tensão, podendo pul-
de forma excessiva a substâncias inofensivas. As subs- sar depressa demais ou irregularmente.
tâncias que mais provocam alergias são: pólen, mofo ou Na maioria absoluta dos casos, o prolapso da válvula
alimentos. As reações alérgicas são facilmente diagnosti- mitral é leve, não necessitando de tratamento específico.
cadas porque os sintomas ocorrem imediatamente depois Nos casos mais graves, os batimentos cardíacos podem ser
do contato com o alergênío (substância que provocou a moderados pelo uso de betabloqueadores, que são medi-
alergia). Os sintomas imediatos são respiração ruidosa e camentos que diminuem as pulsações e a contratilidade
ofegante, comichão, olhos lacrimejantes, congestão nasal do coração. O estresse excessivo e os estimulantes, tais
e urticária. Algumas reações alérgicas são demoradas e como bebidas à base de cafeína, devem ser eliminados a
podem ocorrer horas ou dias após a exposição ao alergc- fim de se evitarem os episódios de taquicardia. Deficiên-
nio. Os sintomas retardados incluem ansiedade, depres- cias de cálcio, magnésio e potássio devem ser evitadas,
são, fadiga, vertigem, enxaqueca, dores musculares e nas uma vez que esses minerais essenciais ajudam a regular e
articulações e eczema. reduzir a irritabilidade cardíaca. Por isso, é necessária uma
O tratamento para alergias alimentares e outras in- dieta com suficientes quantidades desses nutrientes ou,
clui, usualmente, a supressão da substância nociva, se então, a utilização de suplementos.
possível, ou o uso, por prescrição médica, de aplicações

204 20 5
M e li ( e s t o m M c d o

Sentir ansiedade é, sem dúvida, uma condição huma- CAP ÍTULO -


na inerente a todos nós. No entanto, não adoecermos por
excesso dela é uma escolha que podemos fazer.
Ao compreendermos as causas da ansiedade, vemos É PRECISO
que, no seu processo de adoecimento, inúmeros fatores se
interligam em um intrincado jogo de probabilidades e/ou SMJER VIVER
possibilidades, onde no final todos perdemos algo. Não
possuímos o poder de mudar nossa genética, ou mesmo
nossa reação "primitiva" de medo e ansiedade. Mas pode-
mos mudar nossa maneira de viver, de nos relacionarmos,
de nos cuidarmos, de sermos felizes.
O conhecimento fornecido neste capítulo não visa Quem espera que a vida
oferecer justificativas para nossos estados de ansiedade Seja feita de ilusão
patológicos, mas, sim, criar condições de transcendê-los, Pode até ficar maluco
com plena consciência das dificuldades e com a certeza Ou morrer na solidão
de que a força do nosso querer pode fazer toda a diferença E preciso ter cuidado
entre sentir, eventualmente, ansiedade ou viver e adoecer Pra mais tarde não sofrer
com ela. E preciso saber viver
Toda pedra do caminho
Você pode retirar
Numa flor que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o bem e o mal existem
Você pode escolher
E preciso saber viver

É preciso saber viver. ROBERTO CARLOS

206
Sentir ansiedade é, sem dúvida, uma condição huma-
C A P Í T U L O - 10
na inerente a todos nós. No entanto, não adoecermos por
excesso dela é urna escolha que podemos fazer.
Ao compreendermos as causas da ansiedade, vemos
que, no seu processo de adoecimento, inúmeros fatores se
É PRECISO
interligam em um intrincado jogo de probabilidades e/ou
possibilidades, onde no final todos perdemos algo. Não
SftBER VIVER
possuímos o poder de mudar nossa genética, ou mesmo
nossa reação "primitiva" de medo e ansiedade. Mas pode-
mos mudar nossa maneira de viver, de nos relacionarmos,
de nos cuidarmos, de sermos felizes.
O conhecimento fornecido neste capítulo não visa Quem espera que a vida
oferecer justificativas para nossos estados de ansiedade Seja feita de ilusão
patológicos, mas, sim, criar condições de transcendê-los, Pode até ficar maluco
com plena consciência das dificuldades e com a certeza Ou morrer na solidão
de que a força do nosso querer pode fazer toda a diferença E preciso ter cuidado
entre sentir, eventualmente, ansiedade ou viver e adoecer Pra -mais tarde não sofrer
com ela.
É preciso saber viver
Toda pedra do caminho
Você pode retirar
Numa flor que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o l)em e o mal existem
Você pode escolher
E preciso saber viver

É preciso saber viver, ROBERTO CARLOS

2 O6
p r e c i s o s O t) e T viver

É PRECISO SABER VIVER XX, lá pelos idos de 1920. A história revela o cotidiano de
uma família comum de classe média, destacando as ideias
e as percepções daquela época. Ao final do filme, um sen-
Não vou dar conta de tanto trabalho. Preciso de férias! Férias de timento dúbio, de pesar e alegria, nos faz refletir.
tudo: trabalho, filhos, pais, amigos, tudo mesmo! Estou saturada. Quando olhamos para o mundo de cem anos atrás
Tenho que admitir: não é possível lidar com tudo isso. Preciso de e vemos uma espécie de inocência e simplicidade, uma
chance para relaxar, parar o jogo, zerar a vida. Mas como, se nunca onda de nostalgia nos invade a alma. Andar a cavalo ou de
tenho tempo? Minha vida está escorrendo entre meus dedos, uma charrete, comunicar-se por cartas escritas à mão, partici-
vida fluida sobre a qual não tenho o menor controle! Queria gritar, par de saraus, realizar refeições em família, tomar a fres-
espernear, chorar, socar, sumir...Pra onde? Quando? E depois? De- ca ao entardecer, não ter excesso de informação o tempo
finitivamente estou superestressada! todo... Convenhamos, aquela vida tinha lá o seu charme!
Será que trocaríamos o que tínhamos naquela época pelo
O relato de Bianca, advogada bem-sucedida de 34 que temos hoje? Talvez sim, talvez não, tudo depende do
anos, está repleto de refrões muito familiares a todos nós. quanto valorizamos as "conveniências modernas" em con-
São os refrões dos cidadãos do século XXI. traposição com a complexidade, a confusão e as pressões
da vida atuaí.
Passadas algumas horas do término do filme, começa-
mos a voltar à realidade e sentenciamos: temos de seguir
A maioria das pessoas se pergunta o que aconteceu em frente, pois, de qualquer modo, o tempo não volta e
com suas projeções futuristas de um século XXI cheio de não temos escolha nesse sentido. O século XXI já acon-
tecnologia, com menos trabalho, mais prazer, mais igual- teceu! Ele é a nossa realidade e, gostemos ou não dessa
dade, mais conforto, com carros voadores, robôs realizan- ideia, não há como voltar atrás.
do todo o trabalho braçal, cheio de muita paz e felicidade. Tudo é um estranho paradoxo. Quanto mais temos
Com certa perplexidade, vamos tocando nossas vidas sem coisas à nossa disposição, para facilitar nossas vidas e a
compreendermos muito bem o porquê de tanta expectati- nossa rotina, tudo parece ficar cada vez mais difícil. Te-
va frustrada. Mas não podemos parar: sempre em frente, mos tantos aparelhos para economizar trabalho — má-
afinal não temos tempo a perder! quinas de lavar roupas e louças, fogões a gás e elétricos,
Até que um dia, sem qualquer intenção específica, aspiradores de pó, microondas, espremedores de frutas,
entramos no cinema para ver um filme qualquer, somente cafeteiras elétricas —, uma variedade interminável de apa-
para arejar a cabeça. O filme se passa no início do século relhos domésticos. Temos fastfood no momento desejado,

208 209
E precisa saber viver

via tele-entrega, o pizzafone, o supermercado via internet, A ansiedade e o medo são respostas emocionais
o bank/one. que estão cravadas em nosso DNA 7 desde que existimos
Temos telefones em casa, celulares nas ruas: tudo como espécie humana, para nos ajudar a sobreviver. Se
para que possamos estar em constante contato. Temos nosso cérebro se encontrar em boas condições de fun-
carros (e, muitas vezes, vários carros), aviões e metros. Te- cionamento, estando a nossa ansiedade exatamente no
mos televisão, internet, CDs, DVDs, Ipods e MP3. Temos nível certo, ele poderá atingir o máximo de empenho, em
computadores em nosso escritório, em nossas casas, em diversos desafios, nos mais variados setores de nossas
nossas pastas e em nossas mãos. Em suma: temos mui- vidas. Se, por outro lado, o nosso cérebro ficar ansioso
to! Podemos ter muito mais e mais rápido do que nos- demais e entrar em pânico em momentos decisivos, nós
sos cérebros humanos foram projetados para absorver. E estaremos com problemas.
dentro desse rodamoinho, da competitividade, da pressa, O truque é encontrar o nível certo de ansiedade,
das exigências, do consumismo sem freio e das inovações para que tenhamos uma boa performance diante dos obs-
constantes da sociedade contemporânea, muitos de nós táculos que a vida nos apresenta. Não é saudável, nem
são tomados pelos sentimentos de medo e ansiedade tão tampouco recomendável, termos níveis de ansiedade al-
intensos que, às vezes, sentem-se estressados e incapaci- tos ou baixos demais. E claro que graduar os níveis de
tados, o que deflagra um "transtorno de ansiedade", ansiedade para que possamos dar conta de todos os afa-
Os transtornos de ansiedade são, de certa forma, os zeres modernos, sem que tenhamos de adoecer com isso,
reflexos dos nossos dias; esses dias inacabáveis, que nos é um desafio e tanto! Talvez o maior de todos, desses nos-
fazem pensar que alguma coisa está totalmente fora da sos tempos tão estressados. Para tanto, necessitamos do
ordem. E está mesmo! Em todos os transtornos de ansie- mais valioso bem que uma pessoa pode possuir: o conhe-
dade uma resposta, que era para ser normal e adaptativa, cimento. O autoconhecimento nos traz o saber e este,
se transforma em um monstro dentro de nós. O mons- o poder de nos transformarmos em pessoas melhores e
tro é a "ansiedade patológica", que nos causa sintomas mais felizes,
como tensão e medo, que são indesejáveis, excessivos e Do ponto de vista tipicamente psicológico, o homem
inadequados para a situação em que nos encontramos. moderno não é muito diferente de seus remotos ante-
Essa ansiedade patológica surge e nos ataca quando não passados. Nossas estruturas neurobiológicas ainda são as
queremos ou quando não faz nenhum sentido. A nossa mesmas; assim que detectam sinais de ameaça ou perigo
capacidade de sentir ansiedade e medo é uma benção que - através de nossa forma de avaliar cognitivamente (cons-
pode se tornar uma maldição. É o feitiço virando contra cícntemente) as situações vividas —, reações neuroendó-
o feiticeiro. crinas são disparadas em frações de segundos, predispon-

2 JO 2 I f
do o organismo a enfrentar o perigo real ou imaginário, tidades, num processo simultâneo de reestruturação
mas do mesmo modo temido. Dessa forma, o medo, ou e construção.
a ansiedade, nos torna aptos à ação, estimulando caute- E o exercício mágico e transcendente de se reinventar
la em nossas escolhas e comportamento. Faz-nos vibrar e a cada supetão de sofrimento.
nos mantêm vivos.
Considerando que viver é deparar o tempo todo com
um incalculável número de novidades, riscos, acertos e er-
ros, podemos concluir que se quisermos realmente mudar
nossas vidas, teremos de descobrir um jeito de estabele-
cer uma relação amigável com esses sentimentos. Caso
contrário, só nos restará a resignação de viver um estilo
de vida ansioso, conflitivo e adoecedor. Afinal de contas,
pelo menos em matéria da reação do medo, e parodiando
o cantor e compositor Belchior, "ainda somos os mesmos e
vivemos como nossos ancestrais!"
Mesmo com todos os avanços terapêuticos conquista-
dos pelas neurociências nos últimos anos, seja no aspecto
medicamentoso ou na abordagem cognitívo-comporta-
mental da psicologia, ainda temos de lidar com a certeza
de que viver é um significativo caminho terapêutico, que
nos confronta com o medo e nos impele na direção do
autoconhecimento e do amadurecimento.
O preço a pagar para se viver uma vida que valha a
pena é alto, muito alto, mas precisamos e devemos pa-
gar. Pensando bem, as coisas que são realmente impor-
tantes na vida geralmente nos pegam desprevenidos em
uma terça-feira cinzenta qualquer. Assim, é necessário
transformar as experiências de medo e de ansiedade ein
algo frutífero, que nos ajude a revelar novas versões da
vida, a partir da compreensão de nossas próprias íden-

2 J2

Potrebbero piacerti anche