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A Ansiedade

Como superar o estresse, as fobias e as obsessões


Enrique Rojas, catedrático de psiquiatria, pertence à tradicio-
nal geração de médicos humanistas da Europa. Prêmio Extraordi-
nário de Doutorado em Medicina e Prêmio Conde de Cartagena da
Real Academia de Madri, publicou diversos livros. No Brasil, a
Mandarim publicou os seguintes títulos: O homem moderno
(1996) e Remédios para o desamor (1991).
“Envolto num ritmo trepidante e às vezes pouco produtivo, o ho-
mem de hoje se esquece do motivo pelo qual faz o que faz, e age
movido principalmente por circunstâncias à sua frente; como se o
urgente, por ser urgente, fosse mais importante que o realmente
importante; como se seu tempo tivesse menos valor que as coi-
sas, quando seu tempo é realmente sua própria vida; como se o
material e o exterior fossem mais importantes que o espiritual e o
íntimo.
O homem atual não tem tempo de conhecer os outros nem de co-
nhecer-se; inclusive, às vezes, passado o tempo, um dia se dá
conta de que nem sequer se reconhece, de que se transformou
num desconhecido, e fica profundamente desorientado ao fazer
um balanço existencial.”
Hoje, mais do que nunca, o tema da ansiedade preocupa e
afeta a todos. As características da sociedade ocidental — o con-
sumismo, o hedonismo, o culto ao corpo, a exaltação do erotismo
e da pornografia, entre outras — aumentam o número de necessi-
dades a que o homem moderno deve satisfazer. Contudo, tais exi-
gências, mesmo cumpridas, não levam ao surgimento de um ho-
mem melhor, mais completo e bem- preparado. Ao contrário, por
serem frívolas e transitórias, acarretam a eterna insatisfação, a
melancolia e a indiferença.
Neste livro. Enrique Rojas mostra como esse quadro provoca o
que se define como ansiedade — uma emoção de alarme que se
experimenta como inquietude, desassossego, temor indefinido,
preocupação exagerada e medo de perder o controle. De uma
forma clara e precisa, ele descreve suas principais características,
enfocando os aspectos biológicos, psicológicos e sociais, além de
fornecer um quadro completo dos problemas decorrentes, como
as fobias, as obsessões, a hipocondria e as doenças psicossomáti-
cas.
Escrito de maneira clara e ordenada, este livro inclui também
numerosos quadros explicai ¡vos, escalas de avaliação da ansie-
dade, estudos de caso e um glossário que irão auxiliar o leitor a
reconhecer seu estado de ânimo. Além disso, também propõe me-
didas que se deve adotar para superar esse problema, enfatizando
a necessidade de um tratamento tridimensional que inclua os três
aspectos mencionados acima.
Fundamental para todos aqueles que desejam uma vida psí-
quica mais saudável, este livro certamente irá auxiliar o leitor a
descobrir caminhos que 0 levem a uma satisfação real de seus
anseios.
A meu irmão Luis, exemplo de ordem e constância no trabalho
profissional bem-feito.
PRÓLOGO

Escrever um livro sobre a ansiedade é uma aventura apaixo-


nante para um psiquiatra. Mas é também um difícil desafio. So-
bretudo se o que se quer é um texto não muito extenso que inclua
os aspectos mais importantes do tema e leve em conta que o
termo ‘ansiedade’ foi redimensionado: passou para a linguagem
cotidiana e seu uso é frequente.
Ao longo destas páginas vamos percorrer os lugares mais rele-
vantes em que a ansiedade está presente. As cartas de navegação
descrevem os trajetos de viagem e os portos onde atracar. Essa é
também minha pretensão: primeiro, esclarecer o que é a ansie-
dade, como se vive e quais suas principais características; depois,
navegar pelas águas que dela derivam: as fobias, as obsessões, a
hipocondria e as doenças psicossomáticas.
A última parte do livro é dedicada ao tratamento, pois de nada
Valeria descrever, analisar, detalhar e classificar se no final não
fossem expostas as rotas mais relevantes para superar a situação.
Todo tratamento da ansiedade deve ser realizado mediante um
plano terapêutico tridimensional: biológico, psicológico e social.
a) Nas crises de ansiedade quase tudo é biológico (farmacológico).
b) Nas experiências de ansiedade generalizada boa parte do trata-
mento é também psicológico (psicoterapia em suas diferentes for-
mas).
c) Quando no fundo da personalidade se instalam os conflitos e
eles evoluem para inquietude interior, isolamento, falta de comu-
nicação, vida monótona e ausência de contato inter-humano, é
preciso somar aos itens anteriores medidas sociais (sociotera-
pia).
O homem moderno está cada vez mais vazio, e ao mesmo
tempo repleto de inquietudes e desassossegos. Sua paisagem inte-
rior é árida, ingrata; um deserto de fecundidade. Passamos em
poucos anos da era da ansiedade à época da depressão. A melan-
colia paira sobre o homem da sociedade ocidental. Mas na melan-
colia subjaz a ansiedade. De algum modo ela a alimenta.
Este é o panorama. Espero que estas páginas esclareçam
ideias e sugiram rumos positivos.
Enrique Rojas 11 de setembro de 1988
INTRODUÇÃO:
A ANSIEDADE DO HOMEM MODERNO

Estamos na era psicológica. Neste fim de século, pode-se afir-


mar sem medo de exageros que o mundo se psicologizou. Qual-
quer análise da realidade que se preze tem por base elementos
psicológicos. Por quê? O que aconteceu para gerar tamanha mu-
dança? Quais poderiam ser as chaves para explicar esse fenô-
meno? Não se pode dar uma resposta fácil que resuma tudo o que
está acontecendo. São muitos os fatores que originaram esse esta-
belecimento de grande parte da humanidade no campo da psico-
logia.
Para relacionar esses fatores, é preciso distinguir as luzes e
sombras de nossa época, definir o positivo e o negativo. Por um
lado, os grandes avanços alcançados, os ápices atingidos pelo ho-
mem nestes últimos anos. O decolar da ciência moderna, a tecni-
ficação acelerada que nos permitiu conquistar metas até agora in-
suspeitadas, a revolução informática, capaz de simplificar os sis-
temas de ordenação e processamento de dados. É preciso ainda
ressaltar a chamada revolução das comunicações, já não existem
distancias no mundo, e em poucas horas vamos de um extremo a
outro do planeta. Até alguns anos atrás, isso era impensável. Por
outro lado, muitas consciências adormecidas despertaram, tais
como a dos direitos humanos, a democratização de um grande
número de países que vivem em liberdade e a preocupação cada
vez mais intensa por justiça social, o que levou a uma igualdade
maior, de um lado, e à existência de uma classe média cada vez
mais sólida e estável, de outro. Os altos níveis de conforto e bem-
estar mudaram a vida do ser humano de nossos dias, sobretudo
se o compararmos com o do início deste século ou do final do sé-
culo XIX. É preciso também ressaltar, nesse balanço positivo, a ri-
queza cultural da atualidade, que vai da música à literatura, pas-
sando pela pintura, pela escultura, pela construção de novos e
grandes museus... A consciência ecológica, que demonstra uma
nova sensibilidade pela natureza, pelos espaços verdes e sua pos-
sível degradação. Além disso, a nivelação ou paridade da relação
homem/mulher; o machismo tradicional está sendo superado e
avançamos para um feminismo inteligente, que respeita e valoriza
a condição feminina e reconhece que a mulher não pode ser dis-
criminada em tarefas intelectuais, políticas, artísticas, docentes
etc.
Porém, na cultura ocidental de hoje existem sombras impor-
tantes. Algumas insuspeitadas, surpreendentes. Os ismos mais
importantes são os seguintes: por um lado, o materialismo, onde
o que vale é o tangível, o que se toca e vê. É praticamente o obje-
tivo máximo da sociedade da abundância. A seu lado, alinha-se o
hedonismo, que tem como bandeira fundamental o prazer e o
bem-estar. Ambos nos dão uma mescla muito singular. O impor-
tante é a posse e o desfrute de bens materiais que, por mais
abundantes que sejam, sempre acabam deixando insatisfeito o
coração humano. Daí brotará uma vivência do nada, muito pró-
xima do que supõe a experiência da ansiedade. Materializado o
ser humano em suas aspirações mais profundas, acabará experi-
mentando nova decadência.
É preciso sublinhar também, como ponto negativo, a permissi-
vidade: não existem barreiras nem lugares proibidos; é preciso
ousar tudo, provar tudo, explorar todos os rincões e recônditos da
intimidade humana. É preciso ir cada vez mais longe: chegar ao
inaudito e surpreendente, bordejando territórios antes vedados e,
assim, ser cada vez mais audaz e inovador. E importante também
o relativismo, que acabou levando a um visível subjetivismo', to-
dos os juízos são flutuantes, tudo depende de algo, como numa
espécie de cadeia de conexões; tudo é relativo. Produz-se, assim,
uma absolutização do relativo. E também o consumismo: essa é
uma nova forma de liberação. Estamos destinados a consumir:
objetos, coisas supérfluas, informações, revistas, viagens, rela-
ções; o objetivo é ter coisas. É a paixão pelo consumo. Temos à
nossa volta um excesso de anúncios, chamarizes, estímulos, e
dizemos ‘sim’ a quase todos. Surge assim um novo homem: embo-
tado, repleto de coisas, mas vazio interiormente. Ele percorre a
rota da ansiedade, que terminará numa forma especial de melan-
colia e indiferença.
E mais um dado salta aos olhos nesse inventário: a desumani-
zação. Ela surgiu por intermédio da ciência e da técnica. O ho-
mem tecnificado é mal-acabado, sem apoio e consistência, e
chega a depreciar o valor do ser humano como tal. Nunca antes
na História nos havíamos preocupado tanto com o homem quanto
agora e, ao mesmo tempo, nunca ele foi tão esquecido, tão coisifi-
cado, tão reduzido a objeto. A sociedade atual vive em permanente
contradição: diz uma coisa e faz o contrário; prega teorias, mas na
prática põe em jogo outras bem diferentes. Caímos assim numa
certa massificação: gregarismo, todos dizemos o mesmo, os mes-
mos assuntos e lugares-comuns. Assim alcançamos um novo
ápice, desolador e terrível — a socialização da imaturidade, defi-
nida por três pontos muito especiais: a desorientação, ou seja,
não saber a que se ater, a falta de critérios firmes, o navegar sem
bússola, o ir pouco a pouco à deriva; a inversão dos valores, isto
é, uma nova fórmula de viver, o ousar traçar a vida com esque-
mas brilhantes e descompromissados, mas sem força, numa es-
pécie de exercício circense de pretensa dificuldade, mas em nome
de uma liberdade alardeada e ruidosa; e, em terceiro lugar, o va-
zio espiritual, que não comporta tragédia nem apocalipse.
Como vemos, a ansiedade vai surgindo aqui e ali nessa aná-
lise. Mas existem mais aspectos que caracterizam a cultura oci-
dental de nossos dias que não queremos citar de passagem. É
preciso mencionar a exaltação do erotismo e da pornografia, exa-
gerados e trivializados: o ser humano é rebaixado, vilipendiado,
reduzido à categoria de objeto. É o sexo-máquina: orgia repetitiva
e sem mistério. Consome-se sexo. E, no fim, torna a surgir um va-
zio resultante da fartura e do cansaço do exercício do sexo triviali-
zado, convertido em um bem de consumo sofisticado. Os comerci-
antes do sexo oferecem suas mercadorias, atrevendo-se a ir cada
vez mais longe, chegando quase ao limite da destruição do que há
de mais humano no homem.
O autor francês Gilles Lipovetsky definiu esta época como a
era do vazio. E Alain Finkielkraut conclui assim: “Uma sociedade
finalmente convertida em adolescente”. Glucksmann prefere de-
fini-la como “a sociedade do cinismo”.
Esse é o niilismo de nossos dias. Diziam os existencialistas
que a angústia era a vivência do nada: saboreava-se o vazio e a
ausência de conteúdos. É a dissolução pela ausência; tudo é oco,
raso, vácuo, deserto. Na versão moderna, essa é sua anatomia in-
terna.
Niilismo que se define na versão inglesa como apatia new look.
Depreciação de todos os valores superiores. Indiferença pura. E o
deserto pós-moderno. Cumpre-se o diagnóstico de Nietzsche,
ainda que com certo atraso: elogio do pessimismo e exaltação do
absurdo. Etapa decadente de apatia das massas. Indiferença por
saturação de quase tudo: isso ocorre na grande maioria dos cam-
pos, mas se observa com clareza especial no campo da informa-
ção. Pletora informativa vertiginosa e detalhada que acaba sendo
prejudicial, conjuntural, sem conclusões pessoais e sem emoções
duradouras. Informação não- formativa-, não leva ao surgimento
de um homem melhor, mais completo, rico, denso e bem-prepa-
rado; ao contrário, chegamos a uma versão oposta: um homem
fraco, sem critério, anestesiado por tantas notícias diferentes, in-
capaz de fazer uma síntese do que lhe chega de toda parte. O des-
tino de tudo isso aponta para uma faixa de transição que vai da
melancolia ao desespero, da ansiedade ao suicídio. Conclusão: a
vida não vale a pena ou é tão banal que o homem moderno da
cultura ocidental vive sem referências ou pontos de apoio sólidos.
A existência passa a ser insustentável.
Esse tipo de vida está descrito num romance do Prêmio Nobel
Saul Bellow chamado Herzog: conta a vida de um professor uni-
versitário, divorciado por três vezes, que está sempre deprimido e
envolto em brumas de ansiedade. Passa o dia meio derreado e
escreve cartas a si mesmo contando como se encontra e fazendo,
aos poucos, um balanço de sua vida. A partir dessa posição pes-
soal, ele vai construindo uma semifilosofia de vida.
Já não existe revolta. Passamos dos conflitos à era da ansie-
dade e da depressão. Foram exaltadas a apatia, a negligência e
uma espécie de neutralidade asfixiante. Para completar o mosaico
de contradições, por outro lado, o homem de nossos dias mostra
uma enorme curiosidade por tudo. Ele quer saber o que se passa,
o que acontece por toda parte; estar atento e captar as mudanças
e movimentos que ocorrem. Tudo lhe interessa, mas não constrói
nada ou quase nada, nem humaniza o homem. É uma banaliza-
ção geral, contraditória e sem brio. Chega-se ao ponto de viver
sem ideais, sem objetivos transcendentes, com a única preocupa-
ção de encontrar-se a si mesmo e desfrutar da vida a qualquer
preço... e que passem os dias. A imagem de Woody Allen paira so-
bre o homem moderno, à guisa de síntese.
Esse é o panorama. Daí emergem dois sentimentos predomi-
nantes de forma coletiva: a melancolia e a ansiedade. O diagnós-
tico decadente da cultura ocidental é rubricado por essas duas
notas afetivas. A Europa agoniza; ela, que fora uma escola excep-
cional de civilização. Mas algo parecido aconteceu com os países
mais desenvolvidos do mundo livre não-europeu: Estados Unidos,
Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão e outros, também cons-
tituem exemplos semelhantes, embora com pequenas diferenças.
Ninguém poderia imaginar que o mito do progresso indefinido
por intermédio da técnica, que se inicia no século XIX, fosse ter-
minar nesse estado de coisas. Acreditava-se que a máquina subs-
tituiria o trabalho do homem, que teria muito mais tempo para
cultivar o ócio, entendido, porém, no sentido clássico: a possibili-
dade de dedicar mais tempo àquelas atividades superiores, como
filosofia, dialética, ciência, arte e cultura no sentido mais amplo.
Pensava-se que desse modo a personalidade se desenvolveria me-
lhor. Não obstante, os fatos foram muito diferentes. E em grande
parte pela enorme influência da televisão, que a tudo abarca e de
cuja influência só conseguem escapar as pessoas singulares. O
homem moderno não soube tirar proveito de tantas vantagens e
além disso traiu o progresso. Ou, dizendo de outro modo, as van-
tagens foram sobrepujadas pelas desvantagens e o resultado aí
está.
A ansiedade é um termômetro que nos dá a imagem do ho-
mem deste fim de século. Spengler falou da decadência do Oci-
dente. A Europa e a América criaram em mais de dois mil anos
um repertório realmente gigantesco de ideias, pensamentos, arte e
cultura geral. Definitivamente, uma civilização rica, abundante,
estimulante, generosa, criativa, apaixonante. A tentação hoje é a
suspensão dessa força e a queda numa crise cíclica que a deixe
em estado letárgico durante uma ou várias décadas. O Ocidente
apostou sempre na carta da razão. Parece que hoje ela caiu numa
espécie de alienação, de perda do sentido coletivo. Numa palavra,
navega à deriva, sem rumo, distraída e atraída por tudo o que
soa, mas que se revelará moeda fraca, sem peso e sem firmeza.
O homem está cada vez mais distante de si mesmo. Traído, le-
vado e tiranizado por esse conjunto de novidades antes expostas;
materialismo, hedonismo, permissividade, relativismo, desumani-
zação, consumismo, massificação, erotização e pornografia servi-
dos à vontade, narcisismo e cultura do corpo, até chegar a essa
singular decadência em que nos encontramos instalados, o nii-
lismo. O nada, o vazio, o desconcerto, a náusea, o suicídio.
A ansiedade e o estresse não são patrimônio exclusivo de exe-
cutivos atarefados, dos profissionais do volante, do trabalho em
série, mas atualmente afetam grande parte da população, inclu-
indo, como se vem estudando nos últimos anos, as donas de
casa, especialmente se também trabalham fora.
Na sociedade atual o estresse parece estar envolvido em quase
todas as atividades diárias. Até o ócio se vê frequentemente sub-
metido à sua influência; não é raro ver pessoas angustiadas por-
que chegam tarde a um local, ao cinema etc. De fato, essas situa-
ções se distanciam demasiado de uma boa elaboração do tempo
livre, que muitas vezes não nos serve nem para descansar nem
para desenvolver nossa cultura nem para conseguir uma boa co-
municação com as pessoas mais próximas. A atual incomunicabi-
lidade é outro dos paradoxos relacionados com a ansiedade do
homem moderno. Numa era em que se desenvolveram tão espeta-
cularmente os meios de comunicação (imprensa, rádio, televisão,
telefone, telex etc.), as pessoas se sentem mais sozinhas e inco-
municáveis do que nunca. Esses meios de comunicação foram
substituindo, como no caso do telefone, a entrevista direta e rela-
xada por uma conversa por obrigação (atende-se ao telefone em
vez de se conversar pessoalmente), que em nenhum caso tem a ri-
queza comunicativa do diálogo cara a cara. Em outras ocasiões,
essa nova comunicação não acontece, posto que se limita a uma
mera recepção de informações (como no caso da televisão), que
por serem padronizadas são alienantes e às quais se recorre so-
bretudo pela facilidade e comodidade com que podemos recebê-
las. Frequentemente, esse tipo de comunicação unilateral substi-
tui a verbal — há famílias que pararam de conversar durante as
refeições para ver televisão —, faltando, por sua vez, estímulos
para desenvolver atividades mais criativas e seletivas.
A competitividade substitui a colaboração, outro paradoxo, se
levarmos em conta que vivemos na época do trabalho em equipe,
o que aumenta não só a ansiedade como também a frustração. As
vezes pode-se chegar a pensar não ser preciso fazer bem as coi-
sas, mas fazê-las melhor que os outros, o que supõe uma orienta-
ção de vida distinta e desfigurada, que dá lugar a uma profunda
insatisfação que se soma à ansiedade própria de uma competitivi-
dade hipertrofiada.
Por outro lado, a atual civilização do bem-estar, que real-
mente oferece ao homem a possibilidade de acesso a uma série de
bens de consumo, influencia-o negativamente através de um as-
sédio publicitário pelo qual ele pode sentir- se mal quando não
consegue obter tudo o que se lhe oferece. E mais, servem-se esse
bens de consumo carregados de uma imagem simbólica
subliminar pela qual o objeto cobra um duplo valor, já que pre-
tende simbolizar o triunfo, o pertenci- mento a um determinado
nível social, a beleza etc. Esse culto à superficialidade e ao mate-
rial, ao hedônico em definitivo, empobrece espiritualmente a pes-
soa e a incapacita para o sofrimento (a dor é cada vez mais te-
mida, inclusive por antecipação) e para assumir a morte (cada vez
há mais hipocondríacos); a ansiedade então brota ante a menor
ameaça de enfermidade, de incômodo, de fracasso econômico, de
perda da beleza, de velhice, inclusive. Essa ansiedade é frequente-
mente antecipada, ou seja, surge antes que o problema realmente
apareça, já que existe a sensação de incapacidade para superá-lo,
com o que se teme que se produza o próprio desmoronamento e a
‘dissolução do eu’, fundamento último da ansiedade.
Além do mais, todo esse conjunto de circunstâncias faz com
que o homem se esqueça de refletir com uma certa profundidade
sobre si mesmo, sobre o que realmente quer, e possa assim elabo-
rar um projeto coerente de vida. Envolto num ritmo trepidante e
às vezes pouco produtivo, o homem de hoje se esquece do motivo
pelo qual faz o que faz, e age movido principalmente pelas cir-
cunstâncias à sua frente; como se o urgente, por ser urgente,
fosse mais importante que o realmente importante; como se seu
tempo tivesse menos valor que as coisas, quando seu tempo é re-
almente sua própria vida; como se o material e o exterior fossem
mais importantes que o espiritual e o íntimo.
O homem atual não tem tempo de conhecer os outros nem de
se conhecer; inclusive, às vezes, passado o tempo, um dia se dá
conta de que nem sequer se reconhece, de que se transformou
num desconhecido, e fica profundamente desorientado ao fazer
um balanço existencial.
1.
CONCEITO

Excursão Etimológica

A palavra angústia vem do latim angor, que etimologicamente


se refere a uma sensação de angustura, estreiteza, estenose. A
raiz grega quer dizer ‘estrangular’. Em ambos os casos existe refe-
rência à opressão. Em grande parte da literatura médica, angus-
tia e ansiedade aparecem como sinônimos e, em alguns idiomas,
só existe um vocábulo que agrupa indistintamente os dois, como
o alemão, Angst. Já o francês possui dois conceitos; angoisse e
anxiété. O mesmo acontece com a língua inglesa: anguish e an-
xiety1. Em castelhano, falamos também de duas experiencias dis-
tintas, embora com grande frequência nós, psiquiatras, não faça-
mos uso dessas distinções e empreguemos uma ou outra.
No dicionário ideológico de Casares encontramos o seguinte;
Angústia, “aflição”; Ansiedade-, “estado de desassossego ou agita-
ção de ânimo”. No dicionário de Moliner lemos: Angústia, “Intran-
quilidade com padecimento intenso, por exemplo, pela presença
de um grande perigo ou a ameaça de uma desgraça”; Sufoca-
mento: “indisposição causada pela sensação de não se poder de-
senvolver. Mal-estar físico intenso não provocado por uma dor de-
terminada, que produz sensação de não poder viver”; Ansiedade:
“estado daquele que anseia; preocupação ou impaciência por algo
que vai acontecer”. No dicionário de Martin Alonso registramos
isso: Angústia: “aflição, tristeza, desconsolo, agonia, sufocamento,
amargura, ânsia, consternação, tribulação, quebranto, tormento,

1 Angústia: “ânsia, agonia”. Ansiedade: “Receio sem objeto ou relação com

qualquer contexto de perigo, e que se prende, na realidade, a causa psicológica


inconsciente”. Dicionário Aurélio da língua portuguesa, 2^ edição, Rio de Ja-
neiro, Nova Fronteira, 1988 ( N. do T.)
sofrimento, melancolia”; Ansiedade: “ânsia, fadiga, inquietude,
anseio, afã, sede, ardor, agonia”. Quanto às sinonímias, vemos
com Sainz de Robles as seguintes: Angústia: “ânsia, aflição, des-
consolo, desespero, tormento, tristeza, pesar, indecisão, incer-
teza...”; Ansiedade: “Ver ansioso”; Ansioso: “ambicioso, ávido, ape-
tente, desejoso, veemente...” E em Ânsia: “agitação, alarme, per-
plexidade, preocupação, intranquilidade, inquietude, desassos-
sego, temor, suspeita”.

O Conceito De Ansiedade

Ao nos defrontarmos com todos esses conceitos, destacam-se


de saída algumas distinções, sempre lembrando bem que tanto
angústia como ansiedade participam de uma vivência nuclear co-
mum. Se seguirmos um critério quantitativo poderemos elaborar
uma certa gradação de fenômenos inquietantes, entre os quais
cabe situar três níveis em ordem crescente: o medo, a ansiedade e
a angústia.
O medo é um temor específico, concreto, determinado e obje-
tivo perante algo que, de alguma forma, é externo a nós e apro-
xima-se trazendo inquietude, desassossego, alarme. Aqui, a chave
está na percepção de um perigo real que ameaça em algum sen-
tido. Dessa situação parte uma série de medidas defensivas que
têm o fim de esquivar, evitar ou superar essa intranquilidade. Es-
sas medidas são racionais e dependem do ripo de perigo concreto.
Em cada caso a estratégia que se fabrica é bem diferente, mas
proporcional ao fato em si.
A ansiedade é uma vivência de temor ante algo difuso, vago,
abstrato, indefinido, diferente do medo, que tem uma referência
explícita. Ambos compartilham a impressão interior de temor, im-
possibilidade de defesa, derrocada. Mas, enquanto no medo isso é
produzido por algo, na angústia (ou ansiedade) isso se produz por
nada, as referências se desvanecem. Daí podermos dizer,
simplificando em excesso os conceitos, que o medo é um temor
com objeto, ao passo que a ansiedade é um temor impreciso, ca-
rente de objeto exterior.
No decorrer destas páginas, utilizarei somente a palavra ansie-
dade para tornar o texto mais simples, mas entenda-se que entre
elas, entre a ansiedade e a angústia, existem diferenças tanto
qualitativas quanto quantitativas.
Vamos explorar o que vive o homem durante a ansiedade. Ire-
mos nos referir agora à sua versão mais particular, mais íntima,
mais subjetiva. Esse temor indefinido é experimentado como ex-
pectativa do pior. Quer dizer, o futuro, carregado de maus pressá-
gios, precipita-se sobre o presente provocando uma expectativa
temerosa, cheia de incerteza. E, enquanto no medo se utilizam
medidas racionais para escapar, já que existe uma referência ex-
terna, na ansiedade não se pode seguir esse caminho, pois a inde-
finição de seu objeto dá essa nota etérea e difusa que não se pode
alcançar. Por isso, a ansiedade está dominada pela perplexidade.
Há muito de surpreendente nela.
Por outro lado, o impacto da ansiedade provoca uma distorção
de toda a psicologia do indivíduo, que poderia ser expressa como
uma alteração no sentido etimológico da palavra: a de sentir-se
traído, levado e tiranizado pelo outro, por esse temor extenso,
confuso e desordenador.
Calcula-se que a porcentagem da população que sofre de ansi-
edade oscila entre 10 e 20 por cento, dependendo de tratar-se de
população urbana ou rural e, portanto, do ritmo de vida que esse
tipo de indivíduo possa levar. Se consultarmos um clínico geral,
poderemos observar que aproximadamente 30 por cento dos do-
entes assistidos têm ansiedade. Não se pode esquecer que,
quando a ansiedade é muito intensa e dura muito tempo, produ-
zem-se manifestações físicas funcionais importantes que, num
plano geral, constituem a base da patologia psicossomática.
A ansiedade é uma manifestação essencialmente afetiva. Isso
quer dizer que se trata de uma vivência, de um estado subjetivo
ou de uma experiência interior, que podemos qualificar como
emoção, com as características próprias. A isso se acrescenta um
estado de ativação neurofisiológica (arousal, na linguagem anglo-
saxã), que consiste na deflagração dos mecanismos que controlam
a vigilância (fundamentalmente córtico-subcorticais, mas mediati-
zados pela formação reticular). A consequência será esse estado
de alteração antes mencionado e que em termos de psicologia em-
pírica denominamos hipervigilância. A psicofisiologia aqui apre-
sentada é semelhante à do medo, e não é senão uma defesa orga-
nizada frente a estímulos que perturbam o equilíbrio fisiológico.
Ao mesmo tempo, essa ansiedade é adaptativa, pois ajuda a
enfrentar (se sua intensidade não for excessiva) certas requisições
e exigências concretas da vida. Aqui, penetramos em cheio no
campo da motivação. A ansiedade livre e flutuante do neurótico
fásico já é outra coisa e tem outra leitura: não é adaptativa, ao
contrário, provoca respostas de prevenção e inibição, mantendo
um estado de alerta de forma prolongada, sem que seja realmente
necessário.

Definição De Ansiedade E Primeira Conclusão

A psiquiatria tradicional via a ansiedade através de duas vari-


áveis básicas: a vivencial e a física. Daí derivavam as duas princi-
pais séries sintomatológicas. Nos textos clássicos, as descrições
dos doentes atendendo o plano da experiência subjetiva eram as
que determinavam, em grande parte, a sintomatologia, que se
complementava com uma referência ao físico.
Atualmente, o tema pode ser analisado de modo mais amplo,
ou seja, como um modelo de enfermidade psíquica pentadimensi-
onal vivencial, físico, de conduta, cognitivo e assertivo. São cinco
vertentes que se manifestam quando se tem ansiedade. A experi-
ência é, portanto, rica, densa, complexa, como uma sinfonia
desafinada repleta de diversos instrumentos, mas com uma uni-
dade de fundo.
Essa forma de ver a enfermidade psíquica e, por extensão, a
ansiedade, leva-nos a uma redefinição da mesma, que poderia ser
exposta do seguinte modo: a ansiedade consiste numa resposta
vivencial, fisiológica, de conduta, cognitiva e assertiva, caracteri-
zada por um estado de alerta, de ativação generalizada. Portanto,
o primeiro que se destaca é a característica de ser um sinal de pe-
rigo difuso, que o indivíduo percebe como uma ameaça'^ à sua in-
tegridade.
Num sistema informático, sinais são os signos que partem de
um emissor para um receptor. Nele ocorre uma série de aconteci-
mentos capazes de pôr em marcha toda essa pentalogia, um sem-
fim de situações e ocorrências da vida (life events). Mas nem todos
os sinais de perigo alcançam um determinado nível de consciên-
cia. Para isso são necessárias duas premissas fundamentais: uma
intensidade suficiente e uma duração que se prolongue no tempo.
Se estas faltam ou não possuem densidade suficiente, produzem-
se sensações menos intensas, que não atingem os ataques de pâ-
nico, verdadeiras crises de angústia livre e flutuante (free floating
anxiety).
Existem, portanto, deflagradores externos, que podem ser ob-
jetivados com evidência, e deflagradores internos, constituídos por
recordações, ideias, pensamentos, fantasias pessoais etc., que
atuam como estímulos e que devem e podem ser controlados. Por
isso é difícil prever quando vai acontecer um ataque de ansiedade,
embora uma das tarefas primordiais da ciência seja a de prever os
fenômenos.
Nos animais, toda ameaça dá lugar a um programa biológico
estabelecido: são reações inatas, filogeneticamente antigas e que
vão desde o reflexo de se fazer de morto à tempestade de movi-
mentos, passando por uma série complexa de reações de defesa,
proteção e prevenção.
No homem, o problema é muito mais complexo. Um dos com-
ponentes menos estudados está relacionado com a orientação,
que obriga o ser humano a prestar atenção ao que lhe está acon-
tecendo e explorar sua reação global. Isso vai produzir diferentes
condutas; de aproximação, de ataque, de afastamento, de preven-
ção etc. Aqui há duas conotações a se ter em conta: a de que o
homem aprende com ações passadas e a de que por isso ele tem
também capacidade para prever eventuais perigos.
Mas ele não só é capaz disso como também pode analisar suas
reações, o que lhe está acontecendo num momento determinado
perante esses perigos exteriores ou essas ameaças internas indefi-
nidas, o que vai levá-lo de algum modo a controlar melhor sua
resposta geral, recebendo-a então com intensidade reduzida. O
aumento ou a diminuição da ansiedade tem muito a ver com a
elaboração individual da informação que chega a esse indivíduo.
As condições são impostas pela emissão desses sinais de temor e
pela recepção dos mesmos. Um exemplo muito claro é o seguinte:
uma pessoa apreensiva tende a incrementar todas as sensações
que percebe, já que existe um adicional de medos e inseguranças
que matizam negativamente todo o processamento das informa-
ções que recebe e se concretizam numa hipertrofia global da res-
posta. Dessa forma, a gama de reações à ansiedade pode ser de
grande diversidade: desde o afastamento às condutas de preven-
ção, passando pela busca de proteção, agressividade, depressão
etc. Tanto a etiologia (uma ampla gama de situações e momentos
carregados de possíveis temores e ameaças) como a resposta po-
dem oferecer uma grande variabilidade na ansiedade.
A cada dia reconhecemos melhor os estímulos atemorizantes.
Quando possuem grande intensidade, produzem uma forte excita-
ção emocional, que pode bloquear o processamento da informa-
ção, surtindo pouco efeito a longo prazo. De forma contrária, os
estímulos suaves, ligeiros (Schmidt-Mummendy e Frohlich, 1986),
produzem mais efeito. Isso pode parecer contraditório, mas a ex-
plicação é a seguinte: esse estímulo menor permite que a
informação seja processada e utilizada intelectualmente. Esta é a
linha que se segue hoje com respeito ao tema dos estímulos subli-
minares, outrora desprezado pelos estudiosos da psicologia empí-
rica.
Não obstante, existem algumas exceções, como demonstrou o
trabalho de Leventhal, Singer e Jones (1966). Esses autores qui-
seram melhorar a atitude da população perante a vacina contra o
tétano. Para isso, elaboraram dois tipos de informação, uma mo-
derada e outra drástica, em que apresentavam as consequências
negativas que ocorreriam aos que não se vacinassem. A informa-
ção moderada conseguiu que 31 por cento dos indivíduos dessa
mostra da população se vacinassem; com a informação drástica o
número foi de 60 por cento. Provavelmente isso aconteceu por se
tratar de uma questão de saúde física.

Ativação Máxima E Mínima

Todos os processos de ativação ansiosa ou estressante têm um


objetivo fundamental: preparar o organismo para a ação. Como
assinalamos ao longo das páginas deste livro, a ansiedade se di-
vide em cinco planos-chave: fisiológico, psíquico, de conduta, cog-
nitivo e assertivo. Trata-se de um processo de adaptação à situa-
ção que repousa numa superativação biológica, como consequên-
cia de um bombardeio permanente de estímulos externos e inter-
nos.
A substância reticular, em suas conexões com o córtex cere-
bral por um lado e com os lóbulos cerebrais por outro (especial-
mente o frontal), é a responsável. Embora possamos falar de dois
estratos, um superior e outro inferior, existe entre ambos uma es-
treita influência.
Do ponto de vista neuronal podemos descrever várias estrutu-
ras de cima para baixo: a do núcleo amigdalino, encarregada de
controlar as respostas fisiológicas aos estímulos ambientais; uma
dependente dos núcleos basais, encarregada da ativação tônica; e
uma final, mais descendente anatomicamente falando, em volta
do hipocampo, que tem a missão de coordenar todos os processos
de ativação produzidos no organismo.
Existe um mínimo e um máximo de ativação. Aqui entra de
cheio a teoria experimental de Eysenck (1982), que postula a exis-
tência de duas ativações, uma geral e outra particular. A ativação
geral pretende enfrentar a situação mediante um estado de alerta,
ensaiando alguns tipos de rendimentos muito globais. Além disso,
há a ativação particular, que é mais especifica e produz um es-
tado de atenção seletiva, podendo ser incrementada mediante
ações cognitivas.
Cray (1986) estudou as diferenças de ativação existentes entre
os indivíduos extrovertidos e introvertidos. Elas são diametral-
mente opostas: os introvertidos apresentam melhor rendimento
depois de uma situação de repouso, ao passo que os extrovertidos
realizam melhor suas tarefas após intensa atividade.

A Complexidade Da Ansiedade E Segunda Conclusão

A afetividade pode ser experimentada de diferentes maneiras,


mas as quatro formas mais habituais são as seguintes: sentimen-
tos, emoções, paixões e motivações. Nós as nomeamos no plural
pela riqueza que possuem. Quando numa consulta psicológico-
psiquiátrica vemos uma pessoa triste, oprimida, desesperada ou,
pelo contrário, alegre, contente, generosa, cheia de esperança no
futuro, ao iniciarmos a análise do que ela vive, damo-nos conta
dos ângulos e vertentes que o ser humano possui. A afetividade é
como um mar sem orlas.
Por isso, ao tratar de defini-la, precisamos recorrer a exem-
plos, metáforas ou explicações longas e complicadas. Todo o afe-
tivo é interior. É algo que move o homem por dentro e o leva a po-
sições bipolares, contrapostas, diametralmente distintas: prazer-
desprazer, excitação-tranquilidade, tensão-relaxamento, aproxi-
mação-rejeição, ativação-bloqueio. A impressão interna é de im-
pacto, tem uma nota de brusquidão súbita, de algo que toma de
assalto e circula por entre esses dois polos opostos.
A American Psychiatric Association publicou em 1952 o pri-
meiro manual diagnóstico e estatístico dos transtornos mentais,
conhecido pela sigla DSM-I (que corresponde às iniciais de Diag-
nosis and Statistical Manual of Mental Disorders). No início, esses
critérios não foram aceitos por todos os médicos dos diferentes
países do mundo, já que em muitos deles continuavam vigentes
as ideias e classificações do psiquiatra alemão Kraepelin, que ti-
nham uma ordenação bastante completa. Aqui se falou pela pri-
meira vez de reação de ansiedade.
Em 1968 aparece a Classificação Internacional de Doenças da
OMS, conhecida pela sigla CID-8 (o 8 se refere à oitava edição).
Agora, em 1987, acaba de sair a denominada CID-9-R (nona edi-
ção, revisada), em que também se sistematizam os principais qua-
dros clínicos em que aparece a ansiedade: neurose de ansiedade,
reação de ansiedade, crise e estado de ansiedade, e depois todo o
campo das neuroses (cujo sintoma principal é sempre a ansie-
dade, ainda que em seu curso posterior outras manifestações
aflorem), até chegar à depressão neurótica, às reações de adapta-
ção e aos transtornos afetivos da personalidade.
Em 1967 aparece o DSM-II, como consequência da boa aco-
lhida de sua primeira edição e da necessidade de poder contar
com diagnósticos práticos e universalmente válidos. Ele facilitou a
integração da psiquiatria com outros ramos da medicina. Possuía-
se assim um corpo de referência. Aqui, a ansiedade é estudada
como o ingrediente essencial das neuroses, que se podem diversi-
ficar em vertentes distintas.
Em 1980 aparece a DSM-III. Seu nascimento foi tempestuoso,
pois houve uma grande ruptura com as classificações precedentes
e isso fez com que muitos psiquiatras no mundo inteiro se negas-
sem a aceitá-la. Observou-se uma transição conceituai muito
significativa: passou-se do conceito de reação ao de neurose
(DSM-II) e deste para o de transtorno (disorder). Os transtornos
de ansiedade serão assim delimitados em dois itens: os estados de
ansiedade e os transtornos fóbicos.
Em 1987 foi publicada a DSM-III-R (a versão reformulada),
com a denominação de ataques de pânico, que substitui a tradici-
onal de crise de ansiedade. Os critérios para estabelecer esse di-
agnóstico são os seguintes:
ATAQUES DE PÂNICO
A. Pelo menos três ataques num período de três semanas, sem que
tenha havido um exercício físico intenso, uma situação ameaça-
dora de vida ou estímulos fóbicos circunscritos.
B. Os ataques são espaçados por períodos de apreensão ou de
medo e, quando aparecem, apresentam pelo menos quatro dos
seguintes sintomas:
• dificuldade respiratória (dispneia);
• palpitações;
• dor ou mal-estar precordial;
• parada respiratória ou sensação de afogamento;
• enjoo, vertigem ou sensação de desestabilidade;
• sensação de irrealidade;
• formigamento nas mãos e nos pés (parestesias);
• ondas de calor e de frio;
• sudorese;
• debilidade;
• tremores ou estremecimentos;
• medo de morrer, de perder o controle ou de enlouque-
cer.
C. Nada disso se deve a transtornos físicos nem a outros transtor-
nos mentais, como depressão maior, transtornos de somatização
ou esquizofrenia (doença psíquica grave onde o paciente sai da
realidade; comumente chamada de ‘loucura, ‘perda da razão’).
D. O transtorno não está associado à agorafobia (medo de grande
intensidade, desproporcional, de lugares abertos: ruas, praças
etc.).
Frente a esses ataques, existe também a ansiedade
generalizada, que se apresenta de modo persistente e costuma
percorrer um caminho que começa na ansiedade-fobia-obsessões.
Segundo o DSM-III-R, ela é composta dos seguintes sintomas:
ANSIEDADE GENERALIZADA
A. Sintomas de pelo menos três dessas quatro classes:
• Tensão muscular.
• Hiperatividade vegetativa.
• Expectativa apreensiva.
• Estado de vigilância e exploração.
B. Estado de ansiedade contínua (de pelo menos um mês).
C. Essa vivência não se deve a nenhum outro transtorno.
D. Idade mínima de 18 anos.
A ansiedade é aquela experiência interior em que tudo é inqui-
etude, desassossego, estar vigilante e à espreita, esperando o pior.
Enquanto no medo o temor é concreto, específico e produzido por
algo, na ansiedade o temor vem de todos os lados e de nenhum,
daí a perplexidade que produz, acontecendo como uma espécie de
desvanecimento dos algos. Não há nada ou é o nada mesmo que
assoma nessa vivência desoladora e atroz. Tudo se torna etéreo e
difuso, carregado de incertezas. Depois vêm mais sintomas, de
cinco séries concretas: físicas, psicológicas, de conduta, intelectu-
ais e referentes ao contato social.

Causas E Motivos Da Ansiedade

O porquê em medicina se chama etiologia. Na prática médica


diária, a do clínico geral, a ansiedade aparece com toda a riqueza
de suas manifestações. Mas a ansiedade é sempre um estado de
alerta do organismo que produz um sentimento indefinido de in-
segurança. Por isso, a ameaça se situa em dois planos imediatos:
o físico e o psíquico.
Para explicar como se produz é necessário distinguir
diferentes espécies de ansiedade. Falaremos de ansiedade exó-
gena, endógena e angústia existencial. Vamos começar por essa
última.
E preciso dizer, de saída, que a angústia existencial não é pa-
tológica. Todo ser humano a possui, apenas pelo fato de existir. É
aquela que provém da inquietude da vida e nos põe frente a frente
com nosso destino, com a morte e com o que há mais além. Ela
foi analisada pelos filósofos do existencialismo: Kierkegaard, Hei-
degger, Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Unamuno, Gabriel Mar-
cel etc. Essa corrente de pensamento é conhecida como filosofia
da crise, pois estuda de preferencia o homem justamente no mo-
mento de atravessar uma situação-limite, benéfica sempre que
não traumatiza a pessoa atingida. Em certas ocasiões, um pensa-
dor excessivamente enfronhado nessas concepções pode desem-
bocar na ansiedade patológica sem se dar conta.
A ansiedade exógena, todavia, não é propriamente ansiedade;
melhor seria chamá-la de outra forma. É o estado de ameaça in-
quietante produzido por estímulos externos de condições muito
variadas: conflitos agudos, súbitos, inesperados; situações de ten-
são emocional; crise de identidade pessoal; problemas do meio
ambiente. Hoje, no jargão psiquiátrico, popularizou-se falar dos
life events: acontecimentos da vida que se situam na antessala da
ansiedade, exercendo uma força e um poder de gerá-la por meio
de situações que contenham algum risco ou perigo, e que formam
um amplo conjunto de fatores que vão desde problemas afetivos,
dificuldades no trabalho, fracassos sentimentais, problemas fi-
nanceiros, perda de seres queridos e uma enorme variedade de
acontecimentos.
A ansiedade endógena é a ansiedade propriamente dita. Ela
provém, como já mencionamos anteriormente, dos sentimentos
vitais. É para esse estrato chamado vitalidade que confluem o so-
mático e o psíquico. O que Novalis chamava a costura entre a
alma e o corpo. Ela é produzida pelo organismo. Vem da endoge-
neidade. Deriva de um transtorno psicofisiológico de estruturas
cerebrais implicadas na regulação da vida emocional. Trata-se de
uma série de estruturas nervosas, entre as quais se destaca prin-
cipalmente o sistema límbico; o córtex cerebral, um sistema de in-
ter- relações que se estabelecem entre os dois anteriores, aos
quais se devem somar uma série de sistemas de ativação (uns es-
pecíficos para cada tipo de transtorno emocional e outros inespe-
cíficos), toda a endocrinologia e o sistema nervoso vegetativo. Essa
série de conexões funcionais é a responsável pelas diferentes ver-
sões da ansiedade, mas sempre com esse núcleo comum que já
ressaltamos: emoção que se experimenta como ameaça (física e
psíquica) e que provoca uma reação de alerta.
Parece existir um centro cerebral que funciona como um cen-
tro de alarme, responsável por esse espectro de fenômenos inter-
calados entre o medo e a ansiedade. Como veremos ao final da
presente monografia, os fármacos que utilizamos para combater a
ansiedade vão atuar nessa e em outras zonas vizinhas. Hoje, o
tratamento da ansiedade alcança um êxito enorme e os medica-
mentos que utilizamos freiam, regulam e normalizam as altera-
ções produzidas nessas áreas do cérebro.
Mas, para nos concentrarmos mais no tema, podemos distin-
guir quatro parcelas fundamentais de onde se podem originar fe-
nômenos ansiosos. São os aspectos endógenos, biológicos, psico-
lógicos e sociais. Portanto, podemos afirmar que a ansiedade, em-
bora sendo uma manifestação essencialmente endógena, possui
uma gênese polidimensional.
O endógeno é, de alguma maneira, o patrimônio físico her-
dado. Aqui a base é biofuncional. E a constituição interna. Ele se
mobiliza, corre, expressa-se e aflora sempre movido por dois ven-
tos principais: os acontecimentos externos, por um lado, e os pro-
cessos somáticos, por outro. Situa-se numa zona fronteiriça entre
o corporal e o psíquico. É a vitalidade a que antes me referia ao
falar dos sentimentos. O endógeno depende da genética, da he-
rança e das mudanças internas do organismo, ainda que, em
muitas ocasiões, os acontecimentos exógenos saiam desse plano e
se produzam acontecimentos ansiosos desencadeados.
O biológico se refere ao fato de que muitas enfermidades físi-
cas produzem ansiedade, que se soma aos sintomas desse quadro
clínico. Em geral, isso só acontece em doenças graves, importan-
tes, de envergadura, onde existe um risco vital autêntico. Isso
acontece no câncer, em doenças da tireoide, em processos infecci-
osos agudos ou dependência de drogas. Vejamos um exemplo ex-
traído de meus casos clínicos:
Trata -se de um indivíduo de 60 anos, casado e com três filhos.
Passa algum tempo sentindo-se mal, mas sem ser capaz de defi-
nir concretamente o que exatamente lhe está acontecendo.
Dados clínicos objetivos: perdeu oito ou nove quilos nos últimos
cinco meses, um grande cansaço anterior ao esforço, ultima-
mente tem tido hemorragias anais que o alarmaram muito e fo-
ram o elemento deflagrador que o levou a se submeter a uma ex-
ploração minuciosa.
Desse check-up saiu o diagnóstico. Câncer hepático. A família
disse-lhe que era uma infecção e que em algumas semanas tudo
passaria. Mas ele notou muita perturbação na vida familiar, mé-
dicos, exames, consultas conjuntas... e passou a dizer: “Acho
que tenho algo grave: não estou me sentindo bem, há dias me
falta ânimo e vejo minha família muito preocupada”.
Coincidindo com uns dias em que se sentiu muito inquieto, teve um
ataque de pânico noturno', passou mal de madrugada. Ele
mesmo nos relata sua experiência:
“Foi terrível, achei que fosse morrer... Notei uma sensação de falta
de ar, como se não pudesse respirar, e, ao mesmo tempo, o cora-
ção me saía pela boca, batia com muita rapidez. A idéia da
morte me passou pela cabeça; foi como um golpe ou uma pan-
cada que me dizia: “O fim chegou”. Vi-me envolto por um temor
obscuro, raro, estranho e tremendo... Não desejo a ninguém o
que passei naquela noite; meu corpo inteiro tremia e me parece-
ram eternos os minutos que as pessoas demoraram para ver o
que se passava.”
O exame imediato não demonstrou nada, apenas uma evidente ta-
quicardia. Pressão arterial normal, eletroencefalograma também
normal.
Estamos diante de uma crise de angústia ou de pânico que acon-
tece dentro de outra doença, a causadora da crise.
Nesses casos é preciso ter em mente que a forte preocupação
com a doença que se sofre colabora em certa medida com seu
desencadeamento, uma vez que dali derivam pensamentos sobre
o futuro, a morte, a trajetória pessoal, a família e tantas coisas
que nesses momentos começam a circular por sua mente.
Portanto, a biologia atua desencadeando a ansiedade de duas
maneiras fundamentais:
1. A ansiedade aparece como um sintoma a mais dessa doença, o
que é relativamente frequente nas de muita gravidade: cânceres
de tipo distinto, doenças vasculares sérias, vício de heroína,
Aids. Em umas, o que está em primeiro plano é a dor crônica que
não cede ou a possível ameaça de aparição de uma síndrome de
abstinência, que põe esse paciente à beira de uma situação-li-
mite.
2. A ansiedade como crise somada, que aflora de modo súbito,
inesperado, sem aviso prévio. Costuma ser a elaboração psicoló-
gica que se produz após esse sofrimento.
Num e noutro caso deve-se recorrer à administração de sedati-
vos que eliminem a ansiedade. E particularmente interessante ob-
servar o que acontece com os submetidos a transplantes renais;
no estado da hemodiálise sustentada, no período intermediário
entre a extirpação do rim e o transplante propriamente dito, po-
dem ser registradas manifestações ansiosas e depressivas pós-
operatórias.
Em quase todos os transplantes apresentam-se reações de an-
siedade, claramente compreensíveis. Penn'° demonstrou que elas
são mais frequentes antes da operação do que depois. Isso res-
ponde também a uma lógica coerente: a expectativa que provoca
em qualquer doente submeter-se a uma situação de evidente risco
vital. Não obstante, alguns cirurgiões (Kornfeld, Heller, Frank e
colaboradores, Danilowicz, Sveinsson, González Carrascosa etc.)
destacaram as manifestações psíquicas pós-operatórias, entre as
quais a ansiedade tem grande destaque.
Já me referi de passagem, dentro do biológico, a um fator de-
flagrador de ansiedade: o câncer. Todo doente de câncer que sabe
ou suspeita da gravidade de sua doença responderá com sinais
iniciais de ansiedade que, à medida que o processo patológico
evolui, podem se tingir de melancolia e inclusive de desespero e
ideias ou tendências suicidas. Aqui, tudo dependerá de que antes
ele tenha ou não passado por épocas, fases ou momentos depres-
sivos; de que tenha ou não antecedentes familiares; da solidez de
seu sistema de crenças etc. De qualquer maneira, neste caso o
correto é falar de reação ansiosa elou depressiva, com o que se
delimita claramente o que é substantivo e o que é adjetivo nesse
conjunto clínico.
O psíquico refere-se ao que, desde Freud, se conhece pelo
nome de psicodinâmico, a articulação dos diferentes momentos
biográficos, que se conectam entre si e podem fazer emergir a an-
siedade quando se analisa ou se examina a própria vida, sem ter
digerido muito de seus aspectos mais essenciais: pais separados
ou muito distantes, algo que o indivíduo não conseguiu superar;
experiências amargas que deixaram um grande impacto em sua
personalidade e que, ao serem recordadas, dão margem a estados
de inquietude, desassossego, desastre interior. Toda viagem em
busca da própria vida é sempre dolorosa. A existência, a certa al-
tura de seu curso, sempre é deficitária. Isso é doloroso e pode fa-
vorecer o surgimento de sentimentos de duas classes: ansiosa e
depressiva.
Vou distinguir três esferas dentro do perímetro dos fatores psi-
cológicos:

1. Traumas Biográficos

Já os mencionamos antes. Agrupamos aqui todos os fatores


que compõem a história de cada pessoa. Eles podem ser ordena-
dos de várias formas: como acontecimentos agudos, súbitos, que
se apresentaram de pronto, inesperadamente (a morte de um ente
querido, um revés da sorte, uma frustração importante, uma hu-
milhação que coloca esse indivíduo numa posição degradante ou
vergonhosa perante os demais etc.), e crônicos, que são os que
operam de modo paulatino, gradual, ao longo de um espaço relati-
vamente amplo de tempo e vão deixando uma sequela progres-
siva.
Revelam-se também outros dois estilos; os macrotraumas e os
microtraumas. Os primeiros são rotundos, sólidos, terríveis, po-
dem chegar a mudar a vida, como um giro de 360 graus. Custam
a ser esquecidos. E o mais grave: muitas vezes não são supera-
dos. Fazer-lhes o inventário seria tão difícil quanto incompleto,
pois a vida humana não pode ser encerrada num esquema es-
treito e simplista. Fatos reais como a ruptura conjugal, a perda de
um filho, o suicídio de um ente querido, o aborto provocado, a in-
fidelidade do cônjuge etc., são experiências em que o sofrimento é
exaltado e podem ser uma fonte futura onde beber e saborear o
que é a ansiedade mesclada a outros sentimentos desagradáveis.
Esponjas embebidas com um potencial ansiogênico.
Os segundos têm menos importância. São miúdos, pequenos,
triviais, mas o que conta aqui é seu número, sua insistência, a
reiteração com que vão calando na intimidade diariamente. For-
jam uma densa rede de tensões e conflitos. Entre eles, como fios
de seda, insinua-se a ansiedade, a enlaçá-los.
Os traumas não-digeridos convertem o homem em neurótico.
Na linguagem coloquial, nós o designaríamos como uma pessoa
amarga, ressentida, cheia de contradições, presa ao passado e
sem capacidade para olhar para o futuro, rara, estranha, difícil,
incapaz de estabelecer uma convivência harmônica, atormentada,
sulcada por rios de ansiedade que mais cedo ou mais tarde trans-
bordarão. Nesse caso, a tarefa do psiquiatra é a psicoterapia:
ajudá-lo a superar essas recordações, não desenterrando seu pas-
sado, mas levando-o a posições psicológicas mais positivas, des-
cobrindo-lhe metas, objetivos e propósitos.
Toda trajetória humana tem alguns traumas. O homem sau-
dável os supera, aceita-os, acha bom terem acontecido, pois geral-
mente servem para o amadurecimento da personalidade. O neu-
rótico fica enredado neles, não sabe sair dessas malhas tecidas de
dissabores. O homem psicologicamente saudável vive instalado no
presente, assumiu o passado e está mergulhado no futuro.
2. Fatores De Predisposição

Aqui vamos situar, para tornar o tema mais compreensível,


um inventário de elementos que gradualmente irão colocar o indi-
víduo em situações ansiosas, onde se aglomeram outros diversos
sentimentos, como a frustração, a agressividade, o trabalho im-
pessoal e anônimo (não-gratificante), pequenas e contínuas situa-
ções ambíguas e contraditórias, problemas afetivos não-resolvi-
dos, personalidade sem se fazer (que não teve um modelo de iden-
tidade e que, por isso, não encontrou a si mesma), problemas
econômicos crônicos etc.
Como funcionam todos esses pontos até provocar a ansie-
dade? E preciso ressaltar que ela nasce de cada uma dessas cir-
cunstâncias. Está aí em forma de insegurança, temor etc. Nesses
casos trata-se de algo concreto que tem um perfil negativo. Ao
persistirem as ações negativas, o medo real se intromete em ou-
tros planos da vida pessoal, invade-a e envolve-a, terminando por
convertê-la em ansiedade livre e flutuante.

3. Fatores Deflagradores

O percurso pelos diversos fatores e elementos que vão levando


a biografia até a ansiedade supõe um vaivém flutuante que acaba
provocando ondas de temores difusos: é a ansiedade.
Aqui, temos de falar dos elos finais de uma extensa cadeia. Já
existe um fundo preexistente, um terreno rico onde é fácil prospe-
rarem sentimentos angustiosos ante certas circunstâncias, pro-
duzindo-se então estalidos de ansiedade.
Aqui podem agrupar-se, resumidamente, todos os conteúdos
psíquicos que antes apontávamos, mas com uma nota nova: che-
gam no momento preciso, irrompem sobre um edifício já abalado,
atuam como deflagradores sérios. Por isso, nesses instantes pode-
se perder o controle de tudo e efetuar, inclusive, uma ameaça
contra si mesmo: é a intenção do suicídio.
O social assumiu hoje uma grande importância. É preciso ver
os aspectos mais chamativos através do isolamento, da solidão,
da incomunicabilidade, de tipos de vida excessivamente monóto-
nos, da falta de trabalho ou de uma atividade de trabalho intermi-
tente. Tratarei de explicar isso por intermédio de uma história clí-
nica:
Trata-se de uma mulher de 6l anos. Mora em Madri, embora
seja de origem catalã. Solteira. Vive com dois irmãos (um de 54
anos, que não trabalha, e outra de 65, que acaba de se aposentar,
deixando seu emprego no governo).
Retrato psicológico: sempre foi uma menina esperta, despa-
chada, inteligente. No início não estudou, mas aos 25 anos for-
mou-se corretora de imóveis, profissão que nunca chegou a exer-
cer.
Desde pequena não teve boas relações com a mãe, que em di-
ferentes ocasiões a expulsou de casa. Ficou muito traumatizada
por isso. Quase não saiu com rapazes. A idade de casar passou
Sempre teve interesses culturais: ia a conferências, exposições de
arte, reuniões literárias... mas aos poucos foi se afastando da rea-
lidade.
Veio ao consultório dizendo:
“Quero morrer; estou numa situação dramática. Vivo numa casa
onde quase não nos falamos. Meu irmão tem a mente muito es-
treita e não me entendo com minha irmã. Sinto dores por toda
parte. Será câncer ou algo grave? Estou muito triste, sem von-
tade de fazer nada, angustiadíssima, sem esperança, pensando
o dia todo em doenças e sintomas que percebo. Quase não saio
de casa. Perdi minhas antigas relações e estou cada vez pior. Es-
tou arrasada. Minha vida não tem sentido.”
Esse caso clínico nos permite adentrar o problema socio- gê-
nico da ansiedade. Trata-se de uma pessoa que leva um tipo de
vida monótono, sem relações humanas, com um trato diário con-
flitante, sem solução possível; some-se a isso a falta de qualquer
ocupação profissional. Por outro lado, ela aos poucos foi se tor-
nando hipocondríaca, o que é frequente nos quadros clínicos em
que a ansiedade não pode se canalizar de outra forma, além de
isolamento patológico. Creio que esse caso é um expoente de
como os fatores sociais podem desembocar nesse mar de angús-
tia.
Vejamos outro caso clínico bastante ilustrativo:
Trata-se de uma mulher de 44 anos, solteira, que vive com um
irmão também solteiro e uma tia de cerca de 90 anos que sofre de
uma síndrome arteriosclerótica, com dias em que tem uma acen-
tuada desorientação espaco-temporal e uma linguagem incompre-
ensível, marcada pela deterioração psico-orgânica.
Sempre foi uma pessoa tímida e quieta:
“Vivi sempre muito apegada a minha mãe e compartilhei minha
vida com ela. Nunca pensei que algum dia ela fosse me faltar.
Não sofri muito na vida, porque minha mãe e minha família em
geral eram tudo. Que sorte têm as pessoas que começam a sofrer
de cara e já sabem o que é isso!
“Quando minha mãe morreu, fiquei arrasada. Passei muito tempo
abatida e sem forças, derreada, pensando na vida. Não estava
preparada para sofrer. Comecei a ficar triste e muito nervosa.
Não saía nem tinha amigas. Meu irmão começou a beber e,
quando saía, voltava sempre meio bêbado. No meu trabalho, co-
meçaram a perceber que eu estava estranha. Todo mundo atri-
buía isso à morte de minha mãe e ao quanto eu estava unida a
ela. Mas estou cada vez pior, e já se passou quase um ano.
Agora, o que sinto é uma solidão imensa e muita taquicardia,
como um aperto no peito. Às vezes penso que vou ficar louca, que
algum dia perderei a cabeça.
“Quase não saio, minha vida tornou-se monótona: da casa para o
trabalho e do trabalho para casa. Quando chego, deparo- me
com esse panorama: meu irmão sem trabalho, bebendo, e minha
tia levando uma vida praticamente vegetativa.”
Depois da primeira entrevista, expliquei à doente o que acon-
tecia e as chaves principais de sua psicologia, muitas das quais
haviam sido as condicionantes de seu estado psíquico atual. Re-
sistia a tomar ansiolíticos e antidepressivos, porque pensava que
isso a faria ‘ficar drogada’. Aceitou tomar uma medicação, mas
muito leve, que a fez melhorar bastante. Foi-lhe traçado um dese-
nho psico-sócio-terapêutico — programa de conduta que fez sob
protestos —, e ensaiou-se um esquema para modificar seus hábi-
tos tão monótonos de vida. Ela mostrou grande resistência ante
ambos, argumentando que lhe daria muito trabalho e que ‘não fi-
cava bem’.
Aqui vemos um exemplo típico de ansiedade inserida numa
depressão desencadeada por uma ocorrência da vida e mantida
por um tipo de vida neurótica. Sua evolução foi ruim, com etapas
muito negativas, repletas de ansiedade, e outras em que estava
deprimida, desesperada. Seus horizontes na vida eram pobres,
sua afetividade vazia e suas péssimas relações familiares deram
lugar a um cotidiano oco, sem conteúdo. Seu único apoio agora é
uma psicoterapia que a ajude pelo menos a se conectar com o ex-
terior, mas sem maiores perspectivas.

O Estresse

O estresse é uma das situações mais frequentes do homem


moderno. Mais da metade da população dos países desenvolvidos
sofre de estresse. As origens dessa noção são muito antigas. Já
Hipócrates, considerado o pai da medicina, apontou a existência
de um vis medicatrix naturae, um poder curativo da natureza, ou
seja, a deflagração de uma série de mecanismos biológicos, com o
fim de defender-nos das agressões provenientes do exterior.
Mas a investigação sobre o estresse só se produziu no século
XIX, com o médico francês Claude Bernard, tornado célebre por
isso. Mais tarde, o médico escocês Haldane observou que o que
diferencia os seres vivos dos não vivos é sua capacidade de adap-
tar-se às mudanças. Não obstante, os trabalhos mais importantes
foram desenvolvidos por
Hans Selye, em meados deste século, na Universidade McGill,
em Montreal. Esses estudos se basearam na análise de certos do-
entes que sofriam preocupações muito intensas sobre temas fun-
damentais para eles e manifestaram os seguintes sintomas:
cansaço físico muito grande, perda de peso, diminuição da força
muscular, mal-estar generalizado etc.
Mais tarde, o próprio Hans Selye investigou como uma injeção
de substâncias tóxicas produzia mudanças hormonais muito os-
tensivas em cobaias. Extrapolou isso para o homem e comprovou
como diversos estímulos negativos produziam os mesmos sinto-
mas antes apontados. Esses sintomas foram definidos como índi-
ces objetivos do estresse, denominando-se o fenômeno de sín-
drome geral de adaptação (SGA).
O que é o estresse? Como podemos defini-lo? Em que con-
siste? Como se produz? Quais são seus principais fatores defla-
gradores? O estresse é a resposta do organismo a um estado de
tensão excessiva e permanente que se prolonga além das próprias
forças. Ele se manifesta através de três planos: físico, psicológico
e de conduta. Dito de outra forma, o que ocorre ao indivíduo com
estresse é que suas condições de vida levam-no continuamente à
beira do esgotamento. Traz acumulados um sobresforço cons-
tante, uma tensão emocional e/ou intelectual forte, um ritmo ver-
tiginoso de vida, sem tempo para nada. Aqui o fundamental é o
tipo de vida. Sempre oprimido, além das próprias possibilidades,
permanentemente derreado, abatido, sem um minuto livre, arras-
tando um cansaço crônico. Não existe trégua possível para seu
trabalho, já que sua intenção é atender simultaneamente a dema-
siadas exigências impreteríveis.
A consequência é uma hiperatividade incontida, impossível de
deter, que pretende chegar a demasiadas coisas e acaba por não
estar suficientemente atenta a todas e a cada uma delas.
O homem com estresse vive em tensão constante. E isso afeta
todo o indivíduo. A primeira coisa que se observa é uma reação de
alarme, derivada de ‘se estar esgotado por mil coisas’. Caracteriza-
se por uma série muito complexa de modificações bioquímicas
que tratam de compensar esse estado de atividade excessiva:
baixo nível de glicose no sangue, descargas maciças de adrena-
lina, aumento do catabolismo geral dos tecidos etc. O cortejo
sintomático é presidido por excitação cardíaca, aumento do tônus
muscular e distúrbios gastrointestinais difusos.
A segunda etapa se denomina fase de resistência. Ela é produ-
zida quando já se alcançou uma certa adaptação a essa sobre-
carga prolongada que pretende neutralizá-lo. Tudo continua igual
ao início, o que acontece agora é que se eleva o nível de resistên-
cia para além do normal. O indivíduo já se acostumou a levar esse
ritmo trepidante de vida.
Por último, chega-se a um terceiro e último estágio; é a fase de
exaustão, após a sobrevivência às duas primeiras. Aqui, o indiví-
duo cai e falham todas as estratégias de adaptação. As energias
vão desmoronando e os sinais de reação começam a ser irreversí-
veis. Nessa etapa final o homem está extenuado. Vamos acompa-
nhar a seguinte história clínica:
Encontramo-nos com um homem de 50 anos. Ele se dedica
aos negócios. Estudou direito, embora mais tarde tenha passado
para o campo da economia, fazendo mestrado nos Estados Uni-
dos.
Sua independência profissional se fez entre os 40 e os 45
anos. Agora, está num momento de consolidação e firmeza, em-
bora, como veremos, viva uma verdadeira crise, tanto física
quanto psicológica.
Vem ao consultório e nos conta o seguinte:
“Doutor, pensei muito antes de vir vê-lo, mas chegou um momento
em que minha mulher e meus filhos me pressionaram para que
viesse à consulta. Estou esgotado, em frangalhos, sem forças...
Mas não posso deixar minhas atividades. Estou metido numa
roda de negócios muito complicados e tenho sempre de estar no
meio dela.
“Tenho permanentemente uma opressão no peito. Há uns meses
não me concentro bem: ouço quando alguém fala comigo, mas
não escuto; outro dia estava falando em dois telefones e não sa-
bia se era de manhã ou de tarde, se havia tomado café ou havia
acabado de comer... Tenho uma insônia muito forte, estou muito
cansado e minha cabeça não para de dar voltas sobre um as-
sunto, outro ou mais outro.”
Conta-me sua esposa que a situação é muito mais aguda do
que o que ele relata:
“Ele está irascível, nervoso, não escuta ninguém, tem um caráter
muito forte, que nunca tivera antes. Além do mais, quase não
nos vemos. A única coisa que fazemos é tomar café da manhã
juntos nos dias em que está em Madri.”
Há uma semana, teve um ataque de pânico onde predomina-
ram taquicardia, hipersudorese, dificuldade respiratória, sensa-
ção de morte iminente e um grande terror. Foi ao médico, que lhe
fez uma série de exames e não encontrou nada. Mas recomendou
que visitasse um psiquiatra.
Esse caso clínico é muito ilustrativo. Para o tratamento, segui-
mos a seguinte pauta:
1. Medicação - Ele tomou um ansiolítico, alprazolam, para ser
exato, em doses de um miligrama no café da manhã, no almoço
e à tarde. Além disso, um facilitador do sono para conseguir dor-
mir à noite; íomon flunitrazepam, dois miligramas, vinte minutos
antes de se deitar. E, pela manha, uma drágea de cloridrato de
cafedrina no café, para que não baixasse sua pressão arterial.
2. Medidas psicológicas - Começar a cortar atividades. Esboçamos
com ele um esquema semanal de trabalho em que incluímos ho-
ras de sono, hora de chegar em casa etc. Insistimos muito nas
modernas técnicas assertivas, mediante as quais, perante tan-
tas exigências de uns e de outros, ele tem de aprender a dizer
não’: “Não vou jantar, não como essa comida do trabalho, não
embarco nesse outro negócio porque já não posso abarcar mais,
dedico mais tempo à minha família, estou com meus filhos e
aprendo a desfrutar o tempo com eles”. Ou seja, ele recebeu uma
lista de observações psicológicas e motivação para levá-las a
cabo.
3. Outras medidas - Foi recomendado que começasse a praticar es-
porte um dia por semana — fazia mais de dois anos que aban-
donara qualquer prática desse tipo —, registrando dia, hora e
pessoa/s. Por outro lado, elaborou-se no consultório uma técnica
de relaxamento simples e ele recebeu um livro de instruções para
que fizesse os exercícios em casa toda noite, durante vinte minu-
tos.
Melhorou sensivelmente. O mais difícil foi cortar suas ativida-
des. Estava acostumado a dizer ‘sim’, sempre e a todos. Por esse
caminho, o destino é fácil: não se vive, não se está consigo
mesmo, anda-se de um lado para o outro, num sem-fim de ativi-
dades que terminam em situações insustentáveis.
O estresse é o mal do executivo e do homem de negócios. O
amor desordenado ao trabalho e o não dizer ‘chega’ são suas prin-
cipais raízes.
Geralmente, a sequência segue a ordem trifásica descrita an-
teriormente: reação de alarme > fase de resistência > fase de exa-
ustão. Aí se imbricam mecanismos metabólicos, endócrinos e ner-
vosos, que se conjugam de forma difícil e complicada.
A maioria das pessoas passa a vida trabalhando. Amor e tra-
balho são dois dos elementos essenciais da vida humana. Seria
preciso situar como pano de fundo a cultura. Entre os três, a
existência transcorre harmoniosamente. Mas é essencial saber si-
tuar as coordenadas do trabalho: que este seja ao mesmo tempo
ordenado, sistemático, racional, realista e exigente, sabendo adiar
o que não é fundamental. O amor desordenado ao trabalho é uma
forma de egolatria ou uma incapacidade de impor ordem à nossa
hierarquia de valores. Não nos esqueçamos de que a vida é uma
arte.
Se trabalhar é importante, descansar também o é. Costumo
recomendar às pessoas que me visitam em meu consultório que
aprendam a descansar. O que não quer dizer que não façam
nada, mas que saibam relaxar, desligar-se, mergulhar em tarefas
que as distraiam, fazer algum tipo de exercício físico de acordo
com suas características pessoais, cultivar hobbies, estar com a
família, descansar com os amigos, ler um bom livro... Resumindo,
desfrutar de tantas coisas boas e interessantes quantas existirem
e selecioná-las segundo as preferências pessoais.
No Quadro 1 descrevemos a lista dos principais sintomas do
estresse.
QUADRO 1 - SINTOMAS DO ESTRESSE
Sintomas físicos
• Taquicardia.
• Aumento da tensão arterial. Hipersudorese.
• Dilatação das pupilas. Tremores.
• Excitação geral.
• Insônia.
• Secura na boca.
Sintomas psíquicos
• Inquietude.
• Desassossego.
• Medo difuso.
• Diminuição da vigilância.
• Desorganização do fluxo de pensamento.
• Diminuição do rendimento intelectual.
• Desorientação espaço-temporal.
• Atenção dispersa.
Sintomas de conduta
• Impossibilidade de relaxamento.
• Perplexidade.
• Situação de alerta.
• Tensão muscular facial e mandibular.
• Caminhadas sem rumo (ir e vir).
• Frequentes bloqueios.
• Irritabilidade, excitação, respostas desproporcionais a
estímulos externos.
O estresse é um mal de nossos dias. A vida tem um ritmo fe-
bril, trepidante, as atividades se sucedem velozmente e tudo tem
de ser levado a cabo com urgência, aceleradamente, para usar o
tempo com a maior eficácia. Mas chega um momento em que esse
fio vital se rompe no ponto mais fraco. Essas zonas de ruptura ou
evoluções negativas do estresse costumam ser as seguintes:

1. A Úlcera Estomacal

Como veremos no decorrer destas páginas, a ansiedade man-


tida durante muito tempo se converte a longo prazo em trans-
torno psicossomático. Expressando-o numa linguagem
metafórica, poderíamos dizer que fortes tensões emocionais, uma
ansiedade vivida durante muito tempo ou um estresse crônico
acabam por canalizar-se para dentro e dirigem-se aos órgãos
‘mais expressivos’ do corpo: aparelho digestivo, cardíaco e respira-
tório, de preferência.

2. O Enfarte Do Miocárdio

E típico nesse tipo de indivíduo. Agora, veremos um caso clí-


nico muito ilustrativo. Submeter ‘essa bomba central’ que é o co-
ração a uma dinâmica maior do que a que ela realmente pode le-
var a cabo, costuma conduzir a isso. Consiste no fato de uma
parte da massa cardíaca ser privada subitamente da circulação
sanguínea, em razão da obstrução de vasos arteriais ou venosos.
A ambas as hipóteses, podemos associar a dispneia respirató-
ria emocional (dificuldade de respirar, sensação de falta de ar ou
necessidade de fazer uma inspiração/expiração mais profunda).

3. Crises Conjugais, Problemas De Comunicação E Mu-


dança Negativa Da Personalidade

Aqui, vamos encontrar um continuum de fatos na mesma di-


reção; a modificação da personalidade no sentido negativo, tanto
para si mesmo quanto na relação com os outros. É muito fre-
quente a crise e posterior ruptura conjugal num indivíduo estres-
sado.
Estamos diante de um homem de 47 anos. É o autêntico self-made
man: ele fez-se a si mesmo. É de origem modesta, mas tem uma
grande força de vontade.
Começou como funcionário de uma empresa pequena, mas muito
bem saneada e com um bom funcionamento. Mais tarde, passou
a ser uma espécie de administrador. Sua capacidade de traba-
lho e seu sentido de responsabilidade permitiram que granjeasse
a simpatia e amizade de seus chefes.
Viajou com eles pela Espanha e pelo exterior. Foi recebendo maio-
res responsabilidades. Criou um negócio próprio. Virou sócio dos
antigos chefes. Foi ascendendo dia a dia. Nos dois últimos anos,
sua carga transbordante de trabalho levou-o a ser considerado
como um grande homem de negócios.
O saldo negativo é o seguinte: há quatro meses teve um enfarte do
miocárdio e deu entrada numa clínica. Quando saiu, entrou em
fase depressiva, o que é curioso, pois esse per- curso geralmente
costuma ser inverso. Durante a depressão apareceram dois sin-
tomas que ensombreciam o prognóstico inicial: ideias e tendên-
cias suicidas e uma insônia muito marcada (se conseguia dor-
mir, acordava às duas da manhã e não conseguia conciliar o
sono).
Outra nota negativa: crise conjugal e distanciamento dos filhos.
Evolução: tentativa de suicídio (tomou dois vidros de tranquili-
zantes). Foi muito grave. Esteve internado numa clínica psicoló-
gica. Tudo isso provocou uma aproximação entre ele e a família.
O tratamento incluiu antidepressivos, psico-relaxantes e medica-
mentos para facilitar e consolidar o sono. Mas com uma nota pe-
culiar: utilizamos doses muito baixas, pois esse paciente tem
uma hipersensibilidade aos psicofármacos (produzem-lhe um
efeito excessivo: no início do tratamento passou vários dias
quase dormindo e sofreu efeitos secundários muito marcados:
boca seca, prisão de ventre, tremor distai nas extremidades su-
periores).
Assim que recebeu alta, o grande problema foi conscientizá-lo a
mudar de vida; é preciso corrigir seus hábitos, começando por
trabalhar menos e aprender a descansar. Seu objetivo está em
recuperar a esposa; isso lhe será custoso, pois a relação se dete-
riorou muito desde que ela passou a sentir-se muito abando-
nada.
Aqui, observamos um caso bastante representativo, ainda que
com a atipicidade mencionada. No Quadro 2 são mostradas as va-
riáveis que fazem parte da elaboração da ansiedade. Por processa-
mento das informações entendemos a maneira de elaborar men-
talmente tudo o que chega a esse indivíduo de fora e de dentro.
Na psiquiatria moderna, considera-se o cérebro como um compu-
tador, que processa o que lhe chega segundo certas leis, mas tudo
depende da forma de sistematização e ordenação do material: per-
cepções, memória, pensamentos, juízos, aprendizagem, solução
de problemas... com o único fim de compreender a conduta hu-
mana. Isso leva a uma visão particular de si mesmo, a uma inter-
pretação pessoal da realidade e a um modo de ver o futuro.
O termo córtex se refere ao córtex cerebral. O sistema límbico
é uma estrutura intermediária do cérebro a qual se denominou
cérebro emocional, pois é onde se consolidam e ‘residem’ as emo-
ções e os sentimentos. As mudanças fisiológicas periféricas dão
lugar aos sintomas físicos da ansiedade: taquicardia, hipersudo-
rese, tremores, dificuldade respiratória, náuseas e/ou vômitos etc.
A experiência anterior também conta, ou seja, tudo o que o in-
divíduo viveu até aquele momento. A informação verbal é a ex-
pressão linguística da vivência da ansiedade, os sintomas psicoló-
gicos que necessitam da palavra para se tornarem evidentes:
medo de perder o controle, medo da morte, da loucura, vontade
de fugir, de sair correndo, sensação de vazio interior etc.
Também observamos a região onde atuam os medicamentos
que freiam, controlam e dissolvem a ansiedade: o sistema límbico
e o feixe dorsal (conjunto de fibras que enlaçam o cérebro inter-
mediário com o córtex cerebral). O esquema é um quebra-cabeças
representativo da complexidade do fenômeno.

Ansiedade Positiva E Negativa

Sempre que nós, psiquiatras, referimo-nos à ansiedade, faze-


mos alusão àquela patológica, doentia, negativa, que é preciso
tratar. Mas existe também a outra face da moeda.
Chamamos de ansiedade positiva o estado de ânimo presidido
pelo interesse, a curiosidade, o afã de conhecer e nos aprofundar-
mos em tantas coisas atraentes e sugestivas que a vida possui.
Tanto é assim que existe uma expressão coloquial muito fre-
quente: dizemos que alguém “tem muitas inquietudes” quando
em sua personalidade se manifesta esse desejo de enriquecer inte-
riormente. Ortega chamava a isso instinto epistemológico-, aspira-
ção de saber, desejo de conhecer, inclinação à cultura, vontade de
ir mais fundo na formação e na cunhagem de sua psicologia. Pro-
priamente, não deveríamos chamá-la de ansiedade. Essa aspira-
ção engrandece o que a possui. O empenho resulta num homem
mais sólido, de mais densidade, com uma categoria superior.
A postura contrária seria a do homem narcotizado-, vulgar,
que vegeta, submerso nos assuntos e lugares-comuns, sem inte-
resse por nada. Esse homem se limita a levar uma vida vegetativa:
come, dorme, vai e vem, mas nada de importante penetra em sua
intimidade. É a entronização do tédio.
Existem dois tipos de tédio: o reativo, que se produz como con-
sequência de algo (este livro me entedia, aquela conversa, lal as-
sunto concreto), e outro existencial— a vida esvazia-se de seu
conteúdo, torna-se soporífera, insípida, insossa, cansativa, sem
vibração. Não existe dimensão futura e tudo é presente; mas um
presente que se estende interminavelmente, que nunca passa.
Trata-se de uma inundação de fastio, muito parecida com a ansie-
dade e que, se prospera, acaba por se transformar em melancolia.
Podemos descrevê-lo como uma trajetória que da ansiedade de-
semboca no desespero.
A ansiedade é o ponto de partida. A partir dela se inicia uma
atalho que conduz ao tédio. As crises de ansiedade ou os ataques
de pânico, assim como a ansiedade generalizada, conduzem a um
certo cansaço psicológico, que plana sobre um peculiar estado de
ânimo, o tédio: sentimento de vazio e neutralidade perante tudo
quanto rodeia esse indivíduo. Tudo cobra um caráter monótono e
pesado, plúmbeo, repleto de indiferença, soporífero, centrado no
bocejo. Dentro dessa vivência, observam-se traços fundamentais:
1. Não existe nada, ou seja, tudo está imerso numa ausência espe-
cial, pesada, insuportável, atroz; tudo se torna vaporoso e indefi-
nido e a vida se faz volátil. O homem mergulha irremediavel-
mente num mundo oco. Os existencialistas falaram muito dessa
experiência (recorde-se de Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Hei-
degger, Marcel, Unamuno).
2. A grande experiência latente no tédio é o tempo emocional, pre-
sente em nosso interior como um termômetro que nos faz perce-
ber o interesse que desperta aquilo que acontece conosco. Pois
bem, no tédio, o tempo vai parando até se deter; observa-se ma-
tematicamente 0 transcorrer infinitesimal dos minutos. E isso é
terrível. É tão doloroso que se parece muito com a ansiedade,
embora com matizes diferentes. No tédio, os instantes se
eternizam. A única coisa que cabe fazer é refugiar-se no sono:
dormir.
Surge, depois, outra etapa. Da ansiedade se passa ao tédio e
este, ao persistir, se transforma em melancolia. Entramos numa
nova paisagem sentimental. A melancolia é sempre pesar interior,
cansaço da vida, decepção, viagem para trás e fim do futuro. O
homem desmorona por dentro e sente que não tem forças para
nada. Na melancolia, existe muito de tédio e um pouco de ansie-
dade; não c por acaso que deriva de ambos.
Se a ansiedade não nos leva a nada, a melancolia nos trans-
porta ao passado e nos fecha as portas do porvir. O tédio cavalga
entre os dois. O passo seguinte leva da melancolia à desespe-
rança. A esperança é a ponte que temos entre o passado e o fu-
turo, o que significa que ainda se esperam coisas positivas, exis-
tem ilusões. A desesperança é uma peça psicológica com duas ca-
ras: o desespero e a desesperança propriamente dita. No primeiro,
contudo, ainda existe luta, atividade, a intenção de combater o
inevitável. Na segunda, tudo já é mais grave e definitivo: no forno
da desesperança se queimam as últimas ilusões, volatilizando-se
tudo o que de alguma forma sustenta a vida. Estamos diante das
portas do suicídio.
Existe, pois, uma gradação de fenômenos que, partindo da an-
siedade, terminam nas ideias/tendências suicidas (no Quadro 2
observamos essa sequência). Todos os estados anímicos prece-
dentes desembocam finalmente na desesperança e no suicídio.
QUADRO 2 - TRAVESSIA DA ANSIEDADE
 Ansiedade
 Aborrecimento
 Melancolia
 Desespero
 Desesperança
 Ideias e/ou tendências suicidas
Este costuma ser o percurso desde a ansiedade até o deses-
pero e o suicídio. Nos transtornos depressivos, a rota é distinta e
mais complexa.
Um certo grau de ansiedade positiva é bom para qualquer tipo
de rendimento concreto. O problema acontece quando essa ansie-
dade se faz negativa, para o que são necessários os seguintes re-
quisitos: 1) que tenha uma grande intensidade-, 2) que sua dura-
ção seja excessiva; 3) que seja paralisante, que vá produzindo blo-
queios intermitentes, que cada vez aumentam mais. Então, esta-
mos ante um distúrbio da afetividade, que requer já um certo tipo
de tratamento (no Quadro 3 isso é exposto por meio da lei de Yer-
kes-Dodson).
QUADRO 3 - LEI DE YERKES-DODSON (rendimento/ansie-
dade)

Esta lei se observa muito claramente no estudante. Há um


momento em que sua capacidade de captar e reter informações é
máxima: no dia anterior a um exame muito importante, a ansie-
dade positiva leva-o a aproveitar cada fração de tempo. Passado
esse momento, a curva descende vertiginosamente e o tempo se
faz cada vez menos rentável.
No Quadro 4, vemos o movimento pendular do estado de
ânimo, que oscila entre a tranquilidade e a ansiedade. Existe uma
faixa normal do estado de ânimo, que faz referência à vida
humana com suas idas e vindas. O impacto dos acontecimentos,
as frustrações, esperanças, desenganos etc., formam uma cadeia
que se move em sentido positivo e negativo; nem a tranquilidade
absoluta (vida quase vegetativa) nem a ansiedade já patológica
são criativas.
Quadro 4

Ansiedade E Depressão: Semelhanças E Diferenças

A depressão e a ansiedade são os transtornos mais caracterís-


ticos da vida afetiva. Ambas representam as formas mais frequen-
tes de experimentar as emoções, os sentimentos e as paixões, as
três fórmulas essenciais da afetividade.
Os sentimentos são o modo diário em que se manifesta tudo o
que não é intelectual. Podemos defini-lo assim: o sentimento é um
estado subjetivo difuso que tem sempre uma tonalidade positiva
ou negativa. Tratarei de explicar a definição que proponho:
1. Estado subjetivo significa que a experiencia básica está dentro
do indivíduo, que essa zona é uma ponte estreita pela qual desfi-
lam vivencias, sensações, imagens, recordações etc.
2. Difuso quer dizer que a impressão que se recebe não é clara,
mas possui contornos vagos e imprecisos, daí tantas vezes ser
custoso falar do que se sente; faltam palavras e sobra experiên-
cia.
3. A tonalidade é sempre positiva ou negativa, não existem senti-
mentos neutros.
A emoção é uma vivência de agitação mais breve e recortada,
porém súbita, acompanhada sempre de sintomas físicos (os mais
significativos estariam representados pela ansiedade, o pânico, o
terror, o desespero, a dor aguda etc.) Estes são produzidos de
forma brusca, perturbando a ordem que o indivíduo possuía.
Em terceiro lugar, é preciso referir-se às paixões. São também
experiências internas tão intensas quanto as emoções, mas de
uma duração semelhante à dos sentimentos. Disso decorre o fato
de que muitas delas fazem diminuir a vida intelectual, cum-
prindo-se aquele dito popular de que “a paixão ofusca a razão”.
A ansiedade e a depressão podem acontecer nesses três estilos
vivenciais. Tudo dependerá da agudeza, intensidade, duração e
cabeça com que se vivam.
No Quadro 5 observamos o inventário dos sintomas mais im-
portantes da depressão e da ansiedade. Existem zonas de con-
fluência clínica em que se entrecruzam manifestações de ambas
as séries (veja-se o Quadro 6).
QUADRO 5 - SINTOMAS DEPRESSIVOS E ANSIOSOS
Depressão - (Transtorno depressivo maior)
• Queda do estado de ânimo (tristeza, apatia, perda de in-
teresse, depressão, melancolia, falta de iniciativa, deses-
pero).
• Inibição, excitação.
• Pouco apetite ou perda de peso.
• Distúrbios do ritmo do sono (insônia ou excesso de
sono).
• Algum elemento do chamado delírio depressivo: 1) apre-
ensão ou hipocondria; 2) sentimentos de ruína; 3) senti-
mentos de culpa e/ou condenação.
• Distúrbios na esfera da memória (diminuída), pensa-
mento (ideias repetitivas de morte e/ou suicídio), inteli-
gência (diminuição transitória de suas capacidades),
atenção (dificuldade ou incapacidade de concentração),
consciência (estar distraído, absorto, como ensimes-
mado).
• Fadiga, cansaço enorme (anterior ao esforço).
• Queixas somáticas frequentes: dor de cabeça, dores di-
versas, moléstias digestivas, vertigens, sintomas cardio-
vasculares e respiratórios.
• Perda do interesse pelas atividades habituais.
• Diminuição ou ausência da motivação sexual.
Ansiedade - (Transtorno por ansiedade)
• Inquietude interior (desassossego, insegurança, pres-
sentimento do nada, medos difusos, expectativa do
pior...).
• Tensão motora (tremores, dores musculares, espasmos,
incapacidade de relaxamento, tiques nervosos, rosto
contraído).
• Estado de alerta (hipervigilância.)
• Expectativa negativa (preocupações, medos, antecipação
de desgraças para si e para os demais).
• Irritabilidade, impaciência, irascibilidade, estado de al-
teração.
• Medo da morte, medo da loucura, medo de perder o
controle, medo do suicídio (todos no ataque de pânico).
• Queixas somáticas; palpitações, opressão precordial,
boca seca, hipersudorese, dificuldade respiratória, dores
no estômago, calafrios, ondas de calor e frio, mãos com
sudorese, sensação de enjoo ou vertigem, colite, micções
frequentes.
QUADRO 6 - ZONA DE CONFLUÊNCIA DA DEPRESSÃO
E DA ANSIEDADE
Como vemos, no inventário de sintomas depressivos e ansio-
sos existe um terreno geográfico compartilhado, onde podemos
encontrar sintomas melancólicos e ansiosos associados.
Na prática médica é habitual que os transtornos depressivos
maiores contenham alguns ingredientes de inquietude, na linha já
mencionada.
2.
SINTOMATOLOGIA

Formas De Apresentação: Crise, Episódio, Temporada


E Estado

Entramos agora na medula do problema. Quais são os sinto-


mas da ansiedade? Como já mencionamos nas páginas preceden-
tes, nela acontece um grande número de sintomas possíveis que,
em cada caso clínico concreto, adotam formas diferentes. Esse é
um princípio que rege toda a medicina. Dele derivam dois concei-
tos clássicos: manifestações típicas, sempre que se observem os
sintomas mais frequentes que definem essa doença, e atípicas,
quando o quadro clínico se afasta dos cânones gerais estabeleci-
dos.
Em nossas sessões clínicas, ou quando estudamos a (lindo
um determinado paciente, preocupamo-nos não só com o conte-
údo de sua doença, mas também com a forma em que ela se apre-
senta. O conteúdo é a substância fundamental, os ingredientes
essenciais; a forma, o envoltório.
Em muitas ocasiões, a forma nos indicará o futuro dessa do-
ença. Os médicos antigos distinguiam entre apresentação aguda e
crônica. A primeira é súbita, brusca, inesperada. A segunda faz
com que os sintomas venham à tona de modo lento, insidioso,
progressivo, paulatino, pouco a pouco, com lentidão. Os começos
agudos são curados, em regra, mais rapidamente. Quando a en-
fermidade possui caráter crônico, entretanto, a cura é mais difícil.
No enunciado, distinguimos quatro formas de apresentação. Va-
mos passar em revista cada uma delas.
Crise: quando a ansiedade assoma de súbito, sem aviso pré-
vio, de forma rápida, repentina, urgente, veloz, como numa ra-
jada, tudo assume um tom vertiginoso, cortante, imediato, de
surpresa. E uma embriaguez intempestiva de inquietude e desas-
sossego que deixa no indivíduo um sabor amargo, insosso, expec-
tante: o medo de que tudo se repita quando menos se esperar.
Na terminologia moderna americana, entrou na moda a ex-
pressão ataques de pânico, cujo significado, apesar de próximo ao
de crise, indica uma intensidade maior. Na terminologia científica
(a que utilizamos nos congressos internacionais, simpósios e me-
sas-redondas) utilizam-se indistintamente as duas.
Na prática médica existem dois estilos diferentes: a crise di-
urna e a noturna. Esta última é vivida com maior profundidade,
posto que é mais difícil pedir ajuda, além do fato de que a solidão
e a obscuridade põem uma nota de certa dramaticidade na expe-
riência. Vejamos o seguinte caso:
Mulher de 30 anos. Solteira. Advogada. Sempre foi uma pessoa
nervosa. Passou por um período difícil: seu noivo a deixou e ela
teve problemas de readaptação profissional onde trabalha. A pri-
meira questão foi muito dolorosa para ela. No segundo caso, viu-
se tratada com certa discriminação por ser mulher, num ambi-
ente onde imperava uma atmosfera machista.
Certa vez, ao ter de tomar um avião por questões de trabalho, ocor-
reu-lhe o seguinte: “Foi horrível. Não sei bem descrever o que me
aconteceu. Sempre viajei de avião e nunca tive problemas nem
medo nem nada parecido. Comecei a sentir que o coração batia
muito depressa e uma sensação como de afogamento ou falta de
respiração e, ao mesmo tempo, um medo espantoso e enorme to-
mou-me o corpo por alguns instantes. A morte — disse a mim
mesma — vou morrer, a vida acabou.’ Senti vontade de gritar, de
pedir socorro. Não desejo isso a ninguém.”
Começo agudo. Grande intensidade. Duração muito curta: al-
guns minutos, embora deixe um impacto que se prolongue por al-
gumas horas.
Episódio: é o acontecimento ansioso que aparece de forma
mais suave, não tem duração tão breve (prolonga-se durante al-
gumas horas ou até alguns dias), sua intensidade é de nível mais
moderado, sua instalação progressiva e seu curso mais uniforme.
Geralmente acontece dentro de um quadro já existente anterior-
mente. Iremos compreendê-lo melhor com a leitura de outro caso
clínico:
Homem de 58 anos. Foi operado da próstata. A cirurgia transcor-
reu muito bem. O pós-operatório foi feito em sua casa, alternando
o repouso absoluto dos primeiros dias com alguns passeios por
sua casa e depois pelos arredores.
Aproximadamente duas semanas após a cirurgia, sofreu um episó-
dio de ansiedade que ele mesmo nos relata: “Estou passando
uns dias ruins. Estou confuso, inquieto, nervoso, andando de um
lugar para outro, como se não pudesse ficar quieto em nenhuma
parte. Tenho uma dorzinha no estômago e uma sensação estra-
nha, como se fosse acontecer alguma coisa. Estou com medo.
Passei assim uma semana e ontem o cirurgião me disse que não
era nada importante, que o que aconteceu comigo é relativa-
mente frequente, que estou com um pouco de angústia”.
Tudo tem aqui matizes distintos. Embora o que haja no fundo
dessas impressões seja a ansiedade, ela está mais moderada, com
um impacto escalonado, gradual, mais contínuo. Episódio ansioso
pós-operatório quando a remissão não é ainda linear, mas em zi-
guezague.
Temporada: caracteriza-se por uma apresentação mais lenta e
progressiva. O aparecimento da ansiedade é regular, uniforme,
com um começo que vai se ampliando. A intensidade é moderada
e a duração maior que na crise e no episódio: entre uma semana
ou dez dias e dois meses, aproximadamente. Leva mais tempo
para desaparecer.
Estado: é um conceito anglo-saxão. Hoje tem uso frequente
em psiquiatria. Em sentido estrito quer dizer totalidade de sinto-
mas num momento concreto de uma doença, E mais amplo que
os anteriores, mas menciona o estudo longitudinal e transversal
da ansiedade: análise da evolução da ansiedade desde o início do
sofrimento e estudo de como se encontra esse indivíduo num de-
terminado dia em que retorna ao médico.
Classificação Dos Sintomas Da Ansiedade

Uma das principais tarefas científicas é a de ordenar, sistema-


tizar, catalogar, enumerar e agrupar os fenômenos observados
num determinado campo. Ao abordar o tema da ansiedade, é pre-
ciso dizer que sua sintomatologia é muito variada e que em cada
indivíduo podem aparecer sintomas relativamente diferentes, em-
bora deva existir um núcleo básico comum.
Esses sintomas podem ser reunidos em cinco grupos: físicos,
psicológicos, de conduta, intelectuais e, por último, assertivos.
Cada um deles abarca uma determinada área, embora a ansie-
dade propriamente dita contenha sempre uma mescla de uns e
outros.
Como em qualquer síndrome ou doença, a perícia do médico o
fará mergulhar na trama da vivência, distinguindo o acessório do
fundamental.
QUADRO 7 - SINTOMAS DA ANSIEDADE - (Rojas. 1989)
1. Sintomas físicos.
2. Sintomas psicológicos.
3. Sintomas de conduta.
4. Sintomas intelectuais.
5. Sintomas assertivos (referem-se às habilidades sociais).
No decorrer das páginas deste livro vou me referir a um traba-
lho de investigação, realizado sobre uma mostra de 50 doentes de
ansiedade. Seus diagnósticos são diferentes, mas têm uma certa
afinidade:
1) transtorno de ansiedade,
2) transtorno depressivo maior,
3) transtorno da personalidade.
Existe essa zona comum onde se encontram os sintomas de
ansiedade e de depressão.
Sintomas Físicos

São produzidos por uma série de estruturas cerebrais inter-


mediárias onde residem ou se assentam as bases neurofisiológi-
cas das emoções.’ Com as investigações atuais pode-se afirmar
que o hipotálamo é indispensável para a expressão das emoções.
Além das bases apontadas no nível anatômico, a ansiedade
¿produzida ou está condicionada por descargas de adrenalina.'^
Os efeitos causados por ela serão parecidos com um estímulo di-
reto do sistema nervoso simpático, onde brotam os sintomas físi-
cos.
No Quadro 8 aparecem descritos todos os sintomas. No Qua-
dro 9 mostramos um histograma de frequências segundo um tra-
balho nosso recente (Rojas, De Ias Heras e Reig, 1989). Podemos
ver que os sintomas que aparecem com mais frequência são: pal-
pitações, suores intensos, secura na boca, sensação de falta de
ar, problemas gástricos, nó na garganta, tremores e ruborização
ou empalidecimento.
QUADRO 8 - SINTOMAS FÍSICOS DA ANSIEDADE
 Taquicardia, palpitações (heart rancing).
 Dilatação das pupilas.
 Constrição de quase todos os vasos sanguíneos.
 Tremores: nas mãos, pés e corpo em geral.
 Hipersudorese.
 Boca seca.
 Tiques localizados.
 Inquietude psicomotora.
 Dificuldade respiratória.
 Tensão abdominal.
 Polaciúria (urinar muitas vezes).
 Náuseas.
 Vômitos.
 Diarreia.
 Opressão precordial.
 Dores estomacais.
 Sensação pseudovertiginosa (como se fosse cair).
 Falta de estabilidade ao caminhar.
 Mover-se continuamente de um lado para o outro (cami-
nhar sem rumo).
 Tocar algo com as mãos continuamente.
 Hiperatividade global.
Se a ativação neurofisiológica for excessiva, há também:
 Insônia na primeira parte da noite.
 Pesadelos.
 Sonhos angustiosos (perigos, muitos conteúdos ilógicos
etc.
 Sono durante o dia (às vezes em forma de ataques de
sono).
 Anorexia/bulimia (perder o apetite/comer sem parar).
 Diminuição ou aumento da tendência sexual.
Do que depende que apareçam uns sintomas e não outros? A
resposta é complexa. São muitos os fatores que influem nisso. Por
um lado, é preciso falar em padrões de resposta familiar, o que
significa que existem famílias com tendência (hereditária) a sofrer
distúrbios digestivos, cardiovasculares ou respiratórios. De tal
modo que, quando sofrem fortes tensões emocionais, períodos de
graves conflitos ou estados de ansiedade mais ou menos crônicos,
sempre se observam sintomas numa área concreta. Outro fator a
destacar é o seguinte: existem emoções que são ‘mais digestivas’,
outras que tendem a se concentrar mais no aparelho respiratório
e outras que escolhem a via cardíaca e a urinária ou a sexual. Por
exemplo, o terror costuma expressar-se na zona precordial, com
sensações de opressão e/ou taquicardia; muitos conflitos afetivos
se manifestam em forma de náusea, vômitos, dores estomacais,
doenças digestivas difusas etc.
QUADRO 9 - SINTOMAS FÍSICOS MAIS FREQÜENTES
(numa amostra de 50 doentes com ansiedade - (Rojas, De Ias
Heras e Reig, 1 989)
1. Boca seca.
2. Diminuição do interesse pela sexualidade.
3. Palpitações.
4. Sensação de falta de ar, dificuldade de respirar, opressão na re-
gião do peito.
5. Gases no estômago (aerofagia).
6. Tremor nas mãos, pés, pernas e corpo em geral.
7. Sudorese (por todo o corpo e localizada nas mãos, axilas e do-
bras).
8. Falta de apetite.

Sintomas Psicológicos

Os sintomas psicológicos são muito importantes. E preciso


distinguir entre angústia, de um lado, e ansiedade, de outro. Até
aqui preferimos utilizar o termo ansiedade e continuaremos a
fazê-lo ao longo deste livro para simplificar sua exposição. Mas a
análise psicológica nos leva a um ajuste fino e a descrever as dife-
renças entre ambos os conceitos.
A angústia tem sempre manifestações somáticas mais marca-
das, ao passo que a ansiedade se desenvolve num nível funda-
mentalmente psicológico. A angústia produz uma reação asténica,
de paralisação, bloqueio ou inibição. Os sintomas somáticos se
expressam especialmente na zona precordial e nos territórios gás-
tricos; taquicardia, opressão precordial, dores estomacais, sensa-
ções epigástricas vagas e indefinidas, ardores etc. Nela, o tempo
transcorre lentamente, de modo a lembrar um pouco o sofrimento
do melancólico. Os acontecimentos circulam interiormente de
forma parcimoniosa, mais pausada e gradual que na ansiedade.
Por outro lado, existe uma vivência temerosa do futuro, mas com
elementos do passado.
Na ansiedade observamos umas notas diferenciais nesses
mesmos pontos. A experiência é antes de mais nada psicológica,
de tal maneira que se tem dito que a ansiedade é a experiência da
liberdade ou das possibilidades do ser humano. Daí o fato de ser
mais criativa. Provoca uma reação estênica, de sobressalto, de in-
citação à fuga, de participação ativa nessa impressão de medos
difusos e etéreos; há um certo desafio, que é uma mescla de agita-
ção, preocupação, atividade, tendência a fugir ou correr; resu-
mindo: impressão subjetiva de não estar quieto. Existem alguns
sintomas preferenciais: sensação de falta de ar e dificuldade de
respirar (“É como se o ar não chegasse”, dizem alguns ansiosos), o
tempo interior é mais acelerado: os fatos são vividos com maior
rapidez, tudo tem uma certa velocidade, uma mescla de abati-
mento e aglomeração de acontecimentos; tudo parece precipitar-
se e mover-se alucinadamente. Ao mesmo tempo, há uma clara
antecipação do pior: maus presságios, vaticínios negativos de algo
que sobrevém, pressentimentos repletos da ideia de que algo
grave vai acontecer, e tudo isso numa atmosfera indefinida, vaga,
abstrata, pouco clara. Tudo é impressão futura, portanto, augú-
rio, vaticínio, anúncio inquietante, suspeita temerosa e desventu-
rada.
Existe também na ansiedade um rico terreno para que isso
aconteça: aflora sobretudo em indivíduos com uma certa capaci-
dade psicológica de introspecção, de autoanálise, de capacidade
para enfronhar-se nos labirintos da afetividade e rastrear seus
sentimentos e emoções. A angústia se registra mais no homem
simples, elementar, primário — no homem com escassa profundi-
dade psicológica.
São essas as principais diferenças entre angústia e ansiedade.
Está claro que em muitas ocasiões, estabelecer esses matizes dis-
tintivos não será fácil, já que sintomas psicológicos de um e outro
setores se entrecruzam. No Quadro 10 estão esquematizados es-
ses traços seletivos.
QUADRO 10 - TRAÇOS DIFERENCIAIS ENTRE ANGÚSTIA E
ANSIEDADE
Notas Angústia Ansiedade
Vivência Mais carregada de sensa- Mais psicológica e inte-
ções somáticas lectual
Sintomas físicos Em zonas precordial e Na zona respiratória
gástrica
Sintomas psico- Ruptura do eu (como Pressentimento do nada
lógicos centro que rege a perso- e abertura de possibili-
nalidade) dade (liberdade)
Ritmo de tempo Lento Mais rápido
Tipo de perso- Homem mais superficial e Homem mais profundo e
nalidade prévia narcisista pensador
Vertente cria- E paralisante e tende a Em níveis moderados é
tiva bloquear a atividade criativa
Conduta Reação asténica (imobili- Reação estênica (sobres-
zação, estar freado, ini- salto, inquietude, estar
bido, paralisado) em guarda, à espreita)
Forma de apre- Episódios, estados Crises, ataques
sentação
Tendência ao Menos frequente (por es- Mais habitual (maior dis-
suicídio tar a conduta inibida) ponibilidade pessoal)
Relação com a Maior proximidade da de- Mais distante da depres-
depressão pressão são; relaciona-se com as
fobias e obsessões
Tratamento Sedativos (ansiolíticos), Sedativos (ansiolíticos),
técnicas de relaxamento, psicoterapia mais elabo-
psicoterapia de apoio rada

QUADRO 11 - SINTOMAS PSICOLÓGICOS


 Inquietude (to be upset: estar nervoso).
 Desassossego, inação, exaustão.
 Vivência de ameaça.
 Experiência de luta ou fuga (fight or flight).
 Temores difusos.
 Insegurança.
 Ampla gama de sentimentos timéricos (medos diversos).
Sensação de vazio interior.
 Pressentimento do nada.
 Medo de perder o controle.
 Medo de agredir.
 Dissolução e/ou ruptura do eu.
 Diminuição da atenção (hipoprosexia).
 Melancolia (sadness), aflição.
 Perda de energia.
 Suspeitas e incertezas negativas vagas.
Quando a ansiedade é muito intensa:
 Medo da morte.
 Medo da loucura.
 Medo de se suicidar.
 Pensamentos mórbidos, perniciosos, distorcidos (morbid
thoughts).
Em termos subjetivos, porém mais empíricos:
 Estado subjetivo emocional aversivo (repulsivo, hostil),
relacionado com o pressentimento de um perigo mais
ou menos imediato e difuso, vivido como expectativa do
pior.
Os sintomas psicológicos são captados através da linguagem
verbal. Mediante a análise do discurso penetramos na qualidade e
nos matizes da vivência. Por isso essa é a ver- tente subjetiva. A
informação que obtemos dependerá diretamente da riqueza psico-
lógica do paciente e da capacidade de captar e descrever seus
sentimentos. Em indivíduos primários, essa parte costuma ter
menos importância, já que a descrição da paisagem interior é ru-
dimentar, tosca, estéril, por carecer do apoio linguístico adequado
para transmitir essa informação tão pessoal e privada. Pelo con-
trário, quando a capacidade psicológica é média ou elevada, é in-
teressante o registro literal (em primeira pessoa ou entre aspas,
para fazer um estudo linguístico posterior) do texto ansioso. No
Quadro 11 estão reunidos os principais sintomas psicológicos que
ocorrem na ansiedade.
Todas as expressões coloquiais utilizadas para expressar a an-
siedade estão submetidas a uma forte contaminação cultural.
Cada ambiente terá seus próprios recursos verbais. Por isso, os
modos e estilos da linguagem cobram aqui um valor especial. Al-
guns conteúdos são mais intelectuais, outros mais afetivos, ou-
tros, ainda, mais populares. Cada um recorre ao arsenal filoló-
gico, segundo os próprios condicionamentos psicológicos e soci-
ais.
Sintomas De Conduta

Chamamos conduta a tudo aquilo que se pode observar exter-


namente em uma pessoa. Não é necessário que a pessoa conte o
que se passa com ela, mas simplesmente registra-se ao observar
seu comportamento; e isso tanto no aspecto geral quanto no
plano comunicativo.
A psiquiatria clássica não prestou muita atenção a essa ver-
tente, porque contou com excessivos métodos subjetivos, que
atendiam sobretudo ao ‘de dentro’, negligenciando o ‘de fora’ (a
conduta).
A psiquiatria moderna presta atenção a este plano. Assim, ga-
nha-se em rigor e a medicina se faz mais científica. No Quadro 12
estão listados os principais sintomas de conduta.
O grande problema da linguagem não-verbal é o da interpreta-
ção: que significa esse olhar, aquela expressão dos lábios ou da
face em tais circunstâncias?
QUADRO 12 - SINTOMAS DE CONDUTA
 Comportamento de alerta/estar em guarda, à espreita.
Hipervigilância.
 Estado de atenção expectante.
 Dificuldade de ação.
 Inadequação estímulo-resposta.
 Diminuição ou ausência da eficiência operativa.
 Bloqueio afetivo/perplexidade, surpresa, não saber o
que fazer.
 Interrupção do funcionamento psicológico normal. Difi-
culdade para levar a cabo tarefas simples.
 Inquietude motora (agitação intermitente).
 Transtornos da linguagem não-verbal (gestos, mímica).
Expressão facial congelada (assombro, estranheza, dú-
vida, estupor).
 Contração do ângulo externo dos olhos.
 Expressão facial desprazerosa (rejeição-desagrado).
 Rosto com traços de excitação, descontrole,
preocupação. Testa franzida.
 Pálpebras caídas.
 Maçãs do rosto, boca e queixo: rígidos, tensos, contraí-
dos. Bloqueio dos movimentos das mãos.
 Movimentos das mãos e braços lentos e sem coordena-
ção. Tensão mandibular (trismo).
 Posturas corporais alternantes.
 Gestos de interrogação e estranheza.
 Voz alternante e com altibaixos em seu tom.
Teste FAST {Facial Affect Scoring Technique) é uma prova psi-
cológica que compara expressões faciais normais (que servem de
modelo) com as do indivíduo investigado. As diferenças se estabe-
lecem segundo se aproximem ou se afastem de um código de ex-
pressões faciais-, ali se refletem o medo, a surpresa, a perplexi-
dade, o asco, a preocupação, o enfado, a tristeza etc.
Apesar de tudo, a ciência psicológica avançou muito nos últi-
mos anos e já contamos com alguns instrumentos de medição
que nos permitem uma aproximação mais objetiva ilc tais expres-
sões. Sob a linguagem não-verbal discorre uma linguagem subli-
minar, plena de entendidos e subentendidos, dc fórmulas cunha-
das pelo uso que não chegam a palavras e (|uc ó necessário tra-
duzir para um sistema de referência desses signos que tenham
certo caráter universal.

Sintomas Intelectuais

No mundo científico das últimas décadas se fala de manifesta-


ções cognitivas. Elas abarcam tudo que é o conhecimento. Ali es-
tão compreendidos a sensação, a percepção, a memória, o pensa-
mento, as ideias, os juízos, os raciocínios, a aprendizagem etc.
Na psiquiatria acadêmica, utiliza-se o termo sintomas cogniti-
vos. A psicologia cognitiva considera que o conhecimento do ho-
mem é produzido no cérebro como se ele funcionasse como um
computador. Tudo o que o cérebro recebe é armazenado: um pro-
cessamento da informação que vai assegurar leis e uma
organização funcional da mente, do mesmo modo que o técnico de
programação conhece como opera o computador, sem se preocu-
par com sua infraestrutura.
Siminov (1980, 1987) falou de emoções negativas e positivas.
As primeiras aparecem por uma diferença entre a informação ne-
cessária e a informação disponível, tendo em conta que a informa-
ção significa a possibilidade de alcançar uma meta, de tal ma-
neira que, quando existe uma lacuna informativa, se produz uma
atividade pouco ou nada eficaz que mais tarde desencadeará uma
série de mudanças fisiológicas e, depois, vivenciais. As segundas
são produzidas de forma contrária: quando a informação disponí-
vel é maior que a necessária. O tema é difícil para os leigos, por
isso não nos queremos aprofundar mais nele, mas deixá-lo esbo-
çado. No Quadro 13 temos a lista dessa série de sintomas.
QUADRO 13 - SINTOMAS INTELECTUAIS - (Cognitivos)
Erros no processamento da informação
 Expectativas negativas generalizadas.
 Falsas interpretações da realidade pessoal (“Tudo me
preocupa”/ “Tudo dá errado comigo’ / “Que azar te-
nho!”/ “Tudo que faço é sempre difícil...”)
 Pensamentos preocupantes (carregados de temores).
 Falsos esquemas na fabricação de ideias, juízos e racio-
cínios. Pensamentos distorcidos (sem lógica, com predo-
mínio de emoções de matiz negativo).
 Padrões automáticos e estereotipados na forma de res-
ponder (pensamento irreflexivo-impulsivo).
 Tendência a sentir-se afetado negativamente (personali-
zação ansiosa).
 Pensamentos absolutos (utilização habitual de termos
radicais: “sempre”/ “nunca”/ “em absoluto”/ “jamais...”
e seleção de pensamentos irreconciliáveis).
 Centrar-se em detalhes pequenos desfavoráveis e tirá-
los do contexto, ignorando o que houver de positivo.
 Dificuldade de concentração.
 Tendência a que grupos de pensamentos nocivos domi-
nem indivíduo ansioso.
 Generalizações permanentes.
 Atribuições improcedentes de ações pessoais.
 Tendência à dúvida (épocas e/ou temporadas de dúvi-
das crónicas, que não são outra coisa além de épocas
e/ou temporadas de ansiedade).
 Respostas displicentes presididas por um estado de
alarme.
 Problemas de memória (esquecer o que é bom e posi-
tivo/ter em primeiro plano o mau e negativo).
 Esquecimento permanente dos aspectos gratificantes da
biografia.
 Juízos continuados de valor (“inútil”/ “odioso”/ “impos-
sível...”).
Erros ou insuficiências no processamento da informação que chega
a esse indivíduo:
 “sentir-se perdido”/ falta de recursos psicológicos / in-
terpretações inadequadas / estar sempre pensando no
pior, no mais difícil... / ideias sem base e até irracionais
que vão sendo aceitas sem nenhum tipo de crítica.
Como vemos no Quadro 13, num nível intelectual (cognitivo) a
ansiedade é experimentada essencialmente na maneira de elabo-
rar as ideias e as lembranças. Daí podermos defini-la como aquele
estado subjetivo de tensão que se produz como consequência de
erros ou deficiências no acúmulo e processamento das informa-
ções. Os erros ou deficiências mais frequentes são os seguintes:
1. Adiantar conclusões negativas: trata-se de uma tendência
habitual em indivíduos com ansiedade ou tensão emocional. Es-
tão acostumados a trabalhar desse modo e isso condiciona uma
atitude pessimista permanente (“O que faço sempre dá errado”/
“Estou inquieto pensando se isso ou aquilo sairá como espero’7
“Acho isso muito difícil, para não dizer impossível” etc.).
2. Ter um pensamento radical: implica que se tende a colocar
tudo em termos diametralmente opostos — branco ou negro, frio
ou quente, bom ou mau, sim ou não, amor ou ódio. Desse modo,
a mesma pessoa acaba descrevendo-se nesses termos antagôni-
cos. O resultado costuma ser bastante negativo: incapacidade de
adotar posturas moderadas e dar valor aos matizes dos fatos e
das pessoas; impossibilidade de se ter uma certa mesura, cau-
tela ou equilíbrio na análise de si mesmo e dos que o rodeiam.
3. Generalizações negativas contínuas: na psicologia moderna
se denomina generalização excessiva. De fatos isolados se ex-
traem regras gerais que, logicamente, são falsas. Se esse
indivíduo age assim, vai acabar isolando-se ou vendo tudo nega-
tivo.
4. Centrar-se em detalhes seletivos nocivos: essa pessoa vive
uma experiência nociva de seu contexto ignorando os possíveis
aspectos bons que existam a seu redor. Classifica vivências pes-
soais de acordo com traços, segmentos ou partes negativas.
Se levarmos em conta esses pontos obteremos duas formas de
pensar. O pensamento ansioso, centrado nos defeitos apontados e
o pensamento maduro, que se define, cm contraposição, do se-
guinte modo: não adianta conclusões, mas espera que as ações se
produzam; é capaz de ver os matizes, é relativo, não emite juízos
de valor, sabe esperar; utiliza termos que permitem certa reconci-
liação (“Sou bastante tímido” / “Às vezes fico nervoso”/ “Tenho
uma ansiedade moderada, vou tentar me controlar melhor” / “Às
vezes tendo a perder tempo, mas de agora <111 diante, procurarei
ser mais ordenado e não me dispersar..."); não generaliza e sabe
superar as más recordações, esquecendo-as pouco a pouco e
atendendo com mais frequência às coisas agradáveis.
Os sintomas intelectuais da ansiedade são produzidos por fa-
lhas na avaliação dos fatos. A fonte de ansiedade diária está insti-
tuída pelos conflitos que a vida nos traz a cada passo. Quando
não os enfrentamos bem, ou quando não sabemos sair dele com
tranquilidade, penetramos em um círculo de tensões ansiosas.

Sintomas Assertivos (Ou Transtornos Nas Habilidades So-


ciais)

O termo assertividade deriva do vocábulo latino tardio asser-


tum, particípio passivo de asserere, que significa afirmar, condu-
zir perante o juiz, e que, por sua vez, procede de serere (entreter,
encadear). Também provém de outra expressão latina, assertus,
que alude à afirmação de certeza de algo.
No dicionário de Martin Alonso, em continuação à voz asser-
tiva, lemos: “afirmativo (...) que tem força de afirmação”.
Bem, chegando a este ponto devemos formular uma pergunta:
que quer dizer assertividade ou ter um comportamento assertivo^.
Assertiva é a conduta que faz e diz o que é mais adequado a cada
situação, sem inibições nem agressões inadequadas.
Do ponto de vista psicológico, este é um conceito cada vez
mais utilizado em psiquiatria. Reúne três características:
1. Trata-se de algo muito relacionado com a personalidade e com a
forma em que esta se mostra e funciona.
2. Conjunto de técnicas de comportamento orientadas a uma me-
lhoria das próprias relações sociais. Resumindo, assertividade =
habilidade social. Em termos mais explícitos:
• Expressão de emoções positivas e negativas segundo a
circunstância.
• Defesa dos direitos mais legítimos.
• Saber pedir favores.
• Negativa a atender pedidos não razoáveis.
• Aprender a dizer não (mas com um sorriso nos lábios).
• Comportamento pessoal e social adequado a cada mo-
mento.
3. Poder expressar ideias, juízos e sentimentos tanto de sinal posi-
tivo quando negativo frente a qualquer pessoa, situação ou cir-
cunstância. Liberdade de expressão ideológica e emocional.
No Quadro 14 vemos os sintomas mais importantes em nível
assertivo que se podem observar na ansiedade. Seria preciso in-
sistir aqui no desenho exposto no Quadro 6, onde vemos como as
áreas ansiosa e depressiva confluem num certo momento. Por
fim, para concluir este capítulo, fornecemos um resumo dos prin-
cipais sintomas ansiosos (veja o Quadro 15).
QUADRO 14 - SINTOMAS ASSERTIVOS (Transtornos nas ha-
bilidades sociais)
 Não saber o que dizer perante certas pessoas.
 Não saber puxar conversa.
 Não conseguir sair desacompanhado.
 Dificuldade ou impossibilidade de dizer não ou mostrar
desacordo em algo.
 Graves dificuldades para falar de temas gerais e não-
transcendentes.
 Falar sempre com linguagem demasiado categórica e ex-
tremista.
 Dar uma resposta em lugar de outra ao falar em pú-
blico.
 Bloquear-se ao fazer perguntas ou ao ter de respondê-
las.
 Adotar em demasiadas ocasiões uma postura passiva
(bloqueio generalizado).
 Não saber conduzir um assunto (não saber tomar a pa-
lavra, nem mudar de tema, nem ceder a palavra a outra
pessoa, nem ter senso de humor perante uma situação
um pouco tensa etc.).
 Não saber terminar uma conversa difícil.
 Poucas habilidades práticas na conversa com mais de
duas pessoas.
 Não saber aceitar uma brincadeira ou uma ocorrência
divertida (sobretudo em grupo; a explicação: ao estar em
guarda, tudo é interpretado pejorativamente, com receio
e suspeita).
 Pouco treino para estar relaxado em grupo.
QUADRO 15 - SINTOMAS DA ANSIEDADE (Resumo)
1. Físicos
 Palpitações.
 Opressão precordial.
 Tremores.
 Hipersudorese.
 Boca seca.
 Dificuldade respiratória.
 Dores estomacais.
2. Psicológicos
 Inquietude interior.
 Desassossego.
 Insegurança.
 Pressentimento do nada.
 Medo de perder o controle.
 Medo da morte.
 Medo da loucura.
 Medo do suicídio.
3. Conduta
 Estado de alerta/hipervigilância.
 Dificuldade de ação.
 Bloqueio afetivo.
 Inquietude motora.
 Transtornos da linguagem não-verbal.
4. Intelectuais
 Diversos erros no processamento das informações.
 Expectativa generalizada de tom negativo.
 Pensamento preocupantes e negativos.
 Pensamentos ilógicos.
 Dificuldade de concentração.
 Transtornos da memória.
5. Assertivos
 Declínio muito ostensivo nas diversas habilidades soci-
ais.
 Bloqueio na relação humana.
 Não saber o que dizer perante certas pessoas.
 Não saber dizer não.
 Não saber terminar uma conversa difícil.

Questionário Para Medir A Ansiedade

A psiquiatria moderna se aproxima a cada dia mais dos méto-


dos utilizados na medicina interna e nas diversas especialidades
que dela derivam. Assim como ao fazer um exame de sangue ou
de urina se obtêm resultados expressos em cifras, nós, psiquia-
tras, tratamos de quantificar, medir, avaliar, saber a quantidade
de ansiedade que sofre uma pessoa e expressá-lo em linguagem
matemática mediante uma pontuação específica.
No questionário que proponho existem três divisões e dentro
delas cinco grupos de sintomas: físicos, psicológicos, de conduta,
intelectuais e assertivos (habilidades sociais). Essas três separa-
ções são: presença do sintoma (sublinhando ou circulando o sim),
ausência do sintoma (circulando o não) e, por último, intensidade,
classificada de 1 a 4 (no caso de se ter marcado o sim-, 1: leve-, 2:
intensidade média-, 3: intenso-, 4: muito intenso).
Como veremos no Capítulo V do livro, dedicado ao tratamento,
atualmente existem outros instrumentos de medição da ansie-
dade, alguns dos quais são utilizados quase diariamente no con-
sultório de um psicólogo ou de um psiquiatra.
Assim se pretende evitar o subjetivismo no estudo e na análise
de um doente ou de uma pessoa saudável, mas com certa ansie-
dade.
Atualmente, estamos validando o questionário com a finali-
dade de que seja aceito como um teste ou escala que possa ser
empregado de forma confiável. Toda pontuação que passe de 65 é
considerada muito alta e, portanto, o paciente necessitará de um
tratamento à base de ansiolíticos, sedativos ou relaxantes. Abaixo
de 20 podemos considerá-lo dentro dos limites normais.
QUESTIONÁRIO DE ROJAS PARA AVALIAR A ANSIEDADE
Nome... Ns Histórico
Diagnóstico... Idade... Sexo...
Estado civil... Nº de filhos... Profissão...
Instruções: Responda as seguintes perguntas em relação aos
sintomas que tiver notado durante os últimos três meses. Faça um
círculo ao redor do asterisco situado na coluna Sim quando tiver
notado esse sintoma; classifique o grau de sua intensidade (I) de 1
a 4 (1: intensidade leve; 2: intensidade média; 3: intensidade alta;
4: intensidade grave, a mais intensa). Se não sentir esses sinto-
mas, circule o Não.
Não /0-1-2-3-4/Sim = Intensidade
SINTOMAS FÍSICOS =
1. Tem palpitações ou taquicardia (o coração às vezes bate rápido)?
2. Fica ruborizado ou pálido?
3. Sente tremor nas mãos, pés, pernas ou corpo em geral?
4. Sua muito?
5. Sente a boca seca?
6. Tem tiques (piscadelas ou contrações musculares automáticas).
7. Nota falta de ar, dificuldade de respirar, opressão na região do
peito?
8. Tem gases?
9. Urina com muita frequência ou de forma imperiosa?
10. Tem náuseas ou vômitos?
11. Tem diarreias, desarranjos intestinais?
12. Nota-se como um nó no estômago ou na garganta, fica difícil
engolir?
13. Tem vertigens, sensação de desequilíbrio, de que pode cair,
desmaiar?
14. Custa a dormir de noite?
15. Tem pesadelos?
16. Tem sono durante o dia e dorme sem perceber?
17. Passa temporadas sem apetite, sem querer comer quase nada?
18. Tem momentos em que come excessivamente, mesmo sem ape-
tite?
19. Tem notado um menor interesse pela sexualidade?
20. Tem notado um maior interesse pela sexualidade?
SINTOMAS PSÍQUICOS =
1. Nota-se inquieto, nervoso, desassossegado por dentro?
2. Sente-se ameaçado, inclusive sem saber por quê?
3. Tem a sensação de estar lutando constantemente sem saber
contra quê?
4. Tem vontade de fugir, ir para outro lugar, viajar para muito
longe?
5. Tem fobias (temores exagerados de algum objeto ou situação)?
6. Tem medos difusos, ou seja, sem saber bem de quê?
7. Às vezes se torna vítima de terrores ou tem ataques de pânico?
8. Nota-se muito inseguro de si mesmo?
9. Às vezes se sente inferior aos demais?
10. Nota uma certa sensação de vazio interior?
11. Nota-se diferente, como se estivesse perdendo a própria identi-
dade?
12. Está triste, meditativo, melancólico?
13. Teme perder o autocontrole e machucar outras pessoas?
14. Teme não se controlar e chegar ao suicídio?
15. Está assustado ou tem muito medo da morte?
16. Está assustado pensando que está ficando ou pode ficar louco?
17. Tem a sensação de que acontecerá alguma desgraça, como um
pressentimento?
18. Percebe que está muito cansado, sem interesse nem vontade
de fazer nada?
19. Custa muito a tomar uma decisão?
20. E uma pessoa receosa ou desconfiada?
SINTOMAS DE CONDUTA=
1. Está sempre alerta, como vigiando ou em guarda?
2. Está irritado, excitável, responde exageradamente aos estímulos
externos?
3. Rende menos em suas atividades habituais?
4. É difícil ou penoso realizar suas atividades habituais?
5. Move-se de um lado para outro, como agitado, sem motivo?
6. Muda muito de postura, por exemplo, quando está sentado?
7. Gesticula muito?
8. Mudou a voz ou notou altibaixos em seu timbre?
9. Percebe-se mais lento em seus movimentos ou mais rígido?
10. Apresenta maior tensão na mandíbula?
11. Gagueja ou cicia?
12. Rói as unhas ou as cutículas, chupa os dedos ou os fricciona?
13. Brinca muito com objetos, precisa ter algo entre as mãos (cane-
tas etc.)?
14. Às vezes se sente bloqueado, sem saber o que fazer ou dizer?
15. Custa muito ou não está disposto a realizar uma atividade in-
tensa?
16. Muitas vezes tem a testa franzida?
17. Tem as pálpebras contraídas ou as sobrancelhas arqueadas
para baixo?
18. Tem expressão de perplexidade, desagrado, desprazer ou preo-
cupação?
19. Dizem-lhe que está inexpressivo, com o rosto ‘congelado’?
20. Fica muito irritado com os ruídos intensos ou inesperados?
SINTOMAS INTELECTUAIS =
1. Fica inquieto com o futuro, vê tudo negro, difícil, de forma
pessimista?
2. Pensa que tem azar e sempre terá?
3. Acredita que não serve para nada, que não sabe fazer nada cor-
retamente?
4. Os outros dizem que não é justo em seus juízos e apreciações?
5. Concentra-se mal, com dificuldade?
6. Nota como se lhe falhasse a memória, custa-lhe recordar coisas
recentes?
7- Custa-lhe recordar coisas que acredita saber, ter aprendido há
muito tempo?
8. Está muito distraído?
9. Tem ideias ou pensamentos de que não consegue livrar-se?
10. Torna as coisas muito complicadas?
11. Tudo o afeta negativamente, qualquer detalhe ou notícia?
12. Utiliza termos extremos; inútil, impossível, nunca, jamais, sem-
pre, claro etc.?
13. Estabelece juízos de valor rígidos e intolerantes sobre os ou-
tros: inútil, odioso etc.?
14. Recorda-se mais do negativo que do positivo?
15. Custa-lhe pensar, nota um certo bloqueio intelectual?
16. Um pequeno detalhe que dá errado lhe serve para dizer que
tudo é caótico?
17. Pensa que sua vida não vale a pena, que tudo são injustiças ou
dores?
18. Pensar em algo angustiante o leva a pensamentos ainda mais
angustiantes?
19. Pensa no que faria numa situação difícil e crê que não poderia
superá-la?
20. Acredita que sua única solução é uma mudança realmente pro-
funda ou que é inútil?
SINTOMAS ASSERTIVOS =
1. Às vezes não sabe o que dizer?
2. Tem muita dificuldade de iniciar uma conversação?
3. É difícil apresentar-se numa reunião social?
4. Tem muita dificuldade em dizer “não” ou mostrar-se em desa-
cordo com algo?
5. Quer agradar a todo mundo e sempre segue a corrente geral?
6. É muito difícil falar de temas gerais ou cotidianos?
7. Comporta-se com muita rigidez, sem naturalidade, nas reuniões
sociais?
8. É muito difícil falar em público, formular e responder perguntas?
9. Prefere claramente a solidão do que estar com desconhecidos?
10. Percebe-se muito passivo ou bloqueado em reuniões sociais?
11. Custa-lhe expressar ao demais suas verdadeiras opiniões e
sentimentos?
12. Procura dar em público uma imagem de si mesmo diferente da
real?
13. É muito dependente do que os outros possam opinar a seu res-
peito?
14. Com frequência, sente-se envergonhado diante dos outros?
15. Prefere passar totalmente despercebido nas reuniões sociais?
16. É complicado terminar uma conversa difícil ou comprometida?
17. Tem ou utiliza pouco o senso de humor perante situações de
certa tensão?
18. É muito inseguro do que faz em presença de pessoas de pouca
confiança?
19. Prefere não discutir nem se queixar, apesar de ter certeza de
estar com a razão?
20. Envergonha-se ou incomoda-se por coisas feitas por outras pes-
soas (‘vergonha alheia’)?
Total geral = 100
Avaliação da pontuação obtida:
0-20: Faixa normal.
20-30: Ansiedade leve.
30-40: Ansiedade moderada.
40-50: Ansiedade grave.
50 Ansiedade muito grave.
3.
AS DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS

A Ansiedade Como Gênese De Uma Patologia Ampla


E Dispersa

Falamos aqui do grupo de doenças físicas cuja porta de en-


trada é psicológica. Elas podem ser devidas a fatores psicológicos,
sociais, tensões emocionais persistentes e à ansiedade em suas
diferentes formas de apresentação, mas experimentada com uma
certa cronicidade. A importância desses fatores está em sua in-
tensidade, frequência e, obviamente, conteúdo. As relações entre
ansiedade, fatores psicológicos e doenças psicossomáticas são
complexas e para explicá-las é preciso recorrer a psicofisiologia.
Esse grupo de transtornos recebeu diversas denominações ao
longo da história da medicina. Neurose de conversão^ para Freud
(conflitos intrapsíquicos não-resolvidos que são armazenados no
inconsciente e emanam angústia, que com o passar do tempo se
converte num acontecimento somático); doenças funcionais, para
Von Bergman, já que não tinham base anatômica; diencefalose,
para Lampl; doenças psicossomáticas, desde Weiss e Von Wei-
zsäcker; doenças especificamente humanas, com Jores. Nos últi-
mos anos, foram cunhadas duas fórmulas diferentes: transtornos
psicofisiológicos, com os recentes avanços de investigação sobre
os mecanismos emocionais e o sistema límbico e, mais recente-
mente, através da American Psychiatric Association, a denomina-
ção de fatores psicológicos que afetam o estado físico. Nestes últi-
mos pode-se observar uma relação cronológica entre os estímulos
ambientais negativos e a iniciação de uma doença física.
Em todos eles, não se pode demonstrar uma base anatómico-
fisiológica pelos métodos habituais de análise de laboratório e, por
isso, recorremos a essas hipóteses psicológicas.
Pode-se descrever a sequência que vai do psicogênico até o so-
mático da seguinte forma: ansiedade, fortes tensões emocionais
sustentadas ou fatores psicológicos crônicos de grande importân-
cia para o indivíduo —> excitação física —> transtornos funcio-
nais —> desregulação neurofisiológica -> inflamação -> lesão já
com uma localização precisa. No Quadro 16 registramos essa tra-
vessia.
A descrição de um caso clínico pode nos colocar na pista desse
tipo de doenças.
Homem de 31 anos. Formado em direito. Candidatou-se a um
corpo de difícil acesso: Cartórios. Custou a decidir-se antes de co-
meçar a se preparar para as provas.
Perfil da personalidade: foi sempre uma pessoa de caráter
forte, moderadamente aberto, de grande vontade, nervoso e hiper-
sensível.
QUADRO 16 - TRAVESSIA DA ANSIEDADE À DOENÇA
PSICOSSOMÁTICA
Ansiedade sustentada (sozinha ou associada a fortes tensões
emocionais e/ou intelectuais, fatores psicológicos traumáticos de
tipo crônico, tipo de vida estressante, além das próprias forças...).
 Transtornos funcionais (expressam-se como uma ‘ga-
gueira de sintomas somáticos’ que oscilam, movem-se,
aparecem e mais tarde se dissipam... Por exemplo: do-
enças gástricas difusas).
 Desregulação neurofisiológica.
 Inflamação (seguindo com o exemplo: gastrite psicogê-
nica).
 Úlcera estomacal (já existe lesão; cada vez que se
avança nesse trajeto, diminui a ansiedade e cedem as
tensões às quais esse indivíduo se viu submetido... É ‘a
ganância pela doença’).
No ano em que terminava sua formação em direito, estava tra-
balhando num escritório de advocacia, mas deixou-o depois para
estudar. No início, o que mais lhe custou foi conciliar o ritmo de
trabalho e a necessidade de ir várias vezes na semana expor os te-
mas a seu orientador.
No meio do ano teve de romper relações com uma garota com
que saía desde o final dos estudos. Isso se somou a um estado de
tensão muito grande, que foi tomando conta dele. Sentia grande
abatimento na hora de programar todos os temas que tinha de es-
tudar. Começou a não conseguir dormir bem à noite, inclusive
nos dias em que estava esgotado. Posteriormente à insônia, come-
çou a se sentir muito nervoso, com dores de estômago ou “sensa-
ção de plenitude digestiva, náuseas e, às vezes, vômitos”.
Foi ao médico, mas este não encontrou nada. Recomendou-lhe
sedativos e “encarar as coisas com mais calma”. Continuou estu-
dando, mas com resultados muito irregulares: dias de muito
aproveitamento de tempo e outros quase em branco. “Nesses dias
eu me sentia péssimo: tinha dores de estômago, estava muito in-
quieto, não conseguia me concentrar... via que os dias se passa-
vam e o tempo me devorava... mais tarde, comecei a ter fortes do-
res de estômago...”
Voltou ao médico, que diagnosticou gastrite e recomendou tra-
tamento farmacológico e uma certa dieta.
Fez os exames e o reprovaram na segunda prova. Isso o afetou
muito. Passou uma temporada de descanso e recomeçou tudo.
Por essa época, seu pai teve problemas econômicos e a família
passou necessidade. Dias duros, cheios de acontecimentos tristes.
Cometeu o erro de seguir um tipo de vida cada vez mais monó-
tono, sem intercalar dias de relaxamento, sem saber descansar,
sempre exausto. Estava cada vez pior do estômago, até o ponto
em que começou um regime.
Conseguiu passar na terceira prova, mas teve de pagar por
isso com o diagnóstico de um especialista do aparelho digestivo:
úlcera gastro-duodenal.
Os Caminhos Da Ansiedade

Como havíamos ressaltado, são muitas as estruturas neurobi-


ológicas implicadas na ansiedade que darão lugar a uma vasta
gama de manifestações. Da ansiedade derivam diversos caminhos
patológicos que podem ser esquematizados nas seguintes divi-
sões: corpo ou plano biológico; corporalidade ou campo das sen-
sações difusas espalhadas pela geografia do corpo e vividas inter-
namente; o plano psíquico-, e, por último, os mecanismos de de-
fesa da personalidade. É preciso mencionar, ainda que de passa-
gem, o que pode significar a ansiedade como elemento promotor
do amadurecimento da personalidade, sempre e quando seu im-
pacto emocional não chega a neurotizar o indivíduo graças aos
golpes ansiosos em suas diferentes versões.
QUADRO 17

No Quadro 17 estão resumidos esses roteiros por onde a ansi-


edade se desvia, originando diferentes transtornos. Vamos expor
cada um deles.
1. Se nos fixarmos à ansiedade que sobe a escarpa do plano bioló-
gico, vamos dar de cara com as crises de ansiedade, os ataques
de pânico, os episódios, temporadas e estados ansiosos. Em to-
dos, a vivência não é prazerosa devido a grandes descargas de
adrenalina. Quando se associa com tensões psicológicas, famili-
ares, sociais e/ou profissionais, se estas são intensas e prolon-
gadas, vai surgindo uma nova ‘doença’ que pode escolher três
caminhos: a musculatura lisa, aquela que envolve os órgãos; é
formada por fibras que se dispõem paralelamente em pequenos
feixes e formam as capas musculares dos mesmos; é dotada de
movimentos involuntários; a musculatura estriada, de maior lon-
gitude e constituída por raias e sulcos que lhe dão a forma pecu-
liar de estrias. São músculos voluntários, exceto os cardíacos:
braços, pernas, rosto etc., em sua maioria músculos que cobrem
o esqueleto humano; o terceiro caminho é a estética corporal, hoje
em voga, e que apresenta uma grande patologia, sobretudo na
adolescência feminina.
QUADRO 18 - DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS (Quadro geral)
Aparelho digestivo
• Gastrite, gastrite crônica, úlcera gastroduodenal, molés-
tias digestivas indefinidas, prisão de ventre, digestão
lenta, coceira no ânus {prurido anal), perda do controle
do esfíncter anal (encoprexis), gases (aerofagia).
Aparelho respiratório
• Crise de asma psicológica, respiração rápida e com sus-
piros (taquipnéia), dificuldade respiratória emocional
(dispnéia), opressão toráxica, falta de ar ou soif d’aire
(da psiquiatria francesa), respiração suspirante.
Aparelho cardiovascular
• Hipertensão arterial, taquicardia (palpitações), arritmias
cardíacas emocionais, dor precordial (que recorda o an-
gor pectoris), quedas bruscas da tensão arterial (hipo-
tensão).
Sistema nervoso central e aparelho locomotor
• Diminuição dos reflexos (hiporreflexia), aumento do tó-
nus muscular (hipertonia muscular, rigidez, dores mus-
culares, paralisia rígida do colo, extremidades etc.), con-
vulsões, tremores, tiques e movimentos das pálpebras
por ansiedade (mioclonias palpebrais), enjoos, vertigens.
Também hiperreflexia e queda do tónus muscular (hipo-
tonia muscular, paralisia flácida, cataplexia).
Aparelho Genitourinário
• Aumento do tónus da bexiga urinaria (hipertonía vesi-
cal: é preciso urinar com frequência e de forma imperi-
osa), diminuição da libido sexual ou aumento, depen-
dendo do caso; perda do controle dos esfíncteres da be-
xiga urinaria {enurese).
• Na mulher: coceira na uretra e na vulva; vaginismo
(contração dos músculos das paredes da vagina), dor
durante o coito (dispareunia), ausência de menstruação
(amenorréia) ou menstruação irregular e dolorosa (dis-
menorréia).
• No homem: coceiras (prurido uretral, escrotal), impotên-
cia sexual, ejaculação precoce.
Mucosas, pele e unhas
• Rubor (vasodilatação capilar), aumento da sudorese (hi-
persudorese), hipersecreção de sebo (Seborreia – alope-
cias ou quedas de pelo – acne), coceiras generalizadas
(pruridos), alergias cutâneas, alterações na composição
do suor (lesões eczematosas)
Órgãos dos sentidos
• Visão: transtornos da acomodação visual, visão man-
chada, dupla (diplopia), visão setorizada (escotomas),
brilhos luminosos, peso nas pálpebras, dificuldade para
manter o foco, frequente tremor nas pálpebras.
• Audição: todos os ruídos incomodam, por menores que
sejam (hiperestesia sensorial), ruídos, pios (acúfenos).
• Olfato: diminuição (hiposmia) ou ausência de (anosmia).
• Paladar: desejo de sabores novos, exóticos ou especiais,
uma nova repugnância para com certos alimentos, alte-
rações na percepção dos sabores.
• Tato: sensações difusas, como de formigamentos, frio,
calor {sensações cinestésicas), hipersensibilidade a estí-
mulos dolorosos, diminuição de certas sensações {anes-
tesia sensorial.
No Quadro 18 resumimos as principais doenças psicossomáti-
cas que escolhem como via de expressão esse caminho.
Surge então uma pergunta: por que em alguns casos a ansie-
dade escolhe a rota física (do corpo) ou a corporalidade (corpo in-
terno ou intracorpo ou corpo vivido) e, cm outros, a direção psí-
quica ou os mecanismos de defesa anômalos? E preciso buscar a
resposta nestes itens:
a) quando a personalidade é mais forte, em regra a ansiedade se
encaminha para o corpo;
b) se o indivíduo é narcisista, inseguro e teve aprendizados de tipo
apreensivo ao longo de sua vida (viver com uma pessoa doente
muito tempo; ter estado perto de uma personalidade apreensiva,
hipocondríaca, que sempre visitou médicos, falando de doenças,
análises etc.; resumindo, que tenha aprendido a viver obser-
vando-se fisicamente e com o passar do tempo não consegue de-
sapegar-se dessa tendência de estar sempre atento a sintomas,
sensações, moléstias etc.; ter sofrido alguma enfermidade
quando criança, que o tenha posto em contato com a medicina e
daí se tenha iniciado a hipocondria);
c) a ansiedade escolhe o plano psíquico quando a personalidade é
mais débil e/ou a ansiedade foi produzida em forma de crise ou
ataques inesperados que o levaram a fazer interpretações errô-
neas sobre o lugar onde ela se produziu. Vamos pensar na pes-
soa que teve uma crise de ansiedade no meio de uma viagem de
avião e a partir dali, mediante uma série de raciocínios pessoais
com pouco embasamento real, mas carregados de afetividade,
chega à ‘conclusão’ de que seu problema é não poder entrar num
avião porque isso lhe faz sentir-se mal, desencadeia crises... E
assim, lentamente, vai-se instaurando uma fobia de viajar de
avião, pois elevou-se o nível de importância do lugar onde se pro-
duziu a experiência negativa, conferindo-lhe uma magnitude ina-
dequada, o que a longo prazo vai levar a uma nova enfermidade,
a fobia;
d) em indivíduos introvertidos, escrupulosos, com antecedentes ob-
sessivos na família, produz-se uma trajetória que vai da angús-
tia à fobia e desta à obsessão; em outras ocasiões, o salto é di-
reto; ansiedade —> obsessão;
e) quando a personalidade não é qualificada como forte nem como
débil nem tampouco existem antecedentes fóbico-obsessivos,
mas o indivíduo é portador de uma personalidade desequili-
brada, desajustada ou, para usar termos da psiquiatria norte-
americana, tem um transtorno da personalidade, nesses casos a
corrente ansiosa busca mecanismos de defesa anômalos, inade-
quados. Os mais clássicos são o vício alcoólico, que conduz a
longo prazo a uma dependência séria, e o deslize para uma con-
duta sexual hiperativa e primária-, ambos levam a uma degrada-
ção da personalidade. Mais atualmente existem três ‘fugas’ bri-
lhantes: o haxixe, a cocaína e a rainha das drogas, a heroína;
além disso, as fugas para o futuro, plurais e complexas, cuja fa-
tura encontra o sujeito no fim do caminho.
Duas palavras sobre a ansiedade como fonte de amadureci-
mento da personalidade. No capítulo dedicado ao conceito fala-
mos da ansiedade positiva. Aqui, uma experiência dura e negativa
como a experiência de afundar e viver em e. a partir da ansiedade,
leva por caminhos paradoxais — as rotas do sofrimento têm sem-
pre ingredientes de amadurecimento pessoal — a um salto posi-
tivo. Deixamos isso claro no esquema do Quadro 17, mas aqui
cabe uma reflexão.
2. Existe outra questão importante a ser feita: por que a ansiedade
que escolhe o itinerário biológico termina num caso numa úlcera
estomacal, noutro em um quadro respiratório e num terceiro em
um enfarte do miocárdio, uma asma ou uma dermatite? Esse
tema é instigante. A isso chamamos na medicina o problema da
escolha do órgão. Como isso é produzido? Que variáveis tomam
parte nessa diversidade de caminhos percorridos? Muitas teo-
rias foram criadas ao longo dos últimos 20 anos.
Foi Heinroth o introdutor do termo psicossomático, em 1818.
As obras posteriores de Osler (1943) também foram muito impor-
tantes. Jores (1950) falou de doenças especificamente humanas.
Por essa mesma época, as investigações de Fran Alexander e Hal-
liday tiveram grande êxito. Mitscherlich (1952) falou de neuroses
vegetativas, que tiveram sua época de moda, quando muitos mé-
dicos diagnosticavam uma distonia neurovegetativa, autêntica ca-
nastra onde ia parar grande número de doenças e transtornos de
difícil classificação diagnostica. Foi a época em que Von Bergman
falou de patologia funcional.
Já em 1960, o russo Sokolov começa a investigar as linhas ge-
néticas das doenças psicossomáticas. E Pribram (1969) ressalta
de um ponto de vista psicológico — o condutista — como certos
mecanismos da neurofisiologia modificam o equilíbrio endógeno
do indivíduo, o que vai levar a esse grupo de enfermidades. O
tema da escolha do órgão é um lugar de convocação de diferentes
hipóteses de trabalho, algumas das quais quero expor de forma
resumida com a finalidade de dar uma visão panorâmica desse
apaixonante tema:
a) Adler, um dos primeiros discípulos de Freud e dissidente de
suas ideias, formulou sua teoria da inferioridade dos órgãos,
também chamada locus minoris resistentiae. Pode ser resumida
assim: só aparece a doença em determinado órgão se ele recebe
uma exigência muito elevada, o que condiciona uma alteração
funcional que, com o tempo, aumentará e se transformará numa
autêntica lesão.
b) Outra hipótese é a do padrão reativo psicossomático. Consiste
na resposta de um órgão concreto nos primeiros anos de vida.
Perante impactos emocionais, ansiedade, experiências de medo,
terror ou pânico, a natureza responde com uma colite, uma erup-
ção na pele ou um aumento da temperatura corporal (febre psico-
gênica) sem que exista uma base clínica. Deveríamos nos per-
guntar: por que nessa tenra idade o transtorno é digestivo, cutâ-
neo ou de temperatura? Podemos oferecer duas respostas. Uma,
porque já existe uma debilidade nessa zona ou território. Outra,
pelo azar: a casualidade torna imprevisível em muitos casos
qualquer previsão evolutiva.
c) Dois psiquiatras austríacos, Hoff e Ringel (1970) sublinharam o
momento em que se produz a ansiedade mantida e o tipo de con-
flito que a acompanha. A associação de ambos faz com que o
transtorno vá parar no órgão mais fraco.
d) É preciso mencionar também os padrões psicossomáticos famili-
ares. Já falamos disso em páginas precedentes, embora de pas-
sagem. Aqui se trata de estudar estilos de doenças que aconte-
cem em famílias inteiras. Existem famílias de ulcerosos, asmáti-
cos, hipertensos, pacientes com dermatite, eczemátides ou acne.
Além disso, devemos somar a semelhança dos tipos de vida, que
também atuará como condicionante e deflagrador desse grupo
de doenças tipicamente humanas (sua presença nos animais é
raríssima). O progenitor doente prejudica sua descendência de
duas maneiras: transmitindo-lhe a herança e obrigando-a a viver
com ele nos primeiros anos de vida, com o que aprende e escuta
as queixas referentes a essas zonas do corpo.
e) Finalmente, é preciso estabelecer uma distinção entre corpo e
corporalidade. O corpo tem outras denominações; extracorpo,
corpo mundano (pois nos representa ante os demais) corpo como
retrato ou o que os alemães chamam kõrper. o corpo como reali-
dade objetiva. Cada um vive ancorado em seu corpo. Somos
nosso corpo. O corpo exterior é o veículo da realidade pessoal no
espaço. Mas o homem não se acaba em seu corpo. Se fôssemos
só corpo seríamos como os animais. Os pitagóricos diziam soma-
sema e o repetiam de vez em quando: corpo-tumba, corpo-cár-
cere. O corpo como cárcere ou prisão da alma, como diriam os ro-
mânticos. As partes mais expressivas do corpo são o rosto e as
mãos. As zonas descobertas nos deixam a descoberto, anunciam
nossa intimidade. Cada corpo é um semáforo de sinais, um
campo abundante de signos que nos dizem muitas coisas. As do-
enças do corpo psicológico são; a anorexia (negar-se a comer
para manter um tipo delgado), a bulimia (uma tremenda voraci-
dade, um não poder parar de comer) e a síndrome mista anore-
xia-bulimia (que consiste em alternâncias periódicas de momen-
tos de anorexia com outros de voracidade patológica), uma do-
ença grave, típica das adolescentes e que tende a se tornar crô-
nica. Além disso, existem as fobias estéticas (referentes ao tama-
nho do nariz, a raiz de implantação dos cabelos, a papada, as
maçãs do rosto, as sobrancelhas etc.). O corpo externo é a porta
pela qual nós fazemos presentes no mundo. Nosso corpo nos
abre caminho pelo mundo. E, dele, o rosto é o mais essencial. Diz
o povo que o rosto é o espelho da alma e ele está certo. Nele se
veem as paisagens íntimas do ser humano. Lá estão refletidas a
ansiedade, a inquietude, a tensão emocional, a tristeza, a paz, a
serenidade e a esperança. O rosto é programático: anuncia a
vida como projeto. O que chamamos corporalidades O corpo vi-
vido, interior, o intracorpo. Os alemães utilizam o termo leib, que
significa corpo subjetivo. Sua linguagem é o sofrimento e a dor (o
primeiro é mais carregado de psicologia, ao passo que o segundo
é mais físico). Ele é constituído por sensações, pequenas percep-
ções e por uma corrente de impressões internas difíceis de des-
crever, na maioria das vezes. Poderíamos definir a saúde como o
silêncio da corporalidade. Quando esta fala e se expressa, as-
soma a doença: “Sinto-me mal” quer dizer que estou ou percebo
que minha corporalidade me avisa de que algo não vai bem. A
principal doença da corporalidade é a hipocondria.
f) No esquema do Quadro 17 observamos que existem manifesta-
ções particulares (constituídas por essa série de doenças psicos-
somáticas) e outras públicas, como as crises histéricas ou os
transtornos da estética corporal.

As Principais Doenças Psicossomáticas

Vamos tentar esquematizá-las. Como vimos no Quadro 18,


existe uma grande variedade, embora na vida prática umas sejam
mais frequentes que outras. Outras aparecem mais espaçada-
mente. De meu material clínico coletei uma mostra dos últimos
três anos e nos deparamos com as cifras que se refletem no Qua-
dro 19.
QUADRO 19
QUADRO 20 - DOENÇAS PSICOSSOMATICAS MAIS FRE-
QUENTES (por aparelhos)
Aparelho digestivo
• Úlcera gastroduodenal
• Gastrite
• Colites periódicas
• Cólon irritado
• Prisão de ventre
• Gases (aerofagia)
Sistema nervoso
• Tiques
• Dores de cabeça
• Tremores
Aparelho Genitourinário
• Fem. Amenorreia; Dismenorreia (menstruações doloro-
sas); Vaginismo; Dor no coito; Coceira na vulva/vagina
• Masc. Libido sexual aumentada; Urinar com muita fre-
quência (polaciúria)
Aparelho respiratório
• Asma
• Dispneia/opressão respiratória
• Respiração rápida (taquipneia)
Aparelho cardiovascular
• Hipertensão arterial
• Taquicardia
• Opressão precordial
Sistema endócrino
• Hiper/hipotireoidismo
• Diabetes melito
• Anorexia/bulimia
• Obesidade
Outros
• Dor psicogênica
• Artrite reumática
• Alergias
• Dores de cabeça
Na frente de todas elas estão a úlcera gastroduodenal e a gas-
trite. É preciso buscar a explicação na enorme expressividade psi-
cológica do aparelho digestivo. Quando se passa por um momento
difícil, muitas vezes a reação é a perda do apetite; quando se quer
celebrar algo positivo organiza-se um banquete, o centro nevrál-
gico do festejo; quando se rechaça uma pessoa ou situação, diz-
se: “Tenho vontade de vomitar...” Talvez por intermédio dessa ex-
pressão possamos compreender a abundância desses transtor-
nos.

O Apreensivo, O Doente Imaginário Ou


Hipocondríaco

Hipócrates foi o primeiro a se referir a essa enfermidade, des-


crevendo-a deste modo: “O doente parece ter nas vísceras uma es-
pinha que o espeta, a ansiedade o atormenta e está submerso
num medo colossal”. Galeno a chamou de morbus flatuosus e
situou-a nas proximidades da melancolia. O médico inglês Robert
Burton, no século XVII, analisou-a muito detidamente em seu li-
vro Anatomy of melancholy {A anatomia da melancolia). Como se
pode defini-la? O traço essencial é o temor ou a crença de sofrer
uma doença grave, o que leva consigo uma observação atenta e
minuciosa de suas sensações físicas e uma preocupação exces-
siva e permanente. O exame do paciente, assim como as diferen-
tes análises às quais ele é submetido, não encontra nada que ex-
plique essas sensações: tudo normal, nada patológico. Mas o indi-
víduo se encontra mal, permanentemente atento a seus sintomas
e recorrendo a médicos aqui e ali.3 Muitas vezes a preocupação se
concentra numa parcela concreta do organismo: o batimento car-
díaco, o excesso de sudorese, a respiração, a cor das conjuntivas
dos olhos etc. Por outro lado, costuma concentrar-se sempre em
possíveis doenças graves: o câncer em suas mais diversas locali-
zações; a sífilis, o enfarte do miocárdio ou a Aids. Isso o leva a es-
tar continuamente consciente do corpo: analisa, observa, escru-
tina, estuda, está atento à menor notícia que chega de sua corpo-
ralidade, e se converte num virtuose da percepção do corpo inte-
rior. Por isso, quando conta ao médico o que lhe está aconte-
cendo, precisa recorrer a uma linguagem precisa, minuciosa, re-
pleta de detalhes. Quero mostrar um caso realmente notável.
Homem de 55 anos. Advogado. Casado e sem filhos. Desde pe-
queno foi uma pessoa mais introvertida, insegura, que rompia um
pouco os moldes de sua família: aberta, muito comunicativa, com
muitas relações tanto familiares como de amizades.
Sempre teve uma grande afeição aos médicos e, ao mesmo
tempo, um grande medo deles. Teve o azar de ir a muitos desde a
puberdade e a adolescência, o que fomentou nele uma atitude
apreensiva-, estar sempre observando-se e atento à sua saúde.
A primeira vez que o vimos no consultório, trouxe-nos uma
lista de sintomas apontados num papel, tudo de um modo super-
detalhado: “...pela manhã me levanto cansado, como se não ti-
vesse dormido bem; tomo café e depois me fica uma sensação de
vazio no estômago; quando saio de casa, tenho um certo desequi-
líbrio ao caminhar, como um enjoo... mas não é enjoo, eu o cha-
maria de pré-vertigem... não sei se está descrito, mas eu o sinto
assim. No meio da manhã gosto — alguns dias - de tirar a pres-
são, e vou a um lugar onde me dizem a quanto está. Estou estra-
nhando muito essas mudanças de minha pressão arterial de um
dia para outro, por isso às vezes a tiro duas vezes por dia em ho-
ras diferentes, porque não sei se o que acontece comigo é por
causa da pressão ou da circulação...
“Tenho que ter muito cuidado com a comida. Tenho estômago
delicado, os médicos do aparelho digestivo que me examinaram
dizem que não tenho nada, mas eu noto meu estômago... Depois
de comer, às vezes me deito por meia hora para descansar, mas
algumas vezes me levanto pior... Inquieto, com ansiedade; bem,
creio que a isso que me acontece chamam ansiedade; li isso numa
enciclopédia médica que tenho em casa.
“Acho muito estranho que os médicos que me viram não te-
nham encontrado nada. Quero que me examinem e vejam outra
vez meu estômago, não estou tranquilo... Não sei, a verdade é
que, na pior das hipóteses, tenho um câncer ou algo parecido e
estou tão tranquilo, ainda estou; embora, por outro lado, se ti-
vesse algo tão grave já estaria morto, porque já estou assim há al-
guns anos.”
Nessa história clínica há uma série de pontos que quero co-
mentar, porque são uma constante em todos os apreensivos:
1. Todos os hipocondríacos visitam muitos médicos. A princípio,
vão acompanhados de alguns familiares, que explicam com deta-
lhes o que acontece com o paciente. Pode ser até que se organize
um ‘conselho de família’ para esclarecer e matizar sua doença.
Com o passar do tempo, o hipocondríaco vai sozinho ao médico.
Mais tarde, troca de médico, porque não se convence mais com o
que ele lhe diz, ou não gosta ou não quer fazer todos os exames
de sangue, urina e provas complementares que exige.
2. Sempre existem, ao mesmo tempo, desejo e medo da doença.
Quer o diagnóstico, com o rótulo claro e concreto, mas fica aterro-
rizado com ele. É uma ambiguidade enorme, vivida
interiormente.
3. Charcot, um dos professores de Freud, denominou essa enfermi-
dade le malade de le petit papier. o indivíduo traz os sintomas
escritos num papel. É um inventário traçado sob o domínio da
ansiedade. O que mais o angustia está na primeira linha. Em ou-
tras ocasiões, essa relação segue uma ordem cronológica. O que
significa esse papel? O medo de que o médico não capte o que
lhe acontece ou de que aconteça algo que seja importante e o im-
peça de fazer um diagnóstico correto do transtorno.
4. Uma característica essencial do apreensivo é a auto-observação
prolixa de suas sensações, às quais concede um significado in-
quietante. Isso faz com que cada vez mais se dedique ao tema
de sua saúde, que acaba por converter-se na questão primordial
de sua existência. Dali passamos para a atitude permanente de
se fixar em seu estado físico. Analisa cada sintoma por menor
que seja, mede-o, estuda-o microscopicamente buscando e re-
buscando seu possível alcance. Racionalização infinitesimal sul-
cada de suspeitas.
5. Qual é o estado de ânimo do hipocondríaco? Ele atravessa dife-
rentes etapas, mas quando a doença já se instalou com toda
força, criando raízes, trata-se de uma mescla de ansiedade e de-
pressão, com experiências intermitentes distímicas: vivência de
desagrado e inquietude desprazerosa; sente-se alterado, irritá-
vel, com explosões de humor e certa tendência a perder o con-
trole sobre si mesmo ante estímulos negativos de pouca impor-
tância.
A hipocondria é uma doença psíquica grave; quando possui
uma certa evolução, seu prognóstico é ruim e os índices de cura
são muito baixos. Só naqueles em que se trata de uma reação
ante uma enfermidade real própria ou de alguém muito íntimo, o
prognóstico pode ser melhor. Esse é o caso que expomos a seguir:
Homem de 52 anos. Casado e com um filho. A mãe morreu
quando ele tinha uns 10 anos. O pai sempre foi uma pessoa apre-
ensiva e, em certa medida, isso foi desencadeado porque quando
pequeno teve uma doença infecciosa e durante muito tempo se-
guiu um tratamento e uma série de revisões clínicas periódicas.
Pai e filho viveram juntos até o casamento deste último.
“Desde pequeno, e depois de adolescente, acompanhei muitas ve-
zes meu pai ao médico, por vários motivos. Meu pai está sempre
falando de doenças, médicos ou conhecidos que tinham isto ou
aquilo... a ponto de sua vida social se reduzir a visitar pessoas
operadas ou que estavam doentes, ou a dar pêsames... Tudo isso
me marcou.
“Sempre fui apreensivo, mas agora, há cerca de um ano, pio-
rou. Passo o dia assustado, pensando que tenho algo, mais apre-
ensivo do que nunca. Visitei quatro ou cinco especialistas nos úl-
timos meses e não encontraram nada, mas não consigo me con-
vencer, porque, na melhor das hipóteses, não encontraram a
chave do que está acontecendo comigo.”
Coincidindo com esse agravamento de sua hipocondria, seu
estado de ânimo mudou. “Estou mais triste, decaído, sem vontade
de fazer nada e com uma grande ansiedade, pensando na morte
ou em que algo de ruim vai me acontecer...” “Perdi o gosto por
muita coisa, estou indiferente, nada me atrai, fico ensimesmado,
pensando no que sinto, tudo dando voltas na minha cabeça.”
Nas últimas férias, saiu de Madri com destino a uma praia.
Sua preocupação fundamental era traçar um itinerário em que
soubesse que havia algum hospital ou centro sanitário, por acaso.
Leva uma farmacinha, mas vai sempre acrescentando coisas que
acaba não tomando por medo dos efeitos. “Sempre leio as bulas
dos remédios e muitas vezes não chego a tomá-los por medo dos
efeitos colaterais e das contraindicações.”
QUADRO 21 - PROGRAMA DE CONDUTA PARA UM
HIPOCONDRÍACO
Inventário de observações
1. Lutar cotidianamente para não me observar tanto fisicamente.
2. Esforçar-me por corrigir essa tendência que tenho de que se apo-
derem de mim ideias irracionais (utilizar para isso alguma téc-
nica de terapia cognitiva sugerida na consulta).
3. Treinar-me a falar de temas gerais que interessem a todos (perdi
muita habilidade para as relações sociais e isso faz com que es-
teja muito mais concentrado em mim mesmo, sempre me anali-
sando; falar de temas da atualidade, aprender a ter mais recur-
sos psicológicos, perguntar às pessoas como andam, puxar as-
sunto para conversas etc.).
4. Preciso cortar essa inclinação de falar de doenças, médicos, re-
médios e assuntos sanitários (isso não me convém, já que acen-
tua minha hipocondria. Tem de ser um objetivo prioritário).
5. Não ler nada de medicina (tenho de dar sumiço na enciclopédia
médica que tenho em casa; não ver programas médicos na televi-
são, nem ouvi-los no rádio; devo ser muito rígido, mesmo que
isso me custe no início).
6. Levar uma vida mais natural (planejar, com agenda em punho,
passar o fim de semana no campo, estar mais em contato com a
natureza).
7. Praticar esporte toda semana por prescrição facultativa (isso me
ajudará muito a médio prazo, embora no começo seja difícil).
Neste caso existe um fato relevante: seu estado anterior agra-
vou-se ostensivamente. Isso nos fez pensar que seu quadro clínico
de fundo era depressivo e ele recebeu um tratamento à base de
antidepressivos por via endovenosa e oral, além de ansiolíticos e
facilitadores do sono. Nunca fora submetido a essa medicação.
Quer dizer, esperava-se um efeito muito intenso, pois seu orga-
nismo não conhecia essa terapia. Foi o que aconteceu. Em três
semanas melhorou enormemente. Recebeu além disso um pro-
grama de conduta, que consistia numa lista de observações que
tinha de ler diariamente e dar-se uma pontuação, com o objetivo
de poder afastá-lo de sua inclinação de estar sempre pensando e
analisando suas sensações somáticas. Esse foi o resumo do pro-
grama:
O programa deve ser avaliado diariamente — menos o esporte
semanal — de zero a dez ou, se o indivíduo preferir, de zero a três.
Depois de duas ou três semanas, a contabilidade deverá ser feita
a cada dois ou três dias. E, depois, que se limite a lê-lo diaria-
mente, em uma hora de máxima receptividade intelectual: pode
ser pela manhã, antes de começar a trabalhar. O programa de
comportamento se converte assim num objetivo psicológico que
atua mentalizando-o nessa direção.
Por fim, no Quadro 22, expomos os critérios para o diagnós-
tico de hipocondria da American Psychiatric Association.
QUADRO 22 - CRITÉRIOS PARA O DIAGNÓSTICO
DA HIPOCONDRIA
A. A alteração predominante é uma interpretação errônea de sinais
e sensações físicas consideradas como anormais, o que leva ao
temor ou à crença de que se está sofrendo de uma grave enfermi-
dade.
B. Através dos exames físicos não se encontram provas de nenhum
transtorno que explique os sinais, as sensações ou as interpreta-
ções errôneas que o indivíduo faz deles.
C. O medo ou a crença de sofrer uma doença persiste, apesar da
segurança das provas médicas, e pode chegar a causar incapa-
citação social ou de trabalho.
D. Isso não se deve a nenhum outro transtorno mental do tipo da
esquizofrenia, depressivo no sentido estrito ou transtorno por so-
matização.
4.
FOBIAS E OBSESSÕES

Entramos agora numa seção que se destaca da ansiedade.


(Conforme já descrevemos no Quadro 2, existe uma primeira tra-
vessia da ansiedade que termina na ideia de suicídio. Mas agora
vamos ver uma segunda travessia que parte da ansiedade e ater-
rissa nas obsessões. Isso não quer dizer que sempre seja obrigató-
rio seguir um desses caminhos. A medicina é bem mais complexa
que uma ciência exata. O que é muito característico é a sequência
de passos que se produz num e noutro casos.

No Quadro 23, vemos o que mencionávamos antes; no 24, a


gradação de fenómenos temerosos que, partindo da tensão psí-
quica normal, chegam a se converter nas fobias em geral e na
agorafobia em particular. Todos eles querem chamar a atenção
para algo importante: a ansiedade é uma experiencia viva, dinâ-
mica, que muda de forma com o passar do tempo. De tal modo
que o que boje é uma crise de ansiedade pode passar a ser uma
fobia e esta, mais tarde, converter-se numa patologia obsessiva.
QUADRO 24 - GRAUS DE INTENSIDADE DOS DIVERSOS
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE
Da Ansiedade À Fobia

A ansiedade é uma vivência de inquietude e desassossego


onde se antecipa o pior. A fobia é um temor desproporcionado,
terrível, superior à própria pessoa, que se produz diante de fatos,
pessoas ou situações. Existe um elemento comum: o medo. Por
isso podemos estabelecer uma gradação de sentimentos temero-
sos que, partindo do medo conduzem à ansiedade e culminam na
fobia.
O medo é um temor perante algo concreto, específico, (lato,
evidente, que se vê, que é captável da posição em que o indivíduo
se encontra. Pode-se ter medo de um leão em plena selva e defen-
der-se de um possível ataque levando consigo uma arma de fogo.
Pode-se ter medo de uma prova, no decorrer dos estudos, e cabem
várias posturas; estudar com mais organização, aproveitar melhor
o tempo, fazer um plano sério de trabalho, não colar durante a
prova. Defendemo-nos do medo com medidas racionais.
A ansiedade é um temor difuso, vago e abstrato, sem
referências. Por isso, a reação que ela costuma provocar é de per-
plexidade, surpresa, assombro, de uma espécie de embola mento
confuso que faz com que não se reaja de forma alguma. Chama-
mos a isso estado de alarme na linguagem da psicologia atual.
Aqui, os mecanismos de defesa serão inconscientes e levarão ao
esquema do Quadro 17: manifestações psicossomáticas, histeria,
distúrbios da estética corporal, hipocondria, fobias, obsessões ou
dispositivos de defesa anômalos.
As fobias são medos irresistíveis, tremendos, insuperáveis,
desproporcionais. Aqui só cabe fazer uma coisa: fugir, não se
aproximar, não ter contato com aquilo que as produz, escapar.
Atitude de fuga ou de adiamento, se se trata de enfrentar alguém
ou algo.
Entre os três, medo, ansiedade e fobias, existe uma vizinhança
estreita que se percorre como um caminho de ida e volta. Isso é o
que veremos a seguir. Vejamos a seguinte história clínica resu-
mida.
Trata-se de um homem de 51 anos, andaluz. Viaja frequente-
mente a Madri por motivos profissionais. Leva um ano muito exte-
nuante de trabalho, assoberbado. Há cerca de um mês notou
“sensação de afogamento, dificuldade respiratória, nervosismo...
penso que algo está acontecendo comigo, não sei explicar bem, é
uma coisa estranha...”
De sua última viagem de avião, ele nos conta a seguinte expe-
riência: “Quando o avião decolou, pensei que estava morrendo: o
coração batia muito forte, como se fosse sair pela boca, um suor
frio, um medo enorme; vi a morte vindo em minha direção... bem,
não a vi, senti-a por dentro, tive medo de ter um enfarte ali
mesmo; além do mais, vontade de gritar, correr, fazer alguma
coisa. Foi espantoso”.
As aeromoças o assistiram durante o voo. Não havia nenhum
médico a bordo. “Fiz a viagem como se flutuasse, como se esti-
vesse recém-operado, entre nuvens, assustado; deram-me um
copo de conhaque e talvez isso tenha me relaxado um pouco...
mas fiz uma viagem terrível.”
Poucos dias após esse incidente, foi ver um médico amigo seu,
que lhe fez um exame cardíaco e não encontrou nada. Depois fez
uma checagem mais ampla e tampouco se descobriu algo; estava
tudo normal. E disso faz sua autoanálise: “O que aconteceu co-
migo, por que esse medo tão terrível, será o estresse ou a vida tão
acelerada que levo...?” Essas reflexões o levaram à conclusão de
que os aviões não são bons para ele, de que não deve viajar tanto
de avião. A partir disso apoderou-se dele um grande medo de via-
jar nesse meio de transporte. Medo que seguiu in crescendo até se
converter numa verdadeira fobia: um temor terrível que não pode
dominar e ao qual se rende: “De agora em diante, não viajarei
mais de avião, será a única forma de evitar passar por algo pare-
cido. Talvez seja a pressão da altura ou a decolagem, mas não vol-
tarei mais a subir num avião”.
Aqui, observamos claramente a passagem da crise de ansie-
dade à fobia. Como isso é produzido? Mediante a racionalização.
Da crise ou do ataque de ansiedade que tivera durante a viagem
vai emergindo a fobia de avião. O mecanismo: o lugar em que se
produziu a crise se engrandece, toma corpo próprio, recebe uma
importância inusitada, desproporcionada; e esse espaço vai se
tornando o protagonista, convertendo-se em espaço fóbico. A essa
modalidade damos o nome de fobia traumática ou fobia isolada.
Os ataques de ansiedade ou de pânico costumam evoluir para
o mundo fóbico. Muitas dessas crises ocorrem sem serem diag-
nosticadas, e o médico não-psiquiatra, às vezes, lhes dá uma sig-
nificação inadequada. O povo as atribui a “problemas de diges-
tão”, “queda brusca da pressão arterial” ou “um desgosto pro-
fundo que desencadeou essa reação”.
Por outro lado, é uma constante não encontrar nas análises e
exames nenhum dado relevante que faça suspeitar da existência
de uma doença física determinada. Após as crises recobra-se a
calma, embora permaneça um certo estado que se pude definir
como temor de expectativa perante uma possível repetição. A aná-
lise pessoal de lugares, pessoas, situações, tensões profissionais
e/ou familiares, até o tipo de alimentação ou hábitos de vida,
trata de conduzi-lo até a chave do que lhe aconteceu. Por essa via
escorregadia ele acaba na fobia.
Nem sempre é possível assinalar uma dinâmica tão clara entre
a ansiedade e a fobia. Em alguns casos, é preciso mergulhar na
biografia e tentar esclarecer ações ou situações que nos possam
fazer compreender seu porquê.
Esse mecanismo se chama deslocamento-, consegue substi-
tuir o temor difuso da ansiedade por um temor concreto que se
condensa em objetos do mundo real. Desloca a ansiedade lan-
çando-a para fora e substituindo-a por medos mais intensos, mas
bem delimitados. Mecanismo de caráter defensivo que abre cami-
nho à fobia.

Que São As Fobias?

Já temos uma primeira definição delas. Vamos agora dar ou-


tra e explicá-la para que o leitor possa entender claramente: medo
irracional, persistente, avassalador, de uma intensidade transbor-
dante, acompanhado do desejo impulsivo de evitar esse objeto, si-
tuação ou pessoa que o provoca. O indivíduo reconhece o que se
passa, percebe claramente seu transtorno, sabe que tem um
medo excessivo e irrazoável que o domina, perante um tipo espe-
cífico de estímulo.
O que existe no fundo da fobia é ansiedade. Por isso a pessoa
se protege e procura evitar pôr-se em contato com o que a pro-
voca. A vivência é muito desprazerosa, percebe-se o desamparo e
o terror de que venha a ser produzida. Assim, o indivíduo com fo-
bia a exames orais, se precisa realizá-los, vive esse fato com uma
expectativa patológica, de modo que o mais provável é que não
consiga se apresentar, mesmo que vá à prova e esteja na porta da
sala, esperando. O que com toda certeza ocorrerá será o seguinte:
um ataque de ansiedade e pânico antes de tudo isso e uma sín-
cope física com desmaio. E, então, que se vê claramente o caráter
insuperável e tremendo da fobia.
Seria impossível fazer uma classificação de todas as fobias
possíveis. Isso veremos a seguir. É uma tarefa tão difícil quanto
complexa. O que fica muito patente é que são medos arrozes liga-
dos a situações específicas, como resultado de um processo de
aprendizagem. Um estudante desenvolve uma fobia a provas de-
pois de haver sofrido uma em que passou muito mal e durante a
qual teve uma crise de ansiedade, (om todo o cortejo sintomático
correspondente. Um menino pode sofrer uma fobia escolar porque
sua mãe, sem perceber, lhe disse para ter cuidado com isso ou
aquilo, e o provoca inconscientemente.
Às vezes as conexões associativas são bastante diretas, como
nos casos antes comentados. Mas outras vezes elas são mais obs-
curas. Vejamos um caso de agorafobia.
Trata -se de uma moça de 20 anos. Estudante. Vem ao consultório
porque “estou muito deprimida, triste, com vontade de morrer... e
acho que o que acontece comigo não tem solução. Além do mais,
não posso sair à rua, tenho pânico... Não saio de casa se não for
de carro com meus pais ou acompanhada... Não posso ir a parte
alguma... Comecei a ter ideias de suicídio e nestes últimos dias
pensei em tomar alguma coisa, mas creio que não tenho coragem
de fazê-lo...”
Além do mais, tem uma enorme ansiedade, mais intensa lias pri-
meiras horas da manhã. À tarde ela está um pouco melhor.
Ritmo diário bastante típico de seus sintomas. Insônia. E, obvia-
mente, as duas notas mais graves de seu quadro clínico são: 1)
a tristeza depressiva, com todos os suplementos corresponden-
tes: apatia, falta de esperança, desespero; 2) sua agorafobia ou
fobia a espaços abertos, a sair à rua, grave na medida em que a
incapacita para levar uma vida normal.
Ao traçar-lhe a história clínica, podemos observar como nasceu a
fobia. Ela havia saído com um rapaz durante muito tempo e, no
fim das contas, por uma série de incompatibilidades, tiveram de
parar, ela sentindo muito mais do que ele. Começou a brotar nela
um medo de encontrá-lo na rua, pois ambos frequentavam os
mesmos lugares. Esse medo foi se apoderando dela e crescendo
durante dias. A isso é preciso acrescentar que ela é muito imagi-
nativa e pensava com frequência: “Se encontrá-lo, nada de ficar
bloqueada e sem saber o que dizer, direi algo. Mas, e se ele esti-
ver com outra? Q melhor será olhá-lo e não dizer nada...” E nes-
sas reflexões a fobia foi sendo forjada, ao intensificar-se esse
processo racionalizador.
O tratamento consistiu em farmacoterapia inicial e uma técnica de
conduta para vencer a fobia.
A medicação foi de três tipos: antidepressivos por via intrave-
nosa e intramuscular ao mesmo tempo, psicorrelaxantes e um
medicamento para facilitar seu sono. Poucas semanas depois,
aplicou-se uma terapia de conduta, do seguinte modo: explica-
ram-lhe previamente que em toda fobia o que se produz é um adi-
amento na aproximação do objeto que a produz e que para sua
cura seria preciso seguir o caminho inverso, ou seja, sair à rua
primeiro na companhia do médico e, mais tarde, que ela mesma o
fizesse sozinha.
Antes de começar a primeira sessão, ela recebeu sedativos em
uma dose alta, com tempo suficiente para perceber seu efeito no
momento de estar na rua. Saiu e esteve bem nos primeiros mo-
mentos, mas depois, ao ficar só, atravessar a rua e afastar-se do
médico, passou muito mal, segundo suas próprias palavras. Fez
um passeio de uns dez minutos por uma rua central e, mais
tarde, reuniu-se com o médico num lugar onde havia muitas lo-
jas, pois tinha além disso uma fobia a espaços pequenos com
muita gente.3 Com o que, numa mesma sessão inicial se ataca-
ram as duas fobias. Ela sentiu-se muito ansiosa e com verdadeiro
desejo de abandonar a tarefa proposta, mas depois se alegrou. A
terapia deu resultado nas etapas seguintes.

Classificação Das Fobias

Como dizíamos antes, é muito difícil fazer uma classificação


exaustiva delas, pois parece impossível ordenar os medos huma-
nos. Sua riqueza e variedade igualam a das possíveis realidades
onde o ser humano pode viver e se desenvolver.
Vamos fazer três classificações, com o objetivo de pôr ordem —
na medida do possível — num campo tão amplo como esse. Clas-
sificação clínica, em primeiro lugar, depois segundo os objetos ou
situações que a produzem e, por último, segundo a frequência,
neste último aspecto, veremos as que se manifestam com maior
frequência. Temos assim os Quadros 25, 26 e 27, respectiva-
mente.
Quadro 25 - CLASSIFICAÇÃO CLÍNICA DAS FOBIAS
Fobias traumáticas (ou isoladas; são produzidas após duras expe-
riências)
- Fobia de viajar de avião.
- Fobia de provas, em geral (ou a provas orais, em particular).
- Fobia de ir ao cinema.
- Fobia de viajar de trem.
Fobias hipocondríacas
- Cancerofobia.
- Sifilofobia.
- Cardiofobia.
Fobia da Aids.
Fobias habituais em muitas pessoas (fobias comuns)
- Fobia da morte (tanatofobia).
- Fobia à dor (algofobia).
- Fobia à solidão.
- Fobia de cobras, ratos, lagartos, répteis.
- Fobia ao escuro.
- Fobia da noite [nictofobia).
- Fobia de doenças (nosofobia).
Fobias estéticas
- Fobia de obesidade.
- Fobias referentes a alguma parte do rosto (dismorfofobia); na-
riz, pavilhões auriculares, papada, raiz dos cabelos etc.
- Fobia de expelir maus odores (disismofobia).
Fobias de expectativa
- Fobia de exames.
- Fobia de dar aulas.
- Fobia de falar em público.
- Fobia de ficar vermelho ao falar com outras pessoas (eritrofo-
bia).
- Fobia de rendimento sexual.
Quadro 26 - CLASSIFICAÇÃO DAS FOBIAS SEGUNDO OS
AGENTES PRODUTORES
Objetos:
- Fobia de sangue (hematofobia).
- Fobia de pó (amatofobia).
- Fobia de agulhas (aicmofobia).
- Fobia de metais (metalofobia).
- Fobia de venenos (toxofobia).
- Fobia de astros (astrofobia).
- Fobia de facas.
Lugares:
- Fobia de lugares com muita gente (antropofobia).
- Fobia de espaços abertos (agorafobia).
- Fobia de espaços fechados (claustrofobia).
- Fobia de multidões (oclofobia).
- Fobia de alturas (acrofobia).
- Fobia de mares e rios.
Doenças:
- Cancerofobia.
- Sifilofobia.
- Aids-fobia.
- Fobia de doenças em geral (nosofobia).
- Cardiofobia.
Ameaças externas:
- Fobia de calor, frio, chuva, tempestades.
- Fobia de luz forte (fotofobia).
- Fobia de pólen das plantas.
- Fobia de ladrões (harpaxofobia).
- Fobia de novidades (cainofobia).
- Fobia de ser violentada.
- Fobia de dirigir carros.
- Fobia de ser envenenado (toxofobia).
- Fobia de água [hidrofobia).
- Fobia de falar em público (glossofobia).
- Fobia de contatos [misofobia).
- Fobia de cadáveres (necrofobia).
Ameaças internas:
- Fobia de ficar louco.
- Fobia de alegria transbordante [querofobia).
- Fobia de ter ideias estranhas.
- Fobias obsessivas.
- Fobia de animais em geral (zoofobia).
- Fobia de gatos (galeofobia).
- Fobia de cães [cinofobia).
- Fobia de ratos.
Pessoas:
- Fobia de médicos (galenofobia).
- Fobia de ginecologistas [ginecofobia).
- Fobia de dentistas.
- Fobia de estrangeiros (xenofobia).
- Fobia de fiscais da Fazenda.
- Fobia da sogra.
QUADRO 27 - CLASSIFICAÇÃO DAS FOBIAS SEGUNDO
SUA FREQUÊNCIA
Na mulher:
- Fobia de ratos.
- Fobia de baratas.
- Fobia de lagartixas.
- Fobia de cobras.
- Fobia de falar em público.
- Fobia de ser violentada.
- Fobia do ato sexual (por medo de ficar grávida).
No homem:
- Fobia de baixo rendimento sexual (impotência sexual).
- Fobia de falar em público.
- Fobias traumáticas em geral.
Nas crianças:
- Fobia de solidão.
- Fobia de escuridão.
- Fobia de estar num aposento fechado.
- Fobia de ausência da mãe em casa.
- Fobias escolares (de ir ao colégio, às provas, de falar em pú-
blico). - São temores de intensidade distinta, mais que fobias no
sentido estrito.
Quadro 28 – DIFERENÇAS ENTRE MEDO E FOBIA
Medo Fobia
Temor proporcionado e com- Temor desproporcionado e irracional.
preensível.
O indivíduo se defende com A defesa habitual é a fuga, não enfren-
ações e argumentos lógicos. tar o objeto ou a situação fóbica (me-
canismo de prevenção e afastamento).
O indivíduo pode controlá-lo O indivíduo não consegue controlá-la,
de alguma forma. é superior a ele, ultrapassa-o.
Pode-se superá-lo com esfor- Para superá-la é necessário um trata-
ços pessoais, presididos pela mento psicológico (terapia de conduta).
vontade.
Muitos medos são As fobias são sempre patológicas',
fisiológicos, normais, frequen- algumas podem ser vencidas quando o
tes na vida e vão sendo venci- indivíduo não tem outra saída senão
dos com o tempo. enfrentá-las, mas para superar a
grande maioria é necessária uma es-
tratégia terapêutica.
Mas, como dizíamos antes, é impossível fazer uma lista, posto
que qualquer objeto, situação ou pessoa podem se converter em
portadores de fobias, dadas circunstâncias determinadas.
Num trabalho relativamente recente, Alonso-Fernández^ falou
das novas fobias que proliferam na sociedade contemporânea e
que, de alguma maneira, antes eram autênticas peças de museu
ou não existiam. Assim sucede com a fobia de exercer a autori-
dade numa época em que isso está cada vez mais difícil (autori-
dade, não autoritarismo, obviamente). Também a fobia de dar au-
las da parte do professor, nos casos em que existam ambientes
pouco apropriados para o ensino ou perante situações de tensão
que não conseguiu superar. Há apenas 60 anos não existiam as
fobias de viajar de avião, hoje tão frequentes.

Nossa Paciente Rocio: Um Caso Clínico Difícil

Trata-se de uma mulher de 36 anos, casada e sem filhos (não


pode tê-los, segundo lhe disseram após um exame ginecológico re-
alizado há alguns anos). E de origem andaluza, mas vive em Ma-
dri. Seu marido trabalha num banco e ela é auxiliar administra-
tiva.
Seu pai morreu de câncer de pulmão. Sua mãe está viva e teve
ao longo da vida várias fases depressivas. São em quatro irmãos.
Uma irmã também teve uma fase depressiva reativa.
Foi vista por vários psiquiatras anteriormente. Seu marido (e
ela mesma) diz que é uma “pessoa muito pouco expressiva e co-
municativa, insegura, nervosa, muito sensível, tímida, que se pre-
ocupa com tudo em excesso e tem muito medo do que dirão”.
Há três anos que seu quadro clínico começou. O que há com
ela? “Não posso sair à rua, é impossível para mim, não me sus-
tento, me dá uma coisa muito estranha e é como se eu morresse.
As pessoas me angustiam, os carros, tudo; me provocam aflição,
taquicardias, tremores, é algo terrível. Tudo começou aproximada-
mente um mês antes de me casar: notava que não tinha estabili-
dade na rua; por esse motivo me examinaram os ouvidos, me fize-
ram muitos exames e não encontraram nada. Mas eu continuava
me angustiando quando saía à rua e quando pensava que tinha
de sair me sentia mal, mas ia assim mesmo. Mas pouco a pouco
isso aumentou e fui me trancando em casa e vivendo uma vida
sem saídas; só de casa ao trabalho e vice-versa, meu marido sem-
pre me levando de carro.
“Mas não é só isso. Tampouco posso estar em locais fechados
(no elevador, no banheiro de minha casa com a porta fechada, ou
na sala de estar com a porta fechada ou no meu quarto); não con-
sigo deixar a porta fechada, tenho de deixá-la aberta para me sen-
tir bem.
“Depois, aconteceram mais duas coisas: não posso ficar num
lugar onde estejam mais de três ou quatro pessoas, é fatal, me dá
uma angústia terrível; falta-me a respiração, meu coração bate
muito depressa, fico nervosíssima e tenho de ir antes que tudo pi-
ore. E nos últimos meses outro medo tem me assaltado: todos os
dias vou trabalhar praticamente sem pisar na rua, no carro, com
meu marido e de porta a porta; pois bem, agora me sinto mal
quando o trânsito engarrafa: medo intenso de me ver rodeada de
carros num colapso circulatório.
Quando volto do trabalho, estou em casa e não faço absoluta-
mente nada: fumo, vejo televisão, leio alguma revista e mais nada,
já não gosto mais de ler livros ou, melhor dizendo, não tenho esse
hábito. Não posso ir ao cinema; nas últimas vezes em que fui, já
faz bastante tempo, tinha de me sentar na última fila e na ponta,
dando para o corredor, para que, se me sentisse mal, pudesse sair
rapidamente.
“A vida de meu marido e a minha se restringiram muito. Não
saímos com ninguém por causa de minha doença e nos isolamos
inclusive da família. Tenho uma cadela em casa que me preenche
muito e me faz companhia.”
PSICOPATOLOGIA
Encontramo-nos perante uma paciente grave, sobretudo,
tendo em conta que seu transtorno a impede de levar uma vida
saudável, normal. Trata-se de uma multifobia na qual é preciso
distinguir os seguintes pontos:
1. O mais grave é sua agorafobia. É o que mais a incapacita. O fato
de ela não poder sair à rua a converte, praticamente, numa pes-
soa inválida, que precisa ser levada e trazida no carro pelo ma-
rido, submetendo-se assim a uma hiperdependência relacionai.
2. A antropofobia é o segundo aspecto importante. Esse temor irre-
freável de estar com mais de três ou quatro pessoas condiciona
de forma extrema o tipo de vida que será levado. Do ponto de
vista descritivo, vê-se que é algo secundário com respeito ao an-
terior.
3. A claustrofobia é outra expressão clínica de que sofre essa paci-
ente, embora se apresente tanto na forma ‘pura’ quanto ‘atípica’:
vai de fobia de elevador à de ver-se em aposentos fechados de
sua casa, mas nestes, se está com a porta entreaberta, pode to-
lerar a situação.
4. Por último, está a fobia de se ver presa no caos do tráfego, que
ensombrece o quadro clínico e reduz sua capacidade de movi-
mento.
5. Encontra-se com um estado de ânimo deprimido, ainda que em
sentido estrito não tenha um transtorno depressivo maior. Ela
mesma explica que seu humor está relacionado estritamente com
ver-se assim. Não há ideias de suicídio, mas sim alternâncias de
ânimo no decorrer de um mesmo dia, ou grandes oscilações de
um dia para o outro. A insônia se manifesta na dificuldade para
conciliar o sono, embora depois consiga dormir (leva mais de
uma hora para isso). Sua personalidade foi ficando progressiva-
mente mais insegura e introvertida.
6. Sua relação conjugal se empobreceu em todos os aspectos:
pouca comunicação relativa à vida diária e outros acontecimen-
tos mais gerais. Quase não há relação sexual; ela é esporádica e
com frigidez. Mesmo assim, o marido se mostra muito colabora-
dor e com boa disposição para fazer o que for necessário ou o
_que os médicos indicarem.
7. A área profissional é a menos afetada, pois ela cumpre com seu
trabalho. É uma pessoa organizada e trabalhadora. Estão con-
tentes com seu rendimento profissional, segundo nos informa o
marido.
INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
Anamnese biográfica: com o objetivo de conhecer sua trajetória fí-
sica, psicológica, social e cultural.
Entrevista de conduta: é uma ferramenta-chave para a avaliação
da conduta. Sua importância plástica nos põe na pista dos prin-
cipais transtornos que aparecem. Em Rocio destacamos especial-
mente tanto os indicadores verbais (interpretamos sempre as
transcrições de seu discurso de modo textual) como os não-ver-
bais (aqui, os dados foram mais escassos); o intercâmbio de in-
formações confidenciais nos deu a possibilidade de penetrarmos
em sua psicologia, registrando tanto o perfil de sua personali-
dade como a extensão de sua psicopatologia; por outro lado, foi
muito útil para ir modificando as respostas entre a paciente e a
equipe médica que a tratou mediante mútuos requerimentos
(feedback). Foi, no fundo, uma entrevista de conduta orientada,
com princípios e regras que seguiram os critérios de Haynes
(1985).
Folhas de registro de avanços terapêuticos: na segunda parte do
tratamento, uma vez que se pôs a paciente em contato com o
principal temor fóbico, foi-lhe preparado um programa de con-
duta que tinha de preencher todo dia, à noite, e dar-se uma pon-
tuação de zero a dez. Nele estavam inscritas as principais con-
dutas a corrigir à margem das fobias.
Bloco de notas número 1: nele ela deveria anotar, deforma breve e
clara, seu comportamento multifóbico e suas diferentes conexões.
Quando fez a “primeira exposição direta à rua”, com a equipe
médica, desenhamos para ela um esquema para que fosse ven-
cendo as fobias restantes, com um “sistema de prêmios” (recom-
pensa) que deu muito bom resultado.
Bloco de notas número 2: o marido deveria anotar diariamente al-
gumas observações sobre os avanços, retrocessos e detenções,
em relação com as principais condutas patológicas registradas.
Rastreamento psicológico: escrito pela própria paciente; pode ser
sintetizado nas seguintes divisões: 1) auto- retrato psicológico; 2)
principais divertimentos e hobbies; 3) traumas biográficos que
para ela foram especialmente importantes; 4) aquilo que destaca-
ria e somaria a seu perfil de personalidade: expressando-o em
termos empíricos, concretos, utilizando uma linguagem precisa e
sem rodeios (explicando previamente como fazer para evitar ex-
pressões vagas e difusas); 5) o que faz num dia normal, padrão,
assim como suas atividades durante o fim de semana. Essas in-
formações são pedidas na terceira entrevista, assim que se te-
nha produzido a abordagem à realidade conflitante. Também
aqui exigimos a colaboração do marido para enriquecer e equili-
brar as informações solicitadas.
Indagação funcional do problema clínico: ou seja, esquema de ex-
ploração com vistas a uma planificação do tratamento. Devemos
distinguir aqui dois momentos: 1) definição da conduta proble-
mática; 2) exploração dos determinantes da referida conduta. No
primeiro caso: natureza, gravidade, intensidade, frequência, du-
ração e generalização. No segundo caso: diante de quais fatos se
intensifica essa conduta-problema, quando se alivia ou se reduz,
influências ambientais e subjetivas, mudanças sugeridas etc.
RELAÇÃO DAS ÁREAS DO PROBLEMA
A. Área fóbica: com as quatro formas apontadas: agorafobia (a
mais grave e incapacitante), claustrofobia, antropofobia e fobia
do tráfego. Essa descrição topográfica sugere o tipo de trata-
mento condutista.
B. Transtorno depressivo menor com ansiedade: foram aplicados
três psicofármacos diferentes. Antidepressivos em doses baixas
(viloxacina, duas doses de vinte e cinco mg.), um ansiolítico forte
(lorazepan, cinco mg., três vezes ao dia) e um medicamento para
dormir (flunitrazepam, um mg., uns vinte minutos antes de se
deitar).
C. Personalidade: na segunda parte do tratamento, iniciou-se uma
terapia empírica, de acordo com as diretrizes dos chamados
behavior programs (programas de conduta), motivando a paci-
ente para que seguisse as observações neles sugeridas.
D. Relação conjugal: essa área foi a última a ser abordada, devido
à gravidade da psicopatologia anteriormente exposta. Não obs-
tante, mantivemos entrevistas periódicas com o marido, expli-
cando-lhe o quadro clínico, o enfoque terapêutico e a possível
evolução que prevíamos.
E. Plano de trabalho', seguiu o mesmo curso que tinha quando a
paciente veio pela primeira vez ao consultório. Nós o utilizamos
como uma forma de laborterapia, tendo em conta que era a ver-
tente menos prejudicada.
F. Respostas fisiológicas: suores, taquicardia, dispneia respirató-
ria, sensação de falta de ar, vertigem, tremores.
G. Respostas intelectivas: sensação de perigo iminente mal defi-
nido, em muitas ocasiões etéreo e difuso, embora em outras aflo-
rasse com maior clareza e consistência. Experiência de antecipa-
ção do pior (desmaio, morte). Ideias alarmantes de ver-se trans-
bordada por suas próprias reações fisiológicas. Temores
flutuantes. Preocupação com a opinião dos outros e medo anteci-
pado de se expor ao ridículo.
H. Respostas motoras: reações de fuga diante de qualquer situa-
ção mais ou menos ansiogênica. Muitas respostas de prevenção,
recorrendo constantemente ao marido para enfrentar qualquer si-
tuação de temor.
I. Respostas conjuntas de tipo fisiológico-cognitivo-motor: marcada
diminuição dos movimentos e do tônus vital. Atender e realizar o
menor número de tarefas possível. Animo expectante. Tristeza
mais psicogênica que depressiva propriamente dita. Preocupação
com seus sintomas. Antecipação de que possam aumentar e ex-
pandir. Prevenção progressiva de qualquer tipo de esforços.
Perda de divertimentos, interesses, motivações, gostos. Anedonia
acentuada.
TERAPIA DE CONDUTA: EXPOSIÇÃO DIRETA
Os antigos tratamentos psicológicos da fobia exploravam com
minúcias a biografia do paciente, buscando significados ocultos
que tornavam compreensível seu porquê. Hoje, o enfoque é muito
mais prático. É preciso estudar os detalhes e pormenores da fo-
bia, assim como os diferentes temores e suas intensidades, os
quais se relacionam a esse transtorno. O objetivo não é outro se-
não planificar a abordagem terapêutica e ajudar o paciente a se
aproximar desse medo terrível de forma gradual, de maneira que
vá aprendendo a tolerar a ansiedade da proximidade do que pro-
duz a fobia. Esse é o princípio da exposição ou a síntese da tera-
pia.
A primeira sessão durou aproximadamente uma hora. A paci-
ente foi recebida pela equipe de tratamento (dois psiquiatras e o
psicólogo) e foi-lhe explicado que naquele dia começaria a ir à rua
com a equipe para que ela fosse superando esse medo intenso de
andar sozinha. Foram-lhe administrados cinco mg. de lorazepan,
um dos ansiolíticos mais fortes que existem, cinco vezes mais que
os sedativos habituais. A entrevista continuou explicando-lhe que
aquele era um dia importante para ela, pois de algum modo se
iniciava sua cura. A paciente insistiu uma vez ou outra em que
estava assustada e preferia deixar isso para outro dia. Enquanto
descia à rua, essas manifestações foram ficando mais fortes:
“Doutor, estou passando mal, acho que vou desmaiar, estou tre-
mendo como gelatina. Não posso, não me levem a uma situação
tão terrível”. Chegamos à beira da calçada e nesse momento to-
mamos seu pulso. Esse exame foi feito quando ela começou a
atravessar a rua e quando chegou do outro lado; como a atraves-
sou três vezes, foram seis as tomadas de pulso.

A segunda sessão foi muito melhor, como vemos no Quadro


29; o ritmo cardíaco subiu a 125 batidas por minuto para ir des-
cendo, rapidamente, até chegar a um patamar de 80 aproximada-
mente aos 15 minutos. E preciso assinalar que se iniciou o trata-
mento pela fobia mais incapacitante, a agorafobia. E, para conti-
nuar, entramos na fobia de ir a um lugar onde havia muita gente,
antropofobia. Fizemos com que ela fosse primeiro às proximidades
de uns grandes supermercados; mais tarde, chegou até a porta e
entrou e saiu rapidamente; depois, entrou e, como prêmio (estí-
mulo positivo), comprou para si mesma um pequeno presente. O
resultado foi progressivamente melhor e, ao final de algumas se-
manas, pôde assistir ao casamento de um parente. Esses progres-
sos foram anotados num dos blocos de notas de tratamento. As-
sim, ao chegar ao consultório, poríamos seguir mais de perto sua
evolução diária.
Uma vez superadas a agorafobia e a antropofobia, cuidamos
da fobia de espaços fechados {claustrofobia). A paciente, depois da
primeira sessão, fez o que lhe havia sido sugerido: cada dia um
pequeno esforço. “Hoje estive alguns minutos na sala de estar
com a porta fechada; depois, fiz a mesma coisa no banheiro e
comprovei que nada aconteceu. Mais tarde, tomei o elevador, mas
só do primeiro ao segundo andar; então desci e subi o resto pelas
escadas. E assim sucessivamente.” Dessa maneira essas fobias
foram sendo superadas e também, nesses intervalos, a de ficar
presa num engarrafamento.
Semanas depois tinha início um programa para assegurar sua
personalidade, baseado em suas próprias informações e nas for-
necidas por seu marido e sua mãe.
Eis aqui um caso de cura, numa paciente grave e difícil, gra-
ças ao que hoje se chama de Condutismo.

O Que São As Obsessões?

Não vamos nos referir aqui ao que se entende por obsessão na


linguagem corrente, já que isso, em regra, é algo normal e corres-
ponde às preocupações mais importantes que num momento de-
terminado da vida estão em primeiro plano. Dizemos: “Estou ob-
cecado com a prova que tenho daqui a alguns dias, pois não sei o
que farei”. Isso significa que o foco de interesse nesse momento
está centrado ali, mas é completamente lógico, posto que nessa
prova a pessoa arrisca muito. Poderíamos mostrar muitos exem-
plos nesse sentido.
Vamos nos referir às obsessões patológicas, as que enredam,
fazem sofrer extraordinariamente e carecem de lógica. Entramos
assim cm sua definição: são ideias absurdas, falsas, ilógicas, que
podem aparecer também como pensamentos, imagens ou
impulsos persistentes que o indivíduo reconhece como carentes
de sentido, e contra as quais luta vez por outra, mas não pode do-
miná-las. O indivíduo trata de rechaçá-las, mas elas superam
suas forças e o invadem pouco a pouco. Daí que também se lhes
tenha dado o nome de pensamento-prisão ou pensamento tirâ-
nico, por seu caráter de reclusão; o indivíduo se vê forçado e ca-
tivo, encerrado nessas malhas de ideias e imagens que chegam a
instalar-se fanaticamente, de modo despótico, ditatorial, absolu-
tista, escravizando-o e governando sua cabeça.7
Surge assim outro conceito muito relacionado com o de obses-
são-, a compulsão, que consiste em condutas repetitivas, insis-
tentes, que se sucedem com obstinação e não têm nenhum fim ou
objetivo em si mesmas, a não ser que se realizam para produzir
ou evitar algo futuro. Aqui também o paciente reconhece sua falta
de sentido lógico, mas tem de fazê-lo, vê- se forçado a isso.
Compreenderemos melhor em que isso consiste exempli- fi-
cando-o com dois casos clínicos. Primeiro, nosso paciente José:
José tem 23 anos e é de La Mancha, mas há anos vive em Madri.
Veio ao consultório pela primeira vez com seus pais e uma irmã:
“Meu problema são as fobias e obsessões [ele próprio utilizou
essa linguagem]. Tudo começou com um incêndio provocado em
minha casa e, por isso, comecei a ter um medo enorme de me
contaminar. Tenho de estar o dia todo lavando as mãos, umas
50 vezes ao dia! Foi meu avô quem ateou fogo à casa, a meu
quarto, mais especificamente, e estivemos a ponto de morrer os 5
[seu avô sofre de uma demência senil]. Agora não quero ver nin-
guém; além do mais, tenho pânico de tudo: do metrô, do ônibus,
não quero dar a mão a ninguém, nem que meu corpo toque as
portas ou as paredes do corredor de casa, acho que algo pode
acontecer comigo”.
Seu avô saiu de casa, em vista de tudo o que aconteceu. Mesmo
assim, uma nova obsessão teve início: “Fico pensando o dia in-
teiro que meu avô vai voltar para casa, é uma ideia que tomou
conta de mim”.
Pedimos que nos fizesse um resumo de suas obsessões, quais
eram e com que frequência se manifestavam, com o fim de saber
exatamente como se desenvolviam ao longo do dia e da semana e
poder tratá-las.
QUADRO-RESUMO DO PACIENTE
Ideias e imaginações obsessivas
“Fico pensando constantemente que vai acontecer um incêndio em
casa; sei que é bobagem, mas não consigo deixar de pensar
isso.”/ “Acho que meu avô vai voltar para casa: isso é um pouco
menos frequente e intenso.” / “Além disso, fico pensando que to-
quei em alguma coisa de casa e que me contaminei: isso é quase
constante e me atormenta muito, até o ponto em que tenho de ter
cuidado com tudo o que pego.”
Compulsões obsessivas (ou rituais)
“Lavo as mãos umas 50 vezes por dia: quando as estou lavando
me tranquilizo, é como se se aplacasse isso que ferve dentro de
mim; termino e seco as mãos, mas logo em seguida penso: “Essa
toalha não está inteiramente limpa, e quem me dirá que não está
um pouco suja”, e então volto a lavá-las, mas o sabonete tam-
pouco me deixa tranquilo, pois talvez esteja sujo, ainda que eu
mesmo o tenha retirado da embalagem... mas... e assim vou e
venho muitas vezes, ponho-me a chorar vendo que não consigo
terminar, isso é o pior de tudo.”
“Faço um movimento lateral dos braços mais ou menos umas dez
vezes ao dia: isso me tranquiliza.” / “Há dias, ando pelo corredor
de casa meio de lado, para não encostar nas paredes nem nas
portas.” / “Preciso usar a banheira em vez do lavabo ou do chu-
veiro, meti na cabeça que isso é melhor. Sei que isso não tem
base, mas é assim.” / “Tenho uma poltrona só para mim, na
qual ninguém pode sentar-se; às vezes, mudo-me para um sofá e
então não quero mais que o utilizem em casa, quero que seja
para mim.”
Fobias
“Tenho pânico de me contaminar com as coisas de casa e da rua.”
/ “Ao senhor, doutor, não posso dar a mão; tenho medo de que
possa me transmitir algo.” / “Não posso ir à rua sozinho, é terrí-
vel.”
Outras incapacidades
“Não consigo ser mais carinhoso com minha família.” / “Não con-
sigo ler, coisa que sempre gostei de fazer; não me concentro, es-
tou com os cinco sentidos em mim mesmo.” / “Não consigo ir a
uma biblioteca nem ao cinema.”
Tipo de vida
— “Praticamente vivo como um vegetal. Estou me preparando para
as provas e creio que tenho possibilidades de ser aprovado, mas
assim não posso continuar [tem um quociente de inteligencia mé-
dio-alto].”
— “Em dois meses, sai duas vezes à rua.”
— “A leitura era minha principal distração.”
— “Custa-me muitíssimo dormir à noite. Há vezes em que durmo
de madrugada e acordo ao meio-dia.”
— “Não quero ver ninguém.”
— “Não quero que ninguém me toque. Deixei de lado meus ami-
gos.”
— “Fico deprimido e, há dias, agressivo em minha casa, porque
não me compreendem e me dizem constantemente que não faça
essas coisas. Não consigo impedi-lo.”
Autorretrato psicológico
“Sou realista, ainda que agora esteja dominado por esses transtor-
nos e tenha mudado muito; estou bem mais pessimista. Antes,
tinha muitas inquietudes intelectuais: ir ao cinema, ler, estar com
meus amigos, trocar opiniões; sou muito sensível e tudo me
afeta; muito responsável, talvez demasiado.”
Estamos diante de um caso grave, complexo e de prognóstico
incerto, já que não sabemos, de saída, como ele responderá ao
tratamento que lhe vamos aplicar. Pedimos uma última coisa: que
nos classifique as obsessões diárias de mais a menos intensas e,
além disso, que nos relacione as obsessões que se produzem em
dias mais ou menos alternados. O resultado foi o seguinte:
1. “Não ter nenhum tipo de contato físico com os membros de mi-
nha família.”
2. “Não ter contato físico com as coisas de casa: móveis, paredes,
portas, objetos etc.”
3. “Tenho de lavar as mãos constantemente depois de tocar algo,
mesmo que apenas por um instante.”
4. “Tenho de lavar os braços umas cinco a dez vezes ao dia.”
5. “Não posso comer pão de padaria.”
6. “Não sou capaz de tocar nenhuma porta de casa; empurro-as
com o joelho ou com os braços.”
7. “Não posso responder às chamadas telefônicas: não quero falar
com ninguém e tenho medo de que possam me contaminar com o
telefone.”
8. “Não quero ver ninguém: nem familiares nem amigos.”
9. “Não posso ler jornais nem livros, porque o contato com as pági-
nas parece que vai me contaminar.”
10. “A da poltrona, que antes comentei: tenho de ter uma só para
mim em casa... e um sofá.”
11. “Não posso tocar em dinheiro e, agora que estou pior, nem vê-
lo.”
12. “Não sou capaz de ligar o rádio nem a televisão.”
13. “Não posso ligar os interruptores de luz.”
14. “Se compro material de papelaria, uma esferográfica, por exem-
plo, ao chegar em casa a primeira coisa que faço é desinfetá-la.”
15. “Ao voltar da rua, tomo imediatamente um banho.”
“Haveria mais algumas, mas creio que aí estão as mais importan-
tes, por ordem.”
Obsessões alternantes (por ordem de importância para ele)
1. “Que o avô volte para casa.”
2. “Que aconteça um incêndio em casa.”
3. “Não sou capaz de sair à rua.”
4. “No último verão, não podia ver as janelas abertas, por medo de
que entrassem moscas.”
5. “Não sou capaz de utilizar veículos públicos: ônibus ou metrô.”
6. “Acho que nunca encontrarei trabalho.”
7. “Penso que não me vou curar disso.”
8. “Agora me dão muito medo as pastilhas que vocês me deram:
acho que podem me matar.”
9. “As vezes penso que posso pegar Aids...”
10. “Não posso ver um gato preto nem em pinturas.”
11. “Não gosto da cor preta. Meu avô sempre se vestia de preto.
Nem os números seis, sete e oito, não sei por quê, mas não os
suporto.”
12. “Há dias, estou obcecado por não poder colaborar nas tarefas
normais de casa.”
13. “Também me preocupa muito, e cheguei a questionar-me seria-
mente sobre a existência de Deus, o modelo de vida que Ele pen-
sou para nós.”
Com este paciente foram realizados vários testes de personali-
dade, inteligência e afetividade; também exames clínicos comple-
mentares: eletroencefalograma (que foi normal) e exames de san-
gue e urina (que não acusaram nenhum tipo de anomalia). Depois
comentarei o tratamento.
Essa história clínica nos servirá de elemento substancial para
analisar as principais características das obsessões:
1. As obsessões são fenômenos que o indivíduo reconhece, ou seja,
que vive com clareza. Por isso seu relato é claro, concreto, preci-
sando os pormenores de seu transtorno.
2. São involuntários-, tanto as ideias como os pensamentos, as
imagens, os impulsos ou as condutas repetitivas {compulsões).
Não dependem da vontade.
3. O centro da afetação repousa no pensamento. Daí esse “não po-
der terminar as coisas” (o ritual de lavar as mãos tantas vezes,
por exemplo); “Minha cabeça não para um momento, está sempre
funcionando”. Fica também seriamente comprometida a esfera
da afetividade, pois todo obsessivo acaba por ter uma depres-
são. Às vezes, esta se observa desde o início.
4. A personalidade considera as obsessões como estranhas a si
mesma. Brotam do indivíduo, mas em nenhum momento chega a
identificar-se com elas; pelo contrário, luta contra elas, as com-
bate, trata de freá-las pela falta de razão e de lógica que apre-
sentam.
5. Existem tradicionalmente duas modalidades de obsessões:
a) a chamada neurose obsessiva, com um prognóstico relativa-
mente bom e um bom número delas são curadas ou melhoram
ostensivamente com um tratamento correto;
b) outras mais graves, que tendem a se tornar crônicas: são as
que constituem a síndrome obsessiva. Tendem a se expandir. Há
uma sucessão lenta e amarga ao ver-se o indivíduo inundado de
coisas estranhas, ideias persistentes, frases, palavras, lembran-
ças etc. Essa segunda forma pode chegar a ser tão grave e inca-
pacitante que seja necessário chegar à cirurgia cerebral para
combatê-la.
6. Com grande frequência se associam os dois fenômenos citados
no início desse item, constituindo o que hoje se denomina trans-
torno obsessivo-compulsivo, o qual está formado por dois elemen-
tos: a) de um lado as obsessões, que circulam em nível mental
na forma de pensamentos, imagens, lembranças e frases que
vão ganhando terreno na cabeça desse indivíduo; b) de outro, as
compulsões, que aparecem de vez em quando como uma espécie
de fome de ações ou rio de impulsos: levantar-se à noite e com-
provar se a porta da casa está fechada, se as luzes estão apaga-
das ou o registro de gás fechado, e isso várias vezes, pois se
trata em geral de comprovar repetidamente, sem lógica. Assim
que vê a porta fechada, o indivíduo volta para a cama, mas é as-
saltado pela dúvida: “Estava mesmo trancada ou eu apenas tive
essa impressão?” E volta a se levantar para conferi-lo, e assim
sucessivamente.
Aparecem assim os rituais obsessivos, ou seja, liturgias ou ce-
rimoniais mediante os quais o indivíduo se defende de seus pen-
samentos. Trata-se de uma série interminável de ordenações, mo-
vimentos ou verificações que ele faz como se fosse um minucioso
regulamento que se tem de levar a cabo com toda a exatidão. Às
vezes se mistura o cerimonioso com o grotesco: ao ir deitar-se, or-
denar tudo de uma determinada maneira e não de outra; ao se le-
vantar pela manhã, fazer algo concreto ou tocar isto ou aquilo; ao
andar pela rua, não pisar nas junções do piso: caminha olhando
para o chão atento a elas, pois se as pisar, teme que algo lhe
possa acontecer, a ele ou à sua família; lavar constantemente as
mãos por medo de se contaminar; ter de se lavar ou tomar banho
seguindo uma ordem estrita, sem poder saltá-la ou inverter sua
sequência. Tudo é ilógico, sem base real, mas terrível, dramático,
kafkiano. Sofrimento tremendo nessa agonia de regras que o im-
pedem de viver com normalidade, como um homem saudável, tor-
nando-se escravo dessa luta de ações que nunca chegam a li-
bertá-lo.
7. O médico francês Pierre Janet descreveu como na grande maio-
ria das obsessões existe um fundo psicastênico, que consiste
num declínio da tensão psicológica manifestado por uma impos-
sibilidade de terminar as coisas, um não poder concluir as ações
ou os pensamentos. Isso dá lugar a uma constante reiteração: é
preciso repetir tudo, com insistência, obstinação, teimosia; como
no mito do eterno retorno, é um ir e vir constante, frequente, su-
cessivo, periódico, recorrente.
As principais características desse fundo são as seguintes:
grande insegurança, tendência constante à dúvida, ânimo depri-
mido ou melancólico, tendência ao cansaço (astenia) e à falta de
vontade (abulia), timidez ou retração psicológica que torna difícil o
contato social, acentuada introversão, mal funcionamento da se-
xualidade (impotência, frigidez etc.) etc.
Já vimos as principais chaves que definem o que são as obses-
sões e as compulsões. Não existem muitas enfermidades em que o
ser humano possa sofrer tanto como nestas. Daí sua gravidade.
Como vimos no caso de nosso paciente Claudio, os sintomas
chegam a incapacitar uma pessoa de levar uma vida mediana-
mente saudável. Naquele caso se desenhou um esquema de trata-
mento tridimensional, biológico (medicação: antidepressivos, neu-
rolépticos e fármacos corretores dos efeitos secundários), psicoló-
gico (tratamento condutista e vários programas de conduta) e so-
cioterapia (ampliação de seu círculo de relações, esportes e novos
interesses etc.)
Na grande maioria dos casos, existem antecedentes pessoais
e/ou familiares: o mesmo indivíduo desde pequeno ou adoles-
cente teve escrúpulos de consciência ou pequenas obsessões que
então passaram inadvertidas e agora manifestam o valor clínico.
Em outras ocasiões, trata-se de algum parente que teve coisas pa-
recidas e de quem ele as herdou.
QUADRO 30 - CLASSIFICAÇÃO DAS OBSESSÕES
1. Segundo o começo:
- agudas
- subagudas
- crônicas
- primárias (não devidas a nada concreto)
- secundárias (existe uma doença anterior)
- infantis
- juvenis
- do adulto
- da terceira idade
2. Segundo a forma:
- transtornos obsessivo-compulsivos
- transtornos obsessivo-fóbicos
- transtornos obsessivos puros
- obsessões especulativas
- escrúpulos
- lembranças obsessivas
3. Segundo o conteúdo:
- pureza corporal
- ordem e simetria
- religioso
- filosófico
- moral
- perigos interiores e exteriores
- atividades comprobatórias
- temporalidade (passado, presente e/ou futuro)
- ritmo do tempo (lento, paralisado, rápido)
4. Segundo o tipo de doença:
- fenómenos obsessivos normais
- obsessões juvenis (crise da puberdade)
- neurose obsessiva
- doença obsessiva (é a mais grave)
- obsessões secundárias - a doenças neurológicas; a doenças
psiquiátricas; a doenças gerais
- personalidade obsessiva
5. Segundo o número de obsessões:
- simples
- complexas
- múltiplas
6. Compulsões mais frequentes:
- lavar as mãos
- ter de contar tudo
- tocar, não tocar algo ou alguém
- verificar luzes, chaves, portas etc.
- lavar outras partes do corpo
- ter de olhar ou não olhar algo
7. Segundo os itens das manifestações obsessivas
- pensamento obsessivo (ideias, imagens, lembranças, não poder
deixar de olhar para... etc.)
- compulsões (atividades desenfreadas)
- rituais e cerimônias
- fundo psicastênico

Tipos De Obsessões

Acabamos de ver as principais características das obsessões:


seu caráter lógico, estranho, raro, o serem vividas de forma para-
sitária, como algo que se instala na cabeça e que sempre será pre-
sidido por notas negativas, degradantes, que não trazem nada de
criativo ao indivíduo que as sofre. Todas as obsessões estão envol-
tas numa atmosfera de ansiedade, devido a constante repetição
de certas condutas. Daí derivam uma permanente luta para
contê-las, combatê-las, ainda que sem êxito.
Na hora de classificá-las podemos estabelecer os seguintes
pontos, segundo vemos no Quadro 30 e nas páginas seguintes.
Vamos repassar rapidamente a classificação exposta.
1. Segundo o começo, é habitual que já na adolescência e pri-
meira juventude aflorem alguns escrúpulos morais que, mais
tarde, com o passar dos anos, se transformam em verdadeiras ob-
sessões. O mais frequente costuma ser que se iniciem de modo
subagudo ou crônico, ou seja, lentamente, pouco a pouco, de ma-
neira sucessiva. Não são frequentes aquelas que só se observam
na terceira idade; nesse caso costumam dever-se a transtornos
vasculares cerebrais (arteriosclerose, demência senil etc.) ou a do-
enças neurológicas graves.
2. Segundo í forma, é preciso assinalar os seguintes: os trans-
tornos obsessivo-compulsivos, que trazem implícita uma sede de
atividades que são ao mesmo tempo queridas e rejeitadas. A nota
dominante está no temor que produz a compulsão e a luta ab-
surda contra essa obsessão.
Os transtornos obsessivo-fóbicos associam essas duas áreas:
o temor irresistível, de um lado, e esse ‘dominar sem motivo’ que
está assentado sobre o cenário mental. Um exemplo desse tipo de
transtornos é a nosofobia, definida como um temor desproporcio-
nado e atroz de sofrer alguma doença. Trata-se de uma obsessão
que não desaparece da cabeça do indivíduo. Os transtornos ob-
sessivos puros não são produzidos nem como consequência de
compulsões nem de fobias. São de três classes:
a) Os escrúpulos, que são dúvidas e temores a respeito da
ética e moral dos atos. Existem alguns escrúpulos normais e que
surgem na adolescência, mas uma vez esclarecido o tema, o indi-
víduo volta à tranquilidade. Em troca, nos escrúpulos patológicos,
depois de uma explicação clara do que lhes está acontecendo, es-
sas pessoas não ficam tranquilas e voltam vez por outra a suas
dúvidas, inquietudes e matizes. A dúvida é um tormento tão
grande ou maior que a ansiedade propriamente dita. Os temas re-
ligiosos podem estar no primeiro plano e os escrúpulos em se-
gundo, estabelecendo-se entre eles uma estreita relação; não é o
moralista que deve intervir primordialmente, mas o psiquiatra.
b) As lembranças obsessivas, que são representações de acon-
tecimentos passados que não podem ser esquecidos.
c) As obsessões especulativas se mostram através de pergun-
tas imperiosas que pedem uma resposta imediata e que são segui-
das de outras interrogações, a maioria das vezes insólitas e absur-
das: “E se os pássaros mamassem?”, “Quantas ilhas haverá nos
cinco continentes?”
3. Segundo o conteúdo, podemos distinguir os seguintes tipos:
a) As referentes à pureza corporal, limpeza, temor obsessivo de
se contaminar, temor de contrair uma infecção. Muitas delas po-
dem ser classificadas como temores fóbico-obsessivos. São associ-
adas a rituais muito típicos e habituais (lavar muitas vezes as
mãos, vestir luvas, evitar apertar a mão de qualquer pessoa sem
mais nem menos...). São muito frequentes.
b) As que tratam de ordem e simetria: baseiam-se numa
grande tendência ao perfeccionismo e à minuciosidade em tudo
(tão próprios da personalidade objetiva). O indivíduo dedica
grande parte do tempo a procurar essa ordem: seu quarto deve
estar arrumado de um modo concreto, a roupa posta dessa ma-
neira, os livros daquela outra, a vida programada nos mínimos
detalhes, comprovando isso, aquilo ou aquilo outro. Personalidade
centrada numa ordem doentia, com uma grande tendência a clas-
sificar, colocar, situar, arranjar... Aqui podemos incluir uma
grande quantidade de fenômenos: desde contar placas de auto-
móveis até verificar as cores destes, passando pela obsessão de
recordar números de telefone, cifras, dados etc.
c) Em pessoas com uma moral estreita e uma personalidade
obsessiva abundam as obsessões religiosas. E muito caracterís-
tica a imagem do sujeito que vai se confessar e volta outras vezes
para contar melhor o que dissera ao sacerdote, matizando os por-
menores de forma detalhada e minuciosa. Sobre ele pairam os
sentimentos de culpa e/ou condenação, com escrupulosidade mi-
limétrica. Os pensamentos contra Deus ou os santos atormentam
sua cabeça.
As obsessões filosóficas acontecem sobretudo em pessoas
muito introvertidas, muito aficionadas a se aprofundar nos temas
do homem, entrando em interrogações e divagações sem fim. Ca-
vilações filosóficas obsessivas intermináveis que atormentam e
que, diferentemente das que se produzem no homem saudável,
não conduzem a nenhuma luz nem trazem consigo nenhum tipo
de paz ou serenidade.
d) Os temas morais se entremeiam muitas vezes com os religi-
osos. A obsessão de haver tido maus pensamentos e o entrar
numa autoanálise sobre a diferença entre ‘haver sentido’ e ‘haver
consentido’ acabam por deixá-lo num estado psicológico de pros-
tração: derrotado e perplexo, cheio de dúvidas.
e) E, quanto aos temas de perigos interiores e exteriores, o in-
ventário pode ser interminável. Costumam ser maus presságios
infundados, mas persistentes, que devem ser conjurados dos mo-
dos mais diversos e extravagantes: são fórmulas mágicas. Um pa-
ciente meu ao sair de casa tinha de levar no bolso uma esferográ-
fica, uma garrafinha de água (para beber em caso de necessidade)
e uma agenda velha. Se não o fizesse, passava mal na rua, com
uma grande ansiedade, e acreditava que podia lhe acontece algo.
Tinha de voltar para pegar tudo.
Aqui também podemos incluir as fobias que envolvem temores
de perder o controle e ferir, machucar ou matar os entes mais
queridos e as pessoas mais próximas na vida diária. Chamamos a
isso, também, obsessão- impulsão de atos criminais, que vai
desde atentados morais, incêndios (piromania) a impulsos homici-
das ou suicidas. E como uma torrente de ações criminais deseja-
das e temidas ao mesmo tempo. Algo simultaneamente estranho e
complexo.
As atividades comprobatórias mais observadas são verificar se
as portas estão fechadas à noite, o registro do gás, a televisão, as
luzes, se as coisas ou pessoas estão num lugar e não em outro
etc. Essas ações podem ser efetuadas umas dez, quinze ou vinte
vezes, dependendo da gravidade da doença. Tudo é estéril, ab-
surdo e sem sentido, mas não pode ser deixado de lado, pois do
contrário aflora uma grande ansiedade que inunda o indivíduo de
intranquilidade e desassossego.
Noutras ocasiões o paciente fica obcecado com seu passado e
pode fazê-lo com alguma ação concreta, recordando-o vez por ou-
tra, repassando mentalmente o que aconteceu, os personagens
que estiveram presentes, as palavras etc. As vezes se envolvem
com sentimentos de culpa, reprovando-se isto ou aquilo, sempre
sem base, sem fundamento, sem uma mínima lógica coerente.
Noutras, é o presente ou o futuro, sozinhos ou ligados a fatos, ex-
periencias ou questões que estão por vir.
Quando falamos do ritmo do tempo nos referimos à velocidade
que ele tem para o sujeito, o curso subjetivo que impõem os acon-
tecimentos que se vivem. Também o curso objetivo: é preciso me-
dir o tempo levado para ir de um lado a outro, o quanto dura esta
viagem, este filme ou aquele programa de televisão.
4. Segundo o tipo de doença onde são produzidos, devemos
distinguir as seguintes divisões (expostas no Quadro 30). De um
lado, os fenómenos obsessivos normais: durante alguns dias
mantém-se na cabeça uma canção, uma frase. Isso pode aconte-
cer em momentos de cansaço, de estafa, de tensão emocional, ou
simplesmente, trata-se de algo que seja qual for o motivo calou
mais fundo e permanece na mente durante certo tempo. Sem
mais importância. São normais, fisiológicas, não têm nenhuma
relevância clínica.
As obsessões juvenis podem ser também normais, sem maior
valor, ou então sinais do que será no futuro uma neurose obses-
siva (menos grave e com melhor prognóstico) ou uma doença ob-
sessiva (mais grave e que, em ocasiões, só tem saída com a psico-
cirurgia). Já mencionamos a diferença clínica entre essas duas
entidades patológicas.
As obsessões secundarias são aquelas que se devem a outras
doenças e por isso aparecem secundariamente. As mais frequen-
tes são as que ocorrem em algumas doenças neurológicas (como
ocorre com as doenças de Gilles de la Tourette, onde há uma in-
vasão de tiques que podem ser associados a certas obsessões, cer-
tas encefalites e alguns tipos de epilepsia), outras doenças psiqui-
átricas (como os transtornos depressivos, as esquizofrenias ou os
transtornos da personalidade, embora aqui sua frequência e in-
tensidade tenham menos importância e costumem ser um soma-
tório de segunda ordem dentro desse quadro clínico) e algumas
doenças gerais (desde gripes complicadas, nas quais emergem ob-
sessões de pouca envergadura, que desaparecem espontanea-
mente em poucos dias, até as que se podem registrar em infec-
ções, doenças degenerativas ou vasculares, como a arteriosclerose
ou a demência senil).
Já nos referimos antes à personalidade obsessiva. Vamos re-
sumi-la agora no seguinte perfil psicológico: pessoas ordenadas,
meticulosas, introvertidas, com pouca capacidade para as rela-
ções sociais, muito analíticas, lentas e parcimoniosas na execução
de todos os seus atos, com preocupações permanentes por coisas
e temas triviais e sem importância; pessoas reiterativas a quem
custa muito terminar algo, pois sempre pensam que está inaca-
bado, incompleto, imperfeito; são perfeccionistas e se perdem nos
matizes, por isso são indivíduos pouco práticos; muito zelosos,
embora sejam incapazes de distinguir em seus afazeres diários o
acessório do fundamental (devido à sua doença). Têm uma afetivi-
dade hipercontrolada e vivem em estados de ânimo que oscilam
da ansiedade à tristeza. Somam-se a isso os seguintes pontos: são
conscienciosos, receosos, terrivelmente observadores, com uma
necessidade comprobatória de muitos aspectos de sua vida. A ri-
gidez costuma ser muito marcada. Também a tendência a obser-
var seu próprio rendimento intelectual e profissional. No Quadro
31, esses traços estão sistematizados.
QUADRO 31 - PERSONALIDADE OBSESSIVA
(Características)
Muito ordenadas.
Introvertidas.
Meticulosas em grau extremo.
Tendência a analisar tudo em detalhes.
Rigidez muito acentuada.
Dificuldade em estabelecer relações sociais.
Tendência a ruminar (encher demais a cabeça por qualquer coisa).
Preocupação excessiva com tudo.
Dificuldade de terminar as coisas.
Grande perfeccionismo.
Muito cumpridores de seu trabalho (embora, por causa de sua do-
ença, custe-lhes distinguir o acessório do fundamental).
Pouco práticos na vida.
Afetividade bloqueada.
Necessidade de comprovar muitas coisas.
Tendência a observar o próprio rendimento profissional e intelec-
tual.
Conduta em geral inibida.
Tendência a fazer atribuições generalizadoras.
Grande intolerância para com a menor incerteza.
Temor enorme de descontrole emocional.
Hipersensibilidade psicológica (tudo os afeta em excesso).
5. Segundo o número de obsessões, encontramo-nos com
aquelas que são únicas (simples).
Pode se tratar de uma frase, uma palavra, um número, a
placa de um carro ou algo similar. Existem outras mais comple-
xas, próprias das neuroses obsessivas. Nos casos mais graves (so-
bretudo na doença obsessiva), produzem-se as múltiplas. Então, é
conveniente fazer uma lista de todas, com o fim de ordená-las e
ver se é possível fazer um tratamento condutista. Sistematizam-
se por ordem cronológica, se forem diárias, alternantes ou de tem-
pos em tempos, matizando sempre a intensidade, frequência e
duração.
6. As compulsões mais frequentes foram expostas no Quadro
30: necessidade imperiosa e irresistível de fazer algo absurdo e
ilógico, mas que força o sujeito a realizá-lo. Se não o fizer,
apodera-se dele uma ansiedade enorme com muitas manifesta-
ções físicas: taquicardia, grande sudorese, tremores etc. As mais
frequentes na clínica são: a cerimônia de lavar as mãos, ter de to-
car certos objetos ou, pelo contrário, não poder tocá-los em abso-
luto (por temor do contágio, por exemplo), ter de contar objetos,
pessoas, cifras; verificar as luzes, chaves, portas etc. Produz-se
uma incapacidade de frear tanto o impulso propriamente dito
quanto o pensamento que o acompanha.
7. Por último, a classificação menciona as diversas manifesta-
ções obsessivas, distribuídas em quatro grupos:
1) Os pensamentos obsessivos, que são, além de ideias, ima-
gens, lembranças, percepções, representações etc. A célula funda-
mental é a ideia obsessiva, que é forçada e que se impõe de forma
absurda, ilógica e ridícula. Dizem esses sujeitos: “Minha cabeça
não para”/ “Ocorrem-me umas coisas estranhíssimas”/ “Sempre
tenho medo de minha cabeça, que me coloque algo para dentro e
me custe um trabalho enorme para pô-lo para fora’/ ...
2) As compulsões, que já foram tratadas nas páginas prece-
dentes.
3) Os rituais e cerimoniais obsessivos, que são o modo pelo
qual o doente se defende desses pensamentos. São como fórmulas
mágicas que o libertam momentaneamente.
4) Por último, está o fundo psicastênico, o que alimenta todo
esse conjunto de transtornos.
QUADRO 32 - DIFERENÇAS ENTRE FOBIAS E OBSESSÕES
Fobias Obsessões
O transtorno é. centrado prefe- O transtorno é centrado no pensa-
rencialmente na conduta. mento, sobretudo.
São vividos como fenômenos pró- São experimentadas como estra-
prios. nhas ao indivíduo.
Temor desproporcionado, de Ideias, pensamentos, imagens,
grande intensidade, de entrar em lembranças que circulam interior-
contato com o objeto, situação ou mente e estão carregados de ansi-
pessoa fóbicos. edade.
O conteúdo é lógico e compreensí- O conteúdo é absurdo, irracional
vel (faz sentido). e incompreensível (não faz sen-
tido).
Há uma atividade mental mode- Há um fluxo permanente e inter-
rada. minável de pensamentos que vão
e vêm.
Conduta de fuga e adiamento. Conduta de luta e entrega (alter-
nando).
Apoia-se nos demais, necessita Afasta-se dos outros, acaba por
deles (o agorafóbico só sai de casa isolar-se.
se for acompanhado).
Comportamento social normal, Comportamento social patológico
salvo quando se entra em contato (anormal): cada vez se relaciona
com 0 objeto produtor da fobia. menos e pior.
Personalidade: pode ser normal se Personalidade chamada anancás-
a fobia não o incapacitar para le- tica: introvertida, rígida, meticu-
var uma vida saudável. losa, muito analítica, sempre ma-
tutando tudo, hipersensível, per-
feccionista, com tendência à dú-
vida.
A afetividade costuma ser saudá- Afetividade bloqueada.
vel.

Obsessão E Suicídio

Todos os fenômenos que da ansiedade se encaminham para a


fobia e mais tarde passam para as obsessões, podem seguir por
um declive que desemboca no suicídio. Mas, de que forma se pode
apresentar o suicídio do ponto de vista do mundo obsessivo? Va-
mos situar os seguintes passos:
 ideia dominante de suicídio
 ideia fixa de suicídio
 fobia de suicídio
 ideia obsessiva de suicídio.
A ideia dominante de suicídio foi instalando-se paulatina-
mente, a maioria das vezes através de uma depressão com alguns
ingredientes de ansiedade. Em muitas ocasiões, há previamente
algumas idas e vindas de ideias que se movem ao redor de inda-
gações filosóficas sobre a morte. No começo é de caráter geral (a
morte em sentido abstrato), mas posteriormente ela se personaliza
e vai cercando o indivíduo.
Depois, nos encontramos com a ideia fixa de suicídio. É um
passo à frente no caminho para ele. É mais dura e sua experiên-
cia mais trágica. O indivíduo já não se limita a pensar e pensar
sobre esse tema, mas agora se revela a possibilidade de morrer
por suas próprias mãos. Ela se instala com força. Muitos desses
doentes nos dizem: “Vemos representada a própria morte, execu-
tada por nós mesmos”. Seria possível definir essa ideia como uma
ideia parasita.
Mais tarde, assoma a fobia de suicídio, um temor irresistível
de perder o controle e se suicidar. Costuma ter antecedentes
muito específicos: a fobia impulsiva de agredir, que se situa ao re-
dor da fobia de homicídio. Resumindo, agressão para fora (homicí-
dio) ou para dentro (suicídio). Esse estado está cheio de ansie-
dade, inquietude, desassossego.
E, por último, emerge a ideia obsessiva de suicídio, já muito
mais consistente e concreta. Se no estado anterior o indivíduo ti-
nha a impressão de que ainda podia se livrar de sua persistência,
agora terá a impressão oposta. Não consegue abrir mão dela. Cra-
vou-se em sua mente e o atormenta. Ele tem ‘a obrigação ou a co-
ação’ patológica, doentia, de pensar e repensar essa ideia. Aqui
vão se misturar representações obsessivas, que são como uma
mescla de sentimentos e impulsos. Na grande maioria dos casos,
esta descansa ou se apoia sobre um transtorno depressivo maior.
Vamos agora apresentar uma escala de avaliação do risco de
suicídio, ou seja, um método para medir ou quantificar a intensi-
dade desses impulsos, com o objetivo de medir com mais precisão
essas tendências autoagressivas. Toda escala de comportamento
pretende obter uma informação quantificada, objetiva. Trata-se de
quantificar o qualitativo: a tristeza, a ansiedade ou, nesse caso, o
risco de suicídio. Ela tem uma grande utilidade prática. A que
apresentamos agora é autoavaliada, o que significa que é o pró-
prio indivíduo que responde, sem a ajuda do médico nem de ne-
nhuma outra pessoa da equipe de tratamento. São 20 itens ou
questões com valores de 0 a 4. A pontuação máxima é 80. A partir
de 30 pontos, é importante consultar um psiquiatra, porque é ne-
cessário seguir um tratamento médico. Tem, além disso, a vanta-
gem de que permite um acompanhamento do indivíduo desde o
início do tratamento, podendo-se assim observar como responde à
medicação e às diferentes medidas terapêuticas resolvidas; por
isso aparecem os espaços para as datas.
ESCALA DE ROJAS PARA O MEDIR O RISCO DE SUICÍDIO
Pesquisador:
L Paciente:
História clínica // Datas
1. Estado de ânimo deprimido
2. Impotência para viver
3. Desalento
4. Inibição das agressões
5. Aborrecimento consigo mesmo
6. Choro
7. Sentimentos de culpa
8. Sentimentos de fracasso
9. Plano cognitivo
10. Isolamento
11. Assertividade
12. Desejos de morte
13. Impulsos de suicídio
14. Concretização da inclinação suicida
15. Perda do apetite
16. Perda de peso
17. Impossibilidade de trabalhar
18. Libido
19. Sonhos de autoaniquilação
20. Insônia
Nota: O leitor deve remeter-se às páginas seguintes, onde são
explicados cada um dos itens. A cada questão serão atribuídos
valores de 0 a 4 pontos. A partir de 30 pontos, é importante con-
sultar um psiquiatra, porque é necessário seguir um tratamento
médico.
ESCALA DE ROJAS PARA MEDIR O RISCO DE SUICÍDIO
1. Estado de ânimo deprimido
0. Não estou deprimido.
1. Sinto-me ligeiramente deprimido, com pouco ânimo. Não tenho
vontade de fazer nada.
2. Tenho bastante pena.
3. Estou profundamente triste e abatido.
4. Tenho tamanha tristeza que não aguento mais.
2. Impotência para viver
0. Sinto-me capaz de realizar minha vida.
1. Estou com poucas forças e vigor para viver.
2. Vejo-me com poucas possibilidades de ir adiante. Estou can-
sado da vida.
3. Sou impotente para levar minha vida adiante. Não tenho von-
tade de viver.
4. Não posso continuar assim. Não tenho forças para nada. A
vida é impossível.
3. Desalento
0. Não me sinto desesperado.
1. Estou um pouco desalentado (decepcionado).
2. Estou desmoralizado. Vejo muito mal o futuro.
3. Tenho grande desespero. E muito difícil sair de onde estou.
4. Tenho uma profunda desesperança. Não posso esperar nada
de mim nem de ninguém.
4. Inibição das agressões
0. Quando é necessário, manifesto claramente minhas reações
agressivas e meu descontentamento por algo.
1. Às vezes contenho minhas reações agressivas.
2. Costumo conter com frequência minhas reações agressivas.
3. A maioria das vezes me abstenho de protestar quando me fa-
zem algo de desagradável.
4. Sempre inibo (contenho) minha agressividade e me retraio na
hora de protestar, seja o que for e com quem for.
5. Aborrecimento consigo mesmo
0. Não me aborreço.
1. Às vezes estou muito descontente comigo mesmo.
2. Com bastante frequência renego a mim mesmo.
3. A maioria das vezes me odeio e me desprezo.
4. Detesto-me como pessoa.
6. Choro
0. Não choro quase nunca.
1. Às vezes choro.
2. Hoje choro mais do que o normal.
3. Passo o dia chorando.
4. Gostaria de chorar e me desafogar, e já nem isso posso.
7. Sentimentos de culpa
0. Não me sinto culpado.
1. Às vezes me sinto culpado.
2. Muitas vezes vejo que tenho culpa de tudo.
3. Sempre penso que é minha culpa, por meus erros.
4. Sou absolutamente culpado de tudo, não tenho perdão.
8. Sentimentos de fracasso
0. Não me sinto fracassado.
1. Às vezes me sinto fracassado.
2. Muitas vezes me vejo como uma pessoa malograda e desenga-
nada.
3. A maioria das vezes tenho diante de mim o infortúnio e o fra-
casso de minha vida.
4. Fracassei em minha vida e me encontro absolutamente frus-
trado. Não valho nada.
9. Plano cognitivo
0. Percebo tudo como antes. Minhas observações, pensamentos,
ideias e juízos são como sempre foram. Vejo-me a mim mesmo,
ao meu futuro e a tudo o que me rodeia como sempre.
1. Ultimamente, o que vejo, minhas recordações, meus pensa-
mentos, meus juízos, são menos positivos. Vejo-me pior, assim
como a meu futuro e a tudo o que me rodeia.
2. Noto que tenho menos capacidade para me concentrar, menos
memória: meus pensamentos são negativos e meus juízos pessi-
mistas. Percebo tudo como problemático e difícil de superar.
3. Tenho grandes dificuldades de concentração. Leio e não capto
o conteúdo. Estou muito abstraído. Falha-me muito a memória.
Meus pensamentos são tristes. Tendo a fixar-me somente em de-
talhes negativos, a exagerar os problemas e a pensar em termos
extremistas (branco-negro, bom-mau, amor-ódio, útil-inútil etc.).
4. Tudo o que vejo, recordo ou considero é tremendamente triste.
Não consigo concentrar-me em nada. Vejo a vida negra, repleta
de obstáculos e sem sentido. Sinto-me vazio de tudo e sem apoio.
Estou em uma situação-limite.
10. Isolamento
0. Comunico-me e me relaciono como sempre.
1. Custo mais para estabelecer relações, comunicar-me, sair,
distrair-me.
2. Custa-me bastante estabelecer relações.
3. É muito difícil para mim ter relações sociais, e passo o dia todo
sozinho e sem falar com ninguém.
4. Estou só, não consigo falar com ninguém, é impossível comuni-
car-me e relacionar-me. Minha solidão e incomunicabilidade são
totais.
11. Assertividade
0. Tenho a mesma habilidade social que sempre tive. Capto nor-
malmente o comportamento dos demais e o que significa; sei res-
ponder aos estímulos exteriores como sempre fiz.
1. Ultimamente dou mais explicações que antes sobre meu com-
portamento. Tenho um pouco menos de habilidade que antes
para as relações sociais.
2. Tenho muito menos habilidade social que antes. Custo a ex-
pressar opiniões contrárias às que ouço. Fico um pouco parado
perante as pessoas. Custa-me dizer não. Perdi bastante o con-
tato com os outros. Se tivesse que me dar uma nota em participa-
ção social, esta seria baixa.
3. Minhas habilidades sociais reduziram-se ao mínimo. Perante
as pessoas fico sem saber o que dizer ou fazer. E impossível
para mim dizer não. A relação com os outros se tornou impossí-
vel. Se tivesse que me dar uma nota em participação social, ela
seria muito baixa.
4. Minhas habilidades sociais são nulas. Jamais digo não.
Quando estou com as pessoas, não sei em absoluto o que fazer
ou dizer. Não tenho nenhum interesse em entender-me com os
outros. Se tivesse de conferir-me uma nota em participação so-
cial, não teria outro remédio senão dar-me um zero.
12. Desejos de morte
0. Não desejo morrer.
1. Às vezes desejo morrer.
2. Muitas vezes penso que seria melhor morrer.
3. Estou desejando morrer. Assim não posso viver.
4. Já não posso mais. Isso é insuportável. Minha única ânsia
(desejo, aspiração) é morrer o quanto antes.
13. Impulso suicida
0. Não tenho inclinações de fazer nada contra mim mesmo.
1. Às vezes tenho ideias de ferir-me.
2. Com bastante frequência tenho inclinações suicidas.
3. Sinto fortes e quase constantes arrebatamentos (impulsos,
pressões, incitações) suicidas.
4. O melhor para mim seria suicidar-me, se tivesse forças para
isso.
14. Concretização da inclinação suicida
0. Não tenho ideias de suicídio.
1. Às vezes tenho ideias de suicidar-me, mas sem pensar em
fazê-lo de verdade.
2. Muitas vezes pensei em acabar com a vida e inclusive em
como fazê-lo.
3. Tenho permanentemente ideias de suicídio, pensei muito em
como fazê-lo.
4. Queria suicidar-me e acabar de uma vez. Pensei muitas vezes
na forma de fazê-lo.
15- Perda do apetite
0. Tenho o mesmo apetite de sempre.
1. Ultimamente notei que tenho menos vontade de comer.
2. Tenho agora muito menos apetite que antes.
3. Tenho cada dia menos apetite.
4. Perdi totalmente a vontade de comer.
16. Perda de peso
0. Peso igual ao de antes.
1. Creio que perdi um ou dois quilos.
2. Perdi três ou quatro quilos.
3. Perdi de uns cinco a sete quilos.
4. Perdi ultimamente mais de sete quilos.
17. Impossibilidade de trabalhar
0. Posso trabalhar como antes.
1. Às vezes não posso trabalhar, perco a vontade.
2. Muitas vezes me sinto sem forças para realizar meu trabalho
habitual.
3. Estou sem nenhuma disposição para trabalhar.
4. Sou incapaz de levar a cabo qualquer tipo de trabalho.
18. Libido
0. Sinto que o sexo me atrai agora da mesma forma que antes.
1. Às vezes me sinto menos atraído para o sexo.
2. Vejo que cada vez me interessa menos tudo aquilo que se re-
fere ao sexo. Pratico-o por compromisso com meu/minha compa-
nheiro(a), mas a cada dia com menos vontade.
3. A vida sexual não me diz nada, é quase indiferente.
4. Perdi todo o interesse pelas questões relacionadas à sexuali-
dade.
19. Sonhos de morte e aniquilação
0. Não tenho sonhado ultimamente com coisas de mortos, nem
com nada parecido.
1. Ultimamente, por vezes, tenho sonhos com mortos.
2. Tenho tido sonhos em que pessoas que conhecia morriam.
Eram angustiantes.
3. Sonho com muita frequência que pessoas conhecidas e vivas
morrem. São sonhos tristes. Outras vezes, sonho que me destruo
e que acabo comigo.
4. Sempre sonho com cenas em que alguém de quem gosto ou
conheço morre. Sonho constantemente que me mato, que desisto
da vida.
20. Insônia
0. Durmo como sempre.
1. Às vezes, de tempos em tempos, durmo mal à noite.
2. Com bastante frequência durmo mal à noite.
3. Quase sempre durmo mal à noite.
4. Tenho insônia quase total. Durmo só três ou quatro horas.
5.
TRATAMENTO

Como em quase todos os transtornos psíquicos, é necessário


traçar um quadro terapêutico que inclua três tipos de medidas:
farmacoterapia (medicação), psicoterapia (aproximação à persona-
lidade e à conduta, com o objetivo de diminuir a ansiedade) e so-
cioterapia (medidas sociais que terão um efeito curativo). O trata-
mento deve ser sempre triplo, integrador dessas três diretrizes,
embora em proporções distintas segundo o tipo de ansiedade, as
circunstâncias que rodeiam o indivíduo, os fatores deflagradores e
se é a primeira vez que aparecem ou se existiram outros momen-
tos ansiosos.
Os objetivos do tratamento nos diferentes tipos de ansiedade
(fobias e obsessões, além das doenças psicossomáticas) são enca-
minhados a suprimi-la de saída e, além disso, deflagrar dispositi-
vos de adaptação convenientes, facilitando assim a possibilidade
de que o paciente possa, no futuro, com a ajuda do médico, inter-
ceptá-la, freá-la, impedir que prospere. Assim poderá chegar a do-
minar a situação, conhecendo as características clínicas e as ten-
tativas que poderá efetuar para controlá-la.

Farmacoterapia

Um dos primeiros ansiolíticos (substâncias que suprimem ou


fazem diminuir a ansiedade) foi o álcool, porque possui quatro
efeitos quase imediatos: eleva o estado de ânimo, rebaixa o nível
de ansiedade, desinibe e tem um certo efeito analgésico. Por isso,
muitos alcoólatras mais ou menos crônicos, ou indivíduos com
hábito de beber, têm um fundo depressivo- ansioso que graças ao
álcool está mais ou menos controlado. Ao longo da história, ou-
tras substâncias extraídas de plantas foram utilizadas, mas é em
meados do século XIX que se introduz o brometo de potássio, pois
se pensava que a epilepsia estava relacionada com a menstruação
e, muito especialmente, com uma sexualidade exaltada, exces-
siva. Não havia base para essa afirmação, mas isso permitiu obter
o primeiro fármaco para curar a epilepsia e também o primeiro
para combater a ansiedade.
Poucos anos depois foi sintetizado o hidrato de cloral, que ti-
nha bons efeitos para combater a insônia, e, por extensão, foi
aplicado também na ansiedade. No final do século XIX Von Bae-
yer descobre os barbitúricos e, em 1950, aproximadamente, são
sintetizados os primeiros tranquilizantes, concretamente dois: a
mefenesina primeiro e, um pouco mais tarde, os chamados me-
probamatos. Por último chegam os benzodiazepinicos, que nos
descortinam um novo e esperançoso panorama. Estamos em
1960. Desde então até a atualidade o trajeto tem sido apaixonante
e repleto de objetivos concretos e descobertas importantes.
No Quadro 33 reunimos os medicamentos mais importantes
para a ansiedade (anotamos o nome bioquímico primeiro e depois
o nome comercial e a dose média aproximada).
QUADRO 33
Todos esses fármacos constituem o chamado grupo dos ben-
zodiazepínicos, que são os mais eficazes para reduzir o nível geral
de ansiedade. Como já o expusemos (ainda que brevemente) no
capítulo 1, atuam sobre o sistema límbico e o córtex cerebral.
Apresentam os seguintes efeitos, por ordem de importância:
1. Efeito dissolvente da ansiedade. Todos esses medicamentos o
apresentam, embora com muitas diferenças. Assim, o diazepam
(Diazepam, Valium, Tepazepan, Aneurol) é o mais comum e tem
um efeito médio muito eficaz nesse sentido. De forma contrária, o
lorazepan (Orfidal, Idalprem, Sedizepan, Lorazepan) é cinco ve-
zes mais ativo que os demais nesse sentido.
2. Efeito de relaxamento muscular. A grande maioria é capaz de
produzir miorrelaxamento. Os mais eficazes são os fármacos per-
tencentes à família diazepam (Valium) e depois o bromazepan
(Lexatin, Sintrogel).
3. Efeito facilitador do sono. Também denominada ação hipnótica
ou indutora do sono. Três dos mais importantes deles não estão
no Quadro 33, porque são considerados hipnofacilitadores: o flu-
nitrazepam (Rohipnol), cujo uso é habitual na clínica e que deve
ser administrado meia hora antes de o paciente dormir, com um
tempo de latência (tempo em que o efeito começa a se manifestar)
de uns quinze minutos; seu efeito dura de seis a oito horas, sem
efeito residual matinal; o triazolan (Hal- cion), que é outro exce-
lente fármaco, e o flurazepan (Dormodor). Eles não são propria-
mente ansiolíticos no sentido estrito. As benzodiazepinas têm
uma atuação nesse campo, ainda que com variações. Nós utiliza-
mos muito o laprazolam (Trankimazin), o lorazepan (Orfidal) e o
nitrazepan (Mogadon).
4. Efeito anticonvulsivo. É o caso do diazepam, que empregamos
frequentemente por via endovenosa. Também se usa o clobazan
(Noiafren, Clarmyl). Mesmo assim, hoje se sabe que seu efeito é
transitório e que tende a desaparecer se for utilizado com fre-
quência.
QUADRO 34 - PRINCIPAIS AÇÕES DOS BENZODIAZEPÍNI-
COS

Existem ainda outros fármacos que também atuam como an-


siolíticos, embora não seja seu efeito principal. Nós os utilizamos
com frequência, pois não se pode esquecer as variedades de apre-
sentação da ansiedade, assim como sua associação a outros qua-
dros clínicos (depressão, fobias, obsessões, insônia etc.) Eles são
expostos no Quadro 35. São muito frequentes os betabloqueado-
res, substâncias que bloqueiam alguns receptores das células pe-
riféricas que nos últimos anos demonstraram sua eficácia nesse
campo. São utilizadas especialmente na cardiologia: enfarte do
miocárdio, taquicardias, hipertensão arterial etc. Também são
empregados nos desequilíbrios vegetativos e casos de hipertireoi-
dismo. Os mais usados: propanolol (Sumial), oxprenolol (Trasicor)
e o timolol (Blocadren); são contraindicados na asma brônquica.
Entre os tranquilizantes menores, o mais importante é o me-
probamato, que atua relaxando os músculos (Dapaz, Miltamato,
Miltown, Mepavlon). Foram os primeiros e ainda conservam seu
raio de ação. Quando a ansiedade é extraordinária, inclusive com
tremores e agitação, recorremos aos tranquilizantes maiores, cujo
primeiro expoente são as butirofenonas (Haloperidol, Triperidol).
Têm uma excelente utilidade, mas devem ser ministrados associa-
dos aos corretores extrapiramidais, pois têm efeitos secundários
sobre o sistema extrapiramidal. Outros: levopromazina (Sinogan)
e tioridazina (Meleril). No Quadro 36 são detalhadas as precau-
ções e efeitos secundários dos benzo- diazepínicos.
QUADRO 35 - HIERARQUIA DE FÁRMACOS PARA COMBATER A
ANSIEDADE
1 Ansiolíticos
2 Betabloqueadores
3 Tranquilizantes menores
4 Tranquilizantes maiores
5 Facilitadores do sono
6 Antidepressivos
7 Anti-histamínicos
8 Alguns analgésicos
9 Anestésicos (em casos excepcionais)
10 Associação de alguns deles
QUADRO 36 - PRECAUÇÕES E EFEITOS SECUNDÁRIOS
DOS BENZODIAZEPÍNICOS
Precauções
Não devem ser empregados nos três primeiros meses de gravidez.
É contraindicado tomar álcool ao mesmo tempo (depressão SNC).
Os antiácidos diminuem sua velocidade de absorção.
Os antidepressivos aumentam sua ação sedativa.
As pílulas anticoncepcionais diminuem sua ação ansiolítica.
A pressão arterial deve ser controlada no início do tratamento.
Os barbitúricos aumentam seu efeito.
Seu efeito deve ser vigiado em pessoas muito magras e hipersensí-
veis a esse tipo de medicamento.
Precaução com crianças e idosos.
Usá-los com vigilância em doentes respiratórios (risco de depressão
respiratória, por ação sobre o SNC).
Efeitos secundários
Boca seca.
Sonolência no início (é conveniente começar com doses baixas).
Sensação de enjoo e desorientação espacial.
Dificuldades ao caminhar (só no início).
Sensação de peso na cabeça.
Prisão de ventre (às vezes pode ser muito forte).
Visão turva.
Dificuldades na memória recente.
Diminuição da libido sexual.
Por vezes, reações paradoxais, inquietude, mais ansiedade, agita-
ção, irritabilidade, insônia, humor oscilante.
Queda do rendimento intelectual (só no início).
Dependência e forma de supressão
Em doses altas, existe o risco de dependência (é preciso evitá-lo).
Seu risco de dependência é inferior ao dos facilitadores do sono.
Depois de tomá-los muito tempo, não podem ser interrompidos
bruscamente; apenas de forma gradual, substituindo-os por ou-
tros mais suaves.
Que o indivíduo não tome a medicação por conta própria nem que
aumente a dosagem por sua conta e risco.
Todos os benzodiazepínicos produzem uma certa dependência.
SNC = Sistema Nervoso Central.
Psicoterapia

Enquanto a ansiedade for muito acentuada, o tratamento es-


colhido será o medicamentoso. Quando seu nível tiver descido,
deverão ser empregadas algumas técnicas psicoterapêuticas.

o que é a psicoterapia? Podemos dizer que é a relação médico-


paciente através da qual desaparece a ansiedade e se cria um
clima de influência positiva que permite corrigir os mecanismos
inadequados da personalidade. Essa é sua grandeza. E preciso fa-
zer uma distinção a priori. Existe uma atitude psicoterapêutica.
aquela que tem qualquer médico da especialidade diante de seu
paciente e que consiste em ter capacidade de compreensão, pôr-se
no lugar do outro e ser capaz de estabelecer um rapport cordial e
uma atmosfera em que o paciente possa se abrir e contar sua inti-
midade, sem nenhum tipo de receio. Existem, além do mais, as
diferentes técnicas terapêuticas, que já têm uma indicação pre-
cisa e esquemas de atuação concretos e delimitados.
Quais são essas técnicas, ou quais são as que possuem maior
utilidade no caso cm questão, a ansiedade? Em princípio, os obje-
tivos de toda psicoterapia são: auxiliar o indivíduo a compreender
melhor a si mesmo; saber conhecer e interpretar melhor a reali-
dade; aprender a ter maior autocontrole: dominar os impulsos e
chegar a ser dono de si mesmo; ter reações mais lógicas e compre-
ensíveis nas quais exista uma melhor relação estímulo-resposta.
Quer dizer, ir conseguindo uma harmonia da personalidade ou,
dito em lermos coloquiais, encontrar a si mesmo, chegar a ser in-
divíduo, sujeito, pessoa, alguém com um estilo e uma marca pró-
pria e particular. Isso trará consigo uma maior liberdade interior e
uma maior responsabilidade.
Vejamos rapidamente as técnicas que devem ser manejadas
aqui.
A técnica mais habitual é a psicoterapia de apoio, que consiste
em explicar ao indivíduo o que está lhe acontecendo.
Isso o tranquiliza e de algum modo o faz entender o que lhe
sucede. Além da farmacoterapia, ele recebe algumas pautas psico-
lógicas simples para o futuro, sobretudo se o paciente ficou mar-
cado pelo impacto de alguma crise de ansiedade. Nesse caso, ele
pode ter reagido com um temor intenso, inclusive fóbico, de sair à
rua, de ir a certos locais onde esteve envolto em ansiedade ou
onde se produziu a crise etc. Pode ser muito conveniente dar-lhe
uma medicação para que a leve sempre consigo e a tome nos ca-
sos de necessidade.
A psicoterapia existencial pode ser interessante nos casos de
uma ansiedade envolta em conflitos biográficos. Então, a viagem
pelo passado pode ser conveniente e, consequentemente, curativa.
A psicoterapia de Adler põe sobre o tapete os complexos de in-
ferioridade e a insegurança. Pretende fortalecer a personalidade e
demonstrar essas atitudes.
A psicoterapia de Jung tem um sentido metafísico: pedagogia e
concretização de ideais. Tende a reunir elementos psicológicos de
diversas áreas, com o objetivo de produzir uma metamorfose da
personalidade e uma progressiva e maior segurança.
A psicoterapia psicodinâmica investiga os motivos que foram
sendo observados ao longo do desenvolvimento pessoal. Pode ser
muito útil nos casos que se dirigem às doenças psicossomáticas,
partindo da ansiedade. Além disso, descobre e analisa os traumas
afetivos, tencionando que sejam superados e não deixem uma
marca permanente, que seria o germe de uma futura neurotização
ou de uma personalidade cada vez mais conflitante, difícil e ansio-
gênica.
A psicanálise de Freud tem pouca utilidade prática para a an-
siedade, tanto nas crises como nas formas generalizadas. Ela é
útil para mergulhar no autoconhecimento, conhecer melhor os
mecanismos da personalidade e as influências das figuras paren-
tais na construção da personalidade.
As técnicas de hipnose e a sugestão podem ter efeitos benéfi-
cos. Ambas utilizam a atenção e a estimulação verbal mediante a
entrada numa espécie de transe ou comunicação hipnótica, que é
uma forma particular de transferência. Esses métodos possuem
uma eficácia moderada e dependem também do tipo de personali-
dade de quem os recebe.
São muito interessantes os métodos de relaxamento, que vão
desde o treinamento autógeno às hipnoses fracionadas, passando
por técnicas simples em que o indivíduo é ajudado por um livro
ou uma fita cassete, com os quais acaba aprendendo a relaxar as
tensões e controlar-se melhor. O treinamento autógeno de Schu-
ltz-Hencke consiste precisamente em ensinar o relaxamento
membro a membro. Parece um pouco com a hipnose, pois em
muitos casos no final se consegue um semissono. A hipnose fraci-
onada de Kretschmer: combinam-se os exercícios de relaxamento
com outros de fixação. Relaxamento paulatino de grupos muscu-
lares.
Pode ser útil empregar, em intervalos breves de tempo, uma
técnica de relaxamento e ansiolíticos por via endovenosa. Assim,
facilita-se a aprendizagem com uma medicação posta diretamente
na corrente sanguínea.
As psicoterapias coletivas podem ser aplicadas a posteriori, as-
sim que os sintomas mais típicos da ansiedade tenham sido elimi-
nados, mas nunca no início como terapia fundamental. Vão desde
a terapia ocupacional à mais frequente de todas, a psicoterapia de
grupo, muito conhecida inclusive em nível popular. Também exis-
tem as terapias institucionais, que se desenvolvem num meio
hospitalar. Na mesma linha está o psicodrama, que consiste na
representação cênica dos dramas e traumas pessoais, primeiro
desempenhando cada um seu papel e, depois, trocando os papéis
com o objetivo de aprofundamento no resto dos componentes
desse minigrupo.
Por último, um item de enorme importância nas fobias e ob-
sessões; a terapia condutista em seus diversos métodos e a mais
recente terapia cognitiva. A primeira consiste em desandar a
aprendizagem anômala, como acontece nas fobias: lembre-se do
caso de nossa paciente Rocio O.; a conduta anônima foi adquirida
por uma aprendizagem defeituosa e incorreta. Sua eliminação tem
de ser efetuada, além de um aporte medicamentoso básico, pelo
emprego dessas técnicas. São muitas e variadas, cada uma com
matizes e derivações que se amoldam ao caso concreto.^ A se-
gunda pretende recompor a linguagem interior do indivíduo, ou
seja, corrigir os processos defeituosos de recolhimento das infor-
mações que lhe chegam tanto de fora quanto de si mesmo: ideias,
pensamentos, recordações, juízos, valorações, formas de pensar
etc. Dizia um paciente meu, como exemplo de erros no processa-
mento das informações; “Doutor, não sei o que está acontecendo
comigo, mas tenho uma habilidade especial de fixar-me em al-
guém que tenha um defeito' físico ou observar uma pessoa amar-
gurada... Sempre capto o negativo”. Esse sujeito, neurótico,
aprendeu a deter-se e a fazer seu tudo o que vê, mas de forma
distorcida, sempre com essas notas negativas que o levaram com
o passar do tempo a ser um doente psíquico, que vive além disso
com muitas doses de ansiedade.
Por fim, a logoterapia de Víctor Frankl pretende fazer recobrar
o sentido da vida. Muitos pacientes ansiosos têm lima vida vazia,
oca, sem objetivos, e estão submersos num presente sem horizon-
tes. E preciso absorver e digerir as frustrações, os problemas e as
dificuldades que a existência apresenta. Frankl propõe metas es-
pirituais, transcendentes: o desenvolvimento dos valores artísti-
cos, criativos e espirituais.
Toda psicoterapia que se preze deve estar centrada no insight
ou autoconhecimento. Para isso é sempre necessário tempo e que
o psicoterapeuta tenha uma forte personalidade, amadurecimento
emocional e intelectual, sensibilidade, um certo grau de intuição,
capacidade de empatia, flexibilidade e compreensão, assim como
critérios psicológicos sólidos e uma boa formação teórica e prá-
tica.
Em nossa atividade clínica diária utilizamos com muita fre-
quência técnicas de autocontrole emocional, como as de relaxa-
mento progressivo e respiração, as de detenção dos pensamentos,
rejeição de ideias irracionais (de grande utilidade em fobias e em
obsessões leves), técnicas para aprender a fazer diminuir a ansie-
dade e moderar as reações do estresse, assim como as que pre-
tendem corrigir hábitos deficientes na alimentação (anorexia, buli-
mia).

Socioterapia

Aqui buscamos que o meio do indivíduo ansioso melhore. A


seu redor devemos distinguir os seguintes planos: o familiar, que
pode em muitas ocasiões gerar ansiedade ou mantê-la. Pensa-se
nas famílias destruídas, separadas, que tanto abundam neste fi-
nal do século XX no mundo ocidental. O mesmo acontece com as
famílias neuróticas ou aquelas que vivem num ambiente carre-
gado de tensões.
Depois nos encontramos com o plano do trabalho profissional.
Existem ambientes sórdidos, muito negativos, cheios de uma
competitividade doentia e com uma comunicação mínima e tensa.
O plano das amizades próximas e remotas. Em pessoas isola-
das, sem trato com as pessoas, com uma vida monótona e cin-
zenta, sem incentivos, nem planos, nem objetivos, nem projetos e
sem uma vida compartilhada, é difícil extrair a ansiedade, salvo a
que é expulsa farmacologicamente. A amizade é um dos grandes
patrimônios da vida. Custa consegui-la, mas seus frutos preen-
chem o coração do homem.
Socioterapia é ampliar o meio social, melhorá-lo, abrir novas
perspectivas buscando o apoio, a compreensão e o intercâmbio
com pessoas mais ou menos afins. No consultório nos defronta-
mos com problemas dessa natureza todos os dias. Por isso todo
quadro terapêutico deve ser tridimensional: biopsicossocial.
Outras Medidas

Vamos nos referir, finalmente, a uma série de medidas adicio-


nais que em alguns casos podem ter muita utilidade. A hidrotera-
pia vai desde banhos frios ou quentes, às vezes associados a sais
sedativos ou relaxantes, a certo tipo de duchas de massagem ou,
inclusive, a assistência periódica a algum balneário com águas
curativas para processos artríticos e musculares. Por extensão
elas têm um efeito ansiolítico.
A climatoterapia consiste em buscar em certos períodos do
ano as zonas onde a temperatura seja mais adequada e o clima
mais estável, com o que cedem as tensões ansiosas. Algumas es-
tações termais têm uma situação privilegiada, com o que cobrem
os dois aspectos apontados. As curas termais têm uma grande
tradição e estão voltando à moda, dada sua utilidade.
As fisioterapias constituem uma ampla variedade: massagens,
vibroterapia, reeducação corporal ou cinesioterapia. Esta última
parte é especialmente interessante. A associação com atividades
desportivas, de acordo com as condições morfológicas e a idade,
também são interessantes.
Por último, em alguns casos especiais podemos empregar a
eletroterapia, utilização de corrente contínua ou farádica e de cor-
rentes alternadas de baixa frequência (farádicas), de alta frequên-
cia ou de ondas curtas; tem efeitos térmicos, analgésicos, anties-
pasmódicos e miorrelaxantes. Em alguns países é empregada a
actinoterapia: radiações ultravioleta e especialmente infraverme-
lhas, em casos de ansiedade generalizada e nos hipocondríacos
mais encarniçados.
A eletroestimulação, baseada na técnica de Cerletti, pode ser
um bom recurso quando todos os métodos tradicionais falharam,
sempre que se faça previamente um eletroencefalograma e uma
comprovação do funcionamento cardíaco em nível geral.
Algumas escalas de avaliação da Ansiedade
Nota: A intensidade do sintoma se mede de 0 a 4 pontos:
0 = Ausente. 1 = Leve. 2 = Moderada. 3 = Forte. 4 = Muito forte. É
heteroaplicada: é passada pelo médico ou alguém da equipe te-
rapêutica.
Soma total:
— Nível de ansiedade baixa ou nula: menos de 9.
— Nível de ansiedade moderada: 9-17.
— Nível de ansiedade elevada: mais de 17.
DESCRIÇÃO
Estado de ânimo ansioso:
- Preocupações
- Antecipação do pior
- Apreensão
- Irritabilidade
Tensão:
- Sensação de tensão
- Propensão à fadiga
- Incapacidade de relaxamento
- Reações inesperadas
- Choro fácil
- Tremores
- Sensações de inquietude
Temores de:
- Escuro
- Estranhos
- Ficar sozinho
- Animais grandes etc.
- Tráfego
- Multidões
Insônia:
- Dificuldade de dormir
- Sono interrompido
- Sono insatisfeito e cansaço ao despertar
- Sonhos
- Pesadelos
- Terrores noturnos
Intelectuais (cognitivos)
- Dificuldade de concentração
- Memória ruim
Estado de ânimo deprimido:
- Perda de interesse
- Insatisfação nas diversões
- Depressão
- Despertar prematuro
- Humor diurno oscilante
Somático geral (muscular):
- Dores e moléstias musculares
- Rigidez muscular
- Contrações musculares
- Espasmos crônicos
- Ranger de dentes
- Alterações na voz
Somático geral (sensorial):
- Tinidos (acúfenos)
- Visão manchada
- Ondas de calor e frio
- Sensação de debilidade
- Formigamentos
Sintomas cardiovasculares:
- Taquicardia
- Palpitações
- Dor no peito
- Batimento cardíaco acelerado
- Sensação de desmaio
- Falhas de batimento cardíaco
Sintomas respiratórios
- Opressão torácica
- Sensação de afogamento
- Suspiros
- Dispneia
Sintomas gastrointestinais:
- Dificuldade de engolir
- Dispepsia: dor antes e depois de comer. Ardências. Pirose. Ple-
nitude. Sensação de vazio. Náuseas. Vômitos. Digestão lenta e
pesada.
- Borborigmos
- Fezes em excesso
- Escassez de fezes
- Prisão de ventre
- Gases
Sintomas gênito-urinários:
- Micção frequente
- Micção urgente
- Amenorreia
- Menorragia
- Frigidez
- Ejaculação precoce
- Falta de ereção
- Impotência
Sintomas autônomos:
- Boca seca
- Rubor
- Palidez
- Tendência a suar
- Vertigens
- Cefaleia tensional
- Eriçamento dos pelos
Comportamento na entrevista
geral:
- Tenso, não-relaxado
- Brincar com as mãos, dedos crispados, enrolar barbantes ou
lenços
- Inquietude, tremor das mãos, testa franzida, rosto tenso
- Tônus muscular aumentado
- Respiração suspirante Palidez facial
FISIOLÓGICO:
- Engolir saliva
- Arrotar
- Pulsação acelerada em repouso
- Respiração acelerada
- Espasmos tendinosos
- Tremores
- Pupilas dilatadas
- Exoftalmos
- Sudorese
- Tiques nas pálpebras

ESCALA APLICADA PARA AVALIAÇÃO DA ANSIEDADE (Zung,


1971)
Nome: Idade
Profissão:
Estado civil:. data
Instruções-, responda as seguintes perguntas circulando o
número que melhor se ajuste à frequência com que você nota os
sintomas propostos, segundo as quatro colunas que correspon-
dem a: A(1) = raramente; B(2) = algumas vezes; C(3) = muitas ve-
zes; D(4) = sempre.
1. Sinto-me mais ansioso e nervoso que o normal 1 2 3 4
2. Sinto medo sem razão 1 2 3 4
3. Entedio-me com facilidade ou sinto momentos de mau humor 1 2
34
4. Sinto como se estivesse derrubado ou fosse me desintegrar 1 2 3
4
5. Sinto que tudo vai bem comigo e nada de mal vai me acontecer 4
321
6. Os braços e as pernas ficam trêmulos 1 2 3 4
7. Sinto-me molestado pelas dores de cabeça, colo ou espáduas 1 2
34
8. Sinto-me fraco e me canso com facilidade 1 2 3 4
9. Sinto-me tranquilo e posso permanecer sentado facilmente 4 3 2
1
10. Sinto que meu coração bate com rapidez 1 2 3 4
11. Estou preocupado com os momentos de enjoo que sinto 12 3 4
12. Tenho períodos de desmaio 1 2 3 4
13. Posso respirar bem, com facilidade 4 3 2 1
14. Sinto adormecimento e formigamento nos dedos das mãos e
dos pés 1 2 3 4
15. Sinto-me enfraquecido pelas dores de estômago ou indigestões
12 3 4
16. Tenho de urinar com muita frequência 1 2 3 4
17. Sinto as mãos secas e quentes 4 3 2 1
18. Sinto o rosto ficar vermelho 1 2 3 4
19. Posso dormir com facilidade e descansar bem 4 3 2 1
20. Tenho pesadelos 1 2 3 4
Pontuação Total =
Soma Total:
— Ansiedade ausente: 20-35.
— Ansiedade subclínica e variantes normais: 36-51.
— Ansiedade média-grave: 52-67.
— Ansiedade grave: 68 —
GLOSSÁRIO

Acrofobia: fobia (v.) das alturas, dos picos, dos cumes.


Actinoterapia: tratamento à base de radiações ultravioletas
e/ou infravermelhas. Pode ter utilidade na ansiedade generalizada
e nos doentes hipocondríacos.
Afetividade: diz-se de todos os fenómenos de natureza subje-
tiva que produzem uma mudança interna e que se movem sempre
numa dialética que se estabelece entre aproximação-rejeição e
tensão-relaxamento.
Agorafobia: fobia (v.) de espaços abertos.
Aicmofobia: fobia (v.) de agulhas.
Aidsfobia: fobia (v.) de sofrer de Aids. Muitas vezes se associa
essa fobia à sifilofobia (v.).
Algofobia: fobia (v.) à dor. Quer dizer, um medo de grande in-
tensidade de não ser capaz de sofrer e resistir ao impacto de uma
enfermidade dolorosa.
Amatofobia: fobia (v.) a pó.
Angústia: Temor difuso, vago e abstrato que se percebe como
dissolução da própria personalidade. Para muitos autores, por
trás dela se esconde o nada ou o vazio. Os sintomas mais impor-
tantes são de natureza física.
Ansiedade: estado subjetivo de temor que se caracteriza por
uma sensação de alerta, de estar em guarda, que se vive como an-
tecipação do pior. Aqui, a vivência é especialmente psicológica e
intelectual.
Ansiolíticos: fármacos que atuam sobre as estruturas cere-
brais intermediárias, dissolvendo a ansiedade. A maioria dos fár-
macos, em seu início, derivam da benzodiazepina. Hoje contamos
com um arsenal terapêutico muito mais amplo, que trata de dimi-
nuir a ansiedade dos fenômenos segundo suas características
particulares.
Antidepressivos: fármacos que atuam elevando o humor e o
estado de ânimo em indivíduos com um transtorno depressivo
maior endógeno. Existem muitas famílias de antidepressivos (veja
Rojas, E.: “Clasificación de los fármacos antidepresivos” — “Clas-
sificação dos fármacos antidepressivos” —, Congresso Mundial de
Psiquiatria, Resumo informativo, Atenas, outubro de 1989).
Antropofobia: fobia (v.) de espaços onde baja muita gente
(aglomerações, reuniões sociais etc.).
Assertividade: capacidade de ter um comportamento social
adequado, sem agressividade e sem bloqueios de conduta. O
termo significa ‘habilidade social’.
Astrofobia: fobia dos astros, das estrelas.
Betabloqueadores: substâncias que têm um certo efeito ansio-
lítico (v.) e que atuam sobre os receptores das células periféricas.
Sua utilização é especialmente indicada sempre que a ansiedade
se manifesta no plano cardíaco (taquicardia, opressão precordial,
hipertensão arterial).
Cainofobia: fobia (v.) de novidades.
Cancerofobia: fobia (v.) de sofrer de câncer.
Caráter: é a parte da personalidade que recebe más influên-
cias do contato com o exterior: família, amigos, palestras, ativida-
des profissionais etc. Resumindo, tudo que está em torno do ho-
mem influi sobre ele e o modifica de alguma forma.
Cardiofobia: fobia (v.) de sofrer de doenças cardíacas. Geral-
mente, isso se concretiza no enfarte do miocárdio ou na angina do
peito.
Cinesioterapia: tratamento de reeducação corporal (massa-
gens, atividades desportivas, vibro terapia).
Cinofobia: fobia (v.) de cães.
Claustrofobia; fobia (v.) de espaços fechados (aposentos
pequeños, elevadores etc.).
Cognitivo; conceito psicológico relativo a todo o plano das
idéias, juízos e recordações. Hoje sabemos que tudo isso entra em
nosso cérebro através do que se chama processamento de infor-
mações. O cérebro funciona como um computador onde se regis-
tra e armazena toda uma série de dados que nos chega de dentro
e de fora.
Compulsão: as ideias, pensamentos, imagens ou impulsos ob-
sessivos seguidos de certos atos, ritos ou comprovações. Indepen-
dem da vontade. Um exemplo típico seria o do indivíduo que toda
noite precisa verificar se as portas de casa estão trancadas ou to-
das as luzes apagadas, ou que precisa lavar as mãos muitas vezes
por dia (30, 40, 50 vezes) para evitar contaminar-se ou adquirir
uma doença contagiosa. Produzem um grande sofrimento e só
apresentam alívio com a aplicação de um tratamento com três
componentes associados: fármacos, psicoterapia e medidas socio-
terapêuticas.
Condutismo; tratamento psicológico baseado nas leis do com-
portamento, seguindo as relações estímulo-resposta. Existem
muitas técnicas nesse sentido. Sua utilidade é especialmente
acentuada em certos casos de ansiedade, fobias, obsessões, pro-
blemas sexuais e transtornos da conduta conjugal.
Depressão: termo muito amplo, que entrou na moda nos últi-
mos anos na cultura ocidental. Pode significar: 1) expressão da
linguagem coloquial: tem somente valor sociológico e responde a
uma vulgarização do termo; 2) tipo de personalidade: a pessoa de-
pressiva é aquela que desde sempre, desde que se entende por
gente, tem uma visão pessoal e da realidade negativa e pessi-
mista; 3) sintoma: sinal que pode aparecer em qualquer tipo de
doença geral: hepatite, diabetes, doença neurológica ou em qual-
quer doença de certa gravidade; 4) como síndrome significa con-
junto de sintomas; 5) como doença: aqui é onde este vocábulo
possui seu autêntico sentido clínico. A doença depressiva pode
ser definida como um distúrbio da vitalidade devido a alterações
importantes na neuroquímica cerebral (as monoaminas biógenas)
cujos sintomas mais importantes são a tristeza, a apatia, a falta
de esperança na vida, a ansiedade, os sentimentos de culpa e, nos
casos mais graves, as ideias e/ou tendências suicidas. Grosso
modo, existem duas espécies de depressão: a) endógenas (heredi-
tárias em sua grande maioria ou devidas a distúrbios neuroquími-
cos complexos); b) exógenas (são produzidas pelas circunstâncias
da vida: problemas pessoais, profissionais, dificuldades econômi-
cas, perda de entes queridos, rupturas na convivência e todos os
aspectos traumáticos que a vida pode trazer consigo). São fre-
quentes as depressões endo-reativas.
Diselpidia: termo que indica uma incapacidade de se projetar
no futuro ou, em outras palavras, de viver a vida com esperança.
As principais manifestações são a decepção, o desalento, a des-
moralização e a pouca esperança para com o próprio futuro, que
desliza para o desespero.
Dismorfofobia: sentimento de vergonha, desgosto ou fobia (v.)
autêntica de perceber como anti-estéticas certas partes descober-
tas do corpo. As zonas afetadas com mais frequência nesse sen-
tido são: nariz, papada, rugas, a raiz dos cabelos, orelhas e, com
menos frequência, as mãos.
Disismofobia: fobia (v.) de expelir maus odores.
Emoção: estado subjetivo afetivo mais breve que o sentimento,
que costuma ter um começo geralmente brusco, súbito, inespe-
rado e que é sempre acompanhado de sintomas físicos muito in-
tensos. Um exemplo seria a ansiedade (v.): taquicardia, pressão
precordial, dificuldade respiratória, diarreia, boca seca, erecção
dos pêlos etc.
Eritrofobia: fobia (v.) de ficar vermelho (dilatação dos vasos
sanguíneos faciais) perante pessoas ou situações difíceis. É muito
característico da pessoa tímida, retraída e/ou introvertida.
Estresse: estado de tensão excessiva e permanente que se pro-
longa além das próprias forças e que costuma dever-se a um
ritmo de vida vertiginoso e uma hiperatividade incansável. Acaba
terminando no enfarte do miocárdio, na depressão, na ruptura
conjugal e/ou em mudanças bruscas negativas da personalidade
(v.).
Fobia: temor de grande intensidade, insuperável, terrível e su-
perior às próprias forças, que se produz perante seres, objetos ou
situações. E necessário diferenciá-lo do medo (v.).
Fotofobia: fobia (v.) à luz intensa. Acontece também com pes-
soas retraídas, tímidas, introvertidas e/ou neuróticas. É preciso
diferenciá-la da doença real perante a luz que se produz em algu-
mas doenças oculares, nas quais é necessária uma certa proteção
para evitar o ofuscamento.
Galenofobia: fobia (v.) de médicos.
Galeofobia: fobia (v.) de gatos.
Ginecofobia: fobia (v.) de ginecologistas.
Glossofobia: fobia (v.) de falar em público.
Flarpaxofobia: fobia (v.) de ladrões.
Hematofobia: fobia (v.) de sangue.
Hidrofobia: fobia (v.) de água.
Hidroterapia: tratamento à base de banhos, duchas ou águas
balneárias para curar não só doenças artríticas ou musculares
como também certos estados ansiosos.
Hipnofacilitadores: fármacos que ajudam a conciliar o sono.
Existem muitos tipos de insônia: dificuldade para pegar no sono
em seus primeiros momentos, sono intermitente, interrupções do
sono durante a noite, despertar precoce, sonambulismo, sonhos
com conteúdo onírico de medo, terror, pânico ou ansiedade.
Hipocondria: atitude apreensiva através da qual um indivíduo
está permanentemente atento às sensações do corpo, dando- lhes
uma interpretação negativa. O exemplo mais representativo seria
Argan, personagem central da obra de Molière, O doente
imaginário. Esse sujeito, ao não se desapegar do corpo, vive cons-
tantemente analisando, investigando e percebendo rodas as sen-
sações que brotam em sua geografia corporal. Costuma ser uma
doença grave e de mau prognóstico.
Inteligência: existem mais de três centenas de definições desse
conceito. Mas podemos defini-lo como a capacidade de síntese, a
capacidade psicológica para distinguir o acessório do fundamental
e a facilidade para experimentar uma solução perante um pro-
blema novo e inesperado. Existem muitos tipos de inteligência:
teórica, prática, social, analítica, sintética, explicativa etc. Hoje
está bastante superado o termo quo- ciente de inteligência.
Metalofobia: fobia (v.) de metais.
Medo: temor superável ante seres, objetos ou situações. Aqui
se podem experimentar caminhos de fuga ou de enfrentamento
racional ante esse temor. O medo se produz sempre perante algo
objetivo, real, evidente e que se observa com clareza.
Misofobia: fobia (v.) mórbida dos contatos.
Misoginofobia: fobia (v.) de mulheres.
Necrofobia: fobia (v.) de cadáveres.
Neurose: termo que pode significar muitas coisas. De qualquer
forma, toda neurose é precedida de duas notas características:
ansiedade e sofrimento desnecessários. Também nesse conceito
se encaixam os conflitos, os traumas não-resolvidos e, definitiva-
mente, uma personalidade anômala, patológica ou desestrutu-
rada.
Nictofobia: fobia (v.) da noite. E frequente nas crianças e cos-
tuma associar-se a uma fobia do escuro e da solidão. Daí que
muitas mães deixem à noite a porta do quarto dos filhos entrea-
berta e com luz baixa.
Nosofobia: fobia (v.) de sofrer doenças; especialmente acentu-
ada no caso do câncer, da sífilis, da Aids e doenças graves em ge-
ral.
Obsessão: ideias, pensamentos, imagens ou impulsos absur-
dos, falsos, ilógicos que o indivíduo reconhece como carentes de
sentido, mas que não pode dominar. E preciso fazer uma distin-
ção entre obsessões patológicas e normais. Devemos chamar a es-
tas últimas simplesmente preocupações, ou seja, situações com-
plexas que num determinado momento embargam nossa vida e
exigem uma atenção especial. Resolvem-se com o passar do
tempo e com a aplicação de soluções adequadas.
Paixão: estado subjetivo afetivo vivido com grande intensidade,
acompanhado de alguns sintomas físicos (taquicardia, sudorese,
boca seca, tremores etc.) e no qual a razão pode diluir-se e dar lu-
gar a uma afetividade impulsiva e sem orientação intelectual.
Personalidade: a estrutura individual em que se resumem os
aspectos físicos (morfologia corporal, altura, peso), biológicos, psi-
cológicos, sociais, espirituais e culturais que vão ter uma unidade
atual e biográfica. Na personalidade é preciso distinguir duas geo-
grafias: caráter (v.) e temperamento (v.).
Psicastenia: termo descrito pelo médico francês Pierre Janet.
Consiste numa diminuição da tensão psicológica que vai se mani-
festar na impossibilidade de terminar as coisas, concluir as ações
ou os pensamentos. Isso dá lugar a uma constante reiteração: é
preciso repetir tudo com insistência, obstinação, teimosia; como
no mito do eterno retorno, é um ir e vir constante, frequente e pe-
riódico. Seus principais sintomas: insegurança, dúvida, cansaço
anterior ao esforço, falta de vontade, retração psicológica, intro-
versão acusada e distúrbio da sexualidade (impotência e frigidez).
Psicopatologia: o ramo da psiquiatria que estuda, ordena e sis-
tematiza os principais sintomas psíquicos por áreas (veja Rojas,
E.: Psicopatologia de la depresión — Psicopatologia da depressão
—, Salvat, Barcelona, 1984).
Psicoterapia: técnica através da qual uma pessoa cede em sua
ansiedade ou ganha em segurança de si mesma. O grande instru-
mento aqui é a palavra, em duas vertentes: a palavra falada (a
que o próprio paciente usa) e a ouvida (o discurso que o médico
transmite a seu paciente). Existem muitas técnicas de psicotera-
pia. Qualquer ato médico geral, se for positivo, terá um fundo psi-
coterapêutico, o que significa que o médico não está sozinho di-
ante de uma enfermidade, mas está perante uma pessoa enferma.
Querofobia: fobia (v.) à alegria transbordante.
Sentimento: estado subjetivo indefinido que tem sempre um
tom positivo ou negativo. Grosso modo, existem sentimentos posi-
tivos e negativos, mas não há sentimentos neutros. Pode-se esta-
belecer uma classificação dos sentimentos (veja Rojas, E.: El labe-
rinto de la afectividad — O labirinto da afetividade —, Espasa-
Calpe, Madri, 1988, capítulo II).
Sifilofobia: fobia (v.) de sofrer doenças sexualmente transmis-
síveis, especialmente a sífilis.
Socioterapia: técnica de tratamento através da qual se trata de
modificar, trocar ou ampliar o meio social do doente abrindo-lhe
novas perspectivas e buscando apoio, compreensão e intercâmbio
com pessoas mais ou menos afins.
Suicídio: conduta autodestrutiva através da qual um indivíduo
atenta contra a própria vida. A maioria das tentativas de suicí- dio
são de natureza depressiva. O denominado ‘suicídio filosófico é
uma peça de museu na clínica, já que por trás desses gestos e
atos autolesivos pulsam fortes tensões emocionais melancólicas
(veja Rojas, E.: Estudios sobre el suicidio — Estudos sobre o sui-
cídio —, Salvat, Barcelona, 1984).
Tanatofobia: fobia (v.) da morte.
Temperamento: a parte da personalidade mais herdada, mais
transmitida geneticamente. O temperamento é difícil de modificar
mediante a psicoterapia, pois tem um fundo rochoso, pétreo. Pode
ser modificado mediante uma psicofarmacoterapia.
Toxofobia: fobia (v.) de ser envenenado.
Xenofobia: fobia (v.) de estrangeiros.
Zoofobia: fobia (v.) de animais em geral.
NOTAS

Capítulo 1
1. CASARES, Julio. Diccionario ideológico de la lengua espa-
ñola, Barcelona, Editorial Gustavo Gili, 1954.
2. MOLINER, María, Diccionario de uso del español, Madri,
Ed. Gredos, 1971.
3. ALONSO, Martín. Gramática del español contemporáneo,
Madri, Ed. Guadarrama, 1968.
4. SAINZ DE ROBLES, F.C. Ensayo de un diccionario español
de sinónimos y antónimos, Madri, Ed. Aguillar, 1975.
5 Ao falarmos dos sintomas da angustia traçaremos as princi-
pais diferenças entre uma e outra.
À primeira vista pode parecer que essas diferenças pouco im-
portam, mas não é verdade. Do ponto de vista do tratamento seu
enfoque será distinto, assim como seus métodos curativos. Tam-
bém nos referimos a essa questão no capítulo 2, na seção “Sinto-
mas Psicológicos”.
Em toda depressão com fortes cargas de ansiedade é conveni-
ente, num primeiro momento, tratar farmacológica-
mente essa inquietude interior mediante ansiolíticos e psico-
relaxantes, depois começar com os antidepressivos.
6. A psicologia cognitiva moderna desenvolveu a chamada teo-
ria do toca-discos para interpretar o alerta emocional (MAN-
DLER, 1962, 1987), explicando que tudo se produz de forma se-
melhante a quando se enfia uma moeda numa vitrola automática;
esta seleciona um determinado disco, segundo o botão apertado.
No mundo psicológico, os fatores ambientais são os encarregados
de selecionar o comportamento resultante.
Podemos falar de dois tipos de alertas: os que excitam e os que
acalmam. Uns dependem da ativação do sistema nervoso
simpático; os outtos, da atividade do parassimpático; os sintomas
de um e de outro são quase opostos.
7. O sistema límbico está situado na zona intermediária do cé-
rebro. Ele apresenta dois grandes circuitos de informação: o fascí-
culo dorsal, conectado com as zonas posteriores a ele (o tálamo, o
hipocampo, os corpos geniculados, os tubérculos quadrigêmeos e
o cerebelo principalmente) e o fascículo ventral (que o une aos tu-
bérculos mamilares e às áreas pré-óticas). Um e outro, além de
enviar informações, mantêm a estabilidade emocional do indivi-
duo.
Num livro como este, não quero entrar em excessivos detalhes
anatômicos e fisiológicos, que nos levariam muito longe e que,
além do mais, não trariam nada de verdadeiro interesse ao leitor a
que se destinam estas informações genéricas.
8. É o nucleus coeruleus que recebe uma grande quantidade
de dados das zonas adjacentes e que, por sua vez, envia informa-
ções até o sistema límbico e o córtex.
Hoje se fala muito na investigação mais recente dos sistemas
cerebrais de ataque-fuga, relacionados a vivências de antecipação
temerosa, que deslizam para o terreno da ansiedade.
o francês Pierre Janet foi o primeiro a elaborar uma teoria (Ia
neurose e, portanto, da angústia, considerando-a um aconteci-
mento plural, de extensão e amplitude muito variadas.
Hoje, na psiquiatria de nossos dias, buscam-se bases biológi-
cas, tanto bioquímicas quanto anatomopatológicas.
10. Veja seu trabalho de investigação “Psychiatric experience
with patients receiving renal and hepatics transplant”, in Psychi-
atric aspects of organ transplantation, editado por Castelnuovo-
Tedesco, Gruñe & Stratton, Nova York, 1988.
Quero mencionar também um trabalho nosso:
Rojas, E. et al, “Modificaciones del estado de ánimo en pacien-
tes depresivos”. Congresso Internacional de Neuro- ciências.
Cidade do México, julho de 1980.
Nele foram estudados 50 pacientes que iriam sofrer interven-
ção cirúrgica. Foram formados dois grupos: A, onde se incluíam
os que foram submetidos a extirpação estomacal (gastrectomia)
ou da vesícula biliar; o grupo B era formado por outros de inter-
venções cirúrgicas muito diversas. Cada um era composto de 25
pacientes. O método de trabalho foi o seguinte: em cada uma das
amostras foi efetuada uma pesquisa para ver como estava o es-
tado de ânimo, na seguinte ordem cronológica: cinco dias antes
da operação, três dias antes e cinco e dez dias depois, respectiva-
mente. Utilizou-se uma escala para medir a conduta depressiva e
outra para a ansiosa, de forma a se obter um resultado que se pu-
desse expressar numericamente, como um exame de sangue ou
de urina.
Os resultados foram os seguintes: no grupo A, o estado de
ânimo foi ansioso antes da operação e mais depressivo depois.
Isso se justifica claramente: submeter-se a uma intervenção cirúr-
gica sempre produz inquietude e temor, já que não se sabe o que
acontecerá. A depressão se explica pela anestesia, que deixa após
a operação um certo estado de las- sidão parecido com o mundo
da melancolia.
No grupo B os resultados sao semelhantes, embora a pontua-
ção obtida tenha sido um pouco menor.
Isso ressalta a existência de estímulos ansiogênicos: um
exame, uma prova pessoal de qualquer espécie, um negócio de
envergadura, uma preocupação importante, uma notícia, o estar
repleto de trabalho e sem tempo para responder ordenadamente
às exigências profissionais e uma grande variedade de questões
nessa mesma linha.
11. Conduz a uma formação intelectual e cultural séria. Não
nos esqueçamos de que a cultura torna o homem mais livre. Além
do mais, ela o lança para o mundo criativo, em suas muito diver-
sas facetas: arte, literatura, música, teatro, pintura, escultura etc.
O homem letárgico flutua no estupor do cotidiano, numa paz
improdutiva, cloroformizada, que não conduz a lugar algum, mas
somente a um adormecimento geral. É melhor ter ansiedade,
ainda que patológica, do que viver nesse estado.
Capítulo 2
1. Estas são: o sistema nervoso autônomo, o sistema nervoso
central em suas diferentes partes e relações (zona frontal, relacio-
nada com a dor); zona temporal e medo; substância reticular rela-
cionada com o ritmo sono-vigilância; os centros do sono estão re-
lacionados, além do mais, com áreas subcor- ticais, núcleo da
amígdala e hipotálamo lateral: lugar onde se acomoda a agressivi-
dade), assim como as conexões entre o córtex cerebral e o hipotá-
lamo.
O cérebro tem uma organização muito complexa, que permite
distribuir funções psíquicas por territórios concretos dele. Isso
tem sido possível graças aos enormes avanços da neurofisiologia e
da cirurgia cerebral.
Hoje se estabelecem grandes diferenças entre o cérebro
anterior e o posterior, entre o direito e o esquerdo, entre o cór-
tex (superficie) e as zonas subcorticais (profundidade). Potentes fi-
bras de associação envolvem uns setores com outros.
Existe um pequeno núcleo cerebral, o chamado locus ceru-
leus, que é como uma central responsável pelo medo e pela ansie-
dade. Poderiamos chamá-lo, em linguagem metafórica, enclave ou
região de alarme. Ali se recebe uma rica e complexa informação
que é processada e elaborada. Experimentalmente, pôde-se obser-
var que o estimulo elétrico desse centro provoca respostas de
medo, ansiedade e/ou pânico, tanto no homem como em cobaias.
2. O estimulo do sistema nervoso simpático produz na medula
supra-renal grandes quantidades de adrenalina, que passam ao
sangue circulante e dali a toda a nossa economia orgânica.
Kelly, um dos grandes investigadores da matéria, considera
que a adrenalina é o indicador bioquímico da atividade emocionai
Outros trabalhos cientificos apontaram que nos individuos que
haviam sofrido uma emoção e a adrenalina diminuia rapida-
mente, estamos diante de pessoas mais equilibradas, ao contrário
de outras em que essa se normaliza mais lentamente.
As mulheres são mais emotivas que os homens, embora me-
nos propensas a responder com altas descargas de adrenalina.
S. A sociedade ocidental tem sido historicamente mais ansio-
gênica, frente a um adicional de inquietude que aparece nas ori-
entais, mas por isso tem sido também mais criativa.
Recomendo ao leitor a seção “Ansiedade positiva e negativa”.
4. l'.xiste uma modalidade psicológica muito freqüente em in-
divíduos com escassas possibilidades de desentranhar seus senti-
mentos. São chamadas pessoas alexitímicas, que não sabem ler,
ou melhor, expressar, relatar, contar, referir o que se move den-
iio delas. Não existem matizes nem riqueza nos conteúdos,
III.IS a informação que chega é elementar, sucinta e pobre.
5. MARTÍN ALONSO, Diccionario del español contemporáneo,
Ed. Guadarrama, Madri, 1968.
Recomendamos ao leitor interessado em consultar outras fon-
tes conceituais; MARÍA MOLINER: Diccionario de uso del español;
JULIO CASARES: Diccionario ideológico de la lengua castellana;
F.C. SAINZ DE ROBLES: Diccionario de sinónimos y antónimos;
JOAN COROMINAS; Diccionario etimológico e, por último, de
FERNANDO CORRIPIO, Diccionario de ideas afines.
6. Os criterios de resposta social possuem três divisões: forma,
conteúdo e contexto. Em termos mais corriqueiros: texto e con-
texto. Uma conduta social adequada, com bons níveis de asserti-
vidade, está determinada em grande medida por ter e contar com
esquemas corretos no modo de estruturar o mundo. Esquemas
que vão se formando através de experiências anteriores. A isso
chamamos experiência da vida.
Na ansiedade, o indivíduo tem esquemas falsos das pessoas,
do que é a relação social, das amizades ou da diferença entre ami-
gos e conhecidos. Distorce as ações, as frases, os gestos. Não sabe
agir em situações difíceis ou tensas, o que faz aumentar sua ansi-
edade. O tratamento do psiquiatra leva a uma pedagogia interior
ou, melhor dizendo, a uma reestruturação da linguagem interior.
O indivíduo vai aprendendo a dizer-se coisas mais certas, realis-
tas, mais positivas, com base em ações tiradas da vida real. Isso
conduzirá a uma aprendizagem para reconhecer e controlar me-
lhor seus pensamentos.
O tema é muito amplo. Nós iríamos ao campo da super- espe-
cialização. Só quero deixar apontada essa vertente tão importante
e atual das emoções.
('al>ítulo 3
Estuda a vertente física das emoções e estados psíquicos em
geral. Transtornos emocionais sustentados que acabam compro-
metendo um determinado território de nosso organismo.
Inter-relações entre o chamado sistema límbico e o córtex ce-
rebral, o sistema de ativação, o sistema endocrino e o sistema
nervoso vegetativo. Todas essas conexões explicam a ampla gama
de possibilidades dos quadros clínicos: desde a úlcera estomacal
(provavelmente o caso mais habitual) à hipertensão arterial, pas-
sando pela alopecia areata (queda de cabelo, limitada a zonas
concretas do couro cabeludo), a asma psicogênica, os distúrbios
menstruais, a colite, a dor psicogênica, a obesidade, o angorpecto-
ris ou a acne juvenil. Essa parte estuda muito a fundo a psicobio-
logia do estresse. Essas investigações ressaltaram que influi uma
densa rede de fatores, uns na gênese e outros na manutenção do
transtorno. Ambos desembocam numa enfermidade psicossomá-
tica.
Rotter e colaboradores cunharam o conceito de locus of con-
trol, que pretende manifestar a predisposição a efetuar determina-
dos tipos de atribuições geralmente incorretas (ou seja, atribuir o
que acontece com esse indivíduo a fatores externos ou internos).
Os indivíduos com locus of control externo são mais vulneráveis
ao estresse, segundo demonstraram Toves (1985) e Schill (1988).
Os estados de tensão emocional e intelectual crônica são, em
regra, o ponto de partida.
Todo doente apreensivo acaba tendo um amplo histórico de
peregrinações médicas. Muitos foram os médicos que o viram:
uns disseram umas coisas e outros mostraram a gravidade de
sua doença psíquica. A isso os ingleses chamam doctor-shopping.
Conduz a uma grande deterioração das relações médico- paciente,
com frustrações e agressividade final de ambos os lados. Esses in-
divíduos creem que não recebem atenção ade- i]uada e que o mé-
dico não captou a essência de seu problema.
Capítulo 4
1. A palavra neurose é um termo mágico. Podemos defini-la
como aquela doença cuja chave são os conflitos e que tem na an-
siedade seu sintoma nuclear.
Este conceito passou para a linguagem cotidiana. Ele é utili-
zado da mesma maneira que em outro tempo se utilizou o vocá-
bulo histeria e boje está em moda o de depressão.
Para simplificar ao máximo diremos que neurótico é sinónimo
de personalidade complicada, difícil, estranha, com uma forte ten-
dencia à introversão, que não perdeu o contato com a realidade.
Não existe uma base orgânica. Isso a diferencia da esquizofrenia e
de outras formas psiquiátricas graves.
A conduta pode chegar a encontrar-se seriamente afetada em-
bora, em regra, esteja dentro dos limites aceitos pela sociedade.
As principais formas clínicas estão representadas por aquelas em
que predominam sobretudo a ansiedade, as fobias, as obsessões,
a histeria, ou manifestações histéricas ou uma mistura compli-
cada delas.
2. Processo de auto-análise que acaba encontrando razões
geralmente falsas, mas que a esse indivíduo ‘servirão’ para com-
preender o que lhe aconteceu. Dessa posição se inicia a trajetória
que conclui nas fobias.
3. Isso se chama antropofobia. Com freqüência, um mesmo
paciente pode sofrer várias fobias de uma vez, entre as quais
existe uma relação muito estreita.
Antropofobia = fobia aos espaços onde existe muita gente (lo-
jas, grandes supermercados, festas sociais etc.).
4. Veja seu livro Formas actuales de neurosis (Ed. Pirámide,
Madri, 1981), onde são expostas as principais características des-
sas doenças, assim como os tipos mais importantes.
Utiliza os termos de semifobias para os medos e repulsas ate-
nuados e os de pseudofobias para os medos, infantis ou juvenis,
de bom prognóstico e pouco valor clínico.
Detalhando mais essa parte, é preciso dizer que não comparti-
lham nenhum tipo de diversão fora de casa. Por outro lado, dela
quase não há demonstração de afeto e de detalhes afetuosos.
Mais de um ano sem qualquer tipo de atividade sexual. Ela tem
uma ausência total de libido, além da frigidez. Embora seu ma-
rido se mostre compreensivo, nos pede um prognóstico sobre a
evolução de sua mulher.
6. Nós temos preferido entrar diretamente nesse tipo de trata-
mento. Não obstante, em muitas ocasiões o tratamento de algu-
mas fobias muito concretas pode consistir em métodos de redu-
ção do medo simples e relativamente fáceis de levar a cabo ou, in-
clusive, a terapia de imaginação guiada, que consiste em fazer o
paciente imaginar que está na situação fóbica (está falando em
público, se tem fobia de falar com muita gente; está no décimo-
quinto andar, se tem fobia de altura; está dentro de um pequeno
elevador, se tem claustrofobia etc.), de modo que seja inundado
por essa situação. O paciente imagina cenas que vão sendo suge-
ridas pelo psicoterapeuta; inclusive, é bom que o paciente ex-
presse verbalmente seus temores ou o que vai sentindo,
estabelecendo-se assim um diálogo entre ambos. É uma psicote-
rapia provocadora de ansiedade, no decorrer da qual o médico en-
sina a outra pessoa a respirar melhor, a tolerar mentalmente essa
aproximação fantástica, a desdramatizá- la, a ir reduzindo-a de
intensidade em nível intelectual.
Daqui podemos passar à terapia de aproximação gradual: va-
mos assim desde a ‘dessensibilização em imagem’ à ‘dessen- sibi-
lização in vivo', até chegar ao ‘treinamento de conduta’. É uma
aproximação sucessiva entremeada de lutas, nas quais o paciente
avança graças à presença e à ação do psiquiatra e de sua equipe.
O que fazemos aqui é ir erradicando a base psicológica sobre a
qual se assenta a fobia: o haver praticado permanentemente con-
dutas de prevenção. Agora invertemos esse caminho. Vamos no
sentido oposto. Por isso o começo é sempre difícil.
7. O termo vem do latim obsidere\ cercar, assediar, rodear, .
encerrar. O latim jurídico utilizou compellere: ver-se forçado
a declarar em um juízo. O grego nos traz sua etimologia na ex-
pressão ananké-, fatalidade.
Em alemão, existem duas palavras; Zwang, obrigação, coação,
e Zwangsvorstellung, imagens ou representações forçadas, obriga-
das.
Todas as etimologias vão parar num conceito semelhante; fe-
nômenos mentais involuntários que dominam sem motivo e ocasi-
onam um sofrimento enorme-, este dependerá da intensidade e
freqüência de seus conteúdos.
8. Um transtorno muito típico nesse grupo é a aritmomania,
que consiste em levar a cabo na cabeça operações aritméticas in-
definidas. O indivíduo soma, subtrai, multiplica, divide, ordena os
números, altera-os, fragmenta séries numéricas vez por outra, até
ficar esgotado.
Se não fizer isso, é invadido por uma enorme ansiedade e mui-
tas vezes o medo de que possa acontecer algo a si ou a alguém de
sua família. Eis aí o drama e a doença irracional juntos.
9. Aqui se trata de fazer uma cirurgia cerebral, prévia crani-
ecto- mia ou abertura cirúrgica do cérebro por alguma via con-
creta. Pode-se comprovar desde a Antiguidade que esses métodos
de tratamento têm uma certa eficácia em casos obsessivos graves.
Já alguns médicos antigos e medievais recomendaram a per-
furação craniana em manias e melancolias. Mas foi o Prêmio No-
bel português Egas Moniz que, extirpando e seccionando os lóbu-
los frontais de certos chimpanzés, observou como estes ficavam
tranquilos, como se fossem amansados. Depois outras experiên-
cias foram realizadas nessa linha; Jacobsen (1935), Freeman e
Watts (1935), Jost (1950), até chegar a nossos dias, onde a deno-
minada leucotomia é a indicação final de muitos doentes obsessi-
vos graves e incuráveis.
As técnicas são muito díspares e sofisticadas. Têm riscos im-
portantes e deve-se ponderar muito detidamente o levar um do-
ente desse tipo a uma cirurgia tão séria e comprometida.
10. Essa escala de conduta foi apresentada inicialmente no In-
ternational Congress for Suicide Prevention, realizado em Ottawa
(Canadá) em 1980. Está em sua fase final de validarão, sendo um
instrumento de medida psicológica de grande utilidade na prática
diária, assim como em trabalhos de pesquisa.
Hoje em dia as escalas de conduta têm proliferado muito; há
as que medem a depressão, a ansiedade (veremos algumas no ca-
pítulo V), as fobias, a esquizofrenia, a neurose, entre outras.
('ajntulo 5
1. A isso damos o nome de mecanismo sotérico: combate-se o
temor ao levar consigo ‘uma certa segurança’. O melhor é reco-
mendar um ansiolítico incisivo, forte e que tenha uma absorção
rápida para que se note seu efeito o mais cedo possível.
2. As duas mais frequentes são a dessensibilização, que cos-
tuma apoiar-se inicialmente no relaxamento e nas técnicas
aversivas.
Todas elas foram conseguidas como consequência dos pro-
gressos na investigação psicológica.
Essas técnicas se baseiam na aproximação ao vivo a esses es-
tímulos e situações difíceis, algumas vezes de forma gradual c,
outras, de estalo. O médico acompanha seu paciente, o conduz a
essas situações e o ajuda a superá-las. Esse enfrentarnento pro-
duz ansiedade no início (é lógico e inevitável), mas a médio prazo é
muito benéfico, sobretudo nas fobias, obsessões e fenômenos ob-
sessivo-compulsivos.
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SUMÁRIO

PRÓLOGO _______________________________________________________ 4
INTRODUÇÃO: A ANSIEDADE DO HOMEM MODERNO ___________________ 6
1. CONCEITO____________________________________________________ 14
Excursão Etimológica ________________________________________________ 14
O Conceito De Ansiedade _____________________________________________ 15
Definição De Ansiedade E Primeira Conclusão ____________________________ 17
Ativação Máxima E Mínima ___________________________________________ 20
A Complexidade Da Ansiedade E Segunda Conclusão_______________________ 21
Causas E Motivos Da Ansiedade ________________________________________ 24
1. Traumas Biográficos______________________________________________________ 29
2. Fatores De Predisposição__________________________________________________ 31
3. Fatores Deflagradores ____________________________________________________ 31
O Estresse _________________________________________________________ 34
1. A Úlcera Estomacal ______________________________________________________ 39
2. O Enfarte Do Miocárdio ___________________________________________________ 40
3. Crises Conjugais, Problemas De Comunicação E Mudança Negativa Da Personalidade 40
Ansiedade Positiva E Negativa _________________________________________ 42
Ansiedade E Depressão: Semelhanças E Diferenças ________________________ 46
2. SINTOMATOLOGIA ____________________________________________ 50
Formas De Apresentação: Crise, Episódio, Temporada E Estado ______________ 50
Classificação Dos Sintomas Da Ansiedade ________________________________ 53
Sintomas Físicos ___________________________________________________________ 54
Sintomas Psicológicos ______________________________________________________ 56
Sintomas De Conduta ______________________________________________________ 60
Sintomas Intelectuais _______________________________________________________ 61
Sintomas Assertivos (Ou Transtornos Nas Habilidades Sociais) ______________________ 64
Questionário Para Medir A Ansiedade___________________________________ 67
3. AS DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS _________________________________ 73
A Ansiedade Como Gênese De Uma Patologia Ampla E Dispersa _____________ 73
Os Caminhos Da Ansiedade ___________________________________________ 76
As Principais Doenças Psicossomáticas __________________________________ 82
O Apreensivo, O Doente Imaginário Ou Hipocondríaco _____________________ 84
4. FOBIAS E OBSESSÕES ___________________________________________ 91
Da Ansiedade À Fobia ________________________________________________ 92
Que São As Fobias? __________________________________________________ 95
Classificação Das Fobias ______________________________________________ 97
Nossa Paciente Rocio: Um Caso Clínico Difícil ____________________________ 101
O Que São As Obsessões? ____________________________________________ 108
Tipos De Obsessões_________________________________________________ 116
Obsessão E Suicídio _________________________________________________ 124
5. TRATAMENTO _______________________________________________ 132
Farmacoterapia ____________________________________________________ 132
Psicoterapia _______________________________________________________ 138
Socioterapia_______________________________________________________ 142
Outras Medidas ____________________________________________________ 143
GLOSSÁRIO ____________________________________________________ 149
NOTAS ________________________________________________________ 158
BIBLIOGRAFIA __________________________________________________ 169
SUMÁRIO _____________________________________________________ 171

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