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ANÍSIO TEIXEIRA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:

DA EDUCAÇÃO EUROPÉIA À NORTE-AMERICANA

FAVORETO, Aparecida – Universidade Federal do Paraná (doutoranda)


GALTER, Maria Inalva – Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Este trabalho tem como principal objetivo fazer uma reflexão histórica do entusiasmo de
Anísio Teixeira para com o modelo de educação dos Estados Unidos da América na década
de 1930. Com base em algumas de suas obras que narram o modelo norte-americano de
educação, pode-se afirmar que o entusiasmo deste autor baseia-se na idéia de que a
educação era a grande causa do progresso da América do Norte e a rapidez com que ela
vinha tornando-se uma nação rica e democrática. Para este autor, o progresso daquele povo
só poderia ser explicado, se levasse em conta o seu espírito inovador, que conseguiu romper
com as velhas tradições. Para ele, o progresso material dos EUA era resultado da forma de
ser do povo americano, que, em meio à vibração de sua vida nacional e espírito
democrático, conseguiu atingir o progresso humano. Em sua perspectiva, o Brasil poderia
também alcançar tal progresso se construísse um sistema de ensino semelhante. Entretanto,
no que se refere a historiografia brasileira, esta leitura de Anísio Teixeira, muitas vezes é
repassada para a história da educação como expressão de um pensamento progressista e
democrático, mas por outro lado, também é vista como uma tradução do pensamento
burguês conservador, que não atendia as necessidades da classe trabalhadora, mas estava
inteiramente comprometido com a burguesia nacional. Diante desta diversidade de análises
sobre este autor, neste trabalho apenas objetiva-se refletir sobre o lugar de Anísio Teixeira
na história do Brasil. Perseguindo os argumentos produzidos por Anísio Teixeira, em
comparação com o contexto histórico, busca-se refletir sobre a relação de sua defesa
educacional com as questões postas para serem resolvidas pela educação. Anísio Teixeira,
ao apontar o espírito e o modelo de educação norte-americano como elementos essenciais
na condução do progresso brasileiro, revela, não apenas um suposto caráter ideológico
partidário, mas trata-se de um registro histórico de uma época que o Brasil apenas iniciava
a construção de um sistema nacional de ensino público. Sendo assim, conclui-se que, no
contexto histórico dos anos 30, o significado das formulações acerca das preocupações com
a construção do sistema de ensino nacional era, na verdade, um recurso que ele considerava
o mais avançado até então produzido pelo homem.

Linha de pesquisa: 1. Historiografia e questões teórico-metodológicas da História da


Educação
2

ANÍSIO TEIXEIRA NA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:


DA EDUCAÇÃO EUROPÉIA À NORTE-AMERICANA
FAVORETO, Aparecida – Universidade Federal do Paraná (doutoranda)
GALTER, Maria Inalva – Universidade Estadual do Oeste do Paraná (docente)

O ideal de construir um sistema de ensino no Brasil que possa elevar o


desenvolvimento econômico e o espírito democrático esteve em evidência durante todo o
século XX e continua ainda mobilizando vários setores da sociedade. Anísio Teixeira, na
década de 1930, deslumbrado com o progresso norte-americano, contribuiu para esta
discussão, elaborando um amplo projeto de reforma educacional para o Brasil, em que o
sistema de ensino dos Estados Unidos da América aparecia como ideal a ser atingido.
Entretanto, a defesa do ideal norte-americano de educação, resultou para este autor
uma série de críticas que, hoje ao ser lembrado pela historiografia, ora é citado como
representante de um pensamento progressista e democrático; ora é criticado e acusam-no de
ser representante de um pensamento burguês conservador.
Diante desta diversidade de análises, ao trabalhar a disciplina História da Educação,
surge um impasse. Afinal, Anísio Teixeira foi um autor comprometido com os interesse
conservadores ou situava-se entre os progressistas?
Compreendendo que qualquer opinião conclusiva sobre a posição ideológica deste
autor possa perder a sua contribuição para a história educacional brasileira, neste trabalho,
apenas pretende-se refletir historicamente sobre seu deslumbre com a sociedade norte-
americana, tecendo algumas considerações que possam estimular outras reflexões sobre sua
concepção educacional. Espera-se, que com este esforço possa entender Anísio Teixeira no
limite de sua época, sem repassar para a mesmo a responsabilidade e os desafios da
educação atual. Com este estudo, pretende-se participar do debate da história da educação
brasileira, de modo a discutir a educação no movimento histórico.
A viagem de Anísio Teixeira aos Estados Unidos da América, em 1927, causou-lhe
um grande impacto, exatamente porque aquela sociedade, que era jovem como o Brasil,
mostrava-se economicamente rica, ultrapassando em riqueza, em desenvolvimento técnico
3

e em construção de indústria, a grandiosa Europa1. Lembra o jovem educador que aquele


país havia se tornado uma nação rica e industrializada não por acaso, mas devido ao
“esforço”, à “ousadia” e ao “espírito de liberdade”, que eram suas grandes características.
Enquanto que a Europa “sufocada”, tinha apenas a “esperança” de construir uma “nova
organização social”. Para ele, ao lado do crescimento populacional dos EUA:

avultava a riqueza na mesma surprehendente proporção. Sem classes, sem limites, sem
estratificações, a raça branca, que se suppunha fatigada e doente, levantou, em um seculo, a
mais inesperada construcção material de civilização que a intelligencia humana podia
conceber.
Não havia tempo para os jogos doutrinarios interessantes e perigosos da velha Europa. A
população americana trabalhava mais do que pensava. Estava occupada em construir uma
casa nova (TEIXEIRA, 1934, p.32 a 34).

Para ele, nos EUA, questões como integração social, temperança, separação da
Igreja e do Estado, eram resolvidas com mais facilidades que na “velha” Europa e
acreditava que o sucesso americano baseava-se no trabalho do povo, que mais do que
pensar, mais do que valorizar a cultura, preocupava-se com a vida prática do homem,
preocupava-se em construir uma “casa nova”, cheia de espaço, riqueza e liberdade. Para
ele, o Estado norte-americano apresentava-se como uma sociedade completamente nova.
Nova na idéia de trabalho, de inteligência, de organização política e social.2
Salienta Anísio Teixeira que o espírito de liberdade, de crescimento e de inovação
encontrados nas terras norte-americanas estavam também presente em todas as suas
instituições, inclusive no sistema de educação. Assim, destaca que naquele país estava se
realizando “através de sua educação e de suas innumeras instituições sociais [um]
alargamento e expansão da vida em todos os sentidos”. Assim, diz:

É uma cultura, uma cultura material, intellectual, moral e artistica, de que todos venham a
participar, que se está elaborando nessa parte do planeta. Nenhuma face do problema está
esquecida, parte alguma do desenvolvimento material de republica ganhou tal hypertrophia
que a leve a medrar á custa de sacrificios de valores. Conscientemente, deliberadamente, é

1
“Em fins do seculo XIX e princípios deste século XX ... proclamava-se, em livros, a sua bancarrota, andava
na boca de toda a gente a idéia de que a Europa estava doente de cultura. A sua excessiva cultura pervertera as
suas fontes de vida. Faltava espaço, faltava liberdade, faltava riqueza, faltava ar á vetusta Europa. Só podia
restar a guerra. Veio então a grande guerra” (TEIXEIRA, 1934, p. 32).
2
Sobre a paixão americana para construir o novo comenta Tocqueville: a “inquietação do espírito, o desejo
imoderado de riquezas” do homem americano é que garante aos EUA um futuro promissor e pacífico, porque
o “desejo de bem estar tornou-se uma paixão inquieta e ardente, que aumenta à medida que se satisfaz”(1987,
p. 218).
4

para o bem estar de todos os americanos, sem distincção, sem barreiras sinão as impostas
pela natureza, é por uma vida mais larga e mais ampla, que todas as forças dessa civilização
estão lutando (TEIXEIRA, 1934, P.13).

Para ele, a lição a ser tirada da escola americana é a compreensão de que a escola
surgiu para preencher uma necessidade social, isto é, preparar o homem para a vida social.
Porém, esta preparação não poderia se dar de forma particularizada, restrita, limitada
apenas a uma parte da sociedade, mas deveria dar-se de forma organizada, sistematizada, de
modo a atingir todos os setores sociais em um sentido global. Procurando salientar a íntima
relação existente entre a educação americana e os novos rumos da sociedade, mostra que o
modelo americano distanciava-se do europeu, por ter superado aquele sistema de ensino
puramente “clássico”,“literário” e “erudito” que nada contribuía para a solução dos
problemas práticos da vida do homem. Em artigo publicado no “Diário de Notícias”, no
início da década de 30, Teixeira afirma que a educação americana destaca-se do modelo
europeu por trazer um novo espírito, mais útil e prático, estando, o sistema americano em
consonância com as necessidades democráticas.
Assim, ressalta que a América do Norte era representante de um novo sistema de
ensino, muito mais adequado às novas exigências da sociedade. Segundo ele, por ser este
país jovem, livre do peso das antigas tradições arraigadas nos países europeus, pode
construir um novo sistema de ensino3.

A Educação escolar de todos os povos refletiu, mais ou menos, a fase nova da humanidade.
Foram revistos programas e cursos. Tudo entrou na ebulição dos nossos dias. Ainda aí,
porém, a escola, longe de dirigir o movimento, sofreu-o. Os planos de reconstrução escolar,
salvo o de países novos, como os Estados Unidos, que receberam de chôfre a nova
civilização, e em grande parte a criaram, sem quase passar pelos estágios anteriores, foram
planos de transação, de acordos, de arranjos laboriosos entre as novas exigências do tempo
e as tradições arraigadas de séculos (TEIXEIRA, 1953, p. 23-4).

3
Anísio Teixeira não é o único, nem o primeiro a deslumbrar-se com a civilização americana. Tocqueville, na
primeira metade do século XIX, em sua análise sobre a democracia americana, destaca semelhantes questões,
isto é, de ser aquele país livre das antigas forças do passado, que “domina sem obstáculos” (TOCQUEVILLE,
1987, p. 152). Mas antes mesmo de Tocqueville, outros conceituados pensadores também demonstravam
admiração para com os EUA. Entre os mais eminentes, podemos citar Adam Smith, que, já no século XVIII,
mostrava-se surpreso com o progresso, com o crescimento econômico e as leis estabelecidas nas colônias
inglesas da América do Norte (Smith, “A riqueza das Nações”, V. II, 1985, p. 61 a 74). Ou seja, no cenário
intelectual, havia um entusiasmo em relação aos EUA, principalmente no que se refere ao entendê-lo como
um novo que rompia com o passado.
5

Quanto à fascinação de Anísio Teixeira para com a sociedade americana, em parte,


ela pode ser explicada pelo seu entendimento de processo de desenvolvimento social. Para
ele, havia uma tendência mundial à transformação, em que antigos valores sociais, culturais
e de conhecimentos estariam sendo substituídos por outros. As inovações técnicas e
industriais criavam a necessidade do homem buscar melhor compreender e atuar na sua
vida diária e os norte-americanos eram os que melhor representavam esta tendência social.
Nesse processo transformador, segundo ele, o Brasil, apesar de ser um país jovem
como os Estados Unidos, permaneceu, por razões culturais e colonizadoras, mais ligado aos
padrões e formas européias de vida. Noutras palavras, enquanto a América do Norte
avançou para uma experiência cultural nova, o Brasil importou as idéias culturais e
educacionais da Europa, preocupando-se primeiro em formar a elite e, só depois, com a
revolução industrial, é que criou as escolas populares. Segundo Anísio Teixeira, nos
Estados Unidos este processo se deu de forma diferente:

Desde cedo, a nação revela a mais viva preocupação pela escola. Esta surge como
instituição local, tão obrigatória quanto a capela, ou a igreja. Nenhuma comunidade podia
existir sem escola. Não só a religião como também a filosofia social dominante impunham
essa instituição. Já isto era novidade. O protestantismo exigia, sem dúvida, a leitura para a
prática religiosa, e sob êste aspecto as colônias reproduziam as nações protestantes da
Europa. Havia, porém, mais do que religião. Era religião e iluminismo, ou seja, confiança
no saber novo. Leitura da Bíblia e ciência, como objetivos populares, senão religiosos
(TEIXEIRA, Confronto entre a educação superior dos estados Unidos e a do Brasil,
REVISTA Brasileira de Estudos Pedagógicos, (78): 1960, p. 63-4).

Nos EUA, a revolução religiosa e a revolução do saber, inspiraram a escola a buscar


uma nova concepção de mundo e um novo ideal educacional, que se caracteriza,
principalmente, pela valorização do progresso material e do avanço científico e por um
abandono do propósito de formar o espírito do homem apenas para o sobrenatural. Nesta
nova concepção, a escola americana faz-se mais presente na vida da comunidade, tornando-
se mais livre das convenções e mais preocupada com as necessidades da produção do que
com construir homens de destaque4. Na verdade, o interesse pela educação americana não
aparece somente nos anos 30, mas se faz presente em alguns discursos brasileiros desde o

4
Segundo Anísio Teixeira, no Brasil, durante a Primeira República, as pretensões educacionais da classe
dirigente não eram de formar seus filhos para o trabalho no campo ou industrial, mas, em geral, almejava-se,
através da escola, conquistar ou preservar os cargos públicos. A velha mentalidade escravocrata não
acreditava no ensino para o trabalho, mas na escola que pudesse dar status social. Assim, valorizava-se o
ensino acadêmico e aristocrático.
6

final do século XIX. Anísio Teixeira, na década de 30, retoma algumas das idéias
pronunciadas por intelectuais brasileiros em épocas anteriores5 e mantendo a mesma tônica,
entende que esse modelo representa um novo conhecimento, mais adequado às novas
realidades da sociedade, mais popular e democrático, diferenciando-se, desta forma, do
ensino tradicional europeu, que permanecia voltado ao ensino acadêmico e acessível apenas
a uma pequena classe de privilegiados.
Para ele, a libertação do ensino americano em relação ao modelo europeu, iniciou-
se, no final do século XIX, quando se criaram os “conselhos” populares, os quais tinham
como função controlar a escola. Vejamos como autor se refere à questão:

A transformação se inicia, realmente, já pelo fim do século dezenove. Começa, então, a


escola a ser algo diferente e, de certo modo, único, na história educacional. Concorrem para
isto três fatos, que marcam, ao mesmo tempo, a grandeza e a servidão da educação norte-
americana: Primeiro, as escolas têm organização local - e não central - sob direção de
conselhos leigos e populares; segundo, inspira-as o ‘praticismo’ do espírito americano,
concebido o saber como algo de instrumental, e não como fruição estética; terceiro, os
objetivos escolares são objetivos do presente, atuais, imediatos, e não os do passado ou do
futuro remoto (TEIXEIRA, Confronto entre a educação superior dos Estados Unidos e a do
Brasil, REVISTA Brasileira de Estudos Pedagógicos, (78): 1960, p.64).

Segundo Teixeira, estes três fatos (organização local, praticidade e objetivos atuais)
são totalmente estranhos ou dificilmente inteligíveis para um “europeu”, cuja concepção
escolar baseava-se no “pedagogismo”, “intelectualismo” e “verbalismo”. O conteúdo
ensinado nas escolas européias não é o da praticidade, não se refere ao dia-a-dia do aluno;
baseia-se, antes, em conhecimentos “isolados” e “lições fixadas de antemão”, cujos fins
não são formar o indivíduo para a vida ativa, equipá-lo intelectualmente para tomar
decisões no desenrolar dos acontecimentos humanos, mas prendem-se a um ideal de
homem perfeito e imutável.
A educação americana, segundo Anísio Teixeira, diferencia-se da educação
européia por ter-se distanciado da atividade exclusivamente acadêmica, do saber literário e
adotar como princípio educativo uma atividade cientificamente planejada, mantendo uma

5
A lista de autores que defendem o ideal americano é grande. Dela podemos retirar alguns importantes
nomes, como: Tavares Bastos, Rui Barbosa, José Veríssimo. Um dado importante a ser ressaltado quanto a
este aspecto é que o Estados Unidos, no final do século XIX e principalmente no início do século XX, deram
um salto muito grande, aumentando consideravelmente seu investimento no Brasil, enquanto a poderosa
Inglaterra, dominadora absoluta em tempos anteriores, perde no terreno econômico. Em 1914, os EUA já
eram a maior economia industrial, fortalecendo-se ainda mais com as duas grandes guerras, enquanto a
Europa enfraquecia-se, principalmente Inglaterra, França, Alemanha, Itália etc. (Ver Hobsbawm, 1995).
7

continuidade, da educação primária aos cursos superiores, com uma certa flexibilidade,
diversificação e ajuste às necessidades locais da população.
É realmente impressionante ler nas obras: “Aspectos americanos de
educação”(1928), “Educação progressiva” (1932), “Em marcha para a
democracia”(1934) e “Educação para a democracia”(1935), escritas pelo ainda jovem
educador brasileiro e verificar seu entusiasmo diante da civilização e educação americana.
Mas é necessário destacar que o deslumbramento de Anísio Teixeira para com esta
civilização vai além do aspecto material. Para ele, todo o progresso da América do Norte e
a rapidez com que se tornava uma nação rica e democrática, só poderiam ser explicados se
levasse em conta o espírito inovador daquele povo, que conseguiu romper com as velhas
tradições. Ou seja, o progresso material era um resultado da forma de ser do povo
americano, que, em meio à “vibração de sua vida nacional” e “espírito democrático”,
tornou possível o “progresso humano”. Esta foi a contribuição deste povo para a civilização
moderna.

Geralmente se faz fóra dos Estados Unidos uma idéa talvez grandiosa de sua civilização,
mas em grande parte deformada. A espectaculosidade de sua grandeza material, a vibração
de sua vida nacional, e a coragem leve e facil de romper com convenções e até com
algumas das mais fortes tradições humanas, levam o estrangeiro a uma comprehensão
superficial da America do Norte.
A maior parte das vezes, pensando em termos de sua propria nação, elle depressa julga os
Estados Unidos, como o paíz do dollar, da machina, da suppressão dos valores moraes e
espirituais que sempre engrandeceram as conquistas mais finas das velhas civilizações...
A tradição americana, o que ha de ficar como a lição permanente desse povo, como a sua
contribuição caracteristica para a humanidade, não é puramente o industrialismo moderno,
mas o espirito de sua democracia.
Todos os progressos materiaes, esses progressos que atordôam e perturbam o estrangeiro
que se céga para os outros aspectos da civilização dos Estados Unidos, contam apenas para
uma cousa, bem certo que fundamental: elles tornaram e tornam possivel o progresso
humano (TEIXEIRA, 1934, p. 5 a 7).

O espírito inovador do americano havia criado, segundo Anísio Teixeira, as bases


para todo o desenvolvimento daquela nação, na qual, mais do que indústria com máquinas
modernas havia uma população com espírito de liberdade, com espírito inovador, para
quem construir casas mais ricas e luxuosas não é corromper o espírito do homem, mas faz
parte do sonho “lucido e pratico de uma vida mais folgada e mais feliz”. Faz parte de uma
sociedade democrática que dá aos homens “direito à vida, à liberdade e à felicidade”
(TEIXEIRA, 1934, p. 11-2).
8

Nesse sentido, Anísio Teixeira, em seu “otimismo pedagógico”6, acreditava que,


para o Brasil sair do “atraso”, da “ignorância”, necessitava-se incutir no povo brasileiro
uma mentalidade semelhante à do povo americano, cabendo à educação escolar (pública,
gratuita e laica) esta tarefa. Assim, no início da década 30, Teixeira defende a reforma do
sistema nacional do ensino, como um caminho para se criar condições do país ingressar na
modernidade.
Em suma, Anísio Teixeira acreditando que o mundo ingressava em um processo
acelerado de desenvolvimento da ciência, da industrialização, de produção de riqueza e de
ajuste das relações sociais e internacionais, considerava que era necessário ajustar-se a esta
nova dinâmica, preparando o homem, por meio da educação, para viver no progresso. Não
simplesmente no progresso material, mas no enriquecimento da vida, “em sentido, em
amplitude, em maneiras mais finas de a apreciar e compreender” (TEIXEIRA, 1975, p.
102). Apropriando-se do ideal americano, Teixeira combate severamente a educação
“tradicional”, de espírito aristocrático e acadêmico. Para ele, esta forma de educação não
contribuía para formar o novo homem e nem para elevar o Brasil ao nível das nações mais
desenvolvida.
Entretanto, se por um lado, Anísio Teixeira estava convencido que o povo
americano, através de seu espírito inovador, científico e tecnológico, havia criado
condições materiais para o progresso, para a “felicidade” terrena, por outro lado, esta idéia
não era regra geral. Alguns pensadores, tendo como suporte teórico os horrores produzidos
pela guerra, tinham medo que a valorização do espírito utilitário levasse ao exagero do
individualismo e aludiam que o desenvolvimento da ciência e da máquina poderia levar à
destruição da humanidade. O pensamento católico brasileiro que lutava para manter sua
hegemonia na escola era pródigo em salientar os desastres humanos que ocorreram ao se
valorizar o espírito científico. Como exemplo do debate teórico travado entre Anísio
Teixeira e os católicos transcrevemos um trecho da parte inicial do livro “A Crise do
Mundo Moderno”, no qual o Padre Leonel Franca propõe-se fazer uma análise do
desenvolvimento da chamada “Civilização” ocidental:

6
Otimismo pedagógico é um termo utilizado por Jorge Nagle em sua obra Educação e sociedade na primeira
República, para definir o movimento educacional de 1930 no Brasil. Segundo Nagle o otimismo pedagógico
manteria o entusiasmo, a crença no poder da educação, mas enfatizando a importância de uma nova
pedagogia na formação de um novo homem.
9

Após as esperanças ilusórias do século XIX, a decepção dos nossos dias. A geração de
ontem fôra embalada com os idílios de um otimismo confiante e satisfeito. A fé na
solidez da nossa civilização era inabalavel. Definitivas as conquistas da ciência, posta
para sempre a serviço do bem estar humano. De par com a prosperidade material elevar-
se-ia a grandeza moral da nossa raça. Por uma lei infalivel de evolução histórica, ao
egoismo da barbarie primitiva ir-se-ia substituindo o altruismo destinado a transformar a
convivência social num verdadeiro paraizo terrestre. O diagrama do progresso não se
concebia senão como uma curva ascencional de desenvolvimento indefinido.
Hoje, outro é o panorama. A grande guerra de 1914 sacudiu até aos alicerces toda a
arquitetura da civilização ocidental. Começou a história trágica dos desmoronamentos e
ainda não se amontoaram todas as ruinas.
No plano econômico, apontaram os primeiros sintomas do desequilíbrio. (...) Ante as
desordens deste cáos, a ciência da economia, inspirada no liberalismo, revelou toda a
fraqueza congênita de sua impotência. (...) E o desequilíbrio econômico perdura,
angustioso e profundo.
(...) A família envenenada pelo individualismo atraiçôa a sua missão e nos lares sem
berços deixa extinguir-se a chama da vida. As classes, separadas pela lembrança de
velhas injustiças, acirram ódios e mobilizam-se para uma luta de extermínio. ...os velhos
quadros políticos do liberalismo em agonia. E à frente das nações aparecem os novos
Césares. As massas humanas são reduzidas à escravidão pelos ‘homens de aço’. E todas
as invenções da técnica mais perfeita e os recursos formidaveis das nações organizadas
disciplinam-se no serviço de propaganda das ideologias mais contestaveis e densas de
consequências imprevisiveis.
Enquanto assim se exaltam os povos nas expectativas escatológicas de uma liberdade
salvadora e se provocam até à intratabilidade de uma irritação doentia os nacionalismos
desconfiados, os horizontes internacionais carregam-se de nuvens espessas e sombrias.
Por um momento, julgara a humanidade que já eram maduros os tempos para dar às
relações entre os povos a segurança e a estabilidade de um estatuto jurídico. Uma
‘sociedade das nações’, de ha muito almejada por espíritos eminentes como a conquista
de um progresso assinalado na evolução humana, seria entre os povos um órgão de
colaboração e pacificação, destinado a substituir, nos antagonismos emergentes, as
sentenças racionais do direito, à solução violenta das armas. Esta vitória da inteligência
sobre a força é ainda uma esperança que se desvanece (FRANCA, 1938, p. 3 a 6).

Assim, pode-se afirmar que o destaque de Anísio Teixeira para as vantagens de


romper com o passado através do espírito de liberdade e de ciência, não se fazia no vácuo,
mas dirigia-se diretamente em oposição ao pensamento católico que se opunha à sua
concepção de educação laica. Para compreender melhor este debate, é interessante tecer,
para além da oposição de idéias, algumas considerações sobre o clima de guerra do período.
Ou seja, o mundo, na década de 30, não havia ainda esquecido os horrores da primeira
guerra mundial (1914) e já convivia com o medo de uma segunda (1940). O debate que se
dava entre os que acreditavam na ciência como salvadora da humanidade e os que
consideravam como razão da destruição da espécie humana, era, portanto, muito intenso.
10

Naquele momento, contraditoriamente, a sociedade convivia tanto com os benefícios da


ciência como com suas conseqüências desastrosas. A própria guerra que, por ocasião, era
apontada como o exemplo de destruição, proporcionava um grande avanço nas pesquisas
científicas, tecnológicas e na própria economia mundial. Os conhecimentos científicos e
avanços tecnológicos produzidos durante a guerra foram repassados para a indústria e a
medicina, chegando a continentes distantes das batalhas, como os EUA7.
Enquanto Anísio Teixeira acreditava que a solução dos problemas brasileiros estava
na renovação pedagógica fundamentada em princípios científicos e ativos, os católicos
acreditavam que a sociedade vivia uma crise da qual um dos elementos propulsores era a
falta de uma moral cristã.

Entregue a educação, até ha pouco, ao predomínio de correntes anti-cristãs; pautada a


política pelo regimen perene dos acordos e cambalachos; afastada dos negócios públicos
qualquer preocupação moral e religiosa profunda, é dificil acreditar que uma regeneração
política verdadeira venha a sair do estado atual dos homens e dos acontecimentos da vida
política. A Igreja conseguiu impedir que a Revolução levasse o Brasil ao abismo e, ao
contrário, levou-o a quebrar o pernicioso preconceito histórico de quarenta anos de laicismo
oficial. E a nova Constituição fechou, como certo optimismo, uma éra que se abrira sob os
mais sombrios prognósticos, para muitos.
De nada adeantam, porém, os textos legais, se a alma dos nossos governantes e governados
não mudar. Enquanto os brasileiros não compreenderem que só à sombra da Cruz poderão
encontrar a paz e o progresso, para a sua pátria, - vão há-de ser qualquer esforço no sentido
de resolver políticamente um problema de ordem social e moral.
E em face do descalabro moral que vemos por toda a parte; em face da indiferença
religiosa, da ignorância, da má fé, da dissolução dos costumes, do ‘deficit’ contínuo, das
despezas suntuárias, da decadência cultural, do cáos pedagógico, - não serão apenas a boa
vontade de alguns chefes, as palavras promissoras de outros, os atos de repressão justos à
anarquia e ao bolchevismo, que hão-de tirar da nova Constituição os benefícios que pode
trazer à causa pública (AMOROSO LIMA, 1936, p. 12).

Os católicos tinham uma visão pessimista do momento. Para eles, a sociedade vivia
um caos, fruto do “progresso da civilização”, cujas bases eram o liberalismo, o
individualismo e a ciência. Para eles, a guerra era resultado de uma educação utilitarista, de
uma educação que não valorizava os princípios morais e espirituais do homem. Assim, suas
propostas educacionais visavam recuperar os verdadeiros valores humanos, isto é, os
valores cristãos8.

7
Veja Hobsbawm. “Era dos extremos”, 1995, p. 55.
8
Pe. Leonel Franca, em 1931, ao discutir o significado de educação, fará os seguintes comentários: “Não é
possível formar o homem sem ter uma idéia de sua natureza e de seus destinos,. Não é possível prepará-lo
para a vida sem conhecer as razões supremas do viver. (...) ‘o domínio da educação e da instrução soffre de
11

Neste debate, Anísio Teixeira, ao se posicionar favorável ao desenvolvimento da


ciência, chama os críticos da ciência de “profetas mal avisados”, incluindo-se aí os
católicos.
Anísio Teixeira e outros defensores do modelo norte americano, não viam o
momento com tanto pessimismo. Ao contrário dos católicos, entendiam o momento como
um período de grande desenvolvimento da capacidade humana. Para ele, a crise era
aparente. Era uma crise de compreensão, gerada através das alterações científicas, técnicas
e industriais, devendo a educação ajustar o homem a esta nova sociedade, orientá-lo de
forma que pudesse utilizar todo seu potencial. A educação deveria despertar novos valores,
como: fraternidade, responsabilidade, compromisso etc. Valores que se baseavam nos
ideais americanos de liberdade, de utilidade, de riqueza e de conforto.
Anísio Teixeira, nesta luta teórica, não tinha dúvida de que a máquina e a ciência
poderiam levar o homem ao progresso material e espiritual, opondo-se aos “profetas mal
avisados”9.

A grande scena apparente na America é, com effeito, a da civilização material que o povo
americano construiu, mais grandiosa e magnificente do que todas as que já existiram no
passado. Nada disto porem é um fim em si mesmo. Antes, si o americano se deleita, como
todo o mundo, com o vulto dos seus progressos, é que elle percebe, obscuramente, no seu
vigoroso idealismo, que é o homem que se está melhorando, que são as suas condições de
vida que se estão modificando.
Os reis de industria que são os heroes dessa nacionalidade, não o são porque amontoaram
fortunas inimaginaveis, mas porque foram os realizadores de serviços novos ou de novas
ideas em serviços velhos - porque afinal são os melhoradores da vida (TEIXEIRA, 1934,
p. 9).

modo particular..., por falta de uma direcção capital da vida, pela ausencia de verdades eternas”. (...) a
religião, e sobretudo o amor de Deus e do proximo, eis o que dá sentido á vida: a Sciencia é disto incapaz”
(FRANCA, Pe. Leonel. 1931, p. 8-10). Em 1935, o Pe. Hélder Câmara, em crítica direta aos “Pioneiros da
Escola Nova” vai fazer o interessante comentário: “Há muita mudança, muita trepidação. Mas há pontos que
não mudam e nem podem mudar, por mais descobertos que se venham a fazer. Façam-se mais cem ou mil
invenções como o rádio e uma coisa não poderá, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, ser e deixar de ser;
Ser pau e ser pedra. Ser fogo e ser água. (...) Os modernos talvez não saibam que estes pontos evidentes e
inabaláveis são a famosa metafísica que eles tanto desprezam e atacam sem conhecer. Ela é que constitui a
parte perene dos nossos conhecimentos e pelo seu abandono é que, nos nossos dias, há, nos sistemas, tantas
falhas e contradições. Constatando a movimentação realmente extraordinária do mundo moderno, queremos
educação para uma civilização em mudança: (...) educação que salve do passado os princípios eternos a
salvar” (CÂMARA, 1935: 62. Apud CARVALHO, Cadernos da anped, 1990, p. 55-6
9
Segundo Anísio Teixeira: “Tal gente está a soffrer de pesadelos. São pobres inveterados que já não
acreditam na tranquilidade. Riquezas, para essas imaginações de edade media, são jogos do demônio.”
(TEIXEIRA, 1934, p. 9)
12

Teixeira acreditava que a ciência havia melhorado as condições de vida da


humanidade. A superioridade do povo americano estava em ter se libertado dos dogmas,
preconceitos e mitos do passado que procuravam inibir ou manter os homens longe dos
ideais materiais e da praticidade, com medo de corromper o espírito e ter assim, através da
ciência, construído uma vida de riqueza, de conforto, de liberdade e de prazer.

O bom senso americano, está claro, se diverte com a mentalidade embolorada de certos
philosophos que alimentam inexplicavelmente um secreto terror pelo bem-estar material.
‘Isto não pode durar’, dizem alguns. Qualquer formidavel corrupção está a se preparar no
bojo de ouro e aço dessa grandeza monstruosa (TEIXEIRA, p. 1934, p. 9).

Com base na ciência, o povo americano estava construindo uma nova civilização,
baseada em uma nova liberdade, que não era apenas liberdade de iniciativa e de ação, mas
era uma liberdade efetiva, assegurada pelo progresso material.

Para o americano, porem, a sua obra tem sentido mais dilatado e vivaz. A sua nação foi
concebida em liberdade, na phrase de Lincoln, e nella todos os homens haviam de ter
direito á vida, á liberdade e á felicidade. É essa tradição de liberdade e democracia, que
informa poderosamente a mentalidade pratica deste povo. Liberdade e felicidade não são
porém dons da natureza, mas conquistas humanas. Ser livre consiste em poder mais.
Quando o vapor substituiu a véla, foi a liberdade humana que se augmentou. Quando do
meu telephone, em Nova York, eu estendi a minha voz até Londres, foi a minha liberdade
que cresceu. Quando Chicago foi trazido ao meu alcance, em cinco horas de avião, foi a
minha liberdade effectiva de movimento que se dilatou. Mais do que isso, liberdade
significa ainda garantia contra as doenças; e, por outro lado, segurança de saude, de
diversões e de conforto (TEIXEIRA, 1934, p. 11-12).

Para Anísio Teixeira, nos EUA, o homem através da ciência havia ampliado seus
limites, criando uma nova realidade, onde “tudo é novo”. Neste processo de inovação, o
rádio, o avião, o telefone, a pesquisa científica, a máquina haviam ampliado a “liberdade” e
o “poder” do homem.

O que se deu a aplicação da ciência à civilização humana. Materialmente, o nosso progresso


é filho das invenções e da máquina. O homem conseguiu instrumentos para lutar contra a
distância, contra o tempo e contra a natureza. A ciência experimental na sua aplicação às
coisas humanas permitiu que uma série de problemas fossem resolvidos, e crescessem essas
enormes cidades que são a flor e o triunfo maior da civilização (TEIXEIRA, 1975, P. 28).

Com os elementos da ciência, que lhes oferecia melhores condições de trabalho, de


transporte e de satisfação de suas necessidades, o homem adquiria uma nova moral.
“liberdade e felicidade não são porém dons da natureza, mas conquistas humanas”. Isto é,
13

para o jovem educador, o povo americano não se deixava guiar pelas regras e pela
proibição fundadas na separação entre espírito e matéria. Apresentava uma nova concepção
de homem e de moral: “Em vez da moral ‘espiritual’, isto é, presa a preconceitos imutáveis
e eternos, uma moral experimental baseada nas conclusões de uma ciência do homem”
(TEIXEIRA, 1975, p. 109).
Partindo do princípio de que não havia uma distinção entre moral espiritual e a vida
prática do homem, o autor identifica uma nova idéia de moral, não mais uma moral
estranha à natureza humana, fora ou acima dela, mas uma moral contraída com a
experiência, na vivência do homem. Ou seja, uma moral que muda, que se transforma de
acordo com a realidade humana. Neste ponto, Anísio Teixeira debate com algumas
concepções anteriores de moral10.
Com o mesmo encaminhamento teórico que dá à moral, Anísio Teixeira discute a
concepção de homem. Distanciando-se da idéia de que o homem possui uma natureza
corrompida e depravada; de que a natureza humana é boa, estando apenas desviada de seu
curso natural11 e que existe uma força naturalmente evolutiva que levaria o homem
fatalmente à perfeição12 ele defende:

O homem é simplesmente um animal em que a obra de ajustamento ao seu meio, longe de


se fazer por processos fixos e estáticos, pode assumir as formas mais diversas. Todos os
demais animais se ajustam ao meio com uma considerável fixidez - que não é entretanto
absoluta - e esbarram em uma perfeição, que só o é, porque a mudança se tornou,
virtualmente, impossível. O homem, dotado em grau mais alto do poder de observar,
recordar o passado e prever, assim, por analogia, as conseqüências do seu ato, - cria e recria
o seu ambiente. Os seus instintos têm mil modos de expressão. Quase nada é fixo, assim,
nem em sua natureza, nem em seu ambiente, que ele torna, dia a dia, mais formidavelmente
complexo (TEIXEIRA, 1975, p. 118).

Assim sendo, não existe nada de fixo, nem o homem, nem seu espírito, nem sua
moral, nem seus problemas, nem suas soluções. Ou seja, em nada seria possível

10
TEIXEIRA, 1975, P. 114-5.
11
Dessas duas primeiras concepções Anísio Teixeira diz: “A idéia de que a natureza humana é corrompida e
indigna de nossa confiança vem dos tempos mais remotos. Os moralistas encontraram, nessa fórmula, o modo
de justificar a ineficiência das suas teorias. Desaparelhados de quaisquer meios de estudar a natureza humana
e imbuídos de estranhos princípios morais, buscados já em uma revelação extraterrena ou em uma lógica
puramente dedutiva, não havia como explicar o desajustamento entre os homens e os dogmas morais, senão
afirmando a corrupção intrínseca da natureza humana”. (TEIXEIRA, 1975, p.115.)
12
Neste caso, Teixeira refere-se à teoria evolucionista de Spencer.
14

predeterminar, com segurança, quais seriam as perspectivas para o futuro. A única certeza é
que os dias futuros não serão iguais aos atuais13.
Toda essa discussão sobre a historicidade da moral e da natureza humana tornou-se
o aparato teórico de combate àqueles que negavam o desenvolvimento científico da
sociedade e a necessidade de se pensar novos princípios educacionais. Para Anísio Teixeira,
apenas o espírito científico poderia ajudar o homem a tomar suas decisões. Em termos
gerais, a defesa de um novo ideal pedagógico pautava-se na crítica ao modelo da educação
européia que se caracterizava pelo espírito de acabamento e de perfeição. A nova sociedade
colocava a necessidade de construir uma nova pedagogia, mais científica, que preparasse o
indivíduo para viver segundo essa dinâmica. Isto é, a dinâmica de uma sociedade que vive
em mudanças. Portanto, numa sociedade em que nada é definitivo, o indivíduo a ser
formado deve ser capaz de se dirigir sozinho e acreditar que a felicidade é algo conquistado
à custa de muito esforço pessoal.
Assim, seu projeto constitui-se em uma crítica ao sistema de ensino até então
vigente no Brasil, traçando um ideal pedagógico que, segundo ele, deveria ser capaz de
desenvolver, aumentar, expandir em força e compreensão a capacidade do homem. Uma
“educação progressiva”, a qual tem como princípio básico a constante mudança, a
permanente reconstrução, a busca incessante de ajustar o homem ao meio dinâmico da vida
moderna. Neste sentido, para ele, mais que alfabetizar, fazia-se necessário educar o povo,
de modo a construir o espírito moderno, o qual, mais do que saber ler, escrever, contar ou
reproduzir idéias, deve valorizar a curiosidade, o dinamismo e a autonomia. Para formar
este homem, Anísio Teixeira apostava no método experimental, que segundo ele, era o
único, eminentemente científico. Para ele este era o método necessário para a escola
brasileira, pois, só assim, se romperia com o “atraso” e se construiria uma nação sustentada
no desenvolvimento e no “progresso”.
No processo de desenvolvimento da sociedade, Anísio Teixeira compreendia que o
Estado Norte-americano representava a inauguração de um novo modo de reger os negócios
e que, pouco a pouco, estava desalojando a supremacia européia, que ainda se achava presa

13
A este respeito, Kilpatrick, um dos influenciadores do pensamento de Anísio Teixeira afirma: “Nossos
moços têm que enfrentar, e isso me parece evidente, um futuro desconhecido. Não ousamos supor que as
velhas soluções lhes bastam. Parece que precisamos ter uma filosofia que tome em consideração não só o
fato da mudança, mas que a abranja, como elemento essencial” (KILPATRIK, 1973, p. 47).
15

às instituições do passado. O Brasil, portanto, para não perder o fio da história, deveria se
opor ao conservadorismo anacrônico, rígido, autoritário e repressivo do passado e deveria:
“readaptar a civilização ocidental ao nosso meio e às nossas condições. Essa civilização
de ciência de técnica. Precisamos dêsses instrumentos. Seria muito longo reinventa-los por
nós mesmos”. Daí, a necessidade de “de uma nova política educacional brasileira”, que em
primeiro lugar e indispensavelmente fosse “buscar, fora do Brasil, elementos para a
renovação de nossa cultura e de nossas técnicas. Remessas de estudantes de méritos para
estrangeiros para novas escolas e novas faculdades. Não há como sair daí” (TEIXEIRA,
1953, p. 29).
Segundo ele, no Brasil, estas eram medidas urgentes, pois só assim o país poderia
ingressar na nova fase da economia internacional e ter condições de igualar as nações
desenvolvidas. Então, a educação é pensada, como um elemento que poderia superar os
limites do passado colonial e monárquico e capaz de qualificar mão-de-obra, de criar o
amor ao trabalho, de integrar a nação e formar o espírito público. Segundo Teixeira, tais
valores praticamente inexistiam na população brasileira, seja pela disputa dos poderes
locais, seja pela grande extensão geográfica, pela dificuldade de comunicação, pelas
diferenças regionais, culturais, etc.
O fato é que, na década de 30, inaugura-se uma nova fase na história do
desenvolvimento do capitalismo no Brasil. A crise de 1929-30, que abala sensivelmente a
economia cafeeira, abre maiores perspectivas ao processo de industrialização do país.
Nesse movimento econômico, alguns setores pressionam no sentido de reformas políticas,
administrativas e educacionais. Vitoriosa a Revolução de Outubro de 1930, os primeiros
anos da Nova República foram significativos no que se refere à formulação de “planos de
reconstrução nacional”, entre os quais, o da educação aparece como o mais importante “na
hierarquia dos problemas nacionais”, trazendo, em certo sentido, as idéias que vinham
sendo debatidas.
Neste sentido, pode-se afirmar que a defesa educacional de Anísio Teixeira, bem
como seu ideal de progresso, referem-se a uma luta contra o passado brasileiro, contra o
que ele acreditava restar como herança do período colonial, tendo como fonte inspiradora a
riqueza, o modo de vida do povo americano. Seu projeto foi formulado em meio a um
processo de luta, não somente uma luta que entre burguesia e proletariado, entre classe
16

dominante e dominada, mas uma luta que, embora incorporando estas contradições, é
expressão de um contexto em que se acreditava que a educação poderia contribuir para
levar o Brasil a um novo patamar de produção e de organização social.
Neste sentido, pode-se concluir que o deslumbre de Anísio Teixeira para com a
educação norte-americana, tem como fundamento o desenvolvimento tecnológico,
industrial e científico do período, assim como, os problemas econômicos, políticos e sociais
gerados pela Primeira Guerra Mundial, com a “crise de 29” e com a “Revolução de 30”,
que de forma geral, contribuíam para disseminar a idéia de que o Brasil, para sobreviver
deveria romper com todo o processo histórico do passado. A grandeza do projeto de Anísio
Teixeira está em apresentar um ideal educacional que tem o movimento histórico e o
mundo como problema. Nesse caso, ele dá-nos condições para entender a sua época e o seu
estudo pode nos ajudar a pensar a nossa época a partir do movimento da história, no qual os
homens, diante de necessidades sociais idealizam uma forma de educação.
Concluindo esta reflexão, pode-se afirmar que o debate sobre o lugar ocupado por
Anísio Teixeira na história, não se limita no julgamento de ser ele conservador ou
progressista, mas deve ser compreendido na luta “por dias melhores”, em que uma parcela
da elite brasileira almejava construir um país mais rico, democrático e industrializado. Uma
elite que se contrapunha à crendice do caboclo, à pobreza dos sertões, ao mandonismo local
e aos resquícios da colonização e da escravidão. Tratava-se de uma postura política de um
autor que acreditava na democracia burguesa e na industrialização como solução aos
problemas econômicos e sociais enfrentados pelo país.
Verificando que este autor tem uma posição firme no embate contra o passado
histórico brasileiro, questionamos se poderíamos hoje determiná-lo como progressista ou
conservador devido seu deslumbre pelo modelo norte-americano de educação?

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