Sei sulla pagina 1di 77

SOUSA, ARNALDO FIGUEIREDO

COORDENADOR: GABRIELA
Perguntas chave no

Perguntas chave na CANCRO DA PRÓSTATA


CANCRO DA
PRÓSTATA
100

COORDENADORES:

GABRIELA SOUSA
ARNALDO FIGUEIREDO

Associação
Portuguesa
de Urologia PERMANYER PORTUGAL
www.permanyer.com
100
Perguntas chave no

CANCRO DA
PRÓSTATA
COORDENADORES:

GABRIELA SOUSA
ARNALDO FIGUEIREDO
© 2017 Permanyer Portugal
Av. Duque d’Ávila, 92, 6.º Dtº
1050-084 Lisboa
Tel.: 21 315 60 81
Fax: 21 330 42 96
permanyer@permanyer.com

www.permanyer.com

Impresso em papel totalmente livre de cloro


ISBN da colecção: XXXXXXXXX
Impressão: CPP ISBN: XXXXXXXXX
Este papel cumpre os requisitos de ANSI/NISO Dep. Legal: XXXXXXXXX
Z39-48-1992 (R 1997) (Papel Estável) Ref.: 2995AP161

Reservados todos os direitos


Sem prévio consentimento da editora, não poderá reproduzir-se, nem armazenar-se num suporte recuperável ou
transmissível, nenhuma parte desta publicação, seja de forma electrónica, mecânica, fotocopiada, gravada ou por
qualquer outro método. Todos os comentários e opiniões publicados são da responsabilidade exclusiva dos seus autores.
Autores

Ana Cleto Florbela dos Santos Gonçalves


Serviço de Radioterapia Serviço de Medicina Interna e Cuidados
Centro Hospitalar e Universitário Paliativos
de Coimbra (CHUC) Instituto Português de Oncologia de Coimbra
Coimbra Francisco Gentil, E.P.E.
Coimbra
Avelino Fraga
Serviço de Urologia Gilberto Melo
Centro Hospitalar do Porto (CHP) Instituto Português de Oncologia de Coimbra
Presidente Colégio Urologia, OM Francisco Gentil, E.P.E.
Porto Coimbra

Belmiro Parada Guy Vieira


Serviço de Urologia e Transplantação Renal Serviço de Radioncologia
Centro Hospitalar e Universitário JCS-Clínica de Radioncologia do Algarve
de Coimbra (CHUC) Faro
Facultade de Medicina da Universidade JCS-Clínica de Radioncologia da Madeira
de Coimbra (FMUC) Funchal
Coimbra
Isabel Augusto
Carlos Martins da Silva Serviço de Oncologia Médica
Serviço de Urologia Centro Hospitalar de São João
Centro Hospitalar de São João Faculdade de Medicina da Universidade
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
do Porto Porto
Porto
Jorge Oliveira
Cristina Fernandes Serviço de Urologia
Serviço de Medicina Nuclear Instituto Português de Oncologia do Porto
Centro Hospitalar e Universitário Porto
de Coimbra (CHUC)
Coimbra José Palma dos Reis
Serviço de Urologia
Domingos Roda Centro Hospitalar Lisboa Norte (Hospital
Instituto Português de Oncologia de Coimbra de Santa Maria)
Francisco Gentil, E.P.E. Lisboa
Coimbra

100 perguntas chave no cancro da próstata III


Autores

Luís Campos Pinheiro Ricardo Godinho Andrade


Professor de Urologia da Nova Medical School Serviço de Urologia
Serviço de Urologia Instituto Português de Urologia de Coimbra
Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), Coimbra
E.P.E. (Hospital de São José)
Lisboa Rui Campos Sousa
Serviço de Urologia
Mafalda Cruz Hospital Beatriz Ângelo
Instituto Português de Oncologia de Coimbra Loures
Francisco Gentil, E.P.E.
Coimbra Rui Freitas
Serviço de Urologia
M. Joaquina Mauricio Instituto Português de Oncologia do Porto
Serviço de Oncologia Médica Porto
Instituto Português de Oncologia do Porto
Porto Rui Henrique
Serviço de Anatomia Patológica
Paula Lapa Director e Grupo de Epigenética e Biologia
Serviço de Medicina Nuclear do Cancro - Centro de Investigação
Centro Hospitalar e Universitário Instituto Português de Oncologia do Porto
de Coimbra (CHUC) Francisco Gentil, E.P.E.
Coimbra Departamento de Patologia e Imunologia
Molecular
Paulo Jorge da Cruz Conceição Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar
Serviço de Urologia Universidade do Porto
Instituto Português de Urologia de Coimbra Porto
Coimbra

Pedro Nunes
Serviço de Oncologia Médica
Instituto Português de Oncologia do Porto
Porto

IV 100 perguntas chave no cancro da próstata


Índice

Prefácio VII
G. Sousa e A. Figueiredo
Capítulo 1
Epidemiologia, rastreio e diagnóstico precoce 1
L. Campos Pinheiro
Capítulo 2
Diagnóstico e estadiamento 8
P. Conceição, R. Godinho e R. Henrique
Capítulo 3
Fatores de prognóstico e vigilância ativa 13
J.P. dos Reis e R. Henrique
Capítulo 4
Doença localizada: prostatectomia radical e novas técnicas 18
B. Parada
Capítulo 5
Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia 22
R. Sousa e G. Vieira
Capítulo 6
Recidiva bioquímica 39
A. Cleto e A. Fraga
Capítulo 7
Doença metastizada 43
P. Nunes e M.J. Mauricio
Capítulo 8
Carcinoma da próstata resistente à castração 51
I. Augusto e C. Martins da Silva
Capítulo 9
Tratamento dirigido à metastização óssea 58
C. Fernandes e P. Lapa
Capítulo 10
Controlo sintomático da doença metastizada 63
F. Gonçalves, G. Melo, J. Oliveira, D. Roda, M. Cruz e R. Freitas

100 perguntas chave no cancro da próstata V


Abreviaturas
192Ir iridium 192 LH hormona luteinizante
60Co cobalto 60 NCCN National Comprehensive Cancer Network
ABS American Brachytherapy Society NCT National Center for Tumor Diseases
ACPM American College of Preventive Medicine NPC Nutritional Prevention of Cancer Trial
ACS American Cancer Society OBI on-board Imaging
AINE anti-inflamatórios não esteroides PCA3 Prostate Cancer Antigen
ASTRO American Society for Therapeutic PCPT Prostate Cancer Prevention Trial
Radiology and Oncology Pd103 palladium 103
ATBC The Alpha-Tocopherol, Beta-Carotene PET tomografia por emissão de positrões
Cancer Prevention Study PHI Beckman Coulter Prostate Health Index
AUA American Urologic Association PI-RADS Prostate Imaging – Reporting and Data
BED doses radiobiológicas eficazes System
BQTATD braquiterapia de alta-taxa-dose PLCO Prostate, Lung, Colon and Ovary
BQTBTD braquiterapia de baixa-taxa-dose pN1 gânglios positivos após a cirurgia
BRCA1 breast cancer 1 PSA antigénio prostático específico
BRCA2 breast cancer 2 PTV planning target volume
CARET Beta-Carotene Retinol Efficacy Trial RECIST Response Evaluation Criteria In Solid Tumors
CHAARTED Chemohormonal Therapy in Metastatic REDUCE Redution by Dutasteride of Prostate
Hormone-Sensitive Prostate Cancer Cancer Events
CP cancro da próstata RM ressonância magnética
CSS sobrevivência específica de cancro RMmp ressonância magnética multiparamétrica
cT3a doença localmente avançada RR risco relativo
CTV clinical target volume RTE radioterapia externa
CV cardiovascular RTOG The Radiation Therapy Oncology Group
D90 dose-alvo administrada em 90% da RTU-p ressecção transuretral de próstata
próstata RUA retenção urinária aguda
DES dietilestilbestrol RX raio X
DSS disease-specific survival SBRT radioterapia estereotáxica extracraniana
EAU European Association of Urology SEC sobrevida específica de cancro
ECOG Eastern Cooperative Oncology Group  SEER Surveillance, Epidemiology, and End
EORTC European Organisation for Research Results Program
and Treatment of Cancer SELECT Selenium and Vitamin E Cancer
ERSPC European Randomized Trial of Prostate Prevention Trial
Cancer Screening SG sobrevivência global
FDA Food and Drug Administration SLP sobrevida livre de progressão
FRAX Índice World Health Organization SPCG-4 Scandinavian Prostate Cancer Group
Fracture Risk Assessment Tool Study Number 4
FSH hormona foliculoestimulante STAMPEDE Systemic Therapy in Advancing or
GES-ESTRO Groupe Européen de Curiethérapie- Metastatic Prostate cancer
European Society for Therapeutic T1c tumor com 1 cm
Radiation and Oncology TC tomografia computorizada
GETUG Groupe d’étude des tumeurs TNM tumor, nódulo, metástase
urogénitales TPA terapeutica privação androgénica
GTV gross tumor volume (androgen deprivation therapeutic, ADT)
HDR braquiterapia de alta dose TROG Trans-Tasman Radiation Oncology Group
HI hormonoterapia intermitente USPSTF US Preventive Services Task Force
HIFU High intensity focused ultrasound V100 volume de próstata que recebeu 100%
HT hormonoterapia da dose prescrita
I125 iodo 125 VACURG Veterans Administration Cooperative
IGRT radioterapia guiada por imagem Urological Research Group
IMRT radioterapia de intensidade modelada vs. versus
ISUP International Society of Urological ZC zona central
Pathology ZP zona periférica
ITU-p incisão transuretral ZT zona de transição

VI 100 perguntas chave no cancro da próstata


Prefácio

O cancro da próstata é a neoplasia mais frequente no homem, e representa um importante pro-


blema de Saúde Pública, com grande impacto social e económico.
Nos últimos anos tem-se assistido a significativos avanços no diagnóstico e tratamento desta doen-
ça, fruto do desenvolvimento tecnológico que tem sido transversal a todas as áreas da medicina, in-
cluindo a oncologia. Só em 2016, foram comparticipados pelo Serviço Nacional de Saúde três novos
medicamentos dirigidos ao tratamento do cancro da próstata metastizado resistente à castração.
A multidisciplinaridade e o trabalho de equipa têm um papel central e indispensável para o melhor
tratamento a cada um dos doentes com cancro da próstata avançada. Foi com este espírito de traba-
lho de grupo que aceitámos coordenar a edição desta publicação, que reuniu autores de vários pontos
do país e dos principais hospitais portugueses, que prontamente aceitaram o desafio de responder por
escrito a estas “100 PERGUNTAS” distribuídas por 10 capítulos. Esta obra pretende resumir, de forma
prática e objetiva, o percurso clínico de um doente com cancro da próstata: do rastreio ao diagnóstico
e estadiamento, do tratamento da doença localizada ao da doença avançada, da abordagem da re-
cidiva bioquímica e da doença metastizada, hormonossensível ou resistente à castração. Também são
abordadas as terapêuticas de controlo sintomático e as complicações decorrentes dos tratamentos.
É justo agradecermos a todos os autores, bem como à Bayer® que, não tendo tido qualquer in-
terferência nos conteúdos, patrocinou esta iniciativa.
Esperamos que este livro possa ser uma ferramenta útil no apoio à prática clínica diária.
Boa leitura!

Gabriela Sousa
Serviço de Oncologia Médica
Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil
Coimbra

Arnaldo Figueiredo
Departamento de Urologia e Transplante Renal
Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC)
Professor de Urologia – Faculdade de Medicina
Coimbra

100 perguntas chave no cancro da próstata VII


Capítulo 1

Epidemiologia, rastreio
e diagnóstico precoce

L. Campos Pinheiro

1. QUAL É A INCIDÊNCIA E A taxa de mortalidade por 100.000 é de 35,3.


MORTALIDADE DO CANCRO DA A distribuição da taxa de mortalidade por grupos
PRÓSTATA EM PORTUGAL? etários é a seguinte (Tabela 2).
A razão mortalidade/incidência em 2010 é de
O cancro da próstata (CP) é o cancro mais 29%.
frequente em Portugal com 6.080 casos diagnos-
ticados em 2010 (120,3/100.000), verificando-se 2. QUAIS OS FATORES DE RISCO
um aumento em relação ao ano anterior1. QUE SE CONHECEM?
Os cancros mais frequentes em Portugal são
o colorretal, próstata, mama e pulmão. Represen- Nos últimos anos tem-se identificado fatores
tam metade da patologia oncológica em Portugal genéticos e fatores do meio ambiente que in-
(51,2% de todos os casos). fluenciam o risco de desenvolver CP, bem como
A taxa de incidência bruta de CP por 100.000 o risco de desenvolver CP de maior agressividade.
habitantes é de 120,3, enquanto a taxa de inci- O CP é uma doença complexa de grande
dência padronizada pela população europeia e heterogeneidade e, provavelmente, de etiologia
americana é de 90,5 e 61,7 respetivamente. múltipla e diversa.
A distribuição de novos casos de CP por gru- Estudos escandinavos de gémeos2 identificam
po etário em 2010 foi a seguinte (Tabela 1). os seguintes fatores de risco (Tabela 3).

Tabela 1. A distribuição de novos casos de carcinoma da próstata por grupo etário em 20101

35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84 > 85 Total

Novos casos 3 9 72 229 553 831 1252 1403 968 448 212 6080

Incidência 0,7 2,4 19,1 65,3 172,3 320,5 1515,6 649,3 545,5 408,6 295,2 120,3

Tabela 2. A distribuição da taxa de mortalidade por grupos etários1

35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84 > 85 Total

Mortalidade – 0,3 1,6 2,9 8,7 22,7 46,5 84,7 206,3 411,4 778,5 35,3

100 perguntas chave no cancro da próstata 1


L. Campos

Tabela 3. Factores de risco de desenvolvimento Os grupos populacionais norte-americanos de


de carcinoma da próstata e carcinoma da próstata de hispânicos, asiáticos e índios têm uma incidência
alto risco2
de CP menor que a população branca, embora
Fator de risco Associação superior à das comunidades dos seus países de
origem.
Grupo étnico ++++
Os negros da África Subsariana Ocidental, de
Idade ++++ que os afro-americanos descendem, têm uma in-
cidência de CP aumentada mas inferior à popu-
História familiar:
Segundo grau ++ lação americana.
Pai +++ A mortalidade varia substancialmente entre
Irmão ++++
países, sendo a mortalidade mais elevada na sué-
Genes familiares ++ cia (23/100.000).
A incidência de CP aumenta categoricamente
Dieta com o grupo etário, como se demonstra nos es-
Gordura/carne vermelha +
Laticínios + tudos epidemiológicos em Portugal (Tabela 4).
Obesidade +
2.2. Genética
Hormonas
IGF-I + Existe evidência de substrato genético na etio-
Androgénios +/–
logia do CP derivado do facto de existir um risco
Estrogénios +/–
familiar importante.
Infeção (viral e bacteriana) + Efetivamente, o risco de vir a desenvolver CP
Inflamação + se existir algum familiar diagnosticado ou um fa-
miliar em primeiro grau ou em segundo grau é da
Radioterapia +/– ordem de 1,9-2,5; 2,2-3,4; e 1,8 respetivamente.
Agente “Orange” + O CP hereditário (ligado a alterações genéti-
cas BRCA1 e BRCA2 entre outros) ocorre em 15%
Vasectomia – de todos os CP diagnosticados.
Fumo de tabaco –
2.3. Dieta e meio ambiente
IGF-I: Fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1.

Os dados epidemiológicos encontrados em


diversos estudos sugerem um componente im-
2.1. Raça, grupo étnico e idade portante da dieta e de outros fatores do meio
ambiente, que influenciam e justificam o risco
O grupo racial e étnico afro-americano é apre- maior a que diversas populações estão sujeitas
sentado como o grupo em que existe maior inci- quando migram para os Estados Unidos da Amé-
dência de CP (234,6/100.000). A mortalidade por rica (designadamente a população asiática).
CP é igualmente elevada (2,5 vezes superior à A obesidade tem sido apontada como um
população branca). importante fator de risco para o desenvolvimento
Acredita-se que esta população tenha uma de CP. O consumo de carne vermelha e gordura
instabilidade genética e biológica que justifique parece ser um dos principais responsáveis. Uma
esta incidência aumentada. hipótese etiológica poderia ser através do IGF-I
Para além disso, há razões de ordem económi- (fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1)
ca, habilitações literárias e acesso ao sistema de que promove a carcinogénese por efeitos citogé-
saúde que ajudam a explicar o risco superior de CP. nicos e antiapoptose.

2 100 perguntas chave no cancro da próstata


Epidemiologia, rastreio e diagnóstico precoce

Tabela 4. A incidência de carcinoma da próstata aumenta categoricamente com o grupo etário como se
demonstra nos estudos epidemiológicos em Portugal1

35-39 40-44 45-49 50-54 55-59 60-64 65-69 70-74 75-79 80-84 > 85 Total

Novos casos 3 9 72 229 553 831 1252 1403 968 448 212 6080

Incidência 0,7 2,4 19,1 65,3 172,3 320,5 1515,6 649,3 545,5 408,6 295,2 120,3

3. QUE MEDIDAS DE PREVENÇÃO havendo um decréscimo de 25% da incidência


PRIMÁRIA EXISTEM? de CP (p < 0,001).
No entanto, o grupo de finasteride teve uma
O CP é a doença oncológica mais frequente incidência maior de tumores de alto grau (Glea-
no homem, sendo causa importante de morbili- son 7 a 10) de 6,4 para 5,1%. A mortalidade,
dade secundária aos tratamentos radicais e mes- no entanto, foi semelhante e rara em ambos os
mo de mortalidade oncológica. Nesse sentido, a grupos.
prevenção primária de CP deveria ser alvo de O aumento de carcinomas de alto grau dei-
particular atenção. xou a preocupação de que o efeito do finaste-
O conceito de prevenção primária, prevenção ride se limitasse aos casos de CP indolente,
do CP antes deste se iniciar, pode, em rigor, não podendo mesmo aumentar o risco de doença
ser possível, dado esta doença se iniciar várias agressiva.
décadas antes da fase clínica. O estudo REDUCE envolveu 8.231 homens
Alterações no estilo de vida relacionado com com risco de virem a desenvolver CP (antigénio
os fatores de risco envolvidos na etiologia do CP, prostático específico [PSA] entre 2,5 e 10 ng/ml).
como os fatores dietéticos e o controlo do peso, Foram aleatorizados entre dutasteride e placebo,
diminuindo a obesidade, são primordiais. e submetidos a biopsia prostática aos dois e qua-
tro anos do estudo.
3.1. Quimioprevenção Foram diagnosticados 19,9% CP no grupo
com inibidores 5 alfarredutase dutasteride comparados com 25,1% no grupo
placebo, correspondendo a um decréscimo de
A enzima 5 alfarredutase (5α-redutase) con- 22,8% (p < 0,001). Neste estudo não se de-
verte a testosterona em dihidrotestosterona (DHT), monstrou um aumento da incidência de tumores
muito mais potente sobre os recetores da célula de alto grau em nenhum dos grupos, pelo que
prostática. Finasteride e dutasteride são inibidores se conclui que a diminuição de incidência de CP
de 5α-redutase. ocorreu sobretudo nos doentes de baixo risco
O Prostate Cancer Prevention Trial (PCPT) e o com baixa probabilidade de vir a influenciar a
Redution by Dutasteride of Prostate Cancer Events mortalidade.
(REDUCE) são dois estudos marcantes em qui-
mioprevenção de CP3. 3.2. Fatores dietéticos
No PCPT 18.882 doentes foram aleatorizados
entre placebo e finasteride para avaliar a sua in- Tem-se demonstrado haver uma associação
fluência no desenvolvimento de CP. Aos sete anos favorável entre diversos fatores dietéticos e a
todos os doentes foram submetidos a biopsia da prevalência de CP mas apenas em estudos epi-
próstata. demiológicos. Não se têm conseguido reproduzir
O CP foi identificado em 18,4% no grupo os mesmos resultados em estudos aleatorizados
do finasteride vs. 24,4% no grupo de placebo, e controlados.

100 perguntas chave no cancro da próstata 3


L. Campos

3.2.1. SELECT diminuição de 21% da mortalidade específica


por CP no seguimento de 11 anos. No entan-
O Selenium and Vitamin E Cancer Prevention to, era necessário rastrear 781 homens e diag-
Trial (SELECT) foi um estudo aleatorizado, pros- nosticar 27 carcinomas para prevenir uma mor-
petivo em que se avaliou se o selénio ou a vita- te aos 13 anos de seguimento;
mina E diminuíam o risco de CP. –– O Prostate, Lung, Colon and Ovary (PLCO)
Iniciou-se em 2001 na sequência da evidência promovido pelo National Cancer Institute não
de que a vitamina E (α-tocoferol), betacarotenos conseguiu demonstrar diferenças de mortali-
e retinol podiam ter algum papel na diminuição dade entre os dois grupos em virtude da exis-
da incidência e mortalidade por CP em estudos tência de uma elevada percentagem de con-
epidemiológicos prévios (The Alpha-Tocopherol, taminação (alta percentagem de doentes do
Beta-Carotene Cancer Prevention Study [ATBC], grupo de controlo que foram submetidos a
Beta-Carotene Retinol Efficacy Trial [CARET] e Nu- doseamento de PSA fora do estudo).
tritional Prevention of Cancer  [NPC]). Foi suspen- Dado a elevada taxa de sobrediagnóstico e
so em 2009 quando se mostrou que não havia sobretratamento evidenciada nos dois estudos, as
benefícios tanto na toma de selénio como de sociedades científicas têm visto com muita caute-
vitamina E, isolados ou em associação. la a realização de rastreios de CP receando que
O entusiasmo relativamente aos suplementos o prejuízo sobre a saúde populacional (sobrediag-
dietéticos diminuiu acentuadamente após os re- nóstico e sobretratamento) se sobreponha aos
sultados desanimadores do SELECT. benefícios da diminuição da mortalidade.
A US Preventive Services Task Force (USPSTF) e
4. RASTREIO PARA A POPULAÇÃO a American College of Preventive Medicine (ACPM)
GERAL, SIM OU NÃO? emitiram recomendações contra o rastreio de CP,
enquanto a American Cancer Society (ACS) e a
O objetivo do rastreio de CP é reduzir a mor- American Urological Association (AUA) admitem
talidade global e específica por CP resultando em efetuar rastreio de CP acima dos 50 anos ou
benefícios de saúde para a população rastreada. 55 anos, respetivamente, mas apenas após a dis-
Claramente o rastreio por CP permite o diagnós- cussão com os doentes dos benefícios e prejuízos
tico de mais casos de CP e mais casos em estádios do rastreio.
precoces ou localizados com melhor prognóstico. Portugal participou no rastreio ERSPC num
No entanto, havendo uma baixa taxa de mor- projeto sob coordenação do Dr. Calais da Silva,
talidade nos doentes com CP é de esperar que tendo apenas os dados iniciais sido publicados:
apenas alguns indivíduos de toda a população –– Foram recrutados 2.111 homens dos quais
rastreada beneficiem do rastreio, havendo o sério 1.046 foram rastreados; 17% foram sujeitos
risco de diagnosticar uma grande proporção de a biopsia em que 23% se diagnosticou CP.
carcinomas indolentes (sobrediagnóstico). Esta taxa de deteção foi considerada elevada,
Por outro lado, o rastreio pode apenas ante- superior à média de 20% e apenas inferior à
cipar o diagnóstico de outros casos de CP mais Suécia (26%) e à Holanda (28%)5.
agressivos sem vir a alterar a história natural dos
mesmos nem a sua evolução fatal (lead-time bias). 5. QUAL O PAPEL DO TOQUE RETAL
Nos últimos anos foram publicados estudos
aleatorizados comparativos de populações ras- O toque retal como exame da próstata é um
treadas e populações de controlo com longos componente do exame físico essencial no diag-
períodos de seguimento: nóstico e estadiamento de doentes com CP.
–– O European Randomized Trial of Prostate Can- A consistência dura, ou a presença de um
cer Screening (ERSPC)4 demonstrou haver uma nódulo prostático é muito sugestivo de CP.

4 100 perguntas chave no cancro da próstata


Epidemiologia, rastreio e diagnóstico precoce

No entanto, a maioria dos CP da atualidade Tabela 5. Classificação TNM para carcinoma


são diagnosticados por biopsia secundária a ele- da próstata (American Joint Committee on Cancer)
vação do PSA (superior a 4 ng/ml para a maioria Tumor primário (clínico)
dos autores), não havendo alterações prostáticas
Tx Tumor primário não avaliável
pelo toque retal (estádio TMN T1c).
Quanto ao estádio TMN, a ausência ou presen- T0 Sem evidência de tumor primário
ça de um nódulo prostático ao toque retal define
T1 Tumor clinicamente não identificável (pelo
a categoria T1 ou T2 (Tabela 5). toque retal ou por imagem)

T1a Tumor incidental com menos de 5%


6. QUEM MAIS PODE BENEFICIAR de material ressecado
DE DIAGNÓSTICO PRECOCE?
T1b Tumor incidental em mais de 5% de material
ressecado
O rastreio do CP em virtude dos riscos de
sobrediagnóstico e sobretratamento é contro- T1c Tumor diagnosticado por biopsia secundário a
verso. No entanto, as guidelines da European PSA elevado
Association of Urology (EAU) mantêm que o T2 Tumor confinado à próstata e identificável por
diagnóstico precoce de CP, realizado numa base toque retal ou por imagem
individual e após discussão com o doente dos T2a Tumor envolve metade de um lobo prostático
benefícios e prejuízos, pode ser realizado, sobre-
tudo em alguns doentes de risco: T2b Tumor envolve mais de metade de um lobo
mas não os dois lobos
–– Homens com mais de 50 anos de idade;
–– Homens com mais de 45 anos de idade e T2c Tumor envolve os dois lobos
história familiar de CP; T3 Tumor estende-se através da cápsula prostática
–– Homens afroamericanos com mais de 45 anos
de idade; T3a Extensão extracapsular
–– Homens com doseamento prévio de PSA su- T3b Tumor envolve as vesículas seminais
perior a 1 ng/ml aos 40 anos de idade;
T4 Tumor é fixado e envolve estruturas adjacentes
–– Homens com doseamento prévio de PSA su- para além das vesículas seminais
perior a 2 ng/ml aos 60 anos de idade.
T: Tumor primário.
Deve ser tido em conta que o risco de sobre-
diagnóstico não necessita de se refletir em sobretra-
tamento, devendo ser-se muito criterioso em pro- ambos os casos trata-se de homens assintomáti-
por tratamento nas situações de CP insignificante cos em que o objetivo é diagnosticar o CP numa
(mais de 50% dos casos em algumas séries). fase pré-clínica e diminuir a mortalidade específi-
ca ou global.
7. QUAL O IMPACTO DO ABANDONO O valor de PSA, habitualmente aceite como li-
DO ANTIGÉNIO ESPECÍFICO DA miar indicativo para biopsia prostática é 4,0 ng/ml
PRÓSTATA COMO MÉTODO e tem uma sensibilidade por volta dos 20 a 25%.
DE DIAGNÓSTICO PRECOCE? A maioria dos doentes com valores de PSA entre
4 e 10 ng/ml é, pois, sujeita a biopsias prostáticas
Deteção precoce de CP realiza-se com dosea- negativas e, como tal, desnecessárias.
mento de PSA sobre um indivíduo sem qualquer Na sequência do PCPT, sabe-se que a preva-
sintoma sugestivo de CP. lência de CP é substancial mesmo para valores de
Distingue-se de rastreio já que se dirige ao PSA inferiores a 4 ng/ml: varia de 6,6% para
doente individualmente, enquanto o rastreio se valores inferiores a 0,5 ng/ml a 26,9% para valo-
dirige a uma população. De qualquer modo, em res de PSA entre 3,1 e 4,0 ng/ml.

100 perguntas chave no cancro da próstata 5


L. Campos

O papel da utilização do doseamento de PSA Tabela 6. Para valores inferiores a 4 ng/ml a incidência
no rastreio é altamente controverso, uma vez que de carcinoma da próstata incluindo a incidência de
carcinomas pouco diferenciados mantém-se assinalável3
o decréscimo de mortalidade por CP ocorre às
custas de sobrediagnóstico e sobretratamento PSA % de carcinoma % de Gleason
muito importantes. (ng/ml) da próstata >=7
A maioria das associações científicas, designa- 0- 0.5 6,6 0,8
damente a AUA e a EAU, desincentivam o rastreio
0,6- 1,0 10,1 1,0
e sugerem efetuar o doseamento de PSA em doen-
tes assintomáticos apenas após esclarecimento dos 1,1-2,0 17,0 2,0
doentes dos riscos de sobrediagnóstico e sobretra-
2,1-3,0 23,9 4,6
tamento e após a obtenção do seu consentimento.
Neste sentido, o diagnóstico precoce com do- 3,1-4,0 26,9 6,7
seamento de PSA está já a diminuir assinalavel- PSA: antigénio prostático específico.
mente nos países ocidentais.
As consequências da diminuição acentuada de
diagnóstico precoce terão seguramente implica- Muitos autores propõem valores de PSA indi-
ções de diminuição da incidência, mas aumento cativos de biopsia prostática de acordo com a
da mortalidade de CP apenas dentro de uma dé- idade do doente (Tabela 7).
cada (em virtude da história natural lenta de CP). Na verdade, o valor de PSA indicativo de biopsia
A dimensão e o impacto destas alterações epide- é uma questão de opinião. À medida que esse li-
miológicas são profundamente imprevisíveis. miar é diminuído ou aumentado, aumenta-se a sen-
sibilidade e diminui-se a especificidade e vice-versa.
8. EXISTE UM VALOR DE ANTIGÉNIO
ESPECÍFICO DA PRÓSTATA 9. QUAL A UTILIDADE DA
INDICATIVO DA NECESSIDADE DENSIDADE DO ANTIGÉNIO
DE BIOPSIA PROSTÁTICA? ESPECÍFICO DA PRÓSTATA E DA
SUA FRAÇÃO LIVRE PARA INDICAR
Embora se considere habitualmente o valor de A BIÓPSIA?
4 ng/ml como indicativo para biopsia prostática,
não existe um valor absoluto definido. Com o objetivo de aumentar a especificidade
Sabe-se que para valores inferiores a 4 ng/ml do doseamento de PSA para a deteção de CP
a incidência de CP, incluindo a incidência de desenvolveu-se a fração livre de PSA. No soro, a
carcinomas pouco diferenciados, mantém-se as- maior parte de PSA existe ligado a proteínas,
sinalável3 (Tabela 6). enquanto uma pequena parte circula livre. As

Tabela 7. Valores de PSA indicativos de biopsia prostática de acordo com a idade do doente segundo diversos
autores

n Idade

21-30 31-40 40-49 50-59 60-69 70-79 80-89

Oesterling 471 2,5 3,5 4,5 6,5

DeAntoni 70.772 2,3 3,8 5,6 6,9

Lein 1.160 1,16 1,78 1,75 2,27 3,48 4,26 2,64

Berger 10.267 1,94 3,5 6,4 8,8

6 100 perguntas chave no cancro da próstata


Epidemiologia, rastreio e diagnóstico precoce

glândulas prostáticas malignas produzem PSA 10.2. Isoformas de antigénio


preferencialmente ligado ou complexado. Deste específico da próstata
modo, quanto menor for a percentagem de PSA
livre sobre o PSA total, maior a probabilidade da O PSA livre tem três isoformas no soro: pro-PSA,
biopsia prostática identificar casos de CP6. PSA benigno (BPSA) e PSA index (PSAi).
Para situações de valores de PSA total entre O pro-PSA aumenta a deteção de CP e reduz as
4 e 10 ng/ml, a percentagem de PSA livre inferior biopsias desnecessárias. Aparentemente, o pro-PSA
a 10% identifica CP em metade dos doentes. aumenta a deteção das formas mais agressivas
A densidade de PSA refere-se ao valor de PSA de CP (Gleason superior a 6), podendo ser utili-
total dividido pelo volume prostático determinado zado em protocolos de vigilância ativa.
por ecografia. Pretende-se discriminar melhor o O Beckman Coulter Prostate Health Index (PHI)
PSA produzido pelas células malignas do PSA pro- é calculado por pro-PSA/PSA livre x total PSA. De-
duzido por hiperplasia benigna da próstata respon- monstrou-se que o PHI aumenta a deteção de CP,
sável pelo aumento de volume. Valores superiores designadamente as suas formas mais agressivas.
a 0,15 são indicativos para biopsia prostática.
10.3. Calicreína humana 2
10. A QUE OUTROS MARCADORES
PODEMOS RECORRER PARA O A calicreína humana 2 (hK2) é uma serina pro-
DIAGNÓSTICO? téase da mesma família genética do PSA. Quando
combinada com o doseamento de PSA e PSA livre
Há numerosos biomarcadores doseados no aumenta a especificidade no diagnóstico de CP e
soro e urina que têm a potencialidade de melho- de doença mais agressiva.
rar a deteção de CP. No entanto, está por definir Efetivamente, parece haver correlação com ca-
a sua utilidade no diagnóstico de doença agres- raterísticas adversas na anatomia patológica da peça
siva e na diminuição do sobrediagnóstico ou na de prostatectomia radical (doença extracapsular) e
definição do prognóstico. risco de falência bioquímica. No entanto, mantém-
se controversa a sua utilização na prática clínica.
10.1. PCA3
BIBLIOGRAFIA
O gene Prostate Cancer Antigen (PCA3) está 1. RORENO. Registo Oncológico Nacional 2010. Instituto Português
sobre-expresso no CP. O teste de PCA3 mede o de Oncologia do Porto Francisco Gentil – EPE, Porto, 2016.
2. Lichtenstein P, Holm NV, Verkasalo PK, et al. Environmental and
PCA3 mRNA e o PSA mRNA que também é ex- heritable factors in the causation of cancer – analyses of cohorts
presso nas células prostáticas não malignas. A of twins from Sweden, Denmark and Finland. N Engl J Med.
2000;343(2):78-85.
razão entre os dois define um valor que sugere a 3. Thompson IM, Goodman PJ, Tangen CM, et al. The influence of
probabilidade de existir CP. Para valores superio- finasteride on the development of prostate cancer. N Engl J Med.
2003;349(3):215-24.
res a 35 a especificidade e a sensibilidade são de 4. Schoder FH, Hugosson J, Roobol MJ, et al. Screening and pros-
72 e 58% respetivamente. tate cancer mortality: results of the European Randomised Study
of Screening for Prostate Cancer (ERSPC) at 13 years of follow-
É sobretudo utilizado para decidir repetir a up. Lancet. 2014;384:2027-35.
biopsia prostática em doentes com doseamento 5. de Koning HJ, Auvinen A, Berenguer Sanchez A, et al. Large-
scale randomized prostate cancer screening trials: program per-
de PSA entre 4 e 10 ng/ml, mas com biopsia formances in the European Randomized Screening for Prostate
Cancer trial and the Prostate, Lung, Colorectal and Ovary cancer
prévia negativa. trial. Int J Cancer. 2002;97(2):237-44.
O PCA3 não é influenciado por inflamação, 6. Catalona WJ, Partin AW, Slawin KM, et al. Percentage of free
PSA in black versus white men for detection and staging of
idade, volume prostático ou a toma de inibidores prostate cancer: a prostective multicentre clinical trial. Urology.
da 5α-redutase. Não dá informações sobre a 2000;55(3):372-6.
7. Marks LS, Fradet Y, Deras IL, et al. PCA3 molecular urine assay
agressividade do CP e não tem utilidade nos pro- for prostate cancer in men undergoing repeat biopsy. Urology.
gramas de vigilância ativa7. 2007;69(3):532-5.

100 perguntas chave no cancro da próstata 7


Capítulo 2

Diagnóstico e estadiamento

P. Conceição, R. Godinho e R. Henrique

11. QUAL A SENSIBILIDADE 12. COMO DIAGNOSTICAR


E ESPECIFICIDADE OS TUMORES QUE NÃO
DA RESSONÂNCIA ESTÃO NA ZONA PERIFÉRICA?
MAGNÉTICA
DA PRÓSTATA? A descrição atual da anatomia prostática foi
originalmente proposta de McNeal e mantém-se
A ressonância magnética (RM) é um método até hoje. O conceito de “zonas” baseia-se em
de imagem cujas sequências T1 e T2 são utiliza- caraterísticas anatómicas, histológicas e embrioló-
das para obter informação morfológica e anató- gicas, conferindo-lhes por isso diferenças biológi-
mica do órgão. T2 é a sequência com mais in- cas. De modo geral, cerca de 70% dos CP ocorrem
formação no estudo da próstata. Com o avanço na zona periférica (ZP), 20% na zona de transição
da tecnologia hoje é possível estudar as proprie- (ZT) e 10% na zona central (ZC) da próstata. Na
dades biológicas inerentes a cada tecido, utili- biopsia inicial, a colheita de fragmentos da ZT não
zando-se estudos como a difusão, a perfusão com acresce valor diagnóstico. Deve ser ponderada
contraste endovenoso e espetroscopia. A asso- biopsia dirigida à ZT/ZC em situações de repetição
ciação destes denomina-se RM multiparamétrica de biopsia.
(RMmp). É um facto que novos protocolos de vigilância
A capacidade diagnóstica e de estadiamento ativa, avanços na capacidade diagnóstica e ima-
local é hoje reconhecida, associando-se a taxas giológica renovaram o interesse e pesquisa de CP
de deteção superiores no caso de doença de alto na ZT/ZC.
risco. A suspeita de tumores que não estão na zona
Uma recente meta-análise estimou a sen- periférica decorre sobretudo de duas situações:
sibilidade e especificidade da sequência T2 suspeita clínica de CP após biopsia prévia negati-
para deteção de cancro da próstata (CP) de va (por exemplo, elevação persistente da antíge-
86 e 55%, respetivamente. Enquanto técnica no prostático específico [PSA]) ou suspeita ima-
multiparamétrica, é um método de razoável giológica significativa na RMmp.
sensibilidade (40-88%) e elevada especifici- Tal como em situações de CP localizados na
dade (91-95%), cujas percentagens aumen- ZP, o diagnóstico é reconhecido após realização
tam quando se trata da deteção de tumores de biopsia prostática e análise histopatológica,
de alto grau (Gleason > 7) e com volumes > podendo ser utilizadas técnicas de biopsia di-
0,5 ml, podendo mesmo chegar aos 100% de rigida, fusão de imagem ou fusão cognitiva, de
sensibilidade no caso de tumores com mais modo a obter fragmentos da zona/lesão sus-
de 2 cm 1. peita.

8 100 perguntas chave no cancro da próstata


Diagnóstico e estadiamento

Os CP na ZT/ZC estão associados a caraterís- em relação à biopsia sistemática, evitando-se por


ticas patológicas mais favoráveis e melhores taxas isso o sobrediagnóstico e sobretratamento nos
de sobrevivência livre de recorrência apesar de casos de CP indolentes3.
diagnosticados em estádios mais avançados no
que respeita ao valor de PSA e volume tumoral. 14. QUAIS OS REQUISITOS
Recentemente, foi reconhecido que tumores DE QUALIDADE NUMA BIOPSIA
localizados na zona anterior fibromuscular pode- PROSTÁTICA?
rão ser o foco principal do crescimento neoplási-
co em até 25% dos casos de CP na ZT2. A biopsia prostática constitui a base do diag-
nóstico na patologia maligna da próstata, de-
13. QUAL O INTERESSE sempenhando um papel fundamental não ape-
DAS BIOPSIAS DE FUSÃO? nas na identificação do CP e sua discriminação
de lesões não neoplásicas, mas também na ava-
A RMmp tem contribuído de forma importan- liação de um conjunto de caraterísticas histomor-
te para a identificação com maior rigor da pre- fológicas que irão apoiar a decisão clínica após
sença de alterações sugestivas de CP, sendo o seu o diagnóstico de cancro4. Múltiplos fatores in-
papel hoje reconhecido em casos de doentes com fluenciam a qualidade do diagnóstico. A colheita
biopsia(s) prévia(s) negativa(s) ou estadiamento de fragmentos é sistematizada e desde há cerca
local em casos de CP com risco intermédio/alto. de uma década que o seu número se situa, como
A associação de ponderações funcionais e mínimo, nos 12, podendo ser estendido em fun-
morfológicas permite identificar e localizar lesões ção dos achados imagiológicos ou da suspeição
suspeitas, atribuindo, após interpretação, uma clínica. Para que a qualidade da observação ana-
classificação denominada Prostate Imaging – Re- tomopatológica não seja comprometida, é fun-
porting and Data System (PI-RADS). Valores ele- damental que os fragmentos de tecido colhidos
vados (4 e 5) têm elevada probabilidade de serem sejam de imediato fixados (geralmente em for-
malignas e necessitam de avaliação histológica mol neutro tamponado), preferencialmente de
dirigida. forma individual ou, no mínimo, discriminando a
É reconhecido que a biopsia sistemática tem lateralidade4. O processamento do tecido é, tam-
um valor preditivo negativo de 70-80%, logo, cer- bém, de grande importância para maximizar a
ca de 20 a 30% dos doentes com biopsia nega- avaliação diagnóstica, nomeadamente através
tiva podem ter CP. da inclusão de um máximo de dois fragmentos
A biopsia de fusão de imagem é uma alter- por bloco de parafina, do qual são obtidos, em
nativa à biopsia de fusão cognitiva ou, mais re- regra, dois a quatro cortes histológicos, corados
centemente, à biopsia guiada por RM, que per- pela técnica de rotina (hematoxilina-eosina). Em
mite melhorar a acuidade diagnóstica. Consiste alguns casos, a avaliação histomorfológica re-
na fusão de imagem da RMmp e ecografia atra- quer a utilização de meios auxiliares, nos quais
vés de sistemas computorizados no momento da se destaca a imuno-histoquímica, a qual permi-
realização da biopsia prostática por via transretal te incrementar a acuidade de discriminação en-
de forma ecoguiada. tre glândulas malignas e não malignas4. Caso
Os dados apresentados em diversos trabalhos seja realizado o diagnóstico de adenocarcinoma
mostram que a capacidade de deteção de CP prostático, o relatório anatomopatológico deve
aumenta em 34 a 61%, tendo nos casos de biop- conter de forma clara, precisa e concisa, um
sia prévia negativa um aumento semelhante (37 conjunto de informações que compreende: tipo
a 61%). histológico; grau histológico (Gleason); grupo de
Adicionalmente, casos de CP clinicamente sig- graduação; número e proporção de fragmentos
nificativos são detetados de forma mais frequente envolvidos; extensão de envolvimento (medida

100 perguntas chave no cancro da próstata 9


P. Conceição, et al.

linear ou proporção estimada); presença ou au- (4+4 e 3+5 a 5+5)5. A melhor discriminação
sência de permeação vascular ou perineural; ex- prognóstica foi confirmada num grande estudo
tensão extraprostática e envolvimento das vesí- multicêntrico americano, pelo que foi recomen-
culas seminais (se amostradas)4. dada a inclusão, por rotina, da informação do
grupo de graduação no relatório anatomopato-
15. COMO É O NOVO SISTEMA lógico de CP5.
DE GRADUAÇÃO DO CANCRO
DA PRÓSTATA? 16. QUAIS OS TIPOS
HISTOLÓGICOS MAIS COMUNS
A graduação de uma neoplasia maligna tem DE NEOPLASIAS DA PRÓSTATA?
por objetivo estratificar a sua agressividade clíni-
ca, indicando o risco potencial que a mesma A expressão “cancro da próstata” correspon-
representa para o paciente e auxiliando na defi- de, na realidade, a um conjunto diversificado de
nição da melhor estratégia terapêutica. O siste- neoplasias malignas, com expressão morfológi-
ma de graduação mais utilizado no adenocarci- ca, biológica e clínica distintas e muito variadas.
noma da próstata foi desenvolvido por Donald F. A neoplasia maligna mais comum na próstata
Gleason entre 1966 e 1974, tendo sido sujeito a tem origem no epitélio glandular, evidenciando
atualização em 2005 e, mais recentemente, em este fenótipo numa extensão variável, pelo que
2014. Este sistema avalia padrões morfológicos se designa “adenocarcinoma” e corresponde a
arquiteturais e permite integrar a elevada hetero- cerca de 90-95% de todas as neoplasias prostá-
geneidade do adenocarcinoma da próstata. Ba- ticas6. Atendendo ao seu predomínio como tipo
seia-se em cinco graus primários (1 a 5, com histológico, quando a expressão “cancro da
agressividade clínica e biológica crescentes), os próstata” é utilizada, geralmente refere-se, em
quais são combinados num score (ou grau com- sentido estrito, ao “adenocarcinoma”. Contudo,
binado) resultante do reconhecimento dos dois o adenocarcinoma prostático é uma entidade
graus mais representados (peça de prostatecto- heterogénea, tendo como tipo histológico mais
mia radical) ou do mais representado e do mais comum o designado adenocarcinoma acinar, o
agressivo (biopsia prostática), o qual é expresso qual corresponde a neoplasia invasiva, de fenó-
numericamente de 2 (1+1) a 10 (5+5). O score tipo glandular, constituída por células com ca-
de Gleason é um importante parâmetro prog- pacidade secretora, dispostas em glândulas,
nóstico, correlacionando-se com a sobrevivência cordões, toalhas ou isoladamente no seio do
específica de doença e o risco de recorrência. estroma prostático. Estas células assemelham-se
Contudo, este sistema apresenta diversas fragi- morfológica e funcionalmente, em grau variável,
lidades, nomeadamente reprodutibilidade inter- e às células epiteliais glandulares normais da prós-
intraobservador modesta, assim como o facto de, tata. O adenocarcinoma acinar possui diversas
aparentemente, não discriminar dentro da cate- variantes morfológicas (por exemplo, atrófico,
goria mais frequente (score 7) os níveis distintos mucinoso, pseudo-hiperplásico, etc.), algumas
de agressividade (menor nos casos 3+4 e maior das quais com maior agressividade clínica (ade-
nos casos 4+3)5. Assim, em 2016 foi introduzido nocarcinoma sarcomatoide e adenocarcinoma
um novo sistema de graduação, baseado no sis- de células gigantes pleomórficas)6. Formas me-
tema de Gleason, sob a forma de “grupos de nos frequentes de adenocarcinoma da próstata
graduação” enumerados de 1 a 5, no qual o incluem o adenocarcinoma ductal, o qual se
grupo de graduação 1 corresponde aos tumores associa frequentemente a adenocarcinoma aci-
mais indolentes (scores de Gleason ≤ 6); o gru- nar. Este tipo histológico não deve ser confun-
po 2 ao score 3+4; o grupo 3 ao score 4+3; e dido com “carcinoma intraductal”, entidade
os grupos 4 e 5 aos tumores mais agressivos recentemente reconhecida na classificação de

10 100 perguntas chave no cancro da próstata


Diagnóstico e estadiamento

neoplasias da próstata da Organização Mundial execução de TC/RM abdominopélvica e cintilo-


de Saúde (OMS)6. Este é uma forma agressiva de grafia óssea.
adenocarcinoma prostático, envolvendo e disse- Estudos adicionais poderão ser realizados em
minando-se através dos ductos prostáticos, de- casos de dúvida clínica ou imagiológica.
notando neoplasia em estádio avançado. Deste
modo, a sua identificação em biopsia prostática 19. QUAIS SÃO OS FALSOS
reveste-se de particular importância e valor prog- POSITIVOS DA CINTILOGRAFIA
nóstico. ÓSSEA?

17. QUE EXAMES A cintilografia óssea, técnica com alguns anos


DE ESTADIAMENTO DEVEM de existência, tornou-se nos anos 70 uma meto-
SER FEITOS NA DOENÇA dologia aceite na investigação de doentes com
DE BAIXO RISCO E RISCO suspeita de metástases ósseas no contexto do CP.
INTERMÉDIO? É um exame de corpo inteiro, rápido e cuja rela-
ção preço/benefício é favorável.
No caso de doença de baixo risco, até à data, O osso apresenta caraterísticas ótimas para a
nenhum exame de imagem está indicado, incluin- sobrevivência e proliferação das células tumorais
do cintilografia óssea, tomografia computadori- prostáticas. Cerca de 70 a 80% dos homens com
zada (TC) ou RM. Em casos particulares poderão CP avançado têm metástases ósseas. Na verdade,
ser realizados somente se o doente apresentar o osso constitui um microambiente muito favorá-
sintomas ósseos, achados anormais ao exame físi- vel ao crescimento e proliferação das células pros-
co ou dúvida clínica. A RMmp poderá ser útil em táticas metastáticas, sendo as lesões na sua maio-
casos de doença de baixo risco que possam ser ria osteoblásticas.
candidatos a braquiterapia. A cintilografia óssea fornece informação fun-
Em casos de doença de risco intermédio, é cional da atividade do esqueleto, o que explica a
hoje aceite que a realização de exames adicionais sua elevada sensibilidade e valor preditivo ne-
como TC/RM abdominopélvica ou cintilografia ós- gativo comparativamente a outros estudos. Em
sea é reservada para doentes com predominância termos de especificidade este exame apresenta
de Gleason 4 na biopsia prostática com vista à bastantes falsos positivos, dado que múltiplas
pesquisa/exclusão de doença metastática. patologias podem levar a fenómenos de atividade
A RMmp pode ser utilizada pelo mesmo mo- óssea. Fenómenos como traumatismos ou fra-
tivo (predominância de Gleason 4) com vista ao turas prévias, infeções (osteomielite), processos
estadiamento local, pesquisa de metastização e osteodegenerativos ou inflamatórios (artropatia)
eventual planeamento cirúrgico. podem criar dúvidas, particularmente no caso de
lesões únicas. A sua interpretação isolada é, por
18. QUE EXAMES isso, difícil em situações iniciais no desenvolvimen-
DE ESTADIAMENTO DEVEM to da doença, reconhecendo-se, por isso, que
SER FEITOS NA DOENÇA deve ser reservado em casos de doença com risco
DE ALTO RISCO? intermédio ou alto (PSA > 20 ng/ml ou Gleason
> 8) e/ou sintomáticos.
É hoje aceite que em casos de doenças de alto O método híbrido Single-photon emission
risco o uso da RMmp para estadiamento local tem computed tomography (SPECT)/TC, no fundo
benefícios em relação a outros, nomeadamente aquisição tomográfica com fusão de imagem da
a TC. TC e a RM de corpo inteiro (técnica emergente)
A pesquisa de metastização deverá ser permitem obter informações adicionais com au-
sempre realizada, pelo que se recomenda a mento da sensibilidade e especificidade7.

100 perguntas chave no cancro da próstata 11


P. Conceição, et al.

20. QUAL A INCIDÊNCIA concordância em 75% (Gleason 6) e um upgra-


DE SUBESTADIAMENTO? de para Gleason 7 ou mais em 25%).
Apesar do referido, a vigilância ativa tem vin-
O estadiamento do CP é um dos fatores de do a ser cada vez mais utilizada e em breve es-
maior importância no prognóstico da doença e tudos como o CA-ProtecT ajudarão a esclarecer
tem um papel determinante na escolha da opção a seleção de doente mesmo com um risco de
terapêutica. O diagnóstico definitivo é estabele- subestadiamento conhecido8.
cido unicamente por análise histopatológica do
tecido prostático. BIBLIOGRAFIA
Em caso de doença cujo estadiamento permi- 1. Mowatt G, Scotland G, Boachie C, et al. The diagnostic accuracy and
cost-effectiveness of magnetic resonance spectroscopy and enhanced
te concluir tratar-se de doença de baixo risco ou, magnetic resonance imaging techniques in aiding the localisation
em alguns casos, risco intermédio, a opção de of prostate abnormalities for biopsy: a systematic review and eco-
nomic evaluation. Health Technol Assess. 2013;17(20):vii-xix,1-281.
vigilância ativa pode ser considerada. 2. Lee JJ, Thomas IC, Nolley R, Ferrari M, Brooks JD, Leppert JT.
Biologic Differences Between Peripheral and Transition Zone
Contudo, em cerca de 30 a 50% dos casos, Prostate Cancer. Prostate. 2015;75(2):183-90.
diagnosticados como doença de baixo risco há, 3. Lee JD, Huang J, Marks LS. Targeted prostate biopsy: value of
multiparametric magnetic resonance imaging in detection of
de facto, um subestadiamento, tratando-se na localized cancer. Asian J Androl. 2014;16(4):522-9.
realidade de doença mais agressiva. 4. Rodrigues Â, Freitas R, Nogueira-Silva P, Jerónimo C, Henrique R.
Biopsy sampling and histopathological markers for diagnosis of
A importância de tal ocorrência levanta ques- prostate cancer. Expert Rev Anticancer Ther. 2014;14(11):1323-36.
tões relacionadas com a escolha da opção tera- 5. Epstein JI, Zelefsky MJ, Sjoberg DD, et al. A Contemporary
Prostate Cancer Grading System: A Validated Alternative to the
pêutica mais adequada no momento da sua de- Gleason Score. Eur Urol. 2016;69(3):428-35.
cisão. 6. Moch H, Humphrey PA, Ulbright TM, Reuter V. WHO Classifica-
tion of Tumours of the Urinary System and Male Genital Organs.
Diversos trabalhos mais recentes, mostram International Agency for Research on Cancer. 2016.
que a incidência do subestadiamento apresenta 7. Heindel W, Gübitz R, Vieth V, Weckesser M, Schober O, Schäfers
M. The diagnostic imaging of bone metastases. Dtsch Arztebl
resultados um pouco inferiores, mas significati- Int. 2014;111(44):741-7.
vos (doentes de baixo risco, clinically nonpalpab- 8. Oliveira IS, Pontes-Junior J, Abe DK, et al. Undergrading and
Understaging in Patients with Clinically Insignificant Prostate
le prostate-specific antigen-detected (cT1c), sub- Cancer who Underwent Radical Prostatectomy. International
metidos a prostatectomia radical, obteve-se uma Braz J Urol. 2010;36(3):292-9.

12 100 perguntas chave no cancro da próstata


Capítulo 3

Fatores de prognóstico
e vigilância ativa

J.P. Reis e R. Henrique

21. QUAIS SÃO OS FATORES DE como dos gânglios linfáticos regionais caso a lin-
PROGNÓSTICO MAIS RELEVANTES fadenectomia seja efetuada.
NA DOENÇA LOCALIZADA? Os principais fatores prognósticos para doen-
tes submetidos a prostatectomia radical são, as-
A principal questão prognóstica perante um sim, o score de Gleason, o status das margens
doente com um cancro da próstata (CP) e que cirúrgicas, a presença ou ausência de doença ex-
influencia decisivamente a abordagem terapêutica tracapsular, a invasão das vesículas seminais e o
é justamente a de estarmos, ou não, perante uma envolvimento dos gânglios linfáticos.
doença localizada. Assim, na realidade, mais do Ainda hoje são de alguma forma atuais as fa-
que pensarmos nos fatores prognósticos da doen- mosas tabelas de Partin publicadas (disponíveis na
ça localizada, pensamos na probabilidade de a Internet), que tão extensamente consultámos no
doença estar realmente localizada. Isto porque se princípio dos anos 90 do século XX1, em que se
a doença efetivamente estiver localizada, então, tentava prever a possibilidade de doença efetiva-
em princípio, ela poderá ser definitivamente tra- mente localizada perante os dados do estadiamen-
tada pelos vários tratamentos muito apropriada- to clínico. A evolução exponencial das casuísticas
mente designados de com intuito curativo, obvia- dos grandes centros e o desenvolvimento de técni-
mente desde que corretamente efetuados. cas e modelos preditivos estatísticos muito evoluí-
Os primeiros fatores de prognóstico são, justa- dos como as redes neuronais probabilísticas leva-
mente, obtidos no estadiamento clínico inicial e ba- ram ao desenvolvimento, já no final dos anos 90,
seiam-se parcialmente na marcha diagnóstica que de modelos preditivos muito evoluídos para a épo-
levou ao diagnóstico definitivo, isto é, nos dados pré- ca, abrangendo os principais cenários, pré e pós-
biopsia como o toque retal, os valores de antigénio -operatórios e outras modalidades de tratamento
prostático específico (PSA) e, cada vez mais, os da- de intuito curativo como a radioterapia, em várias
dos de imagem mais evoluídos como a ressonância plataformas digitais, como os ainda atuais mode-
magnética multiparamétrica (RMmp). A estes dados, los do Memorial Sloan Kettering Cancer Center2.
que normalmente são os que desencadeiam a biop-
sia, juntam-se depois os dados obtidos na própria 22. QUAIS SÃO OS FATORES DE
biopsia, com especial relevo para o score de Gleason PROGNÓSTICO MAIS RELEVANTES
e o número e percentagem de cilindros envolvidos. NA DOENÇA LOCALMENTE
Caso a opção seja pela cirurgia, o prognóstico AVANÇADA?
será então ajustado, de uma forma significativa-
mente mais precisa, pelo estadiamento patológico, Não existem muitos dados sobre a história na-
tanto da peça operatória e suas margens cirúrgicas tural da doença localmente avançada, na ausência

100 perguntas chave no cancro da próstata 13


J.P. Reis, R. Henrique

de tratamento, e os que existem são normalmen- Não havendo lugar, exceto em circunstâncias
te antigos correspondentes à histórica abordagem absolutamente excecionais a tratamento diferido,
de watchful waiting (ver abaixo). Um estudo pu- não existem praticamente dados sobre a evolução
blicado em 19733 do conhecido Veterans Admi- destes tumores na ausência de tratamento que
nistration Cooperative Urological Research Group permitam definir fatores prognósticos indepen-
(VACURG), incluindo 248 doentes tratados com dentes. O prognóstico do doente metastizado e
placebo, mostrou uma sobrevida global aos cinco “virgem” de terapêutica sistémica fica assim mui-
anos de 58%. to dependente de um fator altamente imprevisível
O fator prognóstico provavelmente mais im- que é a resposta à terapêutica hormonal de pri-
portante nestes doentes será o grau de diferen- meira linha. A título de exemplo, a estratificação
ciação tumoral. Foram publicados em 1997 os do estudo Southwest Oncology Group (SWOG)
resultados de um estudo prospetivo nórdico de 9346 em três grupos, consoante os valores de
647 doentes4 nas várias fases da doença e trata- PSA obtidos após sete meses de hormonotera-
dos conservadoramente. Aos 15 anos, a sobrevida pia, mostrou claramente uma maior sobrevida
específica dos doentes com doença clinicamente nos doentes com respostas bioquímicas mais con-
localizada foi de 89%, enquanto nos doentes com sistentes. Assim, enquanto os doentes que atin-
doença localmente avançada foi de 57%. Mais giram valores de PSA inferiores a 0,2 ng/ml tive-
interessante, apenas 6% dos doentes (cerca de ram uma sobrevida média de 75 meses, os que
metade da amostra) que apresentavam tumores atingiram entre este valor e 4 ng/ml uma sobre-
bem diferenciados vieram a falecer de CP, enquan- vida média de 44 meses e os que não obtiveram
to 17% faleceram com tumores medianamente valores de PSA abaixo de 4 ng/ml uma sobrevida
diferenciados e mais de metade (56%) com tu- de apenas 13 meses5.
mores indiferenciados. Em termos de possíveis fatores independentes
de prognóstico, é intuitivo e relativamente con-
23. QUAIS SÃO OS FATORES sensual que será importante a presença ou não
DE PROGNÓSTICO MAIS de metástases viscerais, a carga metastática ós-
RELEVANTES NA DOENÇA sea, seu número e localização, o score de Glea-
METASTIZADA? son, o PSA e a fosfatase alcalina iniciais e também
o performance status, não existindo, no entanto,
A população de CP M1 é uma população estudos que permitam afirmar a importância re-
extremamente heterogénea, onde se misturam lativa de cada um deles, nem sequer assegurar a
doentes que progrediram após terapêuticas de sua relevância prognóstica.
intuito curativo, tendo passado ou não por uma
doença localmente avançada documentada, com 24. BIOPSIAS LÍQUIDAS
doentes que se apresentam com metástases logo (DNA CIRCULANTE, EXOSSOMAS
na altura do diagnóstico. E MICRO-RNA) – QUE
Por outro lado, a maioria destes doentes já se APLICABILIDADE PRÁTICA?
encontra em tratamento, pelo que os fatores prog-
nósticos são muitas vezes dominados mais pelas Embora a biopsia de tecidos constitua o pa-
respostas aos tratamentos do que pelas caraterís- drão de material diagnóstico em Oncologia, a sua
ticas específicas do tumor e do hospedeiro. Um natureza invasiva e limitações relacionadas com
exemplo paradigmático é o muito pior prognóstico a amostragem têm levado ao desenvolvimento
do CP em fase de resistência à castração, com- de estratégias diagnósticas alternativas, no-
parativamente com um caso com as mesmas ca- meadamente através do isolamento e carateri-
raterísticas histológicas, imagiológicas e clínicas, zação de células neoplásicas, ou ácidos nuclei-
que ainda não iniciou terapêutica hormonal. cos delas derivados, em suspensão nos fluídos

14 100 perguntas chave no cancro da próstata


Fatores de prognóstico e vigilância ativa

orgânicos (sangue [plasma, soro], urina, fluído anos atrás, em que, perante um doente que era
seminal, etc.). O termo “biopsia líquida” aplica- diagnosticado com CP se aguardava que o mes-
se, portanto, a este tipo de amostras, em contra- mo desenvolvesse metástases, obviamente na
posição à biopsia tecidular dos “tumores sóli- esperança de que isso nunca viesse a acontecer,
dos”. As grandes vantagens das biopsias líquidas para então introduzir tratamentos paliativos, nor-
incluem o grau mínimo ou ausente de invasivida- malmente a hormonoterapia.
de para a sua colheita, diminuindo o incómodo Já a vigilância ativa é um tratamento atual e
para o doente e incrementando a frequência de validado como alternativa ao tratamento imedia-
monitorização, bem como o potencial de maior to de intuito curativo, que pretende evitar o
representatividade da heterogeneidade tumoral. tratamento eventualmente desnecessário de tu-
O ácido desoxirribonucleico (DNA) livre circulante mores “não clinicamente significativos” que são
(ctDNA) e os micro-RNA (miRNA) estão entre as detetados de forma cada vez mais frequente,
biomoléculas mais estudadas como potenciais permitindo ainda o tratamento de intuito curati-
biomarcadores oncológicos em biopsia líquida. vo nos doentes em que se registe progressão da
No CP, diversos estudos sugerem a utilidade da doença para uma forma clinicamente agressiva,
análise do ctDNA para deteção precoce (por evidenciada de forma histológica ou bioquímica,
exemplo, quantificação de metilação de promo- ao longo do processo.
tores de genes como GSTP1 e APC) e predição
de resposta terapêutica (por exemplo, número de 26. QUE INDICAÇÕES PARA
cópias circulantes do gene AR e resposta à en- WATCHFUL WAITING?
zalutamida), enquanto a quantificação dos níveis
de expressão de miRNA circulantes (por exemplo, O princípio do watchful waiting reside no fac-
miR-21, miR-141, miR-375) poderá auxiliar na to de que, frequentemente, o CP evolui de uma
deteção precoce e discriminação da agressivida- forma lenta e, por outro lado, surge frequente-
de tumoral6. As vesículas extracelulares e, espe- mente em doentes com idade e avançada e múl-
cialmente, os exossomas são uma das fontes de tiplas comorbilidades. Assim, seria possível prote-
ácidos nucleicos nos fluídos orgânicos, podendo lar ou mesmo evitar o tratamento em doentes de
o seu conteúdo ser utilizado para caraterização idade avançada e com um CP localizado.
genotípica, com utilidade no diagnóstico e prog- O limite clássico da expetativa de vida seriam
nóstico do adenocarcinoma da próstata. Contu- os 10 anos mas, obviamente, este limite deverá
do, na atualidade, nenhuma destas abordagens ser ajustado perante um tumor clinicamente mais
se encontra validada para uso clínico de rotina, agressivo ou perante populações em particular
embora o seu potencial de aplicação seja consi- risco de progressão como os indivíduos de raça
derado muito elevado. negra a viver em países ocidentais, em analogia
com a população afro-americana, mais bem es-
25. QUAL A DIFERENÇA tudada neste aspeto, ou indivíduos com muta-
ENTRE WATCHFUL WAITING ções do BRCA 2 conhecidas.
E VIGILÂNCIA ATIVA? Os estudos mostraram7 sobrevidas específicas
da doença de 80 a 95% para estádios clínicos T1
É frequente a confusão entre watchful wait- e T2 e scores de Gleason até 7. As sobrevidas são
ing (vigilância armada) e a vigilância ativa (active tanto melhores quanto mais bem diferenciados
surveillance). Na realidade, estas duas opções são sejam os tumores. A título de exemplo, no estudo
bastante diferentes, tanto na filosofia como na atrás referido, a sobrevida específica foi de 91%
época em que são ou foram utilizadas. Assim, o nos tumores bem diferenciados, 90% para os mo-
conceito de vigilância armada corresponde muito deradamente diferenciados e 74% para os mais
tipicamente à abordagem que era feita há muitos indiferenciados.

100 perguntas chave no cancro da próstata 15


J.P. Reis, R. Henrique

27. QUAIS SÃO OS CRITÉRIOS Na maioria dos casos, a questão da idade e da


PARA SELECIONAR DOENTES esperança de vida vai ser colocada dentro da ava-
PARA VIGILÂNCIA ATIVA? liação do binómio esperança de vida vs. agressi-
vidade do tumor.
Como já referido, a vigilância ativa é uma Em termos absolutos, o cut-off clássico dos
alternativa em determinados casos selecionados 10 anos de esperança de vida apenas se mantém,
ao tratamento de intuito curativo imediato, pelo pela negativa, na não indicação para watchful
que o seu campo de aplicação não está de for- waiting.
ma alguma limitado aos doentes com menos de
10 anos de expetativa de vida. 29. COMO DEVE SER FEITO
Genericamente, serão candidatos a esta mo- O SEGUIMENTO DOS DOENTES
dalidade doentes recém-diagnosticados, frequen- EM VIGILÂNCIA ATIVA?
temente em programas de deteção oportunísti-
ca, com tumores localizados e de baixo risco de Sendo a vigilância ativa uma opção bastante
progressão. Os critérios de seleção para esta mo- atrativa para um grande número de doentes, a
dalidade, baseados numa revisão sistemática de sua aplicabilidade e aceitação, infelizmente, fica
quase 4.000 doentes8 incluem: muito prejudicada na vida real pela aplicação das
–– Score de Gleason de 6; normas que a validam como efetivamente ativa
–– Máximo de dois-tr~es cilindros envolvidos, (e não watchful waiting). Com efeito, para além
com cada um deles < 50%; da monitorização do PSA e da avaliação clínica
–– Estádio clínico T1c ou T2a; repetida, pelo menos por toque retal, a biopsia
–– PSA < 10 ng/ml. deve ser repetida periodicamente, não sendo ainda
Por outro lado, serão critérios de exclusão absolutamente consensual qual intervalo de tem-
para esta opção: po ideal.
–– Carcinoma intraductal; A RMmp da próstata poderá vir a ter um
–– Variantes sarcomatoides; papel importante nesta modalidade de aborda-
–– Carcinoma de pequenas células; gem, em função da sua conhecida seletividade
–– Extensão extraprostática; para a deteção das lesões com significado clínico
–– Permeação linfovascular nos cilindros de biopsia. (capacidade de progressão) vs. as consideradas
indolentes, o que lhe confere um valor preditivo
28. A ESTIMATIVA DA ESPERANÇA negativo importante na progressão de lesões co-
DE VIDA DEVE CONDICIONAR nhecidas para lesões com agressividade clínica.
O TIPO DE TRATAMENTO? No entanto, no momento atual esta técnica não
está ainda validada como podendo substituir as
Evidentemente que a estimativa do tempo de biopsias repetidas, não devendo ser utilizada iso-
vida, com todas as conhecidas limitações desta ladamente9.
previsão, deve ser um dos fatores a considerar na O desencadear do tratamento de intuito cura-
equação. No entanto, este não será, de todo, o tivo ativo pode ocorrer quer por opção do doen-
fator mais importante a considerar exceto, even- te, que um estudo clássico10 estima em cerca de
tualmente, em casos muito extremos de doentes 10%, quer por critérios de progressão para doen-
com uma manifesta expetativa de vida muito bai- ça agressiva, como:
xa. Embora ainda estejamos longe do marcador –– Elevação do score de Gleason;
prognóstico ideal da doença, os dados de que –– Aumento do número de cilindros positivos;
atualmente dispomos – imagiológicos, clínicos, –– Elevação da percentagem dos cilindros atingi-
bioquímicos e histológicos – já vão permitindo de da para > 50%;
alguma forma prever a agressividade do tumor. –– Progressão do estádio (T).

16 100 perguntas chave no cancro da próstata


Fatores de prognóstico e vigilância ativa

30. QUAIS OS RESULTADOS É também interessante verificar que, deste grupo,


DA VIGILÂNCIA ATIVA? 27% acabaram por ser tratados ativamente, a
maioria deles (43,5%) por progressão de PSA com
Nos casos em que tem indicação e com a um tempo de duplicação inferior a três anos (cri-
ressalva da aceitação por parte do doente da tério atualmente questionado), 35% por progres-
possível ansiedade relacionada com a presença são do score de Gleason na repetição da biopsia
de um tumor não tratado e, sobretudo, do pro- e apenas 6% por preferência do doente.
tocolo de vigilância particularmente agressivo, os
resultados são bastante positivos, na medida em BIBLIOGRAFIA
que o aumento de risco de morte pela doença é
1. Partin AW, Yoo J, Carter HB, et al. The use of prostate specific
extremamente baixo e, em compensação, é evi- antigen, clinical stage and Gleason score to predict pathological
tado o tratamento de um grande número de stage in men with localized prostate cancer. J Urol. 1993;150:
110-4.
doentes. 2. Kattan MW, Eastham JA, Stapleton AM, Wheeler TM, Scardino
A título de exemplo, a atualização da série PT. A Preoperative Nomogram for Disease Recurrence Following
Radical Prostatectomy for Prostate Cancer. JNCI J Natl Cancer
clássica referida acima9, publicada recentemen- Inst. 1998;90:766-71.
te11 já com um período de seguimento médio de 3. Byar DP. The veterans administration cooperative urologic re-
search Group’s studies of cancer of the prostate. Cancer 1973;
6,4 anos e com mais de 20% dos doentes segui- 32(5):1126-30.
dos por mais de 10 anos, incluindo 933 doentes 4. Johansson JE, Holmberg L, Johansson S, et al. Fifteen-year Sur-
vival in Prostate Cancer. A Prospective, Population-Based Study
com idade média de 67,8 anos (portanto, doen- in Sweden. JAMA. 1997;277(6):467-71.
tes com expetativa de vida largamente superior 5. Hussain M, Tangen CM, Higano C, et al. Absolute prostate-
specific antigen value after androgen deprivation is a strong
a 10 anos), mostrou uma sobrevida específica da independent predictor of survival in new metastatic prostate
doença (disease-specific survival [DSS]) aos 10 e cancer: data from Southwest Oncology Group Trial 9346 (INT-
0162). J Clin Oncol. 2006. 24(24):3984-90.
aos 15 anos de 98,1 e 94,3%, respetivamente. 6. Ramalho-Carvalho J, Fromm B, Henrique R, Jerónimo C. Deci-
Esta série inclui doentes em estádio clínico T1 phering the function of non-coding RNAs in prostate cancer.
Cancer Metastasis Reviews. 2016;35(2):235-62.
ou T2a, PSA inferior ou igual a 10 e admite 7. Lu-Yao GL, Albertsen PC, Moore DF, et al. Outcomes of Local-
ized Prostate Cancer Following Conservative Management. Jama.
scores de Gleason até 7 nos doentes com mais 2009;302(11):1202-1209.
de 70 anos de idade e até 6 se de idade inferior. 8. Thomsen FB, Brasso K, Klotz LH, et al. Active surveillance for
clinically localized prostate cancer – a systematic review. J Surg
A sobrevida global (que inclui morte por qual- Oncol. 2014;109(8):830-5. 

quer causa) foi de 80% aos 10 anos e 62% aos 9. Schoots IG, Petrides N, Giganti F, et al. Magnetic resonance
imaging in active surveillance of prostate cancer: a systematic
15 anos. Apenas 2,8% dos doentes desenvolve- review. Eur Urol. 2015;67(4):627-36.
ram metástases ao longo do período de segui- 10. Klotz L, Zhang L, Lam A, Nam R, Mamedov A, Loblaw A.
Clinical results of long-term follow-up of a large, active surveil-
mento, sendo que a quase totalidade (exceto lance cohort with localized prostate cancer. J Clin Oncol, 2010.
dois) dos casos de metastização foram registados 28:126
11. Klotz L, Vesprini D, Sethukavalan P, et al. Long-term follow-up
nos doentes com score de Gleason 7, excluídos of a large active surveillance cohort of patients with prostate
desta abordagem pelas recomendações actuais. cancer. J Clin Oncol. 2015;33(3):272-7.

100 perguntas chave no cancro da próstata 17


Capítulo 4

Doença localizada:
prostatectomia radical
e novas técnicas
B. Parada

31. QUAIS OS CANDIDATOS 32. QUAIS OS RESULTADOS


PARA PROSTATECTOMIA RADICAL? DA PROSTATECTOMIA
RADICAL?
Os objetivos da prostatectomia radical são a
erradicação da doença, com preservação da con- A prostatectomia radical é, no presente, o
tinência e, se possível, da ereção. único tratamento para o CP localizado com com-
Os doentes são ser candidatos a prostatecto- provado benefício na sobrevivência global (OS) e
mia radical quando se verificam os seguintes cri- na sobrevivência específica de cancro (CSS), com-
térios1: parativamente ao watchful waiting, tal como de-
–– Do doente: monstrado no estudo prospetivo e randomizado
• Idade: Embora a idade limite para a realiza- Scandinavian Prostate Cancer Group Study Num-
ção de uma prostatectomia radical seja di- ber 4 (SPCG-4)2. Após 18 anos de seguimento,
fícil de definir, o doente deve ter uma es- houve uma diminuição da mortalidade global e
perança de vida de, pelo menos, 10 anos. específica, com um risco relativo (RR) de 0,71 (IC
Convém acrescentar que idades mais avan- 95%: 0,59-0,86) e 0,56 (IC 95%: 0,41-0,77),
çadas se associam a maior risco de complica- respetivamente. Os benefícios da cirurgia na pre-
ções, nomeadamente incontinência urinária; venção da morte por CP foi maior no grupo de
• Ausência de comorbilidades que contraindi- doentes com menos de 65 anos e nos de risco
quem a cirurgia. A existência de comorbili- intermédio. Contudo, no grupo mais idoso tam-
dades também aumenta o risco de morte bém houve uma redução do risco de metástases.
por causas não relacionadas com o cancro Na população em estudo, o número de doentes
da próstata (CP). necessário tratar para prevenir uma morte foi de
–– Da doença: oito, mas apenas quatro no grupo de doentes
• CP localizado de risco baixo e intermédio; nos com menos de 65 anos.
doentes de alto risco pode estar indicada, Estes resultados positivos não se verificaram
numa abordagem terapêutica multimodal. num outro ensaio clínico, Prostate Cancer Inter-
• Doença localmente avançada (cT3a): pode vention versus Observation Trial (PIVOT), não tendo
estar indicada, numa abordagem multimo- havido redução da mortalidade global ou especí-
dal, em doentes selecionados; fica. Convém referir que, embora as metodologias
• Doença localmente avançada (cT3b-T4N0; dos estudos fossem semelhantes, as populações
N1): pode estar indicada, numa abordagem eram diferentes, com uma maior proporção de
multimodal, em doentes altamente selecio- doentes de risco intermédio e alto no estudo
nados. SPCG-4.

18 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: prostatectomia radical e novas técnicas

33. QUAIS AS VANTAGENS a laparoscopia convencional. A ausência de senti-


E DESVANTAGENS DAS DIFERENTES do tátil do cirurgião é uma desvantagem. O ele-
MODALIDADES (ABERTA, vado custo económico associado à aquisição do
LAPAROSCÓPICA, ROBÓTICA)? equipamento, à sua manutenção e aos materiais
cirúrgicos são limitações a uma utilização gene-
Os estudos atualmente existentes sugerem ralizada.
que a prostatectomia radical aberta, laparoscópica
e robótica têm resultados oncológicos, funcionais 34. QUAL A EXTENSÃO
(urinários e sexuais) e de qualidade de vida com- DA LINFADENECTOMIA
paráveis3. Mais importante do que a modalidade E EM QUEM ESTÁ INDICADA?
escolhida é a destreza e experiência de quem
executa a cirurgia. Os cirurgiões de maior volume A linfadenectomia está indicada nos doentes
têm melhores resultados oncológicos, menos mar- de risco intermédio, se o risco de metastização
gens cirúrgicas positivas e menos complicações. ganglionar for superior a 5% (2% em algumas
Embora, no essencial, a prostatectomia radi- guidelines), e nos de alto risco. Recomenda-se a
cal seja tecnicamente indêntica, as diferentes mo- utilização de um nomograma para avaliação do
dalidades apresentam algumas particularidades. risco de envolvimento ganglionar4.
A prostatectomia radical retropúbica por via Quando indicada, a linfadenectomia deve ser
aberta tem a vantagem de grande experiência “alargada”, incluindo os gânglios da fossa obtu-
acumulada, com os tempos de seguimento mais radora, da artéria e veia ilíacas externas, mediais
longos, e de não necessitar de tecnologia muito e laterais à artéria ilíaca interna, com extensão à
diferenciada, daí resultando custos económicos artéria ilíaca comum até ao cruzamento do ureter
mais baixos do que as outras vias de abordagem, e área pré-sagrada.
podendo ser executada em serviços e sistemas de
saúde com restrições orçamentais. Tem como des- 35. QUAIS AS TAXAS
vantagens uma incisão cirúrgica maior, embora DE INCONTINÊNCIA URINÁRIA
única, tempos de internamento e algaliação ge- E COMO TRATÁ-LA?
ralmente mais longos, bem como maior hemor-
ragia, sobretudo nas séries históricas. As taxas de incontinência urinária pós-pros-
A abordagem laparoscópica é menos invasiva tatectomia radical são bastante díspares nas vá-
do que a via aberta, com menores incisões, em- rias séries publicadas. As maiores limitações à
bora múltiplas, uma visão ampliada, bidimensio- interpretação dos resultados devem-se ao dese-
nal na maioria dos casos, tridimensional com a nho dos estudos, não comparáveis, maioritaria-
tecnologia mais avançada. Permite tempos de in- mente retrospetivos, e à utilização de diferentes
ternamento e de algaliação mais curtos. É, contu- definições de incontinência urinária. Independen-
do, tecnicamente exigente, sobretudo as suturas, temente disso, numa meta-análise recente, a in-
com longas curvas de aprendizagem e tempos cidência de incontinência urinária aos 12 meses
cirúrgicos mais prolongados. variou de 4 a 31% (valor médio: 16%), definin-
A cirurgia robótica resolve algumas das limita- do-se continência como a não utilização de penso.
ções da laparoscopia, nomeadamente a posição mais Se a definição de continência incluir ausência de
ergonómica do cirurgião, uma melhor visão tridi- penso ou apenas um penso de segurança, a inci-
mensional, sendo a câmara controlada pelo cirur- dência baixou para 8 a 11% (valor médio: 9%)5.
gião, movimentos com maiores graus de liberdade, Na abordagem da incontinência urinária é ne-
ausência de tremor fisiológico, o que permite cirur- cessário ter a noção de que a recuperação pode
gias tecnicamente mais fáceis, menos demoradas demorar 12 a 18 meses e que, regra geral, só de-
e com curvas de aprendizagem mais curtas do que pois desse período devem ser adotadas medidas

100 perguntas chave no cancro da próstata 19


B. Parada

invasivas. Uma vez excluídas causas secundárias • Radioterapia de salvação após recidiva bio-
de incontinência urinária, como aperto da anas- química do antigénio prostático específico
tomose ou hiperatividade vesical, o tratamento (PSA) (PSA > 0,2 ng/ml) e idealmente antes
pode incluir uma abordagem conservadora, como que exceda os 0,5 ng/ml.
o treino do pavimento pélvico, para as formas A radioterapia adjuvante, embora não se as-
ligeiras, ou uma abordagem cirúrgica, com slings socie de forma inequívoca a um aumento da OS,
masculinos para as formas moderadas e esfíncte- melhora a sobrevivência livre de progressão bio-
res urinários artificiais para as formas mais graves. química e o controlo local da doença8.
–– Nos doentes com gânglios positivos após a cirur-
36. QUAIS AS TAXAS DE DIFUNÇÃO gia (pN1), a radioterapia adjuvante, associada a
ERÉTIL E COMO TRATÁ-LA? hormonoterapia, está indicada por se associar
a aumento da sobrevivência específica do cancro.
À semelhança da questão anterior, há grandes
variações nas taxas de disfunção erétil reportadas, 38. QUANDO ESTÁ INDICADO
com valores que vão dos 0 aos 85%, um ano FAZER UMA PROSTATECTOMIA
após a cirurgia. RADICAL POUPADORA
Num estudo prospetivo, controlado e não alea- DE NERVOS?
torizado, envolvendo 14 centros, comparando
a prostatectomia radical assistida por robot com a A cirurgia poupadora de nervos pode ser fei-
prostatectomia retropúbica convencional, a inci- ta em doentes sem disfunção erétil prévia e com
dência de disfunção erétil aos 12 meses foi de baixo risco de doença extracapsuslar: cT1c, Glea-
70,4 e de 74,7%, respetivamente6. Numa análise son < 7 e PSA < 10 ng/ml.
sistemática, avaliando a disfunção erétil após esta Na doença de risco intermédio ou de alto
cirurgia ao longo de um período de 17 anos risco, a utilização de RMmp pode ajudar a sele-
(1997-2014), mostrou-se que os valores não va- cionar os candidatos a esse procedimento.
riaram significativamente ao longo do tempo7. Em caso de dúvidas peroperatórias, o cirur-
O tratamento da disfunção erétil deve ser ini- gião deve remover o rolo vásculo-nervoso ou rea-
ciado precocemente, podendo incluir terapêutica lizar estudos patológicos extemporâneos.
farmacológica oral com inibidores de fosfodieste- Séries recentes mostram que a cirurgia poupa-
rase-5 ou alprostadil sob a forma de creme ou dora de nervos, para além do efeito benéfico na
injetável. O aparelho de vácuo pode ser usado em função sexual, leva a uma melhoria das taxas de
alguns casos. Nos doentes que falham as terapêu- continência urinária a longo prazo9.
ticas de primeira e segunda linhas, a colocação de
uma prótese peniana é a única opção terapêutica. 39. QUAL O PAPEL DAS
TERAPÊUTICAS ABLATIVAS?
37. QUANDO INDICAR A
RADIOTERAPIA ADJUVANTE APÓS As terapêuticas ablativas incluem um conjun-
A PROSTATECTOMIA RADICAL? to de técnicas minimamente invasivas utilizadas
para tratar toda a próstata ou apenas uma parte
–– Nos doentes pT3N0, com elevado risco de (terapêutica focal) da próstata com cancro. As
recidiva local após a prostatectomia radical principais técnicas ablativas são a braquiterapia,
devido a margens positivas, rutura da cápsula, a criocirurgia e a high intensity focused ultrasou-
Gleason > 7 e/ou invasão das vesículas semi- nd (HIFU). Existem ainda outros procedimentos,
nais, há duas opções terapêuticas: como a ablação por radiofrequência, a terapêuti-
• Radioterapia adjuvante imediata ao leito cirúr- ca fotodinâmica e a eletroporação, em fases mais
gico, após recuperação da função urinária; ou iniciais de desenvolvimento.

20 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: prostatectomia radical e novas técnicas

A braquiterapia, uma forma de radioterapia, localização, volume e agressividade de todos os


tem indicações estabelecidas para o tratamento focos tumorais; o risco de tratar carcinomas que
de algumas formas de CP localizado e é discutida não necessitam de tratamento ou perder a opor-
noutra secção. tunidade de tratar formas agressivas; a impreci-
Numa revisão sistemática sobre as técnicas são dos métodos de tratamento focal; o potencial
ablativas no CP localizado, que incluiu 121 estu- risco de maiores efeitos adversos em casos de
dos de tratamentos primários e nove de salvação, falência local e necessidade de terapêutica de sal-
foram identificadas limitações na quantidade e vação11,12.
qualidade dos dados sobre os resultados oncoló- A qualidade da evidência sobre esta aborda-
gicos e complicações. Os autores concluiram que gem é fraca e a forma de avaliação dos resultados
a evidência existente é insuficiente para estabe- oncológicos é heterogénea, sendo necessários es-
lecer qualquer recomendação sobre o uso das tudos prospetivos bem planeados.
terapêuticas ablativas, sendo importante a reali- Estas limitações, associadas aos resultados in-
zação de ensaios clínicos aleatorizados e contro- conclusivos das terapêuticas abalativas referidas na
lados10. questão anterior, levam a que a terapêutica focal
Não sendo os resultados oncológicos a curto do CP seja considerada investigacional e apenas
prazo equivalentes aos da cirurgia ou radioterapia, deva ser realizada num contexto de ensaio clínico.
não existindo resultados fiáveis a longo prazo e
não sendo estas técnicas isentas de complicações, BIBLIOGRAFIA
apenas devem ser oferecidas aos doentes num 1. Mottet N, Bellmunt J, Bolla M, et al. EAU-ESTRO-SIOG Guide-
contexto de ensaio clínico. lines on Prostate Cancer. Part 1: Screening, Diagnosis, and
Local Treatment with Curative Intent. Eur Urol. 2016;pii: S0302-
2838(16)30470-5.
40. QUAL O PAPEL 2. Bill-Axelson A, Holmberg L, Garmo H, et al. Radical Prostatec-
tomy or Watchful Waiting in Early Prostate Cancer. N Engl J Med,
DA TERAPÊUTICA FOCAL? 2014;370(10):932-42.
3. Jackson MA, et al. Experienced Open vs Early Robotic-assisted
Laparoscopic Radical Prostatectomy: A 10-year Prospective and
A terapêutica convencional do CP localizado Retrospective Comparison. Urology. 2016;91:111-8.
envolve o tratamento de toda a glândula, inde- 4. Bianchi L, Gandaglia G, Fossati N, et al. Pelvic lymph node dis-
section in prostate cancer: indications, extent and tailored ap-
pendentemente do volume ou localização do tu- proaches. Urologia. 2015:16:0.
5. Ficarra V, Novara G, Rosen RC, et al. Systematic review and meta-
mor. A generalização do diagnóstico precoce tem analysis of studies reporting urinary continence recovery after
permitido a deteção da neoplasia em fases ini- robot-assisted radical prostatectomy. Eur Urol. 2012;62(3):405-17.
6. Haglind E, Carlsson S, Stranne J, et al. Urinary Incontinence and
ciais, frequentemente unilaterais e unifocais, com Erectile Dysfunction After Robotic Versus Open Radical Prosta-
volumes tumorais que não ultrapassam os 5-10% tectomy: A Prospective, Controlled, Nonrandomised Trial. Eur
Urol. 2015;68(2):216-25.
do volume total da próstata. 7. Schauer I, Keller E, Müller A, Madersbacher S. Have rates of
Em teoria, a terapêutica focal visa o tratamen- erectile dysfunction improved within the past 17 years after
radical prostatectomy? A systematic analysis of the control arms
to seletivo do tumor, poupando as áreas sem of prospective randomized trials on penile rehabilitation. Androl-
lesão, limitando a toxicidade aos tecidos adjacen- ogy. 2015;3(4):661-5.
8. Bolla M, van Poppel H, Collette L, et al. Postoperative radio-
tes, incluindo os rolos vásculonervosos, esfíncter therapy after radical prostatectomy: a randomised controlled
urinário, uretra e reto. A maioria das terapêuticas trial (EORTC trial 22911). Lancet. 2005. 366(9485):572-8.
9. Michl U, Tennstedt P, Feldmeier L, et al. Nerve-sparing Surgery
focais foram realizadas com técnicas ablativas, Technique, Not the Preservation of the Neurovascular Bundles,
principalmente crioterapia, HIFU e braquiterapia. Leads to Improved Long-term Continence Rates After Radical
Prostatectomy. Eur Urol. 2016;69(4):584-9.
Os seus objetivos seriam a manutenção da eficácia 10. Ramsay CR, Adewuyi TE, Gray J, et al. Ablative therapy for
oncológica e a diminuição dos efeitos adversos people with localised prostate cancer: a systematic review and
economic evaluation. Health Technol Assess. 2015;19(49):1-490.
resultantes dos tratamentos. No entanto, vários pro- 11. Sivaraman A, Barret E. Focal Therapy for Prostate Cancer: An “À
blemas limitam a utilização desta abordagem: a la Carte” Approach. Eur Urol. 2016;69(6)973-5.
12. Rouvière O, Chapelon JY, Crouzet S, Gelet A. Prostate Cancer
multifocalidade do CP; a incapacidade dos mé- Focal Therapy: Just Because You Can Does Not Mean You Should.
todos de imagem e das biópsias estimarem a Eur Urol. 2016;71(1):35-6.

100 perguntas chave no cancro da próstata 21


Capítulo 5

Doença localizada:
radioterapia externa
e braquiterapia
R. Sousa e G. Vieira

41. QUAIS OS DOENTES resultados ligeiramente superiores no tempo livre


CANDIDATOS A RADIOTERAPIA de doença e sobrevida, associada a muito menos
EXTERNA? efeitos secundários, quer agudos como tardios.
A prostatectomia radical existe a vantagem de se
Estratificando os doentes de acordo com o ter a noção exata da doença, pois o estudo ana-
risco, segundo a classificação de D’Amico ou a tomopatológico ilustra a verdadeira dimensão da
mais recente da National Compreensive Cancer mesma. Ainda nos casos de recidiva podemos
Network (NCCN)*, em muito baixo, baixo, inter- utilizar a EBRT de salvação, com a intenção cura-
médio, alto ou muito alto risco, tendo por base tiva, o que não é recomendável, quando se pre-
o valor inicial da análise do antigénio prostático tende realizar uma prostatectomia de salvação
específico (PSA), a classificação de Gleason, o após a falência da EBRT, pois as morbilidades são
número de fragmentos com a respetiva envolvên- importantes e têm impacto na qualidade de vida
cia e o estadiamento da doença, diriamos que dos doentes. A estratégia empregue depende da
todos os doentes diagnosticados com um cancro experiência da equipa multidisciplinar envolvida e
da próstata (CP), independentemente do seu grau das opções disponíveis na instituição1.
de risco, são candidatos a realizar radioterapia A esperança de vida (e não a idade), a sinto-
externa (EBRT) com intenção curativa, desde que matologia e o índice de Karnofsky são igualmente
não apresentem doença metastizada*. três importantes fatores a tomar em consideração
No entanto, o mais importante na oncologia na decisão terapêutica, sendo, sem qualquer dú-
atual é que a decisão terapêutica seja realizada por vida, a EBRT a primeira indicação para doentes
uma equipa multidisciplinar, onde, pelo menos, com contraindicação cirúrgica ou anestésica, por
estejam presentes, o urologista, o radioncologista comorbilidades ou doenças associadas.
e o oncologista médico, entre outros profissionais
de saúde, de acordo com a política da instituição*. 42. QUAIS AS INDICAÇÕES
Na prática clínica a utilização da EBRT como PARA HORMONOTERAPIA NEO
a primeira opção curativa, nos doentes de muito ADJUVANTE E ADJUVANTE?
baixo e baixo risco, normalmente não é utilizada,
pois para este grupo de doentes, existem opções Desde que, em 1941, Huggins e Hodges2 de-
tais como a braquiterapia, prostatectomia radical monstraram a dependência hormonal das células de
ou a vigilância ativa. A braquiterapia apresenta adenocarcinoma de próstata, que a hormonoterapia
(HT) tem sido usada no tratamento da doença me-
*Cf. https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/ tastizada e, desde a última década, como neoadju-
prostate.pdf vante e adjuvante na doença localmente avançada.

22 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

O racional da associação da HT com a EBRT dose da radiação, nos doentes de risco intermé-
assenta em três níveis: a) diminuição do volume dio, estando em aberto a demonstração do bene-
de próstata até cerca de 30% quando usada entre fício da HT face às novas modalidades de escalada
dois a seis meses antes do tratamento definitivo; de dose. Por este motivo, existem atualmente em
b) aumentar a oxigenação e diminuir a resistência curso seis ensaios aleatorizados: Radiation Therapy
vascular, potencializando o efeito radiobiológico3,4, Oncology Group (RTOG) 0815; NCT 00936390;
e c) inibição da proliferação celular, prevenindo a EORTC 22991, National Center for Tumor Diseases
disseminação sistémica. (NCT) 00021450; Groupe d’étude des tumeurs
Na doença de baixo risco não existe benefício urogénitales (GETUG) 14; NCT 00104741, que se
em termos de sobrevida global (SG) ou sobrevida espera que venham responder definitivamente a
livre de progressão (SLP) na associação de HT à EBRT. esta questão, mas a tendência com base nos resul-
Pelo contrário, existe forte evidência no bene- tados preliminares, é que a escalada de dose, por
fício da associação de HT com a EBRT em grupos si só, não é superior ao efeito combinado da HT.
de alto risco e risco intermédio, apoiados fundamen- Os efeitos secundários não devem ser negli-
talmente nos estudos aleatorizados de D’Amico5-7 genciados: a) diminuição da massa muscular, que
e Trans-Tasman Radiation Oncology Group (TROG) se traduz em fadiga e aumento de peso; b) efeitos
96.018, em termos de progressão bioquímica e local. metabólicos com resistência à insulina e dislipide-
As linhas de orientação da European Associa- mia; c) o risco cardiovascular, resultante da con-
tion of Urology (EAU) de 20169 e da American junção da dislipidemia, do aumento de peso e da
Urologic Association (AUA)10, revistas em 2016, resistência à insulina, foi avaliado recentemente
recomendam HT de curta duração (quatro a seis numa metanálise20 com 4.141 doentes, em que
meses) associada a EBRT para os casos de risco in- não se verificou aumento de eventos cardíacos em
termédio, e de dois a três anos nos de risco eleva- doentes que receberam HT durante seis meses ou
do ou localmente avançados. menos; d) diminuição da densidade óssea e risco
Em termos de hormonoterapia neoadjuvante, de fraturas; e) sintomas vasomotores traduzidos por
a evidência é um pouco confusa. Mais importan- hot flashes devidos à libertação de norepinefrina em
te do que o fator temporal é a concomitância. Com resposta à diminuição de testosterona e estrogé-
os dados de que dispomos hoje, é consensual nio, e f) efeitos sexuais, com disfunção erétil e di-
iniciar o tratamento hormonal dois a três meses minuição da líbido, ginecomastia e dor mamária.
antes da radioterapia. Existem estudos que supor- Em resumo, mesmo na era da escalada de
tam esta indicação, mas incidem fundamentalmen- dose e modernas técnicas de radioterapia, a asso-
te em doentes com doença localmente avançada, ciação da HT é benéfica para os doentes de risco
não existindo nenhum estudo em relação ao be- intermédio e alto. Devem ser tomadas medidas
nefício da neoadjuvância em doentes com doença adicionais para minimizar os riscos da terapêutica
localizada8,11,12. Considerando o efeito citorredutor hormonal. Para os doentes de risco intermédio,
que prevê entre 25-33% aos três meses13,14, é lí- quatro a seis meses de HT parecem suficientes. No
cito considerar que iniciar a redução hormonal dois momento presente, dois a três anos de HT é a re-
a três meses antes permite otimizar a dose-alvo. comendação para os doentes de alto risco. Como
A evidência do benefício da redução hormonal consequência da recomendações da US Preventive
associada a EBRT em doentes de alto risco está Services Task Force (USPSTF) em relação ao rastreio,
fortemente suportada e recomendada nos en- prevê-se que o número de doentes com doença
saios da European Organisation for Research and intermédia e de alto risco venha a aumentar. Vão
Treatment of Cancer (EORTC) 2286315 e EORTC ser estudados novos fármacos na combinação
2296116, e confirmada por outros estudos17-19. com a radioterapia: degarelix (que ao inibir a via
Existe alguma controvérsia na duração do tra- do fator vascular endotelial, pela sua ação con-
tamento de redução hormonal e na otimização da comitante na hormona foliculoestimulante (FSH),

100 perguntas chave no cancro da próstata 23


R. Sousa, G. Vieira

Figura 1. Resultados da meta-análise publicada pela Prostate Cancer Treatment Research Foundation,
de acordo com o grau de risco da doença e o tratamento realizado (fonte: http://www.pctrf.org/download-
study-results/).

poderá ter um benefício suplementar), a enzalu- a TC de planeamento 4D, a radioterapia de inten-


tamida e a abiraterona. Com o novo sistema de sidade modelada (IMRT) e a radioterapia guiada
graduação do CP proposto por Epstein21, está por por imagem (IGRT) nos anos 90 não só permitiram
determinar qual deverá ser a duração da HT ad- o incremento da dose até 78 Gy com a radiotera-
juvante para os grupos 2 e 3. pia 3D conformacional, como a administração até
86 Gy com a utilização de IMRT + IGRT e melho-
43. QUAIS OS RESULTADOS raram significativamente os resultados da radio-
DA RADIOTERAPIA? terapia, independentemente do grau de risco.
Na meta-análise publicada pela Prostate Can-
A maioria dos resultados dos doentes tratados cer Treatment Research Foundation, em que vários
com radioterapia reportam a estudos da década especialistas compararam diferentes estudos, po-
de 70, do século XX, que tinham por base as demos verificar que a EBRT tem resultados sobre-
referências anatómicas, em imagens de películas poníveis às outras opções terapêuticas (Fig. 1).
de radiografias, com duas dimensões, e os cálcu- Em 2002, D’Amico, et al.22, publicaram um
los de administração da dose baseavam-se apenas estudo comparativo da recidiva bioquímica, entre
na espessura corporal da região a tratar e não a prostatectomia radical e a EBRT, referindo ligei-
nas diferentes estruturas envolvidas, tais como os ra superioridade na opção cirúrgica nos pacientes
tecidos, os ossos e as diferentes densidades, por de baixo e intermédio risco, sendo os resultados
onde a radiação atravessa e se propaga. Eram sobreponíveis para os doentes de alto risco.
administrados 45 Gy à região pélvica, com ou sem Em 2013, Merino, et al.23, compararam a pros-
prova de envolvimento ganglionar locorregional, tatectomia radical com a IMRT na doença locali-
e uma redução de campos para irradiação da prós- zada, concluindo também uma ligeira superiorida-
tata, com margens de 2 cm, tendo como referên- de na opção cirúrgica.
cia as estruturas ósseas anatómicas, no planea- No entanto, em ambos os estudos, os doentes
mento e localização do campo de tratamento, até selecionados para a cirurgia, tinham melhor prog-
aos 70 Gy. Era desconhecida a dose administrada nóstico ou doença menos agressiva, o que nos
à bexiga ou ao reto, órgãos contíguos à próstata leva a considerar desadequados para a sustenta-
e nos quais se refletem os principais efeitos se- bilidade científica no uso preferencial desta opção.
cundários, quer agudos quer tardios. Quanto aos estudos sobre as morbilidades
A introdução da tomografia computorizada após o tratamento nos doentes com doença lo-
(TC) de planeamento e os cálculos em três dimen- calizada, Resnick, et al.24, referem um aumento
sões (3D conformacional) no início dos anos 80, significativo da incontinência, disfunção erétil e

24 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

alterações intestinais nos dois primeiros anos pode haver doença microscópica na proximidade
após a prostatectomia radical em relação à EBRT, (clinical target volume [CTV]), o que implica es-
porém, sem impacto nos efeitos secundários aos tabelecer margens de segurança até 20 mm,
15 anos de seguimento. de acordo com o tamanho da próstata, o grau de
risco da doença e o estadiamento, prescrevendo
44. QUAIS AS OPÇÕES a dose a tratar ao volume total (planning target
DE ADMINISTRAÇÃO volume [PTV]).
E FRAGMENTAÇÃO DE DOSE? Em 2015, Juneja, et al.27 indicavam o uso
diário de aplicadores ou substâncias na ampola
Relativamente à dose a administrar em EBRT, retal, no sentido de diminuir esta variação e, con-
ela está estreitamente relacionada com a opção sequentemente, as margens usadas nos planea-
da técnica que se estabelece no tratamento. mentos, como uma das possíveis técnicas a usar
Hoje em dia é obsoleto o uso da técnica na resolução deste problema.
de 2D, utilizada nas décadas de 70 e 80, e o Com a IMRT, o planeamento da radioterapia
tratamento com a técnica 3D conformacional ado- permite isodoses em forma côncava, conseguindo
tada desde os anos 90, parece ser insuficiente. assim uma maior proteção do reto. Esta é reali-
O uso da IMRT em associação com a IGRT é atual- zada com planeamento inverso, onde é definida
mente o que apresenta melhores resultados e, a dose que não se pode ultrapassar nos diferentes
por isso, fortemente recomendado. órgãos adjacentes, de acordo com a sua biologia
De acordo com a estratificação do grau de e tolerância à radiação, sob pena de haver efeitos
risco e do estadiamento da doença, já em 1993, secundários irreversíveis com impacto na qualida-
Roach 3rd, et al.25 indicavam o valor preditivo da de de vida dos pacientes.
irradiação ganglionar pélvica, tendo por base o Em 2013, Bakiu, et al.28 apontam a eficácia
valor do PSA e de Gleason da biopsia sextante. Os do tratamento à próstata com doses de 80 Gy. Em
doentes de baixo risco não carecem desta irradiação 2016, Rudat, et al.29, com a associação da IGRT
profilática ganglionar, contudo, é fundamental a com a IMRT, advogam a possibilidade de aumentar
realização da mesma nos de intermédio e alto risco. a dose para cerca de 86 Gy e simultaneamente
A dose a administrar, com a EBRT 3D confor- diminuir as margens do PTV, sendo colocados
macional, são 45 Gy/25 frações com frações de marcadores fiduciais no interior da próstata, como
1,8 Gy/dia, à região ganglionar pélvica, à próstata referências da sua localização diária. Utilizando um
e às vesículas seminais, seguida da irradiação do sistema de imagem de kilovoltagem (cone beam
1/3 das vesículas seminais e da próstata, com uma computed tomography ou on-board Imaging [OBI]),
dose de 16 Gy/8 frações com frações de 2 Gy/dia o campo de tratamento é ajustado ao posiciona-
e concluindo com a irradiação da próstata, com mento dos marcadores, sendo muito mais fidedig-
uma dose de 14 Gy/7 frações, mantendo o fra- no do que as referências ósseas anatómicas.
cionamento de 2 Gy/dia, desde que as doses de Em 2005, Zietman, et al.30 e DeWeese, et al.31
constrangimento dos órgãos próximos não sejam e, em 2014, Dearnaley, et al.32 demonstraram que
ultrapassadas. a escalada de dose no tratamento de radioterapia
Atendendo ao facto de que a próstata tem é crucial, e que doses inferiores a 72 Gy levam a
uma mobilidade diária não desprezível, devido à uma diminuição da eficácia do tratamento, no que
quantidade de urina na bexiga e das fezes na respeita ao controlo local da doença com conse-
ampola retal, e dos movimentos peristálticos do quente diminuição na sobrevida dos doentes.
intestino, já em 1998, Antolac, et al.26 referem A recente utilização da radioterapia estereo-
desvios diários na ordem dos 11 aos 15 mm, o que táxica extracraniana (SBRT) em dose fracionada,
leva os radioncologistas a considerarem que, para nos tumores localizados de baixo risco da prósta-
além do órgão-alvo (gross tumor volume [GTV]), ta, com a administração de 36,25 Gy/5 frações

100 perguntas chave no cancro da próstata 25


R. Sousa, G. Vieira

em CyberKnife®, como publicado em 2012 por –– Pele – a área irradiada com os campos de
King, et al.33, é usado apenas em investigação entrada e de saída da radiação no tratamento);
clínica. –– Aparelho geniturinário, principalmente a be-
Por muito eficaz e assertiva que seja a locali- xiga, podendo haver efeitos a nível da uretra,
zação do alvo, quando se aumenta a dose por da glande e, menos usual, nos testículos.
fração/dia (o standard é 1,8 a 2,0 Gy), radiobio- Os efeitos secundários tardios tem impac-
logicamente estamos a agravar os efeitos secun- to na qualidade de vida dos pacientes.
dários tardios da radiação. A conclusão da inves- –– Aparelho gastrointestinal, principalmente o
tigação afirma haver o mesmo controlo local da reto, podendo haver efeitos, apesar de raros,
doença, mas carece de tempo de seguimento, a nível do intestino delgado. Doentes com
para verificar o que vai suceder aos tecidos e antecedentes ou com patologia hemorroidá-
órgãos adjacentes, pois estes resultados têm ape- ria presente têm habitualmente um incremen-
nas cinco anos de publicação. to considerável das queixas ou mesmo uma
Já o planeamento e uso da SBRT de dose crise de inflamação deste plexo vascular.
única (single fraccion), publicado em março de Os efeitos secundários tardios têm impac-
2017, por Henderson, et al.34, com a administra- to na qualidade de vida dos doentes e são
ção de 15 Gy/1 fração, é referido como teorica- considerados na altura de decisão da dose a
mente realizável, baseando-se na experiência do prescrever.
uso de braquiterapia de alta dose (HDR), mas Assim, de acordo com a sintomatologia apre-
carece de ensaios clínicos e é utilizada apenas em sentada descrevem-se abaixo os vários efeitos:
investigação. –– Portanto, a nível da pele, os efeitos agudos
podem ser classificados como se mostra na
45. QUAIS AS COMPLICAÇÕES tabela 1.
DA RADIOTERAPIA E COMO A nível pélvico, na pele irradiada, é raro
TRATÁ-LAS? haver casos superiores ao grau II. A sintoma-
tologia aparece no final da segunda semana
As complicações da radioterapia advêm da de tratamento e, caso não haja assistência,
área que irradiamos ao realizar o tratamento. Com agrava-se na quinta semana de tratamento. É
a radiação há efeitos induzidos nas células e te- raro suspender-se o tratamento à próstata por
cidos que são reversíveis, mas também há efeitos radiodermite.
irreversíveis, de acordo com a dose e o intervalo Habitualmente usam-se cremes hidratan-
de tempo de recuperação que realizamos entre tes, como por exemplo o Biafine®, Bepanthe-
as frações. ne® Plus Creme, Sativa Gel® com aloe vera,
Desta forma, podemos dividir os efeitos se- Trixera® ou Ureadin Rx® Rd, duas a três vezes
cundários da radioterapia em: agudos, que de- por dia, mas nunca imediatamente antes do
correm durante o tratamento e gradualmente vão tratamento diário.
desaparecendo até sensivelmente seis semanas –– A nível do aparelho gastrointestinal, os efeitos
após o término do mesmo; e em efeitos secun- agudos podem ser classificados de acordo com
dários tardios, que podem suceder a partir dos o apresentado na tabela 2.
seis meses após o término do tratamento até ao A nível pélvico é raro haver casos superio-
final da vida. res ao grau II.A sintomatologia aparece no
Tratando-se da radioterapia da próstata, exis- final da segunda semana de tratamento, e
tem três órgãos que normalmente apresentam tem tendência a agravar-se por volta da quin-
alterações agudas (dois deles representam tam- ta semana.
bém a nossa preocupação com os efeitos secun- Habitualmente, prescreve-se UL-250® (re-
dários tardios), sendo: por a flora intestinal) de uma forma profilática,

26 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

Tabela 1. Grau dos efeitos secundários agudos a nível dérmico

Grau I Grau II Grau III Grau IV

Eritema folicular Eritema Descamação húmida Ulceração


Depilação Edema Hemorragia
Diminuição suor Prurido Necrose
Descamação seca

Tabela 2. Grau dos efeitos secundários agudos a nível do aparelho gastrointestinal

Grau I Grau II Grau III Grau IV

Aumento na frequência ou Diarreia, necessitando Diarreia, necessitando Oclusão aguda ou


mudança na qualidade de drogas de medicação subaguda, fístula
de hábitos intestinais, parassimpaticolíticas parenteral ou perfuração intestinal
sem necessitar (por exemplo, Lomotil® Mucosite grave ou Hemorragia GI,
de medicação Descarga de muco, não episódios de retorragia, necessitando de
Desconforto retal, necessitando necessitando transfusão sanguínea
sem necessitar de absorventes de absorventes Dor abdominal ou
de analgésicos Dor retal ou abdominal, Distensão abdominal tenesmo, requerendo
necessitando colostomia de derivação
de analgésicos

Tabela 3. Grau dos efeitos secundários agudos a nível do aparelho geniturinário

Grau I Grau II Grau III Grau IV

Frequência da micção Frequência da micção Frequência da micção Hematúria franca,


ou nictúria aumenta até ou nictúria é inferior ao ou nictúria é superior necessitando
ao dobro usual período de uma hora ao período de uma hora transfusões sanguíneas
(pré-tratamento) Urgência, disúria ou Urgência, disúria Retenção urinária, não
Urgência ou disúria, espasmo da bexiga, ou espasmo da bexiga, resultante de coágulos
sem necessidade necessitando de necessitando Ulceração ou necrose
de medicação medicação (por de medicação vesical
exemplo, Urispás®) como narcóticos
Hematúria franca,
com ou sem a presença
de coágulos

advoga-se uma boa hidratação (cerca de três órgão mais atingido, havendo, no entanto,
litros de líquidos, sem gás, por dia), e nos por vezes, queixas a nível da uretra ou da
casos de diarreia frequente (mais do que dois glande (se estiver incluída nos campos de tra-
episódios por dia) o Imodium®, após cada epi- tamento).
sódio diarreico, mas nunca com toma diária A sintomatologia aparece no final da quar-
superior a quatro comprimidos. ta semana de tratamento, e tem tendência a
–– A nível do aparelho geniturinário, os efeitos agravar-se por volta da sexta semana, poden-
agudos podem ser classificados como se se- do permanecer até quatro semanas após o
gue na tabela 3. final do tratamento.
A nível pélvico é raro haver casos superio- Geralmente, prescreve-se Urispás® de
res ao grau II. Habitualmente, a bexiga é o uma forma profilática, recomenda-se uma boa

100 perguntas chave no cancro da próstata 27


R. Sousa, G. Vieira

Tabela 4. Grau dos efeitos secundários tardios a nível do aparelho gastrointestinal

Grau I Grau II Grau III

Clínica Retorragias intermitentes Retorragias persistentes Retorragias abundantes,


com falência da hemoglobina

Colonoscopia Telangiectasias Sangramento de contacto, Retorragia intraluminal frequente,


com ou sem ulceração com ulceração da mucosa

Tabela 5. Grau dos efeitos secundários tardios a nível do aparelho geniturinário

Grau I Grau II Grau III Grau IV

Atrofia epitelial ligeira Poliúria moderada Poliúria severa e disúria Necrose com contratura
Telangiectasia minor Telangiectasias Telangiectasia severa de bexiga (capacidade
Hematúria microscópica generalizadas (frequentemente com < 100 cc)
Hematúria macroscópica petéquias) Cistite hemorrágica
intermitente Hematúria frequente severa
Redução da capacidade
da bexiga (< 150 cc)

hidratação (cerca de três litros de líquidos sem da realização da aplicação de argon. Nos ca-
gás por dia) e, nos casos de agravamento das sos mais graves, de grau III, a oxigenoterapia
queixas (grau II, de uma forma mais exube- hiperbárica tem excelentes resultados.
rante), associa-se um anti-inflamatório e/ou –– A nível do aparelho geniturinário, podem ser
um antibiótico de largo espetro. Nos casos de classificados de acordo com a tabela 5.
agravamento pode-se prescrever um esquema A nível pélvico é raro haver casos de cisti-
curto de corticoterapia. tes superiores ao grau II. A sintomatologia
Em relação aos efeitos secundários tar- pode aparecer ao final de um a quatro anos,
dios, eles também estão relacionados com a com maior evidência nos casos em que, du-
sintomatologia apresentada. rante o tratamento, os efeitos agudos tenham
–– A nível do aparelho gastrointestinal, podem sido muito exuberantes. Com as novas técni-
ser classificados como mostra a tabela 4. cas verifica-se a diminuição dos efeitos. No
A nível pélvico, na área irradiada é raro entanto, com o incremento de dose, ainda é
haver casos superiores ao grau II. A sintoma- prematuro afirmar que não possam suceder
tologia pode aparecer ao final de um ano, casos com graus mais elevados.
caso durante o tratamento os efeitos agudos Habitualmente, solicita-se a observação e
tenham sido muito exuberantes, mas, com orientação pelos colegas da urologia, para a
as novas técnicas, verifica-se uma diminuição realização de exames auxiliares de diagnóstico
acentuada destes sintomas. que comprovem e classifiquem estas altera-
Habitualmente solicita-se a observação e ções. Prescreve-se inicialmente a instalação de
orientação pelos colegas da gastroenterologia, protetores da mucosa, e nos casos refratários
para a realização de exames auxiliares de diag- há a necessidade da realização da oxigenote-
nóstico que comprovem e classifiquem estas rapia hiperbárica, com excelentes resultados.
alterações. Prescrevem-se inicialmente supo- Nos poucos casos verificados de grau III/IV,
sitórios de Sucalfate® ou equivalente, e nos a cistectomia parcial ou total pode ser a so-
casos refratários há, por vezes, a necessidade lução para a melhoria na qualidade de vida

28 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

do doente e para minimizar as anemias fre- tratamento de CP localizado, em doentes de bai-


quentes. xo risco e risco intermédio.
A seleção de doentes baseia-se em critérios
46. QUAIS OS DOENTES clínicos e na estratificação de risco.
CANDIDATOS A BRAQUIERAPIA? A American Brachytherapy Society (ABS) e
o Groupe Européen de Curiethérapie-European
A braquiterapia é um dos métodos de radia- Society for Therapeutic Radiation and Oncology
ção, usada há mais de 30 anos, no tratamento (GES-ESTRO) elaboraram recomendações basea-
do CP localizado. Existem duas modalidades: bra- das em consenso de um painel de peritos e com
quiterapia de baixa-taxa-dose (BQTBTD) com im- base nos resultados publicados, acerca das indi-
plantes permanentes, e braquiterapia de alta-ta- cações e contraindicações para a BQTBTD em
xa-dose (BQTATD) com implantes temporários. São monoterapia (Tabela 6).
competitivas e podem ser usadas em monotera- De uma forma simples e consensual poderá
pia ou em combinação (boost) com a EBRT. dizer-se que quer a BQTBTD quer a BQTATD não
Embora sejam modalidades de radiação, são devem ser usadas em monoterapia em doentes
diferentes no que diz respeito ao fracionamento com risco de doença extraprostática, definido como:
e taxas de dose. A BQTBTD tem a grande vanta- presença de, pelo menos, dois fatores de risco
gem de ser um procedimento num único tempo, (PSA > 20 ng/ml; estádio > cT2b; score de Glea-
e tem a seu favor dados com recuo suficiente que son > 7). Por outro lado, a presença de apenas
demonstram a sua eficácia e baixa morabilidade. um destes fatores não exclui o seu uso em mo-
A BQTBTD tem sido o gold standard da braqui- noterapia.
terapia de próstata em doentes de baixo risco. Sumariamente podem-se resumir em: situações
Em termos de técnica, a BQTATD requer várias de estádio clinico > T2c e/ou score de Gleason
sessões, necessita de ser efetuada em bunker, e > 7 e/ou PSA > 10 ng/ml, para o caso da BQTBTD.
necessita de permanência do doente em ambien- A nova definição de grupos de prognóstico de
te controlado. Tem teoricamente a vantagem de grau de Gleason, estabelecida pela International
melhor controlo da dosimetria pós-implante, per- Society of Urological Pathology (ISUP)21, ao diferen-
mitindo uma escalada de dose. ciar os doentes de risco intermédio, em grupo 2
A BQTBTD recorre a implantes permanentes (3+4) e grupo 3 (4+3), suportado pela diferente
de iodo 125 (I125) ou palladium 103 (Pd103), inse- biologia e comportamento neoplásico, vai ser útil
ridos de acordo com uma planimetria intraopera- na seleção de doentes para monoterapia.
tória ou prévia, ligados ou soltos, controlados por No caso do I125, definem-se como dose-alvo:
ecografia ou ressonância magnética (RM), por via 145 Gy em monoterapia, e 108-110 Gy + boost
transperineal, sob anestesia regional ou geral, de de 41,4-50-4 Gy de RTX.
modo a distribuir a energia de forma conforma- A associação com HT só tem indicação para
cional, e limitando a dose à uretra e reto. Tem citorredução e deve ser iniciada dois a três meses
ainda a possibilidade da dosimetria poder ser ajus- antes do implante. A HT adjuvante não deve ser
tada intraoperatoriamente. É a técnica de radia- usada por rotina, uma vez que é controversa, e
ção mais conformacional. estaria também por definir qual a sua duração.
A dose-alvo empregue é classicamente de São contraindicações absolutas para BQTBTD,
140 Gy para o I125 e 120 Gy para o Pd103. Existem definidas pela ABS e GES-ESTRO (http://www.ncbi.
várias possibilidades de combinação de diferentes nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3635047/table/
energias, associação de EBRT e também, embora T0005/), as seguintes:
discutível, a adjuvância de manipulação hormonal. –– Expetativa de vida inferior a cinco anos;
A braquierapia intersticial é recomendada nas –– Presença de metástases;
linhas de orientação quer da AUA quer a EAU no –– Ausência de reto.

100 perguntas chave no cancro da próstata 29


R. Sousa, G. Vieira

Tabela 6. Indicações e contraindicações para BQTBTD

Critérios de seleção ABS CES-ESTRO

Indicações

PSA (ng/ml) < 10 < 10

Score de Gleason 2-6 5-6

Estádio T1-T2a T1c-T2a

AUA/I-PSS 1-7 0-8


3
Volume (cm ) < 60 cc < 50 cc

Q máx (ml/s) – > 15

Volume residual (cm3) – < 200

RTU-P – -

Contraindicações

Esperança de vida < 5 anos < 5 anos

RTU-P Defeito largo, irregular Critério de exclusão

Metástases Critério de exclusão Critério de exclusão

Volume de próstata > 60 cc > 50 cc

HBP Contraindicação relativa Não exclui

Interf de arco púbico Contraindicação relativa Não exclui

Coagulopatia Contraindicação relativa Critério de exclusão

Vesículas seminais + suspeita de invasão Contraindicação relativa Critério de exclusão

As contraindicações relativas mais importan- próstatas pequenas, poderá ser efetuado uma
tes são: ITU-p no mesmo tempo cirúrgico, com deri-
–– Ressecção transuretral (RTU-p) da próstata pré- vação suprapúbica de segurança;
via – por dois motivos: o primeiro prende-se –– Interferência de arco púbico – aceita-se como
com o defeito da loca prostática, tanto pela regra que não deverá exceder os 25%. Esta
irregularidade como pela dimensão, uma vez interferência limita ou impede a inserção de
que dificulta e pode prejudicar o planeamento; fontes nas coordenadas pré-definidas. Pode ser
em segundo lugar, pelo risco de incontinên- avaliada através de ecografia endocavitária ou
cia, embora os resultados publicados sejam com TC pélvica. Este facto explica também a
controversos, aceita-se que o risco rondará os limitação de volume, definida nos consensos
10%. Não existem estudos sobre os resulta- (50-60 cm3). Existem técnicas que podem col-
dos com a incisão transuretral (ITU-p) uni ou matar esta dificuldade através da litotomia exa-
bilateral. Do ponto de vista prático, a decisão gerada ou com planeamento, e respetiva dosi-
deve ser ponderada caso a caso. Em casos de metria faseada, ou poderá ser efetuada uma
sintomas de esvaziamento importantes, com citorredução através de manipulação hormonal;

30 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

–– Presença de “lobo médio” – condiciona o a dose administrada na uretra deve ser inferior a
planeamento e a respetiva dosimetria, uma 150% da dose-alvo, isto é, deverá ser inferior a
vez que poderá ser tecnicamente difícil a co- 200 Gy (UD150), e o volume da uretra, que pode
locação de fontes, com risco de migração. receber mais do que 125% da dose-prescrita
Mais uma vez, deve ser equacionado caso a (UV125), deverá ser inferior a 1 cm3.
caso, e poderá eventualmente ser efetuada Através das curvas de isodose, não deverão
uma ressecção transuretral deste lobo, no existir áreas acima dos 150% da dose-prescrita
mesmo tempo cirúrgico. É um procedimento no interior da próstata.
relativamente simples e seguro, embora po- Após a conclusão do implante, deverá ser
dendo obrigar a tempo de internamento hos- confirmado o número de fontes inseridas, através
pitalar suplementar; de intensificador de imagem, e conferido com o
–– Envolvimento extenso das vesículas seminais número de fontes que foram disponibilizadas para
– em que se configura uma doença localmen- o implante, para efeitos de controlo do número
te avançada. de fontes inseridas no paciente, mas também
–– Doença inflamatória pélvica – pelos riscos como medida de proteção do ambiente e profis-
agravados de toxicidade gastrointestinal, que sionais contra radiações.
podem ser graves; À quatro a seis semanas deverá ser efetuada
–– Radiação prévia – pelo efeito cumulativo e dosimetria de controlo, através de TC, e confirma-
toxicidade; dos os parâmetros de boa qualidade do implante.
–– Limitação osteoarticular da anca – pela inca- O seguimento imediato do doente deverá ser
pacidade de litotomia ou mesmo de litotomia efetuado às 24 horas e oitavo dia do implante,
exagerada. com especial ênfase na avaliação de sintomas e
Os resultados e as morbilidades de um im- exame do períneo.
plante estão diretamente relacionados com a se- O seguimento oncológico deverá ser efetuado
leção do doente e com a precisão e técnica do com avaliação clínica e determinação sérica do
implante. PSA total de três em três meses, durante os pri-
Existem várias modificações da técnica, desde meiros cinco anos, e depois anualmente.
o pré-planeamento, ao planeamento em tempo-
-real, à dosimetria intraoperatória, ao pré-carre- 47. QUAIS OS RESULTADOS
gamento das fontes em agulhas, ao carregamen- DA BRAQUITERAPIA?
to das fontes mediante planeamento em tempo
real, ao uso de sementes soltas com espaçadores Na avaliação dos resultados de qualquer téc-
ou através de dispositivos de libertação (mick- nica para tratamento oncológico há que, em pri-
-applicator), ou sementes ligadas com espaça- meiro lugar, definir os objetivos end-points. Os
mento fixo ou variável, ao implante efetuado sob objetivos mais frequentemente usados são a so-
controlo ultrassonográfico e/ou com ajuste de brevida livre de progressão bioquímica (SLPB), a
intensificador de imagem. SG e a sobrevida específica de cancro (SEC).
Os parâmetros mais importantes que definem A moderna braquiterapia com implantes per-
um bom implante são a percentagem da dose-al- manentes de baixa taxa de dose (BQTBTD) é usa-
vo administrada em 90% da próstata (D90), que da há cerca de duas décadas, estando largamen-
deverá ser superior a 120%, idealmente perto te difundida e com resultados sólidos e robustos.
dos 170-180 Gy, e o volume de próstata que A BQTBTD tem sido usada maioritariamente em
recebe 100% da dose prescrita (V100), que de- doentes com doença de baixo risco, definida segun-
verá ser superior a 90%. do os critérios NCCN (cT1-T2a; PSA < 10 ng/ml;
Em relação à toxicidade, nomeadamente a score de Gleason (SG) ≤ 6) e nalguns casos de risco
uretral, existem dois parâmetros a ter em conta: intermédio (cT2b-T2c; SG 7; PSA 10-20 ng/ml).

100 perguntas chave no cancro da próstata 31


R. Sousa, G. Vieira

A recidiva bioquímica após braquiterapia con- esmagadora maioria de grau I. Em média, aos
siste numa elevação dos valores do PSA total, 12 meses cerca de 90% regressam à situação
segundo dois critérios mais usados: basal, e aos 10 anos cerca de 95% dos doen-
–– Phoenix – nadir + 2 ng/ml; tes não tem sintomas urinários. Os fatores
–– American Society for Therapeutic Radiology preditivos são obviamente o score de base e
and Oncology (ASTRO) – três subidas conse- o volume prostático. A taxa de retenção uri-
cutivas acima do nadir, com intervalos de três nária é, em média, de 5-10%, a maioria re-
meses. solvida com cateter uretral de curta duração
É importante referir que podem existir flutua- (uma a duas semanas); cerca de 2-3% dos
ções do PSA nos primeiros dois anos, fenómeno doentes requerem algum tipo de instrumen-
conhecido como PSA bounce – definido como um tação desde dilatações uretrais (1,7%), cate-
aumento de pelo menos 0,2 ng/ml acima do na- terismo (2,7%) até RTU-p (0,4%)44,45;
dir, seguido de baixa espontânea para valores –– Retais – existe alguma sintomatologia irritativa
iguais ou inferiores ao nível pré-bounce35,36. durante o primeiro e o segundo anos pós-im-
Nem todos os doentes com recidiva bioquími- plante (20-30%), maioritariamente de grau I;
ca progridem para doença metastática ou morte, retorragias estão descritas entre 2-7%; ulce-
estima-se que somente um terço. O tempo para rações ou fístulas retouretrais são raríssimas
recorrência é um fator prognóstico importante (< 0,01%);
quanto à presunção de recorrência local e pro- –– Disfunção erétil – a idade e o score pré-trata-
gressão para doença metastática, assim como o mento são os fatores preditivos mais importan-
tempo de duplicação do PSA. tes. Em termos globais, aos oito anos, a capa-
Doentes com PSA > 0,5 ng/ml, que permane- cidade erétil está preservada em 60-80% dos
cem estáveis, podem estar livres de doença. doentes com menos de 60 anos, reduzindo
Os resultados do tratamento com BQTBTD são para 55-60% nos doentes com 60-70 anos,
consistentes em toda a literatura publicada. Para e 20-30% nos doentes acima dos 70 anos46.
doentes com doença de baixo risco a SLPB, quando Globalmente, 50% dos doentes tem função
aplicado o critério de Phoenix, aos cinco anos é de erétil preservada aos oito anos, sendo que
92,8%37; 94,638; 98,9%39; 92,9%40, aos 10 anos cerca de 30% destes necessitam de recurso a
entre 87-94%41, segundo uma revisão publicada inibidores da 5-fosfodiesterase. Existem, po-
em 2009, e aos 15 anos de 85,9%42, segundo os rém, séries com taxas de manutenção de ere-
resultados de Seattle, publicados em 2010. ção satisfatória aos cinco anos de 82%47.
Os resultados da BQTBTD, quando comparada Como nota final existem centros e estudos a
com a EBRT nos grupos de baixo risco e de risco decorrer com escalada de dose de 145 Gy para
intermédio, foram revistos num estudo canadiano 160 Gy (no caso de I125), permitindo a obtenção
retrospetivo publicado em 2015, que englobou de D90 (dose distribuída em 90% do volume da
7974 doentes tratados com BQTBTD, ou com próstata) de cerca de 180 Gy, com excelentes re-
EBRT, ou com BQTATD + EBRT, entre 1994 e 2010, sultados e baixa toxicidade.
e que mostra que a BQTBTD em monoterapia
para doentes de baixo risco e risco intermédio 48. QUE DIFERENÇA ENTRE
não é inferior aos resultados com a EBRT isolada BRAQUITERAPIA DE BAIXA
ou associada a BQTATD43. E ALTA DOSE?
Os efeitos secundários mais comuns são:
–– Urinários – são os mais frequentes, podendo Quer a BQTBTD com implantes permanentes
ser de enchimento ou de esvaziamento. Cerca quer a BQTATD com implantes temporários são téc-
de 50% dos doentes têm algum grau de in- nicas competitivas e, embora não existam ensaios
cómodo imediatamente após o implante, a aleatorizados comparativos, os dados disponíveis

32 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

permitem inferir que ambas são igualmente efi- ser usadas, em monoterapia, em doentes com ris-
cazes, estádio a estádio, com uma elevada taxa co de doença extraprostática, consensualmente
de controlo da doença. aceite como presença de, pelo menos, dois fato-
A BQTBTD recorre à colocação de pequenas res de risco: PSA > 20 ng/ml; estádio clínico su-
fontes permanentes, distribuídas pelo órgão, de perior a T2b; score de Gleason > 7. O risco inter-
acordo com várias métodos de planimetria e im- médio (presença de, pelo menos, um dos fatores
plantadas com recurso a várias modalidades de de risco enunciados) não é uma contraindicação
dosimetria. É usada em monoterapia e associada absoluta para tratamento com monoterapia, quer
à EBRT como boost, no tratamento do CP localiza- com a BQTATD quer com a BQTBTD.
do, como alternativa à prostatectomia radical e à Em termos de técnica de implante, ambas são
EBRT, segundo indicações e estratificação de risco, similares: desde a preparação intestinal, antibiote-
bem fundamentadas e reconhecidas pelas diferen- rapia profilática, avaliação do risco de trombose
tes sociedades48-50. É um procedimento realizado venosa profunda e respetiva manipulação de fár-
num único tempo, com baixa estadia hospitalar, macos, ao posicionamento do doente, anestesia,
podendo mesmo ser efetuado em ambulatório, e planimetria mediante recurso a ecografia endoca-
tem resultados favoráveis com tempo de recuo vitárias (pré-tratamento ou intraoperativa). Ambas
elevado, em termos de sobrevida livre de doen- necessitam de um plano de tratamento que inclui
ça, controlo bioquímico e baixa toxicidade42,51-55. a posição das agulhas, número, e comprimento
A reduzida taxa de complicações imediatas e tar- das fontes (no caso da BQRBTD), ou número e
dias, mesmo com escalada de dose, associadas a localização das agulhas (no caso da BQTATD), con-
diferentes técnicas de implante e desenvolvimen- formação e volume da próstata. O equipamento
to de novos planeamentos computorizados, per- de ultrassons é combinado com uma grelha de
mitiu um aumento da acessibilidade e populari- coordenadas (template) e a sonda assente num
dade, que fizeram da BQTBTD o procedimento posicionador. O plano de carregamento das fon-
gold standard da braquiterapia da próstata para tes transmite coordenadas ao sistema computo-
doentes de baixo risco. rizado, de acordo com o template acoplado, de-
A BQTATD é uma modalidade de braquiterapia finindo o local exato de inserção de cada agulha.
em que a fonte radioativa, usualmente iridium 192 A partir deste ponto as técnicas divergem, sendo
(192Ir) ou cobalto 60 (60Co), largamente difundida que na BQTBTD as fontes são deixadas nas coor-
e disponível, é aplicada temporariamente, median- denadas certas mediante a remoção de agulha a
te um aplicador com recurso a equipamento que agulha, mediante controlo ecográfico e/ou fluo-
é usado desde há 30 anos, também disponível e roscópico, sem possibilidade de remoção das mes-
comum a tratamentos de neoplasias de outros ór- mas, uma vez já implantadas. Além da dosimetria
gãos. O posicionamento da fonte no aplicador e o intraoperatória, o controlo de qualidade do im-
fracionamento da dose podem ser livremente pro- plante é efetuado com TC entre a quarta e a
gramados, com controlo preciso através de plani- sexta semanas pós-implante, com recurso a histo-
metria e dosimetria em tempo-real, permitindo gramas de dose-volume. No caso da BQTATD, as
uma elevada precisão. Inicialmente, a BQTATD foi fontes são removidas em cada sessão, o que im-
introduzida como suplemento da EBRT, mas desde plica que a dosimetria seja diferente, só sendo
o final da última década tem sido usada em mo- possível no decurso do tratamento e de acordo
noterapia para doentes de baixo risco e intermédio. com o fracionamento da dose, o que, por sua vez,
As indicações para braquiterapia com estas implica a introdução de dois parâmetros diferen-
duas modalidades BQTBTD e BQTATD estão bem tes: taxa de dose e dose por fração da dose-alvo
estabelecidas nas recomendações da ABS e de (D100, D90 para CTV1, CTV2 e CTV3). Existem
GEC-ESTRO56-58. Mas, de um modo simplificado, também parâmetros para o controlo de dose na
as duas modalidades de braquiterapia não devem uretra, bexiga e reto, para ambas as técnicas.

100 perguntas chave no cancro da próstata 33


R. Sousa, G. Vieira

Em termos de dose, a BQTBTD tem parâ- De igual modo, não existindo restrições de migra-
metros bem estabelecidos para monoterapia ção de fontes ou de emissão de radiação pelo
(140-160 Gy) e para tratamento combinado com paciente, a par do menor edema devido ao curto
EBRT (40-50 Gy EBRT + 100-110 Gy de boost período de tratamento, parece aliciante o uso de
BQT). A BQTATD usa diferentes esquemas de fra- BQTATD para o tratamento de doença mais agres-
cionamento, podendo ser efetuada uma vez ou siva e com maior probabilidade de extensão ex-
em várias vezes. A ABS propõe três esquemas tracapsular.
para monoterapia e quatro para tratamento com- Por outro lado, em termos de braquiterapia com
binado. Dependendo do esquema usado, em cada implantes permanentes de baixa taxa, esta tem a
sessão as doses administradas tem um intervalo seu favor os excelentes resultados aos 15 anos,
de tempo de seis horas. A titulo de exemplo, um para doença de baixo risco, custo e menor duração
dos esquemas mais correntes é 3*10.5-11 Gy com do procedimento (um dia vs. 46 semanas). Am-
uma a duas semanas de intervalo. bas as técnicas são muito dependentes da expe-
Vale a pena referir que as doses biologicamen- riência individual. Foram apresentados em 1998,
te efetivas, quando comparadas a BQTBTS e a na ASTRO Meeting – Phoenix, os resultados com-
BQTATD, podem ter diferenças importantes, sen- parativos entre as duas técnicas.
do esta uma apreciação que transcende o objeti-
vo desta abordagem. 49. QUAL O LUGAR
Simplificando e comparando as duas diferen- PARA A ASSOCIAÇÃO
tes técnicas ou métodos de braquiterapia: para a DE BRAQUITERAPIA
BQTBTD os dois parâmetros mais importantes na E RADIOTERAPIA EXTERNA?
dosimetria de controlo são o D90 (90% da prós-
tata que recebe a dose prescrita, por exemplo, O prognóstico para homens com CP clinica-
140 Gy), que deve ser perto ou superior a 120% mente localizado, de alto risco, tratados com ra-
da dose prescrita, e o V100 (o volume de prósta- dioterapia externa (EBRT) tem melhorado significa-
ta que recebeu 100% da dose prescrita); para a tivamente nos últimos 25 anos. Com a associação
BQTATD o parâmetro mais importante é o V100, do tratamento de privação androgénica (bloqueio
em que é recomendado que seja superior a 90% hormonal) ao tratamento de EBRT 3D conformacio-
da dose prescrita (V100 > 90%). nal e às doses usadas com esta técnica, em 1988,
Em conclusão, ambas as modalidades de bra- Zagars, et al.63, num estudo aleatorizado prospe-
quiterapia só podem ser comparáveis em doença tivo, referia o aumento da sobrevida específica
de baixo risco. Existem ainda poucos resultados do sem doença e da SG. Para além disso, o incre-
uso de BQRATD em monoterapia, quer no que diz mento de dose para 78-80 Gy trouxe melhorias
respeito à taxa de sucesso quer no que diz respei- na sobrevivência livre de recidivas bioquímicas. No
to à taxa de complicações59-62. A BQTATD permi- entanto, mesmo com estas melhorias, os doentes
te uma distribuição de dose menos homogénea, com CP de alto risco continuam a ser um desafio
permitindo concentrações maiores na zona do terapêutico para as equipas multidisciplinares.
tumor (maiores V150 e V200), permitindo mino- Em 2009, Stock, et al.64 publicaram o uso da
rar as doses nos órgãos em risco (uretra, bexiga terapêutica trimodal, implante de braquiterapia
e reto), através do planeamento e dosimetria mais com palladium 103 (Pd103) associado à EBRT e ao
flexíveis e à custa de uma menor conformaciona- bloqueio hormonal, em pacientes com doença de
lidade. É impossível a reversão de hot spots após alto risco, com score de Gleason 8-10, numa série
braquiterapia de baixa dose, ao passo que a alta de doentes tratados entre 1994 e 2006, concluin-
taxa, permite compensações através dos fracio- do haver uma melhoria no controlo da doença
namentos, o que permite antever um papel mais à distância, aumento da sobrevida específica da
relevante no tratamento de doença extracapsular. doença e controlo bioquímico a longo prazo.

34 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

Em 2011, Carpenter, et al.65 publicaram o uso ulcerações ou necrose, com necessidade de inter-
da terapêutica trimodal, em pacientes com doen- venção (grau IV). Já no que diz respeito à toxicida-
ça extraprostática (biopsia prostática com invasão de tardia (superior a três anos), varia entre o grau I
seminal, presença de gânglios positivo histologi- (atrofia epitelial minor, telangiectasias mínimas ou
camente comprovada ou classificados clinica- micro-hematuria; aumento do trânsito intestinal
mente como T3), numa série de doentes tratados < cinco vezes, dejeções mucosas ou hemorrági-
entre 1992 e 2004, concluindo haver um aumen- cas minor) até ao grau IV (necrose vesical, dimi-
to do controlo bioquímico a longo prazo, identi- nuição da capacidade e acomodação < 100 ml,
ficando numa análise multivariada como fator cistite hemorrágica severa; necroses intestinais
preditivo a administração de doses radiobiológi- ou fístulas).
cas eficazes (BED) superiores a 200 Gy, com sig- A uretrite e prostatite induzidas pela radiação
nificância estatística. podem traduzir-se em aumento de frequência uri-
O racional baseia-se na possibilidade da bra- nária, urgência, nictúria, hesitação, jato enfraque-
quiterapia poder aumentar a dose local e, em cido e disúria terminal, e podem manifestar-se a
associação com a radioterapia ganglionar pélvica, partir da segunda e terceira semanas de implante,
poder melhorar os resultados na doença de alto com um pico de intensidade aos dois meses, com
risco, onde taxas de controlo bioquímico do PSA melhoria gradual ao sexto a nono mês.
de 85-90% poderão ser obtidas em grandes coor- Cerca de 90% dos doentes têm algum sintoma
tes de pacientes. geniturinário, de grau I ou II, durante os primeiros
No Japão, a associação da braquiterapia, com 12 meses pós-implante69. Por outro lado, somen-
implantes permanentes com sementes, associada te cerca de 1,5% tem toxicidade de grau IV. Os
ao tratamento de radioterapia externa começou α-bloqueantes, os inibidores da 5-fosfosdiestera-
a fazer parte das guidelines nacionais no trata- se e o uso de anti-inflamatórios não esteroides
mento do CP localizado na doença de alto risco. (AINE) melhoram geralmente os sintomas na fase
O estudo publicado em 2012 por Konaka, et al.66, aguda (grau II).
com o uso da terapêutica trimodal, ou, mais re- A retenção urinária aguda (RUA) tem uma taxa
centemente, o estudo publicado em 2014 por de incidência variável, consoante as séries, entre
Ohashi, et al.67, com o uso da associação braqui- 1 a 5,5%, atingindo nalguns casos 42%70-72. Os
terapia e EBRT, sem bloqueio hormonal (tratamen- fatores preditivos de risco para RUA, permanente
to bimodal), vêm reforçar esta abordagem tera- ou transitória são o volume de próstata pré-trata-
pêutica com melhoria nos resultados. mento, mesmo e se manipulados com hormono-
terapia citorredutora, e o score de sintomas. Um
50. QUAIS AS COMPLICAÇÕES dado interessante é que não foi encontrado sig-
DA BRAQUITERAPIA E COMO nificado estatístico nos parâmetros de qualidade
TRATÁ-LAS? de implante, nomeadamente o D90, V100 e V200.
A estenose da uretra e a toxicidade tardia de
As complicações relacionadas com a radiação grau III (frequência severa, disúria, hematúria fre-
pós-braquiterapia são fundamentalmente geni- quente e redução de capacidade vesical < 150 ml)
turinárias e do trato gastrointestinal baixo. De- ocorrem em cerca de 9-10% dos doentes. A to-
vem ser classificadas de acordo com a graduação xicidade de grau IV ocorre em cerca de 0,4% dos
RTOG/EORTC, para a morbilidade aguda e tar- doentes, e implica normalmente derivação urinária
dia68. Em termos de toxicidade aguda, a severida- e colostomia73. A dose recebida pela uretra é o
de varia desde a duplicação da frequência urinária fator preditivo mais importante para este tipo de
ou nictúria, disúria e urgência, que não requerem complicações graves, pelo que um bom implan-
tratamento farmacológico (grau I) até à hematúria te com uma dosimetria cuidada é a chave para
com necessidade transfusional, obstrução urinária, prevenção destas complicações. Os parâmetros

100 perguntas chave no cancro da próstata 35


R. Sousa, G. Vieira

mais importantes em termos de histograma de 7. D’Amico AV, Chen MH, Renshaw AA, Loffredo M, Kantoff PW.
Androgen suppression and radiation vs radiation alone for pros-
dose/volume para a uretra são essencialmente tate cancer: a randomized trial. Jama. 2008;299(3):289-95.

dois: D30% < 150% (30% do volume da uretra 8. Denham JW, Steigler A, Lamb DS, et al. Short-term neoadjuvant
androgen deprivation and radiotherapy for locally advanced pros-
não deve receber mais de 150% da dose prescri- tate cancer: 10-year data from the TROG 96.01 randomised
ta) e D1% < 200 Gy (1% do volume da uretra trial. Lancet Oncol. 2011;12(5):451-9.
9. European Association of Urology Guidelines. 2016 Edition pre-
não deve receber mais de 200 Gy). sented at the 31st Annual Congress of EAU in Munich.
Para diminuir este risco foram desenvolvidos 10. Thompson I, Thrasher JB, Aus G, et al. Tangen CM. Guideline
for the Management of Clinically Localized Prostate Cancer:
métodos de planeamento periférico modificado 2007 Update. American Urological Association; https://www.
associado a dosimetria intraoperatória, recurso a auanet.org/education/guidelines/prostate-cancer.cfm, accessed
on 01.02.2016.
espaçamento variável e até, em última análise, o 11. Laverdière J, Nabid A, De Bedoya LD, et al. The efficacy and
recurso a atividades diferentes, de modo a redu- sequencing of a short course of androgen suppression on free-
dom from biochemical failure when administered with radiation
zir a dose na uretra, mantendo uma boa qualida- therapy for T2-T3 prostate cancer. J Urol. 2004;171(3):1137-40.
de da taxa de implante com D90 elevados. 12. Denham JW, Steigler A, Lamb DS, et al. Short-term androgen
deprivation and radiotherapy for locally advanced prostate can-
A toxicidade retal desenvolve-se normalmente cer: results from the Trans-Tasman Radiation Oncology Group
após o primeiro ano e persiste durante mais um 96.01 randomised controlled trial. Lancet Oncol. 2005 Nov;6(11):
841-50.
ou dois anos. A taxa de toxicidade grau II e grau 13. Zelefsky MJ, Leibel SA, Burman CM, et al. Neoadjuvant hor-
III é de 2-12%, e de 0,4-2% para o grau IV74. monal therapy improves the therapeutic ratio in patients with
bulky pro- static cancer treated with three-dimensional confor-
A taxa de impotência aos dois anos após bra- mal radiation therapy. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1994;29(4):
quiterapia de baixa taxa de dose é de 21%, com 755-61. 

14. Ebara S, Manabe D, Kobayashi Y, et al. The efficacy of neoad-
um incremento até 42% aos cinco anos, sem juvant androgen deprivation therapy as a prostate volume reduc-
recurso a medicação75. tion before brachytherapy for clinically localized prostate cancer.
Acta Medica Okayama. 2007;61(6):335-40. 

Não obstante, em conclusão, a taxa de toxi- 15. Bolla M, de Reijke TM, Van Tienhoven G, et al. Duration of
cidade de longo tempo reportada aos 10 anos, androgen suppression in the treatment of prostate cancer.N Engl
J Med. 2009; 360(24):2516-27.
em termos de qualidade de vida e função sexual, 16. Bolla M, Van Tienhoven G, Warde P, et al. External irradiation
é bastante satisfatória74, existindo uma pequena with or without long-term androgen suppression for prostate
cancer with high metastatic risk: 10-year results of an EORTC
percentagem de doentes com sintomas urinários randomised study. Lancet Oncol. 2010; 11(11):1066-73.
ligeiros e muito poucos com sintomas acentua- 17. Warde P, Mason M, Ding K, et al. Combined androgen deprivation
therapy and radiation therapy for locally advanced prostate cancer:
dos, com taxas de 62,9% de manutenção da ca- a randomised, phase 3 trial. Lancet. 2011;378(9809):2104-11.
pacidade erétil espontânea. 18. Mottet N, Peneau M, Mazeron JJ, Molinie V, Richaud P. Addition
of radiotherapy to long-term androgen deprivation in locally
advanced prostate cancer: an open randomised phase 3 trial.
Eur Urol. 2012;62(2):213-9.
BIBLIOGRAFIA 19. Okubo M, Nakayama H, Itonaga T, et al. Impact of the duration
of hormonal therapy following radiotherapy for localized pros-
1. Poortmans P. Evidence based radiation oncology: breast cancer. tate cancer. Oncol Lett. 2015; 10(1):255-9.
Radiother Oncol. 2007;84(1):84-101. 20. Nguyen PL, Je Y, Schutz FA, et al. Association of androgen de-
2. Huggins C, Hodges CV. Studies on prostatic cancer. I. The effect privation therapy with cardiovascular death in patients with pros-
of castration, of estrogen and of androgen injection on serum tate cancer: a meta-analysis of randomized trials. Jama. 2011;
phosphatases in metastatic carcinoma of the prostate. Cancer 306(21):2359-66.
Res. 1941;1:293-7. 21. Epstein JI, Egevad L, Amin MB, et al. The 2014 International
3. Lu JP, Monardo L, Bryskin I, et al. Androgens induce oxidative Society of Urological Pathology (ISUP) consensus conference on
stress and radiation resistance in prostate cancer cells though Gleason grad- ing of prostatic carcinoma: definition of grading
NADPH oxidase. Prostate Cancer Prostatic Dis. 2010;13(1):39-46. patterns and proposal for a new grading system. Am J Surg
4. Zietman AL, Nakfoor BM, Prince EA, Gerwweck LE. The effect Pathol. 2016;40(2):244-52.
of androgen deprivation and radiation therapy on an androgen- 22. D’Amico AV,  Whittington R,  Malkowicz SB,  et al. Biochemical
sensitive murine tumor: an in vitro and in vivo study. Cancer J outcome after radical prostatectomy or external beam radiation
Sci Am. 1997;3(1):31-6. therapy for patients with clinically localized prostate carcinoma
5. D’Amico AV, Schultz D, Loffredo M, et al. Biochemical outcome in the prostate specific antigen era. Cancer. 2002;95(2):281-6.
following external beam radiation therapy with or without an- 23. Merino T, San Francisco IF, Rojas PA, Bettoli P, Zúñiga A, Besa P.
drogen suppression therapy for clinically localized prostate can- Intensity-modulated radiotherapy versus radical prostatectomy in
cer. JAMA. 2000 Sep 13; 284(10):1280-3. patients with  localized prostate cancer: long-term follow-up.
6. D’Amico AV, Manola J, Loffredo M, Renshaw llaCroce A, Kantoff BMC Cancer. 2013;13:530.
PW. 6-month androgen suppression plus radiation therapy vs ra- 24. Resnick MJ, Koyama T, Fan KH, et al. Long-term functional out-
diation therapy alone for patients with clinically localized prostate comes  after treatment  for  localized  prostate cancer. N Engl J
cancer: a randomized controlled trial. Jama. 2004;292(7):821-7. Med. 2013;368(5):436-45. 

36 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença localizada: radioterapia externa e braquiterapia

25. Roach M 3rd,  Marquez C,  Yuo HS,  et al. Predicting  the  risk 44. Keyes M, Miller S, Moravan V, et al. Predictive factors for acute
of  lymph node  involvement  using the  pre-treatment  prostate and late urinary toxicity after permanent prostate brachytherapy:
specific antigen and Gleason score in men with clinically localized long-term outcome in 712 consecutive patients. Int J Radiat
prostate cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1994;28(1): 33-7. Oncol Biol Phys. 2009;73(4):1023-32.
26. Antolak JA, Rosen II, Childress CH, Zagars GK, Pollack A. Pros- 45. Crook J, Fleshner N, Roberts C, Pond G. Long-term urinary se-
tate  target  volume  variations  during a  course  of  radiotherapy. quelae following 125iodine prostate brachytherapy. J Urol. 2008;
Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1998;42(3):661-72. 179(1):141-5; discussion 146.
27. Juneja P,  Kneebone A,  Booth JT, et al. Prostate  motion  dur- 46. Hayden AJ, Keyes M, Moravan V, McKenzie M, Pickles T. Erectile
ing  radiotherapy  of  prostate  cancer  patients  with and with- function following I125 permanent prostate brachytherapy: 5
out  application  of a  hydrogel  spacer: a  comparative  study. Ra- and 8 years results in 1411 men. Radiother Oncol. 2010;96:s3.
diat Oncol. 2015;10:215.  47. Crook J, Borans A, Evans A, et al. 10-year experience with I-125
28. Bakiu E,  Telhaj E,  Kozma E,  et al. Comparison of 3D CRT and prostate brachytherapy at the Princess Margaret Hospital: re-
IMRT Tratment Plans. Acta Inform Med. 2013;21(3):211-2. sults for 1,100 patients. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2011;80(5):
29. Rudat V, Nour A, Hammoud M, Alaradi A, Mohammed A. Image- 1323-9.
guided  intensity-modulated radiotherapy  of  prostate cancer: 48. Nag S, Beyer D, Friedland J, et al. American Brachytherapy So-
Analysis of interfractional errors and acute toxicity. Strahlenther ciety (ABS) recommendations for transperineal permanent brachy-
Onkol. 2016;192(2):109-17.  therapy of prostate cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1999;44:
30. Zietman AL,  DeSilvio ML,  Slater JD,  et al. Comparison  of  con- 789-99.
ventional-dose vs high-dose conformal radiation therapy in clini- 49. Ash D, Flynn A, Battermann J, et al. ESTRO/EAU/ EORTC recom-
cally localizedadenocarcinoma of the prostate: a randomized mendations on permanent seed implantation for localized pros-
controlled trial. JAMA. 2005;294(10):1233-9. Erratum in JAMA tate cancer. Radioth Oncol. 2000;57:315-21.
2008 Feb 27;299(8):899-900. 50. Mohler J, Bahnson RR, Boston B, et al. NCCN clinical practice
31. DeWeese TL, Song DY. Radiation dose escalation as treatment guidelines in oncology: prostate cancer. J Natl Compr Canc
for clinically localized prostate cancer: is more really better? Netw. 2010;8(2):162-200.
JAMA. 2005;294(10):1274-6. 51. Grimm P, Billiet I, Bostwick D, et al. Comparative analysis of
32. Dearnaley DP, Jovic G Syndikus I, et al. Escalated-dose versus prostate-specific antigen free survival outcomes for patients with
control-dose conformal radiotherapy for prostate cancer: long- low, intermediate and high risk prostate cancer treatment by
term results from the MRC RT01 randomised controlled trial. radical therapy. Results from the Prostate Cancer Results Study
Lancet Oncol. 2014;15(4):464-73. Group. BJU Int. 2012;109(Suppl 1):22-9.
33. King CR, Brooks JD, Gill H, Presti JC Jr. Long-term outcomes from 52. Crook JM, Gomez-Iturriaga A, Wallace K, et al. Comparison of
a prospective trial of stereotactic body radiotherapy for low- health-related quality of life 5 years after SPIRIT: Surgical Prosta-
riskprostate cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2012 1;82(2): tectomy Versus Interstitial Radiation Intervention Trial. J Clin
877-82. Oncol. 2011;29:362-8.
34. Henderson D, Tree A, van As N. Single fraction external beam 53. Ferrer M, Suárez JF, Guedea F, et al. Health-related quality of life
radiotherapy for localized prostate Cancer: a planning study. 2 years after treatment with radical prostatectomy, prostate
2017;29(3):e87 brachytherapy, or external beam radiotherapy in patients with
35. Aaltomaa SH, Kataja VV, Lahtinen T, Palmgren JE, Forsell T. Eight clinically localized prostate cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys.
years experience of local prostate cancer treatment with perma- 2008;72:421-32.
nent I125 seed brachytherapy--morbidity and outcome results. 54. Polascik TJ, Pound CR, DeWeese TL, et al. Comparison of radical
Radiother Oncol. 2009; 91(2):213-6. prostatectomy and iodine 125 interstitial radiotherapy for the
36. Patel C, Elshaikh MA, Angermeier K, et al. PSA bounce predicts treatment of clinically localized prostate cancer: a 7-year bio-
early success in patients with permanent iodine-125 prostate chemical (PSA) progression analysis. Urology. 1998;51:884-9.
implant. Urology. 2004; 63(1):110-3. discussion 889-90.
37. Tanaka N, Asakawa I, Katayama E. The biochemical recurrence-free 55. Machtens S, Baumann R, Hagemann J, et al. Long-term results
rate in patients who underwent prostate low-dose-rate brachy- of interstitial brachytherapy (LDR-Brachytherapy) in the treat-
therapy, using two different definitions. Radiat Oncol. 2014;9:107. ment of patients with prostate cancer. World J Urol. 2006;24(3):
Published online 2014 May 6. doi: 10.1186/1748-717X-9-107. 289-95.
38. Keyes M, Crook J, Morris WJ, et al. Canadian prostate brachy- 56. Kovács G, Pötter R, Loch T, et al. GEC/ESTRO-EAU recommenda-
therapy in 2012. Can Urol Assoc J. 2013;7(1-2):51-8. tions on temporary brachytherapy using stepping sources for
39. Gómez-Iturriaga Piña A, Crook J, Borg J, Lockwood G, Fleshner N. localised prostate cancer. Radiother Oncol. 2005;74:137-48.
Median 5 year follow-up of 125iodine brachytherapy as mono- 57. Hsu I-C, Yamada Y, Vigneault E, Pouliot Jean. American Brachy-
therapy in men aged&lt;or=55 years with favorable prostate therapy Society Prostate High-Dose Rate Task Group. Retrieved
cancer. Urology. 2010;75(6):1412-6. 15-03-2010, 2010, from: http://www.americanbrachytherapy.
40. Martell K, Usmani N, Sloboda R, et al. Comparing outcomes for org/guidelines/index.cfm.
intermediate and low-strength seeds in prostate brachytherapy. 58. Merrick GS, Zelefsky MJ, Sylvester J, Nag S, Bice W. American
Brachytherapy. 2011;10:S92. Brachytherapy Society Prostate Low-Dose Rate Task Group. Dis-
41. Koukourakis G, Kelekis N, Armonis V, Kouloulias V. Brachyther- ponível em: http://www.americanbrachytherapy.org/guidelines/
apy for Prostate Cancer: A Systematic Review. Adv Urol. 2009; prostate_low-doseratetaskgroup.pdf.
2009:327945. 59. Burchardt W, Skowronek J, Łyczek J. Samodzielna brachyterapia
42. Sylvester JE, Grimm PD, Wong J, Galbreath RW, Merrick G, HDR raka gruczołu krokowego – alternatywa we wczesnym
Blasko JC. Fifteen-year biochemical relapse-free survival, cause- stopniu zaawansowania. Przegl Urol. 2012;4:33-8 [Polish].
specific survival, and overall survival following I(125) prostate 60. Kanikowski M, Skowronek J, Milecki P, et al. Brachyterapia HDR
brachytherapy in clinically localized prostate cancer: Seattle ex- raka gruczołu krokowego. Urologia Polska. 2007;2:5-11 [Polish].
perience. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2011;81(2):376-81. 61. King CR. LDR vs HDR brachytherapy for localized prostate can-
43. Smith GD, Pickles T, Crook J, et al. Brachytherapy Improves Bio- cer- the view from radiobiological models. Brachytherapy. 2002;
chemical Failure-Free Survival in Low- and Intermediate-Risk Pros- 1(4):219-28.
tate Cancer Compared With Conventionally Fractionated External 62. Grills IS, Martinez AA, Hollander M, et al. High dose rate brachy-
Beam Radiation Therapy: A Propensity Score Matched Analysis. therapy as prostate cancer monotherapy reduces toxicity compared
Int Jounal Radiat Oncol. 2015;91(3):505-16. to low dose rate palladium seeds. J Urol. 2004;171:1098-104.

100 perguntas chave no cancro da próstata 37


R. Sousa, G. Vieira

63. Zagars GK, Johnson DE, von Eschenbach AC, Hussey DH. Adju- 69. Grimm PD, Blasko JC, Ragde H, Sylvester J, Clarke D. Does
vant estrogen following radiation therapy for stage C adenocar- brachytherapy have a role in the treatment of prostate cancer?
cinoma of the prostate: long-term results of a prospective ran- Hematol Oncol Clin North Am. 1996;10:653-73.
domized study. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 1988;14(6):1085-91. 70. Locke J, Ellis W, Wallner K, Cavanagh W, Blasko J. Risk factors
64. Stock RG, Cesaretti JA, Hall SJ, Stone NN. Outcomes for patients for acute urinary retention requiring temporary intermittent cath-
with high-grade prostate cancer treated with a combination of eterization after prostate brachytherapy: a prospective study. Int
brachytherapy, external beam radiotherapy and hormonal ther- J Radiat Oncol Biol Phys. 2002;52:712-9.
apy. BJU Int. 2009;104(11):1631-6. 71. Crook J, McLean M, Catton C, Yeung I, Tsihlias J, Pintilie M.
65. Carpenter TJ, Forsythe K, Kao J, Stone NN, Stock RG. Outcomes Factors influencing risk of acute urinary retention after TRUS-
for patients with extraprostatic prostate cancer treated with guided permanent prostate seed implantation. Int J Radiat Oncol
trimodality therapy, including brachytherapy, external beam ra- Biol Phys. 2002;52:453-60.
diotherapy, and hormone therapy. Brachytherapy. 2011;10(4): 72. Terk MD, Stock RG, Stone NN. Identification of patients at in-
261-8. creased risk for prolonged urinary retention following radioactive
66. Konaka H, Egawa S, Saito S, et al. Tri-Modality therapy with seed implantation of the prostate. J Urol. 1998;160:1379-82.
I-125 brachytherapy, external beam radiation therapy, and short- 73. Zelefsky MJ, Hollister T, Raben A, Matthews S, Wallner KE. Five-
or long-term hormone therapy for high-risk localized prostate year biochemical outcome and toxicity with transperineal CT-
cancer (TRIP): study protocol for a phase III, multicenter, random- planned permanent I-125 prostate implantation for patients with
ized, controlled trial. BMC Cancer. 2012;12:110. localized prostate cancer. Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2000;
67. Ohashi T, Yorozu A, Saito S, Momma T, et al. Combined brachy- 47:1261-6.
therapy and external beam radiotherapy without adjuvant an- 74. Emara AM, Chadwick E, Noves JP, Abdelbaky AM, Laing RW,
drogen deprivationtherapy for high-risk prostate cancer. Radiat Langley SE. Long-term toxicity and quality of life up to 10 years
Oncol. 2014;9:13. after low-dose rate brachytherapy for prostate cancer. BJU Int.
68. Cox JD, Stetz J, Pajak TF. Toxicity criteria of the Radiation Ther- 2012;109:994-1000.
apy Oncology Group (RTOG) and the European Organization for 75. Park DS, Oh JJ, Jang WK, Jee SH, Shin HS. Low-dose-rate brachy-
Research and Treatment of Cancer (EORTC). Int J Radiat Oncol therapy for low- and intermediate-risk groups of localized pros-
Biol Phys. 1995;31(5):1341-6. tate cancer. Korean J Urol. 2009;50:656-62.

38 100 perguntas chave no cancro da próstata


Capítulo 6

Recidiva bioquímica

A. Cleto e A. Fraga

51. QUAL A DEFINIÇÃO associada à hormonoterapia (HT), e veio substituir


DE RECIDIVA BIOQUÍMICA a definição da ASTRO consensus que definia a BF
EM DOENTES OPERADOS? da doença após três valores consecutivos de PSA
aumentados, depois de se atingir o valor do nadir.
No cancro da próstata (CP), após prostatecto- Aqui, a data da BF era tida como o ponto
mia radical, existe um consenso bem definido intermédio entre a data do nadir e o primeiro
internacionalmente – National Comprehensive aumento de PSA ou qualquer momento que
Cancer Network (NCCN) e European Association levasse ao início do tratamento de salvação.
of Urology (EAU) – de recidiva bioquímica, tradu- Esta tinha como limitação estar dependente do
zido na subida em crescendo do valor de antigé- follow-up e, uma vez que era backdated, tinha
nio prostático específico (PSA) acima de 0,2 ng/ml, potencial para mais falsos positivos secundários
obtido em duas determinações sucessivas e em às oscilações benignas do PSA associadas à HT,
crescendo1. à braquiterapia (BT) e à radioterapia externa
(EBRT).
52. QUAL A DEFINIÇÃO A vantagem da definição da Phoenix é esta-
DE RECIDIVA BIOQUÍMICA belecer a data da BF de uma forma não backda-
EM DOENTES IRRADIADOS? ted, mas num momento preciso, que diferentes
autores denominam como at call.
Após a realização de radioterapia (RT), a que- Zietman, et al. concluíram que, com esta nova
da do PSA é lenta com períodos variáveis até definição, a falência do PSA tem 3-5% de falsos
atingir o nadir. Dependendo do valor basal, o positivos, e Kuban, et al. sugeriram também que
nadir pode demorar, em média, 18 meses a ser é mais sólida e aplica-se a todos os grupos de
alcançado. risco de recorrência da doença2.
Presentemente, a definição considerada como
padrão para recorrência bioquímica (BF) após RT 53. COMO DIFERENCIAR
é a da Radiation Therapy Oncology Group-Ame- RECIDIVA LOCAL DE DOENÇA
rican Society for radiation Oncology Phoenix (RTOG- À DISTÂNCIA?
-ASTRO Phoenix), em que a BF é o momento em
que o valor do PSA após o tratamento é ≥ 2 ng/ml Uma vez confirmada a recidiva bioquímica, é
acima do nadir. Entende-se como nadir o valor de importante conseguir diferenciar entre recidiva
PSA mais baixo, atingido após a conclusão da RT. local e recidiva à distância, pois isso poderá im-
Esta definição tem uma boa sensibilidade e plicar diferentes possibilidades de terapêutica de
especificidade quando utilizada na RT isolada ou salvação.

100 perguntas chave no cancro da próstata 39


A. Cleto, A. Fraga

A subida do PSA, por si só, não é suficiente 6 anos nos doentes com BF após RP, e foi esta-
para distinguir entre recidiva local e recidiva à belecido através de 11 parâmetros, nomeada-
distância. mente: PSA pré-RP, Gleason, invasão das vesí-
Para ajudar a responder a essa importante culas seminais, extensão extracapsular, status
questão, torna-se necessário conhecer os dados das margens cirúrgicas, metastização ganglio-
clínicos prévios à cirurgia – estadiamento clíni- nar, aumento persistente de PSA, PSA pré-radio-
co, PSA, grau Gleason da biopsia – e após a ci- terapia de salvação (SRT), PSA-DT, HT e dose de
rurgia radical – estadiamento patológico, grau de EBRT.
Gleason da peça operatória, cinética do PSA –, Igualmente, o Memorial Sloan Kettering Cancer
bem como os dados imagiológicos mais recen- Center (MSKCC) desenvolveu um monograma para
tes obtidos a partir nomeadamente de resso- doentes submetidos a EBRT utilizando parâmetros
nância magnética multiparamétrica (RMmp), pré-tratamento, como o estádio, grau Gleason,
cintilograma e (tomografia por emissão de po- HT neoadjuvante, o PSA pós-RT, assim como a
sitrões) PET. dose total administrada.
Conjugando as variáveis preditivas de recor- Kattan, et al. criaram um monograma para
rência (tempo de recidiva bioquímica > ou < dois doentes tratados com BT utilizando parâmetros
anos; grau Gleason da peça operatória; invasão como o estádio, grau Gleason e coadministração
ou não das vesículas seminais; presença de gân- de EBRT.
glios positivos ou não; PSAv < 0,75 ng/ml/ano; Os monogramas apresentam limitações, pois
PSA-DT) com os dados imagiológicos, é possível baseiam-se em estudos retrospetivos e heterogé-
obter uma boa acuidade de diagnóstico diferen- neos. No entanto, podem servir de uma forma
cial entre recidiva local ou sistémica3. individualizada para aconselhamento de tratamen-
to em alguns doentes, mas não como recomen-
54. QUAL A UTILIDADE dações de orientação clínica4.
DOS MONOGRAMAS
NA ABORDAGEM DE RECIDIVA 55. QUANDO NÃO INDICAR
BIOQUÍMICA? TRATAMENTO NA RECIDIVA
BIOQUÍMICA?
Os monogramas são instrumentos que usam
alguns parâmetros clínicos para calcular a proba- Uma vez confirmada a recidiva bioquímica,
bilidade de sobrevivência livre de recorrência bio- não é fácil optar pelo não tratamento – fazer
química (BDFS) após um tratamento local definiti- apenas vigilância clínica –, até porque as opções
vo como a prostatectomia radical (RP), EBRT, ou BT terapêuticas existentes para estes casos apre-
e poder predizer os resultados terapêuticos após sentam melhores resultados do que a vigilância
um tratamento de salvação. Idealmente, deveriam clínica.
ter valor preditivo para avaliar a probabilidade de Contudo, discutindo o assunto com o doente,
progressão local/locorregional, de metástases à pode assumir-se o risco de opção apenas pela
distância, assim como para a sobrevivência espe- vigilância clínica até que surja metastização nos
cífica de cancro (CSS) e sobrevivência global (OS). seguintes casos:
Geralmente utilizam fatores preditivos como o PSA –– Recusa do doente em realizar terapêutica;
pré e pós-tratamento, a sua cinética, a histologia –– Doentes com esperança média de vida
do tumor, o estadiamento e o tipo de terapêutica < 10 anos e elevada comorbilidade;
instituída para a doença. –– Doentes com critérios de baixo risco progres-
O monograma apresentado por Stephenson, são: PSA-DT > 12 meses, grau de Gleason < 7
et al. tem como objetivo predizer a probabilidade (3+4), tempo para recidiva bioquímica > três
de sobrevivência livre de progressão (PFS) aos anos, estádio patológico pT2.

40 100 perguntas chave no cancro da próstata


Recidiva bioquímica

Para estes doentes, pode ser expetável um Tradicionalmente, a SRP é a modalidade te-
tempo médio para a metastização de oito anos, rapêutica de salvação local mais utilizada, no
sendo nesses casos aceitável não realizar trata- entanto, deve-se pesar os seus efeitos adversos
mento5. pelo risco de fibrose e alterações da cicatrização
após a EBRT.
56. QUAIS AS OPÇÕES Não são bons candidatos à crioterapia de sal-
NA RECIDIVA BIOQUÍMICA vação doentes com antecedentes de resseção tran-
PÓS-PROSTATECTOMIA? suretral de próstata (RTU-P), invasão das vesículas
seminais e volume prostático de 50-60 cc. Quan-
Antes de escolher qualquer medida terapêu- to a este tratamento e ao HIFU, ainda existem
tica, é bom ter presente que cerca de 50% dos poucos estudos na literatura, pelo que a sua evi-
casos de recidiva bioquímica pós-prostatectomia dência em tratar a BF após EBRT é limitada.
radical, nunca se traduzirão em progressão clínica O tipo de reirradiação usado na BF depende
– EAU Guidelines on Prostate Cancer. da topografia da doença, volume tratado, dose
De qualquer modo, são as seguintes as mo- total administrada e função dos tecidos normais
dalidades terapêuticas disponíveis após recidiva circundantes.
bioquímica: vigilância ativa; cirurgia dirigida a re- A SBT de baixa taxa de dose (LDR) ou de alta
cidiva ganglionar isolada; radioterapia externa sal- taxa de dose (HDR) pode ser uma opção terapêu-
vação; radioterapia externa salvação associada a tica efetiva e com toxicidade aceitável, no entan-
terapeutica privação androgénica (TPA) adjuvan- to, as séries são pequenas e deve ser realizada
te; TPA contínua ou intermitente. em centros com experiência.
Em recorrências unifocais pode-se equacionar
57. QUAIS AS OPÇÕES terapia de salvação focal em vez do tratamento
NA RECIDIVA BIOQUÍMICA dirigido a toda a próstata para diminuição da
PÓS-RADIOTERAPIA? toxicidade6.

A BF ocorre em cerca de 63% dos doentes, 58. QUAIS AS OPÇÕES


com 20-30% de recorrências locais que devem ser NA RECIDIVA BIOQUÍMICA
confirmadas por biopsia pelo menos 18-24 meses PÓS-BRAQUITERAPIA?
após a EBRT.
As opções terapêuticas quando ocorre BF após O tratamento de salvação é importante para
EBRT são HT, prostatectomia de salvação (SRP), controlar a doença local e prevenir ou atrasar as
crioterapia, HIFU ou reirradiação com braquitera- metástases à distância, pois, no momento da BF,
pia de salvação (SBT) ou com EBRT, nomeadamen- se o doente não for tratado tem 75% de proba-
te, radioterapia de intensidade modulada (IMRT), bilidade aos 5 anos de desenvolver doença clínica.
volumetric modulated arc therapy (VMAT) e radio- Não existem recomendações internacionais
terapia estereotáxica fracionada (SBRT). para definir a melhor estratégia terapêutica de
Na BF após EBRT, embora controversa, a HT é salvação para BF após braquiterapia primária.
usada em muitos doentes, sendo tratamento padrão A BF após BT primária (LDR) tem uma incidên-
apenas se houver suspeita de doença sistémica. cia de 10-15% aos 5-10 anos.
O tratamento de salvação local de BF após As opções terapêuticas de BF após BT primá-
EBRT coloca-se sobretudo em doentes < 70 anos, ria podem ser HT, SRP, SBT (segunda LDR), crio-
esperança de vida > 10 anos, T1-T2, PSA-DT terapia, HIFU ou EBRT.
>  10-12 meses, SLP ≥ 2 anos, PSA ≤ 10 ng/ml No entanto, os estudos com terapia de salva-
pós-tratamento primário e com poucas comorbi- ção local são escassos, heterogéneos e com um
lidades. número pequeno de doentes.

100 perguntas chave no cancro da próstata 41


A. Cleto, A. Fraga

Russo7 recomenda a realização de SRP após circunstâncias muito particulares e perante recidi-
BT primária apenas em doentes com, pelo menos, va apenas ganglionar, os doentes beneficiam com
12 meses de follow-up, uma esperança média de exérese das lesões.
vida > 10 anos, grau Gleason ≤ 7, PSA < 10 ng/ml
no momento da BF e sempre com confirmação 60. QUAIS AS INDICAÇÕES
da doença localizada por biopsia. DA HORMONOTERAPIA ISOLADA
Os resultados da SBT focal após BT primária OU EM CONJUNTO NA RECIDIVA
são muito limitados, com muito poucos estudos e BIOQUÍMICA?
geralmente avaliam doentes que também foram
tratados em associação com a EBRT. Esta opção Embora a HT seja usada com muita frequên-
terapêutica pode ser válida em alguns doentes, cia, os estudos existentes que suportam a sua
no entanto é esperado que as complicações se- utilização são contraditórios, havendo contudo
jam maiores do que após o tratamento inicial. estudos que demonstram o aumento da sobrevi-
Doentes muito selecionados podem eventual- da livre de progressão e de sobrevida global, no-
mente serem tratados com crioterapia ou HIFU, meadamente em doentes com PSA-DT < 12 me-
embora haja autores que não recomendam este ses e/ou grau Gleason > 7 (4+3)9.
último tratamento, pois existe a capacidade de as
sementes dos implantes poderem redirecionar um BIBLIOGRAFIA
excesso de energia nas estruturas à volta da prós- 1. Mottet N, Bellmunt J, Briers E, et al.; EAU Guidelines on Prostate
tata como o reto e a uretra, levando a efeitos Cancer, UpDate March 2015. Disponível em: http://uroweb.org/
wp-content/uploads/09-Prostate-Cancer_LR.pdf.
adversos severos8. 2. Roach M 3rd, Hanks G, Thames H Jr., et al. Defining biochemi-
cal failure following radiotherapy with or without hormonal
therapy in men with clinically localized prostate cancer: recom-
59. QUAL O PAPEL mendations of the RTOG-ASTRO Phoenix consensus conference.
DA LINFADENECTOMIA Int J Radiat Oncol Biol Phys. 2006;65(4):965-74.
3. Kitajima K, Murphy RC, Nathan MA, et al. Detection of recurrent
DE SALVAÇÃO? prostate cancer after radical prostatectomy: comparison of 11C-
choline PET/CT with pelvic multiparametric MR imaging with
endorectal coil. J Nucl Med. 2014;55(2):223-32.
Para ponderar a realização de linfadenectomia 4. Diblasio CJ, Kattan MW. Use of nomograms to predict the risk
de salvação por recidiva bioquímica, pós-prosta- of disease recurrence after definitive local therapy for prostate
cancer. Urology. 2003;62 Suppl 6B:9-18.
tectomia radical, torna-se necessário identificar 5. Mottet N, Bellmunt J, Briers E, et al. EAU Guidelines on Prostate
que estamos perante uma recidiva ganglionar iso- Cancer, Up date March 2015; www.uroweb.org.
6. Alongi F, De Bari B, Campostrini F, et al. Salvage therapy of in-
lada e o melhor exame para o fazer é o PET co- traprostatic failure after radical external-beam radiotherapy for
lina e/ou a RMmp, podendo comprovar-se por prostate cancer: A review. Critical Reviews in Oncology/Hematol-
ogy. 2013;88:550-63.
biopsia dirigida. 7. Russo, P. Salvage radical prostatectomy after radiation therapy
A recidiva ganglionar isolada, em regra, ocor- and brachytherapy. J Endourol. 2000;14(4):385-90.
8. Lacy JM, Wilson WA, Bole R, et al. Salvage Brachytherapy for
re na sequência de não realização de linfadenec- Biochemically Recurrent Prostate Cancer following Primary Brachy-
tomia ou realização de linfadenectomia “mínima”, therapy. Prostate Cancer. Prostate Cancer. 2016;2016:9561494.
9. Moul JW, WU H, Sun L, et al. Early versus delayed hormonal
deixando tecido ganglionar. Apesar de serem therapy for prostate specific antigen only recurrence of prostate
escassas as publicações sobre o assunto, nestas cancer after radical prostatectomy. J Urol. 2004;171:1141-7.

42 100 perguntas chave no cancro da próstata


Capítulo 7

Doença metastizada

P. Nunes e M.J. Mauricio

61. QUAL O PAPEL DA metástases ósseas confirmou a possibilidade de


TERAPÊUTICA LOCAL NA DOENÇA benefício do tratamento local e, após 34 meses
OLIGOMETASTÁTICA? de seguimento, sugere uma vantagem em termos
de sobrevivência cancro-específica1.
Quando se objetiva a existência de metásta- Todos estes resultados, embora apontando
ses, o carcinoma da próstata (CP) é habitualmen- uma eventual tendência futura, devem atualmen-
te abordado sem intuito curativo. Tratar o tumor te ser considerados experimentais.
primitivo – com cirurgia radical, radioterapia (ex-
terna ou braquiterapia) ou outras técnicas – ape- 62. QUAL O TRATAMENTO
nas acrescenta morbilidade ao doente sem um HORMONAL PADRÃO NA DOENÇA
real benefício em termos de sobrevivência. Estes HORMONODEPENDENTE?
conceitos têm sido contestados e existem alguns
estudos que mostram haver algum beneficio no A hormonoterapia (HT) é a abordagem-pa-
tratamento do tumor primário mesmo nos casos drão na doença metastizada2. O bloqueio andro-
de doença metastizada. génico pode conseguir-se suprimindo a sua secre-
As vantagens eventuais de remover o foco ção testicular ou inibindo a ação periférica dos
tumoral primitivo seriam: um melhor controlo lo- androgénios circulantes no seu recetor. O objeti-
cal da doença, diminuindo a probabilidade de vo da HT é a paliação sintomática e a prevenção
complicações futuras e a citorredução, melhoran- da progressão da doença. A resposta à HT é
do a resposta a eventuais terapêuticas sistémicas habitualmente transitória, podendo o CP entrar
e diminuição da metastização de novo a partir da numa fase de resistência à castração num período
próstata. de tempo que é variável consoante os doentes.
Dados de registos retrospetivos (Surveillance, É discutível se a HT se deve iniciar logo após
Epidemiology, and End Results Program [SEER] e o diagnóstico da doença metastática ou apenas
Registo Oncológico de Munique) sugerem uma quando houver sintomas. Acreditamos que o
vantagem em termos de sobrevivência global (SG) tratamento só deve ser diferido em doentes jo-
e cancro-específica nos homens com doença me- vens que desejem evitar os efeitos secundários
tastática (M1) recém-diagnosticados quando são do bloqueio androgénico.
submetidos a prostatectomia radical ou braquite- O tratamento com estrogénios suprime a tes-
rapia para além da terapêutica hormonal padrão. tosterona e pode ser usado no CP.
Um pequeno estudo prospetivo de doentes alta- A orquidectomia bilateral pode ser feita sob
mente selecionados e com boa resposta à tera- anestesia local e é a forma mais económica,
pêutica hormonal aos seis meses e menos de três rápida e eficaz de conseguir níveis de castração.

100 perguntas chave no cancro da próstata 43


P. Nunes, M.J. Mauricio

É uma forma irreversível de bloqueio, não permi- –– Hipogonadismo e disfunção sexual: diminui-
tindo um tratamento intermitente. ção do volume peniano e testicular, disfunção
Os análogos (leuprorrelina, triptorrelina, gose- erétil e diminuição da líbido;
relina) e os antagonistas (degarelix e abarelix) da –– Instabilidade vasomotora e afrontamentos: são
recetor da hormona libertadora das gonadotro- os efeitos secundários mais comuns. Apare-
pinas (LHRH) são fármacos injetáveis, cuja ação cem cerca de três meses após o início do
diminui a produção de androgénios testiculares. tratamento. Podem ser minorados com mo-
Os análogos LHRH induzem um aumento transi- duladores dos recetores de estrogénios (por
tório da testosterona – fenómeno de flare – po- exemplo, tamoxifeno), estrogénios em baixas
dendo agravar a sintomatologia do CP. Nos doen- doses (dietilestilbestrol [DES] 1 mg) ou pro-
tes com metastização exuberante este fenómeno gestagénios;
deve ser prevenido com a administração prévia e –– Saúde óssea: diminuição da densidade mi-
concomitante de antiandrogénios. neral óssea com osteoporose e aumento do
Os antiandrogénios são fármacos orais que risco de fraturas. Os doentes devem ser ava-
bloqueiam os recetores de testosterona e perten- liados com densitometria óssea. Pode ser
cem a dois grupos: necessária suplementação com cálcio e vita-
–– Esteroides: acetato de ciproterona, acetato de mina D;
megestrol e acetato de medroxiprogesterona. –– Sarcopenia: diminuição da massa e força mus-
–– Não esteroides ou puros: nilutamida, flutami- cular, contribuindo para a diminuição da força
da e bicalutamida (não modificam ou até ele- e aumento do risco de quedas;
vam ligeiramente os níveis de testosterona). –– Efeitos metabólicos: resistência à insulina, au-
A orquidectomia, análogo ou antagonista mento do risco de diabetes, alterações do
LHRH são igualmente eficazes. Nos doentes em metabolismo lipídico, obesidade e síndrome
risco de compressão medular deve ser realizada metabólica;
uma orquidectomia ou utilizado um antagonista –– Doença cardiovascular: é a principal causa de
LHRH. morte nos doentes com CP (mais do que a
A monoterapia com antiandrogénios é menos mortalidade por CP!). A HT associa-se a um
eficaz do que a castração (médica ou cirúrgica). aumento do risco cardiovascular (CV) (diabe-
O bloqueio androgénico completo (castração tes, doença vascular periférica, eventos mio-
+ antiandrogénios) melhora em 5% a sobrevivên- cárdicos). Os doentes devem ser incentivados
cia relativamente à monoterapia, mas à custa de a diminuir o seu risco CV: cessação tabágica,
um aumento de efeitos secundários. exercício físico, perda de peso, aconselhamen-
to nutricional. Alguns estudos parecem de-
63. QUAIS OS EFEITOS monstrar um menor risco CV quando são uti-
SECUNDÁRIOS lizados antagonistas LHRH;
DA CASTRAÇÃO? –– Fadiga: pode ter múltiplas causas como a ane-
mia e a progressão da doença, mas é também
A HT tem vantagens claras em termos de pa- um efeito do tratamento hormonal;
liação sintomática e atraso na progressão da doen- –– Deterioração cognitiva e doença de Alzhei-
ça. A sua utilização a longo prazo associa-se, no mer: relação com a terapêutica hormonal ain-
entanto, a efeitos secundários frequentes e que da mal definida e risco aparentemente baixo
interferem grandemente com a qualidade de vida mas existente;
dos doentes3. A incidência e gravidade dos efeitos –– Outros efeitos: diminuição da pilosidade, le-
secundários aumentam com a duração do trata- são renal aguda, ginecomastia e mastodinia
mento. Doentes e familiares devem ser avisados (bicalutamida), diarreia (flutamida), hepatoto-
acerca deles antes do início da terapêutica. xicidade (antiandrogénios).

44 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença metastizada

Tabela 1. Resumo das opções disponíveis de HT no carcinoma da próstata

Terapêutica hormonal no carcinoma da próstata

Objetivo
Diminuição dos níveis de androgénios circulantes ou da sua ação periférica
Níveis de testosterona (castração): < 50 ng/dl ou, idealmente, < 20 ng/ml
Paliação sintomática/atrasar a progressão da doença

Estrogénios Supressão da testosterona


Efeitos secundários cardiovasculares severos em doses elevadas

Orquidectomia bilateral Rápidos níveis de castração – 12 horas


Melhor relação custo/benefício
Efeito psicológico, irreversível, não permite terapêutica intermitente

Análogos LHRH Níveis de castração atingidos às 2-4 semanas


(leuprorrelina, triptorrelina, Formulações depot: injeções a cada 1, 2, 3, 6 ou 12 meses
goserelina, etc.) Fenómeno de flare em doentes com elevada carga metastática

Antagonistas LHRH Rápidos níveis de castração sem flare


(abarelix, degarelix) Injeções mensais
Melhor perfil de efeitos cardiovasculares?

Antiandrogénios Esteroides (ciproterona, megestrol, medroxiprogesterona)


Efeitos cardiovasculares
Não esteroides (nilutamida, flutamida, bicalutamida)
Preservação da líbido e densidade mineral óssea

64. QUAIS OS RESULTADOS –– A HI deverá obedecer a alguns princípios:


DA HORMONOTERAPIA • Só devem ser utilizados fármacos que con-
INTERMITENTE? dicionem castração (agonistas ou antago-
nistas LHRH);
A HT associa-se a frequentes e, por vezes, • O ciclo de indução inicial não deve ser su-
severos efeitos secundários. A hormonoterapia perior a nove meses (caso contrário, a re-
intermitente (HI) baseia-se na premissa de que cuperação da testosterona é improvável);
ciclos de bloqueio androgénico seguidos de pau- • A HT só deve ser suspensa se o doente es-
sa podem atrasar a resistência à castração, re- tiver informado e colaborante, não houver
duzir a morbilidade, melhorar a qualidade de evidência de progressão clínica e existir boa
vida e diminuir os custos económicos. A maioria resposta bioquímica (PSA < 4 ng/ml);
dos estudos mostra melhoria na qualidade de • É mandatório um seguimento frequente (a
vida quando se utiliza a HI, com resultados ape- cada três a seis meses);
nas ligeiramente inferiores em termos de sobre- • A HT como o mesmo fármaco é reiniciada e
vivência4. mantida durante três a seis meses, se houver
Uma estratégia possível é avaliar a resposta progressão clínica ou elevação do PSA acima
e os efeitos secundários após seis meses de HT. de um nível previamente definido (10-20 ng/
A HI poderá ter pouco impacto na qualidade de ml ou a nível do diagnóstico se < 20 ng/ml).
vida dos doentes com poucos efeitos secundários. Os ciclos subsequentes devem obedecer aos
Poderá ser equacionada nos doentes com boas mesmos critérios e ser mantidos até surgirem cri-
respostas bioquímicas (PSA) e sem sintomas. térios de resistência à castração.

100 perguntas chave no cancro da próstata 45


P. Nunes, M.J. Mauricio

65. COMO SE MONITORIZA portadores de CP mais avançado ou mais agres-


A EFICÁCIA DO TRATAMENTO sivo, ou com progressão clínica ou imagiológica
HORMONAL? e tempos de duplicação de PSA baixos, essa fre-
quência deve ser aumentada. Nos doentes em
O doente com CP metastizado deve ser ava- programas de HT intermitente, essa avaliação deve
liado regularmente. A avaliação da eficácia da HT ser especialmente cuidadosa.
assenta nos seguintes pilares:
–– Clínica: no doente sintomático a HT deve re- 66. QUAIS SÃO AS VANTAGENS
duzir ou eliminar os sintomas; no doente as- E DESVANTAGENS DOS
sintomático deve prevenir ou atrasar o apare- ANTAGONISTAS DO RECETOR
cimento de sintomas; DA HORMONA LIBERTADORA
–– Imagiologia: devem ser realizados periodica- DE GONADOTROFINAS
mente exames de imagem adequados para RELATIVAMENTE AOS ANÁLOGOS?
avaliar a progressão do CP e resposta à HT:
raio X (RX); tomografia computorizada; resso- O extenso uso e a experiência cumulativa dos
nância magnética; tomografia por emissão de análogos da LHRH, revelou um grande número
positrões; cintigramas. Nas lesões suscetíveis de potenciais efeitos adversos. Os homens sub-
de mensuração devem ser utilizados os crité- metidos a privação androgénica por longos pe-
rios Response Evaluation Criteria In Solid Tu- ríodos de tempo estão mais propensos para o
mors (RECIST) para avaliar a progressão; desenvolvimento de síndrome metabólica, dimi-
–– Análises: o efeito bioquímico expetável da HT nuição da sensibilidade à insulina, aumento de
é a descida dos valores séricos de testostero- eventos CV, aumento de peso, diminuição da
na para um valor de castração. Este nível foi densidade mineral óssea, alterações cognitivas
definido há mais de 40 anos como < 50 ng/ml. entre outros6. Os efeitos e a mortalidade CV as-
O valor de testosterona médio após castração sociada aos agonistas da LHRH é ainda controver-
cirúrgica é 15 ng/ml, e por esse motivo um sa. Porém, em homens com história de doença
valor < 20 ng/ml é hoje aceite como sendo coronária, insuficiência cardíaca e enfarte agudo
mais adequado. Estes níveis são obtidos ao do miocárdio, está descrita uma associação en-
fim de algumas horas após uma orquidecto- tre privação androgénica e aumento do risco de
mia, e cerca de duas a quatro semanas após morte de todas as causas7, mas isto não está de-
a administração de um análogo LHRH. Só com finitivamente provado para doentes sem comor-
estes níveis de testosterona e progressão da bilidades.
doença podemos afirmar que esta se encon- Os antagonistas da LHRH ligam-se de forma
tra em fase de resistência à castração. competitiva e reversível aos recetores do fator
O doseamento regular do PSA é mandatório, libertador da gonadotrofina na hipófise, reduzin-
pois, na maior parte dos casos, reflete a carga do assim, rapidamente, a libertação das gonado-
tumoral e a sua elevação antecipa a progressão trofinas, hormona luteinizante (LH) e hormona
clínica e imagiológica. foliculoestimulante (FSH), e anulando consequen-
Os resultados da HT dependem do estádio da temente a secreção de testosterona pelos testícu-
doença inicial e dos níveis de PSA atingidos após los. Ao contrário dos agonistas, os antagonistas
seis meses de bloqueio androgénico5: da LHRH não induzem um pico de LH, com o
–– PSA < 0,2 ng/ml: SG de 75 meses; consequente pico de testosterona e potencial es-
–– PSA < 4 ng/ml: SG de 44 meses; timulação do tumor e aumento de sintomas. Esta
–– PSA > 4 ng/ml: SG de 13 meses. supressão rápida e eficaz da testosterona conse-
A periodicidade do seguimento é variável, mas gue níveis de castração em 24-72 horas (80% nas
não deve ultrapassar os seis meses. Em doentes primeiras 24 horas).

46 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença metastizada

Os agentes desta classe mais conhecidos são • Desvantagens:


o abarelix e o degarelix. ‹‹ Reações de hipersensibilidade que po-
A sua principal vantagem é não necessitarem dem ser graves
da associação de antiandrogénios no início do tra- ‹‹ Não provado benefício na sobrevi-
tamento pela ausência do fenómeno de flare-up. vência
Em doentes com doença CV, o antagonista
LHRH parece estar associado a menos eventos CV 67. QUAIS AS INDICAÇÕES
do que o agonista7, mas a prevenção CV é reco- DA QUIMIOTERAPIA NA DOENÇA
mendada. Em modelos experimentais animais é METASTIZADA
considerado que o antagonista da LHRH não cau- HORMONODEPENDENTE?
sa instabilidade da placa aterosclerótica, ao con-
trário dos agonistas que poderão causar instabi- Os estudos Chemohormonal Therapy in Metasta-
lidade plaquetária8,9. tic Hormone-Sensitive Prostate Cancer (CHAARTED)
As desvantagens destes agentes relacionam- e Systemic Therapy in Advancing or Metastatic
se, acima de tudo, com questões de segurança Prostate Cancer (STAMPEDE) estabeleceram a in-
relativas à sua toxicidade. dicação para um uso mais precoce de quimio-
O abarelix, foi suspenso do mercado em 2005, terapia (QT) na doença metastática, numa fase
por causar reações alérgicas graves, mediadas pela ainda de hormonossensibilidade, quando estão
libertação de histamina, com hipotensão e sín- presentes critérios de doença biológica e clinica-
cope após administração intramuscular. Podem mente agressiva. No entanto, a deprivação andro-
ocorrer reações sistémicas sérias em 1,1 a 3,7% génica deve ser sempre mantida.
dos doentes, havendo risco de vida em 0,5% dos O estudo CHAARTED10, que incluiu 790 doen-
doentes. tes, avaliou o tratamento de doentes com depri-
O degarelix, aprovado pela Food and Drug Ad- vação androgénica sozinha vs. deprivação andro-
ministration (FDA) em finais de 2008, está dispo- génica mais docetaxel (75 mg/m2 de três em três
nível sob a forma injetável, via subcutânea, men- semanas, seis ciclos) em doentes com cancro da
sal, com uma primeira dose de indução (240 mg) próstata metastizado mas ainda hormonossensí-
seguido de injeções mensais de 80 mg. Cerca de vel, com Eastern Cooperative Oncology Group
95% dos doentes atingem níveis de castração em (ECOG) 0, 1 ou 2. Foi considerada doença de alto
três dias. Apesar de 40% dos doentes referirem volume a existência de metástases viscerais ou
reação no local da injeção, não ocorreram rea- quatro ou mais lesões metastáticas ósseas com,
ções anafiláticas. Pode, contudo, causar compro- pelo menos, uma lesão além do eixo vertebral e
misso hepático. pélvis. Os doentes podiam ter iniciado a depriva-
Como seria de esperar, mantém-se os efeitos ção androgénica até 120 dias antes e estavam a
adversos expectáveis, secundários ao ambiente tomar, pelo menos, 500 mg de carbonato de
de privação de testosterona. cálcio oral e 400 unidades de vitamina D, por dia.
Não foi provada superioridade em relação ao Este estudo mostrou que o docetaxel dado à
análogo LHRH e não foi demonstrado benefício data de início da deprivação androgénica, em
na sobrevivência. doença hormonossensível, resultou em melhor
–– Pontos a reter: controlo do cancro do que a deprivação andro-
• Antagonista da LHRH génica isolada.
♦♦ Vantagens: Face aos resultados de sobrevivência conse-
‹‹ Níveis de castração 24-72 horas guidos com docetaxel associado à privação an-
‹‹ Ausência de flare-up, pelo que não há drogénica, na fase de hormonosensibilidade, este
necessidade de uso inicial de antian- tratamento tornou-se standard para os doentes
drogénio com doença metastizada de alto volume.

100 perguntas chave no cancro da próstata 47


P. Nunes, M.J. Mauricio

O estudo STAMPEDE confirmou este benefício Este estudo não estratificou os doentes por vo-
na sobrevivência dos doentes com CP avançado lume de doença metastática, e demonstrou benefí-
tratado com tratamento hormonal e docetaxel cio para a população inteira, pelo que defende que
em primeira linha11. a deprivação androgénica associada ao doceta-
xel deve ser considerada em todos os homens com
68. QUAIS OS RESULTADOS doença metastática hormonossensivel, indepen-
DA UTILIZAÇÃO DE dentemente do volume da doença7. Outros estu-
QUIMIOTERAPIA dos anteriormente realizados, como o GETUG-15,
NA DOENÇA não tinham demonstrado esta melhoria de SG.
HORMONODEPENDENTE? Pontos a reter:
–– Indicação de deprivação androgénica + doce-
Os resultados do uso de QT na fase de hormo- taxel ab initio:
nossensibilidade mostrados pelo estudo CHAARTED • Doença de alto volume:
são os seguintes: ♦♦ Existência de metástases viscerais ou qua-
–– Tempo mais longo até ao desenvolvimento de tro ou mais lesões metastáticas ósseas,
castração resistência; com, pelo menos, uma lesão além do eixo
–– Maior taxa de diminuição do nível de PSA para vertebral e pélvis.
níveis inferiores a 0,2 ng/ml aos 12 meses;
–– Menor número de mortes por CP; 69. QUAIS OS RESULTADOS
–– Substancial benefício na melhoria da SG. DAS MANIPULAÇÕES
No estudo acima referido, a mediana da SG HORMONAIS SECUNDÁRIAS?
foi 33,3% superior para os doentes que recebe-
ram agonistas da LHRH e docetaxel vs. os que Várias expressões têm sido usadas para des-
fizeram apenas monoterapia com agonistas da crever o CP que recidiva após o tratamento hor-
LHRH (57,6 meses vs. 44,0 meses, respetivamen- monal inicial com deprivação androgénica, como
te). Portanto, os doentes que iniciaram precoce- hormonorresistente, androgénio independente
mente QT tiveram uma mediana de SG 13,6 me- e hormonoindependente. O termo castração-re-
ses superior àqueles que só fizeram deprivação sistente mas ainda hormonossensível (CRPC) é
androgénica. uma designação mais recente, essencialmente em
Verificou-se também que o subgrupo de doen- resposta à observação de atividade hormonal de
tes com doença de alto volume, tratados com drogas de nova geração, em que o alvo terapêu-
deprivação androgénica e QT tiveram o maior tico é o recetor de androgénio (enzalutamida) ou
benefício, com uma mediana da SG de 17 meses a inibição enzimática da biosssíntese do androgé-
superior à conseguida com deprivação androgé- nio (abiraterona). É importante distinguir entre
nica sozinha (49,2 meses vs. 32,2 meses, respeti- castração resistente e hormonorresistente.
vamente). Embora o CP castração-resistente responda a
A plataforma do estudo STAMPEDE, iniciada manipulações hormonais secundárias, o verdadei-
em outubro de 2005, recrutou homens com M1, ro cancro hormonorresistente é resistente a todas
doença localizada de alto risco (N0) ou doença as medidas hormonais.
metastática ganglionar (N+). Esta plataforma foi Atualmente várias opções terapêuticas estão
desenhada para testar o quanto a adição de vá- disponíveis para doentes com doença progressiva
rios tratamentos à data do início da HT melho- após deprivação androgénica. Elas incluem essen-
raria a SG. O estudo, confinado aos doentes com cialmente a retirada de antiandrogénio e os novos
doença metastática, mostrou um benefício de SG agentes hormonais. Há quem atualmente consi-
estatisticamente significativo de 15 meses para o dere que a retirada do antiandrogénio não é uma
docetaxel mais HT vs. HT sozinha. manipulação hormonal.

48 100 perguntas chave no cancro da próstata


Doença metastizada

Historicamente, as manipulações hormonais As estratégias para diminuir este efeito adver-


secundárias eram efetuadas com aminoglutetimi- so incluem:
da, estrogénios ou cetoconazol. –– Atividade física: fundamental para mitigar a
Em 2012, foi aprovado um inibidor da CYP17, maioria dos efeitos adversos da HT;
para o tratamento do CP metastizado em doentes –– Tratamento com cálcio e vitamina D: são ha-
assintomáticos ou levemente sintomáticos, basea- bitualmente recomendados para homens sob
do no estudo COU-302. Na população estudada castração, embora nenhum ensaio aleatoriza-
(1.088 homens), os doentes foram randomizados do tenha testado o quanto a suplementação
de 1:1 para receberem abiraterona 1.000 mg por melhora a densidade mineral óssea16. Uma
dia e prednisolona vs. placebo com prednisolona. ingestão de cálcio de, pelo menos, 1.200 mg
Foi observado benefício na sobrevivência livre de por dia (dieta e suplementos) e vitamina D
progressão radiográfica (16,5 vs. 8,3 meses, res- (800-1.000 U/d) é recomendada para homens
petivamente) e a mediana da SG foi de 35,3 vs. com mais de 50 anos em castração, pela Na-
27,2 meses, respetivamente. tional Osteoporosis Foundation e parece ser
A enzalutamida, um novo antiandrogénio sem uma recomendação ajustada17;
atividade androgénica agonista, também mostrou –– Os bifosfonatos têm mostrado aumentar a
ter atividade hormonal no CP metastizado cas- densidade mineral óssea ou reduzir a perda
tração resistente, antes do uso de QT – Estudo óssea em homens sob castração, em alguns
PREVAIL. A enzalutamida diminuiu signitivamente ensaios aleatorizados. Uma revisão sistemá-
o risco de progressão radiográfica e morte e atra- tica e meta-análise de 15 ensaios, incluindo
sou o início de QT em homens com doença resis- 2.634 doentes, publicada em 2012, verifi-
tente à castração. Houve melhoria da sobrevivên- cou que os bifosfonatos como classe de
cia livre de progressão em 65% comparado com drogas, mostrou um substancial efeito na
14% para o placebo e da SG em 72 vs. 63% para prevenção de fraturas e da osteoporose18.
o placebo. Baseado em dados de vários estudos, além
da vitamina D e dos suplementos de cálcio,
70. COMO PREVENIR as linhas de orientação da National Com-
AS COMPLICAÇÕES ÓSSEAS prehensive Cancer Network (NCCN) recomen-
EM DOENTES SOB CASTRAÇÃO? dam para homens com risco de fratura da
anca > 3% aos 10 anos em castração, trata-
O doente em privação androgénica é um mento com ácido zoledrónico, 4 mg endove-
doente de risco para osteoporose. O ambiente noso (ev.), anual ou alendronato 70 mg oral,
adverso secundário à privação de testosterona semanal;
está associado a uma diminuição da densidade –– O denosumab é um anticorpo monoclonal
mineral óssea e risco aumentado de fraturas. Esta humanizado contra o recetor kB ligando do
suscetibilidade parece estar relacionada com um ativador do fator nuclear que bloqueia a ma-
desequilíbrio no turnover da atividade entre os- turação de preosteoclastos a osteoclastos. Um
teoblastos e osteoclastos13. ensaio aleatorizado, publicado em 2009, con-
Estudos prospetivos mostram que a densida- cluiu que denosumab 60 mg sc., de seis em
de mineral óssea diminui cerca de 5-10% no seis meses aumentou a densidade mineral ós-
primeiro ano após início de deprivação androgé- sea aos 24 meses em 5,6%, comparado com
nica14. o placebo.
Um estudo reportou, para homens sob castra- Nestes homens de alto risco, uma avaliação
ção, sobreviventes de, pelo menos, cinco anos, um da densidade mineral óssea deve ser obtida no
risco aumentado de fraturas de 19,4% compara- baseline e aos 12 meses de deprivação androgé-
do com os 12,6% se não estão sob castração15. nica6.

100 perguntas chave no cancro da próstata 49


P. Nunes, M.J. Mauricio

–– Pontos a reter: 6. Nguyen PL, Alibhai SM, Basaria S, et al. Adverse Effects of An-
drogen Deprivation Therapy and Strategies to Mitigate Them.
• Estratégias para diminuir os efeitos da de- European Urology. 2015;67(5):825-36.
privação androgénica sobre o osso: 7. Nanda A, Chen MH, Braccioforte MH, Moran BJ, D’Amico AV.
et al. Hormonal therapy use for prostate cancer and mortality in
♦♦ Cálcio: 1.000-1.200 mg por dia (dieta e men with coronary artery disease –induced congestive heart
suplementos); failure or myocardial infarction. JAMA. 2009;302(8):866-73.
8. Barkin J. Risks, benefits and approaches to hormonal blockade
♦♦ Vitamina D: 800-1.000 UI por dia; in prostate cancer. Highlihts from the European Association of
♦♦ Exercício físico. Urology Meeting, March 20-24, 2015, Madrid, Spain. Can J Urol.
2015;22(3):7847-52.
Para homens com risco de fratura superior a 9. Knutsson A, Hsiung S, Celik S, et al. Treatment with an LHRH
3% as recomendações de FRAX (Índice World agonists but not the LHRH antagonists degarelix, induces athero-
sclerotic plaque instability in ApoE-/-mice. EAU 2015, Abstract 558.
Health Organization Fracture Risk Assessment Tool 10. Sweeney C, Chen Yu-Hui, Carducci M et al. Chemohormonal
[FRAX]) são as seguintes: Therapy in Metastatic Hormone-Sensitive Prostate Cancer. N Engl
J Med. 2015;373:737-46.
–– Ácido zoledrónico: 4 mg ev., anual; ou 11. James ND, Sydes MR, Clarke NW, et al. Addition of docetaxel,
–– Alendronato: 70 mg oral, semanal; ou zoledronic acid, or both to first-line long term hormone therapy in
prostate cancer (STAMPEDE): survival results from an adaptive mul-
–– Denosumab: 60 mg sc., de seis em seis meses. tiarm multistage, platform randomized controlled trial. Lancet. 2015.
12. van Soest RJ, de Wit R. Irrefutable evidence for the use of docetax-
el in newly diagnosed metastatic prostate cancer: results from the
BIBLIOGRAFIA STAMPEDE and CHAARTED trials. BMC Medicine. 2015;13:304.
13. Frenkel B, Hong A, Baniwal SK, et al. Regulation of adult bone
turnover by sex steroids. J. Cell Physiol. 2019;224:305-10.
1. Heidenreich A, Pfister D, Porres D. Cytoreductive radical prosta- 14. Berruti A, Dogliotti L, Terrone C, et al. Changes in boné min-
tectomy in patients with prostate cancer and low volume skel- eral density, lean body masss and fat content as measured by
etal metastases: results of a feasibility and case-control study. J dual energy x-ray absorptiometry in patients with prostate can-
Urol. 2015;193(3):832-8. cer without apparent bone metastases given androgen depriva-
2. Pagliarulo V, Bracarda S, Eisenberger MA, et al. Contemporary tion therapy. J Urolog. 2002;167(6):2361-7.
role of androgen deprivation therapy for prostate cancer. Eur 15. Shahinian VB, Kuo YF, Freeman JL, Goodwin JS. Risk of fracture
Urol. 2012;61(1):11-25. after androgen deprivation for prostate cancer. N Engl J Med.
3. Ahmadi H, Daneshmand S. Androgen deprivation therapy: evidence- 2005;352(2):154-64.
based management of side effects. BJU Int. 2013;111(4): 543-8. 16. Datta M, Schwartz GG. Calcium and vitamin D supplementation
4. Magnan S, Zarychanski R, Pilote L, et al. Intermittent vs Continu- during androgen deprivation therapy for prostate cancer: a criti-
ous Androgen Deprivation Therapy for Prostate Cancer: A System- cal review. Oncologist. 2012;17:1171-9.
atic Review and Meta-analysis. JAMA Oncol. 2015;1(9): 1261-9. 17. Cosman F, Beur SJ, Leboff MS, et al. Clinician’s guide prevention
5. Hussain M, Tangen CM, Higano C, et al. Absolute prostate- and treatment of osteoporosis. Osteoporosis Int. 2014;25:2359-81.
specific antigen value after androgen deprivation is a strong in- 18. Serpa Neto A, Tobias-Machado M, Esteves MA, et al. Bisphos-
dependent predictor of survival in new metastatic prostate can- phonate therapy in patients under androgen deprivation therapy
cer: data from Southwest Oncology Group Trial 9346 (INT-0162). for prostate cancer: a systematic review and meta-analysis. Pros-
J Clin Oncol. 2006;24(24):3984-90. tate cancer Prostatic Dis. 2012;15:36-44.

50 100 perguntas chave no cancro da próstata


Capítulo 8

Carcinoma da próstata
resistente à castração

I. Augusto, C. Martins da Silva

71. QUAL A DEFINIÇÃO DE mínimo de uma semana), sendo que dois destes
CARCINOMA DA PRÓSTATA aumentos devem ser superiores a 50% sobre o
RESISTENTE À CASTRAÇÃO? valor nadir alcançado com a terapêutica de pri-
vação de androgénios.
O termo “carcinoma da próstata resistente à Ainda de acordo com as Guidelines Europeias
castração” (CPRC) aplica-se à fase do cancro da de Urologia, considera-se haver progressão ima-
próstata (CP) em que há progressão da doença giológica quando há duas ou mais novas lesões
neoplásica, apesar de o doente ter níveis de cas- ósseas no cintilograma ósseo ou uma lesão dos
tração (testosterona sérica < 50 ng/dl). Nesta fase, tecidos moles usando os critérios Response Evalua-
a doença neoplásica deixou de responder à tera- tion Criteria In Solid Tumours (RECIST)1,2.
pêutica de privação de androgénios (castração Pode parecer estranho, mas a progressão sin-
cirúrgica ou castração médica), podendo a pro- tomática como o aumento da dor ou o agrava-
gressão da doença ser apenas bioquímica [aumen- mento do estado geral, sem progressão imagio-
to dos níveis de antigénio prostático específico lógica ou bioquímica, não é suficiente por si só
(PSA)], haver progressão de doença preexistente para se fazer o diagnóstico de CPRC.
ou o aparecimento de novas metástases. Os critérios de progressão utilizados até hoje nos
Os doentes com CPRC com progressão ape- estudos clínicos não têm incorporado parâmetros de
nas bioquímica constituem um subgrupo particu- novas modalidades de imagem e funcionais, nomea-
lar de doentes. São doentes que não têm ainda damente ressonância magnética (RM) e tomogra-
evidência imagiológica de metastização (CPRCM0). fia por emissão de positrões (PET). No entanto, na
Espera-se que este grupo de doentes venha a prática clínica é cada vez mais crescente o recurso
aumentar nos próximos anos devido ao facto de a estas novas modalidades, e torna-se assim inevi-
estarmos a assistir à introdução precoce de hor- tável e premente uma definição do seu papel no
monoterapia em doentes com recidiva bioquímica estadiamento da doença, avaliação de resposta aos
e ainda sem metastização objetivada, após tera- tratamentos e avaliação de progressão da doença.
pêuticas com intenção curativa, como a prosta-
tectomia radical ou a radioterapia. 72. QUAIS AS OPÇÕES
A definição de progressão bioquímica conti- DE TRATAMENTO NA DOENÇA
nua ainda a ser um tema controverso! De acordo METASTIZADA RESISTENTE
com as Guidelines Europeias de Urologia1, define- À CASTRAÇÃO?
se que há progressão bioquímica quando o PSA
é maior do que 2 ng/ml e documentação de três Até há cinco anos, o tratamento do CPRC
aumentos consecutivos do PSA (com um intervalo assentava na quimioterapia com docetaxel, tendo

100 perguntas chave no cancro da próstata 51


I. Augusto, C. Martins da Silva

este fármaco sido aprovado para esta indicação após tratamento. Há vários métodos de avaliação
a publicação dos resultados do estudo TAX 3273. geriátrica que permitem definir corretamente
Recentemente, além de uma nova opção de qui- o estado de cada doente, tornando desta for-
mioterapia (cabazitaxel), três novas linhas tera- ma mais segura e assertiva a escolha terapêu-
pêuticas foram introduzidas no mercado para o tica5,6;
tratamento do CPRC: imunoterapia (sipuleucel-T), –– O estado funcional e nutricional do doente;
novas terapêuticas dirigidas ao receptor andro- –– As comorbilidades: um doente com história
génio (acetato de abiraterona (AA), enzalutami- de epilepsia não será o melhor candidato a
da) e terapia com radionuclídeos (rádio-223). Os efetuar tratamento com enzalutamida7, his-
aumentos na sobrevida induzidos por estas no- tória de patologia cardíaca importante pode
vas terapêuticas são similares, de acordo com ser razão suficiente para não tratar com AA8,
os resultados apresentados nos vários estudos assim como um doente que apresente neu-
que culminaram na aprovação pelas autorida- ropatia após tratamento com docetaxel, po-
des de regulação como a Food and Drug Admi- derá não ser o candidato ideal para efetuar
nistration (FDA) e a European Medicines Agency cabazitaxel.
(EMA).
Mas foi fundamentalmente a introdução das b) Caraterísticas da doença
terapêuticas hormonais de nova geração, AA e
enzalutamida, que alterou significativamente o pa- –– A metastização visceral é um fator de mau
radigma da terapêutica do CPRC. Além de serem prognóstico conhecido, podendo ser determi-
fármacos de administração oral e sem toxicidade nante na escolha do tratamento9;
significativa associada, mostraram-se terapêuticas –– Doença sintomática: a presença de queixas
com eficácia clínica, independentemente do uso álgicas pode estar associada a um pior prog-
prévio da quimioterapia4. nóstico, podendo ser um fator a ter em con-
ta aquando da escolha do tratamento10;
73. QUE FATORES PODERÃO –– Um “score” de Gleason elevado associa-se a
SER ÚTEIS CONSIDERAR doença mais agressiva e, consequentemente,
NA DECISÃO DO TRATAMENTO? a um pior prognóstico. No entanto, a quimio-
terapia com docetaxel parece melhorar a so-
Alguns parâmetros clínicos e/ou biológicos brevivência em tumores pouco diferenciados
estão relacionados com a presença/ausência de (Gleason > 7)11. O mesmo se verificou em re-
eficácia de alguns tratamentos. Ainda não estão lação à utilização de enzalutamida7, abirate-
identificados fatores preditivos de resposta que rona8 e cabazitaxel12;
permitam orientar a decisão terapêutica. No en- –– Um tempo curto de duplicação do valor de
tanto, as subanálises dos vários estudos efetua- PSA e valores elevados de testosterona tam-
dos têm sido uma grande ajuda nesse sentido. bém se associam a um comportamento mais
Assim sendo, há alguns dados que devemos agressivo da doença e, consequentemente, a
ter em atenção na altura em que é necessária um pior prognóstico.
uma decisão terapêutica:
c) Resposta aos tratamentos
a) Caraterísticas do doente efetuados previamente

Quando é feita uma decisão terapêutica é neces- –– Duração do tratamento hormonal: parece não
sário ter em conta alguns parâmetros, como sejam: haver relação entre o tempo de resposta ao
–– Idade que não deve, só por si, ser fator deci- tratamento hormonal e a posterior resposta à
sivo para a realização ou não de qualquer quimioterapia12,13;

52 100 perguntas chave no cancro da próstata


Carcinoma da próstata resistente à castração

Tabela 1.

Cabazitaxel Ligação e estabilização TROPIC 10 (n = 755) Melhoria da SG: 15,1 vs. 2010
da tubulina cabazitaxel + prednisolona 12,7 meses (HR: 0,70;
vs. mitoxantrone IC 95%: 0,59-0,83)

Acetato de Inibidor da CYP17 COU-AA-3018 (n = 1.195) Melhoria da SG: 15,8 vs. 2011
abiraterona abiraterona + prednisolona 11,2 meses (HR: 0,74;
vs. placebo + prednisolona IC 95%: 0,64-0,86)

Enzalutamida Bloqueia o recetor AFFIRM7 (n = 1.199) enzalutamida Melhoria da SG: 18,4 vs. 2012
do androgénio vs. placebo 13,6 meses (HR: 0,63;
IC 95%: 0,53-0,75)

Rádio-223 Radiofármaco emissor ALSYMPCA18 (n = 921) rádio-223 Melhoria da SG: 14,9 vs. 2013
de partículas α e vs. placebo 11,3 meses (HR: 0,80;
mimético do cálcio IC 95%: 0,67-0,97)

–– Tempo até progressão após tratamento com A aprovação de cada um dos fármacos teve
docetaxel: quanto mais precoce for a progres- como suporte estudos aleatórios, em que os bra-
são após ou durante os tratamentos de quimio- ços comparadores não eram iguais, o que desta
terapia, pior parece ser o prognóstico. O estu- forma dificulta a comparação em termos de efi-
do TROPIC mostrou que o cabazitaxel mantém cácia de cada um deles.
um benefício significativo com tradução na O cabazitaxel é um taxano de nova geração,
sobrevivênvia global (SG), mesmo nos doentes que inibe a despolimerização dos microtúbulos e
que pararam docetaxel por progressão10. a divisão celular, ligando-se à tubulina e interrom-
pendo o ciclo celular9,16,17. Quando comparado
d) Presença/ausência de alterações com outros fármacos, parece atravessar a barreira
genéticas hematoencefálica. No estudo TROPIC, foi eviden-
te a vantagem do fármaco relativamente ao mito-
A deteção da variante 7 do recetor do andro- xantrone, em termos de SG (15,1 vs. 12,7 meses),
génio (AR-V7) em células tumorais circulantes de com uma redução do risco de morte em cerca de
doentes com CPRC foi associado a resistência pri- 30%. No entanto, o ganho mais expressivo veri-
mária à AA e enzalutamida14. ficou-se nas taxas de resposta quer a nível do PSA
A expressão da AR-V7 não está associada à quer na resposta tumoral, com tradução no tempo
resistência aos taxanos. Em tumores com expres- até à progressão da doença (5,4 vs. 8,8 meses)10.
são da AR-V7, os taxanos parecem ser mais efi- A AA é um inibidor seletivo da enzima 17α-hi-
cazes do que o AA ou a enzalutamida15. droxilase-C17,20-liase (CYP17), necessária à bios-
síntese dos androgénios. Esta enzima é expres-
74. QUAIS AS OPÇÕES DE sa nos tecidos testicular, suprarrenal e tumoral
TRATAMENTO APÓS PROGRESSÃO prostático. A inibição da CYP17 também resulta
COM DOCETAXEL? no aumento da produção de mineralocorticoides
pelas glândulas suprarrenais. Os resultados do es-
Até 2010, eram poucas as opções de trata- tudo COU-AA-301 mostraram um ganho em com-
mento para este tipo de doentes. Atualmente paração com o braço de controlo (corticoterapia)
dispomos de várias alternativas terapêuticas no em termos de SG, sobrevivência livre de progres-
CPRC, em progressão após tratamento com do- são radiológica (SLPR), atraso na progressão do
cetaxel (Tabela 1). PSA, atraso no tratamento com quimioterapia e

100 perguntas chave no cancro da próstata 53


I. Augusto, C. Martins da Silva

no uso de opioides. Todos os doentes submetidos No entanto, quando comparado com o doce-
a tratamento com AA efetuaram prednisolona taxel, torna-se evidente que o cabazitaxel se asso-
em concomitância8. cia a uma menor incidência de neuropatia, alopecia,
A enzalutamida é um inibidor do recetor de disgeusia, alterações ungueais e neutropenia19.
androgénio, que impede a translocação nuclear
do recetor de androgénio, a sua ligação ao DNA Acetato de abiraterona
e o recrutamento do coativador. Tem também
grande afinidade para o recetor sem efeitos ago- O estudo COU-301 comparou a utilização de
nistas. O estudo AFFIRM comparou a utilização de AA versus placebo em doentes com progressão da
enzalutamida versus placebo em doentes previa- doença após realização de quimioterapia com do-
mente tratados com docetaxel. A utilização con- cetaxel. Em ambos os braços era efetuada cortico-
comitante de corticoide era permitida, mas não terapia com prednisolona 5 mg duas vezes por dia.
obrigatória. Verificou-se um ganho importante Quando comparado com o placebo, os doentes
em termos de SG, com uma redução do risco de submetidos a tratamento com AA apresentaram
morte em 37%. Foi também evidente o ganho em um aumento da incidência de retenção de líquidos
tempo até à progressão do valor do PSA e SLPR7. (28 vs. 24%), hipocaliemia (17 vs. 13%), hiperten-
O rádio-223 é um emissor de radiação α, que são arterial (22 vs. 13%) e alterações cardíacas (19
atua em áreas de elevado turnover ósseo, tendo vs. 16%). Os doentes que efetuaram tratamento
como vantagem a pequena capacidade de disper- com AA apresentaram também, com maior fre-
são da radiação. Quando comparado com place- quência, alterações dos valores das transaminases8.
bo, e em doentes com doença exclusivamente
óssea, parece haver um ganho em termos de SG Enzalutamida
(14,9 vs. 11,3 meses) e também na mediana de
tempo até a um primeiro evento esquelético Os doentes a efetuar tratamento com enzalu-
[skeletal related event (SRE)]. O benefício parece tamida apresentaram quando comparados com
ser mais expressivo nos doentes que apresentam o grupo placebo um aumento da incidência de
seis ou mais metástases ósseas18. Estão a decorrer fadiga (34 vs. 29%), diarreia (21 vs. 18%), hot
estudos que pretendem determinar o benefício flushes (20 vs. 10%), dores musculares (14 vs.
de tratamentos combinados com o rádio-223. 10%) e cefaleias (12 vs. 6%). De referir a ocor-
rência de crises convulsivas em < 1% dos doentes
75. QUE EFEITOS SECUNDÁRIOS submetidos a tratamento com enzalutamida, o
PODEMOS ESPERAR DE CADA que deve ser tido em conta, sobretudo em doen-
UMA DAS TERAPÊUTICAS? tes com fatores predisponentes [história de epi-
lepsia, traumatismo cranioencefálico (TCE)]7.
Cabazitaxel
Rádio-223
Em termos de toxicidade, e em comparação
com o mitoxantrone, verificou-se no estudo TRO- Os efeitos laterais mais frequentes foram so-
PIC uma maior incidência de eventos hematológi- bretudo hematológicos, dores ósseas, alterações
cos, sobretudo neutropenia grau > 3 (82 vs. 58%). do trânsito intestinal, náuseas, vómitos, anorexia,
O  uso de cabazitaxel também está associado a fadiga e perda de peso. No entanto, é importan-
uma maior incidência de diarreia (47 vs. 11%), te referir que a incidência global de efeitos laterais
náuseas (23 vs. 34%) e vómitos (10 vs. 23%). foi mais baixa e de forma consistente nos doentes
Também se verificou com maior frequência alguns que efetuaram tratamento com rádio-223, quan-
sintomas constitucionais, como a fadiga e astenia do comparados com os doentes que realizaram
(27 vs. 37% e 12 vs. 20%, respetivamente)10. placebo. Mesmo em termos de número de doentes

54 100 perguntas chave no cancro da próstata


Carcinoma da próstata resistente à castração

que descontinuaram o tratamento devido à toxi- 77. COMO AVALIAR


cidade, tal também aconteceu com menos fre- A RESPOSTA AO TRATAMENTO?
quência no grupo de doentes que realizaram o
tratamento com rádio-22318. A avaliação da reposta a um tratamento ins-
tituído deve ter em conta a repercussão em ter-
76. QUAL O MELHOR mos clínicos, imagiológicos e analíticos.
TRATAMENTO NO CARCINOMA Na avaliação clínica é fundamental determinar
DA PRÓSTATA COM HISTOLOGIA a melhoria/agravamento sintomático e o estado
DE PEQUENAS CÉLULAS geral do doente.
OU DIFERENCIAÇÃO Na avaliação analítica há alguns parâmetros
NEUROENDÓCRINA? que nos permitem aferir relativamente à resposta
ao tratamento efetuado, como seja o valor do
A grande maioria dos tumores prostáticos são PSA, da DHL e da fostatase alcalina, em caso de
adenocarcinomas, no entanto, há uma pequena metastização óssea. Em alguns doentes com me-
minoria (< 2%) de tumores que são neuroen- tastização óssea ocorre invasão medular, com tra-
dócrinos ou de pequenas células. Além disso, e dução analítica. Nestes casos, e se houver resposta
tendo em conta a heterogeneidade tumoral, sa- ao tratamento, haverá melhoria dos valores ana-
be-se que, com a introdução das novas terapêu- líticos (nomeadamente da hemoglobina).
ticas antiandrogénicas, é frequente, durante a A avaliação imagiológica é também funda-
progressão tumoral, a perda de diferenciação mental para definir presença/ausência de respos-
glandular, surgindo formas com predomínio de ta: cintilograma ósseo em caso de metastização
componente neuroendócrino. óssea, tomografia computadorizada (TC) e, even-
Este tipo de tumores associa-se a doença mais tualmente, PET com antigénio da membrana es-
agressiva, muitas vezes com metastização visceral pecífica da próstata (PMSA)23.
e consequente mau prognóstico.
Em caso de elevada carga tumoral com valo- 78. COMO DEFINIR
res pouco expressivos (por vezes até normais) do A PROGRESSÃO DE DOENÇA
PSA, devemos pensar em diferenciação neuroen- RESISTENTE À CASTRAÇÃO?
dócrina ou histologia de pequenas células. Nes-
tas situações é importante avaliarmos a possibi- A progressão do CPRC baseia-se em critérios
lidade de existir um outro marcador de resposta como a progressão do PSA, a progressão imagio-
como seja a desidrogenase láctica (DHL) sérica ou, lógica e a deterioração clínica.
eventualmente, o doseamento do CEA (antigénio Qual o critério para progressão do PSA?
carcinoembrionário) ou do NSE (enolase específi- Mais uma vez, a controvérsia continua, po-
ca neuronal). dendo ser usado o mesmo critério para a progres-
Quando se trata de um tumor de pequenas são do PSA aquando da definição de CPRC (ver
células puro, sem componente de adenocarcino- resposta à pergunta 71).
ma, deve ser ponderado tratamento com cisplati- Um ponto consensual é que os níveis de PSA
no e etoposido20,21 ou outra combinação de fár- não devem ser usados isoladamente para segui-
macos como carboplatina e irinotecano22. mento dos doentes e avaliação da resposta às
Nas situações em que existe diferenciação neu- terapêuticas. Sugere-se ainda mais precaução nes-
roendócrina pode ser considerado o tratamento de ta fase da doença, pois, por exemplo, não é inco-
quimioterapia com cisplatina, etoposido, ou então mum o desenvolvimento de metástases viscerais
carboplatina em associação com taxanos. Estes fár- sem aumento significativo do PSA24.
macos são eficazes no tratamento de carcinomas De acordo com o grupo de peritos em can-
neuroendócrinos de alto grau, com boa tolerância. cro da próstata – The Prostate Cancer Working

100 perguntas chave no cancro da próstata 55


I. Augusto, C. Martins da Silva

Group 3 (PCWG3) –, a definição de progressão sabe-se que a via de sinalização do recetor andro-
de doença metastática não óssea (adenomegalias génico continua ativa nesta fase. Este facto, por si
e doença visceral) nesta fase de resistência à cas- só, parece justificar a manutenção da castração na
tração deve fazer-se de acordo com os critérios prática clinica. Por outro lado, nos estudos prin-
de RECIST 1.1.25. cipais para avaliação de novas terapêuticas, nesta
O melhor método de confirmação de progres- fase da doença, a manutenção da castração con-
são de doença metastática óssea ainda não está tinuou a ser a prática corrente10, 26,27. No entanto,
bem definido. Após a deteção de prováveis novas esta prática é um assunto controverso desde há
metástases na cintigrafia óssea durante o follow-­ décadas28-30 e a controvérsia só poderá ser defini-
up, sugere-se que uma nova reavaliação seja fei- tivamente esclarecida com a inclusão desse obje-
ta após 16 semanas para confirmação inequívoca tivo em futuros estudos aleatórios e prospetivos.
da progressão imagiológica (até que duas novas
lesões sejam confirmadas). Durante este período 80. COMO DEVEM SER TRATADOS
de indefinição, sugere-se que o tratamento não OS DOENTES IDOSOS
seja descontinuado, desde que seja bem tolera- E QUE CUIDADOS TER?
do e não haja outras razões clínicas para a inter-
rupção. Na verdade, atualmente é consensual que O número de doentes idosos com CPRC é sig-
um tratamento só deve ser descontinuado quan- nificativo e é de esperar que aumente nos próxi-
do já não houver benefício clínico e não neces- mos anos. Como em qualquer terapêutica nesta
sariamente ao primeiro sinal de progressão25. faixa etária, onde o risco de complicações é maior
A deterioração clínica pode ser devida a pro- e com maior repercussão clínica, impõe-se uma
gressão da doença neoplásica ou a outros fatores, avaliação cuidada dos riscos e benefícios antes da
como efeitos laterais da medicação ou outras co- instituição das mesmas.
morbilidades. Sendo assim, a deterioração clínica Vários ensaios clínicos demonstraram que te-
não deve ser assumida de imediato como pro- rapêuticas como docetaxel, AA pré e pós-quimio-
gressão da doença, sem ter havido documenta- terapia, enzalutamida pré e pós-quimioterapia, e
ção para tal. É mais um fator importante a ter em rádio-223, também prolongam significativamente
conta na decisão de interrupção da medicação. a sobrevida em doentes idosos com CPRC, sem um
Como atrás já foi referido, reitera-se que a aumento significativo da toxicidade. Deve-se ter,
progressão da doença nem sempre implica a mu- contudo, alguma precaução ao fazer a extrapolação
dança de terapêutica. Na verdade, a decisão de dos resultados, em particular da segurança, para a
suspender a medicação só deve ser ponderada prática clínica diária, onde a presença de comorbi-
quando parecer já não existir benefício clínico lidades é muito mais significativa do que na maior
para o doente e geralmente após verificação de parte dos doentes incluídos nos ensaios clínicos.
dois dos três critérios de progressão da doença Sendo assim, a idade não deve ser assumida
(progressão do PSA, progressão imagiológica, de- como um parâmetro que, por si só, exclua a ins-
terioração cínica por progressão da doença). tituição das recentes terapêuticas prolongadoras
de sobrevida em doentes idosos31.
79. QUAL O PAPEL
DA MANUTENÇÃO DA CASTRAÇÃO BIBLIOGRAFIA
EM DOENTES RESISTENTES? 1. European Urology Guidelines 2016. Disponível em: https://uro
web.org/guideline/prostate-cancer/.
Apesar desta fase da doença ser denominada 2. Eisenhauer EA, Therasse P, Bogaerts J, et al. New response
evaluation criteria in solid tumours: revised RECIST guideline
como “resistente à castração”, isso não significa (version 1.1). Eur J Cancer. 2009;45(2):228-47.
que todas as células malignas sejam completamen- 3. Tannock IF, de Wit R, Berry WR, et al. Docetaxel plus prednisone
or mitoxantrone plus prednisone for advanced prostate cancer.
te insensíveis aos androgénios. Na verdade, hoje N Engl J Med. 2004;351:1502-12.

56 100 perguntas chave no cancro da próstata


Carcinoma da próstata resistente à castração

4. Fuerea A, Baciarello G, Patrikidou A, et al. Early PSA response is 18. Parker C, Nilsson S, Heinrich D, et al. Alpha emitter radium-223
an independent prognostic factor in patients with metastatic and survival in metastatic prostate cancer. N Engl J Med. 2013;
castration-resistant prostate cancer treated with next-generation 369:213-23.
androgen pathway inhibitors. Eur J Cancer. 2016;61:44-51. 19. Omlin A, Sartor O, Rothermundt C, et al. Analysis of Side Effect
5. Berthold D, Pond GR, Soban F, de Wit R, Eisenberger M, Tannock Profile of Alopecia, Nail Changes, Peripheral Neuropathy, and
IF. Docetaxel plus prednisone or mitoxantrone plus prednisone Dysgeusia in Prostate Cancer Patients Treated With Docetaxel
for advanced prostate cancer: updated survival in the TAX 327 and Cabazitaxel. Clin Genitourin Cancer. 2015;13(4):e205-8.
study. J Clin Oncol. 2008;26:242-5. 20. Amato RJ, Logothetis CJ, Hallinan R, Ro JY, Sella A, Dexeus FH.
6. Italiano A, Ortholan C, Oudard S, et al. Docetaxel-based chemo- Chemotherapy for small cell carcinoma of prostatic origin. J Urol.
therapy in elderly patients (age 75 and older) with castration- 1992;147(3 Pt 2):935-7.
resistant prostate cancer. Eur Urol. 2009;55:1368-76. 21. Stein ME, Bernstein Z, Abacioglu U, et al. Small cell (neuroendo-
7. Scher H, Fizazi K, Saad F, et al. Increased Survival with Enzalu- crine) carcinoma of the prostate: etiology, diagnosis, prognosis, and
tamide in Prostate Cancer after Chemotherapy. N Engl J Med. therapeutic implications--a retrospective study of 30 patients from
2012;367:1187-97. the rare cancer network. Am J Med Sci. 2008;336(6): 478-88.
8. de Bono JS, Logothetis CJ, Molina A, et al. Abiraterone and 22. Yamada T, Ohtsubo K, Mouri H, et al. Combined chemotherapy with
increased survival in metastatic prostate cancer, N Engl J Med. carboplatin plus irinotecan showed favorable efficacy in a patient
2011;346(21):1995-2005. with relapsed small cell carcinoma of the prostate complicated with
9. Archimbaud Y, Gires P, Pellerin R, Nichele G, Poulet D. Pharma- meningeal carcinomatosis. Int J Clin Oncol. 2009; 14:468-72.
cokinetics of a new taxoid, 14C-TXD258, in blood, plasma and 23. Mease RC, Foss CA, Pomper MG. PET imaging in prostate
brain of the mouse, rat and dog. Proceedings of the American cancer: focus on prostate-specific membrane antigen. Curr Top
Association for Cancer Research. Abstract. 2000;41:1375. Med Chem. 2013;13:951-62.
10. de Bono JS, Oudard S, Ozguroglu M, et al. Prednisone plus ca- 24. Pezaro CJ, Omlin A, Lorente D, et al. Visceral disease in castra-
bazitaxel or mitoxantrone for metastatic castration-resistant pros- tion-resistant prostate cancer. Eur Urol. 2014;65:270-3.
tate cancer progressing after docetaxel treatment: a randomised 25. Scher HI, Morris MJ, Stadler WM, et al. Trial Design and Objec-
open-label trial. Lancet. 2010;376:1147-54. tives for Castration-Resistant Prostate Cancer: Updated Recom-
11. van Soest RJ, de Morrée ES, Shen L, et al. Initial biopsy Gleason mendations From the Prostate Cancer Clinical Trials Working
score as a predictive marker for docetaxel survival benefit in Group 3. J Clin Oncol. 2016;34(12):1402-18.
patients with prostate cancer: Data from the TAX 327 study. Eur 26. Petrylak DP, Tangen CM, Hussain MH, et al. Docetaxel and estra-
Urol. 2013 (presented ASCO GU 2013, Abs 44). mustine compared with mitoxantrone and prednisone for advanced
12. Oudard S, de Bono J, Özgüroglu M, Hansen S, Machiels S, Sar- refractory prostate cancer. N Engl J Med. 2004;351: 1513-20.
tor A, et al. Impact of Cabazitaxel + Prednisone on Overall 27. Kelly WK, Halabi S, Carducci M, et al. Randomized, double-blind,
Survival at 2 years and in patients with aggressive disease: post- placebo-controlled phase III trial comparing docetaxel and pred-
Hoc analysis of Tropic trial. Annals Oncol. 2012;23(9):307. nisone with or without bevacizumab in men with metastatic
13. Huillard O, Albiges L, Eymard J-C, et al. Efficacy of docetaxel castration-resistant prostate cancer: CALGB 90401. J Clin Oncol.
chemotherapy in metastatic prostate cancer (mPC) patients ex- 2012;30:1534-40.
periencing early castration resistance (CR). J Clin Oncol.31, 2013. 28. Manni A, Bartholomew M, Caplan R, et al. Androgen prim-
(suppl; abstr 5075), presented ASCO 2013. ing and chemotherapy in advanced prostate cancer: evalua-
14. Antonarakis E, Lu C, Wang H, Luber B, Nakazawa M, Luo J et tion of determinants of clinical outcome. J Clin Oncol. 1988;
al. AR-V7 and Resistance to Enzalutamide and Abiraterone in 6:1456-66.
Prostate Cancer. N Engl J Med. 2014;371(11):1028-38. 29. Hussain M, Wolf M, Marshall E, Crawford ED, Eisenberger M.
15. Antonarakis ES, Lu C, Luber B, Wang H, et al. Androgen Recep- Effects of continued androgen-deprivation therapy and other
tor Splice Variant 7 and Efficacy of Taxane Chemotherapy in prognostic factors on response and survival in phase II chemo-
Patients With Metastatic Castration-Resistant Prostate Cancer. therapy trials for hormone-refractory prostate cancer: a South-
JAMA Oncol. 2015;1(5):582-91. west Oncology Group report. J Clin Oncol. 1994;12:1868-75.
16. Dykes DJ, Sarsat JP, Bissery M-C. Efficacy evaluation of TXD258, a 30. Taylor CD, Elson P, Trump DL. Importance of continued testicular
taxoid compound, against orthotopic and subcutaneous glioblas- suppression in hormone-refractory prostate cancer. J Clin Oncol.
tomas. [abstract #1916]. Proc Am Assoc Cancer Res. 2000;41:301. 1993;11:2167-72.
17. de Placido S, Rescigno P, Federico P, et al. Cabazitaxel in castra- 31. Suzman DL, Eisenberger MA. Determining the optimal treatment
tion resistant prostate cancer with brain metastases: 3 case re- for metastatic castration-resistant prostate cancer: age should
ports. World J Clin Cases. 2014;2(6):228-31. not be a factor. Eur Urol. 2014;65(5):884-6.

100 perguntas chave no cancro da próstata 57


Capítulo 9

Tratamento dirigido
à metastização óssea

C. Fernandes e P. Lapa

81. QUAIS AS INDICAÇÕES aumento significativo no tempo médio para o


PARA O USO DE BIFOSFONATOS primeiro evento esquelético ou fratura (p = 0,011).
E QUE CUIDADOS TER? No entanto, este fármaco tem efeitos secundá-
rios tais como: síndrome gripal com febre (7%),
Os bifosfonatos têm um efeito direto sobre a dor óssea (1%), náuseas (1%) e vómitos (1%).
apoptose de osteoclastos, inibindo a reabasorção Pode ainda ocorrer rubor ou edema no local de
óssea e aumentando a sua mineralização ao ini- administração e existem várias contraindica-
birem a atividade de osteoclastos. Os bifosfona- ções para a sua utilização, nomeadamente: ane-
tos que contêm nitrogénio são inibidores mais mia grave (hemoglobina [Hb] < 9 g/dl), leucope-
potentes da reabsorção óssea e atuam principal- nia (leucócitos < 4 × 103/dl), trombocitopenia
mente por inibição da enzima farnesil-pirofosfato (plaquetas < 135 × 103/dl), insuficiência renal
(FPP) sintetase na via do mevalonato (colesterol (clearance de creatinina < 30 ml/min)2.
via biossintética). A inibição da síntese de FPP Embora a sua utilização tenha por objetivo ma-
perturba a prenilação de proteínas, o que cria jor evitar os eventos ósseos como a dor, a com-
alterações do citoesqueleto no osteoclasto, pro- pressão medular, as fraturas patológicas e a hi-
move o deslocamento do osteoclasto a partir do percalcemia, não tem indicação para tratamento
perímetro do osso, e leva à diminuição da reab- da dor aguda ou crónica por compressão medular
sorção óssea1. ou fratura patológica.
Vários ensaios clínicos aleatorizados avalia- É ainda necessário ainda ter alguns cuidados
ram a eficácia da terapêutica com bifosfonatos, adicionais aquando da sua administração, tais
mas o ácido zoledrónico foi o único bifosfonato como: enviar ao estomatologista o doente antes
com eficácia demonstrada na prevenção de even- do início do tratamento para avaliação dentária
tos ósseos no cancro da próstata (CP)1. O ácido prévia; explicar ao doente a contraindicação para
zoledrónico (4 mg, em infusão de 15 minutos tratamentos dentários durante o tratamento e até
cada três-quatro semanas) pertence a uma nova 45 dias após a última administração; evitar ul-
geração de bifosfonatos, sendo um aminobifos- trapassar os 24 meses de administração men-
fonato, extremamente potente, que atua espe- sal; dado o risco aumentado de osteonecrose da
cificamente no osso2. Num estudo de fa­se  3 mandíbula; confirmar a existência de uma cinti-
multicêntrico e aleatorizado, verificou-se aos grafia óssea nos dois meses anteriores; ter um
15  meses uma redução na percentagem de perfil hematológico antes da administração devi-
doentes com complicações esqueléticas (33 vs. do ao risco de toxicidade medular; e controlar a
44%, p = 0,021) ou fraturas patológicas (13 vs. função renal a cada quatro a seis semanas após
22%, p = 0,015). Além disso, verificou-se um o tratamento2,3.

58 100 perguntas chave no cancro da próstata


Tratamento dirigido à metastização óssea

82. QUAIS AS INDICAÇÕES PARA verificou-se haver 4,2 meses de tempo de sobre-
O USO DE DENOSUMAB E QUE vivência significativamente maior sem metásta-
CUIDADOS TER? ses ósseas, comparativamente com o placebo
(média de 29,5 vs. 25,2 meses; hazard ratio [HR]:
Além de bifosfonatos, a inibição de osteoclas- 0,85; intervalo de confiança [IC]: 95%: 0,73-0,98;
tos pode também ser conseguida por direcio- p < 0.028)4. Neste contexto, apesar de ainda não
namento ativador do recetor do fator nuclear κB haver aprovação, o denosumab poderá vir a ser
ligante (RANKL), um componente-chave na via uma possibilidade para prevenção da metastiza-
para a formação de osteoclastos e ativação. A ex- ção óssea na neoplasia da próstata em doentes
pressão de RANKL no osso é também pensada para de alto risco.
contribuir para o desenvolvimento de metástases
ósseas por se ligar ao seu recetor (recetor ativador 83. QUAIS AS INDICAÇÕES
do fator nuclear k B, RANK) sobre a superfície das PARA O USO DE RADIOTERAPIA
células tumorais1. DIRIGIDA À METASTIZAÇÃO
O principal risco do denosumab (120 mg, men- ÓSSEA?
sal, subcutâneo) é a osteonecrose da mandíbula3.
Como tal, alguns dos cuidados adicionais aquan- As principais indicações para a radioterapia
do da sua administração são semelhantes aos do (RT) dirigida à metastização óssea não tem uma
zolandronato, tais como enviar ao estomatologis- indicação curativa e destina-se essencialmente ao
ta o doente antes do início dos tratamentos para controlo dos sintomas locais, nomeadamente dor
tratamento dentário prévio, e explicar ao doente intensa localizada, limitação motora e risco de
a contraindicação para tratamentos dentários du- compressão medular5.
rante o tratamento e até 45 dias após a última
administração. O risco de osteonecrose da man- 84. QUE DOENTES SÃO
díbula é maior com o denosumab comparativa- CANDIDATOS À REALIZAÇÃO
mente com os bisfofonatos assim como a incidên- DE RADIUM-223?
cia da hipocalcemia2,3. Neste contexto, deve ser
bem ponderado o tratamento após um ano de Embora se encontre em investigação a possi-
denosumab e devem ser prescritos cálcio e vita- bilidade da sua realização em doentes assinto-
mina D, dado o risco aumentado de hipocalcemia máticos e em doentes hormonossensíveis, ela
com denosumab2,3. encontra-se principalmente indicada em doentes
Também é importante confirmar a existência com CP resistente à castração, com metastização
de metastização óssea e locais de doença à data óssea múltipla sintomática. Habitualmente, esta
do início da administração e ter um perfil hema- terapêutica era realizada apenas em doentes sem
tológico antes da administração, mas, neste caso, doença extra óssea ou com metastização extra
não é preciso controlo da função renal. óssea mínima (até uma adenopatia com menos
No entanto, existem atualmente estudos sobre de 3 cm de eixo axial), mas provavelmente tam-
denosumab como prevenção da metastização ós- bém poderá ter utilidade em doentes com me-
sea no CP4. Num estudo de fase 3, controlado por tastização extra óssea mais extensa, nomeada-
placebo e aleatorizado, com 1.432 doentes com mente visceral, embora os resultados não sejam
cancro da próstata refratário à terapêutica hor- tão bons. Em relação à doença óssea, a carga
monal (CPHR), se metastização óssea e com, pelo tumoral não deverá ser muito elevada, obtendo-se
menos, uma caraterística de alto risco para o melhores respostas clínicas e maiores aumentos
desenvolvimento de metástases ósseas (antigénio da sobrevida nos doentes que iniciam esta tera-
prostático específico [PSA] superior a 8 ng/ml ou o pêutica mais precocemente, ou seja, com menor
tempo de duplicação da PSA inferior a 10 meses), carga tumoral óssea e sintomatologia álgica

100 perguntas chave no cancro da próstata 59


C. Fernandes, P. Lapa

menos marcada. Não têm indicação os doentes associado a um baixo poder de penetração, infe-
com carga tumoral óssea muito elevada, nomea- rior a 100 µm. Exerce assim uma ação focalizada
damente os doentes que apresentem cintigrafia nas metástases ósseas, condicionando danos co-
óssea ou tomografia por emissão de positrões/ laterais mínimos nos tecidos adjacentes. Efeitos
tomografia computorizada (PET/TC) óssea com adversos hematológicos (anemia, neutropenia e
FNa-F18 descrito como superscan, ou seja, com trombocitopenia) ocorrem numa baixa percenta-
envolvimento ósseo maciço. Os doentes candida- gem de doentes, sendo raros os efeitos secundá-
tos à realização da terapêutica devem ter uma rios hematológicos de grau 3 e 47.
contagem absoluta de neutrófilos > 1,5 K/μl e
uma contagem de plaquetas > 100 K/μl. Os níveis 86. QUAL O ESQUEMA
de Hb devem estar acima de 10 g/dl e se a he- DE ADMINISTRAÇÃO?
moglobina estiver abaixo desse valor, os doentes
deverão ser submetidos a transfusão sanguínea O esquema de tratamento implica seis admi-
antes da terapêutica com radium-223. Antes de nistrações endovenosas de radium-223. O inter-
um novo ciclo, a contagem absoluta de neutró- valo entre as administrações deverá ser de cerca
filos deve ser superior a 1,0 K/μl e a contagem de quatro semanas. O tratamento deverá ser rea-
de plaquetas superior a 50 K/μl6. lizado num Serviço de Medicina Nuclear. A tera-
pêutica é realizada em regime de ambulatório,
85. COMO É EFETUADO sem necessidade de cuidados sofisticados de ra-
ESTE TRATAMENTO E QUE dioproteção, uma vez que as partículas α emitidas
EFEITOS SECUNDÁRIOS SÃO pelo radium-223, devido ao seu curto alcance e
ESPERADOS? baixo poder de penetração, são facilmente blo-
queadas e manuseadas. No entanto, os doentes
O tratamento com radium-223 implica a ad- deverão ser instruídos sobre alguns cuidados (mí-
ministração por via endovenosa de uma solução nimos) de proteção radiológica, a ter no domicí-
de dicloreto de rádio, durante cerca de um minu- lio, e relacionados com a via de eliminação do
to, numa atividade de 50 kBq/kg (1,4 μCi/kg). radium-223.
Contudo, devido ao seu perfil de segurança, há Está demonstrada uma relação direta entre o
investigação a decorrer sobre a otimização da número de administrações de radium-223 e os
dose e é previsível que possam vir a ser adminis- benefícios terapêuticos obtidos, nomeadamente
tradas doses mais elevadas, aumentando a eficá- a diminuição da sintomatologia dolorosa, a dimi-
cia do tratamento. nuição dos eventos esqueléticos e o aumento da
Devido á sua via de eliminação gastrointesti- sobrevida. O benefício é claramente superior nos
nal, são, por vezes, registados efeitos secundários doentes que realizam a totalidade das adminis-
como náuseas, vómitos e diarreias. É, por vezes, trações (seis) em relação àqueles que, por algu-
ainda referido existir fadiga e dor óssea. A dor ma razão, têm que interromper a terapêutica.
óssea é atribuível ao fenómeno de flare, é mais Estudos efetuados sugerem mesmo que poderá
frequente entre a primeira e a segunda adminis- existir benefício no aumento do número de ad-
tração, e estes doentes apresentam habitualmente ministrações para além das seis atualmente reco-
uma excelente melhoria sintomática nas adminis- mendadas.
trações seguintes. No conjunto, todos estes efeitos A eliminação do radiofármaco faz-se, pratica-
secundários indesejados são discretos ou mode- mente, apenas por via fecal, sendo a eliminação
rados e transitórios. renal inferior a 5%. Esta terapêutica pode, por
O radium-223, é um calcium mimetic, emissor isso, ser ministrada independentemente do estado
de partículas α, que se caraterizam por serem da função renal ou hepatobiliar do doente, não
altamente energéticas e terem um curto alcance tendo sobre elas qualquer rebate8.

60 100 perguntas chave no cancro da próstata


Tratamento dirigido à metastização óssea

87. QUAL O MELHOR TIMING sua administração possa ser feita sequencial ou
PARA O TRATAMENTO concomitantemente com outros agentes terapêu-
COM RADIUM-223? ticos com diferentes mecanismos de ação, nomea-
damente os bifosfonatos. Com efeito, parece até
Não existe opinião consensual sobre o timing existir um sinergismo entre os bifosfonatos e o
mais adequado para a administração de radium-223 radium-223, traduzindo-se num efeito positivo adi-
no esquema terapêutico destes doentes. tivo. Este efeito pode ser explicado pelo facto de os
Inicialmente eram considerados com indicação bifosfonatos atuarem na matriz óssea, inibindo
para esta terapêutica os doentes com metastiza- os osteoclastos e, consequentemente, permitirem
ção óssea múltipla com sintomatologia dolorosa. um aumento da atividade dos osteoblastos, o prin-
Os trabalhos mais recentes salientam as vantagens cipal local de ação do radium-223. Deste modo,
da realização desta terapêutica em situações sem os bifosfonatos poderão preparar e propiciar um
doença óssea muito extensa, ou seja, quando ambiente favorável à atuação do radium-223.
ainda existe uma carga tumoral óssea não muito Por outro lado, têm sido referidos valores de
marcada. A PET/TC com FNa-F18 é apresentada sobrevida média significativamente superiores em
como um excelente preditor da resposta à tera- doentes concomitantemente tratados com deno-
pêutica com radium-223, ao permitir quantificar sumab, com abiraterona ou, ainda, com enzalu-
a carga tumoral óssea. Os doentes com elevadas tamida, parecendo existir uma ação sinergética
cargas tumorais estão associados a ausências de entre o radium-223 e aqueles fármacos, principal-
resposta e ao aparecimento de eventos esqueléti- mente com a abiraterona.
cos apesar da administração da terapêutica. Suge- Começa também a ser considerada a possibi-
re-se, também, que poderão ser obtidos melhores lidade de utilizar radium-223 e quimioterapia em
resultados em situações de doença sem sintoma- doentes com metástases viscerais que até agora
tologia ainda não muito marcada, colocando-se não eram considerados para a realização de ra-
já atualmente a hipótese de introdução desta dium-223.
terapêutica antes do aparecimento de sintomas. O tratamento com radium-223 poderá tam-
É, portanto, nos doentes em fase precoce de bém vir a ser útil como tratamento adjuvante em
doença óssea que se obtêm os melhores resultados doentes hormonossensíveis10.
e se consegue tirar um maior partido da adminis-
tração de radium-223. Os benefícios terapêuticos 89. COMO AVALIAR A RESPOSTA AO
terão tradução numa diminuição da sintomatologia TRATAMENTO COM RADIUM-223?
álgica, na melhoria da qualidade de vida, na di-
minuição da probabilidade de ocorrência de even- Embora os valores do PSA, e principalmente
tos esqueléticos e no aumento da sobrevida9. da fosfatase alcalina, assim como a avaliação da
sintomatologia e da qualidade de vida, possam
88. PODE O TRATAMENTO dar uma informação sobre a resposta à tera-
COM RADIUM-223 SER pêutica, esta avaliação deverá ser imagiológica.
CONCOMITANTE COM OUTRAS É mais vulgarmente realizada por cintigrafia ós-
TERAPÊUTICAS, NOMEADAMENTE sea, comparando o exame realizado após a tera-
BIFOSFONATOS? pêutica com o exame realizado antes da terapêu-
tica (Fig. 1). Contudo, é previsível que a PET/TC
A introdução do radium-223 na prática clínica óssea com FNa-F18, pela sua maior sensibilidade
trouxe mais uma arma terapêutica para a abor- e especificidade mais elevada, venha a substituir,
dagem dos doentes com CP com metastização na prática clínica, a cintigrafia óssea11.
óssea, resistentes à castração. O radium-223 tem A avaliação deverá ser feita no final da tera-
um mecanismo de ação único, permitindo que a pêutica, cerca de 6 a 12 semanas após as seis

100 perguntas chave no cancro da próstata 61


C. Fernandes, P. Lapa

90. AS TERAPÊUTICAS DIRIGIDAS


À METASTIZAÇÃO ÓSSEA
(BIFOSFONATOS, DENOSUMAB)
DEVEM MANTER-SE PARA ALÉM
DA PROGRESSÃO ÓSSEA?

Os bifosfonatos e o denosumab têm como prin-


cipal objetivo evitar os eventos ósseos, nomeada-
mente dor, fraturas patológicas e compressão medu-
lar3,6. A terapêutica com bifosfonatos e denosumab
também tem um efeito analgésico temporário, inde-
pendentemente da sua eficácia, e embora esse efei-
to seja mais marcado no início do tratamento, con-
sidera-se que se podem administrar essas terapêuticas
Vista Vista Vista Vista mesmo após progressão em doentes hormonorre-
anterior posterior anterior posterior fratários com doença óssea metastática2,12.
Pre Ra-223 Pre Ra-223 Pos Ra-223 Pos Ra-223
BIBLIOGRAFIA
Figura 1. Doente submetido a terapêutica com
radium-223, com evidente redução da carga 1. Body J-J, Casimiro S, Costa L. Targeting bone metastases in
tumoral óssea documentada por cintigrafia óssea. prostate cancer: improving clinical outcome. Nature Reviews
Urology. 2015;12.6:340-56.
2. Quintela A, Rabaça C, Calais da Silva FM, et al. Recomendações
Terapêuticas para os Tumores Malignos do Tracto Geniturinário,
3.ª edição. Editor: F. Calais da Silva - Grupo Português Génito-
Urinário. 2010:102-174.
administrações. Avaliações mais precoces, logo 3. Gralow JR, Biermann JS, Farooki A, et al. NCCN Task Force Re-
após o final da terapêutica ou entre as adminis- port: Bone Health in Cancer Care. J Natl Compr Canc Netw.
2009;7 Suppl 3:S1-32.
trações, não parecem trazer informação adicio- 4. Smith MR, Saad F, Oudard S, et al. Denosumab and bone metas-
nal. Pelo contrário, devido à possibilidade de tasis-free survival in men with nonmetastatic castration-resistant
prostate cancer: exploratory analyses by baseline prostate-spe-
ocorrência de flare – que se traduz por um au- cific antigen doubling time. J Clin Oncol. 2013;31(30):3800-6.
mento de captação dos radiofármacos mapea- 5. Heidenreich A, Bastian PJ, Bellmunt J, et al. EAU guidelines on
prostate cancer. part 1: screening, diagnosis, and local treatment
dores de atividade osteoblástica e refletindo with curative intent-update 2013. Eur Urol. 2014;65:124-37.
precisamente a ocorrência de boa resposta à 6. Etchebehere EC, Milton DR, Araujo JC, Swanston NM, Macapin-
lac HA, Rohren EM. Factors affecting (223)Ra therapy: clinical
terapêutica –, as avaliações intermédias ou mui- experience after 532 cycles from a single institution. Eur J Nucl
to precoces podem dar uma ideia errada de Med Mol Imaging. 2016;43(1):8-20.
7. Parker C, Nilsson S, Heinrich D, et al. Alpha Emitter Radium-223
ausência de resposta à terapêutica ou mesmo and Survival in Metastatic Prostate Cancer. N Engl J Med. 2013;
369(3):213-23.
de doença óssea em progressão. Os critérios 8. Bruland ØS, Nilsson S, Fisher DR, Larsen RH. High-linear energy
para avaliação da resposta imagiológica à tera- transfer irradiation targeted to skeletal metastases by the alpha-
emitter 223Ra: adjuvant or alternative to conventional modali-
pêutica deverão ser consensualizados e estabe- ties? Clin Cancer Res. 2006;12(20 Pt 2):6250s-7s.
lecidos, de modo a permitir uma avaliação o 9. Hague C, Logue JP. Clinical experience with radium-223 in the treat-
ment of patients with advanced castrate-resistant prostate cancer
mais objetiva possível, desejavelmente quantifi- and symptomatic bone metastases. Ther Adv Urol. 2016;8(3):175-80.
cável. Uma avaliação objetiva com quantificação 10. El-Amm J, Aragon-Ching JB. Targeting Bone Metastases in Met-
astatic Castration-Resistant Prostate Cancer. Clin Med Insights
da resposta óssea é mais adequadamente con- Oncol. 2016;10(Suppl 1):11-9.
seguida recorrendo a PET/TC óssea com FNa-F18 11. Kairemo K, Joensuu T. Radium-223-Dichloride in Castration Re-
sistant Metastatic Prostate Cancer-Preliminary Results of the
do que à cintigrafia óssea, esta última mais fre- Response Evaluation Using F-18-Fluoride PET/CT. Diagnostics
quentemente realizada mas habitualmente as- (Basel). 2015;5(4):413-27.
12. Polascik TJ. Bone health in prostate cancer patients receiving
sente numa interpretação visual e subjetiva das androgen-deprivation therapy: the role of bisphosphonates.
imagens cintigráficas. Prostate cancer and prostatic diseases. 2008; 11.1:13-9.

62 100 perguntas chave no cancro da próstata


Capítulo 10

Controlo sintomático
da doença metastizada

F. Gonçalves, G. Melo, J. Oliveira, D. Roda, M. Cruz e R. Freitas

91. COMO AVALIAR A dor pode ser definida numa base temporal
E CARATERIZAR A DOR em: aguda (com início bem definido, geralmente
ONCOLÓGICA? associada a sinais físicos e objetivos com hipera-
tividade simpática) e crónica (padrão temporal
A dor tem um elevado impacto na qualidade menos bem definido e com mecanismos fisiopa-
de vida dos doentes e suas famílias. Entre 30- tológicos distintos). Quanto aos mecanismos res-
50% dos doentes com cancro da próstata (CP) ponsáveis pela sua sustentação, a dor pode ser
apresentarão dor em algum momento da sua dividida em três grandes categorias: nociceptiva,
doença e 90% nas fases mais avançadas. Ainda neuropática e idiopática1.
que apenas uma minoria dos doentes com diag-
nóstico recente de CP apresente doença óssea 92. QUAIS AS ESTRATÉGIAS
metastática, aproximadamente 75-100% vão de- FARMACOLÓGICAS DE CONTROLO
senvolvê-la no curso da doença, principalmente DA DOR?
aqueles com carcinomas de alto grau e refratários
à hormonoterapia. Utilizamos a escada analgésica da Organiza-
A abordagem da dor oncológica deve ser sem- ção Mundial de Saúde (OMS) como o guia prin-
pre multidimensional. A sua avaliação deve ter cipal para o tratamento da dor no cancro. é cons-
em conta em primeiro lugar a localização, a in- tituída por três degraus que permitem o processo
tensidade, as caraterísticas, a irradiação, o padrão de seleção de determinado fármaco em função da
temporal, a resposta obtida com tratamentos pré- intensidade da dor:
vios, os sintomas associados, o impacto emocio- –– Degrau I (dor ligeira): paracetamol e anti-in-
nal, etc. Em segundo lugar, devemos determinar flamatórios não esteroides (AINE);
qual o provável mecanismo fisiopatológico e, em – – Degrau II (dor moderada): codeína e tra-
terceiro lugar, avaliar se a etiologia da dor está madol;
relacionada com o cancro ou os seus tratamentos –– Degrau III (dor intensa): morfina, oxicodona,
ou se não tem relação com a doença oncológica. hidromorfona, metadona, tapentadol, fenta-
Como instrumentos de avaliação, existem es- nil e buprenorfina.
calas unidimensionais e multidimensionais, de Em todos os escalões se podem associar fár-
auto e heteroavaliação. Em cuidados paliativos, a macos adjuvantes (anticonvulsivantes, antidepres-
escala mais usada é a Edmonton Symptom As- sivos, corticosteroides), úteis para o controlo da
sessment System. No caso da dor, solicita-se ao dor com caraterísticas neuropáticas.
doente para pontuar de 0 (sem dor) a 10 (dor O tratamento da dor deve iniciar-se no esca-
máxima). lão correspondente à sua intensidade.

100 perguntas chave no cancro da próstata 63


F. Gonçalves, et al.

No CP pode observar-se dor pélvica secundá- é altamente efetiva para o controlo da dor, com
ria à invasão locorregional, mas mais frequente é possibilidade de redução ou até suspensão dos
a presença de dor óssea metastática. Frequentes analgésicos, melhoria funcional e diminuição do
são também as complicações associadas à pre- risco de fratura óssea.
sença destas metástases, de que se destacam as A cirurgia ortopédica nas fraturas patológicas
fraturas patológicas, a compressão medular e a (em casos selecionados) tem como objetivo prin-
hipercalcemia. Os bifosfonatos (o ácido zoledró- cipal preservar ou reestabelecer a função, mas
nico é o único aprovado pela Food and Drug também é útil no controlo da dor.
Administration [FDA]) têm demonstrado benefício A estimulação elétrica transcutânea dos ner-
na redução do risco destas complicações e na vos, a acupuntura, a hipnose, a musicoterapia,
estabilização ou regressão das lesões ósseas. Exis- a aromaterapia, entre outras, são alternativas
te igualmente evidência do seu potencial analgé- credíveis e complementares ao correto controlo
sico, especialmente quando a doença é difusa. da dor3.
Os radioisótopos samário-153 e estrôncio-89
são igualmente úteis para o tratamento da dor 94. QUE ATITUDES TOMAR
em mais de 75% dos doentes com CP com doen- NA COMPRESSÃO MEDULAR?
ça metastática multifocal osteoblástica2.
O corpo vertebral é o local de metastização
93. QUAIS AS TÉCNICAS mais frequente, seguido pelo fémur e pela pél-
INTERVENTIVAS E/OU INVASIVAS vis. Consequentemente, o CP é a segunda pa-
DE CONTROLO DA DOR? tologia que mais frequentemente origina com-
pressão medular, sendo a primeira o cancro do
A dor pode ser controlada eficazmente com pulmão. A metastização sintomática epidural (ple-
medidas simples em 80% dos casos, e os analgé- xo de Batson) lombar e cervical surge em cerca
sicos opioides são os fármacos de eleição para a de 27 e 6% dos doentes, respetivamente.
abordagem da dor moderada a intensa. Nos res- A compressão extrínseca medular condiciona
tantes 20% será necessário uma intervenção mais obstrução venosa progressiva, conduzindo a ede-
complexa, que inclua o uso de estratégias tera- ma vasogénico. Nesta fase, a administração de
pêuticas farmacológicas e não farmacológicas. corticoides em alta dose (dexametasona) é extre-
Os bloqueios nervosos e os métodos neu- mamente benéfica. A progressão da compressão
roablativos usam-se cada vez menos, à medida conduz a uma diminuição do fluxo sanguíneo
que se refina o uso dos opioides. A neuroablação local, desmielinização, isquemia e enfarte medu-
não é permanente, nem sempre é bem-sucedida lar. Existe, portanto, uma janela temporal entre a
e tem uma alta incidência de efeitos laterais. instalação dos sintomas neurológicos e a comple-
Os bloqueios terapêuticos podem ser usados ta perda de função. A administração atempada
para: dor que responde aos analgésicos; para de radiação, quimioterapia ou cirurgia poderá es-
reduzir a dose; reduzir os efeitos laterais e au- tabilizar ou reverter o quadro neurológico.
mentar o alívio da dor; dor que não responde à A radioterapia (RT) (Fig. 1) é o tratamento de
medicação apesar do uso de doses adequadas de eleição inicial, exceto nos casos de muito rápida
opioides e adjuvantes e do controlo de fatores progressão clínica secundária a severa destruição
psicológicos, etc. Efeitos laterais possíveis são a óssea com instabilidade e/ou ao colapso do corpo
lesão de estruturas adjacentes, neuralgias, anes- vertebral. O CP é considerado moderadamente
tesia dolorosa, fraqueza motora e distúrbios auto- radiossensível, pelo que os esquemas de RT tipi-
nómicos. camente administrados variam entre 20 Gray em
Quando a dor óssea é secundária a metastiza- 5 frações e 30 Gray em 10 frações4. Regimes de
ção óssea localizada, a radioterapia externa (EBRT) hipofracionamento extremos estão em estudo4.

64 100 perguntas chave no cancro da próstata


Controlo sintomático da doença metastizada

Figura 2. Planeamento dosimétrico


de radioterapia em contexto pós-cirúrgico.
Figura 1. Planeamento dosimétrico
de radioterapia na compressão medular.
A fixação cirúrgica com técnicas de encavilha-
mento medular, fixação externa ou colocação de
A cirurgia poderá proporcionar uma descom- próteses de titânio, é o tratamento indicado nos
pressão rápida, permitindo, no mesmo procedi- ossos longos. Na coluna vertebral, técnicas de
mento, a estabilização mecânica quando a fixa- vertebroplastia e cifoplastia estão indicadas na
ção óssea é possível. estabilização de achatamentos e fraturas do cor-
A RT continua a ter indicação em contexto po vertebral. Na pélvis, a fixação não está indica-
paliativo pós-cirúrgico (exceto nos doentes pre- da exceto se envolver a região acetabular5.
viamente irradiados) proporcionando otimização A RT (Fig. 2) em contexto paliativo/pós-cirúr-
dos resultados clínicos. Preconiza-se um intervalo gico pode estar indicada no controlo da dor local
mínimo de três semanas entre os referidos proce- e na diminuição da probabilidade de progressão
dimentos. tumoral, com consequente perda de estabilida-
de do material ortopédico instalado. Intervalos de
95. QUE ATITUDES TOMAR dose entre 8 e 30 Gray estão indicados neste
EM SITUAÇÃO DE FRATURA cenário clínico.
PATOLÓGICA?
96. COMO TRATAR
O CP evidencia um forte tropismo para a me- A METASTIZAÇÃO CEREBRAL?
tastização óssea. O tamanho e o tipo de lesão
metastática, o nível de dor, a localização topográfica A metastização cerebral é extremamente rara.
óssea e o envolvimento circunferencial de destrui- O aumento da sobrevivência dos doentes com CP,
ção da cortical óssea (score de Mirels) são impor- com a introdução de novos fármacos, poderá
tantes fatores preditivos do risco de fratura óssea antever um aumento de incidência da metastiza-
patológica. O risco de fratura do fémur é de 80% ção cerebral.
quando a destruição cortical é superior a 50%. A clínica neurológica assemelha-se à da me-
Doentes com uma fraca esperança de vida não tastização cerebral de qualquer outro tumor pri-
devem ser submetidos a procedimento cirúrgico. mário.
Neste caso, a imobilização e a RT podem oferecer A terapêutica inicial, quando justificada, deverá
algum conforto em contexto antálgico. iniciar-se com corticoides que, comprovadamente,

100 perguntas chave no cancro da próstata 65


F. Gonçalves, et al.

Figura 3. Planeamento dosimétrico para radiocirurgia.

reduzem o edema e os défices neurológicos fo- eloquentes e em doentes com esperança de vida
cais em cerca de dois terços dos doentes. superior a três meses. A RT, holocraniana ou di-
A RT holocraniana ou a radiocirurgica, conti- rigida à loca cirúrgica/resíduo lesional, deverá ser
nua a ser considerada o standard of care, deven- equacionada em contexto pós-cirúrgico.
do ser iniciada precocemente.
A irradiação de todo o conteúdo craniano está 97. COMO PREVENIR E TRATAR
indicada em doentes com múltiplas lesões, baixo A CAQUEXIA?
Karnofsky Performance Status [KPS] ou uma espe-
rança de vida inferior a três meses. A dose de ra- A síndrome de anorexia-caquexia é um pro-
diação e o esquema de fracionamento continuam blema frequente nos doentes com cancro avan-
a ser controversos, no entanto, tipicamente é çado. Nesta síndrome ocorre uma combinação
prescrita uma dose total de 30 Gray em 10 fra- sinérgica: por um lado, existe uma diminuição do
ções. A eventual preservação do hipocampo po- apetite e do anabolismo; por outro lado, há um
derá ser avaliada no sentido de conservar a me- aumento do catabolismo. Consequentemente,
mória de curto prazo. existirá uma perda ponderal gradual.
A radiocirurgia (Fig. 3) é uma técnica que uti- Há que diferenciar a síndrome de anorexia-
liza múltiplos feixes colimados, permitindo a irra- caquexia da desnutrição. A síndrome anorexia-ca-
diação precisa de lesões pequenas, geralmente quexia está associada a um aumento de inflamação
inferiores a 3 cm, com grande gradiente de dose. sistémica, proteólise e stress oxidativo. Os doen-
Esta modalidade, aplicada em sessão única, tes afetados têm níveis elevados de proteína C
permite a deposição de altas doses de radiação reativa e hipoalbuminemia. A desnutrição é, pre-
(15 a 24 Gray) de forma extremamente conformada, dominantemente, devida a uma redução da in-
poupando ao máximo o tecido cerebral normal6. gestão energética.
O procedimento neurocirúrgico poderá ser A abordagem é multidisciplinar, envolvendo
ponderado quando se tratam de lesões solitá- aconselhamento nutricional e um tratamento mul-
rias superiores a 3 cm, em áreas cerebrais não timodal.

66 100 perguntas chave no cancro da próstata


Controlo sintomático da doença metastizada

No estádio pré-clínico ou pré-caquexia (em a colocação de um cateter por impossibilidade


que a perda ponderal é inferior a 5% nos últimos de visualização do meato ureteral. Nessas situa-
seis meses), a prevenção da síndrome propria- ções, a colocação de uma nefrostomia percutâ-
mente dita é proporcional ao esforço para con- nea solucionará o problema. De facto, muitos
trolar a doença de base. Faz sentido a referencia- autores utilizam a nefrostomia percutânea como
ção precoce a um nutricionista, a suplementação solução de resgate, contudo, estudos compara-
calórica e a colocação de procedimentos para tivos revelaram comparabilidade em termos de
alimentação entérica ou parentérica. O modelo é complicações e mesmo em termos de qualidade
curativo. de vida.
O tratamento da caquexia é paliativo, focan- Não se verifica uma diferença de sobrevida
do-se mais no doente do que na doença que o (OS) quando apenas uma unidade renal era deri-
afeta. O esforço é feito no sentido da melhoria vada. Atendendo a que a OS mediana dos doen-
do estado subjetivo do doente/cuidador/família tes que se apresentam com obstrução ureteral é,
e do bem-estar global. A prescrição de progesta- geralmente, inferior a um ano, caberá ao clínico
tivos ou de corticosteroides (curta duração) é útil, decidir se a derivação facilita a terapêutica, palia
visando mais o controlo da anorexia do que a sintomas ou mesmo que não melhorará a situa-
recuperação da massa magra7. ção clínica do doente8.

98. COMO TRATAR COMPLICAÇÕES 99. COMO TRATAR COMPLICAÇÕES


DA PROGRESSÃO LOCORREGIONAL DA PROGRESSÃO LOCORREGIONAL
(ALTA)? (BAIXA)?

A incidência estimada de obstrução do alto A uropatia obstrutiva foi, em tempos, a apre-


aparelho urinário no contexto de progressão de sentação mais comum do CP. Todavia, com o
CP varia entre 3,3 e 16%. Em 80% dos casos a aparecimento do antigénio prostático específico
obstrução relaciona-se com a invasão do trígono (PSA) no final da década de 80, verificou-se uma
e meatos ureterais, enquanto em 20% dos casos transição para o diagnóstico numa fase mais pre-
decorre de compressão do terço inferior do uré- coce da doença. Ainda assim, cerca de 10% dos
ter. Em termos de tratamento, estudos da década doentes apresentam ao diagnóstico uma neopla-
de 70 indicam que em 85% dos casos é expetá- sia localmente avançada ou metastizada.
vel uma resposta após orquidectomia bilateral. A obstrução infravesical é resolvida com a
A forma mais comum de desobstrução do alto colocação de uma sonda vesical por via uretral
aparelho urinário é através da colocação de um ou cistostomia suprapúbica. Uma vez resolvida a
cateter duplo J sob controlo fluoroscópico. Toda- obstrução, dependerá do estádio da doença e do
via este procedimento no contexto de progres- estado doente a sua orientação terapêutica. To-
são de neoplasia da próstata tem uma taxa de davia, muitos dos doentes nestes estádios já não
falência que ronda os 44-55%, relacionada com são candidatos a terapêutica com intuito curativo.
compressão extrínseca ou incrustação. Uma so- Estudos dos anos 80 indicavam que 65% dos
lução para tal, passa pela colocação de dois ca- doentes eram desalgaliados ao fim de seis meses
teteres duplo J em paralelo, ou então a colocação pós início de hormonoterapia. No caso de orqui-
de cateteres ureterais metálicos, sobretudo em dectomia bilateral, sê-lo-iam, em média, um mês
doentes que não pretendem colocar nefrostomia. mais precocemente. Um estudo de 2008 indicava
Estes últimos apresentam uma melhor resistência que a introdução precoce de hormonoterapia em
à compressão extrínseca, todavia estão associa- doentes com doença localizada, sem indicação
dos a complicações como reação hiperplásica ou para terapêutica com intuito curativo, estaria as-
migração. Em até 28% dos casos não é possível sociada a uma redução em termos de progressão

100 perguntas chave no cancro da próstata 67


F. Gonçalves, et al.

local sintomática. Contudo, o seu caráter retros- pressuposto que 69-82% dos doentes falecidos
petivo, assim como a sua população heterogénea teriam tido necessidade de cuidados paliativos,
tornam os resultados do estudo difíceis de extra- podemos determinar que existirão em Portugal
polar9. entre 72.299 e 85.923 doentes com necessidades
A resseção transuretral de próstata  (RTU-P) é paliativas.
o tratamento standard atual para obstrução infra- Num total de 27 unidades de internamento,
vesical por progressão locorregional. Apesar de com serviço público, existem 359 camas, o que
pouco estudada no contexto de neoplasia da prós- representa um ratio de 34,6 camas/106 habitan-
tata, uma revisão de 1990 indicava a necessidade tes e uma taxa de cobertura nacional de 38,2%.
de reoperação em 22% e 5% de incontinência Uma realidade de alguma adversidade e resis-
urinária. Uma alternativa em doentes criteriosa- tência tem permitido que um núcleo resiliente de
mente selecionados poderá ser a colocação de um profissionais continue a manter a informação so-
stent prostático/uretral, todavia a sua aceitação bre a premência destes cuidados, sendo bastante
global é baixa pela elevada taxa de complicações8. recompensador ver o interesse de gerações mais
novas de profissionais em trabalhar especifica-
100. QUAL O PAPEL mente nesta área10.
DOS CUIDADOS PALIATIVOS
E QUAL A COBERTURA NACIONAL? BIBLIOGRAFIA
1. Fisch M, Bruera E. (Eds.). Handbook of Advanced Cancer Care.
A medicina paliativa é uma área de grande Prostate Cancer. Cambridge University Press. 2003
potencial para melhorar a qualidade de vida dos 2. Bader P, Echtle D, Fonteyne V. Prostate cancer pain management:
EUA guidelines on pain manegement. World J Urol. 2012. Dis-
doentes e suas famílias, que enfrentam doenças ponível em: http://www.uroweb.org/guidelines/onlineguidelines.
ameaçadores de vida, entre as quais o cancro. 3. Bruera E, Hui D. Integrating supportive and palliative care in the
trajectory of cancer: establishing goals and models of care. J Clin
Centram o seu esforço na prevenção e alívio do Oncol. 2010;28:4013-7.
sofrimento, com a identificação precoce, avaliação 4. Rades D, et al. Evaluation of five radiation schedules and prog-
nostic factors for metastatic spinal cord compression. J Clin
e tratamento adequados da dor e outros sinto- Oncol. 2005;20;23(15):3366-75.
mas/problemas físicos, psicossociais e espirituais. 5. Perez, et al. Perez & Brady’s Principles and Practice of Radiation
Oncology, 6th edition. Lippincott Wiliams & Wilkins. 2013.
A nível mundial, várias sociedades têm reco- 6. May N. Tsao et al. Radiotherapeutic and surgical management
nhecido a necessidade de integrar os cuidados for newly diagnosed brain metastasis(es): An American Society
for Radiation Oncology evidence-based guideline. Pract Radiat
paliativos na abordagem dos doentes com cancro, Oncol. 2012;2(3):210-25.
em paralelo com outras terapêuticas com intuito 7. Fearon K, Strasser F, Anker SD, et al. Definition and classification
of cancer cachexia: an international consensus. The Lancet On-
curativo, para otimizar o conforto, a capacidade col. 2011;12(5):489-95.
funcional e o apoio social dos doentes e famílias 8. Friedlander J, Duty B, Okeke Z, Smith A. Obstructive Uropathy
from Locally Advanced and Metastatic Prostate Cancer: An Old
em todas as etapas da doença. Problem with New Therapies. Journal of Endourology. 2012;
Considera-se hoje que os cuidados paliativos 26(2):102-9.
9. Eastham JA, Kattan MW, Fearn P, et al. Local progression among
são um barómetro da qualidade do sistema de men with conservatively treated localized prostate cancer: results
saúde. from the Transatlantic Prostate Group. Eur Urol. 2008;53(2):
347-54.
Baseando-nos nos dados do Instituto Nacional 10. MacDonald N. Palliative care – an essential componente of can-
de Estatística (INE) para o ano de 2014, e no cer control. CMAJ. 1998;158:1709-16.

68 100 perguntas chave no cancro da próstata

Potrebbero piacerti anche