Política Externa Brasileira – Do Barão aos Generais
b. Noções Gerais
Com a queda do Império e o surgimento da República, a política
externa brasileira passa por transformações marcantes. A primeira delas seria a mudança do foco geopolítico da inserção internacional do país: o tratamento bilateral com os britânicos, em declínio desde a metade do século XIX, deixaria de ser o principal parceiro do Brasil; em seu lugar, os norte-americanos passariam a ser o centro das atenções da diplomacia brasileira. Outrossim, as relações do país com seus vizinhos sul-americanos melhorariam sensivelmente em função da simpatia republicana; esse efeito foi particularmente notável com a Argentina: as relações entre Buenos Aires e Rio de Janeiro ganharam novo status e foi possível, inclusive, a solução do último litígio territorial entre as duas nações. Assim, a Questão de Palmas (1895) foi finalmente decidida mediante arbitragem do governo norte-americano, com resultado francamente favorável ao pleito brasileiro. Além de representar um ganho territorial importante, esse evento possui um significado especial para a história diplomática brasileira: ele marca a ascensão do diplomata que revolucionaria a PEB - José Maria da Silva Paranhos, o Barão do Rio Branco.
Se, de 1889 a 1902, a PEB carece de uma grande linha de atuação
externa e se realiza, portanto, em movimentos oscilantes, a partir da nomeação de Paranhos como chanceler, a diplomacia brasileira ganharia contornos bem definidos e estrategicamente delimitados. Segundo Rubens Ricupero (2000), o Barão representou a síntese do que havia de melhor na PEB do Império e, ademais, modernizou e aperfeiçoou a diplomacia brasileira de tal modo que o seu legado é,
até os dias atuais, a principal referência sobre o ofício diplomático no país. Seu vastíssimo legado é objeto de inúmeras obras acadêmicas; a seguir, tentaremos sintetizar, ainda que de modo minimo, as principais características da década do Barão (1902-1912).
A diplomacia preconizada por Paranhos pode ser dividida em quatro
eixos fundamentais, os quais se complementam e interagem entre si: 1) a ideia de supremacia compartilhada na América do Sul, pautada pela convivência pacífica com as nações vizinhas, sobretudo com a Argentina (apesar de eventuais rusgas, como no caso da corrida naval no Prata); 2) a solução dos problemas lindeiros por vias pacíficas (cujo movimento mais marcante é o Tratado de Petrópolis, de 1903, com a Bolívia); 3) a defesa da imagem do Brasil no exterior e do agronegócio cafeeiro nas praças internacionais; 4) o Americanismo como principal diretriz da inserção internacional do Brasil no mundo. Esse último ponto é, sem dúvidas, o elemento de maior envergadura da política do Barão. Para o chanceler, o Americanismo não se confundia com subserviência ou alinhamento automático às posições norte-americanas; pelo contrário: a aproximação com os Estados Unidos – e, consequentemente, com a Doutrina Monroe - era a garantia de relações privilegiadas com a principal nação emergente do mundo ocidental, e, ao mesmo tempo, o reforço do prestígio brasileiro, sobretudo no continente sul- americano. Além dessas diretrizes, o Barão também imprimiu à diplomacia brasileira, de forma indelével, os princípios da igualdade soberana, do respeito ao Direito Internacional e do postulado da não- intervenção como pilares que, até hoje, guiam a PEB.
De fato, a diplomacia do Barão elevou o perfil internacional do Brasil
e foi de crucial importância para a solidificação dos conceitos-mestres que guiam a inserção externa do país. Com sua morte, a diplomacia da I República tenderia a manter o mesmo curso de ação delimitado pelo Barão, ainda que com menor sucesso devido aos constrangimentos externos e domésticos à execução da diplomacia brasileira. Para Cervo e Bueno, os anos que vão de 1912 a 1930 são marcados pelo apogeu e declínio da política de prestígio. O apogeu seria representado pela participação do Brasil na I Guerra Mundial, tendo sido o Brasil o único país latino-americano a tomar parte no conflito, ainda que, no plano militar, sua participação tenha sido absolutamente marginal. De todos os modos, a não-neutralidade
brasileira assegurou a participação do país no concerto das nações em Versalhes e, consequentemente, fez com que o Brasil figurasse entre um dos Estados signatários da Liga das Nações. A Liga, que fora motivo de orgulho para a diplomacia brasileira, seria, em 1926, palco de um dos movimentos mais desastrados da diplomacia pátria, de acordo com Amado Cervo. Desde que iniciou sua participação na organização, o Brasil pleiteava um assento no conselho permanente da instituição. Na visão dos diplomatas brasileiros, a concessão do assento seria o reconhecimento da posição de prestígio do Brasil no sistema internacional. Contudo, motivada por uma visão míope e pouco realista de suas próprias capacidades, a diplomacia brasileira transformou um interesse legítimo em uma obsessão prejudicial: em 1926, havia uma expectativa geral na comunidade internacional de que a Alemanha seria admitida na Liga das Nações e, assim, daria início a uma nova era das relações internacionais, deixando para trás os anos amargos da I Guerra Mundial. Tudo conspirava para tal fato: um ano antes, em 1925, os chanceleres do Reino Unido, França e Alemanha assinariam uma série de tratados conhecidos como os Acordos de Locarno, os quais marcavam um novo espírito nas relações entre as três potências centrais do Velho Continente. Assim, o próximo passo era a admissão de Berlim na Liga; no meio do caminho, entretanto, estava a diplomacia brasileira, ou, como salienta Amado Cervo e Francisco Doratioto, a histriônica diplomacia do governo Artur Bernardes. O governo Bernardes havia sido um dos mais conturbados da I República: agitações tenentistas e crises sucessivas no preço do café fizeram com que o presidente governasse sob Estado de Sítio, durante quase todo seu governo. Por essas razões, Bernardes via a política externa como a última esperança de um legado positivo no seu currículo. Como a aceitação de novos membros na Liga dependia do consenso de todos os países (qualquer voto contra vetaria a entrada da Alemanha), o Brasil condicionou seu voto à concessão do assento permanente que tanto almejava. Diante da negativa das potências, o Brasil não hesitou: vetou, sob ordens expressas de Bernardes, a entrada da Alemanha. Como consequência, o Brasil virou alvo de ataques de todos membros da Liga, inclusive de países sul-americanos e outras nações até então simpáticas à diplomacia brasileira. Isolado e sem nenhum prestígio, o Brasil se retiraria da Liga e amargaria relativo isolamento diplomático até o final da I República. Para Amado Cervo, a diplomacia histriônica de Bernardes
errou ao adotar uma leitura equivocada da posição do poder de barganha do Brasil e, ao alimentar uma visão irrealista sobre o prestígio do país, protagonizou o episódio que, até hoje, é lembrado como um dos desvios mais graves da tradição moderada que caracteriza a diplomacia pátria.
Após o lamentável episódio da Liga, a diplomacia brasileira seria
marcada pelo retraimento e pela discrição. Em 1930, entretanto, o cenário mudaria radicalmente, tanto no plano interno, com a ascensão de Vargas, quanto no plano externo, com a implosão do liberalismo político e econômico que caraterizara as relações internacionais até o crash de 29. Da crise até o ano de 1933, a diplomacia brasileira ocupar-se-ia, basicamente, da defesa internacional do preço do café, ainda a principal commodity do país e setor do qual dependia a economia nacional. Diante da insustentável crise internacional, ocorrem mutações na economia brasileira que marcariam toda a trajetória da política brasileira no século XX: mediante a intervenção estatal em praticamente todos os setores da economia, o Brasil transitaria de uma economia rural para uma economia industrial. A política externa seria, nesse sentido, uma componente essencial desse processo modernizador: por meio da diplomacia, o Brasil negociaria acesso a capitais estrangeiros e à tecnologia dos quais o país carecia. Desse modo, a questão do desenvolvimento nacional tornar-se-ia uma das preocupações permanentes do Itamaraty, traço que, até hoje, marca nossa diplomacia.
Em 1933, o mundo era um lugar bem diferente daquele que, em
1919, Woodrow Wilson, pai do idealismo liberal pós-guerra, havia imaginado. Na Itália e na Alemanha, o fascismo e o nazismo ganhavam apoio popular e, cada vez mais, passavam a questionar o status quo estabelecido em Versalhes; na Ásia, o Japão expandia seu império à revelia dos britânicos e dos americanos; por fim, na URSS, Stalin dava prosseguimento, à ferro e fogo, ao seu Plano Quinquenal. Era diante desse quadro substancialmente conturbado que o Brasil precisava inserir-se. A estratégia desenvolvida pelo governo seria denominada, por Gerson Moura, de “Equidistância Pragmática”: assim como no plano doméstico, Vargas possuía inegável talento para negociar com os diferentes lados da moeda, conseguindo, desse modo, extrair os resultados mais favoráveis ao Brasil. Assim o fez no
plano externo: por um lado, em 1935, assina com os EUA um tratado de livre-comércio e se aproxima da figura do presidente Roosevelt, dentro do espírito da “Política da Boa Vizinhança” de Washington; do outro, em 1936, firma com a Alemanha nazista um acordo de comércio compensado que permitia a troca vantajosa de produtos agrícolas por itens industrializados produzidos por Berlim. Essa barganha diplomática tinha como objetivo maximizar os ganhos do Brasil em prol da industrialização e foi, até 1939, uma estratégia extremamente bem-sucedida. A partir dessa data, já com Oswaldo Aranha como chanceler, a equidistância pragmática entra no que Gerson Moura denomina de “equilíbrio difícil”: em função do início da Segunda Guerra e o consequente fechamento do Atlântico à livre- navegação, o comércio entre Brasil e Alemanha se torna pouco viável; simultaneamente, cresce a pressão dos norte-americanos para que o Brasil adote posição contrária ao Eixo (mesmo que, desde de 1937, o Estado Novo ganhasse contornos autoritários que se assemelhavam, em alguma medida, com esses regimes de força). Em 1942, ano em que o Japão ataca Pearl Harbor e assim atrai os EUA para o conflito mundial, a pressão se intensifica: o Brasil então sedia a Conferência de Chanceleres do Rio de Janeiro onde Vargas negocia e acerta o rompimento do Brasil com as potências do Eixo. Desse modo, o Brasil entrava na Guerra. Teria participação modesta, mas bem mais significante do que aquela na I GM: enviaria tropas para o front e seria importante ponto de apoio estratégico para os Aliados, fosse como fornecedor de matérias-primas, fosse como ponte territorial para o teatro de operações africano. Em troca, o Brasil lograria empréstimos, a modernização de parcela de suas forças armadas e, principalmente, os capitais e a tecnologia para a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, indústria que representava um salto estrutural na capacidade de industrialização do país. Ademais, o Brasil estaria, ao final do conflito, uma vez mais no bloco dos vencedores e participaria, portanto, da fundação da nova ordem em gestação.
Com o fim da Guerra, as condições sistêmicas mudam novamente. O
governo de Dutra assume acreditando ser um parceiro privilegiado dos norte-americanos que, então, despontavam como superpotência. Com a mudança da correlação de forças no jogo internacional e com o deslocamento do interesse norte-americano para o cenário europeu (em função da tensão com o comunismo soviético), o Brasil seria
relegado à posição menor na política externa estadunidense. Desse modo, o alinhamento do Brasil de Dutra com Washington seria “sem recompensas” e duraria somente até 1947, ano em que os estadistas brasileiras se dão conta de que seria difícil repetir os mesmos trunfos que Vargas havia conseguido antes. O Brasil havia, uma vez mais, saído triunfante do conflito mundial para desaguar em expectativas frustradas (ainda que desta vez, as condições sistêmicas fossem mais desfavoráveis ao Brasil).
Em 1950, Vargas retorna ao assento presidencial. O mandato de
Vargas seria marcado por forte pressão nacionalista no plano doméstico e por acirramento da Guerra Fria no plano externo. O Brasil insistiria em uma parceria privilegiada com os EUA, tentando, nesse sentido, um “alinhamento negociado”; contudo, os resultados foram parcos: comissões técnicas – como a Comissão Brasil-EUA -, tinham o objetivo de superar os gargalos produtivos que impediam a industrialização do Brasil, mas careciam da boa vontade norte- americana na liberação de capitais. Internamente, o acirramento da disputa entre grupos internos levaria ao trágico desfecho do suicídio de Getúlio (retardando o golpe militar até 1964) e marcaria o fim da política externa varguista.
Com a eleição de JK – após o breve interregno Café Filho, visto como
um “hiato liberal” na política doméstica e externa – a diplomacia começaria ganhar novos contornos que definiriam, de modo abrangente, o modelo de inserção do Brasil de 1955 a 1964. De fato, JK depara-se com um sistema internacional em mutação: coexistência pacífica entre as potências, recuperação da Europa e do Japão no quesito econômico, surgimento do movimento dos não- alinhados em Bandung e, finalmente, fissuras no bloco comunista e capitalista, cujo maior exemplo seria a Revolução Cubana, que afetaria decisivamente a diplomacia continental na América Latina. Nos anos do Plano de Metas, a PEB foi caracterizada por uma Política Externa do desenvolvimentismo associado, isso é, estaria focada, sobretudo, em atrair capitais para a consecução do ambicioso programa de industrialização em marcha forçada preconizado por Kubitschek. A maior iniciativa do governo foi a Operação Panamericanca (OPA), criada em 1958 com o intuito de associar a ideia de financiamento externo com a questão do combate do comunismo. Na Europa, o Plano Marshall havia conseguido resultados
impressionantes na reconstrução econômica do Velho Continente; já as nações latino-americanas, relegada ao segundo plano na estratégia global de Washington, continuava sofrendo de problemas estruturais crônicos. Com a OPA, a diplomacia brasileira ligaria seu interesse maior – desejo por capitais – com o objetivo maior dos americanos – combate às “ideologias estranhas”; assim, JK conseguiu multilaterizar a campanha por assistência financeira e técnica e deu maior fôlego e legitimidade à capacidade do Brasil de negociar com Washington. Apesar de os resultados terem sido abaixo do esperado pelo governo brasileiro, a OPA deixou um legado importante: influenciou a criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento e firmou a ALADI, primeiro projeto de cooperação econômica entre os países latinos. Ademais, influenciaria, ainda que a posteriori, a iniciativa norte-americana da Aliança para o Progresso.
A diplomacia de toda zona latino-americana seria sacudida pela
Revolução Cubana de 1959. Com o recrudescimento da retórica capitalismo vs. socialismo no continente, a diplomacia precisou, novamente, readaptar-se. Com Jânio e Jango, ocorre o movimento denominado de Política Externa Independente (PEI), que, junto com o Barão e o Pragmatismo Responsável de Geisel, seria uma das maiores inflexões da diplomacia brasileira no século XX. A PEI tomou de empréstimo elementos autonomistas presentes na política externa de JK e aprofundou-os diante das condições sistêmicas que encontrou, interna e externamente, durante a complicada primeira metade da década de 1960. A PEI compreende dois governos – Jânio e Jango – e foi o produto de, principalmente, três chanceleres: Afonso Arinos, San Tiago Dantas e Araújo Castro. No plano das diferenças, enquanto a PEB de Jânio era diretamente influenciada pela retórica afetada e teatral do presidente, com João Goulart a PEI torna-se mais pragmática e institucionalizada, resultado do maior direcionamento e consistência imprimidos pelo Itamaraty. De modo geral, a PEI caracteriza-se por cinco grandes eixos de atuação: 1) a desideologização das RI (ou seja, um pragmatismo em função do interesse nacional e não de ideologias); 2) a mundialização das relações internacionais do Brasil (embrião do que, atualmente, chamamos de multilateralismo); 3) o tema da descolonização (em função da onda de libertação das nações afro-asiáticas); 4) independência nas decisões de política externa (representação do desejo de autonomia do Brasil frente às duas superpotências); 5) a
bissegmentação do sistema internacional não somente em conflito leste-oeste, mas também em tensões Norte-Sul, entre desenvolvidos e subdesenvolvidos). Como pode se observar, a PEI marca uma inflexão retórica e pragmática na história da PEB. Por outro lado, conservou elementos como o princípio da não-intervenção, o qual defendeu com afinco no caso da suspensão cubana da OEA (em votação que o Brasil, e mais cinco países latino-americanos, abstiveram-se, contra a vontade dos EUA). Além disso, o Brasil expandiu significativamente seus contatos bilaterais, inclusive com países do bloco soviético; o país também levantou a bandeira da descolonização ainda que, no plano da prática, deixasse a desejar nas suas ações anticoloniais sobretudo por causa de seu relacionamento privilegiado com Portugal; e, finalmente, o Brasil inaugurou uma fase de grande participação nos mecanismos multilaterais como a ONU, a UNCTAD, o Comitê do Desarmamento, entre outras OI’s. Nesse contexto, destaca-se o histórico discurso de Araújo Castro na Assembleia Geral das Nações Unidas (1963), no qual o chanceler mapeou a diplomacia brasileira de acordo com os 3 “D’s” que guiavam a PEI: desenvolvimento, descolonização e desarmamento.
A PEI deixou um legado intelectual que, até hoje, reverbera na
diplomacia brasileira. O agravamento da crise interna, entretanto, pôs fim abrupto ao regime trabalhista de João Goulart por meio de um golpe civil-militar que inaugurou um largo período de autoritarismo. Ao assumir o governo, o General Castello Branco (1964-1967) discursou contra a PEI, vista como produto de ideologias de esquerda (posição que, entretanto, é taxativamente equivocada do ponto de vista histórico. Basta recordar, por exemplo, que Afonso Arinos, um dos chanceleres da PEI, era udenista). Assim, Castello reformaria a PEB e tentaria trazê-la de volta ao que os militares ilustrados da Escola Superior de Guerra consideravam a normalidade da diplomacia brasileira; segundo a historiografia, porém, aquilo que Castello via como o retorno aos tempos áureos do Barão não passava de um anacronismo inviável diante de um mundo em franca transformação. Assim, Cervo e Bueno consideram a diplomacia de Castello Branco como um passo fora da cadência. De fato, o governo militar condicionaria a atuação diplomática à aliança ideológica, política e militar, com os EUA: repetiria, portanto, o erro do alinhamento automático, agora acrescido da ideologia da “segurança coletiva” do mundo ocidental como pedra de toque da retórica
militaresca. Em pouco tempo, essa estratégia se demonstraria equivocada, já que pouco lucrou o Brasil de sua relação com os EUA. Conclui-se, desse modo, que a diplomacia de Castello foi um anacronismo resultante de uma leitura pobre e altamente ideologizada (pelo viés da casa militar) sobre o sistema internacional.
Tal foi o erro de Castello que seus sucessores militares modificariam,
uma vez mais, os rumos da PEB. Costa e Silva (1967-1969) inauguraria a “Diplomacia da Prosperidade”, e Médici (1969-1973) criaria a “Diplomacia do Interesse Nacional”. Ainda que tenham diferenças pontuais, as duas diretrizes representavam uma correção de rumos em relação a Castello e o retorno de uma diplomacia mais pragmática, focada em retornos materiais para o país, rejeitando, portanto, alinhamentos automáticos. Ambas eram produto da “linha dura” dos militares nacionalistas que assumiram o regime: assim, se no plano interno esses governos foram responsáveis pelo pior momento da repressão violenta e autoritária, no plano externo eles produziram uma política externa de melhores resultados que seu antecessor. Nesse período, um dos maiores destaques da diplomacia foi o chamado “périplo africano” de Mário Gibson Barbosa, iniciativa que inaugurou uma nova fase de relacionamento externo com o continente africano e que se solidificaria como uma vertente fundamental da inserção brasileira no mundo, pelo menos até o fim da década de 1980.
Com Geisel (1973-1979) os elementos autonomistas e universalistas
ensaiados por Médici e Costa e Silva ganhariam maior densidade e consagrariam o chamado “Pragmatismo Responsável e Ecumênico”. Reflexo de distensões domésticas – abertura do regime militar – e externas – détente, fim do arco de descolonização, e novas fontes de capital em função dos petrodólares pós-choque de 1973 -, o Pragmatismo Responsável obteve resultados expressivos. Universalizou a PEB e atuou de modo autônomo, sendo, inclusive, o primeiro país a reconhecer a independência do regime marxista implantado em Angola. Esse episódio é simbólico, pois demonstra que o Brasil guiava-se, de fato, por interesses econômicos pragmáticos, sem condicionantes ideológicas que pudessem limitar os ganhos diplomáticos. É preciso compreender o Pragmatismo Responsável em conjunto com o ambicioso II Plano Nacional de Desenvolvimento de Geisel, pacote econômico que visava completar
o longo arco do nacional-desenvolvimentismo iniciado por Vargas em 1930. Desse modo, a diplomacia priorizou os contatos econômicos de forma a conseguir capitais e tecnologia para concluir seu processo de industrialização. Exemplo maior dessa transformação se dá no plano da energia: o Brasil era, até a década de 1970, dependente de importações de petróleo; com a crise de 1973 e a inflação repentina do barril de petróleo, o Brasil modifica sua estratégia e passa, via endividamento externo, a investir massivamente na sua indústria de extração de petróleo de modo a reduzir sua dependência externa. Essa estratégia, bem-sucedida no longo prazo, é um dos resultados mais evidentes do pragmatismo de Geisel. Até os dias atuais, a política externa do general é referência elementar para a formulação da diplomacia brasileira; há, inclusive, muitos autores que percebem diversos paralelos entre a política externa de Geisel e a política externa de Lula, ambas como expressões de uma inserção pragmática e ambiciosa do Brasil no plano externo.
O último general a ocupar o posto da presidência foi João Figueiredo
(1980-1985). Em linhas gerais, a PEB desses anos finais do regime militar manteve os aspectos universalistas (principalmente terceiro- mundistas) e pragmáticos do seu antecessor; entretanto, angariou muito menos resultados em função de um quadro externo e interno bem mais complicado. Enquanto a Guerra Fria entrava em uma nova e derradeira fase “quente” com Ronald Reagan, o Brasil enfrentava os efeitos do endividamento excessivo e o esgotamento da capacidade de financiamento externo (sobretudo em função da política de altos juros praticada pelos EUA). Assim, a crise da dívida minaria a capacidade de ação do Brasil.
Esse brevíssimo histórico evidencia a longa trajetória da PEB no
século XX. Entre seus vários movimentos e reações, destacam-se a política de prestígio do Barão, a Política Externa Independente e o Pragmatismo Responsável como as três maiores inflexões da PEB, as quais, até hoje, influenciam de modo decisivo o pensamento diplomático brasileiro. É possível observar, além disso, a constância de alguns aspectos fundamentais da diplomacia brasileira nesse longo período: a busca constante por autonomia, a preocupação prioritária como o desenvolvimento nacional, e a atuação principista (em defesa da não-intervenção e do primado do Direito Internacional), são
alguns dos elementos que podem ser verificados na constância diplomática do Itamaraty, até os dias atuais.
c. Leitura sugerida
CERVO, Amado Luiz & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior
do Brasil. Brasília: UnB, 2002.
FILHO, Synesio Sampaio Goes. Rio Branco, inventor da história.
BARÃO DO RIO BRANCO. 100 ANOS DE MEMÓRIA. FUNAG. Brasilia. 2012. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/1007-Barao_do_Rio_Branco_- _100_anos_de_memoria.pdf
RICUPERO, Rubens. Rio Branco: O Brasil no Mundo. São Paulo:
Contraponto, 2000.
d. Leitura complementar
A Cobra Fumou - O Brasil na 2ª Guerra
https://www.youtube.com/watch?v=Z726h2euqBs O documentário A cobra fumou (2003), de Erik de Castro, ajuda a conhecer um pouco mais sobre a participação da FEB, a Força Expedicionária Brasileira, na Segunda Guerra Mundial. O título faz referência à piada, que se fazia na década de 1940, de que seria mais fácil uma cobra fumar do que o Brasil enviar tropas para o grande conflito.
Autonomia na Política Externa Brasileira Ligiero, Luiz Fernando.
A autonomia na política externa brasileira : a política externa independente e o pragmatismo responsável: momentos diferentes, políticas semelhantes? / Luís Fernado Ligiero. – Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2011. 412 p. http://funag.gov.br/loja/download/877- Autonomia_na_Pol%C3%ADticaExBs.pdf
CERVO, Amado. Política exterior e relações internacionais do Brasil:
conteúdos. Discurso dos três Ds - Araujo Castro https://www.youtube.com/watch?v=IrNQeAdaseE
Entrevista com Azeredo da Silveira Sessão de perguntas e
respostas rápidas com o Ministro Azeredo da Silveira sobre temas como Petróleo, África, Armamento e Energia Nuclear. Link disponível no sítio http://silveiradepoimento.com.br/site/ , dedicado ao livro "Azeredo da Silveira: um depoimento", organizado por Matias Spektor.
Ministério das Relações Exteriores
http://www.itamaraty.gov.br/index.php?lang=pt-br O Ministério das Relações Exteriores apresentou seu novo sítio eletrônico, reorganizado e com novos Origens e direção do Pragmatismo Ecumênico e Responsável SPEKTOR, M. . Origens e direção do Pragmatismo Ecumênico e Responsável (1974-1979). Revista Brasileira de Política Internacional, Brasilia, v. 47, p. 191-222, 2004.http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/4 173/RBPI_pragmatismorespons%C3%A1vel_2004.pdf?sequence=1&i sAllowed=y
Seminário para a Comemoração do Primeiro Centenário ad
Posse do Barão do Rio Branco como Ministro de Estado das Relações Exteriores. Rio Branco, A América do Sul e a modernização do Brasil. Organizadores Carlos Henrique Cardim, João Almino; prefácio Fernando Henrique Cardoso. – Rio de Janeiro: EMC, 2002. Disponível em: http://funag.gov.br/loja/download/148- Rio_Branco_-_a_America_do_Sul_e_a_Modernizacao_do_Brasil.pdf