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Villa de íguape

A SUA FUNDAÇÃO. OS SEUS VELHOS ARCHIVOS B O


SR. GUILHERME YOUNG

Das primitivas povoações da Capitania de São Vicente,


( que passou a deuominar-se Capitauia de Itanhaen ), é,
na zona meridional, a Villa de íguape uma das mais no
táveis, não só pelo importante papel que representou no co
meço do século XVI e nos demais períodos, pela descoberta
e exploração das — minas de ouro — chamadas « de lavagem »,
como pelo seus primórdios, antecedentes a essa época, que são
narrados pelos chronistas e historiadores antigos. íguape,
como Itanhaen, ficou, entretanto, quasi inteiramente esquecida
pelos historiadores do século XVIII. na época era que essas
villas, devido ao êxodo de seus habitantes, cahiram em grande
decadência.
O archivo da villa de íguape, como o archivo da Villa
de Itanhaen jazeu sepultado no maior abandono e indifle-
rença por mais de dois séculos, sem merecer jamais a
erraça, por parte dos chronistas, de ser consultado para
« Memorias Históricas » que então foram escriptas pelos di
versos historiadores da Capitauia de São Vicente e Rio de
Janeiro. O archivo de íguape, mais feliz que o de Ita
nhaen, ainda encontrou, nesse largo período de esquecimento,
mãos caridosas que o puzessem ao resguardo da destruição do
tempo e das traças; o de Itanhaen, porém, como já referimos,
foi totalmente consumido pelo desleixo e pela acção lenta
c continua das traças, sem haver jamais uma mão piedosa,
um chronista ou historiador, que delle se oceupasse.
Dos nossos chronistas modernos, isto é, dos que se pro-
puzeram, depois de Fr. Gaspar, Pedro Taques e Monsenhor
Pizarro, a rever os nossos velhos archivos, no intuito do es
crever de novo a Historia destas Capitanias, de supprir as
faltas e preencher as lacunas d'aquelles, foi Azevedo Marques
o único que se deu ao trabalho de fazer algumas pesquizas
nos archivos de íguape, donde copiou alguma cousa para a
noticia, que em seus « Apontamentos Históricos », deu sobro
esta antiga e importante povoação.
Sobre Itanhaen, entretanto, nem elle nem Machado de
Oliveira ( Quadro Histórico da Província de São Paulo )
adiantaram cousa alguma. Essa vetusta e pobre povoação,
esquecida no littoral da Comarca de Santos, com suas velhas
tradições, seus edifícios em mina e seus archivos carunchados
pouca ou nenhuma importância lhes mereceu.
— 596 —

Pedro Taques na sua « Historia da Capitania de São


Vicente- -> qu<; é. aliás, unia das obras nmis completas e se
guras quauto á parte documental, em relação á Capitauia
de Itanhaeu. ao reterir-se á fundação desta Villa, diz apenas
isto : « A Villa de N. Seuhora da Couceição de Itanhaen,
que foi condecorada com o predicamento de Cabeça de Ca
pitania, (depois de repellida da Villa de São Vicente a sua
donatária Condessa de. Vimieiro, an anuo de 1624, como
temos referido) tem um só convento do religiosos Capuchos
de Santo António, a Igreja Matriz, e Ca«a,de Camará, cujo
escrivão é o mesmo Tabelião do Judicial e notas também
escrivão de Orphàos, e ambos pagam donativos aunualmente ».
Si o erudito Pedro Taques «e tivesse, entretanto, dado ao
incornniodo de ir a Itanhaen visitar os seus archivos, não se
limitaria a esta escassa noticia, e não cahiria no erro de
dizer que. o Convento de Itanhaeu éra de. frades Capuchos.
Sobre a fuudaçào de Iguape. este notável historiador é
ainda mais lacónico : « A. Villa de Iguape, refere elle, tem
só a egreja matriz o casa da Camará, com Tabelião do ju
diciai e notas, que serve de escrivão do Seuado, e um es
crivão de Orphàos, e ambos servem por donativo que pagam
aunualmente. A esta villa são sujeitas as minas de ouro de
lavagem chamadas da Ribeira, e tão autigas que já em 1690
renderam, de quintos, com as de Paranaguá, mil e duzentos
e setenta e nove oitavas ».
Sobre Paranaguá, cujo archivo, ao que parece, já éra
conhecido nessa época, o referido auetor ó mais prolixo, e dá
uma uoticia mais desenvolvida, como adeaute veremos.
E' pois ao sr. Ernesto Guilherme Youug, membro honorário
do Instituto Histórico e Geographico de S. Paulo, residente
actualmente na cidade de Iguape, que a Historia de São
Paulo, quiçá a Histo ia do Brazil, deve esse importante sub
sidio, resuscitado dos velhos e carcomidos archivos dessa ci
dade, subsidio esse que, até então, jazia sepultado e esque
cido, o qual faz hoje parte, como documentos preciosos, da
Revista do mesmo Instituto Histórico de São Paulo. ( * )
O infatigável sr. Ernesto Guilherme Young não se limitou
á primeira tentativa feita uet.se « Esboço Histórico da fundação
da cidade de Iguape », publicado em 1897, no volume II da
referida * Revista do lustituto », onde faz uma resenha, quasi
completa, de todos os aunaes e factos referentes á primeira e
segunda povoação de Iguape, com grande cópia de documentos
mas proseguiu, com esforço e vantagem, nas rebuscas desses
velhos archivos e conseguiu completar es seus affanosos estudos,
com mais duas importantes memorias, uma das quaes publicada
no vol. VI sob a simples denominação « Historia de Iguape ».

( " Quando escrevemos este capituio, em 1910, ainda vivia, na cidade de


Iguape, este distincto historiador.
— 597 —

Todas essas memorias, nlém da profusào do dados do-


cumentaes, arrancados desses códices soranolentos, poidos pelas
traças e pelo tempo, vém ainda enriquecidos de commen
taries, dissertuçôes e opiniöes muito sensatas e justas, о que
honram. sobremodo, o nosso Instituto e provam a compe
tencia e erudiçào do ¡Ilustrado auctor.
Si nos sobrasse espaço e lazer, nestas Memorias, sobre a
Capitanhia de Itauhaen, teriamos muito prazer e honra, se
nos fosse permittido, — em trauscrever todas as noticias e
dados referentes á historia de Iguape, publicados pelo sr.
Young.
Isto fariamos nao só no iuteresse da historia, em gérai,
divulgando mais esses documentos, como no iuteresse parti
cular da hiftoria da Capitani? de Itanhaen, que tem encer
rada iiesses documentos dos archivos da. Cámara de Iguape,
os annaes mais importantes de sua historia.
O largo periodo da mmeracao, nos valles da Ribeira e
de Parauaguá, é, iucoutesravelmeute, em relaçao á historia
de Sao Paulo o mais rico e ao mesmo tempo o mais pobre
e obscuro para nos que, como o er. Young, tauto presamos
as tradiçôes do pascado, mas que nao tivemos, como o pa
ciente historiador de Iguape. a ventura de encontrar, nos
archives de Itanhaen, esse veiero ou esse filào, quo, como
material seguro e positivo nos oft'erecesse meio de elevar a
pobre e esquecida Itanhaen ao gráu de evidencia que lhe
compete, já pelo seu passade, tào despresado pelos historia
dores, já pelas suas prerogatives сошо sedo da donataria de
Martim Afí'onso de Souse, durante, esse periodo áureo dos
bandeirantes e das conquistas territoriaes do sul, de que tanta
gloria resulta para os paulistas.
Si o archivo de Itanhaen nào tivesse pereíido quasi to
talmente nesse abandono inqualificavel, teriamos boje, com
esse abundante subsidio que o^sr. Young uos proporciona,
elementos seguros para evidenciar e preencher unía das mais
lastimaveis lacunas de nossa historia patria.
Pelaleitura desse « Esboço Histórico da fuudaçào de
« Iguape e pelas outras — « Memoria« » publicadas nos vol. VI
e VIII da Revista do Instituto Histórico de Sao Paulo, po-
de-se bem aquilatar da intensa luz que esses documentos
vém derramar sobre alguns pontos tào obscuros e contro
vertidos de nossa historia.
Por esses documentos e por indiciosas aunotaçùes, o sr.
Young esclarece todas as controversias a respeito de Ruy
Mosqueira, ou Ruy Mouchera, Aleixo Garcia, o celebre ba-
charel de Cananéa — ( Mes t re Cosme ) e tantos outres per-
sonageus, tào celebres quào obscuros, os quaes tém dado
origem a que, em torno delies, se teçam as mais phan-
tasticas versùes.
A identidade e os feitos de cada um desses persnnagens
parece- nos inteirnmenie confirmados e esclarecidos pelos do
cumentos que o sr. Young aprésente.
— 598 —

0 illustre auctor ao tratar da pessôa de Ruy Mosqucirv


diz que nào deseja entrar em controversia a respeito de ter
sido este castelhano ou outro qualquer que deu motivo á
guerra entre o povo de Sao Vicente e o de Iguape no tempo
decorrido até 1537. « Fr. Gaspar, diz o sr. Young, procura
desacreditar os factos citados na historia de Charlevoix ; Si-
nào, vejamos : Fr. Gaspar confessa que o Livro do Tombo,
que Martim Affonso maudou fazer, foi perdido logo depois
do dito Martim Affonso ter-se retirado para a Europa. Char
levoix diz que o povo de Iguape saqueou a villa do S. Vi
cente, levando, entre outras cousas o Livro do Tombo. Var-
nhagen, diz que na escriptura de venda que fizeram oa
herdeiros de Ruy Pinto, o registro da doac.no feita em 28 de
Fevereiro de 1553 estava registrado no Livro do Tombo que
Martim Affonso ha via feito : mas « por te perder o livro do
tombo — que foi levado pelos mora ¡ores de Iguape, se tornou
a registrar em outro livro que era se fez. E fica nelle re
gistrado hoje 20 de Agosto em S. Vicente, de 1637, por mint
Antonio do Vallo Tabcliño ». Em visto deste documento, diz o
mesmo auctor, é inutil qualquer apreciaçao.
O sr. Young pas?a entào a demonstrar а permanencia
desse castelhano em Iguape, nessa época, e as suas façauhas
inclusive essa do ataque á villa de Sào Vicente, que Fr.
Gaspar pretendeu negar, dizendo : «es facanitas de Rui/ Mos-
chira descHptas por Charlevoix, nào pas'äo de um ente dr
razäo similhante ao Hirco-Cerco, que os Lógicos formavam
noutro tempo.
Segundo documentos citados pelo Sr. Young. ( Livro do
Tombo ) fica provado pois que este Ruy Mosqueira, depois
desse ataque á Villa de Sao Vicente, e das viageuo que fez
ao sul, regressou a Iguape e ahi falleceu, sendo sepultado
debaixo do Arco-cruzeiro da primitiva egreja dessa povonçâo
de Iguape, da quai foi elle»iim dos fundadores.
« Por falta do primeiro Livro do Tombo, ( do qual só
existem alguns registros ) que desappareceu no anno de 1858,
refere o Sr. Young ao tratar da fundacào da Villi, nào po
demos verificar quem foi o primeiro Sacerdote, nein donde
elle veiu, para essa prirneira egreja de Iguape ; porém, a tra
ditio relativa a este assumpto é corroborada por escriptos
acceitcs como verídicos. »
« Diz a tradieao que o primeiro padre da egreja velha
era um discípulo do Padre Anchicta, de nome Pedro Correa,
e que depois da inauguraçào desta egreja, partiu em di-
recçuo ao sul sendo foi morto pelos indígenas no logar onde
existe hoje a povoaçao de Araraquara. Esta tradiçào é, em
parte, corroborada na " Chronica da Companhia de Jesus "'
do padre Simao de Vasconcellos, etc. A morte de Pedro Cor
rea deve ter sido no fim do auno do 1551 ou principio de
1555, tendo elle partido de Cananéa, em direcçào ao sul, no
día 5 de Outubro de 1554, с sendo morto na volta dessa
sua viagem. »
— 699 —

« Em vista do exposto podemos julgar que f'ossem, elle,


e seus companheircs, os primeiros sacerdotes, ( os griphos sao
nossos ) que appareceram aqui principiando em seguida a
edificaçao da egreja, para assim cumprir a promessa que elle
deu ao povo de fazer um logar separado onde todos pudes-
sem ajuntar-se a ouvir a doutrina christu. »
Hade nos permittir o Sr. Young que façamos aqui urna
ligeira observaçào, afim de melhor elucidar este ponto, em
relaçao a Pedro Correa.
Segundo se deprf.hende nao só da « chronica » de Simäo
de Vasconcellos como de outras noticias dignas de fé, o aven-
tureiro Pedro Correa, o terrivel caçador de indios do littoral
de Itanhaen e Iguape, t'oi convertido pelo padre Leonardo
Nunes ( o ábarébebe ) no anno de 1549, e esse facto se rea-
lisou ñas proximidades do Guarahú, entre Una do Prelado e
Peruhybe ; pois era áhi, na ilha grande do Guarahú, que Pedro
Correa ancorara as suas náus, segundo se lô na escriptura
de coufirmaçao das terras que elle obteve do Capitao e Ou-
vidor de S. Vicente, Antonio de Oliveira aos 25 de Maio de
1Г)42 ; terras essas que lhe tinham ja sido dôaias pelo pro
prio donatario Martim Affonso de Souza ; e рог ter elle, Pedro
Correa, perdido essas escripturas em um naufragio, requería
que, de novo, lb.es f'ossem concedidas por escripturas, e que,
uessa nova concessíto, ficasse compraheudida a ilha grande
do Guarahú « para seu aposentamento de carga e descarga
das naos. »
Por ahí se vé que Pedro Corría era tambem n'essa época
um dos que percorriam todo o sertâo e costa do sul, fazendo
causa coramum, talvez, com Kuy Mosqueira, o backarel mestre
Cosme e outros que estào ligados aos tactos da fundaçao de
Iguape aos quaes o Sr. Young se refere.
Pedro Correa, tendo-se convertido e abandonado a vida
de avnutureiro para se fazer missionario, nao podia deixar de
cortar relaçôes com os seus ex-companheiros. O Sr. Ermeliuo
de Leäo, que como o Sr. Young é um infatigavel investiga
dor e que täo importantes subsidios tem trazido para a his
toria da Capitanía de Itanhaen e de Paranaguá, em urna re
sumida noticia sobre « a morte de Pedro Corría », que nos
envión, quaudo tivemos de estudar esse, assumpto, para a
pintura do quadro « Martyrio de Pedro Corroa » qae adorna
hoje a Matriz de Santa Secilia, em S. Paulo, diz que esse
castelhano, a que o padre Simäo de Vasconcellos se refere,
o quai tramou, entre os carijÚ3, a morte de Pedro Correa,
nos sertùes do Paraná — é o proprio Ruy Mosqueira.
Diz o chronista Vasconcellos que o autor desse bárbaro
attentado « é certo que foi um castelhano. hörnern perverso,
que ali se achara com o Irmào Corroa. »
José de Anchieta que deve ser, neste ponto, a melhor
autoridade, diz : « Este hörnern que os fez matar ( a Corroa
e a Joao de Souza ) era um castelhano que estava captivo
entre os Tupis, e o padre Manoel de Chaves o livrera da
— 000 —
morte, da qual também livrou uma índia carijó que elle tinha
por manceba, a qual casaram os padres ; e por que uão-
quizeram dal-a ao barregào ; e que por isso tomou tanto
ódio aos padres que. veio a parar em fazer matai os irmàos.»
Seja lá como fôr, o certo é que, esse castelhano, que
mandou assassinar os dois missionários, si não foi o proprio-
Mosqueira, foi algum dos seus sequazes, antigos companheiros
de Pedro Corrêa nas suas primeiras façanhas contra os mí
seros tupis v. carijós do littoral.
O ponto principal a que nos queremos referir, sobre a
fundarão da primeira egreja de Iguape, conforme escreve o
Sr. Young, ó esse, em que * diz a tradição que o primeiro
padre da egreja éra um discípulo do ]'adre Anchieta d? nome
Pedro Corrêa, o qual, depois da inauguração deita egreja,
havendo partido, em direcção ao sul, foi ii)i,rt-> pelos indíge
nas no lugar em que existe hoje a povoação de Araraquara.*
Em primeiro lugar, Pedro Corrêa, embora Simào de Va-
Bconcellos o diga, não foi propriamente, uni discípulo de An
chieta, que no decurso de oito mezes, de 24 de, Dezembro de
1553 que é a data de sua chegada a S. Vicente a 24 de
Agosto de 1551, data da partida de Pedro Corrêa para Ca-
nanéa, apenas deu a este irmão algumas lições de granimatica
latina, e recebeu delle, Pedro Corrêa, as primeiras noções da
língua Tupi, na qual elle Corrêa éra versado, como o declara
o mesmo Anchieta.
Pedro Corrêa teve por mestre, no seu tirocínio de « ir
mão escolástico da Companhia de Jesus, » não o venerável
José de Anchieta, que se achava em S. Vicente ha oito me
zes apenas, e ainda não éra sacerdote, mas sim o padre Le
onardo Nunes que foi sempre considerado, pelo próprio Cor
rêa ■— o seu guia e mestre.
Os Irmàos mandados per Nóbrega e Manoel de Paiva a
essa missão em Cansnéa, com o fim de apaziguarem os sel
vagens, eram três : Pedro Corrêa, João de Souza e Fab'a-
no. Este Irmão Fabiano, que não seguiu com Corrêa eJrão-
de Souza na missão aos sertões do Paraná, foi o que ficou
em Cananéa, ou Iguape, segundo refere o sr. Young, afim
de doutrinar os indit.s tupis. O chronista Vasconcellos diz
que o Irmão Fabiano ficou também para curar um caste
lhano que havia sido ferido, na guerra, por uma frechada.
Essa guerra, que os missionários iam apaziguar, segundo diz
o mesmo chronista, éra promovida pelos castelhanos aliados
aos Carijós, que vinham atacar <s tnnis e, talvez, al
guns portuguezes que ali com estes, estivessem sitiados.
Eis como é descripto pelo dito chronista a chegada de
Corrêa ao « porto principal dos tupis, » em Cananéa : « che
gados ao porto principal dos Tupis f éra então o que, hoje
chamam Cananéa e donde se arrece.iavam os castelhanos )
entrou Cortêa pregando áquelia gente, e com a graça e elo
quência captivou os ânimos de todos, e f.-z oíficio d« Anjo
da Paz ; prometteram de nào fazer mal tos Hespanhoes, e
— 601 —

assim cumpriram á risca. E' um dos motivos da ida. » Tra


taran! logo da paz e negocios da fé e deram palavra de fazer
um lugar esperado onde todos podessem ajuntar-se a ouvir a
doutrina christa; e o que é espanto, que chegaran a entre-
gar-lhes os captivos, que tinham já em cordas como a en
gordar para pasto, etc. » Entre estes Ihe deram um caste
lhano, que tiuha viudo com os carijós contra elles á guerra;
e com este, alem de livial-o da morte, porque esteva mal
ferido de urna frechada que houvera na guerra, deiiou o
irmào Fabiano para que o curasse e consolasse; como fez
até que passando os outros castelhanos, que iam ñas canoas,
o levaram com sigo, ficando só o irmào ( Fabiano ) ensinan-
do a doutrina da fé, e esperando os companheiros que ti
nham partido em 5 de Outubro. »
Ora, nem Pedro Correa e seu compauheiro de martyrio
Joào de Souza, nem o irmào Fabiano éram sacerdotes, como
suppôe o sr. Young. Fabiano era um irmào leigo e Pedro
Correa e Joào de Souza éram irmàos escolásticos, aspirantes
apeuas ao sacerdocio, como era José de Anchieta, que só re-
cebeu ordens de presbytero em 1566. Pedro Correa e seus
dois irmä' s näo éram, pois, os primeiros padres que ali ap-
pareciam corno diz a tradiçào, porque antes dessa data já
ahi havia estado Leonardo Nunes ( o abarébôbê ), e Manoel
de Paiva, o qaal como refere Simäo de Vasconcellos já ti
uha estado uesse sertào de Iguape e Cananéa, onde havia
livrado da morte um castelhano que estava captivo dos tu
pis o qual castelhano se suppôe ser o raesmo que manda
ra mattyrisar Pedro Corroa e Joào de Souza.
ü padre Leonardo Nunes. que f'alleceu neste mesmo
anuo de 1554, e que percorreu constantemente toda essa
costa e sertöes do etil, ein companhia de Pedro Corroa, me-
recendo por isso o appellido de abarébêbê ( padre voador )
pela presteza com que accudia ás uecessidades do seu mi
nisterio, — e que foi o fundador da primeira capella na al-
deia da praia de Peruhybe, que (em hoje o seu noine, bem
poderia ter sido, com Manoel de Paiva, o fundador d'essa
primitiva igreja de Iguape, á qual se retere o sr. Young.
Depois da mort« de Pedro Correa e do padre Leonardo
Nunes, em 1554, essa missào do littoral entre Itanhaen e
Cauanéa ficou parausada, nao só por falta de missionarios
como por falta de lingiuis ( interpretes, ) como bem declara
José de Anchieta ora urna carta dirijida ao padre superior
Laines, datada de S. Vicente, a 16 de Abril de 1563, onde
diz que nada se podia fazer a bem desses indios revoltados,
ao sul de Itanhaen porque nao havia interpretes e elle aiu-
da se nào julgava sufficientemente habilitado para tal mis
ter. Em outra parte deste livro nos occuparemos deste as-
Bunipto mais desenvolvidamente.
Só de 1566 a 1585 é que José de Anchieta afsume o ca
rácter de verdadeiro evaugelisador e apostólo desasa zona do lit
toral por elle tao preferida, como relatam os sens biographos.
— 602 —

Si, portanto, houve em Iguape qualquer missâo evan


gélica, como é provavel, autes desse periodo de 1566-1585,
e, si se tratou de fundar alii uma igreja ou simples Capella
é de crêr-se que foi durante a vida do Padre Leonardo
Nunes, isto é — de 1549 о 1554.
Os outros personagens, nào menos celebres que Ruy
Mosqueira, os quaes se acham ligados á historia da primeira
povoaçào de Iguape sao : o bacharel mestre Cosme, que se
achava em Cananéa, quando Martim AfFonso ali aportou, em
12 de Agosto de 1531, e outro individuo, tambem .portuguez,
de nome Francisco de Chaves. ( * )
Este Francisco de Chaves, que o Snr. Young diz ser
genro do Bacharel mestre Cosme, em virtude de documentos
existentes no archivo de Tguape, foi quem induziu Martim
Aft'onso de Souza a mandar para о se:tfto os oitenta homens
em busca de minas de ouro, segundo refere Pedro Lopes de
Souza no seu « Diario ».
Este « Diario da uavegaçùo da Armada que foi á terra
do Brasil, em 1530 » escripto pelo dito Pedro Lopes de
Souza, irmâo de Martim Affonso, diz о seguinte, em relaçào
á « Ilha de Cananéa » e ao « mar pequeño ¡>, que vae ter a
Iguape : « Sabbado, doze de Agosto ( de 1531 ), coin vento
nordeste ( a armada vinha do Kio de Janeiro, com escala
pela ilha dos Alcatrazes ) faziamos o camiuho do sudoeste ;
e ao meio dia vimos terra : seriamos délia urn tiro d'abom-
barda ; por nos af'astar délia, viramos no bordo do mar,
até ver se alimpava a nevoa, para toruarmos a couhecer
a terra. Indo assim no bordo do mar, maudou о Capitom
I. ( irmào ) arribar para fazermos nossa viagem para о
Kio de Sauta Maria ; e fazendo o caminho de sudoeste
demos com uma ilha. Quiz a Nossa Senhora e a Bemaven-
turada Santa Clara, cujo dia éra, ( 12 de Agosto ) que alim-
passe a nevoa, e reconhecemos ser a ilha de Cananéa : e
fomos surgir entre a ilha e. a terra, em fundo de sete bra
cas. Esta ilha tem em redondo hua legua ; faz no meo hua
sellada : está de terra firme um quarto de legua e desabri
gada do vento sul sudoeste e do noroeste que quando venta
mete inui grande mar. Desta ilha ao norte, duas leguas, se
faz um rio mui grande na terra firme ; na barra, de prea-
mar, tem tres bracas, e dentro oito e nove bracas. Por este
rio arriba maudou o Capitana Irmào hum bargantim ; e a
Pedro Annes Pinto, que éra lingua da terra que fosse haver
falla dos Indios.
« Quinta feira, 17 días do mez de Agosto, veo o Pedro
Aunes, piloto, no bargantim, e com elle veo Francisco de

( ' ) Além destes personagens a historia nos dá ainda o nome de outro


individuo, portuguez, conhecido por Duarte Pires. O historiador da Argentina.
Ruy Días de Gusman, dá a esse portuguez o titulo de — Hachare! — e o Pe. Je
suita Charlevoix, na «historia do Paraguay* chama-lhe —.«cavalheiro portuguez».
«Vtra dahi sem duvida, diz o historiador Rocha Pombo, л versäo, por algún*
adoptada,— de que este Duarte Peres è o metmo bacharel encontrado em S. Vi
cente e cm Cananéa por diversas crjiedicOcs».
— 603 —

Chaves, e o Bacharel, c cinco ou seis Castelhanos. Este


Bacharel havia trinta ânuos que estava degradado nesta
terra, o o Francisco de Chaves éra mui grande lingua desta terra.
Pela informação que delia deu ao Capitam Irmão, mandou
este a Pedro Lobo com oitenta homens que fossem descobrir
pela terra a dentro ; por que o dito Francisco de Chaves se
obrigava que, ein dez mezes tornaria ao dito porto, com
(/uatroeentos escravos carregados de prata e ouro. Partiram
desta ilha, ao 1." dia de Setembro os quarenta besteiros e
os quarenta espiugaideircs, »
. O fim desastroso dessa primeira expedição pela Ribeira
de Iguape é bem conhecida ; porém, o que não estava ainda
esclarecido para a historia éra a identidade desse Bacharel
e desse Francisco de Chaves : E' isso que o Sur. Young
acaba de provar pelos documentos referidos.
De forma que esse Bacharel mestre Cosme a quem Mar-
tim Affonso concedeu, depois, terras no Porto das Náos, em
São Vicente é o mesmo Cosme Fernandes ( bacharel ) de Ca-
nanéa e um dos fundadores da primeira povoação de Iguape. •
« Existem muitos documentos em Iguape, uns no archivo
da Camará Municipal e outros em cartórios, que se referem
ao primeiro possuidor de terras aqui, ( diz o Sur. Young )
entre os quaes ha um em que está declarado ter sido a pri
meira Villa estabelecida ao pé do c Outeiro do Bacharel »,
em terras do mesmo, e outros em que os signatários decla
ram ser herdeiros de Cosme Fernandes, possuindo seus ante
passados as terras em litigio ab-inicio. » Segundo se infere
destes dados documentaes apresentados pelo historiador de
Iguape e pelo « Diário » de Pedro Lopes, — o famoso Ba
charel Mestre Cosaie, que éra afinal « um grande criminoso
e como tal havia sido degradado, » já se achava em Iguape,
com outros castelhanos, quando Martim Affonso de Souza ali
aportou em 12 de Agosto de 1531.
Virifica-se também que o Bacharel veio u'cssa occasião
para S. Vicente, talvez na própria frota do donatário Mar
tim Affonso, e que se estabeleceu nas terras fronteiras ao
porto de Tumiarú, onde o mesmo donatário lhe concedeu as
ditas terras do }'orto das Náos. ( * )
Presume-se que, em consequência das lacta» travadas
com os moradores de Iguape, e com a notic'a do fim desas
troso da referido expedição dos « oitenta homens » mandados
ao sertão em busca de ouro e de escravos, o Bacharel, que
não podia deixar de se tornar suspeito aos portuguezes,
como cúmplice nessa hecatombe, achou prudente afastar-se
definitivamente de São Vicente, abandonando assim as terras
que, ha dois annos apenas, lhe haviam sido concedidas pelo
1." donatário.

( * ) O llacharcl Mestre Cmme, Segundo aipins historiadores, ja havia


t stado era S. Vicente com António Rodrigues e João Ramalho, muito antes da
vinda de Martim AiTonso ao Brasil. No capitulo que se refere á « Villa de S.
Vicente » nos oceuparemos ainda deste assumpto.
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Pelos documentos deseobertos pelo Snr. Young tíos ar


chivos de Iguape, vé-se, que esse individuo de no:ne Fran
cisco de Chaves, o qual, comojá referimos, foi quem induzio
o donatario Martim Affonso a mandar essa expediçâo ao
sertào, éra geuro do Bacharel Mestre Cosme.
Foi, pois, em consequencia desses aconlecimentos cala
mitosos, nào só o ataque á Villa de S. Vicenta, pelos caste-
lhanos de Iguape, compauheiros de Chaves e do Bacharel.
como, principalmente, a morte desses « oitenta homeus », cuja
culpa recahia sobre o mesmo Francisco de Chaves, que o
Bacharel, seu sogro, foi banido de S. Vicente, e considerada
<r nulla » a concessño, que o 1." donatario lhe havia feito,
das terras do Porto das Naos.
Pouco tempo após a retirada de Mestre Cosme, Gonçalo
Mouteiro, 1." Lóco-tenente de Martini Affonso, concedía essas
mesraas terras a Pedro ». orréa.
Etn "25 de Maio de 1542, Antonio de Oliveira, successor
de Gonçalo Monteiro, couiirmou essa ultima doac/io por urna
2.* escriptura na qual ha este tópico : « . . . terras que Gon
calo Mouteiro, sendo Capitiio, deu ao dito Pedro Lorrêa, e
partem desta maneira : a 1." que foi dada que é defrocte
desta ilha de S. Vicente ( Porto das Naos ), que éra dad* a
uvi mestre Cosme Bacharel, que o d/to Pedro Correa houve
•por devolutas. »
Si portanto essas terras já estavam devolutas quando
Gonçalo Mouteiro as concedeu a Correa, um anuo ou dois
após a retirada do Bacharel, é porque a sua posse estava
nulla, pelo facto da retirada do seu primitivo dono.
Essas doaçôes feitas por Martim Affonso logo que apor-
tou a S. Vicente, foram passades de accôrdo com os primeiros
foraes e cartas regias de D. Joào III, as quaes determinavain
que, essas doaçôes fossem declaradas millas unía vez que os
seus concessionarios as abandnnassem, ou deixassein de
cultival-as.
As coiicessôes de sesmarias — perpetuas — , como as de
Pedro de Goes, Ruy Pinto e Braz Cubas, foram concedidas
de accoido com outro foral que veiu ua frota Joào de Souza.
« E' natural suppór, diz o Sur. Young, que a retirada
do Mestre Cosme tivesse logar durante o tempo das questôes
entre o povo de Iguape e de S. Vicente, que deveria ser
no amo de 1534 ou no de 1535, indo talvez até Santa Ca-
tharina, com teus antigos compauheiros. »
A permauencia ou bauimento de Mestre Cosme e. « seus
antigos compauheiros », em Santa Catharina, nao foi longa,
pois em 1554 já e-ses castelhanos companheiros de Francisco
Chaves e do Bacharel, inclusive о proprio Ruy Mosquera, já
estavam de novo residindo ein Cauanéa e Iguape, conforme
ficou referido quando tratamos da morte de Pedro Correia
v Joào de Souza.
— 605 —

О povo de S. Vicente, como mais esse revêz, ou com


mais essa traiçào, de que acabava de ser victima, na pessôa de
Pedro Correia e Joào de Souza, por parte desses castelbanos
de Iguape, deveria procurar tirar utna vindicta, ou e^forçar-se
para rechassar para longe esses individuos dos quaes tantas
hostilidades recebia ; entretanto, nào obstante os preparativos
e as tentativas de. guerra que houve em S. Viceore, nessa
época, contra os Carijós e castelhanos, nada se fez. ( * )
Só em 1585 é que. a Cámara e povo de Sao Vicente
enviaram uní requerimento ao Capitíio Jeronymo Leitào « .sobre
a necessidade de se faz<-r a Guerra do Gentío Carijó de Pa-
ranaguá », nao totalmente pelo espirito de vingança aínda
latente no animo do povo, contra essa tribu rebelde e hostil,
mas simplesmente pela razäo de nào terem os moradores da
Capitanía de Sao Viente suficiente « escravaria » para be
neficiar stias fazendas.
Nessa petiçâo diziam ainda os vicentistas : « E' o que
requeramos ao Sr. Capitào, e mío o querendo fazer, ( dar a
permissdo para a guerra ) prometemos de largar a terra e
nos iremos viner onde tenhamos i emedio de vida, por (¡llanto,
nào nos podemos munter sem escravaria ».
Esta Guerra foi levada a eft'eito com o auxilio do povo
das villas do littoral e da de Sao Paulo. Nos documentos
que se referem a esta entrada nos sertôes de Paran agua e
Cananéa, nao ha, entretanto, a menor referencia aos caste
lhanos, antigos alliados dos carijós.
O Barharel e seu genro Francisco de Chaves e o pro
prio Ruy Mosquera, parece mesmo que se justificaram e se
rehabilitaram no conceito dos habitantes de S. Vicente e
Itanhaeu, quanto á parte activa que haviam tomado em todos
esses disturbios, pois que d'essa época em deante, isto é, após
a barbara morte dos dois mbsionarios, em 1554, elles conti-
nuaram a residir plácidamente em Iguape, onde ñmdaram
a primeira povoaçào, conbecida por Villa Velha, segundo af
firmant os documentos existentes ainda nessa cidade.
Desses individuos, povoadores de Iguape, o mais famoso,
como turbulento, foi incontestavelmente Ruy Mosquera :
« Nao podemos duvidar, escreve o Sr. Young, que Ruy Mos
quera era hörnern turbulento e desassocegado : em 1548, elle
com Miguel de Rutia, Pedro de Oriate e Nuno de Chaves,
foram á cidade de Lima ( no Perú ), para cumprimentar o
Vice Rey Padre Pedro de la Gasea, em nome de Domingos
Martins de Irala. No anno sejruinte Mosquera voltou a Santa
Catharina em companhia de Ruy Dias de Melgarejo, indo
dahi outra vez para o Rio da Prata, onde se demorou até

( * ) Chegou-se a organizar forças que deviam partir para o sertao, sob


o commando de Pero Goes e Ruy Pinto, diz Rocha Pombo ( Historia do Brasil )
no intuito de castigar essas tribus que haviam massacrado a expediçào «dos 80
homens », mas um embaraço sobreveiu que l'rustou aquella intento, ordenado
pelo proprio Martim Affonso de 8ouza.
— 606 —

1577, em cujo auno chegou, de volta a Iguape, e falleccndo


aqui mais tarde, foi enterrado debaixo do Arco Cruzeiro da
Igreja, edificada ao pé do « Outeiro do Bacharel. »
Essa povoação edificada, nessa época, « ao pé do Outeiro
do Bacharel », durou até o anno de 1660, que foi quando se
tratou de transferir ( a dita povoação ) para o logar em que
está agora situada a cidade de Iguape.
O terreno escolhido para esta segunda povoação, quo
fora doado, por termo, á Camará, no anuo de 1679, pertencia
a um neto de Francisco de Chaves ( o Bacharel ) de nome
Bernf.rdo de Chaves, conforme documentos existentes em
Iguape.
Foi o Capitão-mór Ouvidor Luiz Lopes de Carvalho —
que, sn achando em Iguape, mandou medir e demarcar essa
« sorte de terras » para o termo ou rocio da nova povoação,
uo dia 3 de Julho de 1679.
Este Capitão-Mór e Ouvidor — Luiz Lopes de Carvalho
era, nessa época, Governador da Capitania de Itauhaeu e foi
elle quem deu predicamento de Villa, ou fez a transferencia
da Villa Velha, para o novo local, que acabava de demarcar.
( Vide relação dos Capãães-Goveru-) dores de Itanhien. )
« Está provado, diz o sr. Young, por documeutos que
acompanham o * Esboço Histórico .> que, era 1660, a Camará
certificou ao Capitão Bernardo Kuiz Bueiio, homem já velho,
o ser elle genro de Francisco Alves Marinho, que deu as
terras para o estabelecimento da villa, uo logar onde hoje
é a actual cidade. Em 1679, os Capitães Manoel da Costa e
Francisco de Pontes Vidal, assignaram um documento de
doação á Camará, de duzeutas e cincoenta braças de terra
em quadra, como se vê pelo documento que acompanha a
memoria «Subsídios para a historia de Iguape — Seus fun
dadores. » No termo da doação, consta bem claro serem es
tes homens herdeiros de Cosme Fernandes. »
«lia divergências, acrescenta o sr. young, nas obras
históricas relativamente á data em que a 2." povoação de
Iguape foi elevada a Villa. E' geralmente citado o anuo
de 1651 ; confrontando, porém, documentos existentes aqui.
somos forçados a reconhecer que, muito antes daquella época,
éra já conhecida essa povoação pelo nome de Villa de N.
Senhora das Neves de Iguape. Para provar este facto, te
mos, eutre outros, o documento n . 2 { Esboço histórico da
fundação de Iguape ), em que o Capitão-Mór e Ouvidor da
Capitania de S. Vicente, Vasco da Motta (Vasco da Mctta
não éra Capitão-Mór e Ouvidor de S. Vicente, vias sim de
Itanhaen ), despachou um requerimento de Francisco de Pon
tes Vidal pedindo por si e seus filhos sesmarias de terras.
Neste documento se diz « Faço saber que a mim me
faz petição o Capitão Francisco Pontes Vidal, dizendo em
ella, que elle era morador na villa de N. Senhora das Ne
ves de Iguape etc. » Esse documento tem a data de 8 de
— 607 —

Dezembro do 1637, e por elle se verifica que a primeira po


voaçào já tinha foros de Villa nessa época. »
Fica, portan to, provado que a primitiva villa de Iguape
existia em frente á barra do Icapara, perto do Outeiro do
Bacharel, sendo d'ahi mudada para o local onde actualmente
se acha collocada a cidade do mesmo nome, e que esta trans
ferencia foi eífectuada, näo nesta data de 1637, mas em
1679, pelo Capitao-Mór Ouvidor de Itanhaen, Luiz Lopes de
Carvalho, como ácima foi referido.
Pelos documentos citados pelo Sr. Young, está provado
eutretanto, que, essa povoaçào primitiva, em frente á barra
do Icapara, já tinha tambem foros de Villa, embora se ignore
a época em que, como tal, fora instituida. Está ¡linda pro
vado pelos mesmos documentos que essa Villa Velha possuia
Senado da Cámara, visto como os respectivos Camaristas ap-
parecem, em documentos, requerendo e tomando posse de
terras desde 1619. ( *)
» Examinando estes documentos, com cuidado, verifica-se
diz o citado historiador, que existia urna villa ao pé doOu-
leiro do Bacharel, em frente á barra do Icapara e que a
('amara tomou posse de terras annexas a ella para augmental-a
mas nao foram utilisadas por nao se prestarem ao fim
desejado ».
« Si a Cámara tomou posse destas terras, sobre o que
nao pode restar duvida, é evidente que já havia villa con
stituida, porque nao podia haver cámara sem villa ».

( * ) Nao desejamos estabelecer controversia sobre datas


mas para reforçar este argumeuto nao podemos deixar de
transcrever aqui este « apoutamento » que vem ñas « Notas
avulsas 3 deixadas inéditas pelo chronista Fr. Gaspar, refe
rente á primeira povoaçào de Iguape, e publicadas em 1900
pelo dr. Antonio de Toledo Piza, na « Revista do Instituto
Histórico e Geographico de Sao Paulo ».
Diz o referido Chronista : « De urna sesmaria concedida
por Gonçalo Correa de Sá, aos 30 de Abril de 1619, a Joño
de Barcellos e Paschoal de Barcellos consta que Iguape nesse
tempo éra povoaçào. Vem u. sesmaria no livro 4." a fis. 11.
« De outra Sesmaria, concedida a Mauoel Peixoto pelo
mesmo Capitâo, aos 4 de Maio do mesmo anno de 1619,
consta ser villa no anno de 1612 e que o dito Manoel Pei
xoto fora povoador della.
Consta do livro referido, a fls. 1 17 et seqtiotibtts. Este
apontamento ó do Dr. Juiz de Fóra Marcelino Pereira Cleto :
porém houve engaño em algumas das datas, porque se tora
villa em 1612 nao estaría em inferior classe de povoaçào em
muito tempo depois, em 1619 ».
O que deve subentender-se, rectificando o engaño das datas,
é que essa primitiva povoaçào de Iguape já éra villa em 1619.
— 608 —

Esta villa relha fundada por mestre Coume tinha já por


padroeira Nessa Senhora das Neves.
A nova povoação que teve começo em 1637 ou 16(50 e
foi elevada a cathegoria de villa em 1679 pelo Capitào--mór
Ouvidor de Itanhaen Luiz Lopes de Carvalho, também teve
como padroeira Nossa Senh' ra das Neves de Iguape.
As obras da Igreja Matriz, nesta 2.* povoação, tiveram
inicio, ao que parece, em 1637 e foram concluídas alguns
annos depois.
O Sr. Youug diz que a 2.* povoação fora mudada para
o local actual, no auuo de 1637 ou antes, e que nessa oc—
casiào foram concluídas as obras da referida Igreja.
Veremos ein capitulo seguinte, o que sobre isto dizem
Azevedo Marques e o chronista José Innocencio Alves Alvim
na sua « Memoria » sobre Iguape.
Se insistimos, entretanto, em dizer que a villa de
Iguape ( segunda povoação ) foi elevada a villa de 1665 a
1679, é porque na « Relação dos Capitães Governadores de
Itanhaen » que possuímos, vê-se que o Capitão-mór-Ouvidor
Sesmieiro, Luiz Lopes de Carvalho, que tomou posse, pela
segunda vez, em 1677 e sérvio o referido cargo até 1679 —
« deu provisão e fez transferencia da villa de Iguape, e con
firmou e concedeu Sesmarias nessa mesma villa etc.»
Este Luiz Lopes de Carvalho sérvio duas vezes, isto é,
dois triennios, como Governador e Ouvidor, de Itanhaen : a
primeira de 1665 a 1G67 e a segunda de 1677 a 1679.
Si ha, entretanto, engano nessa « Relação > e si a data
do predicamento de villa, dado a essa segunda povoação, é an
terior & 1654, como já ficou referido, então o governador que
deu essa provisão em nome do donatário, Conde da Ilha do
Príncipe, não é Luz Lopes de Carvalho inas sim Diogo Vaz
de Escobar que servia nessa época, 1654, e foi, dos gover
nadores de Itanhaen, um dos que mais se distinguiu pelo
esforço empregado no desenvolvimento dessas zonas aurfréras
da Ribeira, Cananéa e Paranaguá, conforme se verá na parte
deste livro que trata desse assumpto.
Em todo o caso, o Capitão Luiz Lopes de Carvalho, como
Governador de Itanhaen, muito se interessou pela eréação da
segunda villa de Iguape e se não foi elle quem lhe concedeu
os foros de villa. ou lhe fez a transferencia, foi entretanto,
quem lhe concedeu o demarcou as « terras do rocio » e me
lhorou o aspecto de suas habitações primitivas, dando-lhes
novo traçados para futuros alinhamentos, conforme se veri
fica dos próprios auuais da Camará de Iguape, dessa época.
(Quanto á primeira povoação, próxima ao <s Outeiro do
Bacharel », fundada no tempo de Ruy Moschèra, está provado
que já éra villa em 1619, como veremos adeaute.
O Progresso relativo da Villa de Iguape. O des-
envolvimeto nas explorações das minas de ouro
da klbeira. a apparição da miraculosa i.magem
do Bom Jesus, segundo a narração de José da
Silva Rocha.

A villa de Iguape era, como as demais villas da Ca


pitania de Mar tini Affonso, até meados do século XVII, hu
milde povoaçào composta de casebres ou choupanas cobertas
de palha, avultando, apenas, aqui e acolá, uma ou outra
habitação de pedra e cal coberta de telhas, isso mesmo de mo
desta apparencia. Os únicos edifícios de melhor aspecto,
nessas povoações, eram as e^rejas, a Casa do Conselho e um
ou outro prédio publico ou casa-forte- onde se guardavam es
trens bellicos e os cofres de arrecadação dos dízimos.
Foi só de 1655 em diante, com as descobertas das ja
zidas auríferas no valle da Ribeira, em Cananéa e Paranaguá,
durante a administração dos Governadores Dionjsio da Costa,
Luiz Lopes de Carvalho e Diogo Vaz de Escobar, ( Vtd. lie-
i-ação dos Governadores de Itanhaen ) que essas povoações do
littoral ». principalmente as villas de Iguape, Cananéa, Pa
ranaguá e Itanhaen tiveram desenvolvimento e importância.
Mesmo assim, esse pregresso relativo não foi duradouro
pois, do anno 1679 em diante, devido aos novos descobri
mentos auríferos era Minas Gerae», as min»s da Ribeira o
Paranaguá, e com ellas as respectivas povoações, ficaram de
novo desertas.
No Esboço Histórico da <- Fundação da Cidade de Igua
pe » vem a « Narração » dos factos memoráveis primordiaes,
que se deram n'es?a época, até o anno de 1787, feito por
.José da Silva Rocha, escrivão da Camará e outros.
Diz essa « Narração » que a Villa de Iguape, como as
demais povoações, não podia augmentar porque os seus mo
radores não obtinham « frueto algum em suas diligencias »
e não podiam, portanto, sahir da pobreza em que viviam,
não obstante haver riqueza nas minais. E que, « quanto á
extensão de seu perímetro urbano e á qualidade de seus
prédios », a villa de Iguape era tão humilde e tão pequena
que, em 4 de Agosto de 167'J, o Capitao-mór Ouvidor de
Itanhaen — Luiz Lopes de Carvalho, determinou por um
edital, em nome do Conde Douatario que « em vista das
poucas moradas que haviam na villa, fosse cada um obrigado,
dentro de um anno, a fazer a sua casa, tendo cem mil réis
de bens para cima, sob pena de dez cruzados de multa »,
seguudo consta de um livro que serviu de registro na ca
mará, desse tempo.
— 610 —

« Tal era o estado em que se achava esta Villa, ( diz a


referida narraçâo ), quando succedeu о appareeimento da Mi
lagrosa Imagem do Senhor Bom Jesus, dadiva preciosa do
Céu, penhor о mais rico de toda a terra e a uuica riqueza
que está possuiudo esta mesma villa, desde о anno de mil
e seis centos e quarenta e sete, tempo em que о Senhor foi
servido entrar nella, para enriquecer os seus pobres habi
tantes, fazendo-se achar por elles, no logar mais deserto de
toda esta costa, como quem inostrava que elle só queria estar
onde os Immens viviam debaixo da humilde palha.
Com effeito, nào se pode julgar que' foi mero accaso a
vinda desta Santa Imagem. E sendo que as circunstancias
délia, pela que tinhào de prodigiosa, erào dignas de immor
tal memoria. Mas já estariam de todo no esquecimento, si,
o Reverendo Christovào da Costa Oliveira, Vigario da Vara
da Comarca de Paranaguá, entao visitador das villas do Sul,
pelo lllustrissimo e Reverendissimo Snr. D. Frei Antonio de
Guadelupe, Bispo do Rio de Janeiro, nào deixasse. como
deixou, em о anno de mil sete centos e trinta, huma authen-
tica narraçâo de todas as que poude adquirir dos homens
mais antigos, para perpetuar aqui a memoria de liio mara-
vilhoRO appareeimento.
Essa foi sem duvida a causa que teve esta Villa para
seu augmento, por que sendo tao baixa e humilde no seu
principio, como fica dito, começou a crescer de tal sorte que
achaudo-se já oceupadas as situaçôes mais vizinhas dos seue
limites, foi-se o povo extendendo pela Ribeira ácima, rio
navegavel até quinze dias de viagem, sem embarace consi-
deravel.
Entao começaram a descobrir-se as minas de ouro por
aquellas partes, cuja extracçào foi permittida por Sua Ma
gestade, por que ainda hoje se conserva aqui, com as Armas
Reaes, a casa que entäo seivia para a fundiçâo d'elle, du
rando isto até о descobrimeiito das «■ Minas Geraes » em о
anno de mil seis centos e noventa e sete, porque quasi
todos os Mineiros se au'.entaram d'aqui para as ditas Minas.
Outras evoluçôes têm bavido nesta Villa, como o augmento
de casas, fundaçôes de estaleiros, estabelecimento de Paradas,
Levas de gente para о Real service. Novos impostos por
ordern dos Soberanos e outras cousas que ordinariamente se
inovem com a successào dos tempos. » Transcrevemos este
trecho da « narraçâo », porque, julganios assás importante,
para demonstrar as cousas que influiram para o desenvolvi-
mento da Villa de Tguape nesse periodo, о mais importante
da sua historia.
O que diz Azevedo Marques sobre a fundação de
Iòuape. — Uma interessante « memoria » escripta
por José Innocencio Alves Alvim.

Passaremos agora a ver o que, sobre a povoação de Igua


pe, escreveu-1 nos seus Apontamentos Históricos o historiador
Manoel Eufrasio de Azevedo Marques, e o que sobre o
assumpto, consta ainda da « Memoria » escripta pelo notável
e incansável pesquizador Sr. José Innocencio Alves Alvim.
Diz aquelle historiador que é desconhecida a época em
que se fundou a povoação de Iguape: « Alguns historiado
res assignalam em 1567, outros em 1579, outros em 1611 e
outros, finalmente, em 1654, pelo Capitão Eleodoro Ébano
Pereira ; o que, porém, pudemos descobrir em documentos
authenticos, é que já éra villa em 1638 e que a sua primeira
matriz foi concluída em 1635. »
Entretanto, alguma luz traz o documento que em seguida
transcrevemos, existente no Cartório da Thesouraria de Fa
zenda de São Paulo, maço n. 11, de próprios nacionaes, a
que estão juntos os papeis aprehendidos acs jesuitas, na
época da sua extincção.
Gonçalo Monteiro, Capitão, com poder de reger e go
vernar esta Capitania de S. Vicente, terra do Brasil, pelo
mui Illm. Snr. Martim Affonso de Souza, Governador desta
Capitauia, etc. Faço saber aos que esta minha carta virem,
em como por Francisco Pinto,- Cavalleiro-fidalgo, morador
nesta Capitania, me foi dito por uma petição que o dito
Snr. Governador, havendo respeito a ello querer ser povoador,
e assim outros respeitos, lhe fizera mercê de um pedaço de
terra, nas terras do Cubatâo, entrando ( aqui está roto
o original ) da qual terra diz ser-lhe feito carta e ser dada
e assignada pelo dito Snr. Martim Affonso de Souza, a qual
carta lhe fora levada pelos moradores de Iguape, quando
roubaram os que estavam neste porto e mar, e levaram o
livro do Tombo, pelo que coustava da fé do Tabelião que
lhe tinha registrado em seu livro do Tombo que agora de
novo se fez etc. etc. .
Dada nesta Villa de S. Vicente, aos 17 dias do mez de
Setembro de 1537. — António do Valle. Tabelião publico
judicial e escrivão dos dados pelo dito Senhor a fez neste
anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de 15:>7.
— Gonçalo Monteiro. »
Este documento prova, não só que em 1537 o território
de Iguape já éra conhecido com este nome, como já ficou
provado, bem como ja havia moradores, que alguns historia
— 612 —

dores affirmant serem castelhanns, sob о commando de Ray


Mosquera, que, vindos do sul, se haviam domiciliado em
Iguape e Cauanéa ; por onde tambem se verifica que o era-
dito Fr. Gaspar da Madre de Deus enganou-se, quando diz
em suas « Memorias » que a Villa de Sao Vicente >ó foi
atacada em 1542, por piratas inglezes ; e que é inteiramente
falsa a affirnutçao dos demais historiadores quando se referent
ao ataque de S. Vicente palos moradores de Iguape, em 1537.
Ñas « memorias » do Sur. José Innoceucio Alves Alvim
— lê-se o seguinte :
« A Villa da Seuhora das Neves de Iguape, ( * ) fundada
primitivamente em frente á barra do Icapara e depois trans
ferida para o local em que se acha hoje, jaz aos 24." e 35."
de lat. austral e 33° e 35° long... contada da ilha do
Ferro, etc. »
« Xáo existe, nem no archivo da Cámara, nem nos car-
torios e nem nos livros da Matriz, documento algum que
mencione o nome do fundador da villa e, com certeza, o
anno de sua fuudaçao ; todos os documentos antigos foram
consumidos por dois incendios, urn no cartorio do publico,
judicial e notas, onde se guflrdavam os livros da Cámara, e
outro na caza do Vigario Antonio Cardoso de Oliveira, onde
ее achavam os livros da matriz ».
Da referida « memoria » consta tambem que o municipio
de Iguape, nessa época, confinava ao nort?. com o da Con—
ceiçao de Itanhaen, pela barra do Rio Una do Prelado ( ** ),
ao sul com Cananéa, pelo rio Sabatina, menudo, entre aquella
e este, viute leguas ácima de Iguape ; ao Sudoeste, com o
de Curityba, pela serra geral da marinha ; ao Norte e ao Es-
noroéste, cora as de Santo Amaro, S. Roque, Sorocaba, e
Itapetiuinga, pela mesma Serra Geral.
Sobre a Iraagem do Se.nhor Born Jesus, actual Padrociro
de Iguape, eis o que consta da referida « memoria » :
« O reverendo Christovào da Costa Oliveira, vigario. da
vara de Paranaguá e das mais suas annexas, e ñas mesinas
juiz de ( 'asamentos, visitador das villas do Sul, desde a de
Santos até a de Laguna, pelo Ulm." Sn-. I). Fr. Antonio de
Guadelupe. por mercê de Deus e da Santa Sé Apostólica,
Bispo do Rio de Janeiro, e sua diocese, do C.mselho de Sua
Magestade que Deus Guarde etc. Faço saber que, estaudo
nesta villa de Iguape, em actual visita, obrigado da devoeào,
procurando alguin testemunho ou instrumento de que cons-
tasse о tempo e modo com que nesta ditosa villa, sem hyper
bole, se cumpriu aquella Santa prophecia : Orietur vobis Sol
justitia et Sanilas in peitnis ejus, com о apparecimeuto da
milagrosa Iraagem do Seuhor Bom Jesus, hoje collocada n'esta

( ' > Hoje tem por Padrociro о Senhor Bom Jesus de Iguape, em vir-
tude do Lei Provincial de 1853.
( "* ) Dizemos —nessa época—porque, primitivamente, as divizas de It»-
nhaen com Iguape, no littoral, l'uram sempre o morro da Juréa.
- Ci3 -

matriz, o não schei ; Dão sem grande reparo e maior admi


ração de que até agora se quizesse fiar da fragilissima me
moria dos homens, hoje tão esquecida dos favores do Céo,
cousa tão memorável e digna de que os melhores escriptores
se cançassem em compor encómios a tão milagrosa chegada?
E porque as escriptas se introduziram no orbe para fazer
eterna as causas, que por alguma sorte mereciam que o tempo
( consumidor delias ), as não apagasse e assim as ficassem
perpetuadas : Determinei que pela presente se etemisas se a
lembrança de tão sobrenatural favor, dispensado a estavilla,
pela Divina Omnipotência, e para que os moradores delia,
como 03 mais pios e devotos romeiros, que Be chegam a valer
do patrocínio de tào Soberana Effigíe do Kedemptor do Mundo,
procurando achar u'elle o seguro porto, em que têm asylo as
suas necessidades temporaes e espirituaes, tenham d'aqui em
diante maior a mais viva fé e esperança certo do remédio,
exponho, neste livro dos capítulos de visita, a noticia tirada
por informações de pessoas antigas e fidedignas que,, se não
presenciaram o caso, ouviran-no aos que a elle assistiram e
se acharam presentes.
« Que, sendo no anno de mil seis centos quarenta e sete,
mandados dois Índios bcçaes e sem conhecimentos e ignoran
tes da fé, por Francisco Mesquita, morador na praia da Juréa,
para a villa da Conceição, a seus serviços particulares, acha
ram na Praia de Una, junto ao Kio chamado Passauna, ro
lando um vulto com as superfluidades do mar a que vulgar
mente chamam ressacas; e reconhecendo o levaram para o
limite da praiu, onde, fazendo uma cova, a puzeram de pé,
com o rosto para o nascente, e ass ni o deixaram com um caixão
que divisaram ser da cera do reino e umas botijas tle azeite
doce, cujo numero não pude saber ao certo, as quacs cousas
se achavam desviadas em pequeno espaço . do dito vulto, e
voltando os ditos Indioí, d'ahi a dias, acharam o dito vulto,
que não conheciam, no mesmo logar, mas com o rosto virado
para o poente, no que fizeram grande reparo pelo terem dei
xado para o nascente, e não acharem vestígio de que pessoa
alguma o pudesse virar ; e cheirados que foram ao sitio de
seu adihiuistrador, contando o caso, que logo se soube pelos
visinhos, resolveram Jorge Serrano e sua mulher Anua de
Góes e seu filho Jorge Serrano e sua cunhada Cecilia de
Góes a ir ver o narrado pelos índios, e chegados, acharão a
Santa Imagem na fornia em que os índios a tinhão exposto,
e tirando-a métteram n'uma rede e a trouxeram alternativa
mente os dois homens e as duas mulheres, até o pé do monte
a que chamarão Juréa, onde os alcançou a gento da villa
da Conceição, que vinhào ao mesmo etteito pela informação
dos índios ( * ) a qual gente da Conceição ajudaram aos

( • ) — A « gente da Conceição» havia ido em busca da dita Imagem, pelo


facto de ter ella dado a costa na Praia da Juréa — que fazia entno parte do Mu
nicípio de Itanhaen.
- 614 —
quatro na conducçao da dita Santa Imagem, até ao mais
alto do dito monte da Jurca ( * * ), donde os dous homens a
as duas mulheres com a mesma alternativa, a transportaran!
até a Barra do Rio chamado Ribeira de Iguape, onde foram os
moradores da Villa de Iguape buscar a Santa Imagem, tra-
zendo-a com mtiito grande acatamento, jmzeram no rio a que
cham&o boje, com muito graude alegría — A Fonie do Seuhor,
— para )he tirar o salitre e ser encarnada de novo, o que
conseguirâo depois de segundo encarne, pela imperfeiçâo com
que ficava, e conseguindo o ornato, a colocarlo nesta Igreja
de Nossa Seuhora das Neves, em que está, aos dous dias do
mcz de Novembro de mil seiscentos e quarcnta e sete, con-
torme acbei no asseuto de um curioso, tirado de outro mais
antigo ; tambem achei informaçào deque era trad içao. de que
a Santa Imagein do Senhor Born Jesus, vinha do Reino de.
Portugal, embarcada para Pernambuco, e que encontrando о
navio outro de inimigos infléis, laucara m os do navio Por-
tuguez a Santa Imagem ao mar, para nao ser tomada, com
о mais que se achou junto a ella, de cêra e azeite ; e que
no mesmo tempo cm que foi acbada a dita Imagem na praia
foram vistas, pelo Padre Manoel Gomes, vigario da Ilha de
Sao Sebastiâo, passar pelo mar, da parte norte para a do
Sul, seis luzes, urna noite, cuja luzerna illutninava grande
circumferencia, a quai noticia déra, o dito vigario, ao Re
verendo Padre Antonio da Cruz, religioso da Compaiihia de
Jesus. E para que venha a noticia a todos e estes louvem a
Deos e Senhor сошо convêm por tao soberano favor, esperando
a sua misericordia, que foi servido se cumprisse a prophfcia :
Orietur Vobis Sol Justitiar,, se verifique tambem a subsé
quente : Et Saititas in репиг.ч éjus. »
« Curando nofsas a' mas do contagio da culpa, dando-
nos o premio dos escolhidos promettidos, mandei escrever esta
informaçao, que mando ao Reverendo Vigario e seus succes-
sores a publiquem e leiào no dia da testa do Senhor, no
tempo em que costumào 1er as esmolas do auno, о que cum-
pririto sob pena da Santa Obediencia. Dada em visita, sob
meu signal e sello, que perante mim serve nesta Villa de
Xossa Seuhora das Neves de Iguape, aos vinte e dous do
niez de Outubro de mil setecentos e trinta. E eu. o licen
ciado Padre Manoel do Valle Palhano, Secretario da Visita,
o fiz e escrevi. — Chistovam da Costa Oliveira. »

Aínda a appaeiçào da Imagem do Seshor Bom Jesuí. —


Outras notas

Como annoiaçào a este importante, documento daremrs


aínda alguns esclarecimeutos sobre o que consta da tradiqao

С "> — O alto, ou o cume da Jurca, ¿ta a linha divisoria entré os dous


municipios — Iguape с Itanhaen.
— 615 —

conservada pelo povo de Itanhaeu, a proposito do facto da


appariçao na praia de Una, da venerada Imagem do Senhor
Born Jesus de Iguape.
Em primeiro logar diremos que o facto pela sua im
portancia e pela forma por que se operou, nao deixa, até
hoje, de ser considerado como um portento, principalmente
por aquelles que, como nos, ainda cheios de fé, nao desde-
nham em investigar a verdade nesses assumptos.
Examinemos, pois, as particularidades do facto, para ver
como se produziu a maravilhosa appariçao da Sagrada Ima
gem do Kedemptor, que tanta prosperidade levou á humilde
povoaçào de Iguape, em 1647, tornando-a, dahi em deante,
tào notavel entie as demais villas do littoral paulista.
Referem os documentos citados que a Sagrada Imagem
vinha de Portugal, destinada a urna Enreja de Pernambuco,
e que tendo o navio que a transportava encontrado, na via-
gem, um outro navio de infléis >, e, para nao ser tomada e
profanada por estes resolverán), os do navio portuguez, lan-
çal-a ao mar, junctamente com as caixas de « cera do reino »
e as « botijas de azeite doce » , que acompanhavam a mes-
ma Imagem.
Indaguemos pois, quai teria sido esse « navio de iníieis»
que perseguiu o dito « navio portuguez » que trazia para
Pernambuco essa preciosa Imagem.
Nessa époce, 1647, Pernambuco e grande parte do norte
do Brasil estavam ainda em poder dos hollaudezes. O prin
cipe Joño Mauricio de Nassau, com a sua política generosa
e liberal, dizem os historiadores, havia conseguido dar grande
força e incremento á colonia hollandeza com sede em Per
nambuco.
Imprimiu o cunho de seu talento ¡i todos os ramos du
administraçao publica e concedeu liberdade a todos os cultos
— catholico, protestante e israelita ; mandón reconstruir as
igrejas catholicas e conventos que haviam sido destruidos e
arruiuados pelos invasores seus patricios, o que muito coutri-
buiu para merecer o apoio e gratidäo do povo de Pernambuco
e das déniais povoaçôes sujeitas ao seu goveruo. »
Durante o periodo de sua administraçao, Nassau mau-
teve, em parte, rclaçôes commercials e firmón mesmo um
tratado de alliança ou um armisticio com o governo da mé
tropole.
E' provavel, pois, que essa Imagem do Kedemptor, man
dada de Portugal ou da Ilespanha para Pernambuco, fosse
destinada a algumas dessas egrejas ou conventos restaurados
por ordern do dito Joào Mauricio de Nassau.
Em 1648, tres anuos após a sua retirada para a IIol-
lauda, recomeçarara as hostilidades entre hollandezes e por-
tuguezes. Os hollaudezes depois de se terem apoderado de
novo de quasi todo o norte do nosso paiz, rompendo assim
o tratado que haviam feito com a métropole, voltam-sa ain
da unía vez para o sul atacando, pela terceira vez a Bahia.
— 616 —

Segismundo van Schkoppe, que havia chegado a Recife-


era 1." de Agosto de 1646, teudo soffrido grande derrota,
por parte dos patriotas brasileiros, dirige-se com sua esqua—
dra para a Babia onde chegou a 8 de Fevereiro de 1647,
desembarcando na Ulm de Itaparica que devastou bem co
mo todo о reconcavo bahiano.
Foi, sem duvida, nesta occasiäo, durante as batalhas
navaes entre hollandezes e brasileiros, que se deu a chegada
do « navio portugués! » conduzindo a Sagrada Imagem do
Bom Jesus, ás aguas de Pemambuco ou da Babia.
О « navio de infléis » ao quai as memorias históricas e
a tradiçào ее refere — era incontestavelmente — um navio de
guerra bollandez pertencente a frota de Van Schkoppe.
Devenios concluir portento que — foi em Fevereiro de
1847, que, ñas aguas da Bahia ou Pemambuco foi laucada
ao mar a precios.: — carga qiie veiu dar á costa, após muitos
Inezes, ñas praias desertas de Itanhaen, isto é — a 2 de No
vembre de 1647, — gastando a dita Imagem, neste trajecto
sobre as ondas, mais de oito mezes.
E' alias bem sabido que, todas as vezes que se davam
ataques a Bahia, pelos hollandezes, os navios corsarios desta
naçao vinhain piratear até o extremo do littoral paulista. Nao
consta entretanto que nesse anno de 1647 viesse navio
algum bollandez, ou de outra qualguer naçào, piratear na
nossa costa.
E' forcoso admittir, por conseguinte, que esse « navio
de infléis » que deu caca ao dito « navio portuguez », só
poderia ser um vaso de guerra bollandez da frota de Van
Schkoppe, e que essa caca só poderia ser effectuada ñas aguas
da Bahia ou de Pemambuco, como já ficou dito.
Pedro Taques na sua « Nobliarchia Paulistana », titulo
— Gayas — dá a respeito dos navios piratas urna interessante
nota a proposito de Manoel Alfonso Gaya o qual, em fins do
seculo XVI. com mais tres irmaos, veiu estabelecer-se na
Villa de Santos.
Depois de relatar algumas façanbas e feitos heroicos
deste valoroío Capitào repelindo, por mais d'uma vez, os
ataques dos indios e piratas contra o porto de Santos, ter
mina assim : « No auno de 1599 oceuparam a ilha de Sao
Sebastiao tres navios de hollandezes inimigos contra os quaes
mandou D. Francisco de Souza ( Governador geral do Bra-
bíí ) por sua provisäo datada de S. Paulo, um soccorro de
geute que se incorporou em Santos ao capitäo de Iufantaria
Diogo Lopes de Castro, com moradores de Santos e S. Vi
cente, para irem atacar o inimigo hollandez. »
« No anuo de 1601 os mesmos hollandezes oceuparam
os mares da Ilha de Sào Sebastiào com urna grande Urca
chamada « O Mundo Dourado. » ( Esta sería a mesma, assim
chamada, que — em 1599 vein ao porto de Sant s, e só de
direito. que pagou a fazenda-real, se carregou em receita
ao Alinoxarif'ado — seis contos cento e vinte mil réis. ) Na—
— 617-

vegando nessa occasiao um religioso benedictino com varias


pessôas. em um barco, e outros em urna canoa para o Rio
de Janeiro, fôram todos captivos pelos ditos inimigos. »
« Âccudiram os moradores de Santos e Sao Vicente, por
ordern de D. Francisco de Souza, Governador Geral que neste
anno se achava em S. Paulo, o qual mandou ao CapitAo-
Mór da Capitanía — Gaspar Barreto, que sahiu com um corpo
de mil homens e indios flexeiros, em urna — Armada de
Canoas — contra o pirata, para cujo fim mandou o dito Go-
vernador Geral assistir com pólvora e bala e mais necessario ;
ficaram victoriosas as nossas armas ( Canoas ) e rendida a
Urca com todos os hollandezes, cujo capitào era Lourenço
Brear : artilbaria e mais muniçôes do guerra e presas, que
tudo se conduziu para o porto de Santos, onde -por espaço
de cincoenta dias ficou guardada a Urca pelos moradores. ., »
« Finalmente, accrescenta ainda Pedro Taques, desde
1641 até 1655 infestarnm os hollandezes as costas do Sul e
porto de Sautns e S. Vicente e, no decurso de quatorze
annos deram de prejuizo mais de cení mil cruzados, pelos
navios e fazendas que tomaram no trajecto marítimo de
Santos a Rio de Janeiro. »
« Estando o pirata hoüandez occupando a costa, nestes
quatorze annos, conclue o historiador généalogiste, e appa-
recendo sobre a barra de Sautos um navio, sahiu o Capitao
Manoel Aflouso Gaya contra o inimigo, sein mais embarca-
çào que unía canôa — armada em Guerra — e nesta facçào
o acorapanhou sen genro Antonio Barboza Sotto-Maior ( * )
o qual em 1642 foi próvido em Capitào da «Gente de Santos.»
Ora, Pedro Taques que tào minucioso é nestas nar-
raçôes sobre os piratas que nesta época infestavatn os mares
da nossa costa meridional nada nos diz, entretanto, sobre
esse « barco de infieis » que em 1647 deu caca ao navio
portuguez que conduzia a Sagrada Imagem do Born Jesus,
da qual elle era um fervoroso devoto, segundo as suas
declaraçôes, em cartas, a seu segundo parente Fr. Gaspar da
Madre de Deus.
Isto prova que o episodio ¡nitre o navio de infieis e o navio
portuguez, que tao notavel seria nes^a época, nao se deu ñas
nossas aguas, mas sim nos mares septentriouaes entre Bahía
e Pernambuco.
Nao se pode nern de leve suspeitar que o facto da ap-
pariçao da Imagem do Boni Jesus, na praia de Una, houvesse
sido urna leuda, urna burla ou mistificaçào preparada, por
alguem — de antemao — com o fim de abusar da credulidade
do povo.
Nao. O facto é narrado com singeleza e simplicidade
citando nomes e datas, com a maxima siuccridade, nessa me-

( * ) Ver este nome na —RelacSo dos Capitäes-Govemadores de Ita-


nhaen, onde se faz mensäo a este episodio histórico.
- 618 —

moria que já ficou transcripta ; e, apezar do largo curso de


tempo que desse facto decorre, verifica-se que toda a popu
lação do littoral de Itanhaen e Iguape conserva aiuda bem
vivas todas as tradições que se ligam ao maravilhoso achado.
Diz a narração histórica e a dita tradição confirma que
a Imagem do Bom Jesus ao ser retirada do mar estava cheia
de limo e salitre proveniente da agua salgada, o que prova
evidentemente o longo tempo que andou a mercê das correntes
marinhas.
Para retirar esse limo e salitre bem como as demais
impurezas que o mar deposita sobre os objectos que lhe são
confiados, foi necessário laval-a mais de uma vez e proceder a
nova incarnação, na dita imagem, antes de recolhel-a á
Igreja do N. S. das Neves, conforme consta, não só do Me
morial, como da tradição, conforme vamos provar.
Na « Memoria » á qual vimos nos referindo, consta da
« Gente da Couceiçào » que foi ao local etc, bem como da
primeira e única lavagem que fizeram, da dita Imagem, no
ribeiro ou rio que depois se deuominou — Fonte do Senhor.
— Entretanto, a tradição popular em Itanhaen, sobre o facto,
é a seguinte :
— Logo que chegaram a villa da Conceição os ditos
Indios-boçaes contando o apparecimeuto da Imagem e dos
mais objectos que a acompanhavam, foram imuiediatamente
alguns habitantes a praia de Una, a mandado do Capitão-
Mór Valério de Carvalho, com o fim de verificar o facto e
arrecadar para essa villa taes objectos arrojoados pelo mar,
visto que as praias de Una e Juréa estavam então fazendo
parte do districto da villa de Itanhaen ; que, logo ao che
garem ao logar designado, em companhia dos índios, ten
taram conduzir a Imagem para Itanhaen, o que não consegui
ram por ser a mesma « muito pesada » : que, os ditos I n d i ■ s de
clararam que — quando a colocaram uo « barranco do Juudú, —
dentro de uma cova, a tinham posto com o rosto voltado para o
nascente ( lado da Conceição ) e que — ao voltarem de Ita
nhaen viram com espanto que a Imagem se havia virado
para o poente ( lado de Iguapc. )
A « Gente, da Conceição » começou então a comprehen-
der que em tudo aquillo havia algo de maravilhoso. Elles
já haviam notado o peso excessivo da Imagem sempre que
tentavam couduzil-a para o nascente, ao passo que ella se
tornava mais leve e, portátil quando elles retrocediam a mar
cha para o poente '. . . .
Foi nessa occasifto que chegaram os moradores de Iguape,
es quaes, ouvindo e vendo, maravilhados, tudo aquillo que
vinha de occorrer, resolverão., de accordo com os que ali se
achavam, conduzir a Imagem do Bom Jesus para a villa de
Iguape.
A «Gente da Conceição» auxiliou e acompanhou a
« Gente de Iguape » até o cume do morro do Juréa, termo
— 619 —

do município de Itanhaen e ali, em uma Cachoeira, fizeram


então a primeira lavagem da Sagrada Imagem do Rtdemptor.
Essa Cachoeira do Morro de Juréa tornou-se, por esse
facto, muito conhecida e notável entre os romeiros que por
ali passavam, em direcção a Iguape.
Reza ainda a tradição, como é aliás bem conhecido, que
— a Imagem do Senhor ficou impressa em uma penedia, ao
lado da Cachoeira da Jure, a onde se procedeu á primeira la
vagem.
Essa mancha singular da penedia, na celebre cachoeira
do morro da Juréa, onde os fieis romeiros procuravam e pro
curam ainda, talvez divisar a sagrada effigie do Bom Jesus
de Iguape, ainda lá existe.
Si, entretanto, nestes últimos tempos essa Imagem se vae
apagando da referida rocha, estamos certo que existe ainda
bem viva e bem nítida na tradição e ua fé piedosa de todos
os habitantes dessa zona pittoresca e remota do littoral da
antiga Capitania de Itanhaen .
Ignoramos a razão pela qual deixou de constar, no do
cumento em que so registraram todos esses factos, esse epi
sodio tão interessante da Cachoeira do Morro da Juréa, onde
se procedeu a primeira lavagem" da milagrosa Imagem, e, por
isso, é que aqui deixamos consignado o facto e a tradição que
a elln se prende.
Não vimos, entretanto, com este pequeno subsidio, al
terar ou contradizer os factos narrados nessa « Memoria » ; ao
contrario, o nosso intuito, juntando a esse importante docu
mento todas estas notas, é simplesmente reforçar a verdade.
Para provar ainda que a tradição popular, sobre esse
ponto, em Itanhaen, não é uma invenção, passaremos a tran
screver o trecho de « uma Lenda publicada em 1871 pelo
sr. António Manoel Fernandes, conhecido litterato, residente
em Santos e fallecido ha poucos aunos.
O Snr. Fernandes que era um amante e pesquizador das
nossas tradições, deixou escripto e publicad" alguns dados e
noticia?, bem importantes, sobre a historia ttas nossas po
voações do littoral.
Estando algum tempo em Itanhaen, colheu ali algumas
informações e escreveu uma pequena monographia sob o
titulo « A Villa de Itanhaen » como meras « impressões de
viagem » que foi publicada, como já referimos, em 1871,
No final desse opúsculo, ao tratar do convento de N.
S. da Conceição, iuserio o autor — a titulo de lenda, — a
narração, um tantc phantasiosa, de um facto occorrido nos
arredores do dito Convento, na época, mais ou menos, em
que se deu a apparição da Imagem do Bom Jesus de Iguape.
E' a historia de « uma visão », um phantasma que foi
morto por um pescador, a qual aliás não tem relação alguma
com o facto de que nos occupamos.
Transcrevemos apenas aqui a parte que te refere ao
portentoso <• apparecimento de luzes » que foram observadas,
— 620 —

do pateo do Convento, em uma noite, quando passavn, pelo


mar, a Imagem do Bom Jesus.
Essa tradição colhida pelo Snr. António M. Fernandes
em Itanhaen, nessa época, é como se vae ver, idêntica á
que vem narrada na mencionada « Memoria », que diz terem
sido vistas essas « mesmas luzes » em S. Sebastião, etc.
Eis o referido trecho :
*•••••■«•*•••••-
De repente o silencio da natureza por aquellas horas
quietas da noite, foi acordado pelo som dos sinos do con
vento, que repercutia pela atmosphera pejada de luz.
Os cenobitas erguidos dos braços do somno, indagavam
entre si a causa do toque festivo dos síuob.
No cenóbio éra espanto ; em baixo, no povoado, curiosi
dade e. confusão.
Subiram ao campanário — estava tudo deserto, mas as
vozes continuavam suas harmonias.
— Milagre ! milagre ! murmuraram de todos os ângulos
do convento e o Coro dos frades entoou hosannas que re-
peicutiram sob as abobadas do templo, hamoniosas como o
gemido de um órgão.
E os sinos continuavam suas vozes festivas.
— Vede ! vede ! bradou um cenobita, apontando por uma
janella do curo, aberta para o mar. O oceano estava todo
coberto dos reflexos do luar.
Todos olharam, então.
Ao longe, muito longe, entre, a limpidez do céu e sobre
o dorso illumiuado do mar, seis luzes vivas, claras, divinas,
caminhavam parallelas vindas do norte em direcção ao Sul.
« Parecia que nem um sopro as bafejava, nem zephyro
as movia com seu hálito sereno.
Caminhavam como guiadas por mão invisível e omni
potente sobre o oceano que lhes desenrolara em frente, uma
estrada semeada de reflexos.
O céu éra uma cúpula immensa abrazada de luzes
quasi a desabar ao peso das estrellas, e a lua como uma
pérola enorme rolava mansamente por aquellas ardentias do
firmamento. . .
« Na mesma noite essas luzes foram avistadas em toda
a costa. A população das Villas de São Sebastião e São
Vicente, despertada ao ruido dos sinos, teve occasião de
avistal-as, seguindo a direcção de Norte a Sul.
« De Una do Prelado, junto ao rio Pussauna foram mais.
visíveis por se approxiniarem até chegarem a praia.
Os habitantes correram pressurosos ao seu encontro,
achando um grande caixão que, aberto, deixou vêr a Sagrada
Imagem do Senhor Bom Jesus de Iguape. . .

Dirão entretanto, os incrédulos que tudo isso é uma


ficção, uma lenda créada pela imaginação popular.
— 621 —

Não insistimos neste terreno porque sabemos que questões


de fé não se discutem nem se definem.
Ha, entretanto, em tudo isto um ponto principal, in
contestável, que se impõe, contra todas as negações : è o
trajecto feito pela sagrada imagem, das aguas de Pernambuco
até as praias de Itanhaen.
Replicarão entretanto os incrédulos, que, em tudo isto,
principalmente no longo trajecto de uin corpo a boiar sobre
as ondas, obedecendo a direcção das correntes marinhas, não
ha nada de extraordinário, muito menos de « sobre natural »
para Be attribuir a um milagre.
Responderemos a estas objecções que o facto maravilhoso
não consiste nesse longo trajecto, mas sim na influencia in
explicável dessas mesmas correntes marítimas em conduzir,
sempre juntos, todos esses abjectos lançados ao mar, com a
mesma Imagem — ca. caixa com cera do reino e as botijas
de azeite doce », que vieram dar á costa — ao mesmo tempo
e ua mesma praia — conforme referem as chronicas e a tra
dição popular que ninguém ousará negar, nesse ponto.
Na « Vida do Padre Belchior de Pontes » escripta em
1752 pelo Rev. Padre Manoel da Fonseca ( pags. 186 a 190 )
vem também algumas referencia» a esse facto estupendo
da apparição da Sagrada Imagem do Bom Jesus, ua praia
de Una.
O auctor refere-se a um voto ou promessa feita por um
sertanejo paulista, de ir em peregrinação a Villa de Iguape,
o que não pôde cumprir por ter fallecido no sertão.
Conta então o Padre Manoel da Fonseca que o vene
rável missionário Belchior de Pontes viajando um Jia, em
compauhia do irmão Pedro Pereira, pela estrada que vae de
São Paulo a aldeia de Carapycuiba, teve no camiuho uma
comunicação, ou visão com a alma d'esse sertanejo impeni
tente que lhe pedia orações e penitencia, por parte de seus
parentes, por não ter cumprido essa promessa, á Sagrada
Imagem do Bom Jesus de Iguape.
Para bem demonstrar o fervor com que. éra mantido o
culto á Sagrada Imagem, nessa época, 1752, o autor da
« Vida do Padre Belchior de Pontes » transcreve na integra
o documento do Padre visitador, escripto em 1730 e que já
ficou transcripto, e é igualmente citado e copiado por Aze
vedo Marques e outros chronistas.
Ao terminar a transcripção da referida memoria, acres
centa o Padre Manoel da Fonseca : « Até aqui, o Reverendo
Vizitador descrevendo somente o modo com que appareceu e
foi levada á Igreja de Nossa Senhora das Neves aquella
milagrosa Imagem, somo também a forma dos seus milagres
a fez conhecida não só na costa mas também no sertão, cou-
correndo a ella com romarias e votos muitas pessoas do dis-
tricto de São Paulo, pareceu escrever aqui, ainda que fora
de meu intento, uma maravilha que actualmente está reani—
— 622 —

mando o respeito com que se devem tratar as cousas que


são Santas.
Na ribeira a que hoje chamam Fonte do Senhor,
havia um recanto a modo de lago pequeno, no qual como
não faziam movimento as aguas e éra pouco fuudo, foi lan
çada a Santa Imagem para purificar-se do limo que do mar
havia recebido. Boiava ella por ser de madeira e elles com
piedosa audácia lhe puzeram uma pedra em cima ajudando-
com o pezo para que ficasse coberta de agua, sobre outra
pedra, emquanto a purificavam.
Muitos ânuos se conservou este lago servindo de pes-
cina aos necessitados o dando aos enfermos milagrosa Saúde
com o trabalho só de se lavarem em tão Santas Aguas.
Abusaram, porém, de tanta piedade umas meretrizes, e
a pedra, que até então era de pequena estatura, querendo a
seu modo vingar esta injuria, cresceu tanto que tomando
todo o circuito o tapou, deixando somente livre o ribeiro
em cujas aguas ainda hoje estuo depositados grandes re
médios para muitas enfermidades ».
A VILLA DE IGUAPE EM 1737. — OBRAS PUBLICAS
REALISADAS NESSA ÉPOCA. — A FONTE DO SENHOR.
— AS REFORMAS DO PELLOURINIIO E CASA DE FUN
DIÇÃO. AS OBUAB DA NOVA MATRIZ E A SUA CON
CLUSÃO.

Das villas do littoral da Capitania de Itanhaen, não só


da zona meridional como da zona septentrional, foram Iguape
e Paranaguá as únicas que se puderam manter, quasi no
mesmo grau de prosperidade a que haviam attingido durante
o áureo período em que as explorações das minas lhes pro
porcionaram alguma animação e relativo progresso.
Embora se tivessem resentido do êxodo da população,
durante a época das novas e importantes descobertas em
Minas-Geraes e Matto-Grosso, o qual êxodo foi geral em
todas as povoações do littoral, — Iguape e Paranaguá pude
ram ainda assim supportar grande diminuição no contin
gente de suas populações, devido não só ás circumstancias
de não se terem totalmente exgotado as rendas de suas
jazidas auríferas, como principalmente pela posição geogra-
phica dessas duas povoações, que continuaram, no período
de decadência, a manter ainda uma certa importância, devido
ao prestigio que lhes vinha do Governo da metrópole e Go
vernadores geraes : Essas duas Villas do sul eram ainda no
fim do século XVIII os empórios por onde se escoavam
todos os productos da Ribei-a e do Estuaria de Paranaguá,
bem como das regiões centraes, até ás minas de Paranapa-
nema. Era ainda pela Ribeira e pela estrada de Curytiba
que se faziam as « entradas » para o sertão meridional e
Occidental do vasto e rico território paulista.
Não obstante, porém, a grande importância de que go-
sava a Villa de Iguape, já pela sua posição — como escoa
douro natural dos productos agrícolas e auríferos da ex
tensa Ribeira, — já pelos rendimentos dos «quintos reaes »
apurados na sua « Casa de fundição » e no seu — Posto de
Registro, — os seus edifícios públicos e mor parte das suas
residências particulares eram ainda na appareucia, bem mes
quinhos e pobres.
Pelo mappa que vae appenso a esta memoria, o qual
foi levantado no fim do século XVIII, e traz uma planta to-
pographica da Villa de Iguape, vô-se que a área edificada
era bem resumida, e que as ruas se achavam em desalinho
completo, o que era aliás coinmum, nesse tempo. O seu
principal edifício — Matriz — não se achava no centro da
praça, mas encostado ao angulo de um beco que ia ter ao
— 624 —

« porto da Villa ». No centro dessa vasta praça irregular


estavam situados a Casa do conselho, cadêa e pelourinho,
fronteando a outro beco, que descia em direcção ao mar. E'
pena que este pequeno e curioso plano da Villa de Iguape,
não nos indique o local em que estava situada a * Casa da
Fundição » que havia sido reformada em 1730.
Alem desta « Casa de fundição, da qual vamos nos
occupar. havia ainda em Iguape um Posto fiscal, mandado
estabelecer na Ribelia, por um dos Governadores da Capi
tania de Itanbaeu, com o fim de evitar os constantes des
vios, e descaminhos que ião tendo os reats quintos, no tra
jecto fluvial que eutào se fazia por esse rio. Esse logar é
ainda hoje conhecido polo nome de — Rio do Registro — por
se achar o dito posto na embocadura de um pequeno rio, á
margem direita da Ribeira, um tauto abaixo da barra do rio
Juquiá.
No mesmo mappa que vai junto a esta Memoria, nota-
se, um pouco acima do P sto do Registro, á margem oppos-
ta ou margem esquerda da mesma Ribeira, um ponto com
esta deuomiuação — Fortaleza, — o que parece indicar que
houve uesse logar, pouco abaixo da barra do Juquiá, uma
fortificação, ou posto militar de guarnição, com o fim de pro-
tegar a arrecadação do fisco.
Não obstante a importância das riquezas que transitavam
pela Ribeira cujas margens estavam já muito povoadas nessa
época, couforme se vê pelos pontos indicando as habitações
nesse mesmo mappa, — a villa do Iguape pouco progredia e
as finanças do município eram assas precárias, como se vae vêr.
Em 1737 o rendimento anuual da Gamara dessa Villa
era de 207 $000 e as despesas 151$000. Referimo-nos de
preferencia a este auno de 1737 por ter sido o mais pros
pero no trieunio de 173G a 1739, que foi também o mais
rendoso uesse século.
De 1730 a 1735 a receita da municipalidade de Iguape
regulava por metade e ás vezes menos da metade dessa im
portância, isto é, 30$, 40$ e 50S000 rs. cada auno ; havendo
sempre, it deficits, no encerramento das contas annuaes. Nesse
mesmo anuo de 1737. animados com o acerescimo das
rendas, os « homens da Vereauça », querendo mandar construir
uma cosa, no lugar onde existia uma fonte ( Fonte do Se
nhor V ) com abóbada de pedr* e cal e um tanque, nessa
mesma Cachoeira com idêntico material, onde se pudesse
lavar roupas, « e assim mais um Pellourinho de pedra e cal,
com o seu modo de cutello em cima. e uma argolla deferro
no pé do dito Pelhunnho », não acharam quem se quizesse
encarregar desse trabalho, que havia entretanto sido orçado
na elevada quantia de 190$000 !
E como não houvesse quem se propuzesse a fazer essa
obra por menos desse preço, encarreiraram ao Capitão João
Pereira do Valle que mandasse executal-a, por administração.
— 625 —

Até essa época, como se vê, o Pelourinho. « symbolo


■da jurisdicçâo e da justiça», éra aiuda de pau; e, para sa
tisfazer essa necessidade, assim como essa outra, bem mais
palpitante, de melhorar as fontes e fazer a abóbada da
Fonte do Senhor, a Camará sacrificava a mór parte, para não
dizer — o total de suas rendas ; obrigando-se aiuda a forne
cer por sua conta todos os canos e mais materiaes de ferro
de que a obra necessitasse, impondo apenas como condição
essencial : — « que a obra ficasse terminada antes da festa
de Agosto. »
O contracto foi lavrado em 1." de Dezembro desse anno
d 3 1737.
Não sabemos em que condições estavam os velhos edi
fícios públicos de Iguape, nessa época de renascimento, em
bora ephemero, por que passou a importante e tradicional
villa, nem as reformas que se fizeram nos prédios particula
res, mas, a julgar pela importância das rendas— municipaes
que decresceram consideravelmente após esse anuo de 1737,
até o começo do século XIX. é de presumir-se que tudo
continuasse no mesmo estado em que se achava desde o
anno de 1679, época em que o Capitào-mór e Ouvidor de
Itanhaeu, — Luiz Lopes de Carvalho, emprehendeu alguns me
lhoramentos nessa povoação, ordenando que os habitantes
construíssem novas e melhores habitações, e que a Camará
procedesse a novos alinhamentos no « respectivo terreno »,
em vista do estado deplorável em que se achavam as ditas
habitações.
Este estado tão pouco lisongeiro em que se via a Villa
de Iguape, mesmo na época mais florescente da exploração
de suas minas, não éra, entretanto, motivo para que o povo,
lamentasse e attribuisse esse estado de cousas á má admi
nistração ou imperícia dos homens da governança, porque,
o mal, isto é — a pobreza — , éra geral em todas as Capita
nias, nesses primeiros tempos. São Paulo, que de todas as
povoações da Capitania de S. Vicente; foi, desde os seus
primórdios, uma das villas mais importantes e privilegiadas,
não levava grande vantagem, nesse ponto, ás demais povoa
ções contemporâneas.
No fim do século XVI, cincoenta ou sessenta ânuos de
pois de sua segunda fundação pelos jesuítas, aiuda os ho
mens da vereança reclamavam palha e .sapé para cubrir e
remendar a Casa do Conselho e os meirinhos se queixavam
ao juizes de que a Cadeia não tinha segurança por ser
de pau e as portas não tinham nem chaves nem cadeados
para se aferrolharem os delinquentes, que. já uão eram poucos.
Era 1682, — segundo escreve um historiador hesp.inhol
que esteve nessa época em S. Paulo, — as habitações nessa
villa eram construídas « a moda d is índios e no meio
delias apenas avultavam as taipas do Collegio dos Jesuítas
•e as da Matriz e da Casa do Conselho, (senado da Camará)
•que por sigual ainda estava coberto de palha *.
— 626 —
Entretanto, nesse tempo os habitantes -da Villa de S.
Paulo já pagavam impostos e multas bem avultadas e se
cobravam quintos para a real fazenda !
Em 1737 a Casa de Fundiçào em Iguape, que deveria
ser um predio ou edificio dos mais importantes, nao só pelo
fim a que se destinava, como pelos rendimentos que propor-
cionava á fazenda real, era, entretanto, um velho casarán
de madeira e telha-vä, como se verifica do teor de um
« Termo de arrematac&o das obras » da dita caza, que aos
20 de Outubro desse anno de 1737 se mandou aprègoar na
villa de Iguape. Essa arremataçao foi feita pelo Alleres
Joaquim Teixeira de Azevedo, pelo preco de cincoenta mil
réis.
Eis em resumo, em que consistía essa reforma que se
ia fazer na velha Caza da Fundiçào, segundo reza esse do
cumento :
« Reformar toda a madeira, caibros, ripas, e o demais
que for necessario, e toda a telha que faltar, assim como
porta, janella e seus portais, tudo de novo, com huas armas,
seis na parede de páu, como dantes tinha, etc. ... ».
E' de notar-se a economía, para nao dizer — a miseria
— com que se mandava executar essa obra em um edificio
da fazenda real, que ostentava em sua frontaria o escudo,
com o brazäo das armas lusitanas.
Em Iguape, como em todo o littoral, havia nessa época
muito boa cal, feita de « ostras dos sambaquis », e muito
boa cantaría ; entretanto, a Caza de Fundiçào era feita e
reformada com paredes de páu-a pique, e o governo da mé
tropole que já nadava e se afogara em ouro, nesse anno de
1737, decretava : que só se despendesse nessa reforma, a mi-
seravel quantia de cincoenta mil réis !
Já nessa época, 1737, e mesmo antes, os fiéis devotos
do Senhor Born Jesus de Iguape, cuidavam seriamente em
erigir, nessa Villa, um templo digno do culto dessa Imagem
que, desde o anuo de 1647, se venerava na velha Igreja de
Nossa Senhora das Neves, entuo servindo de Matriz, e para
onde aceudiam, todos os anuos, na festa de Agosto, grande
numero de romeircs.
Nao sabemos, entretanto, ao certo, o anno em que fo
rain iniciadas essas obras, mas pelo que se le em urna re-
presentaçào datada de 26 de Setembro de 1804, dirigida ao
Governador de S. Paulo e assigupda pelos Vereadores de
entào ( * ), deprehende-se que as ditas obras da nova Matriz,
nesse anno de 1804, resumiam-se em « — uns simples ali-
cerccs que por alguna accidentes estavam paradoa ha muito
temp", e quo em vista do estado ruinoso da velha matriz,

( * ) Ramiro Pinto de Almeida. — Antonio Martins Rodrigues. — Francisco-


de Paula с Souza. — Manoel J. de Aguiar с Joäo Jacinto de Andrade.
— 627 —

que pouco tempo durará, era urgente que se accudisse na


nova Igreja. — ». ( ** )
Para esse fim, dizem os peticionários, havia boa voutade
da parte do povo que se propunha a trabalhar de graça, em
esquadras, que se renovariam de seis em seis dias.
Propunha-se ainda o povo, ( os agricultoras ) a pagar
um imposto de arroz, voluntariamente, e cujo producto seria
applicado ás ditas obras
Em 31 de Outubro desse anno de 1804, os homens da
governança, encarregados dessa obra, receberam uma cora-
rounicação do Capitào-General de S. Paulo — Bernardo José
de Lorena, de uma ordem regia para fazer trabalhar nas
obras da nova matriz, os soldados das Ordenanças, não só
da Villa de Iguape como das demais do termo da Comarca.

( '** ) O nosso velho amigo de saudosa memoria, — Co


ronel Francisco de Almeida Moraes, nos confiou um velho
documento proveniente de Santa Catharina, referente a D.
«Joanna de Gusmão, irmã do padre-voador e do Secretario
Particular de D. João V — Alexandre de Gusmão, no qual
documento ha referencias bem importantes á Matriz de Nossa
Senhora das Neves da Villa de Iguape, como se vae ver.

DOCUMENTO ANTIUO

Sobre a Capella do Menino Deus, em Santa Catharina,


da qual foi fundadora a Beata D. Joanna Gomes de Gusmão :
« Bastante desgcsto nos acompanha de não possuirmos
nem termos lido escripto algum da vida desta virtuosa Se
nhora ; o que sabemos é apenas por tradição, e pelo que
muitas vezes nos referirão nossos Paes. Sobra-nos, portanto,
toda a fé a essa tradição, — que D. Joanna Gomes de Gus
mão, natural da Villa de Santos, hoje cidade de Santos, irmã
de Alexandre de Gusmão, Secretario Particular de El Rey
D. João V e de Fr. ( sic. ) Bartholomeu de Gusmão ( voador,
por antonomazia, por ser o inventor, n'Europa, da maquina
areostatica etc. ) fora cazada com um major e que não teve
filhos : Que numa romaria, ou viagem a villa de Iguape,
( na Egreja de N S. das Neves ) prometterão, que aquelle
que sobrevivesse ( ou morresse algum dos dois ), não pas
saria a segundas núpcias, e iria peregrinar pelo mundo :
que o marido morrera de bexigas em Paranaguá, e que Dona
Joanna vestindo logo um habito de burel, se puzera a ca
minho, ( poi terra, a pé ), para o sul. Chegando a Santa
Catharina, escolhera para a sua vivenda ( no morro, entre o
matto-virgem ) o lugar onde edificou um pequeno rancho,
onde suas virtudes a fizerão logo conhecer, mais que o seu
nome, podendo re.... (nesta parte o documento está estra
gado)... a vida de beata duas mulheres, e deixando o seu
ranchinho, com ellas... em peregrinação a pé, foi até a Co
— 628 —

Ionia do Sacramento, e mais de urna vez ao Rio Grande,


pedindo esmolas para edificar urna Capella ao Menino Deus,
cuja ¡magern trazia comsigo. Voltando desta viagem a Santa
Cathariua, foi habitar o seu ermo, accresontando a sua ca-
zinha, estabeleceu um pequeño Collegio de meninas que ali
iuo aprender a 1er, costurar e mais que. tudo — instruir-se
na pratica das virtudes. Deu lo£0 conieço, com esm. las que
trouxera e outros que foi obteudo a construçào da Capella
do Menino Deus. Fez collocar n'um altar onde aínda boje
existe a sua Imagem querida, e hé defronte deste altar que
sempre viveu ñas horas dezoccupadas do ensino . . . Quando
por sua nmita idade já nao podia andar, os moradores do
lugar a couduziào, n'uma pndiola, para defronte do altar,
onde de joelhos deu o ultimo suspiro no anuo de 1779.
Quando em 1777 os hespanhoes tomarào Sauta Catha-
rina, para ali correo a abripar-se de alpum insulto muita
geute, bem certa do amparo de tào virtuosa criatura, já ontao
admirada por urna Sauta.
Os hespanhoes respeitarao o domicilio de D. Joanna de
Gusmao como um Azilo Serado e iuviolavel. O Gover—
nador daquelle tempo, Francisco Autonii da Veig* Cabrai,
durante o seu governo, nao dispensou um só Domingo ou
Dia Santo que nao fosse gozar da companhia da virtuosa
e sabia mulher, como elle mesmo a chamava. Os restos
mortaes de D. Joanna Gomes de Gusmào achào-se ali de
positados n'uma urna. — Depois de assim termos referido o
que sabemos, por tradiçào, nos veio ás таоз por diligencia
de um nosso Amigo, o Snr. Leandro Jorge de Campos, da
Cidade de Santos, uus esclarecimeutos extrahidos de docu
mentos verdadeiros, dos quaes inferimos com toda a evidencia
que, — foríw Pais de. D. Joanna,' Francisco Loureuço Gomes
Cirurgiao-mór de Presidio de Santos e D. Maria Alvares :
qtte aquolle fallecerá em 9 de Dezembro de 17-0 e que D.
Maria Alvares, no Inventario que se procedeu pelo Juiz de
Orpbàos da Villa de Santos, ein 4 de Janeiro de 1721, de—
clarou os nomes e idades de 12 filhos que lhe ficarâo por
morte do marido ; diz que D. Joanna Gomes tiuha, na época
do Inventario, 32 ( trinta e dous ) annos de idade e era ca
sada com Antonio Ferreira Gamboa. Desta declaraçào, pois,
se deduz, que D. Joanna nasceu no anno de 1(539 ; tendo
morrido. como dissemos, em 1779, veio por conseguinte a
ter fim a sua existencia no mundo, com 70 anuos de idade, etc.
Este interessante documento, da nossa collecçao, n&o traz
data nem assignatura, mas como, ao tratar de Santos, já lhe
dá a cathegoria de « Cidade », vê-se que é posterior a data
de 28 de Janeiro de 1839, qac foi quando a Villa de Santos
tomou esse, predicamento.
De, outros documentos, já por nos publicados sobre Joanna
de Gusmào, consta da edificaçào que em ьеи espirito pro—
— 629 -

Aiada mesmo com todos esses auxílios e boa vontade do


povo e essa' grande generosidade da parte do Governo da
metrópole, as obras proseguiram morosamente, pelo lar
go espaço de cincoenta e dois annos, que foi o tempo que
decorreu de 1804 a 1856, época em que ficou terminada a
dita obra.
A 5 de Agosto de 1856 teve lugar em Iguape a tras
ladação da Imagem do Senhor Bom Jesus para a nova ma
triz, o que se effdctuou com grande pompa e assistência dos
romeiros, que de toda parte do Brasil vieram tomar parte
nessa solemuissirna festividade, qne marca, nos annaes da
tradicional povoação, um dos dias mais faustosos de sua his
toria.
Esse voto, etssi promessa, feita pelo povo iguapense,
em offerecer um templo diguo a Tmagem do Redemptor, que,
persegnida pelos piratas em 1647, foi solicitar um abrigo nas
desertas praias do littoral paulista, levou — é verdade —
mais de dois séculos para ser realisado, mas foi religiosa
mente cumprida no anno memorável de 1856.

duzio os « numerosos milagres ( ex-votos ) que vio, penien^es


das paredes desse venerando templo de Nossa Senhora das
Neves, na villa de Iguape, onde se achava a Sagrada Ima
gem do Bom Jesus.
O Valle Grande : — a Barra do Icarapara e Barra
da Ribeira em fins do século 18.° — A trans
formação da Barra do Icapara e do antig<> Por
to de Iguape. — A Ribeira velha ou Ribeira
morta. — A antiga « Valla do Rocio. » — As
obr«s do Vallo Grande. — Os Prós e os contras
d'esse emprbhendimento. — As opiniõe; do Chkfb
de Divisão Freire de Andrade b do Dr. Carlos
Rath n'essa época. — As consequências d \ aber
tura do Vallo Grande e as tentativas para o
seu entupimento. — estudos fkitos pela « com-
missão Geographica » do Estado-

Um doa empreliendimentos irais notáveis que se levou


a termo nessa época de effervescentes reformas e melhora
mentos por que então passou a Villa de Iguape, no começo
do século 19.°, foi incontestavelmente a abertura do Vallo-
Grande, obra tão ardorosamente reclamada e discutida
pelas gerações passadas e a qual, ainda hoje, tanto interes
se desperta, não só aos iguapenses, como a todos aquelles
que se interessam pela segurança e conservação da tra
dicional povoação, hoje cidade e sóde da Comarca, n'uma
extensa e rica zona da Ribeira.
Não poderemos, nem nos é permittido, no limitado es
paço desta « memoria .», fazer o histórico completo dessa
tão farmosa quão discutida obra do « Vallo Grande,. » En
tretanto por sua importância e pelo perigo com que ella
parece ameaçar a actual cidade, não podemos deixar, ainda
que ligeiramente, de nos occupar desse assumpto, mesmo
porque, — já era elle lercbrado e discutido no tampo em que
a Villa de Iguape estava sob o domínio administrativo dos
Governadores da Capitania de Itanhaen.
Pelo mappa que vai junto a esta memoria mandado
levantar pelo poverno portuguez, na ultima metade do sé
culo 18.°, verifica-se que as duas barras — a de Iguape ou
« mar pequeno » e a da Ribíira, eram quasi imprati
cáveis para a navegação de calado e só davam passagem a
sumacas, lanchões e canoas, como vem notado no dito map
pa. A barra do Icapara tinha então dois canaes em sua foz,
tendo o do norte 10, e o do sul 12 palmos de fundo. A
Ribeira dividia-se também em dois canaes, na bocca da barra,
tendo o do norte 12 e o do sul 14 palmos. O leito interior
do c mar pequeno » em frente ao porto velho de Iguape,
regulava de 7, 6 e 4 braças, sendo a sua menor profundidade»
de 3 a 4 braças, próximo á bocca da barra.
— 65i —
О leito da Ribeira, na sua fóz, isto é — entre a bocea
da barra até a Ilha dos Papagaios, era de 3, 4 e 5 braças,
conforme se deduz do exame do dito mappa, do seculo 18.
A barra do Icapara, ou barra do mar pequeño, confor
me é designado no referido mappa, tinba, nessa época, um
aspecto topegraphico bein diverso do que hoje se conhece, —
si estabelecermos um confronto deste mappa com os estudos
■de detalhes feitos últimamente pela * Commissào Geographi
ca de S. Paulo. »
Pelo antigo mappa, vé-se que a dita barra do Icapara
estava situada na lat. aust., de 24° 4' e 33", bem mais ao
sul, portante, do local em que actualmente se acha. Ao nor
te dessa barra, entre as morros dos Engenhos e a restinga
-da praia, bavia urna extensa lagóa, a qual vem designada
no mappa antigo com este uome — lagóa de Gapara, — on
de desaguava um rio, corn o inesmo uome, o qual tiuha su
as nascentes nos morros do Gapara.
Esses moms do Gapira sao os mesmos que hoje se de-
nominam — morros dos Engenhos — ( vid. mappas Com. Geog )
As aguas do Vallo-Grande isto é, — as aguas da Ki—
beira, em vez dt; se emboearem pela antiga barra do mar
pequeño ou barra de Iguale, como esperavam com tanta fé,
os promotores dessa obra, produziram entretanto um pheno-
meno inesperado, bem curioso e diguo de nota, como se po
de verificar pelo estudo comparativo que se faz dessa antigo
mappa com os actuaes, levantados pela « Commissào Geo
graphica » : A impetuosidade das aguas arrastando comsi-
go as areias do vallo e da propria Ribeira, obstruiram in-
teiramente a primitiva barra do mar pequeño e — rasgando
ou invadindo com furia a lagoa do Gapara, foi abrir
"urna nova barra ao nerte, inuito além da embocadura do rio
Icapara ( ou Gapara ) quasi a meio da prainha que medeia
as duas barras do Gapara e. Ribeira.
Si a barra do mar pequeño ou barra do Icapara, como
actualmente se denomina, nada aproveitou para a navegaçao
do Porto de Iguape, com a abertura desse desastroso canal
do Vallo Grande, como se verifica pelo desvio da mesma e
pelos grandes baixios e bancos de areia que entào se for
maran! no porto de Iguape, em peiores condieôes ficou a
barn, da Ribeira, cujas aguas represadas, em parte, e sn-
jeitas ao fluxo e retluxo ñas mares irào cada vez diminuin-
do de volume, á proporeilo que forem augmentando as ca
rnadas de sedimento depositadas no leito dessa parte da Ri
beira represada e ñas respectivas margene, que cada vez
mais hào de avançar pela aplomeraeào das barceiras de agua
pes, e pergzaes que ali se formam, consequeucia directa e
immediata da falta de correnteza das aguas que hoje se en-
caminham directamente, para o vallo.
A esse trecho da Ribeira, assim represado, que vni da
embocadura do vallo á barra da ine<ma Ribeira, o povo deu
o uome de Ribeira Yelha ou Ribeira marta, pois que &
— 632 —

abertura do Vallo-Grande veiu não só ameaçar a existên


cia da cidade de Iguape impediudo o seu livre cominercio e
navegação, mas também, matar ou auiquillai completamente
o futuro dessa zoua inicial da Ribeira, na extensão de 26
kilometros, zona aliás tão prospera e tão risonha no fim do
século 18.°, como se verifica por esse velho mappa no qual
se nota o numero de habitantes e engenhos que estavam es
tabelecidos em ambas as margens, desde a sua foz até o
Coxtão dos engenhos e o velho Porto da Ribeira.
Hoje, é apenas na encosta dos morros dos Engenhos
em frente á barra do Paraupava. que se nota ainda algu
ma animação, pelos engenhos que ali existem; porém o res
to dessa parte da Ribeira, inclusivo o seu Porto está quasi
todo despresado. Os únicos habitantes que vivem uesta re
gião estão situados em um pequeno núcleo no Suámirim, pró
ximo á dita Barra da Ribeira.
Toda a encosta, dahi até a barra do Una da Aldeia, em
frente á Ilha dos Papagaios, segundo os Relatórios da «Com-
missão Geographica » está toda despovoada.
Não foi só a barra de Iguape e a barra da Ribeira,
com toda essa região, que ficaram prejudicadas com a aber
tura do celebre Vallo Grande. Todo o porto de Iguape e
uma bôa parte do mar pequeno ficaram, igualmente, obstru
ídos com as areias do Ribeira e do Vallo, com grande pre
juízo para a navegação dos vapores que demandam esse porto.
A atracação dos navios e pequenas embarcações, que
antigamente era feita no porto-velho, ou porto-grande, está
agora recuada uns seteientos metros para o largo devido aos
baixios.
O leito do mar pequeno, nos lugares em que antiga
mente, mediam-Be seis, sete e oito braças de fundo, confor
me se verifica do antigo mappa, está hoje reduzido a um
canal por onde difficilmeute evoluem os navios, como se vê
das sondagens e mais estudos feitos nessa região em 1908,
e que constam do Relatório apresentado pelo dr. João Pedro
Cardoso, Chefe da Commissão Geographica de S. Paulo, o
que constatámos de visu na excursão que fizemos a Iguape.
Agora, que, resumidamente, já demonstrámos as conse
quências desastrosas desse emprehendimeuto, cujo erro em
vão se tem procurado remediar, — é justo que relatemos al
guns dos pormenores e a forma porque foi levado a effeito
a abertura do vallo.
A 10 de Julho de 1679 o Capitão-mór e Ouvidor de
Itanhaeu — Luiz Lopes de Carvalho, achando-se em Iguape,
mandou medir e demarcar uma sorte, de terras — para o ro
cio da nova villa, que havia sido mudada do antigo local
para esse pouto — em frente á barra do mar pequeno ou la
gamar de Cananéa, conforme já ficou demoustrado no co
meço de^ta « Memoria da Villa de Iguape. >
Para a demarcação e divisão detsss terras fez-se, nessa
occasiao, a abertura de uma valia, desde o mar pequeno até
— 633 —

a margem Occidental da lagoa que se communicava com o


Ribeira.
Essa valia mandada abrir pelo Governador de Itanhaen
seguia quasi parallela ao caminho que do Porto da Ribeira,
( nessa mesma lagoa ) vinha ter ao povoado.
E'ra pela direcção d'essa valia, de trezentas ( * ) braças
de extensão, que desde os primeiros tempos, os habitantes de
Iguape pretendiam abrir um canal que communicasse as
aguas do Ribeira com as do mar pequeno.
A primitiva valia do rocio servia também de cerca que
impedia o gado, que pastava do lado opposto ás terras da
Camará, de vir damniiicar as plantações que se faziam nas
terras do rocio. Com o correr dos annos, e com o desenvol
vimento da Villa e o grande movimento de carros de boi
e outros vehiculos, o caminho do Porto da Ribeira por
onde passava, não só para a Villa como para o mar, toda a
producçào da Ribeira, se foi arraigando cada vez, mais no ani
mo do povo — a idéa da abertura do canal ; mesmo porque,
( allegavam então ) tendo augmentado o gado com as novas
criações, e estando já obstruída a antiga uajla do rocio, havia
constantes reclamações dos donos de plantações, nas terras
do rocio, pelo estrago que lhes causavam os animaes que ahi
viviam soltos, em grande quantidade.
Em representações feitas pela Camará de Iguape e pelo
povo ao Governador de S. Paulo em 1804 e 1805, pedia-se
com grande instancia a autorisação para a abertura desse
valia, « ha tantos annos reclamadc », expondo-se todos esses
motivos e dizendo-se ainda que esse canal ou vallo deveria
seguir a mesma directriz da antiga valia do rocio. O Capi-
tào-general de S. Paulo, não querendo, entretanto, assumir
inteira responsabilidade da autorisação desse emprehendi-
mento, prevendo já, talvez, as suas consequências desastrosas,
mandou, em 14 de Fevereiro de 1805 que « a Camará de
Iguape desse uma informação em regra, depois de ter ouvido
os cidadãos de mais conceito e probidade, não só da Villa
como do seu termo. »
Em '20 de Março detse anno de 1805 José Gonçalves
Maia, Juiz Ordiuario e Presidente da Camará de Iguape,
fazia constar ao Governo de S. Paulo, as condições em que
José Innocencio Alves Alvim e José António dos Anjos, se
propunham fazer a abertura do canal, mediante um contracto
ou privilegio, para cobrar, durante dez annos, um imposto
de transi-io no canal, que contrabalançasse as desposas de sua
abertura e conservação.
As obras parece que tiverão inicio, nessa época, mas foram
logo sustadas, porque desde então começaram a surgir

(• ) Os documentos antigos dizem trezentas braças, porem a distancia é


muito maior, conforme verificamos.
— 634 —

outros projectos, que depois de calorosamente discutidos eram


postos á raargem, por irreal isaveis.
Só de 1825 ou 1826 em diante, com as reformas admi
nistrativas e políticas <em vigor, e com o enthusiasmo da época,
é que se tratou, mais seriamente, de levar a effeito essa em-
preza.
Em 7 de Agosto de 1826 a Cámara dirigiu urna repre
sentado ao Presidente da Provincia sobre o assumpto,
apresentando entäo dois projectos. Um, ao sal, partindo ( o
dito canal) da lagôa e Porto da Ribeira, por esse antigo tra-
çado, a Valla do Roció ; e outro, ao norte, passaudo entre a
povoaeuo e os morros de Iguape ou morro do Senbor.
Já nessa occasiào, entretanto, os vereadores tiveram o
criterio de lembrar ao Governa a necessidade de um estudo
serio sobre o assumpto, por pessôa competente, afim de evi
tar — « o futuro perigo que poderia sobrevir a esta villa. »
Diziam aínda em outras petiçôes, que : « o terreno do
norte seria mais resistente, no sopé dos morros, ao passo que
d'outro, do lado do Sul, a terra era menos competente por ser
terreno baixo e arenoso. A obra seria fácil, por esse lado,
porem de éxito pouco provavel, mas, acrescentavam ; o canal do
lado do norte, embora de mais vautagens, trazia o grande
inconveniente de isolar a Villa dos morros, d'onde Ibes vinha
a agua potavel e todo o material de construeçao de que a
mesma villa carecía.
Entretanto, esse inconveniente seria remediado com urna
ponte ligando a Villa ao terreno dos morros. »
O Governo Imperial, tomando na devida consideraçao
o « grande melhorameuto do Porto de Iguape ». maudou
em 1826, em commissào, o chefe de divisào — Paulo Freiré
de Andrade (*) que estudaudo a fundo o terreno e ouvindo
as diversas opiuiöes e nao acreditando nos infundados re
celos dos vereadores e de alguns profissi .naes na materia
que condemnavam o canal do lodo do sul que poderia vir
preiudicar a villa, pelos desmoronamentos produzidos, com a
impetuosidade das aguas da R/beira, quando para ali se en-
caminhn ssem — foi de parecer que nao havendo nada que
rece>ar por esse lado, podiam proseguir as obras pelo canal
do Sul.
Sào estas, mais ou menos, as razñes com que o chefe de Di-
visao Andrade concluiu o seu relatorio : « Havendo no Porto
da Ribeira urna Alagaa que se communica com a Ribeira, por

C") Este official de marinha, Pedro Freiré de Andrade, era bera conhe-
cido neste littoral de S. Paulo e toi encarregado de algumas « Commissöes » na
estrada dii marinha
Os annaes da Cámara de S. Vicente, Itanhaen e Santos fazem mençao de
alguns trabalhos executados por esse engenheiro naval.
Nos últimos tempos, parece-nos que residía em S. Vicente, onde falle-
ceu e foi sepultado, conforme se deprehende do se^uinte epitaphio gravado era
urna lousa de marmore, que se achava em a nave da vc-lha matriz de S. Vicen
te : *Aquijaz Paulo Freiré de Andrade, Chefe de Esquadra, nasceu em 17Ö7
с fallecen cm 1851 ,»
— 635 —
um canal, ja pela natureza aberto, e que a agua da corrente
da Praia entra nessa Alagôa perdendo ja parte da força que
tem em sua velooidade ; e depois de perder esta força espa-
Ihada em todas as direcçôes da Alagôa, entra ja no canal
sem força alg-uma . . ., » portante, continuara elle « nada
poderó prejud/'car a villa . . .
E foi assim, com este с luminoso parecer », que o Go-
verno auctorisou e auxiliou com verbas repetidas, a abertura
do vallo grande, pela parte do sul.
E' devéras curiosa e interessante, nos quarenta e quatro
annos que se seguiram, de 1826 a I860, a historia do
já tào celebre caual do Vallo grande, pelos incidentes e pelas
diversas phases por que passou a obra.
Formaram-se entao dois partidos : — o do Sul, во do
Norte, isto é, — o do3 partidarios do canal do sul, e o
dos que opinavam e clamavam com ardor para que fôssem
suspensas as obras no dito canal do sul e se optasse defini
tivamente pela abertura do canal do norte.
Na propria Cámara de Iguape debatiam-se com fervor
estas duas correntes oppostas. Na agitada e laboriosa sessào
extraordinaria da Cámara de Iguape, de 11 de Agosto de
1829, os vereadores José Jacintho de Toledo e Malta Carneiro,
apresentaram urna moçao de protesto pela abertura da valla do
lado do sul, o qual protesto foi contestado por outra moçao îida
nessa mesma sessao pelo padre Francisco Manoel Junqueira,
que exercia entao о cargo de » fiscal das obras do vallo. »
Nessa mesma sessao ainda se pronunciou a favor do
canal do norte o vereador Capitào Antonio Borges Uiniz, o
qual, com um bem elaborado e sensato projecto, pedia que
a Cámara suspendesse de urna vez essa já tíio contestada e
malfadada obra do Vallo grande.
A Cámara, em vista de tantas controversias, deliberou
entào levar ao conhecimento do Vice-Presidente da Provin
cia, em 14 de Agosto desee auno, todos os debates que ti-
veram lugar na sessao anterior, « afim de que S. Ex.cia dé
terminasse o que foss.e de justiça. »
As obras, desde entào, parece-nos que ficaram parausadas
até 1833, que foi quando, em vista de outras reclamaçôes,
forain de noro reincetada?, segundo se le em um officio di
rigido á Cámara de Iguape por José Innocencio Alves Alvim,
que era nessa época o « Inspector das obras do caual. »
Entretanto, em 1835, dois annos depois, os vereadores
representaran! ao Presidente da Provincia, queixando-se que
« a obra estara proseguindo com grande morosidade devido
á falta de recursos pecuniarios e áü difficuldades do terreno
que, com as chavas, ia cada dia desabando e entulhando as
eecavaçôes já feitas com tanto trabalho ».
Pedia-se entào noros auxilios ao Governo da Provincia,
« visto como o poro pela morosidade em que ia a obra, se
recusara a pagar os impostes, com que se hariam tributado
todos os habitantes ribeirinhos, e as subscripçôes em Ignape
— 636 —

já não davam resultado, não obstantante andar-se a men


digar de porta em },oita *.
Em 1839, as cousas aiuda estavam no mesmo pé, e o
povo, em um abaixo assiguado dirigido á Camará, conti
nuava a clamar e a pedir « a extincçào do imposto de 20
réis por cada alqueire de arroz pilado, que estava inutil
mente pagando para o canal », e concluíam, dizendo : Este
canal não se concluirá em tempo algum, por causa do local
da sua edificação ser compcsto de areia, que continuamente
está cahiudo, desfazendo quasi tudo que se tem feito ».
Dessa época em deante as obras foram de novo sus
pensas e . . . quasi esquecidas, conforme se verifica de um
officio da Camará Municipal ao Presidente da Provicia, no
qual ha este tópico : «... ha muito que esta Camará man
dou sobre-estar a abertura daquelle canal, fundada sobre as
mui sabias informações que obteve do engenheiro Dr. Carlos
Kath, e de então para cá não consta que tal obra conti
nuasse . . ».
Finalmente, de todos os homens competentes que estu
daram e deram parecer sobre a tão mui fadada obra do Vallo
Grande, era o Dr. Carlos Kath, o único engenheiro que
conseguiu prever as suas funestas consequeucias e pôde
obstar por aleum tempo a que essa obra se. realisasse ; porém
a sabia opiuiào desse scientista não prevaleceu, pois que,
após o anuo de 1856, as obras foram ainda reencetadas e
concluídas finalmente no anuo de 1860.
Segundo uma representação dirigida á Assembléa Pro
vincial, em 13 de Janeiro desse anno, pelos vereadores de
Iguape, vê-se que nessa occasiào « as canoas já tinham livre
transito no dito canal .■>.
Ao cabo de tantos annos de trabalho de luctas e con
trovérsias, o povo de Iguape via então realizado esse « ar
dente desideratum *.
Porém — ainda assim — os ânimos não estavam de todo
acalmados, visto que as aguas da Ribeira, como que desde
nhando de tantos esforços, não se encaminhavam resoluta
mente pelo canal, o qual, só nas altas marés, é que dava
passagem ás canoas, ou em occasiões das cheias de « aguas
dos montes ».
Esse estado de cousas mais exasperava o povo que pa
gava imposto, e aos partidários do canal do norte, que, em
bora vencidos, não deixavam de gritar continuamente contra
essa obra, dizendo que todo aquelle trabalho havia sido inútil
por ser terreno arenoso ; que cada vez entupiria mais o canal,
pelos desmoronamentos contínuos de suas margens, e que
portanto : nunca e se canal do sul daria passagem jranca ás
canoas da Ribeira.
Só algum tempo depois é que a Ribeira, corno querendo
desmentir t< dos esses preconceitos do povo e as demais opi
niões dos engenheiros e profissionnes competentes, resolveu
encaminhar-se resolutamente, pelo vallo grande, realisando
— 657 —

então todas as previsões de desastre enunciadas pelo Dr. Car


los Ratb.
Os habitantes de Iguape, convenciarr-se agora do grande
erro que commetteram e dos perigos que lhe vinham trazer
a abertura desse vallo ! . .
Esse exíguo e manhoso canal, transposto até então por
urna pequena ponte, que tinha apenas alguns metros de lar
gura, transformou-se de súbito em um caudaloso rio, de mais
de 200 metros de largura, e de grande profundidade, le
vando no seu primeiro Ímpeto grande parte dos terrenos do
rocio com algumas propriedades e culturas e bem assim —
urna bôa parte do cemitério da villa.
E' de prevèr-se o pânico que esses primeiros desastres oc-
casionaram ao povo de Iguape.
Começou então a formar-se na opinão publica, apavo
rada, um forte movimento contrario : aquelles que. se haviam
estercado pela abertura do vailo, quer de um, quer d'outro
lado, — eram agora de opinião que se o entupisse, o mais
breve possível, afim de evitar maiores calamidades. O Go
verno da Província, porém, já cançado de tantas reclamações
ou julgando difficil e irrealizável esse entupimento, do vallo,
foi protelando a execução das medidas reclamadas.
« Em 1887, diz o relatório do engenheiro Dr. Cornelio
Schmidt, a Directoria do 5." Districto Maritimo, foi incum-
cumbida de proceder ao fechamento do já então celebre
vallo ; procedendo á sondagem e mais trabalhos preliminares
procuraram executal-o, com a construcção de um revesti-
timento de pedras, etc ». •
Esse trabalho, conforme se lê no dito relatório, foi le
vado a efteito com grandes despesas, ua embocadura do canal,
na antiga « Lagoa do Porto da Ribeira ; porém, a força das
aguas irrompia de novo pelas margens, não revestidas de
pedras á proporção que se ia erguendo as barragens do leito*
rintretauto. apesar desses graves inconvenientes, tal foi o
esforço e tenacidade que então se empregou, que o povo e
o Governo da Província, chegaram mesmo a crer no bom
êxito dessa obra ; . . . mas, estando as cousas neste pé, aliás,
tão bem encaminhadas e « faltando apenas um metro de bar
ragem para se alcançar o lume d'agua, nas marés baixas,
foi — por ordem superior — suspenso o serviço e tudo ficou
abandonado » !
Como, « em represália », as aguas derrocando as bar
reiras e levando tudo na enxurrada, aprofuudaram tanto o
leito, nesse logar, que hoje se torna quasi impossível uma
nova tentativa de reparação.
« Assim é, diz ainda o citado relatório, que pelos perfis
das secções transversaes feitos então em principio de 1908
encontrou a turma encarregada desse trabalho, a sondagem
máxima de 17,m40.
O mesmo aprofundamento nota-se em todos os logares
sondados naquella época e comparados com os feitos agora.
— 638 —

Na sondagem feita em 1891, antes da entrada do vallo,


mas ainda ua .Ribeira, ( Lagoa ), encontrou-se 17,m16, e hoje,
nesse mesmo logar, é de 20,m10 a profundidade.
A 100 m-ítros abaixo da barragem havia a profundidade
de 9, "'37 ; hoje ha 20,m e assim por deante.
O Dr. Sclimidt nota que ■■ quanto a largura do canal,
pouco tem se alargado de 1891 para cá, o que è natural,
pois esse alargamento havido até esse anno, e que tanto susto
causou á população ribeirinha, era a consequência lógica da
necessidade que tinha o Ribeira de um leito com capacidade
sufficiente para o seu volume d'ngua, concorrendo ainda o
augmento de declividade devido ao seu curso, que ( pela Ri
beira Velha ) era de 26 kilometros, ter passado a 2 kilome-
tros e meio apenas ».
Eis, em resumo o histórico do Vallo-graiide que tantos
trabalhos, sustos e cruéis decepções tem trazido ao povo
de Iguape e aos seus dirigentes.
« O DILUVIO », OU A GRANDE ENCHESTE DA RI
BEIRA EM 1807. OS HABITANTES DE IGUAPE NESSA
ÉPOCA. — Os MORADORES DAS MSROENS DA RIBEIRA
NO FIM DO SE ULO 18. — SaBAÚNA E VILLA NOVA DOS
PRAZERES, DUAS VILLAS QUE .DESAPPARECEM, POR FALTA
DE HABITANTES.

Nas i memorias inéditas da Camará de Cananéa », qup vão


transcriptas uo capitulo immediato apparece uma descripção
bem interessante de um Diluvio ou grande enchente que se
deu nessa região, em 1795, nos mezes de Janeiro, Fevereiro
e Março. O Dr. Ermelindo de Leào, aniiotando essa « memo
ria » diz que esse Diluvio de 1795 não foi um phenomeno
isolado, pois igualmente fez-se sentir em Paranaguá e
Morretes, onde occasionou grandes desastres.
Embora nos annaes da Villa de Iguape nada conste sobre
o desastroso phenomeno dessa época, é provável, entretanto,
que os seus etíeitos se fizessem sentir em toda a zona da Ri
beira, dando lugar a uma dessas enchentes que, de quando em
vez, tanto pânico e prejuízo levam aos habitantes ribeirinhos.
Pelos annaes da Camará de Iguape vemos que, — 12
annos após essa enchente — phenomenal que tautos prejuízos
causou aos habitantes de Cananéa, Paranaguá e Âlorretes,
houve outra em Xiririca e em toda a zona alta da Ri
beira. Tão collossal, foi essa innuudação que se tornou me
morável, não só pelos grandes prejuízos que occasionou, como
pelo extraordinário volume d'agua, nunca até ahi observado,
o qual invadindo todas as habitações chegou em Xiririca, a
attingir o limiar da egreja matriz que se acha colocada no
alto da povoação !
Num « Termo de declaração que faz o segundo vereador
da Camará de Iguape — Felippe Pinto de Almeida, das no
vidades e cazos acontecidos no presente anno de iò'07 » vem
a interessante narração, não só desse Deluvio, como de ou
tros factos não menos importantes que tiveram logar nesse
anno. Eis a dita narração em su t integra :
« Aos trinta dias do mez de Dpzembro de mil oito sentos
e sete annos, nesta Villa de N. S. das Neves de Iguape,
comarca de Paranaguá, em Cazas da Camará e Passos do
Conselho, onde foi vindo o Juiz Ordinário Presidente da Ca
mará com os Officiaes delia no fim assignados, para effeito
de se fazerem Vereauças e cuidar no bein commum do Povo,
e ahi, pelo Vereador-Seguudo — Felippe Pinto de Almeida
foi dito que na conformidade das Reaes Ordens, que se achão
descriptas no principio deste livro, e pelo que lhe hera en
carregado pelos Provimentos insertos neste mesmo Livro fazia
— 640 —
a prezeiite declaracäo Reportando-se ao Mapa geral dos ha
bitantes deste destricto e Livro dos ausentes da Egreja pela
forma seguiute :
Declarou elle dito Segundo Vereador Felippe Pinto de
Almeida que neste correute anno de mil oito ceutos e sete,
em o mez de Janeiro e de Feverèiro quiz Deus Nosso Se-
nhor mostrar o castigo da Sua Colera contra os habitantes
deste Paiz ( especialmente contra os da Freguezia de Xiri-
rica e Ribeira abaixo thé a fronteira desta Villa ) com huma
Cheia que houve na dita- Ribeira tào grande e tào terrivel
que nunca se vio e nem as pessoas mais antigás se lembram
que houvesse outra egual e tào funesta como foi esta que
causou os prejuizos seguintes : Na Freguezia de Xiririca
que fica mais chogada ио meio da longitude da dita Ribeira
por isso mais ou menos distante da Barra que faz uo mar,
seis atoé sete dias de viagem, cresceo a agua da Ribeira
dentro em tres dias com duas noites, Sessenta palmos do
seu natural, subindo este numero de palmos por hum nivel
que o Reverendo Parodio daquella Freguezia José Francis
co de Mendonca e o Reverendo Francisco Xavier de Passos,
que ahi tambem se achava, maudaram como curiosos exami
nar, depois que a Misericordia Divina permittio que as aguas
foseem abaixando. ao tempo que as mesmas aguas foram
correndo e tocando em meio das paredes das casas da dita
Freguezia, e foi deitando-as abaixo, principalmente aquel
las que ficavam ou se achavam situadas a borda d'aquelles
altissimos barrancos onde laborava a maior furia da correute
daquelle Rio ; e na verdade deitou e carregou duas propri-
edades novas que se achavam feitas pelo Tenente Antonio
Goncalves Fontes, em cujo lugar, depois que as affuas bai-
xarain, sómente se viu um grandioso buraco que ainda exis
te, sem apparecer vistigios algún* das casas nein que hou
vesse em tempo algum Edificios naquelle lugar. — Junto a
estas casas se. achavam as casas de Antonio da Costa Cha
ves, de Romào de Franca e outros, as quaes supposto que as
aguas nao levaram, ficaram comtudo demolidas e cabidas por
terra sem paredes, nein telhado porque este com o fundo da
casa correu todo para o fundo onde depois so achou. Todas
as mais casas d'aquella Frepuezia que andaram por cento e
vinte casas ficaram destruidas, sem paredes, demolidas e
aterradas com mais de seis palmos de lodo que vinha com
as apilas, porque em todas ellas chegou o deluvio atirar pela
altura das portas, outras mais por cima a beira do telhado,
e outras por mais baixa altura, de sorte que assim estive-
ram alagadas o espaço de quatro noites com trez dias. Al-
guns moradores que se achavam em canoas entrando por
dentro das casas daquelles miseraveis habitantes tiraudo as
suas caixas e trastes que podiam alcançar e couduziam para
a Sachristia da Egreja onde está collocada a May de Deus,
a Senhora da Guia a qual permittia que aquelle di
luvio nuo chegasse a tocar da porta de sua Santa Eyreja para
— 641 —

dentro, a quai fica situada em hum alto, onde gómente che-


gou a agua ao nivel da soleira da porta principal, e nao
sobrou para dentro, mas todo o corpo da Igreja tinha agoa
que vertía da terra, por onde se conheceu o milagre da
Virgem Senhora dando a conhecer que lá fóra estava mais
alto agoa de que o asento da dita Igreja. Os mesmos mo
radores e o Reverendo Parocho Joze Francisco de Mendonca
dizpois di; terem acondicionado as caixas e trastes dos
mais moradores dentro da Sacristía d:i Igreja fizerào suas
despensaçôens a May de Deus e vendo nesse dia que as
agoas aínda emxiào е. о estrondo que dava actualmente a
dita Ribeira liera cada vez niaior, e lhe vinha conduzinno
grandes Páus, Canoas dispersas, e imeusas arvores f'rutiferas
como herào : — larangeiras, bananeiras e outras que a vio
lencia das agoas arrancaväo e levarào com varios pedaços
dos barrancos que se partirâo do firmamento da terra, de
grandor de quinze a vinte, quarenta athe de sincoenia
braças pela terra dentro, especialmente em algumas voltas
que a Ribeira cortou, e dizpoia sevio em linha recta e di-
reita naque.lles lugares : intimidados deste espetacullo se
embarcav;V> em canoas e forâo entrando nellas pelo mato
dentro em procura de hum monte que fica perto onde es-
teve cituada, com sua Familia, Joaquim Antonio da Cimba,
e ahí se acomodarào ate que destinou a rebaixarem as agoas,
ficando solitariamente o Reverendo Francisco Xavier de Passos
com seus famullos, na dita Freguezia, apozentado na Sa
cristía da Igreja de onde nào se quiz retirar. — Da dita
Freguezia para baixo todos os moradores, que tinhäo montes
ao pé de seos citios correrào para elles a escapar com suas
familias, porque as agoas se aposaräo de sua cazas, e os vi-
zinhos que uào tinhào este regreso, corriâo a procurar, em
canoas, o abrigo dos mesmos morros, e com grande risco
por estar a Ribeira innavegavel por veloz corrente que ti
nha e graude imensidade de madeiras verdes e seccas que
conduzia, — contarào-se dose cazas que dizpois qvie a Ri
beira abaixou sonrientes sevio o lugar délias, e thé hoje sinào
sabe o fim que levarào com seus trastes e pertences do tra
fico de agoad.10, cultura qu^ tudo perderào aquelles mise-
raveis. — Naquelles citios haviào mais crêaçôes, asim como
herào : gados, рогсоз, aves e ov.tras criaçoins cazeiras ; e se
ouviäo os estrondos dos seus berros e gritos, nadando pelo
meio das agoas, e o pobre lavrador. que naquelle conflicto
cnidava em escapar com sua Familia, lhe nao acudia por
modo algum, de sorte que huns entravào pelo mato a nado
e lá se embaraçavào e morriiio, e outros que vinbao, para
a madre da Ribeira, a correnteza carregava com elles, e
desta sorte uiorrerào os pobres animaes ficando estes mora
dores destitulados délies e sein saberem onde forâo parar.
Na occasiào da maior furia da euxente sevio da Fregnezia
de Xiririca virem humas rezes arebatadas da violencia das
agoas, e tomarào pé duas délias sobre os telhados da caza
— 642 —

do Thenente Antonio Gonçalvez Fontes, que emtào aínda


näo tinha rodado, e vendo as pessôas que ali se axavâo
aquellos animaes lutando com a morte, naquelle lugar fora»
acudir e escaparäo de morrer, trazendo-os para o alto da
Igreja onde escaparäo com o mais gado daquella Freguezia.
— Paseados os dias mais tristes deste infeliz acontecimento
forao aquelles moradores ver as suas rocas, ñas quais nao
axaräo coiza alguma com que pod /sein ao menos remediar
sua fome e das suas familias por estarem razas, humas sent
couza de planta, outras podres e outras interradas seis e
oito palmos debaixo do lodo que as agoas traziäo : e por
este modo athe hoje estào experimentando grande fome ex-
pesialmente na farinha, e por consequencia os moradores
desta Villa, que para remediarem a necessidade daquelles
que se socorríalo a providenciar-se das lavouras dos mora
dores da Iiha do mar e praia de Jureya, faziäo com que
ouvese carestía e falta de farinha por todo este auno : este
prejuizo chegou a todos os moradores que se axào cituados
a margem da Ribeira desde sua origem athé froutear corn о
Porto da Ribeira ; e dahi para baixo, athé a barra que des-
agôa no mar grosso, nao fez tanto estrago, porque os grandes
vargedos que dera.i lugar as agoas se espalharem evitavào
subir tanto quanto subirào naquella Freguezia, e lugares
onde vem aquelle rio por entre morros, porque aínda mais
subía a furia da sua inxurrada ; esta narrada e maior in-
xente, na referida Freguezia, se verificou no día vinte e
nove do mez de Janeiro deste corrente anuo de 1807, e por
baixo durou a xeia da Ribeira athé quinze do mez de Fe-
vereiro do mesmo anuo, e dahi por diante entrou a declinar
e abaixarem as agoas. — Dos páus e madeiras que correrào
sao testemunhas os moradores da Praia da Jureya onde
acharào páus sufisientes e de que fizeräo canoas de mais
de tres palmos de boca ; Na mesma praia sevia despojados
imensos páus brutos, portas, e jaue.llas das cazas que a eor-
renteza arrastou ; paredes de cazas < om os páus deilas amar
rados e pregados ; ingenhos de canna destroncados ; páus de
prenças de fazer farinbas ; larangeiías, bananeiras, e outros
vestigios que indicavà« a triste lamentaçao e prejuizn daT
quelles habitantes da Ribeira. — l'or esta cauza foi nenhumn
и produeçào da Agricultura este anno e. someiite alguns la
vadores colherào sens arrozes muí diminuto daquella porçào
que esperavao colher, segundo as avultadas plaiitaçoin«
que se fazem deste genero ; mashouve, d'ahi a sinco Ine
zes, tanta abundancia de. feijào por ser fruto que em
breve tempo se colhe, o qual plautarao por aquelles lu
gares inundados e lodados, que abasteceu a aquelles de-
zolados moradores, e aos desta Villa e soubrou muito que
foi para Cananéa, de onde, o vinhào buscar, e por barato
preço : e tambeiii foi alburn para a Villa de Santos compra
do tiesta, pelos mesmos sautistas que vieram neste auno as-
sistir a festividad« do Senhor Boni Jesus. — A produçao dos
— 643 —

Gados näo pode ter augmento, por causa do destrocó e iu-


felicidade que sobre elles tambem chegou por causa deste
Diluvio : roas os moradores cuidam muito em se refazer de
out ros vindns da Freguezia de Paranapanema, serra asi ma,
de onde com efeito tem vindo gado bastante a vender-se
este auno para criacoens, e se Deus Noso Senhor permitir,
que nao baja outro funesto acontesimento, bao de se por as
couzas todas no mesmo estado de antes em breve tempo. —
Declarou mais elle dito Vereador que neste mesmo anno de
1807 e no mez de Dezembro entrou no Estado .Ecliziastico
Secular, do Abito de Sam Pedro, hum filho de Ant nio Fer-
nandes de Quebedos, de nome Antonio Mariano de Castro,
que estava nos estudos da Cidade de, Saín Paulo e ha noti
cias certas que neste dito mez de Dezembro tomou ordens
de Diácono e Sub Diácono ; o dito he Natural desta Villa
de Iguape na mesma morador e junctamente seus pais, e
suposto que sam das mais opulentas pescas deste Paiz,
consta comtudo que os pais vivem da lavcura e he bem
serto ser hum dos princ'paes lavradores deste Paiz, dos da
maior excepçào. — Declarou mais que neste auno nao se
construhiu embarcsçào alguma ueste Paiz mais sim se fez
hum Escaler de trinta palmos de quilha que administrou o
Capitào Mor Comandante della, José Antonio Péniche, por
ordern que teve da Junta da Real Fazenda da Cidade de
Sam Paulo, para mandar fazer o dito Escalier e remettelo
para a Villa e. Praça de Santos, para serventía da nova Al-
fandega daquella dita Villa ; e forào os mestres delle Joa-
•I ni m Felippe Sant'Auna, carpinteiio da Kibeira e o Pintor
que pintou o dito Escalier foi Francisco Luiz Pereira, hö
rnern curiozo natural de Rio de Janeiro e morador desta
Villa. — Declarou que dentro nesta Villa e seo Districto
habitúo siuco mil seis sentos oitenta e duas almas entre a
Freguezia de Xiririca e esta de Iguape, que tudo he do
mesmo De-tricto, e neste numero de. pesoas se comprehendem
todos os habitantes »sim do sexo masculino cerno do sexo
ft-minino, asim pardos como pardas, libertos e captivos, e
negros e negras libertos e captivos, desde a primeira idade
the a maior, e que disto nño pode presentemente fazer huma
individual declaraçào do numero das pesoas, com especifica-
çào das das suas idades e qualidades, porque devendo de
repnrtar-se ao mapa g*ral que todi s os muios se compoem
neste D> stricto, até agora aínda nao esui feito e legalisado
para delle tirar huma instruccño certa que se pofsa esi rever
neste Livro. -- E porque niio houve mais cazo algum que
fose memoravel ■• digno de historia, proprio para elle se fa
zer asento neste Livro, poriso somentes tíz declaraçào do
que fica ponderado, requerendn ao Corpo da Cámara que ou-
risso de mandar escrever na forma a que tinha dito. Do
que, para de tudo asim constar, ti/, ene inserrameow em
qu« asignarào. e em que asignarào, e eu Francisco dos San
tos Carueiro, Escrivào da Cámara que o escrevy.
— 644 —

Cunha — Faria — S." — Almeida — Giz. -- Coelh<). *

Polo mappa antigo a que temos uos referido e pelos


dados estatísticos fornecidos por este «• termo de declaração »
que vimos de transcrever, letra por letra, póde-se bem ava
liar o numero dos habitantes que. havia na villa de Iguape
e nas margens da Kibeira, no fim do século 18." e começo
do feculo 19.°.
Os atHueute* da Kibeira do lado do norte, até a barra
do Juquiá, 'isto é, o rio Una da Aldeia e o rio Peroupava
eram apenas habitados, nas suas margens, até a embocadura
do Rio dai Areias, que conforme o referido mappa, era, e
e talvez seja, um braço do rio « I na da Aldeia» que se ligava
com o rio Peroupava. Dessa embocadura para cima, quer
um, quer outro rio, estavam ainda despovoados em suas mar
gens.
O rio Juquiá, no tempo em que se levante u esse map
pa, era pouco conhecido e as suas margens, que haviam sido
habitadas e exploradas até ás cabeceiras, no tempo das des
cobertas e explorações auríferas, achavam-se despovoadas
nessa época, e só começaram a ser de novo habitadas de
1812 em diante.
O tronco, ou madre da Ribeira, desde a sua foz até
além de Iporanga, estava entretanto, nas duas margens, já
muito povoado no fim do século 18." ; e, dos seus afrluente.s
do lado meridional ( margem direita ), o que mais sobrepu
java em numero de habitantes, nessa época, era o Rio Ja-
cupiranga, ao passo que os demais, — o Pariqueraçú, e o
Panqueramirim estavam ainda desertos.
O mar - pequeno entre Iguape e Cananéa estava, de
um e d'outro lado, muito povoado no fim do século 18.°,
principalmente nas immediações da barra dos rios Sorocaba,
Sabaúna e S<«baúna-mirim.
Do lado da Ilha do mar, era também considerável o
numero de habitações, conforme as indicações do dito mappa.
A parte mais notável e mais curiosa para nós, nesse re
ferido mappa é a indicação que elle nos da de « uma villa
abandonada » com o nome de Villa de Sabaina na Ilha
do mar, á margem do mar-ptqueno, fronteira á embocadura
dos rios Sabaúna e Subaúna-mirim.
O titulo, o local e a existeucia dessa povoação com o
predicamento de Villa, foi para nós uma ve-dadeira surpresa !
Nunca havíamos tido conhecimento dessa Villa no litto-
ra'. da Ctpitauia de Itanhaen e nem os chronistas delia nos
haviam dado a menor informação.
Entretanto, si o autor desse velho mappa — João da Costa
Freire, coronel graduai do « real corpo de Engenheiros», assi-
gnalou na « carta do littoral », da então Capitania de S.
Paulo, a posição e o titulo dessa povoação com essa nota :
« Villa de Sabaúna » ( abandonada ) — è por que achou ra
— 645 —

zoes e dados para assim proceder. Esse mappa foi levantado uo


fim do século 18.", a mandado do Governo Portuguez e ficou,
desde essa época, fazendo parte do archivo militar de Lisboa,
como se verifica pela legenda, a qual é assim concebida :
« Carta* yeographicas e Hydrographicas d-t toda a Costa e
Porto» da Cauttanin. de S. Paulo ( antiga de Itanhaen )
com plant s topográthicas das Villas e Fortificações respe
ctivos. Levantadas e configuradas pelo coronel, graduado do
Real Corpo de Engenheiros — João da Costa Ferreira. —As
latitudes e. longitudes são observadas pelo Astrónomo de
S. A. R. Francisco de Oliveira Barboza. N. B. : as long.
são contados da ponta mais occidental da Ilha do Ferro, e
as latit. são austraes. — Feito no Real A rchivo Militar.
( Sociedade Geogr. de Lisboa ) ».
O referido mappa abrange todo o littoral, desde a Villa
de Ubatuba até a Villa de Guaratuba, além de Paranaguá.
Merecem-nos portanto toda a fé t;s dados fornecidos por
este mappa, principalmente na parte, topographica, relativa
ú posição e detalhes que elle nos apresenta das Villas. das
suas respectivas fortificações, sondageus dos cauaes nos
portos, etc.
Esse facto, — o desapparecimento de uma Villa, nesse
periodo de decadência das povoações da marinha na antiga
Capitania de Itanhaen — nào constitue afinal um facto iso
lado — pois, nesse mesmo « Lagamar de Cananéa • , na barra
do rio Ararapira, já tinha desapparecido uma outra povoação
denomiuada — Villa Nova dos Prazeres — e no littoral se-
tenptnonal, entre a fóss do Juqueryquerê e o município de
Ubatuba, uma outra povoação, com foros de Villa, havia
egualmeute deixarm de existir, alguns annos antes dessa
época. Esta villa que, se denominava Caraguatatuba havia
sido erecta por provisão do C«pitào-mór donatário da Capi
tania de Itanhaen, no século 17.°, e ficou inteiramente des-
;>o-oada na época do êxodo dn população do littoral.
Quando em 1847 o governo Provincial resolveu, a pe
dido dos novos habitantes, crèar ali uma freguezia, e precisou
de algumas informações sobre os antecedentes da mesma
povoação, responderam-lhe então esses novos povoadores :
« Que não constava, nem elles tinham noticia da creação da
piimitica copella nem quem foram seus fundadores, e sim
que a povoação de Caraguatatuba — foi villa que desertou,
mudando-se os seus moradores para outras partes etc... »
( Vid. Villa de Caraguatatuba. )
Si, entretanto, os chronistas nada escreverams obre essa
« Villas de Sabaúna » ( abandonada ) como vem descriminada
uo referido mappa e des&a outra á margem do Ararapira,
pudemos encontrar, felizmente, nos annaes da Camará de
Iguape, e nos <r Documentos Interessantes de S. Paulo » al
gumas referencias bem importantes sobre essa povoação de
Sabaúna, e Villa Nova dos Prazeres que foram erectas em
Villas durante o governo do Capitão General de S. Paulo
— 646 —

D. Luiz António de Souza, de 1765 a 1775, como adeante


se verá.
Desde o anno de 1767, e mesmo autes, conforme se lê
nos documentos da Camará de Iguape, já se cogitava, por
ordem dos Governadores, de crêar uma ou mais povoações,
ou Aldêas, nas immediações de Sabaúna, afim de reunir
a quantidade de forasteiros, gente c sem eira nem beira que
vagavam por todo esse littoral. »
Segundo um termo de Vereança da Gamara de Iguape,
vê-se que o local anteriormente escolhido para estabeleci
mento do núcleo de ald eameuto foi c o espigão do morro
de Sabaúna, onde ha frente do nascente para o mar e sitio
do Capitao-Mór João Baptista da Costa, o qual sitio hé do
norte para o rio de Sabaúna, que corre para o Sul, etc. »
Porém, depois de terem feito nesse local alguns traba
lhos de edificações acharam os vereadores que o dito local
não era conveniente e deliberou-se então edificar essa nova
povoação em frente á barra do rio Sabaúna, no lado opposto,
isto é — na Ilha do mar — conforme a indicação que nos dá
o referido mappa.
O « Termo de erecção » da villa de Sabaúna é o se
guinte :
Tkrmo de Erecção da Villa db N. Senhora da Con
ceição da Lage, de Sabaúna, bm 1770.
« Anno do Nascimento de NOSSO SENHOR JESUS
CHKISTO de mil e sete centos e setenta annos Ao
primeiro dia do mez de Agosto do dito anuo nestra Fregue-
zia de Nossa Senhora da Conceição de Sabaúna honde veyo
o Thenente Coronel Ajudante das ordens do governo dota
Capitania de São Paulo — Affonso Botelho de Sam Payo e
Souza e o Ouvidor Geral desta Comarca de Paranaguá, o
Sargento Mór Christovão Pinheiro e França comigo escrivão
de seu carg • ao diante nomeado, e sendo ahy pari effeito de
crêar e erigir nova Villa nesta mesma Freguezia, por por
taria do I!lustrÍ8«imo e Escellentissimo Senhor Dom Luiz An
tónio de Souza Mourão Botelho Governador e Capitão Ge
neral desta Capitania de S. Paulo que hu do theor seguinte ;
— Por quanto Sua Magp.stade que Deus Guarde fui servido
ordenarme nas Instrucções de vinte e seis de Janeiro de mil
sete centos secenta e sinco e em outras hordens que eu ou
depois fui recebendo, que éra muito conveniente «o Real
Serviço que nesta Capitania se erigicem villas uaqnellas
partes que focem mais convenientes e que nella se congre-
gacern todos os vadios e dispersos, ou que vivem em sitios
volantes, para morarem em povoaçõens civies em que se lhes
pudecem adeministrar os Sacramentos e estejam promptos
para as ocaziõens do seu Real Servisso, e na paragem cha
mada Sabauua que fica asituada entre a Villa de Iguape e
Cananéa, mandei fundar hua Povoação a qual me consta por
informaçõo do Thenente Coronel Ajudante das ordens, Affonço
Botelho de Sam Payo e Souza por que focem destribuidas as
— 647 —

providencias que torn cido precisas para dito estabelecimento


que se acha ja com bastantes cazas e Egreja e outros edi
ficios públicos, em que se está actualmente trabalhando e por
que elegendo-se em Villa se poderá augmentar com mais t'a-
cilidade ; ordeno ao dito Thenente Corouel e Ouvidor da Co
marca de Paranaguá passem a ineucionada paragem e facam
eleger em Villa a dita Povôacào, levantando pelourinho,
signalando-lhe termo de que se faca aucto, em que tamben
asmará. a Cámara da dita Villa com que comfínar para que
em nem hum tempo possa vir em duvida ; e lhes démarquent
lugar para edifícarem os paseos do Conselho e Cadeya, como
tambem me propôrao as pessoas' mais capazes para Juizes e
Vereadores, para eu nomear os que hao de servir este pre-
zeute anno na forma das ordeus que tenho, como tambem
escrivao para eu Ihe mandar passar seo provimento ; o que
todo obraran conforme dispôem as leis que se achào promul
gadas a respeito desta materia. Sam Paulo aos vinte e dois
de Julho de mil e sete centos e seteuta. Pinheiro e Franca :
e nao se continha mais em a dita ordern que bem e fiel
mente tresladei e vai sein que duvida faca. — E eer.do ahy
mandón convocar todo o povo e gente da mesma freguezia
(■or hum éditai que se tinha mandado publicar e fixar, nas
partes mais publicas da mesma freguezia, o dito Thenente
Corouel Ajudaute das Ordens Affouço Botelho de Silo Payo
e Souza, que hé do theor seguiute : Affonco Botelho de Sam
Payo e Souza Morgado dos Passos, Capitam inór de Provi-
zende, Superiteudente do porto de Pinhao, Thenente Co
ronel expector das tropas Auxiliares, AjuHaute. das Ordens
do Governo desta Capitanía de Sam Paulo, por Sua Ma-
•restade Fedelissima que Déos guard« etcetera. Fuco e«ber
ao Director e Capitam Antonio da Sylva Vienna e a todos
os mais moradores da Povôaçào d« Nossa Seuhora da Con-
ceiçao da Lage de Sabatina qoe о lHiistrifsimo e Excelle.n-
tisstmo Senhor General desta Capitanhia — Dom Luiz Anto
nio de Souza Boutelho Mouron foi servido ordenarme por
hordem sua de vinte e trez de Janeiro destc prezente anno,
em comprimento das reaes determinates de Sua Magestade,
nas instruçoens de vinte e seis de Janeiro de mil sete centos
e secenta e sinco e em outras mais ordene em que foi ser
vido determinharlhe que éra muito conviente »o seo Real
Service que nesta Capitanhia se erigicem Villas naquellas
partes que mais convenientes e que а еНая se. congregacem
todos os que vivecem em sitios volantes para inorarem ein
em povoaçôens civis em que. se lhes pudecem udeininistrar
os Sacramentos e e.stivecem promptos para oe ocaziôens do
леи Real Serviço, que visto estar a dita PovoacAo com bas
tantes cazas, Egreja e edificios públicos em que se está actual
mente trabalhando para o seo augmento, compareceu, com о
ouvidor desta Comarca a dita Povôaçào, e a fizecemos erigir
em villa, levantando pellourinho, asignalando-lhe termo e
demarcaudo-lhe lugar parn edificarem os passos do Conselho
— 648 —
e Cadeya e propor ao dito Senhor as pessoas mais capazes
para Juizes e Vereadores, para elle nomear os que honde ser
vir este prezeiite anno, na forma das ordene que tern como
tambem Escrivâo para lhe mandar passar provimento о que
todos avenios de fazer extar e levantar Pellourinho no lugar
que for mais conveniente, e denominar Villa de Nossa Se-
nhora da Conceiçuo da inariuba, a dita Povôaçào, no dia trinta
e hum do prezeute mez de Julho ein cujo acto se acharao o
dito director e todos os sobre ditos moradores do seu districto
e termo, para com alternativo jubilo, coufeçarem obedien
cia e homeuagem ao Pedelicimo Monarca e poteuticimo Rey
de Portugal nosso Senhor Doh Joseph o primeiro. Ao districto
da nova villa será por ora o que se declarar no termo da sua posse
oqual lhe será conferido ouvidas as Cámaras de Iguape e Cana-
néa athé o Illustrissimo e Excelentissimo Senhor General <j Sua
Magestade que Déos guarde, nao mandarem o contrario. E
para que venha a noticta a todos s« publicará este éditai e
se fixará no logar mais publico da dita nova Villa. Dado
nesta villa de Paranaguá a vinte e tres de Julho de mil
e sete centos e setenta anuos. Affonço Botelho de Sam Payo
e Souzà. E nao se continha mais em o dito bando o qual
bem e fielmente tresladei e vai sem cousa que duvida fassa.
E dou fé de como o dito éditai foi publicado e se achava
fixado no cauto da rua direita. — Eu Joseph Joachim da Costa
escrivilo da ouvidoria Geral desta Comarca de Paranaguá,
por provisilo do Illustrissimo e Excellentissimo Senhor Ge
neral desta Capitanía de Sam Paulo etcetera : Certifico e don
fé, e por passar na verdade, passei a presente certidào de
minba letra e signal. Freguezia de Nossa Senhora da Con-
ceiçào da Marinha, prymeiro de Agosto de mil sete centos e
setenta : Joseph Joachim da Costa. Em o quai declara como
se vê a detriminaçâo de créar e fundar nova villa desta fre
guezia corn о titollo de Nossa Senhora da Conceiçuo da Ma
rinha, levantar pellourinho e propor novos officiais na Go
vernance desta mesma Villa que aonde principiar a servir
eut Cámara délia, este prezeute anno, destinar Jugar para os
Passos délia e Cadeya, demarcar destrito entre as Villas de
Iguape e Cananéa, para terem serteza da sua jurisdicçao os
novos officiais, e mais providencias necesarias ; e para dar
principio ao declarado ácima chegarâo a esta nova Freguezia
de Nossa Senhora da Conceiçào da Mariuha aos trinta e hum
de Julho, o dito Thenenfe Coronel Ajudante das orden-
Affonço Botelho de Sam Payo e Souza e ouvidor Geral da
Comarca o Sargento mor Christovào Pinheyre e Franca e o
Capitain de Enfantaria e Comandante do destacamento da
Villa de Paranaguá Francisco Aranha Barreto e muitos mais
officiais militares e gente distinta, a donde se achava ja a
Camera da Villa de Iguape com toda a gente da Freguezia,
estando t'eito hum forte no porto do dezembarque ; e logo
que aparecerá« as canoas dos ditos officiais entrarán a dar
f'ogo os que se achavào no dito Castello até dezembarcarem.
— «49 —

e logo do porto forào direitos a Igreja e depois de darem


Giaçr. s a Deus e se recolherào tendo experimentado em todo
povo huma grande alegría e jubilo universar ; e para mais
mostrarem mandou o dito ajiidante de ordens laucar algum
fogo do ar e com muitas danças e alegria se passou quasi
toda a noite e no dia primeyro de Agosto pellas dez oras do
dia forào o dito ajudante de ordens e ouvidor Gérai com
todas as pessoas distintas, Camera da Villa de Iguape e mais
povo que se achavào prezentes. a Igreja de Nossa Senhora
da Conceiçao a honde Cantou Missa o Reverendo Vigario
Frei Joseph da Purificaçào Soares, a Cantoxäo, e no fim da
dita missa se cantou o Te Deum Laudamus o que tudo se fez
com grande solemnidade entre vivas e aplauso ck> povo, man
dando o Capitam Francis o Aranha Barreto dar repitidas
salvas de mosquetería o que tudo se fez para que Deus
prospere os estados de Sua Magestado Fedelicinia e tivecem
espérance de felicidade focturas no progresse do Goveruo e
aumento da Nossa Villa erecta, e, para que o mesnio Senhor
lhe desse luz aos novos officiais que aviâo de servir daqui
ein diante para bem governar e adeministrar Justina, para
honra e gloria do mesnio Senhor e aumento da dita nova
Villa; e a abada a funcüo da Igreja mandiu o dito ajudante
de ordene com o ouvidor geral para o lugar, donde estava
detriminado, fu ce praça publica, e se achava ja feitd o pd-
lourinho de hum pao de maçaranduba bastante groço e delle
feito hum pellnurinho oitavado e, com os mais siuaes que o
termo da ereçào declara, sahindo logo da porta da Igreja
junto com o dito ajudante de ordens e ouvidor geral e o
Capitam Francisco Aranha Barreto, inundando marchar a
tropa paga, que al y se achava com os mais officiais e pes-
sôas Destinctas e Camera da Villa de Iguape e mais o di
rector e Capitam Antonio da Sylva Vianna e todo o pôvo,
com muitos júbilos da descarga da mosquetaria e mais de-
monstraçôens de, gosto, r^petindo muitas vezes vivas o Sere-
nissimo Senhor Dom Joseph o primeiro, nosso monarca, che-
garào ao lugar destinado. E de como assim obrsräo e de-
triruinaräo, o dito Thenente Coronel ajudante de ordens
Aftonço Botelho de Sam Favo e Souza e ouvidor ¡reral o
Sargento mor Cbristovào Pinheiro e Franca, fizerîio fundar
e erigir esta nova Villa de, Nossa Senhora da Conceieào da
Marinha, sendo prezentes a este aucio o Capitam Francisco
Aranha Barreto с Doutor Joachim Joseph Freyre da Silva e,
o licenciado Manoel Joseph Pereyra de Andrade е. o Reve
rendo Vigario Frey Joseph de. Porificaçào Soares e o Di
rector Capitam Antonio da Silva Vianna, Henrique Martins,
Joào de Oliveira Martins e Joseph da Sylva Hocha : que
todos depois de, lido por mandado do dito Theuente Coronel
e o Ouvidor Geral este aucto de ereçào desta Villa e todo
mais que nella se contein e se declama, assignarào. Do que,
de tudo, para constar, fiz este aucto de levautamento da dita
— 650 —

Villa. Eu Joseph Joachim da Costa escrivão da ouvidoria


geral que o escrevy.

Affonço Bot." de S. Payo e Souza


Christovão Pinheiro e França
O Cap.'" Com.'e Fr." Ar.' Barr."
O Vigário Fr Joze Fr." da S.' '
Joaquim Joze, Fr.' da 8."
O Director Ant.° da S." Vianna
D."'r M.'' Joze Per." de And.'
Henrique Mz.
Joze da S.* Rocha
João de'01iv.r* •».

Neste predicamento de. Villa coucedido a povoação de


Sabauua, em 1770, ja não figuram as autoridades de Ita-
nhaen, mas sim os representantes da Capitania de S. Paulo,
a cuja jurisdicçào estavam sujeitas, então, toHas as Villas do
Sul, inclusive a própria Villa de Itauhaen, que deixara de
ser cabeça de Capitania desle o anuo de 1753 em diante,
em virtude d« ter o rei D. José I.° resgatado, nessa data,
para os domínios da Coroa, o resto das « cem legôas de costa »
pertencentes aos condes da ílha do Príncipe, a? quaes « cem
iegôas » constituíam a Capitania de Itanhaeu. ( * )
Igruape, Cauanéa e as demais povoações da Ribeira e,
mar-pequeno estavam, nessa época, fazendo parte da comarca
de Paranaguá ; é poi isso que vemos figurarem, neste acto
solemne da fundação da Villa de Sabauna, o tenente coronel
Ouvidor da Villa ce Paranaguá.

Não pudemos descobrir a data da fundação da villa de


nominada — Villa Nova dos Prazeres — situada na fóz do
Ararapira, no i.iunicipio de Cauanéa.
Nos papeis do archivo do General Arouche publicados
ultimamente no volume 44 dos « Documentos Interessantes »
vem apenas este período que se refere ás duas villas desap-
parecidas do littoral paulista.
Diz este auetor : « O Exmo. D. Luiz António de Sousa
Botelho Mourão pretendendo augmentar esta Marinha, para
o que procurou um meio infmctifern : fundou duas villas,
uma na ilha que fica entre a barra da Ribeira e a de Ca
uanéa e outra na barra do rio Ararapira, celebre pelas suas
pescai ias: aquella foi superfula e esta necessária. Da pri
meira que teve o enfeitado titulo de — Villa Nova da Lage

1( * Secundo deprehende ao
^ejjunao se cieprenenae do cnronisia
chronista Fr. Gaspar ce uu
rr. Maypai do historiador
i Pedro
Taques — a annexacào da Capitania de Itanhacn ( antiga de le S. Vicente ), nio
nãc
se cffeetuou em 1753, no reinado de D.Josél.» mus sim no rei reinado de D. Maria
I.* de 17KÍ em diante.
— 651 —

dos Prazeres — nao existe mais que a Capelliuha e um ou


dois moradores, e, da segunda, só resta a egrejinha com
poneos sitios de pescadores ».
Parece-nos que o autor se enganou ou confundió os
titules das duas villas. A villa que estava situada na Ilha
Comprida era a de Sabauna ; a outra, á margem do Arara-
pira foi portento a que teve o enfeitado titulo de « Villa
Nova don Prazeies*.
O general Arouche escreveu isto em um relatorio, no
lim do seculo 18.°, apús urna excursäo que ha via feito ás
« Villas da Marinha ». Nada mais esclarece sobre tal as-
sumpto e, ao terminar o seu truncado documento diz apenas :
«■ Na realidade este nao é o meio de augmentar aquelle paiz.
Subsistiram aquellas duas novas povoaçoes emquanto durou a
coacçào do Coronel Affonso Botelho ; ( * ) depois cada um
voltou aos seus sitios antigos. Como se hao de fundar novas
villas em paiz deserto V O vi-rdadeiro meio é procurar au
gmentar a populacíw agrícola e commercial ; em haveudo
agricultura e commercio as povoaçoes por si se fazem. . . »

As KEFLEX"! s do General Arouche sobre as povoaçoes


E A LAVOURA DA MARINHA PAULISTA

O General José Arouche de Toledo Reudon escreveu as


euas « lieffexoes sobre o estado emqueseacha a Agricultura
na Capitanía de Sao Paulo » no anno de 1788. Seis anuos
antes, em 1782, o Juiz de Fóra da villa de Santos, Dr. Mar
celino Pereira Cléto, ha via tambem escripto urna « Disser-
taçàc a respeito da Capitanía de Sao Paulo, sua decadencia
e mod') de restabelecel-a ». ( * )
Sao de alguma importancia essas duas memorias sobre o
estado decadente destas villas marítimas, do nosso littoral
paulista, n'essa época, porém, o mais interessante, ou por outra
— o mais notavel u'essas refleccö-s e dissertaçào é ver-se a
discordancia entre as apreciaçôes e a « maneira de vôr »
d'esses dois escriptores.
О Juiz de Fura, Marcelino Pereira Cléto, era um grande
enthuziasta das povoaçoes da marinha. como se verá na parte
desta* « Memorias » que se, refere á decadencia das villas do
littoral, ao passo que o peneral Arouche, mostra-se, (como
alias, muitos dos escriptores d'essa época, e mesmo dos uossos
días ). — um pessimiste aceerrimo contra as povoaçoes da

i ' ) O Corone! Aflonso Botelho de Sampaio e Sonsa, de quem поя necupa-


mot no capitulo « Villa de I>aranaí;uá » era entilo commandante militar da ma
rinha, eettndendo a sua auctoridade ate Parnnaffuá. Guaratuba e Curitiba. Kra
tile parente de D. Luiz Botelho Mouräo e foi por isso, muito odiado pelo Cap.
General Martim Lopes Lobo de Saldanha.
; *) Vid. a parte que trata da «Decadencia das Povoaçoes da marinha»,
onde vem transcripta, na integra essa « DissertiçSo ».
— 052 —

marinha, cuja decadencia elle attribue, simplesmente, a in


dolencia e a ineapacidade dos seus habitantes.
« Como se hào de fundar novas villas em um paiz de
serto ? » exclama о general Arouche ao tratar do estabele-
cimento das duas villas do mar-pequeno entre Iguape e Ca-
nanéa, como se nao coustasse dos annaes das mesinas villas,
( archivo da С Amara de Iguape ) as ponderosas declara eue s dos
respectivos fundadores, provando que havia razào era insti-
tuir-se em villa essas povoaçoes onde havia numero avultado
de habitantes, em « sitios volantes e dispersos » ; e que, a
reuniào dessa gente, em povoaçoes regulares, seria de grande
conveniencia nao »ó para o bem espiritual e moral do povo
como para o real servido de sua Magestade.
O general Arouche nao quería convencer-se da « causa
verdadeira » qu« origiuava, como já temos dito, o éxodo
quasi completo d'essa populaçào littoreana em cousequeucia
nao só das emigraçôes em massa para as minas de Cuiabá e
Goyaz, como principalmente dos constantes recrutamentos
para os serviços militaras do exerelto e marinha, dos quaes
nein os proprios vereadores d'essas pobres villas do littoral
cstavam isemtos, como se verá dos documentos da Cámara
de Itanhaen, d'essa época.
Para o General Arouche a extinçao dessas duas villas,
e o desanimo que nessa época reinava em toda essa zona
maritima, era originado, como já fizernos ver, pela indolen
cia extrema dos habitantes que viviam em um estado de
miseria o mais lastimavel e repelente que imaginar se rmssa.
E' tétrico, na verdade, o quadro que o General nos
pinta, — demonstradlo a maneira de. vida desses infelizes
parias do littoral de S. Paulo : « Tudo quauto eu teuho
dito, refeco elle, serve para toda a Capitanía. Eu disse ácima
que os lavradores desta Capitanía trabalhavam únicamente
tres mezes no auno ; porém isto deve se entender dos lavra
dores de Serra - ácima, pois na marinha muito menos se
trabalha. Em Santos já se vai tendo algum calor, mas с ar
rendó a costa para o Sul até o rio S. Francisco nada ou
quasi nada se trabalha e até faz vir lagrima aos olhos o ver
como aquella g*nte vive cercada de urna espantosa pobreza. »
« A costa é só habitada ñas praias, porque os habitan
tes se susteutam únicamente do mar. Em faltando-lhes este,
alimentam-se só com agua de congonha. »
« En fui pela costa até a villa de Paranaguá e obser-
vei duas raridades publicas : a primeira foi que pelos sitios
do caminho nunca achei cousa alguma de alimentos que
pudesse comprar, e . . . morreria de fome se nào fosse preve
nido ; e — a segunda foi que tanto na ida como na volta,
nunca vi pessoa alguma, de qualquer sexo, trabalhando. nào
digo ьо na lavoura, senào tanibem em qu*lquer outra coMsa,
com a excepçào da colheita de marisco pela praia. »
Diz aínda o General Arouche que essa gente do lit
toral vive em miseras choupanas e dorme sobre o chao
- 653 —

molhado onde adquirem toda a sorte de enfermidades, não


tendo, decerto, nem um catre, giráo, esteira ou palba que
lhes preserve dessa humidade durante a noite, a não ser o
fogo do- borralho . . .»
Houve, na verdade, e ha até o prt sente, nessa extensa
zona que constitue a — estra^ da marinha — uma grande
parte da população vivendo, mais ou menos, em estado mi
serável de pobreza, mas não em tal condicção, como essa
descripta pelo narrador do fim rio stculo 18.°.
Nessa época, e mesmo depois, — em nossc s dias — , não
seria raro encontrar-se nessas praias e mesmo nas margens
desses rios e l"gamares, — muitos sidos e fazendas de pes
soas mais ou mt»nos abastadas, com escravaturi.s. criações de
gado ; com pngenhos e culturas de canna, arroz, mandioca,
e mesmo com serrarias e estaleiros de construcções navaes,
conforme demonstram cabalmente nos mappas topographi-
cos, mandados levantar, nessa mesma época, pelo Governo
da Metrópole.
Essa gente do littoral nunca esteve portanto, nem nas
épocas mais decadentes e precárias, — em um estado de tal
miséria que não tivesse com que matar a fome a um foras
teiro que por ali transitasse.
Um dos poutos igualmente fácil de esclarecer, bem
como de demonstrar o auge 'do pessimismo do General
Arouche contra os habitantes da marinha — é o que se re
fere ao povoamento da região sertaneja do littoral, isto é,
da gente que nessa época estava, ainda, habitando as mar
gens dos diversos rios, logares esses que elle declara estarem
abandonados, porque — * só nas praias do mar é que o povo
encontrava alimento. »
Pelos referidos mappas dessa época vê-se entretanto a
quantidade de habitações que existiam em toda essa parte
do littoral, entre as serras e as praias do mar.
Se bem que as villas do littoral paulista, desde Santos
até Paranaguá, atravessassem nessa época um período de
decadência, como temos demonstrado, entretanto, a industria,
a lavoura e o commercio não estavam assim, em estado tão
precário e desolador.
Até ao tempo da Independência e mesmo alguns aunos
depois, que foi a época em que o littoral paulista baixou ao
seu ínfimo grau de decadência, principalmente na parte
comprehendida entre Itanhaen e Iguaps, — havia, apesar
disso, alguma animação no commercio com a praça de San
tos, não só pela estrada da marinha, ( Praia de Peruhybe e
Praia-Grande ) e porto de Piassabuçú, onde então embarca
vam as mercadorias que se dirigiam ao porto de Santos, —
como por via marítima, em embarcações : — hiates, canoas
de voga e lanchões, que navegavam nesta costa, transpondo
facilmente as barras de Icapara, Hibeira, Una do Prelado,
Guarahú e Itanhaen, conforme ficará provado no capitulo
seguinte.
— 654 —

Da zoua entre. Iguape, Itauhaen e S. ViceDte, ein


méado do secub 19.° havia tambem regular exportarlo para
о porto de Santos, constaute de madeira de coustrucçào,
fibras-texis, como caraguatá, tucum etc. ; peixe salgado,
azeite, couros, esteiras, vassouras, chapeos de palha, arrôz.
aguárdente, tari u ha de mandioca e outros productos.
Ha cincoeuta aunos, mais ou menos, vimos aiuda. coin
nossos olbos, o resto, e o vestigio desse antigo comniercio do
littoral, bem como a quantidade de eugenhos de canna e de
arroz que ainda existiatn na parte littoreaua outr'ora per-
corrida pelo General ¡Vrouche.

Por muito indiffrrente e inseusivel que queirantos ser,


ante qualquer ataque, ou acre censura, por mais justa, que
pareca. contra a terra humilde que nos deu o bereo, uào
pederemos deixar de repelir ou atenuar os golpes de invectivas
e as maldiçôes que até hoje ehovem, constantemente, sobre
essa infeliz gente que habitou e habita ainda as praias
paulistanas.
Era já uso, era já vezo antigo, no tempo do General
Arouche, maldizer e deprimir tudo quanto provinha do litto
ral da antiga Capitanía de Itanhaen ; e, etse vezo ainda
persiste como vamos ver.
Nao ha muito tempo f'ômos convidados pela Cámara de
Itanhaen para acoinpanhar o Sur. Dr. Carlos Botelho, entào Se
cretario da Agricultura deste Estado, era urna excursào que,
S. Excia. ia t'azer, por terra, desde S. Vicente até a Barra
da Ribeira de Iguape.
Nesse tempo o povo praiauo, ainda mais bisonbo e des
confiado do que hoje, nao conhecia automovel nein via-
f'eirea, e o Dr. Botelho t'<-z essa viagem em trolys ou car-
roças de tolda, que éra entào considerada — viaçao de luxo.
Para lhe servir de. ciceroni e livrar os velhos véhicules
de algum pauso perigoso, nessa difficil e tao mal afamada
viagem de Itanhaen a Iguape, nos viajamos se» pre ao lado
do digno Secretario da Agricultura, percebendo e tomando
nota, portento, du todas as suas iinprtssôes e sobre tudo, —
do prande intéresse que lhe despertavain sempre todo« esses
lugares por elle percorridos ; pois que, »pesar dos iucom-
modos da viagem, S. Excia. tudo viu e examinou com má
ximo intéresse ; «portando em todos os sitios dos praiauos e
confabulando com toda essa pobre gente de quem indagava
sobre a maneira de vida, industria, agricultura e meios de
transporte de cada individuo.
A impressao que o Dr. Carlos Botelho teve de tuf'o
quanto vio e examinou foi a melhor |>ossivel, e a prova está
nos melboraineutos com que soube dotar essa zona do lit
toral entre Iguape e Itanhaen, até entào olvidada e quasi
desconliecida dos poderes publico*.
O Dr. Carlos Botelho t-ve mais de urna vez occasiao
de manifestai -nos o resultado das suas impressöes — ai
— 655 —

quaes, repetia-nos elle ; — subiam de ponto ao confrontar


coin as falsas ideas que sempre elle havia concebido das
cousas do littoral paulista e sobretudo do valor dessas terras
que sempre supôz, pelas informaçôes que tinha tido, que —
« só se compunha de mangues, areias e morros inacessiveis ».
Ao ver a franqueza e generosidade com que etse povo
se esforçava em obsequial-o por toda parte e os recursos
que encontrón no seu longo trajecto de praias, morros, rios
e lagarnnres о Dr. Botelho nâo cessava de exclamar : — « E
tudo isto me pasearía despercebido se eu tivesse prestado
ouvidos as recommedaçôes que tantas vezes me fizeram em
S. Paulo ; pois diziam-me que se. eu cahisse na asneira de
emprebender esta excursao a Iguape e Cananéa. pela es
trada da marinha, e nào pelo mar, teria sem duvida de me
arrepender, nào só por que nada encontraría nessa regiao
que valesse a pena de ver e examinar, como tambem por que
estaría arriscado a morrer de lome, pois uño acbaria nada
com que alimentar-me uem urna caía onde pousar ».
Foi sempre este, como se está vendo, o bom juizo que se
fez e, talvez se faz ainda. dessa parte do littoral de S.
Paulo.
Para atenuar, entretanto, ern parte, as cores sombrías
com que elle — o General Arouche, pintava as miserias e as
indolences desse pobre povo do littoral entre Santos e Pa-
ranaguá, acressentou, no seu manuscripto, quando se referia
a villa de Iguape, conforme observa o Dr. Armando Prado,
esta consoladora e maliciosa nota : « Excepto a villa de
Iguape que tem augmentado. La os terrenos sao mais seceos
e de meíhores cores e as mocas sao formosas ; — já lia suas
lavouras de canna e alguno gado, mas... urna das cousas
do seu augmento é a Komaria. . . »
As CoNSTRUCCÖES
PrOJECTOS
NAVABSEM
DE MELHORAMENTOS
IgUAPE, DE 1711 NAS
EM DEANTE.
ESTRA

DAS, NA MARINHA E NO INTERIOR. Os ULTIMOS


EsTALEIROS NE8TA REGIÀO DA COSTA. As
« PROKSAS » DO HlATE CONCEIÇÂO.

Ñas « memorias da Cámara de Cauanéa » que vào tr= n-


scriptas em outro capitulo vem mencionado o anno, de 1761
como sendo o do inicio das construçôes uavaes, nuo só nessa
Villa, como em diversos pontos do mar-pequeno, mar de
a ririaia e Trapandé.
Diz a mesma « memoria » que « Alexandre de Souza
Guimaraes, natural da Europa e mais tarde o Capitao-mór
de Cananéa, foi o primeiro constructor naval, teudo feito
urna Sumaca da quai foi dono o Sargento-mór Francisco
Gaio da Cámara, natural da Ilha de S. Miguel ». « N sse
estaleiro aprenderam o officio muitos individuos que viviam
ató entíio na miseria, e délie sahiram mais de duzentos na
vios, quer durante a administracao do fundador, quer sob a
gerencia de seu geuro e successor, — o Sargeuto-mór Joa-
quim José da Costa ».
Ñas « memorias » do chronista de Paranaguá — Vieira
dos Santos, consta entretanto, que no anno de 1711, já ha-
via um Estaleiro em Cananéa, onde alguns constructores na-
vaes, vindos expressamente. do Rio de Janeiro, construiram
urna grande Nao, denominada « Cauanéa » a quai foi depois
encorporada á frota real, cm Lisboa». (*)
No mappa a que vimos nos referindo, e que vae re-
produzido neste Capitulo, vem demarcado com o signal, meia
lúa os logares em que estavam estabelecidos esses estaleiros,
nao só no mar-pequeno de Cananéa, como em diversos pontos,
ás margens da Kibeira de Iguape e seus affluentes.
Póde-se por ahi avaliar o desenvolvimeuto a que attiu-
giu es:>a industria de construcçôes uavaes até o fim do se
cuto 18.", e mesmo depois, até o anno de 1860, conforme os
apontamentos que temos obtido.
Pelo referido mappa vemos que, em fins do seculo 18,
existiam em Cananéa seis estaleiros, onde se comtruiram
emharcaçôcs, sendo : Um na encosta do morro de Sào Joào,
( no Porto da Villa ) ; outro na Babia de Trapandé, a mar-
gem do rio Iri'iií; dois no mar de Jririaia, sendo um á
margem do rio Taquari e outro, no interior do rio Тарг-

( * J Vid. « A Villa de Cananéa ».


— 657 —

tangui ; um na mesma Ilha de Cananéa, lado opposto, pró


ximo ao pequeno rio Acarahú, e outro próximo á foz do rio
Paratiú, além da Ilha de Cananéa.
Na legenda explicativa que acompanha este mappa de Ca
nanéa e o de Iguape, vem bem claramente o signal, meia lua com
a respectiva declaração :— Lugar dos Estaleiros, precedida ainda
por estas observações :— No termo de Cananéa então r seroadas
as m Mas dos rios Madeira, Araçauçú, Tyririu, Capivarú,
Tapinhúaoinha, para os cortes reaes, cujos rios tem as suas
barras no mar de Ararapira e rio Varadouro. No mar de
Aririaia estão tambe • reservados para o mesmo fim, os rios
Taquary e Aririaia Na parte deste mesmo mappa, referente
ao districto de Iguape, vem indicado, pelos mesmos signaes,
os logares onde estavam situados os e taleiros, de construcçôes
navaes, também em numero de seis, assim discriminados : Um
á margem direita do rio Sabatina ; outro ao lado esquerda
da Villa de Iguape ; outro á margem esquerda da Ribeira,
em frente á lagoa ou furado do Fasto ; outro na foz do rio
Piraupava, e dois ainda nas margens do rio Una da Aldèa,
sendo o primeiro á margem esquerda, na embocadura, e o
segundo á margem direita, além da barra do rio das Areias.
Parecerá talvez excessivo um numero tilo avultado de
estaleiros nessa zona de Iguape e Cananéa ; porém, a prava
mais evidente de que essas oficinas existiram de facto, ve
mos nas indicações que nos fornecem os referidos mappas
topographicos dessa época e nas referencias que encontrámos
nos annaes das Camarás de Cananéa e Iguape, como vamos
•vêr.
Refere a « Memoria de Cananéa » que : — desse esta
leiro de Francisco G»io, quer na sua gerência, quer na admi
nistração de seu genro Joaquim José da Costa « sahiram mais
de duzentos navios, desses estaleiros. ■
0'ra, isto denota bem o gráo de desenvolvimento a que
tinha attingido o i rogresso relativo dessas duas villas, na
época das minerações auriferas.
Nos annaes da Camará de Iguape, no fim do século
XVIII e no principio do século XIX encontram-se referen
cias a estes estaleiros e as embarcações que ainda ali eram
construídas.
Embora essa febre, essa eflervescencia de progresso re
lativo, porque passaram todas essas povoações do littoral, es
tivesse já arrefecido no fim do século 18.°. pelo êxodo da
população, coroo já ficou demonstrado, houve ainda em Igua
pe, no começo do século 19." um renascimento, ou recrudes
cimento de progresso, bem notável, devido á energia de seus
governantes e ao apoio que lhes foi dado pelos Oapitães-
generaes e mesmo pelos governos, quer Provincial, quer ge
ral do 1." e 2." Império.
Em 1825 o Presidente da Província de S. Paulo remet-
tia á Camará da Villa de Iguape uma Portaria da Secreta
ria do Estado e Negócios da Marinha, acompanhada de uma
— 658 —

memoria e mappas sobre a navegação do rio Peruhybe ( em


Itanhaen ) até a Barra da Villa de Iguape.
Esses mappas e essas memorias, sobre os melhoramentos
do littoral, haviam sido organizados pelo Capitão de Fragata
Carlos Lourenço Eanckward, que, aliás pouco ou nenhum
conhecimento tinha dessa zona, o que se vê pelos erros gros
seiros que commetteu na descripçâo que fez da parte fluvial
e orographica dessa parte da Costa e pelas opiniões dispara
tadas que expendeu na referida memoria
Todos esses erros e disparates foram afinal refutados pe
los Camaristas de Iguape e pelo Brigadeiro Daniel Pedro
Muller, em uma informação que sobre esse importante aB-
sumpto prestaram ao Governo, nessa mesma occasião.
Por esse documento vê-se qual éra. nessa época, a impor
tância do coramercio da villa de Iguape e de sua navegação
pela barra do Tcapara ( antes do vallo ), pela barra da Ri
beira e pelo mar-pequeno de Cananéa.
€ A Villa de Iguape, diz essa informação, bem constru
ída e populosa, em situação vantajosa para o commercio, —
exporta, todos os annos, sessenta a oitenta mil alqueires de
arroz e algum café ; constróe-se ( ainda ) trez a quatro navios
por anno, no bellissimo rio da Kibeira, mas a falta de coin-
municaçuo com os moradores do mesmo rio, por onde vem
todo o commercio, tnz que o transporte fique mais custoso e
despendioso pela lagoa, que forma o porto da Ribeira, etc. »
Este interessante documento refere-se ainda a diversos
assumptos importantes, como o projecto de. abertura de nma
estrada de Iguape a Sorocaba, pelo Juquiá, por onde se pre
tendia exportar todo o ferro extrahido das respectivas minas
do Ipanema, bem como a quantidade de madeiras de lei que
deveria ser extrahida das margens desses rios, ainda despo
voados, para coustrucção « de fundos de navios », etc.
Diz ainda outro relatório dirigido ao Brigadeiro Daniel
Pedro Muller, referindo-se aos bancos de areias que impedi
am a entrada de navios de maior calado, pela barra da Ki
beira, que : — haviam naufragado nnquella barra, algumas
corvefos e brigues, construídas na Kibeira, as quaes procu -
rando sahir descarregadas, com marés cheias, tem seus donos
tido o desgosto de as vêr naufragar uo ponto da partida de
sua primeira derrota. »
Em outro documento, de data posterior, diziam os Ca
maristas que. uesse anuo, devido sem duvida a esses nau
frágios, os estaleiros não haviam construído navios de maior
calado, mas simples lanchões um dos quaes havia sido envi
ado para o serviço da Alfandega e arsenal de Santos.
Até o anno de 1860, antes da abertura do Vallo Gran
de, e mesmo algum tempo depois, emquanto a barra da Ki
beira dava entrada a navios de pequeno calado, houve ain
da regular movimento de navegação nessa parte da Ribeira
Velha » que vai de Suamirim até a encosta dos morros dos
Engenhos, e mesmo até o Porto da Ribeira. Esses navios.
— 659 —

que faziam o dito percurso, haviam sido construídos num


desses estaleiros do rio < Una da Aldêa * e num outro, que,
uessa época Be formou á margem do Rio Una do Prelado,
no município de Itanhaen.
Ás informações que colhemos para a descripção desta
ultima phase das construcções navaes em Iguape e Itanha
en nào provêm dos annaes da Camará da cidade de Iguape,
mas de uns apontamentos que, em Itanhaen, nos forneceu
o 81. Manoel António Kibeiro, antigo morador de Una do
Prelado e residente, actualmente, na Villa de Itanhaen,
onde casou e constituiu familia.
Manoel António Ribeiro é filho de Francisco Ribeiro de
Sousa, um hábil « Carpinteiro da Ribeira » que levantou es
se estaleiro á margem do rio Una do Prelado, em Itanhaen,
e do qual foram lançados diversas embarcações de alto mar,
como é aliás bem conhecido dos velhos habitantes do littoral.
Este Francisco Ribeiro de Sousa, constructor naval em
Itanhaen, era discípulo de um famoso Carpinteiro da Ribeira
Autonio dos Anjos, homem de escravatura, abastado, que re
sidia á margem esquerda do rio Una da Aldêa, duas legoas,
mais ou menos, acima da embocadura desse rio com a Ribeira.
Era nesse sitio que Autonio dos Anjos possuía as suas ofici
nas de construções navaes, cujos oporarios — carpinteiros, fer
reiros, fundidores. calaf»tes, pintores, etc. eram os seus pró
prios i scravos como consta das informações que obtivemos
do Sr. Manoel António Ribeiro.
António dos Anjos recebia no seu estaleiro alguns ope
rários, como discípulos, — com a condicçào porem de « tra
balharem de graça ».
Foi assim que Francisco Ribeiro, o pai de Manoel An
tónio Ribeiro, conseguiu aprender o officio de « carpinteiro
da Ribeira. »
O ultimo navio de alto bordo construído por Autonio
dos Anjos no seu estaleiro do ric Una da Aldí-a, foi o Pa
tacho « Dois Irmàos », que nessa época, antes de 1860, fazia
viagens pela costa do sul até Santos e Rio de Janeiro e en
trava livremente pela barra da Ribeira até os Engenhos,
onde fazia o seu carregamento de arroz e mais mercadorias,
antes da abertura do Vallo grande e da obstrucçào quasi
completa d'es?a barra.
Foi também nessa época que Francisco Ribeiro montou
em Una do Prelado o seu estaleiro, auxiliado por seus filhos:
Manoel José de. Souza, João Bento de Souza, José Ribeiro
de Souza e Manoel António Ribeiro.
O velho Francisco Kibeiro, alérn destes filhos que lhe
auxiliavam nessa industria, como hábeis operários, tinha ainda
um ««cravo muito dextro em todos esses misteres, e requesi-
tos exigidos nessa arte de construcçòes navaes.
As primeiras embarcações ali construídas foram canoas —
de — voga e lanchões ; porém, em 1861 e 1862, construíram
- 660 -

nesse estaleiro um bello hiate que foi baptisado com o uome


de Atreva/, com capacidade para 5 ou 6 mil saccos de arroz.
O que ha de notável em tudo isto, não é só a pericia
com que esses homens construirain os navios, mas a hoa snrtt
ou a audácia com que se aventuravam, em transpor a bai-
ra de Una do Prelado e a do rio de Itanhaen, consideradas
imprat/aveis para embarcações que fossem além de seis a
oito palmos de calado, como vemos nos relatórios e mappas
dess» época.
Esse « Hiate Atrevido » que, garboso, egoeit0 e bom
velleiro, transpunha tào atrevidamente todas essas barras pe
rigosas, foi adquerido depois por um capitHlista, o Snr. José
Ferreira da Silva, afim de fazer a navegação directa eutre
a barra da Ribeira e Rio de Janeiro.
Em 1864 foi lançado nas aguas do Una do Prelado
um outro Hiate que recebeu o uome de « Hiate C< vceicão»,
construído especialmente para a carreira de Iguape a Santos
com escalas por Una dn Prelado e Itanhaen. Navegava
também, ás vezes, até São Francisco, fazendo escala por
todos os portos do sul.
Acossado por graude tempestade, em uma viagem de
Iguape a Santos, na noite de 7 para 8 de Julho de 1868,
o hiate Coriceiç 'O naufragou na praia de Peruhybe.
A impetuosidade das ondas, levou-o, com a sua tripu
lação até perto do jnndú, onde ficou encalhado. Desse si
nistro porém, nada resultou de grave, nem para o navio,
nem para a sua tripulação, minai, logo que o mar serenou,
tratou, coadjuvada pelos habitantes dessa praia, de arrastar
o navio para o mar, onde de novo Huctuou, como se em nada
lhe houvesse prejudicado a borrasca tào furiosa a qual
vinha de arrostar. Desferrando de novo suas vellas o ///ate
Conceição, tripulado pelos irmãos Ribeiro, continuou a sua
viagem para Santos.
Este episodio que vimos de relatar, mostra bem a pe
ricia dos tripulantes, dns intrépidos filhos de Francisco
Ribeiro de Souza, tão affeitos a essas luctas com o mar, bem
como a solidez dessns construcçòes uavaes, tão apropriadas á
navegação da costa do sul, cujas barras e cauaes, aper
tados entre os movediços « bancos de areia >, eram temidos
pelas dificuldades que apresentavam á navegação.
Passaremos a relatar agora alguns episódios, bem inte
ressantes, occorridos em Iguape e em Una do Prelado com
á tripulação do Hiate Conretção, conforme nos foi narrado
pelo Snr. Manoel António Ribeiro.
De 1866 era diante, tendo fallecido em Una do Prelado
o velho Francisco Ribeiro de Souza, os seus filhos abando
naram o estaleiro e foram residir na Villa de Itanhaen, onde
casaram e cnustituiram família.
No começo desse anuo de 1866, começou, neste littoral,
a iustallação d;i linha telegraphica, sob a administração do
Barão de Capanema.
— 661 -

Nossa época, os irmãos Ribeiro, embora residentes em


Itanhaen, ainda iam, uma ou outra vez, á Una do Prelado,
com o seu navio, carregar arroz e outras mercadorias, não
só de sua propriedade ■ agrícola como de outros moradores
daquella região.
A linha telegraphica que vinha de ser instalada em toda
a Costa, impedia-lhes, porém, a passagem pela embocadura
do Una do Prelado ; pois a pequena altura dos postes que
sustinham os fios não permittia mais h passagem de qual
quer navio, por mais pequeno que fo se. João Bento de
Souza, que éra quem commandava o Hiaie Conceição, não
quiz recuar deante desse obstáculo ; e, cada vez que precisava
passar ali, mandada arriar a linha telegraphica, e, passava
por cima, mandando collocar denovo os fios nos isoladores,
depois de ter o seu navio transposto esse obstáculo. Este
facto repetiu-se diversas vezes. Residindo, porém nas im-
mediações da barra de Una o Capitão João Sabino Pinto,
homem abastado, chefe politico de Itanhaen e adversário de
João Bento de Souza, achou que o abuso deste éra merece
dor de uma severa punição, e . . . denunciou o facto ao
Barão de Capanema, director-geral dos telegraphos.
Porém, em vez de um processo, o Director dos Tele
graphos limitou-se, ao passar um dia por Una do Prelado,
a mandar chamar o commandante do ' Mate Conceição e a
sensuralo por ter cnmmettido semelhante abuso, promettendo
punil-o — severamente — se elle o repetisse. João Bento de
Souza, ou João Ribeirr , como éra mais conhecido, respondeu
então ao Barão de Capanema que : — tendo construído ali
na margem daquelle rio o seu navio, e precisando entrar e
sahir, todas as vezes que fosse necessário, éra j> sto que não
lhe impedissem esse direito: e... como não podia passar
com o seu hiate por baixo da linha do telegrapho, procurava
passar. . . por cima. E de mais, acrescentava : — essa pas
sagem era naJa prejudicaria o telegrapho, visto que elle não
cortava as linhas nem as damnificava.
O Director dos Thelegraphos replicou, dizendo que :
— esse direito allegado por João Ribeiro não tinha razão de
ser, visto que a barra daquelle rio — Una do Prelado — não
estava considerado nas cartas marítimas e nos mappas ofli-
ciaes -- como barra navegável — .
— Mas, tanto é navegável, respondeu João Ribeiro, que
eu posso entrar e sahir com o meu navio, por essa barra,
tndas as vezes que tenha necessidade.
O Barão de Capanema achou razoável esta defeta, ou
esta bôa escapatória e mandou substituir os postes telegraphicos
da Barra de Una do Prelado de forma que, os mastros do
hiate Conceição, e de outros navios, pudessem passar, sem
attingirem as linhas.
E assim ficou resolvido e terminado esse « 1.° incidente».
Para evitar novas questões e reclamações, o Director
dos telegraphos mandou collocar, na barra da Ribeira, um
— 662 —

abo súb-marino, visto ser aiuda, uaquella época, navegavel


esea barra, atea « encosta dos Eagenbos », como já referimos.
Joào Ribeiro sulcava constantemente com a quilha do
seu navio, por entre os с Syrtes de areias movediças »
da barra da Ribeira, e ia fazer carga e descarga de merca-
dorias nos « Engenhos » e no Porto da Ribeira. A's vezes,
tendo necessidade de ir ao Porto de Ignape, e nao tendo
« passagem livre » pelo vallo-grande, elle aventurava o seu
hiate, por entre os voluveis e estreitos canaes da barra do
Icapara, mesmo durante a noite, evitando assim o longo per-
curso das 25 leguas em torno da « Ilha do Mar » pelo laga-
mar de Cananéa.
De 1868 a 1869, tendo augmentado a largura e pro-
fundidade do Vallo-Grande, Joäo Ribeiro acbou que seria
razoavel e fácil penetrar por esse canal, até o Porto de
Iguape, ñas constantes viagens que o seu navio fazia pela
Barra da Ribeira. Mas, para realizar essa tào fácil travessia
do Vallo-Grande, até o Porto de Iguape, havia um obstáculo
insuperavel, — a « linba telegraphica « — que atravessava por
cima do Vallo-Grande, no dito Porto de Iguape.
Joào Ribeiro, nao era, entretanto, bomem que recuasse
deante de täo pequeño embarace. Em urna dessas viagens,
aproveitando a calada da noite, elle impelliu o seu hiate, do
Porto da Ribeira até o Porto de Iguape. Ao chegar porém
ao ponto em que a linba telegraphica lhe vedava a pae-
sagem, e nao podendo como na barra de Una do Prelado,
pasar por baixo. . . usou do mesmo estratagema e . . .
passou por cima da linha ! . .
Os moradores do Porto de Iguape, vendo na manhä se-
guinte, o hiate Conceiçao, ancorado no porto, suppuzeram,
muito naturalmente, qne elle houvesse dado a volta pela
Ribeira-velha e feito a sua entrada pela barra do Icapara,
durante a noite, pois já conheciam a intrepidez e arrojo do
Joào Eibeiro, oorno commandante da pequeña embarcaçao.
O Joño Ribeiro, sempre com feliz resultado, uontinuou
a fazer essa travessia do Vallo-Grande, durante a noite, pas-
sando por cima da linba telepraphica. sein que as auctori-
dades marítimas de Iguape d'iseo se apercebessem.
Urna noite, porém, tendo que fezer e^sa travessia, com
mart'-baixa. e estando o nivel d'agua muito abaixo das таг-
gens, no logar onde a linha atravessava a praia, e havendo
por conseguí lite maior « ten sao » nos fios eletricos, o navio,
só com grande difficuldade, pode ir transpnndn esse obstáculo:
porém, ao passarem os ditos fios pela quilha do hiate, ficaram
presos entre o lerne e a patilha da popa.
Por mais esfórcos que a tripulaçao fizesse, merpulhando
e garateando, no fundo do navio, nao conseguiu desenroscar
o lerne do hiate, de!- se embaraço. A maré cada vez mais
bai xa, diflScultava ainda mais essa operaçâo.
E fui assim que os moradores do porto da Iguape, ao
amanhecer, « constataran! o facto », e as auctorídades mari
- 6G3 —

timas puderam surprehender o João Ribeiro « em flagrante


desse grave delicto > ; pois foi, só com a enchente da maré,
ás dez horas da manha, que elle pôde safar o seu hiate
desse enrosco.
Desta vez o' caso foi tomado a sério pelas auctoridades
de Iguape e pelo Director dos telegraphos, tendo portanto o
João Ribeiro de responder a ura processo regular.
Não sabemos si as auctoridades marítimas do Porto de
Iguape, atteudendo, á necessidade da — livre passagem —
por esse canal do Vallo-Grande, descoberto por João Ribeiro
solicitaram ou nào, do Director dos Telegraphos, a elevação da
linha telegraphica nesse ponto, como se havia praticado na
barra de l'na do Prelado ; o que sabemos é que este acci-
dente foi a ultima proeza praticada peln commandante do pe
queno hiate O nceicão. O João Ribeiro e seus irmãos já
cançadog de tantas luctas e vissicitudes, venderam afinal o seu
navio e foram cuidar de outro meio de vida em Itanhaem.
O hiate Conceição foi o ultimo navio construído nesses
estaleiros, do século 18." que ainda existiam, no nosso lit-
toral, na primeira metade do século XIX e dos quaes nem o
General Arouche, nem os demais chronistas posteriores a
época, nos dão a menor noticia.
E'ra assim que esse povo, esses praianos indolentes do
littoral entre Paranaguá e Itanhaen. zona tão inal vista e
tão pouco conhecida, attestava ainda a sua actividade cm
diversos ramos de industria, commercio e lavoura, para des
mentir, em parte, o mau juizo que delle se fazia nas re
flexões, dissertações, nas memorias e chronicas mal alinha
vadas dessa época.
A Villa de Cananéa
-
A Villii de Cananéa
o que escrevem os chronistas sobre sua fundação —
Divergências de opiniões sobre os fundadores. —
AS « NOTAS AVULSAS » DE Fr. GASPAR ESCLARECEM
esse ponto. — Um importante documento inédito
da Camará de Cananéa que nos enviou o Dr.
Hbrmelino de Leão. — O nome db Cananéa, se
gundo a opinião do I)r. Orvillb Derby. — Outkas
notas. — O mappa topographico desta região lb
vantado em fins do século XVIII.

A Villa de São João Baptista de Cananéa, descreve


Azevedo Marques, está situada a S. S. O. da Capital de S.
Paulo, uo littoral, á margem esquerda da Ilha que separa a
bahia do Trapandé do caual que vai ter ao Mar-p'queiu>,
primitivamente habitado pelos Índios Carijós.
Foi a Ilha de Cananéa o primeiro ponto da Capitania
de S. Vicente, em que a esquadra de Martim Affonso de Sousa
fundeou a 12 de Agosto de 1531, conforme ja ficou expli
cado no histórico da « Villa de Iguape ».
O 1.° Donatário demorou nessa Ilha quarenta e quatro
dias e collocou dois marcos de pedra com as quinas de Por
tugal ; marcos esses que foram reconhecidos pelo coronel Af
fonso Botelho de Sampaio e Souza, em fins do século XVIII (*)
e pelo historiador Sr. Francisco Adolpho Warnhagem em
1841, lavrando-se um termo, ou auto, declarando que os ditos
marcos, ou padrões eram de finissimo mármore branco e que
nào estavam n'ellcs esculpidas nem espheras nem datas, como
affirmou Ayres do Cazal em sua chorographia Brasileira.
Foi ainda ahi, em Cananéa, que Martim Affonso de
S.>uza eucontrou o referido Francisco Chaves, o Bacharel
Mestre Cnsme, e mais companheiros, ja descriptos e sob cujas
informações mandou a Pedro Lopo, official de sua esquadra,
com os 80 homeos, ( 40 besteiros e 40 espiujrardeiros ) a des
cobrir ouro e prata pela terra a dentro, conforme se lê no
Diário de Pedro Lopes de Sousa.
Desta expedição desventurada nào voltou um só homem,
perecendo todos ás mãos dos ferozes Carijós, nas cabeceiras
Kio Iguossú, campos de Curityba.
A' cerca da época da creação desta Villa e de seus fun
dadores, diz o referido chronista, constar que houve provisão

(*1 No Capitulo seguinte, que trata da « Villa do Paranaguá », fazemos


uma referencia ao local verdadeiro em que foram encontrados esses more»* de
■pedra .
, — 6t>8 —

do donatário, em 1587, mas que a fundação da vila só teve


legar a 13 de Julho de 1600 pelo Governador e Capitão-mór
Roque da Costa Barreto. Entretanto, no cartório da fazenda
de S. Paulo, masso n. 3, encontra-se o documento seguinte :
c Aos 31 de Outubro de 1601 se ajuntaram os otticiaes
da Camará desta Villa de 8. João Baptista de Cananéa e
assim mais os moradores desta dita villa foram a buscar um
sitio acomodado para se fundar a villa, conforme a provisão
do Sr. Governador, onde se achou o Capitão Diogo de Me
dina e o Rev. padre Agostinho de Mattos com seu compa
nheiro e se lhes deu posse de umas terras para os Reverendos
padres da Companhia fazerem suas casas, quintaes e mosteiro.
a qual terra se chama Tavira de Fr . . . ( original ellegivel
neste, logar, e nos ao diante ) comessando dos . . . até o penedo-
e d'ahi correndo do longo do mar. digo, das laranjeiras da dita
tapera até ao penedo que está no outeiro, o penedo maior ;
os quaes ditos officiaes, capitão e mais povo, houveram por
bem conceder esta» terras por muito respeito, pelos Re
verendos padres fazerem muito serviço a Deus e ás nossas
almas, e ;ereui elles os fundadores desta povoação em seus.
principio* e acharam-se sempre nos trabalhos d'ella. e por
sermos todos contentes, lhes concedemos na qual nos as-
siguamos.
Eu Manoel Alvares, escrivão da Camará, que o escrevi.
— Jorge Martins. — André Alves. — Martinho da Costa. — < >
Capitão Diogo de Medina. »
Por este documento está demonstrado que foram os be
neméritos padres Jesuítas os primeiros fundadores da povoação
de Cananéa, onde edificaram, não um collegio, mas uma
« cax i e mosteiro » como haviam já fundado na Praia de
Peruhybe, em Itanhaen, na aldêa dos tupis, no anno de lf>49.
Não resta duvida que os missionários que semearam a
doutrina evaugelica, desde S. Vicente até Cananéa, e fun
daram os primeiros núcleos coloníaes entre os tupis e alguns
europeus, foram os companheiros de Leonardo Nunes e Diogo
Jacome que aportaram a S. Vicente em 1549.
De 1553 em deante, com a chegada a S. Vicente de
outros saierdotes, a missão do littoral foi reforçada até o
kanno seguinte, 1554, em que se deu a guerr.i entre tupis e
carijós da qual resultou o martyrio e morte de. Pedro Cor
reia e João de Sousa, ficando então paralysada a catechese
do littoral, por algum tempo. Essa missão evangélica só foi
reencetada de 15G6 em diaute, depois que José de Anchieta
recebeu as ordens sacerdotaes, e assumio o verdadeiro encargo
de « apostolo dos gentios » do uosso littoral do sul.
Azevedo Marques, diz, como já ficou declarado, ( que á
cerca da época da creação desta villa e de seus fundadores,
consta que houve Provisão de Donatário em 1587, mas que
só tove logar a ( creação ) em 13 de Junho de 1600, etc.»
— 669 —

O 1." Donatário Martini Affonso de Sousa, não podia, de


facto, ter dado provisão em 1587, visto como já era follecido
nessa época.
Si houve, realmente, uma provisão, ou acto qualquer, no
intuito de dar predicamento de Villa á povoação de Cana
néa, em 1587, esse « acto » deveria ter procedido do segundo
donatário Pedro Lopes de Souza, filho de Martim Affonso de
Sousa, ou de seu locotenonte, em S. Vicente, Jerónimo J ei-
tão, que exerceu o cargo de Capitão Governador de S. Vi
cente nessa época, isto é — de 1579 a 1592. e foi o successor
do Capitão Jorge Ferreira.
Para comprovar melhor o documento acima, trsnscripto
do «■ cartório da Fazeuda de S. Paulo », dando a fundação
da Villa de Cananéa em 1600 e não em 1577, transcreve
mos aii:da uma referencia que vem nas « Notas Avulsas »
de Fr. Gaspar da Madre de Deus, publicadas em 1899 pelo
Dr. António de Toledo Piza, no vol. V da Revista do Insti
tuto Histórico e G. de S. Paulo.
Diz a referida « Nota * : « Roque Barreto, Capitão e
Ouvidor da Cap tania de S. Vicente por Lopes de Souza,
estando em Cananéa, passou uma provisão, dada na Villa
de Cananéa, aos 13 de Julho de 1600 e nella diz : — Que
achando-se na povoação de S. João de Cananéa, e sendo
necessário levantar nella « Pelourinho » e insígnias de Villa,
e não levando em sua companhia escrivão pura fazer as ditas
diligencias, provia no officio de escrivão a Francisco Viegas,
para o dito effeito e para escrivão das datas ( das terras ou
Sesmarias ) declarou que passava a provisão, de sua mão,
por não haver escrivão e que dera Juramento ao dito Fran
cisco Viegas para esse effeito de fazer villa, que bem e fiel
mente fizesse seu officio, e que este assignaria com elle aos
13 do dito mez.
Abaixo vem o despacho que diz : Registte-se esta pro
visão no livro dos Registros desta Camará, hoje 30 de Se
tembro de 1600. — António Pedn ,so. — António Affonso. —
João Caldas. »
A Villa de Cananéa fundada por essa provisão de Roque
Barreto, Capitão e (Juvidor da Capitania de S. Vicente, em
data de 13 de Julho de 1600, passou, de 1624 em diante, a
fazer parte da Capitania de Itanhaen. sob a donatária da
condessa de Vimieiro em virtude de ter o Conde de Mon
santo se apossado da Villa de. S. Vicente, que ficou fazendo
parte, dahi em diante, da Capitania de Santo Amaro per
tencente aos herdeiros de Pedro Lopes de Souza, irmão de
Martim Affonso de Souza.

Tínhamos já escripto estas notas sobre a fudação da villa


v- os primórdios da povoação de Cananéa. quando nos chegou
as mãos a importnnte e interessante « Memoria » sobre Ca
nanéa, acompanhada de uma amável carta, que nos dirigia
— 670 —

o erudito e incansável historiador paranaense Sr. Dr. Enne-


lino de Leão, a quem já tanto devemos nas pesquizas histó
ricas sobre as Capitauias de Paranaguá e Itauhaen », escri-
ptas por elle, a no3so pedido, e as quaes « Memorias » vão
transcriptas na primeira parte deste livro.
Por informações de outros amigos, naturaes de Cananéa,
e. particularmente do nosso digno cousocio Dr. Edmundo
Krug, que já tanto têm pesquizado nos archivos de Iguape.
Xiririca, Iporanga, e escripto importantes « memorias sobre
as povoaçõe s da Ribeira, já tínhamos noticia dessa interes
sante « Memoria da Camará de Cauauéa » que o nosso il-
lustre e digno consócio Hermelino de Leão transcreve, em
bôa parte, na importante noticia que uos acaba de enviar.
Essas referencias feitas pelo Dr. Hennelino de Leào, so
bre a interessante - Memoria da Camará de Canauéa —
são, como o mesmo autor expliia, trauscriptas da obra iné
dita de Vieira dos Santos, o qual, por sua vez, copiou do
original existente no *rehivo da mesma Camará de Cananéa.
As nossas diligencias e esforços, por intermédio desses
amigos, como já declaramos, no intuito de obter uma cópia
dessas — Memorias da Camará de Cananéa — tinham, até
agora, sido improfícuos ; pois, segundo as informações do Dr.
Ed. Krug, — os Camaristas de Cananéa, ou o seu Secreta
rio, negaram-se sempre a exhibir esses documentos ás pessoas.
que como elle, ali tem estado no intuito louvável de exami
nar e copiar esses importantes manuseriptos antigos, para a
Revisita do Instituto Histórico de S. Paulo.
Temendo por nossa vez, um similhante insucesso, até
até agora, não temos nos dado ao trabalho de ir pessoalmente
a essa localidade fazer taes indagações.
Ora, imagiue-sti a nossa satisfação ao recebermos, tão
ovsequiosamente, do douto historiador paranaense, os impor
tantes dados inéditos que ahi vão em seguida, sobre essa tão
antiga quão notável povoação de São João Uaptista de Ca
nanéa.
Transcrevemol-a em sua integra, sem alteração de uma
virgula, fazendo apenas algumas anotações abaixo, nos pontos
que nos parecem necessários, para melhor esclarecei- as.
Dados históricos. Fundação de Cananéa. Náufragos ou
desterrados. o bacharel de cananéa

São mui contradictorias as noticias sobre a origem de


povoamento de Cananéa, que alguns chronistas assignal.im
como a 1." povoação civilizada erecta em terras brazileiras.
Vieira dos Santos, guiando-se pelos chronistas em voga
na sua época, desloca para o período «ie 1500 a 1503 a ex
pedição dernarcadora de. Christovam Jacques e declara que o
padrão com as armas luzitanas foi erecto na Barra de Ca
nanéa e determina a sua situação no seguinte período do
3.° § das « Memorias II storicas de Paranaguá » :

O padrão de Cananéa foi posto na entrada da


barra em uma ilha da banda do continente chamada
— Itacurussá — próxima a umas pedras fronteiras a
que denominam os — Moleques ; este marco é de
mármore europeu ; tem 4 palmos de comprido, 2 de
largo e 1 de grossura, com as armas reaes de Por
tugal, sem castello e apezar de estar um tanto de
teriorado, ainda se conhece que foi collocado em
1503. ( * )

Mas, já nesta data, segundo depõe o chronista parana


ense, havia em Cananéa um pequeno núcleo de colonos eu
ropeus. Referindo-se á expedição de Gonçalo Coelho, Vieira
dos Santos escreve :

Consta que duas embarcações dessas se per


deram e que delias se salvaram, na ilha de Cana
néa, um bacharel portuguez, que se julga chainar-
se' Duarte Perez e um Krancisco Chaves e mais 5
ou 6 castelhanos ; pois que quando Martim Aftbuso
de Sousa em 1531, aportou a essa ilha alli os en
contrara, onde existiam a 30 aunos, desde 1501.

Não nos cabe ígora fazer a critica histórica desse de


poimento, pois o nosso propósito mais visa a collectanea de
elementos para a chronica desta antiga povoação paulista, do
que a apreciação desses dados em detida e necessária aualyse.

( " ) Vide na parte que se refere ã « Villa de Paranaguá » a» refencias


que fazemos a esses « Marcos de Canadca » e aos da Barra de Paranaguá.
C Xota de B. Caliito )
— 672 —

Vieira dos Santos ainda no § 4 das Memorias se refere


ao facto do povoamento de Cananéa, assim se exprimiudo :
Em principio de 1501, fôram naufragados ou
depredados por Gonçalo Coelho na ilha de Cananéa
o Bacharel Portuguez Francisco Chaves e os cas-
telhanos como já se disse : segue-se que os indios
Carijos que babitavam a ilha e que fraternizaran!
com os colonos, vivendo em boa paz « amizade
foram alliando as suas filhas com os adventicios, de
maueira que no espaço de 30 annos, decorrido entre
a chegada dos europeus e a de Martim Alfonso de
Souea, em 1551, certamente bem poderia haver
cntim para mais de 100 pessôas mestiças, entre ñlhos
e, netos daquelles primeiros colonos, que com a edu-
caçào recebida dos seus paes seriam mais doceis de
costumes, mais aproximados do estado da civilizará«
europea ». ( 1 )
Infelizmente, ueste trecho o chronista contradiz o que
escrevera em § antes : no anterior conta que a expedicào
d« Gonçalo Coelho chegou ao Brazil a 17 de Agosto dô
1501 e, portanto, os náufragos ou degredados dessa armada
nao poderiam estar em Cananéa em principios de 1501 .
Outro ponto contradictorio que surge é o nome do bacharel
portuguez : em um trecho é Duarte Perez e em outro, na
turalmente por engaño, ó Francisco Chaves.
Mas a questào do nome do bacharel de Canauéa, o pro
prio Vieira dos Sancos rectifica tratando dos successes oc-
corridos em 1531.
Escreve o paciente e infatigavel chronista :
Martim An'onsj de Souza sahiu do Rio de Ja
neiro com a sua armada composta' de 7 velas no
primeiro de Agosto de 1531 e surgiu na ilha de
Cananéa em 12 de Agosto do mesmo anno. Mandou
á terra o piloto Pero Annes por saber a lingua in
dígena e houve falla com os indios. No dia 17 voltou
para bordo acompanhado de Francisco Chaves e de um
bacharel portuguez, que alli estavam em procura de
prata e ouro que haviam naquelles reconcavos. No
primeiro do mess de Setembro fez marchar Martim
Affonso urna expedicào de 80 homens portuguezes
dos que trazia a bordo de sua armada, sendo 40 bes-
teiros e 40 espingaideiros commandados por Pero Lobo
a exploraren) essas afamadas minas, para voltarem
délias d'ahi a 10 mezes, em Juuho de 1532, trazendo
quatrocentos escravos carregados desses preciosos me
dies, como prometiera Chaves a Martim Affonso. (8) ».
( ! ) Este trecho nao é textual de Vieira dos Santos : tiveraos de modificar
a redacç&o da segunda parte para tornal-a mais correcta.
( Ñola do auclor )
— 673 —

Conclue-se, pois, que o bacharel do Canauéa não era ©


■castelhaao Francisco Chaves, mas sim o seu companheiro, a
quem em outro tópico Vieira dá o nome do Duarte Ferez.
Sobre este famoso bacharel, que nada tem de lendário,
as mais extraordinárias hypotheses têm apparecido procurando
identifijal-o com este ou aquelle personagem da phase do
povoamento do littoral paulista. ( * )
Não cabe aqui compendiar os dados que temos sobre este
desterrado, nem levantar, eoère as inonograpJiias que lfae tem
«ido consagradas, o juizo critico que seleccionasse, no cel-
leiro de joio, os grãos de trigo da verdade histórica.

(*) Vid . O capitulo que se refere ú * fundação da Villa de tguape *,


■onde pelas citações .dos documentos da. Camará dessa Villa, i Dr. Iouag >, parece
.bem esclarecido este ponto, sobre a identidade do bacharel.
II

A expedicçâo de Pero Lopo. — О massacre dos pki-


MEIRG8 liANDEIUANTES. — LUCTAS ENTRE CASTELHA-
NOS E LUSITANOS. A DOMINAÇiO HESPANTIOLA В
SEU FRACASSO.

A mallograda cxpediçao аоз 40 bésteiros с 40 espingar-


deiros ao mando de Pero Lopo peuetrou nos invios sertôes
do sul a 1.° de Setembro de 1531, em busca das afamadas
minas da terra dos Oarijós.
Francisco Chaves, unido aos deraais colonos castelhanos,
poderiam ter sido levadrs por naturaes seutimentos de ambiç&o.
antevendo as riquezas que tornavam famosa a zona em que a
tribu Carijó erguia suas tabas ; шпр, por nutro lado, bem
se pode acreditar que, como fiéis castelhanos, traissem os in
vasores dos dominios de Castella, dominios esses nao só fir
mados em solennes tratados entre as duas corúas, como em
bullas pontificias.
Basta ter-se em consideraçào que, em 1531. os limites
de Portugal na America, fixados pelo tratado de Tordesillas,
nao iam alem do meridiano de Belem do Para ( que fomente
abrangia ostreit?, faixa do littoral paulista, indo lindar ñas
praias de Superaguy, penco ao sul de Cananéa), para com-
prehender-se que nao seria patriótico o gesto dos hespauhóes
entregando o Paiz espontáneamente aos portuguezes.
Duas versôes correin sobre o exterminio da bandeira con
fiada ao valor с á experiencia de Pero Lopo, naturalmnente
o mesmo Capitao Pero Lopo Pinheiro que commandava o
galeào S. Vicente, da armada de Martim Affonso : urna — a
portugueza, dal-a como massacrada peles indios Carijós ao
sul de Cananéa, no littoral, ou, mais provavclmeute, no pla-
ualto parauaense ; outra — a cas'elhaua, attribue a derrota
total dos expedicionarios ao estratagemas hábilmente pla
neados e firmemente executados pelos hespauhóes e indios alija
dos, ao mando de Ruy Moscheira, como descreve o jesuíta fran-
cez Charlevoix na « Historia do Paraguay ».
Nao tentaremos agora averiguar qual das duas versees ó
a verdadeira ; entretanto, nao nos parecem muito acceitaveis
as apreciaeùes de Frei Gaspar da Madre de Deus, ao im
pugnar a narrativa do jesuíta historiador. Eram tào com
muns os erros relativos ás posiçôes astronómicas dos povoa—
dos do Brasil-colonia, que o engaño da situarán de Cana
néa nao é o bastante para iuduzir que tudo mais seja fabula.
— 675 —

Nem tão pouco o facto de ter o curonista dado a Martim


Affonso o titulo de Capitão-Geueral do Brasil se. pode con
siderar um erro histórico, porquanto, de facto, era Martim
Affonso o Capitão General do Brasil, muito embora tal pos-
tj nfio existisse em leis, como Commandante da armada e
povoador (*).
Façamos poLto a estas considerações e vejamos as con
sequências que adviram do completo extermínio âa expedi
ção de Pêro Lopo.
Martim Affonso de Sousa, a 23 de Setembro de 1531,
deixou o porto de Cananéa, base das operações iniciadas ; e,
naturalmente ficariam em terra, com o bacharel desterrado e
outros colonos, mais alguns homens o/aunas. para prestar
apoio á força que demandava o sertão.
Charlevoix narra que Moscheira, nào contente com a vi
toria alcançada, embarcou com os seus para S. Viceute, sa
queando a villa com tanta fucillidade que os portuguezes,
descontentes com o governador, uuiram-se a elle. Este tc-
pico é visivelmente erróneo, porque a villa de S. Vicente só
foi fundada em 1532, depois do regresso de Martim Affonso
das costas do sul ; e, portanto, não pederia ter sido saqueada
por Moscheira em 1531, Entretanto, é natural acreditar-se
que o caudilho hespanhol, depois do seu feito bellico no ser
tão, viesse bater os habitantes de Cananéa, ende, talvez, fi
casse o Gfclefto S. Vicente, e iue ahi os castelhanos naufra
gados não o hostilizassem.
Conta Vieira dos Santos, baseando-se em Frei Gaspar,
que só em Janeiro ou Fevereiro de 1533, quando em ves-
peras do embarque para a metrópole, teve Martim Affonso
sciencia do cecorrido ; e não lhe sendo possível castigar pes
soalmente o gentio carijó, ordenou que os a^gressores fos
sem punidos pelos capitães Pedro de Góes e Buy Pinto, á
frente de forte troço de hemeus d'arrnas.
Mas um embaraço se oppoz ao intento da vindicta : os
hespanhóes, alliados tos indígenas t; até aes portugueze.", se
fortificaram em Iguape e mostraram desejos de afrontar a
soberania de Portugal, como conta Bccha Pcmbo.
O que é exacto é que Pedro de Gces, em vez de vingar
o saDgue portuguez derramado pela conquista do lirasil Me
ridional t< i fundar a sua capiu nia ; e Buy Pinto perma
neceu em Santos, nas sua3 feitorias, como nos coutam os
chronitas paulistanos.
Entretanto, o estabelecimento de Tguape não nullificou
a povoação de Cananéa, que continuou o seu trafico com os
Índios Carijós da bahia de Paranaguá: serviu antes de um

(*) Estamos de pleno nccòrdo com as judiciosas ponderações que aqui


faz o auetor, c com todas as denais que se referem ao assumpto.
( Nota de B. Calixto ).
- 676 —

posto avançado para impedir que os portuguezes fossem


conquistando as terras que Moscheira cousiderava castelhauas.
Estavam, porém, contados os dias da occupaçao caste—
lbana.
Os hespanhóes de Igaape e Cananéa, abandonados pelo
governo castelhano, aos seus proprios elementos nâo poderiam
resistir, por longos annos, ao impulso imperialista da popu
lacho vicentina.
Mas, sómente depois da expulsào dos fraucezee da babia
de Guanabara, cogitaram os portugueses de formar o seu
precario dominio ao sul do Brasil, cabendo a Heléodoro
Kubanus a obra da conquista e reducçao de Jguape, Cana
néa, Paranaguá e Curytiba.
Ill
Pedro Cobkea — A expansào dos cananab.nses em ter
ras PAKAXAEKSE8. A FUNDAÇÀO DA VILLA.

A povoaçào de Cananéa, erecta no extremo de urna ilha


da bahía de Tarapandé tave em o celebre jesuíta Pedro
Correa, o seu grande cathechista. Conta Milliet de Saiut-
Adolphe que, em 1554, o jesuíta Pedro Correa, discípulo de
Auchieta. baptisou nesse sitio, um sem numero de tupís e
os induzia a t'azer as pazes com os indios carijós, já allia—
dos dos colonos. ( * ) Entretanto, os bons officios do con
vertido Pedro Correa nao o livraram do martyrio em térras
dos indios Carijós, que o atacaram induzidos pelo celebre
Ruy Mosquera, como o notavel painel de Benedicto Calixto
reproduz, ñas decoracöes da Egreja da Santa Cecilia.
Diz o mesmo auctor que « 15 anuos mais tarde os na
tural's de Sao Vicente deseobriram minas de ouro поз montes
da cordilheira que fica parall tía ao mar, que t'oram lavradas
uní i to tempo com successor. ( ** )
Estas minas, conta Vieira dos Santos, foram sein du-
vida as que os habitante, de Cananéa, depois da conquista
e povoamento da ilha da Cutinga — em Paranaguá e depois
de terem celebrado pazes com os Carijós ( 1550 a 1560 ) vie-
ram a dcscobrir ñas uascentas e margens dos ríos dos Al-
meidas, dos Correas e Guaragnassú.
O chronista paranaense descreve este éxodo nos se-
guintes termos :
« Os povos de Cananéa, originarios daquelles estraugei-
ros europeus que, no anno de 1501 ali foram degradados,

( * ) E' sem duvida errónea essa opiniäo de Milliet de Saint Adolphe, q.¡l
conta que * em 1554 o Jesuita Pedro Correa díecijtulo fir. Anchieta, baptizou um
sem numero de indios, etc.*
Pedro Correa, que nao foi discípulo de Anchieta, mas sim de Leonardo
Nuncs ( o abaribebr ) nao pndia baptizar indio albura, pelo simples motivo de
nao ser ainda sacerdote, quando ialleceu. Ao tratarmos da fundaçao de I gu a pe
e da primeira igreja levantada neasa povoacao pelos missionarios Jesuítas, já
refreíamos essa asserçâo : — de ser Pedro Correa o primeeiro padre que
administrou sacramentos nessa povoacáo de Itruape ou Cananéa. Pedro Correa
era apenas — irmäo escolástico da Companhia de Jesus — quando foi martyri-
zado e morto, em 1551 ; e cono tal nfio podía administrar o sacramentos.
Quem poderia ter feito esses baptizados, aos quaes se refere o historiador
Saint Adolphe, teria sido, talvez, o P. Leonardo Nunes, ou o seu companheiro
P. Diogo Jacomo, ou mesmo o padre Manoel de Chaves, conforme affirma o
chronista Simio de Vasconculloa.
(Vid. «A Villa de Iguape » neste mesmo Capitulo) — Nota de Benedicta
Calixto.
{** ) No mappn topographico da Rahía de Paranae^iá está hem indicado o
onde foram descobertas estas « Minas de Ouro», — (Nota de B, Calixto).
— 678 —

tendo crescido a sua população, se animaram a embarcar em


canoas o pirogas, e sahindo barra a fora, costeando as praias
de Ararapira e Superaguy, entraram pela barra dentro das
formosas bahins de Paranaguá, e admirados de ver em der
redor delias muitas habitações de iudios Carijós e receosos,
talvez, de que lhes fizessem alguma traição, foram em di
reitura á ilha da Cutinga, para o lado do furado que a di
vide da Ilha Rasa, onde principiaram a fazer suas habita
ções, por s?r uma ilha, circulada pelo mar, defensável e de
mais seguro asylo, se porventura, os Carijós lhes quizessem
fazer alguma emboscada... »
Esta versão de Vieira é coutrariada por um documento
contemporâneo existente cm Londres, que explica a origem
do povoamento de Paranaguá attribuindo-o á circumstancia de
ter um individuo de. nome Caueda ou IVneda, depois de
incurso em processo, sa refugiado na ilha da Cutinga, para
onde unis tarde mudou sua família e com ella outras de
suas relações. Diz Milliet de S3Íut Adolphe que a funda
ção da villa de Cananéa teve inicio no auno de 1587, de
clarando que se ignora qual tenha sido o seu fundador.
Vieira dos Santos reproduziudo a mesma versão, accres-
centa que « \ô-se exarado nas Memorias da Camará da-
quclla villa que homens ancigrs alcançaram uma sepultura
na Igreja Matriz, ua qual tinha o epitaphio seguinte : « Se
pultura do Capitão Tristão de Oliveira Lobo, por merco de
Sua Magestaie, Fundador e d rector desta Villa. » ( * )
Sendo exacta esta versão, couhccido se torna o nome
do « homem bom da governança » que conseguiu erigir o
antigo povoado de Cananéa em villa, sob o orago de São
João Baptista.
Eis, pois, e:n ligeiros traços os primórdios da chrouica
de Cananéa ; e nos deixaríamos ficar aqui se não nos se
duzisse o desejo de respigar de Vieira dos Sautos, que com
pulsou o livro das Memorias dos.=a antiga villa outros dados
curiosos que bem merecem as honras de maior vulgarisação.

(*} Kxtranhamos que o chronista Vieira dos Santos, que tão importantes
p«squizas fez sobre a fundação de Cananta, nada diga, — nem sobre a acção
dos beneméritos missionários Jesuítas, os quacs, segundo os documentos já cita-
dos por nós, foram considerados fundadores dessa povoação e vi!la, ntm sobre
a provisão de 13 de Junho de 1000, creando a dita villa, conforme se ve nas notas
avuUae de Fr. Gaspar (nota de B. Calixto).
IV

Memorável naufrágio. — A visita de Salvador Cor


reia de Sá. — Desmhmhuação de Paranaguá.
— Demarcação das divisas mbridionaes.

Vieira dos Sautos, repioduzindo, talvez, episodio narra


do nas Memorias Históricas de Cauinéa, conta que em 1(330
um navio que zarpara do Porto para o iiio de Janeiro, foi,
devido á phobia do piloto, dar á C03ta nas praias das ter
ríveis tribus — Guaytacá — Guassú, Guaytacá — Jaricotó e
Guaytacá-Mopique, famosas pelos instiuctos de refinada an-
thropophagia. í)o naufrágio tiveram noticias os iudios caris -
tios de Cabo Frio e de outras aldeias de Iiirityba, situadas
nos limites meridiouaes do Espirito Santo, que logo acudiram
ao local do sinistro para soccorrer os náufragos e salvar as
fazendas que o mar tivesse arrojado a praia.
« Chegaram em occasiâo fatal os Goytacazes, que tam
bém haviam concorrido á praia a aproveitar-se do casco do
navio, porque não encontrando os das mencionadas duas al
deias, portuguez algum a soccorrer, e suspeitando que
aquelles Índios a todos haviam dado a morte e sepultura
em seus ventre», unidos em um só corpo, os atacaram e ma
taram a quantos ali estavam. Depois de lhes tirarem as
vidas, marcharam para o sertão, accomotteram todas a3 al
deias das sobreditas nações e degolaram quantos uellas esta
vam, sem perdoarem a sexo, nem a idade, para assim vin
garem as mortes presumptas dos náufragos, aos quaes não
tinham feito mal algum ; porque, em dando o navio á costa
fugiram temerosos, de que elles os assaltassem, porém tào
variados que passando por Cabo Frio, Rio de Janeiro, Ilha
Grande, S. Sebastião e pelas três barras do Santos, foram
entrar na barra de S. João de Cananéa. A plebe admirada
da cegueira daquelles navegantes, attribuiram suas desgra
ças a castigo do piloto por ter elle affirmado, no decurso da
viagem, que da náutica sabia mais do que S. João Bnptista ».
Eis ainda narrado, em segunda mão, por Vieira dos
Sautos este feito que consagrava, para 03 piedosos párochos
de Cananéa, o celestial prestigio do seu orago.
Bons tempos esses em que os dedos dos vultos da su
blime corto, tão frequentes so immiscuiam entre os dedos e
os de3tinos dos homens !
O crescimento natural da população de Cananéa, re
forçado por esses elementos adveuticios qie o acaso condu
zia á Ilha do Abrigo e que mais tarde as minas d'onro vie
— 680 —

ram attrair, trouxe como natural cousequencia о augmenta


da antiga villa o do seu vasto municipio.
Em 1637, teve Cananéa a honra de hospedar Salvador
Correia do Sá с Benevides, que entâo exercia о cargo de
Governador do Rio de Janeiro e de Administrador Gérai das
Minas da Repartiçao do Sul do Brazil. Foi nesse ultimo
carácter que o ascendente dos Assecas percorreu Ipuape, Ca
nanéa e as villas de Serra Acima, сто narra Vieira dos
Santos no § 3)1 da» suae t Memorias Historic»», Chronologicas
Topoiriapliieas e- Descriptivas da Cidade de Faranaguá e seu
municipio.
Qual a actuaçao q¡ue Salvador Correia de Sá exerceu no
destino de Cananéa e quaes os provinwntrs que deveria ali
ter deixado para a béa arrecadaçâo des quiutßs d'el-rei. nào
podemos definir porque faltam-nos elemente) para apre—
cial-os. E' de arêrr pcrémr que este zeloso administrador.
que nada poupava para bem servir seu rei e sua patria ti-
vesse prestado relevante» services ao mais meridional dos
municipios do Brazil-colonia, e portaato mais exposto a pessiveis-
ataques de» hespanhóes confinantes.
О que é exacto é que em 1643, eslava tào- pevoado o-
municipio, que os habitantes da bahía de Faranaguá reqae-
reram ao governador do Rio de Janeiro a sua emaneipaçào-
munîcipal pela егессДо de uma nova villa no povoado de N.
S. do Rosario, allegando ser difficultuoso áquelles povos pro
curar seus recursos judicíaes á Villa de Cananéa.
Sómente em 1640, no día dos Reis Magnos, foi erecto
em Faranaguá com as formalidades do estylo o pelouriníro
em uome de S. Magestade »• Senhor D. Joào IV. rei de Por
tugal e por ordern de Duarte Correia Vaqueannes, governador
do Rio de Janeiro.
Sómente em 1648, a 26 de Dezembro, por fôral d'el-rei
e com a assistencia do Doutor Syndicante Manoel Pereira
Franco, foi fundado o municipio de Faranaguá e piocedida
a primeira eleiçâo para juízes ordinarios e vereadores da
nova Villa, sendo entâo demarcados os límites dos dois muni
cipios pelas praias e rio Ararapira.
Caecaes e Vimieiros. Attitude de Cananéa. Vigario
da vara. Minas de ouno. Factos e SUC
CESSOR P. Eytíó.

Quando surfin a celebre demanda entre os herdeiros de


Pero Lopes de Souza, que disputavam a pcsse das Capitanías
de Itamaracá e Sauto Amare, Canauéa teve tambem a sua
parte na lucta.
Em 1653 o conde da ПЬа do Principe, casado com D .
Mariatina de Faro e, Souza — da casa dos Vimieiros tomou
índebítamente posse d'à villa, (*) subordinando-a á Capitanía de
Itanhaeu. Conta Milliet qua o Marquez de Cascaes legitimo
donatario da terra, <t tres annos depois, tirou-a do dominio
do Conde », e a incorporou á Capitanía de N. S. do Rosario
de Parauaguá.
Cananéa, porém, conservou, na administrado ecclesiastica,
a primasia sobre as villas do sul. Tanto assim que, em 1655,
o Padre Joâo da Rocha Ferraz, Vigario de S. Joâo da Villa
de Cananéa, nella, ñas de Paranaguá e Rio Sao Francisco,
visitador pelo hispo do Rio de Janeiro, passou provisSo ao
Padre Dionisio de Mello Cabrai para vigario encommendado de
Paranaguá, provisào esta que foi confirmada pelo dr. Antonio
de Mariz Loureiro, « por mercó da Santa Sé Apostólica, Pre
lado e Administrador da cidaie do Rio de Janeiro e sua
Diocese e das Capitanías de sua repartiçào da banda do sul ».
Apezar de submettida ao governo do Copitào-Mor Ga
briel de Lara, governador da Capitanía de Paranaguá,
«leve Cananéa a descoberta de novae minas, em 1670 e tanto*,

( " ) A donataria dos condes da Ilha dD Principe, era ainda, em 1836*, a


mesmfl dos condes de Vimieiro, e sua jurisdicçao, conforme a doaçSo l'cita por
D. Joâo III a Martini Affonso de Souza. aferangia fmesmo depois da decisäo do
litigio entre os respectivos herdeiros ) toxia a linha da costa meridional da barra
de Säo Vicente até dez legua! aiém de Cananéa».
Л villa de Cananéa estava, portante, nessa época, fazendo parte da Capí/-
tania de Itanhaen, na posse, alius muito legal, dos condes da Illia do Principe,
a qual posse manteve-se até o diu em que essa Capitania foi anncxada  corôa
por acto do Marqnez de Pombal, em 1753.
Diz Pedro Taques na sua < Historia da Capitania de Sao Vicente » que, em
fins do secólo XVIII, «estando cm Paranaguá — Afi'onso Botelho de Souza, na
diligencia da fundaçào de urna nova fortaleza, descobriu, nesses arredores, um
Padrno « urna paira, e nella etculpida* as armai reaes Portugiífzatt* o qual
padrao fora mandado colocar alli por ordem do rei D. Joao III, afim de deter
minar os limiters das dôaçoes de Martim AITonso e seu irmao Pero Lopes.
( Vide тМа-рра da conti? da bahía dt Paranaguá», levantado n'cssa ¿poca
e onde sc acha indicado о local onde foi encontrado esse marco).
( Nota de В. Calixto)
— 6S2 —

a Luiz Lopes de Carvalho, (*) que em 1677 foi nomeado


Capitào-Mor e goveruador perpetuo da Villa de Itanhaeu .
Na patente que obteve para esse alto posto e que con
stitue uina dùtiucçào excepcional, visto como o cargo de
Capitao-Mór era triennal e Carvalho levé nomeaçào, com о
titulo de perpetuo, consta que, sendo administrador das minas
de Itanhaen e Sao Vicente, descobríra tambem as de ouro
na villa de Cananéa.
Deixemos sem narrativa os successos que se prendem ¡i
expediçào de D. Rodrigo de Castel Branco e a de D. Mauoel
de, Lobo, dos quaes nos faltam dados peculiares a Cananéa,
e vamos reproduzir algumas das curiosas narrativas que
Vieira dos Santos perpetuou em suas memoriae.
Escreve o chronista parauácnse :

1710 — No livro das memorias da Cámara de


Cananéa consta esta piophecia : Sobre a prophecia
de um indio já velho natural do sertao, porém do
mestico e catholico, prophetizaudo a factura de urna
náu. Consta que este, agourando muitas vezes dizia :

Urna náu se fará


E n'ellas os sinos se tangerào
Missas cantadas haverá
E muitas geutes houvirào !

E ueste seu dizer, mostrava o logar, que havia


de servir de seu estaleiro, dizendo mais que os
mestres para ella haviam de vir do Rio de Janeiro,
mostrando o monte fronteiro ao seu piognóstieo, o
qual vulgarmente se apellida — o monte de Itapc-
tanguy ».

E conta o inesrao chronista que no anno segu'ute (1711)


chcgavam do Rio de Janeiro os constructores de urna náu с
durante um auno trabalharam no « Estaleiro da Náu », na
construccäo do navio sem mais outro contratempo, a nuo ser
a morte por asphixia do contra-mestre, quaudo ia do terra
para bordo couduzindo os mastaréos.
Acabada a obra, os sinos repicaram a bordo ; celebrou-se
missa cantada ; lauçou-se a náu no mar ; e dentro em pouco
a « Náu Cananéa » demaudava o porto de Lisboa, onde se
incorporou á armada de guerra portuguesa.
Foi esta, diz Vieira dos Santos, a primeira embarcaçfto
naval que se fez em Cananéa.

( * ) Vide este nome na « lista dos Governadores da Capitanía de Iat-


nhacn ».
( Nota de B. Calixto ).
— C83 —

Vejamos agora um novo successo reputado milagroso


pelo supersticioso chronista àis Memorias da Gamara do
Canífnéa.
A narrativa tem um titulo curioso: «Naufrágio do mi
lagroso successo do Padre João de Ey ró na barra de Canauéa ».
Contam as Meincrias que estando a villa sem párocho,
lançou ao mar das suas ondas nas praiis do Norte da Barra
ao Padre João de Eyró, clérigo secular e natural da Villa
de Chaves. Este sacerdote vinha da Bahia em demanda da
Colónia do Sacramento, e succedeu que a embarcação, á altura
da barra de Cauanéa, cavalgou um baixio e naufragou. Deste
sinistro salvaram-se uni religioso sobre uma taboa, o P. Eyró
e um companheiro, apoiados sobre o tombadilho do nivio.
Estes, vendo o perigo que corriam, se dispuzeram a lauçar-se
ao mar, e nadaram toda a noita do sinistro, entoando a la
dainha de N. S., e. conseguiram amanhecer encalhados na
praia do Pontal. Julgando deserta a terra, ou habitada por
gentio, temiam a todo o momento novos perigo?. Tal, porém,
não succedeu: es náufragos foram logo bein acolhidas e
hospedados por António do Amaral Vasconcellos, portuguez,
que. habitava ern Cananéa.
Reconhecidos pela hospitabilidade. o companheiro do sa
cerdote casou-se na família que o acolhera, e o Padre, attri-
buindo sua salvação ao milagre do Santo Padroeiro, tribu-
tou-lhe culto, servindo de parocho na sua egreja.
Mas a chronica de Cauanéa não nos permitte terminar
esta já longa exposição : ha factos maravilhosos que bem
demonstram a poderosa imaginativa daquelle. dos seus habi
tantes que traçou as curiosas paginas das •' Memorias da Ga
mara de Cananéa ", e que parece ter condemnado ao olvido
a sua obra e o sau nome. Vamos, no seguinte Capitulo, re
sumir alguus factos interessantes.
VI

MOSSTRO MARINHO. — NOVO ESTALEIR). — VOLCÀO MAS—


EIRA. — TbRRBMOTO. — DiLIIVIO.

Corria o auno de 1733. A terra que hospedara o bacharel


Duaite Peres e o c&stelhano Fraucisco Chaves estava eutre—
grue á labuta diaria, sein que nada annuuciasse que dentro
em pouco um successo estupendo viria sobresaltar a sua po—
pulacào.
I'm pescador, ao aproximar-se de umi praia, ao occidente
da villa, vru surpreso um moostro marinho corn cabeça e
eorpo dii touro, de 13 p s do comprimento e 9 de gr. ssurn.
Breve, a extranha nova corria de bocea era hosca: Pedro
Tavares sabedor do facto convidou alguns companbeiros e se
dispfiz a (exterminar o moustro, para tranquillidade da villa.
Dextro caeador, possuiudo urn bom bacaiiiarte a saben do des
envolver a mais industriosa citada, partiu para o local onde
coustava achar-se o extranho animal.
Era o leito de um rio que desee do Monte de Itapitan—
guy o | .i ■ ii to onde se abrigara a féra : ura tiro certeiro a
prostou para sempre.
A memoria de Canauéa reprodua todos os característicos
do monstro e termina com este curioso ]>eriodo :
« Nao deslustrando a estimada verdade desta historia,
mas antes para acreditar me lembra o seguinte conceito inda
que poético e por isso, nao de.-te logar :
Sic Proteur parcit Turnes in lictores Phocas et possuit
fluctibu« et pices». (*)
A phoca ou o lobo marinho que a iradiçào e o terror
agiganta'am encontrou em Cananéa — ttrra para jazigo e
pagina para a sua odysséa.

(•> О appareclmcnto desse mongtro marinho cm Cananéa, nesse anno.


( 1737 ) näo constitue urn facto isolado, pois ainda cm nossos dias temos tido
noticia с mesmo visto is-jas « Ipupiaraf » cm nosso littoral, onde sfio vulgar
mente conhecidos por tobo ou Uùes marinfwti, os quaes habítam a zona antárctica
desde as costas de Patagonia até o Cabo Horn.
O naturalista Charles Chronisch denomina-os « Lamnrtinos da America»
с os inscreve na classe des « Srrenico* ».
Na « Historia da Provincia de Santa Cruz я de Pero de Magalhäes Gan-
davo, ( Lisboa — l'i75) vem urna interessante narraeäo, ( acompanhada de urna
gravura ) do apparecimento de uin desses mointrn* na praia de ,S. Vicente, em
156*, o quai foi morto pelo filho do Capitâo donatario Jorge Fcrrrira.
No livro do Dr. Domingos Jaguaribe « Antiguidades Americanas » ( 1ÍM0 >
vem á pag. 171 e seg. urna extensa narraçao feita por nos, sobre esse assumpto.
com o titulo * Curiosidades de S. Vicente m, a qu,il havia sido publicada, com
nossa assignatura, no Imhcador Santitta.
( Nota de B. Calixto ).
— 685 —

Ñas memorias de 1761, o Hvro da Cámara deCananéa,


menciona este anuo como sendo o do inicio das construceöes
nava? s ; mas se olvida da Náu Cauanéa, de que nos dea
noticias.
Diz elle que Alexandre de Souza GuimaTÍies, natural da
Europa e mais tarde capitao-mór de Cananéa, foi o primeiro
constructor naval, tendo feito urna sumaca da quai foi dono
o sargento-mór Francisco (Jayo da Cámara, natural da ilha
de S. Miguel. Neste estaleiro apprenderam o officio muítos
individuos que viviam até entäo, na miseria ; e delle sahiram
mais de 200 navios, quer durante a administraran do funda
dor, quer sob a gerencia do seil genro e successor, o Sar
gento mor Joaquim José da Costa. ( * )
Os annos decorremm tranquillos até 1784, qaando o
monte Mandira, durante tres dias successives laucón do sea
cume fumo e labaredas ; e como era natural, este phenomeno
causón admit açâo porque o morro é iugreme e pedregoso e
« até eutao inda nao tinba facilitado em si entrada para
divertimento de cacadas ou para extraeçao de algum mister
necessario ou de pesquizas mineralógicas ».
Cinco annos mais tarde, quando o notavel sargento-mór
de Santos, Candido Xavier de Almeida e Souza ( o descobri-
dor dos Campos de Cuarapuava, ) foi á Cananéa recrutar os
seus joven» filhos, occorreu outro phenomeno extraordinario
que justo alarme causou aos moradores. Era um sabbado,
dia un que a lúa se achava ein conjuneçao plenaria. a 9 de
Maio de 1789, quando, depois do sol posto, um grande es-
trondo subterráneo se ouviu, acompanhado de movimentos
sísmicos, por espaço de dois minutos.
Comquanto o tremor nao démolisse uenbuma casa da
villa, todas soft'reram mais ou menos damuos com aquelle
abalo. (**)

(*) A arte das construcçôes navaes em Cananéa, nessa época, ganhou


incremento em toda a costa do sul da Capitanía de Jtanhaen e durou quasi até
о fim do seculo XTX. (Vid. Villa de Iguape ) Os Carpinteiroë da Ribeira
eram bem conhecidos em toda a regiâo, pela pericia com que construiam as
suae embarcares.
Ainda em I8f>(í o carpinttiro da Ribeira, Francisco Ribeiro do Souza e
seus filhos, entSo residentes em Una do Prelado, construirán! um elegante na
vio, ao qua] deräo o nome de *< Hiate ConceiçSo * que fazia a carreira de Para-
nagua e SUo Francisco até Santos, com escata por Cananéa, Iguape, Itanhaen,
cuja barrn, nessa época, era ainda accessivel a essas embarcaçoes. As f.'anûan
da Ribeira e os batclùrs deste littoral, conservam ainda o mesmo typo, а шезта
linha esbelta e elegante que llie deram os constructores navaes de Cananéa,
Iguape e Itanhaen.
( Nota de B. Calixto )
(**) O Padre Simäo de Vasconeellos relata cm suas chronicas que, na
occasiäo em que se achava em S. Viicnte o Pe. Luiz da Gran ( 1555 em diante)
houve, nesta Villa e ñas demais dessa época, um medonho temporal com * chu
tas, raiof, ventos e trovóte, e tremor de terra horrivel que parecía dctj'azer-sc a
machina do unirtrso todo.
Esse cataclysma ou terremoto descripto pelo chronista nao se deve con
fundir com o outro que se deu em S. Vicente, em 1512, especie de maremoto,
que destruiu a primitiva Villa de Martim Afionso de Souza.
— 686 —
As « Memorias a descrevem minuciosamente o phenc-
meuo e coutam que dois dias depois do terremoto os habi
tantes viram correr do polo artico para o antarticc uma
grande «exalação», que depois se dividiu cm duas da mesma
grandeza e egual claridade.
Mas, como estamos tratando de phenoments naturf.es
que a chronica do Cananéa menciona, nflo podemos esquecer
o memorável diluvio de 25 de Março de 1795. Neste anno,
desde os princípios de Janeiro c durante quasi todo o mez
de Fevereiro até 25 de Março, chuvas incessantes avoluma
ram extraordinariamente os cursos d'agua. As montanhss de
Iapagarihu, do Asiiiuguy, do Taquary, filtradas pelas aguas,
desbarravam as suas encostas reprezando as correntes do
Mandira, do rio das Minas e do Embiacica, de maneira que
o IodçoI liquido foi ganhando longa extensão nas terras bai
xas dos valles. A fazenda do Capitão Leaudro de Freitas
Sobral nào resistiu ao embate da torrente, ficando demolidos
os seus edifícios ; e a grande propriedade do Sargeuto-uiór
Manoel José de Jesus, á margem do rio Mandira ficou com
pletamente estragada, tendo ali as aguas subido 14 covados
de altura. « Foi tal a quantidade de terra arrastada pelas
aguas, que nào í-ó atiiugiu o comprimento de cinco legoas
e a lafrura de meio quarto ile legta no mar Occidental da
Villa, como também o comprimento de nove lrgoas e largura
de meio quarto, no rcu mi.r oriental. »
Esta grande enchente ufio foi um phenomeno isolado:
Morretes, neste mesmo anno de 1795, foi victima de memo
rável inundação.
E' para lamentar, si a Camará de Cananéa uao conser
var em seu archivo o livro das Memorias que Vieira dos
Santos tão pacientemente roanuseiou, respigando dados para
a sua grande obra. Poderemcs terminar aqui appellando
para o douto Instituto Histórico c Geogrí.phico de S, Paulo
para que acolha, na sua brilhante revista, divulgaudo-as, as
«Memorias da Camará de Cananéa» e salvando-as do aban
dono que até hoje têm s rTiido, si ainda as traças e a iucu-

Esses pequenos maremotos aos qua.-s o povo do littoral dã o curioso


nome de Marpreauiça, nSo são raros níts nossas costas, bem como esses leves
tremores e ruídos subterrâneos que se dito, de longe em longe, e que demons
tram nSo ser pura Untla essas narrardes das Chronicas de Cananéa e S. Vicente.
( Nota de B. Calixto )
— 6S7 —

ria dos homens conservarem, entre os alfarrábios da antiga


villa, este curioso monumento do nosso brilhante passado.
Eis, pois, cumprida a promessa que fizemos ao illustre
mestre da historia e da arte — Be.nedicto Calixto, ora en
tregue ao nobre empenho de restaurar a historia da extincta
capitania do. Nossa Senhora da Conceição de Itanhaen.

Antonina, 14 de Março de 1915.

Ilermelino A. de Leão.
O notirc de Cniiiinni ( * )

Escreve-nos o Br. Dr. Orville Derby :


« No excellente e criterioso artigo estampado no nume
ro de 10 do corrente do « Jornal do Commercio », em que
o illustro Dr. Rodolpho Garcia analysa, subordinado ao bem
merecido qualificativo de « Um Livro Notável », 0 recente
trabalho do dr. Theodoro Sampaio intitulado « O Tupy na
Geographia Nacional », vem uma interessante discussão do
nome Cananéa •>, ein que se apresentam argumentos linguis
ticos e históricos ein apoio da hypothese de ser esta desi
gnação de uma localidade brasileira uma ccrruptella aportu-
guezada da palavra indígena « Cananéa » e não, como a
primeira vista parece, um nome biblico.
Conforme etta hypothese, o primeiro passo na transfor
mação da palavra foi para a forma « Cananor », que vem ci
tada no Mappa de Kuych, de 1558, e no mappa incluído na
edição de Ptolomeu, impressa em 1513. Estes dous mappas
eram evidentemente baseados, na sua parte sul-americana,
no mappa de Waldseemuller, impressso e largamente divul
gado em 1507 e este, por sua vez, baseado no mappa Ca—
nerio que nesta ultima data, ou um tauto ante?, já se acha
va nas mãos do Duque de Lorena e assim acccssivel ao car-
tographo Waldseemuller. que o reproduziu impresso em 1510.
Assim, a data da introducçao na cartographia do nome
« Cananor * fica recuada da confecção do mappa Canerio,
posterior á volta, em fins de 1502, da expedição portugueza
de 1501 e presumivelmente anterior ás medidas prohibitivas
da divulgação em mappas particulares das descobertas portu-
guezas, decretadas pelo Governo de Portugal em 1504. O
mappa Canerio pertence a um grupo de três coufecciouados,
por auetores diversos, logo depois da volta da referida expe
dição e baseados, quanto ao itinerário desta, em diversas
cartas de marear fornecidas por um ou outro dos expedicio
nários, lia forte presumpçío de que o fornecedor de dados
originaes para dous destes mappas —■ Canerio e Kunstmanu-

( " ) Na parte destas *Memorias» que trata da »Fundaç&o da .Villa de S.


Vice nti',« no nferirmo-nos aos mappoí de marcar dos primeiros navegadores daa
costas do Brasil no principio do século XVI, já fizemos referencia a este traba
lho do dr. Orville Derby e a algumas cartas que recebemos deste distincto aci-
entista sobre tal assumpto, poucos dias antes de sua morte.
Chamamos, pois, a attenção do leitor estudioso para essas notas que acom
panham o referido Capitulo.
< Nota de Bencdicto Calixto )
— 689 —

II — fosse o celebre italiano Américo Vespucci, ao passo


qne o do terceiro — Kunstmann III — lot certamente um
navegante portuguez.
A nomenclatura nestes três mappas é essencialmente
idêntica, salvo a omissão de diversos nomes no terceiro dos
acima mencionados e a italianizaçao e estropiameuto dequssi
todos os nomes portuguezes nos outros dons. Por motivo
destas differenças, e de outras que não interessam á presen
te discussão, o mappa Kunstmann III deve ser considerado
como possuindo, mais do que os outros, o caracter < tncial.
N03 dous mappas com nomenclatura italiauizada o ul
timo nome para o sul é « Tauanor », ao passo que no map
pa mais puramente portuguez é « Cauanéa » Dahi resulta
que os dous nomes applicados ao mesmo ponto geographico
são estrictamente contemporâneos, mas que o ultimo foi o
•applicado e empregado pelo official de bordo, presumivelmente
o commandante da expedição, que dava nome aos pontos suc-
cessivamente descobertos na viagem. A predilecção deste
(fficial pelos nomes do calendário é bem apparentè, mas na
■denominação « pinacuio detencio » Kunstmann II e « pena-
chullo detencio » ( Canerio ) quo se pode tomar por fórrnas
italianizadas do portuguez « Pináculo da Teutaçào j, appli
cado a um pico na vizinhança de Angra dos Reis, encon
tramos indícios de uma outra predilecção pelos nomes bíblicos.
Esta ultima circumstanncia combinaia com a notada
por Kohl e Rambaldi que no auno de 1501 o primeiro do
mingo da quaresma sujestivo das Bodas da Cauanéa, cahio
no dia 17 de Fevereiro, data em que a expedição devia ter
estado no porto em questão, cria um forte argumento con
tra a hypothese da origem indígena desse nome.
Comtudo convém notar que o mappa Kunstmann III
traz um nome que é qusai indubitavelmente de, origem in
dígena. E' a «Ilha de Goanas » (Ilha de Guayanazes V )
coliocada entre « Cauanéa » e * Silo Vicente j E' licito pre
sumir que a expedição, logo no seu primeiro encontro com
a costa brasileira, aprisionasse um ou mais Índios que talvez
se houvessem habilitado a servir de interpretes antes de
chegar ao fim da viagem costeira, mas taes interpretes pre
sumivelmente não teriam podido communicar-se livremente
•com os indios da costa paulista. E' mais rasnavel suppor que
do próprio porto de Cauanéa fosse levado um ou mais pri-
•sioneirrs que, antes de chegarem a Lisboa, tivessem apren
dido o bastante da língua portugueza para coinmuniear o
nome do seu habitrt e, quiçá, o da tribu a que pertenciam.
Sobre o nome de Cananéa diz ainda o Dr. Theodoro
Sampaio, em umas notas sobre o livro de Hans Staden, na
« Edição Commemorativa do IV Centenário da descoberta
do Brasil » -.
* . . . (o porto chamado Coniné. . .) E' o porto de Ca
uanéa, bastante conhecido desde os primeiros ânuos do des
cobrimento.
— 690 —

A graphia de Staden — Canine, — combina com pequeña


difference com a de Frei Vicente Salvador, que escreve Ca
nine e nos revela que о nome tào discutido de Cananéa ne-
nhuma relaçao tern com a figura bíblica da mulher de Sa-
repa. A' simples corruptella do vocabnlo tupy Canine, о
mesmo que Canindé. applicado a urna especie de Arara abun
dante nessas paragens, se deve attribuir a confusäo do neme.
Em mappas antigos, a alteraçuo do vacabulo Canine
ou Canindé chegou ató a identifical-o com Cananor ».
Mapoa top ogra pliico do Porto e Villa
de Ca na nea
Sao bem importantes, para a historia da ultima épcca
do Governo Colonial, no uosso littoral paulista, os mappas
da costa da Capitanía de Sào Paulo, mandados levantar no
tím do seculo XVIII, por ordern do Governo da Metropole
Luzitana. A commissäo de Engenheiros Militares e Astro-
nomos que se encarregaram desse trabalho, já foi por nos
declarada em entra parte destas с Memorias ».
A secçaû desse mappa topegraphico que trata do Porto
e da Villa de Cauanéa traz urna pequeña Itgenda que diz :
« No termo de Cananéa estào reservados os inattos dos rios
Madeira, Aracaûva, Iririû, Capivara e Tapinhûpinha para
es cartes reaes, cujos rios tôm as suas barras no Mar de
Ararapira e rios do Van douro. No Mar de A re rio ya estào
tambera reservados para о mtsmo fim os rios Taquary e
Arariaia. »
Na importante « Memoria inédita » sobre a villa de Ca
nanéa que vimos de transcrever devido á dedicacào e á gen
tileza do nosso bora amigo e consocio Dr. Ermeliuo de Leño,
está, alias, bem determinado e descripto o local do Esta-
Iciro de construceào naval onde foi construida, em 1711, a
celebre Ñau Cananéa, que foi encorporada depois á Armada
Heal, em Lisboa.
A legenda do referido mappa indica por este signal — ч/
— , nào só o local em que estava situado esse primitivo Es-
talciro, como os demais em numero de cinco, espalhados á
margem do lagamar e dos rios que ahi desembocan), — a sa
ber : 1." na fralda do Morro de Sao .loa.', — 2.°, á margem
do Taquary, — 3.°, ua mesraa liba, á margem do Mar da
Iririaya, — 4.°, á margem de um rio fronteiro a esse logar,
— 5.°, na embocadura do Mar pequeño, que vai a Iguape.
Oh rnattos reservados para os curtes reaes, confirme des-
crimiuam os mappa.s, é que forneciam o material para essas
construcçôes navae?, tao em voga nessa époep. Nrs mappas
do dislricto de Itaubacn e Iguape, estào tambera descrimi
nados os logares, no sertào, em que abundavam essas ma
deiras « para construcçôes navaes », destiuadas acs córtís
reaes.
Era nos Estaleiros de Cananéa e nos demais situa
dos to termo da villa de Iguape, que se coustruiam as cen
tenas de navios, no tempo do Sargento-Mór Joaquina José
da Costa, e de outros industriaes que, com o seu esforço in
dividual tanto contribuíiam para o desenvolvimento dessa
— 692 —

zona da marinha paulista, tào prospera na época e depois


tfio decadente, tão despesadas, que até povoações e villas
como Sabaúna e Caraguatatuba vieram a desapparecer com
pletamente. ( Vide Hist. destas villas )
Quanlo se levantou o mappa-geral da Capitania de
São Paulo, já essa zona do littoral se achava muito deca
dente, (iela falta de população, mas, ainda, assim o numero
de habitantes nos termos de Paranaguá, Cananéa, Iguape e
Itanhaen, seguudo a indicação desses mappas, era ainda bem
avultado; esse numero, entretanto, tendia cada vez mais a dimi
nuir, porque — o período agudo e precário da decadência
principalmente de Cananéa, Itanhaen e São Vicente, data
do começo do século XIX em deante, conforme se verá do
Capitulo relativo á decadência dessas villas do littoral pau
lista e dos dados censitários sobre a população das mesmas,
nessa época.
Villa de Paranairná
T)r. j-fermelino A. de L>eão
Autor da « Memoria Histórica » Capitania de Itaniiaem
e Capitania de Paranaguá, e dos Dados Históricos sobre
Cananéa.

E' uma justa homenagem que prestamos ao insigne


historiador paranaense estampando o seu retrato, nesta parte
das « Memorias da Capitania de Itanhaem », que trata das
antigas villas de Cananéa e Paranaguá.
Villa de Paranaguá
A DATA DE SUA FUNDAÇÃO. Os MARCOS E Pa-
drões ds Cananéa e Paranaguá. Confusões dos
historiadores sobre esses poxtos. a planta t0-
pooraph1ca do porto de paranaguá no século
18.° Um luminoso relatório dessa época. Pro
jecto DE UMA NOVA FORTALEZA NESSE PORTO. UMA
NÁU DE PIRATAS. Os (}UIMTOS REAES. A LINHA DI
VISÓRIA ENTRE AS DUAS DONATÁRIAS. OlTRAS NOTAS.

Diversos historiadores e eh ouistas se têm oceupado do


histórico da fuudaçuo d'esta importante povoação do extremo
littoral do sul, da Capitania de São Vicente, depois — Ca
pitania de Itanhaen.
Quanto á data cm que Paranaguá foi elevada a villa,
os historiadores nâo estào de ascôrdo. Azevedo Marques nos
« Apontamentos » diz que a povoação foi fundada por Eleo-
doro Ébano Pereira e o Capitão-Mór Gabriel de Lara, em
1647; ao passo que os chronistas Pedro Taques e Monsenhor
Pizarro declaram que a Villa de Paranaguá foi fundada por
Eleodoro Ébano Pereira em 1648.
Nem um destes historiadores nos dizem, entretanto, o dia
<; mez ein que teve logar esse acto da « erecção do villa »,
nem tão pouco o donatário que passou a coupeteute « pro
visão » para tal predicamento.
A data mais digna de fó é, incontestavelmente, a que
nos dá o opúsculo do sr. Komario Martins, « Sobre a fun
dação de Paranaguá», conforme os dojumeutes estralados da
importantíssima ob-a de Vieira dos Santos, « Memorias de
Paranaguá ».
Diz líoniario Martins que «em ltílO o governador,
Duarte Corrêa Vasqueannes, ordenava, do Kio drt Janeiro, a
erecção do Pelourinho em Paranaguá, o que fui feito a 6
de Janeiro desse anuo de 10 10, assim reconhecendo a ne
cessidade da organização da Justiça e da admiuiítração pu
blica, no arraial, até entio sob a chefia discrecionaria dos
prepostos reaes, junto ao serviço das minas de ouro —
Ébano Pereira c Gabriel de Lara ».
Parece que, uma vez levantado o Pelourinho, < symbolo
da Jurisdicção e da Justiça », estaria realizado o acto de
predicamento de Villa, pois que « esse acto » da erecção do
Pelourinho, precedeu sempre o « acto do predicamento de
Villa » ; eutretanto, p?la leitura dos documentos t.ranscriptos
nas « Memorias » do Vieira dos Santos, depreheude-sc que a
— C96 -

eigauizaçào administrativa, isto é, a eleição dos officiaes da


Camará e inais auctoridades, só foi cftectuada a 26 de De
zembro de 1G48, oito ânuos após a data em que foi erecto
o Pelourinho, o que constituía uma anomalia, entre as cria
ções das villns dessa época, cujos provimentos administra
tivos suecediam logo ao provimento da erecção de Pelourinho-
e Villa.
l'm dos homens mais notáveis dessa época e que tanto
contribuiu com os seus esforços e influencia para que a villa
de Parauaguá ssbisse desse estado ai.ormal e tivesse Gamara
e mais nuctoridades administrativas foi o Capitão fundador —
Gabriel de Lara que, aos 20 de Dezembro de 1648, mandou
tocar caixa, afim de fazer um ajuntamento da população, na
sua casa, oude se tratou de fazer a eleição : E todos a « hua-
vóz dicerào que não tinhào embargos algú sobre o que lhes
hera proposto, mas antes requeriào a elle Lara como Capitão
deste povo, fizesse Eleição, por quanto não pedião estar tem
justiça e pereciam á falta delia ».
* Os documentos que comprovam os nossos assertos, diz
Komario Martins, embora desapparecidos nos originaes, se
encontram transcriptos por António Vieira dos Santos, na
sua magistral obra inédita sobre a historia de Paranaguá » .
Alguns desses documentos vão transcriptos no fim deste
capitulo.
As divisas da antiga Capitan'a de São Vicente e da.
então € Capitania de Itanhaen », segundo os antigos docu
mentos — na parte meridional — eram reguladas por um ou
mais marcos de pedra, que, por ordem de D. João III. foram
collocados na barra de Paranaguá, conforme já ficou demon
strado em uma nota, ao tratarmos da Villa de Gananéa.
Pedro Taques na sua «Historia da Capitania de S. Vi
cente» ao tratar dessas divisas diz que, em fins do século
XVIII, eslando em Paranaguá, Affonso Botelho de Souza,
na diligencia da fundação de uma nova fortaleza, descobriu,
nesses arredores, um padrão c uma pelra, enelles esculpidas
es armas- reaes Portuguezas, o qual padrão fora mandado
collocar ah por ordem de D. J<ão III, afim de determinar
os limites das doações de Martim Affonso e seu irmão Pedro
Lopes.
Para bem elucidar este ponto, tão importante quão vago
referente ao local em que foi collocado esse marco ou pa
drão, que alguns historiadores têm confundido com o padrão
mandado collocar por Martim Aftbnso de Souza em Cananéa,
no anno de 1531, vamos nos servir de um documento assas
importante e bem pouco conhecido no Brazil : E' a « Planta
Topographica do Porto e Fortaleza de Paranaguá », mandada
levautar por S. A. Keal, no fim do século dezoito. Essa
Planta foi levantada pelo coronel-graduado do Real Corpo
de Engenheiros, João da Costa Ferreira e pelo Astrónomo—
— 697 —

Real — Francisco de Oliveira Barbosa, e fazia parte do Ar-


chivo Militar de Lisboa. (*)
— Diz o historiador Pedro Taques, como já ficou tan-
scripto, que « Affonso Botelho, estando em Paranaguá, na
diligencia da fundação de uma nova fortaleza, descobriu,
nesses arredores, um « padrão •> e uma pedra com as armas
reaes portuguezas etc.
Ayres de Cazal, na sua « Chorograpia Brazileira » diz
que esees n,arco< ((s de Paranaguá com certeza) estavam
ornados cowi armas e datas esculpirias ; entretanto, o histo
riador Francisco A. Vauhargen, que também examinou e»*es
marcos ( os de Cananéa ) verificou que « eram de finíssimo
mármore branco e que não estavam nellcs esculpidos ntm
espheras nem datas !... »
Não haverá, por tanto, um equivoco, ou confusão entre
esses padrões.11 isto é, entre esses padrões postos em Cananéa
e outros pontos do littoral, em 1531, por Martim Affonso, com
o fim especial de tomar posse da costa, em nome de D. João
III, e esses outros marcos, mandados collocar mtis tarde em
Paranaguá, por ordem do mesmo D. João III, « afim de de
terminarem os limites das doações, entre os dois primeiros
donatários » V
Parace-no3 que sim ; pois, só por uma confusão ou eqir-
voco se poderá explicar essa controvérsia existente entre os
historiadores Ayres de Cazal e Varnhageu, no exame e de-
scripção que fazem desses celebres marcos.
Varnhageu, para bem authenticar o seu exame, mandou
até lavrar um auto no respectivo local, isto é, em Cananéa ; e é
lastimável que o outro historiador, Ayres do Cazal, não tivesse
a mesma lembrança, pois só assim poderíamos hoje identi
ficar, com clareza, o respectivo local em que elle fez essa
descoberta.
Suppômos, sem entretanto affirmar, quo esses marcos com
as armas-reaes e datas, encontrados por Cazal, não são os
de Cananéa, mas sim os de Paranaguá, os quaes firam mais
tarde encontrados por Affonso Botelho de Souza, conforme
escreve Taques.
Procuremos, por conseguinte, verificar, com o auxilio
da « Planta Topographica dn Porto de Paranaguá », levan
tada por ordem regia no fim do século dezoito, o local, na
entrada do metmo Porto, no qual o Tenente Coronel Affonso
Botelho de Sampaio e Souza « fez deligencia para fundação
de uma nova fortaleza », e onde, segundo a animação de Pedro
Taques, fora descoberto esse dito Padrão ou marco de p<dra,
com as armas-reaes.
Antes porem do estudo cartcgraphico que nos orien
tará na verdadeira posição « desse ponto », onde se preteu-

(') Existe hoje uma reproducção photographica desse mappa no nrchivo do


Instituto Histórico e Geographico de São Paulo.
— 698 —

den furdar urna nova fortaleza, em fins do seculo dezoito,


precisamos fazer aínda algumas cousideraçôcs sobre o motivo
que levou o Governo Portuguese a maudar levantar esses
mappas e plantas topographicas das villas do littoral Pau-
lista ; e, para mellior orientaçuo vamos fazer a transcripçào,
em sua integra, do « Relatorio ou legenda explicativa » que
acompauha a reíerida Planta, o qual Relatorio é redigido
uestes termos :
« Planta Topographica, do Porto e Fortaleza de Para-
uaguá : — Neste Porto, entrain Corvetas e podem entrar Fra
gatas que medem menos de 30 palmos de s.gua, seguindo ;i
direçào do Canal que hé infiando a ponta das Conchas, com
a fonte da liba dbs Pecas, como mostra a Planta.
A Fortaleza da Barra deste porto foi construida por
desenlio de pessôa que ignorava a arte de fortificar, por
que, podeudo ser atacada pela praia das Conchas, se nao
defendem as suas parles mutuamente por flancos ou Re
ductos, por ser cornpi sta de huns Lauces de muralha em
figura de Polígono irregular, o que só se pratica quaudo, a
semelhantHs lados se nao podem dirigir aígum ataque por
torra, с continuamente se acham batidos e lávalos do mar.
Tem esta Fortaleza outro deleito que he estar unida a hum
morro mui accès ivel ao inim;go que fizer hum desembarque
na laceada que se segue da Fortileza, até a barra e delie
fazer hum total destrono nos di-feusoreä com quaesquer arti
ficies de guerra e athé com pedrés; Alé m destas desvanta-
gens tem a de ser o Canal muito largo na parte onde se
acha construida, pois podem entrar e sabir embarcaçoens sein
receber inaior damuo da Fortaleza, por que os tiros que, lhes
fizer hào de s?r coin elevaçào, e de, tes, pouc > ou nom hum
damno lhe podem fazer, o que tudo se supprirá fazendo esta
Fortaleza na ponta mai* interior da mesma liba, onde o Ca
nal lhe fica mais proximo e sem morro que a domine : lié
corto que será muito m ai or ; e creio que ao ter-se construi
do nesta paragem foi para evitar a despesa e por ser feita
á cusía de particulares.
Esta Furtaleza ncha-ss boj i com os seus quartus de
molidos e sem nein huma peca de Artilharia por ¡has maudar
tirar o E.-4mo Conde de SarzèJas e recolher á Fortaleza da
Barra Grande, de Santos em 1790.
O ponto — A — mo-tra, n.\ Pl\nta, o lugar onde se
DBVE CONSTRUIR Л NOVA FORTALEZA ».
Esta planta do Porto de Paranaguá levant ida com a
maxima exactidào, traz aiuda um desenlio muito dtt'ilhado
dessa fortaleza coin todos os seus reductoj e alojatneutos
interiores, seus baluartes e canhoneiras, bem como um de
senlio de perfil mostrando um curte no taludamento das
muralhas dos Hincos, com o respectivo canhào assestado
sobre o baluarte etc.
— 699 —
Vê-se que essa fortaleza, apesar do defeito no seu plano
estratégico, notado por esse eugeuhuiro militar, era uma
construcção solida e bem delineada. ( * )
Nessa época, fim do século 18.°, os governadores de S.
Paulo, no afiin de augmeutarem, cada vez, os « rendimentos
dos quintos -RBAB3 », voltavam de novo suas vistas ávidas
para as jazidas auríferas de Paranguá, Apiahy e Paranápa-
nema, cujas entradas sb faziam pelo Kibeira e pela estrada
de Curityba. O governo da Metrópole, veuJo o abandono e
a ruiua a que estavam reduzidas essas povoações do littoral
de S. Paulo, — sem fortalezas e seio gu iruições que pudes
sem garantir e defender o transi. o do « rendimento de seus
quintas reaes. », — mandava então levantar o mappa do
littoral da Capitania Paulista, com o pltno topographieo de
suas Villas e fortificações, as quaes, como essa de Paranaguá
que « havia sido c mstruida pf,r particulires », na segunda
época das minerações aurífera», aehavam-se, como se vê,
em deplorável estado de abandono: sem quartéis, sem
guarnição, e sem artilharia !...
Desde o começo até meados desse século, no tempo dos
primeiros Capitães generaes de S. Paulo, já o Rei D. João
V, na Carta Régia de 8 de Julho de 1726, ordenava que
« não se retirasse g-nte das villas do littoral do sul, para
irem servir na praça de Bantcs; sobre tudo de Cananéa e
Iguape, am.' acidas pelo piratas, que, em virtude das noti
cias dt.s minas de Ouro. ali appareciarr., por nào ter forta
lezas que defendessem esses portos. » Referia-se ainda essa
Carta régia a uma náu de piratas que havia entrado na
barra de Cari inéa e que, *por merc' de Xossa Senhora do
Iiosuv), fo' dar á costa em Paranaguá. ( Archivo Publico.
S. Paulo ).
Os governadores de S. Paulo, temendo pois, os otaques
dos pirat.s, ordenavam que a remessa dos quinios-reaes,
em vez de s r feita por mar, fosse, remeltida pela estrada da
marinha ; e que as Camarás d i Paranaguá. Cauanéa, Iguape,
Itanhueu e São Vicente fizessem, entre si, essa remessa dos
q tintos, com pessoal p"[/> â Custi das mesmas ca?naras,
assumindo ai '.ida, as sobreditas Camarás, toda a responsabi
lidade, até a entrega final desses valores, na Caixa-forte da

( * ) Esta fortaleza de Paranaguá havia sido construída por ordem do Go


vernador de São Paulo — Capitáo-Gencral D. Luiz António Botelho Mourão, era
1700.
Diz a «Chronolopia Paulista* do Snr. Jacintho Ribtiro que «foi encarregado
da construcção da obra o Tenente Coronel Aíibnso Hotelho de Sampaio e
Sousa, correndo as despesas por conta de sulscr/jjçâo /orçada lançada aos mo
radores da villa de Paranaguá*.
Essa fortaleza, devido ao defeito do Sill plano estratégico, notado pelo en
genheiro militar, mandado em commissâo pelo Governo da Metrópole, já se
achava desguarnecida no fim do século dezoito, como elle mesmo declara
O que ha de extranhavel em tudo isto — é que o encarregado da mudança
dessa mesma fortaleza para esse ponto A, na Ilha do Mel, fosse o uiesmo Te
nente Coronel Alfonso Botelho de Sampaio e áou3a, conforme afirma o histo
riador Pedro Taques.
- 700 —

villa de Santos, d'onde, sob as mesmas condiçôes, deve-


riam seguir, sempie por terra, até a Cidade do Rio de Ja
neiro.
Tudo isso era feito, já se vê, sem que a fazenda-real
despendesse um centil e sem correr o menor risco nés sas
constantes e avultadas remessas de ouro.
Embora o rendimento desses quintos fosse as»im, tâo
avuit ad<> e as arcas do tbesouro, na Metropole Lu /i tana.
estivessem sempre abarrotadas com о ouro ha tantos annoa
extrahido das minas das antipas Capitanías de S. Vicente e
Itanhaeu. o € regimen de economía » — adoptado pela real-
fazenda — era o mais severo e rigoroso, como te está vendo,
quandn se tratava de despesas com as obras publicas.
Nao obstante as precarias condiçôi'S defensivas em que
se achavam os portos da antiga Capitanía de Itanhai n. e
as medidas tao ardeutemente reclamadas e apontadas nesse
relatorio do engeuheiro-militar em coinmissäo, que lembrava
a idea de se construir urna nova fortaleza no Porto de Pa-
ranaguá, — o governo colonial, por economía, nada dcter-
minou e nada fez, de positivo e aproveitavel, era defesa
dessa regiâo, tào ameaçada dos navios piratas, que livre-
mente cruzavam os maree do sul da entao « importante
Capitanía de S. Paulo, essj Princesa sem dote », na phrase
justa e sincera de um dos seus governadores.
Agora que já demonstramos a posieào e o estado da
vetusta fortaleza de Paranaguá e a razao que leve u o governo
portuguez a pensar « na fundaçào » de urna nova fortificaçào
na paite mais austral da llha do Mil, vamos ver si pele-
remos determinar com exactidao o ponto em que Afl'ouso
Botelho e Sousa descobriu os celebres moveos ou padröes
que г duterminavam os limites das doatjöos de Mart:m Afiouso
e seu innao Pedro Lopes ».
Diz o citado relatorio do Engeöheiro militar, que : « o
ponto À inostra o local onde se deve construir a nova For
taleza. »
Ora, e.íse local, conforme indica a « Planta », é a ponta
mais septetnrional da llha do Mél onde o ccanal do noite»
faz unía curva, ou por outra — uni ángulo obtuso, dirigin-
do-se em seguida, no rumo de sul, com pequeñas variantes,
para o porto de Antonius, flanqueando, nesse trajecto, a
parte septentrional da llha liaza e Cotinga. ( Vide mappa
appenso ).
O canal navegavel que vae ter ao porto e ancoradouro
de Paranaguá, conforme as detalhadas indicaçôes do mappa
que lhe marca, nao só a directriz, como os palmos que tem
de piofundidade, faz urna grande curva ao passar entre a
llha do Mél e a llha Raza e Cotinga : Une-se ahi com o
outro canal que vem da Barra do sul, entre a parte meridio
nal do continente e a ponta ou promontorio da llha do Mél.
Eis, em traeos geraes, a topocraphia das entradas do
« Porto de Paranaguá », e da « llha do Mél, » na qual se
— 701 —

pretendeu, de 1790 era deaute, levantar uma nova foitaleza


indicada pelo engenheiro-militar Joào da Costa Ferreira. —
Foi ahi, portanto, no> arredores desse ponto — A — , logo
após os estudos e indicações procedidas pelo dito engenhei
ro, que o encarregado desse trabalho, o Coronel Affonso Bo
telho de Sousa, fazendo novos estudos, encontrou es ties
marcos dos quaes nos fala Pedro Taques, — os quaes já
haviam sido descobertos, anteriormente, pelo historiador Ay
res do Casal, segundo nos parece.
Portanto, esse padrão ou marco de Paranaguá nada tem
de comni'im com os de Cananéa. Estes, os de Canauéa, como
já fizemos vêr, determinavam a posse e domínio do território,
—e, m nome de El Rey de Portugal, ao passo que o de Pa
ranaguá marcava, simplesmente, a divisa entre as duas doações,
feitas aos primeiros dou atará s.
A Villa de Parauaguí, segundo essa divisa, estava por
consequência muito legalmente fazendo parte da Capitania
de Santo Amaro, quando se promoveu a sua fundação, em
1640.
A liuha divisória entre a Capitania de S. Vicente, que
tinha eutào o nome de Capitania de Itanhaen, e a Capita
nia de Santo Amaro, partiudo desse ponto — A — indica
do na planta — seguia em rumo do sertlo ( a oeste ) cor
tando a Bahia de Paranaguá até a Ilha Grande da Gamella
e o canal que fica entre esta Ilha e a Ponta Calva ( * ) na
embocadura do Lagamar, ficando, portanto, toda a parte se-
ptentrional e oriental da referida Bahia, com suas Ilhas e
K'os, dentro da Capitania de Itanhaen, inclusive a grando
Ilha das Peças e a Bahia dos Pinheiros, bem como o canal
e a barra do Superaguy, em cuja margem estava situada a
importante « Fazenda dos Jesuítas », conforme se verifica
da mesma Plauta.
Os rins mais notáveis nessa parte do estuário de Para
naguá, então pertencente á dita Capitania de Itanhaen, eram:
ao Norte, o Rio Borrachudo e os demais que desaguavam
nesse braç-> do Lagamar — O rio Guaraquiçava, o Piragui-
ra, o Varadouro e os brocou de mar onde desaguavam esses
cursos de agua doce.
De 1621 em deante, após o litigio entre os herdeiros
dos donatários Martim Affonso e Pedro Lopes, e com a em
brulhada que houve de parte a parte, nessas divisas, de
vido a má e falsa interpretação foram postos de lado,
esse ponto e a linha divisória, determinada pelo mar
co da Ilha do Mél, talvez pelo motivo de ignorar-se, nessa
época, a existência d'esses padrões, que só mais tarde foram
descobertos

( • ) A nomenclatura das Ilhas e braços de mar, bem como dos respecti


vos rios que cortsvam esta refriâo da Capitania de Itanhaen, na bahia de Pa
ranaguá, é a mesma que vem designada na dita Planta ICsses nomes é bem
possivcl que estejam hoje alterados ou desconhecidos pela geração actual.
— 702 —

As divisas da Capitania d-j Martim Affonso de Souza


( Capitania de Itauhaen ) eram, entretanto, bem claras, mesmo
depois do mencionado litigio. As 45 legoas que consti
tuíam a parte rreridional da Capitania de Itanhaen, eram
contadas da margem direita da ultima barra de S. Vicente,
a mais austral, até dez legoas ao sul da Ilha de Cananéa,
isto è, até a Ilha do Hél, na Bahia de FarauaguÁ. Essas
dez legoas, entre Cananéa e Paranaguá, tSo fáceis de dis
criminar, como se está vendo, eram, entretanto, elásticas,
quanto as outras dez legoas — que se contavam da fóz do
JvqiieryqueTé á barra de Bertiog», ou barra do noite de
S. Vicente, as quaes espichavamsc, ou encolhia m-se, confor
me as manobras mais ou menos hábeis das partes e as cri
teriosas st nteuças dos m; gistrados daquella época...
Assim é que a posse da reg ilo da Bahia de Paranaguá
esteve — ó:a cm poder dos Condes de MoDsanto (Capiíania
de Santo Amar", ( u S. Vicente ) ora na posse dos Condes
de Vimieiro e. da Ilha do Príncipe ( Capitania de Itanhaen ),
como adeaute se verá.
Quando, em 1772, Pedro Taques, na sua « Historia da
Capitania de S. Vicente », elucidou, cem clareza, alguns desses
pontos, em prol do direito dos Condes da Ilha do Príncipe,
já a Capitania de Itanhaen ( antiga de S. Viceuíe ), se
achava em condições muito pi cearia?, e < s seus governadores,
loectenentes dos Condes da Ilha do Príncipe, exauetorados
e espoliades cm suas respectivas jurisdições, se haviam ver
gonhosamente subtnettido aos sequestros injustos, e á pre
potência irritante des governadores geraes, e mesmo da
coroa, . . . cujo procedimento está hoje bem definido neste
período da obra do Dr. João Mendes de Almeida (*): > E'
licito suspeitar que o Governo de Portugal cogitava de
peiorar as condições des donatários de Itanhaen, para dimi
nuir a indemnização a que elles tinham direito. . . Chicanas
do tempo ! »
Foram, de facto, devido a essas « chicanas do tempo »
que, já em 1640, os condes de Monsanto pretendiam exteu-
der a jurisdição da Villa ( depois Capitauia de Paranaguá )
até Cananéa. E foi ainda devido a essas « chicanas » que
os donatários da Capitania de Itanhaen, nu represália, ultra
passaram as divisas legaes da Ilha do Mél, e foram, em 6
de Janeiro de 1653, tomar posse da Villa de Parauaguá. O
auttr, ou executor dessa fiiçauha foi, corro se verá adeante, o
Capitâo-mór e Ouvidor de Itanhaen — Diogo Vaz de Escobar.

( * ) «Algumas Xotas Genealógicas» Cr.p. sexto. Capitania de S, J'i-


cenlc—S. Paulo.
A Villa de Paranaguá fazendo parte da Capitania
DE ItANHAEN. A ACÇÃO DC S GOVERNADORES DE
Itanhaen em Paranaguá : Diogo Vaz de Escobar.
— Simão Dias de Moura. — A. Barui za de Sotto
Maior. — Installação da Capitania de Parana
guá. — Salvador db Sá e Benevides.

Na parte « d stas memorias » que trata da « relação dcs


Governadores de Itanhaen » ja nos occupanios das pessoas e
das acções destes Governadores, consignados no presente
summario ; somos entretanto fi rçados, uma vez que tratamos
do histórico da Villa de Paranaguá nesse período em que a
mesma esteve annexada á jurisdicção da Capitania de Ita
nhaen, a vir de novo recorrer á » memoria histórica da Ca
pitania de Itanhaen e Paranaguá » do Dr. IlermeHno de Leão,
já por nós transcripta, afim de colhermos as informações ne
cessárias a rste Capitulo.
Diogo Vaz de Escobar, um dos mais notáveis governa
dores da Capitania de Itanhaen, nessa época, foi, conforme
affirma o citado hittoriador, o iniciador « da politica d'espan-
ção territorial do sul ».
«Paranaguá Horesca então sob o empulso que as lavras
de ouro lhe vieram dar. Erecta em villa por auetorisação do
Governador do Rio de Janeiro, Duarte Coirêa Vasqueanes, era
já um importante núcleo de população, que muito conviria, a
Itanhaen, submetter á sua Capitania. Diogo Vaz de Esco
bar levou a effeito esta árdua empresa.
« Accumulando os cargos de capitão-mór, governador,
sesmeiro, ouvidor, corregedor e provedor das minas, com es
amplos poderes de que se achava aunado o seu constituinte,
procurou Escobar levar a effeito os seus designio3 de admi
nistração, com o mais louvável zelo.
« Segundo um apontamento que temos, quando D. Diogo
de Faro, doou a Capitania de N. S. da Conceição a sua irmã
ou prima D. Mariana de Faro, Escobar já se achava empos
sado no cargo de governador de Itanhaen.
O conde da Ilha do Príncipe, ao receber o dote de sua
esposa, tratou de valorisal-o e incumbiu a Escobar de tomar
posse das 50 legoas de costa que governava, em seu nome,
como novo donstario.
« Escobar teve a habilidade de desempenhar-se da com-
mistão, chamando a sympathia do povo para a causa do seu
constituinte. Em Paranaguá, tratou logo de captar a boa
vontade de Gabriel de Lara, capitão- fundador da villa, a quem
passou patente de capitão-mór a 12 de Outubro de 16í)3.
— 704 —

« No anno seguinte, o Capitáo-mór Escobar percorreu as


villas do sul, orgnnisando-as e dando-lhes provimento. A 2
de Janeiro de 1654 demarcou o rocio de Paranaguá.
« Em 1G55, voltou novamente, em correcção, ás mesmas
villas, tomaudo delias posse, em nome do Conde, da Ilha do
Príncipe, soleninidades essas que tiveram lugar a 15 de Fe
vereiro em Itanhaen ; a 22 de Fevereiro em Iguape e a 25
do mesmo raez em Pnranaguá, onde, a 8 de Março, depois
do seu regresso dos Campos de CiKytiba, ao que suppomos,
ainda celebrou uma vereança geral com a presença de 25
« republicanos », dando possa da terra ao seu senhor.
«Já, então, Escobar estava orientado dos desígnios do Conde
de Monsanto, que tratava de crear a Capitauia de N. S. do
Rosário, com sede em Paranaguá, que, de facto, fora erecta
em território pertencente á extincta Capitania de S. Amam.
Quando o Capitão-Mór recebeu em Iranhacn a noticia deter
sido Gabriel de Lara, nomeado loco-teneute do Conde de
Monsanto, depois primeiro ma'quez de Cascaes, compreheu-
dendo o alcance desse acto, tratou de partir sem demora,
para Paranaguá, afim de evitar a desmembraçào da Capitauia.
Embora enfermo, esteve em Paranaguá zelando des interes
ses do Conde da Ilha do Príncipe e impedindo com a sua pre
sença que Lara constituísse governo.
Poude mais a enfermidade do que a dedicação de Es
cobar : os seus encommodos aggravaram-se. Somente quando
em perigo de vida, desprovido de recursos, abandonou Para
naguá, entregando á Camará as seguintes armas d'el-rei : 77
mosquetes, 12 bandoleiras, 5 arrobas e 8 libras de bala de
chumbo, 3 arrobas de morrão e 1 marrão de chumbo.
« Escobar resistiu ainda por algum tempo á tenaz mo
léstia e a 12 de dezembro desse mesmo anno de 1655 voltou
a Paranaguá, tomaudo posse da villa ein nome do Conde da
Ilha do Príncipe.
« A diligencia com que Escobar exercitava as fuucções
dos seus cargos foi-lhe fatal : os seus males se aggravaram até
que em 1658 falleceu em Itanhaen, sendo substituído na go
verno por Simão Dias de Moura, que a 20 de fevereiro desse
anno tomou posse de Paranaguá, como governador de Ita
nhaen e loco-tenente do Conde donatarij.
«Quando Simão Dias de Moura tomou solemne posse de
Paranaguá, talvez presentisse que o domino de Itanhaen tinha
os seus dias contados. O Marquez de Cas cães redobrava seus
esforço? junto ao Capitao-fundador Gabriel Lua para que
este esposasse a sua causa.
« 0 Capitão-Mór Simão não era um administrador da
tempera de Escobar: não soube ou uho poude resistir. A sua
família aliou-se á de Lara ; e dessa forma os Dias de Moura
figuram na genealogia paranaeuse, representando salientes
papeis no seulo XVII.
« O seu succes or, Capitão Autouio Barbosa de Sotto Maior,
que suppomos ser ascendente do Marquez de Itanhaen, era,
— 705 —

segundo Taques, fidalgo de qualificada nobreza e estabece-


j-a-se em Santos ainda joven, ahi ccntraindo núpcias com D.
Catharina de Mendonça. Em 10 de Setembro de 1642 foi
nomeado capitão de ordenanças da villa de Santos, onde
praticou com o seu sogro Manoel ÁfFonso de Gaya, um acto
de heroísmo atacando, com uma canoa armada em guerra, um
navio hollandez que appareceu á barra, entre os annos do
1(541 — 1655, conforme narra Fedro Taques. (*)
» O Conde da Ilha do Príncipe, elegendo Sotto Maior
para seu locotenente sabia que confiava o sua Capitania a
um militar valoroso, capaz de grandes actos de bravura ; mas
ignorava, sem duvida, que faltavam ao valente cabo de guerra
as qualidades de administrador e bom politico.
« Quando, em 1660, tomou posse da Capitania, Parana
guá já se havia separado de Itanhaen, indo a 1." de Março
a sua Camará reunida á casa de Lara dar posse da terra ao
•Conde de Monsanto ; e confirmando a 15 de Maio em ve-
reança esse acto de adhesào á causa que Gabriel Lara re
presentava.
« Concorreu muito para essa resolução dos paranaenses,
a opposição que Lara fez á retirada das companhias de in-
dies carijós para a conquista do Rio Grande. Entretanto,
Sotto Maior sabendo da posse de Lara, com os seus homens
de guerra se apressou a vir a Paranaguá, suppondo que
bastaria a sua presença para submetter a villa ao domínio
de Itinhaeu. Chegando ahi conservou sempre as iusignias
de Capitão-Mór e a sua escolta em ardias, com grande appa-
rato, visando atemorisar aos partidários de Lara e reconquistar
a villa. Ao contrario, porém, a ostentação de força irritou
aos homens da governança, que a 7 de julho o intimaram a
comparecer perante a Camará, exigindo a exhibição dos seus
títulos e a exposição dos motivos porque estava na villa.
Sotto Maior respondeu que era Capitáo-mór de Itanhaen e
que se achava na villa em serviço real, afim de embarcar os
Índios para a conquista do Rio Graude. Pediu que lhe fosse
permittido usar das iusignias e da força para ser respeitado,
tanto pelos Índios, como pelos brancos.
«A Camará não deferiu o pedido, nada resolvendo nessa
vereança ; mas a 30 de, Junho intimou ao governador de Ita-
uhaen para que não usasse mais as iusignias de Capitão-mór,
declarando que quem exercia esse cargo em Ppranaguá era
Gabriel de Lara. Sotto Maior teve a fraqueza de reconhecer a
autoridade de Lara, allegando apenas que alli não tinha
outra missão a não ser o serviço d'el-rei.
« Este acto de reconhecimento de Lara, como governa
dor da Capitania de Paranaguá foi o ultimo praticado pelas
autoridades de Itanhaen, cujo governo ficou circumscipto na
zona do sul, as três villas: de Itanhaen, Iguape eCauauéa.
( * ) Este episodio do^ataque cTessa náo flamenga cm Santos, vem nar
rado em uma nota, ni capitulo qui; se refere á Villa de Igiape.
( Nota de B. Calísto )
— 706 -

Na zona do norte, a partir de S. Sebastião, os governadores


de Itauhaen exerciam jurisdição ainda sobre Pindamonhau-
gaba, Guaratinguetá, Taubaté, Caraguatatuba, Ubatuba, Pa-
raty e Augra dos Reis. Entretanto, Sotto, apezar dessa ca
pitulação sem protesto, era um militar brioso, que pouco de
pois iria praticar notáveis actos de bravura, na conquista do
Rio Grande, diguos dos heroes americanos no dizer de Pedro
Taques.
c Corroborando pste acontecimento, r.o fim do mpsmo anno
de 1660, Salvador Corrêa de Sá e Benevides, governarlor do
Rio de Janeiro e administrador das minas de Paianagu», es
tando nessa villa a 30 de Novembro, determine u que á vista
das duvidas existentes entre os herdeiros dos primitivos do
natários as autoridades em exercício se mantivessem em seus
cargos, fuuccionando como delegados da coroa, sem que re
conhecessem nenhum donatário. Esta resolução consolidou a
autoridade de Gabriel de Lara que, entretanto, jamais as olvi
dou, nos a;tos, públicos, da sua qualidade de loco-tenente do
Conde de Monsanto, depois Marquez de Cascaes ».
Erineliuo de Leàn refore-se ainda a outos governadores
de Itauhaen e a factos que se relacionam com esta villa ; e,
ao terminar a sua interessante « memoria » diz:
«Itauhaen, porém, já tinha cumprido a sua missão histó
rica de desalojar os hespanhóes de Iguape e de dilatar o do
mínio portuguez, ao sul do Brazil. Ao Paraná, mais do que
o lustro de governo, ella doou o vinculo de sangue. Foram
os itanhaenses Rodrigues Sid, Pinas, Luiz, Dias de Moura,
Antuue.-, dos primeiros povoadores e conquistadores dos cam
pos de Curytiba, tornando-se alguns dos patriarcas de,»sa popu
lação que hoje se estende do Itararé ao Uruguay e do Atlân
tico ao Rio Paraná ».

Passamos em seguida a transcrever parte da «Histeria


de Paranaguá e sua fuudaç&o » do Senhor Romano Martins,
afim de completar esta memoria.
Pedimos, entretanto, ao illustrc autor que nos desculpe a
ousadia, e promettemos não alterar uma tirgula siquernoseu
bello estudo histórico, sobre Paranaguá. Estamos certos que
não levará a mui, visto que o nrsso intuito é vulgarisar o
mais possível todos os dados e noticias históricas dignos de
fé, que uoí chegam ás mãos, relativos a esse período tão im
portante de nessa historia paulista.
Paranagoá
Histvrico de sua Fundação
Romarío Martins

O DESCOBRIMENTO

« O desconhecimento do interior do paiz, aggravado pelas


phantadosas noções provindas dos Índios, impediu por muito
tempo que os colonos localisados no littoral fotsem ganhando,
pura a conquista portugueza, as terras que se quedavam ao
«■ocidente da cordilheira marítima.
Alem da serra jazia o desconhecido ; p, com elle, as
perturbadoras legendas sabidas dos Índios alliados, e que tào
bem quadravam com a alma phantasista do emigrado por-
tuguez, apta por temperamento para receber a influencia do
mygterio e do deslumbramento.
A's lareiras dos primeiros vindos, se narravam os nossos
ancestrae», por noites tormentosas, as legendas terriveis de
uma raça que havia, de gigantes ferozes, para lá, do outro
lado da serra ; e os caminhos sem termo, que fechavam o
viandante n'um labyrintho de trilhos, até perdel-os no seio
présago da floresta e da morte ; e os rios que torvelinhavain
em torno do batel, em rajadas de espuma, sossobrando-os ;
e, emfim, as mil e uma coisas que havia, nesse se.rtào mys-
terio^o, inexpugnável e bravio.
Gandávo e outros chronistas ainda repetem alguns des
ses boatos terroristas, que punham no sertào brazileiro os
mais extravagantes receios dos conquistadores, deslembrados
de que tudo, afinal, se reduzia ao receio prudente do desco
nhecido, do imprevisto, n'uma regiào onde realmente tudo
era um motivo de assombro para o europeo, desde as bahias
intérminas e maravilhosas, até — e priucipalmeute, — essa
floresta que mal percebiam ainda os habitantes da c> sta, mas
que se lhes antolhava ars olhos pávidos e maravilhados,
guardadora de régios collossos vegetaes, de uma estupenda e
extranha natureza ; abrigadora de jazidas auríferas inegiu-
lavcis no mundo; e, igualmente, impenetrável abrigo de raças
indómitas de invencíveis guerreiros, e de uma fauna em
pleno fastígio de bravia pujança.
Paisavam-se os annos e os pritxeiros habitadores da
costa, no sul do Brazil, mal so aventuravam a transpor a
Serra do Mar, embora as primeiras noticias de jazidas aurí
feras lhe trouxessem já aos ouvidos o tilintar do attraheute
metal sonante.
— 708 —

Mas o tempo resolvia, por fim, o problema do sertão.


Uma geração já nascida sob o influxo das auras meridionaes
brazileiras, surgia mestiçada entre europeus e americanos, e,
em breve, uma mocidade impulsivamente ousada e sedenta
de lucta — pois que se formara no cadinho das mais agitadas
phantasins dos conquistadores, — invadia resolutamente o
sertão, desassombraudo-o até aos paramos mais occidentaes.
Emquanto isso se dava no interior do território, ourros,
miis cautelosos, esmiuçavam a costa em seus recantos, e
nella iam arriscando a formação de novos núcleos de popu
lação, nas visinhanç.as, principalmente, de jazidas auriferas e
onde mais fácil se lhes antolhava o captiveiro dos Índios.
A descoberta e o povoamento de Parauagoá, tiveram
oriírem n'uma destas aventuras marítimas que vamos, por
primeiros, procurar assignalar á luz drs factos históricos.
A derrota infringida pelos Índios á columna de 80 por-
tuguezes, única que se arriscara a descer a Serra do Mar, e
que foi trucidada nos campos de Curytiba, taato impressio
nara os ânimos era S. Vicente e Santos, que em 1Õ85 ainda
esses povos pediam vingança, embora nesse pretexto oceul—
tando o interesse que tinha na escravisaçào dos indígenas.
« De quarenta annos a esta parte », diz um documento da—
quella data, mais de 150 homens brancos, entre portaguezes
e hespanhoes, « foram mortos pelos naturaes do paiz, incluin-
do-se nesse compueto de desastres, a carnificina dos 80.
Habituados a se fazerem servir por indígenas que escra-
visavam, os povos de S. Vicente allegavam ainda, nesse
documento, que as suas fazendas pereciam a miugoa de
serviçáes, pois que mais de 2.000 iudios até então ali haviam
succunibido de epidemias. E, assim, pediam ao capitão Je
rónimo Leitão, preposto do donatário da Capitania, que
fizesse « guerra campal aos iudios nomeados Carijós. »
E como a guerra pelo sertão daria « grande oppressão »
áquelles povos ainda doidos das refregas do Ygoassú e Ygoape,
requereram que ella se fizesse cautelosamente pelo mar, sem
trég.ias ao gentio e não lhe aceeitando accordos nem pazes,
sem a condicional, única, do captiveiro e da submissão
absoluta. E assim termina a petição dos povos de S. Vi
cente e Santos, por intermédio dos oíficiaes das respectivas
Camarás : — « é o que requeremos ao sur. capitão, e não o
querendo façer, promettemos de largar a terra e nos iremos
viver onde tenhamos remédio de vida, porquanto não nos
podemos sustentar sem escravaria. »
O capitão Jeronymo Leitão, accedendo ás exigências dos
seus súbditos, autorisou a guerra contra os Carijós.
A 1 de Setembro de 1585 a expedição tudo tinha apres
tado para a partida. Delia fizeram parte, pois que assigna-
ram o auto de compromisso, o próprio Jeuosymo LbitIo,
Diogo de Unhattb, escrivão da Camará de S. Paulo, Diogo
Teixeira de Carvalho, Affonso Sardinha, António db
Proença, Sebastião Leme, Manoel Ribeiro, Paulo Rodri
— 709 —

guês, Manoel Fernandes, Domingos Dias, padre Sebastião


de Paiva, vigário de S. Vicente, Salvador Pires e Affon-
so Dias, com suas pessoas e armas e mantimentos e escra
vos ». — Archivo Municipal de S- Paulo. Livro do Tombo.
Foi esta expedição naval que descobriu Paranagoá. ( * )
Um outro documento, que em tempos demos á estampa,
depõe a favor da nossa affirmativa. E' a petição de Diogo
de Unhai te, o escrivão da Camará de S. Paulo que em
1585 lavrara o auto de compromisso da expedição de Jisro-
kymo Leitão, e que em 1614, 29 annos depois, requeria uma
data de terras de sesmaria, « na parte qut se chama Para
nagoá, « allegando » os encontros e batalhas « que com os
índios tivera muitas vezes, — ali seguramente. Livio de Re
gistros de Sesmarias. Cartório da Delegacia do Thesouro
em S. Paulo.
Diogo Unhatte, após o descobrimento de Paranagoá,
esteve na descoberta e fundação de S. Sebastião, com João
de Abheu, e em 1609 ali obtinha uma sesmaria como re
compensa.
Já se vê, pois, que o descobrimento de Paranagoá não
se deve ao excesso da população de S. Vicente que para ali
transbordaste (como nós mesmos suppunhamos ) mas, como
testemunham os documentos que vimos citando, ás guerras
para a escravisação dos Índios Carijós, ali habitadores em
1585.
Assim se explicam também os retrocedimentos da Hoti-
lha expedicionária, do continente para a Ilha da Cutinga,
cujo ponto estratégico só depois de decisivas victorias contra
as tribus, se afoitaram os portuguezes a substituir pela ex
ploração de terra firme. »

( * ) A Bailia de Paranaguá já éra conhecida dos portuguczes e caste


lhanos muito antes da chegada de Martim Affbnso de Souza, 131 — lj32.
Desde 15*9 a 1556 os Missionários Jesuítas já haviam percorrido o
sertão de Iguape, Cananèa e Paranaguá, até os planaltos da Serra do Mar. O
Martyrio e morte do jesuita Pedro Corrêa e de seu companheiro de missão,
deu-sc em lõ5!S, nas fraldas da mesma Serra do Mar, quando elles voltavam do
sertão dos Carijós
( Nota de 13. Calixto )
O povoamento
« UmH vez descobertos aquelles remansosos e magníficos
sítios, e afastados os receios dos conquistadores, com o atro-
]>ellamento dos índios, os expedicionários naturalmente in
vestigaram algo do continente paranágoens», era busca de
jazidas auríferas.
Cjuta Pizarro (que afasta para 1578 a mineração de
Paranagoá ) e confirma-o Sant'Hilaire, que aquella regiào
precedeu a qualquer outra da colónia no fornecimento de
ouro ars primeiros pesquizadores, sendo dali as amostras
levadas a El-Kei D. Henrique.
Esta e o facto referido de em 161-1 já haver moradores
na costa paranágoense, deixam crer que bem logo depois do
seu descobrimeuto c exploração pelos expedicionários da frota
do Capitão Jeronymo LeitAo, ( 1585 ) começou o povoamento
de Paranagoá.
O ouro foi, seguramente, o melhor factor do povoamento,
aliás bem rápido, da nossa costa marítima.
Em 15 de Agosto de. 1603 o governo portuguez regu
lamentava o serviço da extracção do ouro dai miuas do
Brazil, regulamento primeiramente posto em execução em
Paranagoá e depois em E piíito Santo.
Esse trabalho das minas durou ali muito mais de um
Eeeulo, sempre remunorativo, e animando, pela fama de que
gosava, outros esperançados investigadores da terra brazileira.
Em 1668 era Provedor das minas de ouro de Paranagoá,
Thomaz Fernandes de Oliveira.
Em 1681 o Capitão Diogo de Paula Caria, genro do
fallecido Provede r Gaspar Teixeira de Azevedo, enviava de
Paranagoá á fazenda real 6.038 oitavas de ouro, do rendi
mento dos quintos, e em 1690, o rendimento desses quintos
se ele\ ou, em uma só remessa conhecida e englobadamente.
com o de Cananéa, a 1.279 oitavas. — Historia da Capitania
de Pão Vicente, de Pedro Ti ijues Paes Leni'.
Isto o que te sabe. dos trabalhos auríferos, em Para
nagoá, no século XVII ; no seguinte nao foi menos remu
nerador esse serviço.
De 1711 a 1720 escasseiam os dados sobre o rendi
mento dos quintos, por ausência dos livros de registros, mas
se ccuhece a remessa de 221 oitavas.
E mais :
— Importincia do quinto de ouro da
Casa de Fundição de Paransgoá —
13 de Abril de 1735 2.926 oitavas
- 711 —

— Ouro remettido em 1740 ao Kio do


Janeiro, proveniente da captação das
minas de Faranagoá 2 478 »
— Lista do ouro guiado na intendência
de ParaDagoá, de Janeiro de 1778
a Dezembro do mesmo anno. . . 2.241 »
Idem desde 7 de Janeiro até 6 de Julho
de 1789 4.320 »
Idem de 8 de Julho até 29 de Dezembro
de 1789 1.663 »
Idem de 1 de Janeiro até 31 de Julho
de 1790 1.978 »

Ao todo 15.727 oitivas de ouro, do pagamento dos


quintoc devidos á fazenda real. O ouro em £ão Paulo, de
F. de Pauli Oliveira.
I to é o que se tem podido apurar do registro dos quintos,
que é uma fonte bem falh<i de informaçõ??, mas que ainda
aesim demorstra, no pouco quo se apura, uma farta messe
de proventos retirados das entranhas da terra paranaense, por
portuguezes e mamelucos.
Além disso ha a referir que em 1697 se estabelecia em
Paranagoá a R^al Casa de Fundição dos Quintos de Ouro,
fechada em 1730, e que fi-i a terceira fundada uo Iirazil.
E mais, notemos o testemunho de Pedro Taques, no dizer
que em 1772 a mineração de ouro se fazia em Parauagoá
« com utilidade do real erário ».
Um tal trabalho tão compensador, att'ah;ra sem duvida
para Para-iagná e suas cercania», tuna veHaleira corrente
immigrantista : e a continuação, por nmis de um século, da
mineração em alti escala ali, foi motivo da fixação desses
colonos, origer" da primitiva população regtilir.
Assim se povoou toJa a costi, cabendo á Parauagoá,
pela sua posição geographua e pelo rtdacto forte que a
constituía o posto avançado dos interesses portuguezes no
sul da colónia, o alto destino histórico de fazer avançar a
conquista luzitaua ao sul e ao oeste, cons guinlo o recuo
das linhas fiouteiriças da America hespanhola, em proveito
da noísa actual grandeza territoritl.
Parauagoá era, então, toda a região ao sul de Cauauéa,
até a (ót do rio da Prata. (*)
A mineração do ouro em Parauairoá e a destruição d s
republicas theocraticas do Goayra, constituem os doú factos
históricos determinantes da actual configuração geographica
politica do sul do Brazil.

(•) Cumpre notar que esse «avanço da conquista luzitana ao sul c ao oeste
conseguindo o recuo das linhas fronteiriças da Amcriri heupanhola em proveito
da nossa actual grandeza territorial •• foi levado a effeito com o auxilio dos go
vernadores de Itanhaen. (Nota de B. Calixto).
— 712 —

Interposta entre o governo geral da colónia portugueza


e os seus graúdas interesses no extremo sul do continente,
Paranajroá assumiu bem cedo a investidura, que tao distiu-
«tamantc honrou, de assegurar naquella regiào a defesa das.
conquistas luzitanas na America ».
A vi lia
« Os trabalhes da mineração do ouro, como vimos, bem
depressa conduziram a Paranagoá uma população ambulante
de aventureiros e de pessoas da governança da Capitania,
interessadas no recebimento dos quintos reaes.
Essa população de portuguezes e hespanhoes, com o cor
rer dos tempos se. foi a fazendo ás delicias da terra, e ali de
finitivamente te fixando.
Ao tempo de Eleodoro (1) e Lara, que foi precisamente em
meiado do século XVII, figuravam já na população parana-
goaense como principaes, os Escobar, Nóbrega, Velloso, Ro
drigues e Rodrigues da Cunha, Duarte, Gonçalves, Coelho,
Penedo, Sanches, Piuto, Lemos, Maciel, Cortes, Miranda, Ri
beiro, Lopes, Morales, Moreira, Brito, Uzeda, Fontes, etc,
indivíduos que vieram a oceupar, todos elles, es cargos da
representação municipal da villa.
A par dos trabalhos de mineração iam progredindo a
agricultura e as pequenas industrias que lhe são correlatas,
especialmente a fabricação de farinhas, de cujo produeto ali
se suppriam as praças da Colónia ( Uruguay ), de Santos, do
Rio de Janeiro e até da Bahia.
Um núcleo de população assim composta de tão sólidos
elementos de prosperidade e já tão avantajado em numero,
havia completado a sua phase preparatória e chegado áquelle
período em que as massas anonymas se constituem por força
da evolução natural, em corpo social e politico.
Em 1640 o gevernador, Duarte Corrêa Vasqueanes, or
denava do Rio rie Janeiro a erecção do pelourinho em Pa-
ranagoá, o que foi feito a 6 de Janeiro, assim reconhecendo
a necessidade da organização da Justiça e da administração
publica no arraial, até então sob a chefia descripeionaria
dos propostos r-»,aes junto ao serviço das minas auríferas : —
Ébano Pereira e Gabriel de Lara.
Oito annos se passaram, entretanto, antes que o governo
da metrópole auetorizasso a elevação do arraial á villa, e,
consequentemente, a sua organização admiuistrativa.
Em Dezembro do 16 Í8, emfim. o dr. Manoel Pereira
Franco, que viera ao Brazil em syndicancia do governo da
metrópole portugueza, tiouxe além da sua missão, a im-

( I ) O primeiro Heleodoro foi predecessor de Lara : o segundo sim, foi com-


temporanco c succtdeu ao pac no posto de Capitão de canoas dos mares do sul
e administrador das minas descobertas por seu pae. Vide « Um Ponto de His
toria. (Nota de £. de Ledo)
— 714 —

eumbeucia de promover as eleições e crear a villa de Pa-


ranagoá.
Essa.* eleições, de officiaes da Camará e de Juizes Or
dinários se fizeram no dia 26 de Dezembro de 1648, sendo
a villa iostallada no anno seguinte, corno refere o ouvidor
Raphael Pires Pardinho em seus Provimentos. — Are. Mun.
de Faronagoá. — Livro de Provisões.
Segue-se d'alii, e dos próprios termos da Carta Régia,
que a data hoje commemorada em seu anuiversario, não é a
da installaçào da autonomia municipal de Paranagoá, mas a
autorizfção legal para que ella se effectivasse.
Nesse sentido procederam-se as eleições de 25 de De
zembro de 1648, dos mandatários do povo que haviam, de
servir no anno de 1049.
Conclue-se, d ahi, que o goveruo da nova villa começou
a se exercitar em Janeiro de 1649, e no dia í», data do ju-
rameuto dos officiaes da Camará.
Os documentos que comprovam o nosso asserto, embora
desapparecidos nos originaes, se encontram transcriptos por
António Vieira dos Santos, na sua magistral obra sobre a
historia de PatEnagoá ».

NOTA. — Escrevemos Paranagoá f com o e nSo cem r como se grapha vul


garmente) porque assim nos singimos á sua ctymologia.
Si é verdade que a vogal o deixou-se substituir pelo u quando intercalada
nos vocábulos guaranys, nâo devemos, comtudo, esquecer que as fontes etymo-
logicas a restabelecem .
GoA, redondo, corrompeu-se em ooan, OUÁ e ate cm puaN e poá, Itnpuart,
Cama pod (afli do rio Paraguay). Outros exemplos: Y-otlA-ASSÍt, de cujos vo
cábulos se compõe a palavra composta Ygoábsi:» que significa — Rio grande c
largo : Goá-nã-bara, levemente transformado, em Guanabara que quer dizer —
Rio que *e alarga em bahia.
Isto apenas para justificar a nossa graphia, sem a preterição de modificar o
que o uso já estabeleceu. (Nota do autor)
Os Carijó*
DOCUMENTOS

1585

Petição, -- qu* fazem os officiaes da Camará desta Ca


pitania' de S. Vicente, ao capitão Jeronymo Leitão,
SOBRE A NECESSIDADE DE SE FAZER A GUERRA AO GEN
TIO Carijó, em Faranagoá.

Requerimento e prestação que os ( fficiaes das Camarás


das villas desta capitfcnia de S. Vicente fazem ao snr. capi
tão Jeronymo Leitão, como a pe.-sôa que esti em logar do
governador Pêro Lopes de Sousa, governador desta capita
nia de São Vicente, por sua magestade, ao qual requerem
os procuradores das Camarás das villas desta capitania, isto
é, António Arfosso, procurador desta villa de S. Vicente,
em nome do povo desta, e outrosim Aloxso Pelabs procu
rador do povo da villa de Santc- ; primeiramente requere
mos ao tr. capitào Jeronymo Leitão que, por elle ser ca
beça desta dita etpitania e não termo3 neste caso a quem
nos soccorrer sinão a sua mercê, por a elle lhe pertencer
acudir a isto, como a capitão que é, lhe requeremos da par
te de. Deus e de sua magestade que, ouvida a grano e neces-
cidade em que esta terra está, a qual ó que cota terra pa
rece e está em muito risco de se despovoar mais do qne
nunca esteve e se despovôi cada dia por causa dos morado
res e povoadores desta não terem escravaria do gentio desta
terra, como tiveram, e longe sempre se serviram, e isto por
razão de muitas doenças e enfermidades, que na terra havia,
como é de câmaras de sangue e outras doenças, de que são
mortos nesta capitania, de se;s ânuos a esta parte, mais de
duas mil peças de escravos, cnm as quaes esta terra era en-
nobrecida, e os moradores se susteutavam e faziam suas fa
zendas, de que pagavam dizimas a Deus e a sua majestade,
e se sustentavam honradameute, e se fazia muito, o que
Agora não ha morador que tão sóaiente possa fazer roças
para te sustentar, quanto mais fazer cannaviaes, os quaes
deixam todos perder á mingua da escravaria, o a terra vae
cm tanta diminuição que já se não acha mantimento a com
prar, o que nunca houve até agora, e isto tudo por causa de
os moradores não terem escravaria com que plantar e be
neficiar suas fazendas, cnmo soíam fazer, pela qual razão re
queremos ao sr. capitão da parte de Deus e de sua mages
— Uß —
tade, que sua mcrcê, com a gente desta dita capitanía, faça
guerra campal аоз indios nonieados Carijós os quaes a tcm
ha muitos anuos merecido por tfrem mortos, de quaranta an
uos a esta parte, mais de 150 homens brancos, assim por-
tuguezes como hespanhóes, até mataram padres da. Compa-
uhia de Jesus, que foram os doutrinar e ensinar a ncssa
santa fé catholica, pela quai matança. que assim fizeram, e
fazem cada dia, está mandado, ha muito tempo pelo Sr.
Martim Afí'onso de Sousa, que haja em gloria, que lhe fi-
zessem guerra, quando se desta terra foi, por lhe matarem
80 homens juntos, que mandou pela terra á dantro, a des-
cobrir, e para dita guerra deixou por capitàes a Ruy Pinto
e que a Pero de Góes, homens fidalgos, e si se entao nao se fez
foi por я gente desta capitanía ir á guerra aos de Iguape,
e por lá matarem muita gente e desfez a dita guerra e até
agora n fio Louve opportunidade pata se poder fazer, como
agora, porque depois que matarem os 80 homens primeiros,
mataram depois disso, por vezes outros tantos, e matarSo ca
da dia por serem mui atraiçoados e inimigos de homens
brancos e suo inimigos desses indios tupimnquins, nóteos
amigos, aos quaes cada dia dfio guerra, e elles nos pedem os
soccorramos contra elles, das quaes matanças que tern feitas
a christàos, sem lho merecerem, sómente tudo para os rou-
bar e comer carne humana, têm dado a murte a tantos ho
mens, do quai tudo está tirado um instrumento de testemu-
nhas, por onde se prova largamente serem feitas todas as
coiías declarada e por elle prova estar a dita guerra man
dada t'«zer pelo senhor da terra, em nome "¿e\ rei, como ce-
pitao-mór, que aquelle era, pelo quai e pelas razñes já Ho
rneadas tomamos a requerer ao sr. Capitào Jerouymo Leitao
faça a dita guerra ao dito gentio, com a mais brevidade que
se puder, corn a gente desta capitanía, porquanto todos es
tamos prestes para seguir a sua mercê, a quai guerra lhe
requeremos que a faça por mar, por a>sim perceberem a to
do o povo, porque pelo sertâo e dar grande oppressfto a to
dos por se nao poder levar o necessario para ella por terra,
e a taca com tomar o parecer das Cámaras e para nellas se
declarar as condiçôes com que se hade fazer a dita guerra,
e disso se fazer um assento nos livros das ditas Cámaras, e
si caso fôr que o dito gentio se queira dar de pazes, lhe re-
queremos a sua mercó que Iba nao de sirâo corn condiçôes
que sejam resgatadas pelos moradores desta capitanía e nào
em aldeias, sobre si, porque, estando o dito gentío sobre si,
nenhum proveito alcançam os moradores desta terra, porque
para ireni aventurar suas vidas e fazendas e pol-rs em sua
liberdade será melhor nao il-a. e trazendo-os e repartindo-os
pelos moradores como dito é, бета muito serviço de Deui e
da sua rnajestade e bem desta terra, porquanto o dito gen
tio vive em sua gentilidado, em suas terras, comendo carne
humana, e estando cá se farào christàos e viverào em ser-
vico de J)eus. E outrosim requeremos ao sr. capitào que
— 717 -

não consinta que os do Rio do Janeiro nos entrem no nosso


sertão desta capitania a levarem o gentio delle para o dito
Rio, como agora levaram ha pouco tempo, e nóí, que sus
tentamos a terra com nossas pessoas e fazendas, a santos e
christãos, não gozamos do outro tanto ; e lhe requeremos
que sua mercê nos guarde o foral e foraes dei rei, nosso
senhor, a do senhor da terra, e isto é o que requeremos ao
sr. capitão, e não o querendo façer, protestamos de largar
a terra o uos iremos viver onde tenhamos remédio de vida,
porquanto, nós não podemos sustentar sem escravaria, e elle,
sr. capitão, dar disso conta a quem o caso com direito per
tencer, e de tirarmos de, sua mercê um instrumento, ou os
que necessários forem ; e de como assim lho requeremos,
com sim resposta, ou sem ella. si a dar não quizer, para o
senhor da terra, ou perante quem o caso pertencer. Hoje,
10 de Abril de lõSõ. O qual aqui assignamos os offieiaes
das Gamaras desta capitania e se fará, com a resposta do
sr. capitão, assento e declaração e irá aqui acostado o in
strumento de que fazemos menção, para por elle o sr. capi
tão vêr a razão, que por nós temos. — Pêro Lema, Pêro
Collaço, Paulo de Vereu, Pêro da Luz, Simão Machado, Di
ogo Rodrigues, Alonso Pelaes, Jaão Francisco.

DESPACHO

Resposta que dou a este requerimento, que me ora fazem


os srs. offieiaes das Gamaras destas villas, digo que é neces
sário que suas mercês se ajuntem em um dos Jogares aonde
é costume, para se praticar e tratarmos sobre as cousas desta
guerra, que elles requerem, e por que parte será melhor ir
e haver mais apparelho e o necessário para isso, de que se
hão de fazer autos por todos assignados, conforme ao regi
mento dei rei, nosso senhor, que delle têm traslado em suas
camarás, no capitulo que diz da maneira que os capitães hão
de ordenar as guerras, e eu, conforme a elle, estou prestes
para tudo o que se assentar e virmos que é mais serviço de
nosso senhor e bem da terra, e em se assentando mo avise
e seja com a brevidade possível, porque o tempo é pouco.
Hoje, quinta-feira, 25 de Abril de 1585 ânuos. — Jero-
nymo Leitão.
AUTO

Lavrado pelos officiaes das Cámaras de S. Vicente


e Santos, sobbe o mesmo fim, xa « Ermida do
Ekobnho de S. Jorge », em S. Vicente.

Anno do nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de


1585 aunos, aos dez dias do niez de Junho do dito anuo,
na egreja e ermida do bemaventurado Sfto Jorge, da fazenda
engenho dos Esquetes, termo da villa de Sao Vicente, costa
do brazil, de que ó capitào e governadcr, por sua majestade,
Pero Lopes de Souza, nesta dita ermida de Suo Jorge, onda
forain juntos o sr. capítSo Jcrouymo Leitào e o revm. padre
vigario da villa de S. Vicente, Sebastiâo de Paiva, sendo
ahi presentes <s srs. officiaes da Carrara das villas de Santcs
e da vil'a de Sao Vicente, convem a saber : Pero Colaco e
Paulo de Veres, veres doi es e Pero Lerne s e Pero da Luz,
juizes ordinarios, e Autcnio Affonsp, procurador do conselho
da villa de Sao Vicente, e bcm assim Diego Rodrigues e
Simào Machado, vereadores, J< ao Francisco, Juiz orJinario,
e Allonso Pelaes, procurador do coaselho da villa do porto
de Santos, e bem assim alguns sr?. da governance de cada
urna das ditas villas, ao diante assiguados, e sendo ahi jun
tos o dito capitào, perante elles li um instiumeuto que os
oitos officiaes das ditas villi s )he tiuhnm frito sobre a guerra
do gentío Carijó e do outro gentío tupian, e depois de lido
e praticido sobre o que dito é, se re*olveram e conformaram
es ditos officiaes e pessoas da governance das ditas villas,
que tudo aquillo que no dito requerimenlo lhe tiuhnm apun
tado e íequerido tirado dar-lhe guerra, nao havendo, uem
fazeudo cousa para isso, da parte do dito gentío, que no
mais ao dito requeriineuto se reportavam com declaraçào,
que elles ditos moradores ïào contentes e estäo prestes e
apparelhados, aquellos que forem necessitadoF, com suas pes
soas e armas e mantimentos e escravos, que levasse para
seus servicos, de seguirem e a acompauharem a elle dito
sr. capitào, nesta entrada, que ora quer fazer, com tal con-
diçào que todo o gentio que de lá adquirir, por qualquer via
licita que seja, pera se trazer pera esta capitanía, quelle
dito sr. capitào repartirá o dito gentio pelas villas da dita
capitanía, conforme a cada urna délias, a quantiùade de que
couber a cada urna das ditas villas, os vereadores e officiaes
das ditas cámaras e eleitos os porâo com os moradores pera
elles os doutrinarem с lhes darein boni tratamento, como o
gentio forro, e «e ajudarem delies em seu service no que
- 719 —

fôr licito, e esta declaração mandará elle dito sr. capitão


fazer ao dito gentio pelos iinguas que coinsigo levar, ao
tempo que com elles tratar e tiver commercio de pazes, e
não quereudo vir o dito gentio com estas condições, em tal
caso o dito capitão, com os que em sua companhia forem,
tomará determinação de como se ha de haver com o gentio
que não quizer vir de paz e no que lá se assentar se fará
auto assignado por todos, e isso se determinará e fará com
o dito gentio, guardando sempre o serviço de nosso se
nhor e o bem e prol da terra, porque com esta declaração
foram todos de parecer e accórdo, e mandaram fazer este
auto em que todos assignaratn, para ser acostado ao dito re
querimento, a que se reportam, no qual assignaram os pro
curadores das ditas villas e assim o dito vigário. Eu, Fran
cisco Nunes Cubas, escrivão da villa do Porto de Santos,
que este escrivi, por mandado dos ditos officiaes. — Jeronymo
Leitão — Pêro Colloço — Paulo de Veres - - Pêro Leme — Se
bastião de Paiva — Pêro da Luz — João Francisco — Simão
Mar liado — Diogo Rodrigues — Tristão de Oliveira — Fran
cisco Casado Paris — João Barriga — Vasco Pires da Motta
— Jorge Feri eira — Paschoal Leite — Diogo Dias -- Manuel
Luiz -- Manuel de Siqueira — Domingos Affonso — João Ba
ptista Malio — António de Proença — António de Oliveira—•
João de Abreu — Francisco Martins — João de Paliz — An
tónio Affonso — Alonso Pelaes.
AUTO

Lavrado na Villa de S. Paulo, pelos officiaes da


Cámara, souke o mes.mo fim, — de se fazer a
guerra АО Gentío Garuó. — 15S5.

Auno do nascimento de Nosso Seuhor Jesus Christo de


1585 anuos, ao primeiro dia do mez de Setembro do dito
anno, uesta \illa de Sào Paulo, da capitaniade Sao Vicente
do Brazil, de que é capitào e governador, por sua majestade,
Pero Lopes de Souza, nesta dita villa, em as pousadas de
Sebastiao Lerne, se apreseutaram em cámara as pessoas se-
guintes, isto é : Sebastiao Lerne, vereador deste presente
auno, e Autonio de Proeuça, vereador do auno passado, e
Diogo Teixeira, juiz ordinario em dita villa, e assim Affouso
Dias, procurador do couselho desta, e outrosim se ajuntaram
ua dita cámara outras pessoas, homens bous da cámara a do
goveruo da terra, e sendo todos juntos f'oram lidos e vistos
o assento e capítulos feitos pelas villas de Santos e Sao Vi
cente com o sr. Jeronymo Leitao, capitao da dita capitanía,
sobre a entrada que era quer fazer ao gentío do sertíio da
dita capitauia, caríjós e tupines e outro qualquer que licita
mente se puder trazer, conforme ao dito assento, e ouvido e
coinpreliendido tudo pelos ditos officiaes e pessoal, disseram
que approvam e haviam por bous os ditos assentus e capí
tulos e с s ratificavam e eram contentes que houves-seui effeito
inteira e compridamente : e sendo presente na dita cámara
o dito sr. capitao, que ahí foi chamado, com elle íicou tudo
concluido e asseutado tudo da maneira que dito é, e todos
assignaram aqui. Eu, Diogo de Onhatte, escrivao da enmara
da villa, que o escievi. — Jeronymo Leitao, Diogo Tei.rei-a
de C'arvaUw, Aft(iis> Sardinha, Antonio de Proença, Sebas
tian Lerne, Manne!. Ribeiro, Panlo Rodrigues, Manuel Fer—
nandes, Domingos Dias, Sebastiäo de Paiva, Salvador Р<ге.ч,
Affonso Dias.
Documento antigo da Camaba be Paranagoá

1648. Descobri nos arch:'vos da Camará -em hum fra


gmento do hum livro carunchoso e carcomido o mais pne—
■cioso documento de Paranagoá que hé o seguinte : — Re-
.gisto da primeira Eleiçuo que se fez n'esta Villa no anno
de 1648, para os officiaes que hâo de servir no anno de
1649 e mandado que se fez.
€ Dom Juâo por Graça de Deos Rei de Portugal e Al-
.garves, d'aquem e d'além Mar em Africa, Senhor de Guiné,
■da Conquista, Navegação, Commerçio da Etliiopia, Arábia,
Pérsia e da Índia ctc. etc.. A todos os Corregedores, Ouvi
dores, Provedores, Juizes e mais Justiças, a quem esta mi
nha Carta fòr appresentada ; e o conhecimento delia com
direito deva e haja de pertencer, e sou cumprimento so pe
dir e requerer. Saúde. — Faço saber que, a mim e so meu
Ouvidor geral com alçada do Estado do Brazil vinha a dizer
por sua petição Gabriel de Lara Capitào a Povoador da
Villa de Paranagoá, que nella havendo... os moradores...
cora suas casas e famílias e nella não havia Justiças, e nem
officiaes da Camará que a governassem e por assim... bar
bara e confusamente, sem tenção a quem recorrer, e era que
lhe fizesse Justiça, na Camará que os govemasem, e. a Villa
que mais perto ficava era a de Cananéa, que dista 14 le-
gôas e era nesseçario qne lhe acudisem com o remédio com
petente, para que se fasa na dita Villa a Eleição de Juizes,
Vereadores, Procurador, o Almotaçéis para que govemasem
sl terra, adrainistrasein a Justiça, me pedia em seu nome, e
dos mais moradores, lhe mandase pasar Carta para que na
dita Villa, os moradores d'ella fizesem Eleição dos officiaes
da Camará e Justiça que nella havião de servir, como se
fazia nas mais Villas, o que visto por mim com o dito meu
Ouvidor geral do Estado mandei que se passasc Carta como
pedia, para se fazer esta Eleição, e as mais que pelo tempo
emdiante por bem do que, se pasou a presente, indo pri
meiro asiguada e passada pela minha Chancelaria. Vos mando
que visto as couzas alegadas pelo dito Capitào Gabriel de
Lara; e a distancia e o logar a sinão saber com certeza os
lemites delle e destricto em que ficavão deixeis o dito Ca
pitão e moradores da dita Villa fazer eleição em Camará ;
e os Juizes, Vereadores, e Procurador do Concelho e Almo
taçéis que naquella Republica fôr nesseçario para admenis-
trarem Justiça e para bom governo d'ella ; o qual assim
feito na forma de minhas Leis e os offeçiaes que forem
Eleitos, se obedeçno a estes taes não emcontrareis sua Ju
risdicçào nein ves entromentaréis nellas ; mas lhe deixareis
exercitar seus cargos quanto as dita Villa e seu destricto,
sob pena de vos tr andar proceder contra vor. El-Kei Nosso
Senhor o mandou pelo Doutor Manoel Pereira Franco de seu
desembargo, e Dezembargador da Caza do Porto. Ouvidor Geral
com Aleada do Estado do Brazil, Auditor dos exerçitos délie, e
Syndicante dts Capitanías do Sul, com Ordens Geraes, ees-
peçiaes para o Real serviço. Dada nesta Villa de S.™ Paulo
aos 29 do mez de Julho. Manoel Coelbo da Gama a fez
por Antonio Rapozo da Silveira, Escrivao da Correiçào e
Ouvidoria Geral do Estado, anno do Nasjimento de Nosso
Senhor Jesus Christo de 1648 annos. Eu, Antonio Rapozo
da Silveira, Escrivao da Ouvidoria Geral do Estado e Cor
reiçào nestas Capitanías do Sul a fez escrever e subscrevi.
Manoel Pbrbira Franco. Sello 600 Reis. Sem sello ex
causa valerá.
« Termo de Ajuntamento que o Capitào Gabriel de Lara
fez e o mais povo. Aos 26 días do mez de Dezembro na
era de 1646 mandou o Capitào Gabriel de Lara tocar caixa
na sua porta, aonde acudirao todos, e logo mandou buscar
hua Provisâo do Sindicante em que scanda se fusa justiça
nesta povoaçfio onde mais largamente consta na copia que
nesta vae ao todo, e depois de lida perguutou geralmente a
todos, se tinluio elguns embargos que alegar sobre o pro-
vimento, onde todos a hua vos diçerào que nao ; mas antes
me requeiiào como Capitào deste povo fizese Eleiçào, por-
quanto nao podiào estar sem Justiça ; e pereçiâo á falta
della ; e visto o requerimeuto do povo, ordenou logo como
ao diante se vê e mandou a mim Escrivao, fizese este termo
onde todos asignaiào com este junto comigo Escrivao. Ga
briel de Lara. Joào Gonçalves Martins. Joào Gonçalvet Pe-
nedo. Ent'vum di Fontes. Francisco de I 'zeda. Francisco
Pires. Joào Gonçalves Silveira. Antonio de 1мгa. Mcnoel
Coelho. Pedro da Silva Dias. Gabriel de Goes. Antonio
Leam. Domingos Fernandcs Pinto. Domingos Fernande*, о
mosso.
Pauta da EleiçAo. — Termo de Eleicäo que o Capitào
Gabriel de Lara com о povo junto em 26 de Dezembro de
1648 aunos por ser preçizo.
« Anuo do Nascimento de Noíso Seuhcr Jesus Christo
o quai fis eu Antonio Viauua Escrivao do Publico para
onde fui mandado, e logo o dito Capitào as notar por haver
Eleitos como abaixo se vé aonde se asignou, comigo Es
crivao Gabrikl db Lara. Domingos Pinto deu bôto para
Eleitor a quem o dito capitao deu o Juramento dos Santos
Evangelhos que bem e verdaderamente desee bôto, em seis
homens que lhe pareçese de sua conciencia para Eleitor,
noineou por seu Juramento.
* O Capitao Joño Gonçalves Peneda, — 16 botos.
« O Capitào Joào Maçiel Bazam, com 17 botos.
— 723 —

« Estevam di Fontes, com 15 botos.


« O Capitão João Grysostomo Alves, com 14 bôtcs.
« João Gonçalves Maitins, com 5 botos.
« Domingos Pereira, com 15 botos.
€ Pedro de Uzeda, com 15 botos.
c Pedro André, com 2 botos.
c =ahirão por Eleitor como pareço — o Capitão Grysos
tomo Alves — o Capitão João Maciel Bazara — Estevão di
Fontes — Domiugos Pereira — Pedro de Uzeda — e o Ca
pitão João Gonçalves Peneda.
« Escriptos para Eleitores — Estevam di Fontes Eleito
com Pedro de Uzeda sahimos aos 26 do mez de Dezembro
de 1648; pelos fins desta era fizemos rs offeçiaes aqui no
meados na forma costumada, e Leis de Sua Magestade pela
fã de nossas conçiençias ; e pelos juramentos que recebemos
fizemos para Juizes a João Gonçalves Peneda e a Estevam
di Fontes — dei para o outro Juiz a Francisco Louzada e
para Vereadores demos ein André Magalhaz, e para outro
em Domingos Pereira ; e para escrivão da Camará cm An
tónio de Lara : e para asim ser leito nos asignamos aos 26
dias do mez de Dezembro do 1648. Pedro de Uzeda. Este
vam di Fontes.
« Outro eseripto — João Gonçalves Peneda Elleito com
Chrysostomo Alves — nos Eleitos damos nossos botos para os
offeçiaes deste anno de 1649 em João Gonçalves Peneda,
dou meu boto pêra Juiz em Pedro de Uzeda, e Joào Gon
çalves Martins — Vereadores Manoel Coelho — Domingos Pe
reira — André Migalhaz -- Procurador Diogo de Braga e
Escrivão da Camará António de Lara — e Eu Crysostomo
Alves dou meu boto pêra Juiz a Pedro de Uzeda — e João
Gonçalves Peneda e Vereadores Domingos Pi reira — Manoel
Coelho — André Migalbaz, Procurador Diogo de Braga —
Escrivam António de Lara, João Gonçtdves Peneda, Chrij-
sostomo Alves. »
Outro eseripto — o Capitão João Maçirl Bazam com
Domingos Pereira nos Eleitos damt s nossos botos para Juiz
deste anno de 1649 — Eu o Capitão João Maciel Bazão dou
para Juiz a João Gonçalves Peneda e Pedro de Uzeda --e
para vereadores Domingos Pereira, Manoel Coelho, e André
Migalhaz e para Procurador Diogo de Braga ; o Escrivão da
Camará António de Lara — E Eu Domingos Pereira dou
boto, para Juiz em João Gonçalves Peneda ; e para o ou
tro dou boto em Pedro de Uzeda ; e para Vereadores eai
Manoel Coelho, e para outro em André Migalhaz, e para
outro cm Francisco de Uzeda ; e para Procurador ern Diogo
de Braga ; e em Escrivão da Camará dou era António de
Lara. — João Maciel Bastão — I)omitig< s Pereira.
Termo de Juramento que o Capitão Gabriel de Lara
deu aos Eleitos para fazer os Offeçiaes que hão de servir
uo anno de 1649. « Aos 26 dias do mez de Dezembro do
— 724 -

1648 annos apurados os Eleitos na Eleiçào maudou o Capi-


tam Gabriel de Lara chamar os Ëleitos que sahiram por
botos ; e a todos elles lhes deu Juramento de cada ura de
persi no livro dos Santos Evangelhos para que bem, e ver
daderamente, nomeasem 7 homens em sam conciencia ser
virent nos Cargos da República deste anuo de seiscentos e
quareuta e nove auuns ; a saber dois juizes ; 3 Vereadores e
hum Procurador do Conçelho, e Escrivào da Cámara ; e to
dos asin o prometerlo fazer ; aonde se asignarào com o dito
Capitam, e ccmigo Escrivào ; Antonio Vianna. — Gabriel de
Lara — Cryzostomo Alves — J>hiq Maçiel Basam —- Pairo de
Uzeda, Entecäo di Fönten, Joào Goncalves Pineda.
« Termo. Aos 27 dias do mez de Dezembro de 1648
annos feita a Eleiçao dos Offeçiaes que hande servir este
anuo de 1649 me veio as màos esta pauta para alimpar e
apurar, e visto por mim, coní'ormando-me com os escriptoä
dos Eleitos apurei na verdade, sem affeiçam alffiia e nella
aehei sahir por Juiz a Joäo Goncalves Penéda com dois bo
tos. — Para outro Juiz Pedro de Uzeda com dois bôtos — e
Domingos Pereira para vereador com dois botos — a Manoel
Coelho para outro Vereador com 13 botos ; o André Migalhar
para outro vereador com 13 bôtos ; e Diogo de Braga por Pro
curador do Concelho com 3 bôtos, e Antonio de Lara para es
crivào com 3 bôtos ; os quaes pódem servir seus cargos daudo-
lhe primeiro o Juramento, como lié uzo e costume. Gabriel de
Lara Capitam desta Villa al impon conformaudo-se com o pro-
vimento do Ou.idor Geral o Syndicante destas capitanías aos
27 do mez de Dezembro da era ácima declarado. Gabriel Lara.
« Termo de Juramento que se deu a Joào Goncalves
Peneda. — Ao primeiro dia do mez da Janeiro da era de
1649 annos, deu o Capitam Gabriel de Lara o Juramento
dos Santos Evangelhos, ao Juiz Joam Goncalves Penéda
para bem, e verdaderamente uzasse de seu cargo como Sua
Magestade lho encomenda, e elle asim o prometen fazer,
aonde se asiguou com o dito Capitam coniigo Escrivào dertii
Eleiçam Antonio Vianna. Gabriel de Lira. Joào Goncalves
Penéda.
« Termo de Juramento. Aos nove dias do mez de Ja
neiro de 1649 anuos, deu o Juiz mais velho Juramento dos
Santos Evaugelhos a todos os Offeçiaes por nao estarem dia
de. anuo boni todos aqui, para que bem e verdaderamente
servisem seus Cargos como lhes davào a entender, estes
asim o prometerào fazer, onde se asignarào com o dito Juiz
e Eu Antonio de Lara Escrivào que o Escrevi — Jiâo Gon
calves Penéda, Domingas Pereira, Pe.iro de Czeda, Mcnoel
Coelho, Diogo de Braga ; « a quai Eleiçam em cumprimento
do despacho atraz a f. 9. V. do Dezembargador e Ouvidor
Geral o Dr. Rafael Pires Pardiuho, registei ueste livro de
Eleiçoes bem e fielmente ao qual me reporto, fica no Ar
chivo do Conçelho no masso das Leis e vae na verdade sem
coii/.a que tluvida fasa acs 29 dias do mez de Maio de 172L
— 725 —

atum- e Eu Manoel Pereira de O. Escrivão da Camará que


registei e asignei — Manoel Pereira de O. NB. Provimento
que poz o Dr. e Ouvidor Geral Rafael Pires Pardinlio uo
livro que devia servir para as Eleições de Juizes e Offeçiaes
da Camará, dos Capitães inóres e Saigentos mores rubricado
pelo mesmo em 1720, do que hoje só restfto fragmentos.
« O Escrivão da Camará traslade por registo neste li
vro de Eleições a primeira que se fez nesta Villa no anuo
de 1648, para os novos Juizes e Offeçiaes da Camará (|iie
nella principiarão a haver e servir no anno de 164y, que
ainda se achou avulsa no Archivo do Concelho, de que se
conserve memoria daquelles homens bons que então solici
tarão haver Justiça nesta Villa e se ver também a ordem
porque se levantou em Villa que está junto a mesma Elei
ção — Pardinho ».

Extrahido das Memorias de Vieira Santos.

NOTA. — Nesta mesma época, isto é, de 1601 em deante, e mesmo antes


os missionários IJesuitas estavam empunhados na catechese do gtntio Carijó,
como se vera adeante. no fim líeste Capitulo.
Ainda os Carijó»
Um outro documento da Camará dh S. Paulo,
de 1006, sobre os Carijós Affonso Sardinha
qUER FAZER NOVO RESGATE AOS SERTÕES DE PaRA-
naouá. — Oâ Carijós vêm pedir pazes. — Outros
DOCUMENTOS. — UMA CaRTA AO DONATÁRIO.

Não sabemos que teria sido o resultado da guerra entra


os Carijós, promovida em 1585, pelo povo da Capitania de
S. Vicente ; pois nem uma refereu cia se encontra nos annaes
das respectivas Camarás, da época, quauto aos benefícios
que resultaram dessa «entrada» sertões de Paranaguá e Ca-
nanéa.
Nas € Actas da Camará de S. Paulo » relativas ao anno
de 1600 (*) encontramos «um protesto do Prrcurador do
Conselho — Pedro Nogueira de Pazes, contra Affonso Sar
dinha, sobre re gate que este sertan'sta pretendia fjzer nos
referidos Sertões de l'aranaguá, junt 'mente com homens bran
cos e com escravos stvs ; e p ■rquanto o Capitão Jeronymo
Leitão, tinha ja mandado, annos passados, hwn homem brane. ;
j.ropôr-lhes as pnzes, e que esse himem não havia voltado ».
Por conseguinte: « elle protestava contra a entrada de Af
fonso Sardinha, sem a duvida auetorisaçr.o do povo e do S.
Magostade, pois poderia sueceder-lhe o mesmo que havi i
acontecido ao outro homem mandado pelo Capitào Jeronymo
Leitão ».
I>iz ainda o Procurador do Conselho, nesse protesto, que
o dito Affonso Sardiuha daria conta á Sua Magestade e ao
Sr. Governador Geral desse projecto, « por quanto herão
vindos certos principaes Carijós a esta vdla a pedir pa
zes, dizendo querião sir vasafos do Sr. Lopes de Sousa, o*
quaes Índios < té hoj : não aparecera} perante nós, nem ao Ca
pitã-1 da terre, e o dito Affonso Sardinhi os agasalhj/U, sem,
disso dar conta a eda Camará, assim da sua vinda ci otj os
querer tornar a mandar; e portanto hé muito serviço de Deou
e de S. Magestade e bem commum desta terra assim do be
neficio das minas, como da pob ezx que a terra em sy tem,
e como por nã > rirem de paz, elle es manda sem ordem, ti
receherá a terra n.uita perda. Pelo que requeria, lhe tomasse
seu protesto e, mandasse chamar os ditos Índios, perante elles
offieiucs, e que, disso se desse couta ao Capitão da terra ; o
que visto por elles officiaes mandarão a mim escrivão lhe to
masse o protesto neste l.vro por elles sssignados, o que fiz
que hé o assima e atras. Eu Simão Borges, Escrivão das
execuções que sirvo nas ausências dos Tabeliães delles. que
— 727 —

o escrevi. — Álvaro Neto — Luiz Fernandes — Domingos


Rodrigues — António Rodrigues — Pedro Nogueira de Pazes ».

ACCORDÃO :

< Accordarão logo os officiaes da Camará assima assigna-


dos que se pusesse mandado para ser notificado Affonso Sar
dinha, com pena de seis mil róis, e que havião logo por con-
demnado, que logo mandasse ou trouxet.se, até amanhã, as
nove horas, que são 10, deste mez de Setembro ( de 1606 ).
para fazei inos serias deligeucias, com elles, os primeiras Ca
rijós de Faranápanema, do Serviço de Sua Magestade. E o
assignarão eu Simão Borges, Escrivão que o escrevi. — Ál
varo Neto --Luiz Fernandes — Domingos Rodrigues — An
tónio Rodrigues — Pedro Nogueira de Paze* ».
Em 6 de Julho de 1603 representava a Camará de S.
Paulo ao Governador Geral, expondo ainda o estado de po
breza em que se achavam as respectivas villas da Capitauia,
quauto á escrava) hi e pedia licença para uma nova centra
da » no sertão.
Em uma vereação effectuada na mesma villa de S. Paulo,
em 1.° de Dezembro de 1607, diziam os officiaes da Camará
« que lhes era vindo á sua noticia que, desta villa se queria
hir Belchior Rodrigues, de Birapoeira, com forja de ferreiro,
para Piassava das Canoas, a donde desembarcavam os Carijós,
que para esta villa vem de re*gaie, o que era era prejuizo
desta terra, porquauto, poderia levar ferro e fazer resgate etc ».
A 8 de Março de 1609, na mesmo villa de S. Paulo, o
Procurador do Conselho Antuiiio Camacho, dizia em uma
vereança,, que « lhe constava a vinda do gentio Carijó para
esta villa, e que os mesmos vinhão maltratados e faltos de
iiiautiuientus, de modo que parecia bem soccoTrel-os, nas par
tes que melhor parecer ; e maudarão os officiaes da Camará
saber ao certo da vinda, e si se poria cobro a isso etc. ».
Em 3 de Abril desse mesmo anno de 1609 efFectuou-se
uma outra vereança na Camará de S. Paulo, a requerimento
do dito Piocurador do Conselho, António Camacho, onde se
tratou, exclusivamente, da chegada, áquella villa, de um
indio Carijó, de nome André, da Aldeia do forte (V), ac m-
panhado de mais dois parlamen'ares da mesma nação.
Vamos dar ua integra esse douument •, por ser impor
tante e opportuuo, neste capitulo da histoiia de Paranaguá
e dos habitantes defse sertão, na época da conquista pelos
bandeirantes.
Essa tribu, ou essa nação até então indómita dos Carijós,
« os pés largos », como lhes appellidavam os bandeirantes
paulistas, era, por estes mesmos avaliada « em duzentos mil
homens de arco », ( * ) e aehava-se nesta época, 1609, ja bem
abatida e djspersa.

(*) Vid. outro documento tratucripto no fim deste Capitulo.


— 728 —

A guerra constante que lnes-moveram os conquistadores-


da primitiva Capitanía de S. Vicente, nos sertôes do Paraná,
« nessas entradas », e as luctas nao meuos encariñadas que
tiveram de sustentar contra os hespanhoes do Rio da Pratar
seus autigos aliados contra os portuguezes, obrigava-os agora
a virem humildemente, acossados pela tome e pelas epide-
demias, pedir « abrigo e paa » as auctoridades da villa de
S. Paulo !
Sao esses mesmoa Carijós, que, cincoenta anuos depois.
em 1660, já catechisados peles jesuítas e bem adestrados nos-
manejos das armas- pelo intrépido goveinador de Itanhaen, o
capitao Antonio Barbosa de Sotto-Maior, vào formar as-
— cempanhiae de guerra — que, ao mando desse mesmo ca
pitao Sotto-Maior, hao-de conquistar — com notaveis actos-
do bravura — toda a regiao que faz parte- hoje do Esta
do do líio Grande do Su], conforme escreve Pedro Taques e
nos confirmam os historiadores de Paranaguá — Vieira Sau
tos e Hermelino de Leôo.
Eis o referido documento :
« Aos tres dias do mez de Abril de 1609 anuos, nesta
villa de S. Paulo, se ajuutaram os officiaes da Cámara na
na Casa do Conselho, a requerimento de Autouio Camacho,
procurador do Conseille, e sendo juntos os abaixos assigna—
dos a saber : Balthazar de Godoy, vereador. e seu parceiro
Sebastiuo de Freitas e o juiz Antonio Camacho, logo por
elle foi dito e requerido aos ditos officiaes que, a esta villa
eram chegados certes indios Carijós ; e hum indio dos mes—
mos, por nome André, da Aidera do Forte ; dos quaes esta-
vam presentes, dons Carijós e o dito indio ; e que requería
que os ditos officiaes da Cámara mandassem fazer perguutas
aos ditos indios que declarassem o que queriam e se haviam
mistér de alguma cousa. E logo foi chamado Pedro Collaço,
aquí morador e lingua da terra,, nesta Capitanía. E pelos
ditos officiaes lhe foi dito que fizesse perguutas aos ditos in
dios, sobre o que queriam e que novas traziam dos seus.
E logo pelo dito lingua lhes foi feito perguntas e declara—
rao : que o dito indio André, que presente estava, fora em
companhia de um indio principal Carijó-, por nome Jagoa—
rajúba, á sua terra, para vir em sua companhia elle e sua
gente para aqui, e que chegando là, perto de sua aldêa, lhe-
viéra recado, ao dito principal, como os hespanhoes tinham
levado a maior parte de sua geute ; e, sabeudo o dito prin
cipal a tal nova, lhe dissera ao dito indio André, que se tor-
nasse, porque os hespanhoes lhe nao fizessem algum mal e
agravo. E que ello trouxesse com sigo alguma pouca do
gente que escapara dos hespanhoes, o que elle fizera. E.
que viudo se encontrou com muita gente que se vinha para
cá, por outro caminho, os quaes traziam muita fome e doen-
ças ; e que os outres que no caminho acitara, se vieram com
elles para esta villa , e vindo pelo rio ácima, eta hua para-
gem chamada Atuahy, perto de Fiassaba, e perto doude vivia
— 720 —

Baltezar Gonsalvez e outros moradores, que se là est&o, dos


quaes moradores sahiram duas canoas, ñas quaes viram dois
brane.cs, a saber : hu filho de Baltezar Gonsalvez por nome
Baltezar e outro, filho de Domingos Rodrigues, por nome
Anrique da Costa, es quaes chegando a elles disseram о que
vinham fazer, e que aqui nao queriam о capitào uem nin-
gue.m que de là viessem e que lhes largasse a gente que
traziam. E elles disseram que vinham morar entre os por-
tuguezes ; e ouvindo isto lhe tomaram por força toda a gen
te que traziam, adond« entiava hua india casada, com sene
filhos, cujo marido estava presente e se queixava do agravo
que os portuguezes lhe tinhain fei to, em lhe tomareni sua
mulher e seus filhos . . . e assi niais disse o dito Carijó,
chamado Tapien que elle se vinha para esta terra adonde
estavam alguns parentes seus, situados em aldeas para ser
vir sua magestade, como os déniais indios. . . que viuba pe
dir remedio para lhe darem sua mulher e demais parentes
que lhe havjain tomado contra sua vontade. O que visto
por elles officiaes da Cámara, asseutaram que fosse notifica
do Baltezar Gonsalvez como Pai que é do dito moço, que :
com pena de quinhentos cruzados, aplicados para os fortes
da Babia de S. Salvador, e cativos, e dois annos de degre
do para Maçangano, mandasse vir os ditos indios que seu
filho e vizinhos tinham tomado aos indios que presentes
estavam, etc. »
E outrosim, requereu mais, o dito procurador do Conselho
que por dito destes indios estava informado que dessiam
rnuitos Carijós para esta Capitanía a servir a S. Magestade
e o sr. Lopo de Souza, e que vinham muito faltos de man-
timeutos e ferramentas, por cujo respeito morriam muitos a
mingoa, e havia muito tempo que haviam partido e nao
chegavain por lhe? faltar o que dito tem. Que lhes reque
ría a elles ditos officiaes puzessem cobro nisso, pois era täo
importante, o servido de Deus, que rnandassinn líi, a seu ca-
miuho, com soccorro, alguns homeus da terra suficientes para
isso, ou fosseni elles em pessoa para que viessem :mais se
guros. E se accñrdaram que tratariam disso com o povo, e
o que accôrdassem se ffiria, para servido de Dens e de sua
Magestade. e do sr. Lopo de Souza. »

Afim de se fazer um juizo bem claro do estado da ca


pitanía de S. Vicente nesta época, antese depois do litigio
entre os donatarios, vamos transcrever, ueste capitulo refe
rente aos Carijós, mais гнп importante documento da Cáma
ra de S Paulo.
E' urna carta, dirijida ao donatario da Capitanía, em
Portugal, no qual os paulistas dessa época, com o desemba
raço o a altivez que lhes era característica, duo conta do
estado da terra e da maneira porque cram explorados pelos
governadores e mais auctoridades.
_ 730 —

Quaato а guerra ao gentío, nessa época ein que os cau


listas, apezar das prohibieres, já batiam e devastavam os
sert Oes em todos es sentidos, dizem os camaristas que :
«is primeiros indios christàjs cizinhon, sao quasi todos aca
bados, mas no sertäo ha iufíuidtdale delies e muitas naçôes
etc. » .
Que se descernios ( esse gentio ) será causa de graude
proveito principalmente o gentio < 'arijo, que está a oitenta
leguas daqui, por mar e por terra, e se afirma que podeni
ser duzentos mil homens de arco. > A carta, á quai nos re
ferimos, é a que se segue.
Carta ao donatário da Capitania
« Com o capitão João Pereira de Souza, que Deus levou,
recebemos uesta camará uma carto de V. mercê o anno pas
sado, na qual nos manda que lhe escrevamos miudamente
tudo o que parecer. Alguns traslados de cartas se acham
aqui das qie escrevemos a Vme ; nos parece que não lhe
foram dadas.
O que de presente se poderá avisar, muito papel e tempo
seria necessário, porque são t.V> varias e de tanta altura as
cousas que diariamente suecedem, que não falta matéria de
escrever e avisar e — se poderá dizer de chrrar. Só fazemos
lembrança a Vme. que se sua pessoa, ou cousa muito sua,
desta Capitania, nà > accudir com brevidade' pôde entender
que não terá cá nada, pois que estão as cousas desta terra
com a candeia na mão e cedo se despovoará, p rque assim
os Capitães e Ouvidores que Vme. mauda, como os que cada
quinze dias nos m»-ttein os governadores geraes, cm outra
cousa não entendem, nem estudão, sinão como nos hão de
esfolar, dettiuir e afrontar, e nisto gastão o reu tempo. Elles
não vêm nos governar e reger, nem augmentar a terra que
o sr. Martim AfFonso do Souza gauhon, e S. Magestade deu
com tão avantajadas mercês e favores. Vai isto com tal
maneira e razão, que pelo ecclesiastico e pelo secular, nSo
ha outra cou«a sinão podir e apanhar; e um que nós pedem
e outio que nós tomào, tudo é seu e — ainda lhes fieamos
deveuJo. E, se falamos, predem »> excommungam-uos, e
fazem de nós o que querem, que como somos pobres e temos
remédio tão longe, não ha outro recurso sinão baixar a cervir
e seffrer o mal que nos põem.
Assim, Senhor, accuda, veja, ordene e niMide o que lhe
parecer, que muito tem a terra qtie dar: é grande, fértil de
mantimentos, muitas aguas e lenhos, grandi s campos e pastos,
tem ouro, muito ferro e assncar e «speramos que haja prata
pelos muitos indícios que há, mas faltam miueiíos e fundi
dores destros. E o bom governo é o que nos falta, de pessoa
que tenha consciência e temor de Decs, e valia ; que nos
mandem o que fôr justo e r.os favoreçam i;o bem e cas-
t'guem o mal quando o merecermos, que tudo é uecessario.
Dii go de (Quadros é ainda pro edor das minas ; até agora
tem procedido bem : anda fazendo um engenho de ferro a
trez legras d'aqui desta Villa. e como se perdeu no Cabo-
Frio, tem pouca posse, e vai de vagar, mas acab lo, será de
muita grande imponaucia por estar perto d'aqui com três
legoas, e haverá metal de ferro ; mas ha na serra de Byra-
çoiaba 25 lego.is daqui para o sertão, em terra mais larga,
— <Ó-Jí —

e abasta, e perto d'ali com trez legoas está a Cahatyba de


onde se tirou o primeiro ouro, e desde ali ao Norte havrá
tJO legoas de cordilheira de terra alta, que toda leva ouro,
principalmente a serra de Jaraguá, de Nossa Senhora do
Monte Serrate, a de Voturuua, e outros. Pode Vrac. fazer
aqui um grande reino a S. M. ; ha graude menero e trato
para Angola, Peru e outras partes, pódem-se fazer muitos
navios que só o bem se pode trazer de lá, pois ha muito
algodão, muitas madeiras e outros achegos. (Quanto a con
servação de gentio que não convém termos a vexar-nos,
assim ccino nos fazem a nós o faremos a elles, e os chrisfãos
vizinhos são quasi acabados, mas no sertão lia infinidade
delles e muitas nações, que vivem a lei de brutos animaes,
comendo-se uns aos outros, que t-i os decerinos. com ordem
para serem christãos será cousa de grande proveito ; princi
palmente o gentio Carijó, que está a oitenta legoas d"aqui
por mar e por terra e se affirma que são 200.000 homens de
arco. Esta é uma grande em preza e Vmc. ou cousa muito
sua lhe está bem que S. M. lhe concedesse, e lhe impor
taria mais de 100.000 cruzados, afora os de seus vaçallos, o
que pelo tempo adiante pode abundar nesta Capitania, além
do particular do mesmo gentio vindo ao grémio da Santa
Madre Egreja.
Tornamos a lembrar, acuda Vmc. porque de Pernam
buco e da Bahia, por mar e por terra, lhe levam o gentio
do sertão e districto, e muito cedo ficará tudo ermo com as
arvores e as hervas do campo somente ; porque os portu-
guezes, bem sabe Vmc. que são homens de pouco- trabalho,
principalmente fora do seu natural. Não tem Vmc. cá tão
pouca posse, que das cinco villas que cá tem, com a
Cauanéa. pôde pôr em campo para os Carijós mais de tre
zentos homens portuguezes, fora os seus índios escravos, que
são mais de mil e quinhentos, gente usada ao trabalho do
sertão, que com bom caudilho passão ao Pení por terra, e
isto não é fabula. Já Vmc. será sabedor como Roque Bar
reto, sendo capitão, mandou ao sertão trezentos homens
brancos a descer gentio e gastou dois annos na viagem, com
muitos gastos e mortes, e por ser contra uma lei de El-Rey
que os padres da Companhia troivxeião, o governador Diogo
Botelho mandou provisão para tomarem o terço para elle, e
depois veiu ordem para o quinto. Sobre isto houve aqui
muito trabalho e grandes devassas e ficaram muitos homens
encravados, que talvez ha nesta Villa hoje mais de 65 ho-
misiados, não tendo ella mais de 190 moradores.
Si lá fôr alguma informação de que a gente desta terra
é indómita, creia Vmc. o que lhe parecer, com o resguardo
que deve aos seus, que ha quem soffra tantos desaforos.
Nosso Senhor guarde a pessoa de Vmc. — São Paulo, 13
de Janeiro de 1606. — Domingos Rodrigues, juiz. — Manoel
António Francisco de Siqueira, procurador do conselho. —
Luiz Fernandes, vereador. — Pedro Muuiz, vereador ».
A CATHECHESB NOS SERTÕES HABITADOS PELOS CARIJÓS.
O Padre Fernão Cardim envia novos mis
sionários EM 1005. — A expulsão tumultuosa
dos Jesuítas em 1654. — A decadência das
missões no litoral. — A Fundação do Col-
lkuio e casa da missão em paranaguá. as
Villas de Antonina e Guaratuha no fim do
século 18.

Em fins do século XVII e mesmo autes, durante a vida


e a permanência, na Capitania de S. Vicente, do venerável
José de Anchieta, os missionários Jesuítas, no exercicio do
seu fecundo apostolado, já haviam penetrado, por mais de
uma vez, uesse sertão do Paraná, habitado pela naçào dos
Carijós .
No documento copiado do « Cartório da Fazenda da Villa
de S. Paulo » que tem a data de 31 de Outubro de 1601,
o qual já ficou transcripto na parte que so refere á « Villa
de Cananéa », ( Capitulo antecedente ), vêm importantes re
ferencias do estabelecimento definitivo das « nmsòVs dos Je
suítas » nessa parte do littoral. Diz o referido documento
que nessa data, 31 de Outubro de 1806, estando presente em
Cananéa o Capitão Diogo Medina e o Kev. P. Agostinho de
Mattos, com um seu companheiro, se deu posse de umas ter
ras, para os Reverendos P. P. da Companhia fazerem suas
casas, quintaes e mosteiro ; a qual terra se chama Tapera
Tar. . . , começando das até o petirdo maior, etc. As
quaes terras os ditos officiaes, Capitão e mais povo houverão
por bem conceder, pelo muito respeito e pelos Padres fazerem
muito serviço a Deus e a nossas almas, k serem elles os
FUNDADORES DESTA POVOAÇÃO EM SEUS PRINCÍPIOS, ETC. »
Pela leitura deste trecho se verifica que foram os be
neméritos missionários jesuítas que desbravaram todo esse
sertão de Cananéa e Paranaguá, antes de se fundarem re
gularmente ^ssas povoações.
A acção da catechese feita pelos jesuítas no referido
sertão dos Carijós, teve inicio, como é aliás bem conhecido,
no auno de 1549 ou 1550, no tempo do Padre Leonardo
Nunes, Diogo Jacome e Pedro Corrêa. Estes dois últimos
Irmãos foram massacrados pelos Carijós em 1556, nesse
mesmo sertão de Paranaguá, como ja ficou descripto em ca
pítulos antecedentes.
Após a morte desses heróicos missionários a « Missão
Evangélica do littoral » ficou paralisada por algum tempo,
e só foi reencetada depois que Anchieta e Nóbrega cstabe—
- 734 —

leceram armisticio e paz com rs Tamoyos de Ubatuba, isto


é, de 1566 em diante, quando Anchieta, já ordenado • sacer
dote, emprehende. de novo, e com mais ardôr, a grande
niis-ào do я> u apostolado na Capitanía de S. Vicente, antes
da sua partida para as demais Capitanías do Norte.
Desde meados do seculo XVI, até o seculo XVII ( 1601 )
como se verifica pelo documento que vimos de transcrever,
os misionarios Jesuítas já estavam estabelecidos ein Cananéa,
onde tinham Casa e pretendiam fundar mosteiro.
Km 1605, quatro annos depois, o Padre superior Fernán
Cardim, enviava urna nova mi»säo aos sertoes de J'aranaguá,
da qual fazinm parte os padres Joào Lobato e Jeronymo Ro
drigues. Esses sacerdotes « ¡am em substituido a outros
missionaries, que alli baviam estado anteriormente no arduo
mister da catéchèse dos Carijós». Dizetn as « Memorias de
Paranaguá » que antes do Govemador Duarte Correa Vas-
queflnes ordenar a erecçfto do Pelourinho em Par«naguA, ein
1640 já havia nesse logar « um arraial, até entilo fob a
chefia discreeionaria dos prepostos renes, junio as minas de
Ouro ». (*) Esses « prepostos » егят Eleodoro Ébano Pereira
e o Capitao fundador Gabriel de Lara.
As с Memorias de Paranaguá » — pelo menos na parte
que conhecemos — nao nos dào noticia da datp, ou ёрося,
em qui teve inicio esse arraixl, que jâ se acbava tào povo-
ado em 1640, quando se ergueu o dito Pelourinho (**).
Oj misionarios Jesuítas que desde 1549, época de sua
chegada a 8. Vicente, tanto esforco haviam empregado na
catéchèse do gentío Carijó, como é, alias, bem conhecido,
nao podiam deixnr de dar preferencia a essa regiào s'-rtaneja
de Paranaguá, escolhendo ¡.hi mesmo dfs embreaduras da
Bahia um ponto, ou estaçao de parada, para as suas excur-
çôfs ao vatt" sertào habitado por essa tribu.
Essîs dois missionaries mandados pelo padre Feru&o
Cardim em 1G06, com o fim de doutrinarem es Carijós, no»
sertôes de Paranaguá, conforme dizem as chronicas da Com-
panhia, iam em substitnicào a outros padres que ali baviam
estado anteriormente.
Esse, csforço, erse ardor täo louvavel pelo catéchèse des-
tes infelizes incoles do sertSo do Paraná, foi aínda susten
tado pelos missionaries Jesuítas até o anno do 1640.

(') No mappa íopnfjraphíco da Ba-Ua de Paranaguá, appenso a este Ca-


pilulo, está discriminado о local em que se extrahio «• n primdro nuro no Brant ».
Esse local fica na Ponía de Itnpnnu, na parte meridional da serra do mesmo
nomc, proximo á cidade de Antonina.
("*) Vid. no Cap antecedente *< Villa de Cananéa», a parte que se re
fere á mesma Villa, escripia pelo Dr. Ermclino de Lcäo, titulo « A Kxpansio
dos Cananaenscs em Terras Paranaenses ». Nesse Cap. o autor refere-se a um
importante periodo das Memorias Históricas de Paranaguá, de Vieira dos Santos,
com relaçio ao assumpto de que estamos tratando, bem como л um outro docu
mento contemporáneo, existente em Londres que — «Explica a origem do po-
voamento de Paranaguá, atribuinde-o я circumsïancia de ter um individuo de
nome Caneda ou Pencdo, depois de incurso em procesen, se refugiado na liba
da Cutinga para onde mais tarde mudou sua familia e com ella outras pcasoas
de suas relaçoes».
ÍÓO

Dentro desse periodo de 1606 a 1640 fundo u-se regu


larmente o núcleo da missäo em Cananéa, como já ficou des-
cripto e deu-se começo a um outro núcleo em Paranaguá.
Foi seguramente, em torno dessa € casa da missño -»pro
visoria, que mais tarde se aglomerou a povoaçào, cujo Pe-
lourinho foi erecto em 1640.
Dessa época em deaute, a missäo apostólica do sertäo e
do littoral f. i de novo interrompida : — näo pelas hostili
dades dos Carijós contra os missionaries, pois esses indios,
ein grande i arte, já estavam aldeados sob a tutela dos mis
sionaries ; os outros, acessados pt-los hespanhoes do Uruguay
e pelos sertanistas P. ulistas, vinham pedir a paz e entregar
se voluntariamente ao captiveiro ; mas isto o faziain pela
falta absoluta de missionaries que haviam sido tumultuosa
mente espulsos de S. Ptulo e de toda a Capitanía, em 1640.
Essa primeira expulsào dos Jesuitas perdurou até o auno
de 1654, que foi quando os missionarios voltarnm para de
novo tomaren) posse de suas Casas e Collegios.
No anno de 1687, pjréin, os Paulistas tentaram ainda
expulfar es Jesuitas da Capitanía.
Já eutao o ardor dos missionarios, pela catecbe.se do
gentío do sertao, tin ha arrefecido e a sua influcucia em
pról da liberdade relativa dessa raea infeliz, era quasi nul
la, como é fácil de se comprehender em vista da lucta e
das intrigas que entre os potentados da terra e grande
parte do povo se moviam contra os jesuitas.
Foi nes<e periodo de decadencia das missôes Jesuíticas,
nao só ñas Ctipitanins do sul como ñas do norte, e bem as-
sim em todo o continente sul americano, que os habitantes
de Paranaguá, talvez como reconhacimento, ou recompensa,
aos grandes feitos dos Jesuitas, nesse sertao do Paraȇ, re-
solveram chamar de novo esses missionarios, conquistadores
do sertao, para virem estabelecer um mosteiro e um Colle-
gio nessa Villa.
O Alvará Regio autorisando a fundaçâo desse Collegio
de Parauaguá, foi expedido a 2ó de Setembro de 1738 e a
respectiva inauguraçao — do edificio proprio — teve logar a
24 de Setembro de 1741, quando a Villa de Parauaguá ja
tinha um s culo de existencia. ( * ) Esse edificio, apezar da
boa vontade do povo, em cooperar para a dita obra, nao
chegou a ser concluido, e passou, de 1759 em deante, em
virtude da Lei Pumbalina, a fazer parte do patrimonio real.
Foi depois instalada a Alfaudega em urna parte do edificio,
cahindo o resto em abandono e ruini.

( ' ) O alvará Regio autorisando oficialmente a fundaçâo do Collegio dos


Jesuitas em Paranaguá, tem a data de 25 de Setembro de 1738. e a respectiva
inauguraçSo solemne, do edificio, fol a 24 de Setembro de 1741 ; porem a data
verdadeira de sua fundaçâo с a de M de Maio de 1708 que foi, quando os mis
sionarios chegaram a Paranaguá с (К ram inicio ao Collegio ou a « Cettl de Mis
ino esiavel » no mesmo local onde existia a « Спяа da miëttto rolante ».
- 756 —

A Memoria da fundaçâo desse collegio foi e' cripta pelo


P/ Ignacio Antunes, quando a 25 de Maio de 1755 esteve,
como /-¿bitadcr ein Paranagua, como preposto do P.1' Pro
vincial.
О original desse documento, alias bem lacónico e pouco
elucidativo, existe nos massos de papéis do Cartorio da The-
zouraria de Fazenda, em S. Paulo, sob o titulo * Proprios
Nacioiiaes », e é assim concebido :
« Memoria da ouigem e quando teve principio a
CASA DA M SSÄO DA VlLLA DE PaRANAGUÁ.»
« Suposta a necessidade espiritual, que padecía toda a
costa, desde a Ilha Grande até a Laguna, na falta de ope
rarios na vinha do Seuhor, coinpadecendo-se rs superiores
da Companhia de Jesus do estado miseravel de tantas al
mas, determinaran! no anuo de 1701 enviar missionaries da
mesma Compauhia para que iustruindo-as dos negocios im
portantes da sua salvaçào, patenteasse a estes póvos as por
tas do Céc, por meio da pregaçào evangélica e frequencia
dos Sacramentos.
* O primeiro nomcado para este feliz em prego foi o
padre Antonio da Cruz, Apostólo do toda a costa, o qual
rezidiudo para este finí no colletrio da Villa de Santos, dahi
tomava cada anno dois compauhe.iros com os quaes sabia
sempre a demaudar almas para o céo.
Com estas missöes-volantes contiuuou alguns anuos e
de tal arte aftViçoou os moradores ás praticas espirituaes e
ministerios santos da Companhia, que desrjaram eiles mesmos
lograr em seil proprio paiz, para o tempo futuro, aquelles
bens que tanta eruoeào faziam a suas almas.
« E para que esta felicidade se perpétuasse de filhos a
netos, entraram na pretensào de solicitar do Reverendo padre
provincial CASA DE M1SSÀO ESTAVBL NESTA VILLA I>E para-
nagua, emquanto o Senado desta Cámara, em nome de
todo o povo, alcançava de Sua Magestade, licença para a
fundaeao do seu collegio e seminario, onde pudessem os mo-
radotes criar seus filhos com a doutriua da mesma Companhia.
Para este fim couvocou varias vezes o Senado a todo o povo.
para saber com quanto queriào contribuir cada um p*ra a
dita fundaeao, congrua e sustentaçào dos religiosos ; o que
tudo consta do termo que no lbro de vereancas desta Villa,
Us. 85, está laucado em 2 de maio de 1707, e de 5 escri-
pturas de obrigaçôes, que em uome de todo o povo fizeram
os otficiaes da Cámara.
Assim o pretendeu o Senado, e assiin o concedeu o Rev.
padre provincial Joäo Antonio Andrioni, no anno de 1708,
sendo proposito geral o Rev. padre Angelo Tamborini, o
enviado os Revs, padres Antonio da Cruz por superior e
Thomaz de Aquino por companheiro, os quaes e.utraräo nesta
Villa a 14 de Maio do dito anno de 1708 e fora m reoebidoe
por todo о povo com muita alegría e debaixo de pallio con
— 737 -
■«luzidos até á Igreja matriz, onde se cantou Te-Deam Lan-
■damue.
Aos 27 do dito mez receberam os padres algumas cousas
■que se tinham promettido para esta fandaçào, assim em di
nheiro, gado vaccum e «avaliar, com algumas sorte» de terras.»
Por este documento vê-se quão precário era o estado da
Companhia de Jesus, por falta de missionários, nessu anno
•de 1708.
O littoral desde Itanhaen até Cananéa, onde já tinha
havido casas de missões estava todo abandonado por falta de
c operários da vinha do Senhor *.
O único estabelecimento que ainda vigorava e dispunha
de alguns sacerdotes, no littoral, era o collegio de Santos ;
•e o primeiro sacerdote nomeado para restabelecer as antigas
missões, e « para apostolo de toda a costa », desde a Ilha
•Grande até Laguna, éra o padre António da Cruz, que
< nessas missões-volantes » andava acompanhado de dois
Irmãos apenas.
O padre visitador, ao escrever esta — Memoria — não
faz a menor allusào aos primitivos missionários que tantas
vezes haviam percorrido esta costa do sul da antiga Capita-
•nia de S. Vicente no século XVI, nem á secunda mis
são enviada aos sertões dos Carijós, pelo Padre Fernão Car-
dim, em 1605.
Parece mesmo que esse padre v,'sitador ignorava os actos
heróicos de seus primioivos irmãos, no apostolado desta
parte da Costa, nessas duas primeiras phases, tão gloriosas
da Companhia de Jesus !
Não è um juizo tt-merario, de nossa parte, nem uma
injustiça ou menos-cabo á memoria ou erudição dos dignos
missionários que fundaram o collegio de Paranaguá em
1708, o dizermos que « ignoravam, talvez, os actos heróicos
de seus primitives irmãos». Já demonstramos, e todos sabem
afinal, os actos de violência de que haviam sido victimas es
jesuítas, por parte dos habitantes das principais villas e
cidades do Brisil, em sua expulsão tumultuosa, e das depre
dações que soffreram as suas propriedades.
Emb;ra na epocha desses primein s banimentos não es
tivessem ainda decretadas as leis do « confisco geral dos
hens da Companhia », é entretauto notório que o povo, açu-
lado pelos mignatzs, não deixiva de fa«.er depredações e —
mão baixa — nos archivos dos mosteiros, casas, fazendas, ete,
procurando descobrir, entre a correspondência dos Jesuítas,
« algum documento compromettedor » e — sobre tudo — esses
tão celebres roteiros do sertão, nos quaes deveriam estar as-
sigualados a rota, tocai, ou jazida, de. onde os Jtsuitas ex-
trahiain os céus « thezouros fabulosos » ; bem como das bre
nhas mysteriosas onde. ie acco'itavam essas nações e tribus
gentílicas o d'onde elles desciam os contingentes de iu-
•dios, tão cubicados, que povoavam as primitivas aldê&s.
— 738 —

As memorias, os relatórios dos jesuítas, eram, já se vê.


— a melhor preza — para os ávidos exploradores dos nossos
sertões, nu época das entradas e das grandes descobertas
auríferas.
Ninguém melhor do que os Jesuítas, sabia o segredo,
o myeterio de nossas florestas e brenhas : éra esta, pelo
menos, a opinião que eo fazia dcs jesuítas nessa epcca de
aventuras, e que ainda se faz em uosscs dias.
E foi assim que qu isi todas as memorias escriptas peles
Jesuítas, antes e depois da Lei do banimento completo da.
Companhi», cahiram em mãos cxtranhas, sendo consumidas,
como demonstraremos em outra parte destas « memorias ».
Não admira pois, que, em 1738 ou 1740 o Padre Igna-
cio Antunes, escrevendo o histórico das missões do littoral
em Paranaguá, não nos dê noticias dos heróicos missioná
rios que com tanta abnegação e zelo apostólico, haviam des
bravado os sertões do Paraná, trazendo para suas redu
ções e aldeias, grande parte uo gentio Carijó, o qual, sob
a vigilância e guarda dos padres da segunda phase das
missões, ia de novo povear as aldeias de São Paulo e do
litoral, desde Itanhaen até Canauda.
Foi com esses Índios descidos do sertão, já cathechisa-
dos pelos jesuítas, que se fizeram as explorações auríferas ;
foi com esse mesmo pessoal, já adestrado nesses misteres,
que se iniciaram as entradas nos sertões de Minas-Geraes e
é ainda com esses antigos aldeados das missões, esses — pés
largos — remanescentes da aguerrida e hostil nação Carijó,
que os governadores da Capitania de Itanhaeu, principsl-
meute o Capitão Sotto Maior, formam as « companhias de
guerra » que vão em 1C60 « praticar notáveis actos de bra
vura, na conquista do Kio Grande do Sul, dignos dos he-
róes americanos, uo dizer de Pedro Taques. » ( Vid. Ermeli-
no de Leão — Capitania de Itanhaen e Paranaguá. )
As reduções ou aldeamentos fundados pelos Jesuítas em
Itanhaen, Iguapc, Canauéa e Paranaguá, tiveram ainda
ephemero desenvolvimento na terceira phase das missões.
Esse renascimento teve entretanto bem pouca duração, pois
os missionários, já mal vistos — pelos potentados, e despres
tigiados pela mór parte da população, cm virtude das intri
gas e das idéas sediciosas que então se formavam e espa
lhai a n contra a Companhia de Jesus, iam esmorecendo cada
dia, e procurando outras regiões onde pudessem agir com
mais liberdade ou desembaraço.
Os seus estabelecimentos agrícolas, as suas casas de
missões, em Santos, S. Vicentp, Itanhaen e Cauanéa estavam
já em condições bem precárias, ou abandonados, quando o
Governo do D. José 1." os. expulsou de, uma vez, em 1759.
O ultimo redueto ainda em estado florescente que os Jesuí
tas possuíam nessa época, em nosso littoral, éra a « Casa
da Missão » e o Collegio fuudado e:n Paranaguá em 1703,
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que não chegou a ser coucluido, apezar da boa voutade


demonstrada pelo povo.
O estabelecimento agrícola que esses padre3 possuíam
próximos á barra do Suparogui, em 1'rente á ilha das Pecas,
na baliía de Paranaguá, a qual vem mencionado no mappa
de que nos temos oceupado, foi, sem duvida, autes da doação
officlal, feita pela Camará e povo ein 1101, uma redução ou
aldêa formada pelos antigos missionários, durante a catechese
dos Carijós.
Não sabemos em que condições se achava essa fazenda
dos Jesuítas em Paranaguá, uo tempo da supressão da Com
panhia.
Na importante « Memoria Histórica * de Vieira Santos
que ainda não foi publicada n da qual temos apenas alguns
apontamentos, .constará, sen: duvida, alguma ceusa sobre essa
importante propriedade da Companhia de Jesus. ( * )

( * ) No mappa « Planta Topographica do Porto e Fortaleza de Parana


guá i». ao qual temos nos referido, e se arha appenso a este Capitulo, não vem
a «Planta Topograpliica da mesma Villa ». Essa «Planta Topographica da ViMa
de Paranaguá » se acha na mesma /tlancfia onde vem a « Planta Topographica
da Villa de Santos»,
Villa de Antonina
Deveríamos terminar aqui esta ligeira Memoria sobre
Paranaguá, \ist.o que --o nosso propósito rtào é mais que
dar uma noticia das Villas que foram fundadas pelos Gover
nadores iIa Capitauia de Itanhaen, ou estiveram debaixo da
sua respectiva jurisdição.
Nào uos occupaiemos, portanto, das demais povoações
tão importantes dessa vasta regiào que tiveram predicamento
de Villa, no fim do século XVIII, por que já estào fora da
dita juiisdiçáo.
Devi mos entretanto dizer que — a Villa de Antonina, a
qual vem designada no mesmo inappa da Bahia de Parana
guá, foi, nos tempos primitivos da catechese um arraial, cuja
ermida recebeu a invocação de. N. Senhora do Pilar e fe~,
depois, parte do município de. Paranaguá. Em 29 de Agosto
de 1797 foi esse « arraial do Pilar » desmembrado do muni
cípio de Paranaguá e elevado á categoria de Villa, por ordem
do Ca,)itão-General de S. Paulo — António Mauoel de Castro
e Mendonça.
A denominação de. « Antonina » foi dada a essa Villa
em attenção oo nome do então principe real D. Autonio.
Antonina acha-so na lat. austral de 25 e 31' ena long.
de 3290 30' e 30 ■> da Ilha do Ferro.
Vi lia de Guaratuba
A ultima villa, no littoral, ao sul de Paranaguá, que
vem meuciouada no mappa da Capitania, a que vimog nos
referindo e cuja repr. dação vae appen?a a este Capitulo — é
a Villa de Guaratuba, collocada á margem direita de uma
bahia ou laguna do mesmo nome.
Á planta topographica da villa consta apenas de uma
praça, bastante ampla, cercada de casas, com cinco subidas ou
beccos, tendo no fuudo a Egreja Matriz e, na entrada, rio lado
do « Porto da Villa », o edifício da Camará e o Pelourinho.
O systema hydrographico desta pequena Bah>a é bem
notável pela quantidade de rios que nella desembocam, e
todos mais ou menos, povoados em suas margens.
Os rios mais importantes são : o São João, ao Sul, e o
Rio Cubatào a Noroeste, tendo ambos as suas uasceutes na
Serra di Prat', por dois afluentes, um com o nome de Rio
Doce e outro de Rio das Minas.
Neste curioso mappa vem diversas indicações de Minas
db Ouro, mostrando que toda essa região do littoral era
muho rica di-sses miueraes, razão pela qual o governo por-
tuguez mandava explorar e demarcar, tão minuciosamente
o seu plano topogrnphico.
Ao Sul dessa barra de Guaratuba existem ainda dois
pequenos rios que desaguam na costa do mar : o Sahif e o
Síihy-mirim que. tem suas vertentes na serra do viar, tam
bém abundante em M nas i>b Ouuo, segundo a indicação
do mesmo mappa.
Na barra do rio S hg está marcado, no mesmo mappa,
um signal com este titulo, — • Registro, o que quer dizer que
os — mineiros dessa época, afim de escaparem aos rigores
dos fisco desciam prr esse rio até a costa; — e Uso obrigou
o governo a estabelecer nesse local um posto de Registro,
afim de evitar o descaminho dos quintos reaes.
A profundidade da barra e do leito da Bahia de Gua
ratuba, está, em toda a extensão determinada com o nume
ro de palmos e braças, afim de facilitar a navegação, nessa
época tão notável em que essa zona do littoral do Sul es
tava, em virtude das minas de ouro, sob as vistas ávidas do
governo da metrópole.
A Villa de Guaratuba que tem por padroeiro r^ão Luiz
foi fundada em 17G8 pelo Oapitão-General de S. Paulo \).
Luiz Artonio dt Sou/a Botelho Mourão. Foi elevada a Villa
em Março de 1770 e installada, diz Azevedo Marques, a 30
de Abril de 1771. Está situada a margem direita do Kio
que lhe dá o nome, a 25°32'25" de latitude austral e
329 30' da Ilha do Ferro. Sua barra só dá ingresso a pe
quenos navios.
Villa da Laguna
Esta vi lia. hoje cidade do Estado de Santa Catharina,
Jazia parte igualmente da Capitania de Paranaguá.
Foi fundada pelos paulistas Doraiugos de Brito Peixoto,
seu filho Francisco de Brito Peixoto e Sebastião de Brito
da Guerra.
Em 1720 é elevada a categoria de Villa por provisão
do Ouvidor e Corregedor de Paranaguá — Kaphael Pardi-
nho, por ordem, diz Azevedo Marques, do Capitào-Geueral
de S. Paulo, Conde de Assumar. Esse predicamento tem a
data de 27 do janeiro de 1720. Por alvará de i de Janeiro
de 1724 foi essa villa desligada da Capitania de S. Paulo
e incorporada a do Rio de Janeiro. Mais tarde com a crea-
cão da «Capitania de Santa Cathariua» passou essa villa a
fazer parte da mesma. O seu padroeiro é Santo António
dos Anjos da Laguna, conforme foi denominada pelos seus
fundadores.

FIM DO 1.» VOLUME

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