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Summary:
The good neighbor policy developed by USA Government during the Second World War period
attempted to extend the North-American hegemony to the rest of American continent in different fronts.
The cultural front expressed by publicity, radio shows and Hollywood movies was one of the most
important, among others.
This article discusses the relationship between USA and Latin America analyzing three movies from
Carmem Miranda, considered the Brazilian ambassador of good neighbor policy.
Resumen
La politica de buena vecindad desarollada por el gobierno de los Estados Unidos durante el periodo de la
Segunda Guerra emprendió la expansión de la hegemonia cultural de Norteamericana hacia las otras
Americas por distinctas frentes. La frente cultural, entre otras una de las más imortantes, tuve su
expression en la publicidad, en los shows de radio y en las peliculas de Hollywood.
Este artículo discute la relación entre los Estados Unidos y la America Latina analisando tres películas de
Carmem miranda, considerada en la épcoa, la embajadora brasileña de la politica de la buena vecindad.
*
Este trabalho integra a pesquisa O olho da História, financiada pelo CNPq e contou para a sua redação
com o importante trabalho de pesquisa da bolsista PIBIC Ana Flávia Cicchelli Pires.
2
culturas integrantes do mosaico americano. Escolhemos tratar este tema pelo viés da
debruça sobre três filmes de Carmem Miranda: Uma noite no Rio (EUA, 1941),
Aconteceu em Havana (EUA, 1941) e Entre a Loura e a Morena (EUA, 1943). Carmem
Miranda foi eleita pelo Bureau Interamericano, órgão responsável para implementar a
cinematográfico Cada um dos três filmes é tomado como textos1 onde se encena uma
momento de sua produção Tal representação, ao mesmo tempo em que, forma uma certa
*
Este trabalho integra a pesquisa O olho da História, financiada pelo CNPq e contou para a sua redação
com o importante trabalho de pesquisa da bolsista PIBIC Ana Flávia Cicchelli Pires.
1
O conceito de texto aqui empregado define-se por sua acepção semiótica, segundo a qual, considera-se
texto um sitema de significação tanto verbal quanto não verbal, que se realiza com base num sistema de
comunicação, ou seja, as circunstancias em que o texto foi produzido e veiculado. Cf. ECO, Umberto.
CONCEITO DE TEXTO, São Paulo: Edusp, 1984.
3
com base nas diferenças sociais, políticas, econômicas, climáticas que se acentuam no
Affairs (OCIAA), ou como aqui ficou conhecido Birô Intermaericano. Esse órgão,
Tota, contou com uma grande aliada: a indústria cinematográfica que não poupou
esforços para alinhar-se as diretrizes oficiais, ao mesmo tempo em que lucrava com a
cinema foi um dos mais eficazes mecanismos de construção da ideologia do “que é bom
para os EUA é bom para o Brasil”. O próprio Birô, possuía uma divisão de cinema
boss” dessa agência. “Jocky Whitney”, como era conhecido, tinha um currículo que
justificava a sua escolha, reunia entre os seus sucessos de bilheteria como produtor,
latina, foi responsável por curtas-metragens de caráter educativo, nos quais emprestava
que bem poderia ser um morador do Paraguai, ou das favelas do Rio, e indo daí
O narrador diante da situação insustentável pede ajuda à platéia e dela saem, nada mais
nada menos do que sete anões do filme “Branca de Neve”. Didaticamente os agentes da
Tal como este, outros curtas foram feitos, todos orientados a partir da nova
ordem mundial: bons e maus, bem como, pela divisão entre civilização e barbárie.
Apreendia-se através dos filmes educativos o nosso lugar na ordem mundial que se
1940, quando ao saudar a platéia do Cassino da Urca com um “Good Night, people”, a
Dois meses depois, a pequena notável deu a resposta com o samba de Vicente Paiva e
Americanizada não seria o termo mais adequado para definir o tipo encarnado
por Carmem Miranda, ou Miss Mairanda, como se costumava dizer nos States. As
roupas e adereços da artista – com seu indefectível turbante – que tinham o objetivo de
negativamente; ora, de forma oposta, é visto como força paradigmática e mítica, capaz
Optando por uma terceira via entre apocalípticos e integrados, Tota evita a
outras culturas e defende que o ‘choque cultural’ provocado pela forte presença dos
meios de comunicação norte-americanos não destruiu nossa cultura, mas, por certo,
2
MOURA, Gerson. Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana, São Paulo: Brasiliense,
1988. Livro precursor no tratamento do tema da elaboração de uma cultura política no Brasil a partir da
crescente inflência cultural norte-americana
3
TOTA, P.A. Imperialismo Sedutor, São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p.10-11
6
cultural realizada, a partir contato com bens culturais estrangeiros, num momento
pela resistência a assimilação, quanto pela aceitação incondicional, isso porque, toda
político num mundo cindido pela guerra entre regimes democráticos e regimes
com as “coisas nossas”, significava assumir uma identidade política reconhecida pela
4
Idem, p. 191-192
7
– principalmente latino-americanos.
trabalhos que tratam do tema, vale somente registrar que o novo projeto político que se
instaura, nos anos 30, estaria ligado aos ideais de modernização e de elaboração de uma
projeto é definida pela implementação de uma política educacional e cultural, por parte
pensar a cultura brasileira, que passa a contar com atributos como nacional e popular.
Portanto o período que engloba as décadas de 1930, 1940 e 1950 pode ser
sentido da elaboração de uma identidade nacional5 Por outro lado, elabora-se uma nova
relação entre sociedade política e sociedade civil, entre esfera pública e esfera privada,
na construção de uma imagem de Brasil associada a uma nova cultura política. Esta
participação social. Este último item contou com um poderoso aparato publicitário que,
tomou conta do cotidiano ordenando o dia-a-dia, pelas ondas do rádio e nas páginas das
revistas ilustradas.
5
Ortiz, Renato, A moderna tradição brasileira, SP: Brasiliense. 1989.
8
projeto político dos anos de 1930 e 1940. A forma como os Estados Unidos construíram
sua total rejeição. Por outro lado, o enquadramento do Outro através de lentes próprias,
A relação de Hollywood com o “mundo lá fora”, não é uma invenção dos anos
da 2ª Grande Guerra Mundial, muito antes dos alemães invadirem a Polônia, os caça-
talentos de Hollywood já faziam seu tour pelas cidades européias seduzindo artistas
com dólares e fama. O caso mais famoso foi o de Maurice Chevalier, relatado pelo
tendo alcançado fama nos boulevards parisienses, Chevalier após um dos seus shows é
seguinte diálogo:
6
O caso da fotografia é um tema a ser pesquisado num futuro projeto.
7
Este segundo ponto será tratado, especificamente, através da análise dos três filmes.
8
“Hollywood – Laboratório de Celebridades” – assina P.J. IN: CARETA, 17/2/1940 n° 1671 ano XXII,
p.32/33,
9
como na China, nos Estados Unidos como na África , no Brasil, no Alaska, na Rússia. Eu quero
deslocar o eixo de sua celebridade de Paris para o Mundo”.
cinematográfica da América Latina foi desenvolvida com base nos mesmos parâmetros:
9
“O Paraíso das celebridades estrangeiras”, IN: CARETA, 8/3/1941, p.32/33
10
os anos 1938-1939, destaca o interesse dos produtores dos grandes estúdios, pelo
A dinâmica para conquistar este mercado foi marcada, de acordo com o estudioso, por
(i.e., latino-americana); (2) Hollywood produzir, ela mesma, filmes de língua espanhola;
mas com cuidado para que os personagens não fossem potencialmente ofensivos ao
público latino-americano”10
Cada uma dessas três foi experimentada, ao menos uma vez, pelos grandes
como foi o caso de Carlos Gardel, entre 1934-1935, do cineasta espanhol Jaime Del
adequada para lidar com o público latino-americano, não foram poucos. Variava da
reação à imposição do estereótipo, pela audiência latina, aos problemas com a censura
Ambos os filmes de Jaime Del Amo, La vida Bohemia (1937) e Verbena Tragica
responsável por liberar e selar os filmes para o mercado norte-americano, por cenas de
casamento, sendo que no primeiro, uma adaptação do clássico de Henri Muger: Scènes
10
O’NEIL, Brian. “Yankee Invasion of Mexico, or Mexico invasion of Hollywood? Hollywood’s
Renewed Spanish-Language Production of 1938-1939”, Studies in Latin American Popular Culture,
11
crítico do The New York Times tecer o seguinte comentário: Graças ao alto padrão
Serenata Tropical (Down Argentine Way, Irving Cummings, 1940). O primeiro filme,
Aires que as poltronas dos cinemas foram destruídas obrigando a Fox a realizar
evidente desta falta de sensibilidade, pois confundir tango com rumba e conga é no
seus Outros13, foram resultado de um constante diálogo entre os três principais agentes
concerto internacional das nações modernas. Compondo com este grupo estava a
Neste sentido, o esforço de guerra obrigou a elaboração uma política mais direta
ocidentais. O que passava a estar em jogo, além do tradicional lucro dos grandes
estúdios, era a urgência em costurar os laços da união das três Américas, garantindo
Miranda: Uma noite no Rio (EUA, 1941), Aconteceu em Havana (EUA, 1941) e Entre a
Muito já foi escrito, filmado e cantado sobre Carmem Miranda, portanto não vou
aqui enfatizar a trajetória pessoal da artista que, em si só, já é um problema e tanto. Mas
por outro lado, não posso deixar de justificar a escolha dos filmes e da
não foi aleatória e Carmem Miranda não se tornou o símbolo que, ainda hoje mexe tanto
com a imaginação social, somente pelos seus belos olhos verdes, apesar destes terem
ajudado bastante.
14
pela solidificação das boas relações entre os Estados Unidos e a América do sul do que
recaiu, portanto sobre o personagem síntese da forma como Hollywood tipificou o jeito
latino-americano de ser.
norte. No entanto, não vou trabalhar com toda a narrativa, mas somente com as três
aberturas. Em cada uma delas o ambiente é sintetizado a partir atualização ficcional dos
Carmem Miranda estréia em Uma Noite no Rio (That Night in Rio) em um dos papéis
de destaque: Carmem (o seu nome no filme) uma cantora do night-club carioca de nome
no mesmo espetáculo.
15
Apud. MENDONÇA, Ana Rita, Carmem Miranda foi a Washington, Rio de Janeiro: Record, 1999,.
p.73.
15
trio de artistas: Don Ameche, interpretando ao mesmo tempo dois personagens- o Barão
Manoel Duarte e Martin; Alice Faye, como a baronesa Cecília e Carmem Miranda,
Barão Duarte salvar a sua empresa de aviação da falência, ao mesmo tempo em que
reconquista o coração de sua esposa, convencendo-a de que não o mulherengo que todos
Centro: Carioca, São Luiz e Odeon, com cinco sessões por dia. A imprensa da época
apesar de lamentar a ausência de vistas naturais da cidade, que não pode ser feita no Rio
devido aos altos custos de se deslocar uma produção em tecnicolor para fora dos
estúdios, elogia toda a encenação, principalmente a forma como a capital do Brasil foi
redesenhada:
““That Night in Rio”, deixa de apresentar vistas naturais e aspectos de rua. È uma falta
lamentável. È uma coisa que tira do filme certa realidade e um aspecto mais genuíno.
Fora disso, o filme só poderá nos honrar. Os ambientes são luxuosos, caros, elegantes.
Gente bem vestida, interiores deslumbrantes, um cassino de bom gosto; enfim um cuidado de
mostrar o Rio, em seus ambientes e em sua vida interior, como uma capital elegante e bonita que
é, em nada ficando a dever a outras mundiais, como Paris, Nova York, Londres ou Buenos Aires.
È preferível que isso tenha acontecido do que se ver na tela uma ilha de presidiários a
curta distância da nossa Baía de Guanabara ou uma aldeia de barracões (...).
(...) Nós brasileiros sabemos que esse aspecto existe, mas sabemos também que outros
mais elegantes e mais bonitos os há no Rio... Mas o americano, ao ver na tela, grupos e aspectos
horripilantes, julgará que aquilo é o nosso Rio e tão somente!
Ora, “That Night in Rio” nada contém que possa ser considerado ofensivo ao brasileiro.
A sua história é leve, agradável, de um bom humor às vezes picante, mas com sabor
internacional de toda grande capital, capital que se presa de ser “sophisticated”, de ser bem
vestida, de beber champagne e saber ser encantadora”16
16
CINEARTE, 15/05/1941 comentários de Gilberto Souto
16
política da boa vizinhança a Fox, para a ambientação do filme “Uma Noite no Rio”
dos funcionários que “fizeram sugestões, aceitas e levadas a risca pelos produtores do
de um anos após a sua chegada nos Estados Unidos, a entrada no panteão das grandes
estrelas de Hollywood, com direito a deixar sua marca impressa para sempre, na calçada
mais uma vitória nacional no cenário internacional. As matérias das revistas celebraram:
17
Idem.
18
A SCENA MUDA, 15/04/1941.
19
CINEARTE, 15/05/1941.
17
ainda no ano de 1941. Desta vez, a Carmem seria Rosita, mais uma vez, cantora de um
A trama envolve uma jovem vendedora do Macy’s, uma loja de departamentos de Nova
York, que tenta fazer seus direitos de consumidora, quando se vê privada de suas férias
navio em que estava encalhou. Para evitar o processo de custos milionários, um dos
jovem. Tudo isso entremeado de cenas com coqueiros e luares brilhantes, embaladas
conceituados cinemas do Rio, também com direito a cinco sessões diárias e comentários
entusiasmados da imprensa:
Estrelando hoje simultaneamente em quatro cinemas, ou seja, no São Luis, Vitória, Carioca e
América, a 20th Century-Fox lança do norte ao sul da cidade, o segundo grande sucesso de
Carmem Miranda, em seus estúdios!
Aconteceu em Havana riquíssimo espetáculo musical em tecnicolor, que além de Carmem, conta
em seu elenco Alice Faye, John Payne e César Romero; é bem um festival para a cidade do Rio
de Janeiro, pois encerra um deslumbramento cinematográfico onde as músicas, as canções, os
bailados, a alegria e o romance dominam as suas seqüências emolduradas dum colorido
lindíssimo, magnífico, impressionante e perfeito”20
O quinto filme de Carmem Miranda na Fox, The Gang’s is all here, traduzido
para o português como Entre a Loura e a Morena, muda o eixo geográfico da trama
sugestivamente chamado New Yorker, no qual Carmem, desta vez uma cantora
condecorado na guerra o jovem e rico sargento é recebido por seu pai com uma grande
festa surpresa, idealizada por ele como sendo um grande show para arrecadar bônus de
guerra. Para consumar seu projeto o rico pai, do jovem sargento, contrata toda a trupe
do New Yorker e os leva para passar um fim-de-semana, em sua mansão, num subúrbio
de Nova York. Vizinho a ele está um outro milionário, seu sócio e amigo de longa data,
cujos filhos namoravam desde pequenos. O resultado inevitável é que a loura (namorada
No entanto, The Gang’s all here difere dos demais filmes por ser um musical
dirigido e coreografado por Bubsy Berkeley, responsável pelas antológicas cenas onde
diversos.
cidade de Nova York, apresentando tanto ambientes luxuosos, como as cantinas mais
simples, onde jovens bailarinas voluntárias concedem seu tempo, para a diversão dos
transferida do seu local de trabalho e moradia, para um outro espaço, uma outra cidade,
diversão, o detalhe do comentário do pai para acalmar a surpresa do filho que, ao chegar
democracia social norte-americana: “não se preocupe escondi toda a prataria que podia
se quebrar”.
20
JORNAL DO BRASIL, 5/11/1942
20
No Rio o filme foi lançado em setembro de 1944, sendo mais uma vez
celebrado, mas só que nesta ocasião, mais pelo brilho do tecnicolor e pela precisão e
As cotações da semana:
Entre a Loura e a Morena (The Gang´s all here – 20th – Fox)
O quinto filme de Carmem Miranda é, antes de tudo, obra-prima desse gênio dos bailados
cinematográficos chamado Bubsy Berkeley, (...).
Bubsy é uma espécie de Lubitsch dos bailados.
Sabe imaginá-los com um espírito cinematográfico como nenhum de seus colegas ainda o fez. Ele se
repete, às vezes, como acontece neste filme de Carmem, entretanto, apresenta-os com novidades nos
movimentos das girls e tira grande partido do Tecnicolor. E ao mesmo tempo, dá-nos uma comédia
musical que é a melhor de todas as que nossa cantora tem interpretado, embora o assunto seja fraco.
Além disso, em “Entre a Loura e a Morena”, Carmem apresenta-se melhor que nos filmes anteriores
inclusive na representação. Alice Faye nunca apareceu tão boa artista e tão feminina, como naquelas
cenas românticas com James Ellison. Eugene Pellette, engraçado como sempre.
Edward Everett Horton e Charlotte Green Wood, quase “roubam” o filme. Sheila Rujan também está
muito interessante na morena rival de Alice no título. Deixamos em segredo para o fan, os números
do filme, mas não podemos deixar de registrar a novidade daquelas fontes luminosas, outra criação
do mestre dos bailados da tela.
Cotação: dois e meio (1: regular; 2:bom; 3: muito bom; 4: ótimo)”21.
Nos três filmes escolhidos para esta análise, e talvez de todos os filmes musicais
O que ocorre de fato é que tais aberturas são encenações dentro de uma
21
A SCENA MUDA, 19/09/1944.
22
“[...] a diegese é algo mais englobante do que a história: trata-se desta mais o seu entorno, a história
mais todo o universo ficcional sem o qual ela não se desenvolveria. [existe assim, um tempo diegético,
um espaço diegético, uma música diegética, como também extra-diegética]. A diegese concerne a arte do
relato que não é especificamente fílmica, aquilo que a sinopse, o roteiro e o filme têm em comum, ou seja
o conteúdo independente do meio que a expressa. Se a diegese no contexto de um relato, é o conteúdo,
existe por outro lado a forma da expressão, esta totalmente dependente do meio em que a obra se
expressa[...] mas os componentes da expressão de um filme também só adquirirão sentido ao articular-se
em torno de um conteúdo: um travelling, por exemplo, em si mesmo sem aplicar-se a algo, carece de
21
diegético. Nos três casos, as seqüências de abertura podem ser concebidas como uma
Brasil, é Havana e outra vez o Brasil – Carmem Miranda é uma América imaginada pela
vizinhança, o frio do norte sendo temperado pelo calor dos trópicos, mais uma vez é
continentes.
filmes, recuperando as opções realizadas pelos diretores, tanto para o plano da forma da
significado, sendo unicamente uma técnica do trabalho de câmera que faz parte do arsenal dos meios de
expressão do cinema. Em outras palavras, conteúdo e expressão só adquirem, significação em articulação,
um em relação ao outro”. CARDOSO, Ciro Flamarion. Uma proposta metodológica para a análise
histórica de filmes, Niterói, UFF, História, mimeog. 1999, p.16
23
Plano da forma da expressão compreende as opções técnicas e estéticas da linguagem cinematográfica e
plano da forma do conteúdo compreende as opções temáticas. É importante lembrar que para cada opção
22
locação, etc.
denominado Samba. Este cenário é composto pelo fundo desenhado com o contorno da
simples e um grande céu estrelado. Dependendo da cena focaliza-se ou não a platéia que
luminárias discretas.
A fria Manhatan coberta de neve; 2° O espaço da utopia turística representada por três
típico e mulher branca de biquíni; 3° Um out-door, localizado em fria rua de NY, onde
se anuncia uma viagem para Havana, com os seguintes dizeres: A sail to romance.
O cartaz ganha vida e o espaço enquadrado passa a ser o pátio rodeado por muros
brancos com um céu muito azul. Neste espaço que se desenvolve o restante da
seqüência.
do plano da expressão conjuga-se uma opção da forma do conteúdo, mantendo-se ambos os planos
correlacionados na elaboração da narrativa cinematográfica.
23
Nos três filmes o espaço definido para a encenação é artificial construído para
representar alguma coisa que não é, mas quer fazer parecer ser. O Rio de Janeiro de
Uma noite no Rio, atende a imaginação de uma elite afeita ao consumo excessivo e
sol e de sal e da natureza pródiga, precisa-se de muito pouco para se ganhar muito. A
permissividade. Um povo infantil que precisa da tutela dos Estados Unidos para
entre as classes e a política da boa vizinhança são faces da mesma moeda ideológica.
Em UMA NOITE NO RIO Carmem, vestida toda de prateado, é o Brasil que recebe o Tio
EM HAVANA Carmem, vestida com roupas coloridas, chapéu adornado com frutas
fim de semana com ela. No filme ENTRE A LOURA E A MORENA, Carmem, vestida com
seu traje tradicional, desta vez vermelho e branco é de novo o Brasil que retribui a
visita feita há dois anos pelo Tio Sam (entre este filme e primeiro analisado transcorre
um intervalo de dois anos). Desta vez o tio Sam está personificado na figura de civis,
autoridades públicas da cidade que oferecem a chave para que s portas de todos seus
espaços possam ser abertas, ampliando o espectro de relações para além do âmbito
Nos três filmes é possível compreender a encenação como uma dinâmica social de
Em UMA NOITE NO RIO A música, o balé que mistura estilos de dança- dentre estas
nativos que aos poucos aprendem a dançar e a cantar em inglês, substituindo o crazy e
sem sentido – chica, chica bum, chic, por um baile e idioma civilizado. O militar é o
que está fora de quadro – o publico nova yorkino que em plena nevasca não para de
Havana o trabalho é diversão, pois há uma natureza tropical que garante que tudo é dado
por graça da prodigalidade natural. Vale lembrar que, em uma das cenas do filme surge
a imagem dos cortadores de cana, nesta ocasião o protagonista faz o discurso sobre a
24
Tunico Amancio, em sua análise sobre a forma como o Brasil e os brasileiros foram figurados nos
filmes estrangeiros, estabelece a existência de 4 figuras matrizes a partir das quais se estabeleceriam as
filiações discursivas sobre o Outro. Seriam estas: a figura do viajante; a figura do imigrante e exilado; a
figura do degredado do fugitivo e a projeção do desejo. Para cada uma delas uma série que dialoga com
textos fundadores da relação que os europeus mantiveram com o espaço colonial, respectivamente a
filiação Pero Vaz; a filiação Esomeriq (filho do cacique brasileiro que é levado para a França, onde se
aclimata e acaba misturando-se com a descendência da nobreza francesa); a filiação Afonso Ribeiro; a
filiação utopia. Carmem Miranda se insere na segunda filiação, no entanto seus filmes podem integrar,
também a quarta filiação. AMÂNCIO, Tunico, op.cit., p. 33 passim.
25
No filme ENTRE A LOURA E A MORENA toda a encenação se faz por meio de oposições
quadros simétricos nos quais o Brasil fica de um lado, em geral o esquerdo, e os EUA, o
No primeiro filme UMA NOITE NO RIO a seqüência dura cerca de 5min e 29seg, sendo
dura cerca de 2min e 54seg; sendo composta por 13 cenas. No terceiro, ENTRE A LOURA
Em UMA NOITE NO RIO, O grande número de cenas se deve a fato de que a câmera muda
buscando compor quadros que, ora isolavam os personagens no cenário da cidade, ora
foi composta por cenas mais longas, denotando uma opção de câmera que valorizava o
época, por integrar a forma de filmar às coreografias que ele mesmo inventava (é deste
e) Musica da seqüência inicial e o campo semântico criado pela letra das músicas.
Em UMA NOITE NO RIO a música “Chica, chica bum chic”, cantada em português e em
inglês, alude a um comportamento extravagante por parte dos brasileiros e dos fascínio
que a selva e o batuque dos nativos exerce sobre quem para o Brasil vai.
toda cantada em inglês ganha uma importância significativa, pois basicamente toda a
sol, ao sal, ao romance e a bebida tropical – uma verdadeira utopia capitalista. Lazer
barato e garantido, aliás é atrás disso que a protagonista do filme corre atrás.
americanas passa a ser “Você descobre que está em NY”. Aquarela do Brasil foi
de se aproveitar coisas da América latina em NY, sem nunca se esquecer do lugar onde
se está.
das coreografias, que misturam estilos, e das músicas define a forma da encenação e o
Miranda em seu segundo filme, enfatizando que a forma de apresenta-la era realmente
um verdadeiro caso de comoção nacional com direito a formação até de dois partidos:
carmistas e anti-carmistas25. A revista SCENA MUDA, em 1943 leva adiante uma enquête
através da qual se pode medir o clima de disputa política entre os que defendiam a
verdadeira Carmem, não fazendo a mínima concessão para a sua estilização norte-
25
MENDONÇA, op.cit. Cap.5
28
americana, e os que defendiam que para fazer fortuna e fama internacional vale
qualquer acordo.
encaixavam, sendo, por conta disso, rejeitada por uma parte do público.Afinal o Brasil
não nunca foi Cuba e a Bahia não é o Brasil, tampouco, Carmem é baiana.
Por outro lado, a necessidade dos fãs que Carmem Miranda reabilitasse a sua
imagem, quer voltando para o Brasil “para recuperar as simpatias maiores do nosso
sistema representações que se molda com base nas referencias culturais norte-
americano.
demanda do público por uma auto-imagem de país mais adequada ao padrão dominante
da cultura ocidental. “Uma Carmem sem balangandãs” seria uma possível saída, tal
“Será excelente lembrança, a de os seus diretores lhe confiarem papéis diferentes desses já
exaustivos figurinos de baianas antibaianas, coisa que, nem de leve se aproxima de verdade. E
não me venha dizer que se trata de estilizações...Uma Carmem vestida com elegância, uma
26
SCENA MUDA, 1/06/1943
29
Carmem social e distinta, interpretando papéis mais serios e decentes, eis o que muitos de seus
fans desejam ver na tela. O turbante, os balangandãs, as estouvadas grosserias cênicas, as
explosões de ataques de estupidez, as ciumadas grotescas, com arremessos de sapatos na cara
dos coiós e dentadas na mão dos namorados, tudo isso é irritante, cacete, conduzindo o
espectador a planos de apreciações visivelmente antipáticos (...)”27
27
SCENA MUDA, 14/10/1941