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HUBERTO ROHDEN

ENTRE DOIS
MUNDOS
TENTATIVA DUMA SÍNTESE ENTRE O UNO E O VERSO DO
UNIVERSO HOMINAL

UNIVERSALISMO
ADVERTÊNCIA

A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar


é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental – mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.

Crear é a manifestação da Essência em forma de existência – criar é a


transição de uma existência para outra existência.

O Poder Infinito é o creador do Universo – um fazendeiro é criador de gado.

Há entre os homens gênios creadores, embora não sejam talvez criadores.

A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea e nada se
aniquila, tudo se transforma”, se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa
mas se escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.

Por isto, preferimos a verdade e clareza do pensamento a quaisquer


convenções acadêmicas.
ENTRE DOIS MUNDOS
(EXPERIÊNCIA CÓSMICA)

O profano não se interessa pela Auto-Realização.

O místico foge do mundo para se encontrar com Deus.

O homem univérsico, de experiência cósmica, penetra tão profundamente na


alma do universo que atinge o Deus do mundo no mundo de Deus. E todo o
seu antigo “dever” compulsório se transforma num novo “querer” espontâneo,
num flamejante entusiasmo, numa irresistível adoração dinâmica por essa
estupenda Realidade que está além de todos os nomes.

Para o mundo profano, esse homem deve necessariamente parecer um louco


ou alucinado, um anormal – e, de fato, anormal ele é, se por normal se entende
essa cegueira habitual dos inexperientes e essa insensibilidade paquidérmica
dos profanos. Esse homem é anormal “para cima”, supra-normal, e não
anormal “para baixo”, infra-normal, como certos doentes. Mas, como o homem
comum nada sabe do supra-normal, ao passo que tem algum conhecimento do
infra-normal – que admira que coloque o supra-normal no plano dos infra-
normais? Cada um pensa e fala segundo a medida do seu conhecimento – ou
da sua ignorância, porquanto “o conhecido está no cognoscente segundo a
capacidade do cognoscente”. O homem normal pode conhecer o infra-normal,
que para ele é um “menos”, mas não pode saber o que seja supra-normal,
porque é para ele um “mais”. Ninguém pode conceber coisa maior do que ele
mesmo é; o nosso SER é a medida do nosso CONHECER.

Entretanto, são os homens universificados os únicos que garantem a


continuidade do fogo da espiritualidade sobre a face da terra. É o vasto
incêndio da experiência cósmica, desses poucos, que ilumina muitos. Seja,
você mesmo, esse Homem universificado!
TOMANDO PERSPECTIVA

O Universo sideral é um perfeito equilíbrio entre o Uno centrípeto e o Verso


centrífugo, formando um cosmos estável e dinâmico.

No Universo hominal, porém, surge um novo fator – o livre-arbítrio – que pode


causar harmonia ou desarmonia. O homem pode, pelo uso ou abuso do seu
livre-arbítrio, crear um Universo muito mais maravilhoso do que esse cosmos
sideral, e pode também ser autor de um imenso caos, pelo abuso da sua
liberdade.

O homem é, aqui na terra, o único ser dotado de creaturidade e de


creatividade; só ele é creatura e creador ao mesmo tempo; só ele se pode
tornar melhor ou pior do que Deus o fez.

O homem, quando livremente cosmificado, é algo incomparavelmente mais


maravilhoso do que todas as grandezas e belezas fora dele; mas, quando
livremente caotizado, é também muito mais repugnante do que outra creatura
qualquer.

O macrocosmo sideral, regido por leis imutáveis e automáticas, será sempre


um sistema de perfeita ordem e harmonia – mas o microcosmo hominal, pode
estabelecer desordem e desarmonia.

Através das páginas deste livro, aparentemente heterogêneas, vai um traço de


permanente homogeneidade; todos os capítulos giram em torno de duas
alternativas: a voluntária harmonia entre o Eu central e o ego periférico do
homem – ou então a voluntária desarmonia entre esses dois pólos da sua
natureza.

A harmonia é bondade e felicidade – a desarmonia é maldade e infelicidade.

A natureza humana participa da mesma bipolaridade que caracteriza todo o


cosmos. Não existem círculos monocêntricos no Universo, há tão-somente
elipses bicêntricas. Astros e átomos se movem em trajetórias elípticas,
bipolares. Esses dois pólos não são contrários um ao outro, mas são
complementares. Da síntese das duas antíteses complementares resulta a
harmonia cósmica, que os gregos chamavam beleza (kosmos), e os romanos
denominavam pureza (mundus).

Da mesma forma, da síntese das duas antíteses complementares do homem,


do Eu e do ego, resulta a harmonia, a beleza e a felicidade da vida humana.
O homem é o autor da sua grandeza ou da sua mesquinhez, do seu cosmos ou
do seu caos. O livre-arbítrio é uma espada de dois gumes, é o maior privilégio
e também o maior perigo do homem; é a chave para o céu ou para o inferno da
sua vida.

Do uso ou abuso da sua liberdade tece o homem, dia a dia, a sua felicidade, ou
a sua infelicidade.

O livre-arbítrio é o invisível fio de Ariadne, que pode conduzir o homem, são e


salvo, através de todos os labirintos da vida terrestre, rumo à sua definitiva
libertação, rumo à sua verdadeira auto-realização.

Entre dois mundos, o mundo da luz e o mundo das trevas, oscila a vida
humana. Compete ao humano viajor decidir-se livremente por este ou por
aquele mundo. Desta decisão depende o seu valor ou o seu desvalor, a sua
felicidade ou a sua infelicidade.
QUAL A VERDADEIRA MENSAGEM
DO CRISTO À HUMANIDADE

A mensagem do Cristo, segundo o Evangelho, não tem caráter

– ritual,

– nem moral,

– nem intelectual,

– nem social.

A mensagem do Cristo é essencialmente

– metafísica,

– ontológica,

– real,

– cósmica.

Mas, como esta mensagem incidiu num ambiente humano de baixa


compreensão, foi ela, de início, condicionada e contagiada pela atmosfera
circunjacente. O conteúdo divino do Evangelho sofreu o impacto dos seus
contenedores humanos.

Dos mistérios pagãos do Império Romano herdou o Cristianismo o seu colorido


ritualista-sacramental, segundo o qual a salvação do homem consiste em
certas práticas mágicas e ocultistas, relacionadas com determinados objetos,
fórmulas, gestos, etc.

O judaísmo contemporâneo afetou o Cristianismo nascente com a idéia da


redenção pelo sangue, consoante a cerimônia do “bode expiatório” que se
realizava anualmente em Jerusalém, e que foi sublimada por um ex-rabino
judaico convertido ao Cristianismo, iniciando a concepção bárbara do sangue
de Jesus a lavar os pecados da humanidade.

Mais tarde, nos primórdios da Renascença, a mensagem do Cristo foi


interpretada intelectualmente, projetada sobre o fundo duma análise da letra da
Bíblia, e num ato de fé fiducial no sangue de Jesus.
Por fim, em nossos dias, o Cristianismo foi identificado com filantropia social,
obras de caridade e altruísmo, relacionados com a idéia evolutiva de
reencarnações sucessivas.

Todas estas versões podem, até certo ponto, ser aceitas como fenômenos
concomitantes e subsequentes – mas nenhuma delas representa o centro e
cerne da autêntica mensagem do Nazareno.

Ritos, sacrifícios, estudos, crenças, altruísmos – tudo isto pertence ainda à


velha concepção horizontal de que o homem seja apenas o seu ego físico-
mental-emocional, conceito que o Cristo transcendeu totalmente. Para ele, o
homem não é esse seu invólucro, nem mesmo na forma mais sublimada, que
ele chama “remendo novo em roupa velha”; o homem não é a sua persona ou
personalidade, mas sim o seu Eu interno, a sua profunda e divina
individualidade, a sua alma ou espírito que o Cristo chama o “Pai”, a “Luz”, o
“Reino”, o “Tesouro oculto”, a “Pérola preciosa”.

Esta concepção que o Nazareno tem do homem e que forma a quintessência


de toda a sua mensagem, é profundamente metafísica, ontológica, realista,
cósmica.

A mensagem do Evangelho não visa, em primeira linha, a transformação do


homem-ego vicioso num homem-ego virtuoso, que Jesus rejeita com
“remendo novo em roupa velha”; mas convida o homem a descobrir a sua
realidade divina, já existente nele, mas ainda inconsciente; convida-o a tirar a
sua luz divina de baixo do alqueire da sua inconsciência e colocá-la no
candelabro da sua consciência; convida o homem a conscientizar o Pai, a Luz,
o Reino, o Tesouro, a Pérola, que o homem é por natureza, mas que ignora
ser; o Cristo convida o homem àquilo que os filósofos orientais e, ultimamente,
também os psicólogos ocidentais, denominam “auto-conhecimento”, e que no
Evangelho aparece com o nome do “primeiro e maior de todos os
mandamentos”.

A mensagem do Cristo não se refere, primariamente, a algo que o homem


deva fazer, mas sim ao alguém que o homem deve ser conscientemente; e
deste ser da mística do primeiro mandamento resultará espontaneamente o
fazer do segundo mandamento da ética – a vivência ética da fraternidade
universal é, para ele, o irresistível transbordamento da experiência mística da
paternidade única de Deus. Auto-conhecimento místico produz auto-realização
ética.

Numa palavra: a mensagem do Cristo gira inteiramente em torno da Realidade


Metafísica do homem cujo centro e cerne é Deus, o Absoluto, o Infinito, o
Eterno.
Quando o homem se identifica ainda com o seu ego humano, e procura fazer
desse ego vicioso e mau um ego virtuoso e bom, anda ele no “caminho
estreito” e passa pela “porta apertada” do dever compulsório, sempre difícil e
sacrificial; mas, depois de despertado para a consciência da realidade do seu
Eu divino entra na zona do “jugo suave e do peso leve” do querer espontâneo;
passa da boa vontade da virtuosidade da moral para a sapiência da
compreensão, e sua moral dolorosa se transforma numa ética jubilosa – e só
então encontra ele “repouso para sua alma”.

Quando Mahatma Gandhi escreveu que “a Verdade é dura como diamante e


delicada como flor de pessegueiro”, compreendeu ele que a dureza diamantina
do tu deves se pode associar à delicadeza flórea do eu quero – eu quero
espontaneamente o que devo necessariamente – suposto que o meu ego
virtuoso entre na zona do meu Eu sapiente.

Neste ocaso do segundo milênio da era cristã, e quase na alvorada do terceiro


milênio, encontramos, em todas as partes do mundo, uma elite de homens que
estão começando a suspeitar – a “farejar”, como diz J. W. Hauer – que a
mensagem do Nazareno encerra algo infinitamente mais profundo e sublime do
que, geralmente, lemos e ouvimos no ocidente cristão. Estamos começando a
descobrir a alma do Evangelho. Entretanto, para esta compreensão é
necessário que o homem transcenda a sua intelectualidade analítica e ingresse
na nova dimensão de uma consciência intuitiva – que o homem parcial de hoje
passe a ser o homem integral de amanhã.
MORRER DECENTEMENTE PARA
VIVER GLORIOSAMENTE

“Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril – mas, se morrer, produzirá muito
fruto” (Jesus, o Cristo).

“Eu morro todos os dias, e é por isso que eu vivo – mas não sou eu que vivo, é
o Cristo que vive em mim” (Paulo de Tarso).

Quando alguém imagina que já morreu – ou melhor, quando se sente


empolgado por esta certeza – que coisa ainda lhe poderia ser difícil? A única
coisa que lhe sobrou é uma força tranquila, irresistível, que brilha de dentro de
si mesma, como a chama vertical de uma vela num ambiente sem vento. Esta
chama pergunta à vida e à morte: que quereis de mim? este corpo? – está
morto! Este ego? – dissolveu-se a sua ilusão!

Todos os horrores e todas as amarguras contra os quais se revolta o homem,


já foram dantemão saboreados e superados.

Esta experiência da incorporação da morte, faculta ao homem a experiência


duma vida superior. O ego, que, por toda a parte, age como veículo e como
obstáculo, já foi dissolvido.

Esta pura vivência interna transforma todas as vivências externas e todas as


relações com o mundo de fora.

Qualquer palavra sobre isto é supérflua; basta saber que surgiu uma força
silenciosa, inesgotável, capaz de tudo.

Uma vez que alguém morreu deste modo, é ele imortal, incapaz de morrer.

Lá se foi o seu gostar ou não-gostar!

Esse homem está sempre disposto a tudo, sempre pronto para carregar fardos
pesados. Permanente serenidade em face das coisas mais difíceis substituiu a
sua vacilante atitude de outrora.

O enigma da existência encontrou uma solução definitiva.

Daqui por diante, todas as coisas externas se referem apenas ao modo como
fazê-las – e isto não tem importância. O agradável e o desagradável desse
“como”, nas variadas circunstâncias, foi superado.
O homem que atingiu estas alturas está para além de propriedade e de sexo.

Morrer? – pergunta alguém que passou por esta experiência – morrer não
posso mais; já superei o ser-mortal, assim como superei o ser-criança e o ser-
adolescente.

E, na medida que todas as coisas pesadas perdem o seu peso, vai nascendo a
intuitiva e espontânea compreensão das circunstâncias.

Todas as coisas se vão tornando transparentes.

Todas as formas e gestos em derredor se vão tornando visíveis de dentro.

A razão-de-ser de todos os fenômenos se torna compreensível, uma vez que


deixou de existir a nebulosidade do ego, que se interpunha entre a visão
original do Eu e o mundo externo.

Para o homem assim transformado nada é sem fala; a sua serenidade


receptiva faz eco a toda as coisas. Graças à sua transparente intuição, esse
homem participa de todas as coisas do universo.

(cf. H. Zimmermann)
LIBERTAÇÃO PELA SAPIÊNCIA UNIVÉRSICA

Filosofia, Yoga, Metafísica, Mística, Espiritualismo, Esoterismo – todas estas


palavras, e outras similares, suscitam grave suspeita no espírito de muitos
homens do ocidente. Parecem insinuar algo como escapismo, uma fuga das
cruas realidades da vida e um refúgio para dentro de um idealismo utópico.

Mas o homem ocidental é terrivelmente realista, e não quer saber de filosofias


idealistas, por mais belas e suaves que sejam. E não parece ter razão? O
oriental, diz ele, nunca fez nada no campo da ciência e técnica, porque se
enamorou de uma filosofia espiritualista e duma metafísica mística. Não
descobriu átomos nem realizou viagens cosmonáuticas; não fabricou rádio,
televisão, radar, locomotivas, aviões, automóveis – nada. De tanto suspirar
pelo céu se esqueceu da terra. De tanto amar um Além futuro e distante, se
desinteressou pelo Aquém presente e próximo.

Não, não estamos dispostos a trocar o nosso materialismo eficiente por um


espiritualismo ineficiente.

Assim pensam e falam milhares de homens sinceros, aqui no ocidente.

E todos eles têm razão – na base das suas premissas.

Mas... estas premissas são falsas, radicalmente falsas.

A premissa falsa está nisto: em pensarem que as coisas metafísicas sejam


necessariamente incompatíveis com as coisas físicas. Se assim parece ser de
facto, assim não precisa ser de direito. Não é verdade em si que o homem
que trata das coisas do espírito não possa tratar dinamicamente das coisas da
matéria. Esse antagonismo dualista é fruto da nossa ignorância e duma visão
incompleta da Realidade:

A Sapiência Univérsica, a Filosofia Cósmica não afirma a metafísica à custa da


física, não proclama a presença do espírito na ausência da matéria.

A Filosofia Univérsica estabelece a tese, 100% matemática e lógica: quanto


mais intensamente o homem realiza a metafísica tanto mais perfeitamente
pode ele realizar a física; a Filosofia verdadeira estabelece uma perfeita
harmonia e complementaridade entre o mundo espiritual e o mundo material.

Se o nosso mundo material é ainda hoje tão imperfeito – e se o nosso mundo


espiritual é ainda tão deficiente, é porque nem este nem aquele conseguiram
fazer uma verdadeira síntese e simbiose entre as coisas da matéria e as coisas
do espírito, entre as Facticidades externas e a Realidade interna.

Nem o ocidente realizador nem o oriente sonhador agiram universicamente,


não puseram a constituição do Universo como base e diretriz da sua vida.

UNI – VERSO...

O ocidente se limita ao unilateralismo do VERSO, ao passo que o oriente se


enamorou do unilateralismo do UNO. Mas nem o UNO nem o VERSO,
separadamente, perfazem o Universo Integral – esse grandioso Universo, que
os gregos chamavam Kósmos (beleza), e os romanos denominavam mundus
(pureza). O Universo é o que seu nome diz: uno e diverso, unidade na
diversidade, isto é, perfeita e indestrutível harmonia.

Se o homem pensasse e vivesse universicamente, estaria em perfeita


harmonia consigo, com Deus e com o mundo; não seria materialista nem
espiritualista, mas sim universalista, ou melhor, universificado.

O que falta ao ocidental é a visão do UNO no meio do VERSO.

O que falta ao oriental é o interesse pelo VERSO.

O ocidental se derrama na pluralidade dos efeitos materiais.

O oriental se isola na unidade da causa espiritual.

Nós, porém, queremos o UNO da causa manifestado no VERSO dos efeitos.

O primeiro passo para o ocidental é a visão da unidade através dessa imensa


diversidade. E, para conseguir esta visão unitária, deve o homem, por algum
tempo, prescindir de qualquer impacto diversitário; deve isolar-se, de vez em
quando, nessa conscientização da unidade, fechando os sentidos a todas as
diversidades, não para negar ou abandonar estas diversidades, mas para se
consolidar na visão da Realidade Una, a tal ponto que as Facticidades Verso
nunca mais possam destruir aquela.

O mal não está nas diversidades, como pensam alguns místicos; o mal está na
visão parcial, incompleta, unilateral da realidade, que o profano identifica com
essas diversidades dos sentidos e do intelecto.

O homem ocidental, predominantemente diversitário, deve treinar a sua visão


unitária, afirmando a soberania da sua substância una sobre todas as tiranias
das circunstâncias múltiplas.

Esse treino unitário não é uma meta, mas é um método; não é um fim, mas
um meio.
Muitos orientais, vêem no mundo material uma simples ilusão, maya,
irrealidade – e por isto não podem entusiasmar-se por ele – ninguém pode
interessar-se por um fantasma. Para eles, a única Realidade está no mundo
espiritual; não está aqui e agora; está no futuro e na distância. E como
realidade e valor são homônimos, segue-se que o mundo presente das
materialidades não tem para os espiritualistas valor algum. É por isto que os
além-nistas nunca compreenderam os aquém-nistas, nem estes aqueles.

A humanidade vive em dois compartimentos-estanque, em dois hemisférios


ideologicamente separados, mecanicamente justapostos, sem nenhuma
interpenetração orgânica: os materialistas do aquém – e os espiritualistas do
além.

Mas não é esta a visão da Filosofia Cósmica, precisamente por ser uma visão
harmoniosa do Universo Integral, que não é Uno nem Verso, mas Universo.

Para que o homem possa ver e conscientizar a Realidade Metafísica em todas


as Facticidades Físicas, deve ele, já o dissemos, isolar-se, por longo tempo, na
pura metafísica, até que o último resquício da física desapareça do horizonte
do seu consciente, e ele permaneça, sozinho e desnudo, no seu
cosmoconsciente, sentindo em si o grande UNO, longe de todo o VERSO.

Mas é precisamente aqui que está o tremendo problema para quase todos os
homens do ocidente, que, em geral, têm 100% de consciência física e 0% de
consciência metafísica. Esse peso morto remonta a milhares de anos na raça
humana, e tem alguns decênios em cada indivíduo. Neutralizar esse peso
morto é um problema de árdua solução.

Quanto tempo necessita o homem para conseguir isto?

Não é questão de tempo, mas de intensidade de exercício.

Todos os grandes iluminados da história isolavam-se, geralmente, por 30 a 40


dias, em total solidão e silêncio. Isto é, cerca de um ciclo lunar, que abrange 28
dias; mas, para maior garantia, convém iniciar o isolamento uma semana antes
da lua nova e encerrá-lo uma semana depois da lua nova. Assim, todos os
altos e baixos, todos os positivos e negativos, todas as marés e vazantes
percorrem as vias experienciais dos nervos e do cérebro, dos quais depende
grandemente, na presente existência, o grau da nossa consciência.

Depois que o místico verificou e saboreou devidamente a Realidade do UNO,


em total solidão, pode ele levar consigo, ao meio do mundo e da sociedade,
essa experiência nirvânica. Pode ver o Transcendente também em forma
Imanente; pode enxergar no mundo de Deus, o Deus do mundo, que
experimentou fora do mundo.

O profano enxerga o mundo sem Deus.


O místico enxerga Deus sem o mundo.

O homem cósmico enxerga o Deus do mundo em todos os mundos de Deus.

Esta intro-visão ou intro-vidência, esta experiência do Deus imanente em todas


as coisas, é a última e suprema conquista do homem em evolução ascensional.
Ver o Infinito em todos os Finitos, a Realidade eterna em todas as Facticidades
efêmeras – é o inicio do reino de Deus sobre a face da terra.

É este o supremo ideal da Sapiência Univérsica.

A sua aquisição compensa todos os esforços.


DA FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL
À REALIZAÇÃO EXISTENCIAL

Victor Frankl, médico-psiquiatra, diretor da Policlínica Neurológica da


Universidade de Viena, em quase todos os seus livros, se refere a casos de
neurose provindos da frustração existencial, embora as suas causas imediatas
possam apresentar outro caráter.

No seu livro “Theorie und Therapie der Neurosen” (Verlag Urban und
Schwarzenberg, Wien – Innsbruck, 1956), refere-se ele a numerosos casos,
ocorridos no consultório e na clínica, que se baseavam em frustração
existencial, e só puderam ser definitivamente sanados com logoterapia.

Um desses casos é o seguinte, registrado na Policlínica Neurológica de Viena,


amb. 392/1955, D. Marion A, escreve:

“Meu marido saiu no seu carro, como faz todas as noites. Eu, a bem dizer,
tenho pena dele; ele precisa dessa farra. Agora, que o serviço dele é mais leve
e ele está livre às 5 horas, o desassossego o impele para fora de casa. Temos
um belo apartamento com rádio; mas não temos nada a nos comunicar um ao
outro. E agora, que tudo acabou em rotina velha, estou diante de um vácuo.
Livros não interessam o meu marido, a não ser romances criminais e
aventureiros; mas essas coisas a gente vê melhor no cinema, o que nos
dispensa da leitura; e durante o programa de rádio a gente dorme.

Não estou com vontade de bancar a mulher incompreendida para me tornar


interessante”.

Poucas semanas mais tarde, após o tratamento, D. Marion escreve:

“Estou de perfeita saúde. Encontrei-me comigo mesma. Sinto-me segura.


Estou cheia de alegria. Tenho a impressão de que se me abriu um vasto portal
e entrei numa claridade ofuscante. Meu coração é um jardim florido, para o
qual me posso retirar todas as vezes que quiser. Tudo vai bem. A vida é
magnífica, maravilhosa. As coisas grandes em nossa vida, nunca mais as
podemos perder”.

Victor Frankl não menciona, com uma única palavra, que a situação
matrimonial tenha mudado; parece que não; nem explica o que D. Marion fez,
nessas poucas semanas, em que tão radical mudança se deu com ela, como a
sua segunda carta revela. O que é certo é que ela passou dum estado de
Frustração Existencial para uma grandiosa Realização Existencial. E à luz
dessa Realização do seu Eu central as frustrações do seu ego periférico, de
mulher e esposa, se tornaram suportáveis, embora a situação externa
continuasse a persistir objetivamente, como antes.

***

O caso acima é típico. Quase todas as pessoas existencialmente frustradas,


por não terem descoberto a sua verdadeira razão-de-ser – que Victor Frankl
denomina “realização existencial” – atribuem essa sua insatisfação ao fracasso
deste ou daquele objetivo da vida – seja na esfera social, profissional ou
emocional; confundem o seu Eu central com o seu ego periférico; confundem
os sintomas do mal com a raiz do mal. E, por isso, tentam eliminar os sintomas
da sua insatisfação. Possivelmente, consigam essa eliminação de sintomas –
mas amanhã poderão recair na mesma, ou em outra insatisfação, porque a raiz
do mal continua viva. E assim arrastam 20, 50, 80 anos de vida, de frustração
em frustração.

Suponhamos que um desses infelizes, frustrados no plano social, profissional


ou emocional, tenha a clarividência e a coragem de mergulhar nas profundezas
do seu Eu central, mediante um verdadeiro auto-conhecimento e subsequente
auto-realização: poderemos garantir a esse homem que seu insucesso social,
profissional ou emocional, tenha fim? De forma alguma. É bem possível que
nada se modifique no plano das circunstâncias externas, como parece ter
acontecido no caso acima citado, de D. Marion. Mas a nova e radical atitude da
substância interna desse homem assim mudado no seu Eu, suportará as
circunstâncias externas de um modo completamente diferente de antes.

Disto já sabiam os antigos estóicos da Grécia. Para eles, o verdadeiro


estoicismo não consistia em suportar passivamente o desfavor das
circunstâncias inevitáveis; mas sim em crear dentro do sujeito uma atitude
ativa de compreensão, de auto-compreensão, de auto-conhecimento. Em
última análise, ninguém e nada de fora me poderá fazer mau, se eu não quero
ser mal. Mal no meu ego, mas não mau no meu Eu. O meu íntimo ser é
inatingível, é um baluarte inexpugnável. Todos me podem fazer bem ou mal,
ninguém me pode fazer bom nem mau, sem o meu consentimento.

Se eu sou, pelo poder do meu livre-arbítrio internamente bom, nenhum mal


externo, por maior que seja, me pode fazer internamente mau, embora me
possa fazer males externos.

Este ser-bom é auto-realização, é realização existencial.

E, em face disto, toda e qualquer circunstância adversa, da natureza ou da


humanidade, é suportável.
Quando o homem se tolera a si mesmo, todas as coisas de fora são toleráveis.

Mas quando o homem se sente intimamente mau, frustrado, nenhuma


circunstância adversa é suportável.

Frustrar quer dizer despedaçar, desintegrar. O homem frustrado, já o dissemos,


se sente interiormente desunido, fragmentado, desintegrado no seu íntimo ser
– e isto é verdadeira infelicidade. Para ser feliz, o homem desintegrado pela
frustração se deve reintegrar pela realização, pela conscientização do seu Eu
Integral, que é divino, que é Eterno, que é Infinito.

“Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos libertará” – esta fórmula antiquíssima


é a única terapia radical; a conscientização da verdade sobre si mesmo é a
única cura de qualquer frustração, porque é a sua integração ou realização.
KARMAN, AKARMAN, NAISKARMAN
FALSO-AGIR, NÃO-AGIR, RETO-AGIR

Os dois maiores livros da humanidade giram em torno destas três palavras, ou


seja, em torno das três atitudes que o homem pode assumir em face do mundo
externo.

Cada um desses dois livros abrange cerca de 50 páginas em formato comum.


O volume deles é pequeno, mas o seu conteúdo é enorme, maior que o de
todas as bibliotecas do mundo.

O mais antigo desses pequenos-grandes livros é conhecido pelo nome


sânscrito de Bhagavad Gita, que quer dizer “Sublime Canção”; as suas raízes
se embebem na era dos Vedas da Índia dos Ários, cerca de 5.000 anos antes
da nossa cronologia cristã, ou seja, 7.000 anos antes do tempo hodierno. Os
protagonistas da Gita são o avatar Krishna e seu discípulo Arjuna.

O outro livrinho tem o nome grego Evangelion, que significa “boa nova”; nele
aparecem as palavras e atividades de Jesus de Nazaré, cognominado o Cristo,
e remonta a quase 2.000 anos.

A Bhagavad Gita é o livro sagrado de quase todos os povos orientais – Índia,


China, Japão e outros países asiáticos; pode-se dizer que ele é a voz da
consciência espiritual da Ásia, representada por cerca de 2/3 da humanidade.

O Evangelho, por sua vez, é considerado o livro divino pelos chamados


cristãos de todos os setores – coptos, ortodoxos, romanos, evangélicos,
espiritistas, etc. Quase todo o mundo ocidental, Europa e Américas, invocam o
Evangelho como seu padrão de fé e de vida.

***

Entretanto, nem os orientais nem os ocidentais, tomados em seu conjunto,


compreenderam o espírito da Gita nem do Evangelho; a alma e quintessência
desses livros continua praticamente ignorada pela humanidade deste ou
daquele hemisfério.

Por quê?

Porque a alma da Gita de Krishna e do Evangelho do Cristo é algo tão


profundo e inaudito que nem os filósofos orientais nem os teólogos ocidentais
foram capazes da atingi-la. E, não conseguindo atingir a alma desses livros, os
homens se limitaram a tratar do corpo da Gita e do Evangelho, analisando
intelectualmente o que devia ser intuído espiritualmente.

Há milhares de anos que a humanidade só conhece duas atitudes em face do


mundo externo em que vive – mas a Gita e o Evangelho falam duma terceira
atitude, aparentemente paradoxal e impossível.

A humanidade só conhece agir ou não-agir; atividade ou passividade.

A humanidade do ocidente quer agir, ser ativa – a humanidade do oriente quer


não agir, ser passiva.

Sobretudo desde os dias de Gautama Siddhartha, o Buda, o oriente se


convenceu de que toda a atividade do homem é visceralmente má, negativa,
pecaminosa, porque quem age é o ego – e como poderia o ego agir senão
egoicamente?

Em face desta suposta impossibilidade de homem agir sem egoísmo, sem


karman, sem débito, sem culpa, recomendam muitos orientais o não-agir, cair
na passividade total. Pois, se o agir, procedente do homem-ego, produz culpa,
débito, então o não-agir pelo menos não aumenta esse débito, embora não
possa talvez cancelar o débito já existente.

As “quatro verdades nobres” de Buda, que resumem toda a filosofia do agir e


do não-agir, formam a base, consciente ou inconsciente, do misticismo passivo
de uma grande parte da humanidade do oriente: não-agir é melhor que agir.

O homem ocidental, pelo contrário, é essencialmente ativo, a sua filosofia é


agir o mais possível. Nem sequer suspeitou ainda da tara negativa que todo o
agir traz dentro de si. O ocidental é uma espécie de criança que se derrama
totalmente numa atividade externa, sem querer saber se essa atividade é boa
ou má; o principal é agir, agir sempre, sem muito pensar nas consequências
desse incessante agir. O ocidental quer ver os resultados palpáveis do seu
incessante agir, sem pensar no porquê nem no para quê dessa atividade.

O homem oriental, com uma cultura quase três vezes mais antiga que a nossa,
já entrou na fase da reflexão, da raflexividade, da introspectividade – ao passo
que seu irmão ocidental é, em geral, extroverso, esgotando-se em atividades
externas.

***

Ora, se é verdade que todo o agir externo nasce do ego, então é claro que o
homem se onera de débitos ou culpas na razão direta da sua atividade. Deixar
de agir sustaria o incremento de novos débitos e novas culpabilidades.
E não afirmam os próprios livros sacros do Cristianismo que “o mundo jaz no
maligno”? e não diz o Cristo a seus discípulos: “O príncipe deste mundo (o ego)
tem poder sobre vós”?...

Toda a humanidade – à exceção de alguns iniciados cósmicos – oscila, pois,


entre estas duas alternativas: ou agir e aumentar os seus débitos – ou não agir
para não aumentar os débitos.

***

E, no entanto, os dois maiores livros da humanidade, a Bhagavad Gita de


Krishna e o Evangelho do Cristo, não recomendam nem esta nem aquela
atitude; conhecem uma terceira alternativa, equidistante do simples agir do
profano e do simples não-agir do místico. Não recomendam nem o falso-agir
(karman) nem o não-agir (akarman), mas o reto-agir (naiskarman).

Pergunta-se: em que consiste esse reto-agir? e donde vem ele? do ego? de


alguma outra fonte?... Se todo o agir vem do ego, como parecem supor as
filosofias correntes, não pode deixar de ser egóico, negativo, culposo. Mas, a
Gita e o Evangelho admitem que o agir pode ter outra origem que não seja o
ego; insinuam uma fonte extra-egóica, alguma origem cósmica, donde possam
derivar as atividades humanas... Insinuam algo como auto-conhecimento,
algo como cosmo-consciência, algo como as palavras “Conhecereis a verdade,
e a verdade vos libertará”... Se o ego fosse a verdade, não nos escravizaria...
Mas... deve haver uma verdade para além do ego ilusório, uma verdade que,
uma vez conhecida, nos liberta da maldição do débito, da culpa do agir, do
karman negativo...

Que verdade é esta?

Na Gita e no Evangelho não se trata da alternativa de agir ou não-agir, mas


sim do falso-agir ou do reto-agir; em qualquer hipótese, recomendam um agir,
uma atividade. E também, se “Deus é ato puro” (Aristóteles), pura atividade,
como poderia o verdadeiro homem deixar de ser ativo, se ele é “imagem e
semelhança de Deus”?

A alternativa não é, pois, agir ou não-agir, mas sim: um falso-agir ou um reto-


agir.

Surge agora a grande pergunta: em que consiste o reto-agir?

O homem-ego age sempre por causa de algum objeto, por causa de algo fora
dele, por amor a um não-Eu, de algo separado ou separável da sua intrínseca
realidade. O ego, sendo ilusão, sempre age por amor a uma ilusão. O mundo
objetivo, feito de quantidades, projetado dentro de tempo e espaço, é maya,
ilusão, reflexo, cópia, projeção, mas não é a Realidade em si. Ora, agir por
amor a uma irrealidade, uma ilusão, é mau, filho da ignorância.
O homem, para agir retamente, deve retificar a meta e o motivo da sua
atividade; deve agir por causa e por amor à Realidade, embora os canais da
sua atuação sejam facticidades ilusórias. A Fonte do nosso agir deve ser a
Verdade, que é a consciência da Realidade, embora a manifestação dessa
Realidade possa fluir através de facticidades.

O Eu verdadeiro, que é Fonte, pode servir-se dos canais do ego para se


manifestar, mas nunca deve considerar esses canais como a Fonte.

Os objetos do ego podem ser meios – mas somente o sujeito Eu pode ser o
fim da nossa atividade.

O ego age por causa de alguma quantidade, de algum allos (outro), que ele
deseja alcançar com a sua atividade – e isto é ilusão, egoísmo, idolatria. Quem
age por amor ou adoração a qualquer objeto ama e adora um falso deus, um
pseudo-deus, é idólatra – e isto é mau.

Esta alo-adoração idólatra é que degrada o homem. Quando o amante ama


algo inferior a ele, o amante se inferioriza, degradando-se ao baixo nível do
amado. O amado nivela o amante ao plano do amado. Se o amante é
representado por “10”, e o amado por “0”, o amante se nulifica por esse amor
ao nulo.

O homem que age por amor a uma coisa se coisifica, quantifica a sua
qualidade, desvaloriza o seu valor; ele se esquece do seu alguém e se
degrada a algo; nega o seu Eu real e afirma o seu ego irreal.

A última razão da maldade do homem ego-agente radica numa maldade


metafísica, numa maldade ontológica. O divino Alguém do Eu nunca deve
ser reduzido ao humano Algo do ego.

Em face desse perigo de apostasia ontológica do ego-agente resolveram os


orientais cair na não-agência, por sinal que não descobriram coisa melhor.
Krishna e Cristo, porém, descobriram a reta-agência em lugar da falsa-
agência. Substituíram a ego-agência pela Eu-agência.

“Homem, trabalha intensamente – mas renuncia a cada momento aos frutos de


teu trabalho” (Krishna).

“Quando tiverdes feito tudo que devíeis fazer, dizei: Somos servos inúteis;
cumprimos a nossa obrigação, nenhuma recompensa merecemos por isto”
(Cristo).
A ESSÊNCIA DO RETO-AGIR (NAISKARMAN)

O problema do reto-agir (ou naiskarman) não tem por ponto de partida nem
norma de referência este ou aquele preceito moral, mas baseia-se no caráter
fundamental, metafísico, ontológico do próprio agir em si mesmo.

Se o nosso agir tem por fim exonerar-nos e preservar-nos da tragicidade da


vida, então importa, em primeiro lugar, compreender nitidamente a natureza da
obra, a íntima essência da atuação do homem aqui no mundo.

A visão superficial, que é do ego, enxerga em primeiro lugar o “fruto”, isto é,


aquilo que a obra produz ou deseja produzir. Esta perspectiva que vida ao
fruto ou à utilidade da obra, é chamada pela Bhagavad Gita “falasanga”, que
quer dizer “apego ao resultado”. A filosofia oriental se esforça sempre de novo
para mostrar que esse apego ao fruto do trabalho desvia as forças internas do
homem para um ponto falso, para um trilho secundário, mostra que essa mania
de resultados ou falasanga rouba à atividade humana a sua energia
libertadora, e vai emaranhando o homem cada vez mais funestamente em
culpas e sofrimentos. As torrentes vitais creadoras fluem de largo, fora do seu
leito verdadeiro, inaproveitadas, porque esse pendor objetivo e utilitarista
desvia o homem do seu centro de energias, rumo a algo que jaz do lado, fora
do eixo dinâmico da sua atividade.

Esta tendência objetiva e utilitarista, esta mania de sucesso externo, atua como
um vampiro que suga as melhores forças do coração da atividade do homem.
É precisamente neste vampirismo utilitarista que se baseia a mais profunda
tragicidade de todo o homem profano.

É esta uma experiência que cada um de nós pode sempre de novo fazer em si
mesmo: nada há que tanto disperse as nossas forças vivas e redentoras como
essa mania de sucesso e utilidade – ou então a amargura em face do
insucesso e fracasso externo. Enquanto especularmos com sucessos ou
recearmos insucessos, enquanto procurarmos qualquer espécie de resultado
objetivo, reconhecimento ou aplausos, visamos a algo fora do centro e cerne
da nossa verdadeira atividade, e nunca conseguiremos focalizar num único
ponto a força total da nossa obra; não conseguiremos mergulhar sem reserva
no coração vital da nossa atividade redentora. Temos de ser como crianças
que se entregam de corpo e alma ao seu agir, sem desvios e segundas
intenções.
O homem profano age exclusivamente por amor aos objetos, aos possíveis
frutos do seu trabalho – e por isto se onera cada vez mais de culpas, que
geram sempre novos sofrimentos.

O místico, à luz desta tragédia, resolve não agir de forma alguma.

O homem cósmico, porém, compreendeu que a redenção não está no falso-


agir do profano, nem no não-agir do místico, mas sim num reto-agir – numa
atividade por amor ao próprio Eu divino no homem, embora esse agir se
realize, externamente, através dos canais do mundo objetivo. O homem
cósmico age por amor à Fonte do seu Eu divino, ainda que através dos canais
do seu ego humano.

O seu auto-conhecimento se revela através da sua auto-realização.


OS PALHAÇOS E AS PALHAÇADAS DA VIDA

Este mundo é um circo de palhaços.

A vida do homem é uma palhaçada – uma humana comédia – que não deve
tornar-se uma divina comédia.

A única coisa que o homem sensato pode fazer é descer do palco dos atores e
sentar-se na plateia dos espectadores da grande palhaçada da vida; olhar de
longe a comédia, sem tomar parte de perto. Ou então, se tal for a sua missão,
subir ao palco, unir-se aos palhaços e dirigir a comédia, mas sem acompanhar
internamente as palhaçadas; assim faz o homem contemplativo, místico,
cósmico, que atua pelo que é, e não pelo que faz. Deve manter sempre a
consciência nítida “tudo isto é uma palhaçada, por enquanto inevitável”. Não
tomar a sério nenhuma das palhaçadas da vida, que os verdadeiros palhaços
tomam muito a sério. Deve sempre manter uma consciência interna de não-
palhaço, manter uma linha reta através de todos os ziguezagues dessa dança
macabra, manter a consciência do EU REAL para além das conveniências do
ego ilusório. Deve olhar de cima, das alturas da Verdade, todas as baixadas
das ilusões terrenas.

O palhaço-ego compra, vende, registra os seus imóveis no cartório, sobre as


estampilhas infalíveis, com firma reconhecida, tudo devidamente carimbado –
mas o Eu divino sabe que nada é dele nem da sua família; sabe que tudo é de
Deus e da humanidade; sabe que acima de todos os cartórios há uma
consciência, que fala a linguagem da convicção para além de todas as
convenções.

O nosso ego humano trabalha, corre, luta, cansa-se, ri, e chora, perde o sono e
o sossego, arranja enfartos e arteriosclerose, câncer, úlcera de estômago,
briga com marido e mulher e filhos, corre 50, 80 anos atrás do dinheiro, compra
o último tipo de automóvel, ou até 2 ou 3 – e depois vai para o sanatório, para o
hospício ou acaba no hospital e no cemitério – tudo isto a serviço das suas
importantíssimas palhaçadas...

Faça tudo isto, se o achar necessário, de acordo com a sua ignorância; seja
palhaço, se quiser – mas nunca se identifique realmente com esse palhaço-
ego; para além dos bastidores da vida mantenha sempre firme a consciência
tranquila “Eu não sou ele”, “Eu sou o meu Eu divino”, “Eu e o Pai somos um”,
“Eu sou a luz do mundo”, “O reino de Deus está dentro de mim”.
Homem, conserva sempre a consciência da tua divina ALTERIDADE – e não
sucumbas à ilusão da tua humana IDENTIDADE. Não te niveles jamais com o
conteúdo da tua carteira de identidade pessoal. O teu verdadeiro Eu não tem
carteira de identidade, registrada e carimbada em alguma repartição pública –
o teu divino Eu vive na ignota alteridade do Infinito.

O nosso ego ilusório não aprendeu ainda o abc da verdade, em milhões de


anos de existência racial, e alguns decênios de vida individual.

É necessário que ultrapassemos essa escola primária da personalidade


humana e entremos na Universidade da nossa individualidade divina.

Nós, os palhaços das palhaçadas da vida terrestre.


AUSCULTANDO MARCIANOS E VENUSIANOS

– Que é que os Telúricos celebram no fim do ano? – perguntou um Marciano a


um visitante de Vênus.

– Você quer dizer, no dia 25 de dezembro?

– Isto mesmo.

– Acho que os Telúricos celebram o aniversário de um velhote da cara


rubicunda, de barbas brancas. Tem cara de palhaço pateta, mas traz muitos
presentes à gente.

– Como se chama esse velhote?

– Pelo que consegui captar no meu receptor, chama-se Papai Noel; em


algumas partes da Terra, lhe chamam Santa Claus. Mas parece que é um só.

– Esse Papai Noel ou Santa Claus deve ter sido um grande benfeitor dos
habitantes do planeta Terra, para ter tantos adoradores. Você sabe algo da
vida dele?

– Nada! Nunca cheguei a saber quando viveu nem o que fez, para ser tão
lembrado.

Neste momento apareceu um pequeno Mercuriano, rubro como um salamandra


ígneo e exclamou, deitando chispas e chamas:

– Vocês estão muito enganados! Os Telúricos, no dia 25 de dezembro, não


relembram nenhum Papai Noel nem Santa Claus; eu só ouço referências a
uma tal Cesta, uma Cesta de Natal;

– Mas o que fez por eles esta Cesta de Natal? – perguntaram os dois a uma
voz.

– O que fez, não sei. Sei que os Telúricos são uns grandes comilões e
beberrões, e quase todos eles só vivem comendo e bebendo, e a Cesta de
Natal está cheia de coisas boas. Vivem comendo e bebendo – e depois
morrem – acabou-se.

Enquanto os três assim conversavam entre si, estava eu, o Telúrico, escondido
atrás de um rochedo, sem ser percebido por eles. De repente, saí do meu
esconderijo e exclamei: Nada disto! Os Telúricos não comemoram nada disto
na noite de Natal.

– Mas – disse o Marciano – o que aqui se ouve é só isto. Que é, afinal de


contas, o que vocês comemoram nessa data?

De tão envergonhado me sentia eu o único Telúrico presente, que não pude


falar. Sentia-me humilhado em face das ideias que os nossos vizinhos
planetários tinham de nós, os planetários terrestres. Finalmente, cobrei ânimo e
tentei falar do verdadeiro objetivo da nossa festa de Natal; mas foi difícil
convencer Marcianos, Venusianos e Mercurianos de que nós os Telúricos, no
dia 25 de dezembro, celebrávamos o aniversário do nascimento do maior
homem do nosso planeta. Falei-lhes dos vaticínios dos profetas, dois mil anos
antes da nossa era; falei-lhes do nascimento desse homem num estábulo, da
sua vida misteriosa em Nazaré, da sua doutrina e dos seus grandes feitos; da
sua morte e ressurreição. Mas nenhum dos meus ouvintes parecia dar fé às
minhas palavras. O Mercuriano disse que, alguns séculos atrás os habitantes
da Terra haviam falado nesse homem, mas que hoje em dia ninguém mais o
conhecia.

Lembrei o nome desse homem, que se chamava Jesus, o Cristo, mas o


Marciano interveio perguntando:

– Se vocês celebram Jesus, o Cristo porque não o dizem quando mandam


mensagens eletrônicas ao espaço?

Eu não sabia o que responder a esta pergunta, quando o venusiano exclamou:

– Espere um momento! Lembro-me de ter captado anos atrás uma mensagem


sobre o tal Jesus: um cântico vinha da Terra e dizia assim “Noite Feliz”, uma
canção muito bonita, que falava de Jesus. Infelizmente, de repente interrompeu
a linda canção religiosa, e uma voz rouca berrou no meio “compra sabão marca
X”, depois continuou o cântico “ó Jesus Deus da luz, quão amável é teu
coração”. E quando eu estava me deliciando em espírito, outra voz rouquenha
berrou “o melhor calçado do mundo é a marca Y” e deu o nome do tal calçado
insuperável. Irritado com essa falta de educação quis desligar o meu aparelho
de rádio, quando uma voz de menina vinda da Terra cantou uma linda canção
em homenagem à mãe de Jesus, que começava assim “Ave Maria gratia
plena” – mas de repente, quando eu me estava deliciando com essa maravilha
espiritual levei uma pancada nos ouvidos porque alguém gritou lá da Terra
“beba a melhor cachaça da Terra” e deu o nome da droga. Dessa vez perdi a
paciência, desliguei o aparelho e fui dormir.

Assim conversavam o Venusiano, que me olhava com uns olhos cheios de


amor e de dor, de alegria e de tristeza ao mesmo tempo. Parece que gostava
de mim, por seu eu habitante da Terra, e ao mesmo tempo tinha pena de mim,
por pertencer a uma raça tão atrasada, incapaz de saborear as coisas boas e
belas que havia entre nós.

Mais tarde, a sós, conversei longamente com o Venusiano, que se me revelou


um ser de elevados sentimentos espirituais; invejava a Terra por uma razão:
porque nela se havia revelado visivelmente a maior Entidade do cosmos.
Chegou a dizer-me, que, visto lá de Vênus, o nosso planeta era o mais belo de
todos, envolto numa atmosfera azulada, que parecia protegê-la num como alo
de suave espiritualidade. O Venusiano lamentava que nós, os Telúricos, num
ambiente tão maravilhoso, fôssemos uma raça tão atrasada.

– O grosso da humanidade – acrescentei – é verdade, degenerou em


materialismo repugnante, incapaz de saborear as delícias de uma vida
superior; mas sempre existiram entre nós alguns seres humanos de elevada
experiência. Passei a falar-lhe de alguns Telúricos que haviam antecipado, por
milhares de anos, e compreendido a alma da mensagem do Cristo.

O Venusiano manifestou desejo de se encontrar com algum desses seres


terrestres mais avançados.

Fiz-lhe ver que podia captar mensagens espirituais sem intermédio de seres
terrestres e mesmo sem um aparelho de rádio. Bastava sintonizar devidamente
a sua alma pela onda exata, e captaria a mensagem desejada. O Venusiano
mergulhou num profundo silêncio, e, mesmo sem dizer nada, percebi, ou
adivinhei que ele já tinha alguma experiência dessa sintonização cósmica e
sabia de coisas que não se podem dizer nem pensar.

Deixei-o mergulhado em meditação, e, despedir-me dele, disse-lhe: o planeta


Vênus, que nosso povo chama estrela D’Alva, visto da nossa Terra, tem um
fulgor tão intenso que até parece um pequeno sol.

O Venusiano não disse nada, mas mandou-me uma mensagem silenciosa com
os olhos que lembravam a luminosidade da estrela.
NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE

“O dominador deste mundo, que é o poder das trevas, tem poder sobre vós –
sobre mim, porém, ele não tem poder, porque eu já venci este mundo” (Jesus,
o Cristo).

Amigo, que ainda vives sob o regime do dominador deste mundo do ego!

Não te esqueças de que a lei deste mundo é “ser-servido”; e quem não


obedece a esta lei, querendo “servir” em vez de “ser servido”, merece castigo,
de acordo com a legislação vigente neste mundo.

É perigoso querer servir desinteressadamente, prestar benefício a alguém sem


segundas intenções, sem esperar nenhuma retribuição.

Cedo ou tarde, o beneficiado se sentirá humilhado pelo benfeitor e planejará


vingança, em forma de revolta, ingratidão ou calúnia.

E, quando essa revolta secreta na alma do beneficiado atingir o clímax de


pressão interna, haverá uma explosão vulcânica; a lava ígnea da humilhação
romperá impetuosa e se lançará contra o odiado benfeitor.

Ninguém serve impunemente!

O servidor desinteressado é réu, porque violou as leis deste mundo.

É um subversivo.

O servidor desinteressado merece castigo, em face dos dispositivos da


legislação do dominador deste mundo.

Mas... não desanimes! Este sofrimento que resulta de serviços prestados


desinteressadamente, é o mais poderoso fator de redenção definitiva e integral
para o benfeitor.

Sem sofrimento não há redenção.

É importantíssimo que o servidor se considere sempre “servo inútil”, de acordo


com as palavras do Mestre: “Quando tiverdes feito tudo que fazer devíeis, dizei:
agora somos servos inúteis; cumprimos a nossa obrigação – nenhuma
recompensa merecemos por isto”.
Continua, pois, a servir desinteressadamente. O maior beneficiado não é
aquele que recebe o benefício, mas sim aquele que o faz.

Pode ser que para o ego beneficiado o benefício seja um malefício por culpa
dele mesmo, mas para o benfeitor que se considera “servo inútil”, o serviço que
prestou é sempre benéfico e redentor.

Nem todo o recebedor recebe com amor o que com amor lhe é dado – mas tu,
o doador do amor, podes sempre dar com amor o que dás.

“Há mais felicidade em dar do que em receber”.

Mas, para poderes servir com amor e não te sentires ofendido pelo desamor do
recebedor, deve o teu “servir” ser um transbordamento espontâneo do teu
“adorar”.

“Só a Deus adorarás – e só a Ele servirás”.

Não podes servir a Deus em suas creaturas, se não aprendeste a adorar a


Deus em Deus.

Não há ação correta sem adoração.

A palavra “ação” é a parte final da palavra “adoração”.

Ador - ação.

Ação é filha da adoração.

A ética da ação do servidor é um transbordamento da mística do adorador.


A MORAL DA RELIGIÃO ESTÁTICA E A
ÉTICA DA RELIGIÃO DINÂMICA

No seu livro “As duas fontes da religião e da moral”, Bergson entende por
religião a “religião dinâmica”, ou mística, ao passo que atribui a moral à
“religião estática”. Esta, de caráter meramente objetivo, tem por fim estabelecer
e manter certa harmonia social no meio dos homens, isto é, um armistício
precário e temporário entre ego e ego, no plano horizontal. A “religião estática”
não pode jamais crear uma paz verdadeira e duradoura, porque não atinge a
raiz da natureza humana, que é o Eu real, e não o ego ilusório. Somente a
“religião dinâmica”, ou mística, atinge a última raiz do ser humano, pela
experiência da sua essencial identidade com o Infinito (Eu e o Pai somos um, o
Pai está em mim”... “O Cristo vive em mim”).

Toda e qualquer religião externa, objetiva, atinge apenas o ego periférico do


homem, mas não o seu Eu central; produz uma moral externa, mas não uma
ética interna. A moral pode produzir armistício, que é uma trégua entre duas
guerras, mas não pode estabelecer verdadeira paz, que nasce do
conhecimento intuitivo de que o Deus em mim é também o Deus em ti
(namastê), e que, por isto, eu posso amar o próximo assim como amo a mim
mesmo, porque o ponto de referência do amor-próprio e do amor-alheio é o
mesmo: o verdadeiro Eu Divino, seja em mim, seja em ti. O Deus-em-ti, o
Deus-nele, o Deus-nela.

No plano da moral se trata dum ato de boa vontade, de uma virtude, que é
coisa incerta e precária. No plano da ética se trata duma atitude de sabedoria
ou compreensão, que se baseia na divindade do Eu verdadeiro.

Duas ondas do mar são diferentes como ondas, mas são idênticas como água
do mar.

A luz vermelha irradiada pelo prisma é diferente da luz verde, mas as duas
luzes coloridas são iguais do outro lado do prisma, onde dó existe luz incolor.

E por isto pode a onda A amar a onda B, e a luz vermelha pode amar a luz
verde, porque há uma base comum. Amor supõe diversidade na unidade. O
amor é univérsico. Quando há somente diversidade não pode haver amor;
quando há somente unidade não pode haver amor. Amor é a percepção da
diversidade existencial como manifestação da unidade essencial.
Sendo que quase todos os nossos programas educativos giram no plano da
egoidade personal, que é meramente externa, é inevitável que essa educação
seja ineficiente, incapaz de estabelecer paz e harmonia duradouras. Toda a
educação periférica – que é, aliás, mera instrução ou “inducação” – não passa
de camuflagem e charlatanismo, interessada em remover sintomas de periferia,
mas não em erradicar a raiz do mal.

Para curar a raiz do mal não basta boa vontade, que é do ego, mas requer-se
sabedoria, compreensão da realidade do Eu humano.

Horizontal mais horizontal não dá vertical.

Ego mais ego dá ego, egos de boa vontade; não dá Eu, que é sabedoria. O
ego e o Eu estão em dimensões diferentes.

Para solver o problema central da educação, temos de abandonar a dimensão-


ego e entrar na dimensão-Eu, erguer uma vertical sobre a horizontal, com um
ângulo reto entre os dois planos.

Bergson tem sido atacado pelos adeptos da religião estática, por não admitir
uma religião objetiva, histórica, revelada, que possa ser devidamente analisada
e organizada. O filósofo responde que toda a religião externa, objetiva, quando
verdadeira e eficiente, tem a sua raiz na religião interna, subjetiva, isto é, na
experiência mística da religião dinâmica. Não existe nem jamais poderá existir
uma mística social, coletiva; a experiência mística é essencialmente individual,
em sua raiz; os efeitos dessa experiência individual podem, sim, ser sociais,
revelando-se em forma de ética, de harmonia social, de fraternidade coletiva.

Bergson compara a religião dinâmica da experiência mística com um vulcão a


lançar lava ígnea pela cratera – e compara as religiões estáticas, a simples
moralidade social, com a lava fria e as cinzas que sobraram da erupção ígnea
do vulcão da mística. Os moralistas, os dogmáticos, os teólogos, os
intelectualistas se apoderam dessa lava fria e discutem a sua natureza e
procedência, mas toda essa discussão sobre a lava fria da religião objetiva não
é fogo e não pode reacender o fogo da erupção mística, que se apagou.
Felizmente, de tempos a tempos, certas almas humanas tornam a lançar
substancia ígnea, renovando e mantendo assim, através de séculos e milênios,
o entusiasmo espiritual. Se não fossem esses grandes místicos, com a sua
inspiração divina, já teria desaparecida da face da terra a religiosidade, porque
os adeptos da religião estática, dogmática, teológica, são incapazes de
reacender o fogo divino no seio da humanidade; são os poucos místicos, de
fogo próprio, que garantem luz e calor aos muitos profanos que não têm calor e
luz próprios.

Nem adianta usar fogo pintado para substituir o fogo real. Fogo pintado, por
mais perfeito que seja, não dá calor nem luz.
***

Quando o homem entra na zona da experiência mística, nesse centro atômico


do seu Eu – então sente ele, pela primeira vez, a sua total alteridade. Percebe
que não é um elo na longa cadeia dos determinismos causais; sente-se como
auto-determinante, e não mais como alo-determinado. Sente-se como fator
ativo do seu destino, e não mais como fato passivo de um fatalismo inevitável e
pré-estabelecido. Sente o poder de ser causa própria, e não mais joguete de
causas alheias. Terminou a continuidade, o continuísmo passivo do ego, e veio
um novo início pelo despertamento do Eu. O fator suplantou os fatos. Uma
nova atitude de soberania derrotou os velhos atos de tirania de que o homem-
ego é vítima. O homem-Eu sente a realidade do seu livre-arbítrio, a onipotência
do seu Eu triunfante.

Outrora, sentia-se o homem, o homem-ego, idêntico com o mecanismo causal


dessa egoidade escravizante – agora foi essa sua identidade suplantada por
uma estranha alteridade, a alteridade do seu Atman sobre o seu Aham, e
também sobre o mundo de Maya.

O homem-Eu sente-se como uma realidade triunfante, e não mais como uma
facticidade escravizada. A sua qualidade de hoje derrotou as quantidades de
ontem e de anteontem.

As palavras de Einstein – do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho


para o mundo dos valores – são a expressão da vivência do homem assim
liberto pelo conhecimento da verdade sobre seu verdadeiro Eu.

O seu UNO tomou conta dos seus VERSOS.

De ego-pensante passou a ser cosmo-pensado – e um dia será cosmo-


pensante.

No princípio, parece a experiência mística ser uma morte, uma estranha


eutanásia, um egocídio. A onda do Eu parece dissolver-se para sempre no
oceano do grande Todo, o imenso Nirvana do Nada absoluto. Só aos poucos, o
homem que mergulhou no oceano do Infinito verifica que ele continua a existir
como uma onda finita, mas que essa onda tomou outra forma e encheu-se de
novo conteúdo. A identidade continua, mas foi cosmificada pelo mundo em
que submergiu. A máscara da egoidade personal e ilusória recebeu um novo
conteúdo, pela invasão da individualidade do verdadeiro Eu. O pseudo-real do
ego foi realizado pela realidade do Eu. O ego-vivente, depois de cosmo-
vivido, tornou-se cosmo-vivente. A identidade do Eu real, que subjaz a todo
esse processo, continua a existir.

Da nulificação voluntária do ego nasce a totalidade do Eu.


O Eu sente-se mais Eu, depois de desegoficado.

Eu (ego) morro todos os dias – e é por isto que eu vivo, mas já não é o meu
ego que vive, é o meu Cristo (Eu) que vive em mim, eu sou vivido pelo Eu
crístico.

Do Nada da personalidade nasce o Todo da individualidade.

***

A estratégia educacional de Bergson, como aliás, de todos os pensadores


clarividentes, é inteiramente diferente da dos educadores comuns.

Estes dizem: o mal está no plano da personalidade e da sociedade; por isto, o


remédio só pode vir da personalidade e da sociedade. E se põem a excogitar
como melhorar a pessoa pela pessoa, a sociedade pela sociedade.
Estranhamente, não percebem que essa estratégia é um círculo vicioso, um
charlatanismo pedagógico. É como se um engenheiro quisesse canalizar as
águas de um lago sobre os tubos duma turbina a ser movida, argumentando
com a grande massa de água do lago. Confunde quantidade com qualidade,
amperagem com voltagem. A questão não é quantidade, amperagem; o
problema é qualidade, voltagem, isto é, desnível. Do lago à turbina no mesmo
nível não há movimento. Mas uma cachoeira, isto é, desnível entre causa e
efeito, resolve o problema do movimento da turbina.

Os nossos educadores e autores de programas pedagógicos jogam com o fator


imediatismo, resultados imediatos, palpáveis, falasanga, em linguagem de
filosofia oriental: mania de resultados.

É claro que ninguém deve esperar resultados imediatos da nossa Filosofia


cósmica. Não contamos com nenhum resultado imediato. Nem daqui a 10
anos, a nossa Filosofia terá melhorado o nível educacional. Estamos
investigando a causa última e profunda do descalabro educativo. Essa causa
não está na superfície do ego, mas nas profundezas do Eu. Sem uma
verdadeira experiência da realidade do Eu, nenhum melhoramento substancial
se pode esperar no plano da personalidade e da sociedade.

Não hostilizamos as medidas superficiais dos imediatistas; são até necessárias


– o que negamos é que essas medidas imediatistas sejam suficientes e
capazes de resolver o doloroso problema da educação integral.

O ego será sempre egoísta, mesmo ego de boa vontade, que se chama
altruísta. Altruísmo não resolve, porque o ego altruísta não abandonou o plano
do ego – e neste plano não há solução real. A questão não é passar dum ego
de má vontade para um ego de boa vontade. A solução está em ultrapassar
totalmente o plano do ego, tanto mau como bom, e entrar na nova dimensão do
Eu sapiente.
Objetam que o ego altruísta, de boa vontade, é, pelo menos, um prelúdio e
trampolim para o Eu sapiente. Pode ser que isto aconteça, mas em raríssimos
casos. Por via de regra, o ego altruísta não é um preliminar para as alturas do
Eu sapiente, mas sim uma substituição, como prova a história do fariseu no
templo, que foi para casa não ajustado. Apesar de todo o seu altruísmo e
toda a sua virtuosidade, estava desajustado.

Não adianta por remendo novo em roupa velha, é necessário jogar fora a
roupa velha, despojar-se do homem velho (ego) e revestir-se do homem novo
(Eu) e fazer de si uma nova creatura em Cristo, não um ego remendado,
mas um Eu remido.

É nisto que Bergson insiste, quando fala em experiência mística, em religião


dinâmica, em total alteridade.

Quem nunca experimentou a paternidade única do Infinito, pela experiência


mística do seu Eu central, esse não pode viver a fraternidade universal dos
Finitos pela vivência ética. Pode ser um homem moral, mas não pode ser um
homem ético. Mas a moral, que é do ego de boa vontade, não resolve o
problema, que só pode ser resolvido pelo homem ético, o homem que faz
transbordar em vivência ética a sua experiência mística. Quem não atingiu a
fonte da realidade não pode canalizar as águas vivas pelos canais das
facticidades.
PARA QUE ESTOU AQUI NA TERRA?

Estou aqui para melhorar o mundo?

Não!

Estou aqui para melhorar a humanidade?

Não!

O primeiro é desnecessário. Nenhum homem pode fazer um mundo melhor do


que Deus o fez. Quando Deus creou o mundo, diz o Gênesis, “viu que tudo era
bom”.

O segundo é impossível. Nenhum homem pode converter outro homem. Jesus,


durante a vida terrestre, não converteu ninguém, nem mesmo conseguiu
impedir que um dos seus discípulos se pervertesse.

Será que eu sou mais poderoso que Deus, para melhorar o mundo?

Será que eu sou melhor que o Cristo, para melhorar os homens?

Uma coisa, porém, posso fazer que nem Deus nem o Cristo podem fazer por
mim ou em meu lugar: posso fazer-me bom. Ninguém, exceto eu, me pode
fazer bom. Ninguém pode ser bom em meu lugar.

Deus só me creou com a potencialidade de ser bom, mas eu me posso fazer


atualmente bom. Eu me posso fazer melhor do que Deus me fez – e também
me posso fazer pior do que Deus me fez.

É esta a onipotência do livre-arbítrio, para o bem ou para o mal.

Estou aqui na terra para fazer de mim o que Deus não me fez.

Estou aqui para me fazer o que ninguém pode fazer por mim – estou aqui para
me fazer bom.

A creaturidade que Deus me deu, deve manifestar-se em creatividade positiva


para o bem.

Mas que quer dizer ser bom?

Ser bom é tronar-se explicitamente o que Deus me fez implicitamente.


Ser bom é conscientizar-se que “eu e o Pai somos um; as obras que eu faço
não sou eu que as faço, mas é o Pai em mim que faz as obras”.

Ser bom é estar intimamente convencido de que “o reino de Deus está dentro
de mim; é um tesouro oculto, de que eu devo fazer um tesouro manifesto”.

Ser bom é saber que eu sou a luz do mundo, mas que não devo deixar a minha
luz debaixo do alqueire, e sim colocar no alto do candelabro.

Ser bom é conscientizar que minha alma é uma pérola preciosa, que devo
trazer à tona do oceano da minha vida.

Ser bom é amar o Senhor meu Deus com toda a minha alma, com toda a
minha mente, com todo o meu coração e com todas as minhas forças, porque
este é o primeiro e o maior de todos os mandamentos.

Ser bom é fazer transbordar a experiência mística da paternidade única do Pai,


na vivência ética da fraternidade universal dos homens.

Ser bom é fazer externamente no meu AGIR o que sou internamente no meu
SER.

Estou aqui na terra para conhecer o Deus do meu SER e realizá-lo no meu
agir.

E, quando eu me tiver realizado assim no meu externo AGIR como sou no meu
interno SER; quando a minha ética for o transbordamento fiel da minha mística
– então terei feito à humanidade o maior bem que lhe posso fazer – e então
terei feito o mundo muito melhor do que Deus o fez.

Mas, se eu não me fizer assim como posso e devo fazer-me, a minha vida
terrestre será uma falência, e sobre a minha lousa sepulcral se deve gravar
este tristíssimo epitáfio:

Aqui jazem os restos mortais de um homem que viveu 30, 50, 80 anos – sem
saber porquê...
O MISTÉRIO DO LIVRE-ARBÍTRIO

Muitos representantes da chamada “ciência exata” negam a realidade do livre-


arbítrio, afirmando que, num Universo regido por leis férreas e imutáveis, não
há lugar para o fenômeno da liberdade, que, segundo eles, seria
indeterminismo, incompatível com um cosmos governado por um
determinismo absoluto e universal.

Determinismo é causalidade.

Indeterminismo seria não-causalidade.

Na zona do suposto indeterminismo ou livre-arbítrio, haveria algo como não-


causalidade, efeito sem causa, quando o cosmos é uma imensa cadeia de
causas e efeitos, uma concatenação infalível de precedente causante e de
consequente causado. O indeterminismo do livre-arbítrio seria, segundo esses
cientistas, um efeito sem causa, o que é anti-cósmico, e, portanto, inadmissível.

Respondemos que o livre-arbítrio não é indeterminismo, efeito sem causa, mas


é auto-determinação, em vez de alo-determinismo. O livre-arbítrio, disse
alguém, é o poder de ser causa própria. No setor do determinismo ou alo-
determinismo tudo depende de uma causa ou causação alheia, externa, ao
passo que na auto-determinação, ou liberdade, atua uma causa própria,
interna; o ser livre é um auto-agente, e não mais um alo-agido, um auto-
causante, e não mais um alo-causado. A substância do autos o libertou das
circunstâncias escravizantes dos allos.

No ser livre há uma substância auto-agente, que neutraliza as


circunstâncias alo-agidas. Nos seres não livres não há consciência de uma
substância central auto-causante, há tão-somente circunstâncias periféricas
alo-causadas.

Em vista disto, escreveu Spinoza, séculos atrás, que há no Universo uma única
substância que se manifesta em muitas circunstâncias, o único UNO que se
revela através de muitos VERSO – UNI-VERSO. Ou, na linguagem desse
grande monista cósmico, “Deus é alma do Universo, e o Universo é o corpo de
Deus”. Alma corresponde a causa, uno – corpo significa efeito, verso. O
Universo é um sistema de causa una que atua através de efeitos múltiplos,
Essência Infinita manifestada em Existências Finitas.
Liberdade, em sentido absoluto, total, perfeito, é essa Causa Una e Única.
Quando um ser finito se torna consciente da presença dessa Causa Una
então este ser participa da liberdade do Ser Absoluto, e se torna livre por
participação, na medida da sua consciência ou conscientização.

Podemos, pois, afirmar que tanto mais livre é um ser finito quanto mais
consciente for da presença do Ser Infinito nele. A participação na liberdade do
Ser Infinito por parte de um ser finito está na razão direta da consciência que
esse ser finito tem da presença do Ser Infinito.

É inegável, como já dissemos alhures, que a Realidade Infinita está em todas


as Facticidades Finitas, uma vez que a Realidade Infinita é onipresente, é
Presença Universal, sem nenhuma ausência parcial. Mas não é o fato objetivo
da presença da Realidade Infinita que torna livre o ser finito; se assim fosse,
toda a natureza infra-hominal – mineral, vegetal, animal – seria livre, uma vez
que nela está presente a Realidade Infinita. Entretanto, o que gera a liberdade
não é a presença objetiva da Realidade Infinita, mas sim a consciência
subjetiva dessa presença.

O grau de liberdade é diretamente proporcional ao grau de consciência que um


ser finito tem da presença do Ser Infinito. Se esse grau de consciência for zero,
a liberdade do ser é igual a zero; se o grau de consciência for 10, a liberdade
desse ser é 10; se o seu grau de consciência relativamente à presença da
Realidade Infinita for 100, então a liberdade desse ser é igual a 100.

A evolução ascensional de um ser, digamos do homem, consiste, pois,


essencialmente na evolução do seu consciente relativamente à presença da
Realidade Infinita nele. Com outras palavras: a perfeição de um ser consiste no
grau de harmonia ante o consciente finito e a Realidade Infinita. Esta
harmonia entre o consciente e a Realidade também se chama “Verdade”. E é
por isto que o maior sábio que a humanidade conhece disse: “Conhecereis a
Verdade, e a Verdade vos libertará”.

A minha harmonia consciente entre o meu Finito e o Infinito me liberta de toda


a escravidão do alo-determinismo e me introduz na perfeita liberdade da auto-
determinação.

Libertação é, pois, a conscientização da Realidade – que se chama Verdade.

A maior ou menor harmonia entre a minha consciência humana e a Realidade


cósmica determina o grau da minha liberdade – é esta a Verdade que me
liberta.

Ora, sendo que a Realidade cósmica é perfeita vida e saúde, a minha vida e
saúde dependem do grau de harmonização consciente com a vida e saúde do
Universo.
Isto é cosmoterapia.

Cosmoterapia é uma harmonização consciente entre o ánthropos e o


kósmos. O UNO da perfeita vida e saúde do Universo cura o VERSO da vida e
saúde imperfeitas, oriundas de uma consciência deficiente do meu ego.

O meu ego é um VERSO imperfeito.

O meu Eu é um UNO perfeito.

Cosmoterapia é logoterapia, é a cura do ego pelo Eu, do humano pelo divino


em mim.

O meu perfeito Atman cura o meu imperfeito Aham...

Se eu tiver a consciência nítida de que o meu Atman é a essência do meu


Aham – que “eu e o Pai somos um, que eu estou no Pai, e o Pai está em mim”,
então sou realmente liberto pela Verdade.
A IMANÊNCIA DA PSICOLOGIA E A
TRANSCENDÊNCIA DA YOGA

Carl G. Jung é o campeão da mais avançada psicologia ocidental, que procura


culminar numa tal ou qual psicoterapia. Superou a substrutura “id” de Freud,
bem como a estrutura “ego” de Adler e iniciou uma superstrutura rumo a um
“super-ego” (Eu).

Segundo Jung, há em cada ser humano certos “arquétipos” (Urbilder),


imagens fundamentais que fazem parte da natureza humana, independentes
do saber ou querer consciente do homem. Um desses “arquétipos” é a idéia de
Deus.

Essas imagens parecem apontar para algo além do homem, algo Trans, ou
Transcendente – assim como a seta à beira da estrada aponta para alguma
cidade distante, mas essa cidade não está presente na seta. O viajor olha para
a seta, fixa a direção da ponta da flecha, que vai, digamos, rumo norte – isto é
“científico” – mas, se o viajante admite a realidade de uma cidade do norte,
cidade que ele não vê, isto não é considerado “científico”, porque o viajante,
em nosso caso, o psicólogo, só pode “cientificamente” admitir o que vê, ouve,
tange, etc. E, como a cidade longínqua não é objeto de visão, audição, tato,
etc., ela não pode ser admitida “cientificamente”. Na cidade ausente só pode o
viajante crer, mas não a pode ver, e só esse ver é que é cientificamente
admissível.

É esta, mais ou menos, a atitude da psicologia de Jung e da sua escola. Os


psicólogos dizem, para ficar dentro dos limites da “ciência exata”, só podemos
admitir o que está imanente na seta, e, nada do que lhe é transcendente; não
podemos admitir algum objeto longínquo apontado pela seta, mas não contido
na seta.

Quem admite uma realidade transcendente, dizem eles, não procede


“cientificamente”, procede como um crente, um religioso, um místico, um yogui.

Graças a esta atitude, como frisa J. W. Hauer, no seu livro monumental “Der
Yoga”, Jung para no conceito da psicoterapia, mas não vai até à logoterapia,
como Victor Frankl. Mas, como a psicoterapia é apenas uma terapia de
sintomas, e não da raiz, esse processo não contém verdadeira terapia.
Imanente não cura imanente. Uma turbina ao nível dum lago não pode ser
movida pelas águas do lago, por maior que seja o volume destas águas. Falta
voltagem; amperagem não resolve. Somente o desnível, uma cachoeira, por
exemplo é que dá movimento.

No pretenso processo psicoterápico não há desnível entre o doente e a


terapêutica, e por isto não há verdadeira cura, que supõe diferença de nível. A
psicoterapia, é toda do ego, procurando agir sobre outro ego, o que é falta de
desnível. Na yoga, há desnível, o ego doente é curado pelo Eu sadio.

Entre imanência e transcendência há desnível, ectropia.

Entre imanência e imanência não há desnível, há entropia.

Para o oriental, sobretudo o yogui, é espontaneamente evidente que há uma


Realidade Transcendente para além das Facticidades imanentes, porque
estas não teriam sentido sem aquela – assim como uma seta na encruzilhada
apontando para uma cidade não teria sentido se essa cidade não existisse;
seria um apontante sem um apontado. Estranhamente, porém, para o
ocidental parece ser “científico” admitir um apontante sem um apontado, uma
agulha magnética que aponta para o pólo norte, sem que esse pólo norte exista
independente da agulha.

Por que essa estranha atitude do ocidental?

Porque o ocidental é, por excelência, o homem da análise intelectual, ao


passo que o oriental se guia, por via de regra, por uma intuição espiritual. O
ocidental tem toda a confiança numa perfeita análise intelectual, e sente-se
tomado de uma certa fobia e insegurança em face da chamada intuição
espiritual.

Essa atitude do ocidental é, em grande parte, o produto de quase 2000 anos de


teologia artificial, substituindo a religião natural. O cientista ocidental sente
uma repugnância instintiva em face da idéia de ser tomado por um crente, em
vez de um ciente. Ciência lhe parece superioridade, crença tem ares de
inferioridade. As teologias, é claro, exigem crença nas suas doutrinas. A
Religião, porém, não se baseia em crenças, mas sim na sapiência, isto é, na
experiência e no saboreamento (sapiência) interno da própria Realidade.

A ciência é da inteligência.

A crença é da vontade.

A sapiência é da razão.

O homem religioso, que é o verdadeiro yogui, age em nome da razão, da mais


alta racionalidade – muito além da inteligência e da vontade.
Mas, como é uso e abuso, no ocidente, identificar teologia com Religião, o
cientista recusa-se a crer e prefere inteligir, porque vê uma superioridade na
ciência e uma inferioridade na crença. Se ele chegasse às alturas da Religião,
que é sinônimo de yoga, veria que a sapiência ultrapassa tanto a ciência como
também a crença.

Na yoga oriental não há teologia, há tão-somente Religião.

Religio, como já lembrou Santo Agostinho, no século 5, vem de religare, algo


que religa o finito com o Infinito, uma ligação consciente e livre entre o homem
e Deus – e, neste sentido exato, coincide com a idéia de yoga, palavra
sânscrita para união: pela yoga, ou religião, se une o homem a Deus.

Na filosofia oriental não existe esse instintivo pavor anti-religioso que


caracteriza grande parte da psicologia ocidental, porque não há base para esse
pavor, que nasce da confusão entre teologia e Religião. Yoga é Religião, e
Religião é yoga.

***

Por conseguinte, quem apenas admite arquétipos imanentes, e não uma


realidade transcendente, da qual esses arquétipos sejam reflexos
espontâneos, não pode curar o homem dos seus males; pratica charlatanismo
em nome da psicoterapia, mas não cura pela logoterapia, ou cosmoterapia.

Cosmoterapia supõe o contato consciente com a alma do Universo.

Quem está doente nunca é o UNO, mas tão-somente o VERSO.

Por outro lado, quem pode curar nunca é o VERSO, mas tão-somente o UNO.

No plano da simples psicoterapia imanente, o VERSO tenta curar o VERSO.

No processo da logoterapia, ou cosmoterapia, o UNO cura o VERSO.

Para que o ego doente sinta um impacto dinâmico da parte do Eu, deve haver
distância (não local, mas consciente) entre o curando e o curador.

Esse desnível, essa alteridade, essa ectropia entre o ego movendo e o Eu


movente, é essencialmente necessário.

Verdade é que o intelecto analítico do homem não pode falar em nome de uma
Alteridade Transcendente – pois todo ele é Identidade Imanente – não pode
agir em virtude de algo maior do que ele mesmo. Mas há no homem ultra-
intelectual algo que não analisa, mas “fareja” o Transcendente. O homem que
não tenha despertado em si esse “faro cósmico” não pode admitir
cosmoterapia; vê a seta à beira da estrada, mas não admite a realidade da
cidade apontada pela seta. Esse homem permanece no plano penúltimo da
psicoterapia, e nada sabe do estágio último da logoterapia ou da
cosmoterapia.

Embora o homem-ego, no plano da inteligência analítica, não possa submeter


o Transcendente a uma análise de laboratório; embora ele não possa invadir
essa zona transcendente, contudo ele pode ser invadido pelo transcendente,
suposto que seja invadível, que abra as portas para essa invasão cósmica. Se
o homem estabelecer em si um clima de invadibilidade, de receptividade, de
fides, de fidelidade e harmonia com a alma do cosmos, é certo que vai ter a
experiência do Transcendente.

“Quando o discípulo está pronto – então o Mestre aparece”...

A cosmoterapia, como se vê, é muito mais uma questão de atitude de


profundidade do que atos de superfície. O que decide não é este ou aquele
agir transitório, mas sim um modo de ser permanente.
FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL GERANDO
HIPERTROFIA SEXUAL

Fale-nos do sexo.

Foi este o pedido que um grupo de moças modernas fez a uma das minhas
alunas do curso de Filosofia Cósmica, no Rio de Janeiro. E ela me consultou
sobre se devia aceitar o pedido e o que devia dizer às interessadas.

Respondi à minha aluna, mais ou menos, o mesmo que vou expor nas linhas
seguintes.

Que adianta falar sobre sexo separadamente?

Sexo é um dos aspectos biológicos do ego humano, masculino e feminino.

Mas, como se pode falar com eficiência sobre um dos derivados do ego sem
ter uma noção correta desse próprio ego em si? E, além disto, como falar de
um dos componentes da natureza humana sem ter noção exata do próprio
composto dessa natureza?

A filosofia e a psicologia mais avançadas giram em torno desses dois pólos da


natureza humana: o ego periférico e o Eu central do homem.

Que é o homem, esse desconhecido?

O homem é uma harmonia cósmica do Eu central e dos egos periféricos, assim


como o Universo é um equilíbrio entre força centrípeta e força centrífuga, entre
a unidade da atração e a diversidade da repulsão.

Unidade com diversidade é harmonia.

Unidade sem diversidade é monotonia ou estagnação.

Diversidade sem unidade é caos ou dispersão.

Se, no Universo sideral, se hipertrofiasse um dos dois pólos, e se atrofiasse o


outro pólo, deixaria de existir o cosmos; acabaria tudo ou em implosão e
monotonia rumo ao centro, ou em explosão e dispersão rumo às periferias.

O Universo só existe graças a uma perfeita harmonia e equilíbrio estável entre


os dois pólos complementares, da atração centrípeta e da repulsão centrífuga.
O mesmo que se dá no macrocosmo sideral acontece também no microcosmo
hominal.

O homem que afirma unilateralmente o seu Eu à custa do seu ego, cai vítima
de monotonia e estagnação.

O homem que afirma unilateralmente o seu ego à custa do seu Eu, cai vítima
de caos e dispersividade.

O primeiro caso acontece, em parte, no oriente.

O segundo caso está acontecendo, sobretudo agora, no ocidente, ou pelo


menos com numerosos representantes deste hemisfério.

E esse centrifuguismo diversitário do ego à custa do centripetismo unitário do


Eu está assumindo, ultimamente, proporções catastróficas na humanidade do
ocidente.

Nunca a hipertrofia do ego e a atrofia do Eu apareceu tão nitidamente como em


nossos dias.

E por que está isto acontecendo agora, no ocaso do segundo milênio da era
cristã?

Até ao fim da Idade Média, século 15, quase só se havia tratado dos interesses
do Eu espiritual do homem, da sua alma. “Salve a tua alma”, era o brado
universal; salva o teu Eu espiritual, depois da morte, em regiões distantes e
ignotas do cosmos; a vida presente não valia nada; era sofrimento e miséria,
que deviam ser tolerados, com paciência, contanto que a alma se salvasse,
depois da morte e em outros mundos.

A humanidade europeia era, espiritualmente, criança – e a criança aceita


qualquer crença que os adultos lhe impinjam. Deus era uma realidade inegável,
mas uma realidade apenas crida, distante e futura, aceita docilmente por
testemunho alheio, não sabida por experiência própria.

Com a superação da infância espiritual e o despertamento da adolescência,


no princípio da Renascença, século 16, o homem repudiou a crença, baseada
em testemunho alheio, e tentou substituir a crença pela ciência – mas, não
tardou a sentir grande decepção. A ciência dá conforto ao ego, pela técnica,
mas não satisfaz as necessidades mais profundas do Eu. Voltar à crença num
Deus ausente e futuro – impossível para os mais avançados. Permanecer no
plano da simples ciência e técnica, para satisfazer as coisas do ego – era
insuficiente para os homens de maior profundidade.

A terceira alternativa, para além de crença e ciência, seria a sapiência, a


experiência própria da Realidade espiritual e divina – mas quem é capaz dessa
sapiência? dessa experiência própria e imediata da Realidade Eterna?
E assim, o desequilíbrio continua, por enquanto. O homem perdeu o contato
com o pólo positivo do seu Eu real, e está apenas com o pólo negativo do seu
ego fatual, que o deixa insatisfeito – e aqui está o grande desequilíbrio, a
profunda desarmonia cósmica, ou anti-cósmica.

A clerocracia medieval, que se dizia representante de Deus, morreu para


muitos.

A egocracia do homem profano de hoje não satisfaz os íntimos anseios do


homem.

A cosmocracia seria a solução, cosmocracia, harmonia e equilíbrio entre o


centrifuguismo diversitário do ego e o centripetismo unitário do Eu. Mas essa
cosmocracia, esse estado de harmonia cósmica, ainda é um ideal longínquo,
não é ainda uma realidade presente, para o grosso da humanidade.

O Eu medieval, desequilibrado pela hipertrofia do Eu e atrofia do ego, foi


substituído pelo ego renascentista, hipertrofiado no ego e atrofiado no Eu.

O homem medieval cria num Deus desconhecido.

O homem moderno rejeitou o Deus desconhecido da crença antiga e quis


descobrir um Deus conhecido pela ciência, mas não encontrou. Encontrou
muitos ídolos do ego, não encontrou o ideal do Eu.

No meio desse tremendo vácuo do Eu Real, o homem moderno, neste ocaso


do segundo milênio, se agarra cada vez mais freneticamente aos ídolos do ego
ilusório – sexo, dinheiro, divertimentos – para se esquecer temporariamente da
sua profunda desarmonia interior. Recorre a todas as camuflagens, a todos os
narcóticos, a todos os analgésicos e anestésicos, a toda a espécie de
charlatanismos, para não sentir o seu doloroso desequilíbrio, a sua profunda
desarmonia interior.

O que é essa fulminante sexomania e sexolatria da juventude de hoje senão


uma tentativa desesperada de narcotizar a sua profunda infelicidade com uma
ilusão de felicidade? Quem nunca experimentou a mística do espírito afoga-se
na erótica da carne, para ao menos se esquecer, durante umas horas, ou uma
noite de orgias sexuais, da sua frustração espiritual. Procura fugir do inferno
real da sua frustração espiritual mediante um céu ilusório de realização sexual.
E os estímulos têm de ser cada vez mais violentos para poderem fazer
esquecer, por umas horas ao menos, a profunda infelicidade da sua frustração
existencial.

E essa alternativa entre gozo e nojo se acentua cada vez mais: quanto mais o
homem goza tanto mais se embota a sua possibilidade de gozar; o próprio
gozo diminui a gozabilidade; e, quando a gozabilidade baixa a zero, quando o
homem já gozou tudo, e nada mais resta para gozar, porque a sua capacidade
de gozar baixou a zero – então esse infeliz gozador está maduro para o
hospício, para o hospital, para o cemitério, para o suicídio, ou então para um
inferno em plena vida.

E tudo isto como consequência de um desequilíbrio entre os dois pólos da


natureza humana, como uma hipertrofia do ego periférico e uma atrofia do Eu
central.

Mas o homem não quer reconhecer que a cura estaria num reequilibramento,
numa corajosa, sincera e honesta reharmonização entre o seu ego humano e o
seu Eu divino. O homem continua a adorar os objetivos da vida do ego, e
continua a não se interessar pela razão-se-ser da sua existência real, do seu
Eu central.

E, quando se fala ao homem dessa razão-de-ser da sua existência, ele grita e


protesta e pensa que o queiramos levar ao outro extremo, à hipertrofia
unilateral do seu centro divino Eu, substituindo-o pela querida hipertrofia do seu
ego periférico.

O homem profano do ego unilateral, quando ouve falar da necessidade do Eu


cósmico, universificado, universalizado, nada compreende; pensa que lhe
queiramos tirar as coisas boas e queridas do ego, e substituí-las pelas coisas,
para ele desconhecidas, do Eu. Como ele só conhece as suas profanidades,
suspeita que esses ídolos da sua vida devam tombar dos seus pedestais, para
ceder lugar ao Deus desconhecido (e temido) do Eu místico. Receia trocar o
seu querido caos profano pela monotonia sagrada – e ele prefere o seu caos,
embora doloroso, à monotonia.

Nós, porém, não somos advogados nem do caos nem da monotonia.

Somos defensores da harmonia cósmica, equidistante desta e daquele.

Nada queremos saber de substituição, nem mesmo de simples justaposição –


queremos realizar a grande síntese, o perfeito equilíbrio, a maravilhosa
harmonia hominal, a grandiosa complementaridade entre todas as forças e
faculdades do homem integral.

Não queremos um corpo sem alma, que seria cadáver.

Não queremos uma alma sem corpo, que seria fantasma.

Queremos o homem real e integral, cuja alma vivifique o corpo, e cujo corpo
seja a manifestação visível da alma invisível.

Na juventude, o homem e a mulher se interessam principalmente pelas coisas


do sexo, que muitos chamam amor.

Na idade adulta, o homem se interessa pelo sexo e pelo dinheiro.


E durante a vida inteira, juventude e adultez, o homem quer divertimentos.

Sexo, dinheiro e divertimentos, essa trindade do ego, que não é má em si –


torna-se má quando o homem estabelece desequilíbrio entre estes ídolos do
ego e os ideais do Eu, quando faz desses três objetivos da vida uma razão-de-
ser da sua existência humana, quando hipertrofia, sexo, dinheiro ou
divertimentos, e atrofia a realidade central do seu Eu superior.

O homem profano do ego abusa de sexo, dinheiro e divertimentos, e isto é


idolatria.

O homem místico recusa tudo isto.

Mas o homem cósmico não abusa nem recusa, mas usa de tudo isto, em
perfeita harmonia e equilíbrio com o seu Eu central.

Abusar é proibido, recusar é permitido, usar é recomendado.

Quando substituirá o homem o charlatanismo de hoje pela cura de amanhã?

Quando o seu Eu central, que ainda está dormindo, estiver tão acordado como
está hoje o seu ego periférico. Quando o Eu se tornar tão consciente como o
ego já é consciente.

Não há nenhuma necessidade de reduzir o ego à inconsciência; convém


mesmo tornar o ego cada vez mais egoconsciente – contanto que o Eu
também se torne tão consciente como o ego. Só assim haverá perfeito
equilíbrio e harmonia dentro da natureza humana.

E esta harmonia cósmica é a verdadeira e permanente felicidade do homem.


FANATISMO OCIDENTAL – INDIFERENÇA ORIENTAL
– ENTUSIASMO UNIVERSAL

Nenhum país tem tantas seitas religiosas como a Índia – e, no entanto, todas
elas convivem pacificamente, em perfeita tolerância e harmonia. Ninguém faz
proselitismo, ninguém tenta converter outro à sua religião.

No ocidente, sobretudo nos Estados Unidos, há centenas de seitas cristãs e


seitas não cristãs – e quase todas vivem hostilizando umas às outras, porque
cada uma se considera como possuidora única da Verdade e julga seu dever
de consciência converter os adeptos de outro credo. Cruzadas, inquisições,
excomunhões, guerras de religião marcam a estrada do Cristianismo teológico
e seus similares há quase 2000 anos.

Donde esta diferença?

A razão última e mais profunda está no seguinte: o genuíno oriental não toma a
serio a personalidade do ego humano, que é para ele o que o seu nome diz,
“persona”, isto é, “máscara”; como, aliás, não toma a sério nenhum fenômeno
externo, objetivo, que lhe é maya ou ilusão. O oriental considera todas as
facticidades, pessoais ou impessoais, como meras manifestações temporárias
e transitórias da suprema e única Realidade, como luzes multicores emanadas
da única Luz Incolor, ou, servindo-nos da linguagem da nossa Filosofia
Univérsica, considera todo o mundo objetivo como o VERSO ilusório projetado
pelo UNO verdadeiro do UNIVERSO.

O ocidental, em geral, dá grande importância à persona e aos fatos objetivos,


porque não tem experiência da individualidade humana e da Realidade
Cósmica; vive mais nas periferias do ego do que no centro do Eu, e por esta
razão a personalidade do ego lhe parece ser a única e suprema Realidade, que
a consciência manda defender a todo o custo. Isto torna o ocidental intolerante,
sectário e fanático, por motivos de consciência, da sua pseudo ou ego-
consciência, que ele confunde com a verdadeira consciência do Eu.

Indiferença oriental?

Fanatismo ocidental?

Que é preferível?
Há uma terceira alternativa, equidistante da indiferença e do fanatismo: é o
entusiasmo. En (em) e theós (Deus) deram origem à palavra “entusiasmo”,
que quer dizer literalmente “em Deus”. Quem sente Deus em si ou se sente em
Deus é um entusiasta. O radical de fanatismo é fantasma; o radical de
entusiasmo é Deus. O fanático defende um fantasma irreal, o entusiasta
professa um Deus real.

O fanático corre atrás de fantasmas.

O entusiasta adora a Deus.

Quando o entusiasta enxerga o Deus do mundo sem o mundo de Deus, é ele


um místico – mas, quando enxerga o Deus do mundo em todos os mundos de
Deus, passa a ser um entusiasta cósmico.

Por via de regra, o ocidental é um profano, por vezes fanático.

O oriental é, não raro, um entusiasta místico.

Mas o homem universal é um entusiasta cósmico, que tanto pode ser oriental
como ocidental.

O homem cósmico pode amar sinceramente as coisas do mundo por amor a


Deus. A sua física é muito mais bela que a dos profanos, porque está baseada
na metafísica. Física baseada em simples física, cedo ou tarde acaba em
fastio, como todo o círculo vicioso; física, quando baseada em metafísica, é
permanentemente gostosa, e não enjoa nunca.

O homem que vê o Deus do mundo em todos os mundos de Deus, proclama


com grande entusiasmo as suas convicções espirituais, que cada dia lhe
revelam novos encantos – mas não as impinge a ninguém. Se alguém se
converte, não é pelo que alguém diz ou faz, mas por amor daquilo que ele é;
não se sente impelido por algo, mas atraído por alguém. O homem cósmico
alegra-se sinceramente quando outros seguem o mesmo caminho e o
acompanham nessa comunhão dos santos, irmãos anônimos da Fraternidade
Branca a que ele pertence, sem legenda nem bandeira.

O homem cósmico, embora tenha o seu altar predileto em algum recanto da


grande catedral de Deus, não leva a mal que outros também tenham o seu
altarzinho individual com sua devoção pessoal, dentro do mesmo templo da
Divindade. Ele é essencialmente inclusivista, e nada exclusivista, porque sabe
que todo o VERSO é uma emanação do único UNO.

Quando eu vou ao norte, e vejo alguém demandar o sul, pode-se parecer ele
meu adversário, pois que vai rumo adverso ao meu. Mas, quando passo da
perspectiva unilateral para uma visão onilateral, verifico que todos os viajores –
de norte a sul, de leste a oeste, e vice-versa – demandam o mesmo e único
centro que eu demando, porque todas essas existências finitas vão rumo à
Essência Infinita, rumo ao único UNO central.

O homem cósmico sabe que não há dois indivíduos humanos iguais, porque a
Natureza não faz cópias, crea tão-somente originais inéditos. E, como cada
indivíduo – por ser indiviso e indivisível – é único e irrepetível, cada um tem a
sua experiência individual e irreversível, e deve seguir o seu caminho
individual, rumo à Meta Universal. Mas todos os caminhos do VERSO, quando
sinceramente seguidos, convergem infalivelmente no mesmo UNO, que é a
Fonte única dos canais múltiplos.

Por isto, pode o homem de visão cosmorâmica saudar entusiasticamente todos


os seus companheiros de jornada, quer sigam o caminho dele, quer sigam o
caminho deles, uma vez que todos os caminhos convergem na mesma meta,
que é a minha meta e é a meta deles.

O homem cósmico não é um fanático nem é um indiferente – é um sincero


entusiasta; pode amar realmente todas as creaturas de Deus, porque ama o
Creador de todas as creaturas.

Quem encontrou Deus em si mesmo encontra-o por toda a parte, tanto nos
outros homens como também em todas as coisas da Natureza.

Esse homem realizou:

– a mística de Deus,

– pela ética dos homens,

– na estética da Natureza.
“QUEM NÃO RENUNCIAR A TUDO
NÃO PODE SER MEU DISCÍPULO”

De acordo com estas palavras do Cristo, escreveu um dos grandes heróis do


século 20, Albert Schweitzer: “Não há heróis da ação – há tão-somente heróis
da renúncia e do sofrimento”.

E isto disse Schweitzer depois de ter prestado, por quase meio século, serviços
gratuitos e desinteressados à parte mais infeliz da humanidade, aos negros
primitivos da África Equatorial, no pior clima do mundo, no meio duma
população boçal, incapaz de aquilatar a grandeza de seu benfeitor.

“Não há heróis da ação” – ninguém é grande pelo que faz.

O “fazer algo” ainda é compatível com a pequenez e mesquinhez do ego


humano – somente o “ser alguém” entra na zona da divina grandeza do
homem.

O “fazer algo” ou “ter algo”, quando não nascido do “ser alguém”, obstrui os
caminhos da grandeza do auto-conhecimento e da auto-realização.

“Quem não renunciar a tudo que tem...”

Esse “ter algo” do divino Mestre não se refere, em primeira linha, a bens
materiais, mas sim aos bens mentais e emocionais, que são os grandes
males do homem-ego, e aos quais muitos não conseguem renunciar, mesmo
depois de terem renunciado aos bens materiais.

Renunciar às suas posses mentais e emocionais é mil vezes mais difícil, e mais
importante, do que abandonar as posses materiais. Renunciar a todo e
qualquer apego mental, ofendismo emocional, ódios, rancores, ressentimentos,
antipatias, animosidades, intrigas, maledicências e malevolências – isto é
indispensável para abrir o caminho rumo a Deus e ao Eu divino no homem.

Sobre o desapego dos bens materiais e o apego aos bens mentais e


emocionais, escreveu Paulo de Tarso uma das suas páginas mais estupendas,
aos cristãos do primeiro século:

“Se eu distribuísse aos pobres todos os meus haveres, mas não tivesse amor,
de nada me serviria isto... O amor não é ciumento, o amor não é orgulhoso, o
amor não é rancoroso; o amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta –
o amor não acaba jamais”.

Quem não renunciou às suas posses mentais e emocionais – ódio, rancores,


amarguras, ofendismos crônicos e ofendites agudas – esse não tem amor,
porque não renunciou à posse principal, embora tenha renunciado às suas
posses secundárias, de caráter material – e está longe de ser discípulo do
Cristo, porque não foi liberto pela experiência da verdade sobre o seu Eu real.
Pode ser um bom escravo, mas não entrou ainda na “gloriosa liberdade dos
filhos de Deus”.

“Não há heróis da ação – há tão-somente heróis da renúncia e do sofrimento”.

Mahatma Gandhi, de acordo com Schweitzer, com Paulo de Tarso, e com o


próprio Cristo, se libertara não só dos ídolos materiais, mas também de toda a
idolatria mental e emocional, de ofendismos e ofendites de toda a espécie.
Quando, pelo fim da vida, foi perguntado se perdoara todas as ofensas que de
seus inimigos recebera, respondeu que nada tinha que perdoar, porque nunca
fora ofendido.

O ego vicioso, quando ofendido, se vinga, de acordo com a lei do talião: olho
por olho, dente por dente; o ego virtuoso perdoa generosamente, de acordo
com as nossas teologias cristãs; mas o Eu crístico nada sabe de ofensas, é
absolutamente inofendível, porque é incontaminável como a “luz do mundo”,
que ele é conscientemente, e de acordo com o qual age eticamente. Não se
vinga nem perdoa, porque nada sabe de ofensa, ou ofendibilidade – entrou na
zona da libertação total.

No momento em que Gandhi recebeu as três balas mortíferas do seu


assassino, saudou ele o criminoso com a costumada saudação hindu
“namastê” (o Deus em mim saúda o Deus em ti). Isto é renúncia total. É
deveras estranho – escreve um autor moderno – que o melhor cristão do
século 20 tenha sido um pagão.

Quem quer bem a 99 creaturas de Deus e tem ódio a 1 creatura, esse é inimigo
de Deus e não é discípulo do Cristo. É um egoísta disfarçado, que vive a vida
inteira se iludindo com aparências de espiritualidade. É ainda um homem ego-
vivente, e não um Cristo-vivido, e não pode afirmar com Paulo “já não sou eu
que vivo, é o Cristo que vive em mim”.

No meu livro “De Alma para Alma” encontra o leitor um capítulo intitulado
“Heróis de Papelão”. Heróis de papelão e de palha são todos os heróis de ação
que não querem praticar o heroísmo da renúncia e do sofrimento, porque
adoram e idolatram a sua própria atividade heroica; deliciam-se com louvores e
elogios, aplausos e admiração.

O ego virtuoso é um herói de ação – um pseudo-herói.


O Eu da sabedoria é um herói verdadeiro, porque é herói da renúncia.

Há milhões de cristãos – há pouquíssimos homens crísticos.

Quem não passou pelo terremoto, pela tempestade e pelo incêndio do


Pentecostes, não foi ainda batizado com o fogo do Espírito Santo, e não é
ainda discípulo do Cristo, porque não renunciou às idolatrias do seu velho ego,
embora tenha dourado com virtuosidade as grandes férreas da sua antiga
viciosidade. Os grandes mestres não querem discípulos que sejam escravos,
maus nem bons, nem viciosos nem virtuosos – querem discípulos plenamente
libertos pelo conhecimento da verdade.

Não é possível ser alguém no Cristo e ao mesmo tempo ter algo, no Anti-
Cristo, porque a luz não admite trevas. Possivelmente, um discípulo do Cristo
pode ter posses materiais – mas ninguém pode ter posses mentais e
emocionais anticrísticos. Muitos saúdam o Mestre com um ósculo “salve
mestre”, com um ósculo de traição – cristãos anticrísticos.

Quem não se libertou pela renúncia é um pseudo-herói mesquinho.

Quem não trabalha intensamente e renuncia a cada passo aos frutos do seu
trabalho – esse não é herói.

Só quem pode dizer: fizemos tudo que devíamos fazer, e somos servos inúteis
– esse é herói, porque renunciou ao próprio apego à ação, e é plenamente
liberto.

“Há somente heróis da renúncia e do sofrimento”...


OS QUATRO ESTADOS DA CONSCIÊNCIA

Há quatro estados de consciência: o estado de sono nem sonhos, o estado de


sono com sonhos, o estado de sonhos sem sono, e o estado de vigília, sem
sono nem sonhos.

Sendo que o homem comum do nosso tempo vive no terceiro estado, de


sonhos sem sono, passemos a tratar mais explicitamente deste estado.

Em que consiste esse estado de sonhos sem sono?

Consiste, como aliás todo o sonho, na confusão entre o real e o irreal.

No estado de sonho, por exemplo, você ganhou a sorte grande na loteria. Você
é milionário, bilionário, e intensamente feliz, enquanto permanece nesse
estado; ou você morreu de um acidente, e está morto, enquanto não sair desse
estado, em que o irreal é real. No estado de sonho, você é realmente
milionário, ou realmente morto, embora essa realidade seja algo relativo; você
nada sabe dessa relatividade da realidade. Isto é realissimamente real para
você enquanto permanece no estado de sonho.

Fato análogo se dá também no estado de sonho sem sono, estado em que


todo homem físico-mental se encontra diariamente, quando se diz acordado.
Esta vigília é algo muito relativo; ele não está plenamente vígil, acordado,
porque os sentidos e a mente o mantém nesse estado de semi-dormência e
semi-vigília, em que o homem sonha sem o sono físico, mas em outro estado
de sono ou semi-sono.

Nesse estado físico-mental, o homem considera real o que não é real, pelo
menos não pleni-real, mas apenas realizado, isto é, um reflexo do real, como
uma imagem no espelho bi-dimensional de tempo e espaço. Este homem, por
exemplo, tem num Banco muitos milhões ou bilhões de cruzeiros, que ele tem
realmente nesse estado de sonho físico-mental, criado e mantido pelos
sentidos e pela mente. O dinheiro é a síntese condensada de todas as coisas
que o homem considera reais no mundo das quantidades objetivas: casas,
terrenos, fábricas, prestígio social e político, etc.; tudo é baseado na presença
do dinheiro, que funciona como uma espécie de valor universal e simboliza
todas as coisas da terra.

Outrora, antes da invenção do dinheiro, funcionava o comércio de permuta:


fulano trocava um saco de arroz com sicrano, que lhe dava o equivalente num
saco de feijão. Hoje, em vez da mercadoria, o vendedor recebe do comprador
um pedacinho de papel estampado na Casa da Moeda, e que simboliza
nominalmente, não apenas um saco de feijão ou de arroz, mas simboliza
literalmente todo e qualquer objeto material – um único símbolo equivale a
milhares e milhões de simbolizados. E os números impressos no símbolo
representam o número de simbolizados que o homem pode adquirir com esse
farrapo de papel, que é sempre o mesmo.

Esse valor do dinheiro é meramente simbólico, fictício, convencional, porque


não há nenhum valor real num objeto, nem pode haver valor num objeto
quantitativo, porque valor e realidade são sinônimos, atributos que não inerem
a nenhum objeto, a nenhuma quantidade. Valor, realidade, são atributos da
qualidade, e não da quantidade.

O valor é a realidade, que é qualidade.

O valor não é uma facticidade, que é apenas quantidade.

Surge agora a magna pergunta: que é que o homem comum considera valioso,
real?

Segundo tradição multimilenar, impera na humanidade a convicção – ou


convenção – tácita de que reais são os objetos materiais, as quantidades. E,
como o homem comum nada sabe da realidade, considera as facticidades dos
sentidos e da mente como sendo a própria realidade. Neste qui-pro-quo passa
a ego-personalidade toda a sua vida terrestre, numa permanente e
inconsciente ilusão.

E é precisamente aqui que começa a grande bifurcação dos caminhos entre o


profano e o iniciado, entre “o de fora” e o “o de dentro”, entre o ilusionista e o
realista.

O homem comum, o homem-ego, considera solidamente reais os objetos dos


sentidos e da mente, que ele chama a “realidade”, ao passo que o homem
iniciado, o homem que superou esse estado de sonho físico-mental, e entrou
na grande vigília, esse homem sabe que os objetos não são reais, auto-reais,
embora sejam realizados, alo-reais. Real é, para o iniciado o homem pleni-vígil,
tão-somente a qualidade, não sujeita às categorias de tempo e espaço. A
realidade não tem princípio nem fim, é permanente, eterna – ao passo que as
facticidades dependem de tempo e espaço têm princípio e terão fim.

Quando o divino Mestre disse “que aproveita ao homem ganhar o mundo


inteiro, se sofrer prejuízo em sua própria alma?”, frisou ele essa diferença entre
as facticidades ilusórias (“o mundo inteiro”) e a realidade verdadeira (“a alma”).

As facticidades quantitativas são como outros tantos zeros: 000 000, ao passo
que a realidade qualitativa é comparável a “1”; o “1” pode valorizar os “000
000”, mas estes não se podem auto-valorizar: 1 000 000. Neste sentido, disse
Einstein “Do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho para o mundo dos
valores”. Poderia ter acrescentado: mas do mundo dos valores conduz um
caminho para o mundo dos fatos. O valor pode valorizar o fato, assim como o
“1” pode valorizar os “000”. A plenitude pode plenificar a vacuidade, mas a
vacuidade não pode plenificar a plenitude. A qualidade pode qualificar as
quantidades; o real pode realizar o irreal – mas não vice-versa.

O homem coleciona milhões e bilhões de facticidades quantitativas, objetos,


que ele considera reais e valiosos, enquanto permanecer nesse estado de
sonhador de sonhos e caçador de sombras; e ninguém o convencerá da sua
ilusão. Compreensão da verdade supõe distanciação, superação desse nível
horizontal, supõe a entrada numa nova dimensão de consciência. O sonhador
que sonha os seus sonhos, está convencido da sua realidade; enquanto não
despertar para a vigília, é vítima da sua ilusão.

Muitos acham que com a morte física, esse sonhador de sonhos desperta para
a vigília e visão da realidade, o que, todavia, não é verdade. Morrer não é
evigilar, não é despertar da velha ilusão físico-mental. Perder a matéria do
corpo não equivale a superar o materialismo mental. Há homens que morrem e
continuam escravos do materialismo, que está antes na mente do que na
matéria, e a morte não os priva da mente e do seu mentalismo materialista.
Esses homens, sem matéria, porém materialistas, se sentirão como peixe fora
da água, num ambiente sem matéria, e farão o possível para regressar à sua
querida matéria, ao seu céu material; a sua mente materialista descobrirá
meios e modos para se rematerializar – e recomeça então um novo céu
material, que é o seu inferno terrestre. Pode ser que este círculo vicioso –
desmaterialização-rematerialização – prossiga por séculos e milênios, sem
nenhum melhoramento. O que escraviza o homem sem corpo físico na sua
ilusão não são, propriamente, as facticidades materiais, que ele já perdeu, mas
sim a mentalidade materialista, que ele ainda conserva. E, se há tal coisa como
rematerialização do homem desmaterializado, só pode acontecer em virtude
dessa mentalidade materialista, que tenta reentrar na deliciosa matéria, como
peixe fora da água procura reentrar na água. E esse materialismo mental,
rematerializado, vive mais uns decênios nesse seu céu material graças a seu
inferno mental. É possível que esse círculo vicioso se repita indefinidamente,
no mesmo plano horizontal, sem nenhuma verticalização ascensional, que não
vem de fatos repetidos, mas poderia vir do impacto do livre-arbítrio.

Mas, para o homem que perdeu a matéria do seu corpo e também o


materialismo da sua mente não há mais realidade alguma nem valor algum na
matéria, que se nadificou e nulificou irrevogavelmente. Para a Verdade a
inverdade não subsiste, assim como para a luz a treva é irreal.
Quando o sonhador de sonhos emerge da zona ilusória dos seus sonhos físico-
mentais, e entra na zona verdadeira da vigília espiritual, então, pela primeira
vez, adquire ele critério seguro sobre o mundo dos sonhos e do sono, porque
compreensão supõe “visão do alto”, distanciação verticalizada, alteridade
ectrópica entre o cognoscente e o cognoscido, entre o sujeito faciente e o
objeto feito.

Quando a plenitude do Todo atua sobre a vacuidade do Nada – então aparece


o Algo.

A Essência, atuando sobre a Inexistência, produz a Existência.

A Infinita Realidade, atuando sobre a Infinita Irrealidade, faz nascer as


Facticidades Finitas.

O “0”, deixado a si mesmo, é eternamente “0”; não existe operação alguma que
possa fazer do Nada um Algo.

O “1” representa Infinita qualidade em si mesmo, mesmo sem nenhum “0”.

Mas, colocando o “0” do lado direito do “1”, esta Infinita qualidade gera
quantidades finitas: 1 000 000 000.

Verso sem Uno é Zero.

Uno sem Verso – é Infinito.

Uno-Verso é o Infinito do Uno que se esparrama, verte, através do Verso, em


Universo.

Mas... para compreender esta Metafísica Matemática, deve o homem achar-se


em estado de plena vigília, capaz de permeiar e valorizar todos os sonhos e
todos os sonos – assim como o UNO permeia e valoriza todos os VERSOS,
perfazendo a estupenda harmonia do UNIVERSO.
A MORTE NÃO NOS FAZ
O QUE A VIDA NÃO NOS FEZ

É opinião quase geral que basta morrer para saber o que é Deus.

Após o enforcamento de Adolf Eichmann, em Tel-Aviv, disse o reverendo que


em vão tentara convertê-lo: “Agora Eichmann já sabe o que é Deus”.

Entretanto, a simples perda do corpo material não torna ninguém sábio, não faz
ninguém melhor ou pior do que foi durante a sua vida terrestre. O estado de um
defunto permanece o mesmo, após-morte, que foi em vida.

O que modifica o homem não é a morte, nem mesmo a vida como tal, mas sim
uma nova vivência, um outro modo de ser e de agir, nascido da experiência
íntima da verdade sobre Deus e sobre o próprio homem.

Quem não morreu espontaneamente antes de ser morto compulsoriamente,


perde o seu tempo. Disto sabiam e sabem os grandes mestres da vida.

O Cristo diz: “Se o grão de trigo não morrer, ficará estéril – mas, se morrer,
produzirá muito fruto”.

E Paulo de Tarso escreve: “Eu morro todos os dias – e é por isto que vivo; mas
já não sou eu que vivo, o Cristo vive em mim”.

Quem não teve a coragem de morrer decentemente não pode ter a esperança
de viver gloriosamente, nem aquém nem além-túmulo.

Há quem confie em “guias” invisíveis que o orientem nas veredas escuras da


vida terrestre e extra-terrestre. Mas quem nos dará a certeza de que esses
“guias” possuam a necessária sabedoria para nos conduzirem com acerto nos
caminhos da existência? E como pode o homem confiar nas palavras dessas
entidades anônimas? Quem me garante que o “guia” que se me apresenta seja
Tomé, Paulo, Agostinho, ou até o próprio Cristo?

Nos sagrados Evangelhos não encontramos uma única palavra do divino


Mestre que nos aconselhe a nos entregarmos a um guia espiritual. O único
espírito que Jesus conhece é o “espírito do Pai”, o “espírito da verdade”. E ele
insiste: “Não chameis ninguém, sobre a face da terra, vosso pai, vosso mestre,
vosso guia – porque um só é o vosso pai, o vosso mestre, o vosso guia, o
Cristo”.
E ainda: “Ninguém vai ao Pai a não ser por mim... Eis que estou convosco
todos os dias, até à consumação dos séculos”... “Eu sou o caminho, a verdade
e a vida; quem me segue não anda em trevas, mas tem a luz da vida”.

O mundo está repleto de espiritualismos – mas é pobre em espiritualidade. A


verdadeira espiritualidade nasce duma profunda revelação interior, duma
radical “transmentalização” (metánoia), como diz o Evangelho; o homem-ego
tem de transcender a sua mentalidade habitual e entrar numa nova dimensão
do homem-Eu, da “nova creatura em Cristo”.

Esta metánoia é a morte do “homem-velho” e o nascimento do “homem-novo”,


em espírito e em verdade. Este processo morte-vida é belamente simbolizado
pelo ritual do mergulho (baptisma), representando a morte do velho homem-
ego (imersão na água) e o nascimento do novo homem-Eu (emersão).

Se essa transmentalização ou conversão do homem interior não tiver ocorrido,


nenhum batismo externo o pode salvar.

O que de fora acontece ao homem não o torna puro nem impuro, não o faz
bom nem mau – somente o que de dentro acontece ao homem, isto sim o torna
puro ou impuro, bom ou mau.

Em última análise, é o uso ou abuso do livre-arbítrio que abre ao homem as


portas do céu ou do inferno.
AS HERÓICAS PALHAÇADAS DE UM ESQUILO

No Jardim Zoológico de X vivia um esquilo.

Estava preso numa gaiola redonda que girava em torno de um eixo.

Quando o esquilo corria, a gaiola rodava, rodava, rodava. E quanto mais corria,
mais rodava a gaiola.

E o esquilo corria, de manhã até à noite.

Ao anoitecer de um dia, tive esta conversa com o esquilo:

Estás cansado?

– Estou, sim. Hoje corri uns 10 km; há dias em que corro até 15 km.

– Há quanto tempo estás correndo assim?

– Creio que vai fazer uns 5 anos que estou aqui, correndo sempre, sempre...
Imagina quantos quilômetros corri nesses anos!...

– Vou fazer o cálculo: 5 vezes 365 dias dá 1.825 dias. Quantas horas corres
por dia?

– Corro, na média, umas 10 horas por dia.

– Dá 18.250 horas em cinco anos. Se, na média, correste 10 km por dia, perfaz
182.500 km em 5 anos.

– Puxa vida! que formidável corredor sou eu!...

– Mas, sabes, meu esquilo, que não saíste do lugar?

– Como não? estou a uma distância de ... de... como disseste?

– 182.500 km.

– Estou a uma distância de 182.500 km do lugar onde estava 5 anos atrás.

– Estás muito enganado, amigo esquilo...

– Como?

– Estás ainda no mesmo ponto zero, onde estavas 5 anos atrás.


– Não compreendo...

– É que sempre te moves em círculo, voltando sempre ao ponto de partida...


Num interminável círculo vicioso, como diriam os homens.

O esquilo me olhou, incrédulo.

De repente, não vi mais esquilo algum. Na gaiola estava um ser humano –


muito parecido comigo.

Essa creatura humana havia corrido pela gaiola redonda da terra, não 5 anos,
mas 50 anos. E não saíra do lugar.

Esse esquilo humano, na gaiola da vida terrestre, trabalhava 10 a 15 horas por


dia, durante 6 dias na semana; por vezes até aos domingos. Havia construído
coisas estupendas sobre a face da terra. Tinha no cofre forte e nos Bancos
montões de papéis estampados na Casa da Moeda. Havia também criado
filhos, viajado muito, gozado a vida. Era um “homem realizado” no plano
material e social.

Mas... não saíra do lugar, porque confundia os fatos das quantidades com os
valores das qualidades. Não criara nenhum valor, só descobrira fatos.

No fim de meio século de correrias, estava ainda no marco zero, porque andara
em círculo, voltando sempre ao ponto de partida, como fazem todos os ego-
esquilos na gaiola rodante da vida terrestre.

Mas, como esses esquilos humanos ignoram a sua triste palhaçada,


considerando riqueza a sua pobreza, não se sentem frustrados. Ou, quando
suspeitam a sua vacuidade e seu desatino, abafam a sua infelicidade com
entorpecentes e ruidosos divertimentos – e continuam a correr, a correr, na sua
gaiola rodante, sem saírem do lugar...

Um desses ego-esquilos, quando compreendeu a palhaçada da sua frenética


lufa-lufa circular, resolveu não correr mais na gaiola da sua vida. Parou e se
manteve passivo e imóvel sobre o eixo da sua gaiola parada. Olhou para mim
com um olhar interrogativo e quase triunfante, como se dissesse: “Então? devo
não correr em vez de correr?”...

Eu, porém, meneei a cabeça, desaprovando a sua imobilidade, e apontei com o


dedo para fora da gaiola, em linha reta, rumo ao Infinito. O esquilo olhou
através das grades da sua gaiola, viu o céu azul ao longe, deu um suspiro – e
continuou preso no seu velho cárcere.

Só conheço dois tipos de esquilos humanos: uns querem correr, num


interminável círculo vicioso – e estes habitam, de preferência, as plagas do
hemisfério ocidental; outros compreenderam a insensatez desse círculo vicioso
e resolveram ficar parados – e estes são assaz numerosos no hemisfério
oriental.

Mas onde estão os da terceira classe? os que não correm nem param na
gaiola? os que saíram da prisão e vivem lá fora, na “gloriosa liberdade dos
filhos de Deus”?...
O MAGNETISMO DA REALIDADE ESPIRITUAL
(Mestre Mahasaya fala a Paul Brunton sobre Ramakrishna)

Em Calcutá, um companheiro meu de trem me falava com reverência de seu


mestre espiritual, que era um dos poucos discípulos de Ramakrishna ainda
sobreviventes. Esse mestre tinha quase 80 anos de idade; não vivia na solidão,
mas no coração de Calcutá, no quarteirão hindu da cidade. Pedi a meu
companheiro o endereço de seu mestre, e ele mo deu de boa vontade,
acrescentando: “Para apresentação não precisa de nada senão manifestar o
desejo de o conhecer.”

Em Calcutá, me ponho à procura de Mahasaya, o idoso discípulo de


Ramakrishna. Atravesso um pátio aberto e encontro-me ao pé duma escadaria
de pedra de uma casa velha. Subo por uma escada escura e entro por uma
porta aberta do andar superior. Acho-me numa pequena sala, que dá para um
terraço plano da casa. Sofás baixos correm por dois lados da sala; além disso,
somente uma lâmpada e uma ruma de livros.

Aparece um jovem e me pede que espere pelo Mestre, que se encontra num
dos andares inferiores.

Passados uns 10 minutos, ouço que alguém vem subindo pela escada – e
subitamente sinto que o homem lá embaixo dirige sobre mim os seus
pensamentos. Aparece então o que vinha subindo vagarosamente os degraus.
Ao entrar, ninguém me precisa dizer quem é esse homem. Um dos venerandos
patriarcas do Antigo Testamento da Bíblia parece ter assumido forma visível.
Esse homem, de cabeça calva, longa barba branca, semblante sério, grandes
olhos pensativos, com os ombros curvados ao peso dos anos – só pode ser o
sábio Mahasaya em pessoa.

Senta-se sobre um dos sofás e olha para mim em silêncio.

A sua atitude serena e calma afugenta de mim, subitamente, toda a vontade de


zombar, rir ou gracejar, todos os cinismos e dúvidas sombrias que, por vezes,
me acometem. Qualquer pessoa pode ler nesse homem que é do mais nobre
caráter e ama a Deus.

– Benvindo aqui – diz-me ele em excelente inglês.


Convida-me a me aproximar e sentar-me ao lado dele, no sofá. Segura minha
mão longamente na sua. Faço-lhe a minha apresentação e digo-lhe o que me
traz aqui. Depois de terminar, ele me aperta de novo a mão amigavelmente, e
diz:

– Um poder superior o conduziu para a Índia, à presença dos santos da nossa


terra. Tudo isso tem um sentido mais profundo, que o futuro lhe revelará.
Aguarde com paciência.

– Queira dizer-me algo sobre Ramakrishna – é o meu pedido.

– Dele lhe falarei com o maior prazer. Faz quase meio século que Ramakrishna
nos deixou, mas a lembrança dele nunca me deixa. Eu tinha 27 anos quando
cheguei a conhecê-lo, e durante os últimos cinco anos da sua vida estive
sempre perto dele. Tornei-me outro homem, graças à influência do divino
Ramakrishna. Todos os que dele se aproximavam sentiam-se empolgados pelo
fascínio espiritual dele; ele como que os enfeitiçava e os prendia a si. Mesmo
homens mundanos, que tinham vindo para zombar dele, emudeciam na
presença de Ramakrishna.

– Como podem tais homens sentir reverência pelas coisas espirituais, em que
não crêem? – perguntei.

Nos cantos dos lábios de Mahasaya houve um tênue sorriso.

– Dois homens comem pimenta malagueta – replicou ele. – Um deles não


conhece o nome desse condimento, talvez nunca o tenha visto; o outro sabe o
que é. Será que o sabor não é o mesmo para os dois? não será que a pimenta
arderá na língua de ambos? Do mesmo modo, o desconhecimento da
grandeza espiritual de Ramakrishna não impedia os mundanos de
“saborearem” o espírito que dele irradiava.

– Era ele na verdade um super-homem espiritual?

– Sim, e, ao meu ver, mais do que isto: Ramakrishna era, no fundo, um homem
simples, sem cultura e sem instrução, tão simples que nem sabia escrever o
seu próprio nome, muito menos uma carta. O seu exterior era singelo, mais
singela ainda era a sua vida; e, no entanto, era seguido pelos homens mais
cultos e inteligentes da sua época; curvavam-se diante do seu poderoso
espírito, que era tão forte que a gente o sentia sempre. Dizia-nos que orgulho,
riqueza, glória e sucesso são coisas vãs e transitórias, em face da realidade
espiritual. Muitas vezes mergulhava num estado de êxtase, que era tão
sagrado que nós, que o rodeávamos, tínhamos a sensação de que
Ramakrishna era mais Deus que homem. Possuía a faculdade rara de pôr os
seus discípulos no mesmo estado, com um simples toque da mão; e durante
esse estado de samadhi eram eles capazes de compreender imediatamente
os mistérios da Divindade. Deixe-me contar o que ele fez de nós.
Eu tinha sido educado segundo os ditames do mundo profano. O meu cérebro
estava repleto do orgulho da ciência. Em diversos colégios de Calcutá, em
tempos vários, ocupava eu as cátedras de literatura inglesa, de história e de
ciências econômicas. Ramakrishna vivia, nesse tempo, no templo de
Dakshineswar, algumas milhas de Calcutá, rio acima. Foi ali que o encontrei na
inesquecível manhã duma primavera a falar das suas experiências internas, em
linguagem muito simples. Fiz uma ligeira tentativa de discutir com ele; mas a
sua santa personalidade me amarrou a língua. Tornei a voltar à presença dele,
e já não pude viver mais sem esse homem simples e divino. Certo dia, disse
Ramakrishna, gracejando: “Um pavão comeu ópio, e na manhã seguinte
reapareceu no mesmo lugar e na mesma hora, porque estava narcotizado pelo
ópio e queria outra dose”. Assim acontecera comigo. Nunca me sentira tão feliz
como na presença dele. Que admira que eu sempre voltasse a ele? Com o
tempo, passei a pertencer ao círculo dos seus discípulos mais íntimos, o que
era mais do que esses visitantes esporádicos. Certo dia, me disse o Mestre:
“Eu leio nos teus olhos, na tua testa e no teu semblante, que tu és um yogui;
trabalha na tua profissão, vive com tua mulher e filhos, com pai e mãe – mas
centraliza a tua alma em Deus. A tartaruga nada nas águas do lago, mas todo
o seu ser está preso ao lugar da praia onde ela tem os seus ovos. Assim, faze
também tu o que tens de fazer no mundo, mas sempre com tua alma presa a
Deus”.

Quando nosso Mestre Ramakrishna morreu, a maior parte dos seus discípulos
renunciou espontaneamente às coisas do mundo, vestindo o manto amarelo e
procurando difundir a mensagem do Mestre. Eu, porém, conservei o meu cargo
de professor, firmemente decidido a viver no meio do mundo, mas sem me
deixar capturar pelas coisas do mundo. Para seguir este caminho, por vezes,
altas horas da noite, eu me associava aos mendigos que dormiam ao relento
diante da casa do Senado, e dormia no meio deles, a fim de me sentir, pelo
menos de vez em quando, como um homem que não possuía nada.

Ramakrishna morreu. Nas suas viagens através da Índia, o Sr. encontrará


sempre de novo vestígios desses primeiros discípulos dele, seja no plano
social, seja no setor da filantropia ou da medicina. Mas o que o Sr. não
encontrará tão facilmente são corações que se tenham modificado pela
influência desse homem magnífico. A sua palavra se propagou de discípulo a
discípulo. Coube-me a mim a bela missão de registrar, em língua bengali,
muitos dos seus ditos: esse livro não falta em quase nenhuma casa, no Bengal,
e é conhecido também em tradução para outras línguas, em outras partes da
Índia. Como vê, a influência de Ramakrishna ultrapassou o círculo de seus
discípulos.

Mahasaya calou-se. E eu murmurei:


– Desejaria saber o que Ramakrishna diria a um homem que não somente vive
da fé, mas quer também satisfazer a sua inteligência e razão.

– Ramakrishna diria: “Ora! a oração é um poder imenso”. O próprio Mestre


orava para que Deus lhe enviasse homens que buscassem o Espírito – e daí a
pouco apareceram seus futuros discípulos e outros adeptos.

– E, se o homem não ora, que acontece então?

– A oração é o último socorro do homem. A oração o ajuda quando a


inteligência falha.

– E, se alguém for ter com o Sr. e lhe disser que não sabe orar, que lhe diria?

– Que deve procurar muitas vezes a companhia de homens santos que tenham
tido experiências internas; o permanente contacto com esses homens
despertará nele a espiritualidade dormente. Esses homens lhe farão sentir a
nostalgia de uma vida em espírito. Procurar esses homens é o primeiro passo,
e não raro também o último passo, como costumava dizer Ramakrishna.

À noite vêm sempre numerosas pessoas, que enchem o modesto recinto.


Também eu venho noite por noite, não tanto para ouvir as palavras do Mestre,
mas para me sentir feliz em sua presença. As auras que ele irradia são
benéficas, suaves e belas; é que ele alcançou a beatitude interior, que
transborda para outros. O que o atraía para Ramakrishna, isto me atrai para
ele.

Numa das últimas noites, Mahasaya e eu fomos ao terraço aberto em frente à


salinha. Era noite de lua cheia. Ele permaneceu silencioso por alguns minutos,
olhando, imóvel, para o disco redondo da lua. Orava em silêncio. Eu, ao lado
dele, também me mantinha imóvel. Finalmente, ele disse, em tom solene e
vagaroso:

– A minha tarefa está para terminar; este corpo cumpriu a missão que Deus lhe
deu. Tome a minha bênção, antes de partir.

Ele pousa a sua mão, de leve, sobre a minha testa. Eu, embora não seja um
homem religioso, me curvo humildemente.

Esta hora revolucionou todo o meu interior. De sono, nem vestígio, nesta noite.
Passei toda a noite em claro, subindo e descendo as ruas de Calcutá.

Se há neste mundo alguém que me possa libertar das minhas dúvidas e


encher-me duma fé singela e simples, então é unicamente o Mestre Mahasaya.

Pouco mais tarde, soube que ele havia deixado este mundo.

(Do livro “A Search in Secret India” de Paul Brunton, cap.10)


OS MALEFÍCIOS DA CONCEPÇÃO
PARCIAL DO HOMEM
OS BENEFÍCIOS DA CONCEPÇÃO
DO HOMEM INTEGRAL

Há cerca de meio século que o comunismo, em todas as suas variantes –


Rússia, China, Cuba – está empolgando grande parte da humanidade; e há
também alguns decênios que ele está sendo impugnado por outra parte do
gênero humano.

Sendo que a nós nos interessa, acima de tudo, a ideologia fundamental do


movimento soviético, é indispensável que tenhamos uma visão clara sobre a
quintessência dessa mentalidade. A maioria dos que combatem o comunismo
limita-se à repressão da sua atuação no setor político e social, esquecendo-
se de que, assim, atingem apenas o corpo, mas não a alma do comunismo e
estão lutando com armas desiguais e inferiores à panóplia do adversário. Essa
luta político-social não atinge o cerne da ideologia comunista, porquanto o
movimento soviético não é, em primeiro lugar, uma ideologia político-social,
mas sim uma espécie de filosofia metafísica – ia quase dizendo, uma mística,
como foram, ainda há pouco, o nazismo e o fascismo.

Não se pode lutar com bacamartes obsoletos contra metralhadoras e tanques


modernos. Somente uma ideologia de fundo filosófico, metafísico, místico, é
capaz de abalar vastos setores da humanidade, para o mal ou para o bem. Os
terremotos não vêm da conhecida superfície da terra, mas sim das ignotas
profundezas do globo.

E, por se tratar de uma filosofia vertical, deve o comunismo ser


contrabalançado no mesmo setor vertical da filosofia e da metafísica de
profundidade. Reprimir sintomas de doença não é curá-la; é apenas protelar, e
quiçá mesmo, perpetuar o mal. Pode ser que essa repressão de sintomas
externos seja uma necessidade, para evitar maiores males, mas não é uma
medida suficiente e definitiva.

O Brasil – sobretudo neste período inédito de renovação e integração – não


deve e não pode contentar-se com paliativos e simples repressão de
manifestações político-sociais do comunismo; deve descer à raiz do mal; deve
opor uma filosofia sadia a uma metafísica doentia. O Brasil clama por uma
terapia e terapêutica profilática – ia quase dizendo, por uma vacina, que o
imunize preventivamente contra a atuação das bactérias da ideologia soviética.

Não podemos neutralizar uma filosofia metafísica com uma sociologia


política, por melhor e mais bem intencionada que esta seja. Uma ofensiva de
índole vertical deve ser combatida por uma contra-ofensiva de caráter vertical,
e não apenas por uma defensiva meramente horizontal.

Em face disto, achamos necessária e indispensável uma radical mudança de


tática e estratégia. Julgamos necessário enfrentar a filosofia do comunismo
com outra filosofia na mesma altura.

O recente decreto-lei de 12 de setembro de 1969, sobre Educação Moral e


Cívica em base filosófica, vem em socorro desta nova estratégia, radical;
requer uma educação não apenas horizontal, mas também profundamente
vertical, uma educação do homem integral, tanto no plano do ego como do Eu.
Mas, que eu saiba, a vertical filosófica do decreto não está sendo devidamente
realizada; quase todos os professores e educadores se limitam ao plano
horizontal de caráter moral-cívico, porque o magistério não dispõe de
elementos idôneos para essa tarefa. Duas vezes em 1971, estive em Brasília,
realizando semanas de conferências e programas radiofônicos, nos setores
militar e universitário, sobre este magno problema, relacionado com a própria
segurança nacional – e duas vezes voltei decepcionado, em face da
incompreensão da base filosófica-metafísica do decreto.

Se perguntarmos em que consiste precisamente a filosofia comunista,


respondemos que consiste numa visão unilateral e parcial da natureza
humana, e desta premissa falsa derivam todos os erros e males subsequentes
do sovietismo. A filosofia comunista conhece apenas o homem-ego, o homem
material-mental, e nada sabe nem quer saber do homem-Eu, do homem
espiritual. Em linguagem de Filosofia Cósmica ou Univérsica diríamos: conhece
apenas o homem-Verso, não o homem-Uno, deturpando assim o homem
integral, o Homem-Universo. Esta concepção incompleta, unilateral do homem
é responsável por todos os males do comunismo, responsável por seu
materialismo dialético e por seu ateísmo militante. O caráter anticósmico,
antiunivérsico do comunismo é o alfa e o ômega da sua atuação deletéria e
dissolvente no seio da humanidade.

Não existe em todo o universo um único círculo unipolar – só existem elipses


bipolares. Átomos e astros são governados pela bipolaridade; na eletricidade e
no mundo orgânico tudo é bipolar, nada é unipolar. Ora, se o macrocosmo é
governado pela bipolaridade complementar, como poderia o microcosmo, o
homem, ser um círculo unipolar, um ego sem Eu, um homem-Verso sem ser
também um homem-Uno, um Homem-Universo?
A nossa filosofia, precisamente por ser univérsica, não substitui o Verso (ego)
pelo Uno (Eu), mas associa este àquele, formando o Homem-Universo, o
homem total, integral. A mais importante de todas as integrações de que hoje
se fala por toda a parte é a integração hominal, a integração do homem-ego
no homem-Eu. Esta integração individual é a base de todas as outras
integrações: social, nacional, internacional.

O único caminho certo para evitar qualquer espécie de totalitarismo, seja da


direita, seja da esquerda – é a creação do homem total; somente o homem
total e totalizado em sua natureza completa, e só ele é garantia segura contra
qualquer espécie de totalitarismo.

Lutamos contra o comunismo em nome da constituição do kósmos, que é


também a constituição do ánthropos, o homem integral.

Para combatermos eficazmente a ideologia soviética, temos de dar ao público


uma visão exata do homem integral, pois é precisamente a concepção do
homem parcial que serve de base a essa filosofia unilateral, e por isto falsa.
Temos de demonstrar, em bases rigorosamente científicas e filosóficas, que o
homem real é tanto Uno ou espiritual, como também Verso ou material-mental.
Só assim lutaremos com igualdade de armas e estratégia.
REALIZAÇÃO DO HOMEM CRÍSTICO

O rico avarento do Evangelho dava 100% dos seus haveres a si mesmo e 0%


aos outros; nem sequer as migalhas que caíam da sua mesa eram dadas ao
pobre Lázaro – e esse egoísta 100% e altruísta 0% “foi sepultado no inferno”.
Aliás, mesmo em vida, já estava no inferno, embora não tivesse ainda plena
consciência desse inferno (dessa “inferioridade”) que estava nele.

O fariseu no templo dava 10% dos seus haveres aos outros, guardando 90%
para si, sendo, pois, 90% egoísta e 10% altruísta – e este “voltou para casa
não-ajustado”; continuou tão desajustado como sempre fora, com todo o seu
altruísmo e sua ausência de pecados.

O Cristo, porém, não recomenda nenhuma dessas atitudes, exige


categoricamente: “Quem não renunciar a tudo que tem não pode ser meu
discípulo”. “Ama teu próximo como a ti mesmo... Tudo que queres que os
outros te façam, faze-o também a eles”.

Este “renunciar” se refere, acima de tudo, ao nosso modo de pensar e de


querer, donde nasce o nosso fazer e o nosso ter; é acima de tudo, uma
questão de atitude interna, donde brotam os nossos atos externos.

Quem vive num falso-pensar e falso-querer, cedo ou tarde acabará num


falso-fazer e num falso-ter. Os grandes mestres da humanidade, sobretudo o
Nazareno, não são charlatães que se interessam pela repressão dos sintomas
do mal, mas são grandes médicos e curadores que querem, antes de tudo,
erradicar a raiz do mal, que é essa atitude interna de falso-pensar e falso-
querer.

Em que consiste o falso-pensar e falso-querer?

Consiste na identificação do nosso verdadeiro Eu divino com o nosso ilusório


ego humano – consiste na falta de autoconhecimento.

Em que consiste o reto-pensar e o reto-querer?

Consiste no descobrimento consciente do meu Eu divino, do Pai em mim, da


Luz do mundo, do Reino de Deus em mim, do Tesouro oculto, da Pérola
preciosa de minha alma, que sou eu mesmo.

Depois de descobrir a verdade sobre o meu Ser Divino, posso agir


corretamente no plano do meu Agir Humano, uma vez que a experiência
mística da paternidade única de Deus gera a vivência ética da fraternidade
universal de todos os homens.

Pensar e querer são a raiz – fazer e ter são ramificações.

O falso pensar e o falso querer geram um falso fazer e um falso ter.

“Assim como o homem pensa no seu coração assim vive ele”.

O nosso pensar e querer não devem visar como um fim ao nosso ego humano,
mas sim ao nosso Eu divino, ao aperfeiçoamento, à auto-realização do Deus
em nós, embora os atos do nosso ego possam servir como meios para a
realização desta nossa atitude divina.

Os atos do ego são canais – mas a atitude do Eu é fonte.

O meu corpo, minha mente, minhas emoções são meios, métodos e canais
para a realização do fim, da meta, da fonte divina de minha alma, do meu Eu
verdadeiro.

Renunciar não quer dizer não-fazer, não-pensar, não-querer, não-ter.

Renunciar quer dizer retificar o nosso falso-pensar num reto-pensar.

Renunciar é retificar o falso-querer num reto-querer.

E, uma vez feita essa retificação de base e raiz, segue-se espontaneamente a


retificação do nosso falso-fazer e falso-ter num reto-fazer e num reto-ter.

Quem pensa e quer corretamente pode fazer e ter corretamente.

Os atos de fazer e ter são consequências da atitude de pensar e querer.

Retificar o seu pensar e querer é retificar a sua vida toda.

Falso-agir não se retifica com não-agir – mas sim com reto-agir.

Semelhante cura semelhante – é esta a homeopatia do mundo da metafísica,


como o é do mundo da física. O falso-agir é piorado pelo falso-agir, e não é
curado pelo não-agir – o falso-agir só é curado por um outro agir, por um reto-
agir. Assim como na vacina profilática, a bactéria venenosa é desenvenenada
no laboratório e depois neutraliza o veneno das bactérias venenosas, suas
irmãs, redimindo o corpo humano da ofensiva das bactérias mortíferas – de
modo análogo, é também a bactéria venenosa do ego-agir neutralizada pelo
agente desenvenenado do Eu-agir, produzindo uma vacina de imunização no
organismo da alma e de todo o ser humano.

Nem o dinamismo materialista do ocidente nem o misticismo espiritualista do


oriente, resolvem o problema da vida humana; o que resolve é uma atividade
cósmica, uma universificação do homem integral, equidistante do falso-agir e
do não-agir – o que redime o homem da sua tragicidade existencial é um reto-
agir, baseado num reto-pensar, uma auto-realização que nasceu do auto-
conhecimento, ética que transbordou da mística.

***

Qual o característico desse Homem Integral?

Amar a si mesmo e desamar os outros? Não!

Desamar a si mesmo e amar os outros? Não!

O Homem Integral segue a lei da natureza e a mensagem dos grandes


mestres da humanidade: Ama a ti mesmo e ama teu semelhante do mesmo
modo que te amas a ti mesmo.

Aqui está o UNO em perfeito equilíbrio com o VERSO.

Aqui está o homem UNIVÉRSICO.

O homem-Eu harmonizado com o homem-ego.

Aqui não temos o Uno do Eu sem o Verso do ego – aqui temos o Uno e o
Verso.

Nenhum homem normal pode deixar de se amar a si mesmo, porque toda a


existência é amor-próprio. O ser vivo que não se ama não existe. O amor-
próprio é a própria vida e vivência.

Amor-próprio não é egoísmo. Egoísmo é amar a si mesmo e não amar os


outros. Amor-próprio é amar a si mesmo e amar os outros como a si mesmo, e
isto é um altruísmo bom e sadio, recomendado por todos os grandes mestres
espirituais da humanidade.

Mas, para que alguém possa amar os outros como a si mesmo, é indispensável
que tenha chegado ao conhecimento do seu verdadeiro Eu divino, da sua alma,
do Pai, do Cristo interno, que é o “primeiro e maior de todos os mandamentos”.

A verdadeira ética é impossível sem a verdadeira mística.

Mística revelada em ética – é nestes dois mandamentos que consistem toda a


lei e os profetas.
CONFUSÃO ENTRE DEMÔNIO E DIABO

A mais estranha confusão que, há séculos, reina na humanidade é,


certamente, a tradicional identificação do diabo com os demônios.

Quando eu ia escrever o meu livro “Lúcifer e Lógos”, caiu-me nas mãos o livro
“II Diávolo”, de Giovanni Papini. Esperava eu que o notável escritor italiano me
fornecesse alguma matéria-prima para o meu livro; mas foi grande a minha
decepção: Papini, seguindo o equívoco geral, confunde demônio com diabo.

Há alguns anos, apareceu nos Estados Unidos uma obra de parapsicologia, da


autoria de um médico porto-riquenho, intitulada “God bless the devil” (Deus
abençoe o Diabo), obra em que o erudito autor trata das forças ou entidades do
mundo astral ou elemental, que ele confunde com o diabo.

Aqui em São Paulo, uma senhora católica me emprestou um livro sobre a vida
e os exorcismos do sacerdote francês João Batista Vianney, geralmente
chamado o “Cura d’Ars”, para que eu visse que poder estupendo esse
sacerdote tinha sobre o diabo, que, como o autor do livro refere, o dito padre
expulsava dos possessos – mais uma confusão entre demônios e diabo.

Em 1966 ocorreu na Suíça o monstruoso crime referido pela revista “L’Illustré”,


onde uma jovem de 17 anos foi espancada até à morte, a fim de expulsar dela
o diabo, de que, segundo a opinião dos carrascos, a jovem estava possessa.
Na Idade Média era praxe queimar as bruxas, por serem consideradas
endiabradas, ou filhas de um diabo (incubo) e uma mulher humana. Ainda no
século XV foi queimada em praça pública, na França, uma jovem de 19 anos,
Joana d’Arc, que era clari-audiente e recebia mensagens de uma entidade que
ela chamava o Arcanjo Miguel – e por isso foi considerada possessa do diabo.

A Parapsicologia, essa caçula das nossas ciências, tenta lançar luz sobre as
misteriosas regiões do subconsciente e ultraconsciente humano, por vezes
dominadas por forças desconhecidas que produzem factos visíveis. As causas
invisíveis, sediadas no tenebroso mundo extra-consciente, elemental ou astral,
poderiam ser chamadas daimones, como diziam os gregos, palavra que nós
transformamos em demônios. Sócrates afirmava que ele havia recebido um
“bom demônio”; nós diríamos talvez um “bom gênio”.

Entretanto, esses demônios nada têm que ver com o diabo ou satanás, que
são creação da mente e do livre-arbítrio do homem.
É notável que o Evangelho do Cristo, escrito por Mateus, Marcos, Lucas e
João, quando refere expulsões de demônios realizadas pelo Nazareno, nunca
confunda essas forças ou entidades com o diabo. Nem uma única vez afirmam
os evangelistas que Jesus tenha expulsado diabos.

Repetidas vezes se referem os Evangelhos ao diabo (ou satanás, beelzebu),


mas nunca o consideram como uma entidade da natureza separada do
homem. O diabo, ou satanás, é, segundo os Evangelhos, uma creação do
homem. O apóstolo Pedro é chamado “satanás” (palavra hebraica para
adversário) – por quê? Porque se opunha ao espírito do Cristo: “O teu modo de
pensar não é segundo Deus, mas segundo o homem”. Por onde se vê que, na
linguagem de Jesus, satanás é uma atitude ou mentalidade anticrística,
antidivina, creada pelo livre-arbítrio do homem. Sabemos que Pedro, mais
tarde, deixou de ser satanás, ou adversário – não por ter Jesus expulsado dele
algum diabo, mas pelo fato de se ter Pedro convertido, passando livremente de
um “modo de pensar humano” para um “modo de pensar divino”.

Segundo o Evangelho, também Judas era diabo (diábolos, em grego, quer


dizer opositor): “Não escolhi eu a vós doze? no entanto, um de vós é diabo”. E
João explica porque Judas era diabo: “porque não tinha fé nas palavras de
Jesus”. Não sabemos se Judas deixou de ser diabo. O certo é que Jesus não
expulsou dele o diabo, porque, sendo este uma mentalidade creada pelo livre-
arbítrio humano, e sendo que Deus nunca contradiz ao nosso livre-arbítrio, bom
ou mau, não podia Jesus expulsar esse diabo. Se fosse apenas demônio,
entidade da natureza, certamente teria expulsado esse vampiro, como o
expulsou de tantos outros, até uma legião inteira de demônios.

Há tempos, a revista mensal “Realidade”, de São Paulo, publicou uma


reportagem sobre a “Falência do Diabo”, continuando na velha confusão entre
diabo e demônio. Pedi a um dos diretores que publicasse um artigo meu que
retificava o equívoco, mas não consegui ver publicada a minha retificação.

E a confusão continua, aquém e além-mar.

É sumamente instrutivo o episódio do Evangelho, quando os chefes da


sinagoga acusavam Jesus de expulsar demônios pelo poder do diabo
(beelzebu, satanás). Replica-lhes o Nazareno: “Se eu expulso demônios pelo
poder de satanás, então está desunido em si mesmo o reino dele, e um reino
desunido não pode subsistir”. Depois acrescenta uma comparação muito
ilustrativa:

“Quando o Forte guarda os seus utensílios (skeue, em grego), está em


segurança tudo quanto possui; mas, quando lhe sobrevém outro Mais Forte,
liga o Forte e o despoja de todas as armas (panoplia, em grego) em que
confiava”.
Pelo contexto se vê claramente que o Forte é satanás, o Mais Forte é o Cristo,
enquanto os utensílios e armas do Forte são os demônios. O Forte é chamado
“chefe dos demônios”, mas ele mesmo não é demônio; os demônios são
apenas utensílios e armas do diabo. Os demônios pertencem ao mundo vital
(astral, elemental), ao passo que o diabo, satanás, pertence ao mundo mental,
representado pelo ego humano, quando adversário do Eu espiritual do
homem. Freud talvez diria: o demônio é do “id”, o diabo é do “ego”, e o Cristo é
do “super-ego”, que nós costumamos chamar o verdadeiro “Eu” homem.

Esperamos que a verdadeira Parapsicologia, de mãos dadas com a Filosofia


Cósmica, e iluminada pelo Evangelho, consiga projetar uma luz esclarecedora
no meio dessas trevas multisseculares.
DO HOMEM CÓSMICO PRÉ-SEXUAL
AO HOMEM TELÚRICO SEXUAL

Depois de passar 40 anos nas solitárias estepes da Arábia, como pastor de


rebanhos, teve Moisés a revelação intuitiva da origem do mundo e da
humanidade. Mas, como essas relevações são “ditos indizíveis” e não têm
palavra nos vocabulários humanos, tentou ele vazar em alegorias o que
contemplara na dimensão anônima transcendente.

Os primeiros capítulos do Gênesis são um reflexo dessa visão cósmica de


Moisés.

Há, no Gênesis, duas narrativas, no primeiro e segundo capítulo, sobre a


origem do ser hominal: a primeira de carácter grandiosamente simples e
cósmico; a segunda de um colorido quase mitológico.

Na primeira narrativa refere Moisés que os Elohim (as Potências Divinas)


crearam Adam como macho e fêmea – literalmente, como pênis e vagina
(zakar e nqebah, no original hebraico; como arsen e thelys, na tradução
grega).

Nesta narrativa não se fala em mulher como entidade separada, autônoma.


Adam1 é simplesmente o ser humano como tal, o anthropos macho-fêmea em
uma única individualidade, o andrógino, o hermafrodita potencial, ainda não
diferenciado em varão e mulher.
1. Adam é a contração de duas palavras sânscritas, adi (primeiro) e aham (ego), significando o
primeiro ser vivo da terra que adquiriu a egoidade pelo despertamento da inteligência
consciente, o que insinua que Moisés teve contato com o Oriente longínquo.

Esse ente hominal neutro era implicitamente macho e fêmea, mas não era
explicitamente nem isto nem aquilo. Era uma simples potencialidade latente
para as duas atualidades futuras.

Nesse estado pré-sexual não podia o homem multiplicar-se, no plano horizontal


quantitativo, como fazem os animais. Era, por assim dizer, um puro Eu
cósmico, uma Individualidade Hominal, mas ainda não uma personalidade Ego,
masculina ou feminina.

É possível que o habitat de Adam não fosse este planeta Terra; talvez o tal
Éden do Oriente fosse outro planeta, ou mesmo o espaço astral. Talvez o
corpo de Adam fosse de substância etérea ou astral, de matéria ainda não
congelada, na linguagem de Einstein; pura energia astral ainda não cristalizada
em materialidade.

Na segunda narrativa do Gênesis temos a bifurcação de Adam em macho e


fêmea separados, uma vez que Yahveh – que, daqui por diante, substitui os
Elohim – queria a quantificação do gênero humano pela procreação, que não
era possível no puro estado adâmico. O tronco original e único do anthropos
se divide nos dois galhos do anér e da gyné, que já não são apenas órgãos
genitais masculino (arsen) e feminino (thelys), mas duas personalidades
separadas e autônomas. Dois grupos de células orgânicos se tornaram duas
entidades humanas. Da Tese inicial do Adam se formaram as duas Anti-teses,
varão e mulher, anér e gyné, o pólo masculino e o pólo feminino, para que
destas Anti-teses, complementares se pudesse, um dia, formar a Sín-tese da
união sexual procreadora.

Neste sentido, era a mulher irmã do varão, e se tornou, mais tarde, sua esposa,
a “mãe de todos os viventes”.

A fim de realizar essa Anti-tese2, prelúdio da futura Sín-tese, fez Yahveh vir
sobre Adam um sono profundo, fê-lo descer das alturas do cosmo-consciente
para as baixadas do ego-consciente, cujo plano é a nossa Terra e seu
ambiente hominal. Durante esse sono profundo, viu Adam a sua “ava”, palavra
sânscrita para “reflexo”, “imagem”, e reconheceu esse seu reflexo como sua
“contra-parte”, semelhante a ele no sexo, igual a ele na natureza hominal.
Antes disto, refere o Gênesis, havia Adam verificado que estava só”, apesar de
ser “macho-fêmea”, e havia procurado em vão, entre os animais, alguém que
lhe fosse igual na natureza e pudesse servir de “companheira auxiliar”, de
contraparte complementar no plano sexual. Agora encontra ele um ser “osso do
meu osso e carne da minha carne”.
2. As palavras de radical latino para esses termos gregos seriam: posição (tese), contraposição
(antítese) e composição (síntese).

A Tese neutra do anthropos se bifurca e diferencia na Anti-tese varão e


mulher, os quais, chegados à sua plena adultez, se uniriam na Sín-tese da
complementaridade sexual.

Não se pode dizer que o fim primário dessa união sexual seja o filho, nem
mesmo a simples satisfação da libido masculino-feminina, mas sim a
completação do homem e da mulher pelo Eros, isto é, pelo amor mútuo,
destinado a transfundir em cada um dos dois aquilo que lhe falta e que o outro
lhe dá. O Eros realiza uma doação recíproca entre varão e mulher, doação que
não consiste primariamente na procreação de um novo indivíduo humano, nem
na mera satisfação da libido animal, mas em algo tipicamente hominal, que é o
aperfeiçoamento dos dois pelo intercâmbio vitalizante de auras ou fluidos.
Essa re-integração do masculino parcial e do feminino parcial no homem total;
esse desejo, consciente ou inconsciente, de re-unificação, num plano superior
é o mergulho de dois vivos incompletos na única Vida completa – perfeito
paralelo da fusão da creatura finita no Creador Infinito que ocorre na
experiência do entusiasmo místico. Pode-se dizer que a erótica3 é a mística
da carne, assim como a mística é a erótica do espírito. É essa a razão porque
os livros sacros da humanidade sempre se servem de roupagem erótica para
exprimir realidades místicas.

3. A minha afirmação de que “a erótica é a mística da carne, assim como a mística é a erótica
do espírito”, usada em alguns livros meus, tem dado aso a grandes deturpações; alguns
escritores, citando as minhas palavras, afirmam que eu considero o erotismo como o
misticismo da carne, e o misticismo como o erotismo do espírito. Nada disto é verdade.
Erotismo e misticismo são vícios – mas a erótica e a mística são saúde.

O caminho do Lógos vai através do Eros, que não é libido. O animal conhece
libido, mas nada sabe de Eros. Infelizmente, os nossos autores usam o termo
“erótico” em vez de “libidinoso”, como também confundem “erótica” com
“erotismo”. O Eros é um amor tipicamente humano entre os sexos. O animal
não sabe de amor, Eros. Ao Eros subjaz um anseio de recosmificação do
homem telúrico, o que explica a elementar veemência do instinto sexual.

Na narrativa da creação de Adam usa o hebraico o verbo básico barah, ao


passo que, no aparecimento dos sexos, usa o termo secundário itser, que quer
dizer “formar”, “plasmar”, dar determinada forma a algo já existente. A origem
do Adam, do anthropos, era uma verdadeira “creação” inédita, um novo início,
ao passo que o aparecimento do varão e da mulher é apenas uma
continuação, uma formação, uma evolução ou criação, mas não uma creação4.

4. É profundamente deplorável que a nossa Academia de Letras tenha abolido a forma “crear,
creação, creador”, mandando substituí-la por “criar, criação, criador”, quando há enorme
diferença de sentido entre “crear” e “criar”. O fazendeiro é um gênio creador, mas não é
necessariamente um criador. Deus é o creador do Universo, mas nem por isto é um criador.
Esperamos que a Academia, algum dia, restitua o termo “crear”, de acordo com o que acontece
em outras línguas cultas.

Tem dado aso a muita pilhéria o tópico do Gênesis de que Deus teria formado
a Eva de uma costela de Adão. Convém saber que nos relatos da Assíria e da
Suméria sobre a origem do homem e da mulher, nada consta dessa “costela”.
Os documentos cuneiformes da Suméria, muito anteriores ao nosso Gênesis,
dizem que Deus fez a mulher da “força vital” do homem. A palavrinha “ti”, que
figura nesses documentos e significa “vitalidade”, talvez tenha dado origem ao
equívoco, uma vez que “ti” também poderia significar “osso”. A ciência moderna
sabe que as células vermelhas do nosso sangue têm origem no tutano dos
ossos maiores do corpo. Adam diz: “Isto é osso do meu osso”, talvez no
sentido: Isto é vitalidade da minha vitalidade.
Parece que, em nosso dias, a “formação” bissexual macho-fêmea está em vias
de uma “re-formação”, ou mesmo, uma “deformação”; cada vez mais se
apagam as fronteiras entre homem e mulher. Muitos homens não querem mais
ser homens, e muitas mulheres estão cansadas de ser mulheres. Por um lado,
assistimos a uma crescente hipertrofia do sexo ou do sexismo; por outro,
vemos uma hipotrofia ou atrofia sexual. Este fenômeno, embora pareça
paradoxal, é profundamente lógico: a hipertrofia do instinto sexual, quando
descontrolada, acarreta, cedo ou tarde, a sua atrofia. Toda a fome, quando
chega a excessiva fartura, acaba em fastio. O hipersexismo gera
infrasexismo. Possivelmente, a humanidade vai desaparecer da face da terra
por involução sexual. O regresso não será ao plano do homem cósmico pré-
sexual, mas sim a um homem pseudo-cósmico dessexuado por
supersexuação, enfastiado por supersaturação.

Dá-se na humanidade o mesmo fenômeno que na física se chama entropia,


isto é, nivelamento gradual de todos os desníveis, até acabar na completa
paralização de todas as forças vivas do cosmos ou do anthropos – suposto
que não haja um processo reversivo ou compensador, que os filósofos
modernos chamam ectropia, que seria o re-desnivelamento dos desníveis
nivelados.

Para que a entropia mortífera seja sustada e contrabalançada pela ectropia


vitalizante deve surgir, das profundezas do cosmos ou da humanidade, um
fator ativo que compense os fatos negativos. Este fator ectrópico existe na
consciência hominal; importa que seja altamente desenvolvido até atingir a
elevada voltagem da pleni-consciência do EU SOU, da realidade do Eu.

O grosso da humanidade, certamente, não possui essa elevada voltagem


consciente da sua realidade Eu, não está auto-realizada; mas sempre existe na
grande humanidade-massa uma pequena humanidade-elite, capaz de servir de
“fermento vivo” no meio das “três medidas de farinha morta”, podendo levedar
com a sua intensa qualidade a extensa quantidade dos outros.

Quando a eletricidade impolar (tese) do Universo se separa em eletricidade


bipolar, positiva-negativa (antítese), podem esses dois pólos reunir-se numa
síntese, que se manifesta como luz, como calor, como força. Isto, no caso que
a eletricidade bipolarizada seja devidamente controlada rumo à síntese, como
acontece em nossas lâmpadas (luz), em nossos aquecedores (calor) e em
nossos dínamos (força). Mas, quando a re-unificação dos pólos antitéticos se
fizer sem controle – como acontece no raio e em nossos curtocircuitos – então
há uma violenta explosão momentânea – e a eletricidade bipolar voltou a seu
estado neutro, impolar.

A humanidade está agora nessa tendência de união descontrolada, de


explosão sexual – e ao mesmo tempo de desnivelamento sexual, de
desmasculinização e desfeminização. Explosões violentas – e entropia
mortífera...

Será que seremos uma síntese sexual controlada, que dê luz, calor e força?

Será que esta entropia mortífera será contrabalançada por uma ectropia
vitalizante?

Será que essa libido animalesca vai culminar num Eros humano?

Se houver uma elite humana controlada e ectrópica, teremos uma semente


para uma futura humanidade cosmificada, cristificada, que povoará o planeta
Terra – “e haverá um nove céu e uma nova terra e o reino de Deus será
proclamado sobre a face da terra”...

O Cristo Cósmico, que apareceu aqui, personificado em Jesus de Nazaré, era


o “novo Adam”. Não era o Adam pré-sexual do Gênesis; nem era o Adam
sexuado que creou Eva – mas era o novo Adam ultra-sexual, que está além
daqueles dois estágios evolutivos da humanidade.

Um dia falou ele de três tipos de homens relacionados com o sexo: os que por
deficiência da natureza não eram sexuados; os que tinham sido assexuados
pelos homens – e os que, por amor ao reino de Deus haviam ultrapassado o
sexo e a sexualidade. Falou dos infra-homens, dos semi-homens e dos pleni-
homens. E, como os da terceira fase dependem da mais alta compreensão da
natureza humana, exclamou o Mestre: “Quem puder compreendê-lo
compreenda-o!”

O Adam pré-sexual não procreava.

O Adam sexuado em macho e fêmea garante a imortalidade racial da


humanidade.

O Adam ultra-sexual realiza a sua própria imortalidade individual.


PERIFERISMO OU CENTRALIDADE?

Duma cidade do interior recebi carta pedindo conferências sobre certos


assuntos. Os interessados marcaram nada menos de meia dúzia de temas
diferentes, todos eles periféricos, desconexos, de superfície – nada de
profundidade.

Está acontecendo na filosofia o que acontece na medicina: medicação de


sintomas – não uma cura da raiz do mal.

Este bacharelismo de cursinhos é a morte da Filosofia. Há na Europa, diz


Salmananoff, 70 sistemas filosóficos – e nunca nenhum deles beneficiou a
humanidade.

Coisa análoga se poderia dizer da medicina: há centenas de sistemas de


medicação de sintomas mórbidos – e há pouquíssima cura radical do
organismo.

O mesmo processo se verifica também no plano social: muita instrução – e


pouca educação. A instrução se refere aos objetos do ego – ao passo que a
educação tem que ver com o sujeito do Eu.

Instrução é do Verso – educação é do Uno.

É a força central do Uno que move as periferias do Verso.

Os charlatães do periferismo querem eliminar os males sem abolir a maldade.


Querem extirpar os frutos peçonhentos, sem exterminar a árvore venenosa.
Combatem os atos maus, mas se esquecem de destruir a atitude má.

Toda a nossa vida, individual e social, sofre desse infeliz periferismo sem
nenhuma centralidade. “Remendo novo em roupa velha”, diria o Nazareno.

A nossa Filosofia Univérsica visa exatamente o contrário: procura curar as


doenças do VERSO pela saúde do UNO. Se, na linguagem de Einstein, não há
um caminho do Verso dos fatos para o Uno dos valores, há contudo um
caminho do Uno dos valores para o Verso dos fatos, dando em resultado um
grandioso UNIVERSO HOMINAL.

Não podemos melhorar a moral do agir sem retificarmos a metafísica do ser.


Não podemos esperar auto-realização sem auto-conhecimento. Enquanto o
homem não tiver consciência nítida e firme sobre a sua própria Realidade
Central, não há nenhuma esperança de melhorar as suas Facticidades
Periféricas. A reforma da vida social depende da conversão do homem
individual – e esta conversão não é outra coisa senão auto-conhecimento, uma
resposta clara à eterna pergunta: Que é o homem, esse desconhecido? que
sou eu?

Pouco adianta converter vícios em virtudes, porque tanto estas como aqueles
estão na zona do ego humano, na mesma linha horizontal. O pólo negativo
dessa horizontal se chama homem vicioso – o pólo positivo da mesma
horizontal se chama homem virtuoso. A solução definitiva não está nesta
transição horizontal do ego vicioso para o ego virtuoso – está na superação
total de qualquer tipo de egoidade; está na vertical do Eu sábio erguida sobre a
horizontal dos egos viciosos ou virtuosos.

Não se trata de pôr “remendo novo em roupa velha”, trata-se de fazer nascer a
“nova creatura em Cristo”, o homem integral, o homem universificado.

Mas... pode o ego transformar-se em Eu?

Pode o ego vicioso ou virtuoso atingir as alturas do Eu sábio?

Podem os fatos produzir valores?

Não! do mundo dos fatos não conduz nenhum caminho para o mundo dos
valores, diz Einstein. E o que vale na Matemática vale também na Metafísica.

É um erro multissecular querer fazer do ego um Eu, da semente uma planta.

Mas não vemos cada dia que a semente se transforma em planta? e por que
não poderia o ego transformar-se em Eu?

Aqui está uma velha ilusão, um equívoco, aparentemente razoável.

Se dermos à semente ou ao ego o grau 10, e à planta ou ao Eu o grau 100,


será possível admitir que o 10 possa causar o 100? Neste caso, o efeito seria
maior que a causa, o que é a negação radical da lógica – é este, aliás, o erro
fundamental do darwinismo, que deriva do animal o homem, do menos o mais.

Se colocarmos uma semente, grau 10, sobre a mesa, nunca veremos a sua
transformação em planta, grau 100. Por que não? Porque o 100 da planta não
está contido no 10 da semente.

Mas, se pusermos a semente no fundo da terra, com suficiente umidade e


calor, ela brotará em planta. Que foi que a fez brotar? que foi que a
transformou em planta? que foi que fez do 10 da semente o 100 da planta?

A Vida contida na água do solo e no calor do sol. A potência da Vida Universal


do cosmos foi canalizada para dentro da semente e fez nela despertar o vivo
potencial da semente para o vivo atual da planta. A semente potencialmente
viva serviu de catalizador para produzir a planta atualmente viva. O céu e a
terra, o sol e a água, causaram a evolução da semente em planta. Mas, como
no sol e na água há Vida Universal, Vida em grande abundância, Vida recebida
do Uno do Universo, pode a Vida Infinita transformar o vivo finito 10 em um vivo
finito 100. O 100 não veio do 10, mas veio da Vida Infinita do Cosmos, através
do 10.

De modo análogo, não é o 10 do ego que causa o 100 do Eu; mas é o Poder
Infinito do Universo que, através do ego, produz o Eu, suposto que o ego
funcione como canal e veículo da Fonte Cósmica.

O vivo menor deve receber o impacto da Vida para se transformar num vivo
maior. É inadmissível, à luz da lógica e da matemática, que um vivo menor
produza um vivo maior, mas é perfeitamente admissível que um vivo menor
sirva de canal para um vivo maior, contanto que, para além de todos os canais,
exista uma fonte de Vida.

A Potência Infinita é causa ou fonte.

As Potencialidades Finitas funcionam como condições ou canais.

Quando o ego humano tem suficiente receptividade (potencialidade), o Eu


divino flui para dentro dele, assim como as águas da fonte fluem para dentro
dum canal aberto.

A natureza extra-hominal é sempre receptiva para a causa ou fonte da Vida,


porque funciona automaticamente, em sentido unilinear.

Mas o homem, dotado de livre-arbítrio, pode abrir ou fechar os seus canais,


possibilitando ou impossibilitando o fluxo das águas da fonte para dentro dos
canais.

A Potência da fonte atua nos canais de acordo com a potencialidade destes.

O efeito não depende da Potência, causa, fonte – o efeito, maior ou menor,


depende da maior ou menor abertura dos canais.

O recebimento dos canais é diretamente proporcional à sua receptividade.

E esta receptividade é creação do livre-arbítrio do homem.

Quem mergulha no oceano um copo, tirará um copo de água.

Quem mergulha no oceano um litro tirará um litro de água.

Quem mergulha no oceano um tonel apanhará uma tonelada de água.

A medida do recebido não está no oceano doador, mas no vaso receptor.

O Infinito do Uno está finitamente no Verso.


O Infinito de Deus (Eu) está no homem (ego) de acordo com a capacidade
receptiva deste.

Toda a diferença entre a maior ou menor perfeição espiritual dos homens está
na sua maior ou menor capacidade receptiva.

O Uno Infinito é condicionado pelo Verso dos Finitos.

As periferias recebem as forças do centro segundo as suas capacidades


receptivas.

O livre-arbítrio é o único responsável pela diferença espiritual entre fulano,


sicrano e beltrano.

O livre-arbítrio é o poder de ser causa própria.

O livre-arbítrio é um poder interno, auto-causante e auto-causado.

No livre-arbítrio não existe nenhum porquê externo – todo o seu porquê é


interno.

O livre-arbítrio não é indeterminismo (ausência de causalidade), mas é auto-


determinação, causação própria em vez de causação alheia.

Quando o Verso humano se trona 100% receptivo em face do Uno divino,


então este Uno, de infinita riqueza, enche o Verso de acordo com a capacidade
deste.
VISÃO UNIVÉRSICA DO COSMOS E DO HOMEM

Para compreender a história da humanidade, devemos ter a visão nítida de


que, no cenário do Universo atuam duas forças, aparentemente contrárias, mas
realmente complementares: a inteligência analítica e a razão intuitiva.

A inteligência analítica representa a força centrifuga.

A razão intuitiva representa a força centrípeta.

O equilíbrio harmônico entre centrifuguismo e centripetismo forma a harmonia


cósmica.

No homem, a inteligência analítica (divergente) é representada pelo ego; a


razão intuitiva (convergente) é representada pelo Eu.

No cosmos, não pode haver desequilíbrio, desarmonia, entre as duas forças,


porque elas são automáticas, mecânicas, necessárias, não-livres.

No homem pode haver desequilíbrio, desarmonia, entre o ego centrífugo e o Eu


centrípeto.

Desequilíbrio significa destruição, assim como equilíbrio é conservação.

A manifestação do desequilíbrio se chama sofrimento, que é um convite para


o reequilibramento do desequilíbrio provocado pelo livre-arbítrio.

Se esse convite ao reequilibramento não é atendido, dentro do ciclo total da


evolução humana, o livre-arbítrio do homem se extingue automaticamente, e o
indivíduo humano recai ao seio universal do cosmos, como matéria-prima,
deixando de ser individual.

Se o homem se harmoniza espontaneamente com a harmonia do cosmos,


integra-se nesse cosmos como individualidade, representando um aspecto
individual no cosmos universal – assim como uma onda na superfície do mar,
se fosse permanente, seria um novo aspecto desse mar universal.

Toda a história da humanidade é um duelo permanente entre as forças


centrífugas do ego divergente e a força centrípeta do Eu convergente.

Não há nesse drama cósmico nenhuma finalidade, no sentido humano, há


apenas causalidade, no sentido cósmico: a infinita intensidade do UNO tende
a manifestar-se na infinita extensidade do VERSO, para equilibrar a qualidade
do UNO pela quantidade do VERSO, uma vez que o UNIVERSO exige esse
equilíbrio entre o UNO e o VERSO. Por isto, a intensidade do UNO tende a se
revelar sempre de novo em novas extensidades do VERSO – sem nenhuma
finalidade transcendente, mas com irresistível causalidade imanente.

Nós, os seres humanos, somos simples atores no cenário do cosmos.

O destino cósmico é infalível e vai se realizar, independente da atividade do


ego e do Eu. Somente o modo desta realização do destino cósmico está no
poder do homem, mas não o quê, o fato, dessa realização. Quer eu me
extinga, quer eu me conserve, nada disto afeta o destino cósmico, afeta
apenas o meu destino humano, a minha destruição individual – ou a minha
conservação individual. Não interessa ao cosmos nem a minha destruição nem
a minha conservação, como procura fazer crer a nossa visão unilateral e o
nosso personalismo sentimental.
CONFORTO, CONFORTISMO, CONFORTITE

Todo o progresso consiste numa progressiva objetivação (ego-hipertrofia) e


correspondente des-subjetivação (Eu-atrofia). A máquina do ego procura
substituir a alma do Eu. O homem progressista é 90% objeto e 10% sujeito; por
fim, ele é 100% objeto e 0% sujeito.

O conforto é razoável.

O confortismo é doentio.

A confortite é mortífera.

Todas as grandes civilizações morreram de confortite.

Toda a hipertrofia acaba em atrofia.

O homem pode construir um olho artificial muito mais perfeito que o olho
natural; pode também fabricar um cérebro eletrônico muito mais eficiente,
seguro e rápido do que o cérebro natural; o cérebro eletrônico executa em 5
minutos o que o cérebro natural não faria em 5 dias, e com infalível exatidão.

A natureza, evidentemente, não está interessada numa progressiva e ilimitada


objetivação, mecanização, “coisificação”. A natureza mantém um equilíbrio
estável entre o objeto e o sujeito, entre a coisa e a pessoa (ou indivíduo);
produz coisas materiais a serviço do indivíduo hominal, mas não substitui este
por aquelas. A natureza não está interessada em produzir um olho 100%
perfeito, ou um cérebro 100% eficiente, porque sacrificaria o fim (homem) pelo
meio (máquina). Ela quer que o objeto inconsciente sirva ao sujeito consciente,
a fim de evitar a morte por entropia, por falta de ectropia.

É provavelmente aqui que reside todo o luciferismo anticósmico da tecnologia


humana; o homem técnico tenta substituir o homem hominal pelo pseudo-
homem maquinal. Hipertrofia o objeto e atrofia o sujeito.

O homem criou a máquina para se libertar de certos trabalhos mecânicos, mas


a máquina tomou conta do homem e o reduz a um escravo.

Virou o feitiço contra o feiticeiro.

Virou a máquina contra o maquinista.

O robô criado pelo homem tomou conta do homem.


São precisamente os países mais desenvolvidos, as nações super-
desenvolvidas, como os Estados Unidos e a Rússia, que mais sucumbiram a
essa epidemia. Não lhes basta o conforto, querem confortismo; e, quando este
culmina em confortite, então estes povos estão no princípio do fim. Tudo que o
ego faz é circular, é um círculo vicioso, é a serpente que morde a sua própria
cauda.

Todas as grandes civilizações morreram de confortite, apodreceram dentro do


seu próprio luxo.

Todo progresso, levado ao excesso, é anti-progressista – assim como toda a


liberdade sem feio é liberticida.

Toda a física necessita de uma base na metafísica para não ser


contraproducente.

A sabedoria está na harmonia do equilíbrio – está no Uni-verso.


QUE MENSAGEM TEM A YOGA ORIENTAL
PARA O HOMEM OCIDENTAL?

Pode a yoga trazer-nos algo realmente novo?

Pode a yoga ajudar-nos a realizarmos melhor o nosso destino humano, aqui na


terra, e, possivelmente, em outros mundos?

Há no ocidente pessoas que se julgam perfeitos yoguis. Conhecem e dominam


todas as ásanas e mudras praticadas no oriente.

Mas, o que nos interessa, em primeiro lugar, não são essas técnicas, que, não
duvidamos, podem ser praticadas também pelo homem ocidental.

O que queremos saber é outra coisa: se a prática da yoga pode fazer do


homem moderno tão frustrado um homem reintegrado, seguro, tranquilo e
feliz. Com outras palavras: se a yoga pode fazer do homem material-mental
do ocidente, não um homem espiritual do oriente – mas sim um homem
integralmente humano, um homem autêntico, um pleni-homem. Um homem
perfeitamente humano no corpo, na mente e na alma, uma síntese cósmica do
homem-ego e do homem-Eu.

Perguntamos se a yoga, assim como está sendo praticada no oriente, e como


invadiu o ocidente há uns 50 anos, pode realizar este sonho dourado da
humanidade.

Não negamos absolutamente que as práticas yoguísticas possam despertar no


homem poderes dormentes, que o yogui possa, eventualmente, tornar-se um
mago, um clarividente, um telepata, ou mesmo um faquir.

Mas o que nos interessa, antes de tudo, não são essas conquistas
secundárias, periféricas – o que, acima de tudo, nos interessa, é a auto-
realização do homem integral. E, como esta auto-realização supõe auto-
conhecimento, perguntamos se a prática de yoga que nos vem do oriente
pode dar ao homem ocidental verdadeiro auto-conhecimento e seu corolário, a
auto-realização.

Não se trata absolutamente de desenvolver no homem esta ou aquela


faculdade parcial – trata-se de realizar nele a sua natureza integral, que não é
somente corporal, nem mental, nem espiritual, mas universal, abrangendo, em
perfeita harmonia e equilíbrio, todos esses componentes do homem cósmico.
Acima de tudo, queremos saber se essas práticas yoguísticas já realizaram
alguma vez, no oriente ou no ocidente, esse ideal do homem integralmente
humano.

Outra pergunta, não menos importante: é verdade que o oriente trouxe ao


ocidente algo que este não possuía ou pelo menos ignorava possuir?

Não! O oriente não introduziu nada de novo no ocidente. O que ele fez foi
chamar a atenção e o interesse do homem ocidental para algo que já existia
entre nós, mas que nós, sobretudo no fim do século XIX e princípios do século
XX, havíamos grandemente obliterado e negligenciado, mas que, em eras
anteriores despertava vivo interesse também na humanidade ocidental.

Basta evocar nomes como Sócrates, Platão, os Neo-platônicos, Heráclito,


Zenon e os Estóicos, Sêneca, Marco Aurélio; e mais, recentemente, os
místicos cristãos Meister Eckehardt, João da Cruz, Boehme, Fichte, Thoreau,
Coleridge, Novalis, e tantos outros, que sempre chamaram a atenção do
homem das suas periferias ego para o seu centro Eu.

Verdade é que alguns yoguis orientais despertaram a nossa atenção e o nosso


interesse para essas coisas de dentro, que eles praticam há milênios
sacrificando, quase sempre, as coisas de fora.

Daí a tendência de certos ocidentais de quererem abandonar as coisas de fora


pelas coisas de dentro – como se houvesse essencial incompatibilidade entre
estas e aquelas. Não compreenderam a mensagem do maior mestre da
humanidade, que não foi propriamente oriental nem ocidental, mas uma
espécie de traço de união entre esses dois hemisférios, a mensagem que fala
do “reino de Deus e sua harmonia”, e que a conscientização dessa “harmonia”
(justitia, em latim; dikaiosyne, em grego) nos garantiria “todas as outras
coisas”, as coisas materiais atraídas pela realidade espiritual.

Muitos ocidentais estão caindo no erro de quererem substituir uma coisa por
outra, em vez de realizarem uma complementação recíproca. Querem trocar
as coisas materiais pelas espirituais, processo inverso do que praticam muitos
orientais – em vez de espiritualizarem todas as coisas materiais. Muitos
querem fazer uma dissociação em vez duma associação, duas antíteses
parciais em vez de uma grande síntese total, uma substituição ou
justaposição mecânica em vez de uma interpenetração orgânica entre as
coisas do ego humano e do Eu divino no homem.

Não nos interessam nem os materialistas unilaterais nem os espiritualistas


unilaterais – interessam-nos os universalistas onilaterais, os que não
somente realizaram “as outras coisas”, nem somente o “reino de Deus”, mas
sim a “harmonia” entre aquelas coisas materiais e esta coisa espiritual.
Permitimos que o yogui oriental desperte em nós o interesse pelas coisas
espirituais – mas não permitimos que nos tire as coisas materiais e mentais.
Queremos uma perfeita síntese, harmonia orgânica entre os factos externos e
os valores internos, entre o VERSO do ego e o UNO do Eu, para que a nossa
vida seja como a do próprio UNIVERSO, unidade na diversidade, que é
Harmonia Cósmica.

“E o reino de Deus será proclamado sobre a face da terra”.


A CULPA DE TODOS É O SOFRIMENTO DE MUITOS

Há culpabilidade individual – mas há também penalidade coletiva.

Pode um indivíduo não ser pessoalmente culpado; mas o fato de ele pertencer
a um organismo humano cujos indivíduos são culpados, faz esse indivíduo
sujeito à penalidade coletiva.

Isto é injustiça?

Não.

O individuo humano comum é “filho de mulher”, filho dessa mãe comum que é
a mãe-humanidade, à qual ele está preso pelo cordão umbilical do seu ego
hominal; ele é apenas semi-nato, espécie de nascituro – corpo-nato, não
espírito-nato – não é ainda um pleni-nato, nascido pelo espírito. Aqui na terra
apareceu apenas um único homem pleni-nato, o “filho do homem”, o homem
integral, que não estava mais ligado à mãe-humanidade pelo cordão umbilical
do ego. Somente o Eu é pleni-nato, o ego é semi-nato, embora seja um ego
virtuoso, não é um Eu sapiente.

A geração natural esperma-óvulo oriunda de duas libidos – que é a mais alta


forma de egoísmo – não permite pleni-nato, que seria fruto de puros amores.
Só a geração verbo-óvulo permite pleni-nato. A libido macho-fêmea mantém o
homem no plano do semi-nato (“em dores darás à luz os teus filhos”). Somente
o amor garante pleni-nato.

Não terá a libido, em lugar do amor, sido o tal “pecado original”?

Adam, a razão do Eu, já tendo a potencialidade de gerar pelo verbo (lógos,


razão), deixou-se seduzir pela libido do ego encarnada em Eva, ligada ainda
aos sentidos e ao intelecto. Eva, recém-saída do mundo do ego, fez baixar
Adam (o Adi-aham, primeiro ego) ao plano da animalidade, quando Adam devia
elevar Eva ao plano da hominalidade.

Poderia haver geração verbo-óvulo, por amor – e houve apenas geração


esperma-óvulo, por libido. E como poderiam duas libidos gerar um homem
perfeito, um pleni-nato, um “filho do homem”? “Filho do homem” seria produto
do amor – “filho de mulher” é produto da libido.

Somos todos “filhos de mulher”, libido-natos – e não “filhos do homem”, amor-


natos; e por isto estamos sujeitos à penalidade coletiva, embora nos tenhamos
emancipado de uma culpabilidade individual. O nosso mal é da nossa origem,
da concepção pela libido. É este o “pecado original”.

Podemos, pelo poder do livre-arbítrio, libertar-nos da culpa – não podemos


libertar-nos da pena, que é uma espécie de contágio ou contaminação racial.
Enquanto a raça humana como tal não se originar de outro modo, não
cessarão os sofrimentos.
MORALIDADE DO AGIR OU VERDADE DO SER?

Em que consiste a quintessência da auto-realização?

As igrejas e sociedades espiritualistas convidam o homem a passar da


imoralidade do agir para a moralidade do agir, do egoísmo para o
altruísmo, do vício para a virtude. Praticamente, toda a nossa educação,
moral, cívica e religiosa, consiste numa transição do mal-agir para o bem-agir.

Nisto vêem os moralizadores o alfa e ômega da religiosidade, e da própria


auto-realização.

Quer dizer que essa mentalidade visa unicamente a fazer do ego vicioso um
ego virtuoso.

Na linguagem do Evangelho do Cristo chama-se isto “pôr remendo novo em


roupa velha, deitar vinho novo em odres velhos”.

Não negamos absolutamente que o altruísta seja melhor do que o egoísta, que
o homem virtuoso seja preferível ao homem vicioso. Negamos que esta
mentalidade horizontalista seja a alma da auto-realização.

Em quase 2000 anos de cristianismo, o homem não ultrapassou esta linha


horizontal do ego-agir; o máximo que ele conseguiu foi apenas elevar a linha
horizontal baixa do agir egoístico para outra linha horizontal mais alta de um
agir altruístico. A imensa maioria dos homens está satisfeita com esse
horizontalismo. Muitos estão convencidos de que os grandes Mestres da
humanidade, sobretudo o Cristo, tenham proclamado essa moralidade do agir
como supremo e definitivo ideal da sua mensagem.

Isto porém, é um erro funesto, muita vezes corroborado pelo próprios chefes
das igrejas e das sociedades espiritualistas.

Devido a esse erro fundamental, não melhorou humanidade. À luz das


estatísticas oficiais de qualquer país do mundo, a criminalidade vai crescendo
assustadoramente. Em 1950, a estatística criminal dos Estados Unidos, país
quase 100% cristão, apresentava o seguinte quadro:

1 assassinato cada 40 minutos.

1 violação cada 30 minutos.

1 roubo cada 8 minutos


1 furto cada 29 segundos

1 roubo de automóvel cada 2,4 segundos

1 briga violenta cada 4 segundos

Dessa data para cá, as estatísticas pioraram grandemente.

A mensagem dos grandes Mestres não visa, em primeiro lugar, a moralidade


do agir, mas sim a verdade do Ser. Os grandes iniciados sabem, por uma
intuição genial, que a transição do agir imoral para um agir moral é apenas uma
repressão de sintomas do mal, mas não uma erradicação da raiz do mal; não
atinge a raiz profunda da qual brotam sempre novas maldades, mesmo quando
essas maldades sejam reprimidas ou medicadas em sua manifestação social e
externa.

O agir virtuoso não é uma cura radical do agir vicioso; é apenas uma
camuflagem, uma repressão superficial e temporária, porque tanto o agir
virtuoso como o agir vicioso têm por base o mesmo ego humano, que é
visceralmente negativo e maléfico.

Enquanto o homem não ultrapassar o plano horizontal da sua egoidade – quer


viciosa quer virtuosa – e entrar na consciência vertical do seu Eu divino, não há
cura real e definitiva das maldades; há apenas repressão, camuflagem,
paliativo, charlatanismo, embora bem intencionados.

A mensagem dos Mestres e do Cristo não tem caráter moral, mas sim
metafísico. Visa não apenas a uma vivência melhorada, mas sim a uma nova
consciência sobre a natureza fundamental do homem.

Neste sentido diz o Cristo: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” –


vos libertará tanto do ego vicioso como também do ego virtuoso, porque tanto
este como aquele são essencialmente imperfeitos e ilusórios.

O Evangelho do Cristo, e sua continuação em forma da ALVORADA, não


visam, em primeiro lugar, um melhoramento no plano horizontal do agir, mas
exige uma nova visão no plano vertical do Ser.

Desta correta visão do Ser, desta conscientização do Eu divino no homem,


brota então, com infalível certeza, um novo modo de agir, não mais
precariamente moral, mas firmemente ético. Depois dessa consciência
metafísica do Ser verdadeiro, o agir que daí resulta não é mais um agir virtuoso
e difícil, mas sim um agir sábio e fácil; não está mais pautado pelo dever
compulsório “tu deves”, mas inspirado pelo querer voluntário “eu quero”.

Nenhum agir difícil tem garantia de perpetuidade – somente um agir fácil e


jubiloso é que garante perpetuidade. Também no plano físico tudo que tem
garantia de continuidade é fácil e deleitoso, como o comer, beber, dormir, como
as coisas do sexo: são coisas espontaneamente fáceis. Sem essa facilidade e
esse prazer não haveria garantia na continuação do indivíduo e da espécie.

No plano metafísico superior vigora a mesma lei: enquanto a vivência espiritual


for apenas “caminho estreito e porta apertada”, não há garantia de
continuidade; mas, quando a vivência espiritual se torna “jugo suave e peso
leve”, então há perfeita garantia e certeza de continuidade.

Para os principiantes, certamente, é necessário a virtuosidade sacrificial – mas


para os mais avançados porém, impera a sapiência fácil e jubilosa.

Será que o homem deve ser eterno principiante?

Surge a pergunta: se o querer espontâneo da sabedoria é fruto do dever


compulsório da virtuosidade?

Respondemos que a virtuosidade sacrificial do principiante, o dever


compulsório, pode ser um caminho e preliminar para o querer espontâneo –
mas somente no caso em que esse dever seja nitidamente visualizado como
um meio a ser ultrapassado, como uma seta à beira da estrada, que deve ser
contemplada e depois abandonada. Do contrário, se o dever compulsório for
considerado como um fim em si mesmo, obstrue o caminho para progresso
ulterior rumo à suprema sapiência do Ser.

Os grandes Mestres da humanidade não acreditam numa radical e definitiva


transformação do homem somente por um agir moral; insistem grandemente na
absoluta necessidade do auto-conhecimento, isto é, da nítida visão da
verdade do homem sobre si mesmo, a fim de poder agir corretamente em
virtude dessa consciência do seu Ser. Sem esse auto-conhecimento não pode
haver verdadeira auto-realização.

O melhoramento moral e social da humanidade só pode ser realizado pelo


auto-conhecimento e pela auto-realização do homem individual.

É este o supremo ideal de toda a Filosofia, do Evangelho do Cristo e da nossa


Alvorada.

Auto-realização pelo auto-conhecimento.


COMO ESTABELECER NO UNIVERSO HOMINAL
A HARMONIA DO UNIVERSO SIDERAL

Como dizíamos, a harmonia do Universo sideral é automática, perene, porque


depende de leis cósmicas que não sofrem mutação.

No Universo hominal, porém, entrou um novo fator, que pode crear uma
harmonia maior que a do cosmos – mas pode também diminuir, e até destruir
totalmente a harmonia na vida humana.

É este o privilégio – e também o perigo do livre-arbítrio do homem.

Mas, por causa da possibilidade duma harmonia maior – espontânea em vez


de automática – permite o Universo essa espada de dois gumes, que é o livre-
arbítrio humano.

O livre-arbítrio é, potencialmente, uma harmonia supra-cósmica – ou então


infra-cósmica.

Sendo que o UNO do Universo é de qualidade infinita, o seu VERSO deve ser
de quantidade infinita (ou indefinida) – e é esta a razão porque o UNO tem a
irresistível tendência de se manifestar em formas sempre novas e diferentes. A
pluralidade do VERSO tende a equilibrar a unidade do UNO. A Essência do
Uno Infinito crea sempre novas Existências no Verso dos Finitos. Não há nisto
uma “finalidade”, em sentido humano, mas sim uma “causalidade”, que é a
própria natureza bipolar do Universo. É este o postulado básico que serve de
substrato a toda e qualquer filosofia digna deste nome.

Uma das formas creadas pelo Verso quantitativo do cosmos é precisamente o


fenômeno do livre-arbítrio: ao lado da harmonia automática existe a
possibilidade duma harmonia voluntária. Por causa da infinita unidade existe a
infinita pluralidade do cosmos.

O fenômeno do livre-arbítrio é a mais alta prova de confiança que o Universo


tem em si: ele pode permitir e querer a mais vasta diversidade das suas
creaturas, na certeza de que nenhuma pluralidade espontânea conseguirá
destruir a unidade necessária. Na imensa variedade dos Finitos celebra o
cosmos o maior triunfo da sua unidade, no Infinito. A eterna Essência nunca
será esfacelada pelas existências temporárias.
O Universo sideral, automático e definitivo, é totalmente creado, por isto não é
nada creador – ao passo que o Universo hominal é apenas parcialmente
creado e por isto parcialmente creador. Disse alguém que Deus creou o
homem o menos possível para que o homem se possa crear o mais possível.

A creatividade do homem está no seu livre-arbítrio, onde ele é parcialmente


creado, como o resto da natureza, e parcialmente creador, como a natureza
não é.

A creaturidade do homem é aquela parcela da sua natureza que coincide com


a restante natureza – a creatividade do homem é aquele elemento que não
existe na restante natureza.

A natureza automática, creada e não creativa, é comparável a um disco de


gramofone, que toca infalivelmente todas as notas gravadas na espiral do
disco, nenhuma a mais, nenhuma a menos, nem pode variar a tonalidade. É
100% escravo e 0% livre. É a monotonia da infalibilidade, a segurança do
automatismo.

A natureza livre do homem é comparável a um violinista com seu violino: neste


instrumento não existem notas pré-estabelecidas, tudo deve ser produzido no
momento pelo violinista. Isto implica na possibilidade de ele errar, mais inclui
também a possibilidade de variar indefinidamente a música, fazendo vibrar
subtons e supertons, vibrações imponderáveis da sua própria alma, jubilar
alegrias e soluçar tristezas; pode humanizar as próprias cordas do violino,
como se fossem os nervos vivos e sensíveis do seu corpo, e cantar sobre
esses nervos todos os cambiantes dos seus sentimentos de amor e ódio, de
esperança e desespero, de beatitude e de frustração. De maneira que a
falibilidade do violino é ricamente compensada pela imensa ampliação da
escala de sentimentos e emoções do violinista, e nada disso existe no
automatismo monótono do gramofone.

É o que se dá com o livre-arbítrio humano – tão falível quão glorioso.

A sua pequena creaturidade é bem compensada por sua grande


creatividade.

E o espírito cósmico tolera todas as pequenezas por uma única grandeza.

O Universo é antes uma hierarquia do que uma democracia; ergue uma única
vertical sobre muitas horizontais; lança ao céu um estreito vértice sustentado
por uma larga base terrestre. Um único fator livre vale por todos os fatos não
livres.

Neste sentido, continua o homem a ser a coroa da creação.


Pelo livre-arbítrio pode o homem supra-universificar-se, como pode também
infra-universificar-se. Pode ser melhor que o cosmos sideral – e pode ser pior
do que ele. Mas o Universo tolera o possível pior pelo possível melhor, porque
o Universo é inexoravelmente hierarquizante.

Uma única harmonia consciente vale mais que todas as harmonias


inconscientes.

Não fosse essa harmonia hominal consciente – base duma grande ectropia –
possivelmente todas as harmonias inconscientes do cosmos acabariam por
perecer em total entropia, como Paulo de Tarso parece ter entressentido nas
palavras do capítulo 8 da epístola aos romanos.

***

A Filosofia Univérsica tem por fim mostrar ao homem o caminho certo para
construir a sua vida segundo a imagem e semelhança do cosmos, fazer
livremente o que o cosmos faz automaticamente.

A música automática do Universo sideral pode transformar-se na música livre


de um violino a serviço do homem.

Para conseguir isto, deve o homem: 1) conhecer-se a si mesmo; 2) realizar-se


de acordo com esse auto-conhecimento.

Auto-conhecimento, e auto-realização – e nada mais.

Filosofia Univérsica é a consciência e vivência da Realidade Cósmica dentro do


próprio homem.
EXTINÇÃO DA HUMANIDADE PELO
HOMOSSEX E UNISSEX

O fenômeno mundial do homossex e do unissex é um produto tipicamente


hominal, creado pelo ego civilizado.

A humanidade não será extinta por bombas atômicas, que matam poucos
milhares ou milhões de vivos – será extinta pelo movimento homossex ou
unissex, que previne o aparecimento dos vivos, que impossibilita a sua
concepção, reduzindo a população, sobretudo nos países altamente civilizados,
ou egoficados.

O ego humano tem a tendência de destruir tudo que é natural, e, como o


instinto de reprodução é natural, e exige macho e fêmea, o ego, visceralmente
anti-natural – e tanto mais desnatural quanto mais egoficado – provoca
necessariamente a esterilização e extinção da raça.

A humanidade do passado e do presente ainda existe, graças à sua baixa


egoidade e a sua alta naturalidade; mas, na razão direta que a egoidade,
também chamada civilização, cresce, a naturalidade e fecundidade decrescem.

Em nossos dias, os povos mais fecundos são os menos civilizados, e os menos


fecundos são os mais civilizados. Num futuro próximo, esses povos semi-
selvagens tomarão conta da terra. Mais tarde, também eles, quando altamente
civilizados e egoficados, seguirão o mesmo caminho dos povos civilizados de
hoje – e o gênero humano será extinto, ego-extinto, em virtude do seu
desnaturamento.

O movimento homossex e unissex é o princípio do fim.

Não há nenhum perigo que a terra não possa alimentar a humanidade do


futuro. Depois de atingir o clímax da sua civilização desnaturante, a
humanidade iniciará o seu declínio automático, diretamente proporcional à sua
egoficação esterilizante.

E este processo é irreversível: os povos, uma vez altamente egoficados, e


infecundos, não voltarão atrás, rumo a uma re-naturização e fecundidade.

Outra humanidade, outra categoria de seres conscientes virá povoar a Terra.


Nenhum Deus, nenhum diabo, nenhum cataclisma cósmico é necessário para
provocar o fim da humanidade. O homem-ego é bastante poderoso para
construir e para destruir o que construiu. O símbolo do ego é o círculo assim
como o símbolo do Eu é a linha reta. A linha curva do círculo volta sempre ao
seu ponto de partida; é um círculo vicioso auto-destruidor.

O ego é a misteriosa serpente circular, que morde a ponta do seu próprio rabo
– o ego auto-devorador, o ego suicida.
EGO-AGENTE, COSMO-AGIDO E COSMO-AGENTE

Para que o homem possa ego-agir sem estreiteza, sem medo, sem egoísmo,
deve ele permitir, antes de tudo, ser cosmo-agido, isto é, desistir da sua
pequena egoidade e deixar-se empolgar pela grande cosmicidade.

Deve ser ego-evacuado a fim de ser cosmo-plenificado.

Esta ego-morte se revelará mais tarde como sendo uma pleni-vida, também
para o próprio ego, que ressuscita da sua ilusória pequenez para a verdadeira
grandeza.

O que há de difícil e problemático em todo esse processo é a presença ou


ausência de uma fé, de uma fides, de uma secreta fidelidade do ego ao Eu, um
tal ou qual faro cósmico, que segreda ao pequeno e tímido ego: tu és o
grande Eu... tu e Deus sois um... o teu verdadeiro Ser é o Infinito, o Absoluto, o
Eterno...

Se o ego, depois de farejar esta pista, resolve seguir na direção farejada,


alcançará a meta final; através dessa atitude de cosmo-agência acabará ele
por se tornar também cosmo-agente.

E o homem, ontem ego-agente, hoje cosmo-agido e amanhã cosmo-agente, é


um verdadeiro Cristo, cujas obras são feitas pelo Cristo Eu, mas através do
Jesus ego.
ALO-DETERMINISMO E AUTO-DETERMINAÇÃO
NO UNIVERSO

A ciência dos últimos decênios, sobretudo depois da Teoria dos quanta de Max
Planck e da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, já admite que o Universo
não é um simples sistema de causalidade mecânica ou alo-determinismo
passivo, baseado no elemento quantitativo do VERSO – mas que é também
um processo de causação dinâmica, ou auto-determinação ativo, baseado no
fator qualitativo do UNO.

A ciência de hoje – diz Lincoln Barnett, no seu livro “O Universo de Einstein” –


prefaciado pelo próprio Einstein – se aproxima cada vez mais da idéia do livre-
arbítrio como parte integrante do Cosmos.

James Jeans, no seu livro “The mysterius Universe”, chega ao ponto de dizer
que o Universo já não nos parece ser uma grande máquina, mas sim um
grande pensamento.

Antigamente, os cientistas prognosticavam o fim do Universo pelo fenômeno da


entropia universal e inexorável – nos últimos decênios já se fala em ectropia,
como fator de vitalização do cosmos, capaz de contrabalançar o fenômeno
mortífero da entropia. A entropia, como elemento mecânico, nivela todas as
diferenças vivas, reduzindo todas as alterações dinâmicas a uma única
identidade mecânica, e com isto provocando a morte do cosmos pela entropia
mortífera.

Quer dizer, se o Universo fosse apenas quantidade ou Verso, a entropia ia


tomar conta do cosmos, levando-o a uma paralisação universal. Mas, como o
Universo é também qualitativo em seu Uno, esse Uno qualitativo é que
contrabalança aquele Verso quantitativo. A ectropia vitalizante do Uno
contrabalança a entropia mortífera do Verso. O pensamento preserva a
máquina da sua total paralisação.

Em face disto, devemos admitir uma espécie de morte do Universo pela


entropia mecânica, mas também uma vitalização pela ectropia dinâmica.

Max Planck, na sua teoria do quantum fez a experiência de que as partículas


da matéria tanto mais obedecem ao determinismo mecânico quanto maior é a
sua quantidade e menor a sua qualidade. O átomo, ou sub-átomo, se porta,
por vezes, arbitrariamente, não obedecendo à lei da gravidade ou
determinismo mecânico, ao passo que quantidades maiores de matéria
seguem invariavelmente a lei da gravidade determinista.

Futuramente, talvez a ciência provará em definitivo que o determinismo


mecânico é diretamente proporcional à quantidade, e inversamente
proporcional à qualidade. Se uma partícula ou energia tivesse apenas 1% de
materialidade, e 99% de imaterialidade – isto é, 1% de quantidade e 99% de
qualidade – essa entidade estaria sujeita ao determinismo apenas 1% e seria
99% indeterminista.

Esse indeterminismo da qualidade não seria talvez auto-determinação, mas


seria uma espécie de estágio preliminar para ela.

Se, segundo Aristóteles, Deus é actus purus, segue-se que em Deus só há


qualidade sem quantidade, atividade sem passividade, ou seja auto-
determinação sem alo-determinismo.

Demócrito de Abdera diria que Deus é átomo puro, isto é, pura qualidade sem
mescla alguma de quantidade.

Santo Agostinho diria que o centro de Deus está em toda a parte, e sua
periferia não está em parte alguma.

Absolutamente livre seria, pois, somente a pura qualidade, o Infinito, o Absoluto


– e os Finitos seriam tanto mais livres quanto mais participassem da qualidade
do Infinito. Esta participação se chama consciência. Um Finito que tivesse
10% de consciência da sua participação com o Infinito seria 10%. A
porcentagem da sua inconsciência seria a medida da sua não-liberdade, da
sua servidão, do seu determinismo.

Quer dizer que o consciente equivale ao livre – e o inconsciente corresponde


ao não-livre.

O consciente é o UNO – o não-consciente é o VERSO.

Mas, como o mundo não é totalmente VERSO, mas também UNO, o mundo
não é totalmente máquina determinada, mas também pensamento
determinante.

A verdadeira evolução ou educação do homem consiste, pois, no fato de ele se


tornar cada vez mais consciente do seu verdadeiro SER, do seu Eu, da sua
essencial identidade com o Infinito. Esta progressiva conscientização da sua
realidade é a sua progressiva libertação. Ou, na expressão do homem que
adquiriu liberdade máxima: “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

Consciência da realidade própria é liberdade.


Paulo de Tarso, na Epístola aos Romanos, cap. 8, 19 ss., parece ter
suspeitado essa libertação pela conscientização da verdade, quando escreveu:

“Os anseios da natureza são anseios pela revelação dos filhos de Deus. A
natureza está sujeita à corruptibilidade (entropia, determinismo) não por
vontade própria, mas por aquele que a sujeitou (o homem imperfeito). Mas a
natureza tem esperança de ser libertada da escravidão do corruptível, e
alcançar a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. Com efeito, sabemos que
toda a natureza geme e sofre dores de parto até ao presente. E não somente
ela, como também nós, que possuímos as primícias do espírito, gememos em
nosso interior, ansiando pela filiação divina, a redenção do nosso corpo
(ectropia, auto-determinação).”

O livre-arbítrio do homem, ainda imperfeito, ainda muito alo-determinista e


pouco auto-determinante, quando se tornar perfeito, emancipará o homem da
sua corruptibilidade e o levará à incompatibilidade, pelo poder do espírito. E,
uma vez remido o corpo humano, da entropia mortífera, também a restante
natureza será remida da sua corruptibilidade, por meio do homem.

Não faz isso pensar no “Fenômeno Humano” de Teilhard de Chardin?

A matéria é corruptível, mas o espírito é incorruptível. E, se o espírito atingir a


plenitude da sua consciência espiritual, terá o poder de espiritualizar também a
matéria.

O Verbo se faz carne, para que a carne se possa fazer Verbo.

Encarnação, ressurreição, ascensão...

A palavra mágica INTEGRAÇÃO está, ultimamente, dominando todos os


setores da política nacional. No plano da filosofia cósmica usamos mais a
palavra UNIVERSIFICAÇÃO. Mas, no fundo, estas duas palavras significam o
mesmo. Não podemos continuar a considerar o Universo como um bloco de
matéria inerte, regido por si mesmo, como pensam os materialistas, ou regido
por um espírito, por um Deus transcendente, externo, como pensam certos
espiritualistas dualistas.

O universo de hoje não é uma máquina automática, nem mesmo uma


maquina manobrada por um maquinista sentado ao lado dela. Esta
concepção mecânica ou justaposta do Universo é incompatível com a presente
mentalidade do homem mais avançado.

A concepção mecânica do mundo está cedendo lugar a uma visão orgânica


cada vez mais nítida. O mundo não é uma máquina de partes justapostas – o
mundo de hoje é um organismo de funções interpenetradas.
No dizer de James Jeans, o Universo no parece hoje um grande
PENSAMENTO.

O mundo não é mais a matéria, o VERSO, dos materialistas, nem é o espírito,


o UNO, dos espiritualistas. O mundo é um TODO ORGÂNICO, uma grande
SÍNTESE, de espírito e matéria, de alma e corpo, de Infinito e Finitos, de
Invisível e Visível, de Essência e Existência.

Deus é cada vez mais imanente no mundo, como já dizia Teilhard de


Chardin, e por isto foi hostilizado por materialistas e espiritualistas, porque ele
era Universalista, Cósmico, Univérsico. Teilhard de Chardin foi acusado de
panteísta. E ele não negou ser panteísta em certo sentido, porque via Deus
em tudo, embora não afirmasse que Deus é tudo. Nos últimos decênios, esta
imanência de Deus em tudo é chamada panenteísmo (e não panteísmo). O
panenteísmo é equidistante do dualismo de certos teólogos ocidentais, como
também do panteísmo de alguns filósofos orientais. O panenteísmo não
identifica Deus com o mundo, o Creador com a creatura, o Infinito com o Finito,
mas vê o Infinito em todos os Finitos, o Creador em todas as creaturas, o Deus
do mundo em todos os mundos de Deus.

Portanto, nem separação nem identificação, mas integração.

A educação integral só se pode basear numa Filosofia de Integração.

O homem é essencialmente univérsico, Uno no seu Eu, e Verso nos seus


egos.
NOS MISTÉRIOS DO LSD
(O original foi escrito logo depois de eu sair da experiência com LSD, às 21,30
do dia 15.1.1966)

Acabo de voltar do mundo da pura consciência do Eu para o mundo dos


pensamentos e sentimentos do ego – estive ausente umas 5 horas, desde as
15h30 até às 20h30, em casa de um amigo, sob a ação do LSD, que o Prof.
Cesário Morey Hossri me injetou. Uns 15 minutos após a injeção de 50 mg de
ácido lisérgico, senti um frio crescente, avançando dos pés para cima, depois
para os braços, ficando com vida só a cabeça e o tórax. Deitei-me numa cama
e pedi cobertores, apesar do grande calor do verão. Mandei fechar todas as
janelas, ficando aberta somente uma porta que dava para uma sala. Pouco
depois comecei a perder o contato com o meu corpo físico, que se vai
distanciando cada vez mais – até perder também o contato com o meu ego
pensante...

Nada sinto, nada penso, nada desejo... Morri para todas as atividades do ego...
Mas estou intensamente consciente no meu Eu, luminosamente consciente.
Sinto-me envolto e permeiado deliciosamente pelas poderosas carícias da
Consciência Cósmica, que é o meu Eu pleni-consciente.

Está cortado o cordão umbilical entre o meu velho ego e meu novo Eu.

Não tenho consciência de nenhuma continuação de algo já existente –


experimento-me como um novo início de algo novo, original, inédito, um
glorioso fiat lux – uma iniciação cheia de indizível iniciativa creadora.

Ouço ao longe a música divina do “Hino a Brahma”, cuja melodia realça a voz
do silêncio.

Sinto, de vez em quando, interferências dolorosas nessa deliciosa harmonia


de música e silêncio. São os pensamentos ou as palavras a meia-voz de umas
5 pessoas, meus amigos, que, sem eu saber, vieram agrupar-se ao redor da
cama, acompanhando o que eu dizia. Pois falei umas 5 horas, intensamente
consciente, mas sem nada pensar. Levei os meus ouvintes através do Inferno,
do Purgatório e do Paraíso, servindo-me de Virgílio e de Beatriz de Dante;
item, de João Batista como condutor ao Cristo.

Quase 5 horas de eloquência faiscante, sem nada pensar... O meu ego


totalmente desligado do Eu... O Eu no zênite e o ego no nadir...
Descrevi dramaticamente a origem do “Hino a Brahma”, 5000 anos antes de
Cristo, à cuja origem assisti e cujos primeiros ensaios toscos presenciei desse
diamante não lapidado.

Pelas 9 horas da noite sentei-me na cama, olhei em derredor e perguntei a


todos os presentes quem eram, porque estavam ali, onde eu estava e donde
viera. Ninguém me compreendia...

Só a muito custo consegui, às apalpadelas, voltar ao mundo do sansara do


ego, ao qual estivera totalmente alheiado nessas 5 horas, e só vivia no nirvana
do Eu divino.

Desprendido como estava de todas as funções do ego, se eu tivesse perdido o


meu corpo físico, não o teria chegado a saber, e teria estranhado as lágrimas
dos sobreviventes, que me chamariam “morto”, quando eu me sentia
intensamente vivo, mais vivo do que nunca, depois desse pleno nascimento do
Eu.

Através de tudo isto senti-me guiado pelo supremo guru, o Cristo, que é o
meu Eu interno, a Luz do mundo, o Pai em mim...

Como eu estava em jejum quase total desde a manhã, pelas 9h30 da noite me
convidaram para um jantar, juntamente com os médicos e psicólogos
presentes. Com muito custo consegui restabelecer o contato com o ambiente;
não sabia como segurar a colher; os nervos suspensos durante horas se
recusavam a retomar o seu serviço. Eu não me sentia nas mãos, nos pés, no
corpo. Estava ausente deles, pois eu sou o meu consciente, que eclipsou o
meu pensamento e os meus sentimentos. Levei horas para estabelecer
plenamente o contato com o velho sansara.

Agora, quase 23 horas, a sós, em casa, estou 80% em contato com o mundo.
Mas tudo me parece alheio, ignoto, longínquo, mas muito bonito, harmonioso,
pacífico...

Sei que meu corpo é minha ferramenta, mas não sou eu...

Esta experiência mística, induzida artificialmente, despertou em mim forças


dormentes – e é uma antecipação temporária daquilo que a vivência mística
natural pode ser em caráter permanente.

Deo gratias!

Aleluia!...
EXPERIÊNCIA CÓSMICA DE PAUL BRUNTON
(Segundo o livro A SEARCH IN SECRET INDIA, cap. 17)

É deveras estranho estar separado da própria mente e observá-la à distância,


como se ela pertencesse a uma pessoa alheia, observar como os pensamentos
nascem e morrem. Mais estranha ainda é a certeza de que eu possa penetrar
nas mais secretas regiões da alma.

Sinto-me como um Colombo a aportar a um país desconhecido... Antegozo as


delícias de uma alegria inefável...

Mas como liberta-me da antiquíssima tirania da mente? Lembro-me de que o


Maharishi sempre me recomendava: Investiga o pensamento até à sua primeira
origem; procura descobrir o teu Eu real – e então os teus pensamentos se
acalmarão por si mesmos.

Sinto agora que cheguei até à origem dos pensamentos. Por isto me posso
relaxar um pouco e deixar-me levar à mercê da corrente, mas sempre com os
olhos na meta, como a serpente a espreitar fixamente a sua presa.

Esse estado continua; verifico que o sábio tinha razão quando dizia: então se
acalmam as ondas do pensamento, extingue-se o raciocínio analítico.

Nunca sentira o que agora sinto...

O tempo deixou de existir...

Cada vez mais profundamente mergulho no reino ignoto do meu interior...

Lá se foram as sensações corporais!... Não tenho mais a menor lembrança do


meu corpo... Tenho a consciência de estar, dentro em breve, para além de
todas as coisas do mundo objetivo, e atingir a própria fonte dos mistérios da
Vida...

Chegou esse momento... Apagou-se o pensamento, assim como se extingue


uma luz... Eclipsou-se a inteligência... A minha consciência trabalha liberta da
função mental... Vejo agora o que, há muito, suspeitava e que o Maharishi
sempre repetia: a origem do Espírito está no Transcendente.

O raciocínio deixou de existir, como acontece no sono profundo; mas estou


plenamente consciente. Sinto-me perfeitamente calmo, sei quem sou e o que
se passa dentro de mim... Mas esta consciência de mim rompeu os estreitos
limites da personalidade; transformou-se numa sublime oni-consciência,
abrangendo todas as coisas do Universo. O Eu continua a existir, mas tem
agora uma existência transfigurada, radiante, profunda. Ultrapassei o pequeno
eu que eu era, e sou agora um novo ser divino, que em mim nasceu...

Vivo na consciência feliz de uma liberdade absoluta; estou liberto da tirania dos
pensamentos, que me prendiam com o seu mecânico vai-vem... Tenho a
sensação de ter saído de um cárcere e respirar o ar puro lá fora...

Deixei para trás todos os pensamentos mundanos que me dominavam...

Mergulhei numa luz radiante...

Sinto, mais do que nunca, que cheguei à origem de todas as coisas do


Universo, à matéria-prima de que nasceram os mundos... Infinitamente grande
é esse cosmos – e, no entanto, ele está presente em mim...

O meu Eu, esse novo Eu, repousa no seio duma beatitude indizível...

Bebi a taça do Lethe1 – e lá se foram todas as amargas reminiscências do


passado e as dolorosas preocupações do futuro!... Alcancei a liberdade divina,
e com isto uma delícia indiscutível... Quisera abraçar, num amplexo de amor,
todas as creaturas do Universo... Compreendo agora que “saber tudo” não é só
perdoar tudo, mas também amar tudo... Meu coração em êxtase é como
recém-nascido...

1. Lethe, na mitologia, é rio do esquecimento total do passado; a alma que, após a morte,
atravessa essa torrente, perde a lembrança de tudo que viveu anteriormente.

...............................................................................................................................

O que, além disto, me aconteceu, não há palavra que o possa exprimir.

Será que ousarei erigir um monumento em memória daquilo que vi, nessas
ínvias amplitudes do cosmos, que se alargam para além do alcance do espírito
humano?

(Depois disto, Brunton escreve algumas páginas em que tenta em vão dizer o
indizível).
A COSMOVISÃO DE PRINCETON
(Corifeus da Era Atômica em busca de uma Religião)

Há mais de 10 anos que um grupo de cientistas atômicos da Universidade de


Princeton, Estados Unidos, de mãos dadas com astrônomos de Pasadena, dos
observatórios de Monte Wilson e Monte Palomar, da Califórnia, mais um grupo
de biologistas, se reúnem periodicamente em Princeton, centro das pesquisas
atômicas, para elaborar uma síntese entre ciência e religião, a que dão o nome
de GNOSE.

Gnosis, em grego, quer dizer conhecimento. Nos primeiros séculos da nossa


era foi intenso o movimento da Gnose entre os cristãos. Os adeptos da gnosis,
entraram em conflito com os defensores da pistis, palavra grega para fé. Os
písticos ensinavam que somente pela fé podia o homem ter certeza sobre
Deus e o mundo espiritual, ao passo que os gnósticos afirmavam que um
conhecimento superior, mais intuitivo do que analítico, dava certeza
experimental do mundo divino.

Os cientistas dos Estados Unidos, dando o nome de Gnose à sua síntese entre
religião e ciência, certamente entendem por esta palavra algo afim à filosofia
intuitiva dos tempos antigos.

As reuniões dos novos gnósticos de Princeton são feitas sem a menor


publicidade nem proselitismo.

Em 1974, um cientista suíço, Raymond Ruyer, conseguiu romper a muralha do


silêncio e entrevistar alguns dos componentes desse conclave científico. Teve
permissão de dar reportagens sobre a Gnose de Princeton, com a condição de
não revelar nenhum nome individual. O dito escritor suíço, além de artigos no
jornal “Evoluer”, de Lausanne, publicou um livro com o título “A Gnose de
Princeton – Os Sábios em busca de uma Religião”, publicado pela casa
Fayard, de Paris.

Segundo a nova Gnose, religião e ciência não são duas coisas diferentes,
menos ainda antagônicas, mas são o próprio Universo em sua totalidade,
comparável a uma peça de tapeçaria vista ora pelo lado direito, ora pelo
avesso. A religião intue o Universo pelo lado da unidade, ao passo que a
ciência analisa o mesmo Universo sob o aspecto da diversidade. Isto é
cosmovisão.
A base da Gnose dos sábios de Princeton, diz Ruyer, é a de toda a gnose e de
todos os iniciados: o mundo é governado pelo Espírito, não por um espírito
individual, mas pelo Espírito Universal, ou Cósmico, que não é creatura, mas o
próprio Creador Increado. Quando o Creador se manifesta, aparecem as
creaturas, ou a creação. É da íntima natureza do Espírito Cósmico ser Creador,
porque o Espírito é a Realidade dinâmica, o Actus Purus, a Infinita Atuação.

Desenvolvendo mais amplamente esse conceito do Espírito Creador e das


creaturas, podemos dizer, à luz da nossa Filosofia Univérsica, que o Creador é
o Uno ou Infinito, que se manifesta como Verso ou finito, do Universo.

O Universo é Uno ou Unitário na sua Causa Infinita e Eterna, e é Verso ou


Diversitário em seus efeitos finitos e temporários.

A religião tem a visão do Uno, a ciência estuda o Verso do mesmo Universo,


que é unitário em sua essência e diversitário em sua existência. O Uno e o
Verso não são duas realidades, mas é uma única realidade Una e Única, que,
quando intuída como causa e essência, aparece como Uno e Único, quando
analisada como efeito e existência, se revela como Verso e Múltiplo.

Quando o homem é unilateralmente religioso, tem ele a visão da unidade;


quando unilateralmente científico, trata ele da diversidade. Mas quando o
homem é ao mesmo tempo religioso e cientista, tem ele a visão onilateral do
Universo, do Universo-Causa e do Universo-Efeito, do Universo-Essência e do
Universo-Existência.

A Gnose é a visão do Universo como causa e efeito, como essência e


existência, como Infinito e finito, como eterno e temporário.

A controvérsia tradicional sobre se o Universo é finito ou infinito, temporário ou


eterno, desaparece em face da visão do Universo Integral, que é tanto infinito e
eterno como também finito e temporário. Essa controvérsia nasceu de uma
visão incompleta do Universo Integral, duma visão somente religiosa, ou duma
visão somente científica. À luz da verdadeira Gnose, como dissemos, o
Universo é tanto infinito e eterno como finito e temporário. A dificuldade não
provém do Universo objetivo, mas sim de uma visão subjetiva e incompleta
do Universo. Em face da visão cósmica oni lateral do Universo, não há nenhum
conflito entre religião e ciência; são dois aspectos da mesma e única realidade,
que se completam mutuamente. Religião e ciência são os dois pólos
complementares do nosso conhecimento; esses pólos não são idênticos, nem
são contrários, mas são complementares como todas as bipolaridades da
natureza.

A nova Gnose de Princeton, como se vê, focaliza uma verdade tão antiga como
a própria humanidade pensante, mas que sempre de novo é obliterada por
aspectos unilaterais e incompletos, seja por parte de certos espiritualistas, seja
por parte dos materialistas. Os sábios de Princeton desenvolvem um conceito
cosmocêntrico, ou seja, um monismo cósmico, que não é panteísta, mas sim
panenteísta. O Uno Creador está em todo o Verso Creado; uma só é a
essência do Creador e a da Creatura, porque o Uno está no Verso e o Verso
está no Uno; na sua existência, porém, a existencialidade do Verso finito não é
idêntica à essência infinita; a realidade causal e causante realiza as
facticidades causáveis e causadas. Esta visão dos efeitos finitos da causa
infinita aparece, desde o século passado, com o nome exato de panenteísmo
(tudo em Deus) ou monismo cósmico, que é também a idéia central da Gnose
de Princeton.

Tratando do homem, a nova Gnose o considera como um composto de dois


elementos, espírito e matéria. A matéria densa, devido à sua inércia, é o
princípio da resistência ou oposição ao espírito, no ser humano. A matéria,
devido à sua passividade, oferece resistência ao espírito, princípio de atividade.
Essa resistência é necessária para a evolução ascendente do homem;
porquanto o homem é uma creatura intermediária entre o Creador-creativo e a
creatura-creada – o homem é uma creatura creativa. As creaturas creadas são
estáticas por natureza, a creatura creativa ou creadora é dinâmica por sua
natureza. A creatura creada não pode tornar-se melhor do que foi creada, sofre
duma rigidez estática ao passo que a creatura creadora tem uma elasticidade
dinâmica. Nesse sentido, escreve um pensador moderno: “Deus creou o
homem o menos possível, para que o homem se possa crear o mais possível”.

A Cosmovisão o Gnose dos sábios de Princeton concorda com este princípio


de creatividade dinâmica do homem. Quando o espírito envolto na matéria se
deixa dominar por esta matéria, torna-se pior; quando o espírito humano
supera a matéria, torna-se melhor, intensifica a sua espiritualidade.

O conceito de salvação, segundo a Gnose de Princeton, é precisamente esta


passagem do espírito pela matéria do corpo. Salvação é um termo teológico,
que, em terminologia filosófica, se chama auto-realização. O homem se salva,
ou se auto-realiza, pela passagem através do mundo material. O invólucro
corpóreo não é um impedimento, mas sim um meio de evolução ascensional do
espírito. A vida terrestre é pois um teste, feito por meio dum desafio entre
espírito e matéria. Sendo que o homem é por sua natureza uma creatura
creativa, e não apenas uma creatura creada, pode ele superar as
circunstâncias da matéria pela substância do espírito. A razão-de-ser do
envolvimento do espírito humano pela materialidade do seu corpo terrestre é a
sua evolução rumo ao Creador, ao Espírito Cósmico Increado. Esta evolução
ascensional é salvação, ou auto-realização.

A Gnose de Princeton apela para o despertamento das forças creadoras


latentes em todo o homem; pois a creatividade humana é apenas potencial no
princípio, que, pela conquista da consciência, deve transformar-se em
creatividade atual.

Esta Gnose de Princeton está sendo proclamada, há diversos decênios, pelo


nosso Centro de Auto-realização “Alvorada”, sob a forma de “Filosofia
Univérsica”.
O EGO PECADOR E O EU REDENTOR
(Focalizando o livro “Sidarta” de Hermann Hesse)

Nesses últimos anos, alguns livros de Hermann Hesse apareceram em


vernáculo, e esse autor se tornou quase um best-seller no Brasil. Entretanto,
não creio que 10% dos leitores brasileiros tenha compreendido os livros de
Hesse, excetuando apenas “Sidarta”, que, a meu ver, vale por toda a restante
literatura desse autor.

E, no livro “Sidarta”, é precisamente o terceiro capítulo, entitulado “Gotama”,


que representa o centro e cerne da obra. É o momento em que Sidarta se
despede de Gotama Buda, no jardim de Jetavana e lhe dá as razões porque
não necessita mais de livros e mestres, porque está em vésperas de receber a
visita do mestre de dentro.

Sidarta faz ver a Gotama que o grande iniciado da Índia, nas suas “quatro
verdades nobres” e no “caminho óctuplo” mostrou, com inigualável clareza, que
o Universo inteiro é uma imensa e infalível cadeia de causas e efeitos, sem a
menor lacuna. E o homem faz parte dessa cadeia cósmica.

Mas... é precisamente esta cadeia cósmica que forja a cadeia, o cárcere, a


prisão, para o homem. E o supremo anseio do homem é libertação, evasão de
todas as cadeias e prisões da existência. O homem se aprisionou – e quem o
libertará?

E Sidarta faz ver ao Sublime Gotama Buda que ele mesmo, o Buda, encontrou
redenção, não em virtude do conhecimento de causa e efeito da cadeia
cósmica, mas precisamente pelo fato de ter ultrapassado essa imensa cadeia.
Mas, qual o fator que deu a Gotama a força de se libertar e encontrar
redenção? Como conseguiu o Buda superar o sofrimento? Certamente não por
ter conhecido a causa do sofrimento, a culpa, mas precisamente por ter
superado a própria culpa, base de todo o sofrimento. E quem lhe deu a força
para superar a culpa?

Por que há culpa na humanidade?

Por que não existe o fenômeno culpa no mundo extra-hominal?


O homem-ego é o autor da culpa – mas o homem-ego não pode ser o redentor
da culpa, que seria um círculo vicioso. Ego não redime ego. Culpado não
redime culpado. Réu não absorve réu.

Onde, pois, encontrou Gotama Buda o elemento redentor?

Certamente, não no seu ego hominal, que é autor de culpa, cuja reação
cósmica é o sofrimento. Gotama Buda não se redimiu em virtude do
conhecimento de que todo o cosmos é uma imensa cadeia de causa e efeito –
digamos, de culpa e sofrimento, em se tratando do cosmos hominal. Encontrou
redenção em algo que transcende essa cadeia causa-efeito.

O homem não é apenas creatura, como os outros seres da natureza; ele é


também creador. O homem é o único ser terrestre que, além da sua
creaturidade, que tem de comum com todos os seres, possui também
creatividade, que nenhum outro ser terrestre possui.

Em virtude dessa sua creatividade, pode o homem ser bom ou mau, ou, como
dizia Moisés, “comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal”. O
homem é bipolarizado: pode harmonizar com o cosmos, e pode também
desarmonizar com ele. Disse alguém que “Deus creou o homem o menos
possível, para que o homem se possa crear o mais possível”. A creaturidade
lhe foi dada por Deus como dádiva fixa, mas a creatividade representa um
atributo variável; por ela pode o homem tornar-se melhor ou pior do que Deus o
fez.

No seu ego representa o homem o seu pólo negativo, mau, pecador – no seu
Eu simboliza o homem o seu pólo positivo, bom, redentor. Mas como,
segundo o processo evolutivo, o ego externo do homem desperta antes do seu
Eu interno, o homem, em primeiro lugar, “come do fruto da árvore do
conhecimento do bem e do mal”. Desperta nele a “serpente rastejante”, que
come do pó da terra. Só muito mais tarde aparecerá um poder supra-
serpentino, a “serpente erguida às alturas”, no dizer do Cristo, a serpente do
ego horizontal que se verticaliza na forma do Eu divino e redime os que forem
mordidos pela serpente rastejante do ego hominal.

A ego-creatividade, devido a seu caráter negativo, crea a culpa, que é uma


atitude anti-cósmica, e contra a qual o cosmos reage em forma de sofrimento,
cobrindo a terra de “espinhos e abrolhos”, na linguagem simbólica do Gênesis.

O cosmos dá creaturidade a todos os seres, que é atitude neutra, mas o


homem, graças a seu livre arbítrio bipolar, graças à sua creatividade, assume
atitude positiva ou negativa em face do cosmos.

Algum dia, afirma Moises, depois de 40 anos de solidão nas estepes da Arábia,
e quiçá na Índia, o homem, que já comeu do fruto do conhecimento do bem e
do mal, comerá do fruto da árvore da vida eterna, passando do seu ego
rastejante para seu Eu verticalizado, da serpente horizontal Lúcifer para a
serpente vertical Lógos.

Mas, enquanto o homem rasteja no plano horizontal do ego não há redenção


do sofrimento, porque não houve redenção da culpa – e o homem-ego não
pode redimir o homem-ego. Negativo não redime negativo. Réu não absolve
réu.

“Vós sois a luz do mundo”. Verdade é que o homem é luz, mas, enquanto
estiver rastejando na ego-consciência, é “luz debaixo do alqueire”, e a sua vida
está repleta de trevas, de dores e sofrimentos; somente o homem-Eu colocou a
sua luz “no alto do candelabro” e todos os que habitam na casa da sua
humanidade são iluminados e lucificados por essa luz.

A entropia passiva do homem-ego só pode ser redimida pela ectropia ativa do


homem-Eu.

Lago horizontal não move turbina colocada no mesmo plano – mas uma
cachoeira pode movê-la.

A redenção do ego humano pelo Eu divino acontecerá quando o ego for


redimível. Redenção supõe redimibilidade. Quando o ego humano for invadido
pelo Eu divino, então será redimido – mas esta invasão supõe que o ego se
torne invadível. Enquanto o ego viver na ilusão de ser uma plenitude, não pode
ser plenificado pela plenitude cósmica do Eu. A cosmo-plenitude só plenifica a
ego-vacuidade. Somente o ego-vácuo pode ser plenificado pela cosmo-
plenitude.

Mas, ainda que o ego não se possa plenificar por si mesmo, ele pode e deve
crear em si a condição favorável para ser cosmo-plenificado. Esta cosmo-
plenitude (Divindade, Brahman) é a causa da redenção – mas a ego-vacuidade
é condição indispensável para que aquela plenitude possa exercer a sua
causalidade.

“Do mundo dos fatos – escreve Einstein – não conduz nenhum caminho para o
mundo dos valores, porque estes vêm de outra região”. O ego só conhece o
mundo dos fatos, das facticidades objetivas; nada sabe do mundo dos valores,
que jazem na zona da consciência do Eu, que o Cristo chama Pai, Luz, Reino,
Tesouro, Pérola. Somente o mundo dos valores qualitativos pode redimir o
mundo dos fatos quantitativos. Somente o Eu divino pode redimir o ego
humano.

Ego-pecador só pode ser redimido pelo Eu-redentor, porque esse Eu é o nosso


valor interno, o nosso Pai, o nosso Cristo, a nossa Luz.

É em torno deste tema central da humanidade – pecado e redenção que gira o


memorável colóquio entre Sidarta e Gotama Buda, no livro de Hermann Hesse.
No meu livro “Lúcifer e Lógos” focalizei extensamente este mesmo problema
fundamental da humanidade.

Sidarta faz ver ao Buda que ele, o iniciado, não encontrou redenção do
sofrimento e da culpa por especulações analíticas do seu ego humano, mas
que a redenção lhe aconteceu em virtude duma invasão das águas vivas da
Fonte divina nos canais abertos do ego humano. Os preparativos dessa
abertura de canais podem ser feitos por meio de livros e de mestres, mas a
invasão das águas vivas vem unicamente da Fonte Infinita.

“Quando o discípulo está pronto, então o mestre aparece”.

O Nazareno incubou, durante três anos, as almas de seus discípulos, mas a


eclosão veio só no dia do Pentecostes, quando o Jesus humano estava
ausente e presente somente o Cristo divino.

Os prelúdios para a redenção podem ser feitos pelo ego humano de boa
vontade – mas a redenção é graça, que é sempre de graça; pode ser
condicionada pelo ego humano, mas é sempre causada pelo Eu divino.

“As obras que eu faço não sou eu (ego) que as faço, mas é o Pai em mim (Eu)
que faz as obras; de mim mesmo (pelo meu ego) nada posso fazer”.

O Colóquio entre Sidarta e Gotama Buda, entre o discípulo e o mestre, pode


ser considerado como magnífica paráfrase destas palavras do Cristo a seus
discípulos.
ÍNDICE

TOMANDO PERSPECTIVA

QUAL A VERDADEIRA MENSAGEM DO CRISTO À HUMANIDADE

MORRER DECENTEMENTE PARA VIVER GLORIOSAMENTE

LIBERTAÇÃO PELA SAPIÊNCIA UNIVÉRSICA

DA FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL À REALIZAÇÃO EXISTENCIAL

KARMAN, AKARMAN, NAISKARMAN – FALSO-AGIR, NÃO-AGIR, RETO-


AGIR

A ESSÊNCIA DO RETO-AGIR (NAISKARMAN)

OS PALHAÇOS E AS PALHAÇADAS DA VIDA

AUSCULTANDO MARCIANOS E VENUSIANOS

NINGUÉM SERVE IMPUNEMENTE

A MORAL DA RELIGIÃO ESTÁTICA E A ÉTICA DA RELIGIÃO DINÂMICA

PARA QUE ESTOU AQUI NA TERRA?

O MISTÉRIO DO LIVRE-ARBÍTRIO

A IMANÊNCIA DA PSICOLOGIA E A TRANSCENDÊNCIA DA YOGA

FRUSTRAÇÃO EXISTENCIAL GERANDO HIPERTROFIA SEXUAL

FANATISMO OCIDENTAL – INDIFERENÇA ORIENTAL – ENTUSIASMO


UNIVERSAL

“QUEM NÃO RENUNCIAR A TUDO NÃO PODE SER MEU DISCÍPULO”

OS QUATRO ESTADOS DA CONSCIÊNCIA

A MORTE NÃO NOS FAZ O QUE A VIDA NÃO NOS FEZ

AS HEROICAS PALHAÇADAS DE UM ESQUILO

O MAGNETISMO DA REALIDADE ESPIRITUAL


OS MALEFÍCIOS DA CONCEPÇÃO PARCIAL DO HOMEM – OS
BENEFÍCIOS DA CONCEPÇÃO DO HOMEM INTEGRAL

REALIZAÇÃO DO HOMEM CRÍSTICO

CONFUSÃO ENTRE DEMÔNIO E DIABO

DO HOMEM CÓSMICO PRÉ-SEXUAL AO HOMEM TELÚRICO SEXUAL

PERIFERISMO OU CENTRALIDADE?

VISÃO UNIVÉRSICA DO COSMOS E DO HOMEM

CONFORTO, CONFORTISMO, CONFORTITE

QUE MENSAGEM TEM A YOGA ORIENTAL PARA O HOMEM OCIDENTAL?

A CULPA DE TODOS É O SOFRIMENTO DE MUITOS

MORALIDADE DO AGIR OU VERDADE DO SER?

COMO ESTABELECER NO UNIVERSO HOMINAL A HARMONIA DO


UNIVERSO SIDERAL

EXTINÇÃO DA HUMANIDADE PELO HOMOSSEX E UNISSEX

EGO-AGENTE, COSMO-AGIDO E COSMO-AGENTE

ALO-DETERMINISMO E AUTO-DETERMINAÇÃO NO UNIVERSO

NOS MISTÉRIOS DO LSD

EXPERIÊNCIA CÓSMICA DE PAUL BRUNTON

A COSMOVISÃO DE PRINCETON

O EGO PECADOR E O EU REDENTOR


HUBERTO ROHDEN
VIDA E OBRA

Nasceu na antiga região de Tubarão, hoje São Ludgero, Santa Catarina, Brasil
em 1893. Fez estudos no Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia
e Teologia em universidades da Europa – Innsbruck (Áustria), Valkenburg
(Holanda) e Nápoles (Itália).

De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.


Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais
várias foram traduzidas para outras línguas, inclusive para o esperanto;
algumas existem em braile, para institutos de cegos.

Rohden não está filiado a nenhuma igreja, seita ou partido político. Fundou e
dirigiu o movimento filosófico e espiritual Alvorada.

De 1945 a 1946 teve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas, na


Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com
Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da
Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a
constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática,
Metafísica e Mística.

Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de


Washington, D.C., para reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões
Comparadas, cargo esse que exerceu durante cinco anos.
Durante a última Guerra Mundial foi convidado pelo Bureau of lnter-American
Affairs, de Washington, para fazer parte do corpo de tradutores das notícias de
guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de
Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de
manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.

Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o


Golden Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yôga por Swami
Premananda, diretor hindu desse ashram.

Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado
para fazer parte do corpo docente da nova International Christian University
(ICU), de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e
Religiões Comparadas; mas, por causa da guerra na Coréia, a universidade
japonesa não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi
nomeado professor de Filosofia na Universidade Mackenzie, cargo do qual não
tomou posse.

Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada,


onde mantinha cursos permanentes em São Paulo, Rio de Janeiro e Goiânia,
sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e dirigia Casas de Retiro
Espiritual (ashrams) em diversos Estados do Brasil.

Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência


espiritual pela Palestina, Egito, Índia e Nepal, realizando diversas conferências
com grupos de yoguis na Índia.

Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre


autoconhecimento e auto-realização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de
Auto-Realização Alvorada.

Nos últimos anos, Rohden residia na capital de São Paulo, onde permanecia
alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos
definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com
a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário-modelo.

Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora


responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e
inspiração.

À zero hora do dia 8 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica
naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste
mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em
estado consciente foram: “Eu vim para servir à Humanidade”.

Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de


fé e trabalho, somente comparados aos dos grandes homens do século XX.
RELAÇÃO DE OBRAS DO PROF.
HUBERTO ROHDEN

COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL:

O PENSAMENTO FILOSÓFICO DA ANTIGUIDADE

A FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA

O ESPÍRITO DA FILOSOFIA ORIENTAL

COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO:

FILOSOFIA CÓSMICA DO EVANGELHO

O SERMÃO DA MONTANHA

ASSIM DIZIA O MESTRE

O TRIUNFO DA VIDA SOBRE A MORTE

O NOSSO MESTRE

COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA:

DE ALMA PARA ALMA

ÍDOLOS OU IDEAL?

ESCALANDO O HIMALAIA

O CAMINHO DA FELICIDADE

DEUS

EM ESPÍRITO E VERDADE

EM COMUNHÃO COM DEUS


COSMORAMA

PORQUE SOFREMOS

LÚCIFER E LÓGOS

A GRANDE LIBERTAÇÃO

BHAGAVAD GITA (TRADUÇÃO)

SETAS PARA O INFINITO

ENTRE DOIS MUNDOS

MINHAS VIVÊNCIAS NA PALESTINA, EGITO E ÍNDIA

FILOSOFIA DA ARTE

A ARTE DE CURAR PELO ESPÍRITO. AUTOR: JOEL GOLDSMITH


(TRADUÇÃO)

ORIENTANDO

“QUE VOS PARECE DO CRISTO?”

EDUCAÇÃO DO HOMEM INTEGRAL

DIAS DE GRANDE PAZ (TRADUÇÃO)

O DRAMA MILENAR DO CRISTO E DO ANTICRISTO

LUZES E SOMBRAS DA ALVORADA

ROTEIRO CÓSMICO

A METAFÍSICA DO CRISTIANISMO

A VOZ DO SILÊNCIO

TAO TE CHING DE LAO-TSÉ (TRADUÇÃO)

SABEDORIA DAS PARÁBOLAS

O QUINTO EVANGELHO SEGUNDO TOMÉ (TRADUÇÃO)

A NOVA HUMANIDADE

A MENSAGEM VIVA DO CRISTO (OS QUATRO EVANGELHOS TRADUÇÃO)

RUMO À CONSCIÊNCIA CÓSMICA

O HOMEM
ESTRATÉGIAS DE LÚCIFER

O HOMEM E O UNIVERSO

IMPERATIVOS DA VIDA

PROFANOS E INICIADOS

NOVO TESTAMENTO

LAMPEJOS EVANGÉLICOS

O CRISTO CÓSMICO E OS ESSÊNIOS

A EXPERIÊNCIA CÓSMICA

COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA:

MARAVILHAS DO UNIVERSO

ALEGORIAS

ÍSIS

POR MUNDOS IGNOTOS

COLEÇÃO BIOGRAFIAS:

PAULO DE TARSO

AGOSTINHO

POR UM IDEAL – 2 VOLS. AUTOBIOGRAFIA

MAHATMA GANDHI

JESUS NAZARENO

EINSTEIN – O ENIGMA DO UNIVERSO

PASCAL

MYRIAM

COLEÇÃO OPÚSCULOS:

SAÚDE E FELICIDADE PELA COSMO-MEDITAÇÃO


CATECISMO DA FILOSOFIA

ASSIM DIZIA MAHATMA GANDHI (100 PENSAMENTOS)

ACONTECEU ENTRE 2000 E 3000

CIÊNCIA, MILAGRE E ORAÇÃO SÃO COMPATÍVEIS?

CENTROS DE AUTO-REALIZAÇÃO

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