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1. Introdução
A função ethopoiética da escrita, isto é, construtora do indivíduo ético pela
escrita, em espaços não formais, enquanto extensão do lócus da Lingüística Aplicada,
dado o seu potencial de complementação pedagógica, é o objeto desta comunicação.
Balizam teoricamente as pesquisas, cujos resultados parciais se apresentam neste
relato de pesquisa, sobretudo Foucault e Lacan. Daquele, apropria-se o conceito de
processo de subjetivação do sujeito e, deste, o de processo de identificações.
Da profícua produção investigativa de Foucault, o corpus de pesquisa encontrou
respaldo no processo de subjetivação, presente em seus estudos ulteriores. Nesses
estudos, deslocando-se de suas perspectiva anterior que postulava um sujeito
engendrado pelos sistemas de apropriação da vida privada pelo Estado, em nome da
transformação do sujeito amorfo em um corpo dócil e “adequado” à sociedade, o
filósofo descobre-se diante da impossibilidade de negar que o sujeito se subjetiva à
revelia do Estado. Foucault, assim, passa não mais a se preocupar com o que o poder
faz do sujeito, mas com o que o sujeito faz com o que o poder faz dele.
Da não menos profícua verve investigativa de Lacan, que contabiliza desde as
várias releituras de Freud aos estudos que o imortalizaram como postulante do
inconsciente como estruturado em linguagem, recorreu-se ao conceito que concerne às
estruturas psicanalíticas e, especificamente, à que é objeto de pesquisa de pós-
lacanianos como Forbes, no Brasil, e Miller, na França, estruturas essa quais sejam: do
sujeito edipiano (leia-se estruturado pela voz do pai) e sujeito pós-edipiano, ou
desbussolado, como nomeia Forbes.
Resgatem-se alguns desfiados para efeito de sutura e restabelecimento de
tessitura deste texto. Um dos fios desfiados diz respeito à restrição aos limites dos
processos de ensino e aprendizagem de línguas que cabem ao lingüista aplicado
constituir um procedimento epistemologicamente indicado se não exigido em âmbito
acadêmico. O outro fio diz respeito a aspectos relativos a um saber que não se transmite,
não se aprende e continua fazendo efeitos no sujeito (LACAN, 1969) começarem a se
evidenciar em meu cotidiano de docente, fio esse que se embaraçou a outros desfiados
de algumas professoras de níveis de ensino fundamental e médio e mestrandas em
Lingüística Aplicada1. Esses desfiados passaram, com o tempo, a reclamar
inadiabilidade em sua cerzidura.
Resgatados os fios de ordem teórica, apresentam-se outros retalhos de tecidos de
ordem material contemplados para o presente relato e que compõem o corpus de
pesquisa. Trata-se, mais especificamente, de retalhos de textos redigidos por
adolescentes do sexo feminino que se engravidaram precocemente. Detalhem-se as
condições de produção dos discursos que compõem o corpus.
Tendo como pressuposto a potencialidade ethopoiética da escrita, isto é, a
potencialidade de a escrita associada à leitura de outros permitir um auto-conhecimento,
um “auto-adestramento de si por si” em direção à construção de um indivíduo ético
(FOUCAULT, 2005), havia sido solicitado pela pesquisadora de escrita de folhas de
diário por adolescentes do sexo feminino. Faz-se oportuna a menção de que as
adolescentes que cederam suas folhas de diário para esta pesquisa estudavam em uma
1
É-me imperiosa a dedicação da homenagem a Maria Luiza Arice Wurfus que foi sensível à vida de suas
alunas e cuja dissertação tive a honra de orientar; agradeço, também, pela sua cessão dos dados de
pesquisa.
escola que contempla dentro da disciplina de Biologia o projeto de educação sexual com
foco na prevenção à gravidez precoce e às doenças sexualmente transmissíveis.
O paradoxo entre o acesso a informações sobre gravidez e métodos
contraceptivos por adolescentes e os resultados de pesquisa de abrangência nacional
recém-divulgada (4 de julho de 2008) de que o índice de gravidez precoce subiu ratifica
o que parecia constituir uma particularidade encontrada em uma escola de nível
fundamental da rede pública de ensino da periferia de uma cidade do interior do estado
de São Paulo.
Esse paradoxo, objeto da presente reflexão, parece atestar que alguns aspectos
formativos imputados à educação não se realizam sem a consideração do pressuposto
psicanalítico de que “o destino do homem não se restringe a seu ser biológico”
(ROUDINESCO, 2000, p. 9).
Finalmente, antes que se inicie a apresentação da pesquisa em si, cumpre
explicitar que este artigo foge à estrutura canônica do relato de pesquisa, por conferir
proeminência ao discurso das adolescentes.
Meu diário,
Meus pais, principalmente minha mãe, sempre me aconcelham sobre sexo, eles
dizem que só se deve fazer sexo após o casamento. Concordo com eles. Para se fazer
sexo deve haver responsabilidade na cabeça do homem e da mulher, e os casados, na
maioria das vezes, têm essa responsabilidade.
Se alguém da minha idade souber que penso assim, acredito que me achariam
ridícula. Os adolescentes de hoje são muito liberais: ficam e fazem sexo com qualquer
um, só pensam no prazer, não no amor. Não sei se essa minha opinião sempre será a
mesma. Essa foi a educação que recebi de meus pais. Nunca tive um relacionamento
sexual. Já fiquei com alguns meninos, poucos, mas não deixo acontecer nada de mais,
só nos beijamos e nos conhecemos. Depois disso conheci uma pessoa maravilhosa, que
hoje é meu namorado.
Se eu me sentir preparada pode até acontecer alguma coisa sem ter casamento.
O que importa é se existe amor de verdade, e eu sei que entre nós existe. Os
adolescentes, para seguirem o caminho certo, devem ter o apoio dos pais e devem e
enxergar a realidade como ela é. E a prevenção é fundamental.
2
As aspas são minhas.
Meu querido diário
Considerações Finais
Resultados da análise empreendida mostram aspectos não revelados em
atividades de escrita de sala de aula, permitindo a percepção de sujeitos edipianos e não-
edipianos (FORBES, 2004) que demandam formas diferentes de condução da atividade
pedagógica em sala de aula: aqueles respondem á condução das aulas como
tradicionalmente se fez e se faz, uma vez que se estrutura pelo amor do Outro; estes,
entretanto, não respondem a essa condução por, não sendo estruturado pelo amor do
Outro, demandarem do professor um novo amor.
Neste momento em que se encerra a presente reflexão, somos levados a crer que,
em razão de o destino do homem não se restringir a seu ser biológico que a psicanálise
deverá conservar integralmente o seu lugar, ao lado de outras ciências, para lutar contra
a perigosa aceitação de fatos contemporâneos como evidências da pós-modernidade e
contra a não menos perigosa “redução do pensamento a um neurônio ou a confusão do
desejo com uma secreção química” (ROUDINESCO, 2000, p.9).
Desconsiderar os aspectos estruturais do sujeito, sob a justificativa de que se
deve manter nos limites dos territórios da atividade de lingüista aplicado, soou como
uma surdez omissa a um “chamamento da sociedade para que respondamos sobre o
mundo atual” (FORBES, 2005, p. 160) que se configura como uma parcela de
responsabilidade do professor quaisquer que sejam as áreas do saber a que ele se dedica
e cujo semblante de professor atual é o do representante da Educação laica, científica,
inclusiva e multicultural (MRECH, 2005).
Não nos resta alternativa a não ser assumirmo-nos como “profissionais do
incompleto” e, como tal, partindo de “uma desarmonia fundamental entre o homem e o
mundo”, desarmonia essa “sem remédio, a não ser a invenção, em um eterno
descompasso e mal-entendido” (FORBES, 2005, p. 160).
Referências bibliográficas
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