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Memória e novos patrimônios | Cécile Tardy, Vera Dodebei

Memória e
patrimônio: por
uma abordagem
dos regimes de
patrimonialização
Jean Davallon
Traduction de Germana Henriques Pereira de Sousa

Résumé
O exercício teórico exposto neste capítulo consiste em questionar a evolução
do modelo da patrimonialização, desenvolvido anteriormente pelo autor
(2006), a partir do caso do patrimônio material quando deslocado para o

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patrimônio imaterial. O desafio da abordagem é colocar em discussão a
etapa da ruptura entre o mundo de origem dos objetos patrimoniais e o
mundo do tempo presente. Essa etapa havia sido colocada como necessária
na produção patrimonial, ainda que pareça não ser mais efetiva com relação
ao patrimônio imaterial, uma vez que este garantiria uma continuidade entre
os dois mundos. Porém, no caso de uma tal continuidade, que diferença
haveria entre as definições cultural e jurídica do patrimônio? Este capítulo
nos permite analisar o processo de transmissão do patrimônio imaterial pela
observação cuidadosa da passagem de uma transmissão oral na sociedade
para uma transmissão sobre a sociedade. Os desafios teóricos em torno
desses modos de existência do patrimônio imaterial na sociedade serão
explanados por meio do exemplo simples e eficaz dos cantos tradicionais
com várias vozes, oriundos da Córsega e inscritos na lista da UNESCO de
salvaguarda de urgência do patrimônio cultural imaterial da humanidade.

Note de l’éditeur
Este capítulo foi traduzido do francês.

Texte intégral
1 A abordagem comunicacional da patrimonialização que expus
em Le Don du patrimoine (Davallon, 2006) foi elaborada
essencialmente a partir do patrimônio material. A questão que
se coloca daqui para frente é a seguinte: como esse modelo que
descreve a patrimonialização aplica-se ao caso do patrimônio
imaterial ou ao da coleta de objetos contemporâneos feita pelos
museus? Nesses dois últimos casos, há, de fato, uma
continuidade entre o universo de origem desses objetos e a
sociedade na qual constituem um patrimônio, e,
particularmente, com as enquetes de memória oral. A ruptura
entre os dois universos, colocada como sendo uma das
características da patrimonialização de objetos materiais,
portanto, não existiria. Essa ausência de ruptura viria, assim,
questionar diretamente a distinção entre memória – termo aqui
compreendido no sentido de “memória coletiva”, conforme
Halbwachs (1997) – e patrimônio, distinção feita no próprio
princípio da patrimonialização.
Uma das respostas sugeridas por diversas críticas feitas ao
modelo dos processos de patrimonialização, e, para alguns, à
concepção que sustenta a existência de uma obrigação de
guardar fundamentada no sentimento de dívida perante àqueles

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que produziram esses objetos, seria aquela em que talvez
estejamos assistindo hoje a uma diluição do estatuto patrimonial
– tradicional, europeu e fundamentado no patrimônio material
– para dar lugar a uma concepção de patrimônio definido como
tal pelo grupo ou comunidade (ou seja, o coletivo) que dele
reivindica a propriedade contínua desde o passado. Não há,
portanto, nenhuma ruptura entre o mundo de origem do
patrimônio e o mundo presente. Pelo contrário, é a continuidade
entre os dois mundos que garante o fato de que realmente se
trata de patrimônio coletivo: seria considerado patrimônio tudo
aquilo que o coletivo considera como seu. No fundo,
voltaríamos, assim, a uma assimilação da definição cultural e da
definição jurídica do patrimônio, a primeira alinhando-se à
segunda. De acordo com meu ponto de vista, tal assimilação
questionaria a dimensão simbólica do patrimônio cultural e,
portanto, requer um exame, mesmo que não possamos negar o
fato de que surgiram novas formas de patrimônio.
Retomemos os termos da oposição entre a memória coletiva e o
patrimônio. Do ponto de vista da abordagem comunicacional da
patrimonialização, ou seja, da abordagem da construção de uma
relação dos homens do presente com os homens do passado,
assegurando uma continuidade cultural da sociedade, quando há
continuidade na transmissão de saberes (compreendidos no
sentido amplo de representações, testemunhos, mitos, crenças,
técnicas, conhecimentos técnicos, etc.), estaríamos falando de
memória coletiva, para retomar a definição de Halbwachs, para
quem ela continua a existir enquanto houver membros vivos do
grupo que, portanto, podem transmiti-la. Ela se apoia na
memória individual dos fatos, das práticas e dos saberes. Foi a
partir dessa concepção da memória que me pareceu, em
contraponto, que o patrimônio poderia ser considerado como
um estatuto reconhecido pelas pessoas que, por razões diversas,
pensam ser as depositárias de objetos que não produziram e aos
quais conferem tal interesse que estimam conveniente conservá-
los para transmiti-los, embora tenha havido uma ruptura, real
ou simbólica, na transmissão. A patrimonialização é, então, um
processo pelo qual um novo laço vai ser construído entre o
presente e o passado. Isto significa dizer que duas condições são
necessárias ao comprometimento da patrimonialização: a

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existência de um interesse social pelo objeto imaterial e a
possibilidade de um conhecimento desse objeto e de seu mundo
de origem.
O ponto de vista comunicacional apoia-se, assim, sobre dois
postulados:

A memória coletiva constitui um conjunto de saberes que é


transmitido no seio do grupo social pelos próprios
membros do grupo;
Um objeto não pode adquirir o estatuto de patrimônio sem
que haja interesse suficiente por parte dos membros do
grupo (senão, é esquecido ou destruído) e sem a
possibilidade de se estabelecer sua origem (do contrário,
qualquer coisa poderia ser considerada como patrimônio).

2 Nesse contexto, a patrimonialização necessitará produzir um


saber sobre o objeto e estabelecer de onde ele vem, antes de lhe
atribuir o estatuto de objeto a ser conservado e transmitido.
Trata-se de um saber que é reconstruído por aqueles que
“encontraram” o objeto, e não de um saber recebido daqueles
que o possuíam.
O interesse dessa oposição entre memória coletiva e patrimônio
é permitir que se produza um modelo da construção do estatuto
simbólico conferido a objetos, justificando não apenas sua
conservação imediata, mas, para além disso, sua circulação no
tempo, do passado ao presente e ao futuro. O que é mostrado no
presente e transmitido a gerações futuras não é somente o objeto
conservado, e o estatuto que lhe conferiram aqueles que o
“encontraram”, mas também o saber que serviu para conhecê-lo
e estabelecer de onde ele vem. Diferentemente da memória
coletiva, que é uma transmissão direta entre indivíduos,
amplamente oral, o patrimônio é fundamentado em saberes
produzidos e transmitidos por meio da escrita.
Os principais elementos que entram em jogo na
patrimonialização são os seguintes:

A transmissão, ao longo do tempo, de objetos, ou seja, das


realidades materiais ou imateriais;
A transmissão ou a produção de saberes com relação a esses
objetos;

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Reconhecimento ou a construção do estatuto desses objetos
utilizando-se esses saberes.

3 Acrescentemos que a transmissão deve não apenas ser pensada


no tempo dentro de um grupo social, o que é, obviamente,
fundamental aqui, mas também entre grupos sociais de culturas
diferentes.
4 Gostaria de reexaminar essa linha divisória entre a memória e o
patrimônio, especialmente à luz de algumas diferenças entre o
patrimônio material e o imaterial.

A abordagem comunicacional da
patrimonialização

As características comunicacionais da
patrimonialização
5 Comecemos por determinar o contexto no qual se apoia a
abordagem comunicacional da patrimonialização, o qual
evocarei em linhas gerais.
6 O primeiro esclarecimento diz respeito à distinção entre as
noções de patrimônio e memória. Se a oposição com relação a
esses dois termos é feita, em geral, por comodidade de
linguagem, na realidade, ela deve ser feita entre a memoração e
a patrimonialização. É nessa condição que podemos abordar a
questão da transmissão. Falar de memória e de patrimônio
equivale a opor saberes (sobre eventos, situações, estatutos,
pessoas, práticas, técnicas, etc.) e objetos. Ora, a memória
também deve ser entendida como um processo de produção e de
transmissão particular desses saberes pelos próprios membros
do grupo. Nesse sentido, é a patrimonialização que é o
equivalente simétrico da memória, da memoração, poderíamos
dizer, e não o patrimônio, propriamente dito; a
patrimonialização é um modo de produção e transmissão,
implicando, ao mesmo tempo, realidades materiais ou imateriais
(aquilo que chamamos precisamente de patrimônio) e saberes
relativos a esses objetos. Isso não resolve, certamente, o
problema da natureza do patrimônio imaterial, mas determina
pelo menos o contexto a partir do qual se pode pensar as

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semelhanças e as diferenças.
7 Tendo feito a primeira especificação, podemos introduzir uma
segunda. Do ponto de vista comunicacional, o ponto comum
entre memoração (mise en mémoire) e patrimonialização (mise
en patrimoine) é que tanto uma como outra necessitam da
produção e da transmissão da significação no tempo. Se
seguirmos a hipótese inicial proposta por Maurice Godelier no
L’Énigme du don (segundo a qual não pode haver sociedade que
perdure sem realidades subtraídas às trocas que servem de
ponto de referência), o desafio reside, como afirmei acima, não
apenas no fato de se transmitir tais realidades (objetos
materiais), mas também no fato de se transmitir os significados
que lhes são agregados. Não sei se esse postulado é válido para
as outras sociedades, mas é de grande importância para a nossa
sociedade, na qual a circulação dos significados é um fator
determinante da representação que ela produz sobre si mesma
(Jeanneret, 2008). Por exemplo, não basta que objetos do
passado estejam hoje presentes, que práticas continuem a
existir, é preciso ainda que sua significação seja transmitida e
aceita. Assim, a memoração e a patrimonialização devem ser
consideradas como uma operação de produção de
acontecimentos, práticas ou dispositivos culturais singulares,
permitindo a transmissão ao longo do tempo de objetos e/ou de
práticas acompanhadas de suas significações sociais, ou seja, de
saberes, de experiências e de valores. Tais práticas ou tais
dispositivos são forçosamente híbridos, estratificados e
autorreferenciais (no sentido em que eles significam as
operações que efetuam).
8 Esses dois primeiros pontos nos levam a especificar, em terceiro
lugar, as operações em que se baseia a eficiência social – melhor
dizendo, a operacionalidade simbólica – dos acontecimentos,
práticas ou dispositivos culturais suscetíveis de produzir
significado transmissível ao longo do tempo. São quatro
operações:

1. Esses acontecimentos, práticas ou dispositivos culturais


representam um referente. Trata-se da operação de base
inerente a toda significação: um signo (ou, no sentido
amplo, um conjunto significativo) está por definição no

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lugar daquilo que ele representa, segundo uma relação com
esse referente, que, após Pierce (1978), sabemos que é ora
icônica, ora indicial, ora simbólica.1
2. Esses acontecimentos, práticas ou dispositivos culturais
produzem uma nova significação por meio de uma
contextualização dessa representação: como esta última não
pode existir fora de um suporte, o conjunto assim
constituído (representação do referente e campo no qual ela
está inscrita) forma a nova unidade de significação.
3. A nova unidade de significação assim produzida não existe
fora de uma situação social: ela só existe para um
destinatário que pode interpretá-la. Essa interpretação
depende, no final do processo, da prática na qual está
engajado esse destinatário. Mas ela pode ser também
influenciada, orientada, previamente, por uma produção da
representação e da contextualização. Uma relação de
comunicação encontra-se objetivamente aberta entre
aquele que opera inicialmente e o destinatário que intervém
posteriormente.
4. A transmissão de um saber lateral, que se refere ao mesmo
tempo à relação com o referente, ao contexto deste, assim
como às operações de memoração ou de patrimonialização,
é indispensável. Assim, como já expus acima, a simples
representação de uma realidade não permite que ela,
sozinha, reconstitua o contexto dessa realidade, seu mundo
de origem, por exemplo. Pior ainda, sua contextualização,
ao integrá-la numa nova unidade de significação, corre o
risco de ocultar definitivamente esse mundo de origem.
Imaginemos um objeto arqueológico (mas poderíamos fazer
a mesma constatação com relação a um segmento de
memória) sobre o qual não sabemos nada, nem acerca de
sua sociedade ou do seu universo de origem, nem sobre o
contexto de sua descoberta: seria impossível reconstituir
esses dois contextos, a não ser que, precisamente, o
contexto no qual o objeto se encontra hoje (por exemplo,
sua colocação em exposição) pudesse fornecer um saber
sobre eles.

O regime autográfico dos objetos patrimoniais

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materiais
9 Voltemos à oposição entre memória e patrimônio, quando este é
constituído de objetos materiais, à luz das especificações
precedentes. Em primeiro lugar, essa oposição se fundamenta
no fato de que, no caso da memória, a significação é produzida
anteriormente, e, no caso do patrimônio, posteriormente. Na
transmissão da significação sob forma de memória, o saber e o
objeto ao qual essa significação diz respeito (o acontecimento,
por exemplo), assim como o suporte da transmissão (o
testemunho, por exemplo), são produzidos por aquele que tem a
intenção de transmitir esse saber: ele é o destinatário emissor.
No caso do patrimônio, ao contrário, se o objeto material tem
uma origem num mundo anterior ao mundo no qual se encontra
aquele que o descobre, a produção do saber é incumbida a este
último, que se encontra, portanto, na posição de emissor do
saber. Existe uma dissociação entre o lugar de origem do objeto
material e o lugar de origem do saber e, por conseguinte, da
significação. A produção desta última, que é própria da
patrimonialização, pode ser chamada de “atencional”
(attentionnelle) e não “intencional”, para empregarmos a
distinção introduzida por Jean-Marie Schaeffer (1996). Os
objetos patrimoniais do patrimônio material têm, pois, uma
origem dupla: a produção do objeto e a patrimonialização
produtora do saber. Os objetos patrimoniais que são
conservados pelas instituições, expostos e transmitidos, não
estão reduzidos, como se pensa frequentemente, apenas à
realidade material dos objetos materiais vindos do passado; mas
trata-se de dispositivos culturais, conjuntos significantes
compostos de realidades heterogêneas: objetos materiais,
certamente, mas também fichas descritivas, registros, relatórios
de pesquisa, catálogos, livros, etc. Como os outros objetos
culturais, os objetos patrimoniais não existem, portanto, fora
das instituições que os produzem como objetos significantes. Se,
por enquanto, estamos nos referindo somente ao patrimônio
cultural material, os objetos patrimoniais, como dispositivos
culturais constituídos de objetos materiais e do saber
documentário relativo a eles, possuem várias especificidades.
10 Primeira constatação importante: a existência de objetos

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materiais vindos do passado atribui um peso singular à
referência (a relação entre o signo e aquilo que representa) - o
objeto do passado está presente no presente enquanto signo dele
próprio. É por isso que a questão da autenticidade dos objetos é
tão importante no mundo do patrimônio imaterial: o desafio é a
garantia da natureza semiótica daquilo que está diante de nós,2
homens do presente. A saber, uma garantia de seu estatuto
indicial segundo o qual o objeto que toco ou que vejo esteve de
fato em relação física com o mundo de origem, e não icônica (de
uma cópia) ou simbólica (no sentido de Pierce, ou seja, de algo
que é signo por convenção).
11 Ora, todo o saber produzido sobre esse objeto servirá primeiro
para estabelecer esse estatuto, constituindo, sobretudo,
características e reconstruindo seu contexto de origem em suas
dimensões técnicas, artísticas, históricas, sociais, societais, etc.
Dito de outro modo, uma das funções principais do saber é
reconstruir, reconstituir a memória perdida do objeto e de seu
mundo de origem, de seu contexto de produção, isto é, a
transmissão memorial que está ausente. A pesquisa científica
irá, assim, suprir um saber lateral sobre o objeto que não foi
transmitido. Porém, quando se cria uma representação do
contexto de origem do objeto, esta produzirá, simultaneamente,
um contexto atual que dá sentido ao objeto, ou seja, que o define
a partir da análise de suas características e faz dele um
“semióforo”.3 O objeto não é apenas uma matéria formatada,
nem a pesquisa é externa a ele: como dizia acima, é o conjunto
do objeto e de todo o aparelho que o documenta, que traz o
conhecimento sobre ele e o mundo de onde vem, que constitui o
objeto patrimonial, ou aquilo que comumente chamamos de
patrimônio.
12 O resultado dessa inseparabilidade do objeto material e do saber
que lhe atribui sua significação é que a materialidade do objeto
será daí por diante portadora da significação: é essa
materialidade que parece ter originado a significação. Do mesmo
modo como um quadro, por exemplo, é portador, na sua
materialidade mesma, da significação que produz, ainda que o
saber sobre ele contribua para isso e para o efeito que pode ter
sobre quem o observa. Certamente, o quadro foi produzido para
ser visto, enquanto o saber é produzido para dar ao objeto

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material patrimonial sua significação; porém, o fato de que este
se apoia na dimensão indicial transportada pela materialidade
mesma do objeto irá conferir a este último uma potência
simbólica que não se reduz apenas à dimensão cognitiva da
significação. Como se constata, o objeto é intrinsecamente
portador de sentido, literalmente semióforo. Apesar da diferença
entre um objeto de patrimônio e a obra de arte que é o quadro,
proponho retomar o termo empregado por Goodman e
reutilizado por Genette (1994) para designar esse modo de
existência particular no qual o caráter da obra de arte é
indissociável de sua materialidade: o modo de existência
autográfico. Porém, como acabei de dizer, faço a ressalva de que
o sistema autográfico4 dos objetos patrimoniais depende
finalmente do saber.
13 A dimensão comemorativa inerente a todo objeto patrimonial
vem daí. Isso pode certamente suscitar precauções no
historiador, tendo em vista as regras da pesquisa científica,5 mas
consiste naquilo que confere ao objeto seu poder semiótico e
social, ou seja, sua operacionalidade simbólica no sentido
antropológico do termo. O objeto patrimonial é, de fato, como
Janus, bifacial: de um lado, é saber, um saber presente ao
mesmo tempo nos documentos anexos e no próprio objeto
oriundo do passado (mais exatamente, a interpretação dessas
características como indícios); porém, de outro, é também um
objeto material, concreto, sensível, que coloca quem está em
contato com ele em relação com um universo do qual, ao mesmo
tempo, é o elemento e o representante; de fato, um universo
inacessível, intangível sem ele. Elemento do passado no
presente, o objeto patrimonial é também um signo cujo
referente, em virtude do saber construído, é um indício de seu
contexto passado. É desse modo que podemos afirmar que o
objeto é um testemunho do mundo de origem e que pode
suscitar, naquele que o contempla ou toca, o sentimento de
“sublime do passado” de que fala Dulong (1998, p. 180-184).
14 Quanto ao destinatário, ou seja, aquele que está em contato com
esse objeto patrimonial, o duplo caráter do objeto patrimonial
serve de base para o que podemos chamar de uma adesão
patrimonial. Esta vai além do simples interesse pelo
conhecimento sem por isso ficar reduzida ao prazer da

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exploração de um mundo imaginário ou ainda apenas ao prazer
da relação estética. É exatamente a conjunção do sensível e do
inteligível que serve de base para a experiência tanto do
descobridor como do visitante. A dimensão testemunhal do
objeto, a operacionalidade da presença, quando é sentida pelo
homem do presente, pode colorir o saber e atribuir-lhe um
caráter de anamnese, o que pode, por exemplo, conferir à visita
de uma exposição ou de um sítio visual (ou a qualquer forma de
mediação) um caráter comemorativo. O saber atrelado ao objeto
material pode, assim, despertar o interesse do grupo e circular
novamente na memória social.
15 Mas para que isso aconteça, é indispensável suscitar um
interesse inicial pelo objeto material ou pelo saber a ele atrelado,
um processo de empatia, de identificação, para encetar uma
apropriação pelos indivíduos e pelo grupo que responde ao
“desejo de se transplantar no passado”6, como afirma Dulong7.
Esse interesse continua a ser uma das chaves do conhecimento
do estatuto patrimonial dos objetos vindos do passado. Sem isso,
na melhor das hipóteses, podem recair no esquecimento, na
pior, serem destruídos.

O regime de patrimonialização dos objetos


imateriais

A patrimonialização do patrimônio imaterial


16 O advento da categoria do patrimônio cultural imaterial levanta
a questão de saber se se trata simplesmente de uma nova
categoria de patrimônio ou de um regime de patrimonialização
diferente, ou seja, um modo específico de produzir patrimônio.
Tendo mais para a segunda hipótese pelas razões que tentarei
apresentar adiante, baseando-me em pesquisas científicas,
textos profissionais, administrativos e jurídicos, e ainda
baseando-me na observação de situações concretas.
17 O patrimônio cultural imaterial é caracterizado, como seu nome
indica, pelo fato de que nenhum objeto material torna-se
patrimônio enquanto tal. O que faz patrimônio situa-se em outro
lugar, nos elementos que são unicamente inteligíveis,
perceptíveis, tangíveis através dos suportes que o tornam

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manifestos. Sem isso, ele só teria existência no espírito, como
“idealidade” (Genette, 1994) postulada (postula-se que esse
elemento existe como patrimônio) ou construída (como
resultado de um trabalho de análise). Um tal objeto imaterial,
sendo um objeto ideal, mesmo que venha do passado, não
poderia tornar presente o passado como pode fazê-lo o objeto
material. Uma das questões a ser examinada será, portanto, a de
saber se o suporte, ou melhor dizendo, a manifestação do objeto
ideal, pode assegurar uma tal presentificação.
18 Uma das particularidades do patrimônio imaterial é, sem
dúvida, que ele foi formalizado e definido por uma das
instâncias jurídico-administrativas. A definição de referência é a
feita pela UNESCO.8 Ainda que esse tipo de patrimônio tenha se
beneficiado de uma verdadeira paixão, as pesquisas e os
exemplos de situações empíricas não são suficientemente
numerosos para que se possa extrair daí regularidades estáveis.
19 Então podemos dizer que a definição da UNESCO é bastante
interessante, não com relação ao conteúdo (evasiva sobre o que
pode ser patrimônio), mas porque foi construída em relação
direta com situações de patrimonialização para definir a
maneira como certos elementos de cultura podem se tornar
patrimônio. Podem ser considerados patrimônio imaterial
“práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas,
assim como instrumentos, objetos, artefatos e espaços culturais
que lhes são associados”. Qualquer um que tenha se interessado
pela questão sabe que fica postulado que esse patrimônio pode
se recriar continuamente em razão da natureza e das
contingências dos grupos.9 Mas há um pressuposto segundo o
qual o dito patrimônio continuará sempre sendo ele próprio, ou
seja, um patrimônio; sem isso, seria difícil ver como ele poderia
continuar sendo reconhecido pelo grupo. Um mínimo de
características permanentes parece, portanto, necessário para
que seja reconhecido como tal. Assim formulada, uma tal
definição coloca um problema de lógica, que é resolvido ao
menos em teoria, pelo fato de que é o grupo (a comunidade ou
suas variantes) que reconhece os elementos que fazem parte do
seu patrimônio. Se mantivermos essa definição, trata-se,
portanto, de uma patrimonialização por reconhecimento. Que
esse reconhecimento seja, em seguida, objeto de declarações

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emitidas pelos Estados e sobretudo pelos especialistas da
UNESCO, isto não altera nada o fato de que o reconhecimento é
o ato primeiro pelo qual alguma coisa adquire estatuto de
patrimônio. Esse reconhecimento é o único gerador de
patrimonialização explícito, o único referente posto como capaz
de dar ao processo sua razão de ser e sua coerência.
20 Na realidade, como veremos, as coisas são um pouco mais
complexas. Em que bases esta patrimonialização está ancorada?
A resposta dada pela UNESCO resulta de três operações: uma
transmissão geracional do elemento a patrimonializar; um
interesse do grupo por esse elemento que se pode supor estar
ligado ao sentimento de identidade e de continuidade; e uma
declaração desse reconhecimento, sem a qual ninguém saberia
que se trata de um patrimônio. À primeira vista, temos, assim
como para o patrimônio material, uma construção patrimonial
por homens do presente que consideram que tal elemento
constitui seu patrimônio. Porém, é melhor não se iludir.
Diferentemente do que acontece com o patrimônio material (a
saber, a construção de um conhecimento sobre o objeto e seu
modo de origem servindo a estabelecer um estatuto patrimonial
do objeto) aqui é postulado que basta uma simples constatação
(o reconhecimento) de um estatuto patrimonial preexistente
para que este seja aceito, declarado e continuado. Portanto,
trata-se de um legado ao mesmo tempo recebido e perseguido.
Exceto que nem o reconhecimento como simples constatação
daquilo que faz patrimônio, nem a declaração como simples
escrita da constatação, nem a continuidade como retomada de
um legado são óbvios. E isso é válido para o ponto de vista da
lógica e para o ponto de vista da prática.
21 Do ponto de vista da lógica, fica claro que uma definição como
essa coloca um problema duplo. O primeiro tem a ver com a
maneira como aquilo que muda pode ser reconhecido como o
mesmo. Pode-se objetar que, na prática, pouco importa se há
uma mudança, se há recriação permanente ou não. Porém, isso
só será possível segundo uma única condição, e é aí que o
problema ressurge, qual seja, que não se tente especificar com
precisão o que pode ser patrimônio… O segundo problema é que
são formas de continuidade muito diferentes, como a
continuidade por transmissão de geração em geração e a

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continuidade iniciada pelo reconhecimento explícito e pela
declaração por uma geração do caráter patrimonial dessas
práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas
do que lhes é associado. A segunda forma de continuidade viria
simplesmente depois da primeira, quando na verdade não são de
mesma natureza.
22 Na prática da patrimonialização, procedimentos permitem
escapar daquilo que poderia se tornar uma tautologia, segundo a
qual é patrimônio o que é (reconhecido como) patrimônio. Mas
esses procedimentos levantam toda uma série de questões.
Segundo quais modalidades o grupo (a imprecisão das formas de
grupos já é, em si mesma, reveladora do problema) pode
estabelecer o reconhecimento de um patrimônio? E quem pode
fazê-lo em seu nome? Na verdade, a análise do que já existe
mostra que sempre se recorre, de um modo ou de outro, a um
cientista, muitas vezes um etnólogo,10 para acompanhar um
grupo (ou sua minoria ativa…) no seu reconhecimento daquilo
que é e faz patrimônio. Como acontece com o patrimônio
material, vemos novamente o lugar decisivo que a produção do
saber ocupa na patrimonialização para determinar o que faz
patrimônio, em que e por que ele o faz. Mas o uso do saber não é
exatamente o mesmo: concentra-se principalmente no modo
como podemos compreender esse elemento como patrimônio e
cujo fundamento evidente é a manifestação ou o traço desse
patrimônio. É isso que proponho examinar a partir de um
exemplo.

O exemplo de um objeto patrimonial imaterial


23 Para examinar com mais acuidade a questão do regime de
patrimonialização dos objetos imateriais e a relação desse
regime com a memória, parece-me útil resumir o que caracteriza
esses objetos como objetos de patrimônio indo um pouco mais
longe do que a definição da UNESCO.
24 Como vimos, os objetos imateriais (enquanto objetos ideais),
para constituírem patrimônio, devem satisfazer algumas
condições. Devem pertencer ao patrimônio cultural do grupo,
possuírem uma singularidade que faz deles algo exemplar do
ponto de vista da cultura11 e se manifestarem numa

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materialidade. Em outras palavras, pertencerem
simultaneamente a uma classe, possuírem uma individualidade
e ser objeto de manifestação. Desse ponto de vista, seu modo de
existência assemelha-se ao das obras de arte, como os textos
literários como o Dom Quixote, que pertence a um gênero
cultural (o romance), possui uma singularidade que o define
como obra, o distingue como obra e o distingue dos outros
romances, e que deve ser manifestada, para que se possa aceder
a ele, sob forma de cópias impressas, por exemplo. Para
qualificar o modo de existência dos objetos imateriais, em seu
regime de patrimonialização, tomarei emprestado a categoria
que, para Goodman e Genette (1994), equivale ao modo de
existência autográfico: o modo, ou regime alográfico.
25 Vale precisar que a manifestação desses objetos ideais que são os
objetos imateriais pode tomar duas formas: a de uma “execução”
(um evento, uma prática, uma performance, uma realização,
etc.) ou a de uma transcrição, de um relatório, uma descrição,
etc., ou seja, de uma “denotação”.12 Sem uma ou outra dessas
formas de manifestação, ele continua uma idealidade, uma
representação mental. Como veremos, esta precisão terá sua
importância.
26 Tomemos como exemplo, ao mesmo tempo simples e
suficientemente complexo, os cantos tradicionais com várias
vozes, oriundos da Córsega, e que estão inscritos na lista da
UNESCO de salvaguarda de urgência13 do patrimônio cultural
imaterial da humanidade. Esses cantos, por exemplo, a Messe
des vivants de Sermanu (cantada nas festas de padroeiros),
fazem parte da classe dos cantos chamados cantu in paghjella.
Trata-se de um conjunto mais ou menos evolutivo de peças
tendo essas características, usos, formas mais ou menos
similares. É esse conjunto, essa classe, que constitui patrimônio.
Estabelecer esse pertencimento (segundo, claro, o grau de
expertise musical) fica, aliás, mais ou menos evidente para os
membros do grupo para o qual esse conjunto se constitui como
patrimônio. Esse pertencimento será facilmente reconhecido
pelos membros da comunidade corsa como fazendo parte do
patrimônio corsa, tendo em vista as especificidades dessa forma
de canto com relação às outras formas, que, embora muito
próximas, não serão consideradas parte desse conjunto. Porém,

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esse reconhecimento supõe que a missa em questão seja
executada, cantada, objeto de performance, se é que podemos
usar esse anglicismo, por um grupo e que seja transmitida.
Tabela 1: Regime de patrimonialização do Cantu in
paghjella
Objeto Objeto genérico Objeto individual
Ideal Cantu in paghjella Versi
Real Execução e denotação (missa, concerto aprendizagem, etc.)

27 Quando não houver mais traços desses cantos pertencendo a


esse patrimônio, este deixará de existir, até mesmo enquanto
patrimônio. Daí a importância de duas formas de manifestação,
que são a execução (uma performance no contexto de uma
situação social tal como uma missa, uma festa, um concerto,
etc.) e a manifestação da memória por ocasião, sobretudo, da
transmissão ou de uma pesquisa de memória. É o caso dessa
forma de transmissão por eventos que é a aprendizagem do
canto, e que não passa de uma forma de inscrição das
modalidades de performance na memória dos indivíduos sociais
para produzir a memória coletiva. A memória individual e/ou
coletiva é a base da denotação, e por conseguinte, base do saber
sobre o que caracteriza a obra como pertencendo à classe dos
cantu in paghjella. Essa denotação é o equivalente da partitura,
dos comentários musicológicos ou das indicações cênicas. Mas,
diferentemente da partitura (ou de outras formas de denotação
escrita), que faz forçosamente uma redução do canto, a
transmissão por aprendizagem transmite não apenas as notas e
os comentários, mas também a capacidade de reproduzir o
modo de manifestar o canto na execução (para produzir uma
réplica da obra). De fato, a execução deve ser feita segundo as
modalidades que garantem a manifestação efetiva da dimensão
patrimonial, tal como a escolha das peças de acordo com a
situação, composição do grupo (distribuição das vozes), escolha
das circunstâncias, etc.14 Todas essas são condições para o
sucesso de um reconhecimento do caráter patrimonial.
28 Diferentemente do modo autográfico do patrimônio material,
em que o caráter patrimonial é atrelado ao objeto (modificar o
objeto ou mudá-lo fará desaparecer o caráter patrimonial), o
estatuto do patrimônio imaterial existe anteriormente a suas
manifestações, ainda que a existência mesma desse patrimônio

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seja questionada se essas manifestações vierem a desaparecer,
sobretudo, ponto essencial, a memória, que permite que elas
aconteçam. Esta seria provavelmente a razão de se recorrer à
gravação, para que a memória seja fixada, uma vez que essas
manifestações são na maior parte do tempo efêmeras. Nessas
condições, compreende-se por que o desafio não repousa sobre a
validade semiótica da relação do objeto com seu mundo de
origem (sua autenticidade), como no caso do patrimônio
material. Essa relação recai sobre a validade das manifestações e
traços do que faz patrimônio, de sua conformidade e de seu
respeito ao objeto ideal (é o caso da Messe des vivants de
Sermanu, por exemplo), e do pertencimento deste à classe que
constitui patrimônio (o cantu in paghjella, para reforçar o
mesmo exemplo). Esse desafio é ainda maior quando só
podemos apreender o que faz patrimônio através de uma peça
executada, através de suas manifestações.15 Os saberes não
servem, portanto, para reconstituir a memória perdida dos
objetos a fim de atestar sua autenticidade, mas, antes, servem
para validar as modalidades de existência físicas das idealidades
patrimoniais, suas manifestações, e até mesmo o registro delas.
29 Não é espantoso, portanto, que os saberes sejam mobilizados
para garantirem a validade das relações entre os registros e a
manifestação (aqui a execução dos cantos); entre a manifestação
e o que faz patrimônio (os cantos reconhecidos como
patrimônio); entre esses objetos e a classe à que pertencem e
que faz patrimônio (no caso presente, o cantu in paghjella);
entre essa classe de cantos e a cultura à que ela mesma pertence
(a cultura corsa). Em cada ocasião, esses saberes são híbridos de
memória e de conhecimentos construídos. Se os membros do
grupo sabem o que obedece ao caráter patrimonial e o que não
obedece, é por terem visto, ouvido, aprendido. Observamos que
isso não dispensa, muito pelo contrário, o estabelecimento de
uma descrição pensada e de um estudo científico durante o
processo de patrimonialização.16 Essa descrição e esse estudo
vêm registrar, completar, traduzir sob forma de conhecimentos,
os saberes transmitidos implicitamente (durante as execuções)
ou explicitamente (por aprendizagem).
30 Permanecem abertas duas questões principais. A primeira é a de
saber a partir de que momento as mudanças nas manifestações

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vão abalar o caráter patrimonial do objeto ideal (a Messe des
vivants, nesse caso), e até mesmo a partir de que momento esse
objeto pode perder seu caráter patrimonial. De aparência algo
teórica, para não dizer casuística, essa questão compromete de
fato as possibilidades de evolução das manifestações e da
permanência do que as torna singulares e manifestações do
patrimônio de uma cultura. Ainda sobre esse ponto, não é
garantido que o princípio que consiste em devolver a pergunta à
comunidade seja tão simples a ser executado quanto parece à
primeira vista.
31 A segunda questão diz respeito à maneira como é possível
compartilhar o que constitui patrimônio (o cantu in paghjella,
para retomar nosso exemplo) e suas manifestações (execuções
ou saber). Diferentemente, portanto, dos membros da
comunidade, que, pelo menos em princípio, podem determinar o
que constitui patrimônio e o que não constitui, as pessoas
externas ao grupo entram unicamente para assistir às
manifestações. Isso coloca um duplo desafio. Em primeiro lugar,
o da abertura ou não desse patrimônio aos outros (por meio de
sua instalação e circulação no espaço público sob forma de
concertos ou programas de rádio e televisão, por exemplo). E,
em segundo lugar, o modo como essa instalação e essa
circulação vão permitir aceder, refazer, digamos assim, o
caminho das manifestações à dimensão patrimonial e de se ir
além da mera performance musical, por exemplo. Retornarei a
esses dois desafios mais adiante.

Da memória coletiva à memória social

O caráter efêmero da memória coletiva


32 De acordo com a definição de memória coletiva que Maurice
Halbwachs propõe, os indivíduos do grupo são os portadores da
memória e são eles que a manifestam. A continuidade entre o
passado e o presente é assegurada por intermédio dos próprios
indivíduos; são eles que servem de ligação entre os dois. Para
que a transmissão aconteça é, todavia, necessário que ela seja
executada, ou seja, enunciada, seja pela verbalização, seja por
meio de uma prática. Uma das formas exemplares da

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manifestação da memória coletiva é o testemunho, mas também
é preciso mencionar todas as formas de transmissão oral e
prática, técnicas e saberes através de situações socialmente
definidas, como um ritual, um relato, um espetáculo, uma
intervenção, uma discussão, um encontro, uma aprendizagem, a
realização prática de uma técnica, etc. Circulando, assim, no
grupo, a memória coletiva pode, em razão disso, produzir
correntes de pensamento que atravessam a sociedade. De
qualquer forma, entendida em sentido estrito, a memória
coletiva permanece viva enquanto houver membros do grupo
para sustentá-la , mas ela desaparece com eles.
33 Comentando Halbwachs, Gérard Namer (1987, 1997) mostrou
que a memória coletiva poderia momentaneamente se tornar
memória social, ou seja, ser conservada sob forma de traços,
lugares, materializações rituais, textos – e, hoje, gravações –,
para ser em seguida reativada. Dois casos se apresentam: ou não
houve realmente ruptura, pois esses a quem a memória escrita
se dirige viveram ou conheceram os acontecimentos (a recepção
assume, então, a forma de uma recordação dentro da própria
memória coletiva, a forma de uma evocação da lembrança); ou
houve ruptura entre os acontecimentos e aqueles a quem se
dirige a memória social e, nesse caso, o suporte, os traços, a
escrita ou o registro gravado da memória servem para reativar
uma memória social no interior de um grupo social, que, embora
não seja o grupo de origem, faz parte do mesmo conjunto desse
grupo ou tem ligação com ele, na medida em que é, por exemplo,
constituído por seus descendentes ou porque pertence à mesma
cultura (Rautenberg, 2003, p. 47). Estes suportes servem, então,
para assegurar uma continuidade da memória, para restaurar
esse tempo que, como explica Namer (1987, p. 113), “é o
contexto social da memória coletiva na medida em que é o
presente imutável do hábito de pensamento de si feito pelo
grupo”.17 É a continuidade de um hábito de pensamento que é
mantido ou restabelecido.

A memoração social
34 Se admitimos a distinção proposta por Halbwachs entre
memória e história, a memória social – chamada também de

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memória cultural – pertence, evidentemente, ao registro da
memória, no sentido em que ela tem a capacidade de dar
continuidade à transmissão no seio de um grupo. Em oposição,
sabemos que a reconstrução histórica ou patrimonial é feita a
partir do tempo presente e pressupõe a mediação dos
documentos (o arquivo), e não a dos testemunhos ou
documentos produzidos para fins de transmissão. A diferença
fica evidente com a história, que, segundo afirma Halbwachs, “é
necessariamente um atalho e é por isso que comprime e
concentra, em alguns momentos, evoluções que se estendem ao
longo de períodos inteiros: é nesse sentido que ela extrai as
mudanças da duração”18 (Halbwachs, [1950] 1997, p. 165).
Autores como Raphael Samuel (1994, p. ix-x) contestaram essa
oposição entre história e memória, que é, talvez, segundo ele,
um legado do romantismo. Ampliando a noção de história a uma
forma social de conhecimento, ele considera a memória segundo
o modo da etnografia contemporânea: não como um banco de
imagens do passado, mas como uma força ativa, construtiva,
dinâmica, que contribui para fazer esquecer tanto como para
fazer lembrar. Mas o que resta é precisamente o caráter de fluxo
da memória, a dimensão humana da palavra (a encarnação do
enunciador); em suma, a importância dos aspectos sociais,
afetivos, sensíveis, e não apenas cognitivos.
35 Se a passagem da memória coletiva à memória social preserva a
origem do saber transmitido, ou seja, a posição do destinatário,
ela interrompe, contudo, o fluxo, fixa os saberes, corre o risco de
fazer desaparecer a dimensão incarnada da fala, de apagar o
contexto social de enunciação na medida em que esses saberes e
essa palavra serão daí por diante fixados, porque inscritos num
suporte. Trata-se, portanto, de um estado da memória que é
estabelecido, transcrito, porém, a recriação contínua fica
interrompida.
36 Na qualidade de memória, ela deve ser executada, manifestada
para existir. Mas, enquanto memória social, devem ficar,
forçosamente, traços dessa execução, dessa performance. A
forma mais simples e mais antiga apela para a transcrição, a
descrição, o relato, etc.; em outras palavras, apela para a escrita.
Além da dificuldade de sua realização quando se trata de
performances um tanto quanto complexas, o inconveniente

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dessa forma é a importante redução que ela opera. Ora, sabe-se
que há a possibilidade de registro do som, da imagem fixa e
animada, o que permite conservar traços não apenas daquilo
que se diz, mas também da situação de enunciação, das práticas,
expressões, das relações e dos corpos. Fica evidente, porém, que
o mesmo registro, por mais completo que seja, opera sempre
uma redução. De onde a necessidade de uma verdadeira escrita,
na forma da escolha do que é gravado, do ponto de vista e da
montagem, criando, assim, um contexto destinado a dar conta
do contexto de origem do elemento gravado, como nos ensinou a
antropologia visual. Teremos, desse modo, a criação de um olhar
sobre a memória gravada, que a formata, editora de um certo
modo, lançando mão, para isso, do conhecimento científico,
geralmente, do saber da etnologia. A criação desse olhar
introduz um compartilhamento entre, de um lado, a memória e
o mundo de onde ela vem e de outro o mundo que operou o
registro; seja entre um mundo de origem que enuncia a memória
e um mundo da recepção que a põe em forma e a conserva. O
tratamento da memória social se aproxima, então, da história e,
em todo caso, engaja, de facto, um processo de
patrimonialização.
37 O registro, e a fortiori a escrita, das manifestações da memória
acarreta uma profunda modificação no modo de existência social
da memória. A mudança mais importante é certamente a
possibilidade de não apenas voltar sobre manifestações
anteriores da memória dentro do grupo (Goody, 1977), mas
ainda de torná-la pública, ou seja, de ser, de dá-las a conhecer e
fazê-las circular fora do grupo, num outro espaço social. Mede-
se a extensão dessa mudança pelo fato de que o objeto suporte
desse registro pode se tornar totalmente autônomo. O contexto
social da produção da memória ou até mesmo de sua
manifestação, que era próprio ao grupo, pode vir a desaparecer
ou, no mínimo, não mais constituir a situação que dá sentido à
memória.
38 Entretanto, a transformação da memória coletiva em patrimônio
não é a patrimonialização dos objetos imateriais. Gostaria,
portanto, de voltar, como forma de conclusão, a falar sobre ao
lugar que ocupa a produção da memória social na
patrimonialização dos objetos imateriais como meio de produzir

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o saber.

Memória social e regime de patrimonialização dos


objetos imateriais
39 Parece-me, de fato, que o lugar do tratamento da memória seja
determinante nas diferenças existentes entre o regime de
patrimonialização dos objetos imateriais e o regime dos objetos
materiais. Se, de um lado, a inscrição e o registro da memória
num suporte material faz com seja possível conservar e expor a
memória, de modo que ela seja assim patrimonializada, de
outro, a memória constitui o saber lateral que permite dar aos
objetos imateriais seu estatuto de patrimônio.19 O registro e o
tratamento da memória coletiva, destinados a produzir um saber
servindo à patrimonialização, vão transformá-la numa memória
social, escrita, documentada, estocada. É assim que ela adquire o
estatuto de saber legítimo garantindo a existência e a natureza
desse objeto ideal que é o objeto imaterial.
40 A análise do exemplo do cantu in paghjella – mas seria
necessário verificar se acontece a mesma coisa nos outros casos
– permite apreender como essa memória social pode servir para
definir a classe de pertencimento dos objetos imateriais. Esta, de
fato, é constituída apenas dos objetos imateriais que as
manifestações permitiram identificar e reconstituir. É dessa
forma que a patrimonialização pode constituir uma idealidade
genérica (o cantu in paghjella) a partir das manifestações dos
indivíduos que a compõem (a saber, os diversos cantos coletados
nos documentos). Compreende-se por que a ausência de
manifestações possíveis conduz irremediavelmente à
constatação de um patrimônio perdido, seja porque se tornou
inacessível, seja porque jamais existiu. Inversamente, a
existência de uma memória e de sua coleta, colocada em
perspectiva com conhecimentos etnológicos e musicológicos, vai
permitir coletar, e, às vezes, até mesmo restituir, o que constitui
patrimônio (a idealidade genérica do cantu in paghjella), sem
que possamos, contudo, saber se o conjunto coletado ou
restituído corresponde à totalidade dos elementos (dos cantos)
que outrora puderam existir. Mas pouco importa. Podemos
afirmar que o essencial reside na coerência do conjunto que

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pode ainda ser manifestado hoje.20
41 O saber constituído por meio da escrita da memória coletiva em
memória social possui, assim, um lugar determinante no
processo de patrimonialização, e isso, de dois modos. Em
primeiro lugar, ele é um elemento do próprio objeto
patrimonial. Como no caso do patrimônio material, o saber é o
que dá suporte ao objeto. Ele garante que o objeto material
presente pertence a seu mundo de origem e tem, portanto, o
estatuto de patrimônio. Já no caso do patrimônio imaterial, o
saber garante que a manifestação é realmente a de um objeto
ideal, fazendo parte de um patrimônio pelo duplo jogo do
reconhecimento das características patrimoniais na
manifestação e da existência efetiva de um patrimônio
constituída pelo conjunto dos objetos imateriais (como objetos
ideais). Podemos dizer que o objeto patrimonial imaterial é um
dispositivo constituído pelo objeto ideal (como exemplo do
conjunto, da idealidade, genérica), pelo saber constituído e pelas
manifestações, que podem, ainda, ser gravadas como traços da
existência do objeto ideal; e isso, salvaguardados pelo saber,
garantindo que as ditas manifestações são verídicas e não puras
invenções. Em seguida, devido à escrita da memória coletiva em
memória social, a constituição do saber produz um hiato
temporal entre um antes (em que o saber intervém dentro das
situações de transmissão) e um depois, cujo saber existe de
modo relativamente autônomo sob forma de documentário.
42 A escrita da memória afasta o esquecimento, mas, ao mesmo
tempo, a memória coletiva é remetida ao passado (aquele de
antes de sua escrita). Já falamos desse fenômeno. Porém, com o
fato de que esse saber sob forma documental serve à
patrimonialização – ao mesmo tempo, para a constituição dos
objetos patrimoniais e para transmiti-los e torná-los públicos –,
esse hiato temporal é acompanhado por um processo de
reflexão, uma vez que esse saber documental fornece um olhar e
um conhecimento sobre a sociedade e sua cultura pelos próprios
membros do grupo. Quanto à produção, a posição daqueles que
patrimonializam (a posição do destinatário) é, de certa forma,
clivada entre a participação na prática (sob forma de
performance e de transmissão tradicional) e a enunciação de um
saber sobre essa prática por meio da escrita e de sua memória.

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Quanto à recepção, a patrimonialização tem por efeito permitir a
existência de duas posições de destinatários, de definir duas
posições para aqueles que assistem às performances
(manifestação por execução) e/ou tomam conhecimento dos
saberes (manifestação por denotação):

Em uma dada cultura, a posição das pessoas que possuem


ao menos em parte uma memória lateral sobre o objeto
imaterial e o patrimônio ao qual pertence, ao lado dos
saberes constituídos sob forma documental e que podem,
por essa razão, e pelo menos parcialmente, apreciar a
dimensão patrimonial da manifestação;
A posição das pessoas externas àquela, que não possuem
essa memória lateral e acedem ao objeto imaterial pela
manifestação e/ou pelos saberes constituídos. Para essas, o
risco (de um ponto de vista patrimonial) é de que a
manifestação funcione como uma performance cultural,
como uma obra autônoma, desconectada da idealidade, ou
seja, daquilo que faz patrimônio.21

43 Essa clivagem das posições comunicacionais de emissor e


destinatário tem por efeito produzir uma cultura comum entre
os membros do grupo e as pessoas externas a ele. Essa cultura
comum remete forçosamente a um alhures, no passado, a
performances e a uma transmissão que se faziam segundo o
regime da memória coletiva. O hiato temporal pode então
eventualmente assumir a forma de uma ruptura.
44 Em última análise, se o problema ao qual o regime de
patrimonialização dos objetos materiais é confrontado é a
dificuldade de revitalizar na memória coletiva o saber construído
cientificamente (ou seja, produzir empatia), e de superar uma
relação unicamente estética ao objeto a fim de garantir uma
continuidade entre o coletivo presente e o grupo imaginário dos
homens do mundo de origem dos objetos, a dificuldade do
patrimônio imaterial reside paradoxalmente no risco de
distanciamento de sua própria cultura por causa da
reflexividade, e também nas modalidades a colocar em prática
para se manter o laço entre a manifestação presente e o que
constitui patrimônio na cultura.

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Notes
1. Por exemplo, um retrato pintado representa o modelo segundo um modo
icônico (o laço entre o significante e o referente será baseado na
semelhança), um retrato fotográfico será baseado numa relação indicial
devido à reprodução do modelo permitida pela máquina fotográfica,
enquanto um diagrama será de natureza simbólica, uma vez que traduz o
fenômeno representado por um cálculo.
2. “L’archive et l’objet de musée, comme la relique sacrée, sont des pièces à
conviction.” (Dulong, 1998, p. 181) [“O arquivo e objeto de museu, como a
relíquia sagrada, são provas documentais.”] [Nossa tradução]
3. Retomo o termo de Krzysztof Pomian (1978, 1987, 1996), determinando
sua natureza semiótica.
4. Para considerar aqui apenas a dimensão patrimonial desses objetos e não
sua dimensão artística.
5. Por exemplo, Lowenthal (1998).
6. “vœu de se transplanter dans le passé” [Nossa tradução]
7. “Le désir d’histoire a le pouvoir de remonter le fil du temps en utilisant
tout ce qui fait lien.” (Dulong, 1998, p. 194) [O desejo de história tem o poder
de refazer a linha do tempo utilizando o que favorece a ligação.] [Nossa
tradução]
8. Lembro aqui a definição de patrimônio imaterial na Convenção:
“Entende-se por ‘patrimônio cultural imaterial’ as práticas, representações,
expressões, conhecimentos e técnicas – junto com os instrumentos, objetos
artefatos e lugares culturais que lhes são associados – que as comunidades,
os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte
integrante de seu patrimônio cultural. Este patrimônio cultural imaterial,
que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a
natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e de
continuidade e contribuindo assim para promover o respeito à diversidade
cultural e à criatividade humana” (Convenção sobre o patrimônio imaterial,
UNESCO, 2003).
9. Emprego o termo “grupo” para designar as comunidades, grupos, e,
quando necessário, os indivíduos apresentados como os atores desse
patrimônio. Quanto à natureza e às contigências, trata-se de seu ambiente,
de sua interação com a natureza e de sua história.
10. Salvo se o político que propõe a declaração toma a decisão com base em
razões outras que as científicas.
11. Deixo de lado a representatividade da diversidade cultural e da
criatividade humana, que é um dos critérios justificando a inscrição nas
listas da UNESCO, uma vez que não intervêm na definição do caráter
patrimonial propriamente dito.

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12. Os conceitos de execução e de notação – ou (de)notação – foram
emprestados de Genette (1994) [exécution, notation, (dé)notation].
13. Conferir o sítio da coletividade territorial da Córsega
http://www.corse.fr/Cantu-in-paghjella_a2491.html, consultado em 8 de
novembro de 2011.
14. Essas últimas indicações são precisamente exemplos de notações
transmitidas pela memória do grupo, mesmo junto aos não cantores.
15. Isso aparece muito bem no fato de que é a autenticidade da experiência
do visitante ou do espectador que deve ser garantida. Ainda mais em razão
da performance enquanto obra autográfica, cujo registro produz cópias
(alográficas). Somos aqui confrontados a uma hermenêutica prática do
traço.
16. Salini Dominique, Musique traditionnelles de Corse, A
Messagera/Squadra di u Finusellu, Avril 1996. Pérès Marcel, Le Chant
religieux corse : État, comparaisons, perspectives. Federazione d’Associ
Linguistichi Culturali è Economichi, éd. Créaphis 1996 (coll. Les cahiers du
CERIMM).
17. “est le cadre social de la mémoire collective dans la mesure où il est le
présent immuable de l’habitude de pensée de soi du groupe” [Nossa
tradução]
18. “est nécessairement un raccourci et c’est pourquoi elle resserre et
concentre en quelques moments des évolutions qui s’étendent sur des
périodes entières : c’est en ce sens qu’elle extrait les changements de la
durée” [Nossa tradução]
19. Observa-se o mesmo fenômeno com os objetos contemporâneos
oriundos do mesmo regime de patrimonialização.
20. Refiro-me ao sítio onde consta o relato da patrimonialização. Disponível
em: http://www.cantu-in-paghjella.com/, consultado em 8 de novembro de
2011.
21. Nesse caso, a manifestação funciona como uma obra tendo um modo de
existência autográfica. A criação substitui a dimensão patrimonial por um
enfoque maior na parte da criação do que na execução. No outro caso, eles
vão buscar uma autenticidade da experiência patrimonial.

Auteur

Jean Davallon
Professeur émérite en Sciences de
l’Information et de la
Communication

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Université d’Avignon et des Pays de
Vaucluse
Centre Norbert Élias (UMR 8562),
Équipe Culture et Communication
Jean.Davallon@univ-avignon.fr
http://www.univ-
avignon.fr/fr/recherche/annuaire-
chercheurs/membrestruc/personnel/davallon-
jean.html
Germana
Henriques Pereira de Sousa
(Traducteur)
© OpenEdition Press, 2015

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Modification 3.0 non transposé - CC BY-NC-ND 3.0

Référence électronique du chapitre


DAVALLON, Jean. Memória e patrimônio: por uma abordagem dos
regimes de patrimonialização In : Memória e novos patrimônios [en ligne].
Marseille : OpenEdition Press, 2015 (généré le 11 novembre 2018).
Disponible sur Internet : <http://books.openedition.org/oep/866>. ISBN :
9782821853539. DOI : 10.4000/books.oep.866.

Référence électronique du livre


TARDY, Cécile (dir.) ; DODEBEI, Vera (dir.). Memória e novos patrimônios.
Nouvelle édition [en ligne]. Marseille : OpenEdition Press, 2015 (généré le 11
novembre 2018). Disponible sur Internet :
<http://books.openedition.org/oep/417>. ISBN : 9782821853539. DOI :
10.4000/books.oep.417.
Compatible avec Zotero

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