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03 Sequência Universal de Avaliação

04 Introdução ao Ácido-Base e Hidroelectrolítico 01 //

38 Avaliação sistemática da gasometria: “A Regra dos 3” 02 //

50 Acidose Metabólica 03 //

74 Alcalose Metabólica 04 //

86 Potássio 05 //

105 Sódio 06 //

136 Cálcio, Fósforo e Magnésio 07 //

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Sequência Universal de Avaliação //

Sequência universal de Avaliação Ácido-Base e Hidroelectrolítico

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Capítulo 01 //

Introdução ao equilíbro ácido-base


e hidroeletrolítico

OBJECTIVOS:

Compreender os conceitos de concentração e pressão parcial Introduzir a sequência universal de avaliação de um doente com
desequilíbrio ácido-base e/ou hidroeletrolítico
Reconhecer acidoses, alcaloses e respetivos desvios do pH

Identificar o estado de hidratação e circulatório

>
Capítulo 01 //

Conceitos Básicos
Concentração: quantidade de uma substância dissolvida numa Solução molar = solução que contém o peso molecular de uma
solução. substância, expresso em g por litro.

Ex.: a concentração molar do cloreto de sódio é a concentração


Os medicamentos vêm embalados com especificações como:
em g por litro = 58,4 g (peso molecular do sódio = 23 g de Na+
Lidocaína a 1% + 35,4 g de Cl-).

Glicose a 5%
Adrenalina numa diluição de 1: 1 000 Mas como no corpo humano as concentrações são muito mais
baixas, há casos em que é necessário usar unidades mais pe-
Adrenalina numa diluição de 1: 10 000 quenas, como por ex:

Sabe que quantidade de medicamento existe em cada uma


destas embalagens? Para o saber basta conhecer a convenção
para representar as concentrações:

Lidocaína a 1% = 1 g de Lidocaína em 100 mL


Glicose a 5 % = 5 g de glicose em 100 mL
Adrenalina numa diluição de 1 : 1 000 = 1 g de adrenalina por
10 000 mL
Adrenalina numa diluição de 1:10 000 = 1 g de adrenalina por
10 000 mL

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Capítulo 01 //

O conceito de solução molar é importante porque o peso mo- A percentagem de O2 no ar inspirado pode ser aumentada até
lecular em gramas, de todas as substâncias, tem exactamente 100%. Por convenção a fracção de O2 no ar inspirado
o mesmo nº de moléculas = 6x1023. Assim sendo quando com- representa-se por FiO2 e expressa-se como fracção de 1.
paramos soluções de igual molaridade já sabemos que têm ex- FiO2=1 significa que a percentagem de O2 no ar inspirando é
actamente o mesmo nº de moléculas e por isso é válida a con- 100%. Assim se o ar inspirado tiver 50% de O2 diz-se que tem
frontação dos respectivos pesos moleculares. uma FiO2 = 0,5.

A concentração de um ião pode ser apresentada em unidades Nota: quando referimos percentagens não explicitamos con-
de “equivalentes” (ex. 140 mEq/L de Na+) em vez de unidades centrações.
molares, referindo-se ao número de cargas iónicas. Isto signi-
fica que a concentração em mEq de um ião com 2 cargas (ex.
Ca++) será o dobro da mesma em mmol/L.

No caso dos gases a sua concentração é habitualmente re-


ferida em percentagem. Ex.: Se a percentagem parcial de oxi-
génio do ar que respira é 21%, isso quer dizer que por cada L
de ar que inspira 210 mL são de O2.

Composição habitual do ar atmosférico ao nível do mar:

Azoto = 78,06%,
Fig. 1.1 | Diferença entre percentagem e concentração
Oxigénio = 20,98%,
Dióxido de Carbono = 00,04%
e Gazes Inertes = 00,92%

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Capítulo 01 //

Nestes dois recipientes a percentagem de cada uma das molé- Ex: PO2 = 20,98:100 x 760 mmHg = 159 mmHg
culas e é igual mas a concentração de moléculas no re-
cipiente da direita é o dobro da concentração de moléculas no
Contudo se o gás estiver em contacto com um líquido, parte
recipiente da esquerda, por isso é preciso acrescentar à per-
desse gás dissolve-se no líquido, o que é muito importante em
centagem outra especificação. Este facto levou à introdução
fisiologia humana, já que a maior parte do organismo é líquido.
do conceito de:
O volume que se dissolve no líquido depende de duas forças:
Pressão parcial = soma de todas as moléculas desse gás em
a pressão parcial que “empurra” o gás para dentro do
colisão com as paredes do contentor.
líquido, e
Se o gás é uma mistura, como é o caso do ar, a pressão parcial a solubilidade = que reflecte a facilidade com que as molécu-
é a soma das pressões parciais de cada um dos seus compo- las desse gás se misturam com o líquido.
nentes. Tendo em consideração a composição habitual do ar
teremos:
O CO2, por ex., é 20 vezes mais solúvel no plasma do que o O2,
Pressão atmosférica = pressão parcial do Azoto (= 78,06%) + o que quer dizer que para a mesma pressão parcial, o CO2 se
Oxigénio (= 20,98%) + Dióxido de Carbono (= 00,04%) + dissolve no plasma vinte vezes mais do que o O2.
Gazes inertes (= 00,92%).
Se o gás ficar em contacto com o líquido sem interferências,
Se a pressão atmosférica for 760 mmHg, a pressão parcial de as moléculas que se dissolvem no líquido acabam por se equili-
cada um dos seus componentes será respectivamente: brar com as do gás, sendo possível determinar a pressão par-
cial desse gás no líquido. Por isso, para que não haja con-
593,2 mmHg + 159 mmHg + 0,3 mmHg + 6,9 mmHg fusões é necessário explicitar onde é que a pressão parcial do
gás foi medida.
Estes valores foram obtidos a partir da percentagem de cada
gás, dividida por cem (percentagem) e multiplicada pela
pressão total da mistura.

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Capítulo 01 //

No caso do O2, essas variáveis são simbolizadas da seguinte Os valores da pressão parcial são representados em mmHg ou
forma: em kPa (quilo Pascal), sendo que 1 kPa = 7,5 mmHg

PO2 = pressão parcial de O2 na atmosfera Ex: PaO2 = 90 mmHg = 12 kPa

PAO2 = pressão parcial de O2 no alvéolo PaCO2 = 35 – 45 mmHg = 2,7–6 kPa

PaO2 = pressão parcial de O2 no sangue arterial

PvO2 = pressão parcial de O2 no sangue venoso

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Capítulo 01 //

Ácidos, Bases e Alcalis


Ácido é toda a substância capaz de fornecer hidrogeniões (H+), As proteínas são compostos com propriedades particulares
quando está em solução. Um ácido forte fornece facilmente mui- porque podem funcionar como dadoras e como aceitadoras de
tos H+; um ácido fraco fornece poucos H+. De entre os ácidos ha- H+.
bituais no nosso organismo salientam-se:

ácido clorídrico, Alcalis = substância dadora de OH, por ex. NaOH, mas que
ácido láctico, também é capaz de aceitar H+ e por isso pode comportar-se
ácido carbónico, como alcali e como base. Por isso todos os alcalis são bases
cetoácidos, mas nem todas as bases são alcalis.
ácido pirúvico,
ácido úrico,
pH, alcalemia e acidemia
proteínas.
A “acidez” de uma solução é uma propriedade que resulta do nº
de hidrogeniões nela dissolvidos. No organismo a concentração
Base é toda a substância que aceita hidrogeniões quando está
de H+ ([H+]) é baixíssima, quando comparada com a concen-
em solução. As bases mais importantes no controlo do
tração de outros iões essenciais à vida, por ex.:
equilíbrio ácido-base (Eq a-b), são:

bicarbonato, [H+] = 0,000 04 mmol/L 


fosfatos, [Na+] = 135 - 145 mmol/L

proteínas,
amónia.

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Capítulo 01 //

Para representar uma concentração tão baixa usa-se uma


variável matemática, criada em 1909, que se designa por pH e
representa o inverso da concentração logarítmica de H+.

Daqui resultam duas consequências:

quando a [H+] sobe, o pH baixa e


quando a [H+] baixa, o pH sobe
O pH normal varia entre 7,36 – 7,44.

Por definição quando o pH sai dos limites normais diz-se que o


doente está em:

acidemia se a [H+] subir e o pH 7,35


alcalemia se a [H+] baixar e o pH 7,45.

A pequenas variações do pH correspondem grandes variações


da [H+], por ex., a passagem do pH de 7,4 para 7,1 traduz uma
variação da [H+] de 40 para 80 nmol/L; ou seja, a uma
variação de 0,3 do pH corresponde a duplicação da [H+].

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Capítulo 01 //

Acidose e Alcalose
Acidose e alcalose são termos que definem processos fisiopa- nesta definição também se compreende que pode existir ao
tológicos e identificam a origem da perturbação, ao passo que mesmo tempo mais do que uma perturbação fisiopatológica a
as designações acidemia e alcalemia se referem apenas ao alterar o pH em sentidos opostos, p. ex: acidose respiratória (re-
valor do pH independentemente dos mecanismos fisiopatológi- tenção de CO2) + alcalose metabólica (retenção de HCO3-). Olhar
cos que lhes dão origem. só para o pH não chega para definir o estado do Eq. a-b.

As alterações do Eq a-b ocorrem primariamente dentro da cé- Pode haver acidose sem acidemia (desde que esteja compen-
lula, mas se não forem corrigidas e a perturbação persistir aca- sada), mas não pode haver acidemia sem acidose.
bam por se repercutir no plasma provocando acidemia ou al-
A actividade metabólica normal liberta grande quantidade de hi-
calemia.
drogeniões intracelulares. Se nada fosse feito, a acumulação
desses H+ provocaria graves alterações de pH a curto prazo.
Do ponto de vista fisiopatológico poderemos considerar que: Como os enzimas, essenciais à vida, só funcionam se o pH es-
tiver numa estreita margem, sempre que o pH se desvia grande-
Acidose metabólica = diminuição do HCO3-
mente da margem fisiológica há risco de vida.
Alcalose metabólica = aumento do HCO3-
Felizmente, há moléculas capazes de aceitar e ceder H+ para
Acidose respiratória = aumento do CO2 equilibrar o pH, que se designam por tampões.

Alcalose respiratória = diminuição do CO2 Os tampões, em presença de bases fortes, são igualmente ca-
Assim sendo, compreende-se que pode existir acidose com pH pazes de ceder H+, para equilibrar o pH. Cerca de ¾ da capaci-
normal e alcalose com pH normal, por isso é necessário distin- dade de tamponamento intracelular é assegurada pelas pro-
guir acidemia de acidose e alcalemia de alcalose. Com base teínas e pelos fosfatos (existentes em grande concentração den-

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Capítulo 01 //

tro das células). A hemoglobina é um dos principais protago- ismo, dissolve-se no plasma enquanto o CO2 é eliminado com
nistas deste processo de tamponamento porque tem grande a respiração. Esta reacção tende para a direita ou para a
apetência e facilidade para receber e dar H+. O restante ¼ da esquerda, conforme a pressão do ambiente metabólico.
capacidade tampão do organismo é assegurado por proteínas Quando as reacções para a direita tendem a igualar as re-
séricas e pelo sistema bicarbonato - ácido carbónico. En- acções para a esquerda atinge-se um estado de equilíbrio que
quanto as proteínas plasmáticas se encarregam de levar o H+ contribui para regular o pH.
ao rim para ser eliminado, o sistema bicarbonato - ácido
carbónico mantém o equilíbrio gerindo a associação e a disso- Importante: o sistema do bicarbonato / ácido carbónico
ciação do H2CO3 em H2O + CO2 numa relação representada nunca se satura porque há sempre a possibilidade de o
pela fórmula: desdobrar em CO2 e H2O que são continuamente eliminados
ou incorporados no plasma.

O nível de bicarbonato é influenciado quer pelo funcionamento


do aparelho respiratório quer pelos rins (que têm a função de
eliminar hidrogeniões e regenerar HCO3-).

A medição do bicarbonato sérico, por si só, não nos diz quan-


tos hidrogeniões foram absorvidos pelos restantes tampões,
nomeadamente as proteínas. Para o sabermos temos de calcu-
Fig. 1.2 | Fórmula Sistema Bicarbonato - Ácido Carbónico
lar a quantidade de ácidos fortes ou de bases fortes que seria
necessário adicionar à solução para que o pH fosse de 7,4. Ora,
A capacidade de tamponamento das proteínas é limitada, o esse valor necessário para corrigir o pH para 7,4 designa-se
que não acontece com o sistema do bicarbonato porque neste por “base excess” (BE) e o seu interesse reside no facto de per-
caso a reacção não acaba no bicarbonato, prossegue até H2O mitir demonstrar o tipo de desvio metabólico existente.
+ CO2. E assim a H2O, sendo o principal componente do organ-

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Capítulo 01 //

BE < – 2mmol/L = acidose metabólica



BE > + 2mmol/L = alcalose metabólica

BE < – 2mmol/L = défice de bases

BE > + 2mmol/L = excesso de bases

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Capítulo 01 //

Produção e eliminação de ácidos


Cada um de nós produz, como subproduto dos mecanismos de Um indivíduo normal excreta diariamente pelos pulmões o equi-
produção de energia, cerca de 1 mmol/Kg/dia de H+. A este valor valente à produção de cerca de 13 000 000 000 nmol de H+ e,
soma-se a produção contínua de CO2. Se estas substâncias não por isso, se hipoventilar esses H+ podem ficar retidos, provocan-
fossem eliminadas ou neutralizadas a vida seria impossível. do acidose respiratória.
Para compensar de imediato a produção desses “tóxicos”, o or-
Quando a capacidade dos sistemas tampão se esgota acumu-
ganismo socorre-se de tampões. Mas os tampões têm uma ca-
lam-se H+ que podem atingir valores tais que o pH se desvia
pacidade limitada e por isso o organismo tem de se libertar dos
para baixo dos 7,35, o que se designa acidemia.
excedentes. Essa função é desempenhada pelo pulmão que eli-
mina o CO2 e pelo rim que elimina os H+. O objectivo é atingir
cerca de 40 nmol/L (40 x 10-9 mol/L) que é a concentração nor-
A eliminação de H+
mal de H+.
Os cerca de 1 000 000 nmol de H+/kg produzidos por dia são
neutralizados pelos tampões de tal forma que não devem existir
A eliminação de CO2 mais de 40 nmol/L de H+ livres, no organismo. A maioria de H+ é
tamponada pelo HCO3- e eliminada no rim, onde se regenera o
5% do CO2 circula no plasma ligado às proteínas e uma quanti-
HCO3-, que é então reposto em circulação.
dade idêntica dissolve-se no plasma e líquido intracelular, mas
90% do CO2 liga-se à água e forma HCO3- e H+. Nesta perspecti- O rim é o principal regenerador de HCO3-, por acção da anídrase
va o CO2 comporta-se como um ácido porque promove a liberta- carbónica que cataliza a formação de HCO3-, a partir do CO2 e
ção de H+. Quanto mais CO2 existir mais H+ se liberta. H2O. O rim dispõe ainda de outros dois mecanismos que são a
produção de NH4+ e os fosfatos que funcionam como aceitado-
res de H+, eliminados na urina como ácidos tituláveis.

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Capítulo 01 //

A ligação entre o sistema respiratório e metabólico faz-se pela


produção de H2CO3. A velocidade dos dois ramos da reacção é
rápida quando reage no sentido da associação do HCO3- + H+ e
muito mais lenta quando ocorre a dissociação em H2O e CO2.
Essa reacção é acelerada pela anídrase carbónica (localizada
preferencialmente no eritrócito e rim). É esta ligação que permi-
te que o sistema respiratório (eliminando CO2) compense o me-
tabólico e vice-versa (eliminando H+).

Fig. 1.3 | Nefrónio - Eliminaçao de H+

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Capítulo 01 //

Liquídos corporais e hemodinâmica


O corpo humano é constituído por um conjunto articulado de
“blocos” líquidos, as estruturas celulares, formando no seu con-
junto o líquido intracelular (LIC, cerca de 40% do peso corporal),
imersas numa matriz mais ou menos líquida que constitui o líqui-
do extracelular (LEC, cerca de 20% do peso corporal). Um peque-
na porção do LEC encontra-se em circulação permanente den-
tro dos diversos compartimentos vasculares e constitui o volu-
me intravascular (cerca de 1/5 do LEC). A manutenção do volu-
me destes compartimentos é regulada pela deslocação livre da
água entre as membranas semipermeáveis que os separam, de
acordo com as forças oncóticas, osmolares, hidrostáticas e a
permeabilidade capilar. O teor de água corporal total é de cerca
de 70% do peso em jovens e decresce com a idade, sendo de
cerca de 60% nos adultos masculinos e de 50% nas mulheres
adultas. Nos idosos estes valores são de cerca de 50% nos ho-
mens e de 45% nas mulheres.
Fig. 1.4 | Evolução da percentagem de água no organismo

O equilíbrio ácido-base e hidrolelectrolítico está fortemente rela-


cionado com o estado dos diversos compartimentos e com a
dinâmica do compartimento intravascular (hemodinâmica).

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Capítulo 01 //

I. Variáveis hemodinâmicas e 1. Pressão arterial e características dos pulsos periféricos

eficácia circulatória A pressão arterial é a resultante da relação entre o fluxo e a


resistência oferecida pelos vasos. Neste caso o fluxo é gerado
O funcionamento de todas as células depende do fornecimen- pelo volume sistólico multiplicado pela frequência cardíaca ou
to de nutrientes e da sua capacidade de produção de energia. seja o débito cardíaco.
Se tal não acontecer não há equilíbrio possível. Por essa razão
PAM (Pressão arterial média) = DC (Débito cardíaco) x RVS
é da maior importância assegurar o bom funcionamento dos (Resistências Vasculares Sistémicas)

sistemas cardio-circulatório e respiratório, porque são eles os 

principais responsáveis pelo fornecimento de condições para a DC = VS (Volume sistólico) x FC (Frequência Cardíaca)
homeostasia celular além de serem dois dos componentes
mais importantes na depuração dos produtos do catabolismo Contudo, apesar de a PAM ser um indicador clínico da perfu-
celular. são dos órgãos periféricos muito útil na clínica, o seu valor ab-
soluto é condicionado porque só é interpretável:

Os dados clínicos mais relevantes são os que traduzem a eficá- no contexto de acontecimentos médicos recentes (cirurgia,
cia da circulação: pós operatórios recentes, infecções com expressão sistémi-
ca, trauma, queixa de toracalgia, administração de sedativos,
1. Pressão arterial e características dos pulsos periféricos
doente em ventilação mecânica, …)
2. Estado de preenchimento do leito vascular
e quando confrontada com a pressão arterial habitual nesse
3. Estado da perfusão dos tecidos e órgãos nobres indivíduo.

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Capítulo 01 //

Para fins epidemiológicos e para a investigação clínica, é clássi- Rim: que apesar de representar apenas 4% do peso corporal
co definir hipotensão se PA sistólica < 90mmHg, se PAM < recebe 20% do débito cardíaco pelo que é muito sensível
65mmHg e/ou se há uma queda da PA sistólica habitual > 40- aos estados de hipoperfusão e traduz essas alterações na va-
50mmHg. Estes dados só têm valor se forem clinicamente con- riação da diurese que pode ser pronta e facilmente medida.
textualizados, p.ex. um jovem, habitualmente hipotenso pode Tem a grande vantagem de permitir uma monitorização fácil
estar sem qualquer queixa e/ou manifestação de hipoperfusão e quantificável a médio prazo;
celular apesar de ter PA = 85-55 mmHg, mas ficará sintomáti-
Pele: traduzida pelo arrefecimento das extremidades (fre-
co antes da sistólica cair 40mmHg. No outro extremo é possí-
quentemente associada a redireccionamento do sangue
vel ter um indivíduo de 70 anos hipertenso não controlado, ha-
para órgãos vitais), pela aparência marmórea (a traduzir alte-
bitualmente com PA = 190-75mmHg que evidencia sinais de hi-
rações da microcirculação). Tem a vantagem de ser uma ma-
poperfusão porque a pressão arterial baixou para 140-70
nifestação sensível, facilmente acessível, mas com o inconve-
mmHg.
niente de ser pouco específica;

Por esta razão a valorização da pressão arterial deve ser asso- Territórios com estenose prévia da circulação arterial: coroná-

ciada à avaliação do funcionamento dos órgãos nobres que rias: angor; carótidas e seus ramos: défices neurológicos fo-

manifestam alterações clínicas quando a perfusão é insuficien- cais; mesentéricas: angina intestinal; artérias distais dos

te, designadamente: membros = isquemia, claudicação intermitente. São indicado-


res de gravidade a sugerir necessidade de intervenção focal
Cérebro: Síncope, deterioração do nível da consciência (que imediata.
pode chegar ao coma), tonturas, alterações do conteúdo da
consciência (agitação, alucinações, alterações da memória e Ou seja, a baixa da pressão arterial associada a uma ou mais

da percepção, modificações do comportamento, …). Tem a destas manifestações consolida a noção de que os órgãos/teci-

grande vantagem de permitir uma monitorização imediata / dos estão em sofrimento por alterações da perfusão tecidular.

instantânea;

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Capítulo 01 //

Mecanismos de compensação: Por outro lado o organismo es- 2. Estado de preenchimento do leito vascular
força-se por compensar as alterações circulatórias que podem
O preenchimento do leito vascular é essencial para assegurar
influenciar a perfusão dos órgãos nobres, activando o sistema
um débito cardíaco eficaz e por essa via a perfusão periférica.
neuro-endócrino, com particular ênfase para o sistema nervo-
O débito cardíaco depende do volume sistólico (o volume que
so autónomo, o sistema renina-angiotensina e, secundaria-
o coração ejecta em cada sístole) e da frequência cardíaca (nº
mente, o sistema da hormona antidiurética (ADH). Por isso é
de sístoles por minuto). Ora, o volume sistólico, além do inotro-
importante que na avaliação clínica se pesquisem manifesta-
pismo e da afterload está na dependência do volume intravas-
ções que sugerem a activação dos mecanismos de compensa-
cular porque depende da préload (indicador indirecto do volu-
ção, entre as quais se salientam a taquicardia, outros sinais de
me de sangue existente no ventrículo no fim da diástole).
hiperactividade adrenérgica (sudação profusa, piloerecção, va-
soconstrição periférica) e a taquipneia (sinais de esforço respi- DC (Débito cardíaco) = VS (Volume sistólico) x FC (Frequência Cardíaca)
ratório).
VS depende e correlaciona-se com:
Os doentes com reserva fisiológica conseguem compensar a
disfunção, mantendo parâmetros de monitorização em valores préload (tensão sobre a parede do ventrículo no final da diástole)
normais, enquanto as reservas fisiológicas não se esgotam, à
inotropismo (força de contracção do miocárdio)
custa da vasoconstrição, do aumento do débito cardíaco (au-
mento do inotropismo e da frequência cardíaca) e da retenção afterload (resistência à ejecção do sangue dos ventrículos)
de fluídos (activação do sistema renina-angiotensina e do sis-
tema da ADH). Os doentes com reservas fisiológicas diminu-
tas/insuficientes descompensam rapidamente. Assim se percebe que para optimizar o débito é necessário
que o leito vascular esteja adequadamente preenchido (para
que no final da diástole o ventrículo esteja bem preenchido),
porque o volume sistólico depende do volume de sangue exis-
tente no ventrículo no final da diástole.

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Capítulo 01 //

Importa pois saber se, no caso concreto que estamos a tratar, zontal ficam preenchidas, já que as jugulares não têm válvulas
a depleção de volume intravascular é relevante ou não. A me- e portanto têm todo o sangue que retorna ao coração direito
lhor forma de o fazer é: (sem que daí se possa deduzir que há hipertensão venosa). Cli-
nicamente será preocupante se as jugulares, com o doente na
Rever a existência de sintomas (sede, tonturas, hipotensão
horizontal, estiverem colapsadas, o que sugere que há grave
ortostática, …) e sinais clínicos de depleção de volume (colap-
depleção de volume intravascular. Pelo contrário jugulares túr-
so inspiratório da onda de pulso, oligúria, colapso jugular…);
gidas, com o doente a 45ºC, traduzem hipertensão venosa que
Enquadrar estas manifestações na situação clínica concreta; sugere sempre patologia associada. Se a PVC (pressão venosa
central) estiver a ser avaliada, medida por catéter venoso cen-
Nos casos em que há instabilidade hemodinâmica fazer um tral considera-se normal se for < 10mmHg. Na maioria das situ-
teste de sobrecarga (“fluid challenge”) = perfundir 500 mL de ações clínicas está entre 0-5 mmHg. PVC > 15 mmHg é hiper-
cristalóides, em 20-30min, avaliando de 10 em 10 min a res- tensão venosa que na maioria das vezes, mas nem sempre, tra-
posta da pressão arterial, frequência do pulso e respiratória, duz estados de hipervolémia.
pressão venosa central, SatO2, sinais de sobrecarga de volu-
me (edema pulmonar) e evolução da função dos órgãos (cére- Em situação de depleção de volume intravascular o organismo
bro, coração, rim e pele). Uma resposta positiva sem efeitos tenta corrigir em primeiro lugar essa deficiência e assegurar a
indesejáveis sustenta o diagnóstico de depleção do volume perfusão de órgãos, condicionando a correcção de outros dese-
intravascular. quilíbrios.

O preenchimento das jugulares é critério major na avaliação


clínica do volume vascular. Contudo, só é correctamente valori-
zável se for feito com o doente com o tronco elevado (de 30 a
45º). Nestas condições aceita-se que o limite superior do ingur-
gitamento jugular pode ir até aos 3-5cm acima da clavícula.
Contudo, se as jugulares forem avaliadas com o doente na hori-

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Capítulo 01 //

Alterações laboratoriais que sugerem deplecção de volume:

Sódio urinário inferior a 25 mmol/L. No caso do sódio estar a


ser excretado com outro anião (por exemplo bicarbonato na
alcalose metabólica) ou quando há utilização actual de diuré-
ticos é o cloro baixo na urina que indica depleção de volume.

Excreção fraccional de sódio inferior a 1.

Aumento de osmolaridade de urina.

Ureia plasmática desproporcionadamente elevada em rela-


ção à creatinina.

Acidose láctica (mau prognóstico proporcional ao aumento).

Em resumo, podemos dizer que há 3 ”janelas“ para avaliar a


volémia, atravez das quais o clínico deve observar sistematica-
mente o estado circulatório do doente:

Uma janela arterial – pressão arterial, hipotensão ortostática,


estado circulatório periférico e central.

Uma janela venosa – turgescência venosa jugular, hepatome-


galia, refluxo hepato-jugular e edemas.

Uma janela pulmonar – ortopneia, dispneia paroxística noc-


turna, sinais de estase pulmonar, presença de S3.
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Capítulo 01 //

3. Estado da perfusão dos tecidos e órgãos nobres

O objectivo da circulação é fornecer à célula O2 e nutrientes


em qualidade e quantidade suficiente para assegurar as fun-
ções metabólicas essenciais à vida. Se a circulação não é efi-
caz a célula não produz energia suficiente e todos os proces-
sos metabólicos entram em falência. A razão pela qual a utiliza-
ção de O2 é essencial tem a ver com dois pontos principais:

1º Se a célula não conseguir utilizar O2 não pode activar o ciclo


de Krebs e nesse caso por cada molécula de glicose só se pro-
duzem 2 moléculas de ATP, ao passo que se a célula for capaz
de utilizar O2 pode produzir 38 moléculas de ATP por cada mo-
lécula de glicose. Quando não há O2 (condições de anaerobio-
se), a clivagem da glicose produz duas moléculas de piruvato
que se transformam em lactato, que quando acumulado pode
provocar hiperlactacidemia. Se a célula puder utilizar O2 o piru-
vato é encaminhado para o ciclo de Krebs em vez de gerar lac-
tato.

Fig. 1.5 | Ciclo de Krebs

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Capítulo 01 //

2º De cada vez que se forma uma molécula de ATP, por fusão Há duas razões fundamentais para que se instale o choque:
de ADP + Pi, liberta-se H+, para o meio interno. A forma nor-
1ª o fornecimento de O2 é inadequado (solução: optimizar o
mal do organismo compensar esta acumulação de H+ é conju-
DO2 = fornecimento de O2)
gá-lo com O2, para formar H2O e repor a electroneutralidade.
2ª a célula está tão doente que já não consegue utilizar o O2
que lhe chega (solução: reconhecer os estados de hipoperfu-
são o mais precocemente possível para optimizar o DO2 e o tra-
tamento da causa em tempo oportuno)

Com base neste conceito afirmaremos que a optimização do


fornecimento de O2 é uma prioridade no tratamento de todo o
doente crítico e a precocidade do reconhecimento dos estados
de hipoperfusão é essencial para que o tratamento “chegue a
tempo” de ser eficaz.

Assim se percebe que pode haver hipotensão sem haver cho-


que (desde que a perfusão celular seja suficiente para assegu-
Fig. 1.6 | O sistema de transporte de Citocromos (Ciclo de Krebs) rar o fornecimento de O2 de que o organismo precisa nessa cir-
cunstância) e pode haver choque (porque há incapacidade de
utilização de O2 e por isso células em disóxia) sem que haja
Estes conceitos constituem a base da definição dos estados hipotensão.
de choque:
Normalmente a célula não extrai todo o O2 do sangue. O que é
Choque = incapacidade da célula utilizar O2 normal é que extraia apenas o necessário, deixando uma reser-
(estado de disóxia celular) va para as situações de crise / necessidades acrescidas.

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Capítulo 01 //

Esse O2 de reserva pode ser medido no sangue venoso sob a for- Com base no que fica revisto, do ponto de vista hemodinâmico,
ma de SvcO2 (Saturação do sangue venoso obtido por catéter o tratamento de todo o doente em estado crítico deve centrar-
central > 70%). Quando a célula tem necessidades acrescidas e se em três pontos essenciais:
a DO2 não aumenta em proporção às necessidades verifica-se
1º Reconhecimento precoce, que significa valorização dos si-
uma baixa da SvO2, a traduzir um estado de disóxia celular (cho-
nais de alerta (incluindo as manifestações de SIRS, elevação
que) que pode não ter ainda tradução hemodinâmica explícita
dos lactatos e descida da SvcO2 = estados de choque críptico)
(choque críptico). De forma equivalente os doentes com reserva
e antecipação dos desvios esperados
fisiológica suficiente podem manter-se hemodinamicamente
compensados mas já com disóxia significativa (choque) traduzi- 2º Optimização da DO2, que significa estabilização do débito
do pela elevação dos lactatos > 4mmol/L (anaerobiose por inca- cardíaco e assegurar a melhor oxigenação possível, guiado pe-
pacidade de utilização de O2). las regras expressas nas fórmulas:

DO2 = DC (Débito cardíaco) x CaO2 (conteúdo arterial em O2) x 10

DC = VS (Volume sistólico) x FC (Frequência Cardíaca)

CaO2 = (Hb x 1,37 x SatO2) + (0,003 x PaO2)

3º Correcção da causa

Fig. 1.7 | A produção de ATP

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Capítulo 01 //

II. Estado de hidratação e do líquido ções oncóticas, hidrostáticas ou da permeabilidade vascular


interferindo no equilíbrio entre o líquido intravascular e o ter-
extracelular ceiro espaço. Nestes casos o doente tem habitualmente um vo-
lume circulante efectivo diminuído embora com LEC aumenta-
A avaliação do estado de preenchimento intravascular deve
do (ex. cirrose, insuficiência cardíaca congestiva, sépsis).
ser associada à pesquisa de manifestações do estado de hidra-
tação celular e extravascular (3º espaço).

Os sinais de desidratação/hiperhidratação refletem sobretu-


do o estado de hidratação do espaço intracelular e, portanto,
são muito dependentes da osmolaridade plasmática.

Em situações de aumento da osmolaridade plasmática (desi-


dratação com perda de água superior à de partículas osmóti-
cas) a água do compartimento intracelular desloca-se para o
exterior e o doente apresenta manifestações neuropsíquicas
(ver “Hipernatrémia”) e cutâneo-mucosas (pele seca, olhos en-
covados, prega cutânea aumentada).

Em situações de perda de partículas osmóticas superior à per-


da de água há deslocação intracelular da água e a clínica neu-
ropsíquica pode ser fruste até haver colapso circulatório (ex.
golpe de calor).

Os estados de hiperhidratação cursam habitualmente com acu-


mulação de líquido no espaço extravascular (edemas, derra-
mes nas serosas) embora isso seja mais frequente por altera-

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Capítulo 01 //

Interpretação dos desequilíbrios a-b


A interpretação das alterações do equilíbrio ácido-base e hidroe-
lectrolítico deve fazer-se com uma sequência universal de avalia-
ção:

1º avaliação dos dados clínicos e antecipação dos desvios es-


perados;

2º identificação e tratamento de situações de perigo iminente;

3º análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma.




Esta 3º análise pode ser sistematizada, por sua vez, em 3 avali-
ações:

1. Como está a oxigenação

2. Como está o equilíbrio ácido-base

3. Como estão os iões

Como veremos, cada uma destas avaliações passa pela respos-


ta a 3 perguntas. A esta série de 3, decidimos chamar “A Regra
dos 3” (Cap. 2).

Fig. 1.8 | Sequência Universal de Avaliação Ácido-Base e Hidroelectrolítico

/ 26 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

1º Passo Se o quadro persiste o rim disfunciona com retenção de água


e sódio. Nos casos mais graves pode mesmo ocorrer falência
Avaliação dos dados clínicos e antecipação dos desvios cardíaca e hipotensão.
esperados
Encefalopatia hipercápnica ocorre quando o organismo não
Na avaliação dos dados clínicos é fundamental a informação tem tempo para compensar a retenção de CO2 e caracteriza-
acerca da situação clínica actual, as comorbilidades e os ante- se por:
cedentes relevantes, nomeadamente medicamentosos.
cefaleias
irritabilidade que pode chegar à agressividade
O reconhecimento de manifestações clínicas próprias dos dis-
confusão, incoerência de pensamento que pode chegar ao
túrbios ácido-base é importante:
delírio, alucinações e sintomas psicóticos
Acidose Respiratória ocasionalmente edema da papila, convulsões, mioclonias e
trémulo/asterixis/flapping
A hipercapnia provoca vasodilatação generalizada com aumen-
to do débito cardíaco e por isso o doente tem frequentemente:

pele quente
taquicardia
disritmias de predomínio supraventricular
pulso amplo
sudação profusa

Fig. 1.9 | Acidose Respiratória

/ 27 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

Acidose metabólica

Tem como consequência imediata a hiperventilação, que pode


aumentar o volume/minuto do ar ventilado 4 a 8 vezes na ten-
tativa de eliminar a retenção de H+, a que se associam um con-
junto de manifestações de estado hiperadrenérgico, designada-
mente:

pele fria e suada


estase capilar por vasodilatação arterial associada a veno-
constrição
Fig. 1.10 | Acidose Metabólica
taquicardia e arritmias (especialmente se o pH for < 7.0)
sobrecarga cardíaca direita, por vasoconstrição da circulação
Lactacidemia / Acidose láctica
pulmonar e
alterações do nível de consciência O ácido láctico é um produto do metabolismo anaeróbio da gli-
cose, o que quer dizer que sempre que a oxigenação tecidular
O aumento do H+ leva frequentemente a um estado de hiperca- está prejudicada criam-se condições para que a gicólise decor-
lemia com : ra em anaerobiose com a consequente produção aumentada
de ácido láctico.
hiperexitabilidade muscular
risco de disritmias Na prática clínica corrente as duas causas mais frequentes de
risco de PCR aumento do L-lactacto são:

hipoxemia (hipoperfusão celular = choque)


exercício físico extremo (convulsões)

/ 28 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

Em condições normais o ácido láctico é imediatamente tampo- vocada pela hiperventilação mecânica num doente sedado ou
nado pelo HCO3-, produzindo lactato que é de seguida dissocia- com patologia neurológica, provoca com frequência:
do, no fígado, em CO2, glicose e H2O. Assim se compreende
disritmias
que a produção excessiva de ácido láctico (situações de anae-
robiose celular) ou a sua metabolização insuficiente (falência aumento das resistências vasculares com redução do débito
hepato-celular) podem ambas produzir uma acidose láctica, cardíaco
que por convenção se designa de tipo A no 1ºcaso e de tipo B hipoperfusão periférica
no 2º caso.

Alcalose respiratória

Pode provocar um espectro largo de manifestações neurológi-


cas (em geral de carácter excitatório) em que se incluem:

parestesias
confusão
tonturas
sensação de aperto torácico Fig. 1.11 | Alcalose Respiratória

convulsões (raramente)
tetania Alcalose metabólica

Se o doente está acordado a alcalose respiratória raramente Tem manifestações inespecíficas e múltiplas:
se complica com consequências cardio-circulatórias porque o
doente reage e cessa a hiperventilação, contudo, quando é pro- hipovolémia

/ 29 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

hipoventilação No exame inicial dos doentes chamamos a atenção para a im-


redução da contractilidade muscular portância de realizar uma correcta avaliação da volémia e da
hidratação.
disritmias
alterações da consciência e fraqueza muscular; A avaliação do estado de volémia é fundamental para a carac-
terização e classificação dos desequilíbrios ácido-base. As do-
pelo que o diagnóstico assenta essencialmente nos dados la-
enças que estão na sua origem cursam frequentemente com
boratoriais. A hipovolémia é na maior parte das vezes conse-
alterações da homeostase da água e dos iões (ex. cetoacidose
quência da patologia que provocou a alcalose, mas a alcalose
diabética), da volémia efectiva (ex. sépsis, insuficiência renal) e
é causa suficiente de vasodilatação. As alterações do ritmo car-
da osmolaridade plasmática. Por outro lado, o funcionamento
díaco e da contractilidade muscular estão muitas vezes associ-
do rim é absolutamente dependente da sua perfusão e aquele
adas às alterações do K+ e do Ca++, frequentemente secundári-
é essencial para as compensações desencadeadas pelo desvio
as às patologias causais.
primário. A avalição do estado circulatório e do liquido extrace-
lular (LEC) são passos essenciais na analise dos desvios ióni-
cos e na sua correcção.

A classificação do doente deve identificar:

Sinais de desidratação/hiperhidratação (refletem sobretudo


o estado espaço intracelular)
O estado do líquido extracelular (LEC) (reflete a volémia to-
tal e o estado do terceiro espaço)
A volémia efectiva (refletem o estado circulatório e a perfu-
Fig. 1.12 | Alcalose Metabólica
são de orgãos)

/ 30 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

Antecipação dos desvios esperados:

Esta sistematização é importante porque há doenças que pro-


vocam alterações previsíveis do Eq a-b. Ao analisar as altera-
ções encontradas há que confrontá-las com o que era espera-
do. Se a confrontação é coincidente a perturbação metabólica
é simples, mas se é diferente do esperado a alteração é com-
plexa ou mista e nesse caso há que pesquisar outras causas
para a explicar.

Exemplos a considerar:

/ 31 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

Para cada uma destas altera-


ções o organismo desencadeia
uma resposta compensadora
que tem sempre o mesmo senti-
do da alteração inicial:

2º Passo Antes de iniciar uma análise sistemática dos dados da gasome-


tria e do ionograma, deve fazer uma leitura rápida da mesma
Identificação e tratamento de situações de perigo iminente para, em conjugação com os dados encontrados no 1º passo,
identificar situações de perigo iminente para a vida do doente:
Em todas as situações emergentes a prioridade é preservar a
vida e de seguida iniciar rapidamente a intervenção destinada Choque
a identificar a causa do distúrbio para a poder corrigir. Acidemia grave (pH < 7,1)
Hipoxemia grave (PaO2 < 50 mmHg)
O médico que observa um doente de acordo com este 1º passo Hipocalemia (K+ < 2,5 mmol/L) ou hipercalemia (K+ > 7
(Avaliação dos dados clínicos e antecipação dos desvios espe- mmol/L) graves
rados) e que identifica um doente em risco deve, sempre que Hiponatremia (Na+ < 115 mmol/L) ou hipernatremia (Na+ >
possível, realizar de imediato uma gasometria arterial. 160 mmol/L) sintomáticas
Hipercalcemia (Ca++ion > 1,5 mmol/L) grave

/ 32 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

Nestas situações há risco iminente para a vida, o que exige in-


tervenção imediata. O médico deve iniciar as correcções de Como forma rápida de referência apresentamos um quadro
acordo com as regras que serão apresentadas ao longo deste com as recomendações de correcção imediata:
manual mesmo sem ter identificado a causa.

/ 33 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

/ 34 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

/ 35 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

3º Passo A avaliação sistemática dos dados da gasometria arterial será


abordada, na sua generalidade no Capítulo 2 (A Regra dos 3) e
Análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma detalhada nos capítulos seguintes do manual.

O terceiro ponto da sequência universal é a análise sistemáti-


ca dos dados da gasometria do sangue arterial com iões (só-
dio, potássio, cloro e cálcio). Essa análise tem como objectivo
conhecer:

Como está a oxigenação


Como está o equilíbrio ácido-base
Como estão os iões

/ 36 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 01 //

Bibliografia Recomendada

Moe OW, Alperin RJ. Common acid-base disorders. In: Wachter RM, Goldman L, Hollander H, Eds. Hospital Medicine. Philadelphia: Lippincott Williams &
Wilkins, 2001: 871 - 879.

Burton DR. Ed. Clinical physiology of acid-base and electrolyte disorders, 4th ed, McGraw-Hill International, 2000.

Androgue HJ, Madias NE. Medical Progress: management of lifethreatning acid-base disorders, parts I & II. N. Engl J Med 1998; 338: 26-34, 107-111.

Seifter JL. Acid - base disorders. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB Saunders, 2004: 688 - 698.

Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reho HEL, Micek ST. Eds. The Washington Manual of
Medical Therapeutics. 32nd Ed. St Luis, Missouri. 2007: 54 - 101.

Kellum JA. Disorders of acid-base balance. Crit Care Med 2007; 35 (11): 2630-2636.

Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/ Acedido em Setembro 2008.

/ 37 | Interpretação dos desequilíbrios a-b | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 02 //

Avaliação sistemática da gasometria:


“A Regra dos 3”

OBJECTIVOS:

Identificar os mecanismos de hipoxemia e avaliar a resposta ao Reconhecer situações de perigo associados a alterações iónicas
tratamento na GSA e conhecer as regras para a sua correcção

Identificar os desvios do equílibrio ácido-base e correlacionar os


achados com a clínica

>
Capítulo 02 //

Introdução
A gasometria do sangue arterial (GSA) é um exame de fácil exe- A análise sistemática dos dados da GSA e do ionograma (habitu-
cução e está disponível na maioria dos locais onde se tratam almente disponível na GSA) constitui o 3º passo da Sequência
doentes críticos. Este é, provavelmente, o melhor exame para Universal que propomos (Cap. 1). É a ele que nos dedicamos
estratificar o risco do doente grave. agora.

Fig. 2.1 | “A Regra dos 3”

A GSA permite realizar 3 análises imediatas: Avaliação da A “Regra dos 3” é uma simplificação assumida para facilitar a
oxigenação/ventilação, avaliação do equilíbrio ácido-base e pre- memorização. Vamos ver que, de facto, podemos avaliar a
sença de situações de perigo associadas a distúrbios iónicos. oxigenação/ventilação, o equilíbrio ácido-base e as alterações
iónicas que põem a vida em risco com 3 perguntas em cada
Neste capítulo propomos regras simples para estas 3
uma delas.
avaliações, a sua correlação clínica e indicações para a cor-
recção imediata.

/ 39 | Introdução | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

1ª Avaliação: Oxigenação/ventilação
Conceitos chave G(A-a) = PAO2 – PaO2

Respiração é um mecanismo celular de utilização de O2. Fala- PAO2 = FiO2 x (PB – PH20) – PaCO2/R
mos de hipóxia quando as células são impedidas de utilizar cor-
Se:
rectamente o oxigénio, o que pode acontecer mesmo na presen-
ça de uma pressão arterial de O2 normal.
FiO2 – 0,21, ar ambiente
Embora classicamente seja definida como insuficiência respirató-
PB – 760 mmHg, nível do mar
ria uma PaO2 < 60 mmHg, esta definição assume que o doente
está a respirar uma FiO2 = 0,21. Em doentes a quem está a ser ad-
PH20 – 47 mmHg, 37ºC
ministrado oxigénio suplementar, podemos dizer que existe insufi-
ciência respiratória (IR) quando a relação PaO2/FiO2 ≤ 300, sendo PaCO2 – medida da ventilação
tanto mais grave quanto menor for esta relação.
R – quociente respiratório (0,8)
IR tipo 1 – apenas hipoxemia.
Então:
IR tipo 2 – hipercapnia, com ou sem hipoxemia.

O gradiente álveolo-arterial (G(A-a)) é uma medida fundamental PA02 = 150 – 1,25 x PaCO2

da capacidade de transferência do oxigénio do ar alveolar para Embora o valor possa ser calculado desta forma, a maioria das
o sangue. gasometrias já apresentam o resultado.
Valores normais são ≤ 15 mmHg, aumentando cerca de 5 mmHg
por cada década acima dos 30 anos.

/ 40 | 1ª Avaliação: Oxigenação/ventilação | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

Se a FiO2 for diferente de 0,21 devem ser utilizados os seguin- O G(A-a) traduz compromisso das trocas gasosas quando está
tes valores de referência: aumentado. É particularmente útil quando está aumentado na
presença de valores normais de PaO2 (à custa de hiperventila-
FiO2 de 0,21 – G(A-a) de 10 mmHg ção).

FiO2 de 0,5 – G(A-a) de 50,5 mmHg Causas de Hipercapnia:

FiO2 de 1 – G(A-a) de 122 mmHg 1. Aumento da produção – normalmente compensado pelo au-
mento da ventilação/minuto
Simplificando, por cada 0,1 de aumento da FiO2, o G(A-a) nor- 2. Hipoventilação
mal = idade/2 para FiO2 - 0.21 e aumenta 7 por cada aumento 3. Desequilíbrio grave da relação ventilação/perfusão
de 10% na FiO2

/ 41 | 1ª Avaliação: Oxigenação/ventilação | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

Causas e características de diferentes tipos de hipoxemia:

/ 42 | 1ª Avaliação: Oxigenação/ventilação | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

Algoritmo de avaliação da hipoxemia:

Para caracterizar o mecanismo subjacente à hipoxemia deve-


mos responder a três questões:

1. A PaCO2 está aumentada?


Esta pergunta permite identificar a hipoventilação como um
dos mecanismos de hipoxia.

2. O G(A-a) está aumentado?


Esta pergunta permite identificar um compromisso das trocas
gasosas alvéolo-capilares, que pode corresponder a um dos 3
mecanismos identificados no quadro acima.

3. Há boa resposta à oxigenoterapia?


Dizemos que há má resposta à oxigenoterapia quando a rela-
ção PaO2/FiO2 piora com o aumento da FiO2 (mesmo que a
PaO2 melhore aparentemente), traduzindo presença de shunt.

A conjugação destas 3 perguntas é a base do algoritmo da Fig 2.2. Fig. 2.2 | Algoritmo para abordagem da hipoxemia

/ 43 | 1ª Avaliação: Oxigenação/ventilação | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

Recomendações para o tratamento: 3. Tratar sempre a causa.

1. IR tipo 1 – Começar com máscara de alta concentração e re-


Atenção: Os efeitos nocivos da hipercapnia são reversíveis e rara-
duzir gradualmente até obter SatO2 94-98%; ponderar ventila-
mente colocam em risco a vida do paciente; a hipoxemia é uma
ção assistida quando PaO2/FiO2 ≤ 100 mmHg.
situação de perigo de vida, sendo a sua correcção prioritária.
2. IR tipo 2 – Começar com FiO2 de 0,24 e subir gradualmente
até uma FiO2 que permita obter SatO2 entre 88-92%; ponderar
ventilação assistida quando não é possível corrigir hipoxemia
sem agravar a hipercapnia.

/ 44 | 1ª Avaliação: Oxigenação/ventilação | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

2ª Avaliação: Equilíbrio ácido-base


Esta análise deve ser sequencial e realizada sempre da mesma O desvio primário é aquele mecanismo que está na mesma di-
forma. Dado que será detalhada no próximo capítulo, apresenta- recção do pH.
mos apenas agora a abordagem geral:
Na identificação do distúrbio primário poderemos ter acidemia
Análise da gasometria: (pH 7,35) ou não. Uma redução primária do bicarbonato para
menos de 24 mmol/L significa sempre presença de um mecanis-
1. Qual é o desvio primário?
mo de acidose metabólica. Caso este desvio ocorra em presen-
2. As compensações são as esperadas? ça de acidemia, dizemos que o distúrbio primário é uma acidose
3. Como está o Gap Aniónico? metabólica. Em caso de não termos acidemia, podemos ter dimi-
nuição do bicarbonato como mecanismo compensatório, e nes-
1. Qual é o desvio primário (acidose ou alcalose, metabólica ou
te caso não teremos “acidose metabólica”.
respiratória)?
Se os valores da PaCO2 e do bicarbonato não variam de forma a
A identificação do desvio primário deve seguir uma sequência
corrigir o pH isso significa que o distúrbio é misto ou a compen-
de perguntas:
sação é parcial. De facto, a compensação renal ou respiratória
Como está o pH ? — define acidemia ou alcalemia (qual a “ose” corrigem os desvios do pH, mas na maioria das vezes não o nor-
que “manda no pH?”); malizam. A presença de um distúrbio grave do Eq a-b com pH
Como está o HCO3-? — define a presença de um mecanismo de normal significa quase sempre a existência de distúrbio misto.
acidose ou alcalose metabólica;
Como está a PaCO2? — define a presença de um mecanismo
de acidose ou alcalose respiratória.

/ 45 | 2ª Avaliação: Equilíbrio ácido-base | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

2. As compensações são as esperadas?

As compensações esperadas a partir do desvio primário seguem as


regras do quadro apresentado a seguir.

In Clinical physiology of acid-base and electrolyte disorders, 4th ed, by Burton David Rose. Ed. McGraw-Hill International editors, 2000.

As compensações não são mecanismos fisiopatológicos e, por- mos fisopatológicos de desequilíbrio ácido-base (diversas
tanto, não devemos chamar “acidose” ou “alcalose” à compensa- “oses”). Estes podem concorrer no mesmo sentido (ex. acidose
ção. No entanto, quando as compensações não são as espera- metabólica + acidose respiratória) ou em sentidos contrários
das estamos em presença de distúrbios mistos, ou seja, situa- (ex. acidose metabólica + alcalose respiratória).
ções em que concorrem no mesmo doente diversos mecanis-
/ 46 | 2ª Avaliação: Equilíbrio ácido-base | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 02 //

3. Como está o Gap Aniónico? por cada diminuição de 1g/dL da albumina, o valor do GA dimi-
nui 2,5 mmol/L.
O Gap aniónico (GA) é a diferença entre o catião Na+ e os ani-
ões HCO3- e Cl-. Este valor, que deve estar entre 8 e 12, permite A comparação da variação do Gap aniónico com a variação do
identificar um mecanismo de acidose metabólica que pode es- bicarbonato ( GA/ Bicarbonato) é mais um dado importante
tar oculto. para a análise do Gap aniónico:

O Gap aniónico deve ser calculado em todos os casos porque O aumento do Gap aniónico é superior à descida de HCO3-?
pode identificar uma acidose metabólica, mesmo em situações Se a resposta for sim, há distúrbio misto: acidose metabólica
de pH normal ou alcalémico. + alcalose metabólica.
O aumento do Gap aniónico é inferior à descida de HCO3-? Se
Uma vez que os ácidos são dadores de H+, a parte restante da a resposta for sim, há distúrbio misto: acidose metabólica
molecula tem carga negativa (anião) e, não sendo medida, vai com Gap aniónico aumentado + acidose metabólica com Gap
aumentar o Gap aniónico calculado. Um aumento do Gap anió- aniónico normal.
nico superior a 5 mmol/L em relação ao que seria de esperar
As acidoses metabólicas com Gap aniónico aumentado
traduz sempre presença de acidose metabólica com ácidos em
correspondem a situações de presença anormal na
circulação.
circulação de um ácido endogeno ou exógeno.
O Gap aniónico permite classificar as acidoses em acidoses
As acidoses metabólicas com Gap aniónico normal
com Gap aniónico normal ou acidoses com Gap aniónico eleva-
correspondem a situações em que há diminuição primária do
do (ver abaixo). bicarbonato, sem que ele tenha sido consumido. Estas
situações resultam de perda de bicarbonato ou incapacidade
Gap aniónico = [Na+ - (Cl- + HCO3-)] = 8-12 mmol/L (valor normal) do rim formar amónia (NH4+) e gerar bicarbonato de novo.

Sendo a albumina uma proteina aniónica não medida, se esti- As acidoses metabólicas com Gap aniónico normal
ver diminuída o Gap aniónico também fica diminuído. Assim, correspondem a perda efectiva ou não produção de
bicarbonato.
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Capítulo 02 //

3ª Avaliação: Há distúrbios iónicos?


A análise da gasometria permite identificar, com razoável se- Em resumo:
gurança, desvios significativos de 3 iões com significado vital:
‘A REGRA DOS 3’:
Potássio
> Três avaliações na GSA:
Sódio
1. Oxigenação
Cálcio (ionizado). 2. Ácido-base
O reconhecimento de situações de risco iminente para a vida 3. Iões
exige intervenção imediata, conforme explicado no Capítulo 1.
Com:

A avaliação sistemática e tratamento dos distúrbios iónicos será > 3 perguntas na hipoxemia:
tratada em capítulos próprios deste manual. 1. CO2
2. Gradiente A-a
3. Resposta ao O2
> 3 perguntas no ácido-base:
1. Desvio Primário
2. Compensações
3. Gap aniónico
> 3 avaliações iónicas:
1. Sódio
2. Potássio
3. Cálcio

/ 48 | 3ª Avaliação: Há distúrbios iónicos? | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 02 //

Bibliografia Recomendada

Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/ Acedido em Setembro 2008.

O’Driscoll B R, Howard L S, Davison A G. Guideline for emergency oxygen use in adult patients: British Thoracic Society Emergency Oxygen Guideline
Group. Thorax 2008; 63 (Suppl VI): vi1-vi68.

Moe OW, Alperin RJ. Common acid-base disorders. In: Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Hospital Medicine. Philadelphia: Lippincott Wil-
liams&Wilkins, 2001: 871-879.

Seifter JL. Acid-base disorders. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB Saunders, 2004: 688-698.

Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST. Eds. The Washington Manual of
Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007 : 54-101.

DuBose TD, Jr. Acidosis and Alkalosis. In: Fauci AS, Kasper DL, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL, Jameson JL, Loscalzo J. Eds. Harrison`s Principles of In-
ternal Medicine. 17th Ed. New York: McGraw-Hill, 2008: 287-296.

/ 49 | 3ª Avaliação: Há distúrbios iónicos? | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Acidose Metabólica

OBJECTIVOS:

Compreender e sistematizar a metodologia de abordagem dos Reconhecer a acidose metabólica com Gap aniónico normal — fi-
doentes com acidose siopatologia e clínica

Reconhecer a acidose metabólica com Gap aniónico aumentado Saber tratar alguns dos quadros de acidose metabólica mais co-
— fisiopatologia e clínica muns no Serviço de Urgência (cetoacidose diabética, cetoaci-
dose alcoólica)

>
Capítulo 03 //

Conceitos e abordagem do doente


Há acidose metabólica quando a concentração de bicarbonato Sempre que a H+ aumenta, o primeiro sistema de defesa é for-
está diminuída em relação ao normal (ou ao esperado, no caso mado pelos sistemas tampão:
de haver lugar a compensações).
no líquido extracelular são constituídos principalmente pelo
sistema HCO3- - H2CO3 e pela albumina
Em condições normais a produção de H+ (ácido não volátil) resul- dentro da célula pelas proteínas e fosfatos.
ta do metabolismo de aminoácidos. Por dia são produzidos cer-
ca de 1 mmol/kg/dia de H+, que consomem bicarbonato. Para
Os tampões funcionam como “esponjas”, absorvendo os hidro-
manter o equilibrio ácido-base o rim excreta os hidrogeniões
geniões. No entanto estes sistemas esgotar-se-iam rapidamen-
produzidos e reabsorve o bicarbonato filtrado. Em situacões pa-
te se não existisse o pulmão, que regula a PaCO2, e o rim que
tológicas, como no défice de oxigénio ou de insulina, por exem-
regula o bicarbonato.
plo, a produção de ácido láctico e cetoácidos aumenta, resultan-
do em acidose.

O organismo regula a concentração de hidrogenião através de


três mecanismos :

Sistemas tampão
Pulmão - compensação respiratória
Rim
Fig. 3.1 | Fórmula

/ 51 | Conceitos e abordagem do doente | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Por isso, quando aumenta a produção de H+ aumenta o CO2 Se o distúrbio primário for respiratório, por exemplo aumentan-
que é excretado pelo pulmão. A PaCO2 é influenciada pelo esta- do a PaCO2 como acontece na acidose respiratória, o pH dimi-
do da ventilação, constituindo a compensação respiratória. nui. Neste caso, o rim compensa aumentando a produção de
bicarbonato, através do aumento de produção e excreção de
O bicarbonato é um dos tampões consumido no processo me-
NH4+.
tabólico. O rim reabsorve o bicarbonato filtrado (cerca de
4000 mmol/dia) e produz bicarbonato de novo, através da ex-
creção da acidez titulável e da síntese e excreção de amónia
(NH4+). Quando necessário o rim aumenta a produção de bicar-
bonato de novo. A compensação renal é lenta demorando até
5 dias, enquanto que a respiratória demora apenas 12 a 24 h a
atingir o seu máximo.

Mecanismos de compensação:

Da equação de Henderson:

pH = 6.1 + log ([ HCO3-] / 0.03 PCO2)

depreende-se facilmente que se diminuir o bicarbonato (aci-


dose metabólica), o pH diminui. Nesta situação o mecanismo
de compensação é respiratório, com aumento da ventilação e
consequente diminuição da PaCO2, o que faz aumentar o pH
para valores mais próximos do normal.

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Capítulo 03 //

Abordagem sistemática do doente A análise do equilibrio ácido-base tem por base a resposta às
seguintes perguntas:
com desequílibrio ácido-base
como está o pH ?
Perante o doente com desiquílibrio ácido-base o médico deve
como está o HCO3- ?
seguir a SEQUÊNCIA UNIVERSAL DE AVALIAÇÃO (vide Cap 1, Fig 1.2):
como está a PaCO2 ?
1º Avaliação dos dados clínicos e antecipação dos desvios espera- qual é o desvio primário ?
dos
as compensações são as esperadas ?
2º Identificação e tratamento de situações de perigo iminente o desvio é simples ou misto ?
3º Análise sistemática dos dados da gasometria e ionograma
 como está o Gap Aniónico ?
1. Como está a oxigenação
 qual a relação do aumento do Gap aniónico com a diminui-
2. Como está o equilíbrio ácido-base
 ção do bicarbonato ( GA/ Bicarbonato)?
3. Como estão os iões Como está o potássio?

Já vimos anteriormente que estas perguntas se podem resu-


Neste capítulo vamos concentrar a nossa atenção na análise
mir a 3 questões fundamentais:
sistemática dos dados da gasometria e do ionograma, e mais
especificadamente no seu ponto 2 (equilibrio ácido-base). 1. Desvio primário
2. Compensações
3. Gap aniónico

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Capítulo 03 //

Por razões didáticas vamos analisar cada uma das perguntas: Na acidose metabólica há diminuição primária do HCO3-. O me-
canismo de compensação faz diminuir a PaCO2. Considera-se
Qual é o desvio primário ?
que a compensação é adequada se: a PaCO2 diminuir 12
Há acidemia ou alcalemia (pH)? mmHg por cada 10 mmol/L que o HCO3- baixar.

Há alterações do componente respiratório (PaCO2)? Ex: se HCO3- = 14, baixou 10 mmol/L. A acidose estará compen-
Há anormalidade do componente metabólico (HCO3-)? sada se a PaCO2 baixar 12 mmHg, pelo que deve ser 28 (a com-
pensação começa na 1ª hora e completa-se em 12-24h).
O médico deve perguntar-se “Quem manda no pH?” e olhar
para os desvios do CO2 e do bicarbonato. Aquele que estiver Em alternativa, outra regra é que a PaCO2 deve ser igual à por-
no sentido do desvio do pH é o desvio primário. ção decimal do pH (por ex: pH = 7,30 – PaCO2 deve ser 30
mmHg).
As compensações são as esperadas ?
Se a compensação não for a esperada, considerar a possibilida-
Os valores da PaCO2 e do bicarbonato variam de forma a corri-
de de distúrbio misto.
gir o pH? Se a resposta for não, significa que o distúrbio é mis-
to ou a compensação é parcial. As compensações renal ou res-
piratória corrigem os desvios do pH, mas na maioria das vezes O desvio é simples ou misto ?
não o normalizam. A presença de um distúrbio grave do Eq a-b
Na acidose metabólica
com pH normal significa quase sempre a existência de distúr-
bio misto. Se a PaCO2 não diminuir de forma apropriada é porque há
também acidose respiratória e
Compensação esperada na: Se a PaCO2 diminuir mais do que é de esperar é porque há
também alcalose respiratória.

A incapacidade de compensar uma acidose metabólica é um


sinal de insuficiência respiratória iminente a necessitar de ven-
tilação. Se acidose metabólica não compensada ( PCO2 excede
/ 54 | Conceitos e abordagem do doente | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 03 //

mais de 3 mmHg o valor esperado) o risco de necessitar de en- O pH baixo e a PaCO2 elevada indicam acidose respiratória. O
tubação aumenta 4,2 vezes. bicarbonato devia aumentar 3 mmol/L (acidose aguda) ou 10,5
mmol/L (acidose crónica). Logo devia ser 27 ou 34,5 mmol/L,
Nos distúrbios respiratórios
mas o valor medido é de 30 mmol/L, o que pode significar que
Se o HCO3- está inapropriadamente elevado, então há tam- existe:
bém alcalose metabólica e
Acidose respiratória aguda + alcalose metabólica: por exem-
Se o HCO3- está inapropriadamente baixo, então há também plo, doente com pneumonia grave e vómitos.
acidose metabólica.
Acidose respiratória crónica + acidose metabólica: por exem-
Exemplo: Se um doente com insuficiência respiratória crónica plo, doente com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica e diar-
compensada (portanto a PaCO2 está aumentada e o bicarbona- reia.
to aumentado de forma proporcional) desenvolver diarreia, per- Acidose respiratória aguda sobreposta a acidose crónica: por
de bicarbonato nas fezes e por isso a concentração plasmática exemplo, doente com Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica
que desenvolve pneumonia.
de bicarbonato baixa, provocando acidose metabólica, apesar
da concentração de bicarbonato no plasma ser “normal”.
Como está o Gap Aniónico ?
Na acidose ou alcalose respiratória aguda, a variação do HCO3 -

é menor do que na crónica porque o rim demora mais tempo a Há aumento do Gap aniónico? Em caso afirmativo existe aci-
compensar os distúrbios respiratórios. dose metabólica com Gap aniónico elevado e portanto há que
saber se:
Exemplo:

Doente com: Há hipóxia?


pH = 7,27 Há corpos cetónicos aumentados?

PaCO2 = 70 mmHg e Há insuficiência renal?


Há aumento do Gap osmótico?
HCO3- = 30 mmol/L

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Capítulo 03 //

Gap aniónico: Porque as cargas não medidas em condições normais corres-


pondem maioritariamente às cargas negativas da albumina,
Os iões mais importantes para a interpretação do Eq a-b são: quando a albumina baixa a relação altera-se:

Aniões: Cl-, HCO3-, proteínas-, ácidos orgânicos-, PO4-, SO3- Por cada diminuição de 1g/dL da albumina abaixo do valor de
Catiões: Na+, K+, Ca++, Mg++ 4 g/dL, o valor do GA diminui 2,5 mmol/L.

[Na+] + [outros catiões] = [Cl-] + [HCO3-] + [outros aniões] Assim, se albumina diminuir de 4 para 2 g/dL, o valor do Gap
aniónico previsto passa a ser 3-7 mmol/L e não 8-12 mmol/L.
Na prática clínica só se utilizam o sódio, cloro e bicarbonato Neste caso, se o Gap aniónico for 13 significa que há acidose
para calcular o Gap aniónico, que reflecte as cargas não medi- metabólica com Gap aniónico elevado.
das. Em condições normais estas cargas são essencialmente
da albumina.
Qual é a relação entre o desvio do Gap Aniónico e o des-
Em situações patológicas (cetoacidose, acidose láctica, insufici- vio do bicarbonato ( / ) ?
ência renal, intoxicações) o aumento de aniões aumenta o Gap
Em situação de acidose metabólica com Gap Aniónico aumen-
aniónico, daí a sua utilidade no diagnóstico diferencial das cau-
sas de acidose. tado (presença de ácidos endógenos) o aumento do GA deve
ser acompanhado de uma descida equivalente do bicarbonato.
Gap aniónico = [Na+-(Cl-+HCO3-)] = 8-12 mmol/L (valor normal)
A avaliação desta relação é importante para determinar se
existem distúrbios mistos e em que sentido operam.
Quando o aumento do valor do Gap aniónico é maior do que 5
mmol/L há sempre acidose metabólica. Se o aumento do Gap aniónico é superior (em pelo menos 5
mmol/L) à descida de HCO3- há distúrbio misto: acidose meta-
Deve ser sempre calculado porque permite identificar uma aci-
bólica + alcalose metabólica. Esta alcalose “oculta” é responsá-
dose metabólica mesmo com pH normal ou alcalémico.
vel pela não descida do bicarbonato no valor que devia.

/ 56 | Conceitos e abordagem do doente | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Se o aumento do Gap aniónico é inferior (em pelo menos 5 Como está o K+?
mmol/L) à descida de HCO3- há outro tipo de distúrbio misto: aci-
Os valores do K+ são muito importantes porque, além das situa-
dose metabólica com Gap aniónico aumentado + acidose meta-
ções de perigo iminente de vida que exigem intervenção imedia-
bólica com Gap aniónico normal. Estas duas acidoses são res-
ta, há desequilíbrios do potássio que quando associados a aci-
ponsáveis pela descida exagerada do bicarbonato em relação dose podem dar pistas para o diagnóstico:
ao aumento do GA.
a) Acidose metabólica associada a hipocalemia sugere

Acidose tubular distal


Perda de potássio pelo tubo digestivo
Cetoacidose

a) Acidose metabólica associada a hipercalemia sugere

Insuficiência renal
Défice ou resistência à aldosterona
Cetoacidose

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Capítulo 03 //

Caracterização da acidose metabólica


Causas A acidose metabólica pode resultar de 3 mecanismos:

aumento da produção endógena de ácidos (cetoácidos, acido


O papel do rim no equilibrio ácido base inclui:
láctico) ou adição exógena de ácidos (intoxicação),
Reabsorção do bicarbonato filtrado perda de bicarbonatos (diarreia, drenagem pancreática, aci-
Regeneração de bicarbonato de novo dose tubular renal proximal, inibidores anidrase carbónica,
ureteroiliostomia, intoxicação com tolueno) ou dos seus per-
cursores ( ex: cetoácidos – pós tratamento de cetoacidose)
incapacidade do rim gerar HCO3- de novo (insuficiência renal,
acidose tubular renal distal ( ATR tipo 1); hipoaldosteronismo
(ATR tipo 4).

Quando a causa é a adição de ácidos (endógena ou exógena) há


aumento do Gap aniónico.

Quando a causa é a perda ou a incapacidade do rim formar


HCO3- de novo o Gap aniónico não aumenta.

Portanto, existe acidose metabólica quando:


pH ≤ 7.35 e HCO3- diminuído ou
aumento do Gap aniónico > 5 mmol/L.

Fig. 3.2 | Nefrónio

/ 58 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Revisão sistemática das causas de acidose metabólica Exames


I - Adição de ácidos
Para o diagnóstico diferencial da causa da acidose é ne-
Endógenos cessário recorrer a vários exames auxiliares.
Acidose láctica
Exemplo: Um doente com cetoacidose diabética (acidose me-
Cetoacidose
tabólica) e a vomitar, tem também alcalose metabólica, devido
Exógenos: Ingestão de tóxicos aos vómitos, mesmo que pH seja acidémico. Para fazer o di-
Metanol agnóstico diferencial dos desequilíbrios ácido-base e hidroelec-
Álcool trolíticos são necessárias mais informações; análises
acessíveis na maior parte dos hospitais com Serviço de Urgên-
Etilenoglicol
cia, sem as quais não é possivel chegar ao diagnóstico cor-
Ácido piroglutâmico (intoxicação por paracetamol)
recto.
II - Perdas de HCO3-

Digestivas: diarreia, fístula intestinal Sangue


Renais: acidose tubular renal, acetazolamida, pós trata-
mento de cetoacidose Gases

Acidose dilucional: soro fisiológico Ionograma


Albumina
III - Incapacidade do rim para formar HCO3- de novo
Glicose
Insuficiência renal Ureia
Acidose tubular renal Creatinina
Osmolaridade

/ 59 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Urina (amostra ocasional) Acidoses metabólicas com Gap


Sedimento aniónico elevado
Ionograma (incluindo cloro)
Situações mais frequentes:
Osmolaridade
Ureia Acidose L- láctica
Creatinina Cetoacidose (diabética , alcoólica)
Insuficiência Renal
No diagnóstico diferencial da acidose metabólica, o Gap Toxinas
aniónico desempenha um papel importante. A acidose me- Acidose D-láctica
tabólica divide-se, para simplificar a abordagem em dois
Por isso, nas acidoses metabólicas com Gap aniónico aumen-
grandes grupos :
tado há que formular as seguintes questões, cuja respostas
Acidose metabólica com Gap aniónico elevado nos indicam qual o ácido que contribui para a acidose me-
Acidose metabólica com Gap aniónico normal tabólica:

Há hipoxemia? Se a resposta for sim, o diagnóstico a consid-


erar é a acidose láctica.
Há corpos cetónicos aumentados? Se a resposta for sim, o
diagnóstico é cetoacidose.
Há insuficiência renal?
Há aumento do Gap osmótico? Se sim, suspeitar de intoxi-
cação por etanol, metanol ou etileno-glicol. Se não, suspeitar
de alterações na metabolização do acido láctico (doença
hepática) ou acidose D-láctica.

/ 60 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

O aumento do Gap aniónico é superior à descida de HCO3-? Se Cetoacidose diabética


a resposta for sim, há distúrbio misto: acidose metabólica + alca-
lose metabólica. É consequência do défice de insulina e excesso de glucagon, o
que leva ao aumento do metabolismo dos ácidos gordos com
O aumento do Gap aniónico é inferior à descida de HCO3 -? Se formação de corpos cetónicos (acetoacetato e hidroxibutirato).
a resposta for sim, há distúrbio misto: acidose metabólica com A depleção de volume provocada pela diurese osmótica, resul-
Gap aniónico aumentado + acidose metabólica com Gap tante da hiperglicemia e glicosuria, diminui a filtração glomeru-
aniónico normal. lar e por isso reduz a excreção dos corpos cetónicos, que em
consequência se acumulam no plasma.

Os cetoácidos são utilizados no metabolismo cerebral, como for-


necedores de energia. Por isso, se o doente entrar em coma a
cetoacidose agrava.

Clínica

Surge geralmente em doentes com Diabetes Mellitus tipo 1


Habitualmente é desencadeada por uma intercorrência aguda
(infecções, enfarte agudo do miocárdio, ...)
Por norma é uma acidose metabólica com Gap aniónico au-
mentado mas este pode ser normal (acidose hiperclorémica),
se o doente estiver euvolémico
Há corpos cetónicos no plasma e urina
Há depleção de volume

/ 61 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

O doente está taquipneico, angustiado e agitado (se não Corrigir potássio


está em coma) = respiração de Kussmaul
iniciar correcção só quando o doente começar a urinar e
Défices típicos na cetoacidose diabética
adicionar potássio em função do potássio sérico:
Na+: 5-10 mmol/kg
K+: 5-10 mmol/kg
Água: 2-3 litros (variável, porque depende da ingestão de
água durante a descompensação)
HCO3-: pode ser superior a 500 mmol.

Tratamento

Hidratar Se na cetoacidose diabética o K+ inicial for normal ou baixo,


isso significa que o défice de K+ é grave.
primeiro soro fisiológico: 1 L/h até à estabilidade hemod-
inâmica = TA sistólica > 100 mmHg (num adulto o défice de
Bicarbonato
volume é em média de 3 litros)
depois soro heminormal (de acordo com perdas de Na+ e O tratamento com bicarbonato só é necessário nas
K+ na urina). situações muito graves:

Insulina pH < 7.0 em doentes jovens,


pH < 7.15 nos idosos,
bólus inicial - 0.1 U/Kg,
PaCO2 < 20 mmHg, com o doente a evidenciar cansaço
IV – 0,1 U/Kg/h e ou esforço respiratório excessivo = está no limite da com-
quando a glicemia < 250 iniciar soro glicosado pensação respiratória e

manter perfusão EV na mesma dose até o Gap aniónico es- se o doente mantiver hipercalemia grave apesar do trata-
tar normalizado. mento com insulina.

/ 62 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

objectivo: atingir pH > 7.2 e HCO3- > 10. Cetoacidose alcoólica


Não dar HCO3- sem primeiro corrigir o défice de potássio.
É frequente e resulta da inibição da libertação de insulina, por
Fosfato
estimulação dos receptores alfa pelos vómitos e pela depleção
se fósforo < 0,32 mmol/L, administrar fosfato de potássio, de volume. Esta situação surge quando o consumo de álcool é
suspenso subitamente (por vómitos, dor abdominal, etc).
dose: 20-30 mmol/L no soro e
objectivo: normalizar o K+ sérico.
Clínica
Procurar a causa da descompensação (infecção, EAM)
A glicemia geralmente está normal ou baixa; raramente está
elevada
Monitorização
Há desidratação
Volémia: o objectivo é corrigir a deplecção de volume Acompanha-se frequentemente de hipofosfatemia
Gap aniónico: correlacionar com o nível de corpos cetónicos Se há hiperfosfatemia pensar em rabdomiólise
Ionograma: atenção ao potássio. Há frequentemente corpos cetónicos com predomínio do hi-
droxibutirato, produto da metabolização do etanol quando a
insulina está baixa

Ao contrário do acetoacetato, o hidroxibutirato não é detectado


nas fitas-teste.

Se a cetonúria aumentar com o tratamento é sinal de que a


evolução clínica é favorável, porque traduz a retoma dos circui-
tos metabólicos de produção de acetoacetato normais,

/ 63 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Nas situações mais graves pode haver também acidose láctica Acidose por Ácido Piroglutâmico

devida a:
metabolismo do etanol
(deplecção de glutatião)
hipoxemia Surge em doentes sépticos a receber doses terapêuticas de
contracção muscular (delírio, trémulo, convulsões) paracetamol:
défice de tiamina
Acidose metabólica grave com Gap Aniónico aumentado
Na acidose metabólica com Gap aniónico elevado pode não Alterações estado mental (confusão coma).
haver acidemia, como acontece nas situações em que há vómi-
tos associados que provocam alcalose metabólica, por perda
maciça de H+ do suco gástrico.

Tratamento

Hidratar com soro fisiológico (com glicose se glicemia normal


ou baixa)
Corrigir défice de potássio, fósforo e magnésio
Administrar tiamina - 100 mg EV

O défice de potássio é maior que na cetoacidose diabética.

/ 64 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Acidose D-Láctica Notas sobre tratamento com HCO3-


Complicação de intestino curto — aumento de lactobacilos e di- O tratamento com bicarbonato não está indicado na maior
minuição da absorção de hidratos de carbono provoca aumento parte das acidoses metabólicas com Gap aniónico elevado, mas
de ácido D-Láctico. se a acidose for grave pode ser administrado para corrigir a
[HCO3-] para 8 a 10 mmol/L, se PCO2 < 20mmHg.

Quadro clínico caracterizado por episódios recorrentes de: A rapidez de administração vai depender da gravidade da acide-
mia, da velocidade de produção de H+, da concentração de
Encefalopatia - alterações mentais ( semelhantes a embria-
potássio e da situação cardíaca do doente.
guês) – voz arrastada, ataxia, alteração equilíbrio, confusão,
alterações comportamento
Acidose metabólica com Gap Aniónico aumentado Riscos da administração de HCO3-
Ausência de corpos cetónicos
sobrecarga de volume
hipocalemia
Tratamento
hipocalcemia
Restrição de hidratos de carbono produção excessiva de CO2 (atenção aos doentes ventilados)
Antibiótico – neomicina, vancomicina ou metronidazol possível hipoglicemia

Mais-valias da administração de HCO3-

remoção de H+ das proteínas intracelulares


geração de mais ATP.

/ 65 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

Acidoses metabólicas com Gap 2º. Carga de ácido

aniónico normal NH4Cl


aminoácidos
Outro grupo de acidoses metabólicas que resultam de:
alimentação parentérica total
perda de bicarbonato, em consequência por patologia diges-
tiva (diarreia) ou renal (acidose tubular renal proximal) 3º. Perda de potenciais bicarbonatos

ou excreção de corpos cetónicos em doentes com cetoacidose


incapacidade do rim formar amónia (NH4+) e gerar bicar- bem hidratados
bonato de novo. acidose dilucional

A acidose com Gap aniónico normal também pode ser cha- pós-hipocapnia
mada hiperclorémica porque a diminuição do bicarbonato é
4º. Baixa excreção de NH4+ pelo rim
compensada, em termos de anião, com elevação proporcional
do cloro. devida a diminuição de produção de NH3 nas células do
túbulo proximal
por má difusão do NH3 na medula
CAUSAS
incapacidade das células do túbulo colector secretarem H+
1º. Perdas digestivas de HCO3- que transforma o NH3 em NH4+ para ser excretada na urina

diarreia 5º. Redução de NH3 na medula


drenagem pancreática ou do conteúdo do intestino delgado diminuição da amniogénese (insuficiência renal ou
ureterossigmoidostomia hipercalemia)
drogas (CaCl, MgSO4 , colestiramina) doença medular intersticial

/ 66 | Caracterização da acidose metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 03 //

6º. Diminuição da secreção de H+ no túbulo distal Em condições normais o rim responde à acidose metabólica
crónica aumentando a produção de NH4+. Esta resposta está
acidose tubular renal distal
diminuída na insuficiência renal, na hipercalemia e na acidose
tubular renal.
Situações mais frequentes no Serviço de Urgência: Como não é possível medir o NH4+, usa-se o Gap aniónico da
urina e o Gap osmótico da urina como indicadores indirectos
Diarreia
do aumento de produção de NH4+ pelo rim.
Fístula intestinal
Drenagem de fluídos pancreáticos
Acidose dilucional – por hidratação agressiva com soro Qual é o Gap aniónico da urina?
fisiológico, o que aumenta o espaço vascular e dilui o
Na urina, tal como no sangue, há neutralidade electroquímica,
bicarbonato, diminuindo a sua concentração. O Gap aniónico
com igual número de catiões e aniões:
não aumenta porque aumenta o cloro
Acidose tubular renal Na+ + K+ + NH4+ + Ca++ + Mg++ = Cl- + H2PO4- + SO4- + aniões
Estados de recuperação da cetoacidose orgânicos

As perguntas a formular nas acidoses com Gap aniónico nor- Gap aniónico da urina, é a diferença entre cargas positivas
mal são: (sódio + potássio) e negativas (cloro) medidas na urina.

Qual é o Gap aniónico na urina (“Urine net charge”): (Na+ + A soma do cálcio e magnésio corresponde a 15 mmol/dia (ca-
K+) – Cl-? tiões constantes). A soma do fosfato e sulfato na urina corre-
sponde a 85 mmol/dia (aniões constantes). Logo, simplificando
Qual é o Gap osmótico da urina?
a fórmula anterior:
Qual é a [K+] do plasma?
Na+ + K+ + NH4+ = Cl- + 70
Qual é o pH da urina?
Na+ + K+ – Cl- = 70 - NH4+

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Capítulo 03 //

Assim, o Gap aniónico da urina (Na+ + K+ – Cl-) é uma medida na depleção de volume com sódio urinário inferior a 25
indirecta da amónia (=70-NH4+) e traduz a excreção de amónia mmol/L – nesta situação há aumento de reabsorção de cloro
para manter a volémia, diminuindo a excreção de Cl- e suger-
na urina associada a cloro (NH4Cl).
indo erradamente uma acidose tubular renal
Nas situações de acidose em que o rim aumenta a produção na cetoacidose – porque a excreção de cetoácios faz-se liga-
de amónia e a excreta sob a forma de NH4Cl, a excreção de dos ao sódio e potássio ( para manter electroneutralidade)
podendo dar um Gap aniónico na urina positivo, apesar do
cloro aumenta e, como este é medido e entra na conta do Gap
aumento de excreção de NH4+
aniónico da urina, o valor final do Gap é negativo.
se o pH da urina é > 6.5
Ou seja, se Cl- > (Na+ + K+) o Gap aniónico da urina terá valor na presença de bicarbonatúria
negativo e significa que existe aumento da produção de NH4+ durante a administração de carbenecilina ou outros aniões
com excreção associada a cloro, e isto representa perdas de durante a administração de lítio
HCO3- extra-renais (por exemplo, diarreia) com rim normofun-
na hipercalcemia
cionante.
Ou seja, o aumento de excreção de NH4+ não pode ser avali-
Por outro lado, se Cl- < (Na+ + K+) o Gap aniónico da urina terá ado pelo Gap aniónico da urina se a NH4+ não for excretado
valor positivo o que significa que há défice de produção NH4+ sob a forma de NH4Cl mas, por exemplo, ligada a cetoácidos.
(por exemplo, na acidose tubular renal) ou excreção de NH4+ Neste caso, o aumento de excreção é dado pelo aumento do
com um anião que não o cloro (por exemplo, com cetoácidos). Gap osmótico da urina.

Contudo o Gap aniónico na urina só pode ser interpretado em Qual é o Gap osmótico da urina ?
determinadas condições. A interpretação não é válida:
O Gap osmótico da urina é a diferença entre a osmolaridade
na ausência de acidose medida e a osmolaridade calculada da urina. Usa-se se a NH4+

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Capítulo 03 //

é excretada com outro anião que não o Cl- (por exemplo: ce- Qual é o pH da urina ?
toácidos, aniões de drogas, metabolitos do tolueno).
É útil para detectar HCO3- na urina, mas pouco útil para deter-
U NH4+ (amónia urinária) = 0,5 x Gap osmótico da urina minar a excreção da amónia. Se estiver elevado indica pre-
sença de HCO3- na urina ou infecção urinária por bactéria pro-
o que equivale a
dutora de urease.
U NH4+ = 0,5 x (Osmolaridade medida na urina - Osmolaridade
calculada na urina) Na acidose aguda é habitual o pH urinário ser inferior a 5.5,
e assim também mas na acidose crónica não dá informação sobre a produção
U NH4+ = 0.5 x (U.Osm - [ 2(Na+ + K+) + Ureia/6 + Glicose/18]) de amónia.

Podemos assim calcular o Gap osmótico da urina:

Gap osmótico da urina = U.Osm - [ 2(Na+ + K+) + Ureia/6 +


Glicose/18]

Numa acidose metabólica com Gap aniónico normal, se o Gap


osmótico da urina < 200 significa que há défice de produção
de NH4+ (acidose tubular renal).

Qual é o [K+] do plasma ?

Este valor é importante para o cálculo do Gap aniónico, como


já vimos.

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Capítulo 03 //

Acidose tubular renal distal tipo 1 que é uma bomba de H+, e a H+K+ATPase, que troca hidro-
genião por potássio. O H+ no lumen tubular vai ligar-se ao NH3
A resposta normal do rim à acidemia é reabsorver todo o formando-se NH4+, que será excretado na urina sob a forma
HCO3- filtrado e aumentar excreção de NH4+. A Fig. 3.3 mostra de NH4Cl ou ligado a outro anião que não o cloro.
a formação de amónia no rim. Por cada NH4+ excretada na
Assim, há acidose tubular renal (ATR) distal nas situações de:
urina há formação de um bicarbonato.
Défice ou defeito de H+ATPase
Défice ou defeito da H+/K+ATPase
Anomalia no permutador de HCO3-/Cl-
défice de gradiente, o que é raro (por aumento na permeabili-
dade da membrana apical ao H+; a única situação descrita é
devida a toxicidade pela anfotericina)
Falta de sódio no túbulo distal, o que explica a acidose e a
hipercalemia na cirrose hepática
A acidose tubular renal distal surge quando há défice de pro-
dução de NH3 ou defeito na secreção de H+ pelas células in-
tercalares.

Fig. 3.3 | Célula Intercalada Tipo A do Tubo Colector Cortical Causas

Doenças autoimunes (Síndrome de Sjogren, lúpus, crioglobu-


A secreção de H+ pelas células intercalares do tubulo colector
linemia, tiroidite, hepatite crónica activa, cirrose biliar
faz-se contra um gradiente de concentração, de modo que a primária), são as causas mais frequentes
concentração de H+ no lumen tubular é 1000 vezes superior.
Hipercalciúria e nefrocalcinose (tanto podem ser causa como
Neste processo, desempenham papel importante a H+ATPase,
consequência de acidose tubular renal distal),

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Capítulo 03 //

Drogas ou toxinas, lar, nefrocalcinose ou litíase renal são pistas para o diagnós-
Nefrite túbulo intersticial tico num doente com acidose metabólica com Gap aniónico

Doenças genéticas normal. A nefrocalcinose é a causa da insuficiência renal.

Clínica Consequências principais

Sintomas osteoarticulares: nefrocalcinose (em 56% dos doentes)


litíase renal (forma de apresentação em 48-58% dos doen-
artralgias tes)
fraqueza muscular insuficiência renal
dor lombar pielonefrite
Outros achados: atraso de crescimento e osteomalácia
acidose hiperclorémica: [HCO3-] pode ser < 10 mmol/L
hiperexcreção de catiões Tratamento
hipercalciuria
Objectivo: manter HCO3 > 20 mmol/L, com:
alterações do potássio (a hipocalemia pode ser grave)
solução de Shohl (citrato de sódio),
alterações do sódio
cápsulas de HCO3- ou
citrato de K+.
Consequências
O tratamento com NaHCO3 permite:
Na acidose tubular renal, a incapacidade do rim em gerar bicar-
bonato de novo vai ter como consequência a utilização do corrigir a hipocalemia
osso como tampão, com mobilização de cálcio e consequente eliminar a litíase
hipercalciuria. Assim, a presença de sintomatologa osteoarticu-
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Capítulo 03 //

re-expandir o volume
corrigir a acidose

A dose a administrar depende do peso e características do


doente.

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Capítulo 03 //

Bibliografia Recomendada

Moe OW, Alperin RJ. Common acid-base disorders. In: Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Hospital Medicine. Philadelphia: Lippincott Williams &
Wilkins, 2001: 871-879.

Burton DR. Ed. Clinical physiology of acid-base and electrolyte disorders, 4th ed, McGraw-Hill International, 2000.

Androgue HJ, Madias NE. Medical progress: management of lifethreatning acid-base disorders, parts I and II. N Engl J Med 1998; 338: 26-34, 107-111.

Seifter JL. Acid-base disorders. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB Saunders, 2004: 688-698.

Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST. Eds. The Washington Manual of
Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007: 54-101.

Kellum JA. Disorders of acid-base balance. Crit Care Med 2007; 35 (11): 2630-2636.

Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/ Acedido em Setembro 2008.

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Capítulo 04 //

Alcalose Metabólica

OBJECTIVOS:

Conhecer as causas de alcalose metabólica Sistematizar a metodologia de abordagem dos doentes com al-
calose metabólica
Compreender os mecanismos que perpetuam a alcalose metabó-
lica

>
Capítulo 04 //

Definição Compensação respiratória


A alcalose metabólica traduz um aumento da concentração de A primeira compensação do organismo ao aumento do bicarbo-
bicarbonato. Trata-se de uma situação comum, correspondendo nato é a hipoventilação, com aumento da PaCO2. Por cada au-
a cerca de 50% dos desiquilíbrios ácido-base. Acompanha-se mento de 10 mmol de HCO3-, a PaCO2 aumenta 7 mmHg. Pode
de mortalidade elevada, especialmente se distúrbio misto, asso- usar-se a fórmula PaCO2 = HCO3- + 15, mas apenas para varia-
ciada a alcalose respiratória, correlacionado-se com a severida- ções do HCO3- entre 10 a 40 mmol/L.
de da alcalemia.
A compensação respiratória está limitada, nomeadamente pela
Existem estudos que referem taxas de mortalidade de 45 % em hipocalemia, associada frequentemente à alcalose metabólica,
casos de pH de 7,55 e até 80% quando pH superior a 7,65. Habi- e pela hipercapnia que condiciona hipoxemia.
tualmente associa-se a hipocalemia.

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Capítulo 04 //

Fisiopatologia Mecanismos de perpetuação (situações em que o rim perde ca-


pacidade de excretar bicarbonato de forma eficiente).
Na alcalose metabólica interessa, além da identificação da cau-
Deplecção de volume
sa, identificar os mecanismos de perpetuação do distúrbio, já
que a resposta fisiológica do organismo ao excesso de HCO3- é Insuficiência renal
o aumento da excreção renal do mesmo (maior filtração glome- Deplecção de Cl- ou K+
rular, menor reabsorção tubular). O que, em termos práticos, si- PaCO2 elevada
gnifica que para tratarmos a alcalose temos que corrigir a causa Hiperaldosteronismo
e os mecanismos que contribuiram para a sua perpetuação.

O rim corrige a alcalose metabólica excretando o excesso de bi-


Na alcalose metabólica temos assim duas fases: carbonato na urina. Se um sujeito normal ingerir diariamente
1000 mmol de bicarbonato durante 2 semanas, todo o excesso
fase de desenvolvimento: ocorre aumento do HCO3- devido a
perda de hidrogénio (renal, gastrointestinal), entrada de hidro- de bicarbonato é excretado na urina e não se desenvolve alcalo-
génio nas células, ganho de HCO3- (admnistração, pós-hiper- se metabólica. As alterações que causam alcalose metabólica es-
capnia), e hiperaldosteronismo primário. tão associadas a ganho de bicarbonato muito menor, o que signi-
fase de manutenção ou perpetuação: perda da capacidade fica que para se desenvolver alcalose metabólica o rim tem que
renal em excretar eficientemente o HCO3- (aumento reabsor- perder a capacidade de excretar o excesso de bicarbonato. A re-
ção, diminuição secreção). dução da taxa de filtração glomerular (TFG) e o aumento da reab-
sorção tubular de bicarbonato contribuem para este processo. O
aumento da reabsorção tubular é o mecanismo mais importante,
já que a diminuição da TFG isolada, como na insuficiência renal
crónica, habitualmente não cursa com alcalose.

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Capítulo 04 //

Existem 3 factores principais para o aumento da reabsorção de ro, pode ser mais importante do que o associado à depleção
bicarbonato na alcalose metabólica: deplecção volume, deplec- de volume. A reabsorção de Na+ neste segmento não é segui-
da pelo Cl-, há falta de Cl-, o que aumenta o gradiente eléctri-
ção de cloro e hipocalemia:
co que promove a secreção de H+. O resultado final é a reab-
A deplecção de volume arterial efectivo, associada à diminui- sorção quase completa do bicarbonato filtrado e o achado pa-
ção da taxa de filtração glomerular, aumenta a reabsorção de radoxal de uma urina ácida num doente que está alcalémico
HCO3- no tubo proximal na tentativa de preservar volume.
 (Fig 4.2).

No entanto, a maior parte dos estudos mostram que o princi-
pal aumento da reabsorção do bicarbonato ocorre no tubo co-
lector, devido ao hiperaldosteronismo secundário, que acom-
panha a deplecção de volume:
A aldosterona aumenta directamente a acidificação, porque
estimula a actividade da bomba H+ATPase na membrana lu-
minal das células intercaladas, promovendo a secreção tubu-
lar de H+, logo aumentado a reabsorção de bicarbonato (Fig
4.1);
A aldosterona estimula a reabsorção de Na+ nas células prin-
cipais, tornando o lumen mais electronegativo, logo inibe a
difusão passiva do H+ para fora do lumen tubular, ficando a
urina mais ácida.
A diminuição da chegada do cloro, diminui a secreção do bi- Mecanismos de transporte da secreção de H+ e HCO3- e reabsorção de K+
Fig. 4.1 |
carbonato nas células intercaladas tipo B, sendo este um nas células intercaladas tipo A no tubo colector cortical (adaptado de Uptodate.com
componente importante da resposta renal normal ao exces- Maio 31, 2008)
so de bicarbonato (Fig 4.2).
A deplecção de Cl- (ex:vómitos, diuréticos) também tem um pa-
pel importante quer no aumento da reabsorção de HCO3-, quer
na redução da secreção no nefrónio distal. Este efeito do clo-

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Capítulo 04 //

Causas de alcalose metabólica


1. Perda de valências ácidas:

Gastrointestinal

Vómitos
Drenagem gástrica
Tratamento com antiácidos (Insuficiência renal)
Adenoma viloso

Renal

Relação entre potássio sérico e a reabsorção de bicarbonato. (Adaptado


Fig. 4.3 |
Diuréticos da ansa e tiazidas
Fuller, GR, MacLeod, MB, Pitts, RF, Am J Physiol, 182: 111, 1956) Hipercalcemia
Hipocalemia
A hipocalemia aumenta directamente a reabsorção de bicarbo-
nato, porque é um estímulo potente para a secreção de H+ Síndromes de Bartter e de Gittelman
(Fig 4.3). A hipocalemia conduz à saída de K+ das células para Aniões não reabsorvidos (ex: carbenicilina)
o meio extracelular, sendo a electroneutralidade mantida por Défice de Magnésio
entrada de H+ para a célula. Esta acidose intracelular estimula,
nas células tubulares, a produção e excreção de NH4+ que em 2. Ganho de HCO3-:
si gera mais HCO3-, perpetuando a alcalose.
Administração de bicarbonato
A hipercapnia compensatória também estimula a reabsorção
Síndrome Leite-alcalinos
de bicarbonato, particularmente no nefrónio distal.
Pós-hipercapnia

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Capítulo 04 //

3. Excesso mineralocorticoides: Clínica


Hiperaldosteronismo primário (adenoma, hiperplasia)
As manifestações clínicas da alcalose metabólica, podem ser:
Estenose artéria renal, tumor secretor renina
neurológicas (semelhantes às da hipocalcemia): confusão, pa-
Síndromes adrenogenitais, síndrome de Cushing
restesias, convulsões, caimbras, predisposição para tetania.
Excesso aparente mineralocorticoide (licorice, Síndrome de
cardiovasculares: potenciar disritmias (particularmente se as-
Liddle)
sociado a hipocalemia), hipoxemia.

Abordagem
1. Avaliação clínica e antecipação dos desvios esperados

Clinicamente e para efeitos práticos podemos considerar quatro


grupos:

Doentes com depleção de volume, hipocalemia e hipocloremia


É o tipo mais comum. Normalmente a causa é a perda de ácido
pelo tubo digestivo em consequência de vómitos ou drenagem
gástrica. Estes doentes apresentam aumento da reabsorção de
bicarbonato no túbulo proximal em resposta à deplecção de vo-
lume. A deplecção de volume leva ao aumento da aldosterona
(hiperaldosteronismo secundário) que estimula a secreção de H+
e K+ no tubo colector, contribuindo para perpetuar a alcalose.

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Capítulo 04 //

O uso de diuréticos também causa deplecção de volume e de Administração exógena de bicarbonato


potássio e desta forma associam-se frequentemente a alcalose A administração de bicarbonato nos casos de acidose meta-
metabólica. bólica pode resultar em alcalose metabólica. Isto ocorre parti-
cularmente nos casos de acidose láctica ou cetoacidose dia-
As drogas aniónicas, como a carbenicilina, também se associam bética, em que o bicarbonato endógeno é substituído por lac-
a alcalose metabólica. Estes fármacos são livremente filtrados e tato ou β-hidroxibutirato. Não há perda de bicarbonato e quan-
não reabsorvidos, como têm carga negativa impedem a reabsor- do o distúrbio de base é corrigido o bicarbonato volta a ser rege-
nerado. Assim, o bicarbonato administrado contribui para o ex-
ção de Na+, desta forma mais Na+ chega ao tubo distal o que au-
cesso de bicarbonato, podendo provocar alcalose metabólica.
menta a secreção de K+ e H+. A hipocalemia e a deplecção de vo-
lume perpetuam a alcalose metabólica. Também administração de citrato (politransfusões, plasma fres-
co congelado) pode condicionar alcalose metabólica.
A hipercalcemia estimula a secreção renal de H+ e a reabsorção
de HCO3- resultando em alcalose metabólica. A desidratação e a Um problema semelhante ocorre quando se administram gran-
insuficiência renal que habitualmente se associam à hipercalce- des quantidades de bicarbonato a doentes com insuficiência re-
mia contribuem para a perpetuar a alcalose. nal, incapazes de excretar o excesso de bicarbonato.

O défice de magnésio, tem múltiplas consequências, podendo O síndrome leite-alcalinos é caracterizado pela presença de alca-
causar alcalose metabólica, porque aumenta a renina, com hipe- lose metabólica e insuficiência renal, em que ocorre excesso de
raldosteronismo secundário. bicarbonato associado à ingestão de cálcio (carbonato cálcio,
leite). Tipicamente estes doentes apresentam nefrocalcinose. A
Doentes com expansão de volume, hipocalemia hipercalcemia e a insuficiência renal favorecem a acumulação
Estes doentes têm aumento primário de mineralocorticóides (hi- de bicarbonato.
peraldosteronismo primário) e não respondem à reposição de
volume. A etiologia do aumento de mineralocorticoides pode ser Alcalose pós-hipercapnica
diferenciada medindo a renina plasmática (ex: estenose artéria
A acidose respiratória crónica está associada a um aumento da
renal, adenoma suprarenal).
excreção renal de H+ e retenção de bicarbonato, que represen-
tam a resposta compensatória apropriada à acidose. O trata-

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Capítulo 04 //

mento destes doentes com ventilação mecânica pode levar à re- 4. Avaliação complementar: Medir os electrólitos na urina
dução rápida da PaCO2 corrigindo a acidose respiratória, man-
tendo-se o bicarbonato sérico elevado, já que a excreção renal Como vimos, a etiologia da alcalose metabólica é habitualmente
é mais lenta. Desta forma desenvolve-se alcalose metabólica clara atendendo à história clínica e exame físico do doente. No
com aumento rápido de pH intracerebral o que pode originar al-
entanto, há casos em que a história é inexistente ou não é clari-
terações neurológicas graves e morte.
ficadora, como na ingestão surreptícia de diuréticos ou vómitos
induzidos. Nestes casos, a medição do Na+, Cl- e pH urinários po-
2. Há perigo iminente? dem ser úteis no diagnóstico diferencial das causas de alcalose.
Na alcalose metabólica o perigo iminente pode estar associado
Quando o doente tem vómitos recentes (1 a 3 dias) o pH urinário
fundamentalmente a alterações da volémia e do potássio.
é elevado, dado o aumento da filtração e excreção de bicarbona-
to, e por isso o Na+ na urina também se encontra elevado. O Cl-
3. Análise sistemática dos dados da gasometria e do iono- na urina, neste caso, é baixo. Quando o doente deixa de vomitar
grama (vómitos tardios) e há deplecção de volume, há retenção de Na+
e bicarbonato, assim, o pH na urina é baixo, o Na+ é baixo e o Cl-
No 3º momento da sequência universal de avaliação, ao realizar é baixo. Como a chegada de Na+ ao tubo distal está diminuida,
a avaliação ácido-base, são pontos relevantes: menos K+ será secretado.

Depois de identificar o distúrbio primário, vamos verificar se a Se o Na+, K+ e Cl- na urina estão todos elevados devemos pen-
compensação é apropriada. Nos casos de alcalose metabólica,
sar em:
sabemos que por cada aumento de 10 mmol de bicarbonato a
PaCO2 aumenta 7mmHg. Se a PaCO2 não aumenta de forma
uso de diuréticos
apropriada significa que coexiste alcalose respiratória.
deficiência de magnésio
Em seguida vamos calcular o Gap aniónico. Se há aumento do
GA, calculamos a variação do bicarbonato ( GA). Se a variação alterações tubulares raras como os Síndromes de Bartter ou
for maior que a variação do bicarbonato é porque há também Gittelman.
acidose metabólica.

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Capítulo 04 //

Em resumo, na abordagem do doente


com alcalose metabólica, com base no es-
tado da volémia e nos eletrólitos da urina,
podemos considerar o algoritmo da Fig
4.4 como referência.

Algoritmo de avaliação da alcalose metabólica (adaptado de Palmer BF,


Fig. 4.4 |
Alpern RJ: Matabolic Alkalosis. J Am Soc Nephrol 8: 1462-1469, 1997)

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Capítulo 04 //

Tratamento com solução de aminoácidos) em 8 a 24 horas. A quantidade de


ácido a administrar pode ser estimada a partir do espaço de dis-
O tratamento da alcalose metabólica deve considerar o trata- tribuição do bicarbonato:
mento da causa e a correcção dos mecanismos que perpetuam
a alcalose, ou seja corrigir o défice de volume, o défice de K+ e o Excesso HCO3- = 0.5 x peso x (HCO3- sérico - 24)
o défice de Cl- o que começa pela administração de soro fisioló-
gico e cloreto de potássio. Os casos de aumento primário de mineralocorticoides não res-
pondem a estas medidas. O tratamento consiste nestes casos
Os estados edematosos, como a insuficiência cardíaca congesti- na correcção da causa primária.
va, o síndrome nefrótico ou cirrose, desenvolvem muitas vezes
alcalose metabólica secundária ao uso de diuréticos. Nestes ca-
sos a administração de soro fisiológico não está indicada pois
iria agravar mais os edemas. O tratamento da alcalose, nestes
casos, pode fazer-se com acetazolamida (250 a 375mg PO). A
acetazolamida é um diurético inibidor da anidrase carbónica
que aumenta a excreção de bicarbonato.

A acetazolamida também pode ser usada nos doentes com ede-


mas por cor pulmonale e hipercapnia crónica. A correcção da al-
calose é particularmente importante nestes doentes porque o
aumento do pH é em si próprio depressor do centro respiratório.
O uso de acetazolamida tem que ser cauteloso e monitorizado
de forma estricta pois pode agravar a acidose nestes doentes.

Nos casos refratários, pode usar-se ácido clorídrico, através da


infusão endovenosa (veia central, ou periférica se tamponado

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Capítulo 04 //

Bibliografia Recomendada

Hodgkin JE, Soeprono FF, Chan DM: Incidence of metabolic alkalemia in hospitalized patients. Crit Care Med 8: 725-732, 1980.

Anderson LE, Henrich WL: Alkalemia-associated morbidity and mortality in medical and surgical patients. South Med J 80: 729-733, 1987.

Rose BD, Post TW: Clinical Physiology of Acid-Base and Electrolyte Disorders, 5th ed, McGraw-Hill, New York:551-558,2001.

Sabatini S, Kurtzman NA: The maintenance of metabolic alkalosis: Factors which decrease bicarbonate excretion. Kidney Int 25: 357-361, 1984.

Galla JH, Bonduris DN,Luke RG: Effects of chloride and extracellular fluid volume on bicarbonate reabsorption along the nephron in metabolic alkalosis
in the rat. Reassessment of the classical hypothesis of the pathogenesis of metabolic alkalosis. J Clin Invest; Jul; 80 (1): 41-50, 1987.

Wesson DE: Augmented bicarbonate reabsorption by both the proximal and distal nephron maintains chloride-deplete metabolic alkalosis in rats. J Clin
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Galla JH, Gifford JD, Luke RG, Rome L: Adaptations to chloride-depletion alkalosis. Am J Physiol Oct; 261: R771-81, 1991.

Khadouri C, Marsy S, Barlet-Bas C, Doucet A  : Short-term effect of aldosterone on NEM-sensitive ATPase in rat collecting tubule. Am J Physiol Aug; 257:
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/ 84 | Alcalose Metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 04 //

Bibliografia Recomendada

Harrington JT; Hulter HN; Cohen JJ; Madias NE: Mineralocorticoid-stimulated renal acidification: the critical role of dietary sodium. Kidney Int Jul; 30 (1):
43-8, 1986.

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Palmer BF, Alpern RJ: Metabolic Alkalosis. J Am Soc Nephrol 8: 1462-1469, 1997.

Theodore W Post and Burton D Rose (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.

/ 85 | Alcalose Metabólica | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

Potássio

OBJECTIVOS:

Comprender os mecanismos de regulação do potássio

Conhecer as causas de hipo e hipercalemia

Saber corrigir as situações de hipo e hipercalemia

>
Capítulo 05 //

Conceitos e fisiopatologia
O potássio é o catião predominante no meio intracelular, sendo Regulação da homeostasia do potássio
o principal responsável pelo potencial da membrana celular que
é essencial para numerosas funções celulares, como a contrac- Numa dieta normal, ingerimos 70 a 120 mmol de potássio por
ção muscular e a condução nervosa. Só 2% do potássio do orga- dia. Se não existissem mecanismos rápidos de regulação, o po-
nismo se encontra no meio extracelular; isto deve-se à acção da tássio extracelular passaria de 4 a 8 mmol, o que seria obvia-
bomba de sódio (Na+/K+ ATPase) que existe em todas as célu- mente letal.
las, transportando o sódio para o meio extracelular e o potássio
Há 3 mecanismos que regulam a concentração de K+:
para dentro da célula. Assim, cria-se um gradiente de potássio
do exterior para o interior, que é determinante para o potencial Transporte celular (entrada/saída das células)
de membrana. Eliminação renal
Todas as células excitáveis do organismo, músculos e tecido ner- Eliminação gastrointestinal
voso, necessitam deste potencial de membrana para as suas
A excreção de potássio na urina é lenta e regulável por mecanis-
funções e por essa razão quando o gradiente do potássio é alte-
mos que falaremos mais adiante.
rado pode existir risco de vida.
A excreção gastrointestinal é mínima (inferior a 5 mmol/dia) e
Como 98% do potássio é intracelular, nos distúrbios deste cati- não é regulável, pelo que não iremos abordá-la.
ão não é possível determinar o seu défice/excesso no organis-
A entrada de K+ nas células é o principal mecanismo de adapta-
mo, pelo que o tratamento envolve a sua determinação seriada.
ção às alterações rápidas da concentração de K+.

A entrada/saída de K+ das células é o primeiro mecanismo


de adaptação às alterações da concentração de K+.

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Capítulo 05 //

Regulação por entrada / saída
 Regulação por eliminação renal de K+


das células A entrada de K+ nas células protege, de forma rápida, das altera-
ções da concentração de potássio extracelular, mas este efeito
Há dois mecanismos envolvidos no movimento de K+ para den-
não é duradouro. Assim, a maior defesa contra as alterações do
tro das células:
K+ é o rim, responsável pela sua excreção na urina.
libertação de insulina: a insulina activa a bomba de sódio, con-
dicionando a entrada de K+ na célula. É o que acontece quan- O potássio é filtrado livremente no glomérulo, é reabsorvido jun-
do ingerimos alimentos. tamente com a água no tubo proximal e o restante é reabsorvi-
libertação de catecolaminas: a adrenalina, actuando nos re- do na porção ascendente da ansa de Henle. Em situações fisioló-
ceptores beta2, estimula a entrada de K+ na célula. É o que gicas normais, o filtrado glomerular que atinge o tubo colector
acontece quando fazemos exercício. cortical praticamente não contém potássio.

É aqui que o potássio é secretado, condicionando o seu apareci-


mento na urina. Uma pequena quantidade de potássio poderá
ser de novo reabsorvida no tubo colector medular, mas pratica-
mente toda a regulação da excreção do potássio se dá ao nível
das células principais do tubo colector cortical, responsáveis
pela excreção do K+.

A célula principal do tubo colector cortical possui uma bomba


de Na+/K+ ATPase na membrana baso-lateral semelhante às ou-
tras células do organismo. O rim tem a particularidade de ter
esta bomba de Na+/K+ ATPase exclusivamente do lado interstici-
al da célula. Esta bomba transporta potássio para dentro da cé-

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Capítulo 05 //

lula e o sódio para fora. No lado luminal da célula há um canal A secreção de K+ no tubo colector cortical é regulada pelos
de sódio, por onde o sódio entra passivamente na célula condi- mineralocorticoides e pela chegada de Na+ ao tubo distal.
cionado pelo gradiente de concentração entre o sódio no lú-
men e o sódio intracelular. A concentração de K+ dentro da cé-
lula é elevada, logo o potássio vai difundir para fora da célula 1. Mineralocorticoides
pelos canais de K+. O potássio que difunde para o intestício, en-
tra novamente na célula transportado pela bomba Na+/K+ Estimulam a secreção de K+ por 3 mecanismos:
ATPase, o potássio que difunde para o lúmen tubular represen- aumentam a concentração de potássio intracelular por esti-
ta o potássio secretado e excretado na urina (Fig 5.1). mulação directa da bomba de sódio-potássio-ATPase;
aumentam a permeabilidade da membrana apical ao potás-
sio;
estimulam a reabsorção de sódio na membrana apical, au-
mentando o gradiente eléctrico e favorecendo a secreção de
potássio.

2. Chegada de Na+ ao tubo colector

Quando a chegada de Na+ ao tubo distal aumenta, a absorção


de Na+ também aumenta. A bomba de Na+/K+ ATPase torna-se
mais rápida no sentido de transportar o Na+ para fora da célu-
la, aumentando desta forma a concentração de K+ no interior.
A voltagem negativa no fluído tubular, resultante da entrada
Fig. 5.1 | Célula principal do tubo vertical cortical
de Na+ na célula, facilita a saída de K+.

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Capítulo 05 //

O que temos na realidade é um sistema de re-


gulação da excreção do potássio que é depen-
dente do Na+, com dois mecanismos que actu-
am em direcções opostas: a libertação de mine-
ralocorticoides aumenta quando há deplecção
de volume e diminui quando há expansão de vo-
lume; a chegada de Na+ ao tubo distal, pelo con-
trário, diminui quando há deplecção de volume
e aumenta quando há expansão de volume. Es-
tas alterações estão expressas no quadro se-
guinte:

Se há deplecção de volume, ou seja se a pressão arterial efecti- o resultado será um aumento da quantidade de Na+ que chega
va diminui, os níveis de mineralocorticoides elevam-se mas a fil- ao tubo distal. Os dois mecanismos actuam também neste caso
tração glomerular diminui e a reabsorção de Na+ no tubo proxi- em direcções opostas e por isso a secreção de K+ não é alterada.
mal aumenta e portanto chega menos Na+ ao tubo distal. Estes
dois mecanismos que regulam o potássio, anulam-se mutua-
mente e a secreção de K+ não se altera.

Pelo contrário, quando há expansão de volume, a libertação de


mineralocorticoides está frenada, mas a filtração glomerular au-
menta e a reabsorção de Na+ no tubo proximal está diminuída;

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Capítulo 05 //

Quando há alteração da concentração sérica do potássio, signi- mineralocorticoides + aumento de Na+ no tubo distal, com o
fica que estes dois mecanismos não estão a actuar em direc- consequente aumento da secreção de K+ e hipocalemia.
ções opostas. Vamos ver quatro exemplos relativos a este tipo
de alterações:
3. Diminuição primária de mineralocorticoides
1. Aumento primário de mineralocorticoides
Pelo contrário, nos casos de diminuição primária de mineralo-
Nos casos de aumento primário de mineralocorticoides, ou corticoides, como por exemplo na doença de Addison, há dimi-
seja um aumento que não é devido a contracção de volume, nuição da absorção distal de Na+ e por isso excreção aumenta-
como por exemplo no caso de um tumor produtor de aldostero- da de Na+ e água. Consequentemente há deplecção de volume
na, há aumento da reabsorção de Na+ e água e consequente com diminuição da TFG e diminuição do Na+ no tubo distal. O
expansão de volume. A expansão de volume condiciona um au- que resulta é uma combinação de diminuição de mineralocorti-
mento da TFG e diminuição da absorção proximal de Na+, o re- coides e diminuição da chegada de Na+ ao tubo distal, o que
sultado será um aumento da chegada de Na+ ao tubo distal. leva a uma diminuição da excreção de K+ e hipercalemia.
No final teremos uma combinação de aumento da chegada de
Na+ ao tubo distal e aumento de mineralocorticoides, do que
4. Diminuição do Na+ no tubo distal
resultará um aumento da secreção de K+ e hipocalemia.
O último exemplo refere-se aos casos de diminuição primária
da chegada de Na+ ao tubo distal, ou seja casos que não são
2. Aumento do Na+ no tubo distal
devidos a deplecção de volume como na glomerulonefrite agu-
Estes são os casos de aumento primário da chegada de Na+ da. Nestas situações há diminuição da TFG e diminuição da
ao tubo distal, ou seja, aqueles que não são devidos a expan- chegada de Na+ ao tubo distal, com expansão de volume o
são de volume, o exemplo mais comum é o uso de diuréticos que vai frenar a libertação de mineralocorticoides. Estes dois
que actuam antes do tubo distal. Nestes casos, há uma inibi- mecanismos – diminuição do Na+ no tubo distal e diminuição
ção da reabsorção de Na+ e portanto mais Na+ vai chegar ao de mineralocorticoides — levam à diminuição da excreção de
tubo distal; concomitantemente há deplecção de volume o K+ e hipercalemia.
que leva ao aumento de mineralocorticoides. Há aumento de
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Capítulo 05 //

Cerca de 95% dos casos de alterações do K+ sérico são atribuí-


veis a um destes 4 cenários; a única excepção são as situa-
ções raras em que há um tubo colector cortical anormal. Estes
casos serão apresentados mais adiante.

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Capítulo 05 //

Hipocalemia
Definição Causas
1. Pseudohipocalemia
K+ plasmático < 3,5 mmol/L
Ocorre nos casos de aumento maciço dos leucócitos, por exem-
plo leucemias. É raro.
Riscos associados
2. Entrada de K+ nas células
Disritmias (essencial realizar ECG para pesquisar alterações as-
sociadas a risco aumentado – Fig 5.2) Alcalose associa-se frequentemente a hipocalemia. Um dos
Fraqueza muscular mecanismos pelo qual ocorre é a entrada de K+ nas células,
mas este mecanismo é pouco relevante. A hipocalemia deve-
Íleo paralítico
se a perdas renais.
Estados anabólicos ocorrem em casos de proliferação celular
rápida, por exemplo linfoma de Burkitt, leucemias.
Paralisia periódica hipocalemica caracteriza-se por ataques in-
termitentes de paralisia muscular e hipocalemia. Há duas for-
mas: autossómica dominante que é rara e a associada à tir-
eotoxicose.

É interessante verificar que um doente com paralisia periódica


hipocalemica fica paralisado com um K+ sérico de 2,5mEq/L o
que não acontece nos casos de défice de K+. A justificação
Fig. 5.2 | Alterações electrocardiográficas na hipocalemia
/ 93 | Hipocalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 05 //

prende-se com o gradiente de K+: Nos casos de deplecção o K+ 4. Perdas gastrointestinais


diminui tanto dentro como fora da célula e portanto o gradiente
Diarreia/fístulas digestivas
não se altera, mas nos casos de paralisia periódica hi-
pocalemica o K+ entra para a célula com aumento de K+ intrace- É habitualmente evidente pela história clínica, mas há casos ra-
lular e diminuição de K+ extracelular. Esse aumento de gradi- ros de uso surreptício de laxantes em que a perda GI de K+ não
ente de K+ hiperpolariza as células e por isso os efeitos neu- é tão evidente. Nestes casos o diagnóstico faz-se facilmente
rológicos são mais graves. doseando o K+ na urina – uma concentração de K+ inferior a
20mmol/L num doente com hipocalemia faz o diagnóstico de
Gradiente de K+ perdas extra-renais.

Vómitos

Causam hipocalemia, mas a perda de K+ é renal como veremos


adiante.

A causa mais comum de hipocalemia são as situações que


cursam com perdas gastrointestinais.

3. Diminuição da ingestão 5. Perdas renais

São causas comuns de hipocalemia. Neste caso não há história


É uma causa rara nas sociedades ocidentais. Ocorre mais fre-
de perdas GI e a concentração de K+ na urina é superior a 20
quentemente se associada a perda digestiva de K+.
mmol/L, num doente com hipocalemia. O diagnóstico diferencial
destas situações será fácil tendo em conta os cenários de que

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Capítulo 05 //

falamos anteriormente. O que precisamos de distinguir é se es- b) Hiperaldosteronismo primário


tamos perante um caso de aumento primário de mineralocorti-
Este tipo de alteração é a mais comum. Encontramos ren-
coides ou um caso de aumento primário de Na+ no tubo distal.
ina baixa e aldosterona aumentada. Os diagnósticos difer-
Estas situações distinguem-se facilmente já que no primeiro
enciais serão o adenoma da supra-renal (Síndrome de
caso o doente apresenta-se com expansão de volume e HTA,
Conn) ou a hiperplasia adrenal bilateral. É importante dis-
no segundo pelo contrário estará depletado de volume e hipo-
tinguir as duas situações por métodos de imagem já que
tenso. Portanto, avaliando a TA teremos ideia do tipo de al-
o tratamento do primeiro é cirúrgico e do segundo é espi-
teração presente.
ronolactona. O outro diagnóstico possível é uma doença
Aumento primário de mineralocorticoides
 genética rara – hiperaldosteronismo supressível com glu-
Quando constatamos que há hipocalemia por perdas renais cocorticoides – caracterizada pela síntese de aldosterona
associada a expansão de volume e portanto suspeitamos de dependente da ACTH. O tratamento consiste em adminis-
aumento primário de mineralocorticoides, em seguida deve- trar corticoides de forma a frenar a ACTH.
mos medir os níveis de renina e aldosterona. Isto vai
c) Aumento primário de um mineralocorticoide que não
permitir-nos diferenciar 3 grupos de patologias:
a aldosterona
a) Hiperreninismo primário
Neste grupo de patologias encontramos renina e al-
Neste grupo há aumento da renina e da aldosterona que dosterona baixas, o que significa que existe uma hor-
não é devido a contracção de volume. Temos sempre que mona com actividade mineralocorticoide responsável
excluir deplecção de volume, que alguns casos pode ser pela hipocalemia e HTA. As condições que causam este
subtil. Há aumento primário da renina. Os diagnósticos dif- tipo alteração são o Síndrome de Cushing (a mais
erenciais são HTA maligna e tumores produtores de ren- comum) e défices de enzimas que participam na síntese
ina. de mineralocorticoides (défice de 11- β -hidroxilase e de
17-α-hidroxilase).

/ 95 | Hipocalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

Há duas outras condições que se comportam desta forma: No tubo contornado distal temos um cotransporte de Na+ e Cl-.
É este transportador que é inibido pelos diuréticos tiazídicos, re-
1. Síndrome de Liddle , que se caracteriza por uma al-
sultando igualmente uma maior quantidade de sódio no tubo
teração nos canais de Na+ do tubo colector cortical, que
colector cortical (Fig. 5.4).
têm uma maior avidez para o Na+, desta forma, neste seg-
mento, é reabsorvido mais Na+ e secretado mais K+.

2. Excesso de mineralocorticoides – há défice da enzima


tecidular que inactiva o cortisol. O cortisol que não é inacti-
vado actua nos receptores da aldosterona comportando-
se como um mineralocorticoide.

Aumento primário do Na+ no tubo distal



Os diuréticos tiazídicos e de ansa são a causa mais frequente
de hipocalemia. Há inibição da reabsorção de sódio, chegando
portanto mais sódio ao tubo distal, associado a deplecção de
volume e consequente aumento da aldosterona. Para melhor
compreensão, vamos rever de forma rápida como actuam os
diuréticos ao longo do nefrónio. Transporte de sodio no ramo ascendente da ansa de Henle e local de blo-
Fig. 5.3 |
queio por diuréticos da ansa

Na ansa de Henle existe um transportador Na+/2Cl-/K+, que é ini-


bido pelos diuréticos da ansa. Desta forma aumenta a quanti-
dade de sódio intratubular que ultrapassa a capacidade de reab-
sorção no tubo contornado distal chegando ao tubo colector cor-
tical disponível para a troca com potássio (Fig. 5.3).

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Capítulo 05 //

A presença na urina de aniões que não foram reabsorvidos Diagnóstico diferencial


também condiciona um aumento do Na+ no tubo distal já que a
reabsorção proximal de Na+ está comprometida, é o que acon- O esquema da Fig. 5.5 esquematiza o que foi discutido.
tece nos casos de alcalose metabólica e uso de fármacos como
a carbenicilina. A presença destes aniões na urina aumenta a
electronegatividade do fluído tubular, assim a electroneurali-
dade é mantida à custa de um aumento da secreção de H+ e K+,
resultando em hipocalemia. Na acidose tubular renal (ATR), há
perda de bicarbonato na urina o que resulta em hipocalemia
pelo mesmo mecanismo.

O défice de magnésio também inibe a reabsorção de Na+ na


porção ascendente da ansa de Henle e por isso mais Na+ vai che-
gar ao tubo distal e consequentemente maior a excreção de K+.

Pensar no défice de magnésio quando tratamos a


hipocalemia, porque se este défice não for corrigido não
conseguiremos corrigir o défice de K+.

Há duas doenças hereditárias caracterizadas por defeitos tubu-


lares que também causam hipocalemia por aumento da che-
gada de Na+ ao tubo distal: síndrome de Bartter e o síndrome
de Giteleman, que são raras. Fig. 5.5 | Diagnóstico diferencial da hipocalemia

/ 97 | Hipocalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

Perante um doente com hipocalemia: Tratamento


1º. Saber se a perda de K+ é intestinal ou renal, se a história
O tratamento da hipocalemia consiste em repor o défice de K+.
clínica não é clara medir a concentração de K+ na urina.
Como o potássio é um catião predominantemente intracelular é
2º. Se a perda de K+ é renal, devemos avaliar o volume vascu- difícil calcular o défice de K+. O que se faz é administrar KCl e vol-
lar efectivo de forma a distinguir entre as situações causadas tar a fazer o doseamento do nível de K+, se continuar baixo ad-
por um aumento primário de mineralocorticoides ou por um
ministrar mais e assim sucessivamente, quantificando o défice
aumento do Na+ no tubo colector.
pela necessidade de reposição até à normalização.
3º. se o doente se apresenta com um aumento do volume arte-
rial efectivo, frequentemente com HTA, medir a renina e al-
dosterona. O KCl pode ser administrado por via oral ou ev, a escolha da via
de administração depende da gravidade da hipocalemia. A via
4º. se o doente está deplectado de volume vamos medir o bi-
carbonato sérico: oral só deve ser usada se existem ruídos intestinais. Quando o
KCl é usado por via ev devem-se cumprir as seguintes regras:
se for baixo é uma acidose tubular renal;
a. por veia periférica NÃO deve ser administrada concen-
se for alto, o que é muito mais comum, é uma das hi-
tração superior a 60 mmol/L, porque pode causar flebite;
pocalemias por aumento do Na+ no tubo colector.
b. nos doentes com hipocalemia grave (K+ < 2,5 mmol/L)
5º. se a história clínica não permite diferenciar, devemos medir
e/ou com disritmia, é necessária monitorização cardíaca;
o Cl- na urina:
c. o ritmo de perfusão não deve ultrapassar os 10-20
se o Cl- for baixo significa que há outro anião na urina que
mmol/h excepto nos casos de disritmias com risco de vida;
impediu a reabsorção do Na+, é o que se passa na alcalose
ou durante a administração de fármacos que se comportam d. se há acidose e hipocalemia, isto significa que o défice
como aniões não reabsorvíveis. de K+ é muito grande;

/ 98 | Hipocalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

e. se a correcção da acidose exigir administração de bicar-


bonato, corrigir sempre primeiro a hipocalemia ou va-
mos agravar ainda mais o défice de K+;

f. se coexistir hipomagnesemia administrar sulfato de


magnésio.

/ 99 | Hipocalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

Hipercalemia
Definição

K+ > 5,5 mmol/L

Riscos associados

Paragem cardíaca
Disritmias
Fraqueza muscular
Fig. 5.6 | Alterações electrocardiográficas na hipercalemia

Alterações electrocardiográficas

Ondas T altas e pontiagudas


Desaparecimento da onda P
Alargamento do QRS
Assistolia/Fibrilação ventricular

/ 100 | Hipercalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

Causas Diminuição primária do Na+ no tubo colector



Insuficiência renal aguda:

1. Pseudohipercalemia Quando é oligúrica, há diminuição da chegada de sódio ao
tubo colector e consequentemente diminuição da secreção
Deve-se habitualmente a hemólise durante a colheita.
de K+. A hipercalemia é frequente. 

Ocorre também nos casos de leucocitose ou trombocitose Insuficiência renal crónica:

massivas.
Há diminuição da filtração glomerular e consequentemente
diminuição da chegada de sódio ao tubo colector; acresce
2. Saída de K+ das células que o nº de nefrónios funcionantes é menor e portanto me-
nos tubos colectores funcionantes para secretar potássio.
Esta é a causa mais frequente de hipercalemia aguda.
Esta situação é contra-balançada por vários mecanismos de
Situações em que há destruição celular massiva: rabdomióli- defesa:
se, hemólise, síndrome de lise tumoral, isquemia tecidular
aguda... os tubos colectores remanescentes adquirem maior ca-
Cetoacidose diabética pacidade de excretar K+

Paralisia periódica hipercalemica - rara a redistribuição celular é mais rápida nos doentes com
IRC
a excreção intestinal de K+ é maior nos doentes com IRC
3. Retenção renal de K+
Desta forma a hipercaliemia é incomum até que a TFG seja in-
Diminuição primária de mineralocorticoides 
 ferior a 5mL/min. A ocorrência de hipercalemia em doentes
A diminuição primária de mineralocorticoides ocorre mais fre- com IRC e TFG > 10mL/min deve-se normalmente a níveis de
quentemente no hipoaldosteronismo hiporreninémico, cuja aldosterona baixos, lesões no tubo colector ou utilização de
causa mais comum é a nefropatia diabética. Na doença de fármacos que causam hipercalemia.
Addison em que há falência da supra-renal também há défi-
ce de mineralocorticoides.

/ 101 | Hipercalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

Tubo colector anormal 
 O estudo RALES publicado em 1999 mostrou que a adição de
Doenças genéticas raras e casos de nefrites tubulo-intersti- 25 mg de espironolactona aos IECAs reduzia a mortalidade
ciais que destroem o tubo colector. nos doentes com insuficiência cardíaca. No entanto, o numero
de doentes hospitalizados por hipercalemia aumentou de
Fármacos
2.4/1000 em 1994 para 11/1000em 2001 e a mortalidade por
Diuréticos poupadores de K+
hipercalemia de 0.3/1000 para 2.0 / 1000. Isto coloca um dile-
IECA’s
ma terapêutico, porque os doentes de mais risco são também
Ciclosporina os que mais beneficiam com a terapêutica. O risco aumenta de
forma significativa quando a filtração glomerular é inferior a
30 mL/min.

Medidas para minimizar o risco de hipercalemia em doentes


com IC a tomar 25 mg de espironolactona:

Vigiar função renal;


Vigiar com frequência o potássio se TFG < 30 mL/min;
Suspender outras drogas que provocam hipercalemia (AINEs;
medicamentos de ervanário, substitutos do sal);
Acrescentar furosemida;
Se há insuficiência renal e acidose – administrar bicarbonato
de sódio;
Fig. 5.7 | Transporte de sódio no tubo colector cortical Após início de IECA /ARA II:
Usar dose baixa;
Este canal de Na+ (Fig. 5.7) é inibido pelos diuréticos amilorido Dosear potássio na semana seguinte.
e triantereno, resultando neste caso numa diminuição da se-
Uso de resina permutadora de iões – é mal tolerada e o uso
creção de K+ e hipercalemia. crónico provoca erosão da mucosa do tubo digestivo.
/ 102 | Hipercalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 05 //

Abordagem 3. Remover do K+ do organismo

Iniciar resina permutadora de iões (até 6/6h) por via oral:


Para efeitos práticos podemos dividir a hipercaleémia em agu-
25-50g em 100 mL de lactulose ou, por enema: 50 g em
da ou sustentada. Se o doente com hipercalemia está assinto-
150 mL de água tépida.
mático e consegue andar, isto significa que a hipercalemia é
sustentada e o diagnóstico diferencial é entre as situações de Hemodiálise.
défice de mineralocorticoides e anomalias do tubo colector.

Tratamento da hipercaliemia crónica


Tratamento da hipercaliemia aguda
Avaliar a pressão arterial:
O tratamento da hipercalemia aguda (vide Cap. 2) destina-se a: se o doente é hipotenso, ou tem hipotensão ortostática, o

1. Bloquear os efeitos do K+ na membrana celular diagnóstico provável é um défice de mineralocorticoides e


portanto o tratamento é fludrocortisona.
administrar gluconato de cálcio a 10%, 1 ampola (= 1 g = 10
ml), em perfusão de 2-3 min. Efeito em segundos. se o doente é hipertenso, tratamos com diuréticos da ansa
para aumentar a chegada de Na+ ao tubo colector cortical, e
desta forma aumentar a excreção de K+. A administração de
2. Promover a entrada de K+ nas células bicarbonato de sódio também é util porque corrige a acidose
que muitas vezes se associa a estas situações e pode contri-
Perfundir 500 mL de soro glicosado a 5% (se o doente tem
buir para o aumento da chegada de Na+ ao tubo colector.
hiperglicemia deverá ser em SF) com 10 U de insulina regu-
lar, durante 1-2 h.

Nebulização com 5 mg (= 1mL) de salbutamol durante 30


min ou administrar bicarbonato (em caso de acidemia).

/ 103 | Hipercalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 05 //

Bibliografia Recomendada

Nephrology self-assessment program, Vol 5, Nº 1, Jan 2006.

Clinical Phisiology of acid-base and electrolyte disorders, Burton David Rose, Theodore W. Post. NEPHSAP, Vol 15, Jan 2006

/ 104 | Hipercalemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 06 //

Sódio

OBJECTIVOS:

Compreender os princípios fisiológicos que regem a osmolarida- Saber traçar um algoritmo de abordagem diagnóstica nas hipo-
de dos líquidos corporais natremias e nas hipernatremias

Conhecer o funcionamento básico do nefrónio no controlo da Conhecer os riscos associados ao tratamento e definir planos te-
água e dos solutos rapêuticos adequados a cada situação

Entender os mecanismos fisiopatológicos das alterações do só-


dio mais frequentes na prática clínica

>
Capítulo 06 //

Fisiologia da osmolalidade dos


líquidos corporais
A célula está em contacto com o meio externo por meio de A osmolalidade de um líquido é definida por:
uma membrana permeável à água. A manutenção do conteú-
número de partículas osmoticamente activas por kg de solu-
do aquoso das células depende da relação entre solutos do
ção (mOsm/L)
interior da célula e do exterior. Estes solutos podem ser ma-
cromoléculas (como as proteínas e os fosfatos orgânicos) ou ser independente do tamanho das partículas
iões (como o potássio e o sódio). O funcionamento da célula corresponder à resistência dessa solução à perda de água
e o seu volume estão na dependência estrita da quantidade quando em confronto com outra através de uma membra-
de solutos ou partículas osmoticamente activas. na semi-permeável

Dizemos que uma partícula é osmoticamente activa quando A água desloca-se livremente entre os vários compartimen-
ela não se move livremente através das membranas celula- tos corporais de forma a manter osmolaridades iguais entre
res. Assim, ela “obriga” a água a manter-se no local onde se todos os compartimentos.
encontra. As partículas que mais contribuem para a osmolari-
dade intracelular efectiva são o potássio e os fosfatos. No es- A deslocação da água mantém a osmolaridade
intracelular igual à extracelular e à intravascular.
paço extracelular este papel é realizado quase totalmente
pelo sódio.
A osmolalidade pode ser calculada ou medida directamente,
numa solução.

/ 106 | Fisiologia da osmolalidade dos líquidos corporais | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelec- >
Capítulo 06 //

Osmolalidade calculada = 2 x [Na+] + Ureia/6 + Glicose/18 renças de osmolaridade entre os compartimentos intra e extra-
celular.

Gap osmótico = Osm medida – Osm calculada (= 5 a 10 mOsm/L)
Em situação normal, 95% da tonicidade do plasma é da respon-

A osmolaridade calculada por Kg de plasma corresponde, de fac- sabilidade do Na+. Deste modo, todas as hipernatremias cursam

to, a um volume de distribuição dos solutos pela fracção aquosa com hipertonicidade.

do plasma, a qual corresponde, em situações normais, a 93% Pelo contrário, as hiponatremias podem cursar com hipotonici-
do total do plasma. Os restantes 7% são a fracção lipídica e pro- dade, normotonicidade ou mesmo hipertonicidade (ex. hipergli-
teica. Por este motivo, a concentração real de sódio na água do cemia) do plasma.
plasma é de cerca de 154 mmol/L, o teor de sódio do Soro Fisio-
lógico. A tonicidade plasmática é objecto de um controlo estrito porque
o volume intracelular varia de forma proporcional mas na razão
A medição da osmolaridade do plasma não é realizada por roti- inversa da tonicidade plasmática. Se a tonicidade plasmática au-
na nos nossos laboratórios. Assim, na prática clínica usa-se a os- menta o volume intracerebral diminui proporcionalmente (por
molaridade calculada, que normalmente varia entre os 280 e perda de água) e vice-versa.
290 mOsm/L.
As variações do volume celular cerebral são responsáveis
A osmolaridade efectiva do plasma, também conhecida como
pelas manifestações clínicas das alterações da tonicidade do
tonicidade, é conferida pelas partículas que não se difundem fa-
plasma, podendo causar lesões irreversíveis e morte!
cilmente entre os compartimentos: em situações normais são o
Na+ e a glicose.

Tonicidade = Osmolaridade efectiva

A ureia, que aparece na fórmula do cálculo da osmolaridade do


plasma, não é um osmolito efectivo uma vez que a membrana
celular lhe é muito permeável. Assim, a ureia não provoca dife-
/ 107 | Fisiologia da osmolalidade dos líquidos corporais | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelec- >
Capítulo 06 //

Osmolaridade e volémia O funcionamento do nefrónio depende:


do aporte tubular (filtrado glomerular)
O organismo desenvolveu mecanismos para controlo da osmola-
ridade que dependem, sobretudo, da regulação (ingestão e elimi- da reabsorção de sódio no segmento ascendente da ansa de
nação) da água. Estes mecanismos controlam a sede e a elimi- Henle e da presença da ADH (Fig. 6.1).
nação de água pelo rim.

A osmolalidade é controlada de forma integrada pelos seguin-


tes mecanismos:

Sede e acesso à água dependente da activação de osmorre-


ceptores do hipotálamo;
Produção de Hormona Anti-Diurética (ADH ou Vasopressina)
por estimulação dos mesmos osmorreceptores. A ADH induz o
aparecimento de poros de permeabilidade à água nas células
tubulares dos tubos colectores dos nefrónios.

Qualquer alteração destes mecanismos pode influenciar a regu-


lação da água. Em situações normais o rim tem capacidade de
variar a excreção de água até 50 vezes (400 mL a 20 L) e a os-
molaridade da urina até 35 vezes (35 a 1200 mOsm/L). Mecanismos de controlo da água pelo nefrónio. (in Gauthier PM, Szerlip
Fig. 6.1 |
HA. Common electrolyte disorders. In: Hospital Medicine. Watcher RM, Goldman L,
Hollander H, Eds. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2000: 859-869)

O rim filtra por dia cerca de 145 L de água (4 vezes a água corpo-
ral total). Destes, cerca de 99% são recuperados. Os tubos proxi-
mais reabsorvem cerca de 95 L e a ansa de Henle mais 30L. 

/ 108 | Fisiologia da osmolalidade dos líquidos corporais | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelec- >
Capítulo 06 //

Aos túbulos distais chegam no máximo 20 L, dos quais 19,5L Os diuréticos tiazídicos actuam nos túbulos contornados dis-
podem ser reabsorvidos até aos tubos colectores, quando tor- tais, inibindo a reabsorção de sódio. Desta forma, provocando
nados permeáveis à água por acção da ADH. A reabsorção de aumento do teor de sódio no líquido que chega aos túbulos co-
água neste local é feita de forma passiva, graças ao gradiente lectores, promovem menor reabsorção passiva de água e origi-
hiperosmolar do interstício medular renal, gerado pela reabsor- nam perda de sódio superior à de água. Por este motivo são
ção activa de sódio na ansa de Henle. uma das causas de hiponatremia nos doentes que continuam
a ingerir água.
Por dia, são eliminados cerca de 600 mOsm de solutos, deriva-
dos do metabolismo. Sendo a concentração máxima de urina A volémia (volume intravascular efectivo) depende sobretudo
de cerca de 1200 mOsm/L, o volume mínimo de urina diária da quantidade de solutos osmoticamente activos desse espa-
para que não haja acumulação de solutos é de 500 mL. ço. O sódio é o seu principal constituinte e, assim, a volémia
está controlada por mecanismos que regulam a eliminação ou
Na insuficiência renal, a baixa da filtração glomerular é com-
reabsorção de sódio pelo rim.
pensada por este “excesso” de filtrado diário. Só em níveis gra-
ves de insuficiência renal é que os nefrónios “restantes” não A osmolalidade é regulada pelo controlo da água.
conseguem regular o metabolismo do sódio e da água adequa- A volémia é regulada pelo controlo do sódio.
damente.
A volémia é proporcional à quantidade de sódio corporal total
Os diuréticos de ansa inibem a reabsorção tubular de sódio no e tem 4 sistemas de controlo:
segmento ascendente da ansa de Henle. Desta forma, impe-
1. ADH
dem a formação do gradiente hiperosmolar do líquido interstici-
al medular renal. Assim, o efeito final e predominante dos diu- 2. Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona
réticos de ansa é promover perda de água livre superior à de 3. Sistema Adrenérgico
sódio; ou seja, promovem uma urina menos concentrada, bai-
4. Sistema de Peptídeos Natriuréticos.
xando a osmolaridade máxima da urina para cerca de metade
da que teria sem o seu efeito.

/ 109 | Fisiologia da osmolalidade dos líquidos corporais | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelec- >
Capítulo 06 //

O sistema de controlo da osmolaridade e o sistema de contro- canismo contribui para a correcção das hiponatremias com hi-
lo da volémia coincidem em muitos pontos e podem concorrer povolémia.
ou competir um com o outro.

A osmolalidade plasmática, sendo vital para o funcionamento


celular e, nomeadamente, do sistema nervoso, é estritamente
controlada. Variações de apenas 2% da osmolaridade são ime-
diatamente detectadas pelos osmorreceptores cerebrais que
desencadeiam mecanismos neurohormonais para o seu contro-
lo. Os mecanismos de controlo da volémia são, da mesma for-
ma, desencadeados por variações de apenas 10% da mesma.

A ADH é comum aos dois sistemas. A resposta da ADH à eleva-


ção da osmolaridade é linear, mas a resposta à hipovolémia é Comparação das respostas da ADH ao aumento da osmolalidade e à hipo-
Fig. 6.2 |

exponencial. Assim, em situações extremas, o estímulo da hi- volémia (in Kokko JP. Fluids and electrolytes. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil
Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB Saunders, 2004: 669-687)
povolémia sobrepõe-se ao estímulo osmolar (Fig. 6.2).

A hipovolémia grave é um estímulo mais potente do que a


hiperosmolaridade para a secreção de ADH.

Isto significa que um doente hipovolémico pode ter excesso de


ADH em relação ao que seria necessária pela osmolaridade
plasmática. Estes doentes podem apresentar hiponatremia e
hiposmolaridade por esse facto. Nestes casos, a expansão vas-
cular produz frenação da ADH e diurese de água livre. Este me-

/ 110 | Fisiologia da osmolalidade dos líquidos corporais | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelec- >
Capítulo 06 //

Hiponatremia
Definição mia) e do estado do líquido extracelular (LEC), que reflete aque-
le mas também a permeabilidade capilar (3º espaço).

[Na+] no plasma < 135 mmol/L.


A activação dos mecanismos de controlo da volémia (barorre-
ceptores carotídeos e auriculares) depende da volémia efectiva
Fisiopatologia e não do volume do LEC ou da osmolaridade plasmática.

A hiponatremia pode ocorrer em doentes com sinais de:


A hiponatremia corresponde, regra geral, a um excesso de água
corporal em relação à quantidade de sódio. A hiponatremia re- Diminuição do LEC (habitualmente também com hipovolémia);
flecte quase sempre uma incapacidade de excretar a água inge- LEC normal (incluindo euvolémia);
rida, por perturbação de um dos mecanismos de controlo da os-
Aumento do LEC.
molaridade que vimos no capítulo sobre a regulação da água e
do sódio. Na maioria dos casos (cerca de 80%) está associada a Neste último caso é vulgar a designação “hiponatremia com hi-
excesso relativo ou absoluto de ADH em relação àquilo que se- pervolémia”, que é incorrecta porque embora na realidade pos-
ria esperado para o valor de osmolaridade plasmática. Isto signi- sa haver aumento do volume de água corporal, o volume intra-
fica que há um mecanismo de hipersecreção da ADH que se so- vascular efectivo pode estar reduzido, estando a água em exces-
brepõe à regulação normal da osmolaridade. so distribuída pelo 3º espaço. Nestes casos, de facto, podem
funcionar mecanismos fisiopatológicos de hipovolémia efectiva,
com aumento da ADH.
A diminuição do volume intracelular (desidratação) deve ser dis-
tinguida da diminuição do volume vascular efectivo (hipovolé-

/ 111 | Hiponatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 06 //

Diagnóstico de hiponatremia em mulheres idosas está associado a uma


predisposição particular com manutenção de ingestão de
A abordagem diagnóstica da hiponatremia obriga a 3 passos: água apesar do tratamento diurético. São causas recentes
de hiponatremia o consumo de ectasy e a ingestão excessi-
1. Avaliação dos dados clínicos para identificação de causa(s) va de bebidas hipotónicas durante uma corrida de maratona.
prováveis.
A presença de vómitos ou diarreia pode orientar para a pre-
2. Avaliação do estado de volémia e hidratação. sença de uma hiponatremia hipovolémica, com perda de
3. Avaliação laboratorial. água e de sódio, sendo este último predominante.
O uso de diuréticos ou outros fármacos pode explicar a hipo-
natremia. Assim, num doente que usava diuréticos de ansa,
1. Dados clínicos
a depleção de volume pode levar a aumento da ADH e, após
Na história clínica dos doentes com hiponatremia devem ser suspensão do diurético, este mecanismo de correcção da hi-
povolémia dar origem a hiponatremia. Do mesmo modo, al-
tidos em conta os seguintes aspectos, por serem orientadores
guns fármacos são, eles próprios, estimuladores da liberta-
para as causas mais frequentes de hiponatremia:
ção da ADH e podem originar um SIADH (ex. ciclofosfamida).
Distinguir uma hiponatremia de instalação em ambulatório
Um aspecto fundamental para o tratamento é o tempo de
ou em internamento. De facto, as hiponatremias desenvolvi-
instalação. As manifestações da hiponatremia são tanto mai-
das em ambulatório têm um leque maior de causas, sendo
ores quanto mais rápida for a sua instalação e o ritmo de cor-
mais frequentes as associadas ao uso de diuréticos tiazídi-
recção deverá seguir a mesma regra. Assim, será importante
cos e as hiponatremias por hiperglicemia ou por insuficiência
tentar perceber por análises anteriores e pela clínica o tempo
cardíaca ou hepática. Em internamento, pelo contrário, as hi-
de instalação da hiponatremia. Iremos ver, no entanto, que a
ponatremias são na sua maioria por secreção inapropriada
divisão das hiponatremias em mais ou menos de 48h de ins-
de ADH (SIADH) ou por administração indevida de soros hipo-
talação é difícil e de utilidade relativa.
tónicos.
Finalmente, é fundamental ter uma história detalhada dos an-
É fundamental inquirir sobre a ingestão de água ou adminis-
tecedentes patológicos, uma vez que as doenças endócrinas,
tração de soros. Sabemos que, por exemplo, o aparecimento
a insuficiência renal, hepática ou cardíaca são causas fre-

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Capítulo 06 //

quentes de hiponatremia. Na avaliação de um SIADH é funda- 3. Avaliação laboratorial


mental, igualmente, a história de patologias do sistema nervo-
so central (SNC), pulmonares ou infecciosas. A avaliação duma hiponatremia pode exigir recurso aos seguin-
tes exames auxiliares:

2. Volémia e hidratação No sangue:

Ionograma completo, glicose e ureia plasmáticos (para cálcu-


O médico deve avaliar:
lo da osmolaridade) e medição directa da osmolaridade plas-
turgor cutâneo, hidratação da pele e mucosas mática;
hipotensão e/ou taquicardia ortostática Ácido úrico (ajuda a definir o estado da volémia);
pressão venosa jugular Proteínas e lípideos plasmáticos;
sinais de hipoperfusão periférica e central (renal e cerebral) Presença de hipocalemia, hipercalemia ou acidose são con-
presença de edemas tra o diagnostico de SIADH.

A avaliação deve permitir classificar o doente com: Na urina:

LEC diminuído / LEC normal / LEC aumentado Osmolaridade, sódio, potássio e creatinina;
Cloro — dá indicação de depleção de volume na alcalose me-
tabólica, em que o Na+ urinário está aumentado por estar a
ser excretado com bicarbonato.

Estes exames laboratoriais permitem avaliar se estamos em pre-


sença de uma hiponatremia hipo, normo ou hipertónica. O do-
seamento de proteínas e lípideos permite excluir uma hiponatre-
mia fictícia, por aumento da fracção não aquosa do plasma. A
osmolaridade urinária permite distinguir as hiponatremias por

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Capítulo 06 //

diluição com aporte exagerado de água livre (potomania, soros


hipotónicos) das hiponatremias com aumento relativo da ADH.
Finalmente, o sódio urinário vai permitir distinguir hiponatremia
com LEC diminuído de tipos diferentes (ver algoritmo).

O estudo analítico deve permitir classificar as hiponatremias


em:
Hipotónicas - Isotónicas - Hipertónicas

Tendo realizado estes 3 passos, pode-se orientar a estratégia


diagnóstica de acordo com o algoritmo proposto. Este algoritmo
permite obter rapidamente a compreensão dos mecanismos
que poderão estar a provocar a hiponatremia e orientar o estu-
do para causas mais restritas.

Fig. 6.3 | Algoritmo de abordagem diagnóstica da hiponatremia


(Adaptado de Gauthier PM, Szerlip HA. Common electrolyte disorders. In Hospital
Medicine. Wachter RM, Goldman L, Hollander H, Eds. Philadelphia: Lippincott Wil-
liams & Wilkins, 2000: 859-869)

/ 114 | Hiponatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 06 //

Explicação do Algoritmo (Fig. 6.3): Os casos de hiponatremia hipotónica são os mais frequentes.
Correspondem aos casos de osmolaridade verdadeiramente
A osmolaridade plasmática poderá apresentar um valor nor-
baixa.
mal, elevado ou diminuído:

Osmolaridade normal = Hiponatremia isotónica Este tipo de hiponatremia pode ser devido a dois grandes me-
canismos:
Acontece quando o Gap osmótico está elevado (> 10). É o caso
da pseudo-hiponatremia por aumento da fracção não aquosa 1. Aumento exagerado da ingestão de água (polidipsia psicogé-
do plasma (> 7%) na hiperlipidemia ou hiperproteinemia gra- nea ou potomania de cerveja). 

ves. O diagnóstico depende do contexto e da medição das pro- Neste caso o rim responde adequadamente eliminando uma
teínas e lípideos plasmáticos. urina maximamente diluída, com osmolaridade inferior a 100
mOsm/L.
Osmolaridade elevada = Hiponatemia hipertónica
2. Perturbação da excreção de água. Acontece na maioria dos
Se a osmolaridade real está elevada, o sódio diminuiu como casos de hiponatremia. De facto, as hiponatremias têm quase
forma de compensação. Estes casos correspondem à presença sempre associado um mecanismo que impede a normal excre-
de um soluto com actividade osmolar efectiva limitada ao com- ção de água. Podemos sistematizar estes mecanismos em
partimento extra-celular. Correspondem a cerca de 15% das dois grupos:
hiponatremias e a causa mais frequente é a hiperglicemia. Na
2.1 Diminuição da função tubular (insuficiência renal cróni-
hiperglicemia a Na+ plasmático baixa cerca de 2,4 mmol/L por
ca avançada)
cada 100 mg/dL de elevação da glicemia.
2.2 Elevação persistente da ADH. Neste, duas situações
Osmolaridade baixa = Hiponatremia hipotónica podem acontecer:

2.2.1 Deplecção efectiva do volume



Neste caso o mecanismo de secreção da ADH dependen-
/ 115 | Hiponatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 06 //

te da hipovolémia grave sobrepõe-se ao mecanismo da molaridade. O diagnóstico de SIADH coloca-se nos


osmolaridade. Como têm acções de sentidos contrários, o doentes com LEC normal, com osmolaridade urinária
valor de ADH encontra-se acima do que seria necessário > 300 mOsm/L (sempre superior à do plasma) e habi-
para manter uma osmolaridade plasmática normal. O rim tualmente próxima de 600 mOsm/L. O doente tem
reabsorve maior proporção de água, o que provoca a hipo- hipouricemia associada. Devem ser excluídas outras
natremia hipotónica. Na prática clínica este mecanismo é causas de hiponatremia com LEC normal (diagnósti-
muito frequente e pode encontrar-se em doentes com: co de exclusão).
a) aumento do LEC:
CAUSAS DE SIADH
insuficiência cardíaca
Neoplasias

cirrose hepática
Pulmão, mediastino, extra-torácicas
síndrome nefrótico
Doenças do Sistema Nervoso Central

b) diminuição do LEC: Psicose aguda, LOEs, doenças desmielinizantes e inflamatóri-
as, AVC hemorrágico ou isquémico, TCE
por perda renal: diuréticos, nefropatia com perda de
sal, bicarbonatúria, cetonúria Drogas 

Desmopressina, ocitocina, inibidores das prostaglandinas, nico-
por perda extra-renal: diarreia, vómitos, hemorragia, tina, triciclicos, fenotiazinas, inibidores da recaptação da sero-
sequestração para o “terceiro espaço”, uso remoto de tonina, derivados opióides, clofibrato, clorpropamida, carbama-
diuréticos zepina, ciclofosfamida, vincristina
2.2.2 Volume circulante normal
 Doenças pulmunares

Podem ocorrer as seguintes situações: Infecções, insuficiência respiratória aguda, ventilação com
pressão positiva
SIADH = síndrome de secreção inapropriada de ADH
Outras

é a entidade isolada mais frequentemente responsá-
Pós-operatório (Após a maioria das cirurgias há libertação não
vel por hiponatremia nos doentes internados. Neste
osmótica de ADH, que se mantém durante 2 dias. É importan-
síndrome o doente está euvolémico mas apresenta
te estes doentes não fazerem soros hipotónicos), dor, náusea
uma causa farmacológica ou uma patologia que esti-
severa, infecção VIH.
mula a secreção de ADH independentemente da os-

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Capítulo 06 //

Tiazidas: Há doentes, particularmente mulheres ido- tremia crónica moderada (Na+ > 125 mmol/L) assinto-
sas, que desenvolvem hiponatremia grave horas ou mática que tende a voltar sempre a um valor fixo
dias após início de tiazidas. Este síndrome associa quando se tenta a correcção.
uma predisposição de causa não esclarecida à de-
Como vimos, com a medição da osmolaridade urinária pode-
plecção de potássio, estimulação da sede e manuten-
mos descartar os casos de aumento de ingestão de água livre.
ção de ingestão de água apesar da hiponatremia. Os
sintomas mais frequentes são: mal estar, letargia,
tonturas, vómitos, confusão mental, quedas. Nos restantes casos, a urina tem osmolaridade > 100 mOsm/L.
O passo seguinte será a avaliação do estado do líquido extra-
Insuficiência Supra-renal e Hipotiroidismo: Nestes ca-
celular (LEC) do doente.
sos o mecanismo não é claro. A presença de sinais
clínicos são pistas a explorar (por ex. hipercalemia). A avaliação do LEC permite classificar os doentes em:
Cortisol sérico “normal” em doente com doença agu-
LEC diminuído: O mecanismo é sempre a elevação da ADH. De-
da, não exclui diagnostico de insuficiência supra-re-
vemos medir o sódio urinário, que nos permitirá distinguir os
nal. É necessário, se a causa não for evidente, fazer
casos de perda renal ou extrarenal.
prova de estimulação.
[Na+] urinário < 10 = o rim está a reabsorver sódio, o que su-
Alteração do osmostato: A alteração do osmostato é
gere uma causa extrarenal: Vómitos, diarreia, hemorragia, ter-
uma causa não rara de hiponatremia. É mais frequen-
ceiro-espaço.
te em doentes idosos e corresponde a um novo “set”
do valor “normal” de osmolaridade pelos receptores [Na+] urinário > 20 = o rim não está a reabsorver sódio, o que
hipotalâmicos. Calcula-se que cerca de 1/3 dos casos sugere uma causa intrínseca renal: diuréticos, diurese osmóti-
aparentes de SIADH sem causa identificada corres- ca (bicarbonato, cetonúria…), nefropatias perdedoras de sal
pondem a este síndrome. Trata-se de uma situação (poliquistose, pielonefrite crónica, uropatia obstrutiva, aci-
benigna, que não requer tratamento. A suspeita des- dose tubular renal tipo II, “Cerebral Salt Wasting”).
te mecanismo deve ocorrer em presença de hipona-

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Capítulo 06 //

No síndrome denominado “cerebral salt wasting” a hipona- LEC aumentado: Nestes doentes, apesar da retenção de volu-
tremia surge com frequência após a 1ª semana nos doentes me extracelular há hipovolémia funcional. As causas principais
com hemorragia subaracnoideia. Por diminuição do tono são:
simpático e/ou aumento de libertação de factores natriuréti- Insuficiência cardíaca congestiva
cos há diminuição da absorção de sódio com depleção de
Cirrose hepática
volume. A mesma diminuição do tono simpático explica que o
Síndrome nefrótico
sistema renina angiotensina aldosterona não seja activado.
Apesar da excreção de sódio estar aumentada e haver défice Gravidez
de volume, não há hipocalemia por falta de aldosterona.

A Na+ urinário permite distinguir as causas intrínsecas


renais das extrarenais nas hiponatremias hipovolémicas

LEC normal: Esta forma de hiponatremia é a mais frequente em


doentes hospitalizados e a sua causa mais principal é o SIADH.
A causa pode ser:
SIADH
Insuficiência renal crónica, na qual os nefrónios restantes já
não conseguem diluir a urina abaixo de 200 - 250 mOsm/L. Se
a carga de solutos for baixa (desnutrição, anorexia) e a inges-
tão de água se mantiver, há retenção de água livre por não ha-
ver solutos necessários à sua excreção
Tiazidas
Insuficiência supra-renal ou Hipotiroidismo
Alteração do osmostato

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Capítulo 06 //

Clínica Os sintomas aparecem habitualmente com hiponatremias


inferiores a 125 mmol/L mas dependem da rapidez

As manifestações podem ser resumidas em gastrointestinais e de instalação.
neuropsiquiátricas, reflectindo estas o edema cerebral. São pro-
porcionais à rapidez de instalação da hiponatremia. Regra geral,

[Na+] > 125 mmol/L provoca apenas sintomas gastrointesti-


O cérebro adapta-se à hipoosmolaridade extracelular em dois nais: náuseas, vómitos, anorexia;

tempos: [Na+] < 125 mmol/L provoca sintomas neuropsiquiátricos.

1º. O neurónio perde solutos inorgânicos (electrólitos), sobretu- A progressão dos sintomas neuropsiquiátricos traduz a crescen-
do o potássio. Ocorre em horas e é rapidamente reversível. te gravidade:

2º. Perda de solutos orgânicos (osmolitos), sobretudo aminoáci- fraqueza muscular


dos e carbohidratos. Este mecanismo necessita da síntese de cefaleia
novos transportadores e demora dias. É responsável por 1/3 da
letargia
perda de volume celular cerebral na adaptação crónica à hipona-
tremia. A sua reversão é lenta e acarreta risco de edema cere- ataxia reversível
bral com mielinólise centro-pôntica se a correcção da osmolari- psicose
dade for demasiado rápida.
convulsões
coma
Nota: A amónia só pode ser eliminada das células cerebrais pela conversão
herniação supratentorial e morte
de glutamato a glutamina. A glutamina acumula-se nos astrócitos em res-
posta ao aumento de amónia contribuindo para o edema cerebral que com-
plica a insuficiência hepática aguda. Os níveis baixos de mioinositol, outro
osmolito cerebral, em resposta ao edema cerebral induzida pelo aumento
de glutamina explica a susceptibilidade dos insuficientes hepáticos à desmi-
elinização osmótica. (NEPHSAP-JASN vol 5 nº1 Janeiro 2006)

/ 119 | Hiponatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 06 //

Tratamento Há grupos de risco como mulheres pré-menopáusicas. É tam-


bém uma complicação do transplante hepático (até 10 % dos do-
Para correcção de uma hiponatremia é necessário realizar em entes). A desmielinização aparece estatisticamente associada a
simultâneo duas tarefas. correcções superiores a 12 mmol/L nas 24h (> 0,5 mmol/h). Em-
bora o risco seja maior na hiponatremia crónica (> 48 h), esta
1º tratar a causa da hiponatremia.
distinção é, na prática, artificial. De facto, em todos os casos
2º corrigir adequadamente a osmolaridade e a natrémia. não emergentes, o ritmo de correcção deve ser inferior a este
limite de segurança.

Considerações necessárias à correcta planificação do tratamen-


to: 2. Taxa adequada de correcção para minimizar o risco

Qual o risco de desmielinização osmótica? A taxa de correcção não deve ser baseada no facto da hipona-
Qual a taxa adequada de correcção para minimizar o risco? tremia ser aguda ou crónica. A excepção a esta regra será a ins-
talação da hiponatremia em internamento, com causa identifica-
Qual o melhor método para elevar a concentração de sódio
plasmático? da (por ex. administração de soros). O ritmo de correcção deve
ser baseado apenas nos sintomas. Nos doentes sintomáticos
deve ser feita correcção activa com soros até melhoria dos sinto-
1. Risco de desmielinização osmótica mas.

As manifestações clínicas da mielinólise centro-pôntica ocorrem


2 a 6 dias após a correcção e incluem: disartria, disfagia, para-
parésia ou tetraparésia, letargia e coma.

A taxa de correcção nas primeiras 24h é o critério mais impor-


tante para o aparecimento desta complicação grave.

/ 120 | Hiponatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 06 //

O ritmo de correcção das hiponatremias é decidido
 Em caso de correcção exagerada forçar de imediato,

pelos sintomas do doente.
 com soros hipotónicos, a baixa do sódio para os valores
No doente assintomático, a correcção não deve ultrapassar pretendidos.
8 a 12 mmol/L/dia.

No doente sintomático corrigir 1,5 a 2 mmol/h nas primeiras
3-4 h ou até melhoria dos sintomas.

3. Método para elevar a [Na+]
Manter sempre o objectivo de corrigir < 12 mmol/L/24h.

Avaliar resultado da correcção cada 4-6h e ajustar o plano. Como regra geral, a administração de soros hipertónicos só
está claramente indicada nos doentes sintomáticos. Nos res-
Há também situações em que a correcção tem de ser RÁPIDA: tantes, a escolha do método para elevar o sódio depende da
volémia do doente e deve seguir os seguintes princípios:
Hiponatremia hiperaguda (corredores de maratona)
Intoxicação pela água (doentes psiquiátricos; consumo de Doente hipervolémico: 

ecstasy) Restrição de água e administração de diurético de ansa. Este
Presença de convulsões vai produzir urina com osmolaridade cerca de metade da que
Presença de outra lesão cerebral (trauma; tumor; meningite) teria antes da sua utilização. Desta forma, promove perda de
água livre.
A resposta é dinâmica e como simultâneamente se corrige a
volémia (o que altera a regulação da ADH) a resposta renal
nem sempre é previsível, pelo que se deve monitorizar o iono- Doente hipovolémico:

grama para ajustar a intervenção em tempo útil. Dar prioridade ao que produz mais sintomatologia: hipovolé-
mia ou hiponatremia.
Em caso de correcção exagerada, se o valor de sódio for força-
do a baixar o mais precocemente possível para o valor preten- Se a hipovolémia é sintomática, deve ser feita expansão inici-
dido, com soros hipotónicos ou administração de DDAVP, isto al da volémia com soro isotónico (SF) até repor volémia. Esta
pode reduzir o risco de desmielinização. Uma vez instalados os reposição vai frenar a ADH e provocar, nas horas seguintes,
uma diurese de urina diluída com correcção adicional da hipo-
sinais, raramente são reversíveis.
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Capítulo 06 //

natremia. Se a correcção inicial da hipovolémia for feita com Nota: No SIADH a reposição tem que ser com soro hipertónico
soro hipertónico, pode resultar na subida do sódio por dois me- em relação à urina (que tem habitualmente 600 mOsm/L) ou,
canismos (expansão volémica + administração de sódio) e se em alternativa, soro fisiológico e redução da osmolaridade uri-
a correcção for exagerada há risco de mielinólise. nária com administração concomitante de diurético de ansa.

Nos casos em que a sintomatologia predominante é devida à


hiponatremia, deve ser feita uma correcção rápida inicial com Princípios gerais de escolha dos soros:
soro hipertónico em pequeno volume, pelo mesmo motivo an-
terior. Nas situações hiperagudas com convulsões (por exem- No tratamento da hiponatremia há muitas vezes necessidade
plo: corredores de maratona com ingestão excessiva de líqui- de repor também outros iões, nomeadamente o potássio. O po-
dos hipotónicos) – administrar soro hipertónico a 3 % (bolús tássio é o grande responsável pela osmolaridade intracelular
de 100 mL em 10 minutos. Se o quadro não melhorar, após ad- que se equilibra com a extracelular. Para efeitos de reposição, o
missão no hospital - infusão de soro hipertonico a 3% — 1-2 potássio do soro deve entrar na conta dos iões administrados.
mL/kg/hora).
Na literatura são propostas várias fórmulas para calcular a cor-
Ultrapassada a sintomatologia inicial e a urgência de correc-
recção da natremia. Na prática, um plano delineado com monitori-
ção, o défice deve ser reposto com soros hipertónicos em rela-
ção à osmolaridade plasmática, o que pode significar apenas zação periódica do ionograma e reajuste da estratégia é o mais
soro fisiológico. eficaz e seguro. Nenhuma fórmula pode entrar com todos os fac-
tores em acção, a dinâmica da resposta adaptativa e imponderá-
veis como as alterações da ADH e as perdas urinárias.
Doente Euvolémico:

No doente sintomático, devemos realizar reposição inicial com


soro hipertónico.
No doente assintomático, a reposição consegue-se com restri-
ção hídrica ou soro isotónico (SF) associado a diurético de ansa.

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Capítulo 06 //

Recomendamos a seguinte estratégia: Legenda:

(Na+) = Variação desejada para o sódio


1º Decidir qual a variação do sódio plasmático e o tempo de cor-
Água corporal total = 0.6 x peso, nos homens e 0.5 x peso, nas mulhe-
recção pretendidos;
res
2º Escolher o soro a utilizar (em geral SF ou SF com NaCl hipertó- Soro fisiológico (NaCl a 0.9%) = 154 mmol/mL = 68 mmol de Na+
nico); NaCl hipertónico a 20% = 20 ml x 3.4 mmol/mL = 68 mmol de Na+
3º Calcular o volume necessário desse soro para elevar o sódio 1L SF + 40 mL NaCl hipertónico = 2 x 68 + 154 mmol de Na+ = 290
na quantidade pretendida e mandar administrar no intervalo de mmol de Na+
tempo que pretendemos, com o auxílio da fórmula:
NOTA: Deve fazer tentativas com diferentes tipos de soros até obter um volu-
Volume de soro a perfundir (L) = (Na+) x (Água corporal +1) me adequado ao tempo de perfusão que pretende.

(Na+) soro - (Na+) doente NOTA (sobre o uso de VAPTANOS): (Verbalis JG. Vaptans for the treatment of
hyponotremia: how, who, when and why. Nephnol Self Assess Program. 2007:
199-209).
Os vaptanos são antagonistas dos receptores da vasopressina. O primeiro a ser
aprovado pela FDA para correcção de hiponatremia foi o conivaptano para uso
endovenoso nos doentes com SIADH ou insuficiência cardíaca.

Existem dois tipos de receptores de vasopressina — V1R (V1aR e V1bR) e V2R. Os


efeitos fisiológicos de activação dos V1aR incluem vasoconstrição, agregação
das plaquetas, estimulação inotrópica e aumento da secreção de ACTH. Os V2R
existem nas células principais do tubo colector renal e da sua activação resulta
inserção de aquaporinas na membrana apical, tornando as células principais do
tubo colector permeáveis a água com redução do volume de urina. Logo, os vap-
tanos que bloqueiam activamente os receptores V2R aumentam a excreção de
água.

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Capítulo 06 //

Estão indicados no tratamento de hiponatremia hipotónica com LEC normal Os vaptanos de uso oral (tolvaptano, satavatpano e lixivaptano) podem ter in-
ou aumentado e estão contraindicados quando existe depleção de volume. O dicação no tratamento crónico de SIADH, mantendo a natremia em valores
sódio urinário permite distinguir situações de hipovolémia — UNa+ < 30 mmol/ normais sem necessidade de restrição de água. A correcção da hiponatremia
L – das de euvolémia — UNa+ > 30 mmol/L - em doentes sem sinais de deple- crónica melhora as funções cognitivas, a qualidade de vida e o estado funcio-
ção de volume. nal, por ser causa frequente de desequilíbrio e quedas nos doentes idosos.

Existem potenciais efeitos benéficos não comprovadas, na correcção da hipo-


natremia nos doentes com insuficiência cardíaca.
Nas situação de correcção urgente (doente com hiponatremia aguda e convul-
sões): Devido a sua acção vasodilatadora, o conivaptano está contraindicado nos do-
entes com cirrose.
Conivaptano ( dose inicial – 20 mg em 30 min, seguido de 20 mg / dia du-
rante 4 dias) pode ser usado juntamente com soro hipertónico. A dose
tem de ser diária. É obrigatório monitorizar o sódio plasmático regular-
mente. Esta associação pode contribuir para diminuição do tempo de in-
ternamento. Devido à semivida curta não têm sido descritos casos de des-
mielinização osmótica.

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Capítulo 06 //

Hipernatremia
Definição A hipernatremia pode resultar de ganho de sódio ou perda efec-
tiva de água, isolada ou como componente de solutos hipotóni-
cos, sendo esta última muito mais frequente. Para a hipernatre-
Sódio plasmático superior a 145 mmol/L, o que representa
mia persistir é necessário que aqueles ocorram num contexto
sempre hiperosmolaridade.
de desiquilíbrio da resposta adequada à hiperosmolaridade: au-
mento da ingestão de água estimulada pela sede e excreção de
urina maximamente concentrada por efeito da ADH.
Fisiopatologia
O sódio é um soluto a que a membrana celular é semi-permeá- Causas
vel e que, por isso, condiciona tonicidade.

A osmolaridade plasmática depende essencialmente do sódio, A perda de água é responsável pela maioria dos casos

de hipernatremia
sendo o valor da osmolaridade aproximadamente o dobro da
concentração deste ião no soro. Assim, a hipernatremia não é
Resposta alterada à sede – sem esta alteração, as causas abai-
mais que um estado de hiperosmolaridade hipertónica em que
xo enumeradas seriam compensadas com aumento da inges-
invariavelmente existe desidratação celular, pelo menos transitó-
tão de água, o que implicaria reduzida variação da natremia.
ria, por movimentação de água através das membranas celula-
res. Os casos de hipernatremias significativas implicam quase
sempre uma alteração do mecanismo da sede
Por outro lado, o sódio plasmático e a osmolaridade são regula-
dos pelos mecanismos já abordados anteriormente, que envol-
vem essencialmente a sede, a ADH e o rim.

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Capítulo 06 //

Acesso limitado à água Sudação intensa - tendência para reduzir a concentração


de sódio no suor
Crianças
Febre
Idosos
Exercício
Deficientes motores
Exposição a calor
Doentes com alteração do estado mental
Respiratórias (insensíveis)
Doentes em pós-operatório
Ventilação invasiva
Doentes entubados em Cuidados Intensivos
Gastrointestinais

Hipodipsia primária – alteração dos osmorreceptores hipota- Diarreia – a mais comum


lâmicos que regulam a sede Laxantes osmóticos (lactulose)
Doenças granulomatosas (histiocitose, tuberculose, sarcoi- Vómitos
dose)
Drenagem gástrica
Oclusão vascular
Fístula entero-cutânea
Tumores

Perdas renais - principais causas de hipernatremia


Perda efectiva de água - a perda de água tem que ser supe-
Diurese osmótica - a perda de água é produzida pela pre-
rior à perda de electrólitos, de modo a que o sódio aumente. sença no lúmen tubular de solutos não reabsorvidos, o
A perda pode ter duas origens: que desencadeia hipernatremia por a urina produzida ter
quantidade de sódio e potássio inferior à do plasma.
Perdas não renais:
Glicosúria
Cutâneas (insensíveis)
Manitol ev
Queimaduras

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Capítulo 06 //

Ureia elevada desporcionalmente à redução da taxa de fil- Nefropatia obstrutiva


tração glomerular
Síndrome de Sjogren
Administração de solutos de elevada osmolaridade
Drogas
Diabetes insípida (DI) - a maioria dos doentes tem natremi-
Lítio
as normais porque mantém o mecanismo da sede intacto,
queixando-se sobretudo de polidipsia e poliúria. Demeclociclina

Central (DIC) – redução da secreção da ADH, na maioria Foscarnet


dos casos por destruição da neurohipófise por: Metoxiflurano
Trauma Anfotericina B
Neurocirurgia Antagonistas dos receptores V2 da ADH
Doença granulomatosa Gliburide
Tumores Alterações electrolíticas — se persistentes, resultam em po-
AVC liúria e hipernatremia porque antagonizam o efeito da ADH
e do peptídeo natriurético auricular a nível do rim.
Infecção

Em muitos casos é idiopática e ocasionalmente hereditá- Hipercalcemia (Ca++ ion > 1,38 mmol/L)
ria. Hipocalemia (K+ < 3 mEq/L)

Nefrogénica (DIN) – resistência à acção da ADH
 Condições que alteram a hipertonicidade medular renal
Pode ser congénita ou adquirida. As formas adquiridas Diurese osmótica
são:
Excesso de ingestão de água
Doenças renais intrínsecas
Administração de diuréticos de ansa
Nefropatia das células falciformes
Doença poliquística renal

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Capítulo 06 //

Ganho de sódio hipertónico — raramente ocorre pela capacida- Existem populações de risco para o desenvolvimento de hiper-
de do rim excretar o excesso de sódio, despoletada pela hiper- natremia:
volémia que resulta desse ganho. Resulta habitualmente de
Idosos
intervenção clínica ou sobrecarga acidental com sódio.
Crianças
Perfusão de bicarbonato de sódio hipertónico
Doentes com alterações mentais e hipodipsia
Perfusão de cloreto de sódio hipertónico
Diabéticos descompensados
Nutrição hipertónica
Doentes com poliúria
Ingestão de cloreto de sódio
Doentes hospitalizados

Ingestão de água do mar
Eméticos ricos em cloreto de sódio
Dentro do grupo dos doentes hospitalizados, a hipernatremia é
Enemas com soro salino hipertónico habitualmente iatrogénica, surgindo num número limitado de
situações como:
Perfusão intrauterina de soro salino hipertónico
Perfusão de solutos hipertónicos
Diálise hipertónica
Alimentação por sonda gástrica
Hiperaldosteronismo primário
Diuréticos osmóticos
Síndrome de Cushing
Lactulose
Ventilação mecânica (perdas insensíveis)
Movimento transcelular da água – do Líquido Extracelular
(LEC) para o Líquido Intracelular (LIC); ocorre em situações ra-
ras de hiperosmolaridade intracelular transitória
Rabdomiólise
Crises convulsivas

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Capítulo 06 //

Clínica Sede intensa — inicialmente pode existir, mas depois dissipa-


se à medida que o sódio plasmático aumenta. Nos doentes
com hipodipisia não existe sede.
As manifestações clínicas dependem da gravidade e
velocidade de instalação da hipernatremia. Hipotensão ortostática e taquicardia (em situações de hipovo-
lémia marcada)
Alterações neurológicas - habitualmente surge clínica neuroló- Poliúria e sede – DI
gica grave em casos de subida rápida da natremia para valo-
Hipovolemia — perda efectiva de água
res > 158 mmol/L, enquanto que hipernatremias crónicas de
Hipervolemia – ganho de sódio
170-180 mmol/L tendem a ser pouco sintomáticas. A clínica de
hipernatremia reflecte sobretudo a disfunção do sistema ner-
voso e é proporcional à gravidade da hipernatremia. No idoso O cérebro tem mecanismos de protecção contra a variação da
raramente surgem sintomas com Na+ < 160 mmol/L. osmolaridade plasmática. A hipernatremia provoca saída de
água das células e redução do volume cerebral, o que pode le-
var a ruptura vascular, hemorragia intracerebral e/ou subarac-
Alteração do estado de consciência
noidea. Se a hipernatremia se desenvolve lentamente o cére-
Fraqueza muscular bro tem capacidade de se adaptar à hipertonicidade, nas pri-
Irritabilidade neuromuscular meiras horas, através da entrada de electrolitos para as célu-
Défices neurológicos focais las. Nos dias seguintes acumula na célula solutos orgânicos,
designados osmolitos orgânicos, que evitam a saída excessiva
Coma
de água das células, mantendo o volume cerebral e permitindo
Crises convulsivas que a hipernatremia se mantenha assintomática.
Febre
Naúseas e vómitos Se o aumento do sódio plasmático é demasiado rápido, este
mecanismo não é activado em tempo útil e surgem sintomas.

/ 129 | Hipernatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 06 //

A correcção de hipernatremia crónica, com hiperosmolaridade Exames


crónica, tem de se fazer muito lentamente para evitar edema ce-
rebral por entrada excessiva de água para as células repletas de A causa da hipernatremia é geralmente evidente. Se, no entanto,
osmolitos orgânicos. Nesta fase os principais osmólitos são ami- a etiologia for pouco clara, o diagnóstico pode ser correctamente
noácidos: glutamina, glutamato e inositol, provenientes do fluí- estabelecido através da medição da osmolaridade urinária.
do extracelular e da degradação proteica intracelular. A mortali-
dade por hipernatremia é elevada se os valores de sódio plasmá- Em indíviduos normais com natremia superior a 150 mmol/L

tico forem > 180 mEq/L. a osmolaridade urinária deve ser superior a 800 mOsm/Kg

Se a resposta não for esta, há defeito na produção, secreção ou


acção da ADH, ou seja, a resposta renal não é a adequada.

Após avaliado o estado do LEC, o débito urinário, a osmolarida-


de urinária e a sua resposta à administração de ADH, é possível
resumir as possíveis etiologias da hipernatremia a algumas enti-
dades (Fig 6.4).

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Capítulo 06 //

A resposta renal adequada a uma situação de hipernatremia é


um débito pequeno (< 800 mL/dia) de urina concentrada (>
800 mOsm/L). Esta resposta implica que as perdas de água
são extra-renais ou renais mas remotas.

Existem situações em que a resposta renal não é adequada e


nas quais é útil a avaliação dos seguintes dados objectivos:

Osmolaridade urinária (OsmU) – quando é submáxima (<


800mOsm/L) sugere alteração no efeito da vasopressina, tal
como acontece nos casos de DIC e DIN. Osmolaridade uriná-
ria < 300 Osm/L sugere que essa alteração é grave.
Diurese — surge poliúria nas situações de diurese osmótica e
DI. Nos casos de diurese osmótica tipicamente a OsmU está
entre 300-800 mOsm/L. As duas situações podem ser distin-
guidas pela quantificação dos solutos excretados diariamen-
te, estimada pela produto OsmU x Diurese(L)/dia. Um excre-
ção diária de solutos > 900mOsm define diurese osmótica.
Resposta à ADH – DIC e DIN completas podem ser distingui-
das pela administração de análogo da ADH — dDAVP (desmo-
pressina) 10 g intranasal – após restrição cuidadosa de água.
A OsmU deve aumentar pelo menos 50% na DIC completa ,
Algoritmo para abordagem diagnóstica da hipernatremia.

Fig. 6.4 |
Legenda: + significa que a OsmU aumenta em resposta à`àdministração de dDAVP.
não se alterando na DIN.
— significa que a OsmU aumenta apenas ligeiramente em resposta à administração
de dDAVP.

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Capítulo 06 //

Uma situação de ganho de sódio pode ser confirmada por ex- Tratamento
pansão do volume do LEC e uma [Na+] urinária ([Na+]U) habitual-
mente > 100 mmol/L. Nas situações de hipernatremia com LEC A abordagem de uma hipernatremia tem de ser feita em dois
diminuído por perdas extra-renais habitualmente a [Na+]U é < passos:
10 mmol/L. Assim, a [Na+]U pouco acrescenta à avaliação do es-
1 º Tratar a causa subjacente
tado do LEC do doente.
Corrigir a nutrição
Reduzir as perdas gastrointestinais
Suspender lactulose e diuréticos
Tratar a febre
Tratar a hiperglicemia
Tratar a hipercalcemia e a hipocaliemia

2º Tratar a hipertonicidade, administrando água e soros, se ne-


cessário

Água por via oral


Soros hipotónicos (heminormal e glicosado a 5%)
Soro isotónico (fisiológico) apenas em casos de instabilidade
hemodinâmica

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Capítulo 06 //

Regras para o tratamento: Podemos considerar três grandes grupos de situações peran-
tes as quais é necessária a correcção de hipernatremia, e como
O ritmo de correcção deve ser proporcional ao ritmo de instala-
devem ser abordadas:
ção da hipernatremia e depende da existência de disfunção
neurológica associada.
 Hipernatremia e hipovolémia: neste caso, deve corrigir-se pri-

 meiro a hipovolemia e depois a hipernatremia. A hipovolemia
Objectivos: deve ser corrigida com soro heminormal ou, em situações de
choque hipovolémico, com soro fisiológico. A hipernatremia
ritmo rápido: reduzir a natremia 1 mmol/L/h
pode ser corrigida com soro heminormal, soro glicosado a 5%
ritmo lento: reduzir a natremia 0,5 mmol/L/h ou água.
limite máximo de redução da natremia: 10 mmol/L em 24h Hipernatremia e euvolemia: Basta corrigir a hipernatremia
como na situação anterior.
Quando a hipernatremia é significativa, a terapêutica implica
monitorização regular do ionograma, a começar 2-3 horas Hipernatremia com hipervolemia: Neste caso devem ser admi-
após o início da mesma. nistrada água ou soro glicosado a 5% associados a furosemi-
da — 0,5 a 1 mg/Kg de peso – porque os primeiros vão agravar
A via de eleição para administração de fluídos correcção é a
a hipervolémia. Em algumas situações pode ser necessário re-
oral.
correr à hemodiálise.
O tipo de soros a usar são os hipotónicos (água, soro heminor-
mal ou soro glicosado a 5%).
O ritmo de administração deve ser tanto mais lento quanto
mais hipotónico for o soro.

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Capítulo 06 //

Recomendamos a seguinte estratégia: No tratamento agudo das hipo ou hipernatremias deve


repetir-se o ionograma cada 4 a 6h
1º. Decidir qual a variação do sódio plasmático pretendida e
em que intervalo de tempo.

2º. Escolher o soro a utilizar (em geral soro heminormal (NaCl


a 0,45%) ou glicosado a 5%).

3º. Calcular o volume necessário desse soro para baixar o va-


lor pretendido do sódio e administrar no intervalo de tempo es-
colhido, de acordo com a fórmula:

Volume de soro a perfundir (L) = (Na+) x (Água corporal +1)


(Na+) soro - (Na+) doente

Legenda:

(Na+) = Variação desejada para o sódio


Água corporal total = 0.6 x peso, nos homens e 0.5 x peso, nas mu-
lheres
Soro fisiológico (NaCl a 0.9%) = 154 mmol/mL = 68 mmol de Na+
NaCl hipertónico a 20% = 20 ml x 3.4 mmol/mL = 68 mmol de Na+
1L SF + 40 mL NaCl hipertónico = 2 x 68 + 154 mmol de Na+ = 290
mmol de Na+

/ 134 | Hipernatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 06 //

Bibliografia Recomendada

Post TW and Rose BD (Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.

Gauthier PM, Szerlip HA. Common electrolyte disorders. In: Hospital Medicine. Wachter RM, goldman L, Hollander H, Eds. Philadelphia: Lippincott Wil-
liams & Wilkins, 2000:859-869.

Kokko JP. Fluids and electrolytes. In: Goldman J, Ausiello D. Eds. Cecil Textbook of Medicine, 22nd Ed. Philadelphia: WB Saunders, 2004: 669-687.

Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST. Eds. The Washington Manual of
Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007: 54-101.

Singer GS, Brenner BM. Fluid and electrolyte disturbances. In: Fauci AS, Kasper DL, Longo DL, Braunwald E, Hauser SL, Jameson JL, Loscalzo J. Eds. Harri-
son`s Principles of Internal Medicine. 17th Ed. New York: McGraw-Hill, 2008: 274-285.

/ 135 | Hipernatremia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Cálcio, Fósforo e Magnésio

OBJECTIVOS:

Conhecer os mecanismos de controlo do metabolismo fosfocálcico

Reconhecer e saber abordar os desvios do cálcio, do fósforo e


do magnésio

>
Capítulo 07 //

Fisiopatologia do cálcio e fósforo


O cálcio é essencial para a formação do osso e para as funções O cálcio é regulado pelos valores de fosfato sérico (de forma
neuromusculares. Cerca de 99% do cálcio corporal é intraósseo aguda), pela hormona paratiroidea (PTH) (de forma subaguda) e
e quase todo o restante 1% está no líquido extracelular (LEC). pelos metabolitos da vitamina D (cronicamente). A descida do
Cerca de 50% do cálcio sérico existe na forma ionizada e o res- cálcio ionizado no plasma é o estímulo para a secreção da PTH,
tante está ligado às proteínas: 40% à albumina e 10% a aniões que está habitualmente suprimida para calcemias normais. A re-
como o citrato, o bicarbonato e o fosfato. Se há hipoalbumine- gulação é feita através de receptores-sensores para o cálcio
mia, o cálcio a considerar deve ser sempre o ionizado, medido que existem nas paratiroides, cérebro, rim, células T da tiróide,
facilmente numa gasometria, que deve estar num intervalo es- osteoclastos, talvez nos osteoblastos e na placenta.
treito (1.15 – 1.28 mmol/L) para que as funções neuromusculares
sejam normais.
O metabolismo do fósforo é regulado primariamente por 4 facto-
res:
O fósforo é essencial para a formação óssea e o metabolismo PTH – reduz a reabsorção tubular proximal do fosfato, levando
energético celular. Cerca de 85% do fósforo corporal é ósseo e a hipofosfatemia por perda renal. Apesar de promover a reab-
o restante é celular, representado o anião intracelular mais im- sorção óssea e absorção intestinal de fosfato, o efeito renal ha-
portante. Apenas 1% do fósforo corporal total está no LEC. As- bitualmente é predominante em doentes com função renal
sim, os níveis séricos podem não reflectir os depósitos de fósfo- normal.
ro totais. O fósforo existe no organismo como fosfato, cujo dosea- [Fosfato] sérica – quando aumentada também leva à redução
mento deve ser feito em jejum pois existe variação diurna, com da reabsorção tubular proximal.
nadir matinal. O valor normal reside entre 0.80 - 1,45 mmol/L.
Insulina – promove a entrada de fosfato nas células.
Calcitriol (1,25-dihidroxicolecalciferol; 1,25 — dihidroxivitamina
D3; 1,25 [OH]2D3) – aumenta a absorção intestinal de fósforo.
/ 137 | Fisiopatologia do cálcio e fósforo | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 07 //

A PTH aumenta os níveis de cálcio estimulando a reabsorção


óssea e a reabsorção renal de cálcio e promovendo a conver-
são renal da vitamina D no seu metabolito activo: o calcitriol.

O cálcio e o calcitriol regulam negativamente a PTH.

A síntese de calcitriol é estimulada pela PTH e pela hipofosfate-


mia, sendo inibida por aumento dos níveis de fósforo plasmáti-
co. O calcitriol aumenta os níveis de cálcio promovendo a sua
absorção intestinal, juntamente com o fósforo. Por outro lado,
suprime a PTH mesmo em concentrações muito baixas, sendo
o mais potente factor supressor da PTH. No metabolismo do
fósforo, leva ainda a diminuição da excreção renal de fosfato.

Fig. 7.1 | Regulação do cálcio e fósforo

O resultado efectivo da acção da PTH é a subida da calcemia


sem alteração do valor de fosfato sérico.

O resultado efectivo da acção do calcitriol é a subida dos valo-


res de fosfato sérico e ligeiro aumento da calcemia. Este último
efeito associado ao efeito inibitório directo do calcitriol leva à su-
pressão da PTH nas situações de hipofosfatemia.

/ 138 | Fisiopatologia do cálcio e fósforo | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >
Capítulo 07 //

Hipercalcemia
Definição Doença de Paget do osso
Hipercalcemia hipocalciúrica familiar
Cálcio ionizado superior a 1,30 mmol/L. Deficiência congénita de lactase
Condrodisplasia metafisária
Excesso de vitamina E
Causas
Hiperparatiroidismo A hipercalcemia é quase sempre provocada pela entrada de cál-
cio para o fluído extracelular, por reabsorção óssea ou absorção
Neoplasias
intestinal, e diminuição da excreção renal de cálcio.
Excesso de vitamina D (exógena, endógena (linfomas) e doen-
ças granulomatosas) Mais de 90% das hipercalcemias estão relacionadas com
Drogas (tiazidas, síndrome leite-alcalinos, lítio, vitamina A, teo- hiperparatiroidismo primário ou associado a neoplasias.
filina)
D. Endócrinas (hipertiroidismo, insuficiência suprarrenal, feo- O hiperparatiroidismo primário provoca o maior número de ca-
cromocitoma, acromegalia, diabetes insípida nefrogénica) sos de hipercalcemia nos doentes em ambulatório. É mais fre-
quente em mulheres idosas e 85% dos casos são devidos a um
Terapêutica com estrogéneo ou anti-estrogéneo em doentes
adenoma numa das quatro glândulas paratiroides. A maioria
com Neoplasia da Mama e metastização óssea
dos doentes tem hipercalcemia assintomática, descoberta inci-
Imobilização
dentalmente, e os valores de cálcio ionizado tipicamente são in-
Rabdomiólise e insuficiência renal aguda não-oligúrica feriores a 1,38 mmol/L e raramente ultrapassam 1,63 mmol/L.

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Capítulo 07 //

As neoplasias são as causa habitual de hipercalcemia em doen- Clínica


tes hospitalizados, que surge por três mecanismos:

hipercalcemia osteolítica – existe estimulação local da reabsor- Poliúria


ção óssea pelos osteoclastos, através da libertação de citoqui- Polidipsia
nas. Esta forma surge em situações de envolvimento tumoral
Insuficiência renal
ósseo extenso;
Alterações neurológicas: confusão, estupor, coma, astenia e
hipercalcemia humoral das neoplasias – existe produção de
fraqueza muscular
peptídeo relacionado com a PTH (PTHrP) pelo tumor, com efei-
tos sistémicos nos receptores da PTH, promovendo a reabsor- Alterações psiquiátricas: ansiedade, depressão
ção óssea e, muitas vezes, também a diminuição de excreção Sintomas gastrointestinais: anorexia, náuseas, vómitos e obsti-
do cálcio. Este peptídeo não é detectado no doseamento da pação
PTH.
Pancreatite
produção tumoral de calcitriol – pode ocorrer em linfomas.
Doença ulcerosa péptica
As outras causas de hipercalcemia (cerca de 10% das situações) HTA, hipotensão, isquemia miocárdica, morte súbita
são raras e geralmente clinicamente evidentes.
Encurtamento do QT, bloqueio AV
Disritmias (extrassístoles e ritmo idioventricular)
Bradicardia
Litíase renal
Acidose tubular renal tipo I
Diabetes insípida nefrogénica

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Capítulo 07 //

Os sintomas de hipercalcemia habitualmente só surgem com va- Exames


lores de cálcio ionizado superiores a 1,50 mmol/L e tendem a
ser mais graves se a hipercalcemia se desenvolveu rapidamen- Doseamento de cálcio ionizado – se > 1.60 mmol/L e de insta-
te. lação aguda é mais sugestivo de neoplasia.
Doseamento da PTH - estará elevada ou inapropriadamente
normal nos casos de hiperparatiroidismo primário e suprimida
A poliúria e os vómitos causam desidratação, o que resulta
nas neoplastias e na maioria das outras causas de hipercalce-
numa excreção inadequada de cálcio e agravamento rápido da
mia.
hipercalcemia. Se o cálcio ionizado excede os 1,70 mmol/L po-
dem surgir insuficiência renal e calcificações extra-ósseas.
 Doseamento de fosfato – pode estar baixo se PTH ou activida-
de da PHTrP elevadas; pode estar elevado quando a hipercale-
A insuficiência renal pode resultar de hipovolémia por Diabetes
mia é devida a aumento da actividade da vitamina D ou D. Pa-
Insípida Nefrogénica, nefrocalcinose ou por vasoconstrição in-
get.
trarrenal provocada pela própria hipercalcemia.
ECG
A abordagem da hipercalcemia obriga à distinção entre hiperpa-
Bioquímica com ionograma e função renal
ratiroidismo primário e neoplasia. Se a hipercalcemia está pre-
sente há mais de 6 meses sem causa evidente o mais provável
é estarmos perante um caso de hiperparatiroidismo primário.

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Capítulo 07 //

Tratamento Agudo da Hipercalcemia Os diuréticos de ansa pouco acrescentam ao efeito calciúrico da


diurese salina e podem agravar a hipovolémia. No entanto, são
úteis quando se verifica hipervolémia.
O objectivo do tratamento da hipercalcemia é a resolução
dos sintomas e não a normalização dos valores séricos
2º Bifosfonato endovenoso

Inibe a reabsorção óssea e deve ser administrado precocemen-


O tratamento agudo da hipercalcemia deve ser realizado
te porque tem início de acção lento.
sempre que existe desenvolvimento de sintomas graves ou
quando o cálcio ionizado é superior a 1,50 mmol/L Actualmente o fármaco mais potente é o Ácido Zoledrônico – 4
mg diluído em 100 mL de SF a perfundir em 15 minutos.
O tratamento da hipercalcemia deve incluir medidas que aumen-
Durante o tratamento com estes farmacos pode ocorrer necro-
tem a excreção renal e reduzam a reabsorção óssea de cálcio. Es-
se tubular aguda, pelo que o seu uso deve ser precedido pela
tas medidas devem ser tomadas pela ordem seguinte:
restauração da volémia e em caso de insuficiência renal, o ris-
1º Corrigir a hipovolémia co/benefício da sua administração deve ser ponderado. Se admi-
nistrado nesta situação, a dose de ácido zoledrônico deve ser
Bólus de 1 L de cloreto de sódio a 0,9% (soro fisiológico = SF).
reduzida e/ou reduzida a taxa de perfusão.
Os doentes com hipercalcemias graves estão hipovolémicos, o
que impede calciurese efectiva.
3º Outras medidas
O objectivo é normalização da Taxa de Filtração Glomerular
(TFG) o que implica habitualmente administração de pelo menos Calcitonina: 4-8 UI/Kg (0,8-1,6 g/Kg; 1 UI = 0,2 g) SC ou IM
3-4 L de SF nas primeiras 24 h. Depois de atingido este objecti- cada 6-12 h (não disponível em Portugal). Por via nasal não é
vo deve manter-se perfusão contínua de soro hipotónico, o que eficaz no tratamento da hipercalcemia.

promove maior calciurese, tendo como objectivo uma diurese 
 Inibe a reabsorção óssea e aumenta a excreção renal de cál-
de 100-150 mL/h. cio. 

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Capítulo 07 //

Reduz a calcemia em 60-70% dos doentes em horas mas o cinoma da paratiroide ou no hiperparatiroidismo secundário
efeito reduz-se após alguns dias por taquifilaxia. 
 associado a insuficiência renal crónica em hemodiálise.
Não tem efeitos adversos graves e é segura na insuficiência
Diálise com dialisado baixo em cálcio (hemodiálise ou diáli-
renal, com o benefício extra de ter efeito analgésico nos do-
se peritoneal)

entes com metastização óssea.

Muito eficaz.

Alguns dos efeitos adversos são flushing, náuseas e raramen-
Particularmente vantajosa nos casos de hipercalcemia seve-
te reacções de hiperssensibilidade.
ra (> 4 mmol/L) associadas a insuficiência cardíaca ou renal
Corticoides: Prednisolona 20-60 mg/dia ou equivalente.
 que proíbam hidratação agressiva.
Reduzem a calcemia por inibirem a libertação de citoquinas,
por efeitos citolíticos directos nalgumas células tumorais, por
inibirem a absorção intestinal de cálcio e aumentarem a ex-
creção renal de cálcio.

Pode demorar 5-10 dias até ser notório o seu efeito hipocalce-
miante. Depois de estabilizada a calcemia, a sua dose deve
ser reduzida gradualmente até à dose mínima necessária
para controle dos sintomas de hipercalcemia.

A sua toxicidade limita o uso como terapêutica crónica.

Nitrato de gálio: 100-150 mg/m2/dia ev contínuo durante 5


dias (ou até quando atingida a normocalcemia). (Não disponí-
vel em Portugal)

Tem efeito semelhante ao dos bifosfonatos e apresenta ne-
frotoxicidade importante.

Calcimiméticos (cinacalcet)

Úteis nas situações de hipercalcemia grave associadas a car-

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Capítulo 07 //

Hipocalcemia
Definição Défice de vitamina D – leva a redução dos depósitos de cálcio
com calcemia preservada à custa de hiperparatiroidismo, ex-
cepto quando o défice é grave. Causas:
Cálcio ionizado inferior a 1,05 mmol/L.
Exposição solar limitada

Má absorção
Causas Insuficiência renal avançada – redução da síntese de calcitriol

Hipoparatiroidismo efectivo por: Doença hepática crónica grave – diminuição da síntese hepá-
tica de 25(OH)D3, precursor do calcitriol
Diminuição da secreção — destruição das paratiroides por
doença autoimune, infiltrativa ou cirurgia; cinacalcet; infec- Síndrome nefrótico grave – perda urinária de 25(OH)D3.
ção por VIH Drogas indutoras do citocromo P450 (anti-convulsivantes
Pseudohipoparatiroidismo - resistência à PTH (ex: fenitoína), isoniazida, rifampicina) – aumentam o meta-
bolismo da vitamina D
Alterações do Magnésio – a hipomagnesemia provoca resis-
tência aos efeitos da PTH e se grave (< 0,4 mmol/L) pode di- Raquitismo dependente da vitamina D
minuir a secreção da PTH; a hipermagnesemia grave (> 2.5
mmol/L) também pode diminuir esta secreção. A hipocalce- Deposição extravascular de cálcio
mia por hipomagnesemia corrige-se em minutos a horas
Quando existem substâncias tecidulares no LEC capazes de
após suplementação de magnésio.
formar complexos com o cálcio:

fosfato – rabdomiólise, síndrome de lise tumoral

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Capítulo 07 //

ácidos gordos – pancreatite aguda Pseudohipocalcemia

Paratiroidectomia – avidez óssea por cálcio quando retirado Alguns dos meios de contraste de gadolinium (gadodiamide e
o estímulo desmineralizante gadoversatamide) interferem com os testes colorimétricos para
Inibição da reabsorção óssea - bifosfonatos (ácido zoledrôni- doseamento do cálcio, habitualmente usados em laboratórios
co), intoxicação por flúor hospitalares. O efeito é revertido após excreção renal do gadoli-
nium. Nos doentes com insuficiência renal dura mais tempo.

Quelantes intravasculares – substâncias intravasculares que


formam complexos com o cálcio ionizado.

foscarnet ev

fosfato

lactato – sépsis, choque

citrato - politransfusão de derivados de sangue

alcalemia – a diminuição da [H+] deixa cargas negativas na


albumina, disponíveis para ligação ao cálcio ionizado

Outros
Doentes críticos – a hipocalcemia é frequente, provavelmen-
te por diminuição da secreção de PTH e calcitriol, associada
à resistência dos órgãos à sua acção

Fármacos usados no tratamento da hipercalcemia

Hipercalciúria e diurético de ansa

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Capítulo 07 //

Clínica Crises convulsivas

Disfunção cardiovascular
As manifestações clínicas dependem da gravidade e Bradicardia
velocidade de instalação da hipocalcemia
Hipotensão

Hipocalcemia aguda moderada: Insuficiência cardíaca descompensada

Prolongamento do intervalo QT
Manifestações de excitabilidade neuromuscular
Parestesias perorais e distais
Pistas para o diagnóstico
Caimbras
Tetania: Cirurgia do pescoço prévia – o hipoparatiroidismo pode surgir
anos após a cirurgia
Sinal de Trousseau: espasmo cárpico após oclusão da arté-
ria braquial com cuff de esfigmomanómetro durante 3 minu- Manifestações compatíveis com Síndrome Autoimune Poliglan-
tos. dular (hipotiroismo, Insuficiência suprarrenal, candidíase)
Sinal de Chvostek: contracção do músculo facial à percus- História familiar de hipocalcemia
são do nervo facial na região anterior do ouvido.

Ambos significam tetania latente. Drogas causadoras de hipocalcemia e/ou hipomagnesemia

Situações associadas a défice de vitamina D

Hipocalcemia aguda grave Manifestações de pseudohipoparatiroidismo (baixa estatura,


metacarpianos curtos)
Manifestações neuromusculares
Laringospasmo

Confusão

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Capítulo 07 //

Exames Se depois da anamnese, exame objectivo e bioquímica a causa


ainda não é clara:

Bioquímica com doseamento de: Doseamento da PTH – baixa ou inapropriadamente normal si-
gnifica hipoparatiroidismo; elevada significa défice de vitamina
albumina
D e pseudohiperparatiridismo. Pode estar baixa, normal ou ele-
fosfato – habitualmente está baixo quando existe défice vi- vada na hipomagnesemia.
tamina D, excepto na insuficiência renal (excreção diminuí-
Doseamento da vitamina D [25(OH)D3]
da). Nestas situações, a hipofosfatemia frequentemente é
mais grave que a hipocalcemia, por hiperparatiroidismo se-
cundário. A fracção excrecional de fosfato (cálculo semelhan-
te à do sódio) é útil para distingir a causa da hipofosfatemia
associada à hipocalcemia: se > 5% existe fosfatúria, logo hi-
perparatiroidismo secundário, e se < 5% significa que a in-
gestão de fosfato é baixa. 

A fosfatemia está aumentada nas situações de:

hipoparatiroidismo efectivo

rabdomiólise

síndrome de lise tumoral

magnésio – valores anormais interferem com a PTH

creatinina

ECG

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Capítulo 07 //

Tratamento Agudo da hipocalcemia 2 g (2 ampolas a 10%) diluídos em 100 mL de SG5% ou SF


a perfundir em 15 minutos.

Deve ser rápido e agressivo. seguido de perfusão contínua: diluir 6 g de gluconato de


cálcio (6 ampolas a 10%) em 500 mL de SG5% ou SF e per-
Só é necessário administrar cálcio ev se o doente está sintomá- fundir a 0,5-1,5 mL/Kg/h, de forma a manter o cálcio ioniza-
tico ou tem prolongamento significativo do intervalo QT, espe- do entre 1-1,13 mmol/L.
cialmente se existe hiperfosfatemia, rabdomiólise ou síndrome
Não misturar cálcio com soluções com bicarbonato ou fos-
de lise tumoral. Nestas situações, existe risco de calcificações
fato pelo risco de precipitação.
metastáticas e hipercalcemia rebound quando estes depósitos
são mobilizados. Avaliação do cálcio ionizado de 6/6 horas.

Tratar a causa ou iniciar tratamento crónico (reduzir terapêu-


Tratar a hipomagnesemia – se presente ou mesmo empirica- tica ev ao iniciar oral).
mente se função renal normal. Existem doentes com níveis
plasmáticos de magnésio normais e hipocalcemia que res-
ponde à administração de magnésio, por presumível deficiên-
cia tecidular deste ião.

Sulfato de Magnésio

bólus de 2 g (1 ampola a 20% = 10 mL) diluído em 100


mL de SF a perfundir em 15 minutos, seguido de perfu-
são (ver Hipomagnesemia)

Tratar a hipocalcemia

Gluconato de cálcio (1 ampola a 10% = 10 mL = 1 g de gluco-


nato cálcio = 93 mg de cálcio elementar)

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Capítulo 07 //

Hiperfosfatemia
Definição Movimento transcelular

Libertação do fosfato intracelular para o LEC


Fósforo plasmático superior a 1,45 mmol/L. Rabdomiólise

Síndrome de lise tumoral

Causas Hemólise massiva

Inibição da entrada do fosfato para as células


Redução da excreção renal Acidose metabólica
Insuficiência renal Hipoinsulinemia (ex:cetoacidose diabética)
Hipoparatiroidismo

Pseudohipoparatiroidismo Excesso de ingestão – habitualmente só leva hiperfosfatemia


se coexistir insuficiência renal
Bifosfonatos – aumentam a reabsorção tubular proximal de
fosfato mas raramente levam a hiperfosfatemia porque redu- Indiscrição dietética (hidratos de carbono)
zem a sua reabsorção óssea Iatrogenia (enemas de fosfosoda - Fleet®)
Acromegalia Intoxicação por vitamina D – aumento da absorção intesti-
Calcinose tumoral familiar nal associada a insuficiência renal induzida por hipercalce-
mia

/ 149 | Hiperfosfatemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Existe muitas vezes sobreposição destes mecanismos na etiologia Exames


da hiperfosfatemia, sendo a insuficiência renal o principal factor
predisponente. Doseamento do cálcio – habitualmente baixo por quelação in-
travascular ou deposição extravascular

Clínica
Tratamento Agudo
Atribuível à hipocalcemia (ver Cálcio)

Calcificações metastáticas dos tecidos moles Consiste em aumentar a excreção renal de fosfato:

calcifilaxia – isquemia tecidular que resulta da calcificação dos Tratar a doença subjacente e resolver a insuficiência renal

pequenos vasos e subsequente trombose. SF - aumenta a fosfatúria, se necessário

Osteodistrofia renal – na hiperfosfatemia crónica Acetazolamida 15 mg/Kg 4/4 horas – aumenta a fosfatúria, se
necessário

Hemodiálise

efeito limitado na redução do fosfato (intracelular)

se insuficiência renal irreversível

se hipocalcemia sintomática

/ 150 | Hiperfosfatemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Hipofosfatemia
Definição Hiperglicemia

Cetoacidose diabética
Fósforo plasmático inferior a 0,80 mmol/L Fase poliúrica da necrose tubular aguda

Expansão do volume intravascular

Causas Drogas: acetazolamida, metolazona, imatinib

Administração de ferro ev
Absorção intestinal insuficiente Síndrome de Fanconi
Ingestão insuficiente

Síndromes de má absorção Movimento transcelular (entrada para as células) – promovido


pela administração de insulina ou administração ev de soros
Quelantes do fósforo orais
glicosados com consequente hiperinsulinemia.
Défice de vitamina D
Alcalose respiratória – provavelmente a principal causa de
Hiperparatiroidismo hipofosfatemia grave em doentes hospitalizados. A subida
do pH intracelular leva a glicólise e consequente fosforilação
Aumento da excreção renal de vários intermediários dessa via.

Hiperparatiroidismo Cetoacidose diabética sob perfusão de SG

Diurese osmótica Alcoólicos sob perfusão de SG

/ 151 | Hipofosfatemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Alimentação de desnutridos (refeeding syndrome) Clínica


Hungry-bone syndrome
Tipicamente, só existem sintomas e sinais se os depósitos cor-
porais totais de fósforo estiverem depletados e o fosfato plas-
Muitas vezes existe sobreposição destes mecanismos na etiolo- mátio for inferior a 0,32 mmol/L. Esses devem-se a disfunções
gia da hipofosfatemia, como na cetoacidose diabética ou alcoóli- de órgão por incapacidade dos tecidos formarem ATP e ao defici-
ca. No alcoolismo crónico é frequente existir hipofosfatemia por ente fornecimento de oxigénio aos tecidos que ocorre com a re-
absorção intestinal insuficiente devida à baixa ingestão de fosta- dução de 2,3-difosfoglicerato eritrocitário.
to e vitamina D, aumento da excreção renal de fosfato por defei-
to de transporte tubular proximal e agravamento da hipofosfate- Manifestações musculares
mia quando administrado SG. Fraqueza muscular
Rabdomiólise
Disfunção diafragmática
Insuficiência cardíaca

Manifestações neurológicas
Parestesias
Disartria
Confusão
Estupor
Crises convulsivas
Coma

/ 152 | Hipofosfatemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Manifestações hematológicas Tratamento Agudo


Hemólise
Hipofosfatemia moderada (0,32 - 0,80 mmol/L)
Disfunção plaquetária com hemorragia
Comum em doentes hospitalizados e muitas vezes devida ape-
nas a movimento transcelular de fosfato, não necessitando de
Exames tratamento se assintomática, excepto tratamento da causa.

A causa é habitualmente evidente. Quando isso não acontece:


Hipofosfatemia grave (< 0,32 mmol/L)
Doseamento da excreção renal de fosfato - se > 100 mg/dia
ou fracção excrecional de fosfato > 5%, significa perda renal Pode necessitar de terapêutica ev se associada a manifestações
excessiva. clínicas graves:
Doseamento de [25(OH)D3] – se baixa significa deficiência de Fosfato monopotássico 0.08-0,16 mmol/Kg em 500 mL de
ingestão de vitamina D ou má absorção. NaCl a 0,45% (SHN) em perfusão durante 6 horas (1 ampola =
Doseamento de PTH – elevada no hiperparatiroidismo. 10 mL = 10 mmol de fosfato + 10 mmol de potássio)

Doseamento de cálcio urinário- a hipofosfatemia prolongada Se surgir hipotensão, suspeitar de hipocalcemia aguda, pelo
leva a hipercalciúria; no Síndrome de Fanconi também existe que a perfusão deve ser interrompida e doseado o cálcio io-
uricosúria, glicosúria e aminoacidúria. nizado

Vigiar o fosfato, cálcio ionizado e potássio de 8/8 horas.

Avaliar os sintomas e os iões referidos para ponderar novas


perfusões

Interromper a perfusão ev quando o fosfato for > 0.48


mmol/L e quando for possível terapêutica oral. Para repor

/ 153 | Hipofosfatemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

os depósitos intracelulares pode ser necessária administra-


ção de fosfato durante 24-36 horas.

Quando existe insuficiência renal, só deve ser administra-


do fosfato ev se absolutamente necessário.

Evitar a hiperfosfatemia pelo risco de:

Hipocalcemia

Calcificações metastáticas

Insuficiência renal

/ 154 | Hipofosfatemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Magnésio
O magnésio tem um papel importante nas funções neuromuscu- De forma diversa da que observamos nos electrólitos discutidos
lares. até este ponto do manual, a regulação do magnésio não depen-
de de uma hormona específica. O principal factor determinante
da homeostasia do magnésio é a própria magnesemia, que influ-
Fisiopatologia encia directamente a excreção renal. A hipomagnesemia estimu-
la a reabsorção tubular de magnésio enquanto a hipermagnese-
Aproximadamete 60% do magnésio corporal reside no osso, a
mia a inibe.
maior parte do restante é intracelular e apenas 1% está no LEC.
A permuta de magnésio entre estes 3 compartimentos não é fá-
cil e por isso, existe pouca capacidade de atenuar as flutuações
da concentração plasmática do mesmo. Da mesma forma, pela
dificuldade e lentidão desta permuta, a concentração sérica de
magnésio é pouco representativa dos depósitos intracelulares e
corporal.

/ 155 | Magnésio | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Hipermagnesemia
Definição Insuficiência renal crónica terminal

Intoxicação por teofilina


Magnésio plasmático superior a 1,10 mmol/L. Cetoacidose diabética

Síndrome de lise tumoral

Causas
Clínica
Iatrogenia – representa a maioria as situações clínicas. Como
a excreção renal é a única forma de reduzir a concentração Só existe clínica quando a [Magnésio] é > 2 mmol/L.
plasmática de magnésio, a administração deste ião em doses
terapêuticas a doentes com insuficiência renal significativa é Manifestações neuromusculares
suficiente para desenvolverem toxicidade. Hiporreflexia – habitualmente é a 1º manifestação de toxici-
Antiácidos com magnésio dade pelo magnésio

Laxantes com magnésio Letargia

Magnésio ev no tratamento da pré-eclampsia Sonolência

Fraqueza muscular
Outras situações – nestas, habitualmente a hipermagnesemia Parésia – se diafragmática pode levar a insuficiência respi-
é ligeira e insignificante ratória

/ 156 | Hipermagnesemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Manifestações cardíacas Tratamento Agudo


Hipotensão

Bradicardia Prevenir:

Paragem cardíaca Evitar prescrição de fármacos com magnésio a doente com in-
suficiência renal

Exames
Hipermagnesemia sintomática

Doseamento do cálcio – pode exister hipocalcemia por dimi- Suporte de orgãos


nuição da secreção da PTH
ventilação mecânica – se insuficiência respiratória
ECG
pacemaker - se bradidisritmias
Bradicardia
Gluconato de cálcio a 10%, 1-2 g (=10-20 mL) ev durante 10
Prolongamento dos intervalos PR, QRS e QT – se magne- minutos – antagoniza os efeitos da hipermagnesemia
semia entre 2,5-5 mmol/L
SF – aumenta a excreção renal de magnésio
Bloqueio AV completo e assístole – podem surgir se magne-
Hemodiálise – nas situações de insuficiência renal significativa
semia > 7,5 mmol/L

/ 157 | Hipermagnesemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Hipomagnesemia
Definição Fluxo tubular aumentado – reduz a reabsorção de magnésio

Diurese osmótica
Magnésio plasmático inferior a 0,65 mmol/L. Expansão de volume intravascular

Defeitos de transporte tubular

Causas Necrose tubular aguda em resolução

Alcoolismo crónico
Absorção intestinal insuficiente Síndromes de Bartter ou Gitelman
Malnutrição – frequente nos alcoólicos crónicos Doenças intersticias renais
Síndromes de má absorção Drogas – induzem defeitos no transporte tubular de magné-
Perdas gastrointestinais – perda de magnésio secretado sio

Diarreia prolongada Tiazidas

Aspiração nasogástrica Diuréticos de ansa

Drenagem do tubo digestivo Omeprazol

Aumento da excreção renal Aminoglicosídeos

Hipercalcemia – porque o cálcio compete com o magnésio Anfotericina B


no seu local mais importante de reabsorção, na porção larga Cisplatina
ascendente da ansa de Henle

/ 158 | Hipomagnesemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Pentamidina Clínica
Ciclosporina
Manifestações neurológicas

Quelantes intravasculares –situações em que o mesmo acon- Letargia


tece ao cálcio. Confusão
Pancreatite Tremor
Hungry bone syndrome Fasciculações
Administração de citrato Ataxia
Bypass cardiopulmonar Nistagmo

Tetania

Crises convulsivas

Manifestações cardíacas – surgem sobretudo em doentes me-


dicados com digoxina

Disritmias auriculares e ventriculares

Clínica de hipocalemia secundária

Clínica de hipocalcemia secundária

/ 159 | Hipomagnesemia | Manual do Curso de Equiíbrio Ácido-Base e Hidroelectrolítico >


Capítulo 07 //

Exames Tratamento Agudo


A terapêutica com magnésio deve ser extremamente cuidado-
Doseamento de magnésio – perante a clínica mencionada, a
sa em situações de insuficiência renal, pelo risco de agrava-
presença de hipomagnesemia é suficiente para diagnosticar
mento da insuficiência renal. A via de administração depende
défice de magnésio. Um valor normal não exclui esse défice.
de existirem manifestações clínicas de hipomagnesemia.
Doseamento de magnésio urinário – nas raras situaões em
que a causa não é evidente a partir do contexto clínico
Hipomagnesemia assintomática – sem alterações do ECG

Magnesúria > 1 mmol/L /dia ou fracçao excrecional de mag-
Terapêutica oral – mesmo se grave, desde que não exista má
nésio > 2% - sugere aumento da excreção renal.

absorção
O cálculo da fracção excrecional é semelhante ao da do só-
dio, excepto o facto da [Magnésio] plasmática ter que ser Lactato de Magnésio, 2 a 6 g/dia – a diarreia é o princi-
multiplicada por 0,7 porque apenas 70% deste ser livre e pal efeito lateral
livremente filtrado pelo glomérulo. Amiloride – diminui a excreção renal inapropriada de
Doseamento de potássio - pode existir hipocalemia secundá- magnésio, se existir
ria à hipomagnesemia

Doseamento de cálcio – pode existir hipocalcemia secundá- Hipomagnesemia grave sintomática


ria à hipomagnesemia
Sulfato de magnésio
ECG
bólus de 1-2 g (1 g = 96 mg de magnésio elementar = 4
Intervalos PR e QT prolongados com QRS alargado mmol de magnésio) diluído em 100 mL de SF a perfundir
Torsade de pointes – disritmia típica da hipomagnesemia. em 15 minutos

seguido de perfusão de 6 g em 1 L ou mais de SF em 24 horas

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Capítulo 07 //

Pela necessidade de re-estabeler os depósitos intracelula- Nas situações de insuficiência renal, ainda que ligeira, deve
res, a perfusão pode manter-se 3-7 dias. ser reduzida a dose e ser monitorizada mais regularmente
a magnesemia.
A magnesemia deve ser avaliada cada 24 horas e a taxa
de perfusão ajustada para manter a mesma < 1.25 mmol/L.
Devem ser avaliados frequentemente os reflexos osteo-
tendinosos, pois a hiporreflexia sugere hipermagnesemia.

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Capítulo 07 //

Bibliografia Recomendada

Sambandam K, Vijayan A. Fluid and electrolyte management. In: Coopr DH, Krainik AJ, Lubner SJ, Reno HEL, Micek ST. Eds. The Washington Manual of
Medical Therapeutics. 32nd Ed. St. Luis, Missouri. 2007: 54-101.

Post TW and Rose BD(Authors). UpToDate. At: http://www.Uptodate.com/. Acedido em Setembro 2008.

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