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ANDRÉ BUENO – DULCELI ESTACHESKI

EVERTON CREMA – JOSÉ MARIA SOUSA NETO


[ORGS.]

Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 1

APRENDENDO HISTÓRIA:

MÍDIAS
PRODUÇÃO:
LAPHIS – Laboratório de Aprendizagem Histórica da UNESPAR
Leitorado Antiguo – UPE
Projeto Orientalismo

Aprendendo EDIÇÃO:
História: Edições Especiais Sobre Ontens
MÍDIAS
Página | 2

FICHA BIBLIOGRÁFICA
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José Maria
de Sousa. Aprendendo História: Mídias. União da Vitória: Edições Especiais
Sobre Ontens, 2019.
ISBN: 978-85-65996-69-3
Disponível em www.revistasobreontes.site
SUMÁRIO

CONVIDAD@S
CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA: O DOCUMENTÁRIO EM SALA DE AULA ATRAVÉS
DOS FILMES O TRIUNFO DA VONTADE (1935) E O DIA DA BANDEIRA (1937).
Arthur Gustavo Lira do Nascimento e Flávio Weinstein Teixeira - 8
Aprendendo
A HISTÓRIA EM QUADRINHOS E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM HISTÓRICA: História:
UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO SOBRE OS ESTUDOS DE ETNICIDADE POR MEIO DO MÍDIAS
MANGÁ “MAGI: O LABIRINTO DA MAGIA” Página | 3
Luis Filipe Bantim de Assumpção - 16

A CULTURA HISTÓRICA RELATIVA À DITADURA MILITAR BRASILEIRA A PARTIR


DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Marcelo Fronza - 26

AUTOR@S
A REPRESENTAÇÃO SOBRE A VIDA E A MORTE DE SÔNIA ANGEL JONES NO
DOCUMENTÁRIO SÔNIA MORTA VIVA
Ana Cristina Rodrigues Furtado - 52

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS USOS PÚBLICOS DA HISTÓRIA ANTIGA E


SUAS REPERCUSSÕES
Ana Lucia Santos Coelho e Ygor Klain Belchior - 59

HISTÓRIA DIGITAL NO (E DO) AMAPÁ: A EXPERIENCIA DO BLOG “ENSINO E


TEMPO”
Anderson Luis Azevedo da Rocha - 75

FILMES NAS AULAS DE HISTÓRIA. E AGORA? POR QUE E COMO USÁ-LOS?


Antônio Barros de Aguiar - 82

PROMISSORES CANTEIROS DE CLIO: TEATRO, JOGOS E QUADRINHOS (HQs)


COMO ESTRATÉGIAS AO ENSINO DA HISTÓRIA
Antonio Carlos Figueiredo Costa - 90

ENSINO DE HISTÓRIA E WEBQUEST: POSSIBILIDADE METODOLÓGICA PARA


AULAS DE HISTÓRIA
Antonio Guanacuy Almeida Moura e Jorge Luís de Medeiros Bezerra - 97

O FEMININO EM 'VIKINGS': REFLEXÕES SOBRE AS PERSONAGENS NA CULTURA


ESCANDINAVA MEDIEVAL
Bruno Silva de Oliveira e Michelly Pereira de Sousa Cordão - 102

“HISTÓRIA EM QUADRINHOS E PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO”: PROPOSTA DO


PROJETO DE EXTENSÃO “ARQUEOLOGIA E EDUCAÇÃO PATRIMONIAL:
CONSTRUINDO EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ,
CAMPUS MARCO ZERO”
Carlos Eduardo Barbosa e Jelly Juliane Souza de Lima - 110

A PROPAGANDA ENQUANTO INSTRUMENTO EDUCATIVO NA PROPAGAÇÃO DO


ANTISSEMITISMO NA ALEMANHA DURANTE O GOVERNO DO TERCEIRO REICH
(1933-1945)
Caroline de Alencar Barbosa - 119
UMA ANÁLISE DO FILME BYE BYE BRASIL (1979): SUA COMPREENSÃO ENQUANTO
FONTE HISTÓRICA, E AS CONTRADIÇÕES DA “CHEGADA” DO MODERNO NO
BRASIL
Daniel Fagundes de Carvalho Machado - 129

Aprendendo HISTÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS: UTILIZAÇÃO DE APLICATIVOS DIGITAIS NAS


História: AULAS DE HISTÓRIA
MÍDIAS David Silva Dias e Delcineide Maria Ferreira Segadilha - 137
Página | 4
CINEMA BRASILEIRO E ENSINO DE HISTÓRIA NO COLÉGIO DE APLICAÇÃO DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA (UFSC)
Diogo Matheus De Souza - 145

ENSINO DE HISTÓRIA E CINEMA: FILMES DE ANIMAÇÃO JAPONÊS COMO


FERRAMENTA PARA DISCUTIR A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Dionson Ferreira Canova Júnior - 153

PÓS-GUERRA EM SALA – MEMÓRIA E CINEMA A PARTIR DO FILME ‘RAPSÓDIA EM


AGOSTO’(1991) DE AKIRA KUROSAWA
Douglas Tacone Pastrello - 158

ALIENAÇÃO: REDES SOCIAIS E A CULTURA DO VAZIO


Eder Wilker Soares dos Santos - 163

ENSINO DE HISTÓRIA E GAMES: MÉTODOS E SUGESTÕES


Edmilson Antonio da Silva Junior - 169

A FRONTEIRA NO CINEMA COMO REPRESENTAÇÃO: USOS E ABUSOS


Eduardo Barreto de Araújo - 176

INTERNET E ENSINO: A IMPORTÂNCIA DAS ORIENTAÇÕES DOCENTES PARA UMA


CONEXÃO SEGURA COM A PESQUISA EM HISTÓRIA
Elaine Santos Andrade - 183

PAPISA JOANA: AS POSSIBILIDADES DE ANÁLISE DE UMA PERSONAGEM NOS


CONTEXTOS LITERÁRIO E CINEMATOGRÁFICO
Esteffane Viana Felisberto - 191

INTRODUÇÃO À HISTÓRIA COM O RECUSO DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS


Fabian Filatow - 198

(RE)VISITANDO O YOUTUBE: A PRESENÇA DOS POVOS ORIGINÁRIOS NA


PLATAFORMA
Fábio Júnio Mesquita e Ana Paula Santos de Sousa Mesquita - 205

“EBA! HOJE É FILME” E TEM AULA!: OS FILMES NO ENSINO DE HISTÓRIA


Gabriel Bandeira Alexandre - 213

AS VANTAGENS DE UTILIZAR HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO RECURSO


DIDÁTICO NO ENSINO DE HISTÓRIA
Geane da Silva e Silva e Douglas Mota Xavier de Lima - 220
PRÁTICAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA: ABORDAGEM DO FUTEBOL EM SALA DE
AULA
Guilherme Henrique da Luz Oliveira - 227

A PERSPECTIVA DO TOTALITARISMO POR MEIO DA FRANQUIA


"INJUSTICE": UM ESTUDO DE CASO NO ENSINO DE HISTÓRIA"
Iago Bizatto da Silva e João Matheus Ramos - 233 Aprendendo
História:
CINECLUBE COM A HISTÓRIA E O ENSINO À DISTÂNCIA EM: MÍDIAS
PEDACINHOS DA HISTÓRIA DO CEARÁ Página | 5
Ivaneide Barbosa Ulisses e Celiana Maria da Silva - 237

BRINCANDO COM MEMES: A COMPREENSÃO HISTÓRICA E AS NOVAS LINGUAGENS


NO ENSINO DE HISTÓRIA
Jefferson Fernandes de Aquino -241

O ENSINO DE HISTÓRIA E AS NOVAS TECNOLOGIAS: QUESTÕES DE MÉTODOS E O


ENSINO APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA EM PROTAGONISMO DISCENTE
João Batista da Silva Junior - 247

PERSEGUIÇÃO ÀS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA NO RECIFE NA DÉCADA DE


30: O JOGO DE TABULEIRO COMO FORMA DE APRENDIZAGEM
Jonas Durval Carneiro e Jaime de Lima Guimarães Jr. - 253

NOVAS FORMAS DE ENSINAR HISTÓRIA: OS JOGOS ELETRÔNICOS COMO


FERRAMENTA LÚDICA
Jorgeana Roberta Alcântara Teixeira - 265

O USO DAS MÍDIAS EM SALA DE AULA: MÚSICAS E O ENSINO DE HISTÓRIA


José Carlos Silva Neto e Otávio Vicente Ferreira Neto - 270

A EDUCAÇÃO DO CIBORGUE: QUESTÕES DO AGORA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA


Leandro Couto Carreira Ricon - 278

A PEDAGOGIA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: POSSIBILIDADES EM SALA DE


AULA
Lilian Bento de Souza Silva e Leonardo Paiva Monte - 286

O ANTIGO EGITO NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL


Leonardo Candido Batista - 293

USOS E POSSIBILIDADES DO ACERVO DIGITAL DA LUTA PELA ANISTIA NO


MARANHÃO: ANISTIA, MEMÓRIA E ENSINO DE HISTÓRIA NO CIBERESPAÇO
Leonardo Leal Chaves - 301

CINEMA E HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE: REGIME MILITAR BRASILEIRO EM PRA


FRENTE BRASIL (1982)
Marcelo Gonçalves Ferraz - 308

A ANTIGUIDADE NOS QUADRINHOS: O USO DOS 300 DE ESPARTA DE FRANK


MILLER NO ENSINO DE HISTÓRIA
Márcio Vitor Santos - 314
“A DESCOBERTA DA AMÉRICA” EM HQ: UMA POSSIBILIDADE DE METODOLOGIA
PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Mateus Delalibera - 323

LETRAMENTO DIGITAL: USO DO YOUTUBE PARA ALÉM DA SALA DE AULA


Priscila Nascimento Marcelino e Nismária Alves David - 340
Aprendendo
História: ESTUDANDO HISTÓRIA A PARTIR DO CINEMA: IMPORTÂNCIA E VANTAGENS DO
MÍDIAS USO DE FILMES NAS AULAS DE HISTÓRIA
Página | 6 Raimundo Nonato Santos de Sousa - 350

ENCURTANDO CAMINHOS: DIÁLOGO ENTRE A ACADEMIA E O ENSINO BÁSICO


ATRAVÉS DE JOGOS DIDÁTICOS
Ristephany Kelly da Silva Leite e Luana Ramalho de Sá Leite - 353

A HISTÓRIA NA ERA GOOGLE: O PAPEL DO HISTORIADOR PÚBLICO DIGITAL


FRENTE ÀS ARMADILHAS REVISIONISTAS
Thiago Acácio Raposo - 359

NAVEGANDO POR MARES (DES)CONHECIDOS: A PESQUISA HISTÓRICA NA ERA


DIGITAL
Thiago Acácio Raposo - 367

JOGOS COMO FERRAMENTA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA DA AMÉRICA


PORTUGUESA
Victor André Costa da Silva e Eudymara Queiroz da Cruz - 374

DESAFIOS PARA O USO DOS VIDEOGAMES COMO FERRAMENTA DE EDUCAÇÃO EM


HISTÓRIA
Vinícius de Oliveira Ceciliano - 381
CONVI Aprendendo

DAD@S
História:
MÍDIAS
Página | 7
CINEMA E ENSINO DE HISTÓRIA: O DOCUMENTÁRIO EM SALA DE
AULA ATRAVÉS DOS FILMES O TRIUNFO DA VONTADE (1935) E O
DIA DA BANDEIRA (1937)
Arthur Gustavo Lira do Nascimento
Flávio Weinstein Teixeira
Aprendendo
História:
MÍDIAS O cinema surgido no final do século XIX criou nos homens novas formas de
Página | 8 ver, interpretar e representar a sociedade. Inicialmente como um modo de
entretenimento e registro do “real”, logo se tornaria um grande veículo de
comunicação, educação e política. As práticas sociais e culturais que se
constituíram ao redor da cinematografia ganharam uma atenção especial
das ciências humanas e não passaram despercebidas pelos historiadores. A
sétima arte mostrou-se um produto complexo em relação à história,
trazendo novos caminhos de abordagens e aparecendo tanto na pesquisa
historiográfica quanto no ensino.

Segundo Marc Ferro (2010, p. 33), o cinema permite o conhecimento de


regiões nunca antes exploradas, abrindo caminhos a novos olhares. Com o
seu desenvolvimento a sétima arte também assumiu uma função política-
pedagógica, utilizando-a como peça doutrinária e propagandística de vários
regimes políticos. Estados Unidos, Alemanha, França, União Soviética,
dentre tantas outras nações – inclusive o Brasil – estiveram atentos ao
papel político do cinema. Essa intervenção aconteceu por métodos que
tornaram os filmes eficazes aos projetos políticos, operacionalizadas com as
devidas particularidades da sociedade que a produzia, sendo assim,
experiências únicas em cada local.

Hoje há inúmeros pesquisadores utilizando os materiais audiovisuais que


nos tem sido legado ao longo do tempo como fonte e objeto para suas
pesquisas acadêmicas. Para além disto, há diversos professores,
especialmente de História, que difundem cada vez mais o emprego de
ferramentas audiovisuais, como os filmes históricos e os documentários
comerciais, enquanto materiais didáticos.

Porém, podemos ir além dos materiais comumente utilizados. Por exemplo,


analisando o próprio conteúdo produzido pelos regimes autoritários surgidos
durante a década de 1930. Estes filmes nos permitem a imersão na
discussão sobre o uso do cinema como ferramenta doutrinária-pedagógica e
propagandística, trabalhando conceitos como a massificação da sociedade e
a legitimação política desses regimes. Como toda utilização fílmica em sala
de aula deve ser: “(...) incentivando o aluno a se tornar um espectador
mais exigente e crítico, propondo relações de conteúdo/linguagem do filme
com o conteúdo escolar. Este é o desafio” (NAPOLITANO, 2013, p. 14).

É importante pensar que se por um lado o acesso e incentivo ao consumo


de filmes históricos e documentários comerciais é restrito (relacionamos
aqui essa categoria aos filmes do History Channel, National Geographic,
BBC, entre outros), sua possibilidade ainda se encontra garantida por meios
digitais, internet e na TV por assinatura. Todavia, o acesso às fontes
históricas audiovisuais de época nos parece ainda mais limitado, cabendo ao
professor-historiador o levantamento, apresentação, contextualização e
problematização.

Para o sociólogo francês Pierre Bourdieu (2007) a experiência dos indivíduos


com o cinema é constituída pelo o que ele denominou como “competência Aprendendo
para ver”, uma disposição, valorizada socialmente para analisar, História:
compreender e apreciar a linguagem cinematográfica. Entretanto, essa MÍDIAS
competência é gestada pela atmosfera cultural em que cada um está Página | 9
inserido, isso incluindo também a escola (in: DUARTE, 2009). Em outras
palavras, isso significa pensar que nossas experiências culturais e sociais
desenvolvem nossas maneiras de ver o mundo e os filmes. Cabe a escola
também a ampliação das possibilidades e recursos para novas relações com
o cinema e com as mídias em geral. O tipo de materiais que aqui nos
propomos a levar a sala de aula é ainda produto restrito aos historiadores
e/ou um público específico, apesar de se constituir ricas narrativas que
podem ser levadas também às salas de aula.

Na Alemanha dos anos 30 e 40 os nazistas utilizaram do cinema como


ferramenta política. Adolf Hitler financiou diversas produções de
documentários que exaltavam o nazismo. Solicitado pelo Führer, a diretora
alemã Leni Riefenstahl produziria “O Triunfo da Vontade” (1935), que traz
em sua narrativa discursos e imagens ressaltando a força e influência do
Partido Nazista perante as massas. As imagens representam ricas fontes
para o estudo da propaganda do Terceiro Reich. Utilizar esses filmes em
sala de aula, por exemplo, nos permite uma abordagem sobre o papel da
cultura na Alemanha nazista, através das práticas e representações que
instituíram o Nazismo como o discurso hegemônico.

O “Triunfo da Vontade” retratou o VI Congresso do Partido Nazista ocorrido


entre os dias 4 e 10 de setembro de 1934 na cidade de Nuremberg.
Segundo Ana Elisabeth Rodrigues Faro: “O congresso foi planejado para ser
o maior e o mais suntuoso do país, devendo demonstrar o poder e a união
do Partido sob a liderança de Hitler” (FARO, 2008, p. 1). De fato, os
congressos do partido eram grandiosos eventos, em que os nazistas
espalhavam a magnitude de seus projetos, através de discursos que eram
recebidos pela população com entusiasmo. Tendo uma atenção especial
para os congressos, o Führer enxergou nesses eventos, um forte meio de
propaganda e autoafirmação do poder nazista perante as massas. De
acordo o historiador canadense Modris Eksteins: “Enquanto os anos
passavam dava-se atenção cada vez maior a encenação das comemorações
do partido, particularmente aos comícios-monstros anuais de setembro em
Nuremberg” (EKSTEINS, 1991, p. 408).

Leni Riefenstahl revolucionou o cinema do período por trazer inovações à


estética documental e também marcou a história por ficar conhecida como a
“cineasta de Hitler”. Ela foi peça fundamental de um grande maquinário de
propaganda política do nazismo, que exaltava os trabalhadores alemães, os
discursos dos líderes do partido e também toda a esfera de entusiasmo dos
alemães para com o Führer. Segundo Eksteins (1991, p. 406): “(...) a
cineasta (...) evocou a ‘beleza’ do nazismo, provinha de uma fascinação
conjunta pela ‘arte’ do controle social”.

A propaganda foi um forte aliado para o fortalecimento do discurso nazista


na sociedade alemã. O próprio Hitler fez várias considerações sob o tema
Aprendendo em “Mein Kampf”. O papel social da propaganda política como legitimadora
História: do poder deu novos significados a uma Alemanha que havia sido derrotada
MÍDIAS durante a Primeira Guerra.
Página | 10
O cinema como propaganda foi uma novidade do século XX. Enquanto que
para muitos empresários era encarado como um grande negócio, bastante
lucrativo às desesperanças econômicas da época; para o Estado, o cinema
foi visto como um forte veículo de propaganda. Segundo Marc Ferro (2010,
p. 16): “(...) desde que os dirigentes de uma sociedade compreenderam a
função que o cinema poderia desempenhar, tentaram apropriar-se dele e
pô-lo a seu serviço (...)”. Não só os alemães se utilizaram da sétima arte
enquanto ferramenta política: durante a Segunda Guerra Mundial, os
Estados Unidos produziram vários filmes de caráter patriota e antinazistas
que serviram de propaganda de guerra. Alguns filmes como Horas de
Tormenta (Watch on the Rhine, de 1943), Os Filhos de Hitler (Hitler’s
Children, de 1943) e A Sétima Cruz (The Seventh Cross, de 1944) são
exemplos da propaganda antinazista produzida por Hollywood. Mesmo
antes da entrada dos EUA no conflito, a indústria americana já havia
produzido diversos filmes com esse teor.

Em março de 1933, foi criado na Alemanha Nazista o Ministério de


Informação e Propaganda Alemã, que possuía um departamento específico
destinado ao cinema. Departamento destinado especificamente ao cinema,
que inspiraria a política cultural e propagandística de outros governos como
é o caso do Estado Novo brasileiro (ALMEIDA, 1999, p. 123). O próprio
Joseph Goebbels, ministro da Propaganda durante o Nazismo, possuía uma
admiração especial ao cinema, reconhecendo o papel doutrinário que o
mesmo poderia operar na sociedade. Goebbels acompanhava de perto a
produção cinematográfica alemã do período. O nazismo buscou um aparelho
de controle social através de um artefato cultural.

No Brasil, o Estado Novo (1937-1945) marcou a emergência de um


nacionalismo patrocinado pelo governo. A questão nacional fez parte do
projeto político voltado à cultura, educação e propaganda. Todavia, tais
propostas têm raízes no período que vai de 1930 a 1937, durante uma
primeira fase do Governo Vargas iniciada pelo Golpe de 1930, junto aos
intelectuais e políticos que promoveram medidas centralizadoras e de
controle social que se tornaria base do novo regime. O Departamento de
Propaganda e Difusão Cultural (DPDC), fundado em 1934 e o Instituto
Nacional do Cinema Educativo (INCE) de 1936, assumiriam neste período o
papel de formadores da nação, sobretudo no que diz respeito à produção
cinematográfica.

O cinema passa assim a ser visto em seu valor político e foi diretamente
ligado ao Estado. Tornou-se uma questão de moral pública e política, era a
escola viva para as massas, uma “influência aos cérebros em formação”,
como destacou Roberto D’Assunção Araújo. Em função disso, era preciso
extirpar da sociedade o mau cinema, aquele que infiltra “más ideias” nas
pessoas dispostas a aprender tudo, de bom ou de mal. O cinema tratava-se
de uma questão de ordem.
Aprendendo
Enquanto que o DPDC era vinculado ao Ministério da Justiça, o INCE, criado História:
em 1936, fazia parte do Ministério de Educação e Saúde. O projeto do INCE, MÍDIAS
iniciado em 1935, contou com um longo estudo sobre a situação do cinema Página | 11
educativo no Brasil e no mundo. Mostrando a necessidade de criar um órgão
que pensasse e sistematizasse o cinema educativo aplicáveis ao ensino e à
educação do povo, o projeto faz duras críticas ao rádio “que em nada tem
contribuído” para a formação nacional, exaltando a importância do cinema
na vida moderna e o seu desenvolvimento nos países europeus (GCg
35.00.00/2. Centro de Pesquisa e Documentação Contemporânea/CPDOC –
Fundação Getúlio Vargas/FGV).

Para a formação do INCE, alguns exemplos europeus foram observados. Em


julho de 1936, Roberto Assumpção de Araújo, jovem nadador brasileiro
participante das Olimpíadas de Berlim, aceitou o pedido do Ministério da
Educação para que em sua viagem relatasse a situação do cinema educativo
na Alemanha, Bélgica, França e Itália. Posteriormente Araújo viria a
trabalhar para o INCE. Em 1939, ele defenderia a tese “O cinema sonoro e
a educação”, em que afirma a importância do cinema como instrumento
pedagógico e como a sonorização veio qualificar esse aparelho.

Seu relatório sobre a experiência europeia cita o caso dos alemães que em
1934 fundaram um departamento do governo para o controle, produção e
distribuição de filmes educativos de nível secundário e superior, o
Reischtelle fur den Unterrischtsfilm. Com uma boa estrutura, salas
equipadas, laboratórios modernos e com uma das cinematecas mais ricas
do mundo, Roberto Assumpção exalta o órgão alemão. Também era de sua
responsabilidade a produção da revista Film und Bild que contava com um
relatório mensal de suas atividades e catálogo permanente dos últimos
filmes. Até o momento de sua visita, ele descreve que já haviam sido
realizados pelo órgão 322 filmes. Contribuíam para a realização desses
filmes as universidades, escolas técnicas e institutos científicos, prática que
será adotada também pelo INCE.

Sobre o cinema educativo francês, Roberto Assumpção elogia o trabalho da


Musée pédagogique de l'Etat, do Ministério da Educação Nacional, que
trabalhava com filmes escolares; o Institut de Cinema Scientifique e
Association pour la Documentation Cinématographique dans les Sciences,
destinados aos filmes científicos e documentários, destacando a parceria
entre governo com as associações não oficiais e iniciativa privada.
Roquette-Pinto, que posteriormente também fez suas considerações sobre o
trabalho do cinema educativo nesses países chamou atenção para a
preocupação pedagógica e o uso científico do cinema. Referenciando
novamente a Marc Ferro (1983, p. 11), é importante relevar que a
construção de um passado, ou nesse caso específico, da ciência, muitas
vezes associado aos livros didáticos, também passa pelos diversos veículos
de comunicação existentes, como os quadrinhos, o rádio e o próprio
cinema, não se limitando aos livros científicos.

O cinema respondia (e ainda responde) às preocupações políticas de cada


Aprendendo lugar. Na Itália de Mussolini, buscando a regeneração pós-guerra, o próprio
História: general exaltava que “o cinema é a arma mais forte” (SCHVARZMAN, 2000,
MÍDIAS p. 222-223). As experiências italianas, francesas e alemãs sobre o cinema
Página | 12 formaram uma grande influência para a política cultural do Estado Novo. Os
órgãos brasileiros apesar de influenciados por esses múltiplos olhares sobre
o cinema viriam atender as particularidades do Estado Novo e dos próprios
realizadores locais, não resultando assim numa cópia dos órgãos europeus,
mas uma apropriação do caráter emergencial que o cinema trazia para a
vida política, adaptado as suas necessidades.

Durante a década de 1930, duas vertentes permearam a atenção do Estado


sobre o cinema: a questão educativa, nessa busca pela formação do homem
brasileiro através da educação formal; e a propaganda de massas,
vinculada a difusão dos valores propostos pelo regime ao povo brasileiro.
Ambas se completariam pela censura, controlando posições contrárias ao
discurso dominante. Com a instauração do Estado Novo em 1937, o
governo brasileiro precisou fortalecer ainda mais a questão da propaganda
política e a formação nacional.

O uso de símbolos e imagens foi fortemente explorado pela política cultural


e propagandística do Estado Novo. “A bandeira brasileira e a figura de
Vargas foram os símbolos mais explorados nas representações visuais do
Estado Novo” (CAPELATO, 2009, p. 52). As festividades serviriam como
palco da consagração política. Na Capital Federal, o jornal Correio da Manhã
noticiava a expectativa de milhares de pessoas na Praça Paris onde seria
armado o Altar da Pátria, para a realização da cerimônia cívica e religiosa. O
presidente e as autoridades ficaram num palanque especial nos pés do Altar
da Pátria. Tudo estava envolto não apenas da cerimônia, mas do próprio
sentido dado ao “recém-inaugurado” Estado Novo. As realizações daquele
dia foram amplamente propagandeadas pelos jornais e por outros meios de
comunicação. O cinegrafista Alberto Botelho, dono da A Botelho Films,
também acompanhou a cerimônia, registrando os principais pontos do
evento.

O filme “Bandeira do Brasil”, realizado em 35 mm, preto e branco, foi um


dos primeiros registros do Estado Novo. Curta-metragem sonoro, o
documentário foi feito sob os padrões discursivos do regime: exaltação da
figura do presidente e principais autoridades, e obviamente, a bandeira
nacional como unidade e objeto de devoção.

A primeira parte do filme é destinada à realização da Missa Campal no Altar


da Pátria que conta com uma bandeira de mais de dez metros por trás da
parte superior do púlpito. Celebrada por Dom Sebastião Leme, a cerimônia
taxada pelos jornais como cívico-religiosa, contou com um coro orfeônico,
que entoou os cantos da missa regidos pelo maestro Heitor Villa-Lobos,
outra personalidade que manteve uma relação direta com o novo regime.
Durante o filme de Alberto Botelho, as massas aparecem uniformes,
formando uma harmonia não só sonora, como corporal. Esses corpos
coletivos fazem contrastes com as figuras individuais das personalidades
políticas que aparecem durante os cantos. Ao falar sobre o cinema de Leni
Rienfenstahl, Susan Sontag explica como a estética da cineasta alemã Aprendendo
transforma pessoas em massa, sem individualidade, “agrupamento de História:
pessoas ao redor de uma força toda poderosa e hipnótica ou de uma figura- MÍDIAS
líder” (SONTAG, 1986, p. 72). Página | 13
Terminada a missa campal, o hasteamento da bandeira nacional foi feito
por Vargas, que no discurso afirma estar também erguendo toda a nação.
Sendo hasteados ao mesmo tempo vemos outros vinte e dois mastros com
iguais bandeiras do Brasil, simbolizando os estados. Tudo é unidade, o
Brasil é um só. Vê-se então uma multidão balançando pequenas bandeiras
em suas mãos. A coesão nacional possuiu uma trilha: o Hino da Bandeira.
“Recebe o afeto que se encerra em nosso peito juvenil / Querido símbolo da
terra, da amada terra do Brasil!”. É feito então a cremação das bandeiras
estaduais, que desapareceram com a Constituição de 1937, motivo
destacado pelo narrador: para serem substituídas por uma só bandeira, a
nacional.

O discurso de Francisco de Campos, segunda e última parte do filme, é


emblemático. O peso desse personagem na película pode ser justificado
pelo fato de ser ele o autor da constituição de 1937. Seu discurso é enfático
na questão da bandeira como símbolo de unidade nacional, explorando o
aspecto sentimental e o direcionamento para que seu público seja parte
constitutiva desse novo regime:

“[...] Bandeira do Brasil és hoje a única, hasteada esta hora em todo


território nacional única e só. Não há lugar no coração dos brasileiros para
outras flâmulas, outras bandeiras, outros símbolos. Tu és a única porque só
há um Brasil. Em torno de ti se refaz de novo a unidade do Brasil. A
unidade de pensamento e de ação. A unidade que se conquista pela
vontade e pelo coração. A unidade que somente pode reinar quando se
instaura pelas decisões históricas, por entre as discórdias e as inimizades
públicas, uma só ordem moral e política, a ordem soberana feita de força e
ideal, a ordem de um único pensamento e de uma só autoridade: o
pensamento e a autoridade do Brasil. Trabalhar por ele e defendê-lo
dedicando ao Brasil o vosso pensamento e o vosso coração. Antes de tudo,
soldados do Brasil. A vocação da juventude em horas como esta deve ser a
vocação dos soldados seja qual for o seu nascimento, a sua fortuna, a sua
inclinação, o seu trabalho. Que cada um na sua escola, no seu oficio, na sua
profissão, seja um soldado.”

Durante sua fala, as imagens exibem diversas marchas, os grupos


presentes empunham a bandeira nacional. Jovens, homens, mulheres e
crianças aparecem em vários grupos desfilando e empunhando a bandeira
nacional. No final, um desfile militar aparece, carregando ao invés da
bandeira, armas. As forças do Estado Novo eram assim traçadas pela
representação fílmica: autoridades políticas, militares e religiosas em
consonância com a população, davam forma ao corpo imagético da nação.
Dessa maneira, dava-se corpo ao regime sob uma impressão de realidade a
que se propunha o documentário.

Aprendendo A construção da realidade através das imagens, ou a sua impressão de


História: realidade é um tema bastante presente nos estudos da relação entre
MÍDIAS Cinema e História. Ainda mais quando sobre o documentário. Gênero
Página | 14 comumente denominado como “não ficcional”, traz em si alguns problemas
conceituais que expõe a compreensão sobre o que é cinema, sua função e
seu objeto.

Para além das discussões sobre ficção e documentário, ressaltamos que


todo filme documenta algo. É testemunha de uma época. Um presente
registrado e, muitas vezes, um passado representado. Temas, textos,
cores, sons, movimentos de câmera, tempos, etc. Inclusive, aquilo que está
fora da imagem. Todo filme é um filme-documento. Utilizar esses filmes
seja na pesquisa historiográfica ou em sala de aula é instigar a investigação
do passado através de novos caminhos. Um caminho aberto à inquietação e
constantes descobertas.

Referências
Arthur Gustavo Lira do Nascimento é Doutorando e Mestre em História pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) onde desenvolve pesquisa na
área da História Cultural do Cinema sob financiamento da CAPES/DS.

Flávio Weinstein Teixeira é professor adjunto da Universidade Federal de


Pernambuco (UFPE) e orientador de mestrado e doutorado do Programa de
Pós-Graduação em História. Tem experiência na área de História, com
ênfase em História Cultural/Intelectual.

ALMEIDA, Cláudio Aguiar. Cinema como agitador de almas: Argila, uma


cena do Estado Novo. São Paulo: Ed. Annablume, 1999.

ARAÚJO, Roberto Assunção. O cinema sonoro e a educação. Tese. 1939.

BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo:


Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2007.

CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em cena: propaganda política no


varguismo e no peronismo. São Paulo: Editora UNESP, 2009.

DUARTE, Rosália. Cinema & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora,


2009.

EKSTEINS, Modris. A sagração da primavera: a grande guerra e o


nascimento da era moderna. Rio de Janeiro: Rocco, 1991.

FARO, Ana Elisabeth Rodrigues. O triunfo da vontade: o cinema a serviço da


ideologia. Revista: O Olho da História, n.11, dezembro, 2008.
FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de
comunicação. São Paulo: IBRASA, 1983.

FERRO, Marc. Cinema e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2010.


Aprendendo
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: História:
Contexto, 2013. MÍDIAS
Página | 15
SCHVARZMAN, Sheila. Humberto Mauro e as Imagens do Brasil. Tese de
Doutorado. Departamento de História da UNICAMP, Mimeo 2000.

SONTAG, Susan. Sob o signo de Saturno. Porto Alegre: L&PM Ed., 1986.
A HISTÓRIA EM QUADRINHOS E O PROCESSO DE APRENDIZAGEM
HISTÓRICA: UMA EXPERIÊNCIA DE ENSINO SOBRE OS ESTUDOS DE
ETNICIDADE POR MEIO DO MANGÁ “MAGI: O LABIRINTO DA
MAGIA”
Luis Filipe Bantim de Assumpção
Aprendendo
História:
MÍDIAS A experiência em sala de aula é algo que se manifesta, já na graduação,
Página | 16 como um resultado prático de nosso ofício enquanto professores. A sua
vivência, bem como relevância, pode ser comparada a um desafio próprio
dos jogos eletrônicos atuais, sobretudo os de Role-Playing Game. Isso
porque não importa o tempo e os esforços investidos na sua realização
plena, nós nunca teremos o controle de suas variáveis. Contudo, um
aspecto inegável é a satisfação de saber que a nossa “missão” foi cumprida
adequadamente. Essa circunstância se materializa não somente a partir dos
olhos surpresos e de satisfação de nossos alunos, mas também por
percebermos que amadurecemos nesse processo de ensino e
aprendizagem.

Diante do exposto e dialogando com o simpósio “Aprendizagens Históricas:


relatos e experiências de sala de aula e planejamento”, a partir do qual
partilhamos a coordenação com o nosso grande amigo, o Prof. Dr. Carlos
Eduardo da Costa Campos, aproveitamos a ocasião, inclusive, para
problematizar o uso da História em Quadrinhos em sala de aula. Tal
experiência ocorreu no curso de graduação em História, da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, campus de Coxim, na condição de professor
colaborador, da disciplina optativa de Antropologia para História, a convite
do Prof. Campos. A disciplina ocorreu na modalidade “Curso de verão”, com
aulas concentradas no período noturno, entre 7 de janeiro e 2 de fevereiro
de 2019.

No decorrer de nossas pesquisas acadêmicas, tivemos a oportunidade de


investigar sobre a etnicidade espartana, na passagem do período Arcaico
para o Clássico, além de termos cursado disciplinas sobre antropologia
cultural e etnicidade. Com isso, em nossa estada na UFMS, tive a
incumbência de realizar uma análise crítica da obra de Philippe Poutignat e
Jocelyne Streiff-Fenart, intitulada “Teorias da Etnicidade”. Neste trabalho,
os autores manifestaram a importância das pesquisas de Fredrik Barth para
os avanços dos estudos antropológicos acerca do conceito de etnicidade
(POUTIGNAT; STREIFF-FENART, 2011, p.61). Ao longo de sua exposição, os
autores demarcaram as vertentes teóricas que desenvolveram abordagens
científicas sobre a etnicidade e a maneira, por vezes colonialista, como este
conceito foi empregado pelos ocidentais (POUTIGNAT; STREIFF-FENART,
2011, p. 22). A proposta parecia simples, afinal, bastava lermos o livro e
levantar uma abordagem crítica a respeito. Ledo engano.

Ao considerarmos as especificidades do curso de História da UFMS, campus


de Coxim, fomos levados a repensar a nossa postura. Não seria
interessante realizarmos uma leitura seguida de debates com os alunos,
uma vez que essa metodologia não auxiliaria de modo eficaz uma
construção ativa do conhecimento ao considerar uma turma na qual seus
integrantes trabalham ao longo do dia e costumam ir direto para a
Universidade, ou seja, chegando às 18h30min e saindo às 22h30min, sendo
que alguns moram em cidades vizinhas. Nesse sentido, adotamos um
planejamento que considerasse as limitações físico-mentais dos alunos
depois de um dia inteiro no trabalho, bem como por precisarem permanecer Aprendendo
em sala de aula por mais quatro horas. História:
MÍDIAS
Sendo assim, organizamos as nossas aulas utilizando alguns trechos de Página | 17
histórias em quadrinhos para que os alunos pudessem materializar as
informações por nós transmitidas e observassem a maneira como o
conhecimento era articulado a partir de vias com as quais eles estavam
pouco familiarizados. Seguindo a premissa de Túlio Vilela (2018, p. 106-
107), é preciso considerar que os quadrinhos são mais um recurso
pedagógico do qual dispomos, havendo a necessidade de empregá-los de
forma adequada para que o resultado deste trabalho fosse interessante. Ao
adaptarmos as palavras de Waldomiro Vergueiro (2017, p. 119-123),
notamos que não basta termos a boa intenção em utilizar os quadrinhos,
nós devemos ser rigorosos ao tratá-los como objeto científico. Por outro
lado, Vergueiro também advertiu sobre a preocupação que devemos ter
com os nossos leitores/receptores, tendo em vista que muitos desconhecem
o que estamos falando.

Após tomarmos esse cuidado, demos início a uma nova etapa do nosso
planejamento, ou seja, qual(is) quadrinho(s) utilizar em nossa aula? Diante
desse desafio, consideramos a proposta de Poutignant e Streiff-Fenart que,
para apresentar o desenvolvimento do conceito de etnicidade, mobilizaram
as noções de raça, etnia e nação. Nesse sentido, nos coube selecionar uma
obra que pudesse corresponder com as especificidades da turma, das
demandas conceituais e temáticas, mas também as nossas necessidades
didático-pedagógicas.

Para tanto, optamos por utilizar o mangá “Magi: O Labirinto da Magia”, da


autoria de Shinobu Ohtaka e publicado no Brasil pela Editora JBC. Ainda que
o mangá tenha características específicas diante das histórias em
quadrinhos (HQs) ocidentais, não podemos negar que as suas narrativas
também se enquadram nessa nomenclatura, ao levar em conta que se
desenvolvem em quadros sequenciais. Contudo, trabalhar com os mangás
parece requerer mais cuidados se comparados aos quadrinhos ocidentais.
Segundo Djota Carvalho (2006, p. 53), muitos professores desconhecem os
elementos culturais e as representações heroicas que os mangás
promovem. E a isso se somou o fato de que, no Brasil, muitos mangás de
sucesso chegaram ao nosso território por meio dos animês, visto que
muitas dessas animações foram taxadas como violentas e distantes de
nossa percepção (ocidental) de mundo.

Sidney Gusman (2005, p. 79) nos esclareceu que os mangás começaram a


chegar no Brasil na década de 1980, sendo intermediados pelas editoras
norte-americanas. Todavia, muitos desses mangás serviram de base para a
criação de animês, isto é, a animação serializada do conteúdo originário
destas revistas em quadrinhos. Com isso, muitos espectadores preferem
assistir à animação serializada do que ler o mangá. Nesse sentido, o Brasil
ainda se torna emblemático por facilitar a entrada dos animês por meio dos
canais de televisão ou serviços de streaming. Logo, a discrepância temporal
que separa os mangás de seus animês provém de alguns anos, fazendo
Aprendendo com que muitos prefiram assistir séries animadas do que investir em
História: recursos para comprar os mangás – isso quando eles chegam ao Brasil.
MÍDIAS
Página | 18 Não só de problemáticas vive o nosso ofício. Na verdade, o caso de “Magi:
O Labirinto da Magia” foi algo bastante peculiar, tendo em vista a sua
temática voltada para a conectividade e as relações políticas entre
sociedades, tendo como cenário “O Livro das Mil e Uma Noites”. Outra
especificidade deste mangá foi a Editora JBC vir publicando periodicamente
os seus volumes, os quais coincidiram com a chegada de sua animação ao
público brasileiro a partir do serviço da Netflix. Sendo assim, em que
medida este mangá nos auxilia a pensar uma aula de Antropologia para o
curso de História? Ou ainda, de que maneira os assuntos abordados nesse
mangá nos permitem problematizar conceitos inerentes às ciências
humanas e presentes na obra de Poutignat e Streiff-Fenart? É aí que a
“magia” começa.

A obra se inicia com a figura de um mago chamado Aladim que passa a


interagir com muitos tipos de pessoas em uma região na qual a
ambientação relembra a aridez de algumas partes do Oriente Médio. Ainda
no início do primeiro volume – lançado em 2014 pela Editora JBC – Aladim
passa a se relacionar com saqueadores, com caravanas que atravessam o
deserto para comercializar e condutores de bens e produtos. É nessa
ocasião que Aladim conhece Ali Babá, tido como o segundo protagonista da
trama. Em meio a alguns momentos de tensão, Aladim e Ali Babá logo se
veem diante de dilemas político-sociais da sociedade que integram, pois, o
produtor de vinhos que está sendo transportado por Ali Babá prefere
sacrificar um escravo ao invés de perder a sua valiosa produção.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 19

Fig.1
O comerciante de vinhos Budel prefere salvar a sua mercadoria ao invés da
vida de uma jovem escrava. Notem que o jovem Ali Babá (ao lado inferior
esquerdo do comerciante) tenta resgatar a jovem, cuja mãe observa a
situação com ar de pânico. (MAGI, v. 1, 2014, p. 75).

Diante de debates envolvendo o conceito de raça, etnia e nação, tal cena


nos ajudou a problematizar com os alunos os pressupostos que foram
construídos para determinar a escravidão de um sujeito. Isso porque há
uma visão brasileira, em razão da sua historicidade, que acabou
generalizando o conceito de escravidão como sinônimo de raça. Ou seja,
para uma parcela dos brasileiros, o processo de escravização é vinculado
apenas aos negros. Portanto, em “Magi: O Labirinto da Magia”, não
somente podemos problematizar esse conceito, demonstrando as
especificidades temporais, bem como apresentar essa prática em outros
sociedades e temporalidades, como também desconstruímos a ideia de
hierarquia racial, nos moldes do imperialismo do século XIX. As reações
foram variadas, uma vez que muitos se mostraram surpresos com o fato de
um mangá recente abordar essas questões e sobre o novo conhecimento
que estavam edificando na aula. Dessa forma, nos coube ressaltar que a
escravidão na obra foi utilizada para caracterizar a organização política,
social, cultural e econômica daquela sociedade, assim como para tecer
críticas sobre práticas exploratórias entre pessoas.

Alexandre Barbosa (2005, p. 107) afirmou que o quadrinho japonês soube


Aprendendo articular o histórico e o ficcional, permitindo a criação de histórias lúdicas e
História: cheias de possibilidades interpretativas, o que ressalta o seu “[...] forte elo
MÍDIAS entre o real e o imaginário popular”. Endossamos Barbosa com a proposição
Página | 20 de Alexandre Nagado (2005, p. 49) que destacou o fato dos mangás
abordarem temáticas que versam sobre amizade, coragem, lealdade e
superação de obstáculos, aspectos que não se limitam a uma realidade
político-geográfica ou a pressupostos étnicos específicos. Sendo assim,
convergindo com os autores, a narrativa de “Magi” nos permitiu criar um
mecanismo pedagógico e lúdico para levantar questionamentos importantes
acerca do desenvolvimento de debates sobre os conceitos de etnia e raça,
em conformidade com o contexto de sua emergência.

Ao longo de sua narrativa, chega-se ao arco de Magnostadt, sendo este um


Estado independente governado por magos, que considera os portadores da
magia como homens superiores que devem governar os demais. Este arco
se inicia quando o mago Aladim decide ir até Magnostadt para entender os
problemas inerentes àquela sociedade, onde o preconceito étnico pode
culminar em uma guerra. Em um universo no qual as sociedades são
governadas por monarquias, termos um Estado governado por magos e
submetendo a população “não maga” com um discurso de superioridade
étnica parece bastante familiar aos discentes para o estudo do autoritarismo
e etnocentrismo em nossa realidade.

O discurso próprio ao mangá nos permitiu tecer críticas acerca do ideal de


nação e etnocentrismo, assim como trabalhar as chaves-conceituais
relativas a identidade nacional e a identidade étnica. Como manifestaram
Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart (2011, p. 72), as identidades
étnicas são negociadas em um jogo de poder que pressupõe interesses
mútuos entre os grupos envolvidos nesse processo, o qual manifesta
aspectos culturais, pertencentes a um “passado comum”, mas também uma
carga ideológica intensa que pode se modificar conforme as circunstâncias.
Partindo dessa premissa, verificamos que em “Magi” o Estado de
Magnostadt promovia a sua identidade nacional pautada na ideia de que
todos ali eram semelhantes por serem magos. O discurso supremacista de
seus líderes servia de fio condutor para as suas atitudes, as quais iam do
investimento em tecnologia para melhorar a condição de vida das pessoas
até o uso da energia vital de “não magos” para sustentar o uso contínuo de
tais instrumentos tecnológicos. Elemento esse que problematizamos sobre o
viés da exploração do trabalho e desigualdade social entre os homens, em
nossas sociedades.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 21

Fig. 2
Enquanto Aladim e o seu colega de quarto conversam sobre a estrutura
social de Magnostadt. Nessa representação, vemos uma estrutura de castas
que se assemelha a sociedade indiana, mas também reforça a diferença
político-social existente nesta sociedade (MAGI, 16, 2015, p. 102).

A cena que segue a estruturação da sociedade de Magnostadt é Aladim


indagando a uma professora sobre a maneira como ele, um estudante de
segundo ano de magia, poderia ter acesso à área na qual residem os
cidadãos de grau 5. A sua professora responde que os alunos somente
podem acessar essa região depois de terem assistido à aula de “educação
ideológica” (MAGI, 16, 2015, p. 103). Neste momento, o mangá nos
permitiu desenvolver inúmeros questionamentos, contudo, o mais relevante
é pensar sobre a maneira como a ideologia influi na nossa percepção sobre
uma identidade étnica.

Outro elemento interessante é pensar o nome do Estado no qual existe a


supremacia dos magos, pois é composto pela junção de “magno” e “stadt”.
O termo “magno” provém do adjetivo “magnus”, cujo significado seria
“grande”, “importante”, “vasto” (SARAIVA, 2006, p. 704). Enquanto que
“stadt” vem do alemão e significa “cidade” (LANGENSCHEIDT, 2011, p.
1150, verbete “Stadt”). Dessa forma, não somente este mangá representa
a tentativa de uma sociedade em se caracterizar como maior diante das
outras em razão da sua “eugenia” relacionada com os portadores da magia,
como também acaba emulando o discurso nazi-fascista de se edificar uma
nação racialmente pura, ao considerar que o nome Magnostadt faz alusão
ao alemão. Os elementos abordados serviram de mote para suscitarmos
algumas análises com a participação dos alunos acerca da maneira como
algumas sociedades do século XX legitimaram a supremacia de um grupo
Aprendendo sobre outro(s) por meio da edificação de uma identidade étnica.
História:
MÍDIAS Por fim, temos o caso dos fanalis. Em “Magi”, os fanalis são uma tribo cujos
Página | 22 membros detém traços fenotípicos específicos – como os cabelos vermelhos
– e são dotados de uma compleição física incomparável. Por esse motivo, os
fanalis foram caçados e transformados em escravos tanto para proteger os
seus senhores, quanto para combater no coliseu do Império Remano –
sendo este uma referência direta ao Império Romano da Antiguidade.

Na sequência, temos a personagem Morgiana, uma fanalis que foi liberta


por Ali Babá, tentando regressar para sua terra natal, o “Continente Negro”.
A caracterização do “Continente Negro” seria o extremo sul do Império
Remano, após o “Grande Desfiladeiro” (MAGI, 15, 2015, p. 92). Seguindo o
sentido de leitura oriental, temos o primeiro quadrinho no canto superior
direito, em que a informação destaca que Morgiana estava em “Catargo”
(ver a Figura 3). Ao interagirmos com as referências históricas, o sul do
Império Romano seria o continente africano e “Catargo” uma alusão direta a
Cartago. Considerando essas informações, no “extremo sul” de Cartago
teríamos o deserto do Saara. Logo, defendemos que na trama de “Magi” o
“Grande Desfiladeiro” seria o deserto que, ao ser atravessado, culminaria no
“Continente Negro”, o território dos fanalis.

Ampliando as nossas considerações, Mônica Lima (2006, p. 89) declarou


que Cartago foi uma antiga potência rival dos romanos, cuja disputa
culminou nas famosas Guerras Púnicas. Após a derrota de Cartago, os seus
domínios se tornaram importantes para os romanos pela sua posição
geográfica no Mar Mediterrâneo, assim como por facilitar o contato com os
berberes que, ao atravessarem o deserto, traziam ouro do interior do
continente. Diante dessas informações, afirmamos que a autora, Shinobu
Ohtaka, caracterizou as relações político-econômicas do antigo Império
Romano com o continente africano, onde os fanalis seriam identificados com
os habitantes da África Subsaariana, ou “África Negra”, cujas
potencialidades eram reconhecidas, mas eram tratados como “bárbaros” e,
por isso, escravizados.

Outra possibilidade interpretativa seria a de que os fanalis eram berberes


escravizados pelo Império Romano e, ao se verem livres, buscavam
recuperar as suas origens regressando para um local no qual os seus
capturadores não poderiam, ou não sabiam como atacar. Ainda nesta
página do mangá, o último quadro nos evidencia alguns traços do
“Continente Negro”, com ênfase para os animais de grande porte e as
árvores que se assemelham com as acácias africanas.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 23

Fig. 03
A fanalis Morgiana se encontra na província de “Catargo” pensando sobre a
possibilidade de ir, ou não, até o “Continente Negro” a terra natal de seu
povo.

Sendo assim, concluímos que a experiência didática por meio da parceria


estabelecida com a Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, campus de
Coxim, foi muito gratificante. Ao apresentarmos uma abordagem pautada
no uso de histórias em quadrinhos japonesas para pensarmos problemas
contemporâneos e, até mesmo cotidianos, os alunos ficaram surpresos,
curiosos e interessados. Nesse sentido, o planejamento de aula foi um
instrumento imprescindível para que pudéssemos pensar os nossos
métodos pedagógicos, os nossos objetivos e os recursos mais eficientes em
conformidade com as especificidades desta turma de graduação em história.
Assim, embora os alunos tivessem o conhecimento de que “Magi: O
Labirinto da Magia” fosse uma obra de ficção, o seu discurso e a sua
representação pautada em experiências e conhecimentos prévios da autora
foram fundamentais para que pensássemos, em conjunto, as contribuições
desta obra para definirmos – por intermédio da mescla entre texto e
imagem – as noções de etnia, raça e nação. Considerando as limitações
desta exposição, este artigo não esgota as possibilidades interpretativas do
mangá em voga, cuja narrativa permite análises acerca das conectividades
promovidas pelo Mediterrâneo ou sobre relações de poder entre Ocidente e
Oriente.
Agradecimentos
O Professor Luis Filipe Bantim de Assumpção é Doutorando pelo Programa
de Pós Graduação em História Comparada da Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Sua pesquisa lida com as Relações Políticas de Esparta com a
Hélade, durante o período de governo do rei Agesilau II. Enquanto
Aprendendo pesquisador, Assumpção atua junto ao Laboratório de História Antiga (LHIA)
História: e no Espaço Interdisciplinar de Estudos da Antiguidade, ambos pela mesma
MÍDIAS Universidade. Assumpção possui Mestrado pelo Programa de Pós Graduação
Página | 24 em História da UERJ, onde desenvolveu pesquisa sobre a pólis de Esparta
no período Clássico, com ênfase em práticas rituais e alimentares, discurso,
representações e relações de poder. O referido pesquisador possui estágio
supervisionado na École Française D'Athènes (2012), no Centro de Estudos
Clássicos e Humanísticos da Universidade de Coimbra (2012 e 2014), e
visitação ao Centro Arqueológico de Sagunto - Espanha (2012).

Eu gostaria de agradecer ao Prof. Dr. André Bueno pela confiança e parceria


de trabalho, bem como pela amizade que tem dedicado à minha pessoa. Do
mesmo modo, agradeço ao Prof. Dr. Carlos Eduardo da Costa Campos pela
amizade de uma década, entre “eiras e beiras”, mas, sobretudo, por ser um
entusiasta de minhas pesquisas ao longo desse período e pelo convite para
ministrar o curso em conjunto na UFMS, campus Coxim, em janeiro de
2019.

Referências
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nacional. In: LUYTEN, Sonia (Org.). Cultura pop japonesa. São Paulo:
Hedra, 2005. p.107-118.

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2006.

GUSMAN, Sidney. Mangás: hoje, o único formador de leitores do mercado


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São Paulo: Hedra, 2005. p.79-84.

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Langenscheidt KG, 2011. p.1150.

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Cadernos Penesb, Niterói, n. 07, p. 73-103, novembro de 2006.

NAGADO, Alexandre. O mangá no contexto da cultura pop japonesa e


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OHTAKA, Shinobu. Magi: O Labirinto da Magia. v. 1. São Paulo: Editora JBC,


2014. p. 75.

_____. Magi: O Labirinto da Magia. V. 15. São Paulo: Editora JBC, 2015. p.
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_____. Magi: O Labirinto da Magia. V. 16. São Paulo: Editora JBC, 2015. p.
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POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da Etnicidade:


seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Barrth. Trad.: Elcio Aprendendo
Fernandes. 2. ed. São Paulo: Editora UNESP, 2011. História:
MÍDIAS
SARAIVA, F. R. dos Santos. Dicionário Latino – Português: Etimológico, Página | 25
Prosódico, Histórico, Geográfico, Mitológico, Biográfico, etc. Rio de Janeiro:
Livraria Garnier, 2006. p.704.

VERGUEIRO, Waldomiro. Aspectos a considerar na redação de textos


acadêmicos sobre histórias em quadrinhos. In: Pesquisa Acadêmica em
Histórias em Quadrinhos. São Paulo: Criativo, 2017. p.113-159.

VILELA, Túlio. Os quadrinhos na aula de História. In: RAMA, Angela;


VERGUEIRO, Waldomiro (Orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na
sala de aula. São Paulo: Contexto, 2018. p.105-130.
A CULTURA HISTÓRICA RELATIVA À DITADURA MILITAR
BRASILEIRA A PARTIR DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
Marcelo Fronza

Aprendendo Introdução
História: Investigo como, a partir de um inventário das histórias em quadrinhos que
MÍDIAS abordam a ditadura militar brasileira de 1964-1985, esses artefatos
Página | 26 culturais expressam uma esturatura de sentimento que permite
compreender as dimensões estéticas, políticas e cognitivas da cultura
histórica no Brasil. O trabalho é produzido a partir do grupo de professores
historiadores que investigam, por meio do campo de pesquisa da Educação
Histórica, a cognição histórica situada a partir da Epistemologia da História
(SCHMIDT, 2009).

Busco compreender os processos históricos ligados à relação entre a


interculturalidade e o novo humanismo (RÜSEN, 2014) e o princípio da
“burdening history” proposto por Bodo von Borries (2016), que entendem
que o fardo da história pode ser superado pela interpretação
multiperspectivada instituída da controvérsia proporcionada pela autocrítica
na teoria da história (FREITAS, 2017).

Neste texto pretendo construir uma tipologia a partir do inventário das


narrativas históricas gráficas ficcionais que narram as experiências
históricas relacionadas à ditadura militar brasileira. Nesta investigação optei
por abordar somente histórias em quadrinhos ficcionais, pois tenho a
intenção de verificar como as estruturas de sentimento (WILLIAMS, 2003)
baseadas na cultura jovem e as formas de narrar e superar o sofrimento
pela reconciliação histórica a partir da “burdening history” (BORRIES, 2016)
se expressam em narrativas gráficas que se baseiam numa experiência vital
esteticamente mobilizada em uma narrativa histórica (RÜSEN, 2016). Esta
pesquisa tipológica serve como embasamento para o desenvolvimento de
ferramentas de pesquisa que tem o inventário como critério metodológico, a
fim de investigar as ideias históricas sobre ditadura militar brasileira
presentes nas histórias em quadrinhos produzidas por jovens estudantes de
escolas públicas brasileiras.

Narrativas históricas gráficas como possibilidades para a


investigação das dimensões da cultura histórica brasileira
As histórias em quadrinhos que abordam a Ditadura Militar Brasileira de
1964-1985 permitem compreender as dimensões estéticas, políticas e
cognitivas da cultura histórica no Brasil que expressa as estruturas de
sentimento (WILLIAMS, 2003) que os sujeitos têm sobre aquela época.

Se entendermos que as histórias difíceis podem ser superadas pela


interpretação multiperspectivada instituída pela controvérsia proporcionada
pela autocrítica na teoria da história (FREITAS, 2017), podemos apreender
que lidar com o fardo da história é um problema relativo às operações
mentais da narrativa histórica. Para Bodo von Borries (2016), existem
formas de se lidar com histórias difíceis. Em suas investigações construiu
uma tipologia das formas narrativas em que se apresentam os fardos da
história: 1) histórias hostis em um modelo de vingança e “rivalidade de
sangue” (inimizade herdada) vinculadas a estudos empíricos da cultura
histórica (autobiografias, romances, entrevistas, narrativas históricas); 2) a
história dos vencedores e da perda/esquecimento dos perdedores (cinismo
do poder); 3) a história oculta e subalterna dos perdedores e a esperança Aprendendo
por uma rememoração histórica (heroísmo da rememoração); 4) o História:
abandono e esquecimento da história hostil devido à irrelevância para a MÍDIAS
vida prática (prioridade pela sobrevivência em momentos violentos). Essas Página | 27
histórias foram geradas pelo sofrimento e não permitem alcançar uma
reconciliação histórica. Alcançar uma reconciliação entre antigos inimigos
(vítimas e algozes) é uma experiência histórica de um movimento em
direção uns em relação aos outros e na busca por continuar a seguir o
mesmo caminho juntos. O caminho de tornar os humanos mais humanos
(BORRIES, 2016, p. 32-33).

É possível desenvolver estratégias mentais de reconciliação histórica por


meio das narrativas históricas, dentre elas as histórias em quadrinhos.
Entre os primeiros passos dessa reconciliação está a necessidade de abolir
as falsificações e os mitos tendenciosos, distanciando-se do passado de
sofrimento e de rivalidade, sem, no entanto, esquecê-lo. Dentre os passos
intermediários está o movimento de uns em direção aos outros buscando
caminhar juntos para construir as chances e condições para um futuro
comum. Por fim, apostar em passos avançados de mutualidade, construindo
histórias novas, plausíveis e compatíveis, mesmo que ao menos
parcialmente comuns, desenvolvendo, com isso, o reconhecimento dos
“outros” e a aceitação e internalização mútuas na própria história
(BORRIES, 2016, p. 40-41).

Defendo que a categoria de estrutura de sentimento desenvolvida por


Raymond Williams (2003) pode ser articulada com as formas de narrar o
fardo da história e as estratégias mentais de reconciliação histórica
investigadas por Bodo von Borries (2016) assim como com a categoria de
cultura histórica proposta por Jörn Rüsen (2016). Isto porque as histórias
em quadrinhos são artefatos da cultura histórica que expressam as
estruturas de sentimento de uma comunidade relativa ao seu passado. A
estrutura de sentimento pode ser descrita como uma cultura relacional, ou
seja, a cultura comum vivida de uma época. É uma “estrutura” que “atua
nas partes mais delicadas e menos tangíveis” da atividade humana. Os
artefatos culturais como as histórias em quadrinhos são expressões dessa
estrutura de sentimento porque incluem “enfoques e tons característicos da
argumentação” pois são acessíveis à comunicação documentada de onde se
extrai o “sentido vital real” na comunidade profunda que faz possível a
comunicação (WILLIAMS, 2003, p. 57-60).

Com isso, ao investigar as narrativas históricas gráficas sobre a ditadura


militar brasileira, os embates presentes na dimensão estética das histórias
em quadrinhos podem revelar a estrutura narrativa na concepção básica de
que alguém conta a alguém uma história sobre uma experiência do passado
interpretada no presente e que cria expectativas de futuro.
Compreendo que as imagens não falam por si mesmas, pois são naturezas
mortas mobilizadas pelas ideias históricas dos sujeitos. As histórias em
quadrinhos buscam construir um ordenamento temporal do conteúdo a
partir da estrutura básica da narrativa. Creio que é importante ler qualquer
Aprendendo narrative histórica gráfica a partir dos diálogos entre seus personagens, o
História: autor e o público, pois ali são expressas as ideias que problematizam as
MÍDIAS carências da práxis vital. Portanto, é a estrutura narrativa e dialógica
Página | 28 (BAKHTIN, 2000) que define as histórias em quadrinhos.

A tipologia das histórias em quadrinhos ficcionais sobre a ditadura


militar brasileira
Nesta pesquisa encontrei dois tipos estruturais de narrativas históricas
gráficas sobre a ditadura militar brasileira (1964-1985): a) as histórias em
quadrinhos que despersonalizam as narrativas históricas sobre a ditadura
militar brasileira a partir da perspectiva da transposição didática; b)
Histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas históricas sobre a
ditadura militar brasileira a partir da perspectiva da teoria da consciência
histórica que atesta uma geração de sentido histórico.

Histórias em quadrinhos que despersonalizam as narrativas


históricas sobre a Ditadura Militar Brasileira (transposição didática)
Esse tipo de histórias em quadrinhos que despersonaliza as narrativas
históricas a partir da transposição didática é caracterizado pela
desvalorização dos sujeitos que atuam historicamente por meio uma
narrativa anônima e generalizadora. A transposição didática se fundamenta
epistemologicamente, conforme afirmação do matemático francês Yves
Chevallard (2000), a partir da pedagogia dos objetivos e se estrutura em
estratégias didáticas como a dessincretização, a despersonalização, a
programabilidade e a publicidade do saber, além do controle social do
conhecimento típicos dessa epistemologia. Esses requisitos estruturam o
que Chevallard chama de sistema didático: a relação entre o saber
acadêmico, o saber a ensinar, o saber ensinado e o saber a ser aprendido.
Os sujeitos (professores e estudantes) não são o foco desta concepção,
porque o que importa, de fato, é o funcionamento do sistema didático, que,
em última análise, faz do professor, também, um sujeito passivo ao ser
considerado um reprodutor dessa estrutura. A maioria dessas estratégias
didáticas (dessincretização, a despersonalização e a publicidade do saber) é
verificável nesse tipo despersonalizador de histórias em quadrinhos sobre a
ditatuda militar brasleira. Em geral, essas narrativas aparecem na forma de
materiais didáticos ou de divulgação histórica. A maneira como elas
aparecem se apresentam no seguinte tipo: 1) histórias em quadrinhos
didáticas como paradidáticos de História.

Histórias em quadrinhos didáticas como paradidáticos de História


Na história em quadrinhos chamada Pindorama: A outra história do Brasil
composta por Lailson Cavalcanti (2004), no capítulo denominado Dura,
Dura, Ditadura!, a história dos sujeitos que viveram a violência dos conflitos
ocorridos nos tempos da ditadura militar foi narrada e didatizada de forma
pouco personalizada, pois esteticamente os personagens são narrados como
entidades lendárias da cultura brasileira que se encontram com sujeitos
históricos do passado.

Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 29

Fig. 1
CAVALCANTI, 2004, p. 158
Nessa página da Figura 1, Lailson Cavalcanti, tendo consciência de que esta
narrativa gráfica é para crianças, optou por representar a violência da
ditadura por meio da cor preta nos requadros em respeito a esse público.
No entanto, ao não aprofundar o contexto histórico, essa narrativa não
enfrenta a dimensão traumática do passado que ainda está presente na
Aprendendo cultura histórica brasileira em relação a esse tema. A forma narrativa em
História: que se apresenta o fardo da história está expressa numa história hostil em
MÍDIAS um modelo de vingança ao apresentar a violência dos ditadores militares e
Página | 30 abordar o Ato Institucional nº 5 (AI-5) (BORRIES, 2016). Essa forma
voltada para a vingança expressa uma estrutrura de sentimento vinculada a
uma memória de sofrimento pautada na brutalidade da repressão do estado
autoritário brasileiro.

Histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas históricas


sobre a Ditadura Militar Brasileira (geração de sentido histórico)
Esse tipo de histórias em quadrinhos que personaliza narrativas históricas a
partir da geração do sentido histórico é caracterizado pela humanização dos
sujeitos que atuam historicamente por uma narrativa que dá sentido de
orientação temporal à história. Em geral, essas narrativas aparecem na
forma de histórias em quadrinhos ficcionais. As maneiras como elas
aparecem se apresentam nos seguintes tipos: 1) Histórias em quadrinhos
com personagens ficcionais produzidas durante a Ditadura Militar Brasileira;
2) Histórias em quadrinhos com personagens ficcionais produzidas após a
Ditadura Militar Brasileira; 3) Histórias em quadrinhos com personagens de
ficção científica e/ou história alternativa produzidas após da Ditadura Militar
Brasileira.

Histórias em quadrinhos com personagens ficcionais produzidas


durante a Ditadura Militar Brasileira
Entre as histórias em quadrinhos com personagens fictícios criados no
contexto da Ditadura Militar Brasileira, optei por apresentar uma narrativa
gráfica de Henfil (1993), chamada A volta da Graúna. Essa categoria de
personagens fictícios criados durante a ditadura é quase inesgotável, por
isso a escolha do cartunista que mais representou e atacou o estado
brasileiro de exceção. A graúna é uma pequena ave negra comum na
caatinga do Nordeste brasileiro. Henfil entendia que Graúna representava as
mulheres pobres identificando-as com o povo brasileiro.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 31

Fig. 2
HENFIL, 1993, p. 20-21

O humor proposto por Henfil é ambivalente, pois brinca com a ideia de que
após o Ato Institucional nº5 (AI-5) era proibido a reunião de pessoas. No
caso os personagens Zeferino e bode Orellana estão jogando cartas. Graúna
grita: Cumunistas, pega cumunista!!!, assustando-os e dizendo que isso era
o espírito esportivo da época. O cartunista narrou ficcionalmente um
episódio trágico com muita sensibilidade. As imagens alternativas recriadas
pelo quadrinista estão carregadas de uma estrutura de sentimento de
caráter humanismo ao mesmo tempo em que desafia a alienação de uma
estrutura de sentimento gerada por concepções fatalistas e mistificadoras
da realidade social brasileira da década de 1970. O humor com relação às
experiências históricas ligadas à perseguição política da polícia ditatorial
contra a esquerda comunista e a ideologia de direita baseada na crítica
hipócrita à corrupção dos empresários e políticos brasileiros (isto porque a
corrupção é uma consequência das relações entre o estado e o capitalismo,
ou seja, é um dos modos como o capital se expressa nas relações políticas
cotidianas) representa o descaso das elites em relação ao sofrimento
humano causado por uma ditadura.

Já na história em quadrinhos denominada “’Napalm’ contra plantação de


maconha” Henfil divulga que bombas de napalm estavam sendo lançadas
contra a resistência guerrilheira em relação à ditadura no Vale do Ribeira e
contra os indígenas da região norte do Brasil que também resistiam contra
o regime de exceção.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 32

Fig. 3
HENFIL, 1970

Essas imagens alternativas (SALIBA, 1999) bem humoradas remetem às


informações que eram divulgadas pela imprensa censurada no ano de 1970,
pois nela apareciam falsas notícias relativas a ataques militares a
plantações ilegais de maconha com esse tipo de bombas quando, na
verdade, ocorriam massacres militarizados contra jovens resistentes e
indígenas. As histórias em quadrinhos de Henfil são apresentadas, como era
o estilo desse quadrinista, enquanto uma forma narrativa voltada a um
modelo de vingança (BORRIES, 2016) voltada para a rememoração das
lutas dos subalternizados, no entanto, expressam uma estrutura de
sentimento pautada numa dissidência humana radical fundamentada na
solidariedade de uma humanidade igualitária (WILLIAMS, 20013).

Histórias em quadrinhos com personagens ficcionais produzidas


após a Ditadura Militar Brasileira
Já as histórias em quadrinhos recentes com personagens ficcionais sobre a
ditadura militar brasileira pertencem a uma categoria que busca
compreender como a experiência histórica da ditadura de 1964-1985 chega
à cultura histórica brasileira contemporânea. Para abordar essa temática
apresento a história em quadrinhos Subversivos: A luta contra a ditadura
militar no Brasil, especificamente o capítulo Companheiro Germano criada
por André Diniz, Laudo e Omar Viñole (2001).
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 33

Fig. 4
DINIZ, LAUDO & VIÑOLE, 2001, p. 18

Nos requadros da Figura 4 vemos que a personagem principal, Helena,


recebeu treinamento militar de guerrilha em Cuba e retorna ao Brasil para
treinar os guerrilheiros brasileiros contra o regime de exceção. O local de
treinamento não é especificado nesta história em quadrinhos, mas é
provável que seja uma das bases do Vale do Ribeira, pois foi um dos locais
mais importantes para a preparação da guerrilha brasileira em 1970. Essa
personagem é representada como uma mulher forte e apaixonada (pela
causa da revolução e pelo seu namorado Germano, que seus companheiros
desconfiam que seja um traidor).
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 34

Fig. 5
DINIZ, LAUDO & VIÑOLE, 2001, p. 23
Por fim, realizada a preparação militar o movimento guerrilheiro, junto com
Helena e Germano, realiza uma expropriação bancária (o que os autores
chamaram de assalto a banco) para conseguir mais recursos para a ação
revolucionária.

Se seguirmos a interpretação de Bodo von Borries (2016) essa narrativa Aprendendo


não busca uma reconciliação social que marca o trauma que a ditadura História:
causou no Brasil, mas sim uma história hostil em um modelo de vingança. MÍDIAS
Isso apesar de pretender criar uma reconciliação com parte da esquerda Página | 35
com seu passado durante a luta armada naquele período, pois toda a
estética dos quadrinhos é voltada para que o leitor simpatize com a
protagonista Helena e antipatize com a dubiedade de Germano em relação à
traição do movimento guerrilheiro. Não me refero aqui à reconciliação com
os torturadores, que de acordo com o princípio humanista é inadmissível,
mas sim à construção de uma mutualidade entre aqueles que foram
perseguidos pela ditadura militar em qualquer espectro político tendo como
problema a luta armada. Muitos sujeitos de direita, de esquerda (incluindo o
Partido Comunista Brasileiro) e liberais eram contra a luta armada como
estratégia para enfrentar o estado de exceção.

O capítulo O caso dos Xis, parte da narrativa Os Brasileiros, de André Toral


(2009), é um bom exemplo da categoria tipológica de histórias em
quadrinhos com personagens ficiconais sobre a Ditadura Militar Brasileira
que utiliza estratégias estéticas das biografias.

Nesse conto em quadrinhos Toral narra a história de fazendeiros que


pretendiam roubar as terras dos indígenas para construir um
empreendimento imobiliário no interior do estado do Mato Grosso. Esse
conjunto imobiliário faria parte do projeto de expansão para o Oeste
proposto pelas elites civis (fazendeiros, empresários e banqueiros com o
apoio do braço armado militar) e pelo governo militar da ditadura nos anos
1970.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 36

Fig. 6
TORAL, 2009, p. 72

Para realizar esse intento era comum que os capangas dos fazendeiros, com
apoio dos militares, incendiassem com bombas de napalm as aldeias
indígenas que resistiam ao processo de desapropriação de suas terras
legalmente constituídas.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 37

Fig. 7
TORAL, 2009, p. 73

No caso dessa narrativa, os indígenas tiveram a sorte de a bomba não cair


em suas casas (o incêndio representado no último requadro foi causado por
uma etnia indígena inimiga que se aproveitou do momento), mas
realizaram, seguindo as ideias de Bodo von Borries (2016, pp. 32-38) uma
história oculta e subalterna dos perdedores seguida de uma esperança de
recordação histórica futura, pois essa memória de sofrimento durante o
estado de exceção ainda faz parte das tradições de rememoração indígenas
contemporâneas no Brasil.

Histórias em quadrinhos com personagens de ficção científica e/ou


Aprendendo história alternativa produzidas após da Ditadura Militar Brasileira
História: A narrativa gráfica Pátria Armada, de Klebs Junior (2014), é um exemplo de
MÍDIAS histórias em quadrinhos com personagens de ficção científica e/ou história
Página | 38 alternativa que abordam os guerrilheiros na ditadura militar brasileira.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 39

Fig. 8
JUNIOR, 2014, capa

O contexto estético dessa ficção científica se dá numa história alternativa


onde o Brasil contemporâneo estaria numa guerra civil entre legalistas e
federalistas. Os últimos, os federalistas, são seguidores dos que apoiaram o
golpe militar de 1964 e hoje se assumiriam como neofascistas (uniforme
verde, lembrando o movimento fascista brasileiro do Integralismo dos anos
1930). Já os legalistas são os seguidoros dos defensores Presidente da
República João Goulart ou Jango que foi deposto pelo golpe militar de 1964
Aprendendo Nesta história em quadrinhos alternativa, Jango resiste ao golpe militar
História: junto com os movimentos de esquerda ― que nos anos 1960 e 1970 seriam
MÍDIAS guerrilheiros dissedentes contra a ditadura ― e as Forças Armadas da
Página | 40 legalidade republicana e democrática no Brasil (cujos uniformes pretos ―
referência ao anarquismo como símbolo de uma revolução política radical ―
representam as forças democráticas e revolucionárias de esquerda).
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 41

Fig. 9
JUNIOR, 2014, s/p.

Essa narrativa gráfica claramente não propõe uma história reconciliadora,


mas está dentro do que Bodo von Borries (2016, pp. 32-36) entende como
uma narrativa histórica hostil pautada num modelo de vingança. É uma
concepção exatamente oposta à reconciliação histórica. No entanto, a
dimensão estética apresentada nesse artefato da cultura histórica mobiliza a
dimensão política de dissidência presente na memória dos sujeitos que
lutaram contra a opressão ditatorial. Aqui também existe uma forma de
Aprendendo narrar baseada numa história oculta dos vencidos que buscam uma
História: rememoração histórica por meio da construção heróica da resistência.
MÍDIAS
Página | 42 Na mesma categoria ligada às histórias em quadrinhos com personagens da
ficção científica e/ou história alternativa que abordam a ditadura militar
brasileira está O Doutrinador, de Luciano Cunha (2015). O protagonista
dessa ficção científica é um supersoldado (uma mistura entre o Capitão
América e o Justiceiro) que extermina os políticos e militares que fazem o
povo brasileiro sofrer sob o jugo da violência política do Estado e da
corrupção no Brasil contemporâneo. A máscara que o Doutrinador usa é do
mesmo tipo das que eram utilizadas pelos soldados na ditadura militar
brasileira para se proteger do gás laranja que jogavam contra os
guerrilheiros e indígenas nos anos 1970.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 43

Fig. 10
CUNHA, 2015, p. 7
A ambivalência da máscara é representada pelo protagonista que extermina
os policiais militares da contenção armada que torturavam e violentavam os
jovens que participaram do movimento de junho de 2013 em São Paulo. A
Aprendendo mesma máscara que estava vinculada aos assassinatos de indígenas e
História: guerrilheiros durante a ditadura militar, agora é usada para proteger os
MÍDIAS jovens dissidents da violência policial sustentada pelo governo
Página | 44 contemporâneo do estado de São Paulo (que ainda preserva, em 2019, uma
tradição de uso de violência na repressão aos movimentos populares
urbanos e rurais).
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 45

Fig. 11
CUNHA, 2015, p. 20
O protagonista se torna um revolucionário contra a direita civil e militar
brasileira quando conheceu e se apaixonou por Maria, uma jovem
comunista paraibana que foi morta pelos militares durante a guerrilha do
Araguaia. A vingança pessoal é o que marca sua ação no presente em prol
Aprendendo da consciência política de que a corrupção está estritamente vinculada à
História: história da Ditadura Militar Brasileira.
MÍDIAS
Página | 46
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 47

Fig. 12
CUNHA, 2015, p. 47
Essa história em quadrinhos apresenta uma forma narrativa voltada para
uma história hostil pautada em um modelo de vingança e uma história
oculta que busca uma esperança de rememoração, sendo pautada numa
memória de heroísmo, que garante a diversidade de tradições contra-
hegemônicas, mas não atingem uma reconciliação histórica com o passado
Aprendendo (BORRIES, 2016, pp. 32-38). Isto porque ainda hoje a guerrilha rural do
História: Araguaia, assim como a guerrilha do Vale do Ribeira, é pouco conhecida
MÍDIAS rememorada na cultura histórica dos brasileiros. No entanto, a história em
Página | 48 quadrinhos está imbuída de uma estrutura de sentimento alternativa
(WILLIAMS, 2003), pois narra uma comunhão de valores de solidariedade
mútua e cooperação que esse ex-militar tinha com uma guerrillheira da
esquerda camponea do Brasil.

Considerações finais
A finalidade desse inventário é fornecer um critério metodológico para a
construção de um instrumento de investigação que aborde as ideias
históricas que jovens estudantes de escolas públicas têm quando leem
histórias em quadrinhos sobre a Ditadura Militar Brasileira e a construção de
um roteiro de uma história em quadrinhos didática sobre a Guerrilha do
Vale do Ribeira desenvolvidas pelos jovens estudantes com a cooperação
dos professores de história.

Em vista disso, no inventário desta tipologia encontrei dois tipos de


quadrinhos quando o conceito histórico substantivo é a ditadura militar
brasileira de 1964 a 1985. A primeira diz respeito às histórias em
quadrinhos que despersonalizam as narrativas históricas sobre a ditadura
militar brasileira a partir da perspectiva da transposição didática. Já a
segunda se refere às histórias em quadrinhos que personalizam as
narrativas históricas sobre a ditadura militar brasileira a partir da
perspectiva da teoria da consciência histórica que atesta uma geração de
sentido histórico.

As histórias em quadrinhos que despersonalizam as narrativas por meio da


transposição didática são materiais paradidáticos que narram uma
espetacularização dos guerrilheiros na ditadura militar brasileira.

Por um lado, a característica dessa despersonalização está na apresentação


do contexto histórico esteticamente dimensionado como uma estrutura
determinista, se não espetacular. A transposição didática
despersonalizadora foi a concepção de ensino de história que menos
apareceu neste inventário de histórias em quadrinhos sobre a Ditadura
Militar Brasileira.

Por outro lado, as histórias em quadrinhos que personalizam as narrativas


históricas sobre a ditadura militar brasileira a partir da geração do sentido
histórico aparecem, em geral, como ficção ou ficção científica e/ou história
alternativa de tal maneira que é possível afirmar que as dimensões estética
e política/ética da cultura histórica mobilizam a geração do sentido temporal
através de histórias de personagens fictícios fortes carregados de
experiências históricas significativas.
Portanto, poucas histórias em quadrinhos abordam a ditadura militar
brasileira, do ponto de vista historiográfico ou da Didática da História, a
partir da geração do sentido histórico. Nelas, as dimensões estéticas,
cognitivas e políticas/éticas da cultura histórica mobilizam a geração do
sentido temporal através de histórias de personagens históricos fortes e Aprendendo
carregadas de significativas experiências históricas. História:
MÍDIAS
Quanto às formas narrativas ligadas ao fardo da história, constatei que a Página | 49
maioria das histórias em quadrinhos sobre a ditadura militar brasileira se
fundamentam em histórias hostis voltadas para um modelo de vingança e
também nas histórias dos subalternos em busca de uma rememoração
heróica dos vencidos, mas não foi encontrada algua história ficcional sobre
a ditadura militar brasileira que desenvolve estratégias históricas de
reconciliação mútua. Por isso, existe a necessidade de procurar uma direção
de uns em relação aos outros na luta por um caminhar juntos numa
resistência pautada numa dissidência humana radical.

Referências
Marcelo Fronza é coordenador do Grupo Pesquisador Educação Histórica:
Consciência histórica e narrativas visuais (GPEDUH-UFMT), Universidade
Federal do Mato Grosso, Cuiabá, Brasil e professor pesquisador no
Laboratório de Pesquisa em Educação Histórica (LAPEDUH-UFPR),
Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil. Agradeço aos professors
historiadores vinculados a esses dois grupos de investigação e que fazem
parte do Projeto Memórias brasileiras: Conflitos Sociais - Indígenas,
Quilombolas e Napalm: uma história da guerrilha do Vale do Ribeira
(CAPES). Agradeço também ao CITCEM - Centro de Investigação
Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória” - da Universidade do Porto,
Portugal, onde desenvolvo meu estágio de pós-doutoramento sob a
supervisão da Profª. Drª. Isabel Barca, por possibilitar as condições de
tempo e estrutura para a realização desse trabalho.

BAKHTIN, M. M. Observações sobre e epistemologia das ciências humanas.


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Fontes, 2000, p. 399-414.

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Pindorama: A outra história do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
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DINIZ, A.; LAUDO; VIÑOLE, O. Companheiro Germano. In: DINIZ, A.;
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envolvimento com o jogo eletrônico: Um estudo da relação intersubjetiva
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História: Mestrado em História) – Programa de Pós-Graduação em História,
MÍDIAS Universidade Federal de Mato Grosso, Cuiabá, 2017.
Página | 50
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WILLIAMS, R. La larga revolución. Buenos Aires: Nueva Visión, 2003.


AUTOR@S Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 51
A REPRESENTAÇÃO SOBRE A VIDA E A MORTE DE SÔNIA ANGEL
JONES NO DOCUMENTÁRIO SÔNIA MORTA VIVA
Ana Cristina Rodrigues Furtado

Aprendendo Esse trabalho tem como objetivo refletir sobre as várias representações
História: feitas sobre a vida e a morte de Sônia Angel Jones, a qual, durante o
MÍDIAS regime militar brasileiro foi militante política. Essas representações da
Página | 52 morte e vida de Sônia foram construídas a partir do testemunho de
familiares, amigos e ex-companheiros de militância política no documentário
Sônia Morta Viva (Sergio Waismann, 1985). Produzido por iniciativa de seu
pai João Luiz de Moraes, para não deixar que a história de sua filha caísse
do esquecimento.

Sônia Maria Lopes Angel Jones nasceu em novembro de 1946, em Santiago


do Boqueirão – RS. Teve uma infância e uma adolescência como à de
muitos outros naquele período, gostava de ler, estudar, namorava, saia com
amigos, ia às praias e as festas. Casou-se com Stuart Edgar Angel Jones em
agosto de 1968, mesmo ano em que ela entrou para o Movimento
Revolucionário 8 de Outubro – MR-8, mesma organização que seu esposo
era militante. Em maio de 1969 foi presa por conta das manifestações da
Praça Tiradentes, levada ao Dops, do Rio de Janeiro e depois para o Presídio
São Judas Tadeu. Passou quatro meses presa, continuou sendo investigada
e perseguida, após ser liberada. Em 1970 foi para o exílio em Paris –
França, de lá foi para o Chile. Ao chegar nesse País ela soube da morte de
seu esposo Stuart Angel e resolveu voltar para o Brasil, mas agora como
militante da Ação Libertadora Nacional – ALN, e não mais do MR-8.

Em 1973 voltou para o Brasil clandestinamente com o codinome Esmeralda


Siqueira de Aguiar, foi morar em um apartamento alugado em São Paulo
com um companheiro de luta política. Ambos foram presos no Canal 1 em
Santos – SP, a versão oficial que saiu no ano de 1973 nos jornais O Globo e
na Folha de São Paulo, é que ela e seu companheiro de militância política
havia entrando em conflito com órgãos de segurança do bairro e morreram
num tiroteio. Mas, um tempo depois sua família ficou sabendo sobre a outra
versão da morte de Sônia Angel. Ela foi presa e levada para o Doi-Codi, do I
Exército, após muitas torturas nesse órgão, ela foi levada para o Doi-Codi
do II Exército localizado em São Paulo, mais torturas foram realizadas
inclusive com a retirada de seus seios e estupro, e por fim lhe deram um
tiro.

Testemunhos sobre a vida e a morte de Sônia Angel Jones


“Um grupo de Jovens intelectuais armados com revolveres velhos, mal
equipados dedicaram-se a enfrentar um dos exércitos mais bem equipados
e montados do continente, o exército brasileiro. A Sônia e o seu
companheiro foram duas pessoas dizimadas nesse processo, outros foram
torturados, outros foram para o exílio, e na realidade sobraram apenas
alguns para contar a história, talvez nem sobrassem os melhores. Todos os
erros que havia naquela década, o erro de sair para luta de armas na mão
contra a ditadura militar foi o erro mais fascinante, e Sônia mergulhou
nesse erro” (Fernando Gabeira, Sônia Morta Viva, 1985).
Esse é um depoimento de uma das testemunhas que deram seus
testemunhos para compor a narrativa vídeobiografica do documentário
Sônia Morta Viva (Sergio Waismann, 1985). Fernando Gabeira foi integrante
do MR-8, foi preso e exilado, e lutou contra a ditadura militar no Brasil. Ao Aprendendo
falar de Sônia e Stuart, relaciona a história deles há de tantos outros História:
companheiros de luta política, inclusive a sua, ou seja, ele fala da história MÍDIAS
de um grupo, e das escolhas que esse grupo de jovens fizeram. Escolhas Página | 53
essas, que anos depois ele coloca como um erro, mas deixa claro que foi
um “erro fascinante”.

O documentário tem em torno de 50 minutos de duração, a biografada é


chamada de Sônia Angel no filme, possui18 testemunhas, entre elas estão
seus pais, Cléa de Moraes (professora) e João Luiz de Moraes (tenente-
coronel), seu tio-avô Paulo César Lopes da Costa, César Benjamim que era
militante do MR-8, Alex Polari que era da Vanguarda Popular Revolucionária
– VPR, Celso Pimenta, Oséas de Oliveira, Carlos Eduardo Fayal – ALN,
Carlos Eugênio Sarmento – ALN, Maria Clara Mariane, Zilda Xavier Pereira –
ALN. Possui um narrador off que é o Carlos Vereza, o qual, só aparece nos
últimos minutos para fazer uma fala sobre Sônia e Stuart. As imagens são
coloridas, e em vários momentos são colocados trechos de filmes antigos
sobre acontecimentos da época. Outro elemento importante é que o
contexto histórico, político e social vai sendo abordado de acordo com a
idade de Sônia Angel Jones, e em alguns momentos relacionam ao que
ocorriam em outros países. Essa produção foi realizada a partir da iniciativa
do pai de Sônia Angel Jones.

Os pais de Sônia Angel começaram uma busca que durou muito tempo,
pelos restos mortais da filha, após o seu desaparecimento, os quais só
foram encontrados e identificados no cemitério Dom Bosco em Perus, no
ano de 1991. Nessa trajetória de busca pelos restos mortais de sua filha,
fizeram com que seu pai entrasse para o grupo Tortura Nunca Mais, o qual
se tornou o primeiro presidente. Assim, seus pais enveredaram por um
caminho que envolveu não somente as suas lutas e dores, mas também, as
dores de outras famílias que havia perdidos seus filhos e entes queridos no
período da ditadura militar. A memória e o esquecimento foram elementos
essenciais para essa luta, que tem como objetivo denunciar, buscar e obter
informações, e mais que isso, almejam através dos testemunhos, que as
histórias de perda e de luta não sejam esquecidas e sejam reconhecidas.

Durantes toda a narrativa vamos percebendo quais são as “representações”


que se busca construir a respeito da biografada, e nesse caso eles tentam
através do documentário Sônia Morta Viva (Sergio Waismann, 1985)
denunciar a forma como Sônia Angel Jones morreu, e mostrar que na época
saiu primeiro a versão oficial que é mostrada logo no início do
documentário, e no final Carlos Vereza deixa de ser o narrador off e aparece
nas imagens fazendo uma reflexão sobre a segunda versão da morte da
biografada e também da Stuart Angel.
Carlos Vereza faz a abertura do documentário como narrador off, e ao
mesmo tempo da sua fala vai passando imagens do jornal com a lista de
nomes de pessoas que haviam sido mortas pelos agentes da repressão, e
um áudio de suspense. Ele lê o atestado de óbito de Sônia Angel Jones:
“Em cinco de dezembro de 1973, este vigésimo sub-distrito, Jardim -
Aprendendo América, comarca da capital de São Paulo, cartório, foi dito que no dia trinta
História: de novembro de 1973, às quinze horas faleceu Esmeralda Siqueira de
MÍDIAS Aguiar, do sexo feminino, cor branca, com 26 anos, solteira, natural do
Página | 54 Estado da Guanabara, filha de Renato Aguiar e de Lúcia de Lima Aguiar,
como causa de morte e doença, hemorragia interna por ferimento de
projétil de arma de fogo, ignorada as demais declarações, atestado de óbito
firmado pelo doutor Eury Chibata” (Sônia Morta Viva, 1985).

Depois dessa fala de abertura, que narra à versão oficial da morte de Sônia
Angel Jones, a narrativa nos lança para a infância da biografada, depois
para a juventude, e isso se dar através de fotografias e das falas de seus
pais. Em seguida começa a ser colocados os depoimentos de amigos e
companheiros de militância política, e eles falam desde os momentos que a
conheceram, a luta dentro das organizações, as posições de Sônia, suas
escolhas, seu casamento, sua prisão, exílio, à volta para o Brasil, dentre
outros elementos.

Há também depoimentos como os de Oséas de Oliveira, cobrador de ônibus


e de Celso Pimenta, motorista do ônibus, profissões que exerciam no ano de
1973, período em que Sônia foi presa. Ela estava com um companheiro de
luta política, e se encontrava dentro do ônibus quando foi presa. Essas duas
testemunhas narram os acontecimentos que presenciaram sobre a prisão
dela e do companheiro. Eles tentam construir uma “representação” sobre o
acontecimento e sobre a maneira como ela reagiu no momento da prisão.
Oséas de Oliveira diz:

“Ela não deu um grito, ela só só via a expressão de raiva na no rosto dela.
Não, não ela não chegou a reagir, que ela ela dois caras pegou pulou em
cima dela, como um tigre ferido mesmo, inclusive eu não sabia que tinha
uma algema de pé, deixaram ela no outro Galax que tava mais na frente,
num banco de trás e sentaram dois homens atrás dela” (Sônia Morta Viva,
1985).

Celso Pimenta diz:

“Nesse mesmo instante eu olhei pra dentro da agência, parado na porta da


agência eu vi uma luta corporal, e mais uma violenta luta corporal, era mais
ou menos quatro ou cinco brigando com um só, e justamente era esse
rapaz que desceu do ônibus pra comprar passagem, quando eu olhei assim
eles tavam passando carregado, carregado por uns três lá todo
ensanguentado, num dava nem pra ver o rosto dele mais, tava todo
ensanguentado, e puseram num outro carro” (Sônia Morta Viva, 1985).

Esse dois depoimentos nos levam á pensar como a narrativa ao mesmo


tempo em que vai mostrando momentos da vida de Sônia e construindo um
perfil sobre a biografada, relaciona a sua história a de tantas outras pessoas
que viveram experiências ao seu lado. Mostra também, a busca da família
em revelar e denunciar os crimes cometidos contra a vida de Sônia, tenta
colocar á baixo a versão oficial sobre a morte dela, e é também uma forma
de trabalhar o luto, logo podemos pensar a vídeobiografia como lugar de
luto e ressentimentos. Aprendendo
Sônia Meneses no trabalho ‘Luto, identidade e reparação: vídeobiografias de História:
desaparecidos na ditadura militar brasileira e o testemunho no tempo MÍDIAS
presente’ (2014), ela analisa algumas vídeobirografias, refletindo sobre Página | 55
elementos como a “memória impedida”, o luto, a “memória narrada” e a
“memória obrigada” a partir de filmes, e um desses filmes é Sônia Morta
Viva. Ela diz que:

“Para os familiares, reverter o discurso da criminalização era também


reconstruir as lembranças de Sônia numa chave positiva; nesses termos, a
preparação do documentário é um trabalho duplo de memória, uma vez que
coloca em evidência tanto anseios individuais – como a busca pelo corpo, a
elucidação da morte, a superação das dores – quanto o trabalho por uma
política de memória que visa uma abrangência maior que o círculo familiar”
(2014: 142).

Assim narrar foi à forma encontrada não só pelos pais de Sônia, mas
também, pelos amigos companheiros de militância, tio, conhecidos, dentre
outros, para desconstruir o discurso de criminalização que havia se criado
sobre a biografada e sobre tantos outros que tinha entrado na militância
política. Dessa maneira, as lembranças e os testemunhos serviram como elo
para reconstruir e representar de maneira positiva a história de Sônia. A
autora coloca a vídeobiografia feita sobre a trajetória de vida de Sônia como
um “trabalho duplo de memória” e percebemos esse trabalho à medida que
se entrelaçam as histórias de vida de tantos sujeitos com a de Sônia, ao
mesmo tempo em que esse documentário vai ter efeito para além da família
de Sônia, a sua narrativa realiza um trabalho que envolve a “memória
política”, a memória de outras famílias, tudo isso relacionado à história de
um País. Ao tentarem representar a trajetória de vida de Sônia,
propuseram-se a falar de sua morte e como ela havia se dado, e isso
ratifica na narrativa a visão positiva que escolheram passar da biografada.
Falar da morte é algo complexo, e meche com emoções, com sentimentos
recalcados, silenciados, camuflados. Mas pode ser também uma maneira de
apaziguar a dor, trabalhar o luto e os ressentimentos. É nesse sentido que
colocamos a vídeobiografia como lugar de representação, mas também,
como lugar de luto e de lembranças.

A narrativa inicia falando da morte, e termina falando da morte de Sônia.


Seu tio-avô Paulo César Lopes da Costa, dar um depoimento sobre a
segunda versão da morte de Sônia, e denuncia a tortura, a prisão e o
assassinato. Logo, além de desconstruir a versão oficial, contestando-a e
colocando-a como falsa, a família da biografada reafirma através da
narrativa vídeobiográfica a versão que tem como a verdadeira. Paulo César,
ao falar da segunda versão da morte da sobrinha-neta, deixa transparecer
que esse ainda não era um assunto fácil para falar, as emoções e os
sentimentos de tristeza, de revolta contra os causadores da morte de Sônia,
e as dores, são percebidas através da voz meio casada e compassada dele.
Assim ele narra:

“Face às verdadeiras causas da morte de minha sobrinha neta Sônia Maria,


Aprendendo procurei o meu sobrinho Coronel Calos Alberto Alves da Costa que fora
História: comandante do DOI-CODI em Brasília, para conhecer a verdades dos fatos.
MÍDIAS Então ele me narrou o seguinte, que os fatos narraram anunciados eram
Página | 56 todos falsos, que ele tivera com o coronel colega de turma em São Paulo e
que esse disse que Sônia Maria foi requisitada de Santos para o Rio, para
acertar contas com o DOI-CODI do Rio, chegando ao Rio foi torturada
durante 48 horas, culminando com o dil com a diltutora, dentro do são de
um objeto contundente, cassetete da PM, os órgão genitais, até causar
hemorragia interna, saciada esses instintos bestiais, eles remete
removeram pra São Paulo, quase moribunda, até chegando em São Paulo
foi e aplicado o tiro de misericórdia. Aí nos soubemos a verdadeira versão
terrível do falecimento de minha sobrinha neta, por esses covardes” (Sônia
Morta Viva, 1985).

Essa é a segunda versão sobre a morte de Sônia, a qual nos leva a


conhecer a forma a qual foi morta, e quais as torturas, que foi submetida.
Assim, a morte de Sônia é “representada” de duas maneiras, na primeira
ela é colocada com o codinome Esmeralda Siqueira de Aguiar, nome que
usava para viver na clandestinidade, ela é tida como aquela que pegava em
armas, e havia sido morta em um tiroteio com a polícia. A segunda versão
coloca Sônia como aquela que foi presa, torturada, e morta sob condições
brutais, ou seja, assassinada. Nos últimos minutos da narrativa, Carlos
Vereza aparece nas imagens em pé, para fazer uma última fala. Ele diz:

“Falar desses dois não tem o menor sentido usar a expressão reabilitação
de Sônia e de Stuart, eu tenho a esperança de que Sônia e Stuart que
deram suas vidas pela democracia, pela liberdade no Brasil, algum dia que
não seja um dia muito remoto, um dia muito afastado dos nossos dias
presentes, que eles possam ser resgatados, que suas memórias, que suas
biografias sejam conhecidas de todo o povo brasileiro, como de todos
irmãos de todos os patriotas que foram sacrificados, torturados e
desaparecidos, não num processo de revanche como habilmente o poder
dominante tenta confundir a opinião pública. Porque os corpos os mortos
que estão pairando acima das nossas cabeças, eles já não nos pertencem
mais, eles pertencem à própria justiça da natureza, a própria dialética do
movimento das coisas, que exige justiça que exige que esses fatos não
fiquem debaixo do tapete do arbítrio, debaixo do hábil acordo que as elites
do Brasil sempre fazem” (Sônia Morta Viva, 1985).

Ele ressalta no seu depoimento a importância que a memória possui para


que os crimes, as prisões, as mortes, os desaparecimentos não sejam
esquecidos e não fiquem impunes. E mais uma vez a narrativa relaciona a
vida de Sônia a de outros militantes políticos, a exemplo de seu esposo
Stuart. Ele clama por justiça, por um não esquecimento de tantas histórias,
por um reconhecimento da sociedade dessas histórias de luta e dor, e a
memória entra como principal elemento desse reconhecimento.
E ele continua:

“Nós queremos justiça, justiça histórica, porque não é mais um crime


comum não é um crime político é genocídio, foram pessoas que não foram Aprendendo
mortas em combate, foram pessoas que foram assassinadas, desprotegidas História:
sem direito de defesa em selas, jogadas ao mar, são pessoas que foram MÍDIAS
sufocadas com o gás carbônico. [...] esses mortos pairam acima de nossas Página | 57
cabeças estão vigilantes, porque eles exigem em nome da memória no
Brasil, essa memória tão pouca exercitada, essa memória tão esquecida,
eles exigem não um revanchismo, mas que estes crimes não fiquem
impunes” (Sônia Morta Viva, 1985).

No seu discurso entrelaçam-se uma “memória política”, com a “memória


histórica”, ao mesmo tempo em que se utiliza desses tipos de memória para
denunciar os crimes cometidos pelos torturadores. E ao denunciar, clama
por justiça que coloca como histórica, mas que também, não deixa de ser
política. Ele coloca essas mortes de militantes políticos como um genocídio,
configurando-se no assassinato e aniquilamento de grupos humanos, que
nesse caso foram grupos de militantes políticos. E faz uma crítica a
sociedade brasileira que pouco exercita a memória política e histórica
relacionada a essas histórias e a esses tipos de crimes. As testemunhas que
dão seus depoimentos para o documentário Sônia Morta Viva (Sergio
Waismann, 1985) tentam “representar” a vida, mas também, os
acontecimentos que levaram a morte de Sônia, o que nos leva entender o
significado do título da produção. Tentam “representar” sua trajetória de
vida a partir de momentos que vivenciaram e compartilharam juntos, da
mesma forma que seus pais por não acreditarem na versão oficial de sua
morte tentaram e foram em busca de novos elementos que comprovassem
que essa versão não era verídica e a morte dela não havia se dado daquela
maneira.

Todos esses depoimentos do documentário fazem esse exercício de


memória, buscam construir “representações” sobre Sônia, mas também,
sobre suas vidas nos momentos que vivenciaram experiências ao lado dela.
O trabalho de memória foi à forma encontrada não apenas pela família de
Sônia, mas, por tantas outras que perderam parentes no período da
repressão, que tiveram familiares presos, torturados e desaparecidos.
Recorrer à memória se tornou uma forma de luta, de busca por justiça e por
reparação do passado. Foi também a maneira que encontraram para
denunciar, para não esquecer, para lembrar, e para deixar para as gerações
futuras histórias que precisam ser lembradas.

Referências
Ana Cristina Rodrigues Furtado é graduada em História pela Universidade
Regional do Cariri – Urca, Mestre em História pela Universidade Federal de
Campina Grande – UFCG.
ARNS, Dom Paulo Evaristo. Brasil: Nunca Mais. 9 ed. Petropólis: Vozes,
1985.
MENESES, Sônia. Luto, identidade e reparação: vídeobiografias de
desaparecidos na ditadura militar brasileira e o testemunho no tempo
presente. In: Revista de História Oral, v. 17, n. 1, p. 135-161, jan./jun.
Aprendendo 2014. Disponível em:
História: http://revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&page=article&op=v
MÍDIAS iew&path%5B%5D=334.
Página | 58 MORAES, João Luiz de, AHMED, Aziz. O Calvário de Sônia Angel – Uma
história de terror nos porões da ditadura. Rio de Janeiro: Gráfica Mec
Editora Ltda, 1994.
Sônia Morta Viva. Direção: Sergio Waismann. Brasil, 1985.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE OS USOS PÚBLICOS DA
HISTÓRIA ANTIGA E SUAS REPERCUSSÕES
Ana Lucia Santos Coelho
Ygor Klain Belchior

Aprendendo
A história está em todo o lugar e ela é interpretada por públicos distintos, História:
com ideologias díspares, a todo o momento. No Brasil, é evidente que essa MÍDIAS
afirmação é verdadeira e ela é o resultado de uma relação que vem se Página | 59
acentuando cada vez mais, a ponto de ser percebida como uma
preocupação urgente aos pesquisadores das universidades e aos
professores da Educação Básica.

E por quê? Nos últimos anos, foi possível atentar que a História (e aqui
entendo como “histórias” as mais diversas versões sobre o passado, e não
apenas a ciência História) tornou-se muito popular e importante ao cenário
político brasileiro. Por exemplo, no mês de agosto de 2018, o então
presidenciável, Jair Bolsonaro, disse em entrevista ao programa Roda Viva
que os portugueses nunca haviam pisado na África, isto é, que a escravidão
negra era de responsabilidade dos próprios africanos. Ainda completou mais
adiante em sua fala: “eu não acredito em dívida histórica, pois nunca
escravizei ninguém”.

Da mesma forma, os seus eleitores também recorreram ao passado como


uma forma eficaz de fazer política e sustentar o voto em seu candidato.
Assim, associaram o nazismo ao comunismo (o mesmo regime que jurou
aniquilar), o comunismo e socialismo foram confundidos entre si, mas
também com direitos humanos básicos, além da negação da experiência
ditatorial no Brasil.

Não é à toa que, em setembro de 2018, o jornal O Globo publicou a


matéria: Versões absurdas de fatos históricos ganham força e alarmam
especialistas. Nela, denunciou um movimento denominado como fake
history, o qual, por alguma estranha coincidência, compreende justamente
as versões sobre os fatos que acabamos de lembrar, dentre outras ainda
piores, a exemplo de gente negando o holocausto.

Fig. 1
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/versoes-absurdas-de-fatos-
historicos-ganham-forca-alarmam-especialistas-23091891

Nós, os historiadores profissionais, chamamos este tipo de reflexão de


Aprendendo História Pública. Uma História que vem sendo contada por meio de
História: instrumentos digitais e impressos.
MÍDIAS
Página | 60 De acordo com Cerri (2006, p. 3-19) existem duas teorias para o
surgimento da História Pública: a primeira é norte-americana e a segunda é
alemã, a primeira diz respeito ao contexto da crise econômica da década de
1970, já, a segunda condiz com o debate público a respeito da negação do
holocausto na década de 1980. Vejamos:

Nos Estados Unidos da década de 1970, o cenário era de crise econômica e


falta de oportunidade de empregos para os historiadores recém-formados,
principalmente os especialistas em História Regional ou Local (o que nos faz
lembrar os nossos dias atuais). Foi justamente tal necessidade de encontrar
outros campos de atuação, como museus, rádios e jornais, que surgiu a
figura do historiador público.

Quanto à Alemanha, o quadro é um pouco mais delicado. Nesse contexto, a


História Pública foi cunhada por Jürgen Habermas para discutir o nazismo e
o holocausto na querela dos historiadores, um movimento composto por
intensos debates nos meios digitais, em que alguns historiógrafos,
conhecidos como “negacionistas”, denegavam ou relativizavam o
holocausto. E, por outro lado, havia os que defendiam que a experiência em
questão não só deveria ser entendida como um “acontecimento real”, mas
também como um evento que precisaria ser sempre lembrado para que
nunca mais viesse acontecer novamente.

Ainda de acordo com Cerri, durante os primeiros anos da História Pública,


os historiadores das universidades demonstraram preconceito com a
modalidade, opondo claramente em suas publicações o que chamavam de
“A” História acadêmica x “a” história pública. Hoje este preconceito vem
sendo abandonado pela academia, uma vez que os programas passaram a
pensar em História Pública como o estudo dos espaços onde as pessoas
mais se informam sobre História, como os jornais e as grandes mídias. E
por quê? Porque esses veículos são representantes de interesses privados,
portanto, não são narrativas isentas, mas produtores de um saber histórico
intencional e muito eficaz. Aliás, é preciso reconhecer que, no mundo das
mídias, o saber histórico modifica a opinião pública, o que, por sua vez,
ocorre na esfera pública.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 61

Fig. 2
https://www.google.com/search?q=seu+professor+de+historia+mentiu&rlz
=1C1SQJL_pt-
BRBR786BR786&oq=o+seu+professor+de+his&aqs=chrome.1.69i57j0l4.55
70j0j7&sourceid=chrome&ie=UTF-8

Falaremos brevemente de três exemplos de História Pública aqui no Brasil:


A História Pública na TV, A História Pública na Internet e, por último, A
História Pública nos “guias politicamente incorretos”.

Começaremos com a História Pública na TV. Na comemoração dos 500 anos


do descobrimento do Brasil, em 2000, houve distribuição de relógios em
todas as capitais. Esta atitude aparentemente trivial, aos olhos da História
pública, pode ser vista da seguinte maneira: para nossas mídias, a
cronologia europeia da nação é a que vale, afinal, comemorar os 500 anos
de um território ocupado séculos antes nada mais é do que reforçar a nossa
identidade como colônia. Ademais, durante as transmissões foi possível
notar que o nosso “descobrimento” nada mais era do que uma festa
particular da TV Globo, elaborada com uma caravela malfeita e repleta de
autoridades e famosos, mas com os índios, os negros e os movimentos
sociais privados da entrada. Novamente, através do prisma da História
Pública, até mesmo uma simples festa pode ser lida como um ato político
que mexe com as nossas emoções, além de revelar o “currículo oculto” da
nossa nação: um projeto fracassado das elites, uma festa exclusiva, na qual
os subalternos estão permanentemente excluídos.

A História Pública na Internet é a que hoje mais preocupa os especialistas.


Para se ter uma ideia, a Wikipédia é o quinto website mais acessado do
mundo e grande parte dos nossos estudantes já utilizaram a plataforma
com fins acadêmicos. O que é mais evidente ainda nas escolas! Não é nosso
intuito aqui debater o conteúdo dos artigos, afinal, existem bons e maus
verbetes em qualquer enciclopédia. Nosso foco na Wikipédia reside no fim
da noção de autoria, e, um país em que a maior parte dos eleitores
brasileiros provaram se informar por meio da internet, a não autoria
representou uma desculpa para a não utilização de autoridades para
sustentar um argumento. Mas isso é tão grave assim? Acreditamos que
duas imagens respondem à pergunta:
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 62

Fig. 3
https://www.dn.pt/mundo/interior/video-no-youtube-faz-aumentar-
numero-de-pessoas-que-acreditam-que-a-terra-e-plana-10590110.html

Fig. 4
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/09/13/politica/1536853605_958656.h
tml

Por fim, A História Pública nos “guias politicamente incorretos”. É inegável o


interesse em livros de História nos últimos anos e a publicação de Narloch é
o principal exemplo desse despertar. De uma forma geral, avaliando as
obras do jornalista, como historiadores, podemos apontar alguns problemas
metodológicos, como a leitura que faz das fontes sem nenhuma crítica. Mas
essa aqui não é o nosso interesse. Aos olhos da História Pública, essas
“leituras erradas”, por assim dizer, são vistas como “propaganda de
preconceitos”. Para Narloch, os índios eram preguiçosos, bêbados e hostis.
Ademais, não houve genocídio indígena, mas apenas a miscigenação, ou
seja, eles “sumiram” porque tiveram o seu sangue diluído com o do europeu
e o africano. Quanto aos negros, o autor afirma categoricamente que Zumbi
era um assassino e, portanto, não é um homem digno de louvor por parte
do movimento negro. E mais, os escravos foram os verdadeiros escravistas
e se conformaram com a escravidão, e por isso, deveriam reconhecer que
abolicionismo é uma dádiva dos brancos, no caso, dos ingleses.

Não é preciso dizer que este tipo de versões públicas do passado têm
consequências políticas:
Aprendendo
História:
Fig. 5 MÍDIAS
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,mourao-liga-indio-a- Página | 63
indolencia-e-negro-a-malandragem,70002434689

Fig. 6
https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,meu-neto-e-um-cara-
bonito-viu-ali-branqueamento-da-raca-diz-mourao,70002535826

Enfim, é evidente que a História tem um uso público. Este uso é empregado
geralmente para justificar decisões graves, como golpes de Estado,
nacionalismos exacerbados, fascismo, guerras e crimes contra a
humanidade. Pode ainda servir para dividir o ônus da culpa, converter
opressores em vítimas, criminalizar revoluções, movimentos e as visões de
mundo de esquerda, por isso, é preciso ao historiador moderno estar apto a
ajudar as pessoas a compreender as mais diversas narrativas históricas em
nosso cotidiano, principalmente objetivando evitar o fascismo. Os
historiadores da história pública têm como referências básicas a defesa da
democracia, dos direitos humanos e dos direitos civis. Eles não podem
deixar de incorporar temas da pseudo-história e das teorias conspiratórias
às suas pesquisas e cursos, pois esquecimento e a desqualificação do
passado são estratégias liberais para atomizar ainda mais o cidadão. Afinal,
o presente não se explica a partir de sim mesmo.

Visto isso, nossa missão é rumar em direção ao estudo da História Antiga


Pública, em especial, como o cinema e a TV se apropriaram de uma imagem
idealizada de Roma durante muito tempo, fundamentando, assim,
“preconceitos históricos”.

Breve história da História Antiga


Georges Duby, em Un nominaliste bien tempere, afirma que “cada época
constrói, mentalmente, sua própria representação do passado, sua própria
Roma e sua própria Atenas”.

De acordo com Guarinello em Uma Morfologia da História: As Formas da


História Antiga, isso ocorre, em partes, porque a História científica é
composta por campos autônomos, ou seja, fôrmas, como a Antiga e a
Medieval, com metodologias, generalizações e modelos próprios que, por
sua vez, a diferem das outras maneiras de se contar o passado.

Os primeiros autores a fazerem uma História Antiga científica viveram nos


Aprendendo séculos XVIII e XIX. O primeiro foi Edward Gibbon, seguido de Theodor
História: Mommsen e de George Grote. Homens que estavam interessados em uma
MÍDIAS História feita por homens, aqueles que haviam atuado no centro do Estado,
Página | 64 seja na política ou nos exércitos. O século XIX também foi o cenário dos
nacionalismos, da centralização dos governos nas mãos de uma elite que
pretendia guiar às nações rumo à civilização, esta entendida, em partes,
pela manutenção dos valores atribuídos por eles à Antiguidade Clássica,
como a simetria, a ordem e a “branquitude” de seus monumentos. Basta
atentarmos para o Fórum Romano de Becchetti:

Fig. 7
http://eecarter.com/wordpress/wp-
content/uploads/2017/04/darkheart2.jpg

Na segunda metade do século XIX e no início do XX a História Antiga


encontrou-se com a antropologia, a economia e a sociologia para
compreender as origens da cidade ocidental. A antropologia é notada na
obra A cidade antiga, de Fustel de Coulanges, a economia nos escritos de
Karl Marx sobre as Formas que precedem a exploração capitalista e,
finalmente, a sociologia dA Cidade, tal como vista por Max Weber. Na
mesma época, também houve a influência dos debates imperialistas que
passaram a ver os conceitos de helenização e romanização como missões
civilizacionais. É o que notamos nA romanização da Bretanha romana, de
Francis Haverfield, e na História da Gália, de Camille Julian. A romanização
foi um tema recorrente nas produções artísticas a respeito de Roma e ela
serviu por muito tempo para justificar a superioridade dos romanos em
relação aos bárbaros, assim como a dos europeus em relação ao mundo. Os
não romanos, assim, passaram a ser animais selvagens que atacavam a
“pureza” da civilização. É o que notamos no quadro O saque de Roma pelos
bárbaros em 410, de Joseph-Noël Sylvestre (1890).
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 65

Fig. 8
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/a/a0/Sack_of_Ro
me_by_the_Visigoths_on_24_August_410_by_JN_Sylvestre_1890.jpg/800p
x-
Sack_of_Rome_by_the_Visigoths_on_24_August_410_by_JN_Sylvestre_18
90.jpg

A segunda metade do século XX ficou marcada pelo debate entre os


modernistas e os primitivistas. Os primeiros acreditaram que as sociedades
antigas eram muito semelhantes às nossas e os segundos defendiam o
oposto. Os modernistas foram fortemente influenciados pelas ideias de Marx
e da História econômica e buscavam estudar o conflito de classes ou a luta
entre exploradores e explorados. Os maiores expoentes são Michael
Rostovtzev, autor do livro a História social e econômica do Império Romano,
Ste. Croix, em A luta de classes na Grécia Antiga do período arcaico à
conquista árabe, e Andrea Carandini, em Sociedade romana e produção
escravista. Os primitivistas, ao seu turno, podem ser entendidos como
discípulos de Moses Finley, que defendia o estudo do mundo antigo a partir
das suas próprias categorias, as quais foram estudadas em obras
prestigiadas, como A economia antiga, Democracia antiga e moderna e
Escravidão antiga e ideologia moderna, sempre procurando separar o antigo
do moderno.

Com a queda do muro de Berlim na década de 1980, o Ocidente entrou em


crise. As colônias deixavam a sua antiga condição subalterna e as
identidades antes consideradas superiores foram questionadas. Nesse
contexto, Martin Bernal escreveu A Atena negra: as raízes afro-asiáticas da
civilização clássica e Johathan Hall compôs A identidade étnica na
Antiguidade Grega, provando que a Hélade era um conjunto de diversas
cidades, com identidades distintas. E o mesmo vale para o império romano,
ele deixou de ser percebido como uma unidade genética de caucasianos e
começou a ser visto pelo prisma da diversidade. É o que notamos na
seguinte representação do imperador Septímio Severo, acompanhado de
sua mulher e filho, na qual não esconde a sua origem africana:

Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 66

Fig. 9
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/1/10/Septimussev
erustondo.jpg/220px-Septimusseverustondo.jpg

Ao mesmo tempo, as modernas tecnologias de análise permitiram observar


que, para além da “branquitude” racial, a edílica também era uma invenção
dos homens posteriores. As análises dos pigmentos em Pompeia e na
estatuária revelou uma cidade muito mais diversa e colorida, tal como
podemos observar nesta releitura do Augusto de Prima Porta:

Fig. 10
https://cdn.acidcow.com/pics/20160726/antique_statues_04.jpg

Nos anos 2000, a História Antiga foi influenciada pela era da internet. Por
causa dela, conceitos como conectividade, identidade e mundialização
fundamentaram pesquisas que olhavam para o mediterrâneo como um
mundo conectado. Os três principais autores dessa guinada são Peregrine
Horden e Nicholas Purcell, com o livro O mar corruptor, e o arqueólogo Ian
Morris, o qual cunhou o termo Mediterranização para descrever as
sociedades antigas. Como exemplo, trazemos uma imagem de um
sarcófago egípcio feito para um romano:

Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 67

Fig. 11
https://hucipher.files.wordpress.com/2015/04/3adc815c3d602fd6560afc7cb
befe5b3.jpg

Veremos, agora, como o cinema se apropriou de uma imagem idealizada de


Roma e de Grécia durante muito tempo, fundamentando, assim,
“preconceitos históricos” muito importantes de serem apontados pelos
pesquisadores: a supremacia do “branco” nessas sociedades.

Avaliando a História Antiga Pública


É fato que convivemos com as mais diversas versões de eventos
importantes. E o mesmo vale para a antiguidade greco-romana. Ela, por
muito tempo, foi tida da mesma maneira que os intelectuais do século XIX a
representaram: sob os signos da civilização e da branquitude.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
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Fig. 12
http://4.bp.blogspot.com/-grJxgX26vPw/UVSK70jPuUI/AAAAAAAAG2Q/P2-
o8Og6iXc/s1600/filmes-imperio-romano.jpg

Como nosso espaço é limitado, a nossa análise contemplará quatro


produções cinematográficas contemporâneas: Gladiador (2000), Troia
(2004), Roma (2005) e Troia (2018). O motivo? Elas, além de serem mais
acessíveis ao público geral, são as que os professores geralmente escolhem
para comentar em suas aulas. E, como vimos, se essas versões públicas
não forem colocadas à crítica, podem servir como sustentáculos de
“preconceitos históricos” ou como um bom material para trabalhar com os
alunos outras visões sobre o passado. Cabe dizer também que nos
resguardaremos a comentar os filmes de maneira direta, justamente por
causa do espeço concedido para este artigo, deixando ao leitor a
responsabilidade de se informar sobre os fatos mais triviais sobre tais
produções. Para tanto, dividiremos a sequência desta exposição em dois
momentos, cada um contemplando dois filmes. Os dois primeiros filmes,
contemplados no primeiro bloco, são os que consideramos como portadores
do “preconceito histórico” da branquitude, já, os dois últimos, são
justamente as produções que atacam tal preconceito.

Começaremos com o filme Gladiador. O que nos chama a atenção neste


filme, no que tange o preconceito da branquitude, é que, apesar dos
milhões de dólares investidos em cenários e na reconstrução digital de
Roma, os monumentos do Fórum e o Coliseu são tidos como desprovidos de
cor, acentuando-se, assim, a mesma visão de Roma, tal como defendida
pelos teóricos do século XIX. Vejamos o Coliseu:
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 69

Fig. 13
https://i.pinimg.com/originals/1c/95/35/1c9535b398b74f2fdc0f231fcd2b66
46.jpg

Hoje, a moderna arqueologia nos revela que tanto as paredes do Anfiteatro


Flaviano estavam cobertas de vermelho, com blocos vermelhos e brancos
de travertino e trechos de azurita em gesso. Ademais, a construção era
acompanhada de um velarium, um tipo de telhado retrátil, que também era
colorido, para proteger os expectadores do tempo:

Fig. 14
https://www.boothbayregister.com/sites/default/files/2017/05/field/image/
velarium.jpg

O filme Tróia, por sua vez, padece desse mesmo preconceito. Além da
escolha de personagens tipicamente caucasianos, como Brad Pitt e
Diane Heidkrüger, para interpretarem personagens do mesmo mundo
estudado por Bernal, e localizado ainda por cima na Ásia menor, a película
também representa uma Troia, digamos “clássica”, com seus monumentos
sem cor, tal como se fossem a Roma do século XIX:
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 70

Fig. 15
http://arquivo.cinemaemcena.com.br/uploads/filme/cache/980-586-
resize/filmes-1916-fotos-6837.jpg

O contraponto é a série de TV mais recente, lançada em 2018, pela Netflix,


que leva o mesmo nome, Troia. Nela, sim, percebemos o mundo antigo de
Bernal colocado em prática, no que tange a preocupação demonstrar as
raízes afro-asiáticas da cultura grega. Podemos considerar esta série,
portanto, um ótimo instrumento para combater o “preconceito histórico” da
“branquitude”, principalmente se atentarmos para a escolha do ator para
interpretar o Aquiles: David Gyasi.

Fig. 16
https://pmcvariety.files.wordpress.com/2017/12/david-gyasi-achilles-
cropped-1.jpg?w=1000&h=563&crop=1

E não fica nisso. Zeus também é representado por um ator negro, Hakeem
Kae-Kazim, jogando por terra as inúmeras representações pictóricas do
velhinho de barbas, roupas e pele claras, soltando raios:
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 71

Fig. 17
https://i2.wp.com/maisminas.org/wp-content/uploads/2018/04/zeus-em-
troy.jpg?resize=620%2C413&ssl=1

Esta série pode ser considerada muito mais próxima daquilo que é
defendido pelas pesquisas acadêmicas mais recentes acerca do mundo
antigo, tal como estudamos no tópico anterior. Todavia, voltando ao papel
da História pública, podemos perceber que a imagem de uma Antiguidade
totalmente “branca” ainda é considerada como a “verdadeira” pelo público
em geral, haja vista as polêmicas colecionadas pela divulgação desta
produção, os gregos não podem ser vistos de outra maneira:

Fig. 18
https://pipocamoderna.com.br/2018/02/serie-sobre-guerra-de-troia-lidera-
audiencia-e-vira-polemica-racial-no-reino-unido/

A respeito dessa polêmica,

“Em ‘Racismo na Grécia e em Roma’, Beard explica que ambas as


sociedades desconfiavam dos estrangeiros, e eventualmente os
desprezavam. ‘Mas não se preocupavam muito com a cor da pele’, diz”. (In:
https://brasil.elpais.com/brasil/2017/07/27/internacional/1501148623_366
673.html).

Na verdade, o fato de suprematistas brancos atualmente se preocuparem


em refutar toda e qualquer ideia de diversidade étnica das sociedades
clássicas, para Beard, diz mais sobre o mundo de hoje do que a respeito de
como os antigos lidavam com isso.
Por último, a série Roma da HBO. Essa produção é importante para este
texto porque nos oferece uma visão da cidade de Roma bem diferente
daquela encontrada nas representações do século XIX e em produções,
como Gladiador. Na trama, temos uma cidade com cores muito vivas, com
lixo nas ruas, uma representação muito distante de uma Roma harmônica,
Aprendendo linear e, sobretudo, branca.
História:
MÍDIAS
Página | 72

Fig. 19
http://www.1zoom.me/prev2/126/125791.jpg

Considerações finais
A História Pública da Antiguidade opera dentro de uma lógica racial e sobre
a política do embranquecimento. O modo pelo qual observamos o mundo é
reeditado, recriado e produz subjetividades. A construção da lógica racial
nas representações imagéticas e fílmicas de Roma faz-nos compreender o
engendramento entre a política do branqueamento e os modos de incidência
do racismo na subjetividade negra e branca na contemporaneidade. O Brasil
é um país que vive o racismo estrutural sustentado na hegemonia da
brancura, uma brancura que, como vimos, pode ser justificada
“historicamente” dentro das civilizações mais importantes para a formação
do mundo ocidental, a saber Grécia e Roma. Isso marca privilégios por
parte da população branca e inviabiliza o acesso da população negra, em
amplo aspecto, à sua justa parcela de povos e etnias que sempre estiveram
presentes na construção das sociedades antigas.

Referências bibliográficas
Ana Lucia Santos Coelho é Doutoranda pela Universidade Federal de Ouro
Preto.
Ygor Klain Belchior é Doutor em História Social pela Universidade de São
Paulo e Professor da Universidade Estadual de Feira de Santana.
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Ithaca: Cornell University, 1998.

WEBER, Max. La Citta. Trad. O.Padova, Milano, Ed. Valentino Bompiani,


1950.
HISTÓRIA DIGITAL NO (E DO) AMAPÁ: A EXPERIENCIA DO BLOG
“ENSINO E TEMPO”
Anderson Luis Azevedo da Rocha

Vivemos na era digital. Boa parte das atividades humanas são atualmente Aprendendo
feitas por meio de dispositivos eletrônicos conectados na Internet. Entramos História:
em contato diariamente com inúmeros conteúdos na web e somos MÍDIAS
direcionados a diferentes caminhos do ciberespaço de acordo com os nossos Página | 75
interesses (CASTELLS, 1999; LEVY, 2010). Sendo assim, como os cientistas
tem se ocupado desse espaço? Como os historiadores estão (ou não) se
apropriando dos meios digitais para discutir História e como devemos agir
diante do momento histórico em que vivemos?

É pensando nessas questões que este texto apresenta reflexões sobre a


presente relação da História com a Internet. Inicialmente, discute-se
rapidamente sobre algumas noções de História Digital para falar de blogs e
sites de História; e em uma segunda parte, é apresentada a experiência de
um blog criado com dois objetivos principais: discutir a História do Amapá e
apresentar/divulgar debates feitos por acadêmicos e professores da
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP).

História Digital
Os historiadores estão cada vez mais se apropriando das mídias digitais
para discutir, pesquisar e divulgar a História. É cada vez mais raro
desempenhar tais atividades sem o uso de dispositivos digitais conectados à
Internet. Assim, é necessário refletir sobre as implicações do mundo digital
no fazer do historiador. Segundo Serge Noiret:

“Quase todas as problemáticas tradicionais do ofício de historiador, da


delimitação de uma hipótese de pesquisa à descoberta, ao acesso e à
gestão dos documentos e das fontes, até conseguir os fundamentos
narrativos e, sobretudo, até a comunicação da história e dos resultados de
pesquisa, e, finalmente, o ensino da história, passam agora em parte ou no
todo, pela tela do computador.” (NOIRET, 2015, p. 32-33).

Os dispositivos digitais, portanto, estão presentes em momentos


importantes da prática do historiador, seja na pesquisa ou no ensino.
Porém, ainda são pouco discutidas nas Universidades brasileiras, sobretudo
do norte do Brasil, as perspectivas em torno da relação entre História,
dispositivos digitais e a Internet. Entende-se que as instituições de ensino
superior são importantes no processo de apreensão dessa realidade por
parte dos historiadores, e por isso devem fomentar mais discussões sobre
História Digital. De acordo com Nicolás Quiroga:

“Cualquiera de las herramientas, instrumentos o máquinas ... que forman


parte de nuestra contemporaneidade deben ser parte del hacer historiador,
en tanto los “restos del pasado” están cada vez más mediados por los
dominios de esos seres.” (QUIROGA, 2011, p. 64).
Os profissionais da História, enquanto “homens inseridos no seu tempo”,
precisam conhecer e questionar os aspectos contemporâneos a seu tempo,
formulando os problemas a serem respondidos pelas suas pesquisas
(BLOCH, 2001). Portanto, faz-se necessário discutir sobre os espaços que
os historiadores ocupam ou não na Internet, visto o grande número de
Aprendendo possibilidades que a mesma proporciona.
História:
MÍDIAS Sabedores disso, historiadores de diferentes partes do mundo iniciaram há
Página | 76 algum tempo as discussões sobre os problemas e desafios do fazer
historiográfico no século XXI. Sobre isso, Anita Lucchesi (2012) discorre
sobre duas tendências historiográficas que se dedicam a discutir a História
Digital, que são: a “Digital History”, que surgiu nos Estados Unidos ainda na
década de 1990, e a “Storiografia Digitale”, que surge na Itália no início dos
anos 2000.

Assim, são cada vez mais frequentes os esforços para garantir um melhor
entendimento sobre o que é a História Digital. Ainda não há consenso sobre
a conceituação desse campo de estudo, porém, já é possível visualizar
algumas tentativas. Aqui será utilizada a definição de Giancarlo Monina, que
descreve a História Digital como:

“todo o complexo universo de produções e trocas sociais tendo por objeto o


conhecimento histórico, transferido e/ou diretamente gerado e
experimentado em ambientação digital (pesquisa, organização, relações,
difusão, uso público e privado, fontes, livros, didática, desempenho e assim
por diante)” (MONINA apud NOIRET, 2015, p.33).

Tem-se, então, uma miríade de possibilidades em torno do que se produz


visando a construção do conhecimento histórico na Internet. Logo, um
trabalho de História Digital deve delimitar bem o tipo de atividade que
pretende exercitar na Internet. Atualmente, existem diversos exemplos de
sites e perfis em redes sociais que disponibilizam divulgação científica,
materiais didáticos, acervos documentais, ensaios, vídeos, podcasts,
colunas, notícias, etc.

Estas opções dão uma dimensão do que pode ser feito e de como essas
mídias tornam a difusão do conhecimento histórico muito mais interativa.
Os historiadores presentes nos meios digitais têm a possibilidade de discutir
com seus leitores/seguidores, receber mensagens, opiniões, além de poder
perceber que tipo de tema ou abordagem gera mais visualizações e
interesse do público.

Blogs e sites de História


Dentro das inúmeras possibilidades em torno da difusão do conhecimento
histórico nos meios digitais, os blogs e sites se apresentam como uma fácil
alternativa para criação de um diário voltado para a História. Assim, não é
difícil encontrar endereços que disponibilizam materiais didáticos e textos
sobre diversos temas da História na Internet.
Diante dos múltiplos exemplos, a qualidade dos materiais publicados varia
bastante (OLIVEIRA, 2014). Ainda é comum encontrar sites que
apresentam fatos históricos abordados de maneira meramente narrativa,
sem aprofundamento e sem propor nenhuma reflexão/discussão. Entende-
se que na Internet os conteúdos devam ser mais curtos e de fácil leitura,
porém, isso não pode negligenciar aspectos básicos da reflexão histórica. Aprendendo
História:
É fato que a linguagem da Internet é diferente da linguagem acadêmica MÍDIAS
e/ou escolar, e por isso os sites devem apresentar uma linguagem Página | 77
específica. Segundo Malerba (2017), “Blogs e redes sociais, por exemplo,
não aceitam o ‘textão’. A informação e a análise devem se veicular em
gotas. A capacidade e a disponibilidade de leitura hoje contam-se em
dígitos”. O conteúdo deve ser, então, mais acessível ao grande público, mas
isso não significa que deva ser apresentado de maneira superficial. O ideal é
conseguir se apropriar de uma linguagem mais simples sem perder a
profundidade necessária às discussões sobre História.

Entre os sites que seguem esses ideais, dois chamam a atenção, além de
serem as inspirações para o blog Ensino e Tempo. O primeiro é o Café
História (www.cafehistoria.com.br), site que desde 2008 apresenta textos
que, mesmo curtos e simples, não perdem a profundidade da reflexão
histórica necessária; e o segundo é o HH Magazine (hhmagazine.com.br),
site mais recente e vinculado ao periódico acadêmico História da
Historiografia, que também se adequa bem a linguagem da Internet. Esses
dois sites apresentam uma relação mais estreita com a história acadêmica,
porém, utilizam diferentes formatos para atingir não somente historiadores,
mas também o grande público.

Assim, tem-se nesses formatos as bases de funcionamento e publicação do


Blog Ensino e Tempo, que serão mais aprofundados no próximo tópico. Por
se tratar da experiência própria do autor com um colega, a partir de agora o
texto será apresentado na primeira pessoa do plural.

A experiência do blog Ensino e Tempo


O Blog Ensino e Tempo surgiu em 2017, quando foi proposta a avaliação
final do componente curricular História Contemporânea II. A avaliação era
“trabalhar com mídias digitais”, sendo de escolha livre dos acadêmicos o
formato a ser utilizado. Foi então que eu, Anderson Rocha, e o acadêmico
Danilo Mendes tivemos a ideia de criar um blog e publicar sobre trabalhos
feitos por nós e outros colegas nos semestres passados. A justificativa se
deu pelo fato de tais trabalhos ficarem restritos apenas ao ambiente das
aulas, e por isso resolvemos divulgar as atividades através de um blog.
Fizemos isso e depois de finalizado o componente curricular, com a
aprovação, resolvemos desativar o blog por conta do pouco tempo
disponível para atualizá-lo.

Agora formados em 2019, reativamos o blog em fevereiro com seus


objetivos ampliados. Continuamos com a proposta de publicar atividades
feitas na graduação, porém, procuramos também produzir conteúdo
exclusivo envolvendo ensino, pesquisa e divulgação científica. Os focos
principais são a História do Amapá e atividades desenvolvidas por
acadêmicos ou professores do Amapá, com o objetivo ocupar um espaço
pouco utilizado pelos profissionais da área no estado. Isso não significa,
porém, que o nosso público alvo se resuma ao local e que falaremos apenas
sobre História do Amapá.
Aprendendo
História: Tentamos, emprestando um termo utilizado por Noiret (2015, p. 42), ser
MÍDIAS um ambiente “glocal”, em que apresenta para o mundo inteiro questões
Página | 78 levantadas a nível local. Como a Internet está disponível em todos os
cantos do mundo, é impossível escrever apenas para um público específico.
Então tentamos tratar de assuntos da História do Amapá e outros temas,
buscando integrá-la a contextos mais amplos.

Considerando o perfil da Internet, buscamos dar ao blog uma identidade,


criando um nome e um slogan. Escolhemos o nome “Ensino e Tempo”,
ainda em 2017, por se adequar aos nosso objetivo de discutir sobre História
e ensino. Como já existiam vários sites que usavam variações do nome
“História e Ensino”, optamos por “Ensino e Tempo”, por tratar também de
dois aspectos globais da existência humana, que são: a noção de tempo e a
prática do ensino.

Fig. 1: Logotipo do blog


https://lh3.googleusercontent.com/-
C5PBWHvn2HU/XFo3cGsXaFI/AAAAAAAABSo/LJM9HJ6g4n8vFydr4snljSwLm
Ea7ZHk2gCJoC/w530-h530-n-rw/logo%2Bblog.jpeg

Com o retorno em 2019, demos maior atenção a identidade do blog,


criando um logotipo e um slogan. Nos dois casos optamos também por
aspectos gerais e globais, como no caso do slogan “História presente nas
redes”, e do logotipo, que é a imagem de um laptop com uma ampulheta e
uma rede de informações na sua tela. Com isso, o site apresenta-se
atualmente assim: “Ensino e Tempo: História presente nas redes” com o
logotipo estampado no lado direito do site e uma breve descrição.

Tais preocupações surgiram de leituras sobre o gerenciamento de sites na


Internet. Em especial, nos chamou atenção a entrevista do historiador e
administrador do Café História, Bruno Leal, para a Revista História, Aprendendo
Ciências, Saúde – Manguinhos (BENCHIMOL et al, 2015), onde destaca a História:
importância de três aspectos para sites na Internet, que são: qualidade do MÍDIAS
conteúdo, atualização e identidade visual. Dessa forma, buscamos seguir Página | 79
tais recomendações, criando uma identidade visual para o blog e definindo
a periodicidade de uma postagem por semana.

Feito isso, focamos nas publicações, entendendo que um conteúdo frágil


pode fazer determinado site perder a credibilidade dos internautas.
Pensando nesses aspectos, optamos por publicar textos em diferentes
formatos. Já existem publicações sobre Trabalho de Conclusão de Curso de
acadêmicos da UNIFAP, entrevistas com pesquisadores, ensaios sobre
temas abertos escritos por acadêmicos, propostas de intervenção para aulas
de História por meio de filmes, divulgação de documentos online, etc.

Fazemos isso para dar dinamicidade ao blog, pois entendemos que publicar
apenas em um formato limita muito as possibilidades que a Internet nos
possibilita. Assim, o Blog Ensino e Tempo tem funcionado como um
laboratório onde são experimentadas diferentes formas de discutir História
na Internet. É um blog ainda novo, com poucas publicações e poucas
visualizações. Por isso, buscamos variar bem as nossas abordagens para
entender como é recebida cada publicação.

Até o momento, percebemos que o número de cliques depende de como e


onde os links são divulgados no ciberespaço. Assim, pelo alto alcance, o
Facebook tem sido o veículo onde disponibilizamos os links das nossas
postagens, seja nos nossos perfis pessoais, seja na página criada para o
blog (atualmente com 114 seguidores). Feito esse trabalho, percebemos
que o principal atrativo para mais cliques é o tema ou proposta abordada.
Entre as 5 postagens de 2017, a publicação que mais recebeu cliques (187)
foi uma proposta de paródia da música Igarapé das Mulheres, do artista
Osmar Júnior, adaptada para a segunda guerra mundial, oriunda de um
trabalho feito no componente curricular Seminário de Prática de Ensino II.
Notamos que a música local e a relação feita com o tema da Segunda
Guerra Mundial foi um grande atrativo para o público.

Nas postagens de 2019, a publicação com mais cliques (143) e alcance no


Facebook (737 pessoas) foi sobre um TCC que aborda o Projeto ICOMI e o
seu programa de saúde no Amapá. O tema “ICOMI” tem a grande atenção
dos amapaenses, tanto na academia quanto fora dela, além disso,
disponibilizar um TCC sobre o tema pode ter sido um grande atrativo para
os internautas, pois é um trabalho que apresenta uma nova perspectiva
para o assunto. Assim, um TCC disponibilizado (algo que pouco acontece no
Amapá) sobre um tema bastante “popular” da História do Amapá (o projeto
ICOMI) rendeu um grande número de cliques ao blog (entendemos que foi
grande baseado no pouco alcance que o blog tem e pelo pouco tempo em
que foi reativado).

As outras publicações de outros temas seguem um número de cliques


padrão (entre 50 e 100), estando de acordo com o interesse pessoal de
Aprendendo cada um. Isso acontece porque o principal espaço de divulgação utilizado
História: por nós é o Facebook, rede social bastante popular e utilizada por diferentes
MÍDIAS públicos. Uma vez que os links são colocados no Facebook, as pessoas
Página | 80 passam a compartilhá-los de acordo com seus interesses diante do tema
abordado. Assim, os que mais compartilham os posts são colegas
historiadores, seguidos de pessoas que se interessam pelo conteúdo, que
variam de acordo com a popularidade do tema tratado.

Dessa forma se apresentam dois desafios. O primeiro é ganhar mais


acessos, e para garantir isso, percebemos que precisamos publicar mais
sobre temas tradicionais da historiografia, pois são os que mais despertam
interesse do público comum (não historiadores). O segundo é apresentar ao
público discussões novas sobre a História e novas perspectivas, porém, esse
tipo de conteúdo não é tão compartilhado pelo público comum. Portanto,
lidar com esses dados tem sido a maior dificuldade do nosso blog, pois
nosso objetivo é justamente fazer com que as novas discussões alcancem
um público maior. Por conta disso, estamos nos inserindo nas discussões
sobre tecnologia, Internet e História, pois entendemos que assim podemos
crescer enquanto historiadores digitais e melhorar os aspectos do nosso
blog.

Conclusão
A História Digital é uma realidade e não podemos fugir dela. Por isso,
propomos a discussão do tema e a aplicação de atividades que se adequam
a relação entre a História e a Internet.

O blog Ensino e Tempo busca propor, por meio dessas discussões, uma
abordagem sobre o que vem sendo produzido e pensado por historiadores
do Amapá, visando alcançar um público de, principalmente, não
historiadores. Tal proposta surge da falta de historiadores do Amapá
produzindo conteúdo sobre História na Internet. Assim, nos propomos a
realizar tal tarefa, alcançado públicos variados e obtendo retorno de
pessoas que tem compartilhado nossos links, principalmente via Facebook.

Com pouco mais de um mês desde o retorno do blog, entendemos que o


contato do público tem sido satisfatório e esperamos que cresça no futuro.
Além disso, buscamos nos inserir nas discussões sobre Internet, mídias
digitais e História para ter uma base fundamentada para nossas atividades
e, claro, divulgar o que vem sendo feito por nós no blog Ensino e Tempo. A
inexperiência tem marcado a tônica das nossas atividades, fazendo com que
sempre estejamos aprendendo algo novo no dia a dia de publicações.

Pretendemos continuar a discutir mais sobre História Digital e a inserção da


História nos meios digitais. No mundo atual, de difusão cada vez maior de
informações, estamos tentando nos apropriar das mídias digitais e ocupar
espaços da Internet para discutir, divulgar e ensinar História. Dito isso,
acessem ensinoetempo.blogspot.com.

Referências
Anderson Rocha é graduado em História pela Universidade Federal do
Amapá e administrador do Blog Ensino e Tempo. Email: Aprendendo
Andersonrch95@gmail.com História:
MÍDIAS
BENCHIMOL, Jaime et al. Divulgação científica, redes sociais e historiadores Página | 81
engendrando novas histórias: entrevista com Bruno Leal. História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.22, n.3, jul.-set. 2015, p.1067-
1079.

BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O ofício do historiador. Rio de


Janeiro: Zahar, 2001.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. v.1. Rio de Janeiro: Paz e Terra,


1999.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 2010.

LUCCHESI, Anita. Digital History e Storiografia Digitale: estudo comparado


sobre a Escrita da História no Tempo Presente (2001-2011). Dissertação
(Mestrado em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

MALERBA, Jurandir. Os historiadores e seus públicos: desafios ao


conhecimento histórico na era digital. Revista Brasileira de História. São
Paulo, v. 37, nº 74, 2017.

NOIRET, Serge. História Pública Digital. Liinc em Revista, Rio de Janeiro,


v.11, n.1, maio 2015, p. 28-51.

OLIVEIRA, Nucia Alexandra Silva de. História e internet: conexões possíveis.


Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 6, n.12, p. 23 ‐ 53, mai./ago.
2014.

QUIROGA, Nicolás. Blogs de historia: usos y posilibidades. Historia Critica,


Bogotá, n. 43, enero-abril 2011, p. 62-80.
FILMES NAS AULAS DE HISTÓRIA:
E AGORA? POR QUE E COMO USÁ-LOS?
Antônio Barros de Aguiar

Aprendendo Este texto retoma a discussão sobre os filmes como fontes históricas e seus
História: possíveis usos no ensino de História. Sabemos que a relação entre o
MÍDIAS Cinema e a História já está consolidada, e o uso de filmes em salas de aula
Página | 82 já é uma realidade. Por isso, nossa pretensão aqui é apresentar algumas
sugestões de como analisar filmes nas aulas de História.

A discussão sobre o uso de filmes no ensino História suscitou, nos últimos


anos, importantes pesquisas. Desde o estudo pioneiro de Marco Ferro no
final dos anos 1970, a relação entre Cinema e História impactou, de forma
decisiva, as aulas de História. Hoje, vem crescendo um número significativo
de revistas tanto no formato online quanto impresso e eventos que se
debruçam sobre esse tema.

Ferro em seu texto intitulado ‘O filme: uma contra-análise da sociedade?’


(1976), que compunha o volume ‘História: Novos objetos’, organizado por
Jaques Le Goff e Pierre Nora, foi um dos pioneiros em teorizar sobre a
relação entre cinema e História e em tratar o filme como fonte histórica a
partir de métodos e abordagens específicos. Cabe enfatizar que Mandrou
(1958) foi o primeiro a abordar o uso do cinema como documento histórico
em seu texto ‘Historie et cinema’. Sorlin (1977) também foi outro pioneiro
nos estudos de cinema e sua relação com a História.

Também merece destaque as contribuições do historiador Rosenstone


(2010) nesse campo de estudo. Desde que o movimento dos Annales
ampliou o campo de estudo da historiografia com a inclusão de novos
objetos e novas abordagens, a visão sobre o cinema não parou de se
modificar. A incorporação do cinema entre os objetos da historiografia se
deu em meio aos debates e às mudanças que ocorreram no campo
historiográfico na França, em particular, na Inglaterra e nos Estados Unidos
durante as décadas de 1970 e 1980. Desde então, os historiadores
perceberam as amplas possibilidades do uso do cinema como fonte histórica
e como um recurso pedagógico.

Enquanto muitos pesquisavam sobre as diversas possibilidades de trabalho


com os filmes em salas de aula, as rápidas transformações nas novas
tecnologias impuseram novos desafios não só aos pesquisadores, mas
também aos professores na passagem do século XX para o século XXI.

Diante desse cenário que se desenha, os filmes ainda são usados


frequentemente em salas de aula como ilustração de um determinado
conteúdo histórico, como entretenimento, como “prova do real” ou como
“confirmação de fatos”. Pode-se dizer que isso ocorre quando o professor
não tem o mínimo de conhecimento acerca da estética, técnicas e
linguagem audiovisual. Assim, é preciso usar os filmes em salas de aula
como fontes históricas e como recursos didáticos para se debater temas
históricos diversos, sempre levando em consideração as especificidades da
linguagem audiovisual. Dessa forma, eles devem ser objetos de uma crítica
contundente.

Concordamos com Fonseca (2009), quando afirma que a linguagem


audiovisual não tem compromisso com a produção historiográfica, pois ela Aprendendo
se basta enquanto sistema produtor de significados. Com efeito, a produção História:
fílmica, em muitos casos, não está comprometida “fielmente” com a MÍDIAS
pesquisa histórica. Página | 83
Com base nisso, deve-se conhecer as particularidades da linguagem
audiovisual antes de ter o filme como objeto de análise histórica ou de
exibi-lo em sala de aula. Lembrando que ele é um produto sociocultural
complexo, que às vezes escapa dos nossos esquemas analíticos. Além
disso, pode possuir uma finalidade ideológica, política ou didática.

Partimos do pressuposto de que “desde que os dirigentes de uma sociedade


compreenderam a função que o cinema poderia desempenhar tentaram
apropriar-se dele e pô-lo a seu serviço”. (FERRO, 1992, p. 13-14). Neste
sentido, o cinema também foi posto a serviço da educação. Desde o início
do século XX houve uma preocupação em abordar as relações entre cinema
e educação no Brasil, sobretudo as possibilidades metodológicas, as
vantagens e os riscos da utilização de filmes em salas de aula. (FONSECA,
2009). Daí discutiu-se o caráter educativo do cinema.

Ou seja, desde as primeiras décadas do século XX, os educadores já


perceberam o poder das imagens em movimento, suas potencialidades
pedagógicas, enfim, seus possíveis usos na educação. A presença das
imagens audiovisuais nas salas de aula nesse período é discutida por
Jonathas Serrano e Francisco Venâncio Filho em ‘Cinema e Educação’
(1931), e por Joaquim Canuto Mendes de Almeida, que manifestou suas
impressões sobre a relação cinema e educação em ‘Cinema contra cinema’
(1931).

O uso de filmes no ensino não só foi discutido amplamente pelos teóricos da


educação, mas também pelos próprios cineastas, como podemos observar
em filmes como ‘Outubro’ (1928) e ‘Encouraçado Potemkin’ (1925), ambos
dirigidos pelo importante cineasta russo Sergei Eisenstein, que possuía
pretensões político-educativas ao produzir estas obras. (FONSECA, 2016).

Diante desse contexto, o filme, como produto do cinema, entrou nas salas
de aula como recurso didático há pelo menos desde o final dos anos 1980,
mas só recentemente é que estão surgindo algumas propostas mais
sistematizadas e novas abordagens que orientam o professor a usá-lo no
ensino de História.

Vale ressaltar que, segundo Souza (2017), a história da relação entre o


cinema e a educação formal tem início já nos primórdios do cinema, porém
a consolidação desta relação nas escolas se deu tardiamente. A “sétima
arte” foi considerada pelos próprios realizadores de cinema como uma
importante ferramenta de educação e instrução. Dessa forma, já havia
desde cedo à preocupação do uso de filmes como recurso pedagógico.

Isto posto, o filme para ter alguma legitimidade na construção do saber


histórico deve ser tratado como documento histórico e ser sempre
Aprendendo questionado pelo professor ou pelo pesquisador. Ou seja, deve-se partir de
História: um problema, questionando o filme como qualquer outro documento usado
MÍDIAS no ensino de História ou na pesquisa. É necessário ter mente no momento
Página | 84 dos questionamentos, que o filme é um documento produzido em um
determinado tempo e espaço, por isso sempre sofreu influências da época e
da sociedade em que foi produzido. Assim, pode ser utilizado como objeto
de análise histórica, uma vez que é testemunho de sua época, tornando-se,
portanto, em um importante registro da sociedade que o produziu.

Como afirma Valim (2005), é necessário tratar o filme como um documento


que sempre fala do presente, podendo servir como um instrumento de
denúncias. Ademais, segundo Nova (1996), o passado retratado em muitos
filmes pode funcionar como um instrumento de ocultação de um conteúdo
presente.

Além disso, Napolitano (2003) chama a atenção para o fato de que o


chamado “filme histórico”, muito utilizado em salas de aula, ancora-se no
passado e no presente. No presente, observa-se a produção do filme, sua
distribuição, exibição e recepção. Já no passado representado no filme,
analisa-se a narrativa histórica, os eventos e as performances dos
personagens. Nas performances é possível observar a distribuição dos
papéis e os lugares que os personagens ocupam na sociedade retratada. Em
síntese, a obra fílmica produzida é baseada na percepção do pensamento
contemporâneo sobre o passado.

O “filme histórico” apresenta um discurso sobre o passado tomado pela


subjetividade. Nesse sentido, apresenta-se nele um ponto de vista do
cineasta sobre determinado acontecimento anterior, que emite suas
opiniões e seus valores sobre este acontecimento. Cabe ressaltar que o
cineasta não expressa em seu filme o passado tal como aconteceu, como se
os historiadores também pudesse fazê-lo.

Diante disso, podemos fazer os seguintes questionamentos ao filme, que


podem servir como guias para a análise do mesmo nas aulas de História:
Quem o produziu? Qual o contexto histórico-social de sua produção? Como
ele representa ou interpreta o passado? Quem o vê e quem são vistos
através dele? A que interesses buscam atender a produção de um filme?

Além disso, os filmes sempre serão infiéis à realidade que procurarão


representar ou discutir. Eles congelam um instante do real e organiza-o de
acordo com os interesses e as intenções de profissionais do campo
cinematográfico. Assim, têm sua própria linguagem e especificidade, por
isso a importância de aplicar tratamentos diferenciados em sua leitura e
utilização no ensino de História.
Lembrando que há várias possibilidades de leituras e de utilização de um
filme, que diz tanto quanto for questionado. Napolitano (2005, p. 282)
propõe a dupla pergunta para uma análise de um filme: “o que um filme diz
e como diz?”. Portanto, o valor documental de um filme está atrelado à
capacidade analítica do professor ou pesquisador. Conforme já foi dito, por
ser uma linguagem tão complexa, carregada de vários elementos e Aprendendo
significados, o filme pode escapar de nossa capacidade analítica. História:
MÍDIAS
Ferro (1976) sugere-nos que devemos não só analisar o “visível” em um Página | 85
filme, mas também o “não visível”. Dessa forma, na análise fílmica é
necessário levar em consideração o que está por trás das câmeras,
procurando entender o processo de construção do filme. É ir além da
descrição da narrativa fílmica e investigar o modo pelo qual o filme
reconstrói o passado nas suas narrativas. (ROSSINI, 1999).

Para se fazer uma análise de um filme e seu possível uso como um recurso
pedagógico nas aulas de História, será preciso:

a) planejamento prévio do filme relacionado ao conteúdo escolar; b)


analisar os elementos narrativos do filme; c) discutir o processo de
construção do filme; d) analisar o filme com outras fontes; e) analisar as
imagens fílmicas como tais e o contexto histórico-social no qual elas foram
produzidas; f) fazer a comparação entre filmes; g) assistir sistemática e
repetidamente aos filmes para realizar uma leitura crítica; h) ver o filme
como parte de uma experiência cultural; i) tratar o filme como fonte
histórica.

Utilizar o filme como fonte histórica, significa analisá-lo e discuti-lo à luz da


época em que produzido e também do presente. É entendê-lo como produto
um cultural e estético que veicula valores, conceitos, ideias, padrões de
comportamento, imaginários, relações de poder, representações sobre um
passado, entre outros aspectos.

Valim apresenta de forma didática as principais etapas de análise de um


filme, inclusive algumas já apresentadas neste texto, que podem ser úteis
no ensino de História:

“1) O conteúdo aparente ou a imagem da realidade: é a forma como o filme


é apreendido, como é visto em um primeiro momento; 2) Com a análise das
imagens a partir de um determinado contexto histórico; 3) Em decorrência
do segundo ponto, pode-se chegar a uma zona de conteúdo latente, algo
que escapa à primeira vista, mas que ainda pode ser compreendido se
dissociado do contexto histórico; 4) Por meio dessa prerrogativa
metodológica pode-se então adentrar na zona da realidade não-visível,
mesmo que ela não possa ser reconstituída da maneira tal como se deu
(fato histórico), ipso facto, somente se poderá chegar próximo de tal
realidade, respeitadas as devidas conexões com o contexto em que o filme
foi produzido – acrescentamos que tal prerrogativa também vale para a
recepção do filme”. (VALIM, 2005, p. 20, grifo do autor).
Um dos métodos para a análise da historicidade de um filme, é compará-lo
com outros filmes e fazer também a comparação da recepção desse mesmo
filme em épocas distintas. O contexto de produção de um filme “é tomado
considerado a época de lançamento e o uso que se faz em outro momento
histórico, mesmo em sala de aula. E esta temática tem variações quanto
Aprendendo aos valores em determinada época e lugar”. (FERNANDES, 2007, p. 21).
História:
MÍDIAS Outro aspecto a considerar na análise fílmica, é a mensagem ideológica
Página | 86 presente em um filme, que pode vir à tona quando analisamos as suas
principais características: a imagem, o diretor, o público, as legendas, o
cenário, o figurino, as trilhas sonoras, os atores, as atrizes e a crítica.
Lembrando que filmes extremamente fantasiosos transmitem ideologias e
não estão desligados da realidade social. Dessa forma, a liberdade de
criação de um filme não implica necessariamente uma ausência de elos com
o social.

Em síntese, sabemos que a disciplina História nas escolas brasileiras tem


uma carga horária reduzida, por isso muitas vezes o professor não
consegue exibir o filme por completo e, assim, no momento da exibição,
pode manipular as imagens alterando-as de diversas maneiras para uma
melhor análise das mesmas: voltando-as ou adiantando-as, repetindo a
sequência, congelando quadros, modificando o tempo dos filmes através da
câmera lenta e tudo o que for preciso para melhor compreender o passado
ali representado.

É dessa forma que o filme incorporado ao ensino de História pode ser


trabalhado significativamente. Concordamos com Fonseca (2009) ao afirmar
que a incorporação de filmes de forma planejada e articulada ao processo
de ensino e aprendizagem pode contribuir de forma significativa para o
saber histórico, ético e estético. É preciso sempre uma metodologia
adequada ao utilizar um filme, independente de seu gênero ou narrativa,
nas aulas de História. Não se pode tratá-lo como algo transparente, sem
levar em conta suas características narrativas próprias.

É necessário sempre questionar e problematizar os filmes, senão suas


narrativas acabam contribuindo para “consolidar uma história acrítica, ao
impor uma leitura na qual estão ausentes os conflitos, as contradições, ‘os
vencidos’, os esquecidos e as lutas políticas”. (BERUTTI; MARQUES, 2009,
p. 133).

Quando os filmes servem apenas como ilustração ou como forma de ocupar


o tempo dos alunos, suas narrativas históricas acabam sendo tomadas
como “verdade”. Isso porque somos bastante iludidos pelo “efeito de real”
produzido pelo cinema, que retrata o passado com tanta riqueza de
detalhes que temos a sensação de estar diante do passado em si, e não, de
sua representação. (ROSSINI, 1999). Uma armadilha que deve ser evitada
nas aulas de História.

Outro aspecto a destacar, é a utilização do filme como fonte histórica ou


como recurso didático. Não é uma tarefa simples, já que estamos
trabalhando com um filme que em si já é uma representação. Nesse
sentido, uma dica seria trabalhá-lo dentro do campo dos estudos culturais,
com enfoque para as noções de representação e imaginário que melhor
podem ser relacionadas a ele. Assim, é necessário sempre ter uma
finalidade educativa para o filme, e tudo dependerá da maneira como o
professor o utilizará na sala de aula. Aprendendo
História:
Considerações finais MÍDIAS
Este texto apresentou, de maneira simples, algumas sugestões que pode Página | 87
nos orientar na utilização de filmes nas aulas de História. Trabalhar com o
cinema exige muito mais do que uma simples escolha de um filme para
discutir um determinado conteúdo escolar. Devemos refletir sobre como o
filme se relaciona com o ensino de História e com o currículo escolar,
sempre tendo em vista os seus limites e as suas possibilidades.

O filme é um documento imerso em condições sociais de produção. Isto é,


oferece referências da época e do lugar em que foi fabricado, por isso sua
importância para o ensino de História. O filme como fonte histórica e
recurso didático, se bem questionado e problematizado, pode permitir aos
alunos se aproximarem do passado, entendendo-o de uma maneira
diferente da produção escrita.

O filme não pode ser usado de maneira descuidada, sem ter nenhuma
ligação com o conteúdo histórico escolar, nem ocupar o tempo dos alunos,
nem ser utilizado para confirmar fatos, nem considerar como “verdadeira” e
“real” as imagens que ele apresenta. Dessa forma, o filme não contribuirá
com o processo de ensino e aprendizagem em História.

Utilizar o filme como recurso pedagógico é uma possibilidade dos alunos


aprender História pelos olhos. Contudo, como afirma Napolitano (2005), é
necessário “alfabetizar”, antes de tudo, o olhar dos alunos para uma melhor
análise do filme, refletindo sobre como ele representa o passado. Só com a
formação do olhar, através de um tratamento adequado aos filmes, é que
os alunos poderão assisti-los de maneira mais atenta, crítica e investigativa.

O filme é um valioso recurso didático nas aulas de História, porque através


dele é possível compreender duas temporalidades: o passado e o presente.
Ele fala muito mais sobre o presente ainda que sua narrativa esteja
centrada no passado. Para tanto, é necessário contextualizar o período
retratado pelo filme, apresentar o filme como documento, focalizando suas
características, em que condições foi produzido e por quem, que influências
recebeu, sempre lembrando que o documento em questão é produto de sua
época.

A prática de análise histórica de um filme é dificultada, muitas vezes, pela


falta de preparação de professores nos campos teórico e técnico. A questão
é não tornar-se um especialista em estudos de cinema, mas ter domínios
básicos sobre a relação Cinema e História, Cinema e Educação,
considerando a imagem como um elemento fundamental do processo de
aprendizagem contemporâneo. (NOVA, 1996).
Ter um domínio básico da linguagem cinematográfica é desfrutar junto aos
alunos o máximo das potencialidades educativas dos filmes. Assim,
precisamos superar a prática social de utilização do cinema como ilustração
ou lazer. O cinema é um suporte de interpretação da realidade e de
Aprendendo constituição da imagem de um determinado povo e sua cultura.
História:
MÍDIAS
Página | 88
Referências
Antônio Barros de Aguiar é mestrando em História Social da Cultura
Regional pela UFRPE sob a orientação do professor Natanael Duarte de
Azevedo. Bolsista CAPES. E-mail: barrosaguiar.ab25@hotmail.com

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MÍDIAS
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PROMISSORES CANTEIROS DE CLIO: TEATRO, JOGOS E
QUADRINHOS (HQs) COMO ESTRATÉGIAS AO ENSINO DA HISTÓRIA
Antonio Carlos Figueiredo Costa

Aprendendo O ensino da História tem sido presença no currículo das escolas desde que o
História: Estado brasileiro se constituiu e passou a legislar sobre a Educação.
MÍDIAS Enquanto a ‘História Sagrada’ pretendia prover com legitimidade a aliança
Página | 90 estabelecida entre o Estado e a Igreja, a ‘História Civil’ possuía pretensões
cívicas. Essa história civil iria assumir espaço cada vez maior nos currículos
escolares, surgindo compêndios dos quais as Lições de História do Brasil, de
Joaquim Manuel de Macedo, ocupou no período imperial, mas também nas
décadas iniciais da experiência republicana, um espaço proeminente, dando
vazão ao paradigma estabelecido por Francisco Adolfo de Varnhagen para a
História do Brasil, que procurava aproximar nossa formação das linhas
fortes seguidas pela história européia, modelo supostamente ideal de ordem
política e de organização econômica. Os manuais escolares desempenharam
o papel de provedores conteudísticos aos currículos de História, e tanto a
escola monárquica, quanto a republicana utilizaram, em largas medidas,
métodos de ensino baseados “na memorização e na repetição oral dos
textos escritos” (Brasil, 1997, p.21). Os materiais didáticos permaneceram
escassos, até época bastante recente, e o método das perguntas e
respostas, os maçantes questionários – preparatórios para as malfadadas e
angustiantes arguições que povoaram os pesadelos das gerações mais
antigas – foram entronizados, juntamente com as provas escritas, como
instrumentos privilegiados de avaliação na escola brasileira.

Colocadas essas questões, passamos a pôr em causa a longa permanência


dessas práticas que parecem a tantos de nós tão enfadonhas, pouco
criativas e contraproducentes, além de injustificáveis, face aos variados
instrumentais teóricos dos quais é possível lançar mão. Ao final dos anos de
1930, o historiador Johan Huizinga (2010) chamava atenção para as
virtudes do emprego do jogo na formação do homem. Desde tempos
imemoriais, afirmava Huizinga, as sociedades humanas haviam utilizado o
jogo com uma função significante, a qual encerrava necessariamente um
sentido para a ação, conferindo significado às práticas sociais. Nesse
sentido, o autor elencava as grandes atividades arquetípicas do homo
sapiens, que desde priscas eras afirmava, eram inteiramente marcadas pelo
jogo, a saber: a linguagem (com suas expressões abstratas, onde se
ocultam as metáforas, ou seja, jogos de palavras); o mito (considerado
enquanto invenção fantasista ou imaginação do mundo exterior, onde o
homem primitivo procurou dar conta de fenômenos a ele incompreensíveis,
atribuindo a esses um caráter divino); e por fim, o culto, onde, sob um
espírito de jogo, as sociedades primitivas celebraram seus “ritos sagrados,
seus sacrifícios, consagrações e mistérios, destinados a assegurarem a
tranquilidade do mundo, dentro de um espírito de puro jogo, tomando-se
aqui o verdadeiro sentido da palavra.”(2010, p.7)

Levando em conta a questão central que aqui procuramos ainda que a título
precário desenvolver, qual seja, o emprego fundamentado de novos
instrumentais teóricos como estratégia para o ensino de História, torna-se
recomendável observar a “relação orgânica” que Selva Guimarães Fonseca
assinalou haver entre “educação, cultura, memória e ensino de História”
(2003, p. 29-30). Afinal de contas, a transposição didática realizada por
Macedo, tomando por base a obra de Varnhagen – de uma história de
moldes europeus, cujos atores sociais são brancos, cristãos e proprietários, Aprendendo
ou seja, uma história cujos heróis pertencem à classe dominante – não foi História:
rejeitada pela vertente tradicional da história do Brasil (Wehling, 1999, p. MÍDIAS
207), que julgou necessário, apenas aperfeiçoá-la. Ora, essa constatação Página | 91
passa a oferecer respostas contundentes aos professores de História. Afinal,
os conteúdos constantes dos livros didáticos, e as atividades que neles se
encontram propostas, dizem respeito ao universo cultural dos seus alunos?
Essa história de viés tradicional apresenta-se ao julgamento do alunado
como conhecimento socialmente relevante? Afinal, se a memória é também
recordação, o que as marcas do passado oferecem na periferia das nossas
cidades, senão miséria e exclusão social? E haveria sentido em elevar à
condição de heróis, uma galeria de ‘varões de Plutarco’? Seríamos
necessariamente ‘freyrianos’ para extrair de um passado que denuncia
escravidão, exploração e violências, alguma confraternização que nos
amparasse a crer ter havido, em algum desvão dos tempos pretéritos, uma
feliz ‘união de raças’? Lembremos ser essa uma condição sine qua non a
pensarmos a ideia de nação, conforme idealizada por positivistas e liberais
conservadores. Nos inclinamos a defender que não, pois a história está
baseada em uma reconstrução crítica. Talvez caiba resgatar aqui algumas
contribuições que surgiram da lavra de Ferreira Gullar, acerca da cultura
popular. Para o saudoso poeta, o que define a cultura popular – que
lembramos, é aquela na qual o alunado, em especial das nossas escolas
públicas encontra-se impregnado desde a mais tenra infância, face à
educação informal recebida em suas comunidades de origem – “...é a
consciência de que a cultura tanto pode ser instrumento de conservação
como de transformação social” (1965, p.2). Assim, ao que parece, não
devemos considerar nenhuma estratégia de ensino como uma panacéia que
irá curar todos os males, ou uma espécie de chave mágica a abrir todas as
portas. Nesse sentido, a exploração dos temas transversais para a educação
brasileira, constantes dos Parâmetros Curriculares Nacionais, podem
oferecer o necessário trânsito entre a História e as questões presentes no
cotidiano brasileiro. Assim, conforme relatou Freitas Neto (2010, p. 59), os
temas transversais para a Educação Nacional - a saber: ética; pluralidade
cultural; saúde; orientação sexual; e, meio ambiente – poderão oferecer
muito mais que a transversalidade que inicialmente se propõe, mas a
necessária interação dos jovens alunos com a História, onde poderão
entender, em perspectiva histórica, a realidade que o cerca, nas favelas,
nas mil faces do crime organizado, na desestruturação familiar, nos crimes
ambientais perpetrados em nome dos interesses financeiros, na
brutalização do ser humano, enfim, pela banalidade na qual os interesses
da classe dominante buscam varrer conquistas sociais resultantes de
ásperas lutas travadas no passado. Voltando ao pensamento de Ferreira
Gullar, cabe lembrar que “cultura popular é, antes de mais nada,
consciência revolucionária” (1965, p.4).
O teatro
É interessante assinalar que, desde os anos finais do século XIX, havia um
movimento que clamava por mudanças, sobretudo nos países de cultura
anglo-saxã, no sentido de prover a educação com um caráter mais lúdico.
Nesse sentido, devemos ressaltar a importância que educadores famosos
Aprendendo como John Dewey (EUA), ou relativamente desconhecidos para os leitores
História: de língua portuguesa, como Caldwell Cook (Reino Unido) conferiam à
MÍDIAS educação dramática (Courtney, 1980, p.42-44). A educação dramática está
Página | 92 baseada no jogo dramático, o qual, se adotado nas escolas, visa a favorecer
o desenvolvimento da criança.

Trata-se evidentemente de uma educação pedocêntrica, que preza pela


imaginação criativa do homem, do desenvolvimento de suas habilidades
criativas, sendo o processo dramático um dos mais vitais encontrados nos
seres humanos. Os gregos antigos já sabiam disso, e a formação dos
cidadãos em uma polis como Atenas contava com o conhecimento das leis e
dos ritos, da prática dos jogos agonísticos (ou ginásticos), mas também do
teatro (Cambi, 1999, p.78). Assim, na encenação de peças como Édipo Rei
(as escolhas éticas e políticas, o incesto), Antígona (a preeminência de leis
que seriam tanto anteriores, quanto superiores às da polis), mas também
na Oréstia (pela aceitação do destino), os jovens da aristocracia ateniense
encontravam um lugar de representação para as contradições que
laceravam o corpo da cidade. Conforme Richard Courtney procurou deixar
claro, na história do pensamento educacional encontramos mais entusiastas
do teatro do que detratores. Ao longo dos séculos as práticas teatrais com
finalidade educacional foram defendidas por Platão, Aristóteles, Cícero,
Horácio, São Tomás de Aquino, Voltaire, e evidentemente, Jean-Jacques
Rousseau. Aliás, conforme menciona Courtney, Rousseau serviu como uma
espécie de porta por onde passaram os já mencionados Dewey e Caldwell
Cook. Coube a Cook realizar a primeira formulação do método dramático,
quando escreveu ‘The Play Way’, que veio a lume em 1917. Nesse livro o
método dramático não se tratava de uma encenação de peça, ou do uso do
simples diálogo em alguma aula, mas da atuação como uma espécie de
caminho seguro para o aprendizado. Assim, conforme relata Courtney:

“...atuar era um caminho seguro para aprender. No estudo da história, por


exemplo, o método implicava usar o livro-texto como um estímulo (como
uma base para a história da história) que as crianças, então representavam
– o ‘faz-de-conta’ permitia-lhes realmente compreender (e assim aprender)
os fatos históricos. O método de Cook estava fundamentado em três
princípios básicos: 1. Proficiência e aprendizado não advêm da disposição
de ler ou escutar, mas da ação, do fazer, e da experiência. 2. O bom
trabalho é mais frequentemente resultado do esforço espontâneo e livre
interesse, que da compulsão e aplicação forçada. 3. O meio natural de
estudo, para a juventude, é o jogo.” (1980, p. 44-45)

Nos albores do escolanovismo, não somente ingleses e norte-americanos se


interessavam pelas possibilidades formativas do teatro. Assim, os
revolucionários russos de 1917, conforme registrou Walter Benjamin
(2002), logo perceberam as possibilidades heurísticas do teatro na
educação das crianças. Cabia ao partido prover a educação do proletariado,
enfatizando a ominidimensionalidade, ponto considerado incontornável na
formação do novo homem. Assim, se para a burguesia nada aparecia como
tão perigoso quanto o teatro, para os bolcheviques a atividade serviria para
formar cidadãos ativos e atentos à contradição da sociedade, e aptos a
resolver as tensões criadas através das encenações. A tarefa do diretor, Aprendendo
nesses casos, seria libertar, no tempo preciso, a criança do seu reino de História:
fantasia, a encenação servindo como uma forma de libertação radical no MÍDIAS
jogo dramático. A pedagogia proletária deveria assim, “garantir às crianças Página | 93
a realização da sua infância. [Mas] nem por isso o campo onde isto
acontece precisa estar isolado do espaço da luta de classes” (Benjamin,
2002, p. 118). Dessa forma ficava sinalizado que não deveriam ser
utilizados meios ilícitos para inculcar uma ideologia, e com isso, subjugar a
sugestionabilidade infantil. O estado proletário não poderia prescindir do
valor da consciência de classe, porém a educação ideológica de classe
deveria começar na puberdade.

Os jogos
Em linhas anteriores foram realizadas algumas menções ao jogo dramático.
Nas sociedades ocidentais a prática do jogo têm sido atacada de maneira
sistemática, desde a Idade Média, pela influência da Igreja, e com maior
ênfase, pelas imposições do avanço que o modo capitalista de produção
perpetrou em escala planetária, sobretudo a partir do século XVII. O jogo
passou então a ser associado ao vício, ao crime, e às “classe perigosas”.
Seu território passou a ser a taverna, o gueto, os porões de navio, os covis
da luxúria, ambientes estigmatizados como antros de crime e perdição.
Porém, o jogo é antes de tudo, atividade lúdica, e essa prática não
encontrava espaço face à racionalização do tempo perseguida pelos
interesses do capital, em movimento irreversível destinado a sufocar o
homo ludens que organicamente está associado ao homo sapiens. O maior
interesse e espaço conquistados pela história da civilização africana
proporcionou que viéssemos a conhecer o justo lugar ocupado pelo jogo. Os
jogos fazem parte do proprium cultural africano, conforme demonstrou
Honorat Aguessy (1980, p. 114-117). Segundo esse autor, o jogo pode
suscitar importantes ensinamentos na mentalidade das sociedades,
possuindo aspectos pedagógicos e onde sua prática ganha sentido, caso
todos venham a participar. A prática do jogo revela então a expectativa de
igualdade e participação. Não obstante, o jogo catalizaria as tensões que
porventura possam existir em cada indivíduo, ou no grupo ao qual pertence,
ao mesmo tempo que endossaria de maneira ritual, a cosmovisão
dominante desse grupo. Dessa forma, o jogo cristalizaria o sentimento
comunitário.

Existe atualmente uma versão de um jogo africano, denominado Yoté, o


qual foi adaptado pelo Ministério da Educação e Cultura como forma de
favorecer a educação das relações étnico-raciais, no âmbito da Lei
10.639/2003. Trata-se de um bom ponto de partida para conhecer, e
principalmente pesquisar, de forma mais aprofundada, a história dos heróis
negros retratados nesse jogo: Zumbi dos Palmares, Milton Santos,
Chiquinha Gonzaga, o marinheiro João Cândido Felisberto, líder da Revolta
da Chibata ocorrida na armada brasileira em 1910, entre outros. Os jogos
oferecem, sob um providencial uso da criatividade, o desdobramento dos
conteúdos contidos nos manuais escolares, face à vários questionamentos
que poderão ser realizados. Afinal, se João Cândido lutava contra o uso de
castigos físicos pela oficialidade naval em 1910, ou seja, em pleno período
Aprendendo republicano de nossa História, poderia ser considerada essa revolta como
História: um último levante escravo? E o que dizer da República instaurada em 1889?
MÍDIAS Seria uma verdadeira res publica (coisa pública), e portanto aberta à
Página | 94 participação de todos?

O uso dos quadrinhos (Hqs)


Até época bastante recente as histórias em quadrinhos eram consideradas
como destituídas de qualquer valor pedagógico. Muito comentado era o livro
‘A sedução dos inocentes’, escrito pelo psiquiatra Fredric Wertham. Nessa
obra levada à estampa nos anos iniciais da guerra fria, Wertham, alemão
radicado nos Estados Unidos, alertava para a relação que julgara haver
encontrado na leitura de histórias em quadrinhos por jovens e adolescentes,
e os casos que tratara em seu consultório. Ocorrida no auge que a indústria
do entretenimento experimentava quanto a esse tipo de publicação, as
generalizações desse psiquiatra levantaram uma série de suspeitas, tanto
de pais, quanto dos profissionais de Educação. Como resposta a tantas
tentativas de interdição, e em resposta às generalizações que Wertham
fizera aflorar, sobretudo em relação aos quadrinhos de suspense e de
terror, produtores desse gênero literário, reunidos na Association of Comics
Magazine elaboraram uma proposta de depuração dos conteúdos
publicados, com vistas a garantir que veiculado pelas revistas não viesse a
prejudicar a formação moral e o desenvolvimento intelectual da juventude.
No Brasil, assim como em outros países, também foram tomadas medidas
cautelares quanto à qualidade do material posto no mercado (Vergueiro,
2018, p. 11-14).

Em tempos recentes, conforme nos informa Douglas Lima (2017, p.149)


têm havido um maior interesse, inclusive do Estado brasileiro, em fomentar
a leitura, e foi sob esta finalidade – e mediante a proposta de inserção de
novas linguagens nos ensinos fundamental e médio, constantes da
LDB/1996 e dos PCNs, que o Programa Nacional Biblioteca na Escola passou
a incluir, a partir de 2006, títulos em histórias em quadrinhos. A utilização
das histórias em quadrinhos para fins educacionais não se apresenta como
algo totalmente novo. Exemplificação disso seriam os dois volumes da
História do Brasil em quadrinhos levados à prensa pela editora Brasil-
América nos anos iniciais da década de 1960, com os quadrinhos sendo
utilizados como suporte da matéria histórica. Composto por legendas
escritas por Gustavo Barroso e ilustrado por Ivan Wasth Rodrigues, a obra
foi alinhada sob um ponto de vista ultraconservador – basta dizer que aos
quilombolas, sob a liderança de Zumbi dos Palmares, o destaque era dado
aos ataques que estes faziam aos povoados, “...roubando, saqueando e
matando. [No que ] tornaram-se, portanto, um perigo para os colonos e seu
extermínio foi decidido pelas autoridades...” (Barroso, s.d., p.35). Em outro
momento, a Revolta da Chibata era tratada como um pretexto dos
marinheiros para matar oficiais da Marinha de Guerra, e bombardear a
cidade do Rio de Janeiro. De acordo com Gustavo Barroso, “esse fato
destruiu por muitos anos a disciplina e a eficiência da Armada” (Barroso,
1962, p. 37).

A adequada utilização dos quadrinhos no ensino de História requer antes de


tudo uma espécie de ‘alfabetização’, no que torna-se importante inteirar-se Aprendendo
tecnicamente dessa forma específica de linguagem, conforme demonstra História:
Waldomiro Vergueiro (2018). Solucionada essa questão, torna-se possível MÍDIAS
explorar nas histórias em quadrinhos, conforme demonstrou Túlio Vilela Página | 95
(2018) alguns conceitos e suas dimensões, tais como sucessão, duração e
simultaneidade, mediante os recordatórios que são encontrados nas páginas
dos HQs’: desenhos da Lua indicando o anoitecer, reflexões sobre o ‘tempo
da natureza’ – como o Sol brilhando – ou do ‘tempo da fábrica’, quando um
personagem marca o seu cartão de ponto. Recuos no tempo, os recursos
conhecidos como flashback, poderão servir para explorar o conceito de
memória. Conforme observou esse autor, as histórias em quadrinhos
podem ser utilizadas de diferentes maneiras ou enfoques, onde
destacamos: 1. Ilustrar ou fornecer ideias e aspectos da vida social das
comunidades do passado; 2. Sua leitura como registros da época na qual
foram produzidas; e, 3. Para utilização em discussões que objetivem tratar
de conceitos importantes para a História, tais como, bárbaro, civilizado,
Império, expansionismo, anacronismo, etnocentrismo, etc...

Considerações finais
O uso de novas linguagens como estratégias no ensino de História pode se
justificar de diversas maneiras. A começar pelo dispositivo legal que é a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei 9395/96 e os Parâmetros
Curriculares Nacionais, editados no ano seguinte a esse diploma legal.
Porém, conforme pontuamos linhas acima, tais linguagens deverão ser
utilizadas em conformidade com o universo cultural ao qual encontra-se
articulado o grupo discente que se pretende atingir. Em suma, não existem
respostas prontas para situações que são, de certa forma, singulares. É aí
que atua o professor e a professora de História, identificando a melhor
oportunidade para utilizar-se dessas ‘novas’ linguagens, como veículo
privilegiado na grande aventura do conhecimento através dos tempos
pretéritos. Viagem que eles sempre esperam, não realizar sós.

Referências
Antonio Carlos Figueiredo Costa é doutor em História (UFMG) e professor 6-
b (adjunto) da Universidade do Estado de Minas Gerais. Leciona História da
Educação e Teoria e Metodologia da História na Unidade acadêmica Ibirité
(UEMG). Líder do Grupo de Pesquisas José Carlos Mariátegui e Editor das
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ENSINO DE HISTÓRIA E WEBQUEST: POSSIBILIDADE
METODOLÓGICA PARA AULAS DE HISTÓRIA
Antonio Guanacuy Almeida Moura
Jorge Luís de Medeiros Bezerra

Aprendendo
Introdução História:
O uso de fontes diversas e aplicação de diferentes metodologias no ensino MÍDIAS
de História, tem ganhado espaço no ambiente escolar, desta maneira Página | 97
compreendendo que é possível usar diferentes fontes e linguagens no
ensino de História e que estas podem viabilizar o processo
ensino/aprendizagem de história em sala de aula, o uso desta metodologia,
a WebQuest, que ampara-se em recursos digitais, nos possibilitaram a
pensar o seu uso como possibilidade metodológica para o ensino de
História no tempo presente, já que este traz consigo, várias questões que
possibilitam ampliar discussões no que se refere ao métier do historiador na
sociedade da informação, dentre estas questões cita-se os diversos objetos
de investigação histórica, questões teóricas e metodológicas para a História
e seu ensino.

É importante ressaltar que, as tecnologias digitais não são neutras e seu


uso tem provocado transformações sejam elas sociais ou culturais, no cerne
deste processo de transformações, insere-se o espaço escolar e seus
agentes escolares, que necessitam acompanhar o acelerado
desenvolvimento tecnológico, dentre estes agentes escolares, insere-se os
professores, profissionais dedicados à docência que “É uma atividade
complexa e desafiadora, o que exige do professor uma constante disposição
para aprender, inovar, questionar e investigar sobre como e porque
ensinar” (PESCE E ANDRÉ 2012, p.40)

Portanto, o ambiente escolar em cada momento histórico, constitui uma


expressão e uma resposta a sociedade na qual está inserida, sendo os
professores constantemente questionados quanto aos procedimentos
metodológicos a serem utilizados para o desenvolvimento de suas
atividades como docentes.

WebQuest e Ensino de História


A escola é uma instituição social cuja função principal é de promover e
garantir a aprendizagem do aluno, além de contribuir para a formação de
um cidadão crítico e autônomo no ato de pensar.

Para tal o papel do professor deve ser a apresentação das possiblidades


advindas do uso dos mais diferentes recursos didáticos que viabilizem um
aprendizado significativo e interessante para os discentes, despertando o
interesse em relação ao conteúdo ministrado, pois conforme afirmam Abar e
Barbosa (2008, p. 12), “o uso de uma nova tecnologia educacional deve
servir à Educação como um mecanismo para a aprendizagem efetiva”.

Diante deste cenário, e pensando no vasto campo de investigação sobre o


ensino de História e o papel das TDIC na produção e disseminação do
conhecimento histórico, surge como possibilidade e estratégia, mediante
orientação do professor, para ser uma alternativa no processo de ensino-
aprendizagem, a metodologia Webquest, que pode ser utilizada no ensino
de História com estratégia metodológica.

Aprendendo A metodologia WebQuest, surge pelas mãos de Bernie Dodge e Tom March,
História: no ano de 1995, enquanto possibilidade de um trabalho pedagógico
MÍDIAS direcionado e baseado em pesquisas orientadas na internet, constituindo-se
Página | 98 como uma metodologia didática, amparada em recursos digitais, para a
prática da pesquisa em rede, seleção das informações e navegação na
internet sem praticar “Surfagem na rede”.

Estudos, sobre o uso da WebQuest como recurso para apreender História,


como o de (MARTINS, 2007; MOREIRA, 2009) tem demonstrado que o uso
da ferramenta educacional WebQuest tem possibilitado uma interação dos
discentes com os conteúdos ministrados na disciplina de História. Conforme
explicita Giovani e Hahn (2014, p.502),

“A pesquisa tem estabelecido uma relação entre o ensino e a aprendizagem,


e nesse sentido a WebQuest entra com o papel de opção de uma nova
metodologia de ensino que procura colaborar com esse processo
educacional e também de formação humana.”

É muito mais que uma simples ferramenta tecnológica, trata-se de uma


metodologia de ensino que visa proporcionar situações de aprendizagem
que vão além do simples registro de dados. Logo, se trata de uma
metodologia de ensino na qual o aluno se envolve em uma investigação,
utilizando preferencialmente recursos disponibilizados na web, propostas
por professores para resolver um problema significativo. “Baseia-se em
princípios de aprendizagem colaborativa e procura ativar competências
intelectuais mais complexas e exigentes que a tradicional armazenagem de
conteúdo”. (ABAR; BARBOSA, 2008, p. 14)

Desta maneira percebe-se que a escola muda, o ensino muda, assim como
o fazer histórico muda também, portanto, comtempla-se uma renovação
metodológica no ensino de História para atender as demandas atuais, logo a
tecnologia educacional WebQuest pode possibilitar, o desenvolvimento de
competências e habilidades que exigem mais que a tradicional
armazenagem dos conteúdos possibilitando uma aprendizagem significativa.

Neste processo de ensino-aprendizagem o professor de História deve estar


atento as essas novas demandas visando, portanto, orientar e
instrumentalizar os seus alunos para que possam realizar suas pesquisas a
partir do uso das tecnologias, especialmente as digitais, que se atrelam ao
ensino, possibilitando o desprendimento do livro didático, que ainda é uma
das principais fontes de pesquisa e uso do professor em sala de aula.

Desta forma, abre-se a possibilidade de se trabalhar com essa fonte de


linguagem, as tecnologias digitais de comunicação e informação, no ensino-
aprendizagem de História. Como nos diz Certeau (2007, p. 73) no livro a
Escrita da História, dentro desta operação historiográfica, da “reunião dos
documentos à redação do livro, a prática histórica é inteiramente relativa à
estrutura da sociedade”, ou seja, fazer história e pensar historicamente
decorre da utilização dos recursos que são próprios a cada sociedade.

Para tal, um dos desafios do ensino de História é oferecer ao aluno Aprendendo


subsídios para a compreensão de como a história é construída. Desta História:
maneira o fazer histórico não se limita apenas a apreender o que se MÍDIAS
transmite, mas a pensar historicamente. Página | 99
Desta forma, ao escolher a utilização de recursos tecnológicos digitais
aplicados a educação, especialmente a WebQuest, é possível que esse
recurso torne-se um instrumento didático alternativo aos materiais
convencionais de ensino de História, possibilitando a ressignificação do
conhecimento historiográfico, já que através da didática, a transposição do
conhecimento histórico se torna aprendizagem histórica.

Componentes de uma WebQuest


Para o uso adequado de uma WebQuest por parte do professor, é
importante conhecer a estrutura e a finalidade dos seus componentes, pois,
conforme bem aponta Jarbas Novelino Barato no prefácio da obra
WebQuest: um desafio para o professor de Abar e Barbosa (2008), no
ambiente escolar, “o uso adequado de novas tecnologias da informação e
comunicação (NTIC’s) dependem sobretudo da autoria docente” (ABAR e
BARBOSA, 2008 p. 06).

Conhecendo a estrutura e os componentes de uma WebQuest, o docente


consegue se planejar para criar sua própria WebQuest adequada a sua
realidade, além de projetar um ambiente que possibilite a aprendizagem
dos seus alunos, bem como a seleção e o uso das fontes que estão
disponíveis na internet, evitando o que Dodge (1995 p.1) chama de
“Surfagem” pela rede, já que os alunos não teriam uma tarefa clara na
cabeça e ficariam desperdiçando o seu tempo de conexão na web.

A estrutura e os componentes de uma WebQuest, com suas descrições e


finalidades, são os seguintes: Introdução, é na introdução que o assunto é
apresentado de maneira a situar e motivar o aluno, ou seja, é a porta de
entrada para o contexto a ser investigado, a Tarefa que deve ser
exequível, desafiadora e interessante, resultando em um produto ao final de
sua execução, o Processo na qual é descrito o passo a passo da tarefa
para os alunos e como devem se organizar para executa-la, os Recursos
que são materiais disponibilizados na WebQuest, através links, hiperlinks,
vídeos, hipertextos, textos em pdf etc. para concretização da tarefa
proposta, a Avaliação, neste componente indica-se os instrumentos de
avaliação da tarefa, permitindo aos alunos conhecerem os critérios de
avaliação postos, bem como permite ao professor e aos próprios alunos
envolvidos na resolução da tarefa, o conhecimento se ela foi concluída com
sucesso, Conclusão, componente que deve apontar o desfecho da
investigação e mostrar aos alunos o que eles aprenderam, os encorajando a
realizar pesquisas futuras e por fim os Créditos, componente que aponta o
material utilizado para formatação da WebQuest.

O docente, mais do que gerenciar as informações disponibilizadas na web,


deve buscar atender os objetivos de ensino-aprendizagem, desta forma, é
Aprendendo necessário definir a sua estratégia por meio da WebQuest, de maneira que
História: atenda ao que foi proposto, e insira os discentes em um ambiente de
MÍDIAS aprendizagem que facilite a construção do conhecimento por meio desta
Página | 100 metodologia. Com isso, estaremos ampliando a possibilidade de inserção
dos discentes em um ambiente de aprendizagem, mediada pelas
tecnologias digitais da informação e comunicação, e oportunizando aos
docentes de História, explorar diferentes fontes disponíveis na internet.

Portanto, ao usar recursos digitais no ensino de história, o professor deve


estar ciente, que estes recursos quando bem aplicados, tornam-se uma
estratégia diversificada, podendo facilitar a interatividade, colaboração, a
troca de informações e saberes entre os aprendizes, promovendo uma
mudança na forma de se ensinar História, uma vez que a geração de
“nativos digitais”, cada vez mais, navega na internet acessando diferentes
fontes e sites hospedados no ciberespaço.

Nesse sentido, a adoção de diferentes fontes e linguagens no processo de


ensino e aprendizagem, em especial as tecnologias digitais de informação e
comunicação, por meio da WebQuest, podem constituir fecundo campo para
estudos no âmbito do ensino de História, contribuindo para a aproximação e
integração da disciplina de História ao cotidiano dos discentes.

Considerações finais
Logo, presume-se, que pode haver uma dinamização didático-metodológica
para o ensino de História quando o aluno, através da intervenção do
professor, entrar em contato com a metodologia educacional Webquest, que
pode se apresentar como possibilidade e meio para uma aprendizagem
colaborativa no ambiente escolar, a fim de potencializar o ensino de
História.

Portanto, a utilização dos recursos provenientes da internet no processo de


ensino - aprendizagem pode conduzir a uma proximidade real do mundo
vivido pelos alunos, dada as amplas possibilidades oferecidas pelas
tecnologias digitais a História e ao seu ensino, por meio da infinidade de
recursos, informações e fontes disponibilizadas no ciberespaço, sendo
necessário reflexões por parte dos docentes e pesquisadores.

Assim, com o uso de WebQuest’s, abre-se a possibilidade de uma nova


perspectiva que possa facilitar a prática pedagógica dos docente e a
socialização de experiências quanto ao uso das tecnologias digitais na
produção e disseminação do conhecimento histórico e no seu ensino,
apontando caminhos que levem a diálogos passíveis de reflexão sobre o uso
de diferentes fontes e linguagens no processo de ensino e aprendizagem em
História, em especial a ferramenta tecnológica educacional WebQuest.
Referências
Antonio Guanacuy Almeida Moura. Graduado em História pela UESPI,
Mestre em Ensino de História. Prof-História – Araguaína/UFT e professor de
História da Educação Básica e Tecnológica do IFTO (Instituto Federal do
Tocantins).
Jorge Luís de Medeiros Bezerra. Graduado em História pela UFT Aprendendo
(Universidade Federal do Tocantins/Porto Nacional), Mestre em Ensino de História:
História. Prof-História/ Araguaína/UFT e professor de História da Educação MÍDIAS
Básica e Tecnológica do IFTO (Instituto Federal do Tocantins). Página | 101
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O FEMININO EM VIKINGS: REFLEXÕES SOBRE AS PERSONAGENS NA
CULTURA ESCANDINAVA MEDIEVAL
Bruno Silva de Oliveira
Michelly Pereira de Sousa Cordão

Aprendendo
História: Observar aspectos, tentar compreender e retratar nas mais variadas mídias
MÍDIAS o que ficou conhecido como “Idade das trevas” são sentimentos que
Página | 102 permeiam a grande massa do século XXI. Uma sensação de fascínio nos
leva a reproduzir o que se imagina saber acerca dessa época com
sociedades cercadas por grandes castelos e reis, cavaleiros trajando
armaduras, empunhando suas espadas em batalhas exibidas
grandiosamente e repletas de efeitos, até mesmo sociedades onde a
simplicidade predominava, não havendo grandes castelos e nem armaduras
lustrosas e esplêndidas, em produções cinematográficas e televisivas com
um cenário de pouca luminosidade. Tal cenário traz consigo a diferença
nítida entre as classes governantes e pobres, homens honrosos e mulheres,
sobretudo, submissas, subjugadas e que ocupavam posições “que lhes
cabiam”. O que não falta são representações dessa sociedade medieval que
antecede o surgimento do Estado moderno, sociedade essa que foi de
grande influência em tradições futuras.

Aqui fazemos uso do conceito de representação trabalhado pelo historiador


francês Roger Chartier:

“As representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à


universalidade de um diagnóstico fundado na razão, são sempre
determinadas pelos interesses de grupo que as forjam. Daí, para cada caso,
o necessário relacionamento dos discursos proferidos com a posição de
quem os utiliza” (CHARTIER, 1990, p. 17).

Entendemos, então, que as representações são um instrumento o qual o


indivíduo utiliza para criar significados permeados por interesses, sejam
eles político, social, econômico ou cultural. Quem fala, fala a partir de
algum lugar e a partir dele, sendo o discurso uma peça importante das
representações, segundo Roger Chartier.

Através de uma análise crítica buscaremos tentar compreender alguns


questionamentos utilizando uma produção televisiva de nosso tempo
produzida pela History dos EUA, sendo uma produção irlando-canadense, a
partir do ano de 2013, dirigido por Michael Hirst, baseada nas histórias
nórdicas de heróis sobre um dos personagens mais conhecidos, o viking
Ragnar Lothbrok, ambientada em um cenário medieval. Tal produção possui
suas particularidades, pois antes trata-se de uma fantasia, ficção, Vikings.

Afinal, do que se trata Vikings? A série retrata a ascensão de Ragnar


Lothbrok, "um dos mais famosos Vikings, atualmente considerado uma
criação literária..." (LANGER, 2015, p. 220), a partir do êxito de suas
incursões a reinos como Northúmbia e Wessex. De "servo" a líder, essa
figura se lançará em aventuras até então inimagináveis por aqueles que o
cercavam, criando assim inúmeros inimigos que buscavam sua glória.
Insuflando a ira dos deuses nórdicos, sendo agraciado por seu suporte em
alguns momentos, encontra-se em meio a um grande propósito desses
deuses. Em meio a essa ambientação de predominância masculina, algumas
mulheres possuirão um papel de destaque, esse aspecto por si só já é um
diferencial entre diversas produções que retratam a época, pois temos aqui Aprendendo
uma maior visibilidade e participação de mulheres de forma crucial na História:
trama. Com o decorrer da série sua trama amplia-se abordando assim MÍDIAS
inúmeros outros aspectos, tais como a expansão desses povos pelo Oriente. Página | 103
É interessante ressaltar, ao contrário do que se tem em mente acerca do
que seria ser viking, Johnni Langer e Munir Lutfe Ayoub esclarecem:

"O conceito de povo viking, desta maneira, também foi uma construção do
imaginário artístico e que logra sucesso até hoje no mundo acadêmico. [...]
adotamos o referencial de que o termo designa um modo de vida orientado
por práticas culturais: a saída ao mar para comércio, pirataria, exploração
ou colonização foi motivada e estruturada por motivações econômicas,
religiosas e sociais, sendo comum a diversas etnias diferenciadas existentes
em toda a Escandinávia durante a Era Viking, com diversos elementos
culturais semelhantes, como linguagem, mitologia, religiosidade, cotidiano,
entre outras" (2016, p.8).

Fica claro, portanto, que, ao abordar o termo viking, não estamos nos
referindo aos povos nórdicos de uma forma geral, mas sim a um povo
específico com algumas práticas culturais que não correspondiam a todos.
Entretanto, a produção traz consigo um aspecto que se tornou marca
desses povos, como relata Ricardo Wagner Menezes de Oliveira (2016), ao
comparar a forma como são retratados no mundo através das mais variadas
mídias com o que se tem em mente ao observar sua produção artística:

"Os povos nórdicos da Era Viking são famosos por sua belicosidade no
mundo inteiro. Muitas vezes representados como bárbaros nos cinemas,
quadrinhos, jogos e literatura, os escandinavos carregam consigo uma
imagem difícil de se associar com aquela veiculada ao produtores e
admiradores de arte" (2016, p.84).

Parece inevitável não representar esses povos como sendo selvagens,


brutos, destemidos e violentos criando assim um conceito estereotipado, a
imagem do outro como não sendo civilizado. Como mencionado na fonte,
difere da visão daqueles que seriam admiradores de arte, e aqui podemos
compreender como sendo aqueles que estudam a arte produzida por esses
povos e que através desses estudos fazem outra interpretação sobre como
estes se comportariam.

Até o surgimento da Escola dos Annales, fundada por Lucien Frebvre e Marc
Bloch, em 1929, através da revista Annales d’Historie Économique et
Sociale, a História era vista por cima, a partir da minoria que detinha o
poder. Com uma História voltada para os “de cima”, a grande massa era
desprezada servindo quase que unicamente como figurantes. Podemos
perceber claramente isso ao se observar as diversas produções
contemporâneas que abordam essa temporalidade, representações que
focam em grandes tramas dentro de reinos, de sua realeza e corte exibindo
a plebe como um mero cenário.

Aprendendo Cabe fazermos algumas questões: como é vista a figura feminina nesse
História: meio o qual está inserida? Como se portava nesse ambiente reinado pelo
MÍDIAS sexo masculino? Como a série irá apresentar essas mulheres em um cenário
Página | 104 social passado na contemporaneidade?

Ao se pensar no feminino o que se vê são aspectos de submissão e


discriminação por parte da sociedade, desde os primórdios de nossa
existência até a modernidade. Ainda se vê na figura masculina o poder
necessário para reger o meio em que vivemos. Podemos observar no
decorrer dos tempos e no desenvolver das sociedades mudanças ocorridas
nesse cenário, sejam elas benéficas ou maléficas. Uma figura tida como
inferior por ter sido criada a partir da costela do homem, conforme
mitologia judaico-cristã, pois o “sexo frágil” era visto, e assim permanece,
como “naturalmente inferior” ao “sexo viril”; “A alma de uma mulher e a
alma de uma porca são quase o mesmo, não valem grande coisa”,
(MACEDO, 1997, p.22). Todavia, quanto a mulher na Escandinávia
medieval, Johnni Langer diz que:

"Estudando a performance feminina na Escandinávia medieval, Zoe


Borovzky interpreta que as mulheres participavam da transmissão do
conhecimento oral, eram limitadas mas não totalmente dominadas pelos
homens e valores masculinos" (2015, p.76).

Na Idade Média, sob forte influência do cristianismo, a mulher será vista


como carne, cabendo ao homem a alma e razão. Nas particularidades da
série e da cultura nórdica medieval em quais situações encontram-se suas
mulheres?

Lagertha, umas das personagens da série, descrita como "[...] tendo a


coragem de um homem" (LANGER, 2015, p. 220), possui uma trajetória
interessante de se analisar. Sua jornada começa ao lado de Ragnar, ambos
trabalham cuidando de sua pequena terra, cultivando, e por mais que ele
seja a liderança da casa, é perceptível o sentimento de respeito por sua
companheira. É possível observarmos no primeiro episódio da primeira
temporada uma divisão que nos é familiar; Lagertha e sua filha, Gyda, são
exibidas pescando e tecendo, enquanto Ragnar ensina a seu filho, Bjorn, o
uso da espada e escudo. A cena nos introduz mostrando que o âmbito
dessas mulheres era o doméstico e que se trata de uma sociedade
militarizada e guerreira na qual o machado, ou espada, faz parte do
homem: "Em uma sociedade militarizada todos os homens livres tinham o
direito de portar armas, e a guerra e o armamento foram proeminentes
tanto na vida oficial quanto privada" (PALAMIN, 2016, p. 166).

Ainda nesse episódio, Lagertha sofre uma tentativa de estupro por dois
homens, logo após seu companheiro ausentar-se com seu filho, temos um
vislumbre muito significativo. É nesse momento em que ela se defende
desses homens demonstrando conhecimento na área militar, tendo sido ela
escudeira antes de assumir a responsabilidade familiar. Esse é um elemento
importante, pois, começa aqui o caminho da série ao introduzir a figura
feminina em ambientes que lhe eram estranhos de acordo com relatos
produzidos, em sua grande parte, por homens. Tendo em vista que as Aprendendo
produções históricas alegam estar mais para o ficcional a participação de História:
mulheres quanto guerreiras, do que algo concreto dessa civilização. MÍDIAS
Página | 105
Na produção, a mulher deixará de ser apenas um objeto sexual que se
limitava ao ambiente doméstico; será também um indivíduo capaz de
defender-se e exercer funções socialmente destinadas ao homem. Lagertha
é um exemplo brilhante dessas muitas facetas, capaz de competir
igualmente com o sexo oposto. Vejamos um diálogo entre dois personagens
no primeiro episódio da primeira temporada que exemplifica o que foi dito:

"Rollor: então, Gyda, sua mãe está lhe ensinando como usar um escudo?
Gyda: sim, sei como usar um escudo.
Rollor: sua mãe foi uma famosa escudeira... nós lutamos na mesma
muralha de escudos contra o povo do leste".

Os homens apossaram-se das decisões políticas desde os primórdios, nesse


primeiro momento da série tal aspecto será muito forte. Ragnar comparece
a reuniões, uma delas seu filho presta juramento de lealdade ao Earl
Haraldson, que tem sua esposa sentada a seu lado enquanto ele toma
decisões; em uma outra reunião, de predominância masculina, a cena volta
a se repetir.

Agora observemos um trecho, no terceiro episódio da primeira temporada,


do que diz Siggy a Earl Haraldson: "Viu o que fez, meu senhor? Nunca
duvide de seu poder... ele não é nada para você, você é todo poder, toda
autoridade. Pode ter o que quiser."

Como observado, Siggy é um personagem que, seria inimiga do homem a


partir do momento em que exerce sua influência, como demonstrado em
sua fala, visando algum objetivo mal visto socialmente. Todavia, por mais
que ela exerça tal influência em conspirações com seu companheiro, todo o
resto fica a cargo do Earl, não possuindo assim, maiores participações nesse
ambiente. Sobre isso nos diz Flávio Guadagnucci Palamin:

"Até mesmo as mulheres, que raramente entravam em combate,


desempenhavam papel importante nessas sociedades guerreiras. A elas não
somente era destinado o ato do luto aos mortos, mas também agiam como
instigadoras de conflitos, ao incentivar seus homens na tomada de vingança
e na defesa da honra" (2016, p. 168).

Cenas de estupro são comuns, ocorrendo com mais frequência quando


durante saques, nos quais até mesmo suas escravas estão sujeitas. Em
uma dessas viagens visando também o saque, Lagertha, personagem
feminino de grande destaque, irá presenciar um estupro, e mais uma vez
sofrerá tentativa de estupro, dessa vez por parte do irmão do Earl
Haraldson. Ela acaba matando-o, o que difere das palavras de Palamin, pois
aqui temos uma mulher não só em combate como também, ela mesma,
vingando-se em nome de sua honra. Durante o julgamento, ao assumir a
culpa, o Earl recusa-se a acreditar, ao menos essa é a impressão que ele
Aprendendo pretende demonstrar aos presentes na cena do quarto episódio, e diz:
História: "Você não matou meu irmão. Olhe para você, como poderia? Ele matou
MÍDIAS meu irmão."
Página | 106
Essa associação da figura feminina com a brutalidade, força, luta e
autodefesa, realizada pela série, não é comum e foge dos relatos nos quais
são comumente associadas muitas vezes às práticas magicas. Para elas lhes
cabiam a magia. Segundo Marlon Maltauro (2016), haveria dois tipos
principais de magia na cultura desses povos, uma dedicada aos homens,
praticada pela elite escandinava, voltada para a proteção, assim chamada
de Galldr. A segunda caberia às mulheres, não sendo praticada pela elite, e
estaria associada à perversão sexual, efeminados e homossexuais, sendo os
homens que recorriam a essa prática mal vistos e tidos como
homossexuais. Em uma sociedade militarizada em que a guerra também
era causa de honra, causar danos ao inimigo por meio da magia não era
apreciado. Tal prática também era utilizada para prever o futuro e impor
maldições.

"As convenções sociais não permitiam as mulheres entrar em batalhas,


nesse sentido utilizar a magia para causar dano seria a forma mais
apropriada para a vingança feminina, quando o homem utilizava de tal
artifício assumia um papel feminino" (MALTAURO, 2016, p. 188).

Em Vikings há dois personagens que utilizam dessa feitiçaria


menosprezada, um vidente em Kattegat e Aslaug, personagem feminino
que surgirá posteriormente assumindo, ao lado de Ragnar, a liderança
dessa aldeia. O vidente será uma figura bem quista pelos habitantes, o qual
receberá visitas, sobretudo dos líderes, na tentativa de buscarem respostas
sobre o futuro que lhes aguardavam. Quanto a Aslaug, por mais que cause
um estranhamento acerca de seus dons de elaborar profecias para
determinados acontecimentos que possam vir a ocorrer, ela não será
rechaçada, pelo contrário, será vista como um ser com dons divinos.

Aslaug e Lagertha, que em momentos da ausência de seu companheiro


terão de lidar com a parte administrativa e política, sendo Lagertha a
pessoa a vir ter para si total liderança de um vilarejo com o decorrer da
trama, ocupando assim um espaço que lhe é estranho e não lhe cabe, de
acordo com o modelo social em que o homem imperava. Futuramente, ela
viria a assumir Kattegat na posição de rainha, reinando sem está atrelada
ao casamento. Nesse cenário a personagem criará ao redor de si mulheres
guerreiras tanto para sua segurança quanto para a segurança de seu
território, são agora essas mulheres que irão liderar, até certo ponto,
questões administrativas, políticas e militares utilizando-se da ajuda dos
homens de forma secundária.
Estamos diante de mulheres que fogem ao padrão que lhes é imposto sendo
postas em evidência em grande escala, sendo assim um aspecto que irá
inovar na forma como elas nos são apresentadas nesse ambiente viking
medieval. Essas figuras representavam uma ameaça ao modelo social que
buscava, sobretudo, desempenhar um controle sobre a sociedade. É notório
que, mesmo algumas mulheres podendo contar com alguma liberdade para Aprendendo
exercer outra função além da que lhe cabe, em sua maioria foram vítimas História:
de um meio social em que a figura do homem era o rei, a figura sexual MÍDIAS
máxima, e sua crença, a mão que rege o meio social. Página | 107
As valquírias seriam um exemplo, na mitologia nórdica, de mulheres que
ocupavam e possuíam importâncias comumente reservadas aos homens,
todavia, esses aspectos incomuns destinados a elas não as excluía da
subserviência ao homem, "com uma clara associação com o combate, essas
servas de Odin são a representação ideal quando tratamos das
representações da mulher guerreira" (LANGER, 2015, p. 64), vindo a
tornarem-se um referencial mítico e idealizado da mulher, daí toda uma
construção de uma imagem da mulher escandinava como guerreira, que em
parte trata-se de uma visão fictícia, "assim, a figura da donzela belicosa
nórdica se torna uma fantasia de natureza cultural, nacional e sexual,
modelo para os ficcionistas modernos" (LANGER, 2012, p. 282).

Cabe-nos a função de atermos ao detalhe de que o mal não era oriundo


apenas do homem, mesmo que esse ocupasse o primeiro lugar no ranking,
mas que também é atribuído a própria mulher ações de marginalização
contra outras mulheres. Na quinta temporada, uma cena no sexto episódio
nos serve de ilustração desse comportamento entre elas, sobretudo devido
a hierarquia feminina existente, observemos o diálogo:

"Lagertha: Margrethe! Um momento. Você continua a dar conselhos contra


mim, a questionar meu julgamento, autoridade e competência.
Margrethe: Eu...
Largetha: Não discuta! Agora, isso acabou! Você vai parar de fazer isso! Os
riscos são altos demais. Mas se eu souber que você disse algo contra mim
uma vez mais, vou cortar sua língua e vou escravizá-la de novo.
Margrethe: Ubbe teria algo a dizer sobre isso.
Lagertha: Ubbe não manda em Kattegat. Enquanto eu mandar, você fará
como eu mando."

Em toda a conversa um detalhe nos é importante, o poder de uma mulher


para escravizar outra, assim como também a punir severamente.
Certamente que se trata de uma retaliação, por parte da rainha Lagertha,
devido à falta de modos de Margrethe para com sua soberana. Não
possuímos relatos em nossa bibliografia consultada acerca desse tipo de
comportamento, a marginalização de uma mulher pela outra, todavia, a
série apresenta, em sua construção da mulher com maior autonomia, a
hierarquia como existente entre elas, e consequentemente as disputas
internas.
A mulher possui uma posição que diverge do que seria convencional,
entretanto, por mais que a série busque colocá-la em posições que lhes
evidenciem, ela acaba caindo no mesmo modelo de sistema em que sempre
haverá a presença do homem em uma relação intrínseca. Isso ocorre até
mesmo quando a figura da mulher estiver na posição de rainha, como é o
Aprendendo caso de Largetha. Ela, a Rainha em Kattegat, se verá em momentos que
História: são construídos pelos produtores em que irá depender de uma liderança
MÍDIAS masculina para resolver determinadas situações.
Página | 108
É uma rainha, cercada por mulheres guerreiras, mas que terá na figura
masculina, sobretudo seu filho Bjorn, uma dependência. Essa situação vai
contra a imagem de um rei, que é retratado com maior independência da
figura feminina para lidar com questões nos mais variados âmbitos, vindo
recorrer sempre a outros homens. Uma dualidade onde, ela terá poder, mas
não sem um homem ao seu lado.

É importante que se realize esse movimento de observar produções de


nossa época que remetem a uma condição social no passado, pois podemos
perceber como, em nossa época, esse outro é retratado e quais dimensões
são atribuídas a alguns aspectos, em nosso caso a figura feminina na Idade
Média do Ocidente, especificamente na Escandinávia, analisada em Vikings.
As dimensões da produção partem de um cenário passado como fonte de
inspiração para a criação de um novo ambiente fictício, em que são
inseridas concepções que não condizem com as fontes históricas, sobretudo
pela demanda que essas novas concepções apresentam e se veem na
necessidade de serem atendidas. Falar sobre a mulher no tempo presente é
dialogar com o feminismo, isso é notório na produção, onde se colocam
mulheres com maior igualdade social, política e econômica, visando
adequar-se e conseguir o público que colocam tais questões em pauta.

Referências
Bruno Silva de Oliveira é graduando em História pela Universidade Federal
de Campina Grande.

CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Rio


de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.

LANGER, Johnni; AYOUB, Munir Lutfe. Desvendando os vikings: estudos de


cultura nórdica medieval. João Pessoa: Ideia, 2016.

LANGER, Johnni. Fé nórdica: mito e religião na Escandinávia medieval. João


Pessoa: UFPB, 2015.

LANGER, Johnni. Na trilha dos vikings: estudos de religiosidade nórdica.


João Pessoa, UFPB, 2015.

LANGER, Johnni. Guerreiras na Era Viking? Uma análise do quadrinho


"Irmãs de escudo" (Série Northlanders), 2012. Disponível em:
<https://www.academia.edu/1806928/Guerreiras_na_Era_Viking_Uma_an
%C3%A1lise_do_quadrinho_Irm%C3%A3s_de_escudo_Women_warriors_in
_the_Viking_Age_RODA_DA_FORTUNA_REVISTA_ELETR%C3%94NICA_DE_
ANTIGUIDADE_E_MEDIEVO_VOL._1_N._1_2012>. Acesso em: 20 junho.
2018.

MACEDO, José Rivair. A mulher na idade média. 3. ed. São Paulo: Contexto,
1997. Aprendendo
História:
VIKINGS. Direção de Michael Hirst. History, 2013-2018 (ainda em MÍDIAS
produção). Página | 109
“HISTÓRIA EM QUADRINHOS E PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO”:
PROPOSTA DO PROJETO DE EXTENSÃO “ARQUEOLOGIA E EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL: CONSTRUINDO EXPERIÊNCIAS A PARTIR DA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAPÁ, CAMPUS MARCO ZERO”
Carlos Eduardo Barbosa
Aprendendo Jelly Juliane Souza de Lima
História:
MÍDIAS
Página | 110 “História em Quadrinhos e Patrimônio Arqueológico” faz parte do projeto de
extensão “Arqueologia e Educação Patrimonial: construindo experiências a
partir da Universidade Federal do Amapá, campus Marco Zero” que tem
como objetivo principal contribuir para o fortalecimento e valorização do
patrimônio arqueológico no ambiente escolar no Amapá, AP.

Esta proposta de pesquisa de extensão têm como objetivos específicos no


ambiente escolar: explicar conceitos como cultura, patrimônio cultural,
patrimônio arqueológico, o que é arqueologia e a prática arqueológica;
junto com os alunos fazer leituras de histórias em quadrinhos a serem
selecionadas; aplicar oficinas de produção de história em quadrinho na sala
de aula em três escolas da rede pública que sejam foco do projeto de
extensão; entender a relação da História em quadrinhos e as personagens
criadas pelos alunos da rede pública; registrar as motivações dos alunos no
momento da criação das personagens da História em quadrinhos elegidas
para representar a defesa do patrimônio arqueológico de Macapá.

A visão romantica da Arqueologia através do antiquarianismo


A teoria arqueológica passou por mudanças nos modos de ver a cultura
material no decorrer do tempo. Durante os séculos XV, XVIII e XIX, no
continente europeu afloravam os paradigma Medieval e Ilustração, além dos
movimentos conhecidos como Renascimento cultural, Romantismo e
Nacionalismo que influenciaram o início da arqueologia (Hodder, 2001). A
arqueologia surge como uma prática colecionismo e antiquarianismo na
Europa. Este período é classificado de duas maneiras: arqueologia clássica e
antiquarianismo (Trigger, 2004) ou período especulativo (Renfrew & Bahn,
2004).

O objetivo da coleta dos objetos arqueológicos deveria responder a


questões sobre a origem humana e o desenvolvimento da sociedade. Com o
Renascimento buscou-se resgatar e promover a volta de um passado
glorioso a exemplo do que foi vivido na antiguidade Greco-romana, de
modo a entender e imitar as gloriosas realizações, um dos interesses da
nobreza ascendente e da burguesia cujo patrocínio dependiam (Trigger,
2004). Papas e mercadores contribuíram para que fossem realizadas
escavações a fim de trazer novas informações sobre as antigas civilizações.

A busca por esse passado glorioso fez com que as os chamados Estados
imperiais competissem por esses patrimônios que hoje se encontram em
museus, por exemplo, a Vênus de Milo que representa a tradição clássica
grega e foi adquirida por aristocratas (Shanks, 2001). Os estudos clássicos
da Egiptologia e Assiriologia além de precisar das fontes escritas dependiam
da pesquisa arqueológica como fonte de documentos e artefatos (Trigger,
2004). Os registros escritos também serviam para realizar enquadramento
cronológico (Renfrew & Bahn, 2004; Trigger, 2004).

A partir da Ilustração criou-se uma visão evolutiva da história humana que


se contrapôs ao paradigma medieval. As teses da Ilustração tornaram-se Aprendendo
para a classe média a base de um pensamento evolucionista, por exemplo, História:
a sociedade européia passou por todos por estágios para ser o que é, e MÍDIAS
outras sociedades mais primitivas estariam ainda no primeiro (Trigger, Página | 111
2004). Existiam estudos comparativos de povos contemporâneos a fim de
ver os diferentes níveis de complexidade, o que caracterizou o
evolucionismo unilinear, do simples para o complexo. Essa visão
evolucionista cultural antecedeu a obra a Origem das espécies de Charles
Darwin (Trigger, 2004).

O romantismo impulsionou o desenvolvimento da arqueologia na Europa,


como maneira de documentar a formação das raízes nacionais, através do
resgate de objetos anteriores a presença romana. Nesta época, as
escavações “alimentavam” os gabinetes de curiosidades junto às casas reais
da Europa, o que resultou na criação dos grandes museus no século XIX
como o Louvre na França e Museu de Berlim (Renfrew & Bahn, 2004;
Trigger, 2004). O Romantismo possibilitou documentar as raízes de
formação dos Estados nacionais e teve grande apelo junto às classes
médias conservadoras, bem como estimulou o gosto pelas escavações.

No período Clássico e Antiquarista, ficava evidente a falta de teorias e


metodologias voltadas para a prática arqueológica (Renfrew & Bahn, 2004).
As escavações, “um simples cavar”, tinham o objetivo de buscar objetos de
valor estético e comercial, o que difundiu de forma equivocada a prática
arqueológica e que ainda hoje perdura.

No cotidiano das pessoas, a arqueologia repercutiu através dos meios


literários, midiáticos e pelos blockbusters do cinema como Indiana Jones,
Tomb Raider e The Mummy (Ribeiro, 2018). A informações absorvidas pela
maioria das pessoas sobre a prática arqueológica foi produzida por não
arqueólogos gerando desta forma equívocos sobre a prática científica e do
papel social referente ao patrimônio arqueológico (Funari & Robrahn-
Gonzáles, 2008; Ribeiro, 2018).

No imaginário das pessoas, a prática arqueológica disseminada pelos filmes


é a de uma arqueologia baseada na aventura, no colonialismo, na caça ao
tesouro, no valor comercial do patrimônio cultural ou escavar ossos de
dinossauros (Funari, 2005; Trigger, 2004). Em matéria do Jornal da Tarde
de São Paulo, o arqueólogo Paulo Zanettini declarou que “Indiana Jones
deveria morrer” devido a concepção equivocada e romântica do arqueólogo
no mundo cinematográfico (Zanettini, maio de 1991. Jornal da Tarde. SP),
conforme indica a figura 1.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 112

Figura 1: À esquerda, Indiana Jones. Fonte:


https://republikapop.com.br/index.php/2016/09/08/saga-completa-de-
indiana-jones-chega-netflix-no-brasil/. À direita, o arqueólogo Paulo
Zanettini. Fonte: http://www.zanettiniarqueologia.com.br/aplicacao.html

Certos aspectos sociais relacionados a prática arqueológica condizem com


aquela visão dos filmes, especificamente relacionada aos primeiros
arqueólogos, que foram de fato aventureiros, de modo que tal profissão
teria se tornado campo de interesse do público em geral dada a fama
dessas personagens (Funari, 2005). Para Silva (2011), as produções de
arqueologia, se iniciam por volta de 1840 e teriam como marcos principais o
grande boom das décadas de 1920 e 1950, pois daí se desenvolvem as
mídias eletrônicas.

Mesmo com a arqueologia sendo divulgada na mídia, por outro lado, a


postura de isolamento dos arqueólogos em relação à sociedade e como
estes profissionais vão encarar tardiamente seu papel de responsabilidade
social, fez gerar de forma não intencional uma barreira de informações
sobre arqueologia para o público em geral (Funari, 2005; Funari, Oliveira &
Tamanini, 2005; Funari & Robrahn-Gonzáles, 2008). Nos meados da década
de 1980, arqueólogos socialmente engajados iniciam discussões críticas
sobre a prática arqueológica e a divulgação no âmbito social como meio de
aproximação com as diferentes camadas sociais (Hodder, 2003).

Tal aproximação em relação as diferentes camadas sociais, só pôde ocorrer


em consequência das discussões vindas da teoria arqueológica Pós-
Processual, que por sua vez encontrou consonância nas ideias do Marxismo,
Neo-Marxismo, Estruturalismo, Pós-estruturalismo, feminismo, Teoria
Crítica, Fenomenologia, Antropologia interpretativa e da História, que
passaram a fazer parte do discurso arqueológico (Hodder, 2001; Trigger,
2004).

Desta forma, os arqueólogos adotaram papéis emancipatórios na prática


arqueológica, baseado na reflexão crítica sobre as narrativas explicativas
construídas sobre as diferentes sociedades, sejam estas do passado ou
contemporâneas. Para Carvalho e Silva (2013, p. 45), “a arqueologia
pública deve ser entendida como uma prática autocrítica da arqueologia,
levando em conta seu impacto sobre a sociedade na qual se insere e seu
potencial político de transformação” (Carvalho & Silva, 2013, p.45).
Neste sentido, a “fórmula” indicada por alguns autores é a de que, antes de
se realizar ações sociais e pesquisas voltadas a entender melhor o público,
é preciso compreender como o público entende a arqueologia, sendo esta
uma função da arqueologia pública, saber interpretar essa concepção que
foi formada fora do ambiente acadêmico (Carvalho & Silva, 2013; Cury, Aprendendo
2006). História:
MÍDIAS
As maiores reflexões sobre arqueologia/mídia/divulgação focam no uso do Página | 113
cinema e da televisão (Carvalho & Silva, 2013; Funari, 2005; Zanettini,
1991), no entanto, ainda faltam estudos sobre o papel estereotipado que
também está presente nas Histórias em quadrinhos (Ribeiro, 2018;
Vergueiro, 2004), sendo este um campo profícuo para estudos, pois existem
várias publicações em quadrinhos no âmbito internacional e nacional (figura
2).

Figura 2: À esquerda, “as aventuras de Tintim. Fonte:


https://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=12143. À
direita, turma da Mônica. Fonte:
thttp://museologando.blogspot.com/2011/08/turma-da-monica-uma-
aventura-no-museu.html.

As práticas em arqueologia pública do pelo Laboratório de Arqueologia


Pública (LAP) da Universidade de Campinas (UNICAMP) têm permitido
realizar experiências de sucesso no campo do patrimônio arqueológico ao
fomentar a formação de jovens pesquisadores que ainda não estão no
ensino superior (Carvalho & Meneses, 2012). Este é o caso, da inclusão de
alunas do ensino médio da rede púbica que participaram do Programa de
Iniciação Científica Júnior no projeto intitulado “Acervo arqueológico do
Arquivo Paulo Duarte” em 2012 (figura 3).
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 114

Figura 3:Projeto “Acervo arqueológico do Arquivo Paulo Duarte. Fonte. Silva


e Fernandes, 2012.

As pesquisadoras JRs Gabriela Silva e Marllen Fernandes (2012) produziram


uma história em quadrinhos, tendo como protagonista uma criança que
associava arqueologia com os dinossauros. Além disso, emergiu na história
a personagem de Paulo Duarte, um dos responsáveis por leis e luta pela
preservação do patrimônio cultural brasileiro (Florêncio et al, 2014; Silva &
Fernandes, 2012).

Diagnosticada as lacunas, esta pesquisa procura entender: O que o público


entende sobre arqueologia? Que tipos de patrimônios seriam eleitos nas
histórias produzidas na sala de aula? Que personagens poderiam ser os
defensores da nossa história ao levar em conta o que pensa o público
escolar?

A nossa proposta
Recentemente, em muitos países, os órgãos associados a educação
passaram a reconhecer a importância das histórias em quadrinhos no
currículo escolar (Vergueiro, 2004, p. 21). No Brasil, as histórias em
quadrinhos já são reconhecidas pela Lei de Diretrizes e Bases(LDB),
Parâmetros curriculares Nacionais (PCN) e Plano Nacional Biblioteca na
Escola (PNBE). As histórias em quadrinhos vem sendo utilizado como
material didático por professores de diversas áreas do conhecimento tais
como a língua portuguesa, história, geografia, arqueologia e artes, pois as
mesmas oferecem diversas possibilidades de uso.

Como as atividades destas pesquisa focam no universo das histórias em


quadrinhos, inicialmente deve-se criar aproximações destas com as práticas
pedagógicas de forma lúdica (Vergueiro, 2004). Conforme Vergueiro (2004,
p. 21-25), as histórias em quadrinhos auxiliam no ensino, pois, segundo o
mesmo: -os estudantes querem ler os quadrinhos; -palavras e imagens,
juntos ensinam de forma mais eficiente; -existe um alto nível de informação
nos quadrinhos; -os quadrinhos auxiliam o desenvolvimento do hábito da
leitura; -o caráter elíptico da linguagem quadrinhística obriga o leitor a
pensar e imaginar (Vergueiro, 2004, p. 21-25), dentre outras cacteristicas.

Inicialmente, esta atividade prevê três etapas: Aprendendo


História:
Na primeira etapa, serão feitos os contatos com as escolas. As idas as MÍDIAS
escolas devem procurar mapear espaços interativos para que ocorram as Página | 115
atividades com os alunos. Feito o mapeamento dos espaços, acontecerá o
primeiro contato com os alunos. No primeiro encontro com os alunos, um
levantamento sobre o que estes sabem sobre arqueologia será o ponto de
partida para a elaboração das etapas seguintes.

A segunda etapa leva em conta os procedimentos metodológicos de Horta e


colegas (1999) que são utilizados na Educação Patrimonial:

1.Observação: Identificação do objeto/função/significado;


desenvolvimento da percepção visual e simbólica. Na etapa de observação,
devem ser realizadas atividades que visem o desenvolvimento das
percepções sobre o patrimônio cultural dos participantes. Uma breve
apresentação desta pesquisa de extensão mostrará aos alunos o que vem a
ser patrimônio arqueológico.
2.Registro: Fixação do conhecimento percebido, aprofundamento da
observação e análise crítica; desenvolvimento da memória, pensamento
lógico, intuitivo e operacional. Os alunos devem produzir desenhos coloridos
em papel A4, valorizando os conhecimentos que possuem sobre patrimônio
cultural e outras formas de expressão que os rodeiam.
3.Exploração: Desenvolvimento das capacidades de análises e julgamento
crítico, interpretação das evidências e significados. Após a elaboração dos
desenhos coloridos em papel A4, que objetiva a valorização dos
conhecimentos que possuem ao destacar o patrimônio cultural e outras
formas de expressão que os rodeiam, os participantes serão instigados a
falar sobre sua produção.
4.Apropriação: Envolvimento afetivo, internalizarão, desenvolvimento da
capacidade de auto-expressão, apropriação, participação criativa e
valorização do bem cultural. Na última etapa, uma exposição sobre as
atividades em quadrinhos será realizada. No ambiente escolar, a seleção de
determinados espaços para a exposição dos quadrinhos deverão ocorrer
com o obetivo de fixar a exposição dos desenhos (que ocorré em conjunto
com a última etapa).

Na última etapa, os alunos serão orientados a produzir as histórias em


quadrinhos. Para isso, uma oficina sobre a produção da história em
quadrinhos deverá apresentar os elementos proposta pelo Brasil Escola:

1.ARGUMENTO: a ideia da trama de forma resumida com início, meio e fim.


2.ESCALETA: é a organização de todas as cenas a serem criadas de maneira
que sustente a HQ, seguindo uma ordem, bem como uma descrição ligeira.
3.ROTEIRO: Todas as cenas com cenários, diálogos, apresentação de
personagens, desenvolvimento do enredo, os dramas e a finalização.
4.TRAÇO: definição do estilo de desenho a ser utilizado, bem como a
tonalidade de luz e cor, juntamente com a densidade.
5.FORMATO: Estabeleça o número de páginas, visto que tal procedimento
Aprendendo indicará o ritmo da narrativa.
História: 6.DISTRIBUIÇÃO DO ESPAÇO GRÁFICO/CROQUIS: define o formato da HQ,
MÍDIAS através de rabiscos da história, reservando espaço para os diálogos e
Página | 116 legendas.
7.O LÁPIS: utilizado para o desenhista demonstrar seu traço com maior
definição. Um desenho bem feito a lápis é considerado como bom
andamento na construção das Hqs.
8.ARTE-FINAL: é a fase de acabamento que vai desde o traço das tintas até
o momento de dar cor às ilustrações.
9.LETTERING: termo originado da língua inglesa, refere-se ao momento de
editar o texto.
10.CAPA: considerado como uma das principais forma de chamar atenção
do leitor deve ser extremamente planejada.
11.CONTRACAPAS: Apresenta créditos e textos adicionais.
12.REVISÃO GERAL DE TEXTO E IMAGENS: fundamental para evitar deslizes
frequentes encontrados em HQ.
13.PROVA GRÁFICA: Momento de conferir se tudo está representado no
papel, conforme foi solicitado.
14.IMPRESSÃO: Quando voltado para produção comercial é estabelecido um
orçamento, cronograma e previsão de tiragem que são pré-estabelecidos
pela editora responsável pelos direitos de publicação.
15.DISTRIBUIÇÃO: Irá depender de um acordo entre as grandes empresas
do ramo.

Em relação aos itens de número: 12, 13, 14 e 15 serão de responsabilidade


dos coordenadores gerais do projeto de extensão. Menção especial deverá
ser feita ao item 14 e 15, as histórias em quadrinhos serão publicadas na
plataforma de projetos pedagógicos do Brasil Estante Mágica.

Para a elaboração das histórias em quadrinhos, pode-se utilizar as


ferramentas, tais como:

GOANIMATE
Para quem deseja dar vida aos quadrinhos, o site GoAnimate ajuda a
montar pequenas animações. Ele oferece personagens, cenários e objetos
prontos para serem personalizados por professores, alunos e outros
usuários.

READWRITETHINK
A ferramenta permite escolher diferentes templates para criar histórias. Em
cada quadrinho, o usuário pode incluir personagens, objetos, balõezinhos e
textos. Ao terminar, ele pode imprimir sua revistinha para colorir.

TOONDOO
O ToonDoo traz diversas ferramentas para auxiliar na produção de histórias
em quadrinhos. São várias opções de cenários, personagens, objetos,
carimbos e balõezinhos, além de também permitir a inclusão de fotos.

Referências
Carlos Eduardo Barbosa é discente do curso de licenciatura em História da
Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) e Assistente de pesquisa Aprendendo
arqueológica em projetos de consultoria. Atua como bolsista de extensão História:
voluntário no projeto “Arqueologia e Educação Patrimonial: construindo MÍDIAS
experiências a partir da Universidade Federal do Amapá, campus Marco Página | 117
Zero” que vigorou durante o ano de 2018.
Jelly Juliane Souza de Lima é Licenciada em História pela Universidade
Federal do Amapá (UNIFAP) e mestra em Arqueologia pelo Museu Nacional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pesquisadora
colaboradora no Centro de Estudos e Pesquisas Arqueológicas
(CEPAP/UNIFAP). Possui experiência na área da Arqueologia pré-colonial,
ensino de história e análise de material didático de História.
Os autores deste texto agradecem a Prof. Dra. Verônica Xavier Luna
coordenadora do projeto de extensão “Arqueologia e Educação Patrimonial:
construindo experiências a partir da Universidade Federal do Amapá,
campus Marco Zero” e aos demais membros da equipe. Destacamos a
importância do fomento das atividades através do PROGRAMA
INSTITUCIONAL DE BOLSAS À EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA PIBEX 2018,
Edital de Nº 27/2017.

CARVALHO, Aline; SILVA, Bruno Sanches Ranzani. Arqueologia e


socialização do conhecimento: Indiana Jones, mostre-nos o que sabes.
Arqueologia/Artigos, p.45-58, 2013.

CARVALHO, Aline Vieira de; MENEZES, Victor. Práticas em Arqueologia


Pública: considerações acerca do projeto “LAP com as Escolas”. Anais I
Semana de Arqueologia. “Arqueologia e Poder”. Campinas. Disponível em:
Acesso em, v. 5, n. 11, 2013.

CURY, Marília Xavier. Para saber o que o público pensa sobre


arqueologia. Revista Arqueologia Pública, v. 1, n. 1 (1), p. 31-48, 2006.

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A PROPAGANDA ENQUANTO INSTRUMENTO EDUCATIVO NA
PROPAGAÇÃO DO ANTISSEMITISMO NA ALEMANHA DUREANTE O
GOVERNO DO TERCEIRO REICH (1933-1945)
Caroline de Alencar Barbosa

Aprendendo
Durante os anos do Terceiro Reich (1933-1945), a propaganda consistiu em História:
um instrumento essencial para a divulgação da ideologia do Partido MÍDIAS
Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP), liderado por Adolf Página | 119
Hitler (1889-1945). Com o objetivo central de angariar novos adeptos ao
Partido Nazista, diversos recursos foram utilizados. Dentre eles, a imagem
foi o instrumento mais notável e eficaz, pois é imediatamente perceptível,
atraindo a atenção através das cores, formas, desenhos.

Acompanhada de um slogan, ela pode substituir o texto ou discurso,


destacando-se na propaganda nazista pela sua fácil divulgação, pois, além
da utilização nos jornais, poderia ser afixada em diversos pontos de
circulação da cidade. É um componente de formação de caráter social, que
se verifica em qualquer agrupamento humano em qualquer época histórica.
Ela não é apenas um meio específico de comunicação, mas desenvolveu-se
com um interesse de persuasão, semântica própria e simbologia específica
(BARRETO, 2006).

O recurso central deste estudo consiste na imagem, tendo os slogans como


subsídios para uma análise mais aprofundada do discurso proferido em
relação ao judeu e ao alemão. Através deles identificamos de que forma a
propaganda se caracterizou como um dos principais instrumentos de
persuasão por parte da máquina propagandística do Terceiro Reich.

Destacamos os estereótipos básicos atribuídos aos judeus (físicos e


comportamentais), além das cores e formas identificadas nos cartazes,
utilizados como base para esta pesquisa. Sendo assim, produzimos um
trabalho que expôs alguns dos principais elementos que compunham a
propaganda nazista, formas de divulgação e quais elementos foram usados
na elaboração da imagem do judeu “inimigo” em detrimento do “cidadão de
bem alemão”.

Devemos levar em consideração que este jornal não era o único meio de
divulgação do antissemitismo na Alemanha, contudo “O violento jornal
antissemita Der Stürmer, de Julius Streicher, também teve uma
contribuição importante, mas sua circulação de 400 mil exemplares era
modesta quando comparada às operações conduzidas por Goebbels e
Dietrich” (HERF, 2014). Apesar disso, não podemos deixar de lado sua
importância de ampliar a difusão das ideias nazistas proferidas nos
instrumentos de propaganda.

Contando com fontes que destacam de que maneira o periódico se


apresentava à sociedade alemã no período de ascensão e tomada de poder
pelo Terceiro Reich, podemos analisar o papel social ao qual ele se
propunha- educar as massas através da propaganda, disseminando a
imagem do judeu “inimigo” em detrimento do “cidadão de bem alemão”,
além de produzir mecanismos que possibilitassem a identificação dos
mesmos a partir da criação de estereótipos (físicos e comportamentais).

Essas fontes encontram-se disponíveis em formato digital, com slogans no


Aprendendo idioma original (alemão), contando com outra legenda em inglês. Nesse
História: caso, todos os cartazes foram traduzidos a partir do segundo idioma.
MÍDIAS Entendemos nessas imagens o objetivo central de promover a educação das
Página | 120 massas, disseminando a perseguição aos judeus, caracterizando-o a partir
de determinismos físicos e comportamentais, com a finalidade de facilitar a
identificação dos mesmos dentro da sociedade alemã, além das afirmações
de ódio e repúdio, traços do antissemitismo.

A propaganda política
A própria definição do termo propaganda encara algumas dificuldades
quando traduzida ao português, o que não ocorre em outros idiomas, pois
trazem a distinção clara entre os tipos de comunicação persuasiva.
Propaganda se refere à transmissão de ideias, políticas ou religiosas. Já
publicidade, à difusão de produtos, serviços ou candidatos políticos. Jean-
Marie Domenach em “A Propaganda Política” nos mostra que essa diferença
conceitual nos leva a utilizar termos para delimitação do que queremos
tratar, ou seja, sempre temos que nos referir a “Propaganda Ideológica ou
Propaganda de Publicidade comercial” (DOMENACH, 2001, p. 6).

No sentido do primeiro termo, a função da propaganda ideológica e de


convencimento, compreendida através de Abraham Moles, se constrói a
partir de diversos elementos que a compõem: a utilização das cores,
slogans e imagens que atrairão o público pelo olhar e pela capacidade de
persuasão. Portanto, podemos entender como propaganda algo que é
visível e tem por função divulgar, seja um objeto material ou uma ideia,
produzida através da junção de elementos visuais e linguísticos.

Dessa maneira, o cartaz aparece estabelecendo relações com o meio em


que é elaborado e divulgando, criando percepções e interpretações nos
indivíduos, “mas, por outro lado, o cartaz constrói reflexos condicionados,
slogans e estereótipos que se imprimem na cultura individual, e, por isso,
adquirem valor autônomo, independente do seu assunto” (MOLES, 2004, p.
27). Isso ocorre apesar do desgaste ao olhar após um tempo, que promove
uma necessidade de renovação constante desse recurso.

Na sociedade urbana percebemos a função do cartaz que, afixado em


pontos centrais de circulação de pessoas, promove um direcionamento
condicionado do olhar para a imagem e a depender da movimentação no
ambiente para o slogan. É comum visualizarmos essa propaganda em meios
de transporte, cafés, cinemas, praças e afixados nos muros da cidade.

Com cores chamativas e slogans objetivos a propaganda no faz, mesmo que


por uma fração de tempo, atentar para a sua mensagem. Com a repetição
de determinada ideia durante vários dias, semanas ou meses acabamos
assimilando-a sem sequer perceber. Torna-se um discurso cotidiano,
condicionado pela eficácia dos meios de persuasão da propaganda.

Ao trabalhar com as charges dos cartazes tentamos responder a seguinte


pergunta: Como interpretar as imagens produzidas no passado? Através de
Ana Maria Mauad entendemos que ao analisar essas fontes não verbais Aprendendo
devemos lembrar que elas possuem uma natureza, com ou sem História:
condicionantes históricos, diferentes. Além disso, “Não importa se a imagem MÍDIAS
mente; o importante é saber porque mentiu e como mentiu” (MAUAD, Página | 121
2011, p.15).

No fascismo percebemos a Sociedade do Espetáculo, conceito de Guy


Debord, como condicionada aos mitos, com participação social na
constituição dos mesmos, que perpassam por “pseudovalores arcaicos, a
raça, o sangue, o chefe” (1997, p. 75). Esse espetáculo educa a sociedade
que se submete aos seus princípios. A imagem se destaca como ligação
entre o indivíduo e o mundo que o cerca. Quem a produz resume o mundo
para o espectador, que não tem tempo disponível para pensar.

Na Itália Fascista, Benito Mussolini (1883-1945), dedicou-se às crianças na


produção propagandística, elas eram simultaneamente alvo e tema dessa
propaganda. Eram caracterizadas como engajadas politicamente, apesar da
pouca idade. Apareceram em fotografias, cartazes, livros, postais,
demonstrando o amor das crianças pelo seu líder, conforme o desenho a
seguir (Figura 2), capa do livro Duce Nostro (1933), pois:

“Se Mussolini amava as crianças, era natural que estas lhe retribuíssem
esse sentimento, como não parece restar dúvida em face deste desenho de
A. Michelli, capa do livro Duce Nostro, de 1933. Meia dúzia de pimpolhos,
incluindo um bebê, disputam um retrato do amado Duce, uma espécie de
super-pai, que o título do livro assimila ao Padre Nostro, o Pai Nosso que
está no céu.” (BARRETO, José, 2012, p. 7).
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 122

Figura 1: Capa do livro Duce Nostro, 1933. Desenho de A. Micheli.


Disponível em: BARRETO, José. As crianças na propaganda fascista
italiana (anos 1920-1940). Instituto de Ciências Sociais da Universidade
de Lisboa, Portugal, 2012, 4º ed, p.7.

Ressaltamos que o tema infantil não se destinava somente aos jovens, pois
tinha uma função importante junto aos adultos. Visava disciplinar a
sociedade para a obediência e autoridade a fim de legitimar o fascismo.
Conforme Silva, nesse contexto, o “líder” é o alvo do amor de transferência,
neurótico e inflexível, experimentado pelas massas.

A partir disso, entendemos que a propaganda tem por preceito educar a


sociedade para o que se quer acreditar impondo crenças e reflexos que Aprendendo
modificam o comportamento dos indivíduos. A propaganda ideológica História:
nazista pôde incutir seus ideais na Alemanha, sem possibilidade de MÍDIAS
questionamento, pois nessa sociedade do espetáculo não há espaço para Página | 123
resposta, ou seja, não ocorre diálogo.

Com a criação do Ministério do Reich para Esclarecimento Público e


Propaganda Nazista, em 1933, sob a liderança de Joseph Goebbels (1897-
1945), as ideias defendidas por Hitler desde antes de tornar-se chanceler,
com base na pureza da raça ariana em detrimento do judeu, puderam ser
exploradas por esses diversos meios de propaganda de massa, a fim de
atrair adultos e crianças. Apelavam para a repetição, a polêmica e
linguagem que se adequasse ao público ao qual se direcionava. Ancorados
na crise geral ocasionada pela Primeira Guerra Mundial (1914-1918)
utilizaram-se da instabilidade econômica e psicológica que cercava o
cotidiano dos cidadãos alemães.

Através do estudo dos cartazes percebemos de que maneira o


antissemitismo se difundiu na sociedade alemã, permitindo a perseguição à
comunidade judaica que culminou no extermínio de uma grande parcela dos
judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Temos como fator predominante
dessas produções a representação do judeu caricaturado, com expressões
deformadas e cores diferentes como o roxo, azul.

Os judeus eram acusados de todas as mazelas enfrentadas pelo povo


alemão após a derrota na Primeira Guerra Mundial. Nesse contexto, o Der
Stürmer tornava-se principalmente uma forma de educar as massas.
Utilizando suas premissas antissemitas tomou como função auxiliar na
identificação dos judeus a partir de estereótipos criados. O periódico ganhou
visibilidade ao longo dos anos. Em 1935 o editor Ernst Hiemer colocou:

“O Stürmer é o jornal das pessoas. Sua linguagem é simples, suas frases


claras. Estas palavras tem um significado. Seu tom é áspero. Tem que ser!
O Stürmer não é um jornal de domingo. O Stürmer luta pela verdade. A luta
não é travada com luvas de pelica. E a verdade não é lisa e escorregadia.
Ela é áspera e dura” (STREICHER, 2001, pgs. 55 e 56).

O que compreende-se por verdade? Para Nietzche, ela é um produto


artificial criado pelo homem. No Nacional-Socialismo usou-se o imaginário
social para instalar uma verdade do partido. A memória, nesse caso, é
adulterada, falsificada em favor do Fürher. A verdade nacional-socialista
não tem valor para os que estão fora dessa estrutura, pois quem forma o
nazismo é a massa, que oferece imagens que o sustentam (DIHEL, 1996,
p.137).
Para que essa memória coletiva se estruturasse com as bases ideológicas
antissemitas nazistas confere-se importância à propaganda e sua análise
permitiu formular comparações acerca das formas como o alemão
representava o judeu nas produções propagandísticas. Desta forma,
entendemos a função que esses sujeitos históricos possuíam nesse contexto
Aprendendo e de que maneira essa imagem era disseminada, incorporada e apropriada
História: pelos alemães a partir da leitura do periódico alemão Der Stürmer.
MÍDIAS
Página | 124 A caracterização do judeu
O objetivo dos cartazes divulgados no Der Stürmer eram propagar o ódio e
repúdio ao povo judeu, apresentado com diversas facetas: o traidor, o
verme, o diabo etc. Esse discurso foi incorporado pela população alemã,
conquistando o seu espaço como instrumento de persuasão por parte da
propaganda antissemita nazista. Para examinar essas fontes
acompanhamos Marc Bloch ao entendermos que o historiador deve possuir
todas as técnicas necessárias à sua investigação, deve dominar todos os
elementos que compõem sua pesquisa, o que Bloch denominou de
“multiplicidade de competências” (BLOCH, 2001, p.81).

Portanto, a partir dos diversos cartazes publicados durante o período que


compreende a República de Weimar (1919-1933) até o fim da Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) percebemos os elementos formadores de
opinião por parte da população alemã leitora diária do Der Stürmer. Nesse
sentido, é importante analisar não somente o discurso dos cartazes, mas
também a forma como o judeu é representado, que elementos o compõem.

Após a derrota alemã na Primeira Guerra Mundial com a assinatura do


Tratado de Versalhes na França, a Alemanha assumia a “culpa pela guerra”.
Esse tratado impôs diversas limitações, além do pagamento de indenizações
que contribuiu para o ressentimento alemão culminando no apoio ao
“extremismo político” (JORDAN, 2011, p.10).

Nesse contexto antissemitismo se “renova” e, “dessa vez, faria sentir-se


mais agressivo do que nunca” (DIHEL, 1996, p. 69). Apresentando os
principais problemas na Alemanha pós-guerra o jornal apresenta o homem
ariano na função de exterminador da “praga judaica”, representada como
espécimes de seres malignos, ratos, vermes, aranhas, sempre em
colorações de destaque ou contraste.

Percebemos claramente esse agrupamento dos judeus em uma categoria


em um cartaz publicado no Der Stürmer em agosto de 1935 (Figura 6) onde
o leitor é desafiado a identificar os judeus que afirmam ser católicos ou
protestantes. A partir dessa imagem percebemos que não importava a
religião ao qual se direcionam, sempre estariam classificados como um
inimigo que deveria ser combatido.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 125

Figura 2: Competição
Há dezoito judeus nesta imagem. Quatro deles são batizados católicos e
três são batizados protestantes. Há pessoas que se declaram judeus
batizados, não são judeus, mas os cristãos. Aquele que pode mostrar com
uma cruz para a nossa equipe editorial os judeus batizados receberá uma
recompensa. Der Stürmer, agosto de 1935.

Afirmando ser um instrumento que forneceria subsídios para facilitar a


identificação desses judeus por parte do cidadão alemão, os cartazes
produzidos pelos ilustradores do Der Stürmer criaram diversos estereótipos,
que segundo Streicher e seus associados caracterizariam os judeus a partir
de suas aparências semelhantes, consideradas “grotescas” com nariz e
orelhas proeminentes, expressões e corpos deformados.

Aprendendo O antissemitismo representado no Der Stürmer utilizava-se de elementos


História: representativos dos judeus enquanto animais, associando-os à sujeira e
MÍDIAS imundície (Figura 8), em oposição da ordem e limpeza do nacional
Página | 126 socialismo. Além de representarem o que vem da sujeira, eram
denominados desonestos e de mau caráter (DIHEL, 1996, p.93). O judeu é
apresentado como um animal perigoso- mãos aduncas, rosto encarniçado,
olhar sádico e cúpido, vive sempre à custa dos outros (LENHARO, 2006).

Figura 3: A boca suja e perigo ambiental. Só ele, que está na sujeira,


lança sujeira em torno de modo "terrivelmente”. Der Stürmer, Novembro
de 1943
A partir dessas publicações do Der Stürmer podemos entender o papel que
o mesmo teve dentro do arsenal propagandístico de Hitler. Evidentemente,
Julius Streicher forneceu uma significativa contribuição na disseminação e
difusão das ideias nazistas e antissemitas em relação aos judeus. Ao final
da Segunda Guerra Mundial em 1945, quando Streicher foi julgado em Aprendendo
Nuremberg por crimes de ódio contra a humanidade (UNITED STATES História:
HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM), é inegável a sua participação no MÍDIAS
Holocausto, mesmo que indireta, na forma de discursos de ódio. Página | 127
Seus cartazes violentos reproduziram as formulações do partido nazista e
seus membros acerca dos judeus, promovendo de forma sistemática a
repetição de estereótipos físicos e comportamentais que, segundo Streicher,
Hitler e seus associados, descreveriam o judeu inimigo da sociedade alemã,
que deveria ser identificado e combatido por todo cidadão alemão
preocupado com o bem-estar do país. Concluímos que foram elementos
essenciais para a disseminação do antissemitismo nazista dentro do arsenal
propagandístico do Terceiro Reich.

Referências
Caroline de Alencar Barbosa. Graduada em História na Universidade Federal
de Sergipe (DHI/UFS). Mestre em Educação na Universidade Federal de
Sergipe (PPGED/UFS). Integrante do Grupo de Estudos do Tempo Presente
(GET/UFS). E-mail: caroline@getempo.org. Orientador: Prof. Dr. Dilton
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https://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=1000782. Acesso
em 10.09.2016 às 18:37.
UMA ANÁLISE DO FILME BYE BYE BRASIL (1979): SUA
COMPREENSÃO ENQUANTO FONTE HISTÓRICA, E AS
CONTRADIÇÕES DA “CHEGADA” DO MODERNO NO BRASIL.
Daniel Fagundes de Carvalho Machado

Aprendendo
O objetivo deste escrito é analisar o filme Bye Bye Brasil (1979), de direção História:
de Carlos Diegues e Leopoldo Serran, para a compreensão do uso de fontes MÍDIAS
cinematográficas no ensino de história. Neste sentido, é necessário levar Página | 129
em conta o seu contexto de produção, aliado a um debate teórico,
sintonizando, no mais, as questões técnicas de filmagem, como
posicionamento de câmera, roteiro e personagens, para que se construa
uma melhor metodologia na sala de aula, ampliando os mecanismos do
processo de ensino/aprendizagem.

Introdução
Considerando a importância do trabalho com fontes no ensino de História,
elencamos o cinema como um mecanismo de auxílio na compreensão da
consciência histórica e do questionamento da realidade social em que cada
um se insere. Levando em conta que não apenas a história produz uma
narrativa sobre o passado, o cinema transmite sua realidade e compreensão
de determinado fato histórico, o que opera na história materialidade para
sua reflexão crítica.

Retomaremos a crítica dos Annales sobre uma história tradicional centrada


nos documentos oficiais, para a ampliação das fontes no método histórico, o
que gerou novas reflexões sobre os acontecimentos, assim como a
construção de novas metodologias em seu manuseio na historiografia. O
ensino de História pode desmistificar conceitos e imagens que são parte de
nossa memória coletiva carregadas de intencionalidades e de um poder
ideológico.

Muitas vezes, a mídia auxilia a perpetuar e até construir essas imagens, que
acompanham o educando durante toda sua vida. Veremos a importância do
questionamento das imagens canônicas (SALIBA, 2007), bem como deve
ser feito a análise de um filme como fonte histórica, que requer um método
maior do que quando usado como recurso didático. Como proposta,
analisaremos o filme Bye Bye Brasil, de 1979, e todo a sua carga política
que transparece em sua narrativa.

Tomaremos como eixo central a concepção da contrariedade do moderno na


sociedade brasileira, que o filme retrata, na sua difusão no sertão com a
caravana rolidei, que reflete o desejo de abertura política e a reflexão sobre
a constituição da sociedade brasileira na exploração da mão de obra
indígena e da Amazônia, aliando a ideia do trabalho com o progresso.

O cinema na História e a História no cinema: O método de análise de


um filme em sala de aula.
Quando refletimos sobre o cinema no debate historiográfico, é necessário
destacar as mudanças dos enfoques nas percepções de documento
histórico, com a Escola dos Annales no começo do século XX, que ampliou o
método de análise de fontes, desmistificando o documento oficial como
único responsável pelo “conhecimento histórico”.

Em detrimento de uma história factual, elitista e dos “grandes heróis”, ou


Aprendendo de uma história dita tradicional alemã do século XIX, o movimento dos
História: Annales (1929) constrói sua carga teórica metodológica por meio da
MÍDIAS concepção de uma “história problema”, subentendo que os documentos não
Página | 130 “falam por si”, mas sim quando são questionados. Hebe de Castro pontua
que “a revista e o movimento fundados por Bloch e Febvre, na França, em
1929, tornaram-se a manifestação mais efetiva e duradoura contra uma
historiografia factualista, centrada nas ideias e decisões de grandes
homens, em batalhas e em estratégias diplomáticas”. (1997, p.2)

Este movimento se opunha à história tradicional, que concentrava uma


história basicamente política. Esta história, de acordo com os Annales,
focava seus estudos no nacionalismo nascente, com fetiche aos
acontecimentos explosivos e aos documentos oficiais, deixando de lado
respostas sociais e com foco na ideia de progresso.

A proposta dos Annales é interdisciplinar, refletindo os atores sociais na


história, encontrando raízes sociais, e os elementos que constituem os
diversos grupos, respondendo a determinados problemas, caracterizando-se
como uma história crítica, que não é persuadida pelos poderes, voltando-se
para a sociedade (coletivo) e não somente para o indivíduo.

Portanto, quando refletimos sobre a construção da ciência histórica,


tomamos como parâmetro a própria ação da historiografia francesa (sem
esquecer que por mais criticas que sofreu a historiografia alemã, ela
contribuiu na percepção do método da pesquisa histórica), que se destaca,
segundo Ciro Cardoso (1981), como a “força mais poderosa que age no
sentido de fazer da História uma ciência” (1981, p.39).

Com a ampliação da compreensão de fonte histórica, novas perspectivas do


método de pesquisa na História surgiram, deixando, aos poucos, a tradição
iconofóbica que descartava a imagem como fonte, para dar vazão a uma
nova cultura histórica visual, refletindo que o historiador não é o único que
produz narrativas do passado, mas que também o cinema pensa e reproduz
as ações do homem no tempo.

No entanto, essa percepção da história com o cinema não surge de início,


na primeira geração dos Annales, mas a partir de 1970, com a renovação
dos estudos históricos e da história das mentalidades a cargo da terceira
geração, que vai legitimando esse novo objeto, enfrentando novos desafios
que o método com a análise cinematográfica exigia.

O cinema oferece, em síntese às ideias de Marc Ferro (1977),


interpretações e alternativas sobre a sociedade, possuindo um impacto
social conforme demanda seu contexto. Percebeu-se que era possível uma
leitura histórica do cinema, e uma leitura cinematográfica da história. No
entanto, a demanda exigida para o manuseio do cinema como fonte,
continua o autor, é necessário analisar não apenas a imagem, mas o que
está por trás das câmeras, como o roteiro (narrativa) e o contexto de
criação do filme.

Se o filme produz outra interpretação do passado, é preciso entender como Aprendendo


a história se relaciona com o cinema e o impacto gerado pelo contexto História:
apresentado. Na história, cabe observarmos o que ficou de fora de um MÍDIAS
determinado filme, o capital por trás de sua materialidade, o trabalho de Página | 131
edição e enquadramento de câmera, quais são os elementos históricos
abrangentes, e qual realidade ele busca retratar.

“Todo documento, incluindo os documentos de natureza audiovisual, deve


ser analisado a partir de uma crítica sistemática que dê conta de seu
estabelecimento como fonte histórica (datação, autoria, condições de
elaboração, coerência histórica do seu "testemunho") e do seu conteúdo
(potencial informativo sobre um evento ou um processo histórico) (...) O
enquadramento de uma cena, a edição de um filme, a cor/ textura
empregada na captação da imagem, são fundamentais para que o filme
ganhe sentido cultural, estético, ideológico e, consequentemente, sócio
histórico” (NAPOLITANO, 2006, p.266).

O autor explicita que na análise de um filme como fonte histórica, é


necessário ter como parâmetro uma síntese, dentre as quais seria o gênero
do filme, a autoria, qual o acervo e o conteúdo referente ao que o filme
procura abordar, identificando os elementos narrativos e alegóricos junto do
plano e da sequência que perpassa as personagens, o cenário, trilha sonora
e seus elementos verbais.

“(...) o importante não é apenas o que se encena do passado, mas como se


encena e o que não se encena do processo ou evento histórico que inspirou
o filme. Não se trata de cobrar do diretor a fidelidade ao evento encenado
em todas as suas amplitudes e implicâncias, mas de perceber as escolhas e
criticá-las dentro de uma estratégia de análise historiográfica”.
(NAPOLITANO, 2006, p.275)

Inserido neste contexto, é interessante retomarmos as noções de Saliba


(2007), quando pontuou a relevância de desmistificar as imagens
canônicas. Essas imagens seriam “imagens-padrão ligadas a conceitos-
chaves de nossa vivência social e intelectual”, que são de tal forma
“incorporadas em nosso imaginário coletivo que identificamos rapidamente”
(2007, p. 88). Podemos exemplificar com a imagem de Tiradentes nos livros
didáticos e sua aparência próxima das retratadas de Jesus Cristo, o que
constrói a imagem de um “salvador”, declarado herói nacional, que
influencia nas memórias compartilhadas da sociedade sobre determinado
fato histórico.

Os filmes e as imagens, de modo geral, em muitos casos fortalece a


construção de uma determinada imagem canônica, que populariza e
distancia a percepção histórica de uma “operação crítica, exercícios de
aproximação, identificação” o que gera uma “sobrecarga tão forte de
imagens que acabam por perder aquela atenção discriminatória,
fundamental para qualquer aprendizagem.” (ANO, p.90)

O objetivo de Saliba é ressaltar o papel do profissional da História de


Aprendendo quebrar com essa “amnésia estrutural” que se fortalece no cotidiano,
História: mostrando que as imagens disponíveis, principalmente nos filmes, são
MÍDIAS colocadas com uma determinada função e primazia ideológica, obedecendo
Página | 132 a certo número de normas, que se interligam, muitas vezes, como forma de
manipulação, com a única função de seduzir e impressionar, o que conserva
determinada interpretação sobre algum acontecimento.

O professor, além de compreender a ficha técnica, o roteiro, os ícones


canônicos, entre outros, deve possibilitar a reflexão até mesmo das coisas
que ficaram nas entrelinhas de determinado filme, e qual a intenção do
trabalho de edição, de demonstrar certos pontos de vista, e de retratar
algum fato histórico da forma como retratou, levando em consideração todo
o impacto social e emocional que um filme pode causar.

Portanto, qual o papel do ensino de história, aliado a um método crítico do


trabalho com fontes visuais? O ensino de história possibilita a
desnaturalização social compreendendo as memórias cristalizadas que os
educandos abarcam em suas vivências, na família, e em seus espaços de
interação, questionando as representações sociais, que garantem a
construção e reconstrução dos saberes cotidianos que carregamos.

“Não se aprende História apenas no espaço escolar. As crianças e jovens


têm acesso a inúmeras informações, imagens e explicações no convívio
social e familiar, nos festejos de caráter local, regional, nacional e mundial.
São atentos às transformações e aos ciclos da natureza, envolvem-se com
os ritmos acelerados da vida urbana, da televisão e dos videoclipes, são
seduzidos pelos apelos de consumo da sociedade contemporânea e 38
preenchem a imaginação com ícones recriados a partir de fontes e épocas
diversas. Nas convivências entre as gerações, nas fotos e lembranças dos
antepassados e de outros tempos, crianças e jovens socializam-se,
aprendem regras sociais e costumes, agregam valores, projetam o futuro e
questionam o tempo”. (PCN, 1998, p.37)

O ensino não deve ser uma simples transposição da ciência histórica


acadêmica na sala de aula; É necessária a consideração da consciência
histórica dos educandos, ou seja, a capacidade de aplicar sentido ao tempo
fazendo-se por meio de uma narrativa histórica e resultando em uma
cultura histórica que possui ampla relação com a vida prática.

“A construção de noções interfere nas estruturas cognitivas do aluno,


modificando a maneira como ele compreende os elementos do mundo e as
relações que esses elementos estabelecem entre si. Isso significa dizer que
quando o estudante apreende uma noção, grande parte do que ele sabe e
pensa é reorganizado a partir dela. Na medida em que o ensino de História
lhe possibilita construir noções, ocorrem mudanças no seu modo de
entender a si mesmo, os outros, as relações sociais e a História. Os novos
domínios cognitivos do aluno podem interferir, de certo modo, nas suas
relações pessoais e sociais e nos seus compromissos e afetividades com as
classes, os grupos sociais, as culturas, os valores e as gerações do passado
e do futuro”. (PCN, 1998, p.35)
Aprendendo
Trabalhar com o cinema na sala de aula fortalece a construção dessa História:
consciência, permitindo, através da operação crítica do manuseio da fonte, MÍDIAS
uma explicação humana de si mesmo e também do mundo, respeitando os Página | 133
diferentes tempos que uma sociedade possui, para constituir a orientação
temporal articulada com o passado, presente nas categorias históricas.

Analisando o filme: Bye Bye Brasil e a contrariedade do moderno.


Abordamos incialmente a importância do uso de fontes em sala de aula,
assim como a importância do método crítico nessa análise, que neste caso
refere-se ao cinema. Como forma dessa análise, pensamos em demonstrar
a aplicabilidade do cinema na história a partir de um filme nacional de 1979,
chamado Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues.

Tomaremos por base a ficha técnica do filme, o contexto em que foi


produzido e uma discussão sobre os principais pontos da trama, o que nos
levarão a compreender a contradição do moderno na sociedade brasileira,
revelando, além de tudo, quais seriam as intencionalidades do filme. Bye
Bye Brasil é um drama nacional aclamado. Com roteiro de Cacá Diegues e
Leopoldo Serran, tornou-se aclamado pela crítica, elencando a lista de 100
melhores filmes nacionais pela Abraccine, em 2015.

O filme conta a história de Salomé (Betty Faria), Lorde Cigano (José Wilker)
e Andorinha, que comandam a caravana rolidei ao redor do país, levando
entretenimento às camadas mais humildes (principalmente o sertão), o que
gerou a trama inicial, ao encontrar o sanfoneiro Ciço (Fábio Junior) e sua
esposa Dasdô (Zaira Zambelli), que seguem a caravana e acabam se
ajeitando na cidade de Brasília.

O contexto em que foi produzido o filme é do período do Regime Militar


(1964-1985), englobando características da incorporação do “moderno” na
sociedade; O país vivia sua “abertura política”, processo de desestabilização
do Regime Militar, iniciado em 1974, durante o governo do general Ernesto
Geisel e que terminaria em 1985, no governo do presidente João Batista
Figueiredo. Assim, com o restabelecimento do pluripartidarismo em 1979,
com a campanha das Diretas Já (movimento que teve início em 1983), mas
que foi mais forte em 1984, no qual o povo foi para as ruas das grandes
capitais, exigindo mudança e participação eleitoral.

Nesse sentido, o filme retrata o cotidiano de um grupo que viaja pelo


interior do país chamando-se de Caravana Rolidei, e vai desenhando a
passagem de um Brasil “arcaico”, para um Brasil dito “moderno”, mas cheio
de contradições. A trama se inicia com a chegada deles a uma cidade no
nordeste, para uma apresentação, e conhecem Ciço, um sanfoneiro que vê
na caravana uma possibilidade de “conhecer o mar” e sair do sertão.
Quando o grupo chega até Maceió, a realidade é completamente distinta da
que estão acostumados, com um cenário muito mais moderno, com o
trânsito intensificado e cheio de antenas de televisão. Com esse impacto de
outra realidade, tentam sair daquela cidade e voltar para a tranquilidade do
sertão, onde suas formas artísticas são amplamente valorizadas, pois a
Aprendendo caravana rolidei era considerada moderna somente nas camadas mais
História: humildes do Brasil.
MÍDIAS
Página | 134 A princípio, o filme esboça essa característica, quando nos discursos de
lorde cigano a população do sertão, diz que o desejo daquele povo é o
progresso, e faz “nevar” na tenda, aliando este ato aos países
industrializados e “civilizados”, trazendo uma imagem de que o sertão,
naquele momento estaria moderno.

É muito interessante que o “moderno” entra em conflito com o “arcaico”, no


momento em que a caravana chega a uma cidadezinha do interior e não
conseguem um grande público, já que seu histórico lá era de grandes
apresentações; não obstante, não encontram ninguém, pelo fato de
políticas “modernizadoras” do prefeito com a instalação de televisões
públicas na praça, que se tornava um chamariz ao povo.

A modernidade, e aqui pontuando as acepções de Martins (2002), é algo


próprio da Europa, pensada pelo sistema capitalista e depois refletida na
América Latina de forma atípica.

“A modernidade enquanto moda e momento é também a permanência do


transitório e da incerteza, a angústia cotidiana da incerteza em face do
progresso linear e supostamente infinito: a vida finita posta em face da
realidade social, do futuro, supostamente sem fim. A modernidade não está
apenas nem principalmente na coleção dos signos do moderno que
atravessam a vida de todos nós. Modernidade é a realidade social e cultural
produzida pela consciência da transitoriedade do novo e do atual.”
(MARTINS, 2002, p.19)

Essa contrariedade do moderno brasileiro aparece no filme em diversos


momentos, e para caracterizar algumas dessas passagens podemos citar
quando Lorde cigano encontra um caminhoneiro e este o diz a respeito da
floresta amazônica, sobre sua riqueza de minério e “pedras preciosas”, bem
como ter se tornado um “lugar de branco”.

Um aspecto interessante é a proporção do estrangeiro nesses espaços. Esse


ar moderno também se faz na utilização da língua estrangeira, pois certo
tempo depois retorna a caravana, tiram o “i” de rolidei e acrescentam “y”,
como se refletisse um caráter mais moderno, apesar de possuírem nova
roupagem, integrantes e veículo, o que demonstra o caráter da indústria
cultural baseada também em um americanismo:

“Por toda a parte, na zona rural ou na periferia pobre das grandes cidades,
é possível ver frases e palavras em inglês que aí chegam com a globalização
como signos da modernidade: chega à palavra, mas não chega a língua
nem chega o significado”. (MARTINS, 2002, p. 40)

Essa modernidade é estruturada sem consciência de sua transitoriedade,


como pontua Martins (2002), com referenciais do tradicionalismo, mas sem
se resumir a um conservadorismo. No filme, quando saem de Altamira e Aprendendo
chegam à Brasília, Ciço e Dasdô recebem instruções de uma assistente História:
social, que exalta as políticas públicas da cidade, bem como a modernização MÍDIAS
e que lá era a “cidade do futuro”, com seu crescimento e oportunidades. Página | 135
Porém, os dois são despejados na periferia, em uma casa de madeira.

“A anomalia está no fato de que se trata de uma modernidade sem crítica –


sem consciência da sua transitoriedade, de que tudo é moda e passageiro. É
modernidade, mas sua constituição e difusão se enreda em referências do
tradicionalismo sem se tornar conservadorismo. Porque também desse lado
estamos em face do inconcluso, do insuficiente, do postiço”. (2002, p.53)

Pensando o caso brasileiro, vemos esse moderno, construído no inautêntico,


sem crítica e consciência de sua transitoriedade, que vão se perpetuando na
vida cotidiana em diversas formas, pautado nas intenções da aparência, ou
seja, no parecer moderno e que se torna permanente na forma que são
incorporados pelo popular, na medida em que precisam encontrar caminhos
para a superação dessas contradições, pois o moderno cria um discurso
transformador, mas não da conta de realizar.

Nesta breve análise, seria mais a compreensão de uma perspectiva central


no filme (abertura política/contrariedade do moderno), o que não exclui um
trabalho mais crítico sobre a edição, posicionamento da câmera, alegoria,
plano e sequência, entre outros, que podem ser questionados na
apresentação do filme na sala de aula. O que deve ser o eixo central é que
Bye Bye Brasil perpassa questões políticas e ideológicas que são refletidas
no desejo de uma abertura política, que revela a afetividade do próprio
roteiro e da trilha sonora com o momento em que foi filmado.

O uso desse filme em sala de aula pode demonstrar a constituição da


sociedade brasileira e seu pensamento modernizador ainda no final da
década de 1970. Além de permitir analisar como o cinema faz parte de sua
realidade social, ao mostrar a construção da transamazônica, e dos
discursos em favor de sua exploração. Refletir, no mais, sobre a exploração
do trabalhador, e dos indígenas desses locais, o que remonta uma discussão
histórica mais profunda.

Considerações finais
Este escrito teve por objetivo abarcar a amplitude do ensino de história, e a
forma de criar aprendizagens significativas que dão sustância aos métodos
históricos e propõe pensar, até mesmo dentro do currículo e no resgate de
uma didática da história (que por muito esteve separada da disciplina
história), mecanismos de humanização do ensino.
O professor precisa ser pesquisador, e criar experiência na prática docente,
pensando essa consciência histórica na cultura escolar, de análise das
forças políticas que se escondem atrás do currículo, quebrando memórias
cristalizadas e construindo novos valores na aprendizagem. É possível que
a aprendizagem seja feita de forma característica, fazendo “do saber
Aprendendo histórico tanto fundamento do conhecimento do passado, como da projeção
História: do futuro e, além disso, empenhar-se para impedir que o consumo diuturno
MÍDIAS do esquecimento e da perda da identidade se constitua no signo maior da
Página | 136 modernidade”. (NEVES, 2000, p.115), e que parta do diálogo com o aluno e
se vá constituindo nos saberes docentes, na prática do cotidiano escolar, na
medida em que a escola possa ser um ambiente de desmistificar
preconceitos e promover a humanização para que a partir disso possa
romper com barreiras sociais, impostas historicamente.
Referências
Daniel Fagundes de Carvalho Machado é graduado em História pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus de Três Lagoas, e
mestrando em História e cultura política pelo PPGH da Universidade
Estadual Paulista – Campus de Franca.

BRASIL, PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Ensino Fundamental 3º e 4º


Ciclos – História. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CASTRO, Hebe. História Social. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS,


Ronaldo (orgs). Domínios da História: Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio
de Janeiro: Elsevier, 1997.

FERRO, Marc. Cinema e História. Paz e Terra, 2012.

MARTINS, José de Souza. A sociabilidade do homem simples. São Paulo,


2000.

NAPOLITANO, Marcos. A história depois do papel. IN: PINSKY, Carla


Bassanezi (Org.) Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2006.

NEVES, Lucília de Almeida. Memória, história e sujeito: substratos da


identidade. 2000.
Disponível em:
http://revista.historiaoral.org.br/index.php?journal=rho&page=article&op=v
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SALIBA, Elias Thomé. As imagens canônicas e a História. IN: CAPELATO,


Maria Helena (Org.). História e cinema. São Paulo: Alameda, 2007.
HISTÓRIA E NOVAS TECNOLOGIAS: UTILIZAÇÃO DE APLICATIVOS
DIGITAIS NAS AULAS DE HISTÓRIA
David Silva Dias
Delcineide Maria Ferreira Segadilha
Aprendendo
História:
Este artigo tem como objetivo analisar a aplicabilidade do app Detetive da MÍDIAS
História em uma sala de aula de um Instituto Federal de Educação. Página | 137
Metodologia utilizada tem viés na pesquisa-ação, qualitativa de tipo
bibliográfica e empírica. Apoiamo-nos especialmente em estudiosos como:
Sena (2017), Jucá (2006).

Um dos grandes desafios do século XXI para a educação está em unir novas
tecnologias e conhecimento em sala de aula, principalmente por docentes e
instituições educacionais que ainda resistem à possibilidade de uso das TICs
na realização ensino/aprendizado. Contudo, o uso do smartphone em
grande escala chegou à escola gerando diversas discussões. Com
dificuldades em lidar com essa situação, alguns governantes preferiram
proibir a utilização de telefones celulares em sala de aula. Municípios como
São Luís do Maranhão, pela Lei nº 4.958, de 17 de junho de 2008 proibiu a
utilização de telefone celular e outros equipamentos eletrônicos que causem
ruídos na sala de aula. Nesse sentido, observamos que talvez a falta de
instruções e formações adequadas possa estar afastando um aliado
importante do cenário educacional.

Nesse sentido, organizamos pesquisa que buscou perceber a potencialidade


do referido aplicativo em relação à transposição e construção do
conhecimento histórico em sala de aula, partindo do seguinte
questionamento: quais as possibilidades de reunirmos tecnologia e história
na sala de aula?

Tics e educação
Ambientes educativos que contam com a interação docente e discente
terminam a cada momento por se transformar, e, os recursos didáticos
representam relevante ponte entre os/as estudantes e o conhecimento.
Nesse sentido, podemos citar recursos mais antigos, tais como: o quadro e
o giz, retroprojetor, flanelógrafo, álbum seriado, ou os mais novos como
dvd, computador e a internet. À medida que o mundo muda, transformam-
se também as práticas educacionais, razão pela qual, os últimos recursos
citados têm se apresentado como alternativas de melhoramento da didática
de docentes. Nessa perspectiva, Peña enfatiza:

“Desafio que se impõe hoje aos professores é reconhecer que os novos


meios de comunicação e linguagens presentes na sociedade devem fazer
parte da sala de aula, não como dispositivos tecnológicos que imprimem
certa modernização ao ensino, mas de conhecer a potencialidade e a
contribuição que as TICs podem trazer ao ensino como recurso e apoio
pedagógico às aulas presenciais e ambientes de aprendizagem no ensino a
distância.” (S/d, p. 10).
O exposto nos sugere que o trabalho com as TICs deve existir como uma
ferramenta para auxiliar o professor em sala de aula e não ser tratado como
espécie de “moda” educacional, todavia um recurso para aprimorar a
produção do conhecimento no ambiente escolar. As novas tecnologias não
Aprendendo substituem o/a professor/a em sala de aula, são, a partir deste/a
História: mediador/a da aquisição do conhecimento, ferramentas que contribuem
MÍDIAS para o acompanhamento da dinâmica da realidade presente.
Página | 138
O próprio governo tem disponibilizado plataformas como: Programa
Nacional de Tecnologia Educacional (PROINFO) e a TV ESCOLA. Tais
programas são recursos de formação continuada que objetivam estreitar os
laços entre o conhecimento a ser trabalhado pelo professor e as novas
tecnologias.

Aplicativos educacionais
Os aplicativos móveis começaram a ganhar maior notoriedade e
popularidade a partir do desenvolvimento dos smartphones, principalmente
no ano de 2010, buscando o conforto do usuário de celular móvel,
atendendo à demanda do mercado que a cada dia sugere inovações no
smartphone, especialmente. “Muito mais do que assistentes pessoais ou
agendas eletrônicas, os dispositivos móveis passaram a ser computadores.”
Instrumentos de trabalho de fácil locomoção, esses aparelhos atendem a
“profissionais e pessoas em movimento que necessitam de rapidez,
facilidade e segurança no acesso a informações corporativas e pessoais.
(ROMERO, 2005,p. 24).

Segundo Jucá (2006), os aplicativos educativos se diferenciam dos outros


por serem utilizados de forma adequada ao ensino-aprendizado do aluno.
Reafirma que o computador é um mediador didático que deve obter a
satisfação dos/as alunos/as, contribuindo para a realização significativa do
processo ensino e aprendizagem. Este autor ainda destaca que os
aplicativos educacionais podem estar divididos em dispositivos de: exercício
ou prática, demonstração, monitoramento e jogo.

Segundo Jucá (2006), os aplicativos de exercício, também chamados de


prática, são programas que estabelecem perguntas e respostas por parte do
usuário, além de registrar a pontuação do mesmo, com um grande nível de
interatividade com o/a aluno/a. Demonstração é um app com o objetivo de
mostrar gráficos, mapas e imagens. Tem um baixo nível de interação com
o/a usuário/a. A simulação faz com que o/a aluno/a tenha participação em
alguma situação que no real seria impossível fazer, como misturas químicas
perigosas, ver relevo de outros países, etc. Os aplicativos de
monitoramento foram criados para o/a aluno/a estudar uma temática e
posteriormente ser avaliado. Por fim, o jogo, geralmente propõe uma
missão para ser executada pelo/a usuário/a, acompanhado de recompensa.
É um tipo de aplicativo útil ao desenvolvimento dos reflexos e cognição
dos/as estudantes. Sobre jogos, Sena (2017) adverte:
“Os jogos educativos já são, há algum tempo, utilizados na prática de
aprendizagem baseada em jogos digitais. Porém, essa popularização não
garante a qualidade dos artefatos oferecidos aos estudantes, pois, por
inúmeras razões, muitos desses artefatos ainda encontram-se aquém da
qualidade dos jogos de entretenimento com os quais os estudantes estão
habituados a interagir.” (SENA, 2017, p. 27). Aprendendo
História:
Assim, os jogos educativos podem ser de relevante utilidade para MÍDIAS
professores/as em sala de aula, contudo, ainda carecem de maior Página | 139
aperfeiçoamento. Para Sena (2017), muitos/as alunos/as não se identificam
com esses jogos, às vezes por não gostar do gráfico ou não se identificar
com a história. No entanto, tal condição não inviabiliza probabilidades de
sucesso com tais atividades, visto que, em uma perspectiva educacional o
jogo assume dimensões formativas, a incluir a construção de noções de
ética, partilha, envolvimentos capazes de promover descobertas pessoais
que se sobrepõem a layout, ou qualquer elemento técnico de cunho atrativo
dos formatos dos aplicativos mais atuais.

Passaremos à análise do aplicativo escolhido para este artigo.

Detetives da História
O aplicativo analisado, Detetives da História, é um aplicativo criado por
Anderson Felippe, em 2015, quando o Ministério das Comunicações criou o
prêmio INOVApps, para os melhores aplicativos. Detetives da História foi
um dos vencedores dessa premiação. É um jogo que pode ser acessado off
line, o que representa uma vantagem no seu acesso, além de ocupar pouca
memória do celular, disponibilizado para sistema andróid. No jogo o/a
usuário/a se torna um/a detetive a investigar um crime que ocorreu no ano
de 2015, por exemplo. Assim, este viaja no tempo para encontrar e prender
o/a criminoso/a. A investigação acontece a partir do recebimento, pelo
detetive, de dicas de personagens da época. O jogo sai da jogabilidade de
perguntas e respostas, para a montagem de uma história a partir de relatos
de personagens de diferentes tempos históricos que irão aparecendo no
jogo.

O jogador inicia o desafio escolhendo o nome do seu avatar, logo depois é


apresentado a um chefe de polícia que lhe apresentará a sua missão no
jogo: recuperar uma peça que foi roubada de um museu contemporâneo,
onde o ladrão consegue viajar no tempo. O jogo envolve uma trama
histórica, na qual o/a jogador/a estará diante de diferentes cenários
históricos, ampliando e instigando a curiosidade do/a aluno/a por meio da
imposição de que o crime seja elucidado. O primeiro cenário remete ao
século XXI, e como detetive a pessoa começa a andar em três habitações
para buscar informações através de três personagens que darão pistas ao/à
detetive sempre girando em torno de fatos históricos. Esse processo vai se
repetir ao longo do jogo, a paisagem muda de acordo com o tempo histórico
para o qual o vilão fugir.

A postura lúdica proporcionada pelo jogo no aprendizado de História, por


exemplo, diminui a distância no que se relaciona à linguagem entre
professor/a e aluno/a. “Os saberes, gostos, a cultura e princípios
transmitidos e compartilhados por crianças e adolescentes eventualmente
se revelam estranhos ou conflitantes com aquelas dos educadores/as”.
Assim, mediados pelo jogo educador/a e estudante organizam regras,
estabelecem acordos, elementos que podem difundir “outras” formas de
Aprendendo aprender a aprender.
História:
MÍDIAS Logo após receber informações sobre o próximo lugar para o qual o ladrão
Página | 140 fugiu, assim como as características do mesmo, o usuário precisa escolher
três datas para viajar. Caso viaje para a data errada os personagens não
lhe passarão nenhuma informação, precisando voltar ao ano em que estava
e escolher um novo ano para o qual supostamente o vilão teria viajado.

A vitória acontece quando o/a jogador/detetive ao longo do jogo junta


pistas, que são informações históricas reveladas pelos personagens do jogo
sobre o antagonista, conseguindo prender o vilão. Há duas formas de
perder o jogo: ficar perdido no tempo, quando o detetive escolhe uma data
errada; quando o investigador realmente não consegue, por falta de
conhecimento histórico, analisar as pistas e prender o vilão no tempo
estipulado para a sua viagem.

O grande desafio para o uso desse jogo pelo professor/a é a sua


aplicabilidade em sala de aula, pois cada situação remete a um tempo
histórico que o/a usuário/a não tem controle, visto que o vilão pode fugir
para qualquer época da história do Brasil. Tal circunstância requer do/a o
aluno/a considerável conhecimento dos eventos históricos do Brasil. Assim,
dado que o/a professor/a não tem controle sobre os eventos históricos que
serão abordados durante o desafio, o mesmo precisará usar de elevada
desenvoltura para associar os assuntos mencionados no jogo às temáticas
pertinentes ao seu planejamento de trabalho. Nesse sentido, este app
coloca tanto professores/as quanto alunos/as diante do desafio de testagem
de seus próprios conhecimentos, assim como, os incentiva à pesquisa, na
medida em que, o/a investigador/a poderá fazer buscas de dados históricos
que respondam às informações que lhe forem passadas.

Segundo a classificação de Jucá (2006), Detetives da História é um app que


mistura simulação, jogo. Algumas das críticas a tal aplicativo tem recaído
sobre o fato de o mesmo tratar somente de História do Brasil; e da
dificuldade de monitoramento pelo/a professor/a em caso das dúvidas
dos/as aluno/as. No entanto, essas são questões que podem ser
trabalhadas pelos/as docentes e até discutidas em sala de aula com
alunos/as do Ensino Médio e anos finais do Ensino Fundamental, visto ser
um jogo indicado mais para alunos desses anos de estudo.

Aplicação de questionário diagnóstico em uma turma de design de


móveis
Para verificarmos a aplicabilidade dos aplicativos educacionais do campo da
História, em sala de aula, realizamos a aplicação do software Detetives da
História em uma turma de segundo ano do Curso de Design de Móveis, na
disciplina História, em um Instituto Federal de Educação. Pretendíamos que
a experiência acontecesse em sala de aula com a nossa presença e do
professor. Porém, em função de carga horária em atraso, o professor optou
por uma atividade extraclasse.

No processo de implementação da pesquisa, inicialmente realizamos contato


com o professor da disciplina História da referida turma, pois coadunamos Aprendendo
com Tardif (2014), sobre ser o professor o principal pilar na promoção de História:
qualquer mudança na sala de aula. MÍDIAS
Página | 141
Fizemos um planejamento para a aplicação do dispositivo. Elaboramos um
questionário fechado, com seis perguntas para o processamento dos dados
obtidos a partir da realização da pesquisa. De acordo com Gil (2008) estas
informações servirão para um diagnóstico sobre a interação dos alunos com
os aplicativos para celular. As respostas obtidas com base no questionário
aplicado nos/as 23 estudantes foram reunidas por afinidades para análise.
Para as três primeiras perguntas obtivemos as seguintes respostas: 1 Você
sabe o que é um aplicativo? Cem por cento do/as respondentes
responderam sim. 2 Utiliza aplicativos em seu dia a dia? Somente 8,7%
responderam não, 2 discentes dos 23 entrevistados/as. 3 Você já utilizou
aplicativos para alguma pesquisa na escola? Apenas 8,7% responderam
não.

A maioria das respostas afirmativas às perguntas 01, 02 e 03 nos remetem


ao indicativo de ampla familiaridade de nossos/as jovens com as novas
tecnologias. Constatação que deve permitir aos/às docentes densa reflexão
sobre como estão aproveitando essa proximidade dos/as alunos/as com a
informática. Observamos que as respostas positivas foram praticamente
unânimes em relação ao uso de apps no cotidiano dos/as estudantes, o que
caracteriza o convívio da escola com uma geração mais jovem, denominada
“geração Z”, segundo Idalécio e Ribeiro (2016), em função do uso profuso
de novas tecnologias.

Prosseguindo, tivemos a pergunta 4: Você acha que podemos estudar e


fazer pesquisas sobre a disciplina História por meio de aplicativos? Cem por
cento dos/as respondentes responderam sim. Verificamos com esse
percentual informação interessante, os alunos percebem a possibilidade de
aprender História e outros assuntos através de um aplicativo educacional.
Esse dado aponta para relevante abertura dos/as discentes ao uso de novos
recursos educacionais na construção do conhecimento.

Na pergunta 5, indagamos: Você utiliza aplicativos para jogar? Do total,


30,43% responderam não. Aliada à resposta da pergunta 4, percebemos
que a turma de Design de Móveis demonstra interação com os aplicativos
de jogos, um indício de receptividade favorável ao uso de aplicativos nas
aulas de História. Tal diagnóstico foi positivo a possibilidade de utilizarmos
na sala de aula e em atividades extraclasse o app Detetives da História.

Contudo, será pertinente demarcar que apesar da ampla familiaridade


dos/as discentes com as TICs, nem todos demonstrarão a mesma atração
pelos jogos. Em matéria de Almeida (2018), para o Canal Futura, esta
enfatizou que a gamificação na sala de aula não pode ser vista como um via
de mão única a ser trabalhada, pois assim como alguns/mas alunos/as
gostam da sensação do jogo, outros podem não ter tanto interesse. Nesse
sentido, o aplicativo educacional apresentado nesse artigo pode não ter
tanto impacto sobre outras turmas como poderíamos imaginar, mas o que
Aprendendo procuramos apontar são as possibilidades de novos recursos como apoio às
História: práticas pedagógicas. Avançando, a pergunta 6 questionou: Você encontra
MÍDIAS alguma relação da disciplina História com vídeogames? Dos/ respondestes,
Página | 142 43,47% rsponderam não. Observamos na resposta expressa que menos de
50% dos/as alunos/as conseguem ver os aplicativos como mecanismos para
o aprendizado para os estudos históricos na sala de aula. Esse dado nos
remete à ideia da separação entre o prazer e o estudar, e a refletir sobre a
proximidade/afastamento das aulas de História da realidade dos/as
alunos/as. Para Meinerz:

“No caso específico de jogar na sala de aula defendemos o tipo de interação


dialógica, tanto do ponto de vista discursivo quanto do ponto de vista social.
O professor é convidado a desenvolver a habilidade de construir jogos em
que as práticas de diálogo e afeto são fundamentais. Nesse processo o
professor faz escolhas, adapta, cria e recorta tanto formas de jogar, como
conteúdos para o jogo, convencido da ideia de que pesquisa e docência
podem alimentar-se mutuamente.” (p. 76,2017).

O uso de jogos democratiza ainda a rotina de estudo, visto que, assim como
o/a aluno/a utiliza o game em qualquer lugar para se distrair/divertir, pode
utilizar os jogos educacionais para o estudo ou resolução de atividades
escolares em lugares e momentos diversos. Segundo Jucá (2006), “a
utilização dos computadores como recurso didático é um caminho
irreversível, tendo em vista a crescente versatilidade dos softwares
educativos”. (JUCÁ, 2006).

Realizadas as duas primeiras etapas, em continuidade à nossa pesquisa, o


professor da turma realizou a explanação sobre o funcionamento do app
Detetives da História. Posteriormente, pediu como atividade extraclasse,
que os/as alunos/as depois de terem baixado em seus celulares o aplicativo
Detetives da História, iniciassem a experiência do jogo, e que ao final
elaborassem um relatório descrevendo tal experiência onde destacassem
aspectos positivos e negativos sobre a utilização do aplicativo.

Resultados da aplicação do aplicativo Detetives da História em uma


turma de Design de Móveis
Após o professor pedir em sala de aula para os/as discentes fazerem um
relatório da experiência com o jogo Detetives da História, descrevendo os
pontos negativos e positivos, o resultado obtido foi o seguinte: Aspectos
positivos - desenvolve a curiosidade dos alunos, não precisa de Wi fi, ajuda
a fixar os conteúdos, auxilia no aprendizado, ótimo cenário histórico, não
consome espaço do celular, amplia conhecimentos da história do Brasil,
incentiva à pesquisa. Aspectos negativos: monótono e cansativo, sem
interatividade com layton do jogo, possibilidade de escolher um avatar para
o jogo (feminino e masculino), falta de controle para escolher os momentos
históricos para fazer as aventuras. Os relatórios dos/as alunos/as sobre o
uso do app denotam, na nossa percepção, uma avaliação positiva. Todavia,
evidenciam ainda a elevada capacidade de análise e síntese dos/as
mesmos/as, visto que, bem identificaram pontos negativos em que o
aplicativo deva ser melhorado. Ressaltamos que o aplicativo foi utilizado
pelos/as alunos/as fora da sala de aula, logo, deixando de ser um recurso Aprendendo
didático para se constituir uma atividade extraclasse. (SOUZA, 2007). O História:
que se constitui um dado relevante, ao passo em que aplicado em sala de MÍDIAS
aula, os resultados poderiam ser diferentes. Página | 143
Considerações finais
A experiência com o app Detetives da História permitiu a constatação de
que a entrada das Tics em sala de aula, especificamente os aplicativos para
telefonia móvel, representa uma revolução não somente para a sociedade
no que se relaciona somente à rapidez e ao conforto. Mas à possibilidade da
interação professor/a e aluno/ e o conhecimento intelectual. Favorecendo o
desenvolvimento de uma cultura que poderá tornar aliados entretenimento
e estudo, assim como, colocando para os/as docentes perspectivas mais
ampliadas. Oportunizando o diálogo e a troca de conhecimentos em sala de
aula, possivelmente (des) construindo noções de um/a professor/a
detentor/a de um conhecimento estático, e, contribuindo para a própria
redução desse peso que tem sido para os/as docentes essa ideia de ser
infalível. A pesquisa revelou que apps, a exemplo do Detetives da História,
podem contribuir significativamente com as aulas de História,
proporcionando interação, autonomia e re/significação da relação novas
tecnologias, estudo e entretenimento pelo/as discentes.

Contudo, ressaltamos que esses aplicativos apresentam limitações sobre as


quais o professor deverá produzir adaptações. Interessante frisar que um
bom aplicativo só funcionará a contento a partir de diagnósticos da sala,
assim como de um planejamento bem organizado, unindo conhecimento e
tecnologia; além do que não substituem a ação/saber docente, mediador/a
efetivo da relação ensino/aprendizagem.

Referências
DIAS, David Silva. Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Gestão do
Ensino da Educação Básica/PPGEEB da Universidade Federal do
Maranhão/UFMA; Graduado em História Licenciatura Plena pela UFMA;
Membro do Grupo de Pesquisa e Estudos Fundamentos e Metodologias do
Ensino de História na Educação Básica/GRUPEHEB.
SEGADILHA, Delcineide Maria Ferreira. Doutora em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte/UFRN; Graduada em História
Licenciatura Plena pela UFMA; Professora adjunto I do Departamento de
Educação I e Programa de Pós-Graduação em Gestão do Ensino da
Educação Básica/PPGEEB da Universidade Federal do Maranhão/UFMA;
Coordenadora do Grupo de Pesquisa e Estudos Fundamentos e Metodologias
do Ensino de História na Educação Básica/GRUPEHEB.
ALMEIDA. TAMÍRIS. CALEIDOSCÓPIO. 2018 DISPONÍVEL
HTTP://FUTURA.ORG.BR/CALEIDOSCOPIO/GAMES-EM-SALA-DE-AULA/ SO 27/03/2018.

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Aprendendo 2008.
História:
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Ciência e Tecnologia, Votuporanga, v. 2, n. 2, p. 137-148, ago. 2016.
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JUCÁ, Sandro César Silveira. A relevância dos softwares educativos na


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história [recurso eletrônico]. Porto Alegre:UFRGS, 2018.

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VIRTUAL: o desafio à práticas docentes. In: I Fórum de Educadores -
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Conclusão de curso]. UFPE, 2005.

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https:leimucipias.com.br. Acessado 10/04/2018.

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Sena-1.pdf. Acesso 14/07/2018.

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Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá - UEM: “Infância e Práticas
Educativas”. Arq Mudi. 2007. Disponível em:

TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional.16. ed


Petrópolis, RJ: Vozes,2014.
CINEMA BRASILEIRO E ENSINO DE HISTÓRIA NO COLÉGIO DE
APLICAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
(UFSC)
Diogo Matheus De Souza
Aprendendo
História:
O presente trabalho tem como objetivo investigar as práticas concernentes MÍDIAS
à utilização de filmes brasileiros nas aulas de História do Colégio de Página | 145
Aplicação da UFSC. Utiliza-se como justificativa a Lei 13.006, que determina
a exibição de duas horas mensais de filmes de produção nacional em todas
as escolas de educação básica do país (BRASIL, 2014). As fontes de
investigação para o trabalho são as transcrições de entrevistas realizadas
com cinco professores/as de História do referido colégio entre os meses de
maio e julho de 2017.

Os/as cinco professores/as entrevistados/as foram Camilo, Fernando,


Gláucia, Karen e Manoel. Todos/as possuem formação na área de História,
incluindo pós-graduação (em alguns casos na área de educação). As
professoras Karen e Gláucia, inclusive, dedicam-se a pesquisar a relação
entre cinema e educação em suas trajetórias acadêmicas.

O Colégio de Aplicação da UFSC está localizado no Campus Universitário


João David Ferreira Lima, Bairro Trindade, Município de Florianópolis/SC.
Existe desde o ano 1961, e abrange os anos do Ensino Fundamental e do
Ensino Médio. A forma de ingresso no colégio é via sorteio público
(COLÉGIO DE APLICAÇÃO UFSC, 2017).

De acordo com o Professor Manoel, entrevistado durante o processo de


pesquisa, a seleção via sorteio dá origem a turmas bastante diversas no
que diz respeito ao perfil cultural e socioeconômico dos estudantes:

“A gente tem aluno muito carente, porque a escola é pública, sorteio


público, e a gente tem aluno que vai para o exterior anualmente. São
sorteadas as vagas, então isso cria um perfil bastante diverso e um perfil de
interesse, de olhar sobre isso, muito diversificado [está se referindo ao
interesse dos estudantes pelo cinema, especialmente o cinema brasileiro]. É
uma escola muito heterogênea. Me parece inclusive que quando chega para
o ensino médio esse perfil vai se diluindo um pouco mais. No fundamental
isso é muito evidente. Pessoas com realidades completamente diferentes
(MANOEL, 2017, p. 04).”

Enquanto escola experimental, o Colégio de Aplicação tem proporcionado o


desenvolvimento de experiências pedagógicas e estágios supervisionados
para os cursos de Licenciatura e Educação, segundo as exigências da Lei nº
9.394 (BRASIL, 1996).

No que diz respeito ao ensino de História dentro do colégio, é importante


destacar que existe uma lógica distinta daquela proposta pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) para a disciplina. Normalmente, os
conteúdos curriculares da disciplina de História nas escolas se iniciam a
partir da chamada Pré-História e Antiguidade no 6º ano e seguem uma linha
cronológica por meio dos livros didáticos, que passa pela Idade Média e
Idade Moderna, Brasil Colônia e Império, até chegar à História
Contemporânea em nível global e ao Brasil República no 9º ano. A partir do
Aprendendo 1º ano do Ensino Médio, se inicia a mesma cronologia até o 3º ano, porém
História: de maneira mais aprofundada de acordo com as competências
MÍDIAS desenvolvidas pelos/as estudantes. No Colégio de Aplicação não existe uma
Página | 146 repetição de conteúdos entre Ensino Fundamental e Ensino Médio. A
organização cronológica do conteúdo se estende entre os dois níveis,
iniciando na Pré-História e na Antiguidade no 6º ano do Ensino
Fundamental, e se encerrando com a História Contemporânea e do Brasil
Republicano no 3º ano do Ensino Médio, em um sistema de continuidade.

Todos/as os/as cinco professores/as se mostraram receptivos ao uso de


audiovisuais em suas aulas. E quando falo em audiovisuais, incluo filmes
nacionais e estrangeiros, documentários, animações, curtas-metragens,
entre outras formas. De uma maneira geral, os/as professores/as
questionaram se eu gostaria que eles me contassem apenas as experiências
com cinema brasileiro, ou se poderiam falar sobre outras. Em determinados
momentos das entrevistas busquei centralizar a questão de audiovisuais
brasileiros, mas deixei em aberto para que pudessem me contar sobre
todas as experiências possíveis.

Como comentado anteriormente, a estrutura de organização dos conteúdos


de História no Aplicação envolve uma continuidade entre o ensino
fundamental e o ensino médio, ao invés de uma repetição dos assuntos.
Isso interfere na temática que desenvolvo na medida em que alguns
professores acabam trabalhando com turmas em que o assunto História do
Brasil não é questão central. Um exemplo é o caso do Professor Manoel ao
trabalhar com as turmas do 7º ano, em que se discute Idade Média. Por
questão de recorte, escolhi selecionar para a análise em sua maioria trechos
onde os/as professores/as me contaram suas experiências com audiovisuais
produzidos no Brasil.

Um dos meus primeiros questionamentos estava em saber se os/as


estudantes do Aplicação costumam se interessar pela cinematografia
brasileira. Minha dúvida era essencialmente entender se durante as aulas
de História com audiovisuais as turmas tinham alguma forma de recepção
diferente entre um filme hollywoodiano ou um filme nacional. De acordo
com o Professor Fernando:

“Assim, quando vamos assistir filme “Eeee, vamos assistir filme!”


[entonação] “Que filme é, professor?” É um filme brasileiro! “Aaaaai não,
filme brasileiro é chato!”. De novo, essa construção social, esse preconceito
que a gente tem com o cinema nacional. Mas isso se encerra, ao longo das
aulas não existe mais essa resistência. Eu não percebo muito. Eu acho
que... Não sei se sou eu que não percebo ou se sou eu que não dou muita
atenção, mas na maioria das vezes eles gostam dessa discussão!”
(FERNANDO, 2017, p. 29).
Já para o Professor Manoel:

“Eu acho que mais do que o nacional e o internacional, que é evidente que
acontece, é a questão do circuito comercial. Porque como professor eu
percebi também uma mudança nos últimos tempos de uma acessibilidade Aprendendo
muito maior e de uma divulgação muito maior do cinema nacional, do ponto História:
de vista comercial” (MANOEL, 2017, p. 05). MÍDIAS
Página | 147
O Professor Camilo complementa essa discussão ao lembrar a preferência
dos/as estudantes por determinadas temáticas:

“Eles gostam muito mais de um tema, por exemplo, como a ditadura


militar. Eles adoram! [...]. Esse assunto pra eles é algo que interessa muito.
Eles ficam muito fissurados. As coisas dos filmes, da luta armada, da
guerrilha, eles acham fantástico! Então isso prende a atenção deles”
(CAMILO, 2017, p. 49).

Como podemos perceber, a preferência por temáticas e a diferenciação


entre o cinema comercial e o cinema de arte acaba sendo mais evidente
entre os/as estudantes do que propriamente entre cinema brasileiro e
internacional. Se existe alguma preferência por superproduções de
Hollywood em detrimento de filmes brasileiros, isso tende a ser algo inicial
apenas. Manoel lembra que devido a estratégias como a transformação de
séries televisionadas em filmes, por exemplo, o alcance dessas produções
se torna maior entre o público. Vale lembrar como no Brasil existe
historicamente um apelo do público muito mais significativo para a TV do
que para as salas de cinema (MARSON, 2006, p. 65). O cinema comercial
envolve orçamentos maiores de produção, ocasionando também uma maior
divulgação nas diversas mídias, além de comumente envolver diretores/as e
atores/atrizes já conhecidos por meio da TV.

Nas aulas do 9º ano, o Professor Fernando costuma utilizar “Caramuru – A


Invenção do Brasil” (2001). Trata-se de um exemplo clássico de série
televisionada que virou filme. Inicialmente produzida pela Rede Globo de
Televisão como uma minissérie de cinco capítulos que foram exibidos no
ano de 2000 no horário das 22 horas da noite, a trama depois se
transformou em filme e foi exibida nos cinemas. De acordo com o site
“Memória Globo”:

“A minissérie foi produzida pela TV Globo como parte dos eventos


comemorativos dos 500 anos do Descobrimento do Brasil. Já trabalhando
juntos há dez anos, os autores [Guel Arraes e Jorge Furtado] tomaram
como base para o roteiro as obras de José de Alencar e Mário de Andrade,
além do poema épico de Santa Rita Durão, “Caramuru”. O título da
minissérie teve como inspiração o prefácio do livro A Fundação do Brasil, de
Darcy Ribeiro. A intenção da emissora de integrar cinema e televisão,
iniciada com “O Auto da Compadecia” (1999), teve continuidade com a
minissérie, que, em 2001, foi exibida nas telas de cinema com o título
“Caramuru - A Invenção do Brasil”” (MEMÓRIA GLOBO, 2017).
Fernando contou sobre a sua experiência pessoal como espectador de
“Caramuru”:

Eu lembro que eu assisti como espectador da Globo [risos] no ano 2000, a


Aprendendo série “Caramuru”, na semana de comemoração dos 500 anos do Brasil. E eu
História: adorei! Só que naquele momento eu já estava terminando o 3º ano do
MÍDIAS ensino médio. Então, embora eu tivesse uma perspectiva de história, aquilo
Página | 148 me incomodava. “Pera aí, será que isso é verdade?”. Então aquilo me
incomodava muito, e depois que eu comecei a trabalhar no 9º ano com
“Caramuru” foi na minha perspectiva dele como artefato cultural
(FERNANDO, 2017, p. 20-21).

É necessário pensar aqui a perspectiva crítica que Fernando sugere em


relação a “Caramuru”. Nesse momento, para além de pensar a educação,
estou pensando especificamente a educação histórica. Sugiro conectarmos
pontos de vista sobre o método educacional mais recente e o método
histórico de se tratar o cinema.

Defende-se que o filme seja menos uma ferramenta pedagógica que uma
obra de arte a ser experimentada pelos/as estudantes durante as aulas.
Existe a crítica à instrumentalização do cinema pela escola e a proposta de
que o mesmo seja utilizado “por meio da apropriação de uma arte”, de
modo que as crianças “lancem novos olhares ao cotidiano” (FRESQUET,
2015, p. 112). O cinema é na verdade capaz de criar, ele mesmo,
“conceitos cujo uso é apreendido na manipulação das realidades
cinematográficas, mas que podem ser estendidas e até mesmo
universalizadas ao ponto de constituir uma verdadeira visão de mundo”
(SIMONDON, 2014, p. 355).

Ampliar a visão de mundo, conhecer diferentes lugares, contextos e


histórias são apenas algumas das inúmeras experiências que as imagens
cinematográficas nos proporcionam. Juntos, cinema e educação auxiliam na
produção de sentidos, na manifestação de sensibilidades. O cinema não se
trata apenas de um aparelho de reprodução da realidade, mas de “um
dispositivo de produção de sentido na relação com a realidade”
(MIGLIORIN; BARROSO, 2016, p. 15). Juntamente com a produção de
sentidos, algo, portanto, intrínseco ao cinema, apreender por meio da
crítica quais são esses sentidos que um audiovisual pretende mobilizar é
onde deve entrar, penso eu, a especificidade da educação cinematográfica
histórica. Segundo Fernando:

“A maneira como eu trabalho o filme em sala de aula está muito ligada à


maneira como eu problematizo a construção da história. Quando eu falo da
construção da história eu estou falando da escrita da história. Eu encaro o
filme como um documento histórico, e é isso que eu levo para a sala de
aula” (FERNANDO, 2017, p. 14).

A escolha de Fernando por trabalhar com “Caramuru” fundamentou-se na


intenção de visualizar esse filme como uma obra datada, que possui um
discurso histórico específico e uma intencionalidade. O filme, do gênero
comédia e ficção histórica, tem como ponto central a história de Diogo
Álvares (Selton Mello), artista português que vem para o Brasil em 1500,
juntamente com a caravela de Vasco de Athayde. Posteriormente
desenvolve um romance com as índias Paraguaçu (Camila Pitanga) e
Moema (Deborah Secco), e dá origem a lenda de que seria o primeiro Rei Aprendendo
do Brasil. História:
MÍDIAS
Como ficção histórica, o filme possui uma visão conciliadora entre índios e Página | 149
portugueses, além de reproduzir determinados estereótipos relacionados à
etnia indígena, sexualizando as mulheres indígenas e associando os
personagens a costumes como a preguiça e a “trambicagem”.

“Só que o que eu não percebi como estudante, mas depois como professor,
é ele como esse produto do ano 2000. Um produto feito por um canal de
televisão. Naquele momento a Globo está muito próxima do próprio
Governo Federal, nesse processo de comemoração” (FERNANDO, 2017, p.
21).

Como lembra Cainelli e Schmidt (2009, p. 111), “para o ensino da História,


o trabalho para desvelar o discurso histórico impõe uma atividade
incessante e sistemática com o documento em sala de aula”. Para Febvre
(1974, p. 21 apud CAINELLI; SCHMIDT, 2009, p. 112), a história pode e
deve ser feita “com tudo o que a engenhosidade do historiador lhe permitir
utilizar”, não apenas fontes escritas. Nesse sentido, os filmes aparecem
também como objeto de investigação para a história, e assim como são
arte, são também documentos históricos. Podem dizer muito mais sobre a
época que foram produzidos do que propriamente sobre a época que estão
representando.

Uma das formas de lidar com o documento histórico em sala de aula é fazer
com que os estudantes formulem questões, instigando para que eles
questionem a sua origem e intencionalidades (CAINELLI, SCHMIDT, 2009,
p. 118). Durante a entrevista, Fernando me apresentou o seu caderno de
preparação das aulas onde havia uma cópia do questionário que distribuía
para os/as estudantes antes de começarem a ver o filme.

“Então quando eu vou trabalhar o filme, sempre tem a questão: “O filme é


um documento histórico?” [professor apresenta as questões propostas aos
estudantes em sua ficha no caderno de planejamento]. Então já aqui na
pergunta eu vou ver se eles vão relacionar essa ideia, se o filme é um
documento histórico porque fala do passado, ou se já aqui eles vão
problematizar se é feito numa época, por um autor, e tu vai ver que isso vai
se repetir em todos os outros filmes, porque se naquele ele não
problematizou, no outro ele vai problematizar, e eu espero que até o final
do ano ele problematize” (FERNANDO, 2017, p. 22).

Quando distribui um questionário para os/as estudantes antes de exibir o


filme, Fernando está fazendo uma escolha, direcionando o olhar da turma
para aspectos específicos que deseja trabalhar em sala. Outra possibilidade
seria esperar que os próprios estudantes levantassem questões durante e
após o filme, e, posteriormente, fossem realizadas perguntas pelo
professor. É compreensível, no entanto, que discussões iniciais do uso do
cinema em sala de aula tenham um direcionamento, especialmente quando
o objetivo é analisar um filme enquanto documento histórico.
Aprendendo
História: É perceptível nos depoimentos dos/as professores/as que entre os/as
MÍDIAS estudantes do ensino médio do Aplicação o olhar crítico para os filmes
Página | 150 enquanto um documento histórico, além de uma obra de arte, já está
bastante desenvolvido, facilitando um trabalho que prioriza a autonomia
desses/as estudantes em suas análises. Manoel comenta sobre essa
realidade em suas aulas no 3º ano do ensino médio, onde discute temas
relacionados ao Brasil Republicano:

“Essa reflexão sobre a produção, sobre quem fez, o que fez, me parece que
já tem uma tranquilidade com os alunos que eu lido, que são os alunos do
3º ano, predominantemente com História do Brasil, onde eu faço uso dos
filmes nacionais. Essa discussão já está muito mais bem construída pelos
meus colegas anteriores. Me parece que para eles já se tem essa
curiosidade de saber quem fez, em que momento que isso foi produzido”
(MANOEL, 2017, p. 04).

Ainda sobre o trabalho do filme como um documento histórico, Karen


afirma:

“Eu creio que essa perspectiva de pensar o filme enquanto um documento é


uma perspectiva que eu acredito que está praticamente presente na
docência dos meus colegas todos aqui. Eu digo praticamente porque eu não
posso ficar afirmando pelos meus colegas. Mas eu tenho a impressão de
que todos nós temos muito essa perspectiva” (KAREN, 2017, p. 57).

Quando documentos históricos são utilizados em sala de aula, é importante


que haja a confrontação entre diferentes tipos de documentos, para que
os/as estudantes possam construir relações de semelhanças e diferenças,
combinar informações, estabelecer ideias e conceitos (CAINELLI; SCHMIDT,
2009, p. 126). Fernando, por exemplo, ao trabalhar com “Caramuru”,
utilizou outro filme para confrontá-lo enquanto documento histórico. Trata-
se de “Uma História de Amor e Fúria” (2013), uma animação dirigida por
Luiz Bolognesi. De acordo com a sinopse oficial:

“Uma História de Amor e Fúria é um filme de animação que retrata o amor


entre um herói imortal e Janaína, a mulher por quem é apaixonado há 600
anos. Como pano de fundo do romance, o longa de Luiz Bolognesi ressalta
quatro fases da história do Brasil: a colonização, a escravidão, o Regime
Militar e o futuro, em 2096, quando haverá guerra pela água. Destinado ao
público jovem e adulto com linguagem de HQ, o filme traz Selton Mello e
Camila Pitanga dublando os protagonistas” (UMA HISTÓRIA DE AMOR E
FÚRIA, 2013).
No caso do longa-metragem de Luiz Bolognesi, Fernando opta por utilizar
apenas os 20 minutos iniciais, porque aborda o mesmo contexto de
Caramuru, a chegada dos portugueses ao Brasil, porém com uma narrativa
diferente em relação aos povos indígenas.

“As índias e os índios que, sei lá, são preguiçosos [no caso de Caramuru], Aprendendo
aqui tem toda a relação de uma construção de um guerreiro [em Uma História:
História de Amor e Fúria], de um sujeito valente, que quer defender o seu MÍDIAS
espaço, o seu território, e ao mesmo tempo tem a relação dos europeus, Página | 151
que lá são legais, eles trazem a civilização, aqui mostra como um
sanguinário, que chega matando todo mundo” (FERNANDO, 2017, p. 25).

A intenção de Fernando é discutir com a turma como um determinado fato


histórico pode ser abordado de diferentes maneiras nas narrativas fílmicas,
dependendo do seu/sua diretor/a, produtora, público-alvo, meio de
divulgação e exibição.

Embora a maioria dos/as professores/as trabalhem com o modelo de longa-


metragem nas aulas do Aplicação, há quem prefira curtas-metragens. É o
caso da Professora Gláucia, que aponta para as dificuldades de trabalhar
com o longa-metragem em sala por conta do curto período das aulas, de 45
minutos.

“Eu acho que para trabalhar um filme bem trabalhado, assim, tem que ser
curta. Tu tens que passar o filme, tem que ter o momento da fruição, pra
eles se apropriarem da narrativa, pra entenderem o que tá acontecendo, e
depois passar o filme de novo. Tem que parar o filme, discutir a cena,
discutir que concepção de história está ali. É um trabalho muito longo”
(GLÁUCIA, 2017, p. 37).

Os relatos dos/as professores/as nos mostram como o cinema brasileiro


está longe de ter um lugar periférico nas aulas de História no Aplicação. Se
a bibliografia pouco discute isso, a prática pedagógica desses/as
professores/as vai à contramão. Importante também desconstruir o pré-
julgamento de que entre os/es estudantes exista uma resistência aos filmes
brasileiros em privilégio do cinema hollywoodiano. Claro, seria interessante
uma pesquisa também entre eles/as, uma possibilidade que ficará em
aberto para trabalhos futuros.

Referências
Diogo Matheus De Souza é graduado em História pela Universidade Federal
de Santa Catarina e mestrando do Programa de Pós-Graduação em
Educação da mesma universidade. O presente trabalho foi realizado com
apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior -
Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

BRASIL. Lei 13.006, de 26 de junho de 2014. Acrescenta § 8o ao art. 26 da


Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e
bases da educação nacional, para obrigar a exibição de filmes de produção
nacional nas escolas de educação básica.
CARAMURU – A Invenção do Brasil. Direção: Guel Arraes. Brasil: Globo
Filmes. 2001, (85 min). Son., Colorido.

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http://www.ca.ufsc.br/historico-do-ca/, 2017.
Aprendendo
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MÍDIAS perspectivas e propostas. Ouro Preto: Universo, 2015.
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MARSON, Melina Izar. O Cinema da Retomada: Estado e cinema no Brasil
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f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Campinas,
Campinas/SP, 2006.

MEMÓRIA GLOBO. A Invenção do Brasil in


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MIGLIORIN, Cezar; BARROSO, Elianne Ivo. Pedagogias do cinema:


montagem. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, [s.l.], v. 44, n. 46.
2016. Disponível em: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2316-

SCHMIDT, M. A.; CAINELLI, M. Ensinar História: Pensamento e ação em


sala de aula. São Paulo: Scipione, 2009.

SIMONDON, G. Réflexions préalables à une refonte de l’enseignement.


Paris: PUF, 2014.

UMA HISTÓRIA de amor e fúria. Direção: Luiz Bolognesi. Brasil: Buriti


Filmes. 2013, (75 min). Son., colorido.

Entrevistas
CAMILO. Entrevista Concedida a Diogo Matheus de Souza. Florianópolis/SC..
Transcrição por Diogo Matheus de Souza. Laboratório de História
Oral/UFSC, 2017.

FERNANDO. Entrevista Concedida a Diogo Matheus de Souza.


Florianópolis/SC. Transcrição por Diogo Matheus de Souza. Laboratório de
História Oral/UFSC, 2017.

GLÁUCIA. Entrevista Concedida a Diogo Matheus de Souza.


Florianópolis/SC. Transcrição por Diogo Matheus de Souza. Laboratório de
História Oral/UFSC, 2017.

KAREN. Entrevista Concedida a Diogo Matheus de Souza. Florianópolis/SC.


Transcrição por Diogo Matheus de Souza. Laboratório de História
Oral/UFSC, 2017.
MANOEL. Entrevista Concedida a Diogo Matheus de Souza. Florianópolis/SC.
Transcrição por Diogo Matheus de Souza. Laboratório de História
Oral/UFSC, 2017.
ENSINO DE HISTÓRIA E CINEMA: FILMES DE ANIMAÇÃO JAPONÊS
COMO FERRAMENTA PARA DISCUTIR A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
Dionson Ferreira Canova Júnior

Aprendendo
O texto propõe-se a refletir acerca do ensino de história e cinema a partir História:
de filmes de animação japonês. De início há um questionamento de Robert MÍDIAS
Rosenstone (2015, p. 199) quando discute sobre filmes, indagando: Página | 153
“podemos realmente representar o passado, de maneira factual ou ficcional,
como ele era? Ou sempre apresentamos apenas alguma versão de como ele
possivelmente era ou poderia ter sido?” Tal reflexão nos leva a atentar ao
fato das imagens que dialogam com o passado impactarem constantemente
com a forma que a enxergamos. O autor está alertando para uma realidade
através de imagens que pode ser vista de maneira diferente buscando
representar o passado. E através destas interpretações se pode retirar
caminhos para diálogos com a história, principalmente no ensino desta.

A indagação de Rosenstone sobre o cinema reflete na importância que a


utilização de mídia visual nos últimos anos tem proporcionado nas formas
de aprendizagem. Autores como William Meirelles (2004) e Marc Ferro
(1975, 1989) têm atentado para a possibilidade de uso como ferramenta
imprescindível na construção de novos saberes. Nesse aspecto, o cinema se
torna instrumento capaz de produzir novas pontes para o saber histórico.
Os filmes têm proporcionado aos historiadores caminhos para discutir
eventos históricos a partir da proposta que o tema possui.

Contudo, nem sempre foi assim. Os filmes eram vistos como mero
entretenimento, e sua utilização era inconcebível pelos historiadores diante
da infidelidade em recriar os eventos históricos. Com o tempo, sua
aceitação no espaço acadêmico tornou-se essencial e o cinema passa a
representar determinada sociedade, oferecendo ao expectador imagens que
possam ser refletidas e discutidas diante de novas experiências sociais e
culturais trazidas pelo audiovisual. Segundo William Meirelles (2004, p. 79):

“A primeira questão a ser considerada é compreender qual o papel que o


cinema, desde o seu nascimento, representa nas diversas formas da
produção cultural, já que o filme é sempre uma forma de expressão de uma
certa cultura inscrita em um determinado contexto sócio histórico”.

Para o autor, devemos analisar como o filme é proposto visto que sua
produção proporciona o contato com sociedades e sua cultura, papel social,
seu pensamento e formas de convivência. O indivíduo entra em contato
com algo que os livros não proporcionam: as emoções através de imagens.
Essas emoções produzem encontros sobre a natureza do ser humano e gera
diversas concepções sobre determinado tema, produzindo novas reflexões.

Robert Rosenstone, ao analisar os filmes que tentam conscientemente


recriar o passado, criou o conceito de “filme histórico”. A proposta do autor
era trazer o cuidado com o passado e levar sua expressão ao presente de
modo que possamos a vir nos relacionar com este passado e que
entendamos a história que nos envolve, pois, “[...] os filmes históricos,
mesmo quando sabemos que são representações fantasiosas ou ideológicas,
afetam a maneira como vemos o passado” (ROSENSTONE, 2015, p. 18).

Aprendendo A argumentação de Rosenstone nos traz uma reflexão sobre a constante


História: utilização de imagens que acabam por afetar o conhecimento histórico,
MÍDIAS pois, conforme Peter Burke (2017, p. 238) argumenta, “o poder do filme é
Página | 154 que ele proporciona ao expectador uma sensação de testemunhar os
eventos”. A posição de Burke neste contexto é alertar aos perigos que as
imagens conduzem diante da tentativa de recriar o passado e que de acordo
com o autor “um filme histórico é uma interpretação da história [...]”
(BURKE, 2017, p. 240), logo, tais recriações são versões do passado que
representa.

É concebível discutir a relação como vemos o passado através dos vestígios


deste em imagens. É entender que os filmes são interpretações do passado,
que segundo Rosenstone (2015, p. 230) “[...] nos deram ferramentas para
ver a realidade de uma nova maneira – incluindo as realidades de um
passado que, desde então, desapareceram”.

Marc Ferro traz uma nova visão para compreensão do cinema. Para ele, não
basta entender, analisar e criticar o filme, é necessário entender quais
realidades estão por trás dele. Sua abordagem compreende as imagens
como algo que não se pode negligenciar, pois, o passado está para ser
compreendido. Ferro (1975, p. 6) diz:

“O filme, aqui, não é considerado do ponto de vista semiológico. Não se


trata também de estética ou história do cinema. O filme é abordado não
como uma obra de arte, porém como um produto, uma imagem-objeto,
cujas significações não são somente cinematográficas. Ela vale por aquilo
que testemunha. Também a análise não trata necessariamente da obra em
sua totalidade; pode apoiar-se em resumos, pesquisar “séries”, compor
conjuntos. A crítica não se limita somente ao filme, integra-o no mundo que
o rodeia e com o qual se comunica necessariamente. Nessas condições,
empreender a análise de filmes, de fragmentos de filme, de planos, de
temas, levando em conta, segundo a necessidade, o saber e o modo de
abordagem das diferentes ciências humanas, não poderia bastar. É
necessário aplicar esses métodos a cada substância do filme (imagens,
imagens sonoras, imagens não sonorizadas), às relações entre os
componentes dessas substâncias; analisar no filme principalmente a
narrativa, o cenário, o texto, as relações do filme com o que não é filme: o
autor, a produção, o público, a crítica, o regime. Pode-se assim esperar
compreender não somente a obra como também a realidade que
representa”.

Ferro discute as imagens como testemunha do passado. As mensagens que


a obra transmite de acordo com a realidade que pretende transmitir. A
representação deste passado no presente proporciona uma contra análise
da sociedade em questão, sendo necessário para o historiador discutir o que
está por trás do visível e não-visível, pois conforme Ferro (1975, p.5):

“Não é suficiente constatar que o cinema fascina, que inquieta; eles se


apercebem que, mesmo fiscalizado, um filme testemunha. Termina por
desestruturar o que várias gerações de homens de Estado, de pensadores, Aprendendo
de juristas, de dirigentes ou de professores tinham reunido para ordenar História:
num belo edifício. Ele destrói a imagem do duplo que cada instituição, cada MÍDIAS
indivíduo se tinha constituído diante da sociedade. A câmara revela o Página | 155
funcionamento real daquela, diz mais sobre cada um do que queria mostrar.
Ela descobre o segredo, ela ilude os feiticeiros, tira as máscaras, mostra o
inverso de uma sociedade, seus lapusus. É mais do que é preciso para que,
após a hora do desprezo, venha a da desconfiança, do temor. A imagem, as
imagens sonoras, esse produto da natureza, não poderiam ter, como o
selvagem, nem língua nem linguagem. A ideia de que um gesto poderia ser
uma frase, esse olhar, um longo discurso, é totalmente insuportável:
significaria que a imagem, as imagens, esses passantes, essa rua, esse
soluço, esse juiz distraído, esse pardieiro em ruínas, essa jovem assustada,
constituem a matéria de uma outra história que não a História, uma contra-
análise da sociedade”.

Essa análise implica naquilo que Rosenstone (2015, p. 53) abordou ao dizer
que “a nossa tarefa é exatamente não deixar que o passado seja o passado,
mas colocá-lo à mostra para que ele seja usado (moral, política e
contemplativamente) no presente”. De fato, os filmes históricos precisam
estar representados no presente para se fazer uma contra análise da
sociedade em questão, buscando compreender através das imagens como o
passado é interpretado.

Um dos caminhos para discutir os filmes e suas representações da história é


no espaço escolar. O ensino através do cinema é constatado por Ferro em
seu livro ‘A História Vigiada’ quando menciona caminhos para facilitar a
seleção de conteúdo para professores. O autor enumera alguns pontos e
coloca o filme como instrumento didático. Um dos pontos citados por Ferro
(1989, p. 145) atenta para que “eles permanecem vivos através das
inúmeras obras que suscitam: romances, textos históricos, filmes”.

Diante disto, há dois filmes que procuram representar o passado através de


animação. Ambos se utilizam do termo filme histórico para tratar dos
eventos da Segunda Guerra no Japão. Túmulo dos Vagalumes e Gen – Pés
Descalços são filmes japoneses de animação que discutem a guerra e suas
consequências e nos condiciona a analisar os eventos históricos e
testemunhar a história através de imagens.

Túmulo dos Vagalumes e Gen – Pés Descalços


Os filmes são ambientados no Japão na Segunda Guerra Mundial e traz o
drama dos sobreviventes na guerra. Ambos podem ser usados em sala de
aula como fonte de estudo para compreensão da sociedade nipônica
durante os anos em que esteve na guerra. Os filmes têm em comum o
bombardeio sofrido pelo país e as consequências geradas pelo conflito.
Túmulo dos Vagalumes (Hotaru no Haka) trata da vida de dois irmãos,
Setsuko e Seita. Ambos vivem em meio a Segunda Guerra e através dos
bombardeios perdem a mãe e sem seu pai, convocado para a batalha e sem
saber de seu paradeiro, vão morar com parentes e acabam insatisfeitos com
Aprendendo a situação, indo se abrigar num abrigo na floresta, lutando contra fome,
História: doença e as incertezas de suas vidas.
MÍDIAS
Página | 156 A ideia em volta da discussão deste filme é tratar os diversos discursos dos
personagens e analisar a situação da sociedade diante dos bombardeios. Há
cenas que mostram o caráter nacionalista da época, que foi se solidificando
desde o período Meiji, o problema da alimentação e do aumento de doenças
trazidas por consequências da guerra e a situação das crianças
protagonistas que mostram a situação dos menores desabrigados devido a
perca dos pais e casa. Tais imagens são importantes para tratar do horror
do conflito e da situação japonesa durante a Segunda Guerra.

A obra Gen – Pés Descalços trata de dois filmes autobiográficos lançados


em 1983 e 1886 baseados no mangá de keiji Nakazawa, sobrevivente da
guerra e que utiliza o personagem Gen como si próprio para relatar sua
vida. Os filmes narram a perda de grande parte de sua família após a
explosão em Hiroshima e sua luta pela sobrevivência ao lado de sua mãe
grávida e de seu novo irmão adotado até anos posteriores a guerra com os
efeitos da bomba na sociedade.

A experiência humana na Segunda Guerra através do sofrimento de perda e


doença atrelado a falta de lar, como também, o sentimento contra o
nacionalismo devido a situação do país e o sentimento de raiva pelos norte-
americanos pela bomba e ocupação evidenciados no filme Gen – pés
descalços transmite a tragédia humana pela bomba atômica através de uma
proximidade com a realidade acontecida, fazendo do filme um ótimo
exemplo para entender um dos maiores eventos já acontecidos.

Filmes históricos como estes possibilitam aos professores de história discutir


a interpretação do passado mediante a historiografia. A utilização das
imagens proporcionará um contato com emoções facilitando a compreensão
do aluno ao visualizar as cenas e com a mediação do professor o assunto
tornará mais compreensível facilitando a relação ensino-aprendizagem.

Considerações Finais
O cinema permite trilhar novos saberes em sala de aula. Os filmes
históricos proporcionam contato com o passado fazendo com que os alunos
reflitam sobre determinado evento além do fortalecimento na relação
ensino-aprendizagem conduzida pela experiência que as imagens dão aos
alunos. Ambos os filmes trazem visões importantes para discutir a Segunda
Guerra no Japão. As consequências do bombardeio são até hoje alvo de
discussões no ambiente escolar e acadêmico, e o cinema conforme
mencionamos neste trabalho, facilita o processo de aprendizagem e auxilia
o profissional como importante instrumento pedagógico.
Referências
Dionson Ferreira Canova Júnior é graduando do Curso de Licenciatura em
História da Universidade de Pernambuco (UPE) campus Mata Norte.

BURKE, Peter. Testemunha ocular: o uso de imagens como evidência


histórica. Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos. São Paulo: Editora Aprendendo
Unesp, 2017. História:
MÍDIAS
FERRO, Marc. “O filme: uma contra-análise da sociedade?”. In: NORA, Página | 157
Pierre (org.). História: novos objetos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.

_____. A história vigiada. Tradução de Doris Sanches Pinheiro. São Paulo:


Martins Fontes, 1989.

MEIRELLES, William Reis. O cinema na história: O uso do filme como


recurso didático no ensino de história. Ensino & História, Londrina, vol. 10,
2004, p. 77-88.

ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história.


Tradução de Marcello Lino. São Paulo: Paz e Terra, 2015.

Filmes
GEN – pés descalços. Direção: Mori Masaki/Toshio Hirata. Produção:
Yasuteru Iwase & Takanori Yoshimoto. Japão: Madhouse, 1983/1986. 1
DVD (170 min), NTSC, color. Título Original: Hadashi no Gen.

TÚMULO dos vagalumes. Direção: Isao Takahata. Produção: Toru Hara.


Japão: Studio Ghibli, 1988. 1 DVD (93 min), NTSC, color. Título original:
Hotaru no Haka.
PÓS-GUERRA EM SALA – MEMÓRIA E CINEMA A PARTIR DO FILME
‘RAPSÓDIA EM AGOSTO’(1991) DE AKIRA KUROSAWA
Douglas Tacone Pastrello

Aprendendo Introdução
História: A utilização de fontes cinematográficas para pesquisa em História se da
MÍDIAS como algo relativamente recente, as aplicações delas em sala ainda são
Página | 158 incertas, assim sendo busca-se trazer dinamismo a sala de aula e ao
conhecimento histórico dos alunos ao aplicar o uso de tecnologias - tais
como o cinema – em sala.

Como Marcos Napolitano (2011) descreve, é preciso entender que o cinema


já faz parte do cotidiano dos alunos, no caso de alunos de ensino médio é
necessário, também, compreender que muitas vezes essa faixa etária é
influenciada diretamente pelo cinema, tal como outras mídias, logo a
aplicação do cinema em sala torna-se uma ferramenta poderosa para criar
uma ponte de diálogo com o jovem.

Entretanto o filme não fala por si só e o aluno – que muitas vezes é


acostumado a assistir ao filme passivamente – não são capazes de
problematizarem entre si, é preciso que aja a intervenção do professor
como mediador entre o aluno-filme, para que o filme seja problematizado
da maneira correta. O cinema em sala não deve ser mero fator estético,
suporte da aula, ele pode ser utilizado como ilustração de um determinado
período histórico, ou falas arcaicas através de uma interpretação cênica dos
atores, porém seu poder de problematização de temas históricos,
sociológicos e culturais deve ser explorado, considerando que o aluno vê
apenas ao filme e não o cinema.

O professor enquanto mediador deve pré-analisar o filme, problematiza-lo


para si e definir se é possível passar a película completa – ideal para
compreensão da obra como um todo – ou devido ao tempo escasso apenas
recortes serão possíveis, e como Circe Bittencourt(2008) pontua, ver se o
debate proporcionado pelo filme é adequado para a idade alvo dos
estudantes. Nas duas opções a analise deve ser feita antecipadamente pelo
professor, a exemplo do método proposto por Marcos Napolitano(2005),
separar o filme em, quadros, cortes de plano e sequências, estabelecer a
relação entre a construção do cenário, figurino, atuação das personagens e
o contexto geral do filme, assim como destrinchar as entrelinhas do filme,
desta forma ele será apto a conduzir a discussão proposta com qualidade.

Cinema, memória e o ensino


A questão da memória é um dos aspectos mais relevantes para a História e
deve ser também na sala de aula da disciplina, o uso do cinema para
entrelaçar ambos pode vir a ser uma ótima ferramenta didática, quando
bem aplicada.

Um tópico chave a ser explorado é a Segunda Guerra Mundial, que para


além da narrativa pronta inserida nos livros didáticos tem muitas questões
para serem pontuadas, como a questão da memória japonesa no pós-
guerra, que pode ser explorada no ensino médio a partir da película
‘Rapsódia em Agosto’(1991) do diretor japonês Akira Kurosawa.

O filme se passa no Japão da década de 90, centralizando em torno da


questão de memória e imaginário nuclear em Nagasaki, passando por três Aprendendo
gerações distintas de personagens que contrapõe o Japão antes e pós- História:
guerra : uma velha senhora chamada Kane, que perdeu o marido em 1945 MÍDIAS
na explosão da bomba em Nagasaki, os filhos da senhora, os netos dela – Página | 159
respectivamente 2º e 3º geração – e um nipo-americano, sobrinho de
Kane.O filme passa no desenrolar da visita dos quatro netos a sua avó
Kane, nascidos após o milagre econômico japonês, enquanto os pais deles
vão visitar um suposto irmão de Kane que reestabeleceu contato
recentemente do Havaí. O ambiente rural e simplista da avó dos garotos
não agradaria nem um pouco a eles e assim que possível eles escapam para
o ambiente urbano, chegando a entrar em contato com o local onde seu avô
teria falecido com a explosão da bomba nuclear.

Sendo que aos poucos eles começam a criar respeito às memórias e a


pessoa de sua avó enquanto é produzida uma retomada da narrativa de
vitimização contra a narrativa de guerra (bombas necessárias para o fim da
guerra), partindo da avó que representa o antes da guerra, a segunda
geração representando a primeira geração pós-guerra que supostamente
teria sido seduzida pela “supremacia americana” enquanto a terceira
geração (dos netos) é marcada por uma geração da sociedade de consumo.

Os conceitos principais a serem trabalhados previamente serão o de


Memória, proposto por Michael Pollak(1989) e utilizando-se da obra de
Yoshikuni Igarashi(2011), além do conceito de “lugar de memória” proposto
por Pierre Nora(1993); Em referência ao quadro político-sociocultural do
Japão durante a guerra será feito com base em Ruth Benedict(1997).

Pollak diz que a memória parte de indicadores empíricos (lugar de memória)


que somados a criação de um discurso produzem pontos temporais na
memória de um grupo que baseado nas estruturas hierárquicas desse grupo
o diferencia dos demais e reforça sua própria fronteira sociocultural.

É necessário discernir o que a memória individual e memória coletiva para o


presente trabalho – respectivamente – seria a memória produzida de
acordo as com as experiências individuais de alguém frente aos
acontecimentos históricos não só do indivíduo, mas como também de seu
ambiente social que não necessariamente pode influenciar ou ser
influenciada pela memória coletiva. A memória coletiva seria a memória de
massa produzida por discursos e narrativas oficiais que tendem a silenciar
na maioria das vezes essa memória individual. Vale ressaltar também que
para Pollak(1989) a memória não precisa necessariamente ser evidenciada,
o silencio não é o esquecimento dela, mas sim uma das formas de
resistência de uma memória reprimida sobre os discursos oficiais.
Igarashi também trabalha sobre o conceito de memória, mais
especificamente – partindo do título de seu livro – Corpos da
Memória(2011), cujo conceito envolve japoneses sobreviventes da guerra
que se veem em um mundo de ruínas do pós-guerra e seus corpos seriam
uma das poucas coisas restantes do período de guerra, passando a assim a
Aprendendo considera-los como portadores de uma memória envolvente que entra em
História: conflito com as narrativas que estavam a ser produzidas neste pós guerra,
MÍDIAS refletindo este conceito através da personagem Kane, do filme, que
Página | 160 também é uma sobrevivente.

Para problematização do filme torna-se também necessário compreender o


Japão de antes e o Japão do pós-guerra, Ruth Benedict(1997) escreve
sobre a questão da cultura da honra na sociedade nipônica e como os
japoneses agem em conformidade a esta.

Para o conceito de lugar de memória, partindo então da conceituação de


Pierre Nora (1993), entenderemos que o filme é um lugar de memória, pois,
como afirmado pelo autor, ele é intencional e desperta no espectador um
imaginário também intencional enquanto simultaneamente representa um
coletivo – e também simultaneamente representa cada indivíduo envolto de
sua aura histórica. O filme enquanto lugar de memória reconstrói um Japão
já não mais acessível, coloca em xeque o status quo da realidade na medida
que propõe ser um marco do imaginário do caos no pós-guerra nipônico.

Durante a aula o professor deve tomar cuidado para não bombardear os


alunos com os conceitos a partir do filme, mas é possível que se explique as
questões da memória, da cultura da honra com a memória de dor que o
filme tenta explicitar através da personagem de Kane. O professor deve agir
como mediador neste contexto e buscar formas de elucidar essas
problemáticas especificas com a turma em que a atividade for aplicada,
além de estabelecer os critérios dentro do período de tempo proposto.

As discussões podem tomar forma através dos questionamentos gerados


pelo filme, seja a tristeza que Kane traz sobre o conflito, os netos que se
enfurecem com os Estados Unidos ao conhecerem as memórias da avó, os
filhos de Kane que de certa forma sentem vergonha do passado Imperial do
Japão ou com o nipo-americano Clark que carrega a culpa das bombas
atômicas.

A atividade proposta acima foi veiculada em uma oficina extra curricular


com alunos de ensino médio(faixa etária de 15 a 17 anos) de uma
determinada escola particular em Arapongas, com o tempo de
aproximadamente pouco mais de três horas, com o filme e cerca de uma
hora e meia de discussão sobre o filme no formato aula oficina proposto por
Isabel Barca(2004), em que o professor molda e guia a discussão a partir
dos alunos e suas respostas.

Considerações finais
O uso das novas mídias como fonte documental na História e seus usos em
salas de aula devem ser encorajados, uma vez que ainda sofrem muito
preconceito com sua utilização, cabe ao professor aprender a manusear a
ferramenta e utiliza-la de acordo com as necessidades.

Ainda que as novas fontes sejam tentadoras aos olhos dos mais jovens, é,
também, preciso certo cuidado ao utiliza-las em aula, ao considerarmos que
elas devem ser devidamente pré-trabalhadas pelo professor, para que este Aprendendo
esteja apto a conduzir a investigação proposta e ela não se torna apenas História:
uma ilustração da aula, além de apresentar detalhadamente as ideias MÍDIAS
contidas na obra que colaboram para a aula proposta. Página | 161
Considera-se, ainda, que apresentar conceitos em sala de aula possa ser
encorajado, eles podem ser apresentados de maneiras mais ligadas ao
cotidiano dos alunos, levando em consideração a experiência individual-
social do público alvo. Ao apresentarmos o conceito de ‘lugar de memória’ –
por exemplo – podemos relacionar com monumentos locais, que estão na
realidade dos alunos, nos quais os marcos fundadores, muito presentes em
cidades menores são de amplo conhecimento; lembrando os alunos do
significado destes monumentos e que narrativa eles carregam consigo.

O professor também tem de considerar que os alunos não necessariamente


carregam a mesma ideia ou opinião que o professor carrega consigo sobre
determinados temas sociais e políticos que as películas podem vir a
apresentar; neste caso o professor deve tomar cuidado para não se portar
como “detentor da narrativa verdadeira”, estimular o debate de ideias
diferentes e promover uma discussão saudável.

Por fim, o desafio do tempo e de cumprir os objetivos estabelecidos pela


escola são reais, dificultam aulas fora do padrão clássico na realidade
brasileira, mas com um bom planejamento antecipado o professor deve ser
capaz de aplicar seu trabalho.

Referências
Douglas Pastrello especialista em filosofia e mestrando em história política
pela UEM, com ênfase na história recente do Japão e análise de fontes
cinematográficas.

Rapsódia em agosto. Direção: Akira Kurosawa. Produtor: Hisao Kurosawa.


Roteiro: Akira Kurosawa. Japão: Shochiku Films Ltd. Distribuidora:
Shochiku Films Ltd. 1991. DVD(98min): sonoro, cores, legendado.
Port/Inglês.

BARCA, Isabel. Aula Oficina: do Projeto à Avaliação. In: Para uma educação
de qualidade: Atas da Quarta Jornada de Educação Histórica. Braga, Centro
de Investigação em Educação (CIED)/ Instituto de Educação e
Psicologia,Universidadedo Minho, 2004, p. 131 – 144.

BENEDICT, Ruth. O crisântemo e a espada: Padrões da Cultura Japonesa.


São Paulo: Perspectiva, 1997.
BITTENCOURT, Circe M.F. Ensino de história: fundamentos e métodos. São
Paulo: Cortez, 2008.

IGARASHI, Yoshikuni. Corpos da memória: Narrativas do pós-guerra na


cultura japonesa (1945-1970) Tradução deMarco Souza e Marcela Canizo.
Aprendendo São Paulo: Annablume, 2011.
História:
MÍDIAS NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: a História depois do papel. In:
Página | 162 PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. 3. ed. São Paulo:
Contexto, 2005. p. 235-289.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo:


Editora contexto. 2011.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto


História, São Paulo, n.10, dez. 1993, p.7-28

NOVIELLI, Maria Roberta. História do cinema japonês. Brasília: Editora UNB,


2007.POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos,
Rio de Janeiro, vol. 2, n.3, 1989, p. 3-15.

SAKURAI, Célia. Os japoneses. São Paulo: Contexto, 2011.


ALIENAÇÃO: REDES SOCIAIS E A CULTURA DO VAZIO
Eder Wilker Soares dos Santos

A modernidade trouxe múltiplos avanços e inovações tecnológicas com o


escopo de aperfeiçoar e facilitar a espécie humana. Entretanto, a evolução Aprendendo
da ciência e a globalização somada à alienação, originaram novas maneiras História:
para a utilização dos avanços tecnológicos. MÍDIAS
Página | 163
A alienação foi utilizada primeiramente por Hegel (1770-1830), um filósofo
alemão, e conforme ele, a alienação do espírito humano está atrelada com
as potencialidades dos seres e dos objetos que ele cria. Dessa forma, como
o próprio indivíduo criou a tecnologia, ele está possivelmente passível da
alienação pela própria.

A inclusão digital, especificamente no Brasil, passou a representar 57,5%


da população brasileira conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE). Com a inclusão digital veio às redes sociais que
crescem a cada ano, pois além de promover a interatividade social,
promove o lazer, e, consequentemente, pela facilidade do seu uso pelo
celular, uma quantidade exacerbada de usuários que nem sempre a utilizam
com consciência. A utilização nem sempre é para fins que ajude a
progressão do ser, como meios acadêmicos ou pesquisas de cunho cultural,
científico.

A tecnologia trouxe junto ao uso das redes sociais a inovação que não se
restringe mais ao relacionamento e comunicação, mas também é um canal
de pesquisa e informações. Com base nisso, verifica-se a importância em
falar sobre o assunto e verificar se o seu uso está utilizado de uma maneira
correta e tocando em pontos importantes como o uso exacerbado da
internet e o cyberbullying.

Alienação
Os humanos não se distinguem como fabricantes das instituições
sociopolíticas e variam entre aceitar passivamente tudo o que existe e se
rebelar particularmente, estes fatos se devem ou por ser apresentado tudo
como natural, divino ou lógico, ou por ponderar que, por sua própria
ambição e esperteza, podem ir além do que a realidade os proporciona. Em
ambos os casos, a sociedade é o outro (alienus), algo exterior ao ser,
distinto do ser e com total ou nenhum poder sobre o indivíduo (CHAUÍ,
2000).

Conforme Hegel (1995), a alienação é um método essencial pelo qual a


consciência repleta de ingenuidade, persuadida de que a realidade do
mundo é autônoma dela mesma, chega a tornar-se sua própria consciência.
Essa mutação da consciência em consciência de si é conceituada na
Phänomenologie des Geistes (1807). Para Hegel (1995), a detenção de si
mesmo fica dependente da destruição do outro, que possui a verdade e o
absoluto. Assim, a alienação é, portanto, além de densa, necessariamente
própria e primordial, o ser de cada sujeito não convive em si próprio, e sim,
em seu adverso, no qual corre perigo de se dissolver.
Conforme Marx (1988), a alienação é uma circunstância resultante dos
fatores materiais dominadores da sociedade caracterizada por ele,
especialmente, no sistema capitalista, em que os afazeres humanos se
Aprendendo acionam de modo a fazer materiais que imediatamente são separados dos
História: interesses e da aquisição de quem os produziu, para se transformar em
MÍDIAS mercadorias, ou seja, o estranhamento que o proletário tem com o produto
Página | 164 que produz. Desta forma, pode-se dizer que a alienação é estar desatento
aos acontecimentos sociais, ou, quando o indivíduo acha que algo está fora
de sua realidade.

Rede social
As redes sociais são empregadas essencialmente para aglomerar um grupo
de pessoas com interesses comuns, esse intercâmbio permite a permuta
dos mais distintos tipos de conteúdos, como textos, áudios, vídeos, entre
outros materiais multimídia. O conceito de rede social é amplo também no
sentido de que o que está a ser ligado são pessoas e organizações (Jordan e
tal., 2003).

Este fato torna esses sites muito atrativos no decorrer do dia-a-dia, pela
facilidade ao acesso de variadas plataformas com um clique e pela
facilidade na comunicação, entretanto o seu uso desmedido pode acarretar
não apenas o arrefecimento da produtividade como a alienação aos
acontecimentos que ocorrem no país, pois o usuário sempre receberá
opiniões já formadas, impossibilitando uma análise mais sólida sobre o
episódio de maneira única e imparcial.

Cultura do vazio
Para Durkheim (2008) as normas sociais se relacionam à cultura, visto que
a constituição do ser social é cometida em boa parte pela educação. É a
absorção do indivíduo de diversas normas e princípios morais, religiosos,
éticos ou de conduta, que limita o comportamento do sujeito em seu
determinado grupo. O homem, mais do que formador da sociedade, é um
produto dela.

A cultura tem papel essencial em fazer o homem se distinguir, se posicionar


e se estimar dentro da sociedade. Dessa forma, a identidade cultural é
identificação de um grupo ou de um indivíduo, na maneira em que ele é
influenciado pela sua atribuição a este grupo ou cultura. Antigamente as
identidades eram mantidas devido à falta de contato com culturas distintas.
Todavia, com a globalização isso foi modificado, pois fez as pessoas terem
interação entre si e com o mundo ao seu redor. Um sujeito que nasce em
um ambiente absorve todas as características deste, entretanto, se ele for
submetido a uma cultura distinta por muito tempo, ele contrairá
características deste novo ambiente ao qual pertence.

No século XVIII a cultura era medida pelo grau de civilização de uma


sociedade, segundo Chauí (2008). Cuche (2002) completa o raciocínio
afirmando que ela era considerada um processo que tira a humanidade da
ignorância e da irracionalidade. Já no século XIX o termo “cultura” tinha um
uso elitista, de acordo com Thompson (1999), pois era utilizado para
reverenciar a nobreza intelectual europeia. Assim, o etnocentrismo fez a
reunião das múltiplas culturas existentes na Europa, surgindo pela primeira
vez, a utilização do termo "cultura" como conotação de diversidade. O fim
do etnocentrismo ocorreu apenas no século XX com o surgimento da Aprendendo
antropologia social e da antropologia política. Assim, Chauí (2008) afirma História:
que os europeus englobaram os conceitos dos filósofos alemães, que MÍDIAS
consideram o homem como agente cultural. Página | 165
Chauí (2008) indaga que o capitalismo global constituiu uma divisão cultural
fomentada pelas relações de poder entre cultura dominante e dominada,
opressora e oprimida, de elite e popular, formal – ou letrada – e popular –
aquela que é produzida espontaneamente. Todo bem cultural é, então,
seguido por um comércio. A era pós-moderna, com toda a sua evolução,
trouxe o consumismo exagerado, e, consequentemente, a alienação, e
como seu fruto, essa era é identificada como a do vazio e da imagem.
Segundo Lipovetzky (1983) esse momento é caracterizado pelo
individualismo e amor por si próprio - cujo prazer é o bem supremo e
personalizado; pela indiferença ao próximo; pelo encanto generalizado. A
verdade não é questionada, a violência social é banalizada, a insignificância
prossegue. O imediatismo toma conta da sociedade, tudo tem que ser na
hora, os indivíduos não podem mais esperar.

Lipovetzky (1983) também discorre que a era pós-moderna, leva a uma


perpetuação do vazio e da degradação mental. A essência é consumida. Na
era do consumo de massas, quando se dão mais valor a individualidade e
permissividade, testemunhamos ao entusiasmo da sociedade e dos
costumes na oposição das requisições para a estruturação do pensar. Um
ser humano experimenta um vazio existencial quando não encontra sentido
na sua vida. Deste modo, sente-se alienado e busca outras formas de
preencher esse vazio, e na maioria das vezes o "vazio" é preenchido com
mais "vazio". Os usos destrutivos da televisão e do computador surgem
como ponto principal desse momento em que a realidade virtual substitui a
realidade real, e, é o combustível para a cultura do "vazio" ser disseminada,
visto que o mundo virtual engloba várias linguagens e pessoas.

O vazio pode ser considerado aquilo que não é arte, pois sem a cultura, a
arte não existiria. E, portanto, dizer que ela é irrelevante é ignorar o
significado que ela possui no público que a usufrui. Porém, não existem
culturas melhores que as outras e sim culturas diferentes. Dessa forma,
conforme Coli (2006), a arte também tem seus pontos de vistas diferentes,
de acordo com a região, o país, o seu circulo social, entre outros.

“Podemos dizer também que a arte, em certos casos, torna-se insígnia de


uma 'superioridade' que um grupo determinado confere a si mesmo.
Interessar-se pela arte significa ser mais 'culto', ter espírito 'mais elevado',
ser diferente, melhor que o comum dos mortais.” (COLI, 2006, p. 105)
Diante o exposto, a cultura do vazio, no caso, é aquela cultura que não é
arte, que não é usada para reflexão e aprimoramento do intelecto, é aquilo
que o indivíduo faz por alienação ou ideologia. É fazer por fazer. É a
consequência dos seus atos atrelados ao consumismo e ao uso abusivo da
era tecnológica.
Aprendendo
História: Dentre as ferramentas mais utilizadas na internet podemos destacar as
MÍDIAS redes sociais, uma das febres desses derradeiros anos, que sempre se
Página | 166 remodela, admitindo cada vez mais interatividade entre seus internautas.
Percebe-se à proporção que a alienação pode chegar quando a frase “tira
foto no espelho pra postar no Facebook”, retirada de uma música de cultura
de massa, sai do campo musical e se torna legenda de fotos e tendência
entre os usuários das redes. Ou seja, a cultura de massa dita à moda e as
regras do meio social, e ser “digitalmente incluso”, nem sempre pode
significar “ter o acesso à internet” por si só. Não é intuito deste projeto
recusar a revolução tecnológica, ou coibir quem utiliza a internet ou redes
sociais para o lazer. E, muito menos, julgar a cultura de massa, visto que
não existe hierarquia cultural, toda cultura tem o seu valor. Mas sim,
demonstrar os contras no uso indevido e exagerado dessas redes.

A alienação não está só presente em assistir vídeos engraçados, disseminar


notícias falsas ou procurar por “virais”, esses - entre outros, são
mecanismos utilizados pelas redes sociais para te motivar a consumir. Este
seria o anzol para fisgar sua atenção, e nas entrelinhas ter uma propaganda
que te motive a comprar algo. Pereira (2013) disserta que a internet foi a
mídia com maior expansão em 2012, quando ampliou para 18% sua
participação no mercado global da publicidade – ocasionada, sobretudo,
pelas redes sociais e anúncios nos vídeos on-line. Agora, em 2017,
provavelmente o percentual é muito maior.

A alienação surge a partir do momento que o sujeito fica apático aos


acontecimentos da sociedade em que ele vive, pois, as redes sociais em
geral não possuem caráter informativo, a fim de mostras as notícias, como
os jornais, informativos, ou sites especializados. A partir do momento que o
que quem utiliza a rede social tem como fonte de informações, apenas, o
difundido por outros usuários, este fica refém de opiniões já estabelecidas a
partir de diferentes óticas sobre determinado fato, ou seja, a notícia, muitas
vezes, vem sem a coesão necessária que permita a constituição de uma
opinião própria, transformando na maioria das vezes o internauta em
alguém que pensa pelos outros e não por si. A utilização das redes sociais
está empiricamente vinculada ao uso do celular. A facilidade da qual as
mensagens são enviadas e recebidas e o uso dos aplicativos, tudo em um
micro aparelho, acaba tornando a banalização tecnológica ainda maior. Com
a chegada da inclusão digital no Brasil, grande parcela da população passou
a ter acesso à internet e, por conseguinte, a suas diversificadas
ferramentas. Dados do IBGE (2014) mostram que aproximadamente 78%
da população brasileira possui celular. E, segundo dados da GlobalWebIndex
(2015) o Brasil é o terceiro país do mundo que fica mais tempo on-line no
celular, o que comprova esta disseminação do uso exagerado tecnológico.
Outro ponto importante é o cyberbullying que “envolve o uso de tecnologias
da informação e da comunicação com a finalidade de legitimar
comportamentos hostis, deliberados e repetidos, produzidos
individualmente ou em grupos para causar danos a outros” (BILL BELSEY
apud LOPES NETO, 2008, p. 6). Segundo Fante e Pedra (2008), o
cyberbullying é uma configuração virtual de bullying, que preocupa pais, Aprendendo
especialistas e educadores, porquanto ele tem um amplo efeito História:
multiplicador da aflição das vítimas. O número de denúncias de pessoas que MÍDIAS
sofreram o chamado cyberbullying, que consiste nessa intimidação e/ou Página | 167
discriminação disseminada pela Internet, cresceu significativamente, como
aponta a SaferNet. Em 2016, a organização registrou 312 denúncias de
casos de cyberbullying no país, bem mais do que os 265 casos que foram
armazenados em 2015. As mulheres foram maioria entre as vítimas dos
casos de cyberbullying, replicando por 202 denúncias, equivalente a 65%
do total. Esse fato se deve a disseminação de fotos íntimas divulgadas na
rede por parceiros sexuais.

Diante das informações fica exposto que a utilização das redes sociais não é
somente divertida como também necessária atualmente, porém ficar
condicionado apenas a estas como fonte de informações pode danificar a
capacidade de correlacionar os fatos de acordo com a visão de sociedade do
indivíduo. É necessário manter uma utilização saudável desses
instrumentos, alternando horários de lazer com o do trabalho, buscar
conhecimento através de outras fontes, como livros, jornais e revistas, a
fim de adquirir distintas visões sobre os fatos que circulam na internet.
Também é necessário utilizar o bom senso durante o uso para não denegrir
a imagem de outros, ou atacar pessoas de forma desnecessária. Utilizar a
rede para lazer é viável, desde que feito de forma saudável. Desta forma,
tentar ser menos alienado e converter o “vazio” recomendado pela
utilização exagerada das redes em informações úteis e precisas.

A alienação pode se fazer presente em todas as atividades triviais e nem


sempre pode ser perceptível. É importante perceber que o uso exagerado
da tecnologia pode acometer o indivíduo ao consumismo e a tentativa de se
inserir num grupo pode alienar suas atitudes.

Referências
Eder Wilker Soares dos Santos é aluno de História na Faculdade do Oeste
Paulista (UNOESTE). Graduado em Gestão de Recursos Humanos e pós-
graduado na área da Psicologia Comportamental Organizacional –
Treinamento e Desenvolvimento de Pessoas.

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VERGARA, S. C. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 10.


ed. São Paulo: Atlas, 2009.
ENSINO DE HISTÓRIA E GAMES: METÓDOS E SUGESTÕES
Edmilson Antonio da Silva Junior

A utilização de métodos tradicionais em sala de aula para o ensino de Aprendendo


História, bem como de outras disciplinas tem ocasionado um processo de História:
desinteresse (contínuo e progressivo) dos estudantes pelas atividades MÍDIAS
escolares, sobretudo porque o exercício da prática docente na maioria das Página | 169
escolas remete-se à utilização de práticas monótonas, tornando o âmbito
escolar uma rotina por vezes estressante e entediante, ainda mais em
instituições educacionais onde não há estrutura suficiente para conceder ao
educando a oportunidade de tornar prático o aprendizado. Isto é, no caso
das matérias de ciências da natureza, ausência de laboratórios a altura das
aulas, já nas Ciências Humanas, especificamente em História, inexistência
de salas destinadas à catalogação de fontes e ferramentas para o uso
didático.

Tais problemas não estão presentes apenas em escolas públicas ou nas


pequenas escolas privadas, na verdade, tais adversidades atingem boa
parte das escolas no país, mas o “x” da questão não está na formação
profissional, nos conteúdos da grade escolar ou na ausência de estrutura
para o ensino. Isto é, todas estas lacunas estão inseridas na “equação da
educação brasileira”, no entanto, o ponto inicial para a solução das
incógnitas citadas perpassa pela reestruturação da educação enquanto
processo.

Queremos dizer que os moldes educacionais ainda utilizados em nosso país


são baseados em modelos referentes ao século XVIII, onde a estrutura das
salas de aula, por exemplo, serviam como afirma Foucault, para a
dominação dos corpos. As fileiras postas lado a lado com espaços para a
passagem do professor que tem sua mesa à frente dos alunos posto como o
centro das atenções, que representa um discurso estético do poder de um
indivíduo sobre os demais, o símbolo do saber que preenche as “caixas
vazias” dispostas em sequência num cubículo, onde todo conhecimento
emana de um sujeito em direção a “objetos inertes”, “amorfos” (FOUCAULT,
1987).

Esse modelo de dominação e coerção do corpo estudantil desde sua


elaboração esteve fadado ao fracasso, uma vez que tolheu parte de sua
geração e também das posteriores, a capacidade criativa com a qual,
sempre se pensou a educação (FREIRE, 1979). Evidente que o contexto de
criação das escolas de ensino básico no século XVIII serviu ao propósito de
dominação dos corpos, sobretudo as escolas destinadas à formação de
operários, que tinham a função de disciplinar o alunado para as fábricas,
cultivando as características da organização, dos prazos e metas fabris.

Atualmente, como se nota, apesar da filosofia educacional brasileira ter


como base a pedagogia do patrono da educação, Paulo Freire, não se
debateu e ainda não se debate a nível nacional a reestruturação basilar do
ensino, a reformulação dos cursos de licenciatura ou mesmo reorganização
dos conteúdos vistos durante o ensino básico. Pelo contrário, as reformas
recentemente pensadas têm como projeto o viés tecnicista, que será
implementado, sobretudo nas escolas públicas, oferecendo ao estudante a
oportunidade de escolher entre a inserção em um curso técnico
Aprendendo concomitante ou subsequente ao Ensino Médio, ou o Ensino Superior
História: (BRASIL, 2017). O que na prática, em nossa perspectiva, atrairá os
MÍDIAS estudantes mais fragilizados economicamente para os cursos técnicos, que
Página | 170 em tese oferecem formação rápida e garantia de emprego (mesmo mal
remunerado) no mercado de trabalho.

Em outras palavras, a questão da escola e do estudante não se restringe ao


professor, à falta de estrutura ou mesmo a variedade de conteúdos listados
em contraste com a quantidade e duração das aulas destinadas à disciplina
de História, mas sim ao próprio sistema educacional brasileiro que a partir
de seus moldes do século XVIII, conserva engrenagens enferrujadas que
hoje sequer mantém sua função de dominação dos corpos.

A construção de um caminho para a superação desse paradigma perpassa


por diversas questões que já foram apontadas acima, no entanto, nos
deteremos aqui acerca do papel do professor frente às inovações
tecnológicas no mundo dos games.

Segundo o site Tchetudo (2015) a indústria dos videogames inicia no ano


de 1972, com a primeira geração do pouco lembrado Maganavox Odyssey
devido à inovação para a época fez bastante sucesso, sendo tal ascensão
encoberta no final da década de 1970 pela segunda geração dos consoles, o
Atari 2600. Os anos 1980 foram marcados pela comercialização do primeiro
aparelho da Nintendo, seguido Master System que teve seu apogeu por
pouco mais de 05 anos até o lançamento do Super Nintendo em 1991. A
década de 1990 e os anos 2000 foram revolucionários no processo de
fabricação e construção não apenas dos consoles, mas também dos próprios
jogos que, ao longo dos anos, foram exigindo mais que cliques de botões.

Depois da comercialização do Playstation 2 no início dos anos 2000 e do


Xbox em 2006 o mercado de consoles afunilou-se para o domínio
monopólico da Sony e Microsoft, o que acarretou (apesar da exclusividade
das marcas) uma constante competição entre as companhias no quesito
evolução dos aparelhos afim de conquistar cada vez mais um maior número
de usuários.

O resultado dessa corrida tecnológica resultou na circulação em 2013 de


dois consoles, o Xbox One e o Playstation 4, enquadrados na nova geração
dos consoles que diga-se de passagem, passam por pequenas alterações
nos modelos dos originais de 2013 para renovar seu ciclo de vendas. A
ultima atualização dos aparelhos foi denominada de Xbox One X (2017) e
Playstation 4 Pro (2016).

Atualmente, devido à capacidade de inovação dos videogames, as


empresas, além de se preocuparem em produzir o aparelho com o maior
custo benefício, procuram também conquistar os clientes a partir da
fabricação de seus jogos exclusivos que sempre possuem gráficos de
qualidade, histórias interativas e “jogabilidade” para o entretenimento dos
jogadores.

Essas constantes evoluções nas formas de se produzir jogos para os Aprendendo


consoles levou empresas de fabricação de games investirem, por exemplo, História:
500 milhões de dólares em projetos como “Destiny” (ACTIVISION, 2014) MÍDIAS
que, segundo o G1 (2014) a Activision, empresa fabricante, o valor de Página | 171
aplicação foi atingido em apenas um dia de vendas após o lançamento.

Não são apenas os jogos das grandes empresas que ocupam o mercado
mundial de games nos consoles, computadores e celulares. Há uma
variedade de aplicativos que conseguem atingir o consumidor de classe
média alta, bem como há fabricações de grandes marcas mais acessíveis ao
público geral. Tal cenário configura uma situação em que 82% entre 13 e
59 anos joga algum tipo de game em uma das plataformas disponíveis
(GOGONI, 2015), o que evidencia que tal especificidade dos avanços
tecnológicos faz parte do cotidiano do brasileiro (COSTA, 2017).

Evidentemente, apesar de movimentar a economia do país, o consumo dos


jogos trouxe ao século XXI consequências como a perda da sociabilidade
dos jovens através do diálogo pessoal, agravando-se em diversas instâncias
que foi necessário a classificação de “distúrbio” pela OMS no ano de 2018:

“A 11º Classificação Internacional de Doenças (CID) irá incluir a condição


sob o nome de “distúrbio de games”. O documento descreve o problema
como padrão de comportamento frequente ou persistente por vício em
games, tão grave que leva “a preferir os jogos a qualquer outro interesse
na vida””. (PELA PRIMEIRA, 2018)

Por outro lado, segundo “OlharDigital” (2016) um estudo promovido pela


pesquisadora Rachael Folds, da Escola de Educação da Universidade de
Nottingham Trent na Inglaterra prova que o uso de games aumenta o
interesse pelo aprendizado. Segundo a pesquisa, 92% afirmaram que
gostariam de aprender com esses métodos que envolvem videogames em
suas escolas e 87% afirmaram que se os conteúdos fossem passados com a
utilização de games para o ensino, o interesse pela temática aumentaria.

É através dessa perspectiva que pensamos selecionar dois jogos para


utilizar como ferramenta de ensino de História da Revolução Industrial, no
segundo ano do ensino médio e da Segunda Guerra Mundial no terceiro ano
do ensino médio, onde se encontram jovens entre 15 e 19 anos (ENSINO
MÉDIO, 2018).

Dentro do conteúdo da Revolução Industrial, utilizaremos como ferramenta


de ensino Assassin's Creed Syndicate, pautando principalmente aa
ambientação do jogo, isto é, no cenário produzido pela Ubisoft Quebec com
apoio de outros estúdios e companhias, o que nos proporcionará a saída das
gravuras dos livros didáticos, bem como das imagens da internet para uma
plataforma interativa entre o jogador e o ambiente do jogo.

Para tratar do tema referente à Segunda Guerra Mundial, utilizaremos o


game Call of Duty: World War II que traz em seu modo história, diversas
Aprendendo missões baseadas na história real do grande conflito entre o Eixo e os
História: Aliados, com o diferencial da interação entre os personagens do exército,
MÍDIAS tentando proporcionar ao jogador uma maior sensibilidade para com os
Página | 172 companheiros do pelotão.

Vale salientar que ambos os games selecionados tem censura de 18 anos, o


que de antemão é extremamente perigoso para o uso em sala de aula,
mesmo que parcela dos estudantes do ensino médio, por exemplo, possuam
a maioridade entre o segundo e o terceiro ano da ultima etapa do ensino
básico. Portanto, é necessário que o professor siga os métodos de uso das
ferramentas que será exposto a seguir e, evidentemente, revise o plano
didático antes de adentrar em sala de aula para que não haja cenas muito
fortes, capazes de traumatizar os adolescentes.

Ao trabalhar a revolução Industrial, o educador deve ter em mente as


transformações tecnológicas do período, bem como as condições das
classes trabalhadoras na Europa, sobretudo porque são nesse período que
os sindicatos de trabalhadores começam a se formar para reivindicar os
seus direitos. Ao trabalhar com Assassin's Creed Syndicate, o professor terá
a oportunidade de apresentar aos estudantes uma perspectiva do
movimento de trabalhadores que sabotavam as maquinas fabris em forma
de protesto, o ludismo. No game apesar de demonstrar por meio de uma
das missões, de forma romântica e surreal (devido as habilidades do
personagem), alcança nosso objetivo de contextualizar a época estudada
com o cenário do jogo que, diga-se de passagem, é atraente,
principalmente ao público jovem.

É importante que o professor possa, dentro do jogo, encontrar todos os


personagens históricos que aparecem para dialogar com o avatar controlado
pelo player, pois assim o estudante terá a oportunidade de conhecer
determinados indivíduos importantes para o período, como Karl Marx, que
está inserido no jogo e troca diálogos com o jogador. No entanto, vale
salientar que, apesar da introdução desses símbolos históricos no game,
cabe ao educador um maior aprofundamento sobre as especificidades vistas
no jogo durante a aula, uma vez que por ser uma produção recreativa,
apesar de baseado em contextos históricos, não tem o compromisso com a
verdade histórica.

Sendo assim, é importante que apesar do console levado para sala de aula,
o professor elabore uma aula abordando pontos importantes para a
temática, como: o que é a Revolução Industrial? ; Quais as consequências?
; Quais os países foram pioneiros nas inovações tecnológicas? ; Qual o
impacto ambiental do processo de produção das fábricas e como as diversas
classes sociais se vestiam no período? . Cada problemática citada acima
tem por objetivo inserir o estudante no game, por mais que o joystick não
esteja em suas mãos. Pensamos que se o cenário for explicado previamente
ou durante o percurso do jogo em sala, a participação dos educandos não
decepcionará.

Antes de apresentar os métodos pensados para o Call of Duty: World War


II, é importante afirmarmos ao leitor que temos ciência das limitações de Aprendendo
renda de um professor brasileiro, bem como das limitações físicas das História:
escolas, sobretudo públicas em nosso Estado. Pensando nessas questões, o MÍDIAS
professor poderia utilizar para o Assassin's Creed Syndicate, vídeos da Página | 173
“gameplays” disponíveis na plataforma do YouTube, onde há diversos canais
expondo as diversas missões do jogo, cabendo ao professor à escolha do ou
dos cenários que mais se encaixem com o planejamento de suas aulas, para
que assim, apesar da ausência do console em sala, o educador consiga
atrair a atenção dos estudantes para o game exposto como ferramenta de
ensino de História.

Esse método de visualização de “gameplays” através do YouTube, para o


Call of Duty: World War II, não se restringe as impossibilidades da compra
ou aluguel do console para o uso como ferramenta de ensino, mas
sobretudo devido ao excesso de violência no game. Em nossa perspectiva, é
interessante que o professor consiga capturar pequenos clipes das missões
expostas na internet para que assim ele consiga exemplificar as diferenças
entre as táticas de guerra da Primeira e da Segunda Guerra Mundial, bem
como a disparidade tecnológica da década de 1910 para a década de 1940,
por exemplo.

É importante, sobretudo nos jogos de guerra, que o professor não se


ausente de explicar ao estudante que tais games, apesar de aclamados pelo
público jovem, refletem uma situação de conflito intenso, na qual diversos
homens e mulheres morreram, seja para a dominação do “espaço vital”
(por parte dos alemães), seja pela tentativa de libertação do mundo da
tirania nazista (por parte dos aliados). Para tanto, é importante que o
professor selecione os momentos dramáticos seja da história jogo, seja
durante as missões, de forma que se tente passar para o educando que a
iminência de uma guerra mundial deva ser combatida, uma vez que tais
conflitos somente solaparam a economia do mundo e causaram mortes
desnecessárias. Sobretudo, esse momento é importante para atentar aos
estudantes para a existência dos Direitos Humanos Universais, lembrando
sempre que o direito à vida é inalienável.

É importante dizer que tais métodos de uso dos videogames em sala de


aula expostos aqui se restringe a uma dada realidade que pode vir a ser
diferente para cada leitor, no entanto, nota-se que há uma diversificação
considerável de meios para trabalhar com os games em sala, não
necessariamente acerca da Revolução Industrial ou Segunda Guerra, mas
acerca de diversas temáticas.

Considerações finais
Percebe-se que as diversas tecnologias em sala de aula são importantes
para que o estudante se sinta inserido naquele espaço de conhecimento,
uma vez que eles fazem parte da geração “z”, estão sensíveis e abertos a
enxurradas de informações nas redes sociais, nos sites de notícia ou, como
já exposto, através dos games. Em outras palavras, é importante lembrar
ao educador que os estudantes de hoje não possuem, como no século
XVIII, apenas a enciclopédia e o professor como fonte de informação, mas
Aprendendo um cyber espaço, de fácil acesso, com mais informações em um segundo do
História: que é possível aprendermos em uma vida.
MÍDIAS
Página | 174 Portanto, é importante que se pense, antes de tudo, o papel do professor
em sala de aula, isto é, ao contrário de outras épocas, hoje a função do
professor não é reter informações, mas produzir, compartilhar e construir
conhecimento junto ao educando (FREIRE, 2016). Mas para isso é
necessário, sobretudo no ensino básico, que o educador permaneça jovem.
Ou seja, para ensinar-aprender nas instituições primárias o professor
necessita de jovialidade para que possa pensar como educando e assim
criar inovações e sala de aula bem como os educandos desejam.

Tal perspectiva permitirá ao educador deparar-se com as breves propostas


expostas aqui sobre o uso de games, o estimulando a imaginar diversas
possibilidades para trabalhar com os videogames em suas salas de aula.
Sendo assim, mais do que o uso de filmes, música e games para o ensino
de História, esse texto trata da condição (jovial) criativa inerente a um bom
educador que, a partir das fontes e ferramentas disponíveis cria algo novo.
E tal capacidade inventiva é a pedra angular da educação.

Referências
Edmilson Antonio da Silva Junior, graduando no curso de Licenciatura em
História pela Universidade de Pernambuco (UPE) e pesquisador financiado
pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
no Laboratório de Estudos da História das Religiões, coordenado pelo Prof.
Dr. Carlos André Silva de Moura (Orientador).

Activision gastou US$ 500 milhões no desenvolvimento de ‘Destiny’. 6. Mai.


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Disponível em:<https://meiobit.com/328936/brasil-pesquisa-npd-82-por-
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portateis/> acesso em:10. Nov. de 2018.

BRASIL. Lei 13.415 de 17 de fevereiro de 2017. Subchefia para assuntos


jurídicos da Casa Civil. Planalto, Presidência da República. Disponível no
endereço eletrônico:
http://legis.senado.leg.br/legislação/ListaTextoIntefral.action?id=251273&n
orma=27061. Consultado em: 24/02/2017.

Conheça o Magnavox Odyssey, primeiro videogame comercializado na


história. 12. Dez. 2015. Thectudo. Disponível em:
<https://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2015/12/conheca-
magnavox-odyssey-primeiro-videogame-comercializado-da-historia.html>
acesso em 10 de nov. de 2018.

COSTA, Marcella Albiane Farias da. Ensino de história e games: dimensões


práticas em sala de aula. 1ºed. Curitiba: Appris, 2017.
Aprendendo
Em um dia ‘Destiny’ alcança US$ 500 milhões em vendas, diz activision. 10. História:
Set. 2014. G1. Disponível em: MÍDIAS
<http://g1.globo.com/tecnologia/games/noticia/2014/09/em-um-dia- Página | 175
destiny-alcanca-us-500-milhoes-em-vendas-diz-activision.html> 10. Nov.
de 2018.

Ensino médio introdução. Ministério da educação. Disponível em:


<http://portal.mec.gov.br/expansao-da-rede-federal/195-secretarias-
112877938/seb-educacao-basica-2007048997/13559-ensino-medio-
introducao> acesso em: 10. Nov. de 2018

Estudo mostra que games podem ajudar na aprendizagem. 4. Mar. 2016.


Olhar digital. Acesso em:<https://olhardigital.com.br/games-e
consoles/noticia/estudo_mostra_que_videogames_podem_ajudar_jovens_c
om_problemas_de_aprendizadoad/19019> acesso em: 10. Nov. 2018.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Trad. Lígia M.


Ponde Vassalo. Petrópolis: Vozes, 1987.

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. 12ª Edição. Paz e Terra. Rio de


Janeiro, 1979.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 29ºed. São Paulo: Paz e Terra,


2016.

Pela primeira vez, vício em vídeo games é considerado disturbrio mental


pela OMS. 22. Jan. 2018. BBC. Disponível
em:<https://www.bbc.com/portuguese/internacional-42545208> 10. Nov.
de 2018.
A FRONTEIRA NO CINEMA COMO REPRESENTAÇÃO: USOS E ABUSOS
Eduardo Barreto de Araújo

Aprendendo Sendo o cinema uma das formas de manifestação humana, criada em fins
História: do século XIX e aprimorada em seus aspectos técnicos e estéticos ao longo
MÍDIAS do século XX, é intenção abordar aqui de que maneira a fronteira é
Página | 176 representada nos filmes, tentando dialogar com o resultado das buscas no
banco de teses e dissertações da Capes citados anteriormente e do
resultado encontrado de artigos, dissertações e teses disponíveis.
Selecionamos como exemplo o faroeste americano.

A fronteira pode ser política, física, simbólica ou cultural. Mesmo em suas


diversas formas a fronteira é construída, ela não existe a priori, se constitui
em função das diversas narrativas que definem determinada cultura, seja
ela dominante ou não, dentro daquele espaço que se define como fronteira.
Há um enorme campo consolidado de autores, obras e discussões acerca do
conceito de fronteira e cultura.

Definir por si só o conceito de fronteira já é uma tarefa árdua, onde há


diversos caminhos e maneiras de se estabelecer o que seria a fronteira.
Como citado anteriormente, ela é apenas física, política, física por
consequência do imperativo da política, cultural, imaginada, simbólica
dentro daquilo que podemos aceitar como os costumes e práticas que
definem uma identidade que por consequência define e estabelece sua
fronteira em relação ao “outro”, ou apenas uma mera representação que
resulta da construção daquilo que hoje se conhece por nação? Afinal existe
uma definição que contemple o máximo possível desses questionamentos?

Podemos também pensar na velocidade problematizada por Paul Virilio


“Guerra e Cinema” que perpassa toda a sua obra, onde afirma que toda
tecnologia provém das guerras, e como mecanismos militares influenciam e
moldam as práticas sociais, modificando assim toda a estrutura anterior dos
grupos. O que pretendo dizer com isso é que se o cinema é uma ferramenta
onde as práticas sociais, os códigos culturais, os sistemas assim por dizer,
são representados, a velocidade com a qual o próprio cinema interagiu ao
longo do século XX influencia diretamente em sua forma de representar as
identidades. Vejamos o exemplo da fronteira e de como Hollywood
representou a expansão para o Oeste na figura do caubói.

O homem cujos valores são a ética, a justiça e uma noção de progresso que
entra em conflito com o atraso dos povos nativos, que por sua vez são
definidos e representados como matreiros, bandidos, e um empecilho ao
ideal de nação em progresso defendido pelo discurso americano, que se
traduzem muito bem nos clássicos de faroeste. Hobsbawm em “Tempo
Fraturados: Cultura e Sociedade no Século XX” já indaga e questiona,
afirmando que o mito do caubói é o elemento “sui generis” da fronteira.
Seus valores e suas práticas que são reflexos da modernidade nascente e
da civilização em contraste com a barbárie e o atraso dos “outros” povos. E
isto será um dos símbolos formadores da fronteira americana.

Nos bancos de dados apresentou-se a dissertação de mestrado de César


Henrique Guazzelli e Souza intitulada “A subversão da fronteira: o
“spaghetti western” como crítica ao ideal de progresso”. A “subversão” Aprendendo
proposta aqui se dá no sentido de que o ideal de progresso atribuído ao História:
“cowboy” americano, que na sua luta contra os “malvados” índios contribui MÍDIAS
para a expansão para o Oeste é totalmente invertida, e apresentada como Página | 177
se fosse algo antagônico ao que representou tanto o cinema norte-
americano.

O heroísmo, a bravura, a honra somem e dão lugar ao banditismo, a


violência e a truculência com que este mesmo cowboy herói antes agora
seja representado como o vilão da história. Outras teses e dissertações
também problematizaram o tema da fronteira, e estão citadas nas
referências, mas optei por selecionar apenas a citada acima visto que
inverte o papel consagrado dado ao cowboy em seu “habitat natural”, a
fronteira.

Frederick Jackson Turner em seu “Significado da Fronteira na História


Americana de 1893”, já defende a expansão para o Oeste e a ampliação da
fronteira americana como algo positivo, veremos a importância desse
diálogo proposto na dissertação visto que se trata de uma proposta onde os
valores da expansão para o Oeste sejam questionados e,seja alvo de
paródias através do cinema italiano, realmente pode ser encarada como
uma subversão.

Levando em conta que o homem que expande a fronteira americana rumo


ao Oeste entra em contato com povoações nativas e o conflito, bem como
as relações que daí surgem forjam sua identidade, há no espaço dessa
fronteira que se expande um espaço para a discussão e o estabelecimento
daquilo que Fredrik Barth levantou, que as relações sociais, étnicas, formam
identidades dos grupos e que a convivência e troca, assim como a
geografia, definem as relações comerciais e culturais que resultam nos
traços culturais de um grupo maior, que pode ser considerado como nação
e que em suas particularidades é formado por diversos outros grupos
étnicos. Nesse trabalho de César Henrique Guazzelli e Souza o mito da
fronteira e seu ideal de progresso são questionados e representados como
negativos. Nas palavras do próprio autor:

“...os spaghetti westerns subverteram as regras do western clássico


americano e, dessa forma, construíram uma representação do mito da
fronteira em negativo, que dá a ver a conquista do oeste não como uma
marcha do progresso ou uma jornada civilizadora, mas como um caminho
cujo legado é a entronização da barbárie.”[SOUZA, 2014, p. 26.]

A narrativa de uma obra cinematográfica permite milhares de


representações e interpretações de um mesmo tema. Jamais se esgotam as
possibilidades. Lembrando que a geografia e o meio onde o homem vive
não determina mas influencia seu comportamento, sua prática cultural, e
por assim dizer ajuda a definir, moldar a fronteira, algo que Fredrik Barth e
seus pares compartilham e discutem em “Los Grupos Etnicos y Sus
Fronteras” (1976). Ou seja, a gama de possibilidades e instrumentos
naturais ou não, no caso aqueles criados pelos grupos, são os formadores e
Aprendendo definidores do que reconhecemos como fronteiras.
História:
MÍDIAS Conclusão
Página | 178 O que seria uma fronteira cultural afinal? Seriam as manifestações culturais
que definem o “eu” e o “outro” a partir das práticas? Seriam o idioma, a
religião, a música exemplos de fronteiras culturais? Mas a mesma fronteira
cultural que define e pode separar pode fazer unir os “diferentes” dentro
daquilo que a modernidade intitulou como nação. Se levarmos em conta
que a cultura pode ser definida como um conjunto se sistemas e
representações que são passados de geração em geração, e sua prática
permite a sobrevivência do indivíduo dentro do grupo social em que se
insere, e também garante a sobrevivência do grupo ao longo dos tempos,
numa aproximação daquilo que desenvolveu Roque de Barros Laraia em
“Cultura: um conceito antropológico” (2001), então também podemos
considerar o cinema como um dos sistemas de representação que ao longo
do século XX se desenvolveu e aprimorou o seu modo de representar estes
código de sistemas dos grupos sociais.

Sobre a prática simbólica nas ações dos grupos sociais que resultam na
afirmação ou na negação das fronteiras culturais e a compreensão destas
representações simbólicas que definem também o “eu” e o “outro” Sandra
Jatahy Pesavento define que:

“É por esse viés de compreensão da fronteira que se confrontam as


percepções da alteridade e da identidade, ou que se contrapõem as
construções imaginárias de referência, definindo-se ou “outros” com relação
a “nós” e vice-versa. Portanto, o “recorte” epistemológico que “encerra” o
conceito de fronteira é capaz de, paradoxalmente, anular este mesmo
critério do espaço e avançar para o plano dos significados
partilhados.”[PESAVENTO, , 2002,p. 36].

Então o cinema e suas representações das fronteiras culturais são um meio


também de compreender o sistema de símbolos de um determinado grupo
social, levando em conta as narrativas que se faz da fronteira ou das
fronteiras em pleno desenvolvimento, contração ou dilatação.

Alguns parâmetros que formaram e definiram as fronteiras ainda


permanecem imutáveis. Como o aspecto político e bélico de muitos locais,
que entram em conflito com as práticas culturais do novo século e
tencionam assim a relação com o discurso que acaba por reforçar muitas
vezes valores que se encontram na origem das questões fronteiriças.

O “não-lugar”, o “não-pertencimento”, as identidades voláteis se dissipando


no discurso da necessidade de adaptação aos “novos tempos”, que na
realidade produzem uma volta ao antigo, a barbárie e a fronteira interna ou
externa expõe esse conflito muito bem, de forma bem clara, vide as
questões étnicas ainda presentes no leste europeu, a crise de imigração
para a Europa e o debate em torno da aceitação destes “novos membros”
em uma sociedade fechada em valores rígidos mas que construiu sua
economia alicerçada na mão-de-obra imigrante, no caso da Alemanha, ou
mais perto de nossa realidade, o caso da Venezuela e o movimento Aprendendo
migratório resultante do caos político, econômico e social que bate às portas História:
da fronteira brasileira e exige uma política de acolhimento destes MÍDIAS
indivíduos, que também gera um debate social e desperta o discurso muitas Página | 179
vezes de reforço de uma identidade nacional que feche a fronteira ao
vizinho na manutenção daquilo que falei anteriormente, uma criada, recente
e baseada em valores duvidosos de unidade, a nação.

A velocidade produz um desequilíbrio na estabilidade daquilo que outrora


era definido como fronteira. As identidades e suas mudanças que ao longo
do século XX percebemos e acompanhamos se evidencia cada vez mais
naquilo que podemos definir como “cinema distópico”, tão comum nos
últimos anos. Seria influência, ou resultado das dilatações e interações
sociais que ultrapassam os limites antes definidos e rígidos da fronteira?
Seria a cultura o elemento cada vez mais determinante para que a fronteira
definitiva seja testada e entre em conflito com os ideias daquilo que antes
se definia como a nação? Se a resposta for sim, pode-se encontrar na
velocidade das trocas culturais e na velocidade com que os grupos sociais
interagem os principais responsáveis por isso. Se o cinema foi de poucos e
lentos quadros por segundo em seu início desacreditado por muitos, hoje
ele avança em frames mais velozes e que proporcionam uma velocidade de
representação que traduz em muitos sentidos o dia a dia.

Ora, o cinema e seus FPS (Frames por segundo) cada vez mais velozes
contribuem para a percepção de tempo veloz. E nunca antes o cinema
passa tão bem a ideia do “tempo-valor” de Paul Virilio (1993). Velocidade
como sinônimo de sucesso. Falácia defendida e difundida como ideal de
progresso.

No “ciberespaço” de Paul Virilio, a ordenação do tempo e da velocidade


encurta os espaços e necessariamente modificam a ideia de pertencimento
que as fronteiras outrora garantiram. Neste sentido o cinema torna-se uma
fonte rica de conhecimento desta evolução de representatividade e narração
do conceito de fronteira cultural. Onde se representa na tela os valores
daquilo que é visto como cultura e se fortalecem as práticas que formam a
fronteira, seja ela política, social, cultural ou simbólica.

A dissertação de Maurício José de Souza Júnior, sob o título de “O Cinema e


a Grande Guerra (1914-1918): os filmes sob as perspectivas do regime
estético das artes de Jacques Rancièrie e dromologia em Paul Virilio”, de
2014, problematiza esta questão e faz apontamentos na direção de como a
velocidade interfere na percepção das representações cinematográficas e
indica caminhos ainda não percorridos nas pesquisas sobre o cinema.
Então se torna um desafio analisar a crítica cinematográfica e problematizar
como foi recebido ao longo do período da pesquisa, entre os anos de 1929
até 1967, estas questões. Identificando no discurso dos críticos e na análise
das obras a percepção destas narrativas fílmicas e suas representações
sobre temas que abrangem a cultura do homem moderno, a partir daquilo
Aprendendo que o cinema definiu como modernidade e que os críticos tanto se
História: empenharam nas revistas em deixar claro do que se tratava. A dissertação
MÍDIAS de Fernanda Generoso “A serviço do cinema: História e Cultura Política nas
Página | 180 revistas A Scena Muda e Cinearte na década de 1930”, indica um caminho
de análise a respeito das revistas e sua importância no debate acerca do
conceito de modernidade:

Neste aspecto, as revistas ilustradas das primeiras décadas do século XX


devem ser entendidas como parte de um sistema cultural, lugar de
estruturação de redes de sociabilidade que auxiliam na formação da ideia de
modernidade. [GENEROSO, 2016, p. 9].

Três pesquisas contribuíram muito no sentido de definir o papel e a


importância das revistas e dos críticos de cinema. Uma tese de 2015,
escrita por Hélio Moreira da Costa Júnior intitulada “O Onírico
desacorrentado:o movimento cineclubista brasileiro (do engajamento
estético à resistência política nos anos de chumbo – 1928 - 1988)” e
defendida na Universidade de São Paulo que perfaz o caminho do
movimento cineclubista brasileiro, com ênfase ao cineclube Chaplin-Club,
apresentando os primórdios daquilo que se concretizaria ao longo dos anos
como o corpo de crítica cinematográfica brasileiro.

A tese também discute questões estéticas que se fizeram presente no


trabalho dos críticos, bem como uma modificação de postura nos anos que
se caracterizam como anos de chumbo dentro da ditadura civil-militar
brasileira até sua abertura política e como se manteve ainda em atividade
mesmo quando se demonstrou um enfraquecimento da atividade dos
cineclubes.

Um trabalho muito importante pelo fato de que nos anos 20 o cineclubismo,


que nasce na França torna-se também o lugar por excelência de muitos
daqueles que viriam a ser os críticos de cinema das principais revistas do
Brasil. especializadas no assunto ou que proporcionavam um espaço
generoso em suas páginas para a discussão acerca das obras
cinematográficas que chegavam aos cinemas mundiais e brasileiros. Nesse
sentido a leitura da tese colaborou para a compreensão deste processo de
surgimento e fortalecimento das relações dentro dos cineclubes brasileiros.

A tese de autoria de Margarida Maria Adamatti com o título de “A crítica


cinematográfica no jornal alternativo Opinião: frentismo, estética e política
nos anos setenta”, é mais um trabalho que também demonstra como a
prática da crítica cinematográfica foi de extrema importância no período da
ditadura civil-militar no Brasil. A tese apresenta como críticos importantes
como Jean-Claude Bernardet, Sérgio Augusto, Marcos Ribas de Farias,
Gustavo Dahl, José Carlos Avellar e Clóvis Marques apresentaram suas
críticas e de que maneira as mesmas traziam discussões acerca das
questões políticas, estéticas e do papel do intelectual, bem como questões
de cultura popular e linguagem cinematográfica. A questão principal da tese
se encontra no fato de tentar mapear e apresentar a tentativa de consolidar
o campo do cinema brasileiro na década de 70 e de como a prática dos
críticos de cinema se insere num panorama mais amplo de resistência Aprendendo
cultural. História:
MÍDIAS
A dissertação “Além da crítica: Os Intelectuais do Grupo de Estudos Página | 181
Cinematográficos do Amazonas e suas relações com o poder (Anos 60)”, de
2015, de autoria de Gláucia de Almeida Campos vai ao encontro dos outros
trabalhos no sentido de demonstrar como o trabalho dos críticos de cinema
foi importante para o desenvolvimento da prática ao longo do século XX no
Brasil, porém traz um elemento novo ao incorporar uma análise crítica de
como estes intelectuais que atuavam na crítica de cinema e dos estudos
acerca da sétima arte se relacionavam com os círculos de poder da
sociedade onde se inseriam, buscando o que a autora define como
afirmação social.

Aborda também uma discussão interessante dentro da teoria dos conceitos


de Habitus e Campo Social, elaborada por Pierre Bourdieu para tratar os
processos de disputas simbólicas e representações dentro do campo de
poder ao qual pertenciam.

Evidenciando mais uma vez um campo a ser explorado por historiadores


que entendem a necessidade de ampliarem as pesquisas sobre o conceito
de cultura e os meios onde o debate entre cinema, modernidade e cultura
se iniciaram. O cinema se caracterizou por ser um destes locais de cultura,
representando as mais diversas narrativas, sejam as narrativas nacionais
acerca da fronteira política ou cultural. É certo que no espaço entre seu
nascimento e seu desenvolvimento pleno como instrumento de expressão
artística, o cinema garante um espaço sólido e ainda em desenvolvimento
quanto à pesquisas que envolvam as capacidades de representação, o modo
de sua narrativa, para além da estética dos elementos que o compõem,
bem como dos críticos e de seu trabalho que evolui e se aprimora
juntamente com as obras fílmicas.

Referências
Eduardo Barreto de Araújo é Professor da rede pública e Doutorando em
História pela UFSM

ADAMATTI, Margarida Maria. A crítica cinematográfica no jornal alternativo


Opinião: frentismo, estética e política nos anos setenta.477 f. Tese
(Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Meios e Processos
Audiovisuais – Escola de Comunicações e Artes/Universidade de São Paulo.
São Paulo, SP, 2015.

BARTH, Fredrik. Los GruposEtnicosy SusFronteras: La organización social de


las diferencias culturales. 1976.
CAMPOS, Gláucia de Almeida.- Além da Crítica: Os Intelectuais do Grupo de
Estudos Cinematográficos do Amazonas e suas relações com o poder (Anos
60).129 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Amazonas. Manaus, AM, 2015.

Aprendendo GENEROSO, Fernanda. A serviço do cinema: História e Cultura Política nas


História: revistas A Scena Muda e Cinearte na década de 1930. 159 f. Dissertação
MÍDIAS (Mestrado em História) - Programa de Pós Graduação em História Social no
Página | 182 setor História Contemporânea II. Universidade Federal Fluminense. Rio de
Janeiro, RJ, 2016.

HOBSBAWM, Eric. Tempos Fraturados: Cultura e sociedade no século XX.


São Paulo: Companhia das Letras, 2013.

JÚNIOR, Hélio Moreira da Costa.O Onírico Desacorrentado: o movimento


cineclubista brasileiro (do engajamento estético à resistência política nos
anos de chumbo – 1928 - 1988).256 f. Tese (Doutorado) - Programa de
Pós-Graduação em História Social, do Departamento de História da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo. São Paulo, SP, 2015.

JÚNIOR, Maurício José de Souza. O Cinema e a Grande Guerra (1914-


1918): os filmes sob as perspectivas do regime estético das artes de
Jacques Rancière e dromologia em Paul Virilio.158 f. Dissertação (Mestrado
em História) - Programa de Pós-Graduação em História. Universidade
Federal de Uberlândia. Uberlândia, MG, 2014.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. Além das Fronteiras. In: MARTINS, Maria


Helena(org). Fronteiras Culturais: Brasil – Uruguai – Argentina. São Paulo:
Ateliê Editorial, 2002.

VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo: Editora Página Aberta, 1993.
INTERNET E ENSINO: A IMPORTÂNCIA DAS ORIENTAÇÕES
DOCENTES PARA UMA CONEXÃO SEGURA COM A PESQUISA EM
HISTÓRIA
Elaine Santos Andrade Aprendendo
História:
MÍDIAS
Numa pesquisa escolar é comum entre os alunos a famosa fórmula Página | 183
computacional do Ctrl C (copiar) + Ctrl V (colar) na construção do texto em
investigação. Atitude que nos inquieta como educador. Como fazer os
estudantes usarem a internet sem apenas copiar os dados? Primeiro é
preciso entender que esse hábito escolar está além de uma questão de
comodidade, na “falha de caráter dos alunos”, mas sim, decorrente da
carência das habilidades de localizar, selecionar e usar informações
essenciais para aprender com autonomia a busca da informação
pesquisada. Isso porque a maioria dos nossos alunos chegam a escola, até
mesmo à academia, não sabendo investigar o assunto em questão. Pois,
não foram alfabetizados especificamente para isso durante o seu processo
de aprendizagem, seja por questões socioeconômicas ou pela própria
organização curricular do ensino.

É preciso ensinar a navegar na Internet. Ao aplicar a tarefa de pesquisa em


sala de aula é necessário que o professor exponha claramente os objetivos,
fontes, métodos de análise e os procedimentos de coleta das informações
para com isso determinar a aprendizagem requerida na atividade solicitada.
Na hora de iniciar o trabalho, os alunos tem que estar cientes de seus
propósitos: encontrar respostas confiáveis para solucionar um problema. Já
que neste século XXI, o acesso universal à informação por meio dos
diversos meios tecnológicos exige de quem adentra ao ciberespaço um
guarda-chuva resistente e seletivo ao “dilúvio informacional” (DELGAGO;
MAYNARD, 2012, p.582).

Considerando esta realidade, esta comunicação visa compreender a


importância da orientação do professor, em particular na disciplina história,
sob a inserção do uso da internet como ferramenta pedagógica na produção
do conhecimento, tendo como estímulo a pesquisa histórica em suas
múltiplas plataformas virtuais que evidenciam vários tipos de fontes de
estudo da ciência História. Para isso, é preciso percorrer uma série de
reflexões que vão desde a inserção, utilização e desafios das novas
tecnologias na prática docente.

A inclusão da Internet no Brasil


A massificação do uso da internet é algo inquestionável nos dias de hoje.
Em ambiente escolar, a sua presença assemelha-se, segundo os
historiadores Andréa Ferreira Delgado e Dilton Maynard (2012), a um
“elefante” que habita tranquilamente o espaço da sala de aula. Negar a sua
presença e, o consequente uso, é ao mesmo tempo querer enviar esse
elefante para o “chão da escola”. Por isso, é preciso repensar e atualizar as
formas de ensino e aprendizagem diante das novas exigências sociais que
impõe um questionamento ao papel do professor em sala de aula em meio
a uma geração nativa da era tecnocientífica.

Entretanto, o uso das NTCI’s (Novas tecnologias de Comunicação e


Informação) é algo recente na sociedade brasileira e, assim, precisa ser
Aprendendo melhor conhecido para que os docentes consigam oferecer as condições
História: necessárias para sua efetivação. Elas começam a fazer parte do nosso
MÍDIAS cotidiano no início da década de 90, a partir do aperfeiçoamento e evolução
Página | 184 dos computadores. Esses passam a estimular a venda de um número
gigantesco de aparelhos e dispositivos eletrônicos para diversos gostos e
tamanhos. Em paralelo, ocorre um movimento para que a tecnologia deixe
de ser vista como um acessório a empresas, residências e uso pessoal, mas
sim um recurso indispensável ao desenvolvimento da humanidade. Isso
promove a necessidade da inclusão digital da nossa sociedade como via
condicionante à modernização e integração da população ao movimento
mundial.

Assim, se o objetivo é integrar-se numa sociedade globalizada, uma série


de políticas públicas são empregadas. A destacar, o ProInfo (Programa
Nacional de Tecnologia Educacional) criado em abril de 1997 para implantar
laboratórios de informática na rede estadual de ensino. Isso em
consonância com as novas Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
aprovadas pela Lei nº. 9394/96, que trouxe à tona, artigos relacionados à
ciência e tecnologia, [...] “a determinação de uma educação profissional,
integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à
tecnologia (art. 39)” (FERREIRA, 2004). Medidas que alteram os aspectos
cotidianos do ambiente escolar e de seus partícipes, como observou a
pesquisadora brasileira Andréia Ferreira em suas pesquisas acerca da
inserção da informática educacional no processo de ensino-aprendizagem.

“[...] a adaptação do espaço físico, da grade curricular, os imprevistos


técnicos, a curiosidade dos alunos, sem falar nas transformações, quando
se utiliza este recurso em sala, parecem provocar alterações, adaptações,
fascínio, medos e incertezas. (FERREIRA, 2004, p. 16).”

Soma-se a essa medida, o Marco Civil da Internet no Brasil, oficialmente


chamado de Lei n° 12.965, sancionada no dia 23 de abril de 2014, passa a
regulamentar a sua utilização ao fornecer princípios, garantias, direitos e
deveres que garantem a privacidade e neutralidade de seus usuários físicos
ou jurídicos que navegam numa simples pesquisa como receitas de bolo até
assistir um vídeo, criar sites, blogs, canais, aplicativos, etc. Além de
determinar diretrizes para a atuação do Estado. Medidas que ratificam a
presença e utilização de uma ferramenta que, indiscutivelmente, torna-se
uma das maiores fontes de informações no mundo atual ao fazer com que
seus usuários fiquem conectados as notícias em todos os cantos do mundo,
em tempo real.

Neste sentido, surgida há mais de 25 anos no Brasil, a Internet passa a


cada dia permear o nosso cotidiano com a absorção de seus deleites
tecnológicos. Fazendo dessa prática um hábito cultural que promove
impactos em vários ambientes, sendo o espaço escolar um dos mais
afetados nessa nova realidade. Isso implica numa mudança de postura nos
agentes do quadro educacional.

“[...] a informática está inserida no processo educacional está diretamente


ligada às inovações e mudanças na educação e pressupõe a incorporação Aprendendo
deste novo paradigma tecnológico perpassando por todas as atividades e História:
espaços escolares sendo incorporada por todos os sujeitos que interagem MÍDIAS
neste ambiente (BRITO & PURIFICAÇÃO, 1997, p. 4)”. Página | 185
Com relação à prática docente, essa mudança se faz necessário no repensar
em dinamizar o modelo tradicional de ensino configurado entre o quadro e o
giz. Segundo Moran (1997) isso não significa abandonar os antigos métodos
de ensinar, mas utilizá-los dentro de uma visão pedagógica nova e criativa.
Dessa maneira, o professor terá dois grandes desafios, o primeiro é ter a
disposição os subsídios tecnológicos e humanos necessários a uma efetiva
atualização nos quadros de ensino e aprendizagem. Outro, possuir a
capacidade de transformar esses dados em conhecimento frente à
superação do imediatismo informacional no mundo contemporâneo. De uma
maneira personificada, o professor torna-se na visão descrita por Carlo
Ginzburg um “caçador agachado na lama, que escuta as pistas da presa”.
(GINZBURG, 1989, apud DELGADO; MAYNARD, 2012, p.585)

Vale lembrar, que a questão não se resume na introdução da Internet em


sala de aula, mas sim no sentido em que o professor dará ao utilizá-la. Ao
entender que no ensino, a superação desses obstáculos se vincula
principalmente, a adoção de uma postura crítica e comprometida na
orientação do uso dessa rede. Isso consoante a promoção da aquisição do
conhecimento, competências e habilidades formativas ao aparato
educacional.

Escola e corpo docente: a inserção das novas tecnologias no


ambiente escolar
Observa-se que o espaço socioorganizacional da escola é formado por
diversos indivíduos que atuam ligados entre si por vários tipos de relações.
Utilizar novas tecnologias no ensino exige um trabalho interativo entre
quem compõe o corpo administrativo, pedagógico e docente.

Isso porque a atualização das práticas pedagógicas vai além de uma sala de
informática conectada à internet, algo que soa redundante, mas não é, se
levarmos em conta que em muitas escolas da rede pública possui esses
espaços como “lugares fantasmas” ou depósito de materiais, pois não
cumprem a missão básica que é oferecer acesso ao mundo virtual.
Possuindo o básico, uma sala de informática conectada à internet,
passamos a mencionar o papel da gestão escolar, em especial, à
coordenação pedagógica com a responsabilidade em gerir o
aperfeiçoamento do corpo docente ao disponibilizar recursos e,
principalmente, a orientação pedagógica adequada para o uso proficiente
das novas tecnologias fomentando novas metodologias de ensino e
aprendizagem.
Esse cenário com recursos tecnológicos e suporte humano tem que estar
ofertado ao professor para que haja o seguinte questionamento: Qual o
papel do corpo docente diante das novas tecnologias? Antes de responder a
esse questionamento é preciso lembrar das tarefas cotidianas de um oficio
de professor. A começar, ele é o centro da atividade na classe, onde fica
Aprendendo numa posição de solidão (grupo de alunos), a qual é igualmente vista como
História: uma posição de autônomo e responsabilidade dentro da organização
MÍDIAS escolar.
Página | 186
Acrescenta-se a esse papel uma carga de trabalho com alguns fatores a
considerar: o local de trabalho e recursos materiais disponíveis ou não; a
localização da escola, situação socioeconômica dos alunos, a violência;
tamanho das turmas, diversidade da clientela, presença de alunos com
necessidades especiais etc.; tempo de trabalho, número de matérias a dar,
vínculo empregatício, outras tarefas além do ensino - tutoria, supervisão,
observância do horário, avaliação dos alunos, atendimento aos pais,
reuniões, tempo de profissão, experiência, dupla jornada das professoras -
escola e casa (TARDIF; LESSARD, 2005).

Além de atividades paraescolares a exemplo de tutoria, conselheiro


pedagógico, supervisor de estágios, dentre outras. Atividades escolares fora
das horas normais de trabalho como preparação das aulas, deveres de
casa, preparação de provas e correção, atualizar-se em filmes, programas
televisivos e nas ‘paradas musicais’. Em meio a isso, quando conseguimos,
participamos de aperfeiçoamento profissional.

Esse último fôlego na sua rotina e o aspecto que nos interessa de modo
particular. Quando os profissionais do ensino conseguem em meio a sua
rotina pedagógica participar de programas de capacitação oferecidos
eventualmente pelas Secretárias de educação de sua localidade passam a
ser capazes de melhor organizar situações de aprendizagem com o uso das
tecnologias. Quando não, aventuram-se nesse universo para tentar aliar da
melhor forma possível ensino com os recursos tecnológicos usuais no
cotidiano de seus alunos.

O primeiro desafio encontrado pelos profissionais refere-se a pouca


familiaridade com as ferramentas e canais dispostos na Internet, o que
causam-lhes certo desconforto. Em contrapartida, grande parte de seus
alunos apresentam grande facilidade no domínio destas tecnologias desde
muito cedo, antes mesmo da idade escolar, pois certamente elas já fazem
parte do seu crescimento, do seu cotidiano.

Entretanto, nessa nova configuração da escola, o acesso universal à


informação exige um novo tipo de professor. Exige alguém preparado para
compartilhar, orientar, construir junto e até aprender com seus alunos. Por
isso, o papel ativo do professor se torna indispensável. A começar, pela
ideia de que o nosso aluno está imerso numa sociedade onde as
informações os encurralam nos mais diversos tipos de espaços sociais e
recursos midiáticos. Alertando que, a sua falta de contato leva-o a
“infoexclusão” (ALARCÃO, 2003, p. 25).
Então, solicita a professores e as escolas o desenvolvimento de
competências e contextos formativos que levem ao aluno a autonomia de
selecionar nas multifacetadas informações daquilo que é bom ou mal para
sua formação cidadã. A informação é condição necessária para a construção
do conhecimento e, sem conhecimento, não temos aprendizagem Aprendendo
(ALARCÃO, 2003). História:
MÍDIAS
Nessa tentativa de utilização das ferramentas tecnológicas ligadas a Página | 187
desafiante forma de "prender a atenção” dos nossos alunos na era
contemporânea, temos a criação de tarefas em ambientes virtuais. A
exemplo de uma simples pesquisa na Internet que, quando não está
gerenciada e orientada com base numa reflexão teórica e metodológica pelo
professor antes de sua feitura, possivelmente, muitos textos construídos
pelos alunos a partir da coleta do material tornar-se-ão uma mera cópia de
informações.

É preciso ensinar a pesquisar no campo da história


Não dá para pensar no uso da Internet, sem pensar num trabalho ligado a
pesquisa, principalmente no ensino de História. Mas, ensinar a pesquisar
exige primeiramente uma mudança na postura do educador e educadora
em sala de aula. Exige alguém, a se dispor a reverter a situação tradicional
em que o professor era o único detentor do saber, para passar a valorizar
os conhecimentos prévios dos alunos sobre um território em que a maioria,
desde a sua infância, são nativos.

Observamos que a Internet no campo da História, nos possibilita encontrar


diversas e inúmeras atividades educativas e lúdicas que, certamente,
possibilitam transformar a disciplina numa matéria dinâmica, criativa e
atualizada. Apesar de ter como foco o estudo do homem em seu tempo
passado. Essa rede dispõe de diversos mecanismos para a pesquisa como:
arquivos públicos em acervos online, mapas, bibliotecas digitais, filmes,
blogs, fotografias, revistas, jornais, dentre outros. O que possibilitam aos
alunos o envolvimento numa riqueza de recursos históricos que, quando
bem explorados permitem reconstruir, construir e compreender o passado
na possibilidade de uma análise crítica, frente às fontes disponíveis no
presente.

Entretanto, isso nos permite uma reflexão. Será que a simples tarefa do
aluno em realizar uma pesquisa em ambientes virtuais sobre um
determinado assunto permite a concretização da inclusão dos atributos da
Internet com uma aprendizagem significativa? Bem, se elas não vierem
acompanhadas de propostas claras, supervisão e referenciais bibliográficos
previamente definidos na tarefa teremos como resultado aparente,
“trabalhos de pesquisa que consistem basicamente nos processos de Ctrl+C
e Ctrl+V, ou seja, na cópia e cola de textos ou excertos de documentos e
imagens que depois são impressos e entregues ao professor”. (ANTONIO,
2010)
Isso porque a maioria dos nossos alunos chegam a escola, até mesmo à
academia, não sabendo investigar o assunto em questão. Pois, não foram
alfabetizados especificamente para isso durante o seu processo de
aprendizagem. Fato que nos suscita a repensar cotidianamente o nosso
papel frente às vicissitudes da nossa prática pedagógica.
Aprendendo
História: A inserção do uso da Internet para uma pesquisa histórica do tema
MÍDIAS trabalhado em sala de aula, não garante um ensino de qualidade. É preciso
Página | 188 antes propor, apoiar, acompanhar e participar com o aluno das pesquisas
deixando claro de antemão os objetivos pretendidos na tarefa. Isso porque
nos objetivos formativos da disciplina e na longa rotina de trabalho do
pesquisador /professor é preciso desenvolver mecanismos que levem a
autoaprendizagem de nossos alunos em meio a esse contexto multifacetado
que a Internet nos proporciona.

Posto isso, o professor passa a ser visto não apenas como um mediador
entre o saber produzido dentro e fora da academia, como também de
incentivador ao procurar “desenvolver nos alunos, futuros cidadãos, a
capacidade de trabalho autônomo e colaborativo, mas também o espírito
crítico” (ALARCÃO, 2003, p.34). Tal papel exige que o professor se torne
um sujeito reflexivo - e ativo para atuar na sociedade da informação.

Assim, durante esse trajeto reflexivo podemos perceber que só orienta


aquele que não apenas domina os conteúdos e a prática pedagógica, mas
que durante esse percurso torna-se flexível, inovador, disposto a ouvir e
trocar informações com seus alunos, ou melhor, que interaja nessa nova
sociedade. Com isso, a pesquisa no campo da história deve ser planejada
como um processo de coleta de informações nas mais diversas fontes
disponíveis na Internet, cujas descobertas passem a aguçar a curiosidade, a
imaginação e a conexão com o saber que está sendo ensinado e construído
em sala de aula. Fato que fica mais evidente no pensamento do pesquisador
Valente, ao afirmar que

“A possibilidade de sucesso dos projetos está em considerar os professores


não apenas como executores responsáveis pela utilização dos computadores
e consumidores dos programas escolhidos pelos idealizadores do projeto,
mas principalmente como parceiros na concepção de todo o trabalho.
(VALENTE, 1999, p. 23)”.

Desse modo, a domesticação da internet para a pesquisa histórica exigirá


do professor não só essa mudança na postura em aula, mas outros desafios
também. A começar pela: familiarização. Podemos tratar isso, não como um
impasse ao seu uso, mas sim como uma possível troca de conhecimentos
em sala de aula. Isso a partir do momento em que o professor observa que,
se os gestores educacionais não oferecem há tempo programas de
capacitação numa brecha feita na jornada de trabalho de nós professores,
teremos então que utilizar as ferramentas disponíveis, a iniciar pelo próprio
aluno. Importante que o educador troque experiências com seus alunos
para obter como resultado um melhor aproveitamento das tecnologias nos
ambientes escolares.
Para que nessa dinâmica haja um reverso no modo tradicional de ensinar,
onde o aluno entra como destrave ao domínio das ferramentas e do acesso
ao conteúdo via Internet e o mestre com a didática e a bagagem de fontes
e informações por ele mapeada durante a sua experiência profissional. Claro
que no tocante a uma pesquisa na História, o professor tem que Aprendendo
acompanhar e, numa escala progressiva de dificuldade, desenvolver em História:
seus discentes as habilidades de localizar, selecionar e usar informações, MÍDIAS
essenciais para aprender e construir com autonomia a narrativa histórica. Página | 189
Conclusão
Para inserir os alunos numa pesquisa histórica e evitar o, por vezes
habitual, uso do Ctrl C (copiar) + Ctrl V (colar) é preciso antes propor,
apoiar, acompanhar e participar com esses da própria pesquisa, deixando
claro de antemão os objetivos pretendidos na tarefa. Isso implica numa
mudança de posicionamento em sala de aula, quando o professor diante
das vicissitudes encontradas em sua pouca afinidade com o meio virtual e
na falta de capacitação pedagógica para atualizar-se as novas tecnologias,
passa a permitir uma troca de experiências acadêmicas e tecnológicas –
professor e aluno para obter como resultado as construções e reconstruções
das informações numa melhor aprendizagem do conteúdo ministrado em
aula.

Vale ressaltar que, é preciso que ele descubra que não é necessário
abandonar o ensino tradicional, caso seja o seu receio, mas sim permitir
uma didática que qualifica ainda mais o trabalho do mestre. Isso ao
conectar métodos de ensino e aprendizagem aos anseios do mundo
contemporâneo.

Referências
Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de História pela
Universidade Federal de Sergipe. Professora da Educação Básica da Rede
Estadual de Sergipe. E-mail: elainesantosandrade90@hotmail.com

ALARCÃO, I. Professores Reflexivos em Uma Escola Reflexiva. São Paulo.


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Manuscrita. Professor Digital. SBO. 31 jan, 2010. Disponível em:
<https://professordigital.wordpress.com/2010/01/31/pesquisa-escolar-na-
internet-ctrlc-ctrlv-versus-copia-manuscrita/>. Acesso em: 10 de dezembro
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Campinas: NIED/Unicamp, 1999.
PAPISA JOANA: AS POSSIBILIDADES DE ANÁLISE DE UMA
PERSONAGEM NOS CONTEXTOS LITERÁRIO E CINEMATOGRÁFICO
Esteffane Viana Felisberto

Introdução Aprendendo
Para compreender o motivo pelo qual produtos literários e cinematográficos, História:
apresentando como protagonistas mulheres, surgiram em determinados MÍDIAS
contextos, é necessário observar a relação entre sociedade e escrita da Página | 191
história. Esta relação, por exemplo, explica o surgimento da história das
mulheres como campo de estudo, o qual chama a atenção de historiadoras
e historiadores até hoje.

Na segunda metade do século passado, surgiu um campo de estudos


específico para o caso feminino, destacando uma história que enfatizava as
mulheres como protagonistas. Essa perspectiva surgiu nos anos de 1970,
quando o campo de estudos históricos ampliou sua atuação e seus objetos
de pesquisa, afastando-se da história voltada apenas para a política e
estudando a vida particular de acordo com os cotidianos femininos (Scott,
1992, p. 63-95).

Posteriormente, na década de 80 se desenvolveu a ideia de um desvio de


uma história partidária e socialista para uma história voltada e vinculada à
ideia de “gênero”, proporcionando a esse campo de estudo uma
característica própria. Por exemplo, Joan Scott acredita que essa análise se
originou através das construções sociais e literárias de cada escritor (Scott,
1992). Esta nova abordagem possibilitou reformular a ideia da relação com
o campo de estudos sobre a vida das mulheres, assim como trabalhar
principalmente com a construção social, considerando a mulher como um
ser não inferior ao “sexo” masculino (Soihet, 2011; Scott, 1995).

Para que seja possível compreender a história das mulheres em uma


sociedade concentrada em papéis masculinos, é importante ressaltar a ideia
de gênero, o qual, a partir da perspectiva gramatical, é compreendido como
“uma forma de classificar fenômenos, um sistema socialmente consensual
de distinções e não uma descrição objetiva de traços inerentes” (Scott,
1995, p. 72), ou seja, a ideia de que existe ou deva existir uma história
voltada apenas para homens ou apenas para mulheres é contrária à ideia
que é proposta pela própria gramática.

Assim, a criação de um campo de estudos voltado para a história das


mulheres, a partir de demandas sociais iniciadas com o movimento
feminista entre as décadas dos anos 60 e 70 do século passado, fizeram
com que diversos produtos sociais e culturais, tais como produtos literários
e cinematográficos, refletissem esta demanda social. No caso do presente
trabalho, analisaremos brevemente as manifestações literárias e
cinematográficas, assim como suas formas de análise, voltadas para a
personagem Papisa Joana, uma personagem lendária vinculada ao contexto
medieval do século IX e que, segundo sua lenda, ocupou a cátedra de São
Pedro durante alguns anos.
A Papisa Joana no contexto literário: formas de análise
O Livro “Papisa Joana” é considerado um romance literário que foi publicado
originalmente em 1996 em inglês e traduzido ao português em 2009 pela
Geração Editorial. Escrito por Donna Woolfolk Cross, contém 496 páginas na
Aprendendo que são divididas em 29 capítulos, descreve e caracteriza a história da
História: personagem Joana, que, através do caráter lendário, chegou a ocupar a
MÍDIAS cátedra de São Pedro, assim como destaca a sua importância diante dos
Página | 192 meios sociais masculinos, ajudando a enfatizar as relações sociais,
demonstrando os preconceitos vivenciados pelas mulheres durante o
período medieval.

A história da Papisa Joana é vista por diversos historiadores como uma


história lendária. Entretanto, é possível ver diante do desenvolvimento
dessa personagem características que a vinculam diretamente com o
Medievo. Como destaca Jacques Le Goff (2010), a papisa Joana pode ser
considerada uma lenda, mas uma lenda fortificada de acordo com os
conhecimentos da época, até porque, segundo Franco Junior (2008), essa
lenda passou a ter movimentação em um contexto social específico, um
momento no qual foram feitas críticas à estrutura administrativa
eclesiástica. Essa ideia de lenda, que é alimentada tanto por Le Goff quanto
por Franco Junior, é apresentada durante a elaboração do livro de Cross
quando a autora (2009, p. 482-491) questiona o possível posicionamento
da Igreja ao abordar a ideia de existência da Papisa.

O livro “Papisa Joana” é uma obra que descreve a história de uma


adolescente que vivia em uma cidade conhecida como Inlheguem com seus
pais, em pleno século IX, e que se interessou pelos estudos eclesiásticos,
que eram destinados apenas a seres do sexo “masculino”, o que, por fim,
fez com que a personagem principal do livro se caracterizasse como homem
a fim de conseguir desenvolver seus estudos.

A obra de Cross (2009) contextualiza e apresenta a formação e a


caracterização de uma jovem que posteriormente consegue entrar no
âmbito dos estudos eclesiásticos durante o século IX. Na narrativa, é
notório o engrandecimento que a escritora faz sobre a sua personagem,
colocando-a sempre em destaque e dotando-a de um poder relevante,
considerando a sociedade na qual se encontrava. Esse contexto pode ser
visto quando Joana é apresentada ao Papa, o qual afirma que a menina tem
noções de teologias ortodoxas (Cross, 2009, p. 104).

Para fomentar a dúvida e alimentar a inquietação dos seus leitores, Cross


utiliza o caminho do romance literário para retratar a narrativa de vida da
personagem. Joana é aceita no colégio de estudos para homens, é levada
da sua família, foge com seu irmão, encontra diversos devaneios em sua
trajetória, sofre um acidente, assume o posto de papa, se entrega ao amor
e, por fim, perde o seu papado ao dar a luz a um filho durante uma
procissão (Cross, 2009).
Em relação ao estudo e análise de fontes literárias, por exemplo, podemos
citar o texto de Antônio Celso Ferreira, intitulado “Literatura: a fonte
fecunda”, que compõe um dos capítulos do livro “O historiador e suas
fontes” publicado em 2009. Durante o decorrer do texto, o autor discute
como uma fonte literária pode ser importante nas construções de textos
históricos, ajudando a compreender como podemos trabalhar no contexto Aprendendo
do romance. (Ferreira, 2009). História:
MÍDIAS
Neste sentido, Ferreira (2009, p. 82) explica que: “o historiador não pode Página | 193
se deixar seduzir facilmente pelos rótulos a ele apresentados”, e com isso
deve-se “interrogar a que público ela [ou seja, a fonte] se destina e que
papel cumpre nas condições sociais e culturais de uma época”. Sendo
assim: “O que caracteriza a operação historiográfica é a interpretação das
fontes em determinadas circunstâncias sociais, isto é, nos contextos, que só
podem ser reconstruídos, ainda que de modo parcial, lacunar ou
aproximado, pela mediação de outros textos” (Ferreira, 2009, p. 82).

Para compreender a obra de Donna Woolfolk Cross no seu respectivo


contexto de composição, faz-se necessário o entendimento do termo de
metaficção historiográfica que, segundo Linda Hutcheon (1991, p. 152), “se
aproveita das verdades e das mentiras do registro histórico,” analisando,
assim, os detalhes e as assimilações do mundo ficcional, com o objetivo de
lhe propor uma verificabilidade. Com isso, se faz necessário entender que a
metaficção historiográfica “não reconhece o paradoxo da realidade do
passado, mas sua acessibilidade textualizada para nós atualmente”
(1991,p. 152).

Sendo assim, é de grande relevância que possamos entender que durante o


século XIX os românticos destacavam a ideia de que os escritores criavam
um universo utópico e ao mesmo tempo imaginário. Porém, diante desse
universo, o autor faria uma crítica à sociedade através da sua realidade
histórica (Ferreira, 2009, p.61). Ou seja, através de um texto literário
podemos compreender a relação entre escrita e sociedade, enquadrando e
localizando o contexto junto às políticas sociais da época. Dessa forma,
analisar a obra “Papisa Joana” a partir do viés contemporâneo literário nos
favorecerá revisar e questionar os padrões sociais contemporâneos
impostos a personagem.

Como dissemos anteriormente, o livro foi publicado em 1996 em inglês, a


tradução ao português foi realizada em 2009 e no ano seguinte foi
produzido o filme que narra a história da mesma personagem, com detalhes
fornecidos pela escritora, enfatizando e ressaltando as ideias feministas da
época, caracterizando a personagem com a perspectiva de uma mulher
doutrinadora e com o poderio elevado diante de uma sociedade que
desvalorizava os poderes femininos.

A obra de Cross foi escrita tendo como contexto histórico um momento no


qual as mulheres eram vistas como subordinadas ao poder masculino e que
deveriam obedecer aos maridos e aos pais. Entretanto, chama a atenção o
fato de que, no capítulo 6 da obra de Cross (2009, p. 77), Joana é
representada fazendo uma leitura do livro de Homero, ou seja, tendo o
contato com a leitura. Após ter sido descoberta, Joana é punida, o que
transparece nas páginas do livro.

Cross destaca ainda no seu livro uma certa insegurança sobre as felicidades
Aprendendo matrimonias da época, pois ela demonstra que a sociedade aceitava aquilo
História: que era imposto pelo simples fato de que não teriam outra forma de ver ou
MÍDIAS de conviver naquele momento. Por exemplo, em uma das partes do livro a
Página | 194 personagem da Sra. Gudrun (mãe da Joana) expressa a sua revolta com as
ordens que eram a elas destinadas durante o período (Cross, 2009, p. 81).

Algo que inquietamente fez alimentar esta pesquisa foi a realidade ficcional
descrita no contexto do livro, o que alimenta a ideia de que haveria outra
forma de vivenciar os meios femininos. Por exemplo, a Sra. Gudrun alerta a
Joana que a mesma deveria se dedicar aos estudos e em nenhum momento
se entregar a um homem, ou até mesmo ao matrimônio (Cross, 2009, p.
81), o que não transparece no contexto cinematográfico, o qual veremos a
seguir.

A Papisa Joana no contexto cinematográfico: formas de análise


Entretanto, a história da Papisa Joana não se restringiu apenas ao contexto
literário. Diante dos acontecimentos que a consideram como uma
personagem imaginária, em 2010 foi lançado o filme “Papisa Joana” (no
original “Johanna von Inlheguem”) que retrata e segue a obra de Donna
Woolfolk Cross, com direção de Soner Workeman. O filme, que foi produzido
em na Espanha e que tem uma duração de 149 minutos , retrata a história
da papisa, assim como sua trajetória e as suas principais funções e
limitações das mulheres diante dos poderes da Igreja católica no começo do
Medievo. Da mesma forma, enfatiza o poder da mulher neste período
histórico e ressalta o grande preconceito em relação ao mundo feminino da
época.

Enquanto que no contexto literário Joana é uma mulher amedrontada diante


dos personagens masculinos que participam do romance (Cross, 2009, p.
102-103), no filme é possível se observar uma personagem mais maleável,
que consegue se encantar pela figura do personagem Gerald em um
primeiro contato, onde não é possível identificar o medo, a angústia, e a
repreensão da mesma. Por outro lado, pode se notar algo em comum no
livro e no filme no que diz respeito à trajetória e as desavenças que Joana
enfrentou: as obras são fiéis ao contexto, trata-se de uma adolescente que
se revolta com a postura da sua mãe e como forma de resistência e
incômodo com a situação resolve fugir de casa e ir ao encontro de um dos
seu irmãos que foi enviado aos estudos eclesiásticos, os quais, na época,
eram destinados apenas aos homens.

Com isso, os fatos e acontecimentos da vida da personagem demonstram o


quão conflituoso foi o percurso que diante do contexto cinematográfico foi
camuflado em seus minutos de filmes. O cinema é uma arte fundamental
para entender diversos contextos, mas é possível compreender que a forma
que se descreve o personagem em um filme é distinta da forma que se
descreve em um livro. O ato imaginário de que Joana foi bem aceita na
escola, que ela se relacionou com personagens masculinos de forma rápida
e ao mesmo tempo segura, faz com que se classifique o filme com um tom
ficcional, uma vez que o contexto original que serviu como pano de fundo
para o livro e para o filme foi um momento no qual a maior parte das
mulheres sofria preconceitos diante da sociedade. Aprendendo
História:
Diante dos personagens masculinos, o filme retrata ainda a possível MÍDIAS
reflexão da personagem em relação à condição feminina da época, pois, a Página | 195
mesma diz que ao se transformar em homem podia ter liberdade e podia
sentir o corpo, mesmo sendo preciso esconder diante de tantas roupas.
Enfatizamos ainda que o filme é enriquecedor em diversos detalhes, pois
consegue explicar como foi possível a entrada da personagem no mosteiro e
como a mesma conseguiu se vestir de homem e esconder as mudanças
naturais que ocorrem no corpo da mulher.

Sobre a análise de fontes cinematográficas, recuperamos as palavras


destacadas por Jose Alberto Baldissera: “Os filmes que abordam as histórias
podem ser considerados como reconstituição histórica, que se refere a
algum episódio histórico, reconstituído através do cinema” (2009, p. 129).
Neste sentido, a importância do cinema como apresentação midiática é
fundamental, visto que descreve e demonstra ideias que são formalizadas
diante do contexto apresentado. Devemos recordar que o filme “Papisa
Joana” foi ambientado no contexto do século IX. Cross, contudo, em sua
obra literária, faz com que esse contexto seja explícito em seu livro, e
consequentemente os responsáveis pelo lançamento do filme retratam o
mesmo contexto nas telas do cinema.

Uma vez que as fontes cinematográficas são fundamentais para o


desenvolvimento dos estudos históricos, é importante ressaltar que toda
fonte cinematográfica deve ser interrogada para que seja interpretada de
forma correta. Com isso, pode-se trabalhar com as ideias apresentadas por
Alexandre Busko Valim, o qual caracteriza as fontes cinematográficas como
importantes nos processos de reconstruções históricas, afirmando que ao
interrogar os filmes deve-se tratar o mesmo como um objeto de estudo que
representa, de forma direta ou indiretamente, o período que foi produzido
(2012, p. 285).

Diante disso, a produção cinematográfica é vista como um conjunto de


conteúdos ideológicos que, ainda segundo Valim (2012, p. 288), ocorre
devido ao seu processo de produção que engloba os processos de
elaboração, acumulação, formação e produção de ideologias.

Uma vez que as fontes literárias devem ser analisadas ressaltando sempre a
sua época original, como proposto por Ferreira (2009), as fontes
cinematográficas também devem recorrer a vestígios originais
documentados que engradeçam a sua história, sendo ela ficcional ou
verídica, de modo que leve o seu público a retornar os processos históricos
e analisar o seu contexto midiático (2009, p. 62).
Retornamos, assim, a ideia principal de Baldiserra (2009, p. 130), o qual
justifica que o cinema é sempre uma imagem em movimento, e toda
produção ficcional historiográfica deve levar em consideração a sua época
de ficção, a época de realização e, por fim, a época de recepção. Ou seja,
todo responsável pela produção de uma obra cinematográfica deve se
Aprendendo atentar a pontos importantes de caracterização da obra, com o objetivo de
História: levar ao telespectador a segurança de uma produção fundamentada em
MÍDIAS algo real e ao mesmo tempo lúdica.
Página | 196
Portanto, a análise de obras cinematográficas deve ser realizada de forma
clara e objetiva, onde quem produz deve se questionar qual contexto quer
incluir nessa obra, e todo analista deve entender que o contexto ficcional,
por diversas vezes, é caracterizado por ideias ilusórias e ao mesmo tempo
realistas. Ou seja, segundo Valim (2012, p. 288) todo processo de
interpretação midiática deve ser analisado a partir de um contexto, pois o
cinema é uma ferramenta importante no conhecimento educacional, mas ao
mesmo tempo é decorrente de ideias ideológicas do seu produtor.

Considerações finais
As fontes cinematográficas e literárias possuem um papel fundamental no
processo de reconstrução histórica, visto que a história da Papisa Joana,
tanto na literatura quanto no cinema, é caracterizada como ilusória e ao
mesmo tempo é rica em informações sobre o século que a personagem é
ambientada. Neste sentido, a história torna-se fundamental para que o
historiador resgate diante dos fatos detalhes importantes que ajudem a
enriquecer a história das mulheres no Medievo.

Caracterizada e idealizada como ilusória, as obras sobre a Papisa Joana,


tanto no âmbito do cinema quanto no âmbito da literatura, têm um papel
importante nos estudos sobre as mulheres que formavam a sociedade do
período da Alta Idade Média, justificando, assim, os acontecimentos que
levaram à escrita do livro e, por fim, a produção cinematográfica do filme.
Visto isso, a possibilidade de estudo das obras e apresentações sobre a
Papisa Joana são descritas como importantes na descrição de imagens
femininas, onde deve-se obter conhecimentos vinculados aos poderes da
Igreja católica medieval para enfatizar a importância da personagem.

Portanto, questionar as atribuições masculinas direcionadas a personagem


Papisa Joana é importante para manter um desenvolvimento histórico sobre
as relações dessas mulheres e conseguir analisar a obra com uma
característica ficcional, mas que como todo historiador acrescenta, sempre
haverá uma linha histórica verdadeira.

Referências
Esteffane Viana Felisberto é graduanda em Licenciatura Plena em História
na Universidade de Pernambuco – UPE (Campus Petrolina). Orientador:
Prof. Dr. Luciano José Vianna (UPE – Campus Petrolina). É integrante do
Spatio Serti – Grupo de Estudos e Pesquisa em Medievalística da
UPE/Petrolina.
Fontes
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São Paulo: Geração editorial, 2009.
Papisa Joana. Direção: Soner Workeman. Produção: Constant Film Products.
Filme, 2009 (149 min.) Baseado no romance histórico “Papisa Joana” de Aprendendo
Donna Woolfolk Cross. Disponível em : https://ok.ru/video/283800046306. História:
Acesso em Janeiro de 2019. MÍDIAS
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Bibliografia
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Revista do Corpo discente do programa de pós-graduação em história da
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História e Teoria das Ideias, vol. 25, p. 113-134, 2008.

LE GOFF, J. Héroes, maravillas y leyendas de la Edad Media. Barcelona:


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SCOTT, Joan. História das mulheres. In: A escrita da História. Novas


perspectivas. Peter Burke (Org.). São Paulo: Editora Unesp, 1992, p. 63-95.
INTRODUÇÃO À HISTÓRIA COM O RECUSO DAS HISTÓRIAS EM
QUADRINHOS
Fabian Filatow

Aprendendo No presente trabalho refletiremos sobre as possibilidades de uso das


História: histórias em quadrinhos para o ensino de História. Partindo da experiência
MÍDIAS de prática docente na qual foi feito uso desta mídia com estudantes do
Página | 198 Ensino Médio. Foi apresentado aos estudantes uma breve introdução ao
universo dos quadrinhos, sua história, produção e algumas referências.
Realizando a leitura de alguns exemplares previamente selecionados para
esta atividade. Identificamos uma maior compreensão por parte dos
estudantes sobre os recursos utilizados na construção dos quadrinhos, bem
como um interesse na leitura e discussões sobre temas relevantes para a
disciplina e da atualidade originadas dos debates efetuados com o trabalho
executado em sala de aula. Assim sendo, a proposta deste texto é refletir
sobre as possibilidades do uso dos quadrinhos como recurso pedagógico nas
aulas de História e apresentar uma prática desenvolvida.

Inseridos no universo dos quadrinhos podemos identificamos publicações


produzidas com o propósito de contar o passado histórico. Há publicações
de biografias de personalidades da História. Outras retratam a vida de
pessoas comuns que estiveram envolvidas em acontecimentos marcantes
da História. Existem reportagens e relatos de viagens no formato de
quadrinhos. Tudo isso provoca a reflexão sobre qual o potencial deste
material para o ensino da História. É necessário que os(as) educadores(as)
se apropriem dos seus recursos, das etapas que o compõem, dos
elementos.

A interdisciplinaridade é um ponto importante no ensino. Porém, teoria e


prática nem sempre andam no mesmo passo, principalmente na Educação
Básica. Ainda existem inúmeras barreiras para educadores(as) no momento
de colocar em prática a concepção teória da interdisciplinaridade.

Acredito que a utilização das histórias em quadrinhos pode contribuir


positivamente para tirar esta concepção do campo teórico e apresentá-la na
prática. Arrisco a afirmar que as histórias em quarinhos são, por excelência,
o campo da interdisciplinaridade. Isto porque se faz necessário a utilização
de inúmeros saberes para que possamos nos apropriar das narrativas
presentes nas histórias em quadrinhos. Numa única revista de quadrinhos
nos deparamos com vários recursos de comunicação, tais como cores,
letras, imagens, “sons”, perspectivas, uso de tempos distintos, épocas
passadas e futuras, tempos simultâneos, aceleração do tempo, dedução
entre outros. É necessário a compreensão deste complexo repertório para
que os quadrinhos tenham sentido e sejam compreendidos. É necessário
decodificar os signos, as imagens, perceber as nuâncias nas cores, os
desenhos etc., e assim contribuir para que os estudantes possam
decodificar o que é texto e o que é imagem. Nesta mídia a leitura da
imagem é tão importante quanto a leitura do texto ou seja “a alfabetização
na linguagem específica dos quadrinhos é indispensável para que o aluno
decodifique as múltiplas mensagens neles presentes.” (VERGUEIRO, 2016,
p. 31).

Assim como o cinema, a fotografia, os documentos escritos são utilizados


como fontes para a produção do conhecimento histórico na sala de aula,
também as histórias em quadrinhos oferecem esse potencial. Por que não Aprendendo
inserir os quadrinhos como um recurso a mais? A resposta pode estar História:
relacionada com o despreparo do(a) educador(a) frente a esta mídia ou nas MÍDIAS
visões vulgares sobre este material. Página | 199
Não podemos nos esquecer que quadrinhos são produtos fabricados pela
sociedade humana, assim como qualquer outro documento histórico
utilizado em aula. Sua análise pode nos levar a compreender muito mais do
que o período histórico retratado, pode abrir janelas para o período no qual
foram elaboradas, reeditadas, censuradas. Questionar quais temas
contemporâneos norteiam as produções das histórias em quadrinhos? Por
que estão sendo publicadas atualmente? Tais questões podem contribuir
para refletirmos sobre nossa sociedade atual.

Busco destacar aqui é a utilização das histórias em quadrinhos como fonte


para a reflexão histórica no ambiente sala de aula. Iniciar toda a construçao
do conhecimento partindo-se dos quadrinhos. Com isso não estou indicando
que se deva largar o currículo estabelecido, ou que os quadrinhos devam
ser utilizados do início ao fim do ano letivo em todas as aulas. Porém, seria
viável uma inserção dentro deste período letivo, destacando um tema e
abordando-o a partir da análise desta mídia. Fazer uso das histórias em
quadrinhos como documentos a serem lidos, decodificados, discutidos e
refletidos nas aulas de História certamente se constitui num exercício
valioso para todos os envolvidos. Principalmente se nesta atividade
estivermos provocando um diálogo interdisciplinar e possibilitando aos
estudandes serem protagonistas do seu aprendizado. Em seguida, iremos
expor uma prática vivenciada em sala de aula com o uso de quadrinhos.

Pretendemos expor um breve relato da utilização das Histórias em


Quadrinhos nas aulas de História. No decorrer do ano de 2018, na EEEM
Margot T. N. Giacomazzi, em Canoas, vigorou um projeto no qual foi
ofertado aos estudantes do ensino médio noturno minicursos diversos. No
primeiro semestre ofertamos dois minicursos utilizando-se das Histórias em
Quadrinhos, no primeiro analisamos as Histórias em Quadrinhos e o
combate a intorlerância e o segundo realizamos uma Introdução à História
através das Histórias em Quadrinhos. Apresentamos aqui uma síntese
destes dois momentos.

Iniciamos com um breve estudo da histórias das histórias em quadrinhos e


dos diferentes contextos históricos nas quais surgiram. Realizamos uma
sensibilização sobre a presença e utilização dos símbolos e imagens na vida
cotidiana. Partimos das pinturas rupestres até as atuais pinturas urbanas
(grafite, pichações, outdoors etc.), passando pelos sinais de trânsito e pelos
ícones do mundo digital.
Apresentamos os elementos básicos dos quadrinhos. Realizamos uma
diferenciação entre tirinhas, charge e cartum. Ressaltamos que temos
nestes materiais a associação entre texto e imagem e esta estabelece uma
ideia de complementaridade.

Aprendendo Os quadrinhos podem ser utilizandos para pensarmos o conceito de tempo e


História: suas dimensões, tais como sucessão, duração e simultaneidade. (VILELA,
MÍDIAS 2016, p. 107) Devemos estar atentos para os signos presentes nos
Página | 200 quadrinhos e sua contribuição sobre a passagem do tempo.

“Os elementos visuais utilizados para indicar a passagem do tempo em uma


história em quadrinhos (um desenho da Lua para indicar o anoitecer; um
relógio na parede de um escritório; uma personagem marcando o cartão de
ponto final do expediente) podem ser usados para uma reflexão sobre os
diferentes tempos: o tempo da natureza, o tempo do relógio, o tempo da
fábrica.” (VILELA, 2016, p. 107)

Por fim, destacamos o flashback. Recurso muito utilizado nas revistas de


quadrinhos que nos permite introduzir um conceito de memória e a
subjetividade presente na forma de narrar a História.

“(…) uma personagem adulta é retratada quando criança no quadrinho


seguinte para mostrar um aspecto da infância. Esse tipo de sequência pode
servir para que os alunos reflitam sobre o conceito de memória. Além disso,
uma história em quadrinhos pode mostrar um mesmo fato narrado do ponto
de vista de diferentes personagens, o que pode contribuir para que os
alunos compreendam mais facilmente a existência de diferentes versões da
História, assim como a subjetividade presente nelas.” (VILELA, 2016, p.
107)

As Histórias em Quadrinhos mais famosas são aquelas que retratam a vida


de super-heróis. Nestas temos as ideias de justiça, de valores morais,
altruísmo, coragem, ética etc. Porém, nem toda história em quadrinhos está
restrita a narrar as peripécias de personagens fictícios dotados de super
poderes. Mencionamos Persépolis, de Marjane Satrapi, uma biografia que
narra a infância vivida ela autora e sua visão sobre a Revolução Islâmica
(1979). Outro exemplo de relato de vida inserida num acontecimento
histórico é a obra Maus: a história de um sobrevivente, do americano Art
Spiegelman, de origem judia, contra a história de seus pais, sobreviventes
dos campos de concentração de Auschwitz, durante a Segunda Guerra
Mundial (1939-1945).

Apresentarei algumas possibilidades do uso dos quadrinhos partindo das


experiências realizadas em sala de aula com a utilização da história em
quadrinhos intitulada A Busca, escrita por Eric Heuvel.

Em A Busca temos tempos históricos diversos, signos políticos e religiosos e


multiplos espaços geográficos. As memórias nos remetem ao tempo da
Segunda Guerra Mundial atavés das vidas de pessoas comuns. A fim de
amostragem, selecionamos para serem analisadas três cenas.
Na primeira iamgem selecionada (HEUVEL, 2016, p. 11) temos a lembrança
realizada pela avó que nos reporta a Alemanha de Adolf Hitler em 1933. É
um espaço específico de Berlim, capital alemã, o Portão de Brandemburgo.
Temos a lembrança de seus pais ouvindo o avanço de Hitler pelo rádio.
Temos numa breve sequência tempos distintos, gerações, memória, Aprendendo
símbolos políticos, lugares, meios de informação e o recurso dos balões que História:
unificam as cenas. MÍDIAS
Página | 201

IMAGEM 1: HEUVEL, 2016, p. 11.

Na segunda imagem (HEUVEL, 2016, p. 12.), podemos identificar uma


leque maior de gerações, a avó que relembra sua vida na escola, seus pais
que ficaram horrorizados, a exclusão sofrida na sala de aula através da
atitude da professora, tempos atuais (autoban, euro) e o tempo do nazismo
na Alemanha. Temos a presença do filho e do neto da avó que conta sua
história. Numa sequencia breve temos quatro gerações de uma mesma
família. Podemos identificar a pasagem do tempo e a história familiar que
unifica a cena.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 202

IMAGEM 2: HEUVEL, 2016, p. 12.

Na terceira e última imagem (HEUVEL, 2016, p. 59.) selecionada podemos


perceber o destaque para a produção da fonte escrita, ou seja, o relato
produzido no passado pela jovem e recuperado após a pasasgem dos
nazistas e devolvido na atualidade. Uma produção que hoje torna-se fonte
histórica. Relatos, tais comos os diários, também podem ser uma excelente
fontes para pesquisas históricas. Muitos destes materiais oferecem imagem
tais como fotografias da época em que foram produzidos, das pessoas que
faziam parte da convivência naquele tempo, dos ambientes e espaços
geográficos então vivenciados.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 203

IMAGEM 3: HEUVEL, 2016, p. 59.

Encaminhando alguns apontamentos visando a conclusão desta


apresentação, podemos indicar que a prática docente pode se valer e muito
dos quadrinhos, pois estes oferecem grande diversidade de emas e
possibilidades de abordagens, para tal precisamos nos apropriar deste tipo
de mídia. As histórias em quadrinhos configuram-se numa produção
artística que nos permite refletir sobre valores e atitudes, bem como sobre
as riquezas histórico-cultural. Contribuem de modo interdisciplinar para
uma reflexão mais qualitativa dos conteúdos educacionais.

Aprendendo A utilização dos quadrinhos na sala de aula proporciona a realização de um


História: trabalho colaborativo, diversos olhares sobre o mesmo objeto e muitas
MÍDIAS conexões com outros saberes explorando habilidades e competências.
Página | 204 Enfim, inserindo o quadrinho na sala de aula ampliamos este repertório de
fontes de informação na nossa prática docente e oferecemos uma
diversificação de fontes para os estudantes.

Referências
Fabian Filatow, licenciado, mestre e doutor em História. Professor de
História na rede de ensino da prefeitura de Esteio e da rede estadual do Rio
Grande do Sul.

HEUVEL, Eric. A busca. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

RAMOS, Paulo. VERGUEIRO. A leitura dos quadrinhos. 2ª ed. 2ª reimp. São


Paulo: Contexto, 2018.

SATRAPI, Marjane. Persépolis. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

SPIEGELMAN, Art. Maus: a história de um sobrevivente. São Paulo:


Companhia das Letras, 2009.

VERGUEIRO, Waldomiro. A linguagem dos quadrinhos uma “alfabetização”


necessária. In: BARBOSA, Alexandre; RAMOS, Paulo et al. (orgs). Como
usar as histórias em quadrinhos na sala de aula. 4ª ed. 3ª reimp. São
Paulo: Contexto, 2016.

VILELA, Túlio. Os quadrinhos na aula de História. In: BARBOSA, Alexandre;


RAMOS, Paulo et al. (orgs). Como usar as histórias em quadrinhos na sala
de aula. 4ª ed. 3ª reimp. São Paulo: Contexto, 2016.
(RE) VISITANDO O YOUTUBE: A PRESENÇA DOS POVOS
ORIGINÁRIOS NA PLATAFORMA
Fábio Júnio Mesquita
Ana Paula Santos de Sousa Mesquita

Aprendendo
Apresentação História:
Indiferentemente se você o ama ou o odeia, o YouTube está cada vez mais MÍDIAS
presente no cotidiano dos/as nossos/as jovens. Ainda que outros serviços Página | 205
de streaming estejam em ascensão, o YouTube já tem lugar garantido no
dia-a-dia, e nos celulares, não só dos/as estudantes, mas também dos/as
professores/as. Com o aparelho celular sempre por perto, o acesso é
inevitável. Seja por entretenimento, para aprender a fazer algo por conta
própria, para se informar sobre algum assunto, ou ainda sem um motivo
aparente, nos deparamos com o aplicativo ou com o site aberto e os vídeos
em reprodução (algumas vezes os assistimos na página inicial, de maneira
acidental, nem clicamos sobre o vídeo para visitarmos o canal).

Portanto, é certo que o YouTube já compõe o cenário da mídia de massa,


sendo uma força a ser levada em consideração [BURGESS; GREEN, 2009].
Ainda que seu apreço pela plataforma seja bem pouco, ou nenhum, é
necessário reconhecer que os/as estudantes estão em permanente contato
com ele, por muito mais tempo do quê interagem com nossas aulas. Logo, a
depender do conteúdo absorvido por eles/as alguns obstáculos podem ser
colocados entre o/a educando/a, a matéria ensinada, a disciplina, e o/a
professor/a.

Desta maneira indicamos que não é nossa pretensão defender a plataforma


ou a livre produção de vídeos, esclareçemos que tão pouco nos interessa
depreciar os mesmos. Neste trabalho lhe convidamos a repensar a
utilização do YouTube nas aulas de História, sobretudo no ensino da história
indígena brasileira e temas transversais que tangenciem a causa. Creio que
a resistência que ainda encontramos em trabalhar com a plataforma sejam
parecidas a que, outrora, a televisão e o cinema enfrentaram. Nestes dois
casos, é fato que não se trata mais de um assunto tão polêmico para se
abordar com os professores/as.

Há tempos já não é mais novidade o emprego do audiovisual para trabalhar


diferentes conteúdos, nas diversas disciplinas na escola. Em alguns casos, o
audiovisual assume o compromisso de educar e dispensa a sala de aula,
como aconteceu com o Telecurso, e acontece com a Educação a Distância,
que já oferta a modalidade totalmente online, dispensado, em alguns casos,
o educando de comparecer aos pólos para realização de quaisquer
atividades. Nos dois exemplos, os vídeos são parte essencial para a
construção do material didático que é disponibilizado aos/às estudantes.

Se você ainda não utilizou nenhum destes recursos em sala de aula -


considerando não apenas a resistência, mas até mesmo a ausência de
equipamentos/laboratório/internet nas escolas - talvez seu currículo conte
com alguma formação à distância, momento em que você teve acesso
direto à utilização do audiovisual. Ainda sim, caso essa aproximação ainda
não tenha acontecido, esperamos que este trabalho lhe ajude a repensar e
criar oportunidades de utilização.

Para isso, o texto foi pensado em três etapas. Com a expectativa de


Aprendendo caminhar junto ao/à educador/a em direção a este recurso, discute-se as
História: “Juventudes na Cena: a presença nas mídias digitais”. Nesta seção, é
MÍDIAS introduzida a noção de aldeias digitais, os ambientes em que os/as jovens
Página | 206 indígenas se interagem para se aproximar de outros/as e compartilhar seus
saberes e fazeres. Seguido por “YouTube: ambiente visitado, mas pouco
explorado”, nesta etapa buscamos apresentar aos/as profissionais que
ainda sustentam alguma resistência ao uso da plataforma, que se trata de
um espaço de disputa de poder. Enquanto não fazemos a utilização do
ciberambiente para estabelecer discussões e relações de aprendizagem,
outros assumem essa posição, e nem sempre a serviço de uma educação de
qualidade e humanitária. Na terceira etapa, “Youtubers Indígenas: alguns
canais brasileiros”, finalmente, os jovens que produzem conteúdos sobre
ser indígena são apresentados neste trabalho, possibilitando pensar novas
proposta para utilização em a sala de aula.

Juventudes na Cena: a presença nas mídias digitais


A internet possibilita a aproximação e interação entre pessoas e grupos que
antes estavam distantes; permite também a criação de novas organizações
e mídias alternativas. Nesta aldeia global, diferentes nações se reúnem e se
expressam no Youtube, Facebook e em blogs, dando inicio a outras “[...]
pequenas aldeias, as tekoas Guarani mbýa, [que] ganham o mundo com
sua cultura, história e lutas, políticas e sociais” [SCHIFFLER;
NATHANAILIDIS, 2017, p.6]. Mas estas aldeias não recebem visitas apenas
de indígenas, disponibilizam conteúdos publicamente e convidam os “jurua
kuery” (não índios) a se aproximar e conhecer a cultura nativa do Brasil
[SCHIFFLER; NATHANAILIDIS, 2017].

Ao utilizar o termo “tekoa”, as autoras recorreram ao trabalho de Maria Inês


Ladeira (2000) que ao investigar as “comunidades Guarani da Barragem e
do Krukutu e a linha de Transmissão de 750kv Itaberá – Tijuco Preto III”
identificou que:

“Tekoa seria, pois, o lugar onde existem as condições de se exercer o ‘modo


de ser’ Guarani. Podemos qualificar o tekoa como o lugar que reúne
condições físicas (geográficas e ecológicas) e estratégias que permitem
compor, a partir de uma família extensa com chefia espiritual própria, um
espaço político-social fundamentado na religião e na agricultura de
subsistência. Para que se desenvolvam relações de reciprocidade entre os
diversos tekoa Mbya é preciso, pois, que estes, em seu conjunto,
apresentem certas constantes ambientais que permitam aos Mbya
exercerem seu ‘modo de ser’ e aplicar suas regras sociais” [LADEIRA, 2000,
p. 14].

Portanto, o termo tekoa demarca o lugar em que os povos Guarani podem


exercer seu “modo de ser”. Também marca [...] o conflito cotidiano das
comunidades indígenas, que são originários da terra, mas são tratados
como estrangeiros e invasores, a começar por sua constituição discursiva
híbrida. [SCHIFFLER; NATHANAILIDIS, 2017, p.6]. Logo, tekoa é uma
expressão que abriga em si o modo de ser das comunidades, considerando
a organização social, religiosa e familiar, com olhar atento ao meio
ambiente. Aprendendo
História:
Extrapolando as tekoas locais, a internet permitiu a criação de uma “aldeia MÍDIAS
global” [SCHIFFLER; NATHANAILIDIS, 2017] que une diversas etnias em Página | 207
lutas comuns. É por meio deste movimento que são convocados atos
públicos, como, por exemplo, “[...] o caso da Greve Geral do dia 28 de abril
de 2017; e a denúncia dos diversos casos de genocído das populações
indígenas, como o [...] ataque à população Gamela e a perseguição aos
povos Guarani Kaiowa [...]". (SCHIFFLER; NATHANAILIDIS, 2017, p. 7),
também são criados canais no YouTube, perfis e páginas em outras redes
sociais, etc.

O ambiente virtual propicia a integração de qualquer etnia, de diferentes


partes do Brasil e do mundo, gerando novas formas de pensar os/as
indígenas na atualidade [SCHIFFLER; NATHANAILIDIS, 2017]. Neste
sentido, a internet auxilia na divulgação – e em alguns casos, no acesso –
de obras literárias, programas de preservação do ecossistema e de
educação ambiental [SCHIFFLER; NATHANAILIDIS, 2017]; também
possibilita a oferta e vendas de biojoias, além de divulgar os eventos nas
aldeias e convidar os parentes distantes e os não-indígenas a participar.

Pelas mídias – sobretudo a internet, mas não só – é possível projetar


muitas ações e saberes das aldeias para o mundo dos não indígenas, mas
também ocorre a relação inversa. Os indígenas acessam novas e diferentes
versões de informações, todas disponíveis na rede. É esse contato entre os
dois mundos que vai ressignificando a identidade contemporânea dos povos
nativos. Cientes que já não são mais como os indígenas, por vezes,
representados nos livros de história.

YouTube: ambiente visitado, mas pouco explorado


Sem muito alarde, em junho de 2005, o site YouTube foi lançado. Fundado
por três ex-funcionários de um site de pagamentos on-line, Chad Hurley,
Steve Chen e Jawed Karim, antes mesmo de ser uma plataforma para
vídeos caseiros, a proposta era ser um site romântico, ideia que foi
facilmente substituída pela que conhecemos hoje, diante das oportunidades
de alavancar essa proposta em detrimento do site de relacionamentos.

A proposta do YouTube, embora original, não foi exclusiva: “o YouTube era


um entre os vários serviços concorrentes que tentavam eliminar as
barreiras técnicas para maior compartilhamento de vídeos na internet”
[BURGESS; GREEN, 2009, p. 17]. A interface simples e integrada deste site
é desde o seu inicio o diferencial entre os concorrentes. A praticidade em
fazer upload dos vídeos para plataforma, em publicá-los nos perfis pessoais
(chamados de canais), em assistir os que interessam ao/a usuário/a, e
poder favoritar e compartilhar com os/as amigos/as é, até hoje, um dos
atrativos do Youtube. Por outro lado em termos de qualidade dos vídeos,
existem alguns que se interessem por outros sites, como o Vimeo (que
possui uma versão de contas pagas), mas não se mostra tão popular
quanto o Youtube. Para os vídeos em streaming, embora não exija “[...]
altos níveis de conhecimento técnico e dentro das restrições tecnológicas
Aprendendo dos programas de navegação padrão e da relativamente modesta largura de
História: banda” [BURGESS; GREEN, 2009, p. 17] se mostra entre os nomes que
MÍDIAS oferece o serviço, porém tem perdido espaço para sites especializados
Página | 208 nessa modalidade, muitas plataformas compram espaço e divulgam suas
marcas nos anúncios do próprio YouTube.

Seus colaboradores produzem conteúdos, obedecendo às regras da


plataforma, e possuem direitos autorais sobre o que gravam. Cada
participante tem os seus propósitos para gravar seus vídeos, que, por sua
vez, darão forma ao seu canal. Como já mencionado, os vídeos do YouTube
já fazem parte do cotidiano de todos/as que navegam na internet, portanto
esse conteúdo não está depositado em espaços tão distantes de nós, existe
a interação constante com conteúdos que estão a serviço e ao desserviço da
informação, por isso:

“Assim como milhões de outras pessoas, nós mesmos usamos o YouTube


desse modo – assistimos vídeos depois que os encontramos por acaso em
blogs ou clicamos nos links enviados por amigos para nossos e-mails,
passando-os adiante para outros” [BURGESS; GREEN, 2009, p. 26].

Em tempos de discussões, publicações e sérias consequências devido as


fake news o site também sofre com esses usos indevidos. Seja pelos abusos
em palavras-chave para ampliar as possibilidades de busca, muitas vezes
sem relação real com o conteúdo produzido, ou pelos vídeos produzidos
com evidente ausência de compromisso, em ambos os casos a intenção está
em ser assistido pelo maior número de pessoas. Ao passo que também
existem os bons conteúdos, equipes jornalísticas que se envolvem no
processo e educadores que ensinam através de seus canais, neste sentido:

“Ao permitir que o usuário possa criar e compartilhar vídeos, o YouTube


estabelece diversas naturezas de intenção. Alguns utilizam da ferramenta
para promoção pessoal, outros como instrumento de entretenimento,
divulgação de conteúdo sem fins lucrativos” [BISPO, BARROS, 2016, p.
865].

Logo, trata-se de um ambiente em que é preciso garimpar as produções,


conhecê-las e verificar a capacidade educativa, diante das perguntas e
objetivos que o conteúdo precisará atender para a melhor condução das
aulas, assim como é feito com qualquer fonte [BISPO, BARROS, 2016].
Ainda sim, seja pela acessibilidade, pelos conteúdos disponibilizados, ou por
outros fatores, sabe-se que o YouTube é um site conhecido e reconhecido
pelos/as jovens brasileiros/as que frequentemente acessam a internet.
Entendemos também a capacidade educativa que emerge deste
ciberambiente e que se não for aproveitada pelos educadores, pode ser
utilizada, sob o mesmo pretexto, pelos influenciadores digitais.
Nesta direção apresentamos alguns números de inscritos e visualizações
dos conteúdos de alguns canais. Inicialmente, o “Youtube Edu” (o canal
pode ser acessado pelo link: <https://www.youtube.com/channel/
UCs_n045yHUiC-CR2s8AjIwg/about>) trazendo em sua descrição o
seguinte convite: Aprendendo
História:
“Se você estiver fazendo uma pesquisa para um projeto, precisando de MÍDIAS
ajuda em sua tarefa escolar ou apenas querendo aprender algo novo, o Página | 209
YouTube Edu é o seu lugar! Se você é professor, no YouTube Edu você
poderá submeter suas videoaulas para publicação, ou ainda escolher outras
aulas para utilizar com seus alunos! O projeto é uma parceria entre a
Fundação Lemann e o Google, para a criação de uma página exclusiva do
YouTube, na qual professores, gestores e alunos podem encontrar
conteúdos educacionais gratuitos e de qualidade, em Português. A curadoria
dos vídeos foi feita por professores especialistas e altamente capacitados,
selecionados e coordenados pela Fundação Lemann. Atualmente, os
conteúdos disponíveis são voltados para os níveis de Ensino Fundamental e
Ensino Médio, englobando as seguintes disciplinas: Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências (Química, Física e Biologia), História, Geografia,
Língua Espanhola e Língua Inglesa” (YOUTUBE, acesso em 12 fev. 2019).

Sem entrar em questões de mercantilização e posicionamento ideológico,


propõe-se fazer conhecida a ausência de conteúdo educativo no canal, entre
as disciplinas com poucas aulas está a de História. Em um vídeo
promocional, um youtuber, famoso por fazer experimentos científicos em
seu canal, faz o convite aos professores, em especial aos de História,
Geografia e Português a conhecerem o canal. Mesmo assim, embora tenha
iniciado suas atividades em outubro de 2013, conta com 355.371 inscritos
no canal e soma 21.408.804 visualizações em 07 de março de 2019, às
14h58.

De outro lado, na mesma data e próximo ao mesmo horário foram visitados


outros canais, estes responsáveis por informações controversas e/ou de
ataque direto aos profissionais da educação, disciplinas e conteúdos, outra
característica comum e o foco no público jovem, sendo eles: “Nando Moura”
(o canal pode ser acessado pelo link: <https://www.youtube.com/user/
MrNandomoura101/about>) conta com 3.157.058 inscritos e 642,090,749
visualizações desde seu inicio em setembro de 2011; o canal “Olavo de
Carvalho” (o canal pode ser acessado pelo link:
<https://www.youtube.com/user/olavodeca/about>) possui em um dos
canais atribuído a ele 648.232 inscritos e 21,474,764 visualizações no
YouTube, desde julho de 2007, lembrando que o mesmo interage em outras
plataformas e cursos particulares; o canal “Mamãe, falei.” (o canal pode ser
acessado pelo link: <https://www.youtube.com/channel/UCkSjy-IOEq-
eMtarZl2uH1Q/about>), surgiu em maio de 2015, já acumula 2.523.355
inscritos e 246,368,518 visualizações, neste curto período sua influência,
expressa nestes números, abriu caminho para a eleição, do dono do canal,
a deputado estadual (DEM-SP), em 2018; e, por último, o canal “MBL –
Movimento Brasil Livre” (o canal pode ser acessado pelo link:
<https://www.youtube.com/channel/UC8QAdpiEWAOg3AOCCFDCOYw/abou
t>), somando 1.470.380 inscritos e 174,850,263, acumuladas desde
outubro de 2014, também possui vários integrantes eleitos em cargos
públicos nas últimas eleições.

Aprendendo Como não é do interesse deste trabalho analisar a influência destes canais
História: sobre os/as jovens, não estenderemos esta discussão, nem atacaremos
MÍDIAS nenhum dos canais apresentados, busca-se suscitar a reflexão nos
Página | 210 educadores/as sobre o uso que deixamos de fazer e que simultaneamente
está sendo feito em desserviço da nossa atuação. Nós, docentes, estamos
diante de uma ferramenta que precisamos aprender a utilizar, até para uma
questão de defesa, para minimizarmos os estragos causados às disciplinas,
aos conteúdos e à carreira docente.

Youtubers Indígenas: alguns canais brasileiros


Por ser extensa a lista de youtubers e canais indígenas, optamos por
elencar apenas cinco canais que oportunizassem um leque de possibilidades
a esta proposta. A seguir, as propostas dos canais serão resumidamente
apresentadas, contendo entre parênteses, o link para acesso ao canal.

Denilson Baniwa (<https://www.youtube.com/user/DBaniwa>), publicitário


e um dos fundadores da Rádio Yandê (web rádio indígena). Em seu canal, o
youtuber produz diferentes conteúdos: vlogs sobre o dia-a-dia,
recomendações de leitura, discute assuntos políticos, divulga eventos
indígenas a serem realizados, aborda a arte indígena (tanto a tradicional,
quanto a urbana), também posta entrevista e vídeos sobre a programação
da rádio. Com diferentes propostas de conteúdos e vídeos que variam desde
segundos até pouco mais de meia hora, Denilson Baniwa acumula 36 vídeos
públicos que podem ser assistidos e empregados em diferentes formatos de
aulas.

A partir do slogan “cultura indígena contemporânea em vídeo”, o xavante


com descendência guarani, Cristian Wariu Tseremey'wa
(<https://www.youtube.com/channel/UCZFj_5-VLQRddUKouwCSpbA/featu
red>), já produziu quase uma hora e quinze minutos em 11 vídeos, assim
como os mais populares da plataforma, são vídeos curtos, com boa
fotografia e áudio, além da edição. São poucos os cliques de distâncias até
o canal Wariu, onde pode conhecer sobre as etapas da vida xavante, os
ritos de passagem e os significados de pinturas indígenas. Também são
desmistificados/desmentidos alguns estereótipos que os não indígenas
sustentam há muito tempo, desde o próprio termo “índio” até a utilização
de tecnologias digitais, urbanidade e ensino superior na vida dos indígenas.

A sexualidade é o mote do canal “Papo de Índio”


(<https://www.youtube.com/channel/UCWriFAMXl_vsDJTR7LRKaFQ/feature
d>). Em mais de uma hora de vídeos o bissexual, indígena, pai, liderança e
estudante (como ele mesmo se apresenta no primeiro vídeo do canal),
Jefferson Niotxarú Pataxó, entrevista jovens indígenas de diferentes etnias
– como a Boe Bororo, a Chiquitano e a Tupinambá – para conversar sobre
ser indígena LGBT no Brasil.
Os 99 vídeos do canal “Índia Atualizada” (<https://www.youtube.
com/user/angelica14mix/featured>) apresentam especialmente as músicas
e danças do povo Anacé. Com foco em divulgar a cultura de sua etnia,
Angélica Anacé tem a maioria dos vídeos postados sobre a sua comunidade,
porém também encontramos alguns em que indígenas de outras etnias são Aprendendo
convidados a conversar ou divulgar eventos no canal. O canal ainda conta História:
com vlogs sobre o próprio carro e viagem que ela faz com a família, e MÍDIAS
também a prática de jogos e esportes, indígenas ou não. Página | 211
As pinturas corporais estão presentes e recebem destaque nos conteúdos
do youtuber indígena Benicio Pitaguary. Treze dos sessenta vídeos que
possui em seu canal (<https://www.youtube.com/channel/UCMde3zcWeL
RiPRmeV1fOB5Q/featured>) ressaltam a importância que a pintura e o
Jenipapo tem para ele e seu povo. Os outros vídeos vão ao encontro de
músicas e danças, lugares que foram visitados pelo youtuber, participações
em congressos, e entrevistas a indígenas de outras etnias.

O acervo apresentado conta com mais de 200 vídeos produzidos e postados


por cinco youtubers indígenas que tratam de assuntos variados. Os
conteúdos abordam desde o dia-a-dia dos/as proprietários/as do canal até
os ritos de passagem do povo xavante, por exemplo. Com linguagem e
temas voltados para os/as jovens, questões como tecnologia, a vida na
cidade e sexualidade são recorrentes nos canais. Há também a preocupação
em esclarecer alguns estereótipos, com interesse em combatê-los, e
propiciar novas percepções e aproximações dos povos originários. Cabe a
nós educadores/as pensarmos em sua utilização, assim como já fizemos
com o Cinema, com as HQ’s, com os jogos, etc. Criar oportunidades para
utilizar o YouTube em sala de aula é uma possibilidade pouco explorada,
seja para educar a partir de um vídeo ou para desmistificar aquilo que
influenciadores entregam aos/as nossos/as alunos/as.

Referências
Fábio Júnio Mesquita é Pedagogo pela FACISA-BH e Mestrando em
Educação pela UEMG na linha de pesquisa Culturas, Memórias e
Linguagens em Processos Educativos (Bolsista CAPES).

Ana Paula Santos de Sousa Mesquita é licenciada em Matemática pela UFMG


e Mestranda em Educação Matemática pela UFOP, professora da educação
básica na rede estadual de Minas Gerais.

LADEIRA, Maria Inês. 2000. Comunidades Guarani da Barragem e do


Krukutu e a linha de Transmissão de 750kv Itaberá – Tijuco Preto III. São
Paulo: Relatório de Interferências.

SCHIFFLER, Michele Freire; NATHANAILIDIS, Andressa Zoi. O sujeito


indígena brasileiro e os projetos globais: protagonismo e resistência no rap
guarani. Anais. III Congresso Internacional do Observare. 2017. Disponível
em: https://observare.autonoma.pt/conference/images/congresso_2017/
Acta_IIICongresso_MicheleSchiffler_AndressaNathanailidis%20.pdf. Acesso
em: 14 Jan. 2019.

BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a revolução digital. [Tradução:


Ricardo Giassetti] São Paulo: Aleph, 2009.
Aprendendo
História: BISPO, Luana Maria Cavalcanti; BARROS, Kelly Cristiane. Vídeos do Youtube
MÍDIAS como recurso didático para o ensino de História. Atos de Pesquisa em
Página | 212 Educação, Blumenau – vol. 11, n. 3, p.856-868 set./dez. 2016. Disponível
em: http://proxy.furb.br/ojs/index.php/atosdepesquisa/article/view/
4864/3471. Acesso em: 29 jan. 2019.
“EBA! HOJE É FILME” E TEM AULA!: OS FILMES NO ENSINO DE
HISTÓRIA
Gabriel Bandeira Alexandre

Tendo em vista as discussões acerca do uso de outras fontes, para além das Aprendendo
escritas, no ofício do(a) historiador(a), que se consolidaram, sobretudo, História:
durante o século XX, esse artigo visa debater sobre a utilização delas como MÍDIAS
recurso didático no ensino de História. Nesse sentido, privilegia-se um Página | 213
debate tendo como foco o filme enquanto um documento que possibilita, ao
professor(a) de História, seu uso em sala de aula. Para tal, são utilizados
autores(as) tanto da área de Educação como de História, a fim de que,
dessa forma, possa ser realizada uma análise que contemple os debates
sobre fontes históricas, ensino de História e uso de películas como
instrumento pedagógico.

Introdução
O ensino de História está, muitas vezes, ligado a um pensamento que
confere a essa disciplina o status de matéria chata, associada ao passado, o
qual não é visto como importante ao presente. Aliado a isso, a História
também é vista como estudo de coisas velhas (velho aqui adquirindo um
sentido pejorativo), de datas, guerras, enfim, eventos que se passaram e
que a história tem o dever de contar nos livros, como se fosse um diário,
narrando os acontecimentos numa ordem cronológica linear, por meio do
uso de documentos escritos, mofados e com odor forte. Nessa perspectiva,
a História, para além de disciplina chata – algo relativo e que pode ser
aplicado a outras disciplinas –, é também sem relevância à nossa realidade,
o que pode ser observado, por exemplo, na Lei nº 13.415, de 16 de
fevereiro de 2015, conhecida como a Lei da Reforma do Ensino Médio,
sancionada pelo presidente Michel Temer. Nela, as únicas disciplinas
obrigatórias são Português e Matemática, sendo História sequer citada
explicitamente no documento (cf. § 3º do Art. 3º). Dessa forma, o
pensamento comum construído sobre essa disciplina, se legitima em uma
lei que contribui para o processo de marginalização da mesma.

No entanto, há discussões e práticas, as quais confrontam esse discurso


geral, que se estabeleceram, sobretudo, durante o século XX, devido às
mudanças nos paradigmas científicos da História. Primeiro, no que tange ao
objeto de estudo dela – o homem, no espaço e no tempo, e suas produções
–, isto é, os estudos históricos não mais associados somente às guerras, às
batalhas, às comemorações oficiais, aos heróis oficiais etc., mas ligados a
temáticas que se referem ao cotidiano, à cultura popular, a personagens
antes ignorados(as). Em segundo lugar, no que diz respeito às fontes
utilizadas na construção do conhecimento histórico, as quais não se
restringem apenas aos documentos escritos e oficiais relacionados ao
Estado, reconhecendo o filme, a música, as fontes orais, o jornal, dentre
outras tantas, enquanto documentos históricos. Ao lado dessas questões, a
prática, no que concerne ao ensino de História, também precisou se
adequar, permitindo a docentes e discentes discutirem essa disciplina por
meio de novas perspectivas e metodologias, com uso diversificado de fontes
em sala de aula enquanto mecanismo pedagógico.

É necessário ressaltar, entretanto, que o uso de fontes, para além do livro


didático, em sala de aula, ainda é uma prática pouco utilizada, por questões
Aprendendo variadas, como, por exemplo, uma estrutura escolar que não obtém
História: condições materiais básicas para exibição de um filme em sala; e, quando
MÍDIAS acontece o uso, na maior parte das vezes, é de modo desconectado com a
Página | 214 temática que está sendo discutida com os(as) discentes ou simplesmente
como ilustração sem a devida análise. Dessa forma, não é raro que se
utilizem filmes ou músicas, a fim de se entreter os(as) alunos(as) ou para
suprir a falta de algum(a) docente.

Em vista disso, atentando para um ensino de História articulado ao uso de


fontes que estão próximas do cotidiano da sociedade no geral, ou seja, ao
presente e a realidade dos(as) discentes, a discussão seguinte se estrutura
na ideia de que a utilização dos filmes em sala de aula, para além do livro
didático, se mostra como um mecanismo didático-pedagógico útil – tanto à
História quanto aos docentes e discentes, caso eles sejam utilizados de
forma adequada. Evidentemente, não se pretende desconsiderar a
relevância do livro didático, visando sua substituição por uma ou outra fonte
como padrão – mas, sim, uma integração ao livro –, haja vista que a leitura
é essencial no processo de ensino-aprendizagem de História.

Os filmes, a História e a docência


Os filmes são, comumente, associados à ideia de entretenimento, noção
essa que está relacionada ao pensamento de quando o cinema foi criado.
Criação que é filha do fim do século XIX e era considerada como
simplesmente uma máquina, a fim de entreter ou até embrutecer as
pessoas. Nessa época, “para a sociedade cultivada e para os notáveis, o
cinema é um espetáculo de párias” (FERRO, 1992, p. 71). Por outro lado,
durante a primeira metade do século XX, devido ao intelectual italiano
Ricciotto Canudo, com a produção do Manifeste des Sept Arts (1911),
publicado na década seguinte, o cinema passa a ser considerado, ao lado
das outras artes, como a Sétima Arte. Aliado a isso, nas últimas décadas, os
filmes passaram, cada vez mais, a ser utilizados no ensino de História, pelo
fato de, antes de tudo, nos anos 1970, eles serem compreendidos enquanto
fontes históricas; e, também, pelo estabelecimento das Novas Tecnologias
de Informação e Comunicação (NTICs) e das Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação (TDICs), tais como celulares, computadores,
pen drives, para citar algumas. Porém, não raro, eles ainda são usados, em
sala de aula, como recurso que serve simplesmente ao entretenimento sem
que haja uma discussão histórica.

É preciso que se compreenda que o Cinema trata da História antes dela


considerá-lo documento histórico, isto é, desde o início, as produções
cinematográficas tratavam de questões consideradas históricas. Dessa
forma, a relação entre essas duas áreas pode ser compreendida a partir de
três abordagens, de acordo com Marcos Napolitano (2008, p. 240-41):
“O cinema na História; a história no cinema e a História do cinema. Cada
uma das três abordagens implica uma delimitação específica: O cinema na
História é o cinema visto como fonte primária para a investigação
historiográfica; a história no cinema é o cinema abordado como produtor de
‘discurso histórico’ e como ‘intérprete do passado’; e, finalmente, a História
do cinema enfatiza o estudo dos ‘avanços técnicos’, da linguagem Aprendendo
cinematográfica e condições sociais de produção e recepção de filmes.” História:
MÍDIAS
Evidentemente, quando se utiliza o filme em sala de aula, o(a) discente Página | 215
precisa se debruçar, especialmente, na primeira forma de abordagem, haja
vista que a intenção de usar uma obra cinematográfica, no ensino de
História, necessita estar diretamente associada à compreensão do filme
enquanto fonte histórica, antes de mais nada, e ao seu uso, como recurso
didático, com relação a algum assunto que esteja sendo trabalhado
especificamente em sala. Por exemplo, caso esteja sendo estudado sobre o
processo da Revolução Francesa, iniciado em 1789, o(a) professor(a)
selecione uma obra que se refira a algum aspecto desse evento. Essa se
coloca como uma das exigências fundamentais para um uso adequado de
filmes em sala de aula, tendo em vista que, muitas vezes, eles são exibidos
de modo descontextualizado, com finalidade lúdica e só. Isso se coloca
como um grande problema, tendo em vista que, às vezes, acontece do(a)
docente exibir um filme que esteja de acordo com a temática. Entretanto,
ele é exibido de modo desprendido de alguma atividade que diga respeito a
uma análise que o relacione com o assunto, fazendo com que se reproduza
o discurso, por parte dos(as) alunos(as), como: “ah, hoje não tem aula,
o(a) professor(a) vai passar filme.” Dessa forma, o que poderia ser utilizado
como ferramenta educativa, tem seu uso limitado para fins recreativos.

Dessa maneira, se reproduz, consciente ou inconscientemente, uma visão


baseada no livro didático enquanto fonte exclusiva e o filme como mero
artefato ilustrativo e/ou a serviço do entretenimento, contra aquilo que
Selva Fonseca pontua acerca dos livros:

“O livro didático é uma fonte importante, mas não deve ser a única. A
formação de sujeitos livres, cidadãos do mundo, requer uma atitude de
respeito para com o mundo, para com o conhecimento produzido, mas
também de crítica. O exercício da crítica é nossa principal ferramenta nas
lutas cotidianas pela (re)construção da história” (FONSECA, 2003, p. 56).

Por esse motivo, nota-se que, por mais que seja comum o reconhecimento
do filme enquanto documento histórico, seu uso, no ensino de História, por
vezes, ignora isso. Com relação a esse aspecto, o filme precisa estar
integrado ao uso do livro didático, reconhecendo o valor da leitura, bem
como o da película como modo de criar uma relação mais prazerosa e
íntima com o conhecimento histórico.

Robert Rosenstone, discutindo a respeito da relação Cinema-História,


destaca que “o filme quer mais do que apenas ensinar que a história ‘dói’,
ele quer que você, espectador, vivencie a dor (e os prazeres) do passado”
(ROSENSTONE, 2015, p. 34). Baseando-se nessa acepção, é possível
considerar o filme uma fonte indispensável no trabalho pedagógico do(a)
professor(a) de História, na medida em que utilizá-lo garante aos discentes
não só compreender o assunto que se pretende discutir, como também
senti-lo, garantindo que a disciplina de História esteja mais próxima da
realidade do alunado. Mais: que os(as) alunos(as) percebam a História
Aprendendo como conhecimento vivo, que pode ser compreendido de diversas formas,
História: contribuindo, assim, para um pensamento mais crítico.
MÍDIAS
Página | 216 Há uma tarefa que é vital para o(a) professor(a) que pretende fazer uso da
fonte fílmica, além de, claro, estar atento à classificação indicativa das
filmes: não exibi-los com a finalidade de substituir a leitura do material
didático, pois a intenção de utilizá-lo em sala não visa um desincentivo à
leitura, o que seria um problema, visto que o hábito de ler livros não se
localiza, no geral, entre as práticas frequentes de jovens. Dessa maneira,
uma leitura introdutória e uma aula sobre a temática são imprescindíveis,
na medida em que familiarizam os(as) alunos(as) com o assunto do filme. A
partir disso, um mesmo tema poderá ser visto de dois modos, possibilitando
que, por exemplo, algo não entendido na leitura seja compreendido através
do filme e vice-versa.

Ademais, vale frisar que o uso do filme posterior a uma leitura é tão
importante quanto se assistir a um filme antes de ler sobre ele. Ou seja,
tendo o ato de ler sempre presente, propõe-se que, se o objetivo fosse uma
leitura de um texto analítico acerca de determinada obra cinematográfica,
assisti-la antes seria positivo, na medida em que poderia, por exemplo, ser
esclarecido, no texto, algo não percebido na película; se a finalidade é servir
ao ensino de determinado assunto, então, por meio de uma leitura e uma
aula introdutória, a turma poderá entender o filme de forma mais crítica,
estando mais atento às metáforas, caso sejam bastante utilizadas na obra.
Evidentemente, esse não é o único método, tampouco o melhor, mas se
mostra, na prática, bastante proveitoso.

Outra questão se refere a mais dois compromissos que o docente precisa


ter: antecipadamente, é necessária a preparação de um roteiro, bem como
obter conhecimento acerca da obra que se pretende utilizar (assistir ao
filme), destacando os pontos que se referem à temática estudada
(NAPOLITANO, 2009, p. 10-31). Como pontua Igor Lapsky (2017, p. 109),
em uma discussão acerca do uso de filmes em sala de aula:

“O cinema não pode ser tratado como uma forma de ‘diversão’ ou


‘passatempo’ para os alunos e o professor e os filmes utilizados em sala
devem passar por um planejamento para utilização, pois é uma ferramenta
importante para ilustrar determinados períodos aos alunos, a partir dos
diversos elementos existentes em um filme.”

Além disso, cabe ao professor(a) estar ciente de que a película, assim como
qualquer outra documentação histórica, não é uma janela para o passado,
considerando-a como objetiva, desprezando as intenções de quem a
produziu e, sendo vista, assim, como a verdade. Isso pode influenciar, por
exemplo, no momento de selecionar qual obra utilizar: muitas pessoas, e
aqui não só docentes, optam por utilizar o filme-documentário como um
gênero que tem por finalidade mostrar a verdade, exibir o que realmente
aconteceu, pondo o filme de ficção como mera produção fantasiosa sem
compromisso com a realidade. Esse tipo de pensamento revela um caráter
positivista, dominante no século XIX, quando a História foi reconhecida na
qualidade de ciência, ainda presente em alguns discursos. Napolitano Aprendendo
(2008, p. 240) salientando o atual modus operandi dos(as) História:
historiadores(as), afirma que: MÍDIAS
Página | 217
“Na perspectiva da moderna prática historiográfica, nenhum documento fala
por si mesmo, ainda que as fontes primárias continuem sendo a alma do
ofício de historiador. Assim, as fontes audiovisuais e musicais são, como
qualquer outro tipo de documento histórico, portadoras de uma tensão
entre evidência e representação.”

Nesse sentido, é preciso que o(a) professor(a), tendo isso como base,
exponha essa discussão em sala, a fim de que a turma tenha conhecimento
do abismo entre realidade e representação, compreendendo que nenhuma
fonte é o fato em si, que os documentos não carregam verdades absolutas;
caso contrário, o trabalho do(a) historiador(a) seria o de narrar o que as
fontes expressam, se alheando de uma interpretação crítica – essencial em
seu ofício.

Há, ainda, dois aspectos que precisam ser contemplados. Primeiro, no que
tange a escolha do gênero. Em vista do que foi exposto acima, o(a)
professor(a) necessita entender que é possível, sim, trabalhar com filmes
ficcionais nas aulas de História, haja vista que nenhum, seja ele do gênero
filmes históricos, seja ele documentário, possui a verdade histórica. Nesse
sentido, compreende-se que os filmes de ficção revelam os “anseios de uma
sociedade contemporânea, em que os heróis e os vilões funcionam como
uma representação dos medos e esperanças da sociedade” (LAPSKY, 2017,
p. 118); ou, como destaca William Meirelles (2004, p. 82), o “filme de
ficção científica está carregado dessas visões de futuro impregnadas de
mentalidade de uma época e, por excelência, é o repositório de medos,
esperanças, desejos”. Dessa forma, torna-se essencial que o documentário
não seja visto como “uma ‘aula de história’ neutra, mas uma habilidosa
obra que deve ser interpretada pelo espectador com o mesmo cuidado
dedicado à interpretação de um filme dramático” (ROSENSTONE, 2015, p.
112). Assim, parte-se do pressuposto que os filmes são produções
construídas por meio das intenções de quem os criam.

Levando isso em consideração, é importante, em segundo lugar, que ao


trabalhar com a sétima arte, em sala, o(a) docente não só atente para o
conteúdo do filme (do que ele trata especificamente), mas também para as
questões técnicas, tais como o gênero, a data de origem, quem produziu e
o contexto em que o produziu (isso se encaixa na elaboração do roteiro
prévio). Isso, na acepção de Marc Ferro (1992, p. 87), é um modo de
analisar o filme com o que não é o filme, possibilitando, assim, “chegar à
compreensão não apenas da obra, mas também da realidade que ela
representa”. Essa é uma maneira de estimular o senso crítico da turma, na
medida em que poderá também se pensar a relação do filme com a
realidade escolar em que está se utilizando a película. Então, caso o tema
seja a escravidão africana no Brasil, pode-se utilizar, por exemplo, Ganga
Zumba (1963) e/ou Xica da Silva (1976), ambos dirigidos por Cacá
Diegues. Ou seja, filmes lançados em contextos diferentes, ambientados em
Aprendendo épocas distantes (período colonial). Dessa forma, analisar aspectos coloniais
História: presentes na sociedade atual é uma das muitas maneiras de discuti-los,
MÍDIAS salientando, também, os contextos de produção (o primeiro no pré-
Página | 218 ditadura; o segundo, no contexto de distensão política do período
ditatorial). Vale destacar que aqui não se estabelece em qual turma
específica esses filmes podem ser utilizados, cabendo ao(a) professor(a)
essa decisão, atentando, certamente, para a classificação etária de ambas
as obras. Além disso, a sugestão temática é só um exemplo, o que significa
dizer que, essas produções, podem ser aproveitadas a fim de se trabalhar
outros assuntos, para além do tema proposto. Isso feito, possibilita que
os(as) alunos(as) vejam a História através de seus processos de
continuidades e descontinuidades, em que passado e presente se
distanciam e se conectam, contribuindo para a desmarginalização dessa
disciplina.

O tempo das aulas de História, em média com duração de 50 minutos, além


de problemas na estrutura da escola, como, por exemplo, falta de
equipamentos para exibição ou difícil acesso à internet, se apresenta como
uma das dificuldades no que concerne ao uso do filme em sala de aula. Em
razão disso, se baseando na construção de um planejamento anterior para
tal atividade, já enfatizado, o(a) docente pode tentar um acordo com
algum(a) colega, que ensina outra disciplina, a fim de utilizar sua aula para
a plena realização da atividade; pode, ainda, depois da aula introdutória,
sugerir que o filme seja visto, pelos(as) discentes, em casa, para posterior
atividade em turma. Convém sublinhar, a necessidade de uma avaliação,
quando se pretende propor assistir em domicílio, no que se refere à
acessibilidade do filme – se ele pode ser visto online, se pode ser
compartilhado via pen drive, se está disponível para download, dentre
outras questões as quais se exigem atenção; e, também, se a turma tem
acesso fácil à internet, assim como a equipamentos que possibilitem assistir
a película fora do ambiente escolar. Caso prefira, há ainda a possibilidade
de utilização de curtas-metragens ou o corte de cenas específicas de
alguma obra, se mostrando uma alternativa viável, caso se integre ao
assunto específico.

Portanto, diante desse breve debate, sobre algumas questões do uso do


cinema em sala de aula, percebe-se o quanto o filme, além de obra de arte
e fonte histórica, é um importante recurso para o ensino de História.
Todavia, não é o único, sendo essenciais estruturas adequadas no âmbito
educacional, além de estímulo, interesse e preparo por parte dos(as)
docentes, a fim de que se utilizem outras fontes as quais podem auxiliá-
los(as) no exercício da docência.
Referências
Gabriel Bandeira Alexandre é graduando de Licenciatura em História pela
Universidade de Pernambuco (Campus Mata Norte). Bolsista PIBIC/CNPq e
integrante do Laboratório de Estudos do Tempo Presente
(TEMPO/GEHSCAL), sob orientação do Prof. Dr. Igor Lapsky da Costa
Francisco. E-mail: gabrielbandeiraa@outlook.com Aprendendo
História:
FERRO, Marc. Cinema e História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. MÍDIAS
Página | 219
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e prática de ensino de história:
Experiências, reflexões e aprendizados. Campinas, SP: Papirus, 2003.

LAPSKY, Igor. Cinema em sala de aula: para além do filme histórico. In:
BUENO, André; CREMA, Everton; ESTACHESKI, Dulceli; NETO, José Maria
[org.]. Canteiro de Histórias: textos sobre aprendizagem histórica. Rio de
Janeiro/União da Vitória: Edição Especial Ebook LAPHIS/Sobre Ontens,
2017. Disponível em:
https://books.google.com.br/books/about/Canteiro_de_Hist%C3%B3rias_te
xtos_sobre_apre.html?id=nDmjDgAAQBAJ&printsec=frontcover&source=kp
_read_button&redir_esc=y#v=onepage&q=igor%20lapsky&f=false. Acesso
em: 28 jan. 2019.

MEIRELLES, William Reis. O cinema na história: o uso do filme como recurso


didático no ensino de história. História & Ensino, Londrina, v. 10, p. 77-88,
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Acesso em: 28 jan. 2019.

NAPOLITANO, Marcos. Cinema: experiência cultural e escolar. In: TOZZI,


Devanil (org.). Caderno de cinema do professor: dois. São Paulo: FDE,
2009. Disponível:
http://culturaecurriculo.fde.sp.gov.br/cinema/cinema.aspx?menu=14&proje
to=3. Acesso em: 28 jan. 2019.

NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: A História depois do papel. In:


PINSKY, Carla Bassanezi (organizadora). Fontes históricas. São Paulo:
Contexto, 2008.

ROSENSTONE, Robert A. A história nos filmes, os filmes na história. São


Paulo: Paz e Terra, 2015.
AS VANTAGENS DE UTILIZAR HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO
RECURSO DIDÁTICO NO ENSINO DE HISTÓRIA
Geane da Silva e Silva
Douglas Mota Xavier de Lima
Aprendendo
História:
MÍDIAS Ensinar não se resume a repassar um determinado conteúdo aos alunos ou
Página | 220 a simplesmente adaptar o que se aprendeu na universidade para trabalhar
em sala de aula. Ensinar é uma relação que depende, ao menos, de dois
protagonistas, professor e aluno. Não existe uma fórmula pronta ou um
manual que guie o professor a melhor maneira de fazer com que o aluno
aprenda o que está sendo exposto. Para isso, é importante que o educador
aproxime o conteúdo da realidade do aluno e ensine em uma linguagem que
o educando está familiarizado, incentivando uma melhor compreensão dos
conceitos apresentados.

Os pesquisadores na área de Ensino apontam que é indispensável o uso de


recursos didáticos que despertem o interesse do aluno e gerem uma melhor
assimilação dos conteúdos trabalhados na sala de aula. Sobre a questão,
Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli (2009) argumentam que é na
sala de aula que o professor de História se transforma no artista capaz de
transformar uma simples exposição do conteúdo num grande espetáculo.
Para isso, o educador deve dispor de recursos que auxiliem o discente na
construção do conhecimento histórico, para que ao final ele possa “(...)
compreender e explicar, historicamente, a realidade em que vive” (Schmidt;
Cainelli, 2009, p. 53), percebendo que o que é ensinado de história faz
sentido com sua vida.

Segundo Bonifácio e Cerri:

“Este interesse acadêmico por diferentes linguagens deve-se, em parte, à


compreensão de que a escola não é mais a única instituição capaz de
informar o indivíduo, mas que interage com inúmeros outros meios,
podendo então, caracterizar-se como uma instância de singular valor
político e pedagógico, na medida em que possibilite uma ampliação e
articulação com os saberes disponíveis socialmente.” (Bonifácio; Cerri,
2005, p. 1)

A inserção de diferentes linguagens capazes de auxiliar no processo de


ensino-aprendizagem ocorreu de forma gradativa no espaço escolar e,
atualmente, os professores contam com diferentes recursos didáticos, entre
eles as histórias em quadrinhos.

É certo que atualmente as histórias em quadrinhos têm ganhado espaço na


sala de aula, mas para isso acontecer foi percorrida uma longa trajetória até
sua aceitação como recurso didático. Somente a partir da segunda metade
do século passado, superando as resistências e desconfianças a respeito de
sua leitura pelo público infanto-juvenil, que as HQs passaram a ter seu
caráter pedagógico reconhecido, sendo então utilizadas como material de
apoio para conteúdos escolares. No entanto, mesmo que o uso de
quadrinhos seja atualmente bem aceito e utilizado por professores de várias
disciplinas, a arte sequencial como recurso didático é discutida, na maioria
das vezes, nas produções que abordam a inserção de novas linguagens no
ensino da educação básica e dificilmente é analisada a partir de disciplinas
especificas. Aprendendo
História:
O pouco conhecimento do potencial pedagógico e a dificuldade em adaptar MÍDIAS
as histórias narradas nos quadrinhos ao conteúdo das disciplinas, faz com Página | 221
que surjam muitas dúvidas em relação ao trato com as HQs nas práticas de
ensino e aprendizagem, principalmente no ensino de História. Todavia,
considera-se que as histórias em quadrinhos, unidas a outros recursos
didáticos, são importantes instrumentos que auxiliam na instrução e na
aprendizagem do conteúdo, sendo que “o único limite para seu bom
aproveitamento em qualquer sala de aula é a criatividade do professor e
sua capacidade de bem utilizá-los para atingir seus objetivos de ensino.”
(Vergueiro, 2014, p. 26). Portanto, elas podem ser utilizadas na disciplina
de História sem nenhum receio.

São inúmeras as possibilidades em que as HQs podem ser usadas para


despertar o interesse do aluno pela disciplina e auxiliar na transmissão e
fixação do conhecimento histórico, pois elas podem juntar a diversão ao
aprendizado, estimulando o aluno a aprender história. Para isso, basta que
o professor use sua criatividade e planejamento. Dessa forma, enumeramos
aqui algumas opções de usos dos quadrinhos para as aulas de história. No
entanto, não é nossa intenção apresentar uma receita pronta do uso de
quadrinhos para esta disciplina, mas sim, auxiliar na escolha de como
trabalhar de maneira adequada com este recurso, para que se possa obter
melhor proveito de seu potencial.

Ainda são poucas as pesquisas na área de ensino de história que têm as


HQs como objeto de análise. No entanto, existem importantes trabalhos que
analisam de diferentes maneiras o uso deste material no campo da história.
O primeiro estudo a ser citado é o capítulo escrito por Túlio Vilela, intitulado
“Os quadrinhos na aula de História” (2014), e que integra a obra organizada
por Ângela Rama e Waldomiro Vergueiro “Como usar as histórias em
quadrinhos na sala de aula” (2014). Para Vilela, as histórias em quadrinhos
são uma poderosa ferramenta didática que quando bem utilizadas pelos
professores de história podem trazer bons resultados no processo de ensino
e aprendizagem. No capítulo destacado, o autor mostra que a arte
sequencial é um bom recurso para se trabalhar conceitos próprios da
história, podendo ser utilizados quadrinhos prontos ou construídos pelos
próprios alunos.

Relacionando as histórias em quadrinhos e a questão da consciência


histórica, vale ressaltar os trabalhos de Marcelo Fronza (2015) e Selma de
Fátima Bonifácio (2005). Fronza no artigo “As narrativas históricas gráficas
como expressão da aprendizagem histórica de jovens estudantes do ensino
médio: perspectivas da educação histórica”, faz uma análise de como a
consciência histórica dos alunos do ensino médio de quatro escolas públicas
brasileira é apresentada quando estes reproduzem a narrativa histórica
através da construção de história em quadrinhos. O autor conclui que ao se
expressarem oralmente e através de quadrinhos, os estudantes
apresentaram tipos de consciência histórica distintas. Para Fronza, isso
acontece pelo fato de as imagens canônicas exercerem grande influência
Aprendendo sobre a maneira como os jovens interpretam o passado.
História:
MÍDIAS Selma de Fátima Bonifácio (2005), procura analisar como a consciência
Página | 222 histórica é exposta nas histórias em quadrinhos, mas especificamente na
coleção ‘Você sabia?’, de Maurício de Sousa. A autora procura identificar as
alterações que ocorrem no conhecimento histórico acadêmico quando este é
transcrito para a linguagem dos quadrinhos. Assim, Bonifácio analisa três
das revistas da coleção, as que tratam da Independência do Brasil, da
Abolição da Escravidão e da Proclamação da República. Ela afirma que há
uma dificuldade em seguir a complexidade do conhecimento histórico,
quando transposto para a narrativa quadrinhistica, já que é necessário
manter certa simplicidade na abordagem do assunto devido ao público alvo.

Cabe também destacar o artigo “Histórias em Quadrinhos: Conhecimento


histórico e comunicação de massa no espaço escolar”, de Selma Bonifácio e
Luís Fernando Cerri, produzido para o XXIII Simpósio Nacional de História
da ANPUH, realizado em Londrina, no ano de 2005. Neste texto, os autores
analisam de que forma as HQs contribuem na formação do saber histórico
de seus leitores. Eles afirmam que ao retratarem determinados fatos
históricos, os quadrinhos criam perspectivas particulares sobre estes,
fazendo com que os sujeitos ao lerem as narrativas contidas nestas
histórias, concretizem de certa forma suas concepções sobre elas.

Por que usar quadrinhos no ensino de história?


Autores como Túlio Vilela, Selma Bonifácio e Luiz Fernando Cerri, afirmam
que mesmo que a inserção dos quadrinhos no ambiente escolar já aconteça
há algumas décadas e, na maioria das vezes, apareçam nos manuais
didáticos seja para dar apoio ao texto ou apenas ilustrar as páginas, na
disciplina de História este recurso ainda é pouco utilizado. Isso demonstra
que o receio em utilizar as HQs como recurso pedagógico não foi totalmente
superado ou mesmo pelo fato de que seu potencial é praticamente
desconhecido por grande parte dos professores desta área.

Tendo como base os objetivos da aula de história, considera-se que o


ensino nesta disciplina deve fazer relação com o cotidiano dos alunos e “que
o conhecimento e as informações aprendidas nas atividades escolares
podem ser elementos ativos na história de cada um deles.” (Portugal, 2005,
p. 204). Cabe então ao professor de história proporcionar meios para que
esta finalidade, assim como todas as outras, venha ocorrer. Dessa forma,
dispor de recursos que envolvam e despertem a atenção do aluno para o
assunto abordado é de extrema importância.

Ana Raquel Marques Portugal (2005) destaca o potencial pedagógico das


HQs nas aulas de História:
“Dentre as inúmeras possibilidades, podem-se empregar os quadrinhos
como um suporte para fornecer informações acerca de comunidades do
passado, fazendo referência direta ao assunto que se pretende estudar, ou
então analisá-los de acordo com a época em que foram publicados,
traçando assim um estudo mais contextual sem que seja vislumbrada uma
relação direta com a proposta de estudo, ou ainda usá-los como ponto de Aprendendo
partida para discussões de outros conceitos.” (Portugal, 2005, p. 204) História:
MÍDIAS
Existem várias HQs que tratam de temas específicos e que podem ser Página | 223
analisadas a partir do conteúdo e aspectos históricos que abordam. Vale
ressaltar, o que é citado por Lima (2017) e Vilela (2014), nem todas as
histórias em quadrinhos são ficcionais, algumas são ambientadas em
épocas históricas e podem ser utilizadas como referências para auxiliar na
familiarização de objetos e características da época abordada. Como um
exemplo de HQs que podem ser trabalhadas com essa intenção, Túlio Vilela
(2014) cita Asterix, pois nela podemos encontrar “elementos que remetem
à Roma Antiga, nos tempos de Júlio Cesar: a arquitetura das cidades
romanas e gregas: os uniformes dos militares romanos; e as armas
utilizadas pelos gladiadores etc.” (Vilela, 2014, p.111)

Mesmo os quadrinhos que não retratam fielmente a época apresentada,


podem e devem ser usados na disciplina, pois “o fato de serem lúdicos e
ficcionais não impede que o historiador utilize quadrinhos no ensino de
História” (Lima, 2017, p. 168), já que possibilitam a construção e ampliação
do conhecimento histórico. Assim, elas podem ser analisadas como fontes
históricas, posto que, mesmo que muitas retratem tempos distintos de sua
criação, elas são “registro da época em que foram criadas, porque, para
efeito de humor, são atribuídos aos povos e lugares do passado as
características que eles têm nos dias de hoje.” (Vilela, 2014, p, 111). Dessa
forma, as HQs trazem importantes informações de quando foram
desenvolvidas, sendo elas uma importante fonte de análise que representa
características particulares de seu tempo.

As HQs também podem ser trabalhadas no intuito de facilitar a


compreensão de determinados conceitos históricos, que muitas vezes são
de difícil entendimento para os alunos. Com isso, uma história em
quadrinhos:

“é uma importante ferramenta que auxilia na compreensão de conceitos


difíceis como representações e anacronismos devido a sua característica de
ser um recurso de leitura rápida e de fácil compreensão pelos alunos, sendo
bastante útil para se entender uma temporalidade que pode ser abstrata e
distante para os alunos.” (Ávila; Berbert, 2012, p. 15)

Sendo assim, as HQs podem contribuir para o entendimento do que seja


anacronismo, já que muitas utilizam elementos de épocas diferentes para
satirizar, fazer críticas ou, até mesmo, apenas ilustrar as cenas. No entanto,
é interessante pontuar que quando o professor for utilizar quadrinhos no
propósito de identificar tal conceito, é importante que ele faça mediação da
leitura com os estudantes, direcionando-os para os elementos anacrônicos.
Dessa forma, os “erros”, que muitas vezes são propositais, servem para
iniciar uma abordagem correta das informações históricas.

Outra maneira de usar os quadrinhos é como forma de apreender a noção


de tempo. Vilela (2014) destaca que elementos contidos nas vinhetas das
Aprendendo HQs podem ser um bom recurso para se trabalhar as dimensões temporais,
História: como sucessão, duração e simultaneidade. Sobre o assunto, o autor
MÍDIAS considera que:
Página | 224
“Os “recordatórios” presentes na maioria das histórias em quadrinhos
podem ser utilizados para ilustrar esses conceitos: um recordatório onde se
lê “Mais tarde...” ou “Logo depois...”pode ser um exemplo de sucessão e, de
outro lado, aquele em que se lê “Enquanto isso...” pode facilitar ao aluno a
percepção da ideia de simultaneidade. Os elementos visuais utilizados para
indicar a passagem do tempo em uma história em quadrinhos (um desenho
da Lua para indicar o anoitecer, um relógio na parede de um escritório; uma
personagem marcando o cartão de ponto no final do expediente) podem ser
usados para uma reflexão sobre os diferentes tempos: o tempo da
natureza, o tempo do relógio, o tempo da fábrica.” (Vilela, 2014, p. 107)

Como vimos, existem inúmeras maneiras de trabalhar na sala de aula com


HQs prontas, contudo, se houver alguma dificuldade em consegui-las, é
possível que o professor envolva seus alunos na construção de seus
próprios quadrinhos. Em relação a isso, podemos frisar que este tipo de
trabalho é uma boa oportunidade de desenvolver no discente sua
capacidade de comunicação e expressão, além de fazer com que os alunos
aprendam a trabalhar em equipe, já que é uma atividade que pode ser
desenvolvida por mais de um aluno.

Ao sugerir esse tipo de trabalho na disciplina de História, o educador deve


levar em consideração alguns critérios, para que se mantenha as
particularidades da disciplina. Assim, é indicado que os estudantes
desenvolvam quadrinhos a partir de temas históricos ou conteúdos
abordados nas aulas. Dessa maneira:

“pode-se propor que os alunos adaptem um texto historiográfico ou um


documento de época para a forma de uma história em quadrinhos. Outra
possibilidade é que cada grupo desenvolva uma história contada de um
ponto de vista diferente. Exemplo: propor que cada grupo elabore uma
história em quadrinhos ambientada no feudalismo. Um grupo pode criar
uma história narrada pelo ponto de vista de um senhor feudal, outro,
segundo a perspectiva de um camponês, e assim por diante.” (Vilela, 2014,
p. 128)

Para isso, é necessário antes de começar a construção dos quadrinhos com


abordagem histórica, solicitar que os alunos desenvolvam uma boa pesquisa
sobre o tema a ser adaptado, podendo o professor indicar material
adequado para pesquisa.
Não é possível aqui esgotar as possiblidades de usos das HQs no ensino de
história, já que são tão variadas quanto os quadrinhos disponíveis no
mercado atualmente. Por isso, destacamos apenas algumas maneiras de se
trabalhar o conteúdo de história utilizando quadrinhos. Assim, cabe ao
professor optar por qual HQ vai utilizar e como vai desenvolver este
trabalho, no entanto, antes de fazer estas escolhas ele deve estar ciente Aprendendo
que a maioria das histórias em quadrinhos não é produzida para fins História:
pedagógicos, mas para atender as exigências mercadológicas. Diante disso, MÍDIAS
quem decidir utilizar os quadrinhos como recurso didático deve analisar Página | 225
alguns pontos importantes relacionados a sua produção, pois, não se pode
esquecer que antes de tudo as HQs são um meio de comunicação de massa.
Assim:

“Ao levar para sala de aula uma história em quadrinhos, o professor deverá
sempre investigar previamente seu conteúdo, autores, época em que foi
escrita, quando e onde foi produzida, por quem o autor fala (ideologia), a
quem se destina, qual sua finalidade, etc. para que haja planejamento
adequado, boa utilização e bons resultados. Assim, as HQ poderão ser mais
do que um simples suporte de um determinado conteúdo.” (Alcântara,
2009, p. 9)

As histórias em quadrinhos podem ser ótimas aliadas no processo de


transmissão e aquisição do conhecimento histórico, mas é necessário
compreender que “o simples fato de transmitir conteúdos escolares na
forma de uma HQ não é garantia de um material didático mais atraente. O
resultado pode ser uma péssima HQ e um péssimo material didático.”
(Vilela, 2012, p. 87). Assim, não podemos esperar das histórias em
quadrinhos mais do que elas podem nos oferecer e será a maneira como a
utilizamos que nos dará bons resultados ou um trabalho desastroso.

Referências
Geane da Silva e Silva. Graduada em História pela Universidade Federal do
Oeste do Pará (UFOPA), foi bolsista PIBID 2017-2018.
Douglas Mota Xavier de Lima. Professor Adjunto da Universidade Federal do
Oeste do Pará (UFOPA), campus Santarém, na área de História Antiga e
Medieval.

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ÁVILA, B. L. T.; BERBERT, A. I. V. O uso de HQ para o ensino de conceitos


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Educação, Universidade Federal do Paraná, 2005. Disponível em:
<https://www.acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/6604/S_BONIFA
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Aprendendo
História: BONIFÁCIO, S. F.; CERRI, L. F. Histórias em quadrinhos: conhecimento
MÍDIAS histórico e comunicação de massa no espaço escolar. In: Simpósio Nacional
Página | 226 de História, 2005, Londrina. Anais anpuhnacional Londrina: resources,
2005, p.1-8. Disponível em:
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LIMA, D. M. X. Histórias em quadrinhos e ensino de História. Revista
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4. ed., 2ª reimpressão. São Paulo, contexto, 2014.
PRÁTICAS PARA O ENSINO DE HISTÓRIA:
ABORDAGEM DO FUTEBOL EM SALA DE AULA
Guilherme Henrique da Luz Oliveira

Aprendendo
Métodos alternativos para o ensino História:
Trabalhos relacionados a métodos e didáticas para o ensino de história, MÍDIAS
baseados em fontes alternativas, como música, quadrinhos, filmes, jogos Página | 227
eletrônicos, rede sociais e outros, vêm se tornando cada vez mais comuns.
Certamente, tais pesquisas refletem diretamente nas salas de aulas, onde
os professores podem lecionar de uma forma diferente da tradicional.
Entretanto, segundo Bento (2015), para alcançar o processo de
aprendizagem é necessário que o professor esteja atualizado acerca dessas
novas temáticas, para que seja possível o correto direcionamento do aluno
a novas ideias, pois esse é o sujeito no desenvolvimento de consciência
histórica do aluno.

“Atualmente, vêm-se discutindo importantes questões acerca do ensino de


História no Brasil, seus desafios, limites e, principalmente, como melhorar
seu desenvolvimento prático na sala de aula. Num contexto onde a
educação passa por vários problemas estruturais, suas práticas precisam
ser repensadas e melhor adaptadas.” (PIRES; SOUZA, 2010, P.1).

Bento (2015), em sua análise de obras de importantes educadores como,


“Ensinar História”, de Maria Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelle; “Ensino
de História: Fundamentos e Métodos” e “O Saber histórico na sala de aula”
de Circe Bittencourt, afirma que o educador deve ir mais além do que é
proposto pelos currículos tradicionais, levando em consideração as vivencias
dos alunos. Nessa lógica, segundo o autor, o ensino de história na
atualidade deve ser abrangente, incluindo as diferentes mentalidades e
grupos sociais, a fim de auxiliar na composição da consciência histórica de
grupos e indivíduos.

Nesse sentido, Bento (2015) dialoga, também, com a obra “Novos temas
nas aulas de História”, de Carla Bassanezi Pinsky, a qual apresenta temas e
conteúdos atuais para novas abordagens em sala de aula, como a questão
de gênero, cultura, direitos humanos, tecnologia e outros, de modo a
despertar maior interesse dos alunos e uma melhor contextualização com a
sua vida social. Portanto:

“Nessa obra a autora fala da necessidade de construção de uma nova


roupagem para as aulas de história, que revelam questões que competem à
atualidade e que se não estão inseridas nas salas de aulas, deveriam estar,
revelando uma renovação na proposta de ensino que deverá partir do
intuito de promover mudanças para que os alunos sejam capazes de no
mínimo compreenderem seus cotidianos a partir de uma reflexão histórica.”
(BENTO, 2015, P. 6).
Dessa forma, dentro das novas possibilidades de ensino, o futebol pode ser
uma ferramenta de auxilio para o aprendizado, uma vez que além de ser o
esporte mais popular do país, está presente no dia a dia de boa parte da
população e muitos clubes de futebol têm em sua origem ligações com o
processo histórico do país, mais precisamente durante o século XX. O fato
Aprendendo de existirem diversos trabalhos acadêmicos que usam o esporte bretão
História: como objeto de pesquisa, torna o desenvolvimento desse método possível.
MÍDIAS Sendo assim:
Página | 228
“O futebol é um assunto que geralmente nos remete a inúmeras indagações
sobre os mais diversos aspectos da sociedade brasileira. A
profissionalização do jogador, o racismo, a questão de gênero, a relação do
brasileiro com o corpo, os esportes nas fábricas, a estruturação do campo
esportivo no inicio do século XX são alguns dos temas já abordados por
outros autores.” (SOUZA, 2008, P. 12).

No entanto, para usar o futebol em sala de aula é importante uma fazer


uma breve análise de algumas obras e trabalhos acadêmicos de autores que
usam o esporte como objeto de pesquisa, com vista em levantar uma base
teórica para servir de auxilio para o professor, que poderá verificar qual a
melhor forma de abordar o tema.

O Futebol como temática de pesquisa


Dentre os autores que usaram o futebol para desenvolver o seu trabalho
estão: Hilário Franco Junior, autor de “A dança dos deuses. Futebol,
sociedade, cultura”; Adriano de Freixo, com a obra “Futebol – o outro lado
do jogo”; Denaldo Alchone de Souza, autor de “O Brasil entra em campo:
construções e reconstruções da identidade nacional (1930 – 1947)”; Marcos
Guterman, autor de “O futebol explica o Brasil – uma história da maior
expressão popular do país”.

Em relação à obra de Hilário Franco Junior, Santos (2008) entende que o


futebol não só é um dos espelhos da sociedade, como também um dos
maiores fenômenos contemporâneos e que o mundo moderno pode ser
melhor compreendido através do mesmo. Dessa forma “o autor vai
demonstrar como o futebol reflete aspectos sociológico, antropológico,
religioso, psicológico e linguístico” (SANTOS, 2008, P. 238).

Analisando a obra de Adriano de Freixo, Rodrigues (2014) verifica que o


historiador apresenta argumentos de como e porque o futebol pode ser
usado para compreender questões politicas como nacionalismo, regimes
autoritários, diplomacia e guerra, entre outros. Sendo assim, “o livro de
Freixo, no entanto, além de qualquer efeméride, leva a sério a articulação
entre futebol e política: politiza o futebol e “futeboliza” a política [...]”
(RODRIGUES, 2014, P.5)

No tocante à obra de Denaldo Achone de Souza, “O Brasil entram em


campo: construções e reconstruções da identidade nacional (1930 – 1940)”,
o autor aborda a questão do futebol brasileiro no período que compreende o
Estado Novo, analisando o esporte como uso politico de Vargas, a ligação de
dirigentes de clubes e federações com homens do governo, bem como a
identidade nacional que se buscava construir. A exemplo:

“Para o governo, mais importante que as vitórias dos jogadores na Europa


era o entusiasmo que atingia todos os cidadãos, fossem eles ricos ou
pobres, negros ou brancos. Mais do que uma representação positiva da Aprendendo
harmonia social, o entusiasmo pelo futebol combinava o nacionalismo e o História:
orgulho cívico, tão defendidos pelo Estado Novo. Era preciso incentivar e MÍDIAS
controlar essa forma de manifestação social.” (SOUZA, P. 70) Página | 229
Já na obra de Marcos Guterman, segundo Ferreira (2010) é analisado o
período entre 1894 até a Copa do Mundo de 2002, incluindo a chegada do
futebol no Brasil, a popularização do esporte, os primeiros clubes, a questão
do negro e o envolvimento politico em todos esses anos. No período militar,
mais especificamente no contexto da Copa do Mundo de 1970:

“Guterman empreende boa seleção e hierarquização de informações,


contrastando fontes e colocando indagações importantes que fazem parte
do métier d’ histórien. É o que acontece, por exemplo, quando o autor
aborda o envolvimento entre o governo Emílio Garrastazu Médici (1969-
1974), a Seleção Brasileira e a Confederação Brasileira de Desporto (CBD),
o Serviço Nacional de Informações (SNI) e a Assessoria Especial de
Relações Públicas (Aerp), por conta da tentativa de transformar o Brasil na
“pátria de chuteiras”, capaz de ajudar o Estado naquilo que era uma das
suas maiores ambições: afirmar o valor do brasileiro para o mundo e para si
mesmo, através da seleção de futebol.” (FERREIRA, 2010, P. 406).

Para uma compreensão do nacionalismo, seus símbolos e suas


representações, vale citar a obra “Invenção das tradições”, do historiador
Eric Hobsbawm, a qual contribui não só para um maior entendimento sobre
tais questões, mas também a forma como o futebol se relaciona ou se torna
uma consequência dessas situações. Tomando como exemplo a Inglaterra:

“O termo “tradição inventada” é utilizado num sentido amplo, mas nunca


indefinido. Inclui tanto as “tradições” realmente inventadas, construídas e
formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais
difícil de localizar num período limitado e determinado de tempo - às vezes
coisa de poucos anos apenas - e se estabeleceram com enorme rapidez. A
transmissão radiofônica real realizada no Natal na Grã-Bretanha (instituída
em 1932) é um exemplo do primeiro caso; como exemplo do segundo,
podemos citar o aparecimento e evolução das práticas associadas à final do
campeonato britânico de futebol. É óbvio que nem todas essas tradições
perduram; nosso objetivo primordial, porém, não é estudar suas chances de
sobrevivência, mas sim o modo como elas surgiram e se estabeleceram.”
(HOBSBAWN, 1997, P. 9).

Esses são apenas alguns exemplos de autores e obras do campo da história,


que usam a temática do futebol como objeto de estudo. Há pesquisadores
de outras áreas que também usaram a mesma temática para desenvolver
seus trabalhos, como o antropólogo Roberto daMatta, autor de “Universo do
futebol: esporte e sociedade brasileira”. Portanto, fica evidente a vasta
produção no campo acadêmico, fato que auxilia na abordagem da temática
em sala de aula. O futebol, assim como a música, cinema e artes, por
exemplo, se relaciona e sofre consequências do contexto de cada época,
sendo possível seu uso no ensino de história.
Aprendendo
História: Práticas em sala de aula
MÍDIAS Tendo como base o referencial curricular da rede estadual de ensino de
Página | 230 Mato Grosso do Sul, foram selecionados temas, oriundos dos conteúdos
programáticos do terceiro ano do ensino médio, com o objetivo de
relaciona-los com a temática do futebol. Nessa lógica, do primeiro bimestre
selecionou-se o conteúdo “Estados Totalitários”; do segundo bimestre
usou-se a “Era Vargas”, “Ditadura Militar” e “Redemocratização no Brasil”;
do terceiro bimestre o tema “Conflitos Mundiais”.

Em relação à matéria do primeiro bimestre, “Estados Totalitários”, poderá


ser realizada uma contextualização da mesma com o futebol, uma vez que
os governos totalitários usaram alguns clubes para se promoverem e
alavancar o nacionalismo. São exemplos: o regime fascista italiano com o
clube da Lazio, cuja torcida organizada é adepta, nos dias atuais, de
ideologias fascistas; o governo nazista e sua perseguição ao Bayern de
Munique, que foi um dos únicos clubes alemães que resistiu ao regime;
Francisco Franco com o uso do Real Madrid para fazer uma propaganda de
seu governo na Espanha. Sobre esse último, sugere-se a apresentação do
documentário de Carles Torras chamado “O Madrid Real – A lenda negra da
glória branca”, que evidencia como Franco influenciou na contratação de
jogadores e de jogos, de forma a fortalecer a equipe e fazer propaganda de
seu regime.

Já para os conteúdos do segundo semestre, a “Era Vargas” se relaciona com


o futebol por meio de uma propaganda do país, na tentativa de criar uma
identidade nacional, onde cada vitória da seleção brasileira representava
uma vitória do povo, um novo Brasil que é apresentado para o mundo,
como aponta Souza (2008). Na questão da Ditadura, pode ser explorada a
relação do governo com a seleção brasileira durante os preparativos para a
Copa de 1970, pois, como verifica Chaim (2014) a vitória da seleção
brasileira no mundial era fundamental, uma vez que o país estava no auge
dos anos o chumbo, período do Ato Inconstitucional número 5, e uma
derrota da seleção poderia aumentar a impopularidade do governo. Tanto
na Era Vargas quanto na Ditadura Militar, a questão da propaganda também
pode ser explorada, pois:

“A propaganda seria a sua função ao poder do Estado - como se pode ver


no Brasil nos anos de domínio autoritário do Estado Novo e posteriormente
do Regime Militar - que se destacaram pelo compromisso com a difusão do
esporte, com formas o fomento da profissionalização, na construção de
grandes praças desportivas, no subsídio aos ingressos populares, na
capitulação política dos grandes atletas e na intervenção políticas das
entidades, por exemplo.” (SANTOS, P. 7)
Na questão da redemocratização, ao estudar as Diretas Já, é possível
analisar a Democracia Conrinthiana, movimento criado pelos jogadores do
clube que visavam à luta pela democracia, tanto no Corinthians como no
próprio Brasil:

“Geralmente se elenca os jogadores Sócrates, Casagrande, Zenon, Juninho, Aprendendo


Wladimir e Biro-Biro como protagonistas da abertura, mas não obstante História:
todo espírito coletivo, não é possível negar o papel destacado de Sócrates. MÍDIAS
Em 1983/84, ele se engajou ativamente na campanha pela eleição direta do Página | 231
presidente (Diretas Já!) que mobilizava o Brasil e exigia democracia. Na
realização de suas ideias, os jogadores contaram também com a ajuda do
jovem publicitário Washington Olivetto. Ele ficou sabendo dos eventos no
Corinthians e criou o nome Democracia Corinthiana, uma “marca” perfeita.
Também o lema “Ser campeão é detalhe”, atribuído a Sócrates, comprova-
se até hoje como uma síntese genial do espírito daquele tempo.”
(FATHEUER, 2014, P.70).

No terceiro semestre, em relação a conflitos mundiais, podem ser utilizadas


algumas partidas com alto nível de rivalidade para contextualização, sendo
elas: Barcelona contra Real Madrid, que representa a independência catalã
contra a coroa espanhola; a extrema rivalidade e violência que ocorre em
partidas entre países que formaram a Iugoslávia, como Sérvia contra
Albânia, ou em disputa com a Croácia, devido à guerra dos Balcãs nos anos
90 e à dissolução da Iugoslávia. Vale destacar a questão de Israel, que
mesmo estando localizado no continente asiático, disputa campeonatos
europeus, seja de seleção ou de clubes, por conta dos conflitos com os
países vizinhos. Não raro aparecem referências sobre os conflitos de tais
países dentro de campo, seja na comemoração de algum jogador após
marcar gol ou nas manifestações da torcida.

Existem outros vários conteúdos que podem ser explicados pelo ponto de
vista do futebol, no entanto os temas apresentados deixam essa relação
mais evidente. Na prática podem surgir alguns problemas para a aplicação
dessa ferramenta no ensino de história, em sala de aula, pois nem todos os
alunos se interessam pelo esporte e alguns podem sentir certa dificuldade
em acompanhar. Contudo, a proposta é apresentar uma nova ferramenta
para o ensino de história, que contextualize temas do passado que estão
ligados mesmo que indiretamente com o dia a dia dos alunos, através do
futebol, com o objetivo de não só facilitar o aprendizado, mas também
despertar o interesse pela disciplina.

Referências
Guilherme Henrique da Luz Oliveira é graduado em história pela
Universidade Católica Dom Bosco

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Departamento de Ciências Políticas, Faculdade de Filosofia, Letras e
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Página | 232 Corinthiana. In: Dilger, G. Resistencias no pais do futebol: a copa em
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HOBSBAWN, E; RANGER, T. A Invenção das tradições. 5.ed. Rio de Janeiro:


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identidade nacional (1930 – 19470). 1. ed. São Paulo: ANNABLUME
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Brasil. Professores em Formação: ISEC/ISED, n. 1, 2010.

TORRAS, C. O Madrid real. A lenda negra da glória branca [Filme-Vídeo]


Duração: 51 min. Produção: TV3, s/d.
A PERSPECTIVA DO TOTALITARISMO POR MEIO DA FRANQUIA
"INJUSTICE": UM ESTUDO DE CASO NO ENSINO DE HISTÓRIA"
Iago Bizatto da Silva
João Matheus Ramos
Aprendendo
História:
Este projeto visa abordar as características de regimes totalitários que se MÍDIAS
propagam tendo em vista uma ação tecnológica e tangível à compreensão Página | 233
do aluno ao tema proposto. Integrar o game (objeto de lazer) com o tema
tratado na disciplina de História, intuindo o aluno a perceber elementos, de
modo geral, históricos que o cerca – geralmente, não percebido por este.

Utilizando a franquia de jogos e histórias em quadrinho Injustice Gods


Among Us (primeiro volume dos quadrinhos e do jogo) como ferramenta
para depreensão dos signos marcantes do conteúdo histórico a ser
abordado, consequentemente, transformando produtos, usualmente, vistos
como de lazer em meios para críticas e análises de âmbitos variados da
história e sociedade.

Então, com a franquia há a possibilidade de introduzir os elementos


característicos que compõem regimes de governos totalitários, facilitando a
compreensão da temática - regimes dos governos totalitários compreendido
nas Grandes Guerras – tendo como base, não só o game, mas as
discussões, porquanto, contribuições dos alunos com as leituras prévias do
quadrinho. Ademais, gerar a consciência de que o aprendiz, inserido na
narrativa jogável perceba-se cercado pelo objeto de estudo a ser
compreendido e desenvolvido no decorrer do tema, promovendo a reflexão
sobre a própria atuação e progresso possibilitado pelas personagens do
jogo. Assim, apreender componentes do regime (apresentado no jogo) e os
correlacionar aos Governos situados no o século XX, durante as Grandes
Guerras.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 234

Figura 1
(BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história. Cortez editora,
2005, p. 334)

Tendo em vista, portanto, a narrativa fictícia como norteadora do processo


de aprendizagem faz-se necessário, primeiramente, descrever tanto as
características do totalitarismo quanto da composição gráfica e pictórica da
franquia, explicando, isto é, como parte da temática e dos conceitos
inseridos dentro deste se correlacionam com os componentes da franquia.
Por conseguinte, mobilizar os conhecimentos prévios dos alunos – já que as
descrições foram explicitadas - indagando-os sobre como adquiriram tais
conhecimentos acerca do tópico estudado e, quais os meios midiáticos
utilizados para apreender sobre o assunto.
Agora, com o jogo, a proposta é fazer com que o aluno explore as
características abordadas, anteriormente na sala de aula, assim,
assimilando o conteúdo de uma forma jogável. A construção dos conceitos
acerca da temática, então, tem como base os conhecimentos prévios
somados às características apresentadas no jogo – e quadrinho –, servindo
de sustentáculo para a compreensão do período contemporâneo, século XX. Aprendendo
História:
Tomando por base a figura 1 (diagrama) e os processos de trato de MÍDIAS
documentos abordados pela autora BITTENCOURT e, os cuidados advertidos Página | 235
por esta em sua obra (Ensino de história), acrescida da técnica de
“feedback” – retomar o que anteriormente fora posto pelo professor,
colegas de classe – exposto por MASETTO, consequentemente, a
autoavaliação e interação do indivíduo na sala de aula. Outrossim, CASTRO
desenvolve o conceito de alegoria composto por símbolos/significados, que
neste caso, aqui redigido, está a ser verificado na ambientação da narrativa
do game; finalidade de percepção quanto à mediação sendo uma
proximidade de realidade (Masetto, p. 281).

Descrição das atividades


A sala foi dividida em duas categorias, grupos e indivíduos - a intenção de
se separar entre grupos e indivíduos estava em comparar as construções
individuais, peculiaridades possíveis que se diferenciam das realizadas pelos
grupos e vice-versa –, intentando verificar possíveis características próprias
das categorias em suas construções acerca da temática refletida e
apropriada. Esta ação foi divido em dois momentos de 1h40m cada, quatro
aulas de 50 (cinquenta) minutos, sendo respectivamente os momentos:

1.Foi realizado um Levantamento dos conhecimentos prévios dos alunos,


donde provêm essas informações, proporcionando uma reflexão de como se
adquiriu estes conhecimentos – e quais elementos midiáticos os auxiliaram
e assim percebemos que estes possuíam uma visão praticamente nula do
assunto ou então deturpada, evidenciando. Então, foi introduzido o nome da
franquia aos alunos, apresentando algumas cenas referentes aos elementos
aludidos pelos alunos, e por fim, foi proposto, como tarefa, a franquia como
atividade – e claro, anotações sobre a experiência – fornecendo assim uma
base para a próxima aula que viria.

2.Então foram verificadas as impressões dos alunos acerca do jogo com


intuito à aprendizagem e a edificação de elementos comuns a todos,
juntamente com suas perspectivas, apropriando-se da construção dos
conceitos inerentes às Grandes Guerras. Outrossim, buscou-se incentivar a
turma a procurar referências completivas sobre o tema, como obras
literárias, quadrinhos, músicas, etc., meios midiáticos próximos dos alunos;
em especial, expondo um experimento de Milgram sobre obediência às
autoridades.

Referências
Iago Bizatto da Silva graduando de História UEM
João Matheus Ramos graduando de História UEM
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de história. Cortez editora,
2005.

CASTRO, Nilo André Piana de. Leitura midiática na sala de aula e nos cursos
de extensão: interpretando e construindo conhecimento através de imagens
em movimento. Ensino da História: Desafios Contemporâneos. Porto Alegre:
Aprendendo EST: XCLAMAÇÃO: ANPUH/RS, p. 279-291, 2010.
História:
MÍDIAS CERRI, Luis Fernando. Ensino de história e consciência histórica. Rio de
Página | 236 Janeiro: Editora FGV, 2011.

DE CASTRO SIMAN, Lana Mara; RODRIGUES COELHO, Araci. O Papel da


Mediação na Construção de Conceitos Históricos. Educação & Realidade, v.
40, n. 2, 2015.

MASETTO, Marcos T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. Novas


tecnologias e mediação pedagógica, v. 13, p. 133-179, 2000.

MILGRAM, Stanley. Experiência de Milgram in:

https://www.youtube.com/watch?v=zAh-LGLsQO4

RIBEIRO, Jonatas Roque. História e ensino de História: Perspectivas e


abordagens. Educação em foco. Campinas, n. 07, p. 1-7, 2013.

SILVA, Maciel Henrique; SILVA, Kalina Vanderlei. Dicionário de conceitos


históricos. Editora Contexto, 2010.
CINECLUBE COM A HISTÓRIA E O ENSINO À DISTÂNCIA EM:
PEDACINHOS DA HISTÓRIA DO CEARÁ
Ivaneide Barbosa Ulisses
Celiana Maria da Silva
Aprendendo
História:
Na era da comunicação digital se é “convidado” a caminhar na passada da MÍDIAS
tecnologia e a aprender “a falar” a sua linguagem. Com o avanço da Página | 237
tecnologia muda o perfil do professor e muda o perfil do aluno, esses:
“nativos digitais”. O docente dentro dessa nova perspectiva tem a tarefa de
inovar as suas aulas dentro do que hoje se entende por “currículo cultural”
e assim, tentar responder ao complexo cenário cultural em que se vive,
como também, aprender a trabalhar com todos os recursos que estiver à
sua disposição e fazer deles verdadeiros objetos de aprendizagem, esses
podem ser: músicas, poesias, cordéis, histórias em quadrinhos, revistas,
cinema, entre outros. Os mesmos são fontes de reflexão e conhecimento; o
aluno envolvido no seu próprio processo de ensino-aprendizagem
participará com interesse e as aulas serão bem mais produtivas, pois,
professores e alunos estarão falando a mesma linguagem, uma linguagem
que não vai e não quer substituir o livro didático, mas, complementá-lo com
os elementos que fazem parte do cotidiano dos discentes. Faz-se necessário
que na universidade, o futuro professor, aprenda a ter familiaridade com
esses novos objetos de aprendizagem, pois, é importante que os
professores, mediadores do processo de ensino-aprendizagem, inovem as
suas aulas com os inúmeros recursos didáticos.

Nessa ótica, a experiência que passamos a relatar foi realizada através do


Projeto de Extensão “Cineclube com a História o Ensino à Distância”
(PROEX/UECE), proposto pela professora Ivaneide Barbosa Ulisses e
desenvolvido através do Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) no ano
passado, pelos discentes dos polos de Camocim, Campos Sales, Iguatu,
Jaguaribe e Pedra Branca do curso de História da EAD da Faculdade de
Filosofia Dom Aureliano Matos - FAFIDAM/UECE. Como cita a coordenadora
das atividades, a professora Ulisses (2018, p.3) no documento de
submissão do projeto:

“A universidade brasileira tem a responsabilidade nesse momento


conjuntural de dificuldades econômicas e acirramentos ideológicos com
procedimentos comuns de violência de fomentar debates que melhorem os
diálogos entre os grupos sociais”.

Assim, o Cineclube tem como pretensão debater temas ligados à história,


temas transversais, temas atuais, que ajudam através da visão de filmes, a
abrir os horizontes das perspectivas individuais dos alunos, tanto em
relação aos temas em si como de uma construção da experiência de se
aprender por meio da linguagem da arte, no caso, através dos filmes. A
hipótese do projeto é que os filmes tornam abertos, também, ao diálogo e
ao ponto de vista do outro, desenvolvendo uma visão clara da realidade que
rodeia o futuro historiador e, posteriormente, do seu campo de atuação. O
projeto que se apresenta teve início concretamente em março de 2018. O
Cineclube, como o próprio nome dá a sugestão, é um grupo que se forma e
se reúne para debater e refletir sobre cinema, no caso, os clubistas utilizam
o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA), no espaço da secretaria do
curso de História para realizar suas atividades (fóruns e chats) esses,
Aprendendo organizados e mediados pela professora Ivaneide Ulisses e pelos discentes/
História: bolsistas Michel Prudêncio do polo de Iguatu- CE e Celiana Maria do polo de
MÍDIAS Campos Sales- CE. Os fóruns e chats foram propostos quinzenalmente, na
Página | 238 prática, abriam na sexta-feira e o debate ficava aberto até a quarta-feira
seguinte, concluindo-se com um chat de avaliação. O presente Cineclube
trabalha com cinema nacional e através dessa escolha quer chamar a
atenção do clubista para a riqueza e valorização do mesmo.

Nos fóruns propostos no primeiro semestre, os clubistas, segundo o que


eles mesmos relataram em um fórum de avaliação, aprenderam a fazer
leituras de filmes e a estarem atentos a detalhes e mensagens que nunca
tinham percebido antes da experiência do Cineclube. Debatemos, por
exemplo, um curta intitulado “Vida Maria” (Curta-metragem em 3D, 2006)
aprendemos o quanto é importante não deixarmos “o ciclo da vida se
repetir”. Vimos uma série de “Curtíssimos” (Mostra Melhores Minutos 2017)
e constatamos o quanto é precioso e o quanto podemos fazer em um
minuto, repensando o uso do tempo. Refletimos sobre “A invenção da
infância” (Documentário de Liliana Sulzbach, 2000), fizemos memória da
nossa infância e percebemos também que “ser criança nem sempre significa
ter infância” e por fim, debatemos um documentário/denúncia intitulado:
“Olhos pasmados” (Documentário de Jurandir Muller e Kiko Goifman, 2000)
e uma das lições que nos deixou foi: “Semeemos o bem hoje na esperança
de amanhã colhermos o bem”. O que bem representa o positivo impacto
que a experiência do Cineclube possibilitou e possibilita aos que a ele
aderem.

No segundo semestre os clubistas foram desafiados a fazerem um


documentário sobre “um retalho” da história da cidade à qual pertencem.
Eles foram divididos em grupos (por polo) e durante o semestre tiveram
dicas de como fazer um roteiro e do que era necessário para se ter um bom
áudio e um bom vídeo, a sugestão era que eles fizessem as gravações com
os próprios celulares. Foram propostos filmes para que os clubistas
pudessem percebê-los como uma sugestão na produção de seus próprios
filmes. Na primeira semana de novembro, os clubistas entregaram o
trabalho realizado e a equipe organizadora reuniu cada vídeo em um único
filme, intitulado: “Pedacinhos da História do Ceará”, disponível no Youtube:
<https://www.youtube.com/watch?v=qbOW1VrIaPs>. Do polo de
Camocim, o documentário aborda a questão da Ponte Metálica do Rio
Coreaú localizado na cidade de Granja, procurando apresentar a
importância desse ponto turístico para a cidade, o que representou e
representa para o município, buscando compreender como se deu sua
formação, a relevância na época de sua construção, abordando o ano, de
onde veio sua estrutura metálica, quais os custos, os materiais utilizados,
comprimento, qual a empresa responsável por sua elaboração, às razões
para dar início a essa produção e qual sua importância atualmente. A cidade
de Campos Sales apresentou dois vídeos. O primeiro destaca a construção
do Santuário de São Pedro no alto do Morro Vermelho no distrito de
Quixariú e aqui foi mostrada a força da fé do Dr. Amadeus de Araújo Arrais.
O segundo mostra o parque arqueológico do Boqueirão dos Vianas bem
como os traços religiosos e mitos que fazem os visitantes se apaixonarem
pela natureza e magia que o espaço propõe. Da cidade de Iguatu foi Aprendendo
destacada a “Fé de Parede”, o documentário aborda uma forma de História:
representação da fé das pessoas e sua cultura de pendurar quadros MÍDIAS
religiosos nas paredes das casas, montar e manter altares dos mesmos, Página | 239
narrado por pessoas de dois municípios: Iguatu e Icó. Uma representação
do sincretismo religioso das pessoas e sua cultura, sua
importância/simbologia dentro da sociedade. De Jaguaribe foi enfatizada a
importância do curso de História na modalidade EAD para os jovens do
município, impossibilitados de manterem, por diversas razões, uma
faculdade fora da cidade. De Pedra Branca foi abordada a luta do vaqueiro
ao transportar o gado em meio a caatinga e a seca, e como os mesmos a
partir desses encontros em volta de uma pedra conseguiram mudar o nome
do município. Através de vídeos com depoimentos de vaqueiros da região os
mesmos relatam como acontecem esses encontros, o porquê dos mesmos
se encontrarem no mesmo local, como era o nome do município antes de
ser batizado pelos vaqueiros. Nesse sentido “caem bem” as palavras de
Ferro (1992, p.77): “Na verdade, não acredito na existência de fronteiras
entre os diversos tipos de filmes, pelo menos do ponto de vista do olhar de
um historiador, para quem o imaginário é tanto história, quanto História”.

No primeiro semestre o Cineclube enviou aos participantes certificados de


20 horas e no final do ano enviou dada à atividade proposta, dois
certificados, um de 30 horas pela participação nos fóruns e chats e outro
atestando a participação na produção do filme, favorecendo assim, as horas
extracurriculares que os discentes devem conseguir ao longo do curso.

Ao final das atividades do segundo semestre, constatamos, por experiência,


que filme é um suporte didático-pedagógico dinâmico e atrativo e que
podem influenciar positivamente no desenvolvimento de uma metodologia
do ensino de História mais consistente.

O avanço da tecnologia, como dito acima, mudou bastante o perfil do aluno


e, consequentemente, mudou o perfil do professor. Os estudantes nos dias
atuais são imagéticos e são “bombardeados” com imagens oferecida-lhes
através das redes sociais. Nas salas de aula sente-se a “urgência” de
propostas inovadoras para o ensino-aprendizagem e por consequência, de
educadores envolvidos nessas novas linguagens do ensino. Nesse sentido, o
professor Napolitano (2010) em uma palestra intitulada: “Análise de filme
em sala de aula”, diz que: “Vale registrar que o filme como “ilustração”,
incremento e reforço de um conteúdo curricular, com exceção do ensino de
línguas estrangeiras, não é a forma mais adequada”. O professor é
desafiado constantemente a inovar as suas aulas, lançando mãos dos mais
variados recursos a fim de envolver os alunos de maneira concreta nos
conteúdos propostos e assim, motivados, eles vão desenvolvendo um
“sentimento de pertença”, bem como, o professor estará também ajudando
na formação crítica dos alunos. A experiência do Cineclube é, sem dúvidas,
de grande riqueza para todos os participantes, pois, permite aos
graduandos de História dos polos da UECE, estarem reunidos em um único
espaço (fóruns e chats) para debaterem e trocarem ideias sobre os diversos
temas propostos. É, sem dúvidas, uma oportunidade para alargar mais os
Aprendendo horizontes de aprendizagem de cada participante. De acordo com Souza
História: (2012, p.80): “Nesse processo de didatização do conhecimento, o filme
MÍDIAS também aparece de forma muito recorrente como um fator motivador, uma
Página | 240 inovação que superaria o marasmo e a falta de interesse dos alunos”.

O presente projeto de extensão foi uma experiência fascinante em todos os


sentidos, uma vez que teve por base o respeito e o conhecimento mútuo.
Acreditamos que quando há interação entre a linguagem do cinema e a
transmissão do conhecimento, alargamos mais ainda os horizontes em prol
de um ensino-aprendizado eficiente e eficaz, e, consequentemente,
colaboramos na construção de uma sociedade e de um mundo melhor. Os
filmes podem ser muito bem aplicados em aulas não somente de história,
mas também nas de geografia, matemática, português, nesta última, pode
ser utilizado, por exemplo, para se trabalhar intertextualidade, analisar um
discurso, justamente porque trazem um recorte da realidade, seja de forma
direta, implícita ou metafórica. A arte, nesse sentido, de representação,
prende a atenção dos alunos com a sua linguagem semiótica e os insere em
um determinado contexto de forma mais profunda.

Referências
Ivaneide Barbosa Ulisses. Profa. Dra. do curso de História/UECE/FAFIDAM;
Coordenadora do Projeto de Extensão CineClube com a História e o Ensino a
Distância.
Celiana Maria da Silva. Graduanda do curso de História/UECE/FAFIDAM;
Bolsista do Projeto de Extensão CineClube com a História e o Ensino a
Distância.

ULISSES, Ivaneide Barbosa. Projeto de Extensão Cineclube com a história e


o ensino à distância. Aprovado para o período 2018. PROEX- UECE.

________, Ivaneide Barbosa. OLIVEIRA, Michel Prudêncio de. SILVA,


Celiana Maria da. O audiovisual como linguagem de ensino-aprendizagem
em extensão. I Simpósio Eletrônico de
História do Ceará, 2018.

FERRO, Marc. Tradução Flávia Nascimento. Cinema e história. Rio de


Janeiro: Paz e terra, 1992.

NAPOLITANO, Marcos. Cultura é currículo. Análise de filme em sala de Aula.


São Paulo, 06 de maio de 2010.

SOUZA, Éder Cristiano de. O uso do cinema no ensino de história: Propostas


recorrentes, dimensões teóricas e perspectivas da educação histórica.
ESCRITAS, v.4, 2012, ISSN 2238-7188, p. 70-93.
BRINCANDO COM MEMES: A COMPREENSÃO HISTÓRICA E AS NOVAS
LINGUAGENS NO ENSINO DE HISTÓRIA
Jefferson Fernandes de Aquino

Introdução Aprendendo
Os “memes” são o que nós podemos considerar de “febre da internet”, uma História:
vez que, num universo que, quaisquer ações que ganham destaque MÍDIAS
(positiva ou negativamente) logo “viralizam”, transformando-se em Página | 241
animações e imagens pela internet e, tão logo também são usados para
caracterizar ou determinar uma situação em particular usando aquele
“bordão” que ficou conhecido, ou imagem.

Com isso, essas imagens e pequenos vídeos (gifs) são facilmente de serem
difundidos e, por isso, a viralização desses conteúdos é praticamente
inevitável. Se não, vejamos uma frase que ficou muito conhecida e fora
bem explorada pelos internautas “Luiza que está no Canadá”.

Essa frase, dita numa determinada propaganda de um condomínio na


Paraíba, foi o suficiente para se tornar uma grande febre e tudo podia
acontecer com todos, menos com “Luiza que esta[va] no Canadá”.

Desta forma temos os memes, segundo Andrade (2017, p.2): “são


constituídos por imagens e textos curtos de cunho humorístico, em sua
maioria, que transmitem uma ideia como forma de comunicação [...] [e
possibilita] formas diferenciadas de leitura do mundo que através da
internet encontram maneiras de adquirir conhecimento”, e com isto podem
revelar, também formas de expressar a fala de um determinado grupo
social ou de um determinado momento da história atual.

No que tange à estrutura metodológica deste estudo, nos pautaremos numa


análise bibliográfica entre Souza (2018) e Andrade (2017) a fim de
compreendermos, dentro do processo de retextualização, os memes como
forma de linguagem virtual e que podem ser utilizados no ensino de História
a fim de promover uma dinamização da aula, bem como aguçar o senso
crítico do aluno.

Neste sentido, compreendemos como retextualização o que, segundo Souza


(2018, p.5) é um processo de produção de um novo texto tomando por
base um ou mais. Transformar um texto com base numa imagem é tarefa
árdua, mas que, em História, facilita a compreensão de um determinado
momento.

Para além da análise bibliográfica, nos empreendemos a buscar em um site


relacionado à disciplina de História, memes que compusessem uma análise
imagética de um determinado momento do passado humano a fim de
percebermos a aplicabilidade desse recursos textual com os conteúdos que
estão dispostos no livro didático.

Segundo Souza (2018, p.5-6):


“Para realizar processos de retextualização se faz necessário entre outras
atribuições considerar a estrutura do texto base, bem como do gênero a ser
escrito.
Esse processo pode ser realizado por etapas:
Aprendendo  1ª etapa: leitura e compreensão do texto base, identificação das
História: características; definição do gênero, função, suporte de veiculação,
MÍDIAS linguagem utilizada.
Página | 242  2ª etapa: escolha do gênero a ser retextualizado; seguir o mesmo
processo da 1ª etapa (leitura e compreensão, identificação das
características; definição do gênero, função, suporte de veiculação,
linguagem utilizada).
 3ª etapa: retextualização - transformação de um gênero em outro.
 4ª etapa: avaliação do novo texto, identificação das características do
gênero produzido, e das informações aproveitadas do texto base.” (SOUZA,
2018, p.5-6)

No que tange o uso de imagens no estudo da História, especificamente no


caso dos memes, é válido ressaltar que, para haver um entendimento do
que está se propondo a criticar. De modo que, ao longo deste estudo,
iremos destacar como, dentro dessas etapas de retextualização que nos
explicita Souza (2018) os memes podem ser utilizados, dentro da
perspectiva de Andrade (2017) no estudo dos conteúdos de História no
ensino básico.

Memes, Charges e História: formas de ler a sociedade


A atual historiografia nos permite perceber os fatos históricos a partir de
vários ângulos. O historiador francês François Dosse outrora nos descrevia
uma história em migalhas, fragmentada, compartimentada. Com ele, outros
oriundos de uma nova forma de pensar a História – Lucien Febvre e Marc
Bloch –, a chamada Escola dos Annales de fato, como o Peter Burke (1997)
mesmo mencionou foi a revolução francesa da historiografia.

Os Annales buscavam ver a história, como dissemos, por vários ângulos,


muitas vezes contradizendo ou propriamente desafiando a historiografia
tradicional que imputava dos seus registros a participação de outros
agentes sociais.

Com isso, o processo de rever a História, também buscava rever o que


havia de registro sobre ela, ou seja, tudo passa a ter valor e sentido
histórico. E é onde entra o foco da nossa pesquisa.

Nos ancorando na perspectiva de Souza (2018, p.1) que afirma tratar-se de


gêneros textuais as linguagens que “[...] surgem a partir da necessidade de
comunicação.” É, também “[...] impossível pensar em comunicação, sem
utilizar gêneros textuais, que sejam orais e ou escritos. Entendidos como
práticas socialmente construídas com o objetivo de configurar
concretamente em textos.” (Idem, p.1).
As imagens – no caso específico dos memes – segundo Andrade (2017,
s.n.t.) são formas de expressão cada vez mais presentes em nossa rotina
diária através das novas linguagens midiáticas utilizadas, sobretudo por
jovens, possibilitando visões diferenciadas de um mesmo evento.

Mais do que isso, podemos afirmar que, em vários momentos de uma aula, Aprendendo
nos utilizamos de recursos imagéticos para explanar tal episódio. Os mais História:
comuns são as charges que, num tom satírico, provoca o leitor a pensar as MÍDIAS
reais intensões por trás daquele momento. Página | 243
Senão vejamos, as imagens abaixo:

FIGURA 1: Charge Hitler e Stalin conversando


Fonte: Site “Ensinar História”. Disponível em:
<http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/belmonte-o-caricaturista-que-
irritou-goebbels/>
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 244

FIGURA 2: Meme Hitler e Stalin


Fonte: História Digital. Disponível em:
<https://historiadigital.org/curiosidades/16-memes-de-historia-
engracados/>

Em ambas imagens podemos relacionar ao fator histórico da Segunda


Guerra Mundial compondo dois momentos desse evento. Na Figura 1,
Belmonte, famoso cartunista paulista ilustrou uma conversa entre os dois
líderes mundiais Hitler (Alemanha) e Stalin (Rússia/URSS), satirizando um
acordo assinado por eles em 1939 conhecido por Pacto de Não-Agressão
Germano-Soviético onde, dentre outros pontos a Alemanha se comprometia
dividir a Polônia em caso dos germânicos chegarem a realizar alguma
ofensiva. Em troca disso, a URSS não se manifestaria. Dentro do curso da
História este pacto foi relevante uma vez que Hitler intencionava atacar a
Polônia, mas viam os soviéticos como um empecilho.

Percebam que, numa análise pormenorizada da figura 1, é preciso que o


aluno conheça da História para que esta iluminura possa ter sentido, o que Aprendendo
corrobora com o que expõe Souza (2018, p.6) quanto das etapas do História:
processo de retextualização: “[...] leitura e compreensão do texto base, MÍDIAS
identificação das características”. Página | 245
No caso do ensino da História, somar esta leitura e compreensão do texto
base é rememorar o que nos disserta o livro didático no que tange ao
evento a ser analisado. Senão, vejamos a figura 2: trata-se de um meme
(de autoria desconhecida), mas com um forte teor histórico, haja vista que,
num primeiro espaço aparece Hitler dizendo “Eu tenho um exército”, no
outro, Stalin, rebatendo “Eu tenho um inverno”. Percebam mais ainda que
as palavras exército e inverno estão em destaque nas cores amarelo e
azul, respectivamente.

Rememorando a História, a esta figura 2 podemos aplicar à Batalha de


Satlingrado que marcou a derrota da Alemanha e a sequência delas nos
anos finais da Segunda Guerra. Entre os principais fatores que ocasionaram
isso foi, certamente, o frio intenso que assolava a então URSS quando da
invasão alemã por Satlingrado (cidade russa fronteira com a Polônia).

A partir da leitura dessas duas imagens é possível se perceber o processo


de retextualização como construção do saber histórico, uma vez que
partimos de um saber prévio (o conteúdo), a ferramenta de análise (a
imagem, o meme) e, por fim, a compreensão histórica que, segundo Prost
apud Andrade (2017, s.n.t.): “[...] os conceitos históricos podem ser
entendidos como termos ou expressões que não pertencem a qualquer
outro vocabulário. Eles são instrumentos com os quais o historiador procura
consolidar e organizar a realidade, levando o passado e exprimir sua
especificidade e suas significações.”

Dessa forma, os memes, os cartuns e as diversas construções imagéticas,


constituem num campo a ser explorado pelo historiador e pelos estudantes
de História do Ensino Básico para melhorarem e dinamizarem o saber
histórico.

Conclusões
O saber é construído ao longo do caminho a ser percorrido por quaisquer
um. Partindo dessa premissa, os saberes – que outrora se dispersaram e
isolaram em suas ilhas – tornam a perceber a real importância de estarem
lado a lado no que tange o desenvolvimento da própria humanidade, pois,
estudamos História para aprender com o passado; estudamos as ciências
para compreender o mundo e as coisas que nele há; estudamos as línguas,
pois não somos só um nesse universo. Enfim, estudamos, porque
precisamos saber e saber nunca é demais.
Referências
Professor da Educação Básica. Graduado em História pela Universidade
Federal de Campina Grande; Especialista em Geopolítica e História pelas
Faculdades Integradas de Patos; Especialista em Atendimento Educacional
Especializado pela Universidade Federal Rural do Semi-Árido; Aluno da pós-
Aprendendo graduação em Mídias na Educação (latu sensu) pela Universidade do Estado
História: do Rio Grande do Norte.
MÍDIAS
Página | 246 ANDRADE, Alessandra Michelle Alvares. A construção do conhecimento
histórico a partir da produção de “memes”. In: Simpósio Nacional de
História, 29, 2017, Brasília. Anais. Brasília: ANPUH, 1-12.

SOUZA, Francisca Vilani de. Considerações sobre Gêneros Textuais e o


Processo de Retextualização. s.n.t., 2018.

Sites:
https://historiadigital.org/curiosidades/16-memes-de-historia-engracados/

http://www.ensinarhistoriajoelza.com.br/belmonte-o-caricaturista-que-
irritou-goebbels/
O ENSINO DE HISTÓRIA E AS NOVAS TECNOLOGIAS: QUESTÕES DE
METODOS E O ENSINO APRENDIZAGEM DE HISTÓRIA EM
PROTAGONISMO DISCENTE
João Batista da Silva Junior

Aprendendo
Esse trabalho tem como problema a discussão de um tema relativamente História:
novo, a utilização das novas tecnologias no ensino de história, mas MÍDIAS
proporcionalmente relevante, para avançarmos na busca por metodologias Página | 247
que agreguem ao tema do ensino aprendizagem, na perspectiva de
proporcionar aos discentes, formas mais condizentes com suas realidades e
mais atrativas de aprender e construir conhecimento.

Os veículos de mídia eletrônica são ferramentas essenciais, visto que as


novas possibilidades de ensino de historia criadas pela internet e a chamada
história digital, sejam no momento as mais relevantes discussões sobre o
tema, “Dada à novidade de tudo isso, há aspectos relacionados à internet
que ainda não fora devidamente exploradas, mas que são centrais para o
desenvolvimento do campo da história pública”. Carvalho (2016, p. 40).
Então as discussões sobre o uso dessas tecnologias, principalmente as
móveis, para o ensino de história, pode ser importante, pois ainda é um
terreno, relativamente pouco explorado.

Tem como objetivo geral Identificar e analisar criticamente os conteúdos, as


metodologias e a eficácia de aplicativos que exploram as redes de
computadores, disponibilizando conteúdo da disciplina história, para
identificar em que medida esses conteúdos e metodologias são inovadoras
ou tradicionais, com a perspectiva de construir, com os alunos, um
aplicativo de mídia virtual, onde sejam protagonistas na produção de
conhecimento.

Os objetivos específicos são observar em que medida esses conhecimentos


extra sala fazem ou não parte da consciência histórica desses discentes.
Discutir como esses recursos didáticos podem ser propositivos na
construção de uma didática da história e Propor, incentivar e orientar a
construção pelos alunos, de um aplicativo virtual com conteúdo da disciplina
história, que seja uma ferramenta didática de produção de conhecimento.

Para tanto discutiremos como as narrativas históricas podem ser utilizadas


pelos professores de história no ensino básico? Como as novas tecnologias
podem ser ferramentas de aproximação dos conteúdos históricos e o
cotidiano? E como os alunos operam a racionalização do conhecimento
histórico, para a constituição da aprendizagem histórica, por intermédio das
narrativas, enquanto reconstrução do passado humano com base nas fontes
e na historiografia?

Metodologicamente pretendemos trabalhar uma pesquisa histórica pela


abordagem da história do tempo presente, norteado pela idéia de que “Se
refere a um recorte contemporâneo em relação ao historiador” Barros
(2004, p146), entendendo história do tempo presente conforme a definição
de Henry Rousso, para o qual a “história do tempo presente é a história de
um passado que não está morto, de um passado que ainda se serve da
palavra e da experiência de indivíduos vivos”, (ROUSSO, 1998, p.68, Apud
DOSSE, 2017, p.28). Visto que pretendemos fazer análise de vários tipos de
aplicativos que serão indicadas pelos alunos em entrevistas e questionários.
Aprendendo No entanto nos debruçaremos com ênfase em aplicativos de ensino de
História: história.
MÍDIAS
Página | 248 Podemos notar que as novas tecnologias são importantes e podem ser
aliadas dentro de uma proposta educacional, por isso nos propomos a
investigar essas novas tecnologias com a pretensão de propor um método
diferencial para o ensino de história, porém para não incorrer em erros
metodológicos, reconhecemos ser imprescindível uma discussão em torno
do conceito de didática da história com o objetivo de esclarecer em que
medida esses recursos didáticos são transformadores na direção da
construção de um método eficaz e propositivo de uma educação
emancipadora que tenha o educando ocupando o lugar de protagonismo do
processo ensino aprendizagem.

Entendendo também que para além dos procedimentos, a didática da


história é, conforme Cerri (2011, p47), uma “disciplina de investigação do
uso social da história”, e segundo Rüsen (2011, p39), “Seu objetivo é
investigar o aprendizado histórico”, pretendemos perceber o ensino da
história, aliado as novas tecnologias, com a função social de propor ao
discente que ele faça a conexão entre os conteúdos da disciplina e a vida , o
cotidiana, entendendo como se engendram as teias que entrelaçam
passado, presente e futuro, compreendendo os aspectos sociais,
econômicos, políticos e culturais que pressupõe a disciplina história e como
esses aspectos refletem em sua vida enquanto ser histórico. entendendo
que “Bem diferente é a estrutura temporal da expectativa, que não pode ser
adquirida sem a experiência. Expectativas baseadas em experiências não
surpreendem quando acontecem”. Koselleck (2006 p.313). Destacamos
essa máxima por entender que enquanto historiadores, não podemos
prever, mas antever, por intermédio de nossas observações do passado no
presente, as manifestações e possibilidades do futuro no mesmo presente,
balizando nossas reflexões e ações no presente.

Outro debate importante será da compreensão do conceito de consciência


histórica, também importante para elucidar algumas questões que
provavelmente se farão presentes nesse trabalho.

Por consciência histórica entendemos a representação social que uma


sociedade constrói, por intermédio de sua trajetória no tempo e no espaço,
é o aprendizado histórico, visto que conforme Rüsen (2011, p39) “O
aprendizado histórico é uma das dimensões e manifestações da consciência
histórica”, sem a qual os seres humanos não conseguiriam compreender a
complexidade de sua própria história. Vários pensadores escreveram a
respeito de consciência histórica e com isso o conceito ganhou em
complexidade. Mas afinal, o que é consciência histórica?
Raymond Aron, por exemplo, acredita que o homem tem um passado e que
ele tem consciência disso, pois só essa consciência dá a possibilidade do
diálogo e da escolha (ARON, 1984). Já para Hans- Georg Gadamer, a
consciência histórica pode ser entendida como um privilégio do homem
moderno, por ter plena consciência da historicidade (GADAMER, 1998).
Kazumi Munakata tece sua crítica aos autores que seguem a linha analítica Aprendendo
da consciência histórica demonstrando que esses seguem um História:
comportamento de seita, como missionários repetem as mesmas MÍDIAS
formulações como um mantra, com um estilo dogmático, “Um aspecto que Página | 249
me desagrada muito é que as pessoas que seguem essa linha analítica
assumem um comportamento de seita”, Munakata (2015, p. 55). Já Luis
Cerri, afasta-se do pensamento de Gadamer, por entender que ele não leva
em consideração a heterogeneidade cultural presente no debate, nesse
sentido Cerri aproxima-se de Agnes Heller para a qual consciência histórica
é uma das condições para a existência do pensamento, e não está restrita a
um período, região ou classes sociais, (CERRI, 2011).

Por entendermos que essa visão de heterogeneidade se orna mais


apropriada ao nosso debate, visto que como Rüsen entendemos que a
consciência histórica é algo universalmente humano, nos pautaremos nessa
possibilidade para discutir em que momento de nosso trabalho esse
fenômeno se manifestará. De acordo com Rüsen na interpretação de Cerri
(2011, p28), “o homem só pode agir no mundo se o interpreta e interpreta
a si mesmo de acordo com as intenções de sua ação e de suas paixões”.
Nesse sentido cabe nesse trabalho procurar compreender como os alunos
entendem seu papel na história, e se as novas tecnologias se inserem como
uma consciência histórica, à medida que eles se reconhecem, ou não,
fazendo parte, do que vem sendo chamada de geração “nativa digital”,
termo criado por Marc Prensky, que designa aquele que nasceu e cresceu
com as tecnologias digitais fazendo parte de sua vivência.

Poderá ser bastante revelador da consciência histórica, as atitudes tomadas


pelos educandos antes e depois de operacionalizarmos a proposta,
entendendo que a sua participação desenvolvendo atividades em grupo
poderá ser mais instigante e significativa, entendendo segundo
(HELLER,1993 apud CERRI, 2011) que “a consciência histórica pode ser
entendida como uma característica constante dos grupos humanos”, Cerri,
(2011, p28), por isso pressupõe o indivíduo existindo em grupo, então as
atividades desenvolvidas em grupo, permitindo uma ação coletiva poderá
ter como resultado o estabelecimento de interação que permita a coesão
em torno de um objetivo comum, por isso será de imprescindível
importância registrarmos cada um dos passos dessa empreitada, com o
objetivo de perceber individualmente e no coletivo as fases do
desenvolvimento do método hora proposto e os avanços e ou mesmo
resistências, individuais e coletivas, no decorrer do processo.

O trabalho contará com uma apresentação sobre o pesquisador sua


trajetória na educação e as motivações que levaram a escolha do tema de
sua dissertação, qual seja: “O uso das novas tecnologias no ensino de
história”. Também apresenta o problema, os objetivos e os capítulos que
compõem o corpo do texto dissertativo.

A primeira parte do trabalho será dividida em dois tópicos onde


desenvolveremos uma discussão teórica sobre a formação dos professores
Aprendendo de história e o uso das novas tecnologias no ensino de história, além de
História: discutir também as narrativas históricas como ferramenta metodológica
MÍDIAS para o ensino de história haja vista que a dissertação tratará sobre ensino
Página | 250 de história e novas tecnologias utilizando como metodologia as narrativas
discentes.

O primeiro tópico intitulado “A formação dos professores de História e as


novas tecnologias” tem por finalidade discutir a formação dos professores
de história e o uso das novas tecnologias no ensino de História. Trazendo
algumas reflexões, norteadas pelo trabalho de autores reconhecidos na
área, buscando compreender em que medida o profissional de história está
apto a se utilizar dessas novas ferramentas pedagógicas e que papel as
mesmas podem exercer no processo ensino aprendizagem. Observando
também em que medida a utilização dessas novas tecnologias possibilita a
transformação, na perspectiva de tornar o processo ensino aprendizagem
mais relevante à vida dos discentes. Para isso faremos uma análise sobre a
formação dos professores em uma perspectiva de compreender as lacunas
existentes nessa formação no que diz respeito às novas tecnologias. Em
seguida analisaremos as novas tecnologias e concluiremos propondo
algumas experiências possíveis.

No segundo tópico denominado “As narrativas históricas e seus usos para o


ensino de história”. Pretendemos destacar algumas questões, que nos são
colocadas e que observamos em nossa longa experiência em sala de aula
no ensino básico, principalmente a dificuldade que os alunos têm de
entender os regimes de historicidades, ou seja, o entrelaçamento das
instâncias temporais, passado, presente e futuro e as relações de
dominância de uma sobre as outras dependendo do contexto. Com o
desafio de tentar discutir e compreender como as narrativas históricas
podem ser utilizadas pelos professores de história no ensino básico? Como
as novas tecnologias podem ser ferramentas de aproximação dos conteúdos
históricos e o cotidiano? E como os alunos operam a racionalização do
conhecimento histórico, para a constituição da aprendizagem histórica, por
intermédio das narrativas, enquanto reconstrução do passado humano com
base nas fontes e na historiografia?

Na segunda parte do trabalho faremos analise de aplicativos de ensino de


história que serão utilizados metodologicamente pelos alunos objetos dessa
pesquisa que são os alunos do ensino médio, mais especificamente do
terceiro ano, que estão se preparando, entre outros objetivos, para o
Exame Nacional do Ensino Médio-ENEM, da Escola Estadual de ensino
fundamental e médio do Outeiro, escola esta, que se encontra na periferia
da área metropolitana de Belém- Pa, na ilha de Caratateua- Outeiro.
Utilizaremos vários aplicativos que estão disponíveis gratuitamente na
internet e junto aos alunos analisaremos a eficácia dos mesmos como
coadjuvante no processo de aprendizagem, verificando alguns aspectos
como as dificuldades e facilidades que esses aplicativos proporcionarão a
compreensão dos conteúdos, por exemplo.
Aprendendo
Construiremos essas analises a partir das narrativas produzidas pelos História:
alunos que serão incentivados a escrever sobre os conteúdos estudados e a MÍDIAS
opinarem sobre os aplicativos, por intermédio de questionários e textos. Página | 251
Na ultima parte dessa dissertação trataremos da pesquisa em sala de aula
Propondo, incentivando e coordenando ações metodológicas que
possibilitem a construção de um aplicativo de história que esteja
relacionado à história local (Distrito de Outeiro) e que relacione esse
conhecimento produzido pelos alunos à História regional, nacional e geral,
na perspectiva de proporcionar aos discentes o protagonismo na construção
de conhecimento histórico, partindo de sua realidade.

Nessa fase do trabalho partiremos da observação do desenrolar das


atividades para também discutirmos temas como, didática da história, com
o objetivo de esclarecer em que medida esses recursos didáticos são
transformadores na direção da construção de um método eficaz e
propositivo de uma educação emancipadora que tenha o educando
ocupando o lugar de protagonismo do processo ensino aprendizagem. E
consciência histórica, procurando compreender como os alunos entendem
seu papel na história, e se as novas tecnologias se inserem como parte de
sua consciência histórica, à medida que eles se reconhecem, ou não,
fazendo parte, do que vem sendo chamado de geração “nativa digital”.

Referências
João Batista da Silva Junior é Professor de História efetivo da Secretaria de
Educação do Estado do Pará, graduado Bacharel licenciado pleno em
História- UFPA. Especialista em Educação- UNAMA e Mestrando em Ensino
de História- Profhistória- UFPA.
Orientador. Prof. Dr. Francivaldo Alves Nunes. UFPA
Coorientadora. Profª. Dra. Edilza Joana de Oliveira Fontes. UFPA

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BARROS, José D’assunção. O campo da História: especialidades e


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CARVALHO, Bruno Leal Pastor de. História Pública e redes sociais na


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Auxiliadora, BARCA, Isabel e RESENDE, Estevão. Jönr Rüsen e o ensino de
história. Martins- Curitiba Ed UFPR, 2011. Pp 7- 40.
PERSEGUIÇÃO ÀS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA NO RECIFE NA
DÉCADA DE 30: O JOGO DE TABULEIRO COMO FORMA DE
APRENDIZAGEM
Jonas Durval Carneiro
Jaime de Lima Guimarães Jr.
Aprendendo
História:
O presente trabalho pretende apresentar uma abordagem diferente para o MÍDIAS
entendimento do tema “Perseguição às religiões de matriz africana” Página | 253
utilizando a metodologia do jogo de tabuleiro em sala de aula a fim de
promover novas vivências e experimentar o jogo como prática
potencializadora do processo de ensino aprendizagem dos conhecimentos
históricos. O jogo foi resultado de uma atividade da disciplina Linguagens
Alternativas para o Ensino da História da UFRPE no curso de licenciatura
plena em História, ministrada pela Profª. Drª. Lúcia Falcão. O jogo foi
ambientado na década de 30, uma época marcada por diversas
transformações na natureza do Estado Brasileiro. Processo que se inicia com
a Revolução de 1930 e atinge seu ápice com a proclamação do Estado
Novo. Nesse contexto, religiões de matriz africanas e religiões pouco
difundidas na grande massa da população sofreram perseguição aos seus
cultos por parte do poder público através da polícia por muito tempo. Diante
disso, o jogo de tabuleiro tem a prerrogativa de possibilitar ao aluno,
analisar e entender as principais ações do governo, o papel da imprensa e
da polícia como armas de apoio às políticas de perseguição com enfoque às
religiões de matriz africana no Recife pelo governo Agamenon Magalhães.

Introdução
Pensar novas práticas educativas para o ensino de história, como para
outras áreas é uma discursão constante nos dias atuais. Porque é muito
importante tentar conduzir o aluno a ser um ser pensante e agente em seu
meio. E essa tarefa é muitas vezes relegada ao professor que na tentativa
de estimular os alunos utiliza-se de novas práticas, sendo uma delas o
lúdico, cujo objetivo é oportunizar novos experimentos pedagógicos a fim
de construir conhecimento oportunizando novas práticas tanto educacionais
como culturais.

Dentro dessa proposta, a construção de um jogo baseado em algum fato


histórico dentro da sociedade onde o aluno está inserido tem o propósito de
dialogar com o conhecimento que o aluno tem do fato ou não, com o
conhecimento produzido através de produções acadêmicas desse fato.
Então, um conjunto de bibliografias sobre o tema tem o intuito de ensinar e
apresentar um produto final: um jogo de tabuleiro.

É claro o visível distanciamento entre o que é produzido academicamente


sobre a história local e o conhecimento que é distribuído nos livros didáticos
nas escolas, tendo em vista que a totalidade dos livros didáticos são
organizados e distribuídos por editoras do sudeste do país, além da história
dita “nacional” concentrar-se nesse eixo. Deixando pouco espaço ou quase
nenhum para a história local ser ensinada e disseminada nas escolas.
O fato histórico estudado a fim de produzir o jogo é a perseguição religiosa
sofrida pelas religiões de minorias na década de 30, em especial as de
matriz africana. Diante disso, para que seja produzida uma abordagem mais
significativa (SEFFNER, 2013), “é preciso usar o jogo na sala de aula
oportunizando ao aluno uma interação social, uma emoção permitida pelo
Aprendendo jogo, uma investigação através do levantamento de fontes, uma
História: interpretação e uma autonomia na produção da narrativa histórica,
MÍDIAS oportunizando o conhecimento significativo e a construção da consciência
Página | 254 histórica”. Nessa análise através do ensino de História, busca-se valorizar a
pesquisa, proporcionar as interpretações e a análise do contexto da época,
auxiliando o educando na construção de narrativas históricas sobre
perseguição religiosa.

Em busca da autonomia, o jogo de tabuleiro Caminho dos Orixás apresenta-


se como suporte pedagógico para as aulas dos professores de História no
Estado de Pernambuco, podendo ser utilizado como fechamento das aulas
sobre a conjuntura antes e durante o Estado Novo. O jogo segue como
denúncia aos direitos cerceados das religiões de matriz africana durante o
período.

Para isso foi necessária a leitura de narrativas e fontes escritas que, de


algum modo, descrevem as repressões do Estado, naquela década. Esta
vasta leitura oportunizou a produção das narrativas das tabelas que
compõem o jogo. E que contribui para a elaboração da história que
contempla o jogo de tabuleiro, criando situações diferentes onde o
educando faz sua análise para desenvolver os objetivos do jogo e os
objetivos pedagógicos.

O jogo no ensino de história


Quando se ensina para alunos de diversas idades, o ato de jogar é um
convite maravilhoso para se distanciar do seu mundo. A dimensão da
cultura de jogar está difundida enormemente na sociedade. Esse debate é
antigo, e o ato de jogar e brincar são facetas semelhantes de uma moeda,
onde ambos necessitam se relacionar com o lugar, o meio onde se
estabelecem. Huinzinga (1993) discorre que “o jogo é algo presente desde
os primórdios da humanidade, situando-o como uma atividade livre e
espontânea, onde as potencialidades se desenvolvem e os estímulos são
permitidos significantemente”.

O ensino de história na grande maioria das vezes parece está distante da


relação do tempo com a vida real do aluno. Surgem então indagações de
como superar essa distância entre o acontecimento histórico e o cotidiano
do aluno. Na visão de Giacomoni e Pereira (2013 p.14): “A questão que fica
é, portanto, como provocar encontros na aula de História, de modo que o
gosto e o envolvimento por conteúdos tão distantes no tempo e no espaço
possam permitir a aprendizagem?”

As diversas possibilidades de resolver esse questionamento sobre a


aproximação da História com a realidade do aluno, o ato de jogar torna-se
uma proposta capaz de intermediar o conhecimento, e capaz, também de
levá-los ao prazer e a descontração do jogar. Com certeza, jogar na aula de
história é um ato que implica aprendizagens e prazer. Apostar no jogo
enquanto recurso didático que aproxime as experiências dos alunos do
conhecimento histórico e despertem nestes o interesse pela história parece
ser uma interessante alternativa. O jogo como ferramenta pedagógica já
vem sendo utilizado nas aulas de história já há algum tempo, porém num Aprendendo
aspecto voltado para o lúdico, ao encantamento. História:
MÍDIAS
O jogo é muito importante na escola não apenas como socializador, mas Página | 255
também como criador de um ambiente sadio, e é também por meio do jogo
que na visão de Miranda (2002) se “desenvolve a inteligência e a
personalidade, fundamentais para a construção de conhecimento”. Por estar
mais perto do universo dos alunos, esta possibilidade de aprender com a
história jogando, traz o lúdico, a interação social e uma troca de saberes.

O jogo como forma de aprendizagem


Diariamente o professor precisa lidar com diferentes problemas na sala de
aula, como a evasão, o desinteresse e a dificuldade de aprendizado.
Transpor a mera definição de conceitos e possibilitar a quem aprende
refletir e pensar historicamente sobre os mesmos não apenas é outro
desafio, como também uma necessidade para a compreensão dos processos
históricos ensinados. Quando se fala em perseguição religiosa, se lida com
um daqueles conceitos que sabe-se o que significa, mas que é difícil
explanar, e é a partir dessa noção que a utilização do jogo proposto auxilia
a apreensão dessas questões (no próprio ato do brincar) em função de uma
história pensada para incutir no aluno a noção, significado e experiências
sofridas pelos praticantes das religiões afrodescendentes perseguidas no
período pesquisado.

Por isso, nada mais interessante do que utilizar uma linguagem alternativa
para ser um provocador que falta ao ambiente de sala de aula. Pois
segundo Giacomoni e Pereira (2013), “Nesse ato de jogar, os estudantes
estão na origem dos conceitos, pois que ali, no ato, conceitos históricos se
gestam e passam a dar forma à vida, aos modos de vida, aos antigos
presentes”. Huizinga (2000) complementa que:

“A função do jogo [...] pode de maneira geral ser definida pelos dois
aspectos fundamentais que nele encontramos: uma luta por alguma coisa
ou a representação de alguma coisa. Estas duas funções podem também
por vezes confundir-se, de tal modo que o jogo passe a “representar” uma
luta, ou se torne uma luta para melhor representação de alguma coisa.”

Perseguição aos cultos de Matriz Africana no Recife na Década de


30: O Tema para o Jogo de Tabuleiro
Situar o tema em análise é necessário para o entendimento da proposta do
jogo de tabuleiro e para seleção do conteúdo histórico a ser trabalhado. Por
isso, é necessária uma pesquisa bibliográfica e uso de aula expositiva
anterior ao uso do jogo para que o aluno tenha consciência do fato histórico
e aprenda jogando.
A década de 30 fervilhava, politicamente falando. Especialmente quando
Getúlio Vargas ascendeu ao poder através do movimento revolucionário
conhecido como Revolução de 30. Mediante esse processo antidemocrático
e ditatorial, o país sentiu as ações desse governante onde todo um processo
de mudança é observado com as novas prerrogativas do regime de Estado
Aprendendo vigente cujas mudanças foram percebidas em toda a sociedade.
História:
MÍDIAS Nesse período começou em diversos Estados a modernização dos centros
Página | 256 urbanos numa tentativa de ter as cidades mais próximas do modelo vigente
naquele período, que era Paris. Movimento que foi experimentado em Recife
também, com a eliminação do centro antigo de diversas famílias em sua
grande maioria pobres e negros, culminando com a mudança dos centros de
cultos para áreas mais distantes. Isso resultou em resistência e atrito com
os governos locais e a polícia. A partir desta resistência, os grupos sociais
negros que buscavam a manutenção de suas práticas, habitações, e lugares
simbólicos, acabaram também por estender o tecido da cidade em áreas
marginalizadas pela elite e instâncias político-econômicas, redefinindo os
bairros.

A perseguição, intolerância e o preconceito sofrido pelos praticantes dos


cultos de matriz africana aconteciam simplesmente porque não praticavam
a religião predominante. Assim, os praticantes desses cultos se
encontravam sempre a margem da sociedade. Além do mais, juridicamente
esses cultos também sofriam repressão, o próprio código penal de 1932,
cujos artigos 157 e 158, corroborado pela Constituição de 1934 já violava o
livre arbítrio de cultos quando em seu Capítulo II, inciso 5 indicava que:

“É inviolável a liberdade de consciência e de crença e garantido o livre


exercício dos cultos religiosos, desde que não contravenham à ordem
pública e aos bons costumes. As associações religiosas adquirem
personalidade jurídica nos termos da lei civil.”

Quando se atém à frase “contravir a ordem pública e aos bons costumes”


percebe-se seu aspecto subjetivo, porque qualquer coisa que não estava
nos padrões da sociedade e da época vigente era usado como motivo óbvio
para acionar as autoridades e a polícia.

A partir da análise dessa tratativa, Campos (2009) evidencia que:

“Dessa forma, o poder não é uma instituição e nem uma estrutura, não é
uma certa potência de que alguns sejam dotados. É o nome dado a uma
situação estratégica, complexa, numa sociedade determinada. No caso
analisado, uma sociedade que estava sendo forjada através dos ideais da
ordem, do engrandecimento nacional, da moralização dos costumes e da
modernização, de higiene e da beleza da cidade.”

No período, para que um terreiro pudesse funcionar seus adeptos


necessitavam passar por um controle por meio de exame mental. Diante
disso, surge o Serviço de Higiene Mental capitaneado pelo médico psiquiatra
Ulysses Pernambucano. Que serviu de ponte entre os terreiros e a polícia
sendo um dos maiores colaboradores para que essa religião se fizesse
conhecida. Inclusive, foi um dos organizadores, junto com Gilberto Freyre,
do primeiro Congresso Afro-brasileiro no Recife em 1934.

Se no início dessa década a polícia já agia truculentamente, com a indicação


de Agamenon Magalhães para ser interventor do Estado as restrições Aprendendo
tornaram-se mais latentes. Isso porque Agamenon no início de sua gestão História:
queria demonstrar para a sociedade pernambucana que poderia reduzir os MÍDIAS
índices de criminalidade acentuando o poder dos órgãos de repressão. Página | 257
Diante disso foi reforçada a atuação da Delegacia de Ordem Política e Social
(DOPS) por meio da Secretaria de Segurança Pública. Além do mais, o
interventor possuía o apoio das autoridades eclesiásticas dominantes no
período. Campos (2004) deixa explícito que o Estado e a Igreja
empreenderam uma caçada às religiões afro descendentes por causa de
suas práticas que não eram católicas.

Agamenon Magalhães por meio do poder que o cargo lhe conferia utilizou-se
de todos os meios disponíveis ao seu alcance para calar e até mesmo
acabar com as religiões de matriz africana utilizando-se desde o aparato e
inteligência policial, como dos jornais impressos e das rádios tão populares
no período. Quando ocorriam as diligências policiais ao local onde ocorria o
culto afro era comum os jornais escreverem matérias de cunho pejorativo
sobre o acontecimento.

Tendo em vista que o preconceito ainda perdura independente do período


que as informações se encontram disponível, é essencial e possível
conhecer os dois lados dessa história de perseguição. É primordial que o
aluno obtenha conhecimentos prévios sobre os acontecimentos que
culminaram com a perseguição às religiões de matriz africana a fim de
entender o propósito do jogo como objeto auxiliar nos conhecimentos
abordados e que também possa socializar com seus colegas a cerne desse
problema ainda tão latente para as religiões de matriz africana.

Jogo de Tabuleiro Caminho dos Orixás


Giacomoni e Pereira (2013) apresentam um guia para o desenvolvimento de
jogos de história, guia esse seguido para o desenvolvimento do Jogo de
tabuleiro Caminho dos Orixás. Os autores destacam alguns passos a serem
seguidos para a elaboração de um jogo: delimitar um tema dentro de um
período histórico e dos conteúdos que o professor planeja, escolher a
superfície onde o jogo será desenvolvido, sua dinâmica e funcionamento e
estabelecimento das regras e layout do jogo.

O tema e período do jogo de tabuleiro já fora anteriormente explanado,


então era preciso analisar as opções existentes como base para a dinâmica
do mesmo, de modo a encontrar o que melhor representava a proposta de
ensino da temática. Todas as análises levavam para narrativas de batalhas
ou perseguições que culminavam numa vitória sem se ter uma avaliação
crítica da função de quem vence ou de quem perde. Era visível que havia
dois lados se opondo na dinâmica do jogo, os perseguidores e os
perseguidos.
A estrutura do jogo necessitava ter suas bases fincadas na premissa de
perdas e ganhos com a ideia de pôr os jogadores na situação das
personagens. Contudo, era um desafio fazer uma proposta de jogo que
conseguisse ensinar dentro do processo de ensino aprendizagem através de
Aprendendo construção de uma narrativa crítica por parte dos jogadores, independente
História: dos lados optados. Diante disso, optou-se por uma indefinição dos
MÍDIAS sujeitos/personagens com a premissa de evitar a criação de mártires entre
Página | 258 os personagens do jogo.

Findo o processo de imaginação do jogo, seguiu-se a fase de definir um


encadeamento de situações e personagens que deixassem a representação
do tema apresentado de maneira objetiva e clara. A pesquisa historiográfica
apresentou dois espaços extremamente comuns e mutuamente
controversos: a delegacia e o terreiro. O primeiro, espaço o local de prisão,
humilhação e vergonha. O segundo, espaço para liberdade, transmutação e
mudança. Foram utilizados esses dois espaços para o pontapé inicial e final
do jogo de tabuleiro.

Com a definição dos personagens e dos seus elementos, o próximo passo


foi definir o layout do jogo. Utilizando da bibliografia pesquisada, algumas
delimitavam através de mapas os pontos onde se encontravam os principais
terreiros da zona norte do Recife na década de 30 e que poderiam ser
utilizados como pando de fundo para o jogo de tabuleiro. Contudo, depois
de diversos testes ficou claro que o uso de um ambiente geográfico tornava
impossível o uso do tabuleiro em outro ambiente histórico. Optaram-se
então por objetos que exaltassem a representatividade da religião
perseguida, como imagens dos orixás e como os caminhos para o jogo de
tabuleiro, os búzios. Embora os búzios não estejam presentes no cerimonial
de algumas religiões africanas, são peças que os alunos conhecem pelo fato
da cidade do Recife encontra-se próximo ao mar. Da união desses
elementos surgiu o nome do jogo de tabuleiro Caminho dos Orixás, uma
referência aos caminhos de estrada que levam aos terreiros na periferia.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 259

FIGURA 1 – IMAGEM DO TABULEIRO – CAMINHO DOS ORIXÁS.


Imagem disponível em https://drive.google.com/drive/folders/1KsYvD-
gC4mIUWzoAnDvHLYQxAiw7L9kN?usp=sharing
Fonte: Os autores (2018)

Outro ponto importante foi com relação ao quantitativo de casas que o jogo
teria. Não seria interessante um jogo muito longo nem muito curto, depois
de alguns testes optou-se então pela quantidade de 20 casas formando o
caminho sinuoso e que não se entrelaça. Essa quantidade funcionou muito
bem para uma aula de 50 minutos.

Como não havia a possibilidade de pôr nas conchas as informações de cada


casa, a ideia mais assertiva foi fazer duas tabelas auxiliares numerada de 1
a 20 (quadro 1). Uma com dados referente a polícia e outra com dados
referente ao informante dos terreiros, que poderiam ser utilizadas pelos
jogadores. No jogo de tabuleiro os jogadores são representados por pinos
de cores diferentes e a quantidade de casas que cada jogador deverá seguir
será definida pelo uso de um dado. Os jogadores escolhem entre si qual
trilhar quer seguir e quem chegar primeiro ao destino final é o vencedor.
Búzio

Búzio

POLÍCIA INFORMANTE

Segundo o Código Penal de 1932 é Segundo o Código Penal de 1932 é


1 1
proibido praticar magia e outros sortilégios. proibido praticar magia e outros sortilégios.
A Lei está ao seu favor, pule duas A Lei não está ao seu favor, fique UMA
casas vez sem jogar

Não peça ajuda ao padre. Organizações da


A Viatura está em diligência. Todos
2 2 igreja estão juntas com o Estado na caça
prontos para cumprir mais uma missão.
aos praticantes das religiões afros.

Diretoria Geral de Assistência aos


Aprendendo Em 1934 acontece o 1º Congresso Afro no
Psicopatas era contra aos Pais e Mães de
História: 3
Terreiros de Recife. Entidades de Estado
3 Recife organizado por Gilberto Freire. A
MÍDIAS luta está ao seu favor, pule DUAS casas.
ao seu favor.
Página | 260
Você tem a seu favor o médico psiquiatra
Atenção! Ao chegar solicite autorização de
Ulisses Pernambucano com informações
funcionamento terreiro. Segundo a Lei
4 4 úteis. Ele é chefe do Serviço de Higiene
Estadual de 1934, é obrigatório. Fique
Mental de Pernambuco – SHM e um forte
UMA vez sem jogar
aliado.

O Serviço de Higiene Mental de


Você chegou ao Terreiro de Pai Anselmo,
Pernambuco – SHM, criado em 1932 com
amigo de Gilberto Freyre. Aproveite para
5 objetivo principal central conhecer, 5
comer um delicioso vatapá para recuperar
controlar e diferenciar os xangôs em prol
as energias.
da moral e contra o charlatanismo.

Fique sabendo que uma Lei Estadual lhe


Cuidado! O Artigo 158 do Código Penal de
garante que, chegando ao local, você
1932, proíbe atividade de curandeiro,
6 pode apreender todos os objetos como 6
cartomancia e prescrever ervas. Por isso,
prova. Não tenha pressa, retorne UMA
retorne UMA casa.
casa.

Você chegou ao Terreiro de Pai Antônio Está desorientado? Você está próximo do
7 Félix Marinho na Encruzilhada. Exija mais 7 Terreiro de Pai José Gomes e pode pedir
informações sobre o seu destino. informações importantes.

Você Sabia? A Umbanda, religião


Lembre-se: O que se entendia no passado
genuinamente brasileira, é um misto de
8 8 como Catimbó é o que se chama hoje de
Cristianismo, Espiritismo, Catolicismo,
Umbanda.
culto aos orixás e Catimbó.

O Interventor Agamenon Magalhães criou


órgãos de repressão e manutenção da Você está ciente que os maiores Mestres
ordem pública: DOPS – Delegacia de de Catimbó foram negros e ainda o são,
9 9
Ordem Política e Social e o SSP – em maioria absoluta, mestiços e mulatos?
Secretaria de Segurança Pública. Avance Avance UMA casa.
UMA casa.

A maioria das seitas africanas está


Alguns Pais e Mães de Santo ajudavam os
localizada na Zona marginal às linhas do
vários órgãos estaduais para verificar a
Beberibe e Campo Grande, arrabaldes
existência de charlatães. Interessados em
pobres da cidade. Encruzilhada, Água Fria,
10 buscar proteção policial e liberdade para 10
Arruda, Chapéu do Sol e Fundão, por
suas práticas, também denunciavam
todos esses lugares se encontram
aqueles vistos como concorrentes. Volte
terreiros. Terreiros de culto nagô, gege,
para casa 8.
xanhá com predominância de nagô.

Em favor da política do Estado Novo Origem dos cultos afro-religiosos na região


11 11
(1837-1945) no Brasil, e, em particular em pelo rio Beberibe, destacando tanto a
Pernambuco, baixou-se uma portaria em existência do Quilombo do Malunguinho
1938, proibindo o funcionamento de nas matas do Catucá. Por sua origem
centros afro-religioso no Recife. Avance avance UMA casa.
UMA casa.

Reformas urbanas para modernização e


“higienização” dos bairros centrais do Algumas agremiações carnavalescas na
Recife, entre outros objetivos, era a zona de mocambos do Beberibe de Baixo Aprendendo
12 12
erradicação dos mocambos, e o controle e também serviram de espaço para
História:
repressão aos centros afro-religiosos. A celebrações dos cultos afro-religiosos.
polícia participou ativamente.
MÍDIAS
Página | 261
Seja esperto! Para impedir o fechamento Os rios Beberibe e Água Fria eram
de seus terreiros, os grupos afro caminhos utilizados pelos negros fugitivos
descendentes disfarçavam suas sedes em que ocuparam as margens e manguezais
13 centros kardecistas ou em agremiações 13 aterrados por eles. Tal fato favoreceu a
carnavalescas. Não caia nessa pegadinha. concentração de vários Xangôs na região
Para obter mais conhecimento, fique uma entre Olinda e Recife. Fique uma rodada
rodada sem jogar. sem jogar.

Grupos religiosos ocultavam seus Algumas estratégias dos grupos afro-


ancestrais e divindades africanas por trás religiosos era camuflar seus xangôs em
14 14
dos santos católicos para impedir sua agremiações carnavalescas como forma de
segregação. Seja inteligente! burlar o controle e repressão.

Abertura de estradas e o desenvolvimento


Você parou no Terreiro de Pai José Fausto
dos transportes, com o advento dos trens a
de Oliveira na Estrada de Belém em
vapor, acabaram por possibilitar ocupação
15 Campo Grande. As informações que você 15
mais acelerada dos bairros mais distantes
pediu a ele foram falsas. Por isso, Retorne
do Centro do Recife, ajudando na
UMA casa.
proliferação dos mocambos e dos terreiros.

A Delegacia de Ordem Política e Social – Gilberto Freyre foi preso por delito de
DOPS foi criada tendo como uma das opinião. Acusado de pornográfico e
16 justificativas o uso de medidas autoritárias 16 comunista pelo governador intervencionista
de combate à “Desordem Social”. Você vai Agamenon Magalhães porque defendia os
chegar lá! terreiros. Retorne UMA casa.

A Imprensa se tornou referência na


interventoria de Agamenon Magalhães. Santa Bárbara ou Iansã, deusa dos raios,
Uma estratégia fundamental para a ventos e tempestades está te ajudando.
17 17
construção dos ideais do Estado Novo em
Pernambuco. O jornal Folha da Manhã foi Avance UMA casa.
seu porta-voz. Avance UMA casa.

A Folha da Manhã, de propriedade de


Agamenon Magalhães, veiculava a
doutrina dominante através do processo Você está quase perto! Receba apoio no
18 de “catequização” da sociedade. Os 18 terreiro de Mãe Marcionila. Momento de
afroumbandistas deveriam ser oração para seguir em frente.
desconstruídos, marginalizados e,
finalmente, silenciados.

O Estado Novo promoveu medidas de


Depois de percorrer um longo caminho,
controle da sociedade, instaurando,
19 19 sua jornada está chegando ao fim.
progressivamente, um sistema de
Prepara-se para chegar ao seu destino
vigilância ostensivo a toda e qualquer
final e ajudar o terreiro de Mãe Maria.
forma de manifestação contrária às ideias
do Governo. Continue rezando.

Parabéns você conseguiu chegar ao seu Muito bem! Você conseguiu livrar mais um
20 destino e está pronto para desmantelar 20 terreiro de ser desmontado pelas forças
mais um terreiro. policiais.

Aprendendo QUADRO 1 – LISTA DAS CASAS DO JOGO “CAMINHO DOS ORIXÁS”


História: Tabela disponível em: https://drive.google.com/drive/folders/1KsYvD-
MÍDIAS gC4mIUWzoAnDvHLYQxAiw7L9kN?usp=sharing
Página | 262 Fonte: Os autores (2018)

Jogando com o Tabuleiro Caminho dos Orixás


No momento de por em prática o jogo na sala de aula, as demais instruções
virão junto com a lista das casas do jogo. São algumas informações como:
Búzios (conchas): Muitos anos atrás antes do uso de moedas de metal, esta
concha chamada búzio, foi usada como moeda na África. Os búzios viajaram
o mundo como moeda antes de tornarem-se oráculo. Consultar o oráculo
dos orixás, o Jogo de Búzios, abre uma porta de comunicação com o mundo
espiritual, que nunca mais se fecha.

O TERREIRO – Local onde se realizam as reuniões, festas e rituais dos


devotos dessa religião afro-brasileira. O terreiro é um complexo formado
por várias situações, desde as entidades que se manifestam até os médiuns
que são os intérpretes dos espíritos.

INSTRUÇÕES: O jogo contém um tabuleiro com o desenho de duas trilhas


de Búzios que saem da DELEGACIA até o TERREIRO. Cada trilha é utilizada
por um jogador ou grupo de jogadores chamados Polícia e Informante.
Contexto:

Uma denúncia anônima é recebida pela DELEGACIA para investigar um


TERREIRO localizado na região de Salgadinho (norte da cidade do Recife):
chamado Terreiro de Mãe Maria. Segundo informações do denunciante, o
Terreiro está cometendo crime à ordem pública e aos bons costumes
(Constituição Federal – 1934, Capítulo II, Artigo 5º). Um INFORMANTE
ligado aos Terreiros da região do Recife – PE toma conhecimento que um
grupo de policiais seguirá em diligência para uma batida surpresa naquele
endereço. POLÍCIA e INFORMANTE saem da delegacia ao mesmo tempo
rumo ao TERREIRO. Por trilhas diferentes, quem chegará primeiro?
Dependendo de quem chegar primeiro, o TERREIRO pode ou não sofrer
ações do Governo.

Regras:
Cada jogador (ou grupo) utilizará um pino com cores diferentes para seguir
as trilhas de Búzios. Utilizando um dado que possibilitará avançar de uma a
seis casas por jogada até chegar ao TERREIRO. Cada Búzio alcançado
contém um número que corresponde a uma mensagem que pode ajudar ou
retardar a chegada dos jogadores ao destino. Utilize a tabela a seguir para
se guiar. Quem chegar ao TERREIRO primeiro vence.

Considerações finais
Não é fácil para um educador tratar de temas que ainda não são tão
debatidos na sociedade e em grupos que ainda de alguma maneira são
rejeitados e vistos com outras perspectivas por uma parte da população.
Contudo, é gratificante quando existe um esforço por parte do educador em
querer mudar esse traço da história apenas plantando uma luz de
esperança na mente do corpo discente. Quando a confrontação de ideias Aprendendo
estimula a argumentação e o aprendizado fazendo com que as vivências do História:
aluno sejam respeitadas. MÍDIAS
Página | 263
Um dos intuitos principais do jogo “Caminho dos Orixás” é que seja um
auxiliador do professor nessa tarefa árdua proporcionando por meio do jogo
de tabuleiro outra visão de aprendizagem por meio de atividades que
agucem o espírito do aluno na sua busca por conhecimento e de novas
construções de narrativas.

A estratégia de utilização do jogo não está apenas no ato de jogar, mas de


respeitar grupos sociais diferentes dos seus reconhecendo diferenças e
semelhanças fazendo da sala de aula um espaço democrático oportunizando
a autonomia dos alunos e colocando-os no centro do saber.

Referências
Jonas Durval Carneiro é Graduando em Licenciatura Plena em História pela
Universidade Federal Rural de Pernambuco.
E-mail: jonasdurval2004@hotmail.com
Jaime de Lima Guimarães Jr. é Graduando em Licenciatura Plena em
História pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. Bolsista BEXT -
PRAE – UFRPE. E-mail: jaime.guimaraes@gmail.com

BRASIL. Decreto n.º 847, de 11 de outubro de 1890.

BRASIL. Constituição Federal de 1934.

CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. KOURYH. Jussara Rocha. Religiões Afro-


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177, dez. 2015. Disponível em:
<www.unicap.br/ojs/index.php/theo/article/download/609/527>.

CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. A polícia no estado novo combatendo o


catimbó. Revista Brasileira de História das Religiões – Ano I, n. 3, Dossiê
Tolerância e Intolerância nas manifestações religiosas, 2009. Disponível
em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf2/texto%2016.pdf>.

CAMPOS, Zuleica Dantas Pereira. Marianos recatequizando Pernambuco.


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GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA. Nilton Mullet. Jogos e Ensino de


História. Porto Alegre: Evangraf, 2013.
HALLEY, B. M. Onde mora o Xangô? Fatores de Localização de Terreiros
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Revista Eletrônica: Tempo - Técnica - Território, v.5, n.1 (2014), p. 25-
50. Disponível em:
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SEFFNER. Fernando. Flertando com o caos: os jogos no ensino de história.


In: GIACOMONI, Marcelo P.; PEREIRA, Nilton M. (Org.). Jogos e ensino de
história. Porto Alegre: Evangraf, 2013
NOVAS FORMAS DE ENSINAR HISTÓRIA: OS JOGOS ELETRÔNICOS
COMO FERRAMENTA LÚDICA
Jorgeana Roberta Alcântara Teixeira

A problematização por trás dessa pesquisa surgiu a partir das recorrentes Aprendendo
limitações das práticas de ensino de historia realizadas nas escolas, no História:
sentindo da necessidade de adapta-las as novas tecnologias MÍDIAS
contemporâneas, à realidade dos alunos e as formas de ensino diferencias. Página | 265
Afinal, cada aluno tem uma maneira única de aprender, ainda que a
metodologia de ensino de seu professor seja a mesma. Uma vez que
professores de história relatam que entre os maiores problemas
encontrados na prática docente no ensino de história é a dificuldade na
leitura, escrita e interpretação de tempos históricos. Resultando na não
compreensão dos saberes históricos escolares e seus objetivos, tornando a
historia enquanto matéria repetitiva e decorada, causando uma
desmotivação por parte dos alunos em seu estudo. É claro que o fator que
gera a desmotivação em sala de sala é causado por diversos razões sejam
elas emocionais, econômicas, sociais, familiares e etc. Porém, enquanto o
principal problema for o modo de se ensinar história, é plausível e
necessário achar uma solução e uma forma de ensinar mais próxima dos
alunos.

Pensando em opões de metodologias diferenciadas e fora do padrão,


decidimos analisar os jogos eletrônicos, que possuem um grande potencial
educativo e podem ser o pontapé inicial para os professores pensarem
sobre inovação em suas aulas e a adaptação para o tempo presente, tendo,
portanto, um ensino lúdico, visando favorecer o processo de ensino e
aprendizagem. Trazendo os jogos eletrônicos como algo que estimule uma
fantasia com efeito inédito no modo de ensinar e aprender, trazendo
atitudes positivas para a aprendizagem. O caráter lúdico do jogo é marcado
no aspecto envolvido na atividade e na liberdade que o jogo traz ao
jogador, uma liberdade por meio de regras, necessário em qualquer jogo e
aceito pelos que o jogam. Tornando os jogos com temática história
portando ferramentas lúdicas e educativas, resultando numa ferramenta
eficaz para o professor organizar as estratégias de aprendizagem entre
história e tempo presente, reforçando os ensinamentos em sala de aula e
dando vida a um passado distante da mentalidade dos alunos.

Os jogos eletrônicos se tornaram uma espécie de fenômeno e sucesso de


vendas no século XXI, sendo, portanto, o produto de entretenimento
cultural mais consumido, e ocupando o terceiro lugar no ranking de
lucratividade da indústria cultural no mundo, ultrapassando o cinema e a
música. Esse fenômeno foi chamado por Roger Tavares de Game Cultura,
afirmando que os games são tratados como algo infantil e, por isso, acabam
perdendo sua potencialidade cultural. Partindo dessa analise, pretendemos
problematizar como os jogos eletrônicos podem ser uma potente
ferramenta para se ensinar e aprender história, complementando na
apreensão de conteúdos em sala de aula e ajudando os alunos em seu
processo de aprendizagem. Sendo assim, entendemos que os games
também podem facilitar uma maior aproximação entre aluno, professor e a
história enquanto conteúdo escolar, como afirmado por Tânia Fortuna,
“pode-se declarar com vigor que a contribuição do jogo para a educação vai
muito além do ensino de conteúdos de forma lúdica, sem que os alunos
sequer percebam que estão aprendendo”. (Fortuna, 2013.)
Aprendendo
História: Ou seja, os games podem ser uma potente ferramenta que além de facilitar
MÍDIAS o entendimento do aluno, principalmente em história, que traz conteúdos
Página | 266 distantes de suas realidades, dificultando sua localização no espaço/tempo.
Tais dificuldades poderiam então ser solucionadas com o auxilio de
ferramentas alternativas, sendo explorados no decorrer dos jogos, somado
ao conhecimento de conceitos, imagens, espaço, narrativa e tempo.
Aproximar algo antigo e distante de algo moderno, tecnológico e que faz
parte de seu próprio universo enquanto adolescente, pode tornar as aulas
de história mais dinâmicas, atraentes e criativas, de forma a trabalhar
habilidades transversais para além do conteúdo como o raciocínio, a
memória e a análise de fatos históricos, através de uma metodologia
diferenciada e inovadora acreditamos que ferramentas como os games
podem impulsionar a aprendizagem no ensino de história. “Propriedades
dos jogos como a estética, liberdade e ludicidade auxiliam na identificação
do aluno com o conhecimento motivando-o a usar sua inteligência para
jogar bem, isto é, superar obstáculos cognitivos e emocionais”.
(KISHIMORO, 2005.)

Os jogos eletrônicos trazem então uma urgência a ser debatida, pois cerca
de 82% dos jovens consomem jogos eletrônicos entre os quais 33% ainda
estão em idade escolar, ou seja, jogam em casa o que aprendem na escola.
Outro fator importante é o fato dos jogos com temáticas históricas serem
largamente consumidos e obterem recorde de vendas, sendo assim, apesar
de terem erros do ponto de vista da veracidade historiográfica dos temas
que tratam, suas narrativas apresentam uma representação cultural do
passado em um ambiente digital e atrativo, trazendo um produto com uma
visão especifica, com recorte e abordagens de acordo com a origem de sua
fabricação, referencias e imaginários, mas que conquistou o seu lugar no
mercado capitalista possuindo consumidores fiéis. O fato é que jogos com
temáticas históricas trazem ao jogador uma simulação narrativa e um olhar
sobre os espaços históricos e tempos do passado, aproximando algo
distante ao universo dos alunos.

É preciso entender que os jogos eletrônicos são cultura e serão história, e


que toda nova tecnologia que surge, passa por um período de
estranhamento e de negação, como foi com o cinema em seu surgimento,
quando a critica preferia o teatro. Portanto, é preciso encarar os jogos
eletrônicos como arte e como cultura, fazendo uma analise como um
instrumento de linguagem e narrativa, bem como um agente influenciador
na formação de jovens e, principalmente, como um espaço de possível
construção de uma narrativa histórica, ainda que enquanto narrativa que
não pode perder seu caráter interativo, diferenciando-o portanto do cinema,
pois a narrativa é construída pelas escolhas do jogador, assumindo uma
condição ativa na trama que o traz para dentro da história. Como, por
exemplo, jogar com um soldado da 2ª Guerra Mundial, com a mesma
ambientação, armas, efeitos sonoros e visuais, resultando em transportar o
aluno para um tempo e espaço que ele não viveu, mas que pode vivenciar e
interagir nos jogos possibilitando assim uma melhor compreensão do tempo
histórico o qual estuda na escola. Fazendo com que os jogos transitem
entre uma cultura popular, a indústria de massa e a arte. Aprendendo
História:
Esses fatores fazem dos jogos eletrônicos uma nova ferramenta didática MÍDIAS
com potencialidade escolar para a aprendizagem histórica, visando suprir Página | 267
uma carência no ensino tradicional ao estimular novas formas de se
aprender e ensinar, abrangendo os diferentes tipos de inteligência
presentes em sala de aula. É preciso pensar os jogos pedagogicamente e
não apenas como diversão, tendo uma preocupação com o ensino de
história e sua aprendizagem, buscando cativar e despertar a curiosidade
dos alunos para uma determinada época, acontecimento, personagem ou
contexto histórico. Uma vez que, através dos jogos eletrônicos é possível
extrapolar as barreiras de espaço e tempo, surgindo um efeito de
pertencimento ao período histórico retratado e, por fim, potencializando a
qualidade da aprendizagem do ensino de história

“Jogar na aula de História é um belo exercício amoroso. Uma vez que o jogo
pressupõe uma entrega ao movimento absoluto da brincadeira e que jogar
implica um deslocamento. Um deslocamento do espaço, da ordem, das
medidas dos horários, das imposições disciplinares, da avaliação, das
provas, numa palavra, da obrigação. [...] jogar é desobrigar-se das
utilidades da sala de aula” (Giacomoni e Pereira, 2013.)

Os jogos podem contribuem também para fazer das aulas de história mais
interessantes e participativas, e ao mesmo tempo aproximando o conteúdo
a realidade dos alunos, fugindo, portanto, de um modelo tradicional de
ensino, fazendo do jogo uma ferramenta participativa na formação da
construção do saber histórico, trazendo por fim a atividade lúdica como uma
estratégia de construção de conhecimento histórico. Acreditamos que os
jogos eletrônicos podem ser definidos como linguagens para serem
utilizadas em sala de aula, e como possibilidades didático-metodológicas.
Pensando em quais os efeitos dessa prática, e quais contribuições esses
jogos podem trazer. Fazendo do jogo um grande aliado do professor para a
compreensão da temporalidade por meio dos alunos, incentivando o aluno a
entender as diferenças daquela época para a época atual, assim como as
semelhança e a evolução da sociedade. Muitas vezes quando o aluno está
no meio do processo de aprendizado ele se vê distante do que está sendo
ensinado, essa distância dificulta e tira o interesse que o aluno tem com o
aprendizado, sendo assim a interatividade ajudaria a suprir esse problema.

Outros pontos centrais que permeiam essa pesquisa é o ensinar brincando,


diversos estudos dentro da área da educação já provaram que,
pedagogicamente falando, a brincadeira é um dos aspectos mais
importantes da formação intelectual da criança. Então, dessa forma, esse
recurso se mostra extremamente viável, como afirmou Ferreiro, brincar “é
divertir-se e entreter-se infinitamente em jogos de criança” e “que tem
caráter de jogos, de aprender brinquedo e divertimento; é uma necessidade
básica da personalidade, do corpo e da mente, faz parte das atividades
essenciais da dinâmica humana” (FERREIRO, 1988). Desse modo é possível
e necessário se aprender brincando.

Aprendendo Acreditamos que um dos fatores do sucesso da ferramenta se constitua pela


História: abordagem gráfica cativante presentes nos jogos, que trazem imagens reais
MÍDIAS e de extrema qualidade. Mas ao mesmo tempo os jogos eletrônicos trazem
Página | 268 uma preocupação em mostrar uma realidade o mais fiel possível ao que foi,
como, por exemplo, em Call Of Dutty WW2 e Battlefield é possível observar
um cenário de segunda guerra mundial, com o mesmo cenário,
vestimentas, efeitos sonoros e armas próximas as que foram usados na
guerra. Ou seja, o jogo traz ao jogador uma aproximação quase que real do
que foi viver em uma guerra para um aluno que não viveu aquela época,
mas que assim pode visualizar e mais do que isso, é possível interagir e
sentir-se próximo daquele espaço e tempo. As narrativas dos jogos
eletrônicos contemporâneos têm se aproximada cada vez mais da narrativa
histórica enquanto matéria escolar, havendo um processo cronológico,
linear se desenvolvendo em um espaço e tempo. Podendo até se comparar
ao cinema, mas nesse caso os jogos eletrônicos trazem seu jogador para
dentro da sua realidade, possibilitando explorar cada parte de uma
determinada época, trazendo um conteúdo distante para um presente
próximo, que apenas o conteúdo histórico enquanto matéria não
aproximaria o aluno.

Dessa forma, ensinar história através do games se torna uma atividade


multi-didática que pode revolucionar a educação e tornar o aprender mais
prazeroso e fácil. Trazendo a urgência de se discutirem novos projetos de
ensino na educação e valorizando o aprender de cada aluno e sua vivência
fora da escola, afinal, é construído um conhecimento histórico através dos
jogos, mas também é preciso problematizar a importância da interferência
do professor, para que os jogos eletrônicos de fato se tornem uma
ferramenta didático-pedagógica, abordando as diferenças entre ficção e
realidade e em que pontos as narrativas presentes nos jogos se aproximam
da história enquanto conteúdo didático e podem se complementar,
entendendo os diferentes tipos de narrativas e suas construções.

Concluímos que a utilização de jogos eletrônicos em sala de aula, assim


como demais atividades lúdicas para o ensino de história trazem resultados
muito satisfatórios e importantes para se pensar o modo de ensinar. É
preciso dar lugar a criatividade, a imaginação, a tecnologia e principalmente
ao universo dos alunos, para, por fim, conseguirem comparar e entender
uma realidade histórica distante. É uma atividade que necessita da
intervenção do professor a fim de debater as metodologias e escolhas
historiográficas presentes nos jogos, estimulando uma troca com os alunos
para que falem a mesma linguagem e possam ser compreendidos. Tornando
por fim, o ambiente das aulas de história mais próximo, atrativo e
pedagogicamente possível.

Referências
Jorgeana Roberta Alcântara Teixeira é graduanda em história pela
Universidade Federal de Juiz de Fora e bolsista da Pró reitoria de Extensão
na mesma instituição. Email: joo_alcantara@hotmail.com

FERREIRO, E. Educação e Ciência. Folha de S. Paulo, 3 jun. 1998, p.139.


Aprendendo
GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet. Flertando com o caos: História:
os jogos no ensino de História. In: GIACOMONI, Marcello Paniz; PEREIRA, MÍDIAS
Nilton Mullet (org). Jogos e ensino de história. Porto Alegre: Evangraf, Página | 269
2013.

FORTUNA, Tânia Ramos. Brincar é aprender. In: GIACOMONI, Marcello


Paniz; PEREIRA, Nilton Mullet (Org). Jogos e ensino de história. Porto
Alegre: Evangraf, 2013.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida (org.).jogo, brinquedo, brincadeira ea


educacão. 8" ed, São Paulo: Cortez, 2005.
O USO DAS MÍDIAS EM SALA DE AULA: MÚSICAS E O ENSINO DE
HISTÓRIA
José Carlos Silva Neto
Otávio Vicente Ferreira Neto

Aprendendo
História: O presente escrito visa desenvolver o método de ensino através da mídia,
MÍDIAS mais especificamente as músicas sob a justificativa da inovação no processo
Página | 270 de ensino e aprendizagem, uma vez que para os autores, o caráter jovial e,
portanto, criativo, deve ser inerente à profissão do educador. Levando isso
em consideração, o texto se divide em duas partes: a primeira aborda
teórica e metodologicamente a utilização de fontes musicais no ensino de
História; a segunda trata se de uma reflexão acerca do ensino de história
dando destaque para a inovação importante no ensino de diversos temas.

Introdução
O uso de novos métodos didáticos em sala de aula cada dia mais vem se
tornando presente. Com isso o uso de audiovisuais, músicas, games, etc.
Ganham seu espaço. No âmbito da disciplina de história o uso vem sendo
bem recorrente com a chegada da ‘nova história’. A necessidade de inovar
para ensinar é algo bem repercutido na atualidade, em contraposição, a
forte repetição de métodos por parte do professor é um ponto que faz com
que as aulas sejam desinteressantes e o outro seja o interessante. Nesse
sentido Leandro Karnal explana um pouco sobre tal ponto.

“Todos nós procuramos uma zona de conforto. Desejamos coisas que


transmitam segurança. Isso implica, quase sempre, que você entrará num
momento em que a repetição dominará sobre a criação.” (KARNAL, 2012,
P.125).

Apesar de tal condicionamento do organismo humano apontado por Karnal,


é importante afirmar que o caráter criativo é inerente a profissão do
educador, uma vez que ele, ao longo de sua profissão, entrará em contato
com diversas gerações quem vivenciam momentos distintos. Os estudantes
nascidos nos anos 2000, por exemplo, não viram o mundo sem o telefone
celular, os que nasceram em 2005, em boa parte do Brasil, não
compreendem o cotidiano sem o uso da internet e outras ferramentas
tecnológicas próprias do século XXI. Em contraposição, o professor que
nasceu nos finais da década de 1980 e começo de 1990, por exemplo, tem
uma perspectiva de mundo diferente, afinal, vivenciou realidades
diferentes. Sendo assim, é necessário aos professores, a capacidade de
entender os estudantes, para que assim possam melhor ensiná-los.

Levando isso em consideração, nada mais coerente que o aperfeiçoamento


da prática do ensino através das novas ferramentas tecnológicas, em geral,
recreativas. Isto é, o professor, com sua capacidade criativa deve inovar em
sua didática para inserir elementos de interação tecnológica no processo de
ensino e aprendizagem de modo que a experiência de construção do
conhecimento entre educador e educando seja atraente as novas gerações
e assim, fomentada por ambos os sujeitos do processo de educação.
Os impasses na utilização de músicas no ensino de História.
A música possui em suas vertentes inúmeras possibilidades de expressão ou
compreensão, sua letra, seu momento de criação, representam um
determinado momento da humanidade. Ela está presente em vários
momentos do homem em consonância com o mesmo. Segundo David
(2012, p.108); “música e homem se identificam no tempo e no espaço”. Aprendendo
Portanto, a música decerto, possui vertentes históricas, elas retratam um História:
certo período histórico e suas próprias características. Logo, a música MÍDIAS
estaria capacitada nos requisitos de inserção em sala de aula, sua Página | 271
aplicabilidade no papel é, portanto, verossímil, caberia ao professor querer
ou não esse recurso em suas aulas.

Contudo, existem problemáticas a serem discutidas em relação ao próprio


ensino de história no Brasil, as dificuldades do ensino básico perpassam em
grande escala o âmbito escolar e que limitam a inserção desses recursos em
sala de aula desde muitos anos atrás, logo, buscando compreender as
problemáticas do ensino de história atual, é necessário olhar para a
construção desse ensino de história no Brasil e vislumbrar os empecilhos
que se posicionam diante aos recursos como a música em sala de aula. Em
vários momentos da estruturação do ensino de história brasileiro existiram
dificuldades ou maneiras de se olhar para o próprio ensino, por exemplo,
pensar nas décadas de 50 ou 60 no Brasil e relacionar a utilização de
recursos como música para criticidade, ou consciência histórica do aluno
acabaria sendo bastante esporádico.

“Sem espaço para a interpretação e a análise crítica, não haveria como


instrumentalizar o indivíduo para questionamento da ordem. A
reorganização do ensino de História teve, pois, conotações políticas,
passando a ser de competência dos órgãos públicos, tecnicamente
aparelhados para os fins que se adequassem àquela Doutrina.”(FONSECA,
2006, p. 56).

Desta forma, durante esses anos, se percebia a fixação de modelos que


limitavam ou excluíam esses recursos no Brasil. O ensino de história
passaria apenas como uma determinada sequência de fatos considerados
importantes para o governo presente na época, o pensar humano, do aluno
neste caso, não era de fato importante, o autoritarismo marcaria presença
dentro de sala de aula em conjunto com o livro didático que se
demonstrava como o recurso pedagógico utilizado pelo professor.
(FONSECA, 2006).

Se durante a época de 50 e 60 existia barreiras para a inserção da música


em sala de aula, esse paradigma começa a ser desconstruído durante o fim
da ditadura militar brasileira, logo, em meados dos anos 80, eram
propostas novas formas de se pensar em ensino e decerto o ensino de
história. Portanto, durante a redemocratização, haveriam debates e
propostas que procuravam mudar o modelo anterior de ensino. Entre essas
propostas, se destacaria a posicionado no texto de Fonseca (2006,p.60);
“Ela propunha um ensino de História voltado para a análise crítica da
sociedade brasileira, reconhecendo seus conflitos e abrindo espaço para as
classes menos favorecidas como sujeitos da História”. Desta forma, as
mudanças no ensino de História começariam ocorrer, novos currículos, e
decerto novas metodologias em sala de aula, a possibilidade das músicas
como mecanismo didático em sala de aula se tornariam cada vez mais
verossímeis, visto que:
Aprendendo
História: “Por anos, o projetor de slides marcou sua presença e, a partir dos anos
MÍDIAS 1980, cresceu a utilização de filmes em videocassete com fins didáticos,
Página | 272 quase ao mesmo tempo em que o xérox substituía o mimeógrafo.”
(KARNAL, 2012, p.80).

Entretanto, mesmo que em determinado momento esses recursos


midiáticos estivessem disponibilizados como maneiras de se trabalhar a
história em sala de aula, há mais problemáticas que acabariam se tornando
limites dentro dessa nova maneira de se pensar em ensino, e que estariam
ligadas intimamente com a escola pública e a privada. Segundo Balzan
(2014, p.97); “Ofereçam-nos condições para que possamos compreender os
significados de todos esses conteúdos”. Logo, a questão do âmbito, da
estrutura, da disponibilidade de verbas para se posicionar mídias em
escolas é interessante ser discutida visto que, em muitos casos, não se tem
como proporcionar essas novas didáticas em sala e com certo destaque
para as escolas públicas brasileiras, onde a má condição das mesmas é
visível e desta maneira se demonstrando um empecilho para a inserção de
músicas em sala de aula nas aulas de história. Há inúmeras problemáticas
que poderiam incapacitar esse recurso em escolas, contudo, é importante
se lembrar do professor dentro de toda essa questão. Segundo Lüdke
(2014, p.80); “Dentro da perspectiva especificamente didática, pode-se
visar claramente a figura do professor como o mais importante agente,
capaz de acionar toda uma cadeia de fatores”. E desta forma, mesmo que
sem suporte de um ambiente escolar, o professor pode transformar a sua
aula, sua didática, trazer recursos, que necessariamente estariam em falta
dentro do seu âmbito profissional.

Motivos para as novas metodologias no ensino de História.


Pensar em como ensinar história em sala de aula no ensino médio e
fundamental, e inserida dentro de uma sociedade que se utiliza muito de
tecnologias como o Brasil, é bastante interessante visto que, Segundo
Santos (2014, p.162); “Ensinar História de forma que os alunos tenham
interesse pela disciplina e por todo o saber oferecido por ela é um enorme
desafio”. Contudo, esses desafios estão em casos, ligados a percepção do
ensino tradicional da história e sua maneira de se trabalhar os conteúdos
em sala de aula, visto que:

“De acordo com a abordagem tradicional da História, percebemos o ensino


de história como o estudo do passado ou como memorização de fatos e
datas dos principais acontecimentos, em geral de ordem política, militar ou
diplomática dos países.” (BARBOSA, J. 2012, p.2).

Logo, diante dessas questões, é intrigante pensar em novos meios para se


chegar a uma criticidade nos alunos, é pautável pensar em novas
metodologias no ensino de história. Lembrando do papel social que a
história tem pra sociedade, o ensino de história desta forma possibilitaria na
formação dessa consciência histórica, dessa maneira de se pensar no futuro
e presente. Essa perspectiva é intrigante visto que, há uma fragilização no
ensino de história no Brasil e se percebe quando alguns conteúdos sofrem
de um tremendo esquecimento em sala de aula, alguns conteúdos que Aprendendo
decerto necessitam de atenção. Os traumas coletivos, por exemplo, a História:
perspectiva sobre o Shoah, são quase esquecidos em sala de aula, às vezes MÍDIAS
se quer são mencionados, portanto, ocorre uma fragilização da sociedade, Página | 273
visto que, a mesma não se lembraria da sua própria capacidade humana de
cometer atrocidades (SCHURSTER, 2017). Portanto, é verossímil posicionar
novas formas de se alcançar os objetivos em sala de aula, repensar a
metodologia e construir da base, maneiras de se instigar aluno, professor e
o ensino de história. Desta forma, a música, o recurso midiático, que se
desdobra como uma nova oportunidade de método de ensino, se encaixa
nessa perspectiva, visto que:

“A educação é um processo, não um fim em si mesmo, portanto precisa


sofrer intervenções positivas para o seu aprimoramento. O uso das
tecnologias na área da educação pode exercer um papel importante na
relação ensino-aprendizagem.” (ARAUJO,2017, p.925).

Desta maneira, a música, com sua expressividade, seu próprio tempo e sua
relação com o homem se demonstraria como uma nova forma de pensar em
ensino, em dar aula, de instigar os alunos, de proporcionar uma alternativa
para o contexto contemporâneo.

Música e ensino de História.


Pensando dentro da perspectiva da sala de aula, as possibilidades da
utilização da música no ensino de história são diversas, visto que,
dependendo de como trabalhar essa fonte histórica, ela poderia apresentar
inúmeras características de um período determinado. A música, portanto,
dentro do ensino de história deveria ser analisada de diferentes maneiras
visto que:

“Mas além de ser veículo para uma boa ideia, a canção (e a música popular
como um todo) também ajuda a pensar a sociedade e a história. A música
não é apenas “boa para ouvir”, mas também é “boa para pensar”.”
(NAPOLITANO, 2002, p. 11).

Portanto, esse pensar que a música proporciona sendo levada para uma
sala de aula poderia ser enriquecedor tanto para o aluno quanto para o
professor, ambos poderiam se questionar, buscar compreender de forma
mutua, o pensamento que estaria por detrás de determinada música, a
ideia ou visão que uma música passaria estaria bastante ligada com o
período de sua criação, portanto, é uma fonte histórica que se bem trabalha
em sala de aula pode ser uma aliada no ensino em conjunto com o
professor. Segundo Santos (2014, p.167); “A música tem o papel de levar o
aluno a épocas distantes, a arte não conhece barreiras temporais e
especiais, portanto por meio dela o professor pode tornar o trabalho
pedagógico mais prazeroso e instigante”.

Exemplo de como se utilizar música no Ensino de História.


Quando se fala de determinados períodos históricos, eles têm suas próprias
Aprendendo essências que acabam caracterizando sua época, portanto, ao falar de
História: ditadura militar brasileira, por exemplo, se pensa em várias questões que se
MÍDIAS passavam durante o período como, tortura, repressão, censura e caça a
Página | 274 certos grupos opositores. Logo, outra característica da época, são as
músicas de diversos autores, elas eram e são, fontes históricas visto que:

“Partindo-se do pressuposto que a música possui uma memória e traz à


tona lembranças em quem a ouve, pode ser um caminho para se chegar a
um determinado período histórico, e as canções, neste caso, tornaram-se
verdadeiros hinos de batalha, ou seja, muitas músicas tornaram-se ícones e
um símbolo à resistência militar durante os anos de 60-70.” (MAIA, 2015,
p. 3).

Essas músicas trabalhadas em sala de aula acabariam revelando as


características da própria época visto que, nas suas letras, possuíam certas
mensagens sobre a liberdade de expressão ou o sofrimento de um povo e
normalmente essas músicas não eram tão explicitas em relação ao seu
conteúdo real, dessa forma, muitas músicas por alguns momentos desse
período passavam desapercebidos pelo governo militar que não imaginava
que por detrás de certas canções existiram um sentimento de revolta
popular. Através de músicas de artísticas como Geraldo Vandré, Chico
Buarque, Elis Regina e Caetano Veloso é possível compreender todo um
período histórico da época de 60 e 70. Contudo, outros exemplos poderiam
ser citados e que seriam possíveis de aplicar em sala de aula para uma
renovação na didática em sala de aula. Portanto, a música enquanto
método de ensino é viável e versátil saindo daqueles paradigmas de aula
sobre grandes personagens históricos, a música pode proporcionar novas
perspectivas de ensino de História.

Reflexões acerca do Ensino de História


Como exposto nas páginas acima, a utilização de métodos tradicionais em
sala de aula para o ensino de História, bem como de outras disciplinas tem
ocasionado um processo de desinteresse (contínuo e progressivo) dos
estudantes pelas atividades escolares, sobretudo porque o exercício da
prática docente na maioria das escolas remete-se a utilização de práticas
monótonas, tornando o âmbito escolar uma rotina por vezes estressante e
entediante, ainda mais em instituições educacionais onde não há estrutura
suficiente para conceder ao educando a oportunidade de tornar prático o
aprendizado. Isto é, no caso das matérias de ciências da natureza, ausência
de laboratórios a altura das aulas, já nas Ciências Humanas,
especificamente em História, inexistência de salas destinadas à catalogação
de fontes e ferramentas para o uso didático.

Tais problemas não são reais apenas em escolas públicas ou nas pequenas
escolas privadas, na verdade, tal questão atinge boa parte das escolas no
país, mas o “x” da questão não está na formação profissional, nos
conteúdos da grade escolar ou na ausência de estrutura para o ensino. Isto
é, todas estas lacunas estão inseridas na “equação da educação brasileira”,
no entanto, o ponto inicial para a solução das incógnitas citadas perpassa
pela reestruturação da educação enquanto processo.
Aprendendo
Queremos dizer que os moldes educacionais ainda utilizados em nosso país História:
são baseados em modelos referentes ao século XVIII, onde a estrutura das MÍDIAS
salas de aula, por exemplo, servia como afirma Foucault (1987), para a Página | 275
dominação dos corpos. As fileiras postas lado a lado com espaços para a
passagem do professor que tem sua mesa à frente dos “alunos” posto como
o centra das atenções, que representa um discurso estético do poder de um
indivíduo sobre os demais, o símbolo do saber que preenche as “caixas
vazias” dispostas em sequência num cubículo, onde todo conhecimento
emana de um sujeito em direção a “objetos inertes”, “amorfos”.

Esse modelo de dominação e coerção do corpo estudantil desde sua


elaboração esteve fadado ao fracasso, uma vez que tolheu parte de sua
geração e também das posteriores, a capacidade criativa com a qual,
sempre se pensou a educação (embora de nível superior e voltada, quase
exclusivamente para as ciências exatas). Evidente que o contexto de
criação das escolas de ensino básico no século XVIII serviu ao propósito de
dominação dos corpos, sobretudo as escolas destinadas à formação de
operários, que tinham a função de disciplinar o alunado para as fábricas,
cultivando as características da organização, dos prazos e metas fabris.
(FREIRE,1979)

Atualmente, como se nota, apesar da filosofia educacional brasileira ter


como base a pedagogia do patrono da educação, Paulo Freire, não se
debateu e ainda não se debate a nível nacional a reestruturação basilar do
ensino, a reformulação dos cursos de licenciatura ou mesmo reorganização
dos conteúdos vistos durante o ensino básico. Pelo contrário, as reformas
recentemente pensadas têm como projeto o viés tecnicista, que será
implementado, sobretudo nas escolas públicas, oferecendo ao estudante a
oportunidade de escolher entre a inserção em um curso técnico
concomitante ou subsequente ao ensino médio, ou o ensino superior. O que
na prática, em nossa perspectiva, atrairá os estudantes mais fragilizados
economicamente para os cursos técnicos, que em tese oferecem formação
rápida e garantia de emprego (mesmo mal remunerado) no mercado de
trabalho. (BRASIL, 2017)

Em outras palavras, o paradigma da escola e do estudante não se restringe


ao professor, à falta de estrutura ou mesmo a variedade de conteúdos
listados em contraste com a quantidade e duração das aulas destinadas à
disciplina de História, mas sim ao próprio sistema educacional brasileiro que
a partir de seus moldes do século XVIII, conserva engrenagens enferrujadas
que hoje sequer mantém sua função de dominação dos corpos.
Considerações finais
Percebe-se que a diversas tecnologias em sala de aula são importantes para
que o estudante se sinta representado por aquele espaço de conhecimento,
uma vez que eles, inseridos na geração “z”, estão sensíveis e abertos a
enxurradas de informações nas redes sociais, nos sites de notícia ou, como
Aprendendo já expostos através dos games. Em outras palavras, é importante lembrar
História: ao educador que, os estudantes de hoje não possuem, como no século
MÍDIAS XVIII, apenas a enciclopédia e o professor como fonte de informação, mas
Página | 276 um cyber espaço, de fácil acesso, com mais informações em um segundo do
que é possível aprendermos em uma vida.

Portanto, é importante que se pense, antes de tudo, o papel do professor


em sala de aula, isto é, ao contrário do século XVIII, hoje a função do
professor não é reter informações, mas produzir, compartilhar e construir
conhecimento junto ao educando, mas para tal é necessário, sobretudo no
ensino básico, que o educador permaneça jovem. Isto é, para ensinar-
aprender nas instituições primárias o professor necessita de jovialidade para
que possa pensar como educando e assim criar inovações e sala de aula
bem como os educandos desejam. (FREIRE, 2016) Tal perspectiva permitirá
ao educador, ao deparar-se com as breves hipóteses de métodos expostos
aqui, sobre o uso de games, imaginar diversas possibilidades para trabalhar
com as músicas em suas salas de aula, as quais conhecem os limites
estruturais impostos pelo mecanismo educacional brasileiro. Sendo assim,
mais do que o uso de música para o ensino de História, esse texto trata da
condição (jovial) criativa inerente a um bom educador que, a partir das
fontes e ferramentas disponíveis cria algo novo. E tal capacidade inventiva é
a pedra angular da educação.

Referências
José Carlos da Silva Neto: Graduando em Licenciatura em História-
Universidade de Pernambuco.
Otávio Vicente Ferreira Neto: Graduando em Licenciatura em História-
Universidade de Pernambuco. Membro do Leitorado Antiguo: Grupo de
Ensino, Pesquisa e Extensão em História Antiga. Orientador: Prof. Dr. José
Maria Gomes Souza Neto

ARAUJO, Sérgio Paulino et al. TECNOLOGIA NA EDUCAÇÃO: CONTEXTO


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BARBOSA, José E.C. Novas linguagens no ensino de história: a música como


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Carlos Teixeira da; SCHURSTER, Karl. (Org.). Ensino de História, regimes
autoritários e traumas coletivos. 01ed.Rio Grande do Sul: EDIPUCRS, 2017,
v. 02, p. 130-184
A EDUCAÇÃO DO CIBORGUE:
QUESTÕES DO AGORA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Leandro Couto Carreira Ricon

Aprendendo Esta comunicação originou-se em um debate preliminar da linha de


História: pesquisa Ensino de História e Novas Tecnologias da Informação e
MÍDIAS Comunicação, vinculada ao Núcleo de Pesquisa em Teoria e Ensino de
Página | 278 História da Universidade Católica de Petrópolis, fundado em outubro de
2018. Neste sentido, procura-se apresentar preliminarmente as possíveis
questões que se desvelam ao Ensino de história em um mundo repleto de
novas tecnologias da informação e comunicação, tão bem expresso na
Internet e em smartphones e em plataformas como a Wikipedia e o
YouTube. Assim sendo, mais do que apresentar resultados finais, procura-
se mesmo iniciar um debate tão necessário no tempo presente: qual o lugar
da tecnologia em um Ensino de história que busque uma consciência
histórica de caráter orientador?

O mundo virtual e a autoeducação histórica do ciborgue


As últimas décadas mudaram com uma significativa velocidade, cada vez de
forma mais acelerada. Não que outros tempos não mudassem também de
forma rápida. Entretanto, a sequência de inovações que se apresentaram,
pelo menos nos últimos 30 anos, criaram uma sensação de gênese de um
mundo totalmente novo baseado na velocidade. Alguns autores chamaram
esse mundo de moderno (EKSTEINS, 1992). Rapidamente outros se
apresentaram e questionaram esta terminologia e, em uma enxurrada
conceitual, cunharam termos como pós-modernidade (LYOTARD, 1986),
mundo líquido (BAUMAN, 2001), supermodernidade (AUGÉ, 1994),
hipermodernidade (LIPOVETSKY, 2004). Uma verdadeira miríade de termos
que, entre defesas e ataques, apenas reafirmavam a dinâmica acelerada
dos tempos vindouros. Neste novo mundo de trocas tão rápidas, permeado
por dúvidas e medos, se consolidou um novo indivíduo: os ciborgues.

‘Somos todos ciborgues’. Com esta afirmação, a filósofa estadunidense


Donna Haraway (2000) impressionou a comunidade acadêmica
internacional no milênio que se findava. A autora não se voltava,
entretanto, a ciborgues como aqueles apresentados em filmes distópicos ou
de ficção científica da década de 1980, nos quais o ciborgue surge como um
sistema eletrônico autônomo mais parecido com um androide, mas sim à
significativa parcela mundial. Nesta perspectiva, referia-se à inexistência de
uma fronteira clara entre o humano e a máquina, esta no sentido mais
ampliado possível. Logo, ciborgues passam a ser interpretados como “redes
híbridas nas quais o humano e a tecnologia complementam-se sem que um
seja responsável pela criação do outro” (SILVA, 2018, p. 30). Este
fenômeno é aquilo que, enfim, tão claramente se manifesta nos
contemporâneos usos da tecnologia nas mais variadas áreas do viver
humano, como a internet e os smartphones.

Harawy, todavia, não está fazendo uma defesa ou mesmo um ataque contra
este processo de ciborguização do homem. Apenas apresentando a
constatação de que para uma parcela considerável da população a
tecnologia da informação e da comunicação é uma ferramenta tão
incorporada quanto a escrita e, a partir da assiduidade de sua utilização,
estas se tornam parte do indivíduo, deixando de serem percebidas como um
equipamento externo para fazerem parte da própria constituição humana.
Logicamente também que a tecnologia não atinge toda a população, uma Aprendendo
parcela significativa permanece negligenciada de qualquer possibilidade História:
tecnológica, configurando uma nova rede de analfabetos, os analfabetos MÍDIAS
tecnológicos (MARÍN). Estes medos e inquietudes assombram todos os Página | 279
ambientes, os conhecidos e os desconhecidos, os fixos e os transitórios e,
finalmente e de forma direta, os reais e os virtuais.

Tarefa árdua e necessária é a definição de mundo virtual enquanto metáfora


para o espaço cibernético, usualmente chamado de ciberespaço. Este se
apresenta como pertencente a um reino de informações e dados apenas,
não possuindo uma presença materialmente palpável. Por conseguinte,
encontra-se intimamente ligado a fenômenos da contemporaneidade,
referindo-se, na maioria das vezes, às interações cujo sucesso depende de
uma comunicação mediada à distância através do uso de tecnologias
decodificadoras de dados (LEMOS, 2016). Nestes termos, o ciberespaço
acaba se apresentando como um lugar plural, no qual qualquer indivíduo
habilitado pode se fazer presente, criticando, questionando e apresentando
suas argumentações. Esta característica levou autores como Pierre Lévy
(1993) a afirmar que o ciberespaço é um claro meio de emergir
singularidades, fortalecendo a democracia – o que levou seus críticos a
suspeitarem de um otimismo ingênuo por parte do autor (SILVA, 2018,
p.32).

A partir disto, Levy passa a considerar “as tecnologias intelectuais como


participantes fundamentais no processo cognitivo, sendo a informática e,
principalmente, o acesso à internet seus maiores representantes” (Idem).
Enquanto o saber da escrita se apresenta estaticamente, o saber da
informática e a divulgação que esta ferramenta proporciona está em
constante movimento. A velocidade da informação e das comunicações
virou a base geral do desenvolvimento, transformando tudo, inclusive o
conhecimento, em passageiro, descartável e questionável, na mesma
medida em que estimula a produção coletiva por meio de ferramentas tão
acessadas quanto Wikipédia e YouTube. Nesta perspectiva, o navegante,
indivíduo que acessa a rede mundial de computadores, passa a ser visto
como um participante ativo na aquisição de conhecimento, escolhendo, por
seu próprio interesse, os caminhos de seu aprendizado fora das salas de
aula.

Neste mundo virtual, ciberespaço, há um fluxo constante de reescrituração


de informações. Estas passam por um processo de reconstrução tão
significativo que, proposital ou acidentalmente, parcela significativa das
narrativas, incluindo especificamente as históricas, se apresentam como
falsas ou fictícias, falaciosas. Todos, assim, se transformaram, ao menos
potencialmente, em autores com características científicas. Não que a
História enquanto disciplina detenha o domínio do território do passado,
certamente não o detém. Entretanto, o que se espera de um historiador é
que ele detenha o domínio do campo teórico e metodológico de seu objeto
criando um conhecimento cientificamente orientado. No campo do
ciberespaço isto não ocorreu e a disseminação de narrativas historiográficas
falaciosas, tal qual de fakenews, ampliam-se exponencialmente,
Aprendendo aprofundando um mundo de pós-verdade.
História:
MÍDIAS Este fenômeno de disseminação de falácias historiográficas, no entanto, não
Página | 280 é tão novo quanto o ciberespaço, basta lembrarmos das usuais questões do
negacionismo que produzem narrativas que negam desde os impactos
ambientais causados pelo homem até a esfericidade aproximada da Terra,
passando, é claro, pelo negacionismo do holocausto que acabou sendo
criminalizado em uma série de Estados. Entretanto, estes fenômenos
negacionistas que criam argumentações falaciosas dos eventos históricos
atendem a bandeiras políticas tão específicas quanto aquelas que
promovem uma educação baseada exclusivamente nas ferramentas
virtuais. Como afirma Cristiane Moreira da Silva:

“As ténicas são imaginadas, fabricadas e reinterpretadas pelo seu uso. Não
podemos atribuir um sentido único para o desenvolvimento tecnológico
[bem como para a produção técnica de narrativas]. Por trás deste, há
projetos sociais, utopias, interesses econômicos, estratégias de poder e
toda gama dos jogos dos homens agindo e reagindo às ideias.” (SILVA,
2018, p.40)

O ponto central neste quesito para a História em geral e para o Ensino de


história especificamente, entretanto, pode ser exposta nos seguintes
termos: como as narrativas historiográficas presentes no ambiente virtual
atingem os alunos do Ensino Básico e como os discursos historiográficos
escolares e virtuais se chocam?

O choque dos discursos historiográficos entre o mundo escolar e o


virtual
Os alunos do Ensino Básico de hoje diferem profundamente daqueles de
décadas atrás. Se antes os alunos se apresentavam de forma passiva
perante o professor, percebido tradicionalmente como o detentor de um
conhecimento pleno e inquestionável, deixando suas ações contestatórias
para o ambiente extraclasse; hoje se percebe um aprofundamento de crises
nos ambientes institucionais das escolas. Estas crises marcam uma
ambiguidade profunda, principalmente ao se tratar de discussões de caráter
histórico-social: se por um lado temos o aprofundamento do interesse dos
alunos em questões históricas e um clamor por politização dentre as mais
variadas possibilidades políticas; por outro, além de professores que se
prendem a um imaginário de autoridade tradicional, percebemos que os
mesmos estudantes, em suas mais diversas possibilidades, procuram
informações em ferramentas virtuais que podem ser facilmente controladas
por qualquer indivíduo que conheça a linguagem do ciberespaço e não
necessariamente a linguagem de uma historiografia cientificamente
orientada, como é o caso de ferramentas como a Wikipedia e os canais do
YouTube (SILVA; SALES) – e mais, este acesso pode se dar a qualquer
momento e em qualquer lugar a partir da utilização de smartphones. A crise
está, assim, na comunicação, ou na falta desta. Afinal,

“o universo do ciberespaço não possui centro, linha diretriz ou conteúdo


específico; ele aceita todos os conteúdos e mantém todos eles em possível
contato. [...] A conexão não se dá somente nos computadores [...] Aprendendo
carregamos conosco a tecnologia que nos mantém conectados.” (SILVA, História:
2018, p.37) MÍDIAS
Página | 281
O problema reside, entre outros, na falta de diálogo entre os professores e
os alunos que, em última instância, se apegam ao ciberespaço, já que
neste, as pessoas agrupam-se por afinidade, escolhendo temas por
interesses comuns. Afinal de contas, o ciberespaço ampliou as
possibilidades de contato, apesar de parecer que não em um primeiro golpe
de olho, o que ocorre devido às novas formas de interação ofertadas por
estas tecnologias.

Anulando a possibilidade de construção coletiva do conhecimento histórico,


alunos elegem a rede virtual como fonte plenamente confiável, enquanto
professores ainda focam em aulas expositivas e tradicionais, presas em
material didático impresso e desconexo da realidade dinâmica dos alunos e,
quando utilizam outras ferramentas e técnicas, as utilizam como ilustração
de conteúdo e não como possibilidade plena de construção coletiva do
conhecimento. Parece, portanto, que o embate ainda é entre o
tradicionalismo no Ensino de história e as contemporâneas demandas
sociais e individuais dos alunos que, não se sentindo parte integrante do
processo de construção do conhecimento, buscam uma autoeducação
histórica enquanto ciborgues.

Questões para o Ensino de história


Se anteriormente, apesar de possuir seus consumidores assíduos, as
narrativas históricas negacionistas e conduzidas em prol de determinados
agentes políticos-econômicos que não possuíam interesses além de sua
reafirmação ficavam socialmente relegadas a segundo plano no nível
educacional, percebemos, nos últimos anos, um vertiginoso crescimento
destas falas. Neste diapasão, cabe às análises historiográficas, em
constante luta ainda por espaço social, resolver algumas questões urgentes.

A formação e atualização de professores ante as novas tecnologias da


informação e comunicação se apresenta como uma das questões centrais
neste debate. Em um Estado como o brasileiro, no qual a profissão docente
sofre um processo de esvaziamento de significado social e precarização há
décadas, aprofundado pelo próprio ciberespaço no qual qualquer indivíduo
se apresenta como professor em ferramentas como YouTube e Wikipedia,
passa a ser necessário um esforço coletivo que busque garantir não apenas
o acesso dos professores a uma formação de qualidade mas também que
ofereça a ambos, professores e alunos, todas as possibilidades de interação
com o mundo virtual dentro do ambiente escolar, buscando, assim, a
naturalização desta ferramenta como pedagógica (GARÍGLIO; SILVA). Posto
isto, como são um fenômeno estabelecido, mais do que afastar é necessário
integrar as tecnologias do ambiente virtual na prática docente. Certamente
isto exige um esforço nacional coletivo.

Por outro lado, ainda hoje muito se pergunta sobre a função e validade do
conhecimento histórico em um mundo que se dinamiza cada vez mais.
Aprendendo Parece, claramente, que ainda não existe uma resposta a essa indagação.
História: Na verdade, existem respostas plurais. Hans Ulrich Gumbrecht (2011)
MÍDIAS demonstrou claramente a expansão do interesse pela leitura histórica. A
Página | 282 leitura contemporânea, entretanto, não é aquela que se vincula apenas ao
livro físico, muito menos ao livro didático. No caso de alunos do Ensino
Básico, é uma leitura que se encaminha constantemente ao mundo virtual.
Uma aposta possível é a inserção de conteúdo de orientação científica no
meio virtual. Não qualquer conteúdo, mas sim um que seja especificamente
pensado para o ciberespaço. Logo, não basta uma tradução da linguagem
científica para a linguagem leiga (MORA, 2003), mas sim a reconfiguração
de interpretações historiográficas que criem conteúdos voltados ao mundo
público, tal qual o significativo Projeto Teoria da História na Wikipédia,
desenvolvido magistralmente pelos professores Flávia Varella e Rodrigo
Bonaldo, do Departamento de História da UFSC, e sua rede de
colaboradores.

Parece até agora que a análise desenvolvida por Jörn Rüsen na trilha
iniciada por Hans-Georg Gadamer ainda é uma das possibilidades mais
seguras de legitimação de uma leitura histórica cientificamente orientada e
que possibilite o diálogo entre alunos, o mundo público e professores
(CERRI, 2011). Referimo-nos, aqui, especificamente ao conceito de
consciência histórica, expresso por Rüsen (2010, p. 57) como “a soma das
operações mentais com as quais os homens interpretam sua experiência da
evolução temporal de seu mundo e de si mesmos, de forma tal que possam
orientar, intencionalmente, sua vida prática no tempo”. Neste sentido, a
história ganha função de orientação entre o espaço de experiência e o
horizonte de expectativas.

Apesar de não mencionar claramente as novas tecnologias, conseguimos


perceber o importante papel da dialógica na produção de sentido de
orientação. Partindo disto, conseguimos localizar o Ensino de história, em
suas mais diversas facetas, mediado pelo conceito de consciência histórica:
afinal o dialogismo que possibilita a efetivação da orientação ocorre em um
processo de troca entre indivíduos, tanto no mundo real, quanto no virtual.
Contudo, estes pontos apontados logicamente não esgotam as questões que
apenas agora se clarificam nos iniciais debates. Nesta mesma medida, as
respostas não são finais, sendo apenas um exercício breve e teórico sobre
as inúmeras possibilidades que se abrem no leque historiográfico.

Reflexões finais
Dominar uma nova técnica, tal como o ciberespaço, cria novas
possibilidades cognitivas. Nesta perspectiva, a técnica cria a cognição na
mesma medida em que a cognição cria a técnica em uma dinâmica de
aperfeiçoamentos e aprofundamentos. Aparentemente, aquilo proposto por
Donna Haraway na transição do milênio se confirmou: estamos passando,
direta ou indiretamente, por um processo de ciborguização, queiramos ou
não.

O surgimento e desenvolvimento de toda ferramenta tecnológica deve ser


pensado, assim, dentro de um contexto histórico e social. Conforme afirmou
Pierre Lévy (1999, p.17), “os instrumentos que construímos nos dão Aprendendo
poderes, mas, coletivamente responsáveis, a escolha está em nossas História:
mãos.” Cabe a cada um de nós enquanto membros de um mundo social, MÍDIAS
real e virtual, decidir o caminho a ser seguido mas, conforme afirmou Silva Página | 283
(2018, p.41), ‘não sejamos inocentes, pois sabemos que liberdade de
escolha, em um espaço monitorado que registra sua movimentação e
seleciona o que será oferecido em sua tela, é uma liberdade controlada’
(Silva, 2018, pp. 40-41).

Os tempos mudaram, não houve um tempo para a reflexão adaptativa. A


professores significativas vezes de orientação tradicional, uma nova geração
se apresenta: alunos ciborgues. Estes, além de conectados, encontram uma
série de informações históricas, políticas, sociais... que transitam entre
todas as possibilidades epistemológicas, levando-as ao espaço escolar real.
Neste caminho, uma das questões imediatas do Ensino de história é
repensar suas possibilidades de orientação. Novas tecnologias estão sendo
adaptadas ao mundo do conhecimento e este Simpósio é uma prova direta
deste fenômeno: um espaço dialógico virtual; Na Educação Superior o
processo de ciborguização é uma boa marca, basta percebermos a
ampliação dos cursos EAD, tanto na graduação quanto nas pós-graduações,
responsáveis por um crescimento exponencial no número de matrículas
(INEP); algumas instituições já oferecem grupos de pesquisa e discussão
em forma online. As instituições de Ensino Básico já começam a engatinhar
na educação ciborgue com a criação de plataformas específicas de ensino.
Nesta mesma perspectiva, percebemos o crescimento dos cursos de
Licenciatura em História em todas as suas modalidades. Logo, é premente
discutirmos qual profissional estamos formando e como este se adaptará a
um mundo que, tal qual a Lagarta de Alice, encontra-se em mutação.

Referências
Leandro Couto Carreira Ricon é Doutor e Mestre em História pelo Instituto
de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor da
Universidade Católica de Petrópolis e líder do Núcleo de Pesquisa em Teoria
e Ensino da História. Atualmente se dedica a pesquisas acerca do Ensino de
História e das utilizações e questões de Novas Tecnologias na aprendizagem
histórica. Gostaria de agradecer à Profa. Dra. Cristiane Moreira da Silva
pelas significativas conversas ao longo do ano de 2018 que colaboraram
profundamente com a formação do Núcleo de Pesquisa em Teoria e Ensino
de História. Dedico este trabalho à Profa. Dra. Fabiana Eckhardt, pela sua
presença intelectual e humana em minha formação e vida.

AUGÉ, Marc. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da


supermodernidade. Campinas: Papirus, 1994.
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: J. Zahar Ed.,
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Aprendendo
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Página | 284
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continuada de professores para o uso das Tecnologias da Informação e
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que fazer com o passado agora? In: NICOLAZZI, Fernando; MOLLO, Helena
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o_percurso_educacional_da_juventude_ciborgue Acesso em: 08 de
fevereiro de 2019.
A PEDAGOGIA DAS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS: POSSIBILIDADES
EM SALA DE AULA
Lilian Bento de Souza Silva
Leonardo Paiva Monte

Aprendendo
História: O presente artigo busca fazer um levantamento bibliográfico sobre as
MÍDIAS possibilidades do uso de histórias em quadrinhos em sala de aula. Ademais,
Página | 286 a reflexão proposta buscar contribuir com o exercício de desconstrução dos
preconceitos referentes aos quadrinhos em sala de aula. Em nossa cultura,
as produções cinematográficas e as HQs têm um papel predominante na
difusão de narrativas através de imagens. Ademais, todos elas se utilizam
de imagens e textos, ou conversações. As maiores similaridades entre o
cinema e as histórias em quadrinhos podem ser localizadas nas escolhas de
composição: enquadramentos precisos para conterem cenas descritas;
jogos de luz e sombra para criar determinados efeitos; foco em detalhes
relevantes para as cenas gravadas ou desenhadas [Petersen, 2011].

O relato de acontecimentos reais ou imaginários está assentado no


comportamento de homens e mulheres de diferentes períodos da história.
As narrativas funcionam como instrumentos que buscam moldar as atitudes
dentro da comunidade, questionar ou ratificar costumes e princípios, ou
entreter. Elas fazem emergir as relações sociais e as dificuldades de
convivência, divulgam conceitos e ideologias ou manifestam desejos. Desse
modo, apresentar uma história requer habilidades. As histórias em
quadrinhos têm algumas particularidades que delineiam sua estrutura.
Pode-se citar, como exemplo, as narrativas sequenciadas em balões, as
imagens delimitadas por quadros nas páginas, as onomatopeias para
expressar sons etc.

Essas produções artísticas recebem algumas diferentes nomenclaturas


[Teixeira; Archanjo, 2011]: elas são também chamadas, no Brasil, de gibis
ou histórias em quadrinhos; comics, graphic novel, seqüential art no
mercado norte-americano; a produção japonesa é chamada de mangá;
historietas na Argentina; banda desenhada ou BD em Portugal; fumetti na
Itália etc. São essas algumas das denominações pelas quais se caracterizam
estas obras gráficas. Em todas estas variedades de formatos e
nacionalidades, as HQs têm como padronização a sequência de textos-
desenhos a qual compõe as narrativas.

Pelo inegável espaço ocupado pelas histórias em quadrinhos, é importante


que educadores e professores se aproximem delas de modo diligente para
aproveitá-las em sala de aula. Isso está certamente acontecendo, contudo,
para alguns docentes e, mais preocupante, para os alunos, o estereótipo de
que as HQs seriam carentes de serventia intelectual ainda persiste
[Carvalho, 2006; Vergueiro; Ramos, 2009].

Compreendendo as HQs
Marinho [2003, p. 01] descreve as HQs como enredos narrados, “quadro a
quadro, por meio de imagens e textos que utilizam o discurso direto,
característico da língua falada”. Em sua composição se encontra um texto
escrito; elementos os quais remetem a um diálogo face a face; e imagens
complementadores ao entendimento dos leitores e leitoras, proporcionando
um teor agradável.

Sobre a estrutura das HQs, Will Eisner [2001, p. 08] escreveu que Aprendendo
História:
“A configuração geral da revista em quadrinhos apresenta uma MÍDIAS
sobreposição de palavra e imagem, e assim, é preciso que o leitor exerça Página | 287
suas habilidades interpretativas visuais e verbais. As regências da arte (por
exemplo, perspectiva, simetria, pincelada) e as regências da literatura (por
exemplo, gramática, enredo, sintaxe) superpõem-se mutuamente. A leitura
da revista em quadrinhos é um ato de percepção estética e de esforço
intelectual.”

Estas obras são um mosaico de elementos cuja reunião viabiliza o seu


desenvolvimento e um sortimento maior de possibilidades narrativas
sequenciadas. Em sua forma mais básica, “os quadrinhos empregam uma
série de imagens repetitivas e símbolos reconhecíveis” [Ibid., p. 08]. Eisner
escreveu que com a repetição constante para explicitar conceitos, a história
em quadrinhos se transforma em “uma linguagem - uma forma literária, se
quiserem. E é essa aplicação disciplinada que cria a ‘gramática’ da Arte
Sequencial” [Eisner, 2001, p. 08].

As histórias em quadrinhos são diferentes de simples histórias ilustradas,


pois o emprego de ilustrações, em um texto, serve para marcar um tempo
no ato de ler acrescentando informações para os leitores e leitoras acerca
dos acontecimentos ou de aspectos dos personagens da história, sobretudo
se for uma narrativa direcionada a crianças, as quais precisam de um maior
enfoque no aspecto visual. Nas HQs as imagens são indispensáveis para a
compreensão do que está sendo informado, dado que elas estão postas em
série, sem a obrigatoriedade de estarem presas às palavras.

Os produtores de histórias em quadrinhos trabalham com as referências


acerca dos acontecimentos, ficcionalizando-os dentro de uma narrativa
sequencial. Seu trabalho transita entre o entretenimento e a informação. De
acordo com Vergueiro e Ramos [2009], o material informativo presente nas
revistas apontam com frequência mais para o lazer do que para os fatos
históricos diretamente. O fato histórico é empregado somente como
pretexto para a analogia com circunstâncias cotidianas.

As histórias em quadrinhos podem ser uma ferramenta útil somente para


divertimento, entretanto, estão sujeitas apenas às interpretações dadas
com o intuito de serem manipuladas de outro modo. As HQs são “obras
ricas em simbologia – podem ser vistas como objeto de lazer, estudo e
investigação. A maneira como as palavras, imagens e as formas são
trabalhadas apresenta um convite à interação autor-leitor” [Rezende, 2009,
p. 126].
A pedagogia dos quadrinhos
As narrativas nos quadrinhos, assim como quaisquer formas narrativas, não
são construídas de forma aleatória, ou seja, não são uma associação casual
de imagens e textos, pois existem padrões inerentes à arte sequencial
autorizando determinados procedimentos técnicos durante a composição de
Aprendendo uma HQ. Sobre a relevância da construção da narrativa, Tzevetan Todorov
História: [1973, p. 211], considerando qualquer forma de enredo narrativo, escreveu
MÍDIAS que “existe um narrador que relata a história; há diante dele um leitor que
Página | 288 a percebe. Neste nível, não são os acontecimentos relatados que contam,
mas a maneira pela qual o narrador nos fez conhecê-los”.

O valor pedagógico das narrativas conta com o fato de que sua estrutura
permite que conceitos, enredos e acontecimentos sejam dispostos de forma
a serem assimilados, provendo elementos para memorização, compreensão,
interpretação e reorganização. Além disso, se um aluno ou aluna for capaz
de perceber o conhecimento disciplinar dentro da narrativa, ele/ela estará
hábil para vincular esse conhecimento a outros contextos e suportes fora
dos tradicionais mecanismos de educação escolar.

O ano de 1996 teve um importante papel no início dos projetos curriculares


de inclusão de HQs como recursos pedagógicos no campo educacional
brasileiro. Nesse ano foi promulgada a LDB, Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, que, de forma ainda incipiente, sugeria uma
aproximação entre produtos culturais populares e as práticas educacionais
institucionalizadas, pois “já apontava para a necessidade de inserção de
outras linguagens e manifestações artísticas nos ensinos fundamental e
básico” [Vergueiro; Ramos, 2009, p. 10].

Naquele mesmo ano, foram publicados os PCNs, Parâmetros Curriculares


Nacionais, tendo a função de servir como referência para todas as
instituições de ensino, públicas e privadas, nos níveis fundamental e médio,
acerca dos temas os quais necessitariam de ser levados nas diferentes
disciplinas em sala de aula. Como uma política pública em estágio inicial,
ainda não se encontrava nenhum grande incentivo por parte do Ministério
da Educação quanto ao uso das HQs pelos professores em sala de aula,
porque somente se encontram alusões aos quadrinhos nos PCNs referentes
às disciplinas de Artes e de Português. Sobre este aspecto, Vergueiro e
Ramos [2009, p. 10 - 11] escreveram que

“Os parâmetros da área de Artes (...) mencionam especificamente a


necessidade de o aluno ser competente na leitura de histórias em
quadrinhos e outras formas visuais, como publicidade, desenhos animados,
fotografias e vídeos. Os PCN de língua Portuguesa também mencionam os
quadrinhos. No caso do ensino fundamental, existe referência específica à
charge e à leitura crítica que esse gênero demanda. O mesmo texto
menciona igualmente as tiras como um dos gêneros a serem usados em
sala de aula”.

O uso das histórias em quadrinhos, apesar dos esforços dos professores, de


incentivos de políticas públicas educacionais, como os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) e Programa Nacional Biblioteca na Escola
(PNBE), ainda carece de análises pelas quais se fundamentem metodologias
apropriadas direcionando a prática pedagógica a resoluções consistentes no
que diz respeito ao aprendizado. A simples presença e acessibilidade de
revistas de quadrinhos nas bibliotecas escolares ou durante as aulas não
resulta, impreterivelmente, no emprego satisfatório das HQs por parte dos Aprendendo
docentes. História:
MÍDIAS
Existem, ao menos, três razões pelas quais as HQs são úteis como Página | 289
ferramentas de ensino: 1) o interesse dos estudantes no gênero; 2) não são
caras para se obter e 3) o vocabulário não é complicado de se ler [Wright;
Sherman, 1999]. Os quadrinhos possibilitam a emergência de
oportunidades para os professores estimularem os estudantes a discussões
sobre percepção visual, desenho, história da arte e conteúdo em diferentes
níveis [Berkowitz; Paker, 2001].

Nas HQs, os autores manifestam em sua arte vários modos de viver,


proporcionando aos leitores e leitoras observações relevantes com a
utilização de signos diferentes os quais vão ao encontro dos interesses e
das necessidades contemporâneas, estimulando sua curiosidade.

Vergueiro [2010] declara que os alunos e alunas querem ter uma


proximidade com a arte sequencial em suas aulas, uma vez que, há
algumas décadas, as histórias em quadrinhos são parte integrante de uma
cultura popular e acessível. Destarte, a utilização de HQs como recurso
pedagógico durante as aulas não geraria qualquer grau de desaprovação
por parte dos estudantes, os quais, comumente, demonstram entusiasmo
com seu manuseio, podendo mesmo sentir, com sua utilização, mais
inclinados a uma presença ativa durante as atividades propostas em sala de
aula.

As HQs instigam a curiosidade e requerem o uso de um senso crítico. Além


disso, atualmente, diversos personagens de HQs se tornaram ícones da
cultura pop, como Batman, Homem-Aranha, Mulher-Maravilha, Super-
Homem, X-Men etc., causando, muitas vezes, uma identificação dos os
espectadores/estudantes com suas histórias, muitas delas de superação,
senso de justiça, abandono, bullying e solidão.

Reconhecer o número de informações encontradas nas histórias em


quadrinhos é importante para que os educadores passem esse conteúdo por
um filtro refletindo em como levar esse conhecimento para sala de aula. As
HQs tratam das mais diversas temáticas, sob diferentes perspectivas,
adequando-as como recurso pedagógico em diferentes áreas do
conhecimento. Cada história em quadrinhos dispõe de informações
heterogêneas suscetíveis a possibilitar discussões enriquecedoras em sala
de aula.

A arte sequencial pode assumir várias funções no espaço escolar, pode


servir tanto como auxílio a tópicos individuais do currículo como para
fornecer novos ângulos para a compreensão e execução do que é debatido
durante as aulas. Como afirmou Waldomiro Vergueiro [2010, p. 21],
“histórias de ficção científica possibilitam as mais variadas informações no
campo da física, tecnologia, engenharia, arquitetura, química etc., que são
muito mais facilmente assimiláveis quando na linguagem das HQs”. O
material intelectual apresentado nas HQs é facilmente assimilado pelos
Aprendendo estudantes, tornando, com frequência, desnecessárias longas explicações.
História:
MÍDIAS Além disso, outro aspecto importante quanto à utilização das HQs durante
Página | 290 as aulas é a atenção voltada para a história narrada, porque a aproximação
de um material de leitura pode contribuir para que os discentes se
acostumem com a linguagem da arte sequencial e se divirtam com histórias
ali descritas.

Waldomiro Vergueiro [2010, p. 21 - 25] elaborou uma sistematização dos


ganhos possíveis com o uso das histórias em quadrinhos em sala de aula.
Para o autor, a arte sequencial pode se transformar em uma ferramenta de
aprimoramento cognitivo e intelectual, além, claro, de ser um produto
midiático. A maior questão, certamente, para os professores e professoras
que utilizam esse recurso em sala, é como realizar essa transformação,
desconstruir preconceitos em relação às HQs e se aproveitar do
conhecimento divulgado nas narrativas em quadrinhos.

Um dos ganhos apontados por Vergueiro [2010] é a forma pela qual os


canais de comunicação são enriquecidos a partir da proximidade com as
histórias em quadrinhos. Pois, a inserção das HQs durante as aulas permite
aos alunos e alunas alargar suas opções de comunicação, acrescentando a
arte sequencial à oralidade e textualidade, que já estão comumente ao seu
alcance desde que se tornaram indivíduos em uma sociedade repleta de
interações orais e informações escritas. Os diferentes elementos os quais
formam a linguagem das HQs, como os balões, os quadros etc., viabilizam
que os estudantes tenham familiaridade com outras alternativas de
comunicação e transmissão de conhecimento.

Os estudantes de hoje, sem dúvida alguma, vivem dentro de um complexo


ambiente de crescimento de informações, logo, os profissionais da educação
poderiam prepará-los para existirem nesse espaço. Muitos educadores já
perceberam que o conhecimento não está limitado aos livros e exposições
em sala, porque existem outros caminhos pelos quais se pode seguir em
busca de um melhor aproveitamento do conhecimento, como as histórias
em quadrinhos. Benjamin R. Harris [2006] aponta um declínio da
hegemonia do texto como fonte de informação e chama atenção para que
os educadores estejam atentos a esta mudança na estrutura do campo
educacional, sabendo reconhecer outras possibilidades de dialogar com as
formas de conhecimento.

Sobre a prática de leitura da arte sequencial na sala de aula, sugere-se que


tenha em mente a existência de múltiplos formatos e gêneros de HQs.
Vários estudantes das séries iniciais do ensino fundamental já são
habituados a alguma variedade de arte sequencial, pois, nos pontos de
venda especializados, encontra-se um elevado número de títulos de, além
das produções nacionais, obras norte-americanas (comics) e japonesas
(mangás) traduzidas para o português assim, vários alunos e alunas já são
consumidores desses produtos culturais.

Além da possibilidade de incentivo de leitura, as HQs são capazes de


melhorar o vocabulário dos estudantes [Vergueiro, 2010]. A sua escrita é Aprendendo
composta por uma linguagem facilmente compreensível, apresentando História:
expressões presentes no dia-a-dia de seu público e trazendo novas palavras MÍDIAS
aos leitores, o que pode fazer o seu vocabulário se desenvolver de modo Página | 291
quase imperceptível. Através das narrativas em quadrinhos, as histórias de
ficção científica ou de viagens espaciais permitem, quando devidamente
empregadas, a integração ao vocabulário dos alunos e alunas dos léxicos
pertinentes àquele contexto representado na arte, tanto em um enfoque
científico, físico, social, tecnológico ou mesmo os aspectos fictícios de
determinada época em relação a outra.

Vergueiro [2010] também chama a atenção para as condições elípticas da


linguagem das HQs a qual força os leitores a usar sua imaginação e a
pensar formas de interpretar o material lido. A composição da arte
sequencial se forma com a seleção de determinados acontecimentos da
narrativa na história. Outros momentos, as entrelinhas, entretanto, ficam a
cargo dos leitores imaginarem. Os estudantes/leitores, portanto, são
instigados a pôr em atividade o seu raciocínio, rematando em sua mente as
situações as quais não foram representadas na história em quadrinhos,
incentivando o exercício de um pensamento lógico. Ademais, a arte
sequencial força as atividades de interpretação de texto, análise e síntese.

É sempre bom recordar que as HQs são direcionadas para públicos


diversificados (infantis, jovens ou adultos) e, consequentemente, não
devem ser utilizadas de forma desregrada em sala de aula. As atividades
possíveis por meios das histórias em quadrinhos podem ser adaptadas para
os alunos e alunas. Para resultados satisfatórios, os professores e
professoras poderiam conhecer a turma e o material que pretendem utilizar
na aula, para não ter respostas além ou aquém da competência da turma.
Além disso, mesmo as obras, aparentemente, designadas somente para a
diversão, ou seja, aquelas cujo conteúdo não foi elaborado a fim de instruir
ou transmitir alguma forma de conhecimento, podem ser transformadas em
recurso didático, requerendo, todavia, uma atenção e planejamento.

Referências
Leonardo Paiva Monte é mestre em História Social (USP).
Lilian Bento de Souza Silva é doutoranda em Ciências da Educação
(Universidad de la Integración de las Américas).

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O ANTIGO EGITO NO IMAGINÁRIO OCIDENTAL
Leonardo Candido Batista

Tutancâmon e o final do período de Amarna


Antes de apontarmos como a imagética do Antigo Egito tocou o mundo Aprendendo
ocidental, é importante destacar quem foi Tutancâmon (cerca de 1327-1336 História:
a.C. O jovem faraó assumiu em um período conturbado, teve que lidar com MÍDIAS
a mudança religiosa imposta por (Amenófis IV 1353 – 1336 a.C, conhecido Página | 293
mais tarde também por Akhenaton), na qual mudou todo o plano religioso
egípcio para uma religião intrinsicamente monoteísta. Nicolas Grimal (1996,
p.257) explica que provavelmente Smenkhare primeiro e depois
Tutancâmon, que deviam ser os únicos herdeiros homens de Akhenaton.
Não se sabe ao certo o parentesco entre Akhenaton e seus sucessores,
alguns especialistas como Jacobus Van Dijk (2007, p.380) o consideram pai
de Tutancâmon, agora outros como Grimal (1996, p.257) enxergam a
probabilidade de ele ser primo ou sobrinho de seu antecessor.

Smenkhare governou por pouco tempo, assim Tutancâmon, o faraó menino


sentava em um dos tronos mais importantes do bronze tardio, com apenas
nove anos, foi o faraó mais jovem de sua dinastia (XVIII). Apesar da de
toda a pompa funerária e luxo encontrada em sua tumba, Tutancâmon não
foi um soberano tão poderoso igual seus antecessores, como ainda era um
menino, seu governo sofreu muito a influência do chefe do exército
(Horemreb), esse inclusive que estaria bem insatisfeito com as mudanças
do governo de Akhenaton, e teria aconselhado Tutancâmon a tomar
decisões para a restauração da política existente antes do período de
Amarna, inclusive mudar a capital de Akhetaton para Mênfis.

Grimal (1996, p. 258) fala que Akhetaton deixou de ser habitada pela corte
pouco a pouco sendo abandonada completamente depois de trinta anos. Ali
só foi deixando o que era considerado sem valor: resto das atividades dos
artesões, cópias de correspondência diplomáticas (as cartas de Amarna),
etc.

Assim se restabeleceram os velhos cultos, com Tebas voltando ao centro


religioso do Egito. Van Dikj (2007, p.380) argumenta que foi aí que
Tutancâmon mudou o seu nome e acrescentou o epiteto de “Soberano de
Heliópolis do sul”, uma referência deliberada a Karnak como centro do culto
do deus Amon-Rá. Também de mudou o nome de sua grande esposa real e
meia-irmã, Ankhesenpaaton, por Ankhesenpaamon. Vemos assim que
houve uma volta aos cultos da principal divindade Amon-Rá, que fora
substituído pelo Atonismo, ou a infame Heresia de Amarna. Toda essa
retomada foi escrita como um orgulhoso feito:

“O documento mais importante de todo o reinado de Tutancâmon é a


chamada Estela da Restauração, que oferece uma descrição extremamente
negativa do estado em que as reformas de Akhenaton havia deixado: como
os templos dos deuses viraram ruinas e seus cultos abolidos, os deuses
haviam abandonado o Egito, rezavam, mas não respondiam, e quando o
exército foi enviado a Síria para ampliar os limites do Egito, não teve êxito.
A importância da última frase talvez explique o porquê o exército deixou de
apoiar a política amárnica. Durante o reinado de Akhenaton, os hititas que
se converteram na principal potência do norte, derrotaram o Mitani que era
aliado egípcio. Alguns vassalos egípcios, como Aziru e Umurru, tentaram
Aprendendo criar um novo estado tampão entre as superpotências rivais” (DIKJ, 2007,
História: p.381).
MÍDIAS
Página | 294 Essa deterioração do exército (embora é erróneo pensar que Akhenaton
fosse um faraó pacífico, já que existe indícios de atividades militares em seu
reinado) foi importante para que Tutancâmon impusesse essas mudanças,
fora o apelo dos antigos sacerdotes que haviam perdido seu prestígio. Em
suma esse foi o maior legado do faraó menino para o Egito.

A Descoberta de Tutancâmon
A descoberta da tumba de Tutancâmon ficou no encargo do arqueólogo
britânico Howard Carter em 1922, em uma expedição bancada pelo
milionário Lorde Carnavon. Carter trabalhou em escavações no Vale dos
Reis até 1914, quando elas foram paradas devido aos eventos da Primeira
Guerra. Foi uma busca praticamente implacável, pois nessa época não
existiam radares nem todo os aparatos da moderna arqueologia.

O evento que revolucionou as várias concepções e imagens do Egito ocorreu


em 4 de novembro de 1922, quando Carter encontrou os degraus que
levavam a tumba. Carter avisou Carnavon sobre a descoberta e esperou
alguns dias até ele chegar ao Egito. Quando chegaram a antecâmara,
Carnavon perguntou se Carter via alguma coisa, esse então falou para a
clássica frase: “Sim, coisas maravilhosas”, e lá estava todo o pomposo
tesouro do jovem faraó.

Foi em 16 de fevereiro que Carter pode abrir a porta selada, levando até
levando até a câmara da tumba de Tutancâmon. Carter virou uma
celebridade, já que descobriu a tumba mais intacta do Vale dos Reis:

“A descoberta em 1922 da tumba de Tutancâmon abriu os olhos de um


horrorizado público para uma expansão completa da riqueza e poder
faraónico. O sepultamento do rei menino ofereceu uma única compreensão
do que foi um vale cheio de reis e rainhas, linhagens reais, oficiais e
animais mimados de três dinastias e cinco séculos – e a maior acumulação
de barras de ouro do mundo antigo. Tutancâmon se azarado em vida, em
morte foi imensamente afortunado, escapando o passar do milênio
relativamente ileso. Para seus companheiros de viagem, o destino foi
menos generoso: com muitas poucas exceções suas tumbas foram
extensamente roubadas e saqueadas, eficientemente desmanteladas e
escavadas por curiosos por mais de 3000 mil anos. Tão completa foi a
destruição que pode ser razoável duvidar de tudo que sobrou para marcar
suas existências. Arqueólogos do passado e do presente juntaram um vasto
lago de evidências e em cada wadis 80 ou mais tumbas e buracos, grandes
ou pequenos, decorados ou bruscamente lavradas, parecem ter seus mais
ou menos contos eloquentes próprios para contar – de rei, sacerdotes,
nobres, de ritual e mágica, e o conceito faraônico da ganância humana”
(REEVES e WILKINSON, 1996, p. 84).

É importante deixar claro que as maldições relacionadas a faraós já


existiam antes da descoberta de Tutancâmon, elas apenas se multiplicaram
com esse feito. O mito se baseia que todos os envolvidos no descobrimento Aprendendo
de Tutancâmon foram mortos por uma maldição. Uma vingança por impedir História:
o sono eterno ansioso de imortalidade do faraó menino. O caso mais curioso MÍDIAS
foi o de Lord Carnavon pegou uma erisipela da picada de um mosquito que Página | 295
resultou em uma septicemia e pneumonia, e o que se pensava na época é
que todo homem até o seu cachorro por mais obscuro que fosse seu contato
com o descobrimento seria infligido pela maldição.

Tutancâmon, múmias e o antigo Egito no imaginário Ocidental


A fascinação pelo Egito começou bem antes do descobrimento de
Tutancâmon, como descreve Richard A. Fazzini (1988, p.34) com a
expedição napoleônica se iniciou também o descobrimento arqueológico do
Egito. Também foi possível uma representação mais fiel dos elementos
dessa cultura, na literatura, na arte, na arquitetura, nos decorados teatrais
e em outras manifestações. John Baines e Jaromir Malék (1996, p.222)
complementam falando que embora a cultura egípcia tivesse influenciado
vários povos à volta do mediterrâneo desde o segundo milênio, os romanos
foram os primeiros a mostrar interesses por objetos egípcios pelo próprio
fato de serem egípcios, interesse esse colorido, posteriormente, pela visão
grega do Egito como repositório da sabedoria esotérica, e manifestado
numa imitação superficial da arte egípcia, sem uma compreensão do seu
caráter básico. Essa fascinação já é observada pelos gregos, ocupando um
lugar em especial no seu imaginário, como descreve François Hartog (2004,
p. 59). Então bem antes de Napoleão ou da descoberta da tumba de
Tutancâmon, já existia uma tradição grega de pensar o Egito, na qual não
nos aprofundaremos aqui, mas que é importante ter em mente:

“Mas não há apenas um olhar, um “modelo” único ou unificado. Se há,


todavia, um traço de longa duração (embora pós-homérico), é
evidentemente o de sua antiguidade. Viajar no Egito significará, para um
intelectual grego, remontar no tempo e entrever seu começo, para recolher
um relato ou ter à mão um discurso verossímil sobre o início da vida
civilizada em geral ou de tal ou qual prática cultural. Os egípcios são “os
primeiros a...” – Segundo o esquema do “primeiro inventor”, muito
empregado pela história cultural grega. Em suma, fazer a viagem do Egito
é, para um grego, um meio de ter “mais lembranças que se tivesse mil
anos”! Encontrar a memória que ele não tem ou reencontrar a que ele não
tem mais. Pitágoras, o homem-memória, devia fatalmente encontrar a terra
do Egito” (HARTOG, 2004, p.59).

A imagem do faraó Tutancâmon, conhecido pelo também pelo apelido Tut é


conhecida pelo menos de senso comum por todas as pessoas. Ele
automaticamente leva as mentes até o mundo egípcio, mesmo que com
imagens estereotipas e de conotações ocidentais. Muitos discursos se
apropriaram do antigo Egito, com visões místicas, sendo muito
romantizadas pelos filmes hollywoodianos, com múmias e suas maldições,
ou idealizadas com atores brancos nos papeis de faraós e outros
personagens dessa sociedade. Essa influência do Egito na sociedade
ocidental está junto com o “Orientalismo” que tanto influenciou o discurso
eurocêntrico, como Edward Said comenta:
Aprendendo
História: “Por Orientalismo quero dizer várias coisas, todas, na minha opinião,
MÍDIAS interdependentes. A designação mais prontamente aceita para o
Página | 296 Orientalismo é acadêmica, e certamente o rótulo ainda têm serventia em
várias instituições acadêmicas” (SAID, 2003, p.30).

As fotografias, os museus, os filmes contribuíram para trazer e familiarizar


o Egito e sua cultura para o mundo, essas imagens representaram bem o
Egito, mesmo longe das pessoas. Como destaca Roger Chartier (2002,
p.165) o efeito-representação do duplo sentido, de presentificação do
ausente – ou do morto- e de auto-representação instituindo o tema de olhar
no afeto e no sentido, a imagem é simultaneamente a instrumentalização
da força, o meio da potência e sua e sua fundação em poder. Um duplo
sentido, uma dupla função deste modo atribuídos à representação: tornar
presente uma ausência, mas também exibir sua própria presença enquanto
imagem e assim constituir aquele que a olha como sujeito que olha.

Assim essas representações de imagem do Egito de certa forma trazem


aquela civilização tão distante dos nossos dias:

“Coleções sobre o Egito em museus pelo mundo ocidental fez os artefatos


dessa antiga civilização se tornaram familiar para todos nós. Corpos
mumificados, tumbas, esculturas, inscrições hieroglíficas, e pinturas
estilizadas são imediatamente reconhecidas como sendo derivadas das
terras do Nilo. Nos dias de hoje, com comunicação instantânea, facilidade
em viagens, e uma imensa tesouraria de trabalho publicados, imagens
fotográficas e descobertas arqueológicas prontamente disponíveis, poderia
se pensar que desse misterioso Egito – a terra dos faraós onde estranhas
divindades presidiam sobre a teologia de imensa complexibilidade – se
tornou menos remoto. Ainda podemos achar esses corpos secos, os olhos
encarando das máscaras pintadas, os vasos canópicos com seus conteúdos
sombrios, fascinam e espantam bastante, esperando uma chamada de
ressurreição que nunca aconteceu. As tumbas saqueadas, as poderosas
pirâmides, os templos arruinados, e a esfinge castigada pelo tempo, nos
movem com suas antiguidades, com suas auras curiosas, suas escalas
gigantes e suas ninhadas massivas de solenidade” (CURL, 2005, p.2).

Annateresa Fabris (1998, p.29) comenta o impacto que a fotografia trouxe


para a curiosidade sobre o mundo oriental, sendo que representa a
concretização de “grande sonho coletivo”, pois os primeiros temas das
fotografias exóticas se concretam nos lugares e nos símbolos privilegiados
pelas Cruzadas, ruinas greco-romanas. Os fotógrafos assim não procuram
lugares inéditos, procuram reconhecer os lugares já existentes, como visões
imaginárias, nas fantasias inconscientes das massas, criando arquétipos-
estereótipos que confirmariam uma visão já existente e conformariam a
visão das gerações. Assim podemos entender como funciona essa
justaposição da visão do europeu sobre ocidente, como destaca Said (2003,
p.34) de com modo bem constante, a estratégia do Orientalismo depende
dessa posição de superioridade flexível, que põe o ocidental em toda uma
série de possíveis relações com Oriente sem jamais lhe tirar o relativo
domínio. Aprendendo
História:
Como explica Fazzini (1988, p.35) as exposições de arte egípcia (algumas MÍDIAS
das quais com os tesouros de Tutancâmon, suscitaram uma renovação pelo Página | 297
interesse no Egito), o aumento do turismo no Egito, o aumento da educação
e o maior respeito do Ocidente pela arte não ocidental. Igual no século XIX,
a arte egípcia segue influenciando as obras de arquitetos, artistas e
desenhistas, que apesar de seus interesses por essa arte, não caem em
uma imitação servil. Como destaca Said (2003, p.31) o Oriente é uma ideia
que tem uma história e uma tradição de pensamento, um imaginário e um
vocabulário que lhe deram realidade e presença no e para o Ocidente. As
duas entidades geográficas, portanto, sustentam e, em certa medida,
refletem uma a outra.

A questão estereotipada que essas primeiras imagens trouxeram são bem


vigentes em nossa sociedade, basta olhar para o mundo egípcio, repleto de
pirâmides e sarcófagos luxuosos. Nisso criou-se essa perspectiva de o Egito
ser um mundo mórbido, um mundo onde as pessoas viviam já pensando na
morte. Esse estereótipo se fortaleceu com a quantidade de filmes e
romances que saíram ao longo do tempo sobre o Egito. De múmias e
maldições que assolariam as pessoas que abrissem as tumbas e
impedissem o descanso dos faraós. Jasmine Days (2006, p. 64) fala que da
descoberta da tumba de Tutancâmon e os contos de sua maldição levaram
a Egiptomania em um novo século. A mídia enriqueceu a lenda da maldição,
estabelecendo isso uma garantia de vendas de livros e jornais. Eles
rapidamente se tornaram a suprema influência sobre a percepção pública
do Antigo Egito, a tomada de controle dos acadêmicos, e o deslocamento de
atenção, das minucias das práticas arqueológicas, em relação a descobertas
sensacionais e vinganças de múmias. A dominação da mídia sobre a
Egiptomania tornou-se completa no meio do cinema. Assim exercendo uma
construção da imagem do Egito na sociedade ocidental:

“Outros aspectos reais e imaginários da cultura do antigo Egito seguem


fascinando o Ocidente e exercendo uma influência em sua cultura. Para
dizer a verdade, antes da idade do outro e das produções cinematográficas,
houveram obras teatrais, óperas (Aida, em particular) novelas históricas e
até relatos fantásticos e de terror (os temas egípcios apareceram no século
XIX muito antes de que se difundisse pelo mundo a notícia da “maldição” da
tumba de Tutancâmon) que presentava ao público uma imagem mais ou
menos fiel da cultura egípcia. Também sua influência está presente na
publicidade e nas embalagens de diversos artigos, especialmente cigarros e
produtos de beleza. Os modernos meios de comunicação, herdeiros não só
da tradição de Hollywood, mas das obras dos séculos XVIII e XIX,
perpetuam mitos antigos e modernos sobre o Egito, como que suas origens
se rematam a Atlântida, da influência de extraterrestes ou do “poder das
pirâmides” (FAZZINI, 1988, p. 35).

O filme clássico e que depois levou e influenciou o cinema a fazer mais foi
“A Múmia” (The Mummy) de 1932, dez anos depois do descobrimento de
Aprendendo Tutancâmon. É um filme lançado pela Universal, dirigido por Karl Freud e
História: estrelando Boris Karloff. O filme conta a história do sacerdote Imhotep, que
MÍDIAS volta dos mortos depois que um pergaminho é encontrado por um
Página | 298 arqueólogo. O Enredo envolve terror e romance, e no final Imhotep é
destruído quando queimado o tal pergaminho. Algumas tumbas funerárias
contêm avisos, mas não chegam a ser maldições como as mostradas nos
filmes hollywoodianos. São mais textos que evocam a ira dos deuses contra
os saqueadores de tumbas, nas quais teriam os pescoços quebrados ou
pegariam doenças. Fazzini (1988, p. 35) explica que Hollywood e seus
imitadores utilizaram desde o princípio, com grau muito variável de
fidelidade histórica e artística, espetáculos baseados em temas egípcios
aptos para fascinar um vasto público. Outra influência decisiva sobre a
percepção popular justa ou errada do antigo Egito e de sua arte provem da
televisão, das histórias ilustradas norte americanas (que não somente são
feitas para as crianças). Assim podemos observar como essa imagem
distorcida do Egito, ligada fortemente com o discurso “Orientalista”, sendo
assim o oriente como uma criação do ocidente, mostrando o mundo oriental
em figuras exóticas envoltas de misticismos e incapazes. Imagens que o
ocidente tira do oriente como contraste para legitimar-se:

“O Orientalismo, portanto, não é uma visionária fantasia europeia sobre o


Oriente, mas um corpo elaborado de teoria e prática em que, por muitas
gerações, tem–se feito um considerável investimento material. O
investimento continuado criou o Orientalismo como um sistema de
conhecimento sobre o Oriente, uma rede aceita para filtrar o Oriente no
pensamento ocidental, assim como o mesmo investimento multiplicou – na
verdade, tornou verdadeiramente produtivas – as afirmações que transitam
do Orientalismo para a cultura geral” (SAID, 2003, p.33-34).

Como destaca John Baines e Jaromik Malék (1996, p.220) a mumificação é


um método de preservar artificialmente os corpos das pessoas e animais
mortos. A civilização do antigo Egito não foi a única no mundo a ter
praticado esse costume, mas as múmias egípcias são as mais conhecidas e
tendem frequentemente, para pesar dos egiptólogos profissionais, a ser
consideradas como a encarnação do próprio Egito antigo e principal objeto
de interessa para aqueles que o estudam. As múmias podem contribuir de
várias formas para o nosso conhecimento, em especial porque fornecem
informação sobre assuntos como as doenças e o estado dos antigos egípcios
e sua alimentação, etc. No caso das múmias reais, estas podem melhorar a
nossa compreensão da cronologia egípcia ao ajudarem a estabelecer a
idade de um rei na altura de sua morte; o exame das múmias permite
também descobrir relações de família. Mesmo assim as múmias não
escapam do discurso imagético estereotipado que foram atribuídas com o
tempo.
É uma questão estereotipada, pois as fotos, o cinema, as revistas, e todo o
tipo de contato imagético apenas mostram uma parcialidade da sociedade
egípcia. Eriksen (1993, p. 22) explica quando dois indivíduos se encontram
pela primeira vez, a primeira informação que eles tentam juntar do outro
seria seu conjunto étnico. Com isso estabelecido eles saberiam
grosseiramente como ser comportar com o outro. Quando se sabe um Aprendendo
padrão étnico, pode-se saber que tipo de comportamento ter em relação ao História:
outro. Os membros de cada grupo têm noções particulares dos vícios e MÍDIAS
virtudes dos outros. Assim Eriksen declara que quando tais noções se Página | 299
tornam parte e parcela do “conhecimento cultural” de um grupo, e elas se
tornam regulares e uma espécie de guia nas relações, assim podemos
descrever essas características como estereótipos étnicos. Ainda seguindo a
ideia de Eriksen, o conceito de estereótipo refere-se a criação e a aplicação
consistente de noções de padronização e de distinção cultural de um grupo.

Mas é importante destacar como a mídia absorve todas essas condições e


as transforma em subprodutos culturais:

“O antigo Egito está sendo manipulado em ordem para criar novos


significados para velhas imagens, então esses veneráveis temas podem ser
colocados para trabalhar na cultura de hoje. Juntas as pessoas negociam
significados padrões para motivos e estabelecer a maneira de seus usos em
contextos particulares. Traçando o desenvolvimento das imagens ficcionais
de múmias sobre o tempo como elas se tornaram bastante abstratas de
suas fontes, eu sugiro que problemas sociais modernos e suas crenças,
devem ter influenciado os criadores de múmias ao retrata-las em modos
particulares. Eu posso demonstrar as derivações de múmias de seus
homólogos dos imaginários no começo. Finalmente, eu posso mostrar com
seus traços manipulados foram feitas para servir causas particulares, e
como elas influenciaram não somente a aparência e a função de suas
descendentes ficcionais, mas também a reação de quem visita museus e ver
múmias reais” (DAYS, 2006, p.2-3).

Referências
Leonardo Candido Batista, Mestre em História Social pela UEL

DAYS, Jasmine. The Mumy´s Curse: Mummymania in the English-speaking


World. London: Routledge, 2006.

ERIKSEN, T.H. Ethnicity and Nationalism: Anthropological Perspectives.


London: Pluto Press, 1993.

FABRIS, Annateresa. A Invenção da Fotografia: Repercussões Sociais. In:


Fabris (org.). Fotografia: Uso e Funções no Século XIX. São Paulo: Edusp,
1991.

FAZZINI A., Richard. El Egipto de los Faraones. El arte faraónica y la


imaginación moderna. El Correo, Septiembre 1988.

GRIMAL, Nicolas. Historia del Antiguo Egipto. Madrid: Akal, 1996.


HARTOG, François. Memórias de Ulisses: Narrativas sobre a fronteira na
Grécia antiga. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.

REEVES, Nicholas and WILKINSON H, Richard. The Complete Valley of the


Kings: Tombs and Treasures of Egypt´s Greatest Pharaohs. London;
Thames and Hudson, 1996.
Aprendendo
História: SAID W, Edward. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São
MÍDIAS Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Página | 300
VAN DIJK, JACOBUS. El Período Amárnico y El Final del Reino Nuevo. In:
Shaw (org). Historia Del Antiguo Egipto. Madrid; La esfera de los Libros,
2007.
USOS E POSSIBILIDADES DO ACERVO DIGITAL DA LUTA PELA
ANISTIA NO MARANHÃO: ANISTIA, MEMÓRIA E ENSINO DE
HISTÓRIA NO CIBERESPAÇO
Leonardo Leal Chaves

Aprendendo
Passadas mais de três décadas e meia de sua aprovação, a Lei 6.683, de 28 História:
de agosto de 1979, que “concede anistia e dá outras providências”, ainda se MÍDIAS
apresenta permeada de interpretações e questionamentos. Os fundamentos Página | 301
de tais interpretações e questionamentos recaem, em primeiro lugar, sobre
a acusação de parcialidade, reciprocidade, ou garantia jurídica de
impunidade daqueles que agiram em nome da Segurança Nacional na
repressão aos movimentos contrários ao Regime Civil-Militar. Em segundo,
sobre sua interpretação como parte fundamental de um sofisticado
mecanismo que ganhava a denominação, naquele momento, por parte de
seus articuladores, de distensão. Distensão esta limitada e ritmada, segura
e lenta, inserida em um quadro mais amplo de medidas liberalizantes, como
a revogação dos Atos Institucionais e o fim dos Inquéritos Policiais Militares
e que apontava, entre outras coisas, para um retorno dos militares à
caserna em um direcionamento rumo a uma tão aclamada democracia,
novamente com um civil no comando do Executivo e, de certo modo,
condicionada à imposição de um esquecimento harmonizador, com sua
fundamentação em uma já revisitada tradição conciliatória brasileira. A
tentativa de reparação dos mais de 75 mil pedidos de anistia solicitados, a
condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos
(CIDH) pela omissão e falta de esclarecimentos em torno dos
desaparecimentos e mortes durante a Guerrilha do Araguaia nos permitem
identificar a anistia brasileira em seu caráter inconcluso.

As reflexões aqui expostas sobre a anistia quer sejam pelo viés da


perspectiva de reparação simbólica ou financeira das vítimas da repressão e
seus familiares, quer pela tentativa de conhecimento dos fatos que levaram
a tais violações de direitos humanos, de modo a evitar suas repetições
futuras ou mesmo pela luta contra o esquecimento institucionalizado de
todos os abusos cometidos durante a ditadura, demonstram que o assunto
não se encerrou em 1979, nem se consolidou como um meio para a
reconciliação nacional. Numa perspectiva histórica, a insatisfação com o
projeto que se tornou hegemônico se demonstrou, logo após a aprovação
da Lei, na realização do II Congresso pela Anistia, ocorrido em Salvador,
entre os dias 15 e 18 de novembro de 1979, ou mesmo nos
posicionamentos políticos, nas falas dos exilados beneficiados com a própria
lei quando do retorno ao Brasil. Certamente, não é aqui proposto um
esgotamento do tema. Não obstante, é considerado vital trazer à tona as
discussões sobre a anistia e suas particularidades/permanências no Brasil,
especialmente no Maranhão, devido a escassez de pesquisa sobre essa
temática, para, acredita-se, evitar o esquecimento embutido na lei 6.683,
cumprindo assim, talvez, parte da principal função do historiador:
“relembrar o que os outros esqueceram ou querem esquecer”.
Este trabalho, fruto das pesquisas e reflexões apresentadas na dissertação
“ENSINO DE HISTÓRIA, CIBERESPAÇO E NOVAS TECNOLOGIAS DE
INFORMAÇÃO: potencializando o ensino da Lei de Anistia através do Acervo
Digital da Luta pela Anistia no Maranhão”, projeto financiado pela Fundação
de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico e Científico do
Aprendendo Maranhão (FAPEMA), se propõe a apresentar as possibilidades de
História: exploração do Acervo Digital (disponível para acesso no endereço
MÍDIAS www.acervodigitalanistiamaranhao.net). Deste modo, serão aqui
Página | 302 apresentados os conteúdos, menus, links, ferramentas de busca e
interatividade, arquivos para download, propostas didáticas e outros
conteúdos disponibilizados no Acervo. As concepções teórico-metodológicas
sobre arquivos e documentos produzidos durante o regime militar, os
embates e a preservação da memória histórica e suas relações com o
ensino de “temas sensíveis” nas aulas de história encontram nesta seção
sua inserção e aplicabilidade com as Tecnologias de Informação de
Comunicação. Dentro da perspectiva de possibilidade de construção de um
conhecimento histórico pautado na garantia dos direitos humanos, de
caráter interativo, dinâmico, colaborativo, multimídia e em processo de
constante atualização/correção de erros as discussões, espera-se que essa
ferramenta possa contribuir para a diminuição das lacunas entre os saberes
acadêmicos e escolares.

A integração de diferentes plataformas e mídias, operacionalizada na


construção do Acervo, visa proporcionar um ensino de História
pluriperspectivado e pluridimensionado, fomentando competências e
habilidades na utilização dos recursos tecnológicos, com foco no
desenvolvimento das capacidades perceptivas e interpretativas, próprias do
aprendizado histórico. Deste modo, a apresentação dos itens que compõem
o Acervo Digital será realizada de modo a potencializar seu uso sem,
contudo, descaracterizar umas das principais marcas das possibilidades de
pesquisa em páginas da web, ou seja, a autonomia em relação ao
“caminho” a seguir durante a navegação da página. O acervo pode ser
consultado livremente e seus temas são apresentados de forma
interdependente, através de hiperlinks, que conectam outras páginas ou
fazendo referência ao próprio Acervo. Os trechos retirados da dissertação
para compor as páginas com conceitos ou contexto histórico foram
acrescidos de arquivos para download, ampliando as possibilidades de uso
do documento, seja em sala de aula ou mesmo para pesquisas escolares ou
acadêmicas, como no caso do Projeto de Lei de anistia de 1968 do
Deputado Paulo Macarini, com todo seu processo de tramitação
disponibilizado.

A FrontPage abriga a descrição do projeto e as opções de navegabilidade,


que são distribuídas através do menu superior com as seguintes categorias:
a) O Projeto; b) Anistia em foco; c) Ensino de História d) Memória Digital;
e) Anistia hoje e f) Canais de participação. Na primeira categoria, ainda na
frontpage, são expostos os objetivos do projeto em suas relações entre
Ensino de História e a importância de problematização da caracterização da
luta por uma anistia “ampla, geral e irrestrita” em 1979, aqui
reiteradamente caracterizada como um tema potencializador da discussão
acerca das graves violações dos direitos humanos no Brasil, processo
central para a formação de um aluno crítico e atuante no exercício de uma
cidadania plena.

Na categoria a seguir, Anistia em foco, foi organizada em cinco subitens:


perspectiva histórica, anistia em foco, anistia e justiça de transição, Aprendendo
legislação e sugestões bibliográficas sobre anistia. Ao acessar os subitens, o História:
usuário terá acesso a um panorama sobre a aprovação e desdobramentos MÍDIAS
da concessão da anistia e suas conexões com a contemporaneidade. O Página | 303
primeiro subitem, perspectiva histórica, traz à luz as reflexões sobre a
anistia, entendida em seu caráter conciliatório e pacificador,
tradicionalmente utilizado na história política brasileira. Ao acompanhar
historicamente a concessão deste instrumento jurídico, podem ser
identificados os elementos de reciprocidade e exclusão presentes na Lei de
1979 em comparação às anistias anteriores ou mesmo a ressignificação do
termo “crimes conexos”, passando a se referir eufemisticamente aos
torturadores e outros agentes da repressão. São disponibilizados para
download, como demonstrado a seguir, o projeto de Lei nº 1.346 de 1968,
do Deputado Paulo Macarini, a mensagem do presidente que encaminha o
projeto para apreciação do Congresso Nacional, o Projeto de Lei nº 14 e a
mensagem de veto do presidente Figueiredo, segundo imagens a seguir.

No subitem Legislação são encontradas as fundamentações jurídicas que


perpassaram a pesquisa aqui desenvolvida, com destaque para a
publicação, ipsis litteris, das Leis de Anistia (1979), a Lei de reparação
financeira e simbólica, que cria a Comissão de Especial de Mortos e
Desaparecidos Políticos (1995), a criação e regulamentação do Regime do
Anistiado (2002), a Lei de Acesso à Informação e acesso a documentos e
arquivos outrora classificados como sigilosos (2011) e a lei que permite a
criação da Comissão Nacional da Verdade (2011). Outras questões
normativas são apresentadas como opções de download nas páginas
navegadas, como abaixo, como a Lei de Anistia de 1945, que faz
referências aos crimes conexos, sob outra perspectiva.

O subitem seguinte, Concepções de anistia, apresenta o caráter inconcluso


da Lei e as diferentes reivindicações em torno de sua revisão. As conexões
entre Anistia e Justiça de Transição são esquadrinhadas através das
políticas de reparação, simbólica, financeira ou criminal e no entrave legal
que a Lei de Anistia impõe até os dias de hoje. A fundamentação da
normatização se encontra disposta no subitem Legislação,
cronologicamente, desde a aprovação da Lei de Anistia, em 1979, até a
criação da Comissão Nacional da Verdade, em 2011. Ao final da categoria
são elencadas no subitem Sugestões Bibliográficas as obras de referência
nos estudos e pesquisas sobre a anistia e seus desdobramentos na
contemporaneidade.

A categoria Ensino de História apresenta as reflexões acerca da legislação


educacional atual e uma normatização pautada em questões fundamentais
para a convivência democrática como a cidadania ou direitos humanos. São
apresentadas também as linhas teóricas que norteiam o trabalho em
relação à cibercultura ou na utilização das TICs como recurso pedagógico.
No subitem Arquivos e Temas Sensíveis no Ensino de História abre-se
espaço para as problematizações referente à produção e recepção de
documentos durante o regime militar brasileiro e suas relações com o
Ensino de História, especialmente conectadas com as reflexões sobre acesso
Aprendendo a documentos ora sigilosos e as políticas de “acerto de contas com o
História: passado”. A seguir, dada a carência de materiais que possibilitem,
MÍDIAS minimamente, o trabalho em sala de aula com fontes, é disponibilizada uma
Página | 304 proposta de percurso de pesquisa no subitem Proposta Pedagógica: Jornais
no cotidiano escolar, detalhadamente apresentada na última seção desta
dissertação.

As fotos que se encontram no Acervo Digital (algumas impressas na


dissertação, também disponível para download) vêm com a opção de
ampliar a visualização em página separada, facilitando sua leitura e
identificação de demais elementos gráficos. Os subitens que compõem essa
categoria são Legislação e Sugestões Bibliográficas, como na categoria
anterior, com opções de download reunindo parte dos normativos
educacionais norteadores das práticas educativas no Brasil, como a recém-
aprovada Base Nacional Comum Curricular e as legislações anteriores como
LDB, PCNs, nas quais se fundamenta.

A disponibilização de fontes na web e as mobilizações em torno da memória


da anistia no ciberespaço é objeto privilegiado na categoria Memória Digital.
O subitem Fontes Históricas se subdivide em Jornais Maranhenses (1978-
1979), links para um rol de publicações dos periódicos O Estado do
Maranhão, O Imparcial e o Jornal Pequeno com temáticas referentes à luta
e concessão da Anistia, podendo ser identificadas, inclusive, em 1978, ano
que antecede a aprovação da Lei de Anistia. O segundo desdobramento
desse subitem, denominado O DOPS e os movimentos pela Anistia no
Maranhão, disponibiliza a documentação produzida e recebida pelo
DOPS/MA, organizada por eixos temáticos e composta pelos seguintes
dossiês: ‘relação de brasileiros no exterior”, “reintegração dos punidos pela
Revolução”, “monitoramento CBA/MA”, “comissão de recepção dos
exilados”, “campanha contestatória contra o projeto de anistia”, “campanha
conta a ASI”, “atuação de grupos contrários à Revolução”, e “atuação do
Comitê dos Direitos Humanos e CBA/MA”. O principal objetivo desse
subitem é promover a preservação documental e a garantia do direito ao
acesso à informação em suas reverberações no ciberespaço.

A disponibilização de fichas e dossiês produzidos pelo DOPS/MA, discursos


no Diário Oficial de representantes políticos maranhenses sobre a anistia e
as propostas de emendas dos parlamentares durante a aprovação do
Projeto de Lei, os cartazes e publicações dos movimentos sociais que
lutavam pela anistia no Maranhão ou Relatório Final da Comissão Especial
Parlamentar da Verdade no Maranhão, com atividades ocorridas no ano de
2013, (com importante destaque para as atas das audiências realizadas),
encontram-se reunidos e disponíveis para download, permitindo identificar
que, ainda nos dias de hoje, há uma significativa falta de consenso em
torno “desse passado a não ser lembrado” em meio às demandas pela
culpabilização dos responsáveis pela repressão. Deste modo, a ausência de
um lugar de memória virtual com as particularidades da luta pela Anistia no
Maranhão se tornou o princípio orientador na concepção e construção do
Acervo Digital da Luta pela Anistia no Maranhão.

As questões apresentadas no próximo subitem, Anistia no ciberespaço, Aprendendo


abordam os desdobramentos da incompletude e insatisfação dos vários História:
grupos envolvidos contra a autoanistia e suas ações na web, criando MÍDIAS
verdadeiras redes de compartilhamento e permitindo a criação de novas Página | 305
narrativas em defesa da preservação da memória, seja de luta, seja de
inconformidade expressa no grande esforço coletivo desses grupos com a
anistia aprovada e seu legado. A preocupação das Forças Armadas com o
ciberespaço pode ser identificada nos materiais sobre ciberdefesa e suas
relações entre informação e liberdade na web, disponíveis para download. A
questão iconográfica, no subitem Anistia em Imagens, disponibiliza 30
imagens de cartazes produzidos pelos movimentos sociais durante o ano de
1979. É permitida sua reprodução e uso, desde que não haja fins
comerciais, instrumentalizados pela licença Creative Commons (uma licença
do tipo Attribution-NonCommercial 2.0 Generic que também protege a
autoria da imagem e permite seu uso, reprodução e alterações, desde que
indicados autoria original, link de sua licença e modificações, quando
houver).

A categoria Anistia Hoje tem seu foco na atualidade das discussões em


torno da anistia e sua incompletude, bem distinta da reivindicação e luta
dos movimentos sociais. Esta categoria subdivide-se em Notícias (2011-
2018) com links com a cobertura da imprensa sobre a anistia em torno de
questões como as manifestações de descontentamento dos militares a
qualquer tentativa de revisão da Lei ou a divulgação das apurações (muito
embora sem caráter criminal inicialmente) da CNV em suas oitivas e
diligências. Outras reportagens e matérias são disponibilizadas através de
links para os portais de notícias ou para sites de armazenamento e
compartilhando de vídeos, como Youtube ou Vimeo.

A própria Comissão Nacional da Verdade é o objeto da seção seguinte com


ênfase na disponibilização dos três volumes do Relatório Final. Fragmentos
do Relatório compõem outras partes do Acervo Digital, como no link para
baixar o arquivo com o perfil e as circunstâncias sobre o desaparecimento
do militante Ruy Soares Frasão. Há um link para uma edição do jornal O
Estado do Maranhão em que foi publicada uma entrevista com Felicia de
Moraes Soares sobre o desaparecimento do marido, exemplificando as
interconexões possíveis entre links do Acervo. A linha de continuidade que
une os subitens seguintes é a imprescritibilidade de crimes como tortura,
(sistematicamente recorrida contra as oposições ao regime) e sua demanda
em torno da revisão da abrangência do benefício da anistia a esses
torturadores. Assim, no subitem sobre a ADPF nº 153 é dado destaque para
a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental com a mobilização
da Ordem dos Advogados do Brasil para retirada da extensão da anistia aos
“crimes conexos”, julgada improcedente pelo Tribunal Superior Federal em
2010.
São disponibilizados os arquivos referentes ao conteúdo, na íntegra, da
ADPF nº 153 e a transcrição dos votos dos Ministros do STF, derrotada por
sete votos a dois. Abaixo, o subitem apresentado diz respeito à Condenação
do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso
Aprendendo Gomes Lund e outros vs Brasil apresenta as discussões sobre a sentença
História: contra o Estado brasileiro pela falta de esclarecimentos de fatos ocorridos,
MÍDIAS desaparecimento e morte de militantes durante o episódio que ficou
Página | 306 conhecido como Guerrilha do Araguaia. O download da sentença da CIDH
também se encontra disponibilizado para os usuários. Encerrando as opções
de navegabilidade desta categoria são apresentadas reflexões sobre a
recusa da denúncia de estupro e outras graves violações de direitos
humanos contra Inês Etienne Romeu, ex-militante do VAR-Palmares e
última presa política liberta pela Lei de Anistia, e a análise das
argumentações do juiz Alcir Lopes Coelho ao desqualificar a tentativa de
punição de Antonio Waneir Pinheiro Lima, o “Camarão”, principal algoz de
Etienne.

Deste modo, desde sua criação e operacionalização o Acervo Digital da Luta


pela Anistia se configura como um espaço de fundamental importância no
contexto da preservação da memória histórica, especialmente na
abordagem de temas ligados ao Maranhão, digitalização e
compartilhamento de fontes dos mais diversos fundos documentais,
arquivos, bibliotecas ou mesmo dispersos na imensidão do ciberespaço. Seu
caráter propositivo objetiva municiar o professor, em conjunto com as
reflexões teóricas e metodológicas que embasaram a dissertação que
fundamentam a concepção e aplicabilidade do Acervo. As relações entre as
diretrizes da Base Nacional Comum Curricular e a utilização das novas
Tecnologias de Informação e Comunicação em sala de aula exigem do
docente conhecimento técnico e, minimamente, tempo para realizar as
pesquisas e estudos inerentes ao seu ofício. As exigências de uma educação
que forme cidadãos críticos e atuantes, em sintonia com a construção de
uma sociedade democrática, não se relacionam com uma perspectiva de
conhecimento histórico que recua diante dos “temas sensíveis”, conforme
aqui denominado. A perspectiva de não repetição das graves violações de
direitos humanos ocorridas durante o período ditatorial, aliada ao
inconformismo com a garantia jurídica de impunidade aos agentes da
repressão, engendrados pela Lei de Anistia brasileira, passa pelas
discussões de desnaturalização de qualquer tipo de violência. Digitalizar,
publicizar, compartilhar os acervos documentais e outras fontes da nossa
história recente, especialmente no Maranhão, pode descortinar esse “longo
véu de esquecimento” que traz em seu seio esse complexo silêncio de
caráter conciliatório e harmonizador. As demandas pela revisão da Lei de
Anistia dependem do Congresso Nacional brasileiro e das pressões das
mobilizações a favor da culpabilização dos envolvidos em torturas,
assassinatos e desaparecimentos forçados durante a ditadura. O Acervo
Digital se coloca ao lado de outras iniciativas para preservação da memória
histórica, em sua proposta de construção de um conhecimento histórico
significativo, pluridimensionado e em múltiplas dimensões.
O trabalho de algumas iniciativas de grupos ligados à preservação
documental e da memória do período ditatorial tem como objetivo principal
evitar o esquecimento e impunidade engendrados pela Lei de Anistia.
Contudo, havia uma carência de um repositório institucional ou acervo
temático com foco no Maranhão do final dos anos de 1970 em suas relações
com a Abertura Política que se desenrolava. A construção de uma Aprendendo
plataforma de navegação simples, intuitiva e de caráter pedagógico, com História:
facilidade de acesso a fontes históricas, possibilita seu uso nas aulas de MÍDIAS
história e instrumentaliza uma série de elementos ao docente, ampliando o Página | 307
escopo das interpretações naturalizadoras em torno das temáticas
discutidas ao longo deste trabalho.

Referências
Leonardo Leal Chaves é doutorando pelo Centro de Estudos
Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra. Bolsista de
Extensão do CNPq pelo INCT/Proprietas e membro do Núcleo de Pesquisa
em História Contemporânea (NUPEHIC).

ABRÃO, Paulo; TORELLY, Marcelo. Mutações do conceito de anistia na


Justiça de Transição brasileira: a terceira fase de luta pela anistia. Revista
de Direito Brasileira, out/2012, nº 3, p. 357-379.

AMBOS, Kai et al. Anistia, Justiça e Impunidade: reflexões sobre a justiça


de Transição no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

CARVALHO NETO, JS. “O II Congresso da Anistia: momento de resistência e


definições”. In: ZACHARIADHES, GC., org. IVO, AS., et al. Ditadura militar
na Bahia: novos olhares, novos objetivos, novos horizontes [online].
Salvador: EDUFBA, 2009, vol. 1, pp. 259-285.

FICO, Carlos. História do Tempo Presente, eventos traumáticos e


documentos sensíveis: o caso brasileiro. Varia História, Belo Horizonte, vol.
28, n. 47, p. 43-59, jan-jun, 2012.
CINEMA E HISTÓRIA DO TEMPO PRESENTE: REGIME MILITAR
BRASILEIRO EM PRA FRENTE BRASIL (1982)
Marcelo Gonçalves Ferraz

Aprendendo Cinema e ensino de História


História: O cinema tem sido explorado como ferramenta pedagógica há alguns anos,
MÍDIAS sendo que vários autores já se debruçaram sobre o tema. Vitor Reia-
Página | 308 Baptista, em seu artigo Pedagogia da comunicação (1995), traça um
importante paralelo entre cinema, comunicação e pedagogia.

De acordo com o autor, a inclusão de estudos midiáticos, nos diferentes


níveis de ensino é uma medida necessária para uma formação integral e
adequada às características culturais do cidadão das sociedades modernas
nas quais o fenômeno comunicativo global assume grande importância
social, cultural e pedagógica.

Dessa forma, o estudo da dimensão pedagógica dos fenômenos fílmicos


torna-se um ato de aquisição de conhecimentos e de reflexão crítica sobre
uma faceta preponderante da nossa história cultural recente. Entretanto,
para que se chegue a um conhecimento aprofundado das suas possíveis
dimensões pedagógicas, torna-se necessário um conjunto de estudos
vários, mas unidos pela natureza da própria arte cinematográfica, ao que o
autor chama de antropologia fílmica.

Em nosso país, o tema Cinema e História, tem sido debatido intensamente


nos últimos anos. Prova disso é a enorme quantidade de trabalhos escritos,
comunicações apresentadas e simpósios realizados sobre a temática.
Podemos propor como marco importante sobre o tema o lançamento do
livro Cinema e História (1977) de Marc Ferro, que reuniu em uma obra
vários artigos escritos pelo autor durante a década de 1970 sobre a
importância das imagens em movimento na pesquisa histórica. Com essa
obra, o historiador francês tornou-se o expoente nos estudos sobre a
utilização das imagens em movimento dentro do campo histórico, e lançou
as bases onde seriam edificadas os novos conceitos e propostas sobre o
tema.

Outro pesquisador frequentemente citado nos trabalhos referentes à


temática Cinema e História é o norte-americano Robert Rosenstone.
Anteriormente, Ferro (2010) havia tratado o filme como um contradiscurso
da sociedade. Em sua obra A história nos filmes, os filmes na história
(2006), Rosenstone vai um pouco além da proposta de Marc Ferro,
chamando os cineastas de historiadores e tratando o filme como um
contradiscurso do passado.

Esses dois historiadores, um francês e outro norte-americano, são


considerados os mais referenciados e citados nos círculos acadêmicos sobre
a temática Cinema e História. Resta-nos abordarmos seus conceitos e
capturarmos o que se mostra mais hábil para a nossa pesquisa.
O cinema pode ser uma ferramenta de extrema importância no processo
ensino-aprendizagem de História. Dentro do contexto da História do Brasil
temos, nas mídias fílmicas, veículos profícuos na pesquisa e estudo,
notadamente no que se refere ao regime militar brasileiro. Tal período de
nossa história se estendeu de 1964 até 1985, quando José Sarney
substituiu o último general-presidente, João Figueiredo. Dentro desse Aprendendo
período, escolhemos como recorte de pesquisa o intervalo conhecido como História:
“anos de chumbo”, que, segundo Villa (2014), delimita o regime militar MÍDIAS
como verdadeira ditadura, marcada por prisões arbitrárias e torturas. O Página | 309
marco desse processo ditatorial encontra-se na promulgação do Ato
Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968.

Skidmore (1998) nos conta que em 1968 os ânimos estavam cada vez mais
exaltados no campo político. De acordo com o brasilianista, o ponto
culminante aconteceu após discurso do congressista Márcio Moreira Alves,
que conclamou as esposas dos militares a não os servirem sexualmente. Os
generais mais radicais haviam conseguido munição contra a oposição. Nas
palavras do autor (SKIDMORE, 1998, p. 232), “O Brasil era agora uma
ditadura autêntica”. O congresso foi fechado, a censura foi introduzida, as
correspondências foram violadas e as denúncias (realizadas por
informantes) tornaram-se comuns. O período de vigência do AI-5 (1968-
1978) é o recorte proposto em nosso projeto de pesquisa por ser o
momento mais nefasto e sombrio do regime militar, caracterizado por
arbitrariedades e violência desmedida contra membros da sociedade
brasileira.

Uma das maneiras de nos aproximarmos dessa fase abominável da História


do Brasil é através do cinema, hoje considerado importante instrumento de
Ensino de História. Dessa forma, Rocha (2015) defende a utilização das
imagens, pelo seu “efeito de realidade”. Além disso, enfatiza que a
utilização de novos suportes, baseados em imagens e sons, vem se
consolidando nos últimos anos, nas aulas de história, “[...] sem destronar,
entretanto, as formas tradicionais de ensino e aprendizagem” (ROCHA,
2015, p. 116).

Quanto à utilização de filmes, observa-se, entretanto, que os mesmos não


foram originalmente produzidos com finalidade pedagógica, sendo
necessário, dessa forma, que seja realizado um tratamento metodológico
para essas mídias. Além disso, faz-se necessário que o objeto fílmico não
seja explorado como simples ilustração, banalizando-o. É preciso que os
filmes sejam tomados “[...] como objetos de investigação histórica [...]”
(CAIMI, 2015, p. 30).

Além disso, a utilização do cinema no processo ensino-aprendizagem


favorece o estabelecimento de “diálogos com conceitos teóricos que
remetem às discussões e posturas em relação à iconografia e imagens,
trazidas pelas novas abordagens historiográficas” (SOUZA; SOARES, 2003,
p. 3), além de facilitar a “assimilação de conteúdos por parte dos alunos
despertando o interesse pelo tema tratado” (LIMA, 2015, p. 95).
Uma pedagogia das imagens em movimento, segundo Castro (2016), deve
respeitar o fato de que as imagens levam a uma releitura da realidade.
Entretanto, seu uso deve ir além de uma mera ilustração, pois da mesma
forma que a leitura de um texto impresso vai além de juntar as letras, a
leitura do texto fílmico é mais do que olhá-las complacentemente. É
Aprendendo necessário que o questionemos sempre.
História:
MÍDIAS Dessa forma, o autor nos mostra a intenção pedagógica do cinema:
Página | 310 preparar o aluno para ver a mídia, o filme, como uma mediação, uma
aproximação da realidade, e não o real. Tornando o aluno sempre apto a
questioná-lo. Assim, a sala de aula deve ser o espaço para o diálogo com as
imagens em movimento, com o objetivo de se descobrir suas intenções ou
possibilidades.
O filme Pra frente, Brasil (1982), produzido em pleno exercício do regime
militar, torna-se uma ferramenta de fonte de pesquisa, bem como
proporciona uma discussão sobre esse período de nossa história.

Pra frente Brasil: o regime militar brasileiro sob a ótica


cinematográfica
Dirigido por Roberto Farias, a película conta a história fictícia de Jofre, um
brasileiro da classe média, avesso a manifestações políticas que tem o
infortúnio de dividir o taxi com um guerrilheiro procurado pela polícia. Ao
serem perseguidos, o guerrilheiro é assassinado e Jofre é confundido, sendo
levado ao cárcere, torturado e morto por engano. Situado no recorte que
remete ao que ficou conhecido como “anos de chumbo” (NAPOLITANO,
1998, p. 34), o filme Pra frente, Brasil, joga luz sobre a repressão policial,
exercida pelo Estado à época e permite aprender História, uma vez que
“esse processo de cognição serve para interpretar a ação humana em
tempos e lugares diferentes” (PEREIRA; SILVA, 2014, p. 318).

No que concerne à mídia fílmica, a película Pra frente, Brasil (1982) torna-
se de grande utilidade, por tratar de um tema que, ainda nos dias atuais,
causa desconforto e repulsa, como a temática da tortura. Tal período ficou
caracterizado pela subtração de direitos individuais e coletivos da sociedade
brasileira. O filme em questão, por tratar corajosamente de um tema
complexo, em plena atividade do regime militar no Brasil, é hábil em
representar um temor existente na sociedade daquela época. Além disso, a
história por trás da história oficial nos mostra que a película foi censurada
logo após seu lançamento, causando certas dificuldades aos profissionais
envolvidos na sua produção.

O Jornal do Brasil, entre março e abril de 1982, foi palco de várias matérias
sobre o filme, desde a sua indicação ao troféu Kikito, do Festival de Cinema
de Gramado (16 de março), até um longo texto intitulado Censura política e
abertura, no dia 25 de abril. O filme foi o grande vencedor do prêmio do
Festival de Cinema de Gramado daquele ano. Segundo matéria do Jornal do
Brasil do dia 29 de março de 1982, foi “[...] o único filme a ser aplaudido de
pé após exibição [...]” (SCHILD, 1982, p. 1). O mesmo periódico, no dia 31
de março trouxe a notícia que a diretora da Divisão de Censura, após
examinar por duas vezes o conteúdo do filme, havia considerado o mesmo
polêmico, evitando a liberação de exibição da obra nos cinemas (BRAGA,
1982, p. 7). Mais grave ainda, o filme foi responsável pelo afastamento do
presidente da Embrafilme, empresa ligada ao Ministério da Educação e
Cultura, responsável pelo fomento à produção cinematográfica brasileira.
Segundo matéria publicada no Jornal do Brasil de 2 de abril de 1982, Celso
Amorim, após três anos à frente da Embrafilme, foi afastado da presidência Aprendendo
da empresa por, entre outros motivos, ter financiado com recursos do História:
Estado uma obra claramente contrária ao próprio Estado (JORNAL DO MÍDIAS
BRASIL, 1982, p. 1). Página | 311
Esses fatos, ocorridos após o lançamento do filme e somados ao enredo,
tornam a obra fílmica aqui discutida em um importante objeto de estudo e
pesquisa histórica. Batalha (2008), fez uma profunda análise sobre Pra
frente Brasil (1982) nesse sentido. Segundo o autor o filme está
impregnado de conceitos maniqueístas, separando a polícia que tortura da
polícia que nada sabe sobre esses atos, com o objetivo de “[...] minimizar
as responsabilidades do regime pelos desmandos do aparato repressivo
[...]” (BATALHA, 2008, p. 139).

Esse subterfúgio escolhido pelo cineasta mostra uma força policial que se
articula nas sombras, por entre as frestas da lei, sendo ela a própria lei,
escolhendo quem vai ser preso, torturado e assassinado. O protagonista
vivido pelo ator Reginaldo Farias cai nas mãos de um delegado visivelmente
com transtornos de conduta (dr. Barreto), que demonstra satisfação e até
mesmo prazer em torturar. Quando Dr. Barreto é assassinado, torna-se
difícil não sentir alívio. Os tiros que o dr. Barreto (interpretado por Carlos
Zara) sofre e que causam sua morte, não são disparados por um
guerrilheiro aflito, mas por toda uma sociedade, ávida por reparo.

À parte de toda a polêmica em volta do filme, seu enredo nos mostra o


clima de insegurança vigente, no qual qualquer pessoa, estando no lugar
errado e na hora errada, poderia ser vítima do desmando do Poder Público.
Batalha sintetiza essa situação quando nos diz que “As possibilidades de
que os grupos de repressão [...] cometessem enganos fatais é
evidentemente grande” (BATALHA, 2008, p. 142). Além disso, o desejo da
classe média de não se envolver em assuntos políticos é latente. O futebol,
e a conquista do tricampeonato mundial pela seleção brasileira, aparenta
ter maior importância para uma população mergulhada na alienação,
indiferença e hipocrisia. Tudo isso faz de Pra frente Brasil (1982) uma obra
ímpar, como documento de uma época tão recente na nossa história e tão
distante no que diz respeito às garantias dos direitos individuais e coletivos
de uma nação.

Referências
Marcelo Gonçalves Ferraz é graduando em História pela Universidade de
Pernambuco (UPE - Campus Petrolina).

PRA FRENTE Brasil. Direção: Roberto Farias. Produção: Embrafilme. 105


min. 1982.
BRAGA, Márcio. Censura considera polêmico Pra frente Brasil e ainda não
diz se vai ser liberado. Jornal do Brasil. Rio de janeiro, 31 mar. 1982.
Caderno B, p. 7.

CAIMI, Flávia Eloisa. Investigando os caminhos recentes da história escolar:


Aprendendo tendências e perspectivas de ensino e pesquisa. In: ROCHA, Helenice;
História: MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO, Rebeca (Org.). O ensino de história em
MÍDIAS questão: cultura histórica, usos do passado. Rio de Janeiro: FGV, 2015.
Página | 312
CASTRO, Nilo André Piana. Leitura midiática na sala de aula e nos cursos de
extensão: interpretando e construindo conhecimento através de imagens
em movimento. In: BARROSO, Vera Lúcia Maciel. Ensino de história:
desafios contemporâneos. Porto Alegre: Exclamação, 2010.

CELSO AMORIM renuncia à Embrafilme. Jornal do Brasil. Rio de janeiro, 2


abr. 1982. Caderno B, p. 1.
FERRO, Marc. Cinema e história. São Paulo: Paz e Terra, 2010.

LIMA, Daniel Rodrigues. Cinema e história: o filme como recurso didático no


ensino/aprendizagem da história. Revista Historiador, [S.l.], n. 07. p. 94-
108, jan. 2015.

NAPOLITANO, Marcos. O regime militar brasileiro: 1964-1985. São Paulo:


Atual,1998.

PEREIRA, Lara Rodrigues; SILVA, Cristiani Bereta. Como utilizar o cinema


em sala de aula? Notas a respeito das prescrições para o ensino de História.
Espaço Pedagógico, Passo Fundo, v. 21, n. 2, p. 318-335, jul. dez. 2014.

REIA-BAPTISTA, Vitor. Pedagogia da Comunicação, Cinema e Ensino:


Dimensões Pedagógicas do Cinema. Educacion y médios de comunicacion
em el contexto Iberoamericano. Universidade Internacional de Andalucia,
1995.

ROCHA, Helenice. Linguagem e novas linguagens: pesquisa e práticas no


ensino de história. In: ROCHA, Helenice; MAGALHÃES, Marcelo; GONTIJO,
Rebeca (Org.). O ensino de história em questão: cultura histórica, usos do
passado. Rio de Janeiro: FGV, 2015.

ROSENSTONE, Robert. A história nos filmes, os filmes na história. São


Paulo: Paz e Terra, 2010.

SCHILD, Susana. Pra frente Brasil aplaudido de pé em Gramado. Jornal do


Brasil. Rio de janeiro, 29 mar. 1982. Caderno B, p. 1.

SKIDMORE, Thomas. Uma história do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e terra,


1998
SOUZA, Poliana Jessica do Carmo de; SOARES; Valter Guimarães. Cinema e
ensino de história. XXVII Simpósio Nacional de História. Natal. 22-26 jul.
2003.

VILLA, Marco Antônio. Ditadura à brasileira: 1964-1985. São Paulo: Leya,


2014. Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 313
A ANTIGUIDADE NOS QUADRINHOS: O USO DOS 300 DE ESPARTA
DE FRANK MILLER NO ENSINO DE HISTÓRIA
Márcio Vitor Santos

Aprendendo Na atualidade, devido aos avanços científicos e tecnológicos, uma gama de


História: conhecimentos e possibilidades de compreensão surge. “As mudanças
MÍDIAS culturais provocadas pelos meios audiovisuais e pelos computadores são
Página | 314 inevitáveis, pois geram sujeitos com novas habilidades e diferentes
capacidades de entender o mundo" (BITTENCOURT, 2011, p. 108.). Nessa
perspectiva, o profissional de História – que também está inserido nesse
contexto de mudanças culturais e avalanches de informações – deve
apropriar-se desses meios como ferramenta pedagógica. Um dos meios que
mais podem ser proveitosos para o ensino de História são as histórias em
quadrinhos. Para José Maria Neto:

“a literatura em geral, e os quadrinhos em especial, emergem como


poderosos elementos para o aprendizado desta História, pois estão repletas
de inquietações, servem às comemorações e rememorações da realidade,
propiciam novas estratégias de ensino e a produção do conhecimento
histórico sob a capa da espontaneidade.” (SOUZA NETO, 2016, p. 131).

Partindo dessa perspectiva, os quadrinhos, apesar de partirem do campo


ficcional, trazem consigo um leque de possibilidades de interpretações sobre
o passado retratado e abrem espaço para as mais variadas discussões em
sala, dependendo da finalidade que o profissional de História dará para essa
ferramenta e do interesse do mesmo e dos alunos (WERGUEIRO, 2005, p.
22). Dentro da perspectiva educacional brasileira, Paulo Ramos, em seu
livro “A leitura dos quadrinhos”, mostra a relação entre quadrinhos e
educação:

“a presença deles [os quadrinhos] nas provas de vestibular, a sua inclusão


no PCN (Parâmetro Curricular Brasileiro) e a distribuição de obras ao ensino
fundamental (por meio do Programa Nacional Biblioteca na Escola) levaram
obrigatoriamente a linguagem dos quadrinhos para dentro da escola e para
a realidade pedagógica do professor.” (RAMOS, 2014, p. 13)

Uma vez que os quadrinhos fazem parte do universo cotidiano dos


educandos, é necessário que o professor busque entender os fundamentos
da linguagem dos quadrinhos e preparar-se metodológica e teoricamente
para a utilização dos mesmos em sua vivência profissional. Em outras
palavras, “ler quadrinhos é ler sua linguagem. Dominá-la, mesmo que em
seus conceitos mais básicos, é condição para a plena compreensão da
história e para a aplicação dos quadrinhos em sala de aula e em pesquisas.”
(RAMOS, 2014, p. 30)

A partir da apropriação dos procedimentos teórico-metodológicos


adequados pelo professor de História Antiga, os quadrinhos, segundo Túlio
Vilela, tornam-se “mais um recurso pedagógico que pode trazer bons
resultados se bem empregados” (VILELA, 2005, p. 106).
Não obstante, assim como qualquer fonte histórica, as obras ficcionais são
fruto de seu tempo, ou seja, possuem um contexto de criação que deve ser
levado em consideração. Como já afirma Paulo Ramos, “quem produz a
obra tem uma intenção ao escrevê-la” (RAMOS, 2014, p. 19). Em
concordância com Ramos, Túlio Vilela enfatiza que “toda obra de ficção Aprendendo
histórica fornece mais informações a respeito da época em que foi criada do História:
que sobre a época em que é ambientada” (VILELA, 2005, p. 109). Nesse MÍDIAS
sentido, o professor de História Antiga deve estar atento ao uso dos Página | 315
quadrinhos em sala de aula. É ele quem deve mediar a leitura dos
quadrinhos, chamando atenção às imprecisões históricas contidas nas
obras, por exemplo. Como bem salientou José Maria Neto, apesar de
haverem imprecisões em determinadas obras, “ao invés de provocar a
rejeição da obra na sala de aula, elas devem, pelo contrário, servir ao
aprendizado” (SOUZA NETO, 2016, p. 134). Porém, a intervenção do
professor é imprescindível no momento do aprendizado, tomando os “erros”
como ponto de partida para “informações historicamente corretas” (VILELA,
2005, p. 121) e discussões, contribuindo de forma positiva para construção
do conhecimento histórico.

Conforme discutido anteriormente, as histórias em quadrinhos possuem um


potencial pedagógico ímpar se bem utilizado pelo professor de História,
fornecendo ao professor que lida com a leitura dos quadrinhos “amplas
oportunidades de envolvimento com seus alunos” (SOUZA NETO, 2016, p.
135). Quadrinhos que buscam representar a Antiguidade – construtores,
portanto, de uma cultura histórica – servem ao propósito da aprendizagem
sobre o período representado. Ademais, quadrinhos que dialogam com as
fontes clássicas expandem as discussões em sala de aula. Nesse grupo,
destaca-se a Graphic Novel ‘Os 300 de Esparta’, de Frank Miller.

Lançado em 1998, em 5 edições pela Dark Horse Comics, o quadrinho


retrata o episódio da Batalha das Termópilas (480 a.C.) durante as Guerras
Médicas, entre gregos e persas. No universo criado por Frank Miller, os
guerreiros espartanos são representados como bravos guerreiros, corajosos
e defensores da liberdade, lutando contra um inimigo – neste caso, os
persas – que veio para subjugar a Hélade e os helenos.

Segundo André Reinke, diversas cenas contidas na obra de Miller “remetem


diretamente às informações contidas na ‘História’ de Heródoto” (REINKE,
2013, p. 14). Considerado o “pai” da História, Heródoto foi o primeiro a se
preocupar em registrar os eventos históricos através do olhar investigativo,
para que os acontecimentos humanos não se percam na linha da História
(HERÓDOTO, livro I, introdução)

A narrativa de Heródoto, especificamente no relato sobre a Batalha das


Termópilas, demonstra uma perspectiva heroica e mítica dos gregos
defendendo a Hélade contra o inimigo persa – discurso este apontado por
André Leitão: “Contudo, o discurso a quem chamamos de ‘pai da História’ é
um tanto quanto subjectivo (...) e profundamente enraizado no místico, no
sagrado e no divino, o que retira por vezes alguma credibilidade ao seu
testemunho” (LEITÃO, 2010, p. 208).

Deve-se enfatizar, porém, que a proposta aqui não é discutir a questão da


verossimilhança da obra de Heródoto como verdade histórica, mas
Aprendendo estabelecer comparações com a obra ficcional de Frank Miller – que se
História: apropriou do evento registrado pela fonte historiográfica, dos vestígios
MÍDIAS históricos e das informações relacionadas à cultura grega para construir a
Página | 316 narrativa de sua obra – e trabalhar algumas dessas comparações – e
imprecisões, em alguns momentos – como ferramenta de abertura para a
discussão e construção do conhecimento histórico em sala de aula.

É importante destacar que Frank Miller, apesar de ter feito uma pesquisa
histórica – até certo ponto – para construir sua narrativa, não possui o
compromisso que o historiador de ofício tem. Miller é um quadrinista,
voltado para um “mercado ávido por novidades no qual a imaginação tem a
primazia” (REINKE, 2013, p. 30). Ao contrário do meio ficcional, “a
historiografia tem a incessante busca da verdade do que houve,
prerrogativa que ela não pode deixar, ao custo de perder sua função”
(LIMA, 2006, p. 21 apud REINKE, 2013, p. 32). André Reinke defenderá,
porém, que o autor é considerado um historiador do ethos antigo: Assim
como Heródoto, atua como pesquisador de fontes históricas e parte de uma
operação historiográfica para construir sua narrativa. Entretanto, Heródoto
e Miller não pertencem à História enquanto instituição, que segue moldes e
técnicas preestabelecidas. Sobre esta afirmação, Reinke complementa:

“O quadrinista realizou uma tarefa de historiador em ‘Os 300 de Esparta’;


se comportou como um historiador antigo, quando ainda não havia uma
instituição – a História enquanto academia – e pares aos quais se reportar e
com os quais constróis a historiografia a partir de regras, técnicas e atitude
intelectual.” (REINKE, 2013, p. 33)

A pesquisa de Frank Miller em Heródoto torna-se perceptível em toda a sua


obra. Para retratar as Guerras Médicas – e a Batalha das Termópilas – Miller
utiliza-se das informações contidas na ‘História’, alterando, por vezes, a
ordem dos fatos – gerando imprecisões – para atender aos propósitos de
sua narrativa. Exemplo dessa mudança os fatos é quando o Rei Leônidas
atira os emissários de Xerxes em um poço.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 317

Fig. 1
(MILLER, 2015)

De acordo com a narrativa de Heródoto, o fato é que tal episódio não


ocorreu no contexto na 2ª Guerra Médica, empreendida por Xerxes, mas
por seu pai, Dario, na 1ª guerra:

“Xerxes não havia mandado arautos a Atenas nem a Esparta para pedir a
vassalagem da terra e da água pela seguinte razão: quando Dareios os
tinha mandado anteriormente como o mesmo objetivo, os atenienses os
haviam lançado ao Báratron e os espartanos a um poço, dizendo as arautos
para tirarem de lá a terra e a água a ser levadas ao rei; (HERÓDOTO, livro
VII, 133)

Analisando a imagem, nota-se que até o discurso de Leônidas se assemelha


com o do relato de Heródoto. A “terra e a água” referida pelos espartanos
da 1ª Guerra Médica aparece na fala de Leônidas. Frank Miller, além de
colocar as falas e os discursos de Heródoto na boca de seus personagens,
faz uma alteração consciente do fato ocorrido “para caber na sua proposta
de apresentar os espartanos como indiferentes às convenções que os outros
povos prezavam” (REINKE, 2013, p. 35). A proposta de Frank Miller é
mostrar os espartanos como valentes e bravos guerreiros. Uma cena que
demonstra tal bravura é quando o hoplita Stelios replica uma ameaça vinda
de um comandante persa:
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 318

Fig. 2
(MILLER, 2015)

O que se deve levar em consideração é que a fala imponente de Stelios não


é atribuída a ele, mas a Diecenes, segundo a narrativa de Heródoto:

“Os lacedemônios e os téspios se comportaram com coragem igual, mas


segundo se diz um homem sobrepujou todos os outros em bravura – o
espartano Diecenes –, que de acordo com esses relatos teria se
pronunciado as palavras mencionadas a seguir antes de entrar em combate
com os medos: ouvindo um dos traquínios dizer que, quando os bárbaros
disparavam os arcos, o sol era ocultado pela enorme quantidade de suas
flechas – tão grande era o seu número – ele, sem se perturbar e sem dar a
menor importância à imensidão das tropas medas, teria dito que a notícia
trazida pelo estrangeiro de Traquis era excelente, pois se os medos
escondiam o sol os helenos iriam combatê-los à sombra, e não ao sol. Além
dessas palavras citam-se outras análogas do lacedemônio Diecenes, que
perenizam a sua memória.” (HERÓDOTO, livro VII, 226)

Apesar disso, Miller, assim como sua fonte, ressalta a determinação e a


bravura dos guerreiros espartanos frente ao inimigo, embora faça uma
manipulação consciente dos discursos dos personagens.

Partindo do que fora discutido em parte sobre a alteração dos fatos por
Miller, tais alterações e imprecisões podem servir como questionamentos e
abrindo debates em sala de aula, como por exemplo a representação dos
espartanos como guerreiros indiferentes. No quadrinho, os espartanos não
se importam com a morte dos emissários. Em contrapartida, os espartanos
de Heródoto consideram a morte dos mensageiros “algo indigno e que seria
alvo de castigo pelos deuses” (REINKE, 2013, p. 36).

“Após o incidente supra-mencionado [a morte dos emissários], os


espartanos não conseguiam obter presságios favoráveis quando ofereciam
sacrifícios. (...) Aflitos e desolados com essa situação, os lacedemônios se Aprendendo
reuniram em numerosas assembleias e fizeram uma proclamação através História:
de um arauto para saber se algum de seus concidadãos se dispunha a MÍDIAS
morrer por Esparta; Spertias, filho de Anéristos, e Búlis, filho de Nicôlaos, Página | 319
(...) ofereceram-se para ir à presença de Xérxes a fim de sofrer a punição
pelo assassínio dos arautos de Dareios cometido em Esparta. Os espartanos
mandaram-nos em seguida aos medos para ser mortos.” (HERÓDOTO, livro
VII, 134)

Não somente a representação dos espartanos, mas também a dos persas


surge como um elemento de discussão em sala. Como bem pontuou José
Maria Neto, a representação dos gregos como heróis e defensores da
liberdade e os persas como bárbaros horrendos surge como posição
excelente para a discussão histórica e, “amparado nela, o profissional de
História tem à disposição um amplo leque de possibilidades para abordar o
conteúdo” (SOUZA NETO, 2016, p. 136). O retrato dos persas nos ‘300 de
Esparta’ está longe de ser uma representação própria de Miller. O
quadrinista traduz em imagens e palavras o que está em voga desde a
Antiguidade: o Oriente sendo visto como oposto, bárbaro e horrendo, em
oposição a um Ocidente livre, detentor da liberdade e da justiça. Para
François Hartog, “as guerras médicas serviram como certamente de
catalizador para a oposição entre gregos e bárbaros” (HARTOG, 2003, p.
101-102) e tal oposição não se extinguiu:

“o Ocidente se constitui como espaço em oposição polêmica ao Oriente, à


Ásia, e tem buscado naquelas que considera suas raízes primárias, a Grécia,
a expressão mais recuada deste choque, onde encontrou a descrição da
liberdade, da participação política, da individualidade e da autonomia, em
contraposição aos asiáticos dominados e subservientes.” (SOUZA NETO,
2016, p. 136)

A cena do avanço persa frente ao exército espartano mostra explicitamente


essa “tradução” em imagens e palavras à respeito dos persas:
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 320

Fig. 3
(MILLER, 2015)

“Feras do deserto” e “bárbaros uivando” são suficientes para demonstrar


essa oposição. Os persas são homens escravizados (Cf HERÓDOTO, livro
VII, 53 e 56) e escravizadores, de pele escura e feições disformes,
enquanto os espartanos são mostrados como homens de barba cerrada,
longos cabelos e faces duras e longilíneas. As cem nações caindo sobre os
espartanos – aludindo às informações de Heródoto (Cf HERÓDOTO, Livro
VII, 62-80)– revelam também uma possível louvação aos gregos, como
discute Leitão:

“Esta hiperbolização do número de combatentes persas (...) pode (...), e


talvez até com maior probabilidade, traduzir uma estratégia de
enaltecimento daqueles que virão a ser derrotados (os helenos) – ao pôr
toda sua ênfase nos cinco milhões de bárbaros que combatem contra um
pequeno punhado de homens, Heródoto consegue provocar, nos seus
leitores, uma identificação com a parte mais fraca, e tornará
verdadeiramente grandiloquente a derrota helênica, catapultando os
vencidos para a glória.” (LEITÃO, 2010, p. 219)

Assim como Heródoto, Frank Miller também se propõe em causar impacto


ao leitor. “Cem nações caem sobre nós” produz uma sensação de grande
perigo. Outras sensações também são desencadeadas ao longo da obra
através dos aspectos visuais. Em outras palavras, a síntese de sensações
“se torna ainda mais operacional nos quadrinhos pela possibilidade do autor
trazer imagens sobrepostas por palavras que instigam a interpretação do
leitor por meio de diversos recursos visuais que produzem sensações e
interpretações por parte do leitor” (REINKE, 2013, p. 17). Complementando
a questão dos elementos estéticos em relação às emoções e interpretações,
nos quadrinhos, Scott McCloud discute:
“Muitas experiências humanas podem ser retratadas em quadrinhos através
de palavras e figuras. (...) Em quadrinhos, as palavras e imagens são como
parceiros de dança (...), quando cada parceiro assume seu papel, e se
apoiam mutualmente, os quadrinhos podem se equiparar a qualquer uma
das formas de arte da qual extrai seu potencial.” (MCCLOUD, 2005. p. 152
e 156) Aprendendo
História:
Considerações finais MÍDIAS
A proposta do uso das histórias em quadrinhos como ferramenta Página | 321
pedagógica vem ao encontro dos diálogos estabelecidos ao longo das
últimas décadas entre os vários campos da historiografia, e que se
cristalizam no plano comum do Ensino da História: atravessa
transversalmente os conhecimentos (da Antiguidade à Contemporaneidade,
através da imagem e das histórias em quadrinhos) no intuito de provocar a
reflexão e o debate nos futuros professores de História e nos alunos da rede
de ensino básico, estimulando-os à reflexão enquanto sujeitos no mundo e
atentos ao seu papel como produtores de conhecimento, formadores de
pessoas e cidadãos conscientes em seu meio.

Referências
Márcio Vitor Santos é Mestrando em História pelo Programa de Pós-
Graduação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (PGH - UFRPE),
graduado em Licenciatura em História pela UPE e é membro do Leitorado
Antiguo. O trabalho teve orientação do Prof. Dr. José Maria Gomes de Souza
Neto.

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4.


ed. São Paulo: Cortez, 2011.

HARTOG, François. Os antigos, o passado e o presente. Brasília: Editora


Universidade de Brasília, 2003.

HERÓDOTO. História. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985.

MCCLOUD, Scott. Desvendando os quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2005.

MILLER, Frank. Os 300 de Esparta. 4. ed. São Paulo: Devir, 2015.

LEITÃO, André O. As Termópilas (480 a.C), entre o mito e a realidade:


perspectivas. In: SANTOS, António R. dos; VARANDAS, José (org.). A
guerra na Antiguidade III. Portugal: Caleidoscópio, 2010.

RAMOS, Paulo. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: contexto, 2014.

REINKE, André D. Isto é Esparta!: a operação historiográfica na construção


ficcional dos quadrinhos Os 300 de Esparta de Frank Miller. 2013. 67 f.
Monografia (graduação em Licenciatura em História). Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
SOUZA NETO, José Maria Gomes de. ENSINO DA HISTÓRIA ANTIGA E ARTE
SEQUENCIAL: ESBOÇOS INTRODUTÓRIOS. In: BUENO, André;
ESTACHESKI, Dulceli; CREMA, Everton (orgs). Para um novo amanhã:
visões sobre aprendizagem histórica. Rio de Janeiro/União da Vitória: Edição
LAPHIS/Sobre Ontens, 2016, p. 130-141.
Aprendendo
História: VILELA, Túlio. Os quadrinhos na aula de História. In: RAMA, Angela et al.
MÍDIAS Como usar os quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005.
Página | 322
WALDOMIRO, Vergueiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Angela et al.
Como usar os quadrinhos na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2005.
“A DESCOBERTA DA AMÉRICA” EM HQ: UMA POSSIBILIDADE DE
METODOLOGIA PARA O ENSINO DE HISTÓRIA
Mateus Delalibera

Introdução Aprendendo
A priori, se faz necessário explicar, de antemão, o que em si são as HQs História:
(histórias em quadrinhos), isto é, “imagens pictóricas e outras, justaposta MÍDIAS
em sequência deliberadas destinada a transmitir informação e/ou produzir Página | 323
uma resposta no espectador. ” MCCLOUD (1995 apud MATOS, 2018). Nelas
há um diálogo sempre presente entre imagem e texto, havendo, assim,
sobre a questão imagética detalhes da ilustração como cores,
movimentação, ângulos da cena, espaço, caracterização física entre outros
fatores que são fundamentais para entender a história. Sobre o texto, as
HQs estão repletas de figuras de linguagens como onomatopeias, além de
discursos irônicos, humorísticos, dramáticos, entre outros gêneros,
dependendo do estilo e público específico de cada HQ ou editora.

Tendo seu nascimento incerto nos Estados Unidos da América no século


XIX, as HQs levavam através de um teor educativo, fundamentos para
divulgação de ideais relativos a religião, a política e a própria pedagogia. No
século XX viu se expandir as fronteiras e países como China, França e Brasil
também tiveram sua participação na história dessa arte. É especificamente
sobre o Brasil que, o pesquisador Douglas Lima considera a criação dos
quadrinhos com fins, especificamente, educativos no século XX e como
estes foram de suma importância para tal período nacional. Contudo, foi
apenas em 1996-7 com a LDB (Leis de Diretrizes e Bases da Educação) e
PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) que com a inserção de novas
formas de linguagem para a educação iniciou-se o processo de inclusão das
HQs nas escolas. Por conseguinte, 2005-6, foram importantes anos para
esse universo também, havendo a criação de um órgão governamental
(Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que acabou comprando
uma série de gibis para fomentar a leitura e ainda, eventos nacionais para
discussão e apreciação de leitores-fãs.

Ademais, Vergueiro, um dos maiores pesquisadores da temática, cita


inúmeros benefícios que as práticas do ensino de história aliada com as HQs
podendo promover um meio crítico e versátil, contribuindo para o
desenvolvimento do conhecimento do estudante, bem como a imaginação
deste e sua percepção de mundo. Assim sendo, as histórias em quadrinhos
se postulam como uma nova fonte da pesquisa historiográfica, segundo a
Escola dos Annales e da contribuição da História Cultural para percepção de
outros elementos que não apenas os econômicos e oficiais. Nessa lógica, o
professor para seu uso, deve:

“...ter em mente que uma história em quadrinhos é uma obra de ficção que
retrata as ideias do autor e o contexto do período no qual foi produzida.
Portanto, ela pode conter, por vezes, lacunas uma vez que não possuem
compromisso explícito em retratar a realidade. ” (NOGUEIRA, 2005, p. 6)
Diferentes aspectos do ofício de historiador, como problematizações e
percepção de anacronismo são necessárias para a análise das histórias em
quadrinhos com temáticas históricas. Esses dois elementos importantes no
meio acadêmico de História nada mais são que parte de construções de
uma realidade, sendo, portanto, o que Will Eisner apud Palhares irá definir
Aprendendo em 1999, de arte sequencial, ou seja, veículos que fazem ligações entre
História: conhecimento histórico e meios de comunicação de massa. É nesse mesmo
MÍDIAS sentido que para a pesquisadora Palhares:
Página | 324
“Os quadrinhos são, inegavelmente, um poderoso veículo de comunicação,
capaz de atingir com eficácia um grande número de consumidores dos mais
diversos setores sociais e, portanto, capazes de divulgar valores e questões
culturais que não devem ser simplesmente assimilados, mas avaliados e
criticados. Os quadrinhos podem ser percebidos como um produto artístico
possível tanto de promover comunicação em um nível estético, quanto de
sugerir questionamentos dentro de uma realidade social.” (PALHARES,
2008, p.11)

Assim, cada HQs possui sua particularidade, e, portanto, para o


planejamento desse tipo de metodologia para o ensino dentro da sala de
aula haverá algumas HQs que requererão do professor uma maior atenção,
mantendo uma postura de professor-mediador. Entre os exemplos de obras
assim, tem a coleção ‘Você sabia?’, de “A Turma da Mônica” do Maurício de
Souza, no qual os quadrinhos dessa, oferecem uma série sobre datas
comemorativas, no qual Lima, declara:

“As contribuições dessa história em quadrinho e da coleção para o ensino de


História são inúmeras, mostrando-se uma forma de aproximar o estudante
de uma temática chave da constituição do mundo moderno...No entanto,
cabe ao historiador problematizar a construção da narrativa histórica
presente na HQ”. (LIMA, 2017, p. 166)

É nesse mesmo sentido de já haver um material formado contendo


personagens e histórias fixas, como é o caso da Turma da Monica, e que se
apropriará de outras temáticas (datas comemorativas, entre outros) que o
devido artigo irá se fundamentar tendo em vista: a importância do ensino
de História utilizando da metodologia de HQs; a série de HQs da Disney
intitulada ‘Clássicos da Literatura’, inspirada no livro ‘Diários da Descoberta
da América’ escrito por Cristóvão Colombo e que será será tema para uma
história chamada “O Caminho das Índias”; e por fim, na proposta de uma
aula com a referida história.

HQ e Disney
A série de desenhos animados estrelado por Mickey Mouse foi, sem dúvidas,
um dos maiores sucessos do universo Walt Disney, tendo, inclusive, lançado
em 1930, em jornais dos EUA, inúmeras tiras de quadrinhos em que o
ratinho dividia espaço com seus amigos (animais-humanizados). O sucesso
de púbico foi tão grande que na mesma década outros países começaram a
comercializar as publicações de histórias produzidas por artistas de outras
nações, como Inglaterra e Itália, principalmente.
Com o passar das décadas, as histórias de Mickey e sua turma tomaram
diversas direções, contando com publicações em outros países como
Holanda, Dinamarca e até o Brasil, com personagens próprios como é o
caso do papagaio, Zé Carioca. Em 2010, no Brasil, uma nova fase dos
quadrinhos foi publicada pela editora Abril, baseada na série italiana Aprendendo
‘Clásicos de La Literatura’. Essa coleção que reúne uma coletânea de História:
histórias em quadrinhos escritas e desenhadas por artistas italianos como MÍDIAS
espécies de parodias de obras literárias. Herskovic definirá essas histórias Página | 325
como “novos textos em uma mídia distinta, pois une texto e imagem e
transpõe elementos dos textos originais nesse novo formato” e ainda
estabelecendo que “A série se apropria de elementos de outros textos
criando intertextos. ”

A respeito de obras da literatura clássica, a coleção conta ainda com


algumas que mesclam plenamente com a História. Esse é o caso do
específico gibi intitulado ‘A Descoberta da América’ e que como a própria
introdução do gibi declara sendo “A mais fascinante empreitada do
homem...”. Inspirado no livro escrito pelo navegador genovês, Cristóvão
Colombo (1451-1506), o livro ‘Diários da Descoberta da América’, foi
publicado no Brasil em 1998. As quatro histórias presente no gibi recaem
sobre questões “clichês” desse período histórico, estritamente eurocêntricas
e de narrativas destinado a um público para entretenimento e não
necessariamente fiel aos fatos históricos propriamente ditos.

Considerações sobre o Ensino de História da América Colonial


A respeito da temática América Colonial, os pesquisadores Luis Estevam
Fernandes e Marcus Vinicius de Moraes constatam que houve uma
tripartição do seu ensino dentro dos modelos historiográficos. A primeira é a
visão eurocêntrica e cientificista, essa estruturada principalmente pela
História acadêmica do século XIX, e que teve como principais historiadores,
o alemão Ranke. Esse, em suas teses de História adotava a metodologia
cientifica por meio de fontes oficiais, promovendo a figura do europeu como
a do dominador e o indígena como o do passivo da situação. Além dele, o
norte-americano, Prescott, adotava os conceitos de civilização e barbárie
como forma de classificação e depois no século XX, o etnólogo francês,
Soustelle, tentava inserir a Europa na América, o que os autores irão criticar
essa visão, pois a “América que não pode ser entendida como bloco único e
que não pode ser vista à sombra da Europa” (FERNANDES; MORAES, 2016,
p.146).

Ademais, a segunda visão é a da tradição lascasiana. Essa visão dominada


pelas fontes escritas pelo padre dominicano, Bartolomeu de Las Casas,
primeiro bispo de Chiapas, acabava por não questionar a dominação, mas
sim, o modo como este processo estava sendo empregado nas Américas, ou
seja, com muita violência, seja individual ou institucional. Como vítima do
processo e assumindo uma posição derrotista ao nativo, estes tinham que
servir a Igreja Católica, mostrando, portanto, a influência da Igreja Católica
no período.
Por fim, o mito dos vencedores e vencidos, propostos por autores
contemporâneos. Essa linha tenta mesclar o passado indígena com o
colonizador, no qual, tem-se o exemplo de Galeano com a obra ‘As veias
abertas da América Latina’, com uma América parece estar predestinada ao
que aconteceu. Nos manuais didáticos tradicionais, o teor economicista não
Aprendendo deixa espaço para outros aspectos que são tão importantes quanto, o que
História: se configura também como uma crítica a supervalorização de uma temática
MÍDIAS e desprezo por outras.
Página | 326
Percebe-se, assim, que os autores com muita dedicação se debruçaram na
pesquisa e concluem que a máxima sobre estudar a América, mas também
a própria História é a busca por identidade. A história em quadrinho
proposta como atividade de leitura, interpretação e produção “O Caminho
das Índias” terá como ponto de perspectiva entre a primeira e a terceira
visão. Dessa forma, o professor na relação passado-presente, não pode
sobrepor a ótica eurocêntrica tradicional, mas ao invés, dar à aula de
História, um espaço para novas possibilidades e oportunidades,
problematizando e desconstruindo.

Apresentação da HQ da Disney
O volume 34 da série Clássicos da Literatura produzidas pela editora Abril e
Disney, terá como tema e título “ A Descoberta da América”. O gibi traz
quatro histórias em sequência inspirados no livro de Cristóvão Colombo,
“Diários da Descoberta da América” contendo ao todo 130 páginas. As
demais histórias em quadrinhos do gibi são: “A Quarta Caravela” (2006), “A
Verdadeira História do Descobrimento da América” (1995) e “Os Homens do
Norte” (2004). Todas as narrativas apresentam introdução,
desenvolvimento e conclusão e possuem clássica estrutura de tempo,
espaço, personagens (heróis e vilões) e enredo. A segunda história
intitulada “O Caminho das Índias” (2003) foi escolhida tendo por
justificativa que é a única dentre as quatro que possui na narrativa um
contato do europeu com o nativo, mostrando esse atravessando o oceano, e
morando na Europa. Essa visão pacifica dos nativos e harmônica do
contato com os europeus é a crítica central apresentada por mim para
produzir uma aula destinada ao ensino fundamental II.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 327

Fig.1
Fonte: Clássicos da literatura Disney, p. 39. v. 34

A segunda história e foco desse trabalho, foi publicada em 2003, se chama


“O Caminho das Indias” e teve como escritor do roteiro, Giorgio Pezzin e
como ilustrador, Paolo Mottura. A história é situada no Reino de Fernando
Aprendendo de Aragão e Isabel de Castela, no ano de 1492, mais especificadamente,
História: em uma pousada na estrada de Palos (importante porto da época e pelo
MÍDIAS qual Colombo teria desancorado). Assim, de forma misteriosa, um rapaz
Página | 328 (Colombo) teria pedido um quarto e Mickey que lavava louças no local teria
ouvido os comentários de quem havia presenciado a entrada do navegador.
Esse, acreditava que a Terra era redonda e, portanto, queria chegar ás
Índias pelo Ocidente. Cheios de dúvidas sobre as teorias, Mestre Alonso
(dono do estabelecimento) e Mickey comentam sobre o navegador ter
inimigos na Corte e, então, terem que guardar segredo.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 329

Fig. 2
Fonte: Clássicos da literatura Disney, p. 42, v. 34.

Ademais, naquela noite que Mickey tinha ficado até tarde esfregando o
chão, dois homens armados entram em ação e Mickey acaba conseguindo
avisar a tempo dos capatazes fazerem qualquer mal ao navegador
Aprendendo hospedado. Assim, dois dias após esse acontecido, as três embarcações
História: lideradas por Colombo partem. Mickey ficou na Nina tendo que lavar o
MÍDIAS convés a pedido do “falastrão” Contramestre Bafón (Bafo de Onça, famoso
Página | 330 inimigo de Mickey nas histórias clássicas). Dentro da embarcação, Mickey
conhece Sancho Hernandez (navegador Francisco Hernández de Córdova),
no qual este contou para o personagem sobre o navegador Cristóvão
Colombo, o caminho para as Índias sem precisar “pedágio” e ainda a
importância das sedas e especiarias, essas para dar sabor à comida e
conservar a carne.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 331

Fig. 3
Fonte: Clássicos da literatura Disney, p. 51, v. 34.
Após a conversa com Sancho, Mickey não consegue dormir pensando nas
possibilidades que aquela viagem o traria. “Fizeram uma escala” nas Ilhas
Canarias e depois disso o oceano a frente. Cansados de tanto navegar,
Bifón já estava querendo voltar. Então, Colombo decide dar um prêmio de
10 mil meravedis (antiga moeda espanhola) para quem avistasse terra.
Aprendendo Mickey logo após um conflito com o “vilão”, acaba declarando “Terra à
História: vista”. Desembarcando de forma pacífica, é apresentada a famosa questão
MÍDIAS da troca de espelho por ouro entre nativo e europeu. Bifón tenta tirar
Página | 332 mérito da situação, procurando mais ouro.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 333

Fig. 4 e Fig.5
Fonte: Clássicos da literatura Disney, p. 58-9, v. 34.

Mickey viu que o carrasco estava querendo se aproveitar e foi atrás para
impedi-lo, porém foi pego e amarrado a um tronco próximo a maré que
estava a subir, até que um nativo, Patet (Pateta) aparece e o salva. Patet
comenta que não salvou a cabana dos amigos dele que foi destruída, uma
vez que Bifón queria as “pedras amarelas” (ouro), mas o personagem o
mandou para a área dos “mil beliscões” (vespeiro gigante). Patet, em
seguida, leva Mickey para a aldeia dele, no qual a decisão das pessoas
Aprendendo aportadas serem inimigos ou amigos é colocada em questão, segundo as
História: possibilidades daqueles estrangeiros em fazer grande canoa, por exemplo.
MÍDIAS O líder toma a decisão de considera-los como inimigos e Patet não concorda
Página | 334 com a atitude “selvagem”, indo emburrado para o seu quarto com Mickey.
Assim, inúmeros guerreiros começam a atirar flechas nos personagens que
saem correndo e encontram as embarcações espanholas que já estão
voltando para a Europa. Os dois nadam até as embarcações para seguir
viagem.

No início de 1493, a expedição, então retorna a Espanha, sem ter


encontrado as tais especiarias, o que deixa alguns desconfiados e Mickey
pensa na decepção de Minnie. Logo, Colombo cumpre seu acordo e entrega
a Mickey os 10 mil maravedis de ouro por ter avistado a terra e este
compra uma fazenda. Patet mostra que trouxe uma espiga de milho e eles
começam a cultivar aquele vegetal. Ao final da história, parece que todos
gostavam daquela planta cultivada e Mickey vê Patet esculpindo uma peça
de ouro, dizendo ter visto algo parecido com aquilo na terra dos astecas,
lugar onde tem muito mais daquilo (esculturas em ouro). Patet, então diz
que o levará lá na próxima vez e que Mickey ficará rico, mas o personagem
logo refuta e diz que a riqueza que precisava já havia encontrado.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 335

Fig. 6
Fonte: Clássicos da literatura Disney, p. 73, v. 34.

A seguir, um plano de aula produzido como possibilidade de HQ no ensino


de História da América Colonial:
Plano de aula
Aulas: 3 aulas (50 minutos cada).
Estudantes: Ensino Fundamental II.
Objetivos:
 Apresentar por meio de uma HQ, o período da Conquista da América, bem
Aprendendo como as questões que a circundam.
História:  Compreender os conceitos e problematizações feitas pela historiografia
MÍDIAS sobre a Descoberta/Conquista/Invasão da América e o período colonial
 Ter fundamentos imagéticos básicos sobre o vestuário, sobre a
Página | 336
ambientação, condições de trabalho, embarcações, cidades astecas, etc.
 Possibilitar a desconstrução do período entre Grandes Navegações e
Conquista da América

Metodologia:
 Contextualização sobre HQ

 Leitura de HQ
 Interpretação imagética
 Discussão
 Produção de HQ (História em Quadrinhos).

Recursos:
 Datashow (celular, se for disponibilizado pelo celular).

 Papel, lápis, lápis de colorir, canetas, fita adesiva e barbante.

Sequencia didática:
Aula 1:
 Contextualização sobre HQ e sobre Disney
 Leitura (através de escaneamento e compartilhado por celular ou por
exibido por Datashow)
Aula 2:
 Observação das imagens/desenhos: Ambiente, vestimentas, condições de
trabalho, porto, embarcações, chegada na América, nativos e suas roupas,
cidade, escultura em ouro, milho.
 Discussão e problematização: Cristóvão Colombo, terra redonda, Tratado
com a Rainha Isabel, especiarias, seda, amigo ou inimigo, Marco Polo,
pacíficos, espelho, ouro, flechas, tranquilidade na Europa.

Aula 3:
 Produção: Pode ser individual, dupla ou trio, com a ajuda, se possível, da
professora de Português e Arte sobre os seguintes temas: a)
Desconstrução da visão romantizada/heroica da Europa e navegações ou a
História da América pelo viés dos nativos.
Avaliação:
 Atenção na leitura da HQ e interação nas discussões
 Produção de HQs entre os temas propostos
 Apresentação de HQs para a turma

Tabela 1: Plano de Aula


Fonte: Elaborada pelo autor, 2019.
Demais histórias da HQ “A Descoberta da América”
A primeira história foi produzida em 2006 e se chama “Mickey e a Quarta
Caravela”, inédita no Brasil conta a história do Mickey que no presente indo
fazer uma viagem para pescar com seu amigo Horácio é surpreendido pelos
professores Zapotec e Marlin. Estes após encontrar um desenho numa Aprendendo
garrafa com quatro embarcações de Colombo do dia 13 de agosto de 1492, História:
entregam a ambos a missão de voltar no tempo através de uma máquina e MÍDIAS
rever o que aconteceu nesse caminho, uma vez que “todos falam” que o Página | 337
navegador partiu em três navios (Santa Maria, Pinta e Nina), e no dia 3 de
agosto.

A terceira história foi produzida em 1995 e se chama “A Verdadeira História


do Descobrimento da América”. De forma interessante que a história tendo
uma protagonista feminina, Margherita (a pata Margarida) se desenrolará
de como ela, Donaldo (Pato Donald) e Cristóvão Colombo a partir dos
sonhos da infância, cresceram e Margherita e Donaldo, se tornarão noivos,
porém miseráveis. Contudo, o projeto dela de navegar através do Ocidente
e encontrar um novo caminho para as Índias, fará ser humilhada pela corte
de Genova, mas apoiada pela Rainha Isabel da Espanha, esta vista como
“benevolente”. Entretanto, no dia da viagem, algumas coisas dão errado, ao
que Colombo viaja primeiro com as embarcações concedidas, voando longe
(como colomba em espanhol significa pombo) e Donaldo, acaba pagando o
pato.

A quarta e última história foi produzida em 2004 e se chama “Os Homens


do Norte”. A história remonta ao ano de 1000 d.C na costa da Bretanha
quando Mickey, um ilustrador de miniaturas, acaba tendo a terra invadida
por navios noruegueses. Em um primeiro ficarão todos com muito medo,
mas depois perceberam se tratar de homens pacíficos. Levado como meio
de ajudar Patetik (Pateta), herdeiro do rei Thorwald, e para ilustrar
histórias, o personagem na trama que contará com tanto na aldeia viking,
quanto no mar, processo pelo qual quase farão descobrir a América através
do Canadá.

Conclusão
Em tese, pelo que haja visto, as histórias em quadrinhos podem ser
utilizadas pelos educadores como uma metodologia acessível e de profunda
fonte de conhecimento, isso, é claro, quando possível. Tanto as pesquisas
quanto a publicações destas no mercado fazem parte de um crescente
processo que viabilizará e legitimará ainda mais a arte sequencial como um
produto da cultura humana. As HQs em si, podem ser uma forma
interessante de entrar em contato com a realidade de outros países e a
própria do Brasil de maneira que supere a História única e abra espaço para
outros sujeitos que não apenas os dominantes.

Trazer para as aulas/discussões a realidade do estudante, assim como


estimulava Paulo Freire, e além, que trabalhe com o lúdico faz com que haja
uma aproximação com a disciplina História ao invés de vê-la como inimiga
no processo educativo. Como mecanismo pedagógico, os quadrinhos podem
ser utilizados em uma perspectiva transdisciplinar, como por exemplo traçar
uma análise transversal que envolva o professor de História, Artes, Língua
Portuguesa, Geografia e em alguns casos, Ciências e Língua Estrangeira é
uma possibilidade também. É, portanto, “graças a seu caráter lúdico e
formas simples de se comunicar, os quadrinhos conquistaram posição de
Aprendendo prestígio na construção dos saberes. ” (PALHARES, 2008, p.12).
História:
MÍDIAS Referências
Página | 338 Mateus Delalibera: Discente do curso de licenciatura em História (4º
período) pela UFTM (Universidade Federal do Triângulo Mineiro). Membro do
grupo de extensão JADEH (Jogos de Aprendizagem Dinâmica no Ensino de
História), bolsista pelo PIBID e voluntário de IC (Iniciação Científica).

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Pedagógica para o Ensino de História. Disponível em: < História:
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2262-8.pdf> MÍDIAS
Acesso em: 21 de fevereiro de 2019 Página | 339
SANTOS, Roberto Elísio dos. A PRODUÇÃO DE HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
DISNEY NO BRASIL. Disponível em: <http://www.rua.ufscar.br/a-producao-
de-historias-em-quadrinhos-disney-no-brasil/> Acesso em: 21 de fevereiro
de 2019
LETRAMENTO DIGITAL:
USO DO YOUTUBE PARA ALÉM DA SALA DE AULA
Priscila Nascimento Marcelino
Nismária Alves David
Aprendendo
História:
MÍDIAS O texto aborda o letramento digital, a partir da utilização da mídia social
Página | 340 YouTube como um meio de estender o conhecimento para além da sala de
aula. Para isto, foi realizado um estudo de caso com os alunos do 6º ano da
Escola Caminho Feliz, na cidade de Pires do Rio, Goiás, este, pautado no
uso de questionário. Como fundamentação teórica, utilizou-se Gonnet
(2004), Gomes Júnior e Gonçalves (2016), Buckingham (2003), Burgess e
Green (2009), Soares (2003), Oliveira (2015), Castells (1999), entre outros
relevantes. Os resultados alcançados foram satisfatórios, visto que as
respostas dos alunos foram positivas quanto ao uso do YouTube para ajudar
na aprendizagem, demonstrando a eficácia e a importância da utilização
dessa mídia pelos educadores.

Introdução
As mídias, segundo Jacques Gonnet (2004) são definidas como o
equipamento técnico que permite aos homens comunicar a expressão de
seu pensamento quaisquer que sejam a forma e a finalidade desta
expressão, e podem ser divididas em três categorias: mídias tradicionais,
mídias emergentes e/ou alternativas e mídias sociais. Sua heterogeneidade
surgiu com a chamada Web 2.0, termo criado em 2004 que,

“Descreve uma nova maneira pela qual os desenvolvedores de software e


usuários finais começaram a usar a World Wide Web como uma plataforma
onde os conteúdos e aplicações não são mais criados e publicados apenas
por certos indivíduos, mas são continuamente modificados por todos os
usuários de forma participativa e colaborativa (KAPLAN; HAENLEIN, 2010
apud ROSA; POELLHUBER, 2014, p. 252, tradução)”.

Com a Web 2.0, as mídias sociais tiveram grande amplitude e passaram a


ser usadas para conhecer pessoas, compartilhar vídeos, fotos, fazer
comentários, enfim, uma gama de recursos que conectam as pessoas. Em
se tratando desta gama de recursos, têm-se as chamadas Tecnologias
Educativas (TE) que, segundo Carlos Gomes Junior e Anderson Gonçalves
(2016), envolvem um conjunto de conhecimentos que podem ser utilizados
na educação, e entre elas estão as Tecnologia de Informação e
Comunicação (TICs) como, por exemplo, “o e-mail, as redes sociais,
armazenamento e compartilhamento em nuvem [...] que tem a capacidade
de transpor as barreiras geográficas e conectar alunos e professores fora da
sala de aula” (GOMES JUNIOR; GONÇALVES, 2016, p. 106).

Neste texto aborda-se a mídia social YouTube, visando responder à


problemática de que se é possível utilizá-la para estender o conhecimento
para além da sala de aula, tendo em vista as dificuldades apresentadas
pelos alunos do 6º ano da Escola Caminho Feliz, da cidade de Pires do Rio
(GO). A escolha tanto do tema quanto do local a ser feito o estudo,
justifica-se pela experiência como professora de História na referida escola,
e por ter notado que alguns alunos possuem dificuldades de concentração e
de absorção dos conteúdos trabalhados nas aulas, gerando, assim,
contratempos ao realizar os trabalhos propostos. Além disso, justifica-se,
pela importância de se trabalhar com tecnologias digitais, o que é uma das Aprendendo
competências gerais da Base Comum Curricular Nacional (BNCC). História:
MÍDIAS
A professora de História mencionada usa o YouTube para publicar vídeos Página | 341
produzidos por ela, com os conteúdos estudados na sala de aula. Devido a
isso, a pesquisa de campo se pautou na aplicação de um questionário a ser
respondido pelos alunos.

Porém, para pensar em utilizar o YouTube como uma ferramenta para o


ensino, é preciso que a professora tenha conhecimento do recurso que quer
utilizar (YouTube), tendo em vista suas potencialidades. Surge aqui a
perceptível importância de a professora vivenciar as práticas de letramento
digital.

Segundo Magda Soares (2003) letramento é o resultado da ação de ensinar


e aprender a ler e escrever em diversos contextos formais, informais e para
usos utilitários. Por isso, há um leque diverso de tipos de letramentos, tais
como o letramento digital, o letramento multimídia, o letramento em SMS,
o letramento em jogos, etc., e cada um com características distintas. O
letramento digital, segundo Buckingham (2003, apud BARCELOS et al.,
2011, p. 02) refere-se a conhecimentos, habilidades e competências
necessárias para usar e interpretar mídias. Ou seja, ele se mostra além de
uma questão funcional de aprender a usar o computador ou de fazer
pesquisas na Internet. Ele mostra a necessidade de entender e usar as
mídias, o que é importante para o professor prender a atenção do aluno, e
usá-las como ferramenta de ensino, sendo esta a principal relevância desta
pesquisa.

A mídia social YouTube


O site do YouTube, foi fundado oficialmente em junho de 2005 pelos ex-
funcionários do site de comércio on-line PayPal, Chad Hurley, Steve Chen e
Jawed Karim. A inovação para a época, segundo Burgess e Green (2009, p.
17) era de ordem tecnológica, pois ele estava entre os vários serviços que
tentavam melhorar o compartilhamento de vídeos na Internet:

“Esse site disponibilizava uma interface bastante simples e integrada,


dentro da qual o usuário podia fazer o upload, publicar e assistir vídeos em
streaming sem necessidade de altos níveis de conhecimento técnico e
dentro das restrições tecnológicas dos programas de navegação padrão e da
relativamente modesta largura de banda. (BURGESS; GREEN, 2009, p.
17).”

No site, uma pessoa podia enviar um vídeo produzido por ela, assistir
vídeos em tempo real, sem ter conhecimentos técnicos para isso, porém,
diferente de como o site está hoje, os vídeos tinham um limite de duração.
Segundo Castells (1999, p. 13), em julho de 2007, o YouTube lançou 18
sites associados, e um site especialmente para usuários de celular, o que o
transformou “no maior meio de comunicação de massa do mundo”
(CASTELLS, 1999, p. 13), ou seja, em uma mídia de massa.

Aprendendo O momento de sucesso do YouTube, chegou em outubro de 2006, quando a


História: empresa Google pagou 1,65 bilhões de dólares por ele. No começo de 2008,
MÍDIAS já figurava de maneira consistente entre os dez sites mais visitados do
Página | 342 mundo (BURGESS; GREEN, 2009, p. 18) e, em abril do mesmo ano, já
hospedava em torno de 85 milhões de vídeos. Todavia, vale ressaltar que
“como empresa de mídia, o YouTube é uma plataforma e um agregador de
conteúdo, embora não seja uma produtora do conteúdo em si” (BURGESS;
GREEN, 2009, p. 21), isto é, os usuários fornecem o conteúdo que, por usa
vez, atrai novos participantes e novas audiências (BURGESS; GREEN, 2009,
p. 21).

O YouTube brasileiro por exemplo, apresenta uma gama enorme de vídeos


com conteúdo variados: educação, jogos, culinária, filmes, séries, desenhos
animados, beleza, ciência, etc., estes podendo ser amadores ou
profissionais. É interessante destacar o uso dele por professores, como é o
caso da professora citada nesta pesquisa, que produz conteúdo em vídeo e
disponibiliza para seus alunos, uma realidade não só dela, mas de outros
professores que também fazem uso do site como ferramenta de ensino. Ou
então, por aqueles que não produzem conteúdos, mas que utilizam vídeos
de outros professores em sala de aula, como mencionado por Luana Bispo e
Kelly Barros (2016), em seu artigo ‘Vídeos do YouTube como recurso
didático para o ensino de História’.

Dentre conteúdos voltados para o ensino, pode-se mencionar os vídeos com


conteúdo científico produzidos por professores de grandes universidades
brasileiras, como é o caso do paleontólogo Paulo Miranda do Nascimento,
conhecido como Pirula, e do biólogo Atila Iamarino, entre tantos outros.

Percebe-se assim, a importância de conhecer a história do YouTube, para o


que ele serve, quais suas características principais, que tipos de conteúdo
são publicados nele, para usá-lo como uma TIC, ou seja, agindo conforme
prega o letramento digital, que será abordado no tópico seguinte.

O Letramento Digital
Inúmeras pesquisas em torno das áreas da educação, letras e linguística,
têm se preocupado em apontar a origem e o conceito do termo letramento.
Dentre elas, destacam-se as pesquisas de Soares (2003), Ana Elisa Ribeiro
(2003), Angela Kleiman (2008), as quais, segundo Carla Moreira (2012, p.
02):

“Procuram apresentar considerações importantes sobre o letramento, tendo


em vista que estamos vivendo em uma sociedade moderna, em meio a
várias tecnologias, por isso, é necessária uma visão mais ampla desse
conceito para que as pessoas procurem se adaptar a uma nova realidade: a
era digital”.
Assim, não se tem um conceito exato do que é o letramento, pois cada
autor faz uma interpretação diferente. Kleiman (2008) considera-o como
uma prática que não envolve necessariamente as atividades específicas de
ler ou escrever, mas um “conjunto de práticas sociais que usam a escrita
enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos Aprendendo
específicos, para objetivos específicos” (KLEIMAN, 2008 apud MOREIRA, História:
2012, p. 02). Para Soares (2003 apud MOREIRA, 2012, p. 02), o conceito MÍDIAS
de letramento “ultrapassa o ato de ler e escrever, pois o sujeito precisa Página | 343
fazer uso dessas práticas” em diversos contextos formais, informais e para
usos utilitários. Surge assim, vários tipos de letramento: em rede,
multimídia, digital, móvel, em jogos, em informação, entre outros.

O letramento digital vai muito mais além do saber ler e escrever ou navegar
na Internet. Ele inclui a capacidade de buscar, localizar, compreender,
avaliar e usar a informação em meio digital, em seus vários formatos, isto
é, a capacidade de interpretar as mídias. E não menos importante, “a
capacidade de compreender e utilizar o computador e softwares” (UNIVESP.
Letramento digital - Aula 28, on-line).

Ser letrado digitalmente é de suma importância na era digital,


especialmente quando esta se torna uma exigência na educação. O
professor precisa conhecer e como já dito, interpretar as mídias para
conseguir passar conhecimento aos seus alunos de forma que estes se
sintam mais interessados em aprender, visto que os próprios alunos já
chegam na escola com várias novidades da era digital. E não só isso, a
BNCC, traz em suas competências gerais, pontos que deixam claro a
necessidade de compreender e saber utilizar as TICs, as mídias sociais e de
se utilizar diferentes linguagens, inclusive a digital:

“1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o


mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva. 4. Utilizar diferentes linguagens – verbal
(oral ou visual-motora, como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e
digital –, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e
científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos em diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao
entendimento mútuo. 5. Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de
informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética
nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comunicar,
acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos, resolver
problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva.
(BNCC, 2018, grifo nosso).”

Como será abordado a seguir, a professora usa seu conhecimento em


letramento digital como um meio de auxiliar suas aulas fora da sala de aula.

Uso do YouTube
Como forma de auxiliar os alunos do 6º ano da Escola Caminho Feliz, na
disciplina de História, a professora destes produz vídeos para serem
publicados na plataforma do YouTube. Para isto, ela utiliza o computador e
um software chamado Camtasia Studio 9, em que é possível gravar vídeo e
som, editar vídeos, capturar a tela do computador simultaneamente, fazer
Aprendendo anotações, entre outras funções.
História:
MÍDIAS Ele é um programa fácil de ser usado, não necessitando de ter experiência
Página | 344 com edições e, até mesmo, os próprios alunos podem fazer seus vídeos se
bem orientados. O uso deste software, no contexto educacional, demonstra
que o conhecimento das ferramentas dele e suas funcionalidades por parte
da professora, são ações que compõem uma prática de letramento digital.
Vale ressaltar que este letramento não está isolado dos demais
letramentos. Como afirma Warschauer (2006, apud BARCELOS et al., 2011,
p. 05): “O letramento digital não está isolado dos letramentos praticados
com material impresso, mas envolvem novas possibilidades, apresentadas
na mídia eletrônica.”

Não é necessário que o professor abandone as outras formas de letramento,


mas que as utilize em conjunto com as demais, para possibilitar novos
aprendizados e conhecimentos. A imagem 1 e 2 mostram a interface do
software Camtasia Studio 9, onde é notável que a mesma é bem intuitiva,
apesar de a linguagem ser em inglês.

Imagem 1: Interface do Camtasia Studio 9.


Fonte: Print- MARCELINO, Priscila, 2018.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 345

Imagem 2: Detalhe.

Tem-se a possibilidade, como mostram as imagens, de gravar som e vídeo


clicando no ícone “Record”, acrescentar anotações através do “Annotations”,
colocar transições com o “Transitions”, importar um vídeo gravado com o
celular, por exemplo.

Utilizando o Camtasia Studio 9, a professora então, faz seus vídeos


gravando imagem e som. E capturando a tela do computador, são
apresentados slides (feitos por ela) com os conteúdos estudados em sala.
Os vídeos são publicados no canal intitulado Prih’s Channel, no YouTube.
Um exemplo de vídeo publicado no referido canal, é o das imagens 3, 4 e 5.
Na imagem 3, é apresentado o layout inicial do canal Prih’s Channel. Nas
demais imagens, é exposto um trecho do vídeo, intitulado Revisão para a
Prova de História - A Civilização Grega, e o feedback dos alunos, onde eles
comentam, curtem e tiram suas dúvidas.

Imagem 3: Página Inicial do Canal Prih’s Channel.


Fonte: Print- MARCELINO, Priscila, 2018.
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 346

Imagem 4: Trecho do Vídeo.


Fonte: Print- MARCELINO, Priscila, 2018.

Imagem 5: Feedback dos alunos (comentários).


Fonte: Print- MARCELINO, Priscila, 2018.

Nota-se com alguns dos comentários e das visualizações, que o vídeo foi
assistido não só pelos alunos do 6º ano da Escola Caminho Feliz, mas
também por outras pessoas que ao pesquisarem sobre o tema,
encontraram o vídeo. Assim, é importante saber as opiniões dos alunos
sobre este trabalho realizado pela professora, o que foi possível através da
aplicação do questionário.

Estudo de Caso
O estudo de caso elaborado para auferir as opiniões dos alunos sobre a
disponibilização dos vídeos se torna notável, pois com base nele pode-se
vislumbrar se esta forma de utilizar uma mídia social para obter
conhecimento para além da sala de aula é possível e eficaz. Para tanto, este
estudo foi realizado através de um questionário contendo nove perguntas.
Participaram da pesquisa nove alunos (respondentes), todos com a idade de
doze anos, sendo estes cinco do sexo feminino e quatro do sexo masculino.
Aprendendo
As perguntas: 1 - Você conhece a plataforma do YouTube? Se sim, quando História:
a conheceu? 2 - Com que frequência você costuma utilizar o YouTube? 3 - MÍDIAS
Para quais fins você o utiliza? Cite alguns dos conteúdos ou canais que você Página | 347
acompanha. 4 - Você gosta do YouTube? Justifique. 5 - Você acredita que o
YouTube pode ser um recurso didático para o professor, dentro e fora da
sala de aula? Justifique. 6 - A professora de História de vocês, faz vídeos
com revisões e publica no YouTube. Como vocês avaliam os vídeos
produzidos por ela? 7 - Os vídeos produzidos pela professora de História,
ajudam vocês nas provas e nas demais atividades propostas por ela?
Justifique. 8 - Quando assistem aos vídeos produzidos pela professora de
História, vocês conseguem fazer, por exemplo, uma prova com maior
facilidade? 9 - Vocês gostariam que a professora de História, continuasse a
produzir vídeos com os conteúdos das aulas? Justifique.

Por motivo de espaço, as respostas dos alunos serão abordadas aqui de


maneira geral, mas sem alterar a integridade dos dados. Assim, destaca-se
que todos os alunos responderam que conheciam o YouTube e que tiveram
contato com ele entre os anos de 2011 e 2014, além de acessarem todos os
dias. Os canais que eles mais assistem são de jogos e comédia, salvo os da
professora citada e outros educativos, que segundo eles, são para ajudar
nos trabalhos escolares. De acordo com 100% deles, o YouTube pode sim
ser um recurso para o professor, pois eles gostam e preferem ver vídeos do
que ler e ainda afirmam que gostariam que a professora continuasse com
os vídeos, e alguns até deram dicas para que esses vídeos pudessem
melhorar.

Em vista dos argumentos apresentados, e com os resultados do estudo de


caso, é possível perceber a aceitação pelos vídeos e a contribuição dos
mesmos para a vida escolar dos alunos.

Considerações Finais
Em virtude da discussão e dos fatos mencionados, ficou evidente que a
mídia social YouTube é um meio de estender o conhecimento dos alunos
para além da sala de aula, incentivando-os a estudarem mais e melhorando
o entendimento dos conteúdos que antes eram disponibilizados pela
professora somente durante a aula e de forma escrita.

Cada aluno possui uma maneira própria de estudar, de absorver o


conhecimento, que às vezes fica difícil durante as aulas. Mas em sua casa,
ele pode estudar no seu ritmo, o que proporciona melhor aprendizado.
Sobre esse aspecto, Oliveira et al. (2015, p. 80) afirma:

“Dessa maneira as tecnologias de informação e comunicação operam como


molas propulsoras e recursos dinâmicos de educação, à proporção que
quando bem utilizadas pelos educadores e educandos proporcionam a
intensificação e a melhoria das práticas pedagógicas desenvolvidas em sala
de aula e fora dela. “

O professor, nesse processo, precisa tomar as mídias e as tecnologias como


Aprendendo suas aliadas, como uma contribuição no processo de ensino-aprendizagem.
História: Talvez sejam necessárias capacitações e treinamentos, para que esses
MÍDIAS professores se sintam seguros na utilização desses recursos, mas é algo
Página | 348 que pode ser alcançado. Aliás, a Base Nacional Comum Curricular propõe
como competência que os professores saibam lidar com as tecnologias, com
as mídias, especialmente porque os alunos, já chegam à escola letrados
digitalmente, e o professor precisa acompanhar essa “novidade”, para não
cair na famosa frase “temos escolas do século XIX, professores do século
XX e alunos do século XXI”, dita por Viviane Senna durante o Seminário,
Mulheres Líderes.

Conclui-se que, é necessário que o professor tenha conhecimento do


letramento digital, ou seja, saiba utilizar as mídias de forma a ajudar os
alunos. Isso significa que o professor deve aprender a ensinar, pois, como
Emerson Rolkouski (2011, p. 102) afirma: “O uso da tecnologia está além
do ‘fazer melhor’, ‘fazer mais rápido’, trata-se de um ‘fazer diferente’”.

Referências
Priscila Nascimento Marcelino: autora. É Especialista em Letramento,
Alfabetização e Inclusão e também graduada em Licenciatura em História,
ambas pela Universidade Estadual de Goiás/Câmpus Pires do Rio.
Nismária Alves David: orientadora. É Doutora em Letras e Linguística pela
Universidade Federal de Goiás e Pós-Doutora em Estudos Culturais pelo
Programa Avançado de Cultura Contemporânea da Universidade Federal do
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ROLKOUSKI, E. Tecnologias no ensino de matemática. Curitiba: Ibpex,


2011.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte:


Autêntica, 2003.

YOUTUBE, Univesp. Letramento digital - Aula 28 - Do letramento digital ao


poder digital. Disponível no site:
https://www.youtube.com/watch?v=dCHvoByEaPI&t=553s. Acesso em:
05/01/19.
ESTUDANDO HISTÓRIA A PARTIR DO CINEMA: IMPORTÂNCIA E
VANTAGENS DO USO DE FILMES NAS AULAS DE HISTÓRIA
Raimundo Nonato Santos de Sousa

Aprendendo A relação entre o ensino de História e o cinema pode ser muito proveitosa,
História: uma vez que os filmes, quando bem inseridos em sala de aula, podem
MÍDIAS tornar as aulas de História mais atrativas e dinâmicas, além é claro de
Página | 350 auxiliar no desenvolvimento da capacidade crítica dos estudantes,
colaborando inclusive para a socialização do conteúdo trabalhado pelo
professor (a).

É sabido que as narrativas fílmicas possuem características próprias e


apesar de muitas vezes tratarem de um mesmo assunto, suas abordagens
sobre o passado são distintas umas das outras. Também cabe destacar que
o cinema possui um enredo essencialmente ficcional, ou seja, os filmes não
reproduzem uma realidade histórica nos seus pormenores, mas sim
representam uma maneira específica de abordá-la.

Desse modo, conclui-se que toda produção fílmica traz consigo a


intencionalidade de quem a produziu. Por esse motivo, é importante o
professor debater o conteúdo e a mensagem do filme com os alunos, a fim
de evitar entendimentos equivocados.

Até pouco tempo atrás, os professores olhavam para o cinema como


“empecilho ao aprendizado ou concorrente incômodo e difícil de ser vencido
no processo de educação escolar” (BITTENCOURT, 2004, p. 372).
Entretanto, hoje se reconhece que o cinema é um tipo de linguagem que
permite a mediação didática e a prática da aprendizagem.

Bittencourt no seu livro ‘Ensino de História’ (2004), mostra que o pouco uso
dos recursos audiovisuais nas aulas pode ser explicado pelo fato de que
muitos professores ainda nutrem certo preconceito em relação a esses
recursos, por não conhecerem o real potencial benéfico deles aplicável em
sala de aula.

Felizmente, essa realidade vem se modificando. O que prova isso é o fato


de que hoje o cinema é visto como ferramenta educativa, conforme destaca
Napolitano:

“[...] trabalhar com o cinema em sala de aula é ajudar a escola a


reencontrar a cultura ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema é
o campo no qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais mais
amplos são sintetizados numa mesma obra de arte.” [NAPOLITANO, 2003,
p.11]

Apesar de ser do conhecimento público que uma parcela dos professores de


História utiliza os recursos fílmicos em suas aulas, sabe-se também, em
contrapartida, que existem muitos outros que não possuem conhecimentos
acerca da importância da utilização desses recursos, visto que em muitos
cursos de licenciatura em História, não são oferecidos conteúdos referentes
a este tema, cabendo assim aos professores dispostos a desenvolver um
trabalho didático diferenciado buscar esses conhecimentos
espontaneamente.

É possível que isso também explique o fato de ser comum a metodologia Aprendendo
errônea que alguns professores aplicam ao trabalhar com os recursos História:
fílmicos, sendo esta constituída apenas pela exibição do filme, entendido MÍDIAS
nessa perspectiva como um mero instrumento ilustrativo ou como uma Página | 351
solução para a falta de planejamento.

A respeito disso, Fonseca (2004), nos diz que:

“[...] com relação à operacionalização do trabalho em sala de aula,


acreditamos ser de extrema importância à preparação prévia do professor,
ou seja, ele deve ter domínio em relação ao filme e clareza total da inserção
do filme no curso, bem como dos objetivos e do trabalho a ser realizado
após a projeção.” [FONSECA, 2004, p.181 apud VIGLUS, p.8]

Com base no autor citado acima, pode-se concluir que sempre é necessário
o professor se preparar para sua atuação em sala de aula. Afinal será isso
que garantirá o atingimento dos objetivos propostos

Independentemente do seu conteúdo, a produção fílmica sempre traz


informações sobre o mundo. Por esta razão, é oportuno associá-lo aos
conteúdos escolares. Sobre isso, faz-se necessário destacar que a
linguagem fílmica é repleta de símbolos e de significados, e em função disso
é da responsabilidade do professor estimular a turma a refletir sobre o
filme, contextualizando-o com os temas estudados na aula.

Em razão disso, é importante o professor assistir o filme completo, fazer um


levantamento sobre a sua produção, verificar o público para o qual o filme
se destina, e propor articulações do material fílmico exibido com outras
fontes. Evidentemente não é necessário exibir o filme todo, já que pode ser
mais vantajoso selecionar trechos que sejam mais interessantes e
correlatos aos assuntos abordados em sala de aula.

Também é imprescindível que o filme seja estudado como um documento


de determinada época. Para ilustrar, muito se tem utilizado o filme Tempos
Modernos, como uma representação do mundo moderno e industrializado.
No entanto, esse filme deve ser estudado, antes de qualquer coisa, como
um documento daquele contexto histórico. Afinal, só dessa maneira a
exibição do filme produzirá discussão, reflexão e posicionamento crítico por
parte dos alunos.

A seguir seguem-se algumas indicações de filmes que podem ser inseridos a


contento nas aulas de História, a depender dos conteúdos que estejam
sendo trabalhados pelo professor (a) dessa disciplina:

Narradores de Javé
Narradores de Javé. CAFFÉ, Eliane. Produção: Vania Catani, André
Montenegro. Brasil: Bananeira Filmes, 2004, 100min.

O filme é uma ótima sugestão para trabalhar com os alunos a relação entre
memória e história. O enredo dessa produção centra-se na história de um
Aprendendo povoado, chamado Javé, que está prestes a ser destruído por causa da
História: construção de uma usina hidrelétrica. Como uma forma de impedir a
MÍDIAS destruição do povoado, os moradores decidem escrever a história dele.
Página | 352 Então, eles vão atrás dos habitantes para redigir a história da cidade, mas
cada um tem uma versão singular da origem do povoado.

Guerra de Canudos
Guerra de Canudos. REZENDE, Sérgio. Brasil: Columbia Pictures do Brasil,
1997, 2h50min.

O filme é ótimo para se trabalhar um dos acontecimentos mais marcantes


que ocorreu no período da Primeira República no Brasil: A Guerra de
Canudos, eclodida no sertão baiano no final do século XIX. A narrativa do
filme aborda a trajetória de uma família que segue o líder Antônio
Conselheiro, que junto com outros seguidores constroem a comunidade
sertaneja de Canudos. Essa comunidade possui regulamentação própria, e
seus habitantes são opostos às mudanças impostas na sociedade com a
introdução da República.

Referências
Raimundo Nonato Santos de Sousa é Acadêmico do 6∘ período do curso de
Licenciatura em História da Universidade Estadual do Maranhão – UEMA,
pesquisador-bolsista PIBIC/FAPEMA e pesquisador-colaborador
UNIVERSAL/FAPEMA.

BITTENCOURT, Circe M. F. Ensino de História: fundamentos e métodos. São


Paulo: Cortez, 2004.

NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo:


Contexto, 2003.

VIGLUS, D. O filme na sala de aula: um aprendizado prazeroso. Disponível


em: <http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/>. Acesso em: 10 de fev.
2019.
ENCURTANDO CAMINHOS: DIÁLOGO ENTRE A ACADEMIA E O
ENSINO BÁSICO ATRAVÉS DE JOGOS DIDÁTICOS
Ristephany Kelly da Silva Leite
Luana Ramalho de Sá Leite
Aprendendo
História:
A produção historiográfica norte-rio-grandense acerca do período colônia da MÍDIAS
América portuguesa têm se atualizado nos últimos anos, no entanto, estes Página | 353
conteúdos não têm sido trabalhados nas escolas de Educação Básica do
estado do Rio Grande do Norte com a frequência devida. No presente
trabalho, pretendemos discutir a inserção destes conteúdos através de
jogos didáticos desenvolvidos na Base de Pesquisa “Formação dos Espaços
Coloniais” – FEC/CNPq. Expondo a participação de populações que foram
marginalizadas ao longo da história (como os grupos indígenas, a população
escravizada e os chamados “vadios”) pretende-se inserir conteúdos pouco
explorados nas escolas de Educação Básica, principalmente pela abordagem
educacional atual, que prioriza conteúdos abordados em seleções de
vestibular ou no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), deixando em
segundo plano, ou por vezes não explorando, os conteúdos de História
regional e local.

Introdução
Há muito se tem utilizado jogos didáticos para ajudar no processo de
ensino-aprendizagem desenvolvido nas escolas e mesmo nas casas de
crianças e adolescentes em formação. Atividades lúdicas tendem a atrair de
maneira mais eficaz pessoas em formação, pois “na sociedade do
conhecimento todas as experiências aprendidas devem não só ser
adquiridas com a obrigação que lhes compete, mas também pelo gosto de
cada um aprender e então conciliar essas aprendizagens com o lazer”
(MIDÕES, 2014: 10). Desta forma, é importante que as atividades de
aprendizado tragam elementos associados ao prazer, para que as crianças e
adolescentes sintam-se cada vez mais atraídos e adquiram o hábito de
procurar o conhecimento, não o encarando somente como uma obrigação.
Com temas abordados nos trabalhos desenvolvidos na Base de Pesquisa
“Formação dos Espaços Coloniais”: Economia, sociedade e cultura (base da
qual os projetos que deram origem à ideia de elaboração de jogos para
exposição na Semana de Ciência, Tecnologia e Cultura da UFRN) – CIENTEC
- são parte integrante), versando sobre o período colonial da América
portuguesa.

Ressalta-se que nos últimos anos, muitos trabalhos desenvolvidos nos


programas de graduação e pós-graduação da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN), tem revisitado a história colonial da capitania do
Rio Grande do Norte, e trazido à luz novas visões sobre a atuação dos
diversos agentes históricos que constituíam esta capitania. Haja vista estes
conteúdos, por mais que estejam sendo revistos no âmbito acadêmico,
ainda não terem chegado às escolas de Educação Básica do estado do Rio
Grande do Norte, o trabalho com jogos didáticos servirá para estreitas essa
distância que há entre o conhecimento produzido nas universidades e o
conteúdo ensinado na Educação Básica.

A produção acadêmica e o ensino de História local


Aprendendo Nas últimas décadas, o ensino de História Local tem sido preterido nas
História: grades curriculares das escolas públicas do estado do Rio Grande do Norte.
MÍDIAS Isto se deve ao crescente estímulo das escolas, principalmente as dos anos
Página | 354 finais do Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, a adotarem modelos
avaliativos similares ao aplicado no Exame Nacional do Ensino Médio
(ENEM).

Em contrapartida a este movimento, percebe-se um número crescente de


trabalhos acadêmicos que versam sobre realidades locais, revisitando temas
e se utilizando de novas abordagens. O crescimento do número de
programas de pós-graduação no país foi um fator decisivo nesta nova
configuração acadêmica. No entanto, ainda é inquietante a falta de diálogo
existente entre o conhecimento que é produzido na academia e o
conhecimento produzido nas escolas de ensino básico. Considerando estes
dois tipos de conhecimento, deve-se refletir sobre

“as diferenças presentes nesses espaços de conhecimento distintos e a


possível relação entre eles, já que não se trata de uma simples transmissão
de conhecimento, no caso, da academia para a escola, do conhecimento
científico para o escolar. As especificidades desses espaços e os objetivos
do conhecimento da história, para cada uma deles, requerem as devidas
adequações, pois a produção do conhecimento histórico na academia é
diferente da produção do conhecimento histórico escolar. Porém deve existir
uma relação estreita entre eles” (BARBOSA, 2006).

Desta forma, acredita-se que deveria haver um maior estreitamento nesta


relação entre os conhecimentos produzidos na academia e no Ensino Básico,
sobretudo no tocante a História Local, já que “conhecer a História Local é
um dos pré-requisitos para se conhecer melhor os processos históricos em
nível regional, nacional e global, além do que [...], contribui para o
fortalecimento das identidades das pessoas para com os lugares onde
nasceram/habitam” (MACEDO, 2017: 61). A importância do estudo da
História Local reside em demonstrar como por meio de um determinado
recorte espacial, se pode estabelecer nexos com contextos mais amplos e
evidenciar que ambas as realidades estão intrinsecamente relacionadas.

Utilização de jogos e temas abordados


Pensando nesta perspectiva de aproximação entre os conhecimentos
produzidos na academia e na Educação Básico, foi decidido abordar novos
métodos do ensino para tornar as aulas mais dinâmicas e atrativas para o
alunado. Desta forma, foi adotado o trabalho com jogos didáticos, frutos
das discussões desenvolvidas na Base de Pesquisa “Formação dos Espaços
Coloniais” – FEC/CNPq, e produzidos pelos integrantes da base.
A princípio, os jogos seriam expostos anualmente na Semana de Ciência,
Tecnologia e Cultura (CIENTEC) da UFRN, e ajudariam os integrantes na
disseminação dos novos estudos universitários em seus estágios
curriculares obrigatórios para a obtenção do título de licenciado em História.
Como a base aborda temas voltados aos múltiplos agentes que constituíam
a América portuguesa, a equipe resolveu trabalhar e valorizar, através do Aprendendo
tema da pluralidade cultural existente no período, a participação dos História:
agentes históricos na construção da sociedade brasileira, a qual se reflete MÍDIAS
até os dias atuais. A temática da pluralidade cultural foi escolhida para que Página | 355
os participantes possam

“estabelecer identidades e diferenças com outros indivíduos e com grupos


sociais presentes na realidade vivida [...]. É, simultaneamente, permitir a
introdução dos alunos na compreensão das diversas formas de relações
sociais e a perspectiva de que as histórias individuais se integram e fazem
parte do que se denomina História nacional e de outros lugares” (NETO,
1999: 68).

Desse modo, os jogadores poderão perceber, na comunidade em que estão


inseridos, sua participação e a de outros agentes. Poderão, por exemplo,
sentir-se estimulados a conhecer comunidades remanescentes indígenas ou
de quilombolas no estado ou no país; perceberão continuidades do modo de
vida colonial nos dias atuais, tais como a devoção ao catolicismo ou a
pluralidade de religiões de matrizes africanas e indígenas; problematizarão
a exploração humana por meio da escravidão. Acima de tudo, perceberão
que tanto europeus, quanto africanos e indígenas foram agentes históricos.

Também se ressalta a importância de esclarecer algumas informações para


os participantes, pois como reza o ditado popular, “o desconhecimento gera
preconceito”; assim, se os participantes desconhecem informações a
respeito dos grupos componentes da sociedade colonial da América
portuguesa, possivelmente terão uma visão equivocada a respeito destes
grupos.

A equipe se baseou nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), pois o


objetivo final dos jogos é que eles possam ser reelaborados por professores
e produzidos, em conjunto com os alunos, nas escolas da rede pública do
Estado, haja vista os materiais com os quais os jogos são produzidos não
terem uma aquisição dispendiosa e a fabricação deles ser possível no
ambiente escolar. Estas escolhas são tomadas considerando a participação
dos alunos da educação básica e dos visitantes da CIENTEC na construção
da História, na problematização do conteúdo, sua análise e discussão.

Desse modo, os jogos foram elaborados para abordar a vivência dos


diversos agentes sociais do período colonial, como por exemplo, os
indígenas. Trabalhando com os indígenas, será aplicado um jogo de RPG
(role-playing game), no qual os personagens a serem interpretados pelos
participantes são indígenas que vivem na segunda metade do século XVIII
e, de acordo com as escolhas feitas pelos jogadores, vão vivenciando as
múltiplas possibilidades diante do advento colonial. Além disso, em outros
jogos, como o “CS: Cultura e sociedade no Brasil colonial”, foram abordados
os elos com os europeus através dos primeiros contatos, do convívio e da
resistência indígena ao trabalho forçado ou à conversão. O “Jogo das
etnias”, por sua vez, trouxe o elemento africano, que já vinha sendo
abordado em outros jogos. Esse jogo nasceu da necessidade de se olhar
Aprendendo exclusivamente para as sociedades africanas, em virtude do
História: desconhecimento da estrutura organizacional dessas sociedades
MÍDIAS escravizadas na América portuguesa. Foi trabalhada, em suma, a
Página | 356 pluralidade cultural, por forma a afirmar a agência dos diversos povos que
habitavam as terras da América portuguesa, deixando de lado a visão de
dominação dos portugueses e evidenciando a contraposição com as
negociações que indígenas e africanos faziam, e também com suas formas
de resistência. Partindo desse pressuposto, pensamos os jogos como:

[...] exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação do real à


atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e
transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso,
os métodos ativos de educação das crianças exigem que se forneça às
crianças um material conveniente, a fim de que, jogando elas cheguem a
assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à
inteligência infantil (PIAGET, 1976).

Em todos os jogos foram contempladas a Lei 10.639/2003 e/ou a Lei


11.645/2008, em maior ou menor grau de intensidade. Considera-se
importante abordar estas questões em sala de aula para que a formação
cidadã dos alunos, que se inicia no ambiente escolar em conjunção com a
educação familiar, também seja contemplada, reforçando-se o primeiro
objetivo listado nos PCN’s: “Compreender a cidadania como participação
social e política, assim como exercício de direitos e deveres políticos, civis e
sociais, adotando, no dia-a-dia, atitudes de solidariedade, cooperação e
repúdio às injustiças, respeitando o outro e exigindo para si o mesmo
respeito” (BRASIL, 1998: 07). Objetivou-se, deste modo, promover o
respeito pelas diferenças socioculturais existentes e rebater pressupostos
preconceituosos, salientando que, como cada um dos participantes, todos
se inserem em uma dada sociedade e são cidadãos iguais e com os mesmos
direitos perante a lei, e que, como tal, assim devem ser respeitados.

Considerações finais
Apresentou-se aqui, a formulação dos jogos didáticos desenvolvidos na
Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais” e executados Semana
de Ciência, Tecnologia e Cultural na Universidade Federal do Rio Grande do
Norte entre os anos de 2013 e 2018, e em salas de aula de estágio
supervisionado de alguns discentes de licenciatura em História da UFRN.
Diante do exposto anteriormente, evidencia-se a importância da produção
do conhecimento no âmbito da História Local, sobretudo com temáticas do
período em que parte da América estava sob o julgo da Coroa portuguesa e
era denominada de América portuguesa, na qual houve a confluência de
diversas culturas e visões de mundo. Havendo ainda, a preocupação de
levantar possibilidades de divulgação e veiculação de maneira mais
facilitada dos conteúdos que abarcam essa área do conhecimento.
Ao perceber que havia uma ausência de metodologias diversas nas aulas de
história, utilizou-se jogos didáticos como novo mecanismo de atratividade e
dinamização das aulas. A utilização de jogos didáticos no ensino de História,
sobretudo de História Local, mostra-se como uma excelente ferramenta
metodológica para abordar de maneira lúdica e cativante temas tão pouco Aprendendo
explorados na rede Básica de ensino. História:
MÍDIAS
Salienta-se que este é um trabalho teórico, explicitando como foram Página | 357
elaborados e de onde surgiu a necessidade de trabalhar com jogos
didáticos. Para a elaboração e aplicação dos jogos precisa-se de uma equipe
ampla, sendo assim, os resultados da aplicação dos jogos são elaboradas
sempre coletivamente, estando estes resultados apresentados no trabalho
intitulado “Jogos como ferramenta didática para o Ensino de História da
América Portuguesa”, também submetido para este congresso.

Referências
Luana Ramalho de Sá Leite - Mestranda do Programa de Pós-Graduação da
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação do Professor
Doutor Lígio José de Oliveira Maia. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/2111578662611708.

Ristephany Kelly da Silva Leite - Mestranda do Programa de Pós-Graduação


da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, sob orientação do
Professor Doutor Lígio José de Oliveira Maia. Bolsista CAPES e integrante da
Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais” – FEC/CNPq. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/9939858498437022.

BARBOSA, Vilma de Lurdes. Ensino de História Local: Redescobrindo


Sentidos. Saeculum – Revista de História. João Pessoa: jul/dez, 2006.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: História – 5a a 8a séries.


Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Fundamental,
1998.

MACEDO, Helder Alexandre Medeiros de. De como se constrói uma História


Local: aspectos da produção e da utilização no Ensino de História. In:
ALVEAL, Carmen M. O.; FAGUNDES, José E.; ROCHA, Raimundo N. A. da
(org.). Reflexões Sobre História Local e Produção de Material Didático.
Natal: EDUFRN, 2017.

MIDÕES, Andreia Sofia Alves Correia. A Emergência da Literacia e a criança


em idade pré-escolar: A Educação e o Lazer. 2014. 90 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Mestrado em Educação e Lazer, Departamento de
Educação, Instituto Politécnico de Coimbra, Coimbra, 2014. Disponível em:
<http://biblioteca.esec.pt/cdi/ebooks/MESTRADOS_ESEC/ANDREIA_MIDOE
S.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2018.
NETO, José Alves de Freitas. A transversalidade e a renovação no Ensino de
História. In: VEIGA, Ilma P. A. (Org.). Técnicas de ensino: por que não? 8.
Ed. Campinas: Papirus, 1999.

PIAGET J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


Aprendendo 1976.
História:
MÍDIAS
Página | 358
A HISTÓRIA NA ERA GOOGLE: O PAPEL DO HISTORIADOR PÚBLICO
DIGITAL FRENTE ÀS ARMADILHAS REVISIONISTAS
Thiago Acácio Raposo

#Ciberhistória Aprendendo
De acordo com Serge Noiret (2015), o advento da internet dissolveu a História:
visível distinção entre história acadêmica e as práticas públicas em relação MÍDIAS
ao passado, oferecendo o acesso à documentação histórica e a comunicação Página | 359
nas formas de “ego-narrações” referentes ao passado. A Web 2.0 permitiu
uma maior interação entre a narrativa histórica e os leitores, aonde esses
ganham a possibilidade de participar dessa construção por meio de
comentários, sugestões e, até mesmo, correções. Para o autor,

“A ‘história digital’ (digital history), que disciplina a relação entre as


tecnologias de rede e a disciplina história, por meio das plataformas sociais
e das mídias sociais, contribuiu, assim, para abrir a um público maior, e
também de forma participativa, à “alta cultura” e, nos melhores casos, com
a mediação de historiadores profissionais, os historiadores públicos”
(NOIRET, 2014: 34).

A partir desta segunda geração (Web 2.0), devemos observar a história


como algo mais “vivo” e “público”, compreendendo que os integrantes
desses mares participam de forma autônoma, ativa e interativa. Tais
percepções nos remetem ao fazer da História da década de 1980, pautado
numa narrativa linear e vertical.

Em torno do que se convencionou chamar de uma historiografia digital,


Lucchesi (2014) desenvolveu em seu trabalho dissertativo, ‘Digital History e
Storiografia Digitale: estudo comparado sobre a escrita da história no
tempo presente (2001-2011)’, um estudo comparativo entre a história
digital estadunidense e a italiana, buscando identificar as semelhanças e as
diferenças entre as correntes de pensamento historiográficas que se
debruçam sobre a relação entre história e internet. Seu trabalho foi
fundamental para abrir um leque de possibilidades e questionamentos para
se pensar a importância dos historiadores na análise dos dados produzidos
e/ou transportados pelos oceanos digitais, evidenciando a necessidade de
reflexão sobre o papel exercido por estes sujeitos.

A autora localizou pontos de anuência e discordância entre as correntes,


todavia, ambas percebem que a oficina histórica sofre profundas
transformações na era digital. Nos EUA, as preocupações giram em torno da
conservação e manipulação da documentação digital, dos aspectos
metodológicos e estéticos ligados a escrita digital e do compartilhamento do
conhecimento histórico na web. Já na Itália, discute-se questões ligadas a
aceleração do tempo, ao estabelecimento de critérios de verificabilidade
documental e a “desterritorialização” das narrativas históricas. Mesmo
focando em questões diferentes, ambas as propostas se colocam frente as
problemáticas surgidas no ambiente virtual. Aqui, assumiremos uma
tentativa de conciliar ambas as propostas no processo de interpretação dos
dados, elemento indispensável para a oficina da história. Lucchesi (2014),
não assumiu essa posição conciliadora, mas apontou possibilidades de
anuência.

Para Carlo Ginzburg (2010), historiador italiano, estamos vivendo a Era


Aprendendo Google, ou tão somente a Era Ciber, de uma: cibersociedade,
História: cibercidadania, ciberlinguagem, cibercrime, ciberbullyng, ciberconteúdo. De
MÍDIAS acordo com ele, o Google, e consequentemente a internet, funciona como
Página | 360 um poderoso instrumento de pesquisa histórica, mas também de
cancelamento dela, ao passo que o mundo virtual provoca uma dimensão
anti-histórica a vida humana, dissolvendo o passado e fragilizando os
conceitos de presente e futuro.

O ponto apresentado pelo historiador italiano tem certo sentido, mas


precisa ser visto com cautela. Afirmar que o digital dissolve a relação com o
tempo é negar a própria existente da rede no tempo, ao passo que também
reduz a capacidade de reinvenção do ser humano, agarrando-se em
verdades preestabelecidas que determinam a maneira exata do sujeito lidar
com o chronos. Desde o surgimento da humanidade a noção de tempo vem
sofrendo transformações. O Rizoma estabelece novas relações entre os
sujeitos e os saberes, cuja fluidez e multiplicidade soam estranhos aos
olhos daqueles, cuja visão de mundo prevalece o cartesianismo (DELEUZE;
GUITTARI, 1995). O modo como as pessoas sentem varia em decorrência
com a visão de mundo, esta, por sua vez, vinculada a fatores sociais,
culturais, econômicos, políticos etc. Por tanto, é válido a percepção de que
este oceano virtual acabe por transformar os sujeitos que nele mergulham,
todavia, isto não provocaria o fim da história, apenas a transformação dos
sentidos sobre ela.

O pesquisador observa que o hábito de não preservação dos dados virtuais


contribuiria para um processo de apagamento da história. Mas, em qual
momento da história não houve o processo de destruição documental? Tal
preocupação permeia, o discurso de praticamente todos os historiadores
que trabalham com o universo digital. É um problema real, para o qual não
existe ainda uma solução.

No que corresponde a cultura material, diante de tal situação imaginária,


sabemos, por uma questão de lógica, que em poucos anos não haveria
espaço sequer para andar pelas ruas. No universo virtual a situação não é
tão diferente. A grandiosidade desse oceano provoca a falsa percepção de
infinidade, prejudicando a noção espacial da maioria dos sujeitos que veem
a internet como uma bolsa mágica aonde é possível guardar tudo, sem
nunca encher. É preciso estabelecer critérios de preservação, garantindo a
sobrevivência de uma parte da documentação e determinando aquilo que
deve ser guardado, cabendo esta tarefa aos historiadores e aos outros
profissionais que lidam com a memória.

Dilton Maynard (2011), historiador brasileiro, também se preocupa com a


problemática da “dissolução do passado”. Para ele, as possíveis
manipulações da história que podem ser feitas na internet colocariam em
risco o próprio passado. De fato, as águas digitais possibilitam e alavancam
as tentativas de revisionismos e negacionismos históricos, já que o alcance
dessas produções, antes restritas a pequenos grupos na era analógica,
atingem públicos cada vez maiores graças a mundialização do ciberespaço.
De acordo com o autor:
Aprendendo
“Em inversões interpretativas, os algozes são vítimas, qualquer tipo de História:
documentação que evidencie tortura, prisão, assassinatos e a racionalização MÍDIAS
das mortes em campos de concentração e câmaras de gás é descartada Página | 361
como ‘falsificação’ [...] Em meio a apropriações simbólicas e batalhas de
memória, estes portais são exemplos de ferramentas eletrônicas dedicadas
a promover uma leitura intolerante da história sob pretensa pátina de luta
por liberdade de expressão” (MAYNARD, 2011:45).

O foco de análise do historiador é o surgimento de comunidades


neonazistas e neofascistas no ciberespaço. Tomaremos essa proposta como
exemplo para analisar brevemente uma série de eventos que, por serem
recentes, ainda carecem de estudos mais aprofundados. Iremos esboçar
algumas considerações sobre a atribuição da etiqueta “esquerda” para o
movimento nazista por usuários de rede mundial de computadores no
Brasil.

#Nazismo #esquerda
Desde o começo desse século, é possível observar o “renascimento” de
movimentos políticos de extrema-direita (LÖWY, 2015), cujos pensamentos
alinham-se a ideias racistas, xenófobas, machistas, homofóbicas e
conservadoras. Tais ideias se espalham pela rede mundial de
computadores, ganhando proporções gigantescas, burlando as autoridades
policiais (MAYNARD, 2011) e ganhando cada vez mais adeptos.

A hipertextualidade é utilizada por estes sujeitos para direcionarem seus


usuários para outros endereços de conteúdo semelhante, criando uma
lógica argumentativa, cujas bases de “prova” do que é dito se encontram
nessa referencialidade. Por conta do princípio “democratizador” da web, os
viajantes dos oceanos digitais acabam por desembarcar em ilhas de
conteúdo duvidoso, mas que respondem aos anseios de grande parte da
população por apresentar um conteúdo simples e baseado em senso comum
e apelo moralizante.

No Brasil, um clima de guerra ideológica foi instaurado desde 2013, quando


uma série de manifestações aconteceram, colocando sob dúvida a
capacidade de governabilidade da presidenta Dilma Rousseff. A maior parte
desses eventos foram organizados e divulgados pelas redes sociais,
evidenciando um poder até então desconhecido (COIMBRA & ABREU, 2018).
Milhões de pessoas foram as ruas bradar palavras de ordem, contra a
corrupção, a desigualdade social, o preço da passagem dos transportes
públicos etc. Baseado em um “apartidarismo”, a maior parte dos
manifestantes se negavam a erguer qualquer bandeira política. O grupo
anarquista internacional Anonymous, reivindicou para si a organização das
manifestações. Em pouco tempo as manifestações acabaram, mas as
críticas não.

Em 2014, a presidenta se reelegeu em meio a uma das mais apertadas


eleições presidenciais. O clima de divisão política se intensificou e viu-se
Aprendendo emergir nas redes sociais páginas conservadoras, autointituladas de direita,
História: que se apropriaram das críticas apresentadas nas manifestações para iniciar
MÍDIAS um processo de descrença do atual governo, culpabilizando o Partido dos
Página | 362 Trabalhadores (PT) por todos os problemas enfrentados pelo país. Por
oferecer respostas simples, com propostas de solução de mesmo modo,
esses grupos acabaram por atrair cada vez mais brasileiros (DEODATO &
SOUSA, 2018).

Mesmo após o Impeachment da presidenta Dilma em 2016, o discurso de


ódio tomou proporções cada vez maiores. As fakenews surgiram como uma
ferramenta de grande impacto para divulgação de notícias falsas pela web,
sendo amplamente utilizadas por estes grupos. É consenso entre os
historiadores pelo mundo, independente de orientação política, que o
Nazismo foi um movimento de extrema-direita, inexistindo discussões em
torno desse fato. No Brasil, a situação se tornou tão complexa que até
mesmo a embaixada alemã resolveu explicar o porquê da posição dos
historiadores.

Um vídeo fora publicado na página do Facebook da embaixada, aonde era


exposto um resumo sobre esse trecho da história alemã e como ela era
ensinada por lá. A publicação se transformou em um campo de batalha,
aonde muitos brasileiros afirmavam que tanto os historiadores quanto a
embaixada estavam errados sobre o assunto. Na figura abaixo podemos
observar a captura de tela de um comentário revisionista na publicação da
embaixada:
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 363

FIGURA 1- COMENTÁRIO ENQUADRANDO O NAZISMO COMO UM


MOVIMENTO DE ESQUERDA
FONTE:
https://www.facebook.com/EmbaixadaAlemanha/videos/165873920089779
4.

A repercussão do caso chegou a ser retratada pela imprensa internacional,


a exemplo do The Washington Post, aonde o tom de sarcasmo é
amplamente utilizado para se referir aos revisionistas brasileiros. A matéria
analisa alguns desses comentários, explicando historicamente os equívocos
apresentados. Dentre os questionamentos oferecidos à página localizamos
inclusive um comentário que nega a existência do holocausto,
estabelecendo um elo discursivo entre essas falas e às páginas de extrema-
direita estudadas por Maynard (2011).

Uma história sem historiadores toma conta das redes sociais, dos sites,
blogs, enfim, da internet (LUCCHESI, 2014). Há um processo de descrença
e desaprovação do ofício do historiador, assim como uma tentativa de
apagar o passado, ou pelo menos parte dele. Tais acontecimentos põe em
evidência a necessidade de atuação do historiador como um intermediador
do processo de construção do conhecimento histórico no oceano digital. Seu
ofício precisa ser respeitado também nos espaços virtuais. Ao historiador
desse novo século o uso da ciberlinguagem pode ser uma ferramenta
importante para debater sobre essa onda de conservadorismo e de
Aprendendo negacionismo. Para enfrentar esse inimigo é preciso fazer uso das mesmas
História: ferramentas, distanciando-se no que concerne a ausência de criticidade
MÍDIAS documental. É preciso seduzir os usuários por meio de uma história de base
Página | 364 acadêmica, mas que também se organiza por meio de hipertextos,
possuindo uma linguagem que atinja a todos os públicos.

Exemplo dessa apropriação, o Café História se configura como o maior site


de História Pública Digital do país. Seu maior objetivo é estabelecimento de
um diálogo entre a comunidade acadêmica e o grande público, oferecendo
um conteúdo dinâmico, atrativo e interconectado. O hipertexto e a
hipermídia prevalecem, em um jogo visual que distribui os vários hiperlinks
de maneira inteligente, atraindo o clique dos visitantes, historiadores ou
não. A existência de endereços virtuais com propostas semelhantes ao Café
História, colocam em evidência a preocupação dos historiadores perante as
novas demandas, fortalecendo, desse modo, a identidade desses sujeitos e
o seu oficio.

A hipertextualidade provoca uma série de mudanças na maneira de


investigar, ler e sentir as experiências do passado, que respiram no
presente por meio da interação de um público participativo na construção
da narrativa. O ambiente virtual acaba por provocar alterações sensoriais
na relação do homem com o tempo, processo isso que implica a
necessidade da presença do historiador público com o objetivo de garantir
que o grande público não padeça perante o presentismo, o anacronismo ou
o revisionismo.

Estudar o tempo presente é perceber que esse espaço está inserido entre o
passado e o acontecimento recente. Ao construir uma história sobre as
antigas civilizações ocidentais, o historiador não deixa de lado a
contemporaneidade, mesmo que inconscientemente, uma vez que lança
mão do olhar do presente, de suas indagações, motivações e ferramentas,
para escrever o passado. “ O homem não se lembra do passado, ele o
reconstrói sempre... Ele parte do presente – e é por intermédio dele,
sempre, que ele conhece, que ele interpreta o passado” (FEBVRE apud
DOSSE, 2012:8). O tempo presente é um conceito

“[...] que remete em sua acepção extensiva ao que é do passado e nos é


ainda contemporâneo, ou ainda, apresenta um sentido para nós do
contemporâneo não contemporâneo. A noção de “tempo presente” se torna
nesse contexto um meio de revisitação do passado e de suas possíveis
certezas, como também as possíveis incertezas. A distância temporal que
nos separa do passado se transforma, porque até então considerada uma
desvantagem, ela se transforma em uma sedimentação de camadas
sucessivas de sentido que expandem o seu alcance graças a maior
profundidade” (DOSSE, 2012:11-12).
Um dos grandes desafios dos historiadores públicos digitais e do tempo
presente, gira em torno dos arquivos recentes, ainda não hierarquizados e
sistematizados. A poeira dos arquivos físicos não corresponde à realidade
do mundo virtual, inflacionado pelo gigantesco oceano de informações e por
um público presente na construção destes espaços de memória. Aprendendo
Escrevemos uma história que está sob constante vigilância de testemunhas História:
que podem questionar qualquer narrativa histórica que eles não MÍDIAS
reconheçam, ou ainda de um encontro com uma nova fonte\dado que mude Página | 365
o rumo da narrativa já produzida.

Por isso, diante das transformações culturais possibilitadas pelo rápido


avanço tecnológico, faz-se necessário o surgimento de uma nova geração
de historiadores, os “historiadores públicos digitais”. Esses profissionais
assumem a tarefa de enquadrar cientificamente o trabalho de coleta de
dados e a gestão de novos tipos de documentos digitais, catalogando,
filtrando, organizando e interpretando dados do passado e de suas
memórias. O historiador público digital deve, neste formato, oferecer-se
como intermediário nas relações entre o grande público, a memória e a
história na rede. De acordo com Noiret:

“O historiador público deve poder fazer mediação com as formas públicas de


conhecimento do passado que a rede oferece, contribuindo na primeira
pessoa à narrativa do passado em meios virtuais. Construir uma história
pública digital que seja capaz de fazer frente e de mediar de modo critico a
manifestação incessante das memórias privadas – e das memórias
embalsamadas – é certamente um papel profissional estimado ao trabalho
do ‘publichistorian’ ” (NOIRET, 2015:40).

A Era Ciber possibilita a construção de saberes baseados na participação


dos diversos sujeitos sociais, contribuindo para um conhecimento mais
democrático. A informação é produzida pelo público e para o público,
necessitando de um direcionamento oferecido por aqueles que possuem
uma base acadêmica. A criticidade documental representa, para o campo da
história, uma guinada para o aperfeiçoamento do conhecimento público,
dando vozes a memórias e histórias individuais que estavam destinadas a o
silêncio do desconhecimento. Parte-se de um rigor metodológico que atende
as especificidades de uma história construída a várias mãos (literalmente).

Conclusão
Observa-se a necessidade de atualização do oficio do historiador para se
adaptar as novas realidades comunicacionais e sociais, reinserindo o saber
produzido por este grupo em um universo que contemple a multiplicidade,
valorizando as experiências individuais e direcionando a construção de uma
História Pública Digital. Os negacionismos e os revisionismos, aliados ao
anacronismo, oferecem um risco eminente para a preservação e difusão do
saber histórico cientifico, pautado em regras próprias da área de saber.
Desse modo, cabe aos historiadores do século XXI duas tarefas
demasiadamente difíceis: a de lidar com o excesso de informações
característico do ciberespaço e a de transformar esses documentos em uma
narrativa palpável, transpassada pelas regras científicas e ao mesmo tempo
atrativa para o grande público.

Referências
Thiago Acácio Raposo, nascido e criado em Campina Grande - cidade do
Aprendendo interior paraibano -, atua como professor de História na rede pública
História: estadual e na rede privada. Possui graduação em História pela Universidade
MÍDIAS Estadual da Paraíba e é aluno da Pós-Graduação em História pela
Página | 366 Universidade Federal de Campina Grande.

COIMBRA, C. M. B.; ABREU, A. M. 1968 in France – 2013 in Brazil:


Happenings-Resistances. Revista Direito e Práxis, v. 9, n. 2, p. 1100-1121,
2018.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. Vol. 1,


São Paulo, Editora 34, 1995.

DOSSE, F. História do tempo presente e historiografia - historyofthepresent


time andhistoriography. Tempo e Argumento, v. 4, n. 1, p. 05-22, 2012.

Facebook da embaixada alemã no Brasil. Como se ensina história na


Alemanha. In:
https://www.facebook.com/EmbaixadaAlemanha/videos/165873920089779
4, 2019

GINZBURG, C. História na Era Google. 2010. In:


https://www.youtube.com/watch?time_continue=57&v=wSSHNqAbd7E,
2018.

LÖWY, M. Conservadorismo e extrema-direita na Europa e no Brasil. Revista


Serviço Social e Sociedade, n. 124, 2015.

LUCCHESI, A. Digital history e storiografiadigitale: estudo comparado sobre


a escrita da história no tempo presente (2001-2011). 2014. Tese de
Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

MAYNARD, D. C. S. Escritos sobre história e internet. Rio de Janeiro:


FAPITEC/ Luminárias, 2011.

NOACK, R. In divisive Brazilian election, even Nazis are up for debate. In:
https://www.washingtonpost.com/world/2018/09/21/divisive-brazilian-
election-even-nazis-are-up-
debate/?noredirect=on&utm_term=.a3375d0d26cc, 2019.

NOIRET, S. História Pública Digital│ Digital Public History. Liinc em Revista,


v. 11, n. 1, 2015.

NOIRET, S. Internationalizing public history. Public History Weekly, v. 2, n.


34, Sept. 2014.
NAVEGANDO POR MARES (DES)CONHECIDOS: A PESQUISA
HISTÓRICA NA ERA DIGITAL
Thiago Acácio Raposo

“Por trás dos grandes vestígios sensíveis da paisagem, [os artefatos ou Aprendendo
máquinas] por trás dos escritos aparentemente mais insípidos e as História:
instituições aparentemente mais desligadas daqueles que a criaram, são os MÍDIAS
homens que a história quer capturar. Quem não conseguir isso será apenas, Página | 367
no máximo, um serviçal da erudição. Já o bom historiador se parece com o
ogro da lenda. Onde fareja carne humana, sabe que ali está a sua caça”
(BLOCH, 2001: 54).

Jamais compararíamos nossos tão singelos escritos a esta tão bela


metáfora, mas valhamos dela para afirmar que o historiador do século XXI
precisa aprender também a velejar pelos mares digitais, pescando
informações e descartando as que inspiram dúvidas. A função social do
historiador rompe as fronteiras da materialidade e adentra esse oceano
virtual, como uma forma de garantir a sobrevivência do conhecimento
histórico e do seu oficio. É necessário a presença de um historiador
(autoridade) para organizar e transformar em história aquilo que é
produzido por todos, assim observa Anita Lucchesi (2012). Para a autora,

“A problemática em torno da noção de autoridade na rede é apenas mais


um dos aspectos a nos colocar a necessidade de se realizar um exercício
crítico e uma operação de seleção ainda mais atenta e rigorosa ao se lidar
com o passado, por assim dizer, diluído na rede. A História em migalhas de
bytes para lembrar a expressão de François Dosse” (LUCCHESI, 2012: s/p).
Sem dúvida, a chegada desse universo digital apresentou outros rumos a
produção, divulgação e pesquisa histórica. Um público muito mais amplo
passou a ter acesso aquilo que é produzido pelos acadêmicos, ao mesmo
passo que a própria pesquisa foi facilitada pela possibilidade de acesso a
acervos indisponíveis fisicamente, seja pela destruição do acervo original ou
pela distância que separa o pesquisador do arquivo. A comodidade do
acesso via internet também é um elemento chave, permitindo ao historiador
velejar até outros países e cidades sem sair de casa, rompendo as barreiras
do tempo e espaço. Em milésimos de segundos, é possível acessar um site
europeu e encontrar documentos do Brasil colonial, situação fundamental
para a construção de uma pesquisa democrática e sustentável.

Mas quais seriam os sabores proporcionados por estes arquivos? Que tipo
de sensações são proporcionadas pela pesquisa nestes espaços?
Diferentemente dos arquivos físicos, as hemerotecas digitais não podem
oferecer (ainda?) a experiência olfativa ou tática. De acordo com Allerte
Farge, em seu livro ‘O sabor do arquivo’,

“[os arquivos] são singulares e complexos, na razão direta em que são


saboreados. É preciso desvendá-los em sua materialidade como um mar no
qual se mergulha e onde o afogamento pode ocorrer. A definição científica
de ‘fundos de arquivos” felizmente não esgota nem seus mistérios nem sua
profundeza” (FARGE, 2009: 12).

A autora utiliza sua imaginação histórica para refletir sobre o ato da


pesquisa, observando as características subjetivas que marcam a atividade
Aprendendo investigativa nos arquivos físicos. Todos os elementos do processo são
História: levados em consideração, a exemplo das sensações provocadas pelo
MÍDIAS contato com o ambiente, com os documentos, com os arquivistas, com as
Página | 368 vidas inscritas naqueles registros etc., evidenciando que estas sensações
podem seduzir o historiador a ponto de lhe conduzir ao erro interpretativo.

É sabido que estas experiências influenciam a subjetividade do pesquisador,


levando a seguir determinados caminhos teórico-metodológicos, a optar por
um enfoque e a valorizar alguns vestígios em detrimento de outros. A
interação dos sentidos possibilita uma influência, normalmente,
imperceptível, mas real. Ao passo que pesquisamos, algo passa a nos
habitar, a nos transformar.

Essas limitações provocam, a nosso ver, um aguçamento dos sentidos


visuais e auditivos, gerando experiências diferentes. Os pesquisadores
passam a estimular ainda mais sua imaginação, auxiliada pelos recursos
disponíveis e pela dinamicidade proporcionada pela ciberlinguagem. A
experiência de Larrosa (2002) entra em cena, impelindo o historiador a
desenvolver sua capacidade sensitiva para conseguir imaginar as sensações
transmitidas por aquelas fontes. Ele deve parar para sentir, para pensar,
para silenciar; deixando de lado toda angustia que pressiona seus estudos,
para que seus sentidos não sejam limitados. Ele deve romper o
automatismo da atividade investigativa, para se perceber enquanto ser
sensível capaz de sentir, mesmo que por meio da imaginação, aquilo que os
outros viveram.

Sandra Pesavento (2013) afirma que a imaginação exerce um papel


fundamental na elaboração da narrativa histórica, aonde sendo impossível a
apreensão total do acontecimento em sua realidade, parte-se da premissa
de imaginar como este teria acontecido. A autora observa uma aproximação
entre história e literatura, deixando evidente que o caráter ficcional da
história é controlado pelas fontes e pela metodologia histórica.

A escrita e a pesquisa histórica sofrem transformações a todo momento,


sendo a tecnologia um dos elementos que provocam essas mudanças. As
indagações propostas pelo investigador partem de questionamentos
surgidos no seio da sociedade em que ele está inserido. Nas palavras de
Michel de Certeau (1988: 19): “toda interpretação histórica depende de um
sistema de referência”, portanto, existe uma historicidade em toda
produção historiográfica. Quais são as relações estabelecidas com os
documentos e de que maneira eles são tratados? Podemos observar
mudanças epistemológicas no que diz respeito a escrita da história? Quais
seriam então as questões que norteiam o pensamento dos historiadores
neste século XXI? Tais perguntas são demasiadamente complexas e
requerem pesquisas mais pontuais, porém, tentaremos esboçar algumas
reflexões.

#Fonteshistóricas
A democratização do saber possibilitada pelo advento da internet impõe ao
historiador uma série de desafios. O primeiro deles corresponde a mudança Aprendendo
de uma cultura alfabética, caracterizada pela escassez de fontes História:
documentais, para uma cultura digital, aonde há abundância de vestígios. MÍDIAS
Poderíamos supor que essa escassez da era analógica, corresponderia a Página | 369
uma mera questão de descuido e descarte documental. Mas não seriamos
simplistas? É fato que, com o advento do mundo digital, a humanidade
passou a produzir mais e mais registros. A virtualidade permitiu isso.

Estes espaços são povoados por dois tipos de documentos: os digitais e os


digitalizados. O primeiro, pode ser um hipertexto, uma fotografia, um jogo,
um vídeo, caracterizados enquanto um documento digital, nascidos e
mantidos na virtualidade (ALMEIDA, 2011); os documentos digitalizados,
comportam arquivos nascidos na materialidade e que são transportados
para este universo através de algum processo de digitalização. Predomina
no Retalhos Históricos de Campina Grande uma mescla desses documentos.
Ao passo que uma fotografia digitalizada é apresentada, um texto digital se
apresenta.

Michel de Certeau (1988:28) observara que “cada sociedade se pensa


‘historicamente’ com os instrumentos que lhe são próprios”, aonde a
interpretação – elemento chave da produção histórica – é mediada pela
técnica. Ao passo que o conhecimento científico ganha novos contornos, a
técnica se transforma, buscando oferecer suporte para análise desses novos
dados. A operação histórica se atualiza com o intuito de garantir a
sobrevivência desse saber, já que existe um dever ético que conduz o
historiador a buscar respostas para o presente a qual ele está inserido,
evidenciando que em todo passado há também o presente. Por estar incluso
neste lugar social, sua subjetividade é transpassada pelos anseios de sua
época, de modo que toda história é fruto de seu tempo e “produto de um
lugar” (CERTEAU, 1988: 24).

Partindo de tais percepções, pode-se observar que o historiador desse novo


século precisa estar atento para a composição das “novas” fontes, surgidas
digitalmente ou transplantadas para esse espaço posteriormente,
aprendendo a lidar com essa abundância de maneira crítica. Em lugar de
relíquias, temos uma riqueza atordoante de fontes (MAYNARD, 2016:108).
Ainda não temos uma metodologia definida para lidar com os arquivos
digitais, como afirma Maynard (2016), por isso o cuidado deve ser
redobrado.

É preciso aprender a velejar, identificar as direções dos ventos, lendo os


sinais, muitas vezes codificados, dos monstros do revisionismo e do
negacionismo que habitam o oceano digital, afinal eles seriam capazes de
afundar o navio. Reconhecendo tais indícios, o historiador pode transformar
este mar inóspito em um lugar adequado para a pesca de informações e
aguçamentos de sentidos sensíveis.

Desde a emersão da WEB 2.0, com o surgimento das redes sociais e dos
blogs, os usuários da rede mundial de computadores alavancaram o
Aprendendo processo de produção documental. As escritas de si, antes restritas aos
História: diários de papel, são transportadas para o mundo digital por meio de blogs
MÍDIAS e redes sociais. A primeira grande rede social de sucesso foi, sem dúvida, o
Página | 370 Orkut (RECUERO, 2004). Nele, era possível publicar fotos, conhecer
pessoas, mandar recados para seus “amigos”, escrever depoimentos, jogar,
entre outras funcionalidades.

Em meio a essa vida virtual, os sujeitos acabaram por produzir inúmeros


registros sobre sua existência (BEZERRA; ARAÚJO, 2011). Aquilo que eles
eram, ou pelo menos o que tentavam parecer, ficavam registrados naquela
ilha. Quantos relacionamentos não surgiram neste lugarejo? Quantos
acabaram por conta dele? Quantas propostas de emprego foram
possibilitadas ou barradas? Era um caminho sem volta, os homens não
conseguiriam mais se livrar dessa segunda forma de vida (a on-line) e ela
se transformaria em um dos principais veículos de interação social, para
alguns, até mesmo, o único.

Que fim levaram os vestígios produzidos pelos sujeitos no Orkut? Foram


armazenados? Todos os registros produzidos no decorrer dos dez anos de
funcionamento dessa ilha virtual (2004-2014) foram deletados
definitivamente. O descarte documental já praticado nos séculos anteriores
toma proporções grandiosas ao conferir a um simples clique o poder de
destruir uma quantidade absurda de arquivos. Comparamos esse clique a
um grande incêndio, capaz de destruir tudo o que ali está, com a diferença
da velocidade, muito mais rápida.

Todas os registros de interações humanas nessa rede social se perderam,


evidenciando para o mundo todo um problema já anunciado nos anos
noventa pelo arquivista Charles Dollar (1994), que indagava sobre quem
seria o responsável pela preservação do registro histórico na era digital.

Ao passo que o historiador tem acesso as fontes, parte-se para a


problemática da separação documental aonde é preciso identificar as fontes
confiáveis e aquelas de caráter duvidoso. Isso não quer dizer que o
historiador deva descartar aquelas que não apresentam confiabilidade, mas
para que esteja atento para os discursos revisionistas e apologéticos, de
modo que não seja engolido por essas linhas discursivas.

Existem algumas iniciativas no que concerne a construção de banco de


dados digitais, preservando algumas páginas de internet. Um exemplo disso
é o trabalho desenvolvido pelo site WaybackMachine
(https://web.archive.org/), que atualmente conta com um total de 347
bilhões de páginas da web salvas. Essa hemeroteca foi criada em 1996 pela
Internet Archive, uma organização sem fins lucrativos que proporciona o
acesso gratuito a versões arquivadas de algumas páginas eletrônicas. Para
aqueles que desejarem os dados impressos e com autenticação de
veracidade, existe a possibilidade de pagar por este serviço.

O que aconteceu com o Orkut é um exemplo que reflete as práticas de


comunidades influenciadas pelo constante avanço tecnológico, aonde os
sujeitos são instigados a pensar o "velho" como ultrapassado e por isso Aprendendo
descartável. Tal prática evidencia uma relação de desprezo e/ou indiferença História:
pelo passado. Da mesma maneira que sites obsoletos são abandonados e MÍDIAS
posteriormente deletados, o mesmo acontece com os suportes responsáveis Página | 371
pelo contato entre o mundo físico e o oceano digital.
Durante muito tempo, guardou-se arquivos em disquetes. Mesmo que estes
dispositivos de memória tenham sido preservados, seria fácil encontrar um
computador munido com um leitor de disquetes? Mesmo encontrado um
aparelho com tal leitor, será que ele possuiria os programas necessários
para a abertura dos arquivos? É um problema grave, cujas únicas
possibilidades de solução parecem partir da preservação dos softwares e
hardwares e/ou da constante atualização dos formatos dos documentos.

O processo de crítica interna e externa ao documento renova-se


metodologicamente para dar suporte a essa nova realidade, aonde a
falsificação documental ganha caráter profissional com o advento dos
programas de edição de fotos e vídeos. Como resposta, surgem uma série
de iniciativas, principalmente de órgãos públicos, com o intuito de
desenvolver as metodologias de análise documental. A termo de exemplo,
Patrícia Pinheiro (2016) cita os esforços do setor judiciário brasileiro em
encontrar um caminho, por meio de aplicativos e programas, de verificação
da autenticidade dos arquivos digitais.

As universidades também estão empenhadas na análise dos documentos


que circulam neste espaço. As teses, dissertações e monografias produzidas
pelos estudantes estão passando por processos cada vez mais
desenvolvidos no combate as práticas de plágio, normalmente a partir do
uso de softwares (WACHOWICZ; COSTA, 2017). A própria Web 3.0 acaba
por ajudar a identificar as situações de cópia, praticando o simples ato de
digitar em site de busca um trecho do texto em questão, comprovando se
houve ou não o plágio.

Observa-se, entretanto, que ainda não existem programas ou aplicativos


que auxiliem as pesquisas do usuário comum. A prática metodológica mais
comum é a comparação de informação entre vários sites, mas isso não
apresenta tanta garantia, já que muitas vezes os textos de um site são
compartilhados por tantos outros. Sobrepõe-se então a procura por sites
mais “confiáveis” para a pesquisa, o que é um tanto problemático, já que
essa busca pelo seguro normalmente está associada a busca por uma
verdade neutra, impossível de ser produzida ou apreendida.

As hemerotecas digitais acabam por desenvolver um processo semelhante,


separando e organizando aquilo que apresenta “confiabilidade”, favorecendo
o trabalho do historiador. Esse profissional, por sua vez, já deve ter em
mente que todo registro humano é forjado e, por isso, passível de crítica.
Com as fontes em mãos, o historiador olha para seu reflexo no espelho e
pergunta: como escrever a história na era digital?

Conclusão
A pesquisa histórica se transforma a cada dia, ganhando novas cores e
Aprendendo formas, atendendo aos anseios de uma história viva e com profundas
História: ligações com o presente. As fontes digitais e digitalizadas acabam por
MÍDIAS proporcionar uma forma mais democratizante de acesso e produção do
Página | 372 conhecimento histórico, “rompendo” as fronteiras físicas que separam o
investigador/leitor e os documentos. O advento desse mundo digital acabou
por transformar as relações existentes entre os sujeitos e os arquivos,
provocando sensações e emoções diferentes, possibilitando a construção de
narrativas e investigações influenciadas por essas experiências sensíveis.

Referências
Thiago Acácio Raposo, nascido e criado em Campina Grande - cidade do
interior paraibano -, atua como professor de História na rede pública
estadual e na rede privada. Possui graduação em História pela Universidade
Estadual da Paraíba e é aluno da Pós-Graduação em História pela
Universidade Federal de Campina Grande.

ALMEIDA, F. C. O historiador e as fontes digitais: uma visão acerca da


internet como fonte primária para pesquisas. In: Aedos, n. 8, v.3, jan./jun.
2011. Disponível em:
http://seer.ufrgs.br/index.php/aedos/article/view/16776.

BEZERRA, M. A. A.; ARAÚJO, E. A. Reflexões epistemológicas no contexto


do Orkut: ética da informação, sociabilidade, liberdade e
identidade. Perspectivas em Ciência da Informação, v. 16, n. 2, p. 50-66,
2011.

BLOCH, M. Apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro:


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CERTEAU, M. A operação histórica. In: LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre


(org). História: novos problemas; tradução de Theo Santiago, Rio de
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DOLLAR, C. M. O impacto das tecnologias de informação sobre princípios e


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FARGE, A. O sabor do arquivo. [Tradução de Fátima Murad]. São Paulo:


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LARROSA, J. B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. In:


Revista brasileira de educação. Rio de Janeiro: ANPEd: Autores Associados,
n. 19, p. 20-28, 2002. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n19/n19a02.pdf.
LUCCHESI, A. Histórias no ciberespaço: viagens sem mapas, sem
referências e sem paradeiros no território incógnito da Web. Cadernos do
Tempo Presente, n. 06, 2012.

MAYNARD, D. C. S. Passado Eletrônico: notas sobre história digital. Acervo, Aprendendo


v. 29, n. 2 jul-dez, p. 103-116, 2016. História:
MÍDIAS
PESAVENTO, S. J. História & história cultural. Autêntica, 2013. Página | 373
PINHEIRO, P. P. Direito digital. Saraiva Educação SA, 2016.

RECUERO, R. C. Teoria das redes e redes sociais na internet: considerações


sobre o Orkut, os weblogs e os fotologs. In: XXVII Congresso Brasileiro de
Ciências da Comunicação. XXVII INTERCOM. 2004.

WACHOWICZ, M.; COSTA, J. A. F. Plágio acadêmico. BTP, v. 2, n. 3, p. 222,


2017
JOGOS COMO FERRAMENTA DIDÁTICA PARA O ENSINO DE
HISTÓRIA DA AMÉRICA PORTUGUESA
Victor André Costa da Silva
Eudymara Queiroz da Cruz
Aprendendo
História:
MÍDIAS O grupo de pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais: Economia,
Página | 374 sociedade e cultura” (FEC/CNPq) da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte (UFRN) Partindo das discussões e estudos elaborados, propôs-se a
pensar em maneiras de como facilitar a aplicação das Leis n° 10.639/03 e
nº 11.645/08, que sancionam a obrigatoriedade do ensino de história e
cultura afro-brasileira e indígena na rede pública e particular de ensino no
país.

Para ajudar na veiculação rápida e dinâmica dos assuntos estudados pela


equipe do FEC, pensou-se em elaborar jogos didáticos que abarcassem a
temática da sociedade colonial e suas relações étnico-raciais no período que
compreende o Brasil Colônia, e apresenta-los na “Semana de Ciência,
Tecnologia e Cultura” (CIENTEC), organizada pela UFRN. Desse modo,
trabalhando com a temática indígena foi aplicado um jogo de RPG (role-
playing game), além do “CS: Cultura e sociedade no Brasil colonial” e do
“Jogo das etnias”.

A aplicação dos jogos e possíveis diálogos com a comunidade


A partir da noção de pluralidade cultural, pretendeu-se, por meio dos jogos,
afirmar a agência de ambos os povos que habitavam as terras da América
portuguesa, deixando de lado a visão de dominação dos portugueses e
evidenciando a contraposição com as negociações que indígenas e africanos
faziam, e também com suas formas de resistência. Partindo desse
pressuposto, pensamos os jogos como:

“[...] exercício sensório-motor e de simbolismo, uma assimilação do real à


atividade própria, fornecendo a esta seu alimento necessário e
transformando o real em função das necessidades múltiplas do eu. Por isso,
os métodos ativos de educação das crianças exigem que se forneça às
crianças um material conveniente, a fim de que, jogando elas cheguem a
assimilar as realidades intelectuais que, sem isso, permanecem exteriores à
inteligência infantil” (PIAGET, 1967).

O primeiro jogo a ser desenvolvido foi o “CS: Cultura e sociedade no Brasil


colonial”, exposto na CIENTEC do ano de 2013. O jogo foi criado para
ajudar os docentes de história da educação básica a tornar as aulas mais
interativas e, também, para que os alunos se divirtam no processo de
ensino e aprendizagem. O jogo funciona da seguinte forma: o tabuleiro é
dividido em quatro cores. Cada cor faz referência a uma temática específica.
Os jogadores lançam o dado que determinará quantas casas irão andar. Em
seguida, o participante responderá perguntas sobre cada temática, a
depender da cor na qual ele parou e, sendo a resposta correta, ganhará
uma peça de tangram. O objetivo é chegar à casa central e montar, com as
peças ganhas no decorrer do jogo, o mapa do Brasil. Dessa forma, os
participantes poderão perceber de que maneira ocorreu o intercâmbio entre
estes povos e compreender a diversidade cultural existente na atual
sociedade brasileira.

Eles serão as próprias peças do jogo e irão se locomover de acordo com a Aprendendo
numeração que o dado lançado determinar. Além disto, terão que montar História:
um tangram, quebra-cabeças chinês, constituído por sete peças, que irá MÍDIAS
simbolizar a atual sociedade brasileira através de um mapa do Brasil. Em Página | 375
resumo, os participantes, que serão parte do jogo, também se sentirão
parte das trocas culturais e permanências de culturas autóctones e
europeias que resultaram na sociedade em que estão inseridos. De salientar
que este jogo também foi utilizado nas aulas de estágio de alguns alunos de
licenciatura em História da UFRN ao longo dos anos.

Fig. 1
Aplicação do jogo “CS”, nas CIENTEC dos anos de 2013 e 2015
(Acervo pessoal dos autores).

No ano de 2015, o projeto voltou a ser apresentado, trazendo, além do


“CS”, outros jogos, fruto da continuidade do debate sobre a elaboração de
jogos didáticos e o encurtamento da distância entre a produção acadêmica
universitária e a Educação Básica. Assim, foram criados mais jogos que
versavam sobre temas específicos do período colonial. Um deles foi o jogo
“Quem é quem?”, que pode ser jogado por até 6 visitantes. Cada um deles
recebe no início do jogo um gabarito, em que deve ir marcando suas
respostas às questões colocadas pelo moderador do jogo. As questões
relacionam-se a uma profissão que o jogador deve identificar. Por exemplo:
“equivalente ao atual posto de coronel, aproximadamente, era um oficial
superior comandante do terço de infantaria do exército português? Quem
era?” Diante desta questão, os jogadores devem escolher dentre as
profissões expostas num quadro (quadro das profissões), identificadas pelo
nome e por um número, o que torna o jogo mais simples e rápido. O
participante que tiver o maior número de acertos tira uma foto com um
“emoji” sorridente e recebe uma versão pequena com informações sobre
profissões do período colonial. Para o mesmo ano, também foi criado o jogo
“Terra à Vista”, no qual o jogador entrava em um barco, produzido com
Aprendendo caixas de papelão, e “navegava” até a Terra de Vera Cruz, à medida que ia
História: respondendo corretamente questões sobre a sociedade colonial.
MÍDIAS
Página | 376

Fig. 2
Aplicação dos jogos “Quem é quem?” e “Terra à vista”, nas CIENTEC dos
anos de 2015 e 2016 (Acervo pessoal dos autores).

As produções e aprimoramentos de jogos continuaram sendo discutidas e,


no ano de 2016, com a nova inscrição realizada na CIENTEC-UFRN, na qual,
além dos jogos já citados, houve a elaboração do “Jogo das etnias”, que
contém quadros de etnias africanas que foram escravizadas no Brasil. Neste
jogo, o participante tem que colar o nome correto correspondente à etnia
mostrada, de acordo com suas indumentárias e com costumes descritos na
base de cada quadro.

Na tentativa de trazer todos os elementos discutidos nos trabalhos, a


equipe observou, levando em consideração o público e as discussões entre
os membros das equipes anteriores, que algumas temáticas ainda não
haviam sido abordadas, como por exemplo, a presença indígena após
Guerra dos Bárbaros na capitania do Rio Grande do Norte. Com estas ideias
em mente, foi criado um jogo de RPG (role-playing game), que significa
"jogo de interpretação de personagens", e consiste em um tipo de jogo no
qual os jogadores desempenham o papel de um personagem em um cenário
fictício. Em nosso caso, os personagens a serem interpretados pelos
participantes são indígenas que vivem na segunda metade do século XVIII
e, de acordo com as escolhas feitas por eles, vão vivenciando as múltiplas
possibilidades e consequências diante do advento colonial, visando criar
alianças que os favoreçam e garantam além de conquistas, os avanços no
espaço da Capitania do Rio Grande.

Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 377

Fig. 3
Mapa da Capitania do Rio Grande do Norte com as possibilidades de
locomoção no RPG destacadas (Acervo pessoal dos autores).

Durante os dias do evento contamos com a participação de diversos


discentes de faixas etárias diferentes, essa participação espontânea nos fez
observar que o jogo é uma atividade lúdica que sempre estará presente na
vida do ser humano e que suscita muito facilmente o interesse e curiosidade
por parte deles, mas que ao mesmo tempo não está tanto em vigor nas
escolas, já que a escola tradicional, centrada na transmissão de conteúdos,
não comporta esse modelo lúdico.
Conforme Almeida (2000), a ludicidade contribui e influencia na formação
do aluno, possibilitando uma evolução constante no conhecimento. Contudo
o mesmo só será garantido se o educador estiver preparado para realizá-lo.
Santos (2001, p.14) confirma que “a aceitação da ludicidade, por parte dos
Aprendendo professores, não garante uma postura lúdico-pedagógica na sua atuação”.
História: Com as exposições dos jogos, percebemos além do envolvimento dos
MÍDIAS alunos, o interesse do corpo docente de diversas escolas do estado do Rio
Página | 378 Grande do Norte que passaram pelo estande de apresentações. A partir daí,
tivemos uma noção ainda mais clara da necessidade de incentivo a revisões
das práticas em sala de aula, além do estímulo de atividades mais lúdicas
que conquistavam o maior fascínio do aluno e ajudava sobremaneira ao
professor na execução de seus planos de aula. Além de disponibilizarmos as
ideias dos materiais para os jogos, instruíamos os professores a como os
executarem em sala de aula, como também a adaptá-los de acordo com
suas disciplinas ou conteúdos a serem administrados. Como afirma Castro
(2004, p. 14), a extensão

“[...] se coloca como um espaço estratégico para promover práticas


integradas entre as várias áreas do conhecimento. Para isso é necessário
criar mecanismos que favoreçam a aproximação de diferentes sujeitos,
favorecendo a multidisciplinaridade; potencializa, através do contato de
vários indivíduos, o desenvolvimento de uma consciência cidadã e humana,
e assim a formação de sujeitos de mudança, capazes de se colocar no
mundo com uma postura mais ativa e crítica. A extensão trabalha no
sentido de transformação social.”

O que observamos, portanto, é um retorno muito positivo da aplicação dos


jogos e não apenas da comunidade escolar, o público externo no geral tinha
a curiosidade despertada ao ver conteúdos da História Colonial sendo
tratados de uma nova maneira, mais divertida e convidativa. E esse
envolvimento com os jogos não se encerrava ao fim do evento, o grupo de
pesquisa se propôs a alimentar uma página do facebook para manter
contato com o público interessado, além de divulgar fotos e ações
relacionadas aos jogos desenvolvidos.

Além disso, componentes da equipe que estavam em seus estágios


supervisionados no curso de Licenciatura em História, utilizaram os jogos
nas turmas de ensino médio e fundamental, observando que havia um
maior interesse dos alunos em relação ao conteúdo ministrado. As
atividades desenvolvidas contavam com mais participação do que as aulas
majoritariamente conteudistas. Os alunos se envolviam, participavam mais
ativamente e questionavam os conteúdos que eram ministrados através dos
jogos. Assim, a utilização de jogos didáticos no ensino de História
enriquecem as aulas, tornando mais dinâmicas e interativas.

Através destes jogos, portanto, procura-se cada vez mais estabelecer esse
diálogo tão necessário entre o conhecimento produzido na UFRN e a
comunidade externa, propiciando um diálogo profícuo no presente e no
futuro. Dessa maneira, estreitamos os vínculos com alunos, mestres e pais,
e podemos avançar as fronteiras da Universidade à medida que os trazemos
para dentro desse espaço acadêmico e possibilitamos a reprodução dessas
atividades a qualquer momento e em qualquer outro ambiente externo,
tendo em vista que os materiais para produção dos jogos são acessíveis
facilmente e toda sua execução é repassada durante as apresentações e ao
longo das interações com o público que se propõe a jogar. Aprendendo
História:
Considerações finais MÍDIAS
Apresentamos neste artigo, uma primeira tentativa de análise do alcance e Página | 379
recepção dos jogos didáticos desenvolvidos na Base de Pesquisa “Formação
dos Espaços Coloniais” e executados nas CIENTECs dos anos de 2013, 2015
e 2016, bem como nas salas de aula de estágio supervisionado de alguns
discentes de licenciatura em História da UFRN. Diante do exposto
anteriormente, evidenciamos que de certo modo conseguimos atingir os
objetivos propostos ao grupo de pesquisa, que além da produção do
conhecimento no âmbito da História Colonial, teve a preocupação de
levantar possibilidades de divulgação e veiculação de maneira mais
facilitada dos conteúdos que abarcam essa área do conhecimento.

O trabalho foi desenvolvido e elaborado pensando nas demandas sociais


que os alunos de graduação e pós-graduação, que compõe o grupo de
pesquisa FEC, perceberam nos estágios supervisionados nas escolas de rede
pública do estado do Rio Grande do Norte. Ao detectar que havia uma
defasagem na diversidade de metodologias nas aulas de história, além de
notar uma ausência de uma problematização mais profunda ao tocar-se no
assunto do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, muitas
vezes apresentado de maneira superficial e apressada, contudo, isso é fruto
também do uso de livros didáticos que ainda não trabalham esses temas de
maneira crítica e não possibilitam uma discussão no âmbito cultural e social
dos povos indígenas e afro-brasileiros.

A utilização dos jogos didáticos nas aulas como um mecanismo mais


atrativo e dinâmico permite passear por esses temas e se necessário fazer
paradas para explanar de maneira mais abrangente sobre casos pontuais.
Os jogos funcionam, portanto, como um facilitador da introdução de temas
ainda tão carentes de discussões e debates em sala de aula, pois é no
período do ensino básico em que há uma série de informações que forjam o
caráter do aluno enquanto cidadão, e se pudermos colaborar nessa
construção com discussões que abram nossos olhos de maneira mais
tolerante e respeitosa às diferenças, colheremos bons frutos em nossa
sociedade.

Referência
Victor André Costa da Silva – Mestrando em História pela UFRN, com bolsa
CAPES e integrante da Base de Pesquisa “Formação dos Espaços Coloniais”,
orientando do Prof. Dr. Lígio José de Oliveira Maia.
Eudymara Queiroz da Cruz - Mestranda em História e graduanda em
pedagogia pela UFRN, orientanda do Prof. Dr. Magno Francisco de Jesus
Santos.
ALMEIDA, Paulo Nunes de. Educação lúdica: técnicas e jogos pedagógicos.
São Paulo: Loyola, 2000.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: História – 5a a 8a séries.


Brasília: .Ministério da Educação, Secretaria da Educação Fundamental,
1998.
Aprendendo
História: CASTRO, Luciana Maria Cerqueira. A universidade, a extensão universitária
MÍDIAS e a produção de conhecimentos emancipadores. In: REUNIÃO ANUAL DA
Página | 380 ANPED, 27, Caxambu, 2004. Anais... Caxambu: ANPEd, 2004. Disponível
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30 mar. 2018.

MIDÕES, Andreia Sofia Alves Correia. A Emergência da Literacia e a criança


em idade pré-escolar: A Educação e o Lazer. 2014. 90 f. Dissertação
(Mestrado) - Curso de Mestrado em Educação e Lazer, Departamento de
Educação, Instituto Politécnico de Coimbra, Coimbra, 2014. Disponível em:
<http://biblioteca.esec.pt/cdi/ebooks/MESTRADOS_ESEC/ANDREIA_MIDOE
S.pdf>. Acesso em: 30 mar. 2018.

NETO, José Alves de Freitas. A transversalidade e a renovação no Ensino de


História. In: VEIGA, Ilma P. A. (Org.). Técnicas de ensino: por que não? 8.
Ed. Campinas: Papirus, 1999.

PIAGET J. Psicologia e pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária,


1976.
DESAFIOS PARA O USO DOS VIDEOGAMES COMO FERRAMENTA DE
EDUCAÇÃO EM HISTÓRIA
Vinícius de Oliveira Ceciliano

Introdução Aprendendo
Com a proliferação dos computadores e consoles pelo globo nas últimas três História:
décadas e meia, a utilização dos videogames como instrumentos de MÍDIAS
reprodução histórica expandiu-se e refinou-se. O mercado de videogames é Página | 381
hoje um dos setores mais rentáveis do entretenimento global por seu apelo
a todas as idades e facilidade de acesso; os jogos históricos, ainda que em
muitos aspectos façam parte de um nicho dentro desta amálgama de
franquias e gêneros, ainda possuem um local de destaque dentro dessa
massiva indústria em constante expansão.

Inicialmente limitado a gêneros específicos, como os jogos de estratégia em


tempo real e de construção de cidades, os videogames históricos alcançam,
hoje, uma pluralidade de gêneros, eras e narrativas. Por seu apelo visual e
interatividade, os videogames garantem uma nova dimensão para a
visualização das diferentes eras históricas, permitindo que o ensino se dê
não de forma passiva, absorvendo conteúdos através da leitura, de uma
aula, ou de um documentário, mas através da interação constante com os
objetos de estudo. Ou seja, “a utilização do jogo no ensino de história passa
a ser considerada uma “nova linguagem”” (FERMIANO, 2013, P.4).

Contudo, por mais valoroso e promissor possa ser o futuro dos videogames
enquanto ferramenta de ensino de história, diversos empecilhos estão em
seu caminho para tal. Meu objetivo, portanto, é explorar alguns destes
maiores impedimentos, deixando claro que eles dizem respeito ao mercado
ocidental de videogames, uma vez que a cultura asiática a cerca dos
mesmos, e em especial em torno de jogos históricos, é bem diferente (e
largamente voltada ao âmbito da fantasia histórica, como o gênero chinês
da Wuxia).

Eurocentrismo
Por motivos históricos e econômicos, a maior parte da indústria ocidental de
videogames se localiza na Europa e na América do Norte (leia-se: Estados
Unidos e, em menor grau, Canadá). Dados do site newzoo.com, que lida
com análises do mercado de videogames, estimam que mais de 40% do
lucro total mundial da indústria de videogames em 2018 provieram dessas
regiões. De fato, o mesmo site coloca que dentre as quinze maiores
editoras (publishers) de videogame do mundo, nenhuma empresa ocidental
se encontra fora do eixo do Atlântico Norte.

Em comparação, a América Latina corresponde a apenas 4% do mercado


consumidor e isto se reflete na baixa quantidade de empresas locais de
tamanho expressivo. Àqueles indivíduos interessados na produção de jogos
resta trabalhar no exterior ou se limitar às produções independentes, de
menor escopo e alcance mesmo dentro de suas respectivas regiões.
Com estes dados, é fácil compreender a origem do que talvez seja o maior
desafio atual para os jogos históricos, a prevalência de vozes e temas feitos
por e destinados para um mesmo público, o norte-americano e europeu
médio. Tamanho desbalanceamento cultural implica que existe não apenas
um excedente de produção remetente a história, cultura e questões sociais
Aprendendo do ocidental europeizado, como uma grande barreira para que se aprenda
História: através dos videogames em países periféricos e sobre países periféricos.
MÍDIAS
Página | 382 Um forte exemplo desta predominância eurocêntrica nas narrativas é a
franquia de tiro em primeira pessoa Call of Duty (Activision Publishing Inc).
Famosa por suas retratações de cenários de conflito da Segunda Guerra
Mundial, é notável que todos os cenários e personagens jogáveis são de
forma quase absoluta norte americanos ou europeus. Cenários fora da
Europa até são mostrados, como o conflito no Oceano Pacífico e no Norte da
África, mas nunca através dos olhos dos povos de tais territórios. O conflito
no pacífico, por exemplo, jamais é mostrado pela perspectiva chinesa,
filipina ou vietnamita; de forma similar, no conflito europeu as perspectivas
são limitadas às europeias e norte-americanas, com a presença de soldados
brasileiros, indianos e diversas nacionalidades em diferentes teatros da
guerra jamais reconhecida ou retratada. Um brasileiro que jogar a franquia
sem maior conhecimento do conflito terá uma perspectiva extremamente
parcial e superficial, sem real compreensão da importância do mesmo em
sua própria história.

As franquias de videogames históricos da Paradox Entertainment (uma das


maiores, se não a maior Publisher do gênero), entre elas Europa
Universalis, Crusader Kings, Victoria e Hearts of Iron também se adequam a
uma perceptível visão eurocêntrica. Estes jogos de Grande-Estratégia
apresentam um mapa global que dá a possibilidade ao jogador de
personificar qualquer estado-nação dos períodos cobertos pelos mesmos,
porém sem em momento algum esconder que os videogames são baseados
em eras históricas europeias e focados no cenário europeu. Em Europa
Universalis IV, caso o título (livremente traduzido como “Europa Universal”)
não seja indicação suficiente, as mecânicas de jogo são centradas e
balanceadas em torno das nações europeias colonizarem o restante do
mundo nos primórdios das grandes navegações, com grande parte do globo
jogável carecendo de diversidade nas opções de gameplay, personalização e
eventos históricos próprios. Mesmo com atualizações posteriores, por vezes
focadas em garantir mecânicas particulares a regiões como a China e a
Índia, ainda é perceptível o foco europeu. O problema se torna mais grave
ao se atentar a um aspecto específico da mecânica: nações de diferentes
continentes e culturas são divididas em “grupos tecnológicos” que garantem
bônus e penalidades para tais nações; tal sistema força nações não-
europeias a “ocidentalizarem” sua tecnologia ou sucumbirem perante as
forças coloniais, pois os jogo as penaliza se não o fizerem. O que deveria
ser uma retratação de um fenômeno real histórico (a imposição cultural e
tecnológica europeia diante das nações periféricas invadidas e colonizadas)
acaba por dizer ao jogador que o modelo europeu foi o único modo possível
de desenvolvimento e qualquer nação estrangeira que tentasse se
desenvolver a seu modo desapareceria. Isto não apenas fere a autonomia
de estilo de jogo do indivíduo como diminui nações não-europeias a um
papel de “atraso inato”, produtos a serem subjugados e colonizados.

Representatividade e precisão histórica


Como já comentado, a indústria dos videogames possui um grande Aprendendo
problema de diversidade. A IGDA (International Game Developers História:
Association), em pesquisa internacional divulgada em janeiro de 2018, MÍDIAS
revelou que dentre os desenvolvedores consultados, 73% eram homens, Página | 383
com 68% dos participantes totais declarando serem caucasianos.
Comparativamente, 23% dos membros consultados eram mulheres, e 19%
se identificavam como não-héteros (sem distinção de gênero). Outros dados
também revelam baixo índice de negros, latinos e pessoas trans. Isto nos
revela que não falta diversidade apenas na distribuição da indústria pelo
globo; internamente a diversidade também é mínima.

A população consumidora dos videogames, no entanto, vem se tornando


cada vez mais diversificada. Em sua tese de mestrado, intitulada “GUERRA
EM JOGO: A Segunda Guerra Mundial em Call of Duty, 2003-2008”, Marco
de Almeida Fornaciari comenta sobre essa diversificação:

"A popularização do videogame também vem acompanhada de uma


diversificação de seu público consumidor. O que antes era visto como um
meio quase exclusivamente masculino, branco e heterossexual agora
convive diariamente com as vozes e interesses de mulheres, minorias
étnicas, homossexuais, dentre outros grupos comumente marginalizados
pela sociedade em geral." (FORNACIARI, 2016, P. 11).

Apesar de uma resistência externa e interna da indústria, traduzida em


movimentos como o Gamergate, que busca “combater” influências
feministas e progressistas dentro dos videogames (desenvolvedoras e
jornalistas), o interesse de grupos marginalizados e periféricos pelos
videogames está em alta, diretamente influenciando na maneira em que
são produzidos e percebidos pelo público geral. A importância da chamada
representatividade nas grandes mídias vem sendo debatida nas últimas
décadas e, embora dentro do mundo dos videogames o debate seja mais
recente, tem crescido em relevância com a maior proeminência de minorias
dentro do universo dos videogames.

Dentro dos videogames históricos, este receio em mostrar um mundo mais


diverso é repetidamente escondido por traz de um argumento de “precisão
histórica” baseada em uma narrativa limitada, ingênua, ou, de fato,
preconceituosa. O jornalista de videogames de descendência árabe, Tauriq
Moosa, dispara sobre a situação: ““Precisão histórica” é uma defesa comum
para ações terríveis dentro da ficção” (MOOSA, 2015, tradução pessoal).
Sua fala remete a controvérsias relacionadas majoritariamente a
videogames passados em períodos medievais fantásticos, como o RPG
(role-playing game) de ação aclamado pela crítica internacional The Witcher
3: The Wild Hunt (CD Projekt Red, 2015). O videogame, que se baseia em
uma série de livros altamente vinculados ao folclore polonês e do leste
europeu, sofreu críticas de Moosa por sua recusa a retratar pessoas de cor.
Os criadores do jogo se defenderam através de uma suposta ideia de que a
Polônia do período representado não seria muito diversa. O autor, então,
procura estabelecer que se a precisão histórica de The Witcher 3 se limita a
ter todos os humanos como brancos, enquanto eles convivem naturalmente
Aprendendo com magia, criaturas folclóricas, principalmente monstros, em reinos que
História: nunca existiram, talvez esta “precisão histórica” seja apenas uma
MÍDIAS conveniente desculpa merecedora de críticas. Segundo o autor, a narrativa
Página | 384 do videogame apresenta temas como preconceito e racismo como
negativos, mas tal debate parece cair por terra ao se exibir um mundo em
que os humanos parecem mais segregados que os monstros que
combatem. Salienta: “Até elfos tem a oportunidade de existir. Pessoas de
cor não" (MOOSA, 2015, tradução pessoal).

Uma polêmica similar envolveu o videogame Kingdom Come: Deliverance


(Warhorse Studios, 2018). Criado, supostamente, para ser uma visão
genuína do período medieval no Reino da Boêmia do século XV, o jogo
recebeu críticas por sua recusa de mostrar pessoas de cor exceto na forma
de inimigos (os turcos do Império Otomano contra quem a Boêmia se
encontrava em guerra). Os desenvolvedores, mais uma vez, recuaram para
a questão da “precisão histórica”, algo curioso, aponta Andreas Inderwildi
em sua matéria no site RockPaperShotgun, tendo em vista que dentro da
história contada no jogo, a quase impossível trajetória de um aldeão que se
torna um grande e poderoso cavaleiro a serviço do rei é contada, além da
retratação de uma boêmia quase austera, sem desvios internos. Para os
desenvolvedores, a Boêmia do século XV era um reino estritamente
homogêneo, onde todas as pessoas aderiam às convenções de suas classes
sociais sem qualquer autonomia ou vontade pessoal e as poucas retratações
de desvio dentro da narrativa são usadas para criar humor e ridicularização.

Questionado quanto ao tema de diversidade e precisão histórica nos


videogames e outras mídias, o historiador medievalista David Perry, em
entrevista ao site techcrunch, tem a dizer sobre The Witcher e outros
mundos fantásticos:

“Se tudo com o que você se importa é precisão histórica, é certamente


possível em qualquer período histórico encontrar um lugar remoto onde
todos são completamente homogêneos. Mas isto não é, eu diria, como a
história medieval era, onde as pessoas encontravam e estavam
completamente cientes de diferentes partes do mundo e o que estava
acontecendo. (...)Quando você cria raças de fantasia, e então usa o
argumento de “Sem pessoas de cor, precisamos ser realistas” você acaba
por revelar suas cartas. Você mostrou que apenas não quer ter um mundo
diverso, que quer promover o mito da homogeneidade, que quer usar
realidade histórica para justificar uma escolha que faz outras pessoas se
frustrarem. (PERRY, 2016, tradução pessoal).

O sexismo talvez seja o problema mais visível dentro dos jogos.


Personagens femininas são desde os primórdios da mídia veículos de
sexualização, com personagens em roupas curtas e reveladoras, dotadas de
corpos cheios de curvas e personalidades instigantes e sensuais.
Personagens femininas em videogames históricos raramente fogem dessa
regra e quando fogem sofrem com outros desserviços. Em Ryse Son of
Rome (Crytek GmBH, 2013), a famosa rainha gaulesa Boudica é retratada
não como a rainha celta líder de grandes exércitos icenos em oposição ao
Império Romano, mas sim como a filha do verdadeiro rei, um personagem Aprendendo
que sequer existe na história real. Os desenvolvedores, aparentemente, História:
acreditaram que a presença de uma poderosa figura feminina na MÍDIAS
antiguidade não era adequada para o tipo de videogame que estavam Página | 385
criando, ainda que a antiguidade não careça de poderosas rainhas.

A série Assassin’s Creed (Ubisoft Entertainment) procura promover dentro


de seus jogos uma visão plural mesmo dentro de sociedades onde a mesma
seria largamente incomum. É possível, por exemplo, observar meninos e
meninas participando das aulas ao ar livre dentro da Alexandria Ptolemaica
de Assassin’s Creed: Origins (Ubisoft Montreal, 2016), um elemento que os
desenvolvedores admitem ser historicamente impreciso, porém se
justificam alegando que:

“A equipe fez a escolha de mostrar ambos os gêneros assistindo aulas


dentro do contexto do mundo de jogo. Ainda que seja historicamente
impreciso, o time sentiu que não era necessário priorizar sexismo histórico
em detrimento de gameplay inclusivo.” (Assassin’s Creed: Origins, 2016,
tradução pessoal).

Tal atitude, ainda que potencialmente positiva, pode ser interpretada como
uma tentativa de diminuir a percepção de conflitos sociais e de gênero
dentro da história. Certamente é um argumento legitimo, e a atitude dos
desenvolvedores é facilmente questionável, pois cria uma falsa ideia da
situação histórica de opressão sofrida pelas mulheres na sociedade
ocidental (e não apenas nela), no entanto a transparência na comunicação
do que motivou a decisão é até um alívio diante dos argumentos contra a
diversidade que vimos anteriormente.

Abstração e simplificação histórica em mecânicas de jogo.


Raros são os videogames que oferecem mais do que um ou dois parágrafos
de contexto em relação a elementos do jogo. Entre eles, Sid Meier’s
Civilization V (Firaxis Games, 2010) e Age of Empires 2 (Ensemble Studios,
1999), oferecem dentro de si minienciclopédias explicando elementos
presentes em seus jogos como feudalismo, comércio e a origem de certas
civilizações e pessoas históricas. Ainda assim, há um valor educativo
inerente dentro deles, um que foge do controle dos desenvolvedores, pelo
fato de abordarem um assunto naturalmente relacionado ao conhecimento.

O gênero de estratégia, em suas mais variadas formas, é o mais


proeminente dentro dos videogames históricos por permitir ao jogador
assumir o controle de civilizações e nações em diferentes períodos,
mudando os rumos da história ou fazendo seguir como deveria. Neles, os
jogadores podem controlar as forças militares, o sistema de governo, a
religião adotada, aspectos sociais e uma pletora de outros elementos
pertinentes ao estado. Tal personificação do jogador enquanto um líder
absoluto de uma nação ou civilização é, por si, uma abstração do elemento
histórico: mesmo no absolutismo, uma única pessoa não seria responsável
por toda a trajetória nacional, do aspecto militar ao civil.

Aprendendo O que chama a atenção nestes elementos é a simplificação de longos e


História: árduos processos históricos como a reforma protestante e o início das
MÍDIAS grandes navegações; e de complexos sistemas como a coleta de impostos,
Página | 386 estabelecimento de canais diplomáticos e rotas comerciais. Tais atos e
acontecimentos são alcançados com o clicar de um botão e iniciados quase
sem contexto. A complexidade do sistema colonial se transforma, quando
retratado em Europa Universalis IV (Paradox Entertainment, 2013) , em
uma série de números e bônus econômicos, livres das questões sociais
remetentes ao período, como o massacre das populações nativas. Isto
descontextualiza as ações do jogador e transforma processos de opressão
histórica por parte do colonizador em um objetivo a ser conquistado sem
qualquer questionamento, afinal jogos são feitos para serem vencidos. Faz
parte da natureza da mídia.

Dentro de Sid Meier’s Civilization V, o jogador também assume o papel de


uma civilização histórica, a qual deve guiar através de um processo
civilizatório especifico da pré-história até o futuro próximo. Civilization V,
peca ao assumir o processo civilizatório como algo único: reproduz o
processo civilizatório europeu para todas as civilizações, qualificando o
mesmo como único processo civilizatório possível. Há diversos exemplos de
civilizações que não desenvolveram, por exemplo, a escrita ou o registro
histórico (seja através da escrita ou da oralidade) e, ao definir um processo
restrito e previsível de desenvolvimento civilizatório, a série acaba por
passar uma ideia errada do mesmo. História e seu desenvolvimento se
transformam em um sistema quantificável, de maximizar ganhos e
minimizar perdas, perdendo o aspecto humano e social envolvido.

A raiz do problema se encontra que tais videogames não se preocupam em


reproduzir a história, mas sim em modelar a mesma através de simulações
abstratas e simplistas. Jogá-los serve como uma ótima forma de visualizar
períodos de tempo, mas não em compreendê-los. A realidade ambígua da
história se perde nestas mecânicas abstratas de uma forma que é danosa
quando não se possui o devido contexto.

Considerações Finais
É importante deixar claro que a maioria dos videogames históricos não
afirma serem detentores de algum valor educativo, muito menos se
propõem, na maioria dos casos, a serem didáticos. Enquanto eu espero que
questões como o eurocentrismo presente na indústria e os problemas de
diversidade se ajustem com o tempo, através de transições que já são
visíveis por todo o ocidente, a questão da abstração é algo que,
potencialmente, jamais terá solução. Videogames são feitos para serem
divertidos e a abstração e simplificação de elementos necessária para que
funcionem como tal.
A meu ver, mesmo com todas as ressalvas apontadas, videogames já são
ferramentas extremamente úteis para modernizar a forma como o individuo
interage e aprende com a história. Hoje, porém, servem apenas como um
caminho para a educação, a fonte introdução para conceitos e épocas a
serem revisitados e aprofundados no estudo tradicional.
Aprendendo
É a minha expectativa, porém, que a indústria logo alcance um nível de História:
refinamento que passear pelas ruas de Atenas através de um avatar virtual MÍDIAS
se torne de riqueza educacional tão valiosa quanto uma aula tradicional. Página | 387

Referências
Vinícius de Oliveira Ceciliano é estudante de graduação na Faculdade de
História da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Orientador: André Bueno.

FERMIANO, Maria A. Belintane. O JOGO COMO UM INSTRUMENTO DE


TRABALHO NO ENSINO DE HISTÓRIA? Disponível em:
https://www.ufrgs.br/lhiste/o-jogo-como-um-instrumento-de-trabalho-no-
ensino-de-historia-2/

FORNACIARI, Marco de Almeida. A GUERRA EM JOGO A Segunda Guerra


Mundial em Call of Duty, 2003-2008. 2016. Disponível em:
http://www.historia.uff.br/stricto/td/2010.pdf

INDERWILDI, A. Kingdom Come Deliverance's quest for historical accuracy


is a fool's errand. RockPaperShotgun, 2018. Disponível em:
https://www.rockpapershotgun.com/2018/03/05/kingdom-come-
deliverance-historical-accuracy/

WIJMAN, T. Mobile Revenues Account for More Than 50% of the Global
Games Market as It Reaches $137.9 Billion in 2018. NewZoo, 2018.
Disponível em: https://newzoo.com/insights/articles/global-games-market-
reaches-137-9-billion-in-2018-mobile-games-take-half/

MOOSA, T. Colorblind: On The Witcher 3, Rust, and gaming's race problem.


Polygon, 2015. Disponível em:
https://www.polygon.com/2015/6/3/8719389/colorblind-on-witcher-3-rust-
and-gamings-race-problem

PERRY, D. The Inaccuracy Of “Historical Accuracy” In Gaming And Media.


2016. Entrevista concedida a Arthur Chu. Disponível em:
https://techcrunch.com/2015/09/15/missing-the-target/
Aprendendo
História:
MÍDIAS
Página | 388

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