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ISSN 2318-0811
Volume II, Número 2 (Edição 4) Julho-Dezembro 2014: 677-696
Apesar das interpretações dadas por vinculadas uma a outra. Sua argumentação
Higgs ou Peacock, O Caminho da Servidão é comumente mal-interpretada como se
toca em vários temas caros à Escolha sugerisse que desenvolvimento econômico
Pública além dos benefícios concentrados seria apenas possível em uma ordem política
e custos dispersos. Em sua discussão sobre liberal. Fosse esse o caso, abundariam
a importância do estado de direito (rule of exemplos empíricos em contrário
law), por exemplo, Hayek antecipou um tema mostrando econômico em sociedades sob
que seria continuamente reiterado na obra ditaduras autoritárias. O argumento liberal
de James M. Buchanan. Normas, ao invés estaria refutado ou, ao menos, seriamente
de discricionariedade, por “atarem as mãos posto em causa25. O ponto de Hayek, por
do rei”, provêm a segurança jurídica (legal certo, era mais limitado e refinado que tão
certainty) necessária para o desenvolvimento estreita relação social de causalidade. Ele
da sociedade comercial. Hayek, de fato, argumenta que controle econômico não
descreve normas formais como “instrumentos controla somente
de produção” (instruments of production) 23, um setor da vida humana, distinto dos
numa fraseologia que ressoa na distinção de demais. É o controle dos meios que
Buchanan entre “Estado Produtivo” e “Estado contribuirão para a realização de todos os
Redistributivo”24. nossos fins. Pois quem detém o controle
exclusivo dos meios também determinará
Hayek fornece uma das mais
a que fins nos dedicaremos, a que valores
articuladas fundamentações da tese liberal atribuiremos maior ou menor importância
que as liberdades econômica e política são – em suma, determinará aquilo em que os
homens deverão crer e por cuja obtenção
da sociedade como um todo. Consideremos apenas deverão esforçar-se. Planejamento central
o caso mais característico: quando, num setor significa que o problema econômico
industrial, capitalistas e trabalhadores concordam será resolvido pela comunidade e não
numa política de restrição, explorando, assim, pelo indivíduo; isso, porém, implica
os consumidores, não há em geral dificuldade que caberá à comunidade, ou melhor,
na divisão dos lucros de forma proporcional aos seus representantes, decidir sobre
aos ganhos anteriores ou de acordo com algum
princípio semelhante. O prejuízo, porém, partilhado
por milhares ou milhões de consumidores, costuma
25
Para argumentos desse tipo, ver, por exemplo:
ser simplesmente menosprezado, ou não é levado PRZEWORSKI, A. & LIMONGI, F. Political Regimes
na devida consideração (p. 77). and Economic Growth. Journal of Economic
Hayek seguiu argumentando que “justiça” no Perspectives, Summer 1993: 51-69. Há diversos
planejamento requereria que ganhos e perdas problemas que imediatamente se revelam. Primeiro,
decorrentes das políticas públicas fossem igualmente não se trata de argumento liberal levantado por F.
considerados pela autoridade responsável, mas dada A. Hayek em O Caminho da Servidão nem por Milton
a complexidade da corrente de eventos e da natureza Friedman (1912-2006) em Capitalismo e Liberdade
indireta dos efeitos dessas políticas, não haveria [FRIEDMAN, Milton. Capitalism and Freedom.
motivação suficientemente forte para que o prejuízo Chicago: Chicago University Press, 1962]. Segundo,
“partilhado por milhares ou milhões” fosse incorporado ao a análise parte da premissa que desenvolvimento
processo de tomada de decisões de maneira adequada. econômico seja sinônimo de taxas de crescimento
A natureza discricionária do planejamento, no (isto é, as dificuldades de economia agregada não
entanto, obriga as autoridades a fazerem julgamentos são enfrentadas adequadamente). Finalmente, a
exatamente desse tipo. Abandonar a segurança estrutura política de facto da sociedade em questão é
jurídica (“rule of law”) pela discrição do planejamento deixada virgem nesses estudos. Por exemplo, na China
equivaleria, segundo Hayek, a um retorno não- contemporânea, muito do “sucesso” das reformas
intencional à regência por posição social (“rule of econômicas pode ser atribuído a descentralizações
status”) contrário à igualdade contratual. políticas de facto que ocorreram na metade para o final
da década de 1980. Ver: WEINGAST, B. The Economic
23
HAYEK. O Caminho da Servidão. p. 91.
Role of Political Institutions. Unpublished manuscript.
BUCHANAN, James. The Limits of Liberty. Chicago:
24
Hoover Institution on War, Revolution and Peace,
The University of Chicago Press, 1975. Stanford University, 1993. p. 33-40.
Uma Retrospectiva sobre O Caminho da Servidão de Hayek: A Falha de Governo no Debate Contra o Socialismo
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que a teoria econômica acadêmica foi Planejamento racional passou a ser visto como
tornando-se mais tecnicamente refinada mais do que mera alternativa viável a ser
e mais rarefeita na apresentação de seus debatida, tornando-se a única opção contra
teoremas básicos, a compreensão mais o caos. Políticas econômicas de cunho liberal
intuitiva e apreciativa dos processos rivais de clássico passaram a representar a crença
mercado que caracterizaram os economistas dos ingênuos e dos ignorantes. O mundo
clássicos e os primeiros desenvolvimentos moderno tornara-se complexo demais para
da economia neoclássica foi rejeitada como ideias provenientes dos séculos anteriores
não-científica37. O outro lado da moeda do terem qualquer valor prático.
desenvolvimento do modelo de competição John Maynard Keynes argumentou
perfeita e das condições estritas requeridas que, enquanto alguns podem ainda
foi o desenvolvimento da teoria das falhas prenderem-se a velhas ideias da política
de mercado. Diz-se que há falhas no mercado econômica liberal, “em nenhum país do mundo
sempre que a realidade capitalista não hoje essas são reconhecidas como sendo uma força
alcança as condições do modelo de perfeita séria”38. O fato significativo a ser lembrado é
competição dos manuais. Externalidades, bens Keynes considerar-se, além de ser visto por
públicos, monopólio, competição imperfeita e outros como, um realista dentro da tradição
instabilidade macroeconômica passaram a ser liberal clássica. Keynes não era um socialista
consideradas características das economias radical, mas um autoproclamado salvador
de mercado do mundo real e necessitariam de da ordem burguesa39. A ideia keynesiana
ações concretas e positivas dos governos para pregava uma intervenção racional dos
contrabalançar seus resultados socialmente governos para o aperfeiçoamento dos
indesejáveis. mecanismos e dos resultados da economia
Esses desenvolvimentos teoréticos de mercado. Ele propunha combinar a
trouxeram novas cores às interpretações socialização do mercado de capitais com
históricas. A Era Progressista nos Estados as tradições políticas novecentistas da Grã-
Unidos, por exemplo, passou a ser vista como Bretanha. Se imaginava a socialização dos
um movimento de interesse público no afã investimentos como a única solução para
de eliminar problemas sociais através de assegurar pleno emprego, tal reforma não
ações governamentais positivas. O cinismo aconteceria, na análise dele, no rompimento
em relação as propostas dos grupos de com a sociedade burguesa. Keynes concebia
interesse para controlar a livre concorrência, sua teoria como uma extensão do liberalismo
atribuído por Hayek corretamente ao clássico e não, uma rejeição. Sua defesa de
liberalismo novecentista, desaparecera em uma maior participação governamental no
favor de um otimismo quanto à capacidade planejamento da economia era, na opinião
das autoridades governamentais em corrigir dele, uma tentativa pragmática para salvar
o que havia de errado no mundo. o individualismo e evitar a destruição do
A grande depressão simplesmente sistema econômico vigente40.
solidificou a “vitória” da crítica socialista ao
liberalismo. O colapso das economias dos
Estados Unidos e do Reino Unido abalaram a 38
KEYNES, John Maynard. National Self-Sufficiency.
fé de toda uma geração no sistema capitalista. The Yale Review, New Series, Vol. XXII, No. 4 (June
1933): 755-69. Cit. p. 762.
39
KEYNES, John Maynard. Laissez Faire and
Communism. New York: New Republic, 1926. p. 129-
37
Para uma história do pensamento anti-Whig a respeito
30.
do ferramental da análise econômica e, nominalmente,
do modelo de competição perfeita, ver: MACHOVEC, 40
KEYNES, John Maynard. The General Theory
Frank. Perfect Competition and the Transformation of Employment, Interest and Money. New York:
of Economics. New York: Routledge, 1995. Harcourt Brace Jovanovich, 1964 [1936]. p. 378-81.
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político democrático foi desenvolvido sobre aça à liberdade política. Keynes, por exemplo,
a perspectiva de tornar-se um regime no em resposta a O Caminho da Servidão, escreveu:
qual casa um dos cidadãos individualmente Deve-se dizer que o que se quer não é ausên-
inequivocamente expressaria as informações cia de planejamento, ou até mesmo menos
necessárias sobre a gama de bens e serviços planejamento; de fato, deve-se afirmar a qua-
públicos demandados o nível dos impostos se certeza de se querer mais. Contudo, pla-
nejamentos devem ocorrer em comunidade
a serem pagos. Democracia seria o modelo
onde o maior número de pessoas possível,
ideal de auto-governança. O espírito de
tanto líderes quanto seguidores, comparti-
época requeria uma expansão do poder lhem completamente a necessária posição
democrático, não, restringi-lo46. Diante moral. Planejamento moderado será mais
do fracasso da ordem econômica liberal, seguro se aqueles responsáveis por sua re-
governos democráticos poderiam facilmente alização estão com suas mentes e corações
corrigir o rumo através do uso sensato apontados na direção certa quanto às ques-
de planejamentos racionais. Caso a ação tões morais envolvidas47.
governamental falhe, não seria devido à
fraqueza estrutural inerente ao sistema Na medida em que “boas” pessoas este-
democrático (tal como a impossibilidade jam encarregadas, nada haveria de censurável
de o governo calcular racionalmente o uso num planejamento econômico central. Inclusi-
alternativo de recursos escassos sem os sinais ve, esse seria desejável.
de mercado). Bastaria aos agentes políticos A posição de Hayek não foi tratada com
juntar mais informações e trabalhar mais a a mesma gentileza de Keynes pela maioria dos
fundo na próxima vez. seus críticos, mas ele tinha quem o apoiasse.
Planejamento e expansão dos procedi- Joseph Schumpeter, por exemplo, escreveu,
mentos democráticos sobre áreas além do seu em 1946, uma resenha positiva no Journal of Po-
âmbito tradicional não eram vistos como ame- litical Economy48, como também fez, em 1945,
Aaron Director (1901-2004) no American Eco-
nomic Review49. Porém, a maioria mesmo das
46
Hayek entendeu bem tal desenvolvimento, tanto
que dirigiu uma crítica àquilo que poderia ser descrito resenhas acadêmicas mais influentes não fo-
como o “fetichismo democrático” da época, ou em suas ram favoráveis. Barbara Wootton (1897-1988)
palavras: escreveu uma crítica equilibrada e respeitosa
Hoje em dia, costuma-se concentrar a atenção na na obra Freedom Under Planning [Liberdade
democracia, julgando-a o principal valor que está
sob Planejamento]50 de 1945. Aliás, o livro de
sendo ameaçado. Isso, porém, não deixa de ser
perigoso. De fato, essa ênfase desmedida no valor Wootton foi escrito com tamanha qualidade
da democracia é responsável pela crença ilusória e
infundada de que, enquanto a vontade da maioria
for a fonte suprema do poder, este não poderá ser
47
KEYNES, John Maynard. Employment Policy. In:
arbitrário [...] The Collected Writings of John Maynard Keynes,
É injustificado supor que, enquanto o poder for Volume 27: Activities 1940-1946 – Shaping the Post-
conferido pelo processo democrático, ele não war World: Employment and Commodities. Edited by
poderá ser arbitrário. Essa afirmação pressupõe Donald Moggridge. London: Macmillan / Cambridge
uma falsa relação de causa e efeito: não é a fonte University Press / St. Martin’s Press for the Royal
do poder, mas a limitação do poder, que impede Economic Society. 1980. p. 387.
que este seja arbitrário. O controle democrático 48
SCHUMPETER, Joseph A. Review of F. A. Hayek,
pode impedir que o poder se torne arbitrário, mas The Road to Serfdom. Journal of Political Economy, Vol.
a sua mera existência não assegura isso. Se uma 54, No. 3 (June 1946): 269-70.
democracia decide empreender um programa 49
DIRECTOR, Aaron. Review of F. A. Hayek, The Road
que implique necessariamente o uso de um poder
to Serfdom. The American Economic Review, Vol.
não pautado por normas fixas, este se tornará um
XXXV, No. 2 (June 1945): 173-75.
poder arbitrário (HAYEK, F.A. Hayek on Hayek:
An Autobiographical Dialogue. Chicago: Chicago 50
WOOTTON, Barbara. Freedom Under Planning.
University Press, 1994. 86-87). Chapel Hill: University of North Carolina Press, 1945.
Uma Retrospectiva sobre O Caminho da Servidão de Hayek: A Falha de Governo no Debate Contra o Socialismo
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que mesmo sendo reputado como uma críti- uma ausência de conhecimentos básicos de
ca, permitiu escritores liberais partidários de ciência política e uma ignorância sobre ciência
Hayek verem-no como se confirmasse a tese da administração, bem como de realizar um
dele51. Wootton foi uma exceção em meio aos ataque direto aos principais valores do regime
críticos de O Caminho da Servidão. democrático que expressaria uma atitude
Herman Finer (1898-1969), com seu livro autoritária em relação às pessoas comuns.
The Road to Reaction [O Caminho da Reação], Charles Merriam (1874-1953), ao
de 1945, marcou o tom, ao acusar O Caminho da resenhar em 1946 os trabalhos de Herman
Servidão de ser “a mais tenebrosa ofensiva contra Finer e Barbara Wootton em conjunto, relegou
a democracia surgida em país democrático em Wootton a um segundo plano, focando-se
décadas”52. A verdadeira alternativa à ditadura, endossar firmemente a crítica de Finer53. Ele
Finer assegurou a seus leitores, não seria refere-se ao livro de Hayek como “uma obra
individualismo econômico e concorrências, sobrevalorizada com baixo teor duradouro” e
mas um governo democrático totalmente colocou que não havia sido escrita polêmica
comprometido com o povo. O mundo de política mais efetiva desde a crítica de Henry
Hayek, de acordo com Finer, acarretaria em George (1839-1897) a Herbert Spencer (1820-
indivíduos sob o controle de aristocratas ou 1903) no livro A Perplexed Philosopher54, de
da burguesia endinheirada. Pessoas livres, no 1892. A obra de Finer, diferentemente da
entanto, governar-se-iam sem tais senhores. de Hayek, “transpira o espírito democrático
Planejamento econômico seria, simplesmente, da confiança e contém um plano progressista
democracia em ação, e justificar-se-ia sempre baseado na esperança e não no medo”55. Na sua
que houvesse uma ação governamental bem- própria resenha de O Caminho da Servidão,
sucedida. Finer acusou Hayek de utilizar publicada em 1944, Merrian antecipara-se à
uma linguagem confusa e ludibriante, de crítica de Finer de que Hayek seria confuso,
equivocar-se sobre o conceito de Estado de pouco erudito e arrogante, concluindo, contra
Direito (rule of law) por esse estar além da Hayek, que:
capacidade amadorística de compreensão Do planejamento bem feito emergirá
de Hayek, de ser preconceituoso no a liberdade humana em larga escala, o
entendimento sobre processos econômicos, de crescimento da personalidade humana, a
ter feito uma pesquisa pobre, de demonstrar expansão das possibilidades criativas da
humanidade. A evolução criativa consciente
– senhora-de-si ao invés de deixar-se levar
pelas circunstâncias – aponta o caminho aos
51
Ver, por exemplo, a resenha de Frank Knight na
qual ele sugeriu que “comparativamente pouco é dito
mais elevados níveis e mais altas ordens
explicitamente sobre o que Hayek, ou qualquer opositor da vida humana. O Caminho da servidão
de ‘planejamento’, no significado atual de ‘economia é não planejar, mas ficar à deriva, sem
planificada’ (um eufemismo para socialismo de estado), disposição para mudanças, sem capacidade
necessitariam discordar”. Knight seguiu acrescentando
que a impressão decorrente da leitura do livro seria de 53
MERRIAM, Charles. Review of Barbara Wootton,
“uma notória contradição entre, por uma lado, o tom e as
Freedom Under Planning, and Herman Finer, The Road to
implicações evidentes de praticamente todo o argumento e,
Reaction. American Political Science Review, Vol. XL,
por outro, os compromissos assumidos com qualquer posição
No. 1 (February 1946): 131-36.
de política social” (KNIGHT, Frank. Freedom Under
Planning. Journal of Political Economy, October 54
GEORGE, Henry. A Perplexed Philosopher: Being
1946: 451-54). Ver, também, a extensa resenha de John an Examination of Mr. Herbert Spencer’s Various
Jewkes (1902-1988) ao livro de Wootton: JEWKES, John. Utterances on the Land Question, with Some
Review of Barbara Wootton, Freedom Under Planning. Incidental Reference to His Synthetic Philosophy.
The Manchester School of Economics and Social New York: Charles L. Webster & Company, 1892.
Studies, January 1946: 89-104. 55
MERRIAM. Review of Barbara Wootton, Freedom
FINER, Herman. The Road to Reaction. Chicago:
52
Under Planning, and Herman Finer, The Road to Reaction.
Quadrangle Books, 1963 [1945]. p. v. p. 135.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Peter J. Boettke 691
vantados por Mises e Hayek no senso comum com os quais trabalhava, as técnicas de aná-
daquele tempo. Deles, tanto a visão quanto a lise que utilizava, todo seu modo de opera-
análise dos processos políticos e econômicos ção era de um economista austríaco. E, apesar
eram absolutamente incompatíveis com tudo de seu afastamento das questões econômicas
o que era sugerido pela cultura intelectual das formais, tal aparato analítico permaneceu in-
democracias ocidentais no período entre 1930 tacto. Hayek usou a teoria da ordem espontâ-
e 1975. Mesmo que houvesse manifesta oposi- nea de Carl Menger (1840-1921) e a teoria do
ção normativa da elite intelectual no Ocidente processo de mercado de Ludwig von Mises
quanto a aspectos do modo em que a União ao examinar a emergência das regras de pro-
Soviética estivesse introduzindo uma “nova priedade privada, o desenvolvimento do com-
civilização”, a tentativa do país em colocar mon law, o crescimento do comércio, as regras
a vida social sob uma orientação racional e de conduta moral, etc. Obviamente, Hayek
consciente embasada cientificamente, isso era era um acadêmico singular e lia vastamente
algo a ser aplaudido. Os fracassos econômicos as mais variadas disciplinas – ele não poderia
do sistema soviético eram atribuídos ao seu ser acusado de “economicismo” em sua obra.
atraso histórico, e os problemas políticos, à Ele simplesmente “lia” essa informação reco-
falta de uma tradição democrática na história lhida através das lentes analíticas austríacas.
russa. O nazismo alemão, pelo contrário, se- Isso é algo completamente perdido por aque-
ria uma consequência do caráter alemão e de les preocupados com o liberalismo de Hayek.
falhas do capitalismo, e não, da corrupção de O liberalismo provia Hayek com um conjunto
instituições liberais decorrente da introjeção de de problemas, mas maneira como Hayek os
princípios socialistas, como Hayek contestava. tratava era austríaca do começo ao fim.
O desenvolvimento histórico subsequen- Embora as visões que se mantém sobre
te parece ter persuadido muitos de que a visão “homens” e “sociedade” providenciarem as
de Hayek estava correta em essência60. Infe- bases da análise social, aquelas não constituem
lizmente, isso não se traduziu em reconheci- essa. Conforme disse Joseph Schumpeter:
mento de sua contribuição analítica à política Para que problemas sejam postos como tais,
e à economia, e isso não é menos verdadeiro é mister primeiro visualizar-se um padrão
quanto àqueles amplamente favoráveis à visão distinto de fenômenos coerentes como objeto
liberal clássica de Hayek como quanto aos que merecedor do recebimento de esforços
analíticos. Noutras palavras, esforços
se opunham radicalmente à sua visão.
analíticos são necessariamente precedidos
por um ato cognitivo pré-analítico que lhes
fornece matéria-prima61.
III - Confusões Analíticas
Assim, que um determinado problema
F. A. Hayek, acima de tudo, era um eco- é identificado, passa-se à sua análise, e os
nomista “austríaco”. Os problemas analíticos seus resultados não são neutros em relação ao
método de análise.
O estilo austríaco de análise de Hayek,
60
HEILBRONER, Robert. Analysis and Vision in the
History of Modern Economic Thought. Journal of
contudo, perdeu suporte nos anos 1940
Economic Literature, Vol. XXVIII, No. 3 (September e, desde então, encontra-se afastado da
1990): 1097-114. Para uma resposta à argumentação de corrente principal do pensamento econômico.
Robert Heilbroner (1919-2005) de que Ludwig von Mises Recapitulando a tese introdutória, economia
e F. A. Hayek possuíam uma maior visão presciente, da “Escolha Pública” era a aplicação da
mas do que não se seguiria, necessariamente, terem
uma análise econômica correta, ver: BOETTKE, Peter
análise econômica da corrente majoritária aos
J. Analysis and Vision in Economic Discourse. Journal
of the History of Economic Thought, Vol. 14, No. 1
(Spring, 1992): 84-95. 61
SCHUMPETER. History of Economic Analysis. p. 41.
MISES: Revista Interdisciplinar de Filosofia, Direito e Economia
Peter J. Boettke 693