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BRASIL
BEATRIZ JUCÁ
As marcas deixadas pela ditadura militar ainda são uma ferida aberta na memória da
aldeia Ocoy, uma comunidade de indígenas Avá-guarani localizada em São Miguel do
Iguaçu, a quase 600 quilômetros de Curitiba, no oeste do Paraná. Há décadas, os
xeramõi — lideranças espirituais da etnia — repetem a mesma história para as novas
gerações. Nas escolas ou nas casas de reza, contam como viram suas terras serem
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20/04/2019 Povos Indígenas: Ditadura militar, uma ferida aberta na aldeia Ocoy | Brasil | EL PAÍS Brasil
engolidas pelas águas da usina hidrelétrica Itaipu Binacional, uma obra emblemática da
política desenvolvimentista da ditadura militar. Os relatos daquela época são
reproduzidos pelos mais jovens com imagens das ocas incendiadas e pressões violentas
para expulsar os "parentes" da área que seria ocupada pelo megaempreendimento. O
Governo adotou subjetivos "critérios de indianidade" para determinar quem teria direito
à terra e reconheceu apenas cinco das doze famílias da região como tradicionalmente
indígenas. O projeto desenvolvimentista, cuja construção começou em 1973, culminou
em um êxodo da etnia a outros Estados do Brasil e ao Paraguai.
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A comissão estima que cerca de dez etnias desapareceram por culpa ou omissão da
ação do Governo militar. E há casos emblemáticos de violação, como por exemplo o dos
Waimiri Atroari, que foram massacrados durante a construção da BR-174, na década
setenta. Dos 3.000 indígenas que havia antes da obra, restaram 350. Os yanomami, um
dos povos mais isolados do Brasil até hoje, tiveram suas terras invadidas por
garimpeiros no período com o aval do regime. Já os indígenas Avá-Canoeiro, do
Tocatins, foram capturado por órgãos públicos federais e expostos em uma fazenda em
um quintal cercado.
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Neste ano, a história recontada à exaustão nas últimas décadas pelos indígenas ganhou
uma preocupação a mais: a de que o presidente Jair Bolsonaro — o primeiro a defender
a ditadura desde a redemocratização — retome políticas que deixaram um alto custo
aos Avá-guarani. "Ter um presidente que era militar dá mais preocupação, né?", diz
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Celso. "Antigamente, a gente sofria muita violência por conta de arma de fogo e facão. O
novo governo dá medo de que isso volte, mas a gente está mais preparado que naquela
época [da ditadura]. A gente hoje luta com a caneta, pra defender nossos direitos",
afirma.
O receio que toma a aldeia Ocoy está ancorado no discurso que o presidente Jair
Bolsonaro dissemina desde a campanha eleitoral. Há uma retomada da defesa de uma
política desenvolvimentista e da posição contrária às demarcações de terras. "Vamos
integrá-los à sociedade. Como o Exército faz um trabalho maravilhoso no tocante a isso,
incorporando índios às Forças Armadas", afirmou Bolsonaro em entrevista à
GloboNews, em agosto do ano passado, antes de ser eleito. Durante a ditadura, o
Governo militar criou as chamadas Guardas Rurais Indígenas, espécie de milícias
armadas com revólveres e cassetetes responsáveis pelo policiamento nas aldeias. "Essa
foi uma experiência extremamente negativa que não só gerou mais violência como
reprodução de certos métodos internos em relação a esses grupos", avalia o procurador
Julio José Araújo Junior, que integra o Grupo de Trabalho Povos Indígenas e Regime
Militar, da 6ª Câmara do Ministério Público Federal.
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No primeiro dia após tomar posse como presidente, Bolsonaro publicou a Medida
Provisória 870, que transferiu a Funai para o recém-criado Ministério da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos, além de transferir a questão da demarcação de terras
para o Ministério da Agricultura, historicamente dominado por ruralistas e alinhado ao
agronegócio. As mudanças geraram forte reação de entidades indigenistas, que acusam
as ações do Governo de inconstitucionais, além de considerarem um desrespeito à
Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que desde 2004
estabelece consulta prévia aos indígenas para alterações na política indigenista.
"Há um cheiro de que tudo parece novo, mas na verdade [essas iniciativas] tem tudo a
ver com um debate que foi derrotado depois da ditadura. Juridicamente, é um projeto
que não se sustenta", diz o procurador Júlio Araújo. Isso porque a Constituição de 1988
garantiu aos indígenas não só o direito à demarcação de suas terras tradicionais, mas
também o direito de viverem como julgarem pertinente, respeitando a diversidade de
organizações sociais nas centenas de etnias que vivem no país. Agora, Bolsonaro ensaia
retomar uma lógica integracionista já refutada pela própria carta magna brasileira. "Há
uma lógica desses governos de entender o interesse nacional como superior e capaz de
subjugar as populações tradicionais em nome de um determinado projeto de
desenvolvimento", pontua o procurador.
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Mas o problema, segundo o procurador, está longe de ser exclusivo ao atual Governo. As
tensões sobre as demarcações de terras seguiram em todos os governos desde a
redemocratização, e o prazo de conclusão delas de cinco anos, presente no texto
constitucional, não foi respeitado. O temor das entidades indigenistas é de que, com o
discurso contra as demarcações, os conflitos no campo sejam acirrados e culminem em
novas mortes. Desde que a Constituição foi aprovada, há 30 anos, houve avanços em
várias pautas indígenas. As demarcações na Amazônia Legal tiveram um alcance
significativo, embora as do centro-sul do país tenham encontrado mais resistência. A
Funai, que ao longo da história teve uma posição ambivalente, conseguiu construir uma
visão sobre a política indigenista para além do assistencialismo. Mas o Brasil ainda está
longe de reparar os danos aos povos tradicionais. A Comissão da Verdade que
identificou extermínios de povos inteiros não chegou a responsabilizar culpados, mas
determinou que as investigações continuem — um desafio para um país que parece
ainda tolerante aos crimes cometidos durante a ditadura.
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