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MITO, HISTÓRIA, MEMÓRIA E AÇÃO:

BANDEIRANTISMO E USOS DO PASSADO NO


PENSAMENTO DE ALFREDO ELLIS JR.

MYTH, HISTORY, MEMORY AND ACTION:


BANDEIRANTISMO AND USES OF THE PAST IN THE
THOUGHT OF ALFREDO ELLIS JR.

Diogo da Silva Roiz*

Resumo: O objetivo principal deste Abstract: The objective of this article


artigo é estudar a trajetória intelectual is to study the intellectual history of
de Alfredo Ellis Jr, entre 1930 e 1937, Alfredo Ellis Jr., between 1930 and
inquirindo como apreendeu as discus- 1937, asking how he assimilated the
sões sobre a Revolução de 1930 e de discussions about the Revolution of
1932. Durante esse período esteve na 1930 the 1932. During this period,
Assembléia Legislativa do estado de he was in the Legislature of the sta-
São Paulo, como deputado estadual, te of Sao Paulo, as state legislator, he
foi ao combate na Revolução Consti- went to fight in the Constitutional
tucionalista, exerceu o ofício de pro- Revolution, held the craft of history’s
fessor de história e voltou para a As- professor and returned to the Assem-
sembléia Constituinte de São Paulo. bly in São Paulo.

Palavras-chave: Intelectuais pau- Key-Words: Intellectuals from São


listas; Bandeirantismo; Década de Paulo; “Bandeirantism”; Decade of
1930; Alfredo Ellis Jr. 1930; Alfredo Ellis Jr.

Introdução

O objetivo principal deste artigo é estudar a trajetória intelectual de


Alfredo Ellis Jr, entre 1930 e 1937, inquirindo como apreendeu as discus-
sões sobre a Revolução de 1930, de 1932 e durante o Estado Novo. Du-
rante esse período esteve na Assembléia Legislativa do estado de São Paulo,
como deputado estadual, foi ao combate na Revolução Constitucionalista,
exerceu o ofício de professor de história e voltou para a Assembléia Consti-
tuinte de São Paulo, pelas eleições de 1934.
Entender o movimento do processo histórico na tensão permanente
entre passado, presente e futuro, sempre esteve entre às pretensões dos his-

*
Doutorando em História pela UFPR, bolsista do CNPq. Mestre em História pela UNESP.
Professor da UEMS. E-mail: roizd@uems.br

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toriadores, ao buscarem compreender a sua época. Nesse sentido, as traje-
tórias de Alfredo Ellis Jr. (1896-1974), Fernando de Azevedo (1894-1974)
e Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), são importantes por que ex-
pressaram diferentes formas de pensar a História e praticar a sua escrita, entre
as décadas de 1920 e 1950. Mais diretamente, cada um deles ancorou suas
interpretações sobre a história de São Paulo e do Brasil, ora dando destaque
ao passado, ora ao presente, ora ao futuro, e estas estiveram alicerçadas so-
bre posturas intelectuais e ações políticas distintas entre cada um deles. O
que quer dizer que na medida em que as sociedades e os indivíduos se in-
terrogam sobre sua condição, abre-se a possibilidade para uma significativa
alteração, quanto à maneira de se entender e de se interpretar o presente e,
por extensão, também o passado e o futuro.
Em linhas gerais, o problema que nos ocupamos é refletir qual o tipo
de regime de historicidade, tal como o definiu François Hartog (2003),
norteou as interpretações da cultura historiográfica (DIEHL, 2002) do pe-
ríodo, na medida em que a conversão de um tempo histórico no enredo de
uma narrativa (RICOEUR, 1997, p.2007), também representaria a tomada
de posição na arena política e no espaço público, conformando um tipo de
postura intelectual específica entre cada um dos agentes sociais. De início,
conjecturamos que ao apreenderem as dimensões e os desdobramentos da
‘crise de 1929’, que deu suporte ao início do governo provisório de Getúlio
Vargas em 1930, e que este provocou a reação do estado de São Paulo em
1932, cada um deles se voltou para o passado, e propuseram maneiras de
representar o passado, o presente e (até) o futuro, por meio de projetos
que reconsideravam ‘questões mitológicas’, ‘questões ideológicas’ e ‘ques-
tões utópicas’. Evidentemente, as condições de produção, que mediaram à
elaboração dos textos, e o contexto que permeou a ação política e intelectual
de cada um deles, definiriam reações peculiares, muito embora não fossem
apenas esses acontecimentos que plasmariam tais ideias e reações, haja vista
que estes já se detinham em parte desses problemas desde o início dos anos
1920.
Se de um lado, agrupa-se Sérgio Buarque de Holanda na geração de
intérpretes do Brasil da década de 1930, ao lado de Caio Prado Jr. e Gilberto
Freyre, de outro, quase não se menciona o nome de Afonso de Taunay e de
Alfredo Ellis Jr., mesmo se considerarmos que estes se aproximaram mais
de Freyre, em suas interpretações do Brasil, do que de Buarque de Holanda.
Por outro lado, o nome de Fernando de Azevedo é agrupado aos reforma-
dores do ensino, que nos anos 1920 estiveram reunidos no movimento da
Escola Nova. Neste aspecto, analisar os projetos e as ações intelectuais de
Alfredo Ellis Jr., Fernando de Azevedo e Sérgio Buarque de Holanda é im-
portante não apenas para demonstrar seus diálogos, seus posicionamentos
políticos, teóricos e metodológicos, mas também de investigar de que ma-
neira eles pensaram alternativas para o estado de São Paulo e para o Brasil,
após a crise de 1929.

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Deve-se destacar, entretanto, que não é recente a tentativa de se ana-
lisar o processo histórico identificando seu movimento entre o passado, o
presente e o futuro, muito embora a maneira como autores e suas obras,
em lugares e épocas específicas, detiveram-se sobre essas questões é, quase
sempre, peculiar. De acordo com François Hartog (2003), embora a história
mestra da vida, por ser também fornecedora de exemplos do passado para
a orientação dos indivíduos no presente, constituísse um modelo de escri-
ta da história fundamental para o Ocidente durante séculos, deve-se notar
que houve muitas variações no modo sutil com que cada autor (grego ou
romano), da Antiguidade Clássica e Tardia (e mesmo depois no período
Medieval e Moderno), apropriou-se dele na sua apresentação dos dados e
do tempo, por meio de uma narrativa. Esse modelo de escritura da história,
para ele, entrará em crise apenas no século XVIII. Para que isso ocorresse
foi necessário à formação de novas expectativas sobre o passado, o presente
e o futuro, que se deram em função da crise do Antigo Regime e das conse-
quências que plasmaram a Revolução Francesa.
Num caminho um pouco semelhante já havia argumentado Reinhart
Koselleck (2006), para quem a mudança na compreensão da História (en-
quanto processo contínuo) teria sido fruto das críticas do Iluminismo, prolon-
gadas na Revolução Francesa, contra a religião e a organização corporativa
do Antigo Regime. Para ele, a história como fornecedora de exemplos sobre
o passado, para que os sujeitos se orientassem no presente, teria perdido
parte de sua eficácia, por causa das consequências de um acontecimento
inédito, que foi a Revolução Francesa. Esta teria indicado que os aconteci-
mentos que se dão num tempo histórico, não se repetiriam noutro momen-
to, porque o processo histórico teria um movimento continuo em direção
ao presente e ao futuro, apreendendo o ‘conceito de coletivo singular’, ao
destacar que acima das histórias está a História. Neste aspecto, argumenta
ainda Koselleck, que o surgimento, nesse ínterim, das filosofias seculares da
história, teria feito com que esta adquirisse um caráter processual cujo fim é
imprevisível, e isso favorecerá a inauguração de um novo futuro, por meio
da reelaboração do passado no presente. Além disso, a Modernidade marca-
rá o aparecimento de uma experiência conjunta de aceleração e de retarda-
mento, com as revoluções e suas contra-ofensivas, ao longo do Oitocentos.
No entanto, não foram todos os autores deste período, marcado pelo
Iluminismo, que apreenderam a História (apenas) enquanto processo contínuo
em direção ao futuro. Como destaca Maria das Graças de Souza (2001), além
das posturas serem diversas, em várias ocasiões também eram divergentes
umas com as outras. Para ela, enquanto Rousseau se detinha na demarcação
das razões que indicavam a decadência do gênero humano, em função do
declínio das tradições e das relações com o passado, voltando-se exemplar-
mente sobre uma interpretação e um retorno das relações que os homens

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tinham no passado; Condorcet descortinaria os momentos decisivos que
plasmariam as épocas revolucionárias, com vistas a transformar o seu pró-
prio presente histórico. E Voltaire, por sua vez, ao elencar os valores e as
circunstâncias de que se apoiavam os grupos humanos para formarem suas
civilizações, deter-se-ia sobre os motivos que desencadeariam os progressos,
para planejar o futuro. Nesse sentido, ora se apoiavam no passado, ora no
presente, ora no futuro, para interpretarem o processo histórico e apreen-
derem o seu movimento. Com isso, Rousseau vislumbraria a decadência
daquela sociedade, em função das consequências do progresso técnico e ma-
terial; Voltaire efetuaria o elogio do progresso, ao evidenciar os caminhos
do futuro para a civilização européia; e Condorcet daria um prognóstico
ao presente, com base nas escalas de desenvolvimento e de progresso que a
civilização poderia alcançar em períodos revolucionários (como o da Revo-
lução Francesa).
Foi justamente tendo em vista essas questões que procuramos pro-
blematizar as trajetórias de Alfredo Ellis Jr., Sérgio Buarque de Holanda
e Fernando de Azevedo. Visto que estes se moveriam em um contexto de
amplas transformações sociais, políticas e econômicas, em que tipo de regi-
me de historicidade se pautariam para interpretar a sua época? Na falta de
uma melhor definição, argumentaremos que se concentraram, na década
de 1930, entre: a) um discurso mitológico (com ênfase nas origens de um
passado mítico, centrado na figura do bandeirante) que foi defendido tanto
por Afonso D’Escragnolle Taunay (1876-1958), quanto por Alfredo Ellis
Jr. (1896-1974), especialmente, quando ele se encontrava no Partido Re-
publicano Paulista (o P. R. P.), como uma forma de se sair da crise, tendo
em vista o passado grandioso e exemplar do povo do estado de São Paulo;
b) um discurso ideológico (por estar centrado no presente e em projetos polí-
ticos de transformação econômica e social, por meio da educação), que foi
defendido pelo grupo dirigente do jornal O Estado de S. Paulo, articulados
politicamente no interior do Partido Democrático (o P. D.), representado
por Júlio de Mesquita Filho (1892-1969), Fernando de Azevedo (1894-
1974) e Armando de Salles Oliveira (1887-1945) – que ao ser chamado
por Getúlio Vargas, em 1933, como interventor do estado de São Paulo,
viram nele a oportunidade ideal para porem em prática um projeto político,
articulado a um projeto educacional (que colhia suas bases no movimento
‘escola-novista’ dos anos 1920), por presumirem que, uma vez perdida a
hegemonia e a autonomia no campo político e econômico, o estado de São
Paulo recuperaria seu lugar junto a Nação, não ao mitificar o seu passado
glorioso, mas sim ao transformar as bases da cultura nacional, por meio de
um projeto de implantação de universidades, escolas e salas de aula, e de
novos profissionais para o ensino no presente; c) e um discurso utópico (com
ênfase numa mudança gradual, mas profunda, da consciência histórica e da

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postura dos indivíduos), primeiro defendido por alguns letrados vinculados
ao movimento modernista em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, e,
depois, de modo mais sistemático por Sérgio Buarque de Holanda (1902-
1982), ao presumir que o grande problema, não do estado de São Paulo,
mas sim da Nação, era justamente as suas amarras com as raízes ibéricas de
um passado, que além de não engrandecer o país, tornava-o amplamente
excludente com as massas anônimas, haja vista que os processos políticos se
definiam com base em acordos entre as classes dirigentes, que tornavam suas
vontades privadas as metas a serem almejadas no espaço público, vinculado
ao Estado, e não em função de processos democráticos.

1.Problemas e desafios

Com base nessas questões, pretende-se discutir nesse texto de que


maneira Alfredo Ellis Jr. (1896-1974) propôs que se escrevesse a história
do bandeirante e das bandeiras paulista nos anos de 1920 e 1930. Em vista
dos acontecimentos e das transformações drásticas e rápidas na economia e
na política do país, este viu no passado uma estratégia para a valorização do
presente, de modo a reforçar uma identidade, por meio da figura e da ação
dos bandeirantes do passado e da reconstrução da memória coletiva do povo
e do estado de São Paulo. Por certo, ao efetuar essa tarefa tinha em mente
que conhecer “um facto não é apenas saber da sua realização mais ou menos
minuciosamente [por que] se faz mister serem as suas causas bem esmeri-
lhadas e esclarecidas, assim como as suas consequencias bem vislumbradas
e prophetisadas” (ELLIS Jr., 1937, p. 7). Caso contrário, nada “disso apro-
veita ao estudioso do passado e ainda menos ainda ao estadista contempora-
neo, que queira buscar na experiencia do passado elementos para a solução
de problemas do presente” (Idem, p. 30).
Não sem razão, o estudo de Myriam Ellis1 pretendia oferecer um
painel sobre a vida e a obra de seu pai Alfredo Ellis Jr2. Mais sobre a obra;

1
Fez os cursos de graduação e de pós-graduação, em nível de doutorado, na área de História
na Universidade de São Paulo, sob a orientação do pai, ao qual veio a substituir interinamente
a partir de 1952, na cadeira de História da Civilização Brasileira. Estudiosa do período colonial,
contribuiu para o conhecimento da pesca de baleias na costa litorânea da América Portuguesa,
quanto do abastecimento e da tributação do sal. Além disso, estudou, como o pai, a capitania
de São Paulo.
2
Para os objetivos deste trabalho, não há como abordar pormenorizadamente a trajetória de
Alfredo Ellis Jr. Mas, de forma muito resumida, ele viveu entre 1896 e 1974, sendo o último
dos dez filhos de Alfredo Ellis (1850-1925), médico, cafeicultor, deputado federal e senador
durante a Primeira República. Cresceu na ‘tradicional’ fazenda cafeeira ‘Santa Eudóxia’ – que
faliria em 1918, e seria vendida no início de 1919. Viveu sempre em São Paulo, com exceção
de uma viagem feita durante a infância, e na companhia de seu pai, pela Europa. Estudou no
estado e formou-se em direito pela Faculdade do Largo São Francisco (que nos anos de 1930
seria agrupada à Universidade de São Paulo, na qual este seria professor, a partir do final da-

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e, em especial, aquela produzida no período de 1922 a 1937. Todavia, para
ela, a obra só ganhava significado na medida em que se compreendia a vida
de seu autor, suas escolhas e suas atitudes.
Nesse aspecto, procura problematizar de que maneira o contexto ofe-
receu um significado para a vida e a vida, por sua vez, forneceria um sentido
para a obra. Com isso, além de circunstanciar como seu pai produziu um
discurso sobre si, a partir de seus discursos parlamentares e de suas memó-
rias, a autora também nos forneceria um para deixar à posteridade, e tirar
do esquecimento, tanto a vida quanto a obra de Alfredo Ellis Jr. – e que o
fez por cumprir “uma missão e um dever”, desempenhando-os “com leal-
dade e devoção”. Não por acaso, o livro, que foi organizado a partir de três
conferências, guardaria os traços de um discurso oral, sem o recurso a notas,
discussões historiográficas e a referências bibliografias; mais ainda, foram
proferidas por uma descendente direta, guardiã da memória familiar.
Além do mais, por terem sido apresentadas na Academia Paulista de
Letras, e não na Universidade de São Paulo, onde seu pai foi professor por
quase quinze anos (assim como ela), sugere-nos certa insatisfação da autora
sobre a maneira que a memória e a obra de seu pai foram preservadas na-
quela instituição – que passaria a valorizar mais as contribuições de Sérgio
Buarque de Holanda, que ocuparia a cadeira, a partir de 1956. Também em
função das consequências do Regime Militar (1964-1985), que se iníciou
em 1964, e os tipos de perseguição que foram geradas na universidade, acar-
retando até aposentadorias compulsórias, inclusive a de Sérgio Buarque de
Holanda (que a solicitou como um gesto de solidariedade aos amigos per-
seguidos pelo AI-5), os possíveis méritos da obra de Alfredo Ellis Jr. teriam
sido ainda mais restringidos, por ele ter pertencido a um partido de direita,
visto como conservador, como foi o Partido Republicano Paulista (PRP).
Além disso, durante as comemorações dos 50 e dos 60 anos de fundação da
universidade, entre 1984 e 1994, apenas seriam lembrados os professores

quela década), mas exerceu por pouco tempo o ofício da advocacia (em especial, após a venda
da fazenda, em que havia passado sua infância). Dedicou-se mais ao ofício de professor de
história, em escolas de São Paulo. Entre 1925 e 1930 foi deputado estadual por São Paulo,
em duas legislaturas, a última das quais, interrompida pelo início do governo provisório de
Getúlio Vargas. Foi em meio a essas circunstâncias que ele participou das revoltas de 1932
contra a federação, como voluntário da Liga de Defesa Paulistana, que defendia a liberdade e a
volta da autonomia para o estado de São Paulo. Ferido fisicamente e abalado psicologicamente
com a derrota da Liga no setor de Cunha, Ellis Jr. ainda enfrentaria forte perseguição política,
após os desdobramentos daqueles eventos. Após a Revolução, e em meio à luta para não ser
exilado, retorna ao magistério, lecionando no período diurno, no Liceu Pan-Americano e no
Ginásio Paulistano, além de escrever vários livros didáticos. Em 1934 é eleito novamente para
a Assembléia Legislativa de São Paulo, como deputado estadual pelo PRP, onde permanecerá
até 1937, quando se dará o golpe do Estado Novo. Em 1938 é indicado como interino da
cadeira de História da Civilização Brasileira, no lugar de seu antigo mestre Afonso de Taunay.
Em 1939, torna-se catedrático e lá permanecerá até 1952, quando se afastará por motivos de
saúde precária.

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franceses, como fundadores da moderna pesquisa histórica nos anos 1930,
e a contribuição de Sérgio Buarque de Holanda para a renovação da cadeira
de História do Brasil, a partir dos anos 1950. Em todas essas circunstâncias,
Ellis Jr. seria visto como conservador, desatualizado, positivista, retrógrado.
Em razão disto é que talvez se explique porque a autora daria maior impor-
tância ao período de 1922 a 1937 para a formação do historiador e o pla-
nejamento de sua obra, e o de 1896 a 1937 como o momento de formação
do cidadão, do político e militar, e do advogado que foi Ellis Jr., seguindo
aos passos e as orientações do pai Alfredo Ellis. E o momento seguinte, de
1938 a 1974, quando estaria na universidade e publicaria a maior parte de
sua obra, seria quase que silenciado pela autora, como período de menor
importância para a trajetória do pai, quanto para a produção de sua obra3.
Desse modo, buscava sintetizar os momentos decisivos da produção
de sua obra, dividindo-a em três grandes períodos: a) de 1922 a 1930, na
qual houve a publicação de seus primeiros textos, a formação do gosto pelos
estudos históricos como autodidata, e a definição de temas como o bandei-
rantismo, as bandeiras e a história de São Paulo; b) um segundo, de 1930
a 1937, em que aproveitaria sua experiência política e militar para avaliar a
conjuntura que se iniciaria com os acontecimentos de 1929, 1930 e 1932; c)
e de 1938 a 1974, quando se firmaria como historiador e professor na cadei-
ra de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Paulo, onde ficaria até 1952, quando se afas-
taria do magistério, em função da saúde comprometida4. Em sua exposição,
a autora daria maior ênfase ao primeiro momento, analisando suas obras:
O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano (de 1924); Raça de gigantes (de
1926) e Populações paulistas (produzida nos anos de 1920, mas publicada
apenas em 1934). A segunda conferência faria um esboço biográfico do au-
tor, tendo em vista o papel do pai na formação de seu caráter, induzindo-o
a fazer o curso de Direito e seguir a carreira política5; seu ingresso no grupo

3
Apesar de ter sido publicada nos final dos anos de 1990, continua sendo o único esboço
biográfico sobre o autor até aqui impresso, e também por esse motivo se justifique uma redis-
cussão da obra que, aliás, passou praticamente despercebida pela crítica quando foi publicada
– mesmo considerando a tiragem baixa de 500 exemplares, e saindo por uma editora pouco
conhecida, não se justificava uma recepção tão ínfima.
4
Sua obra é composta pelos estudos: O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano (1924);
Raça de Gigantes (1926); Confederação ou separação (1933); A nossa guerra. Estudo de synthese
critica político-militar (1933); Populações paulistas (1934); Pedras lascadas (1935); A evolução da
economia paulista e suas causas (1937); Meio século de bandeirantismo (1939); Panoramas históricos
(1946); O café e a paulistânia (1951); A economia paulista no século XVIII. O ciclo do açúcar, o ciclo
do muar (1952). Pelas biografias de: Amador Bueno; Raposo Tavares; Diogo Antônio Feijó;
o tenente-coronel Francisco da Cunha Bueno (seu avô) e do senador Alfredo Ellis (seu pai).
E pelos romances: A madrugada paulista, lendas de Piratininga (1934); O tigre ruivo (1934);
Jaraguá, romance de penetração bandeirante (1935); Amador Bueno, rei de São Paulo (s/d).
Como indicou na 68ª Sessão Ordinária de 4 de julho de 1935: “Não sou rico, nem recebi
5

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verde-amarelo do jornal Correio Paulistano em 1926, então órgão oficial do
estado de São Paulo e do Partido Republicano Paulista; sua participação nos
conflitos de 1932 e o impacto que geraram em sua obra; bem como seu per-
curso como professor na universidade. Assim como na primeira conferência,
nesta segunda a autora abordaria com maior atenção o momento de 1896
a 1937, em função de ter sido aquele que teria dado um sentido a trajetória
do autor, além de marcar um significado para sua obra, ao estudar a história
de São Paulo, com vistas a restaurar seu passado ‘glorioso’ e sua autonomia
perdida nos anos 1930. A terceira conferência retoma os conflitos de 1932
e buscava avaliar como foi construída a memória daqueles acontecimentos,
com base nas memórias de seu pai e de outros participantes do conflito.
Nesse sentido, a obra tangencia entre o anedótico, quando a filha
fala do pai com afeto e ternura, e o interpretativo, quanto ela, como histo-
riadora, procura pensar a trajetória do pai e avaliar sua contribuição para a
história do país. Esses dois momentos se complementam ao longo de todo
texto. Seja quando expressa o amor do pai pelo estado de São Paulo, amor
que foi passado de pai para filha; ou quando o descreve fisicamente, com os
olhos vívidos, o semblante sereno, o bigode e a barba imponentes; ou mes-
mo quando resume sua trajetória profissional, como bom aluno no ginásio,
e, depois, na Faculdade de Direito; advogado competente e político sério;
professor democrático, de mentalidade aberta às mudanças e sem dogma-
tismos. Essas características físicas e profissionais são convertidas na análise
da obra, como parte de suas qualidades, ao pensar o povo de São Paulo, ao
avaliar os conflitos de 1932, e ao estudar o bandeirante e seu papel na for-
mação do território nacional.
Assim, semelhante ao que fez Plutarco ao estudar a vida de homens
ilustres da Grécia e de Roma, com o objetivo de comparar suas biografias e
suas atitudes morais, Myriam Ellis procurou construir o perfil de seu pai de
modo a ilustrar um ‘grande homem’, que viveu intensamente a sua época,
identificando a importância da cafeicultura e da propriedade rural para o
desenvolvimento do estado e do país, exercendo os ofícios de advogado,
político, militar, historiador e professor, e fazendo uso dessas experiências
para escrever a história de seu povo. Muito embora não seja uma hagio-
grafia (que conta a vida de santos), há algumas de suas características, ao
demarcar as atitudes do herói, seu pai, ao participar dos conflitos de 1932,
derramar seu sangue por São Paulo, e a partir dessa experiência vir a fazer de
sua obra um espaço para descrever a coragem dos combatentes, que como
ele, enfrentaram o inimigo em desvantagem bélica e numérica, com vistas a
tornar essa história um painel para que o povo de São Paulo não se esque-

patrimônio material de meus antepassados. [...] Mas recebi, em compensação, um patrimônio


moral que me dá suficientes forças e têmpera para lutar com energia contra quaisquer tempes-
tades”. Publicada nos Annaes da Assembléia Constituinte em 1935, v. II, p. 361.

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cesse daqueles acontecimentos ilustres, e que indicavam como o estado de
São Paulo foi traído pelo resto da Nação. E seria justamente essa conjuntura
política e econômica que daria um sentido para suas ações, assim como um
significado para sua obra.
Por essa razão, a autora tenta pensar o indivíduo em seu contexto, e
a maneira pela qual este procurou agir e mudar sua época, por meio de sua
ação política e militar e de sua obra de historiador. A vida íntima dá lugar
à sua ação no espaço público, embora o anedótico não deixe de fazer parte
da narrativa, ao compor o perfil e as qualidades do indivíduo em questão.
Em sua narrativa, o vê como figura exemplar de sua época, por, ao mesmo
tempo, incorporar as qualidades de seus antepassados, como um novo ban-
deirante de sua época, e não deixar de agir diante das intempéries de seu
presente, como político, militar, advogado, historiador e professor. Assim,
ele seria digno de ser lembrado pelo valor da obra de historiador que deixou,
tanto quanto pela sua ação política e militar, em um momento decisivo para
a história do estado de São Paulo. Não sem razão, ele teria sabido cumprir
seu papel, ao defender o estado com as armas do militar, tanto quanto com
a pena do letrado.
Ainda que faça uso de ‘juízos de valor’ para apreciar (sempre de ma-
neira positiva) a trajetória do pai, não se deve perder de vista a tentativa de
interpretação da obra; e que o fez com base nos textos publicados, nas me-
mórias inéditas escritas pelo pai no início dos anos de 1970 (e endereçadas
à filha), e dos discursos que pronunciou entre os anos de 1935 e 1937 na
Assembléia Constituinte de São Paulo, como deputado estadual. Mas, mes-
mo nesse caso, a obra que começava a ser composta nos anos de 1920, só
ganharia maior sentido e significado com a conjuntura de 1930.
Para perscrutarmos as questões lançadas por Myriam Ellis, assim
como outras, é importante notar, de início, que os acontecimentos de 1929
(crise da bolsa de valores de Nova York e da economia cafeeira no Brasil),
de 1930 (início do governo provisório de Getúlio Vargas e fim da Primeira
República), e de 1932 (derrota dos combatentes paulistas, ao tentarem res-
taurar a hegemonia e a autonomia do estado de São Paulo perante a Nação,
na Revolução Constitucionalista) causaram uma verdadeira crise de ‘cons-
ciência histórica’, tal como a define Jörn Rüsen (2001, p. 53-93), em parte
significativa da intelectualidade paulista e brasileira, o que viria a provocar
novos modos de compreensão do passado, do presente e do futuro, na in-
terpretação do processo histórico daqueles agentes sociais. Em função dos
caminhos então duvidosos para o Estado, alguns grupos de letrados (que
em certas ocasiões se viam também como ‘intelectuais’6) se organizaram

6
O conceito de intelectual a ser utilizado nesta pesquisa se restringe ao produtor de “bens
simbólicos” (participante ou não na arena dos debates políticos), envolvendo-se essencialmente
com a interpretação da realidade social e sendo um elaborador e divulgador de “visões de mun-

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com o objetivo de pensar ‘novos’ projetos de escritura da história, para rever
o passado, o presente e até o futuro paulista e nacional, e contornar a situa-
ção, a que se encontravam imersos, diante daquela crise política, econômica
e também cultural (FERREIRA, 2002).
Não sendo indiferente a tal situação, Alfredo Ellis Jr., então deputado
estadual da Assembléia Legislativa do estado de São Paulo (e futuro professor
do curso de Geografia e História da Universidade de São Paulo, que seria
fundada em 1934), também procurou elaborar um projeto de escrita da his-
tória para repensar o estado de São Paulo e o Brasil, e que havia iniciado na
década anterior; mas, com a conjuntura do final dos anos de 1920 e início dos
de 1930, este seria amplamente revisto. Na falta de uma melhor definição,
como indicamos acima, argumentaremos que este projeto esteve calcado, nos
anos 1930, num discurso mitológico (com ênfase nas origens de um passado
mítico, centrado na figura do bandeirante) que foi defendido não apenas por
Alfredo Ellis Jr., mas antes dele também por Afonso D’Escragnolle Taunay
(1876-1958), dentre outros, como uma forma de se sair da crise, tendo em
vista o passado grandioso e exemplar do povo do estado de São Paulo. Embora
existam continuidades evidentes entre os projetos de escrita da história, que
foram elaborados por esses autores (ARAUJO, 2006), não há como negar
que também houve mudanças significativas entre eles.
Tendo em vista essas questões, o objetivo principal deste texto será
tentar analisar de que maneira Alfredo Ellis Jr. deu os primeiros contornos
desse novo projeto, entre 1932 e 1937, durante o momento em que partici-
pou dos conflitos de 1932, e publicaria, em seguida, as obras: A nossa guerra
(de 1933) e Confederação ou Separação (também de 1933) – além de voltar a
ser deputado estadual em São Paulo (1934-1937) –, nas quais (re)avaliaria
as consequências daquela conjuntura, que se iniciava em 1929, para o estado
de São Paulo, ao perder ao mesmo tempo poder político junto a federação
e econômico mediante a drástica diminuição de suas receitas, decorrentes da
fulminante desvalorização do café, proporcionada pela crise internacional
de 1929, como também por mudanças nas leis federais implantadas durante
o governo de Getúlio Vargas (1930-1945). Em vista disso, o seu principal
objetivo era buscar a recuperação da autonomia do estado de São Paulo e
a aprovação de nova Constituição para a Nação, que se efetivaria em 1934,
mas, sem com isso, alcançar todas as suas metas. Para executar esses objeti-
vos, o autor se veria as voltas com pelo menos dois questionamentos funda-
mentais, a saber: a) como deveria ser escrita a História (e, em particular, a
de São Paulo)?; b) e, nesse aspecto, a história de São Paulo é a história do
Brasil?

do” (GOMES, 1996, p. 38-9).

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2.Como deve ser escrita a História?

Naquele momento, Ellis Jr. já era sócio efetivo do Instituto Histórico


e Geográfico Brasileiro (IHGB) e do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo (IHGSP), além de ser membro da Academia Paulista de Letras
(APL). Vinha revisando sua produção histórica, tarefa que fazia desde os
anos 1930, com relação a sua produção dos anos 1920, e que se intensifica-
ria a partir de 1938, quando ingressou no curso de Geografia e História da
FFCL/USP. Assim, ao lado de uma produção já significativa, onde se en-
contravam obras, como: Ascendendo na história de São Paulo, Novas bandeiras
e novos bandeirantes e Alguns paulistas do século XVI e VXII (todos de 1922);
O bandeirantismo paulista e o recuo do meridiano (de 1924); Raça de gigantes
(de 1926); Confederação ou separação e A Nossa Guerra (ambas de 1932); Po-
pulações paulistas (de 1934); Os primeiros troncos paulistas e o cruzamento euro-
-ameríndio (de 1935, edição revista de Raça de gigantes); A economia paulista
e as suas causas (de 1936); A evolução da economia paulista (de 1937); que
eram o resultado de uma reavaliação de suas concepções e interpretações
do passado paulista, ainda tinha lugar os romances: O thesouro de Cavendish
(em parceria com Menotti del Picchia) e Pedras lascadas (ambos de 1928);
Madrugadas paulistas: lendas de Piratininga (1932); Jaraguá (1935); O tigre
ruivo (1934) e Amador Bueno Rei de São Paulo (1935). Além disso, também
havia se dedicado nos anos 1930 a produção de livros didáticos de História
da 3ª a 5ª série, e de Geografia, da 1ª a 5ª série. E é tendo em vista essas
questões que devemos perscrutar a sua escrita da história.
Em sua escrita da história, ele tentava mostrar que primava pela ‘ver-
dade’, pela ‘objetividade’ e pela ‘imparcialidade’, com vistas à elaboração de
um discurso científico. O essencial para alcançar essas metas na escrita de sua
narrativa dos ‘fatos’ era demonstrar as ‘causas’ e as ‘consequências’ do de-
senrolar dos acontecimentos, investigando o ‘meio’ e prognosticando qual o
tipo de ‘raça’ que este propiciou. Para ele, “a História é uma reconstituição
de uma época do passado de um povo e, para êsse fim, o historiador tem que
buscar elementos em todos os ramos do saber humano” (1946, p. 6), dado
que é “certo que os acontecimentos históricos têm todos, mais ou menos,
consequências” (Idem, p. 7).
Quanto aos fatos, acreditava que não são todos os que devem re-
ceber a atenção do historiador. Para ele, os mais importantes são aqueles
que produzem grande número de consequências, devendo, por isso, ser mais
‘esmerilhados’ do que os causadores de menor efeito. Além disso, a História
não poderia ficar presa à cronologia, mesmo sendo ela parte importante dos
estudos históricos, e que se formaria da união de vários departamentos do
saber humano, disciplinados pelo espírito crítico, mobilizados pelo raciocí-
nio, o bom senso e a imaginação. E que seriam aspectos indispensáveis para
o diagnóstico das causas, para interligação das consequências e a sincronização

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das repercussões, que se encadeiam com os fatos principais. Em vista disso, cau-
sas, consequências e repercussão, eram o tripé que dariam subsídios seguros ao
historiador. Segundo ele: “Só assim podem ser erguidas as reconstituições
do passado com suas causas, bem diagnosticadas, e com suas consequências,
bem interligadas, com suas repercussões bem sincronizadas e encadeadas
com os fatos principais, que devem ser analisados” (1979, p. 41).
Para que os fatos, tanto quanto suas causas e consequências, fossem
adequadamente investigados era necessário identificar “primeiro, o fator ho-
mem, [que] seria o concernente à raça do mesmo, ao complexo hereditário,
à sua educação, à sua eficiência, à sua inteligência, à sua formação física ou
fisiológica, à sua etnia, enfim, o conjunto de circunstâncias que definem o
componente de um grupo humano qualquer” (1948, p. 11). Em seguida,
devia-se identificar “o fator ambiente mesológico, o ecológico seria o con-
cernente aos conjuntos que cercam o indivíduo, quer os de ordem geográ-
fica, quer ainda os de ordem sociológica” (Idem). Por essa razão, conhecer
“um facto não é apenas saber da sua realização mais ou menos minucio-
samente”, por que “se faz mister serem as suas causas bem esmerilhadas e
esclarecidas, assim como as suas consequencias bem vislumbradas e prophe-
tisadas” (1937; p. 7). Caso contrário, nada “disso aproveita ao estudioso
do passado e ainda menos ainda ao estadista contemporaneo, que queira
buscar na experiencia do passado elementos para a solução de problemas do
presente” (Idem, p. 30).
Nesse sentido, a importância do pai, Alfredo Ellis, o encontro com
Afonso de Taunay (1876-1958) no Colégio São Bento, quando este foi
seu professor, marcando-o profundamente e desde então consolidando uma
amizade por toda vida, e a leitura da obra de Oliveira Vianna (1883-1951)7,
iniciada depois que concluiu o curso de Direito, em meados dos anos de
1920, vendo-a de forma muito positiva até o final dos anos de 1930, cons-
tituem-se em parte significativa de suas inspirações para a carreira política,
tanto quanto para o ofício de historiador e para as suas escolhas teóricas,
ao explicar a formação da ‘raça’ paulista de ‘gigantes’. De forma semelhante
apareceria a obra de Fustel de Coulanges (1830-1889), ao contrário da de
Leopold von Ranke (1795-1886), que seria muito pouco citada, em função
da maneira com a qual o primeiro buscou analisar a cidade-estado Greco-

7
Como indica Giselle Martins Venâncio (2006, p. 87-108), na extensa biblioteca de Oliveira
Vianna, que chegou a agrupar 4.161 exemplares de 3.949 títulos distintos, onde se destacavam
obras de Ciências Sociais (com 35 %) e Jurídicas (com 21% do total), também apareceriam
451 títulos em História do Brasil e Literatura de Viajantes, perfazendo 11,4% do total. Nessa
categoria, se apresentariam obras de Max Fleiuss, Felisberto Freire, Afonso Celso, José Maria
Bello, Alfredo Ellis Jr., Pedro Calmon, Caio Prado Jr. e Sérgio Buarque de Holanda. Nesse
grupo, haveria maior representatividade da obra de Alfredo Ellis Jr., com um total de 12 títu-
los, a maioria deles enviados pelo próprio autor. O que, para ela, corresponderia a uma ampla
relação de trocas, correspondências e comentários recíprocos.

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-romana, e concebia a escrita da história, o quê para Ellis Jr. foi fundamental
ao buscar escrever a história de São Paulo, nos anos 1920 e 1930.
Ainda que em sua obra não aparecesse constantemente o exercício
de uma história como mestra da vida e fornecedora de exemplos do passado
para a orientação dos indivíduos no presente, esta também será, volta e
meia, encontrada em alguns de seus textos, na medida em que procurou
demonstrar a importância da história do bandeirante para a consolidação da
lavoura cafeeira no século XIX, e que esse exemplo era vital para que os pau-
listas do século XX, além de conhecerem corretamente a sua história, vissem
nela uma inspiração para que o povo e o estado de São Paulo conseguissem
sair da crise política e econômica, que o estado se encontrava naqueles anos
iniciais da década de 1930, e recuperasse sua autonomia diante da Nação.
Evidentemente, as regras do método aqui resumidas, e as quais o
autor se inspirou na historiografia oitocentista alemã e francesa para compô-
-las8, apareceriam com maior liberdade nos textos A nossa guerra (1933) e
Confederação ou separação (1934). Em A nossa guerra, indica a importância
de formular uma “syntese dos acontecimentos bellicos de 1932, com as suas
causas e consequências politicas e sociaes”, ao pretender “apenas fazer obra
de historiador”, e “desde já fazer claro os elementos para a historia”, para
que “os vindouros saibam, por que os diversos capítulos da guerra tiveram o
desenvolvimento que todos sabem, e foram obrigados a seguir determinada
orientação” (1933, p. 7 e 9). Para que isso fosse feito, “eu busquei, sempre
8
Se o contexto no qual surgiu sua obra, ainda eram evidentes as discussões proliferadas pelo: 1
– determinismo geográfico: meio versus formação cultural, o meio definiria a cultura do indivíduo
e do grupo, segundo Ratzel, geógrafo alemão fundador desta teoria; 2 – determinismo social:
fatores sociais versus conduta humana, os fatores sociais determinariam a conduta humana, ex.
o suicídio, conforme o indicou Émile Durkheim; 3 – determinismo cultural: cor versus progres-
so técnico e cultural, a cor da pele influência o desenvolvimento físico, neuronal e técnico de
uma sociedade; 4 – determinismo psicológico: o meio exerceria o controle sobre a definição dos
comportamentos individuais, de acordo com B.F. Skinner (1904-90); 5 – evolucionismo: raça
versus cultura, “Assim como o embrião passa de formas primárias a formas complexas, as socie-
dades passam de formas primitivas a formas complexas e diferenciadas” (DORTIER, 2010; p.
196), como indicará Herbert Spencer; 6 – (hiper)difusionismo: “a existência de traços culturais
similares em sociedades diferentes se explica por sua difusão a partir de um pequeno número
de ‘centros culturais’” (DORTIER, 2010; p. 139). Friedrich Ratzel (1844-1904), fundador na
Alemanha, geógrafo, Leo Frobenius (1873-1938) inaugurador da idéia de ‘círculos culturais’;
no hiperdifusionismo, crê-se que o centro difusor seria o Egito antigo, como indicaria Grafton
Smith (1871-1937). Não há como deixar de lado, de que modo cada um desses aspectos foram
incorporados quando Ellis Jr. escreveu a história de São Paulo. Nela seria evidente a impor-
tância do ‘meio’ para a conformação da ‘raça’ dos paulistas, a partir do século XVI. Contudo,
ela não se limitaria nem aos autores arrolados acima, nem tão pouco às teorias indicadas há
pouco. Ao lado dessas questões, para ele, era fundamental o conhecimento do funcionamento
da economia, pois, ela que era a base para toda a organização da sociedade. Saliente-se ainda
as discussões sobre as regras do método histórico, que naquele momento encontravam-se em
mutação (Cf. DOSSE, 1994, 2001), muito embora, ao que tudo indica, Ellis Jr. estava mais
preocupado com a justificação científica de suas pesquisa, do que com a crítica aos seus proce-
dimentos de análise do objeto.

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percorrer o caminho mais estricto da verdade. Habituado, como sou, de
longa data, a manusear os elementos reconstituidores do passado, essa tarefa
não me foi penosa” (1933, p. 13).
Isso porque, é um discurso político engajado, aceito e aprovado pelo
Partido Republicano Paulista, e instituído como tal, com todas as caracte-
rísticas de um ‘panfleto político’, ainda que, em linhas gerais, não seguindo
a mesma tradição construída a partir do Manifesto do Partido Comunista,
escrito por Marx e Engels entre o final de 1847 e o início de 1848 (BOSI,
2010). Por sua vez, é um chamamento das massas, das mulheres e dos tra-
balhadores para a ação engajada, em prol da soberania do estado de São
Paulo. Visava fazer com que estes estivessem favoráveis a causa paulista que,
segundo ele, era uma causa libertária contra a opressão do regime instaurado
após 1930. Com isso, demonstra uma disputa ideológica (DUBY, 1994;
EAGLETON, 1997; KONDER, 2002) entre o ‘bem’, que representaria
os paulistas e aos quais estava diretamente ligado, e o ‘mal’, do regime im-
plantado por Vargas. Todos os componentes de seu discurso, nesse sentido,
caminhavam visando demonstrar a ação dos paulistas, e de sua luta, mesmo
após a derrota de 1932, contra a opressão política e intelectual, que naquele
momento estava vinculada ao regime Vargas. Não por acaso: ‘luta’, ‘trágica’,
‘sangue paulista’, ‘batalhões’, ‘epopeia bandeirante’, ‘fatídicas traições’, ‘dig-
nidade ofendida’, ‘honra popular’, “S[ão] Paulo fez uma linda improvisação
de guerra”, contra o ‘inimigo’ comum, constituiriam as metáforas básicas do
seu discurso, apresentado em forma de livro, no interior da arena política,
com vistas a organizar as massas, ao deixar um relato à posteridade sobre a
luta de São Paulo contra o regime Vargas9. Atente-se ainda que durante esse
período o PRP se encontrava enfraquecido na arena política nacional, e em
São Paulo disputava o poder junto com o Partido Democrático (PD), que
procurava fazer certas alianças com o governo federal. É nessa conjuntura
que devem ser vistas as críticas de Ellis Jr. aos partidos políticos do estado
de São Paulo, e ao governo instituído em 1930.

3.A história de São Paulo é a história do Brasil?

Alfredo Ellis Jr. viveu em uma sociedade, na qual a grande maioria da


população não sabia ler nem escrever, e, além disso, participava pouco do
regime político; e, como tal, a via como uma propensa massa de manobra
no ‘jogo político’, em que os partidos deviam conduzir as massas. Naquele
momento, instituído pelo Partido Republicano Paulista (PRP) – do qual
fazia parte havia anos – como seu representante político, amparado em sua
experiência como advogado (conhecedor das leis) e como historiador (es-

9
Para uma análise circunstanciada do período, ver: CAPELATO, 1981, 1989; FAUSTO,
1997; DE DECCA, 2004; GOMES, 1996, 2009.

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tudioso do passado), o autor se colocaria como o porta voz do ‘povo pau-
listano’ (e ‘paulista’ também), para demonstrar as maselas cometidas pelo
governo federal, após a instituição do governo provisório de Getúlio Vargas
no final de 193010.
Foi em meio a essas circunstâncias que ele participou das revoltas de
1932 contra a federação, como voluntário da Liga de Defesa Paulistana,
que defendia a liberdade e a volta da autonomia para o estado de São Paulo.
Ferido fisicamente e abalado psicologicamente com a derrota da Liga no
setor de Cunha, Ellis Jr. ainda enfrentaria forte perseguição política, após
os desdobramentos daqueles eventos. Após a Revolução, e em meio à luta
para não ser exilado, retorna ao magistério, lecionando no período diurno,
no Liceu Pan-Americano e no Ginásio Paulistano, além de escrever vários
livros didáticos de História e de Geografia. Com o fim da “Revolução Cons-
titucionalista” de 1932, preocupou-se em expor seus pontos de vista sobre o
“drama”11. Portanto, durante o período de 1930 até 1933, que daria ensejo
a produção de duas obras sobre o assunto: A nossa guerra (1933) e Confede-
ração ou separação (1934)12, que assumiriam, não por acaso, caráter ‘denun-
ciativo’ e ‘panfletário’ (ainda que claramente defendidas, pelo autor, como
obras de história), avançando sobre os procedimentos de pesquisa, por ele
praticados até então13.
Tanto Confederação ou separação (1934), quanto A Nossa Guerra
(1933) foram frutos diretos da ocupação militar de São Paulo em 1930, e da
consequente “guerra cívica” de 1932, que condicionou a vida e a produção
intelectual de Alfredo Ellis Jr. No primeiro, escrito em maio de 1932, dis-
cute o conceito de Federação e de Confederação, denunciando a “ingrata”

10
Apesar das críticas contundentes que Ellis Jr. efetuaria ao regime Vargas, como indica Boris
Fausto (2006), Vargas trouxe uma conduta mais ética para a presidência, lidando com maior
transparência o orçamento do Estado, e contribuiu diretamente para a promoção da industria-
lização, para a aprovação de leis e criação de novos ministérios. Para ele, Vargas soube conduzir
o país com austeridade, apesar do autoritarismo; “inaugurou no Brasil as presidências carismá-
ticas”; fez de si a imagem de uma época, a era Vargas, e de seu estilo de governar uma marca,
o populismo; fez o país entrar em novo patamar de desenvolvimento econômico, educacional
e social; e foi figura central mesmo quando não esteve no poder, por propiciar a criação de
partidos, pró e contra ele.
11
Para maior detalhamento sobre sua obra e trajetória ver: ABUD, 1985; ELLIS, 1997; MON-
TEIRO, 2001; FERREIRA, 2002.
12
Além desses dois textos, o autor se expressaria novamente sobre o tema em seu romance
histórico Jaraguá (1936), publicado em 1936, ao se voltar para as glórias do passado do ban-
deirante paulista.
13
Antes de escrever esses textos, o autor já havia publicado no ano de 1922, Ascendendo na his-
tória de São Paulo; Novas bandeiras e novos bandeirantes e Alguns paulistas do século XVI e XVII. O
primeiro resultou de uma conferência proferida em 17 de junho de 1922, no Centro paulista no
Rio de Janeiro; os dois últimos foram apresentados no Congresso Internacional de História da
América realizado em 1922 no Rio de Janeiro. Em seguida foram publicados: O bandeirantismo
paulista e o recuo do meridiano (1924); Raça de gigantes (1926); e Pedras lascadas (1928).

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posição de São Paulo frente à Federação na década de 1930. O problema es-
tava na excessiva centralização do sistema federativo e na política econômica
e financeira que nivelava todos os estados brasileiros, com as alterações das
leis de arrecadação e distribuição de impostos. Para o paulista Ellis Jr., não
havia maior injustiça do que pôr em pé de igualdade a pujante São Paulo,
com os demais estados brasileiros. Por isso, defendia o sistema de Confe-
deração, um sistema político de extrema descentralização, onde os estados
teriam maior autonomia interna, ligados por um pacto comum, por uma
Constituição e um Governo central. Nada mais cômodo para São Paulo,
como queria ele, dado o seu desenvolvimento frente a muitos estados, na-
quele momento. Amplamente engajado ao movimento ‘confederacionista’,
com pesquisas em fontes oficiais, o livro destinou-se à propaganda desse
movimento. Interessante notar a tensão do autor entre encarar o livro como
uma alusão a causa confederacionista e tentar manter uma possível impar-
cialidade em seus argumentos (ELLIS Jr., 1934).
Em A nossa guerra, em contrapartida, sob um caráter de depoimento,
ainda que com o amparo de documentos, reúne todas as suas impressões
sobre o movimento de 1932, louvando os ‘heróis’ que lutaram em defesa de
São Paulo, “São Paulo que apenas lutava pela sua autonomia arrebatada e
pela constitucionalização de todo o País” (ELLIS Jr., 1933, p. 9).
Nesse sentido, ele escreve como historiador, obra de caráter ‘panfletá-
rio’, cuja função era denunciar as maselas orquestradas no país, e sobre São
Paulo, após o ingresso de Getúlio Vargas ao poder. Também escreve como
combatente que viu de perto os efeitos da guerra, e cuja narrativa pretende
expressar a verdade sobre os fatos. Sua análise toma o partido dos cafeicul-
tores, que como o pai, viveu os dilemas das políticas mal sucedidas sobre a
defesa do café; e, que para ele, no governo Vargas foram ainda piores. Além
disso, vê os acontecimentos também como ex-deputado estadual, vinculado
ao Partido Republicano Paulista (o PRP), cuja defesa aos cafeicultores, à
produção rural, e contra a política de implantação de um processo acelerado
de industrialização no país, seriam evidentes.
Em função dos ritmos de mudança e de adaptação legal impostos pela
federação aos estados, ele veria que só “a demagogia dos opposicionistas sys-
thematicos, poderia ter indusido os outubristas em erro, a respeito do P. R.
P.; erro em que teimam em persistir, como se ainda pudessem estar com os
olhos vendados” (1933; p. 20). Por sua vez: “O Partido Democratico que
deveria exercer, em sã politica, uma acção fiscalisadora e esclarecedora, pas-
sou a trabalhar em systhematica opposição” (Idem, p. 22), ao estado de São
Paulo (ao qual dizia representar) e ao PRP. Por esse motivo, ele se expressa
ainda como um observador, que com os instrumentos da pesquisa histórica,
visaria deixar à posteridade um relato ‘imparcial’ e de cunho ‘científico’ para
os que virão depois, de por quê São Paulo não teve êxito em 1932, e como

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“o sr. Getulio Vargas [tratou], a S[ão] Paulo, como uma entidade vencida”,
pois, mesmo a “França, em 1870-1871, não teve por parte da Allemanha,
tratamento mais rigoroso”, e essa “teria sido a norma getulina de agir, a res-
peito de cousas paulistas” (Idem, p. 32). Com isso, o “povo paulista, sendo
tratado por esta forma naturalmente comprehendeu logo que a revolução
de 30 havia sido dirigida contra S[ão] Paulo” (Idem, p. 40-41). Sob esse as-
pecto, a história de São Paulo era distinta da história do Brasil – mas, como
veremos, essa tensão não é tão simples.
Desse modo, Ellis Jr. se colocaria no papel de conhecedor dos fatos,
participante direto do contexto e instituído como tal, para exercer essa fun-
ção, como político (do PRP) e historiador (paulista). Seu público alvo foi
o povo paulista e, em especial, os que virão no futuro próximo, e que não
viveram aqueles acontecimentos ‘fatídicos’ para o estado. Por essa razão, de
acordo com Pierre Bourdieu, ele se coloca como o “porta-voz dotado de po-
der pleno de falar e de agir em nome do grupo, falando sobre o grupo pela
magia da palavra de ordem [...] ele personifica uma pessoa fictícia, que ele
arranca do estado de mero agregado de indivíduos separados, permitindo-
-lhe agir e falar, através dele, ‘como um único homem’” (BOURDIEU,
1996, p. 83). Ao pretender dizer a verdade, e estabelecer as causas e as
consequências dos acontecimentos que resultaram na ‘derrota de 1932’, ele
recorre, ao que Bourdieu define como a “especificidade do discurso de au-
toridade [...] [que] reside no fato de que não basta que ele seja compreendido
(em alguns casos, ele pode inclusive não ser compreendido sem perder o
seu poder), é preciso que ele seja reconhecido enquanto tal para que possa
exercer seu efeito próprio” (Idem, p. 91). Para alcançar tal objetivo, Ellis Jr.
exalta as ‘cenas’ da guerra, nas quais o “sangue paulista, não foi regateado,
para a compra da liberdade” e “batalhões partiam floridos, em alegria jamais
vista”, não apenas como historiador e político, mas, principalmente, como
observador e participante da batalha.
E foi justamente amparando-se nesses instrumentos metodológicos,
que Alfredo Ellis Jr. visava demonstrar a posição do estado de São Paulo,
junto à nação, após 1930. Para isso, destacaria a importância do bandeiran-
te e da cruzada civilizatória promovida pela lavoura do café, como fatores
primordiais, ainda que em momentos distintos, e que tornariam o estado a
‘locomotiva’ do país. Mas, em função dos acontecimentos fatídicos de 1930,
e após os de 1932, os sujeitos e os feitos ‘grandiosos’ da história de São
Paulo estavam sendo esquecidas. Por esse motivo era fundamental se voltar
para o passado e rever a escrita da história de São Paulo14. Neste ponto, o
14
Nesse mesmo período muitas são as análises que são feitas para pensar não somente o estado
de São Paulo, como também o Brasil, e que podem facilmente ser encontradas nos estudos de
autores como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr., Roberto Simonsen,
Fernando de Azevedo, Oliveira Vianna, dentre outros. Para uma análise detalhada da questão,
ver: MORAES, BASTOS, 1993; BRESCIANI, 2005; BOTELHO, SCHWARCZ, 2009.

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empenho de Alfredo Ellis Jr, talvez tenha sido até maior do que o de Afonso
de Taunay, para realçar a importância do bandeirante na configuração his-
tórica da identidade do povo paulista. Mas, como ele próprio indicou em
vários momentos, foi Taunay seu grande mentor e inspirador deste tema.
No início da década de 1930, em função daquelas circunstâncias, ar-
gumentava que o problema do estado de São Paulo não estava só no presen-
te, mas também nas leituras e nos usos que foram feitos do passado (ELLIS,
1997; FERREIRA, 2002). Não foi por acaso, que em seu mandato de
deputado estadual pelo PRP, nos anos 1930, voltou-se para essa questão,
e ao homenagear Afonso de Taunay e sua obra na Câmara dos Deputados,
diante da Assembléia Legislativa, destacasse a importância de se conhecer
o passado de São Paulo, com a cruzada dos bandeirantes e a expansão das
bandeiras paulistas, por quase todo o território que formaria o Brasil, e
que seriam fundamentais não apenas para dar ensejo a fundação de nossa
nacionalidade, mas também na consolidação de nossa identidade, de nossa
cultura, de nossos valores e de nossa política e economia. Assim, a história
de São Paulo seria também a história do Brasil.
Também em sua obra A nossa guerra, que foi seu relato de historia-
dor das circunstâncias que levaram os combatentes paulistas a perderem a
‘guerra’ de 1932 contra o governo provisório de Getúlio Vargas, dirá que
foi justamente em função de sua ‘grandiosidade’ (no passado, e também no
presente) que o estado de São Paulo seria ‘traído’ por seus antigos aliados
(como Minas Gerais), e deixado a sua própria ‘sorte’ pelo resto da Federa-
ção. Com menos soldados, armas, munição, apoio político e econômico,
a derrota acabou sendo inevitável. No entanto, para ele, a derrota política
daquele momento, que se apresentou eminente mais em função dos acon-
tecimentos de 1929, do que pelos de 1930 (que colocou aquele grupo po-
lítico no poder), só teriam um efeito passageiro; desde que os paulistas não
deixassem de lado as suas ‘origens’ no bandeirante dos séculos XVI e XVII,
cuja ação se desdobraria, entre outras coisas, na lavoura cafeeira dos séculos
XIX e XX, e que não apenas mostravam um povo pioneiro e desbravador,
mas também preparado para as dificuldades (ELLIS Jr., 1937, 1979). Nesse
sentido, voltar ao passado era uma forma de fortalecer as expectativas para o
futuro, ao lhe ser dado um novo ‘sentido’ no ‘presente’ (HARTOG, 2003;
KOSELLECK, 2006). Não por acaso, a história de São Paulo seria e não
seria a história do Brasil.

Considerações Finais

Portanto, esse quadro nos indica os lugares e as formas de ação de


Ellis Jr., entre 1932 e 1937, em que buscou ‘restaurar’ a posição de São
Paulo junto à nação, rever a história paulista, para que sua população par-

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ticipasse do processo de recuperação política e econômica, tanto quanto
da autonomia do estado de São Paulo junto à Nação, e demonstrar que
as atitudes de certos partidos, ainda que sob um discurso de progresso e
de desenvolvimento, posicionavam-se contrariamente a esses objetivos. En-
quanto Arno Mayer (1990) vislumbrou como houve certa persistência do
Antigo Regime no século XIX e início do XX na Europa, configurando uma
verdadeira força da tradição, Ellis Jr. procurou demonstrar que o passado,
quando cotejado adequadamente, configuraria também uma força, na qual
sua persistência no presente, além de ser vista como uma tradição, também
favoreceria a restauração da autonomia política e econômica do estado de
São Paulo, diante da nação brasileira. Isso por que, a história de São Paulo
era a história do Brasil, em função das raízes profundas que foram fincadas
pelo movimento das bandeiras paulistas e pela lavoura cafeeira, ao serem
ampliadas e demarcadas às fronteiras e se proporcionar o desenvolvimento
político e a modernização do país. Pelas características da conjuntura polí-
tica e econômica dos anos de 1930, a história de São Paulo também não era a
história do Brasil, por suas peculiaridades étnicas e raciais, pela especificidade
de sua gente, com traços físicos e características emocionais distintas do
resto do país, que fizeram com que o autor pensasse, no limite, na separação
do estado da Nação, por este configurar um outro país. E, num movimento
dialético, que foi se definindo a partir do final dos anos 1930, a história de
São Paulo era e não era a história do Brasil, visto que se as raízes políticas, eco-
nômicas e sociais da Nação eram fruto do esforço paulista, a conformação
étnica e cultural era uma peculiaridade de São Paulo, que o distinguia do
resto da Nação.

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Artigo recebido em 30/07/2011 e aceito para publicação em 13/06/2012

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