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Resumo:
O presente artigo analisa alguns aspectos da noção de governamentalidade apresentada por
Foucault em 1978 na continuidade de suas pesquisas sobre o biopoder. A intenção mais geral
é mostrar a relação entre o questionamento da regulação da população com a reflexão sobre a
arte de governar. As intenções mais específicas estão em expor as diferentes racionalidades da
governamentalidade liberal e neoliberal pensadas por Michel Foucault.
Palavras-chave: População. Governamentalidade. Arte de Governar.
Abstract:
This article seeks to analyse some aspects of the notion of governmentality provided by
Foucault in 1978 in continuation of his research on biopower . The more general intention is
to show the relationship between the questioning of the population regulation to the reflection
on the art of governing . More specific intentions are to expose the different rationalities of
liberal and neoliberal governmentality designed by Michel Foucault.
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Tradução livre: “um découpage proveniente de um conjunto já constituído: a totalidade dos súditos e os
habitants do reino” (PANDOLFI, 2006, 95).
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Sobre isso André Duarte aponta que: “Com a noção de governamentalidade, Foucault uma vez mais reiterava a
importância de deixar de lado a figura do Estado onipotente e omnipresente, capaz de controlar todos os recantos
do social, em nome de técnicas difusas para governar os indivíduos em diferentes domínios. Uma vez mais,
portanto, reforçava-se a destruição do mito do Estado” (DUARTE, 2010, 236).
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buscados por Foucault. O conceito de governo na cultura ocidental opera como um paradigma
das relações de poder (SENELLART, 2006), que não apenas demonstra a racionalidade
política moderna, mas, sobretudo, o próprio modo de funcionamento das relações de poder.
Por um lado, o pastor tem de estar de olho em todos e em cada um, omnes et
singulatim, o que vai ser precisamente o grande problema tanto das técnicas
de poder no pastorado cristão, como das técnicas de poder, digamos,
modernas, tais como foram introduzidas nas tecnologias da população de
que lhes falava (FOUCAULT, 2008, 172).
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Uma conhecida leitura anti-maquiavel é esquadrinhada na apresentação do conceito de governamentalidade, já
que não se trata da capacidade de manter o poder de um governante sobre seu território, mas, contrariamente,
como a condução de um conjunto de homens e coisas que precisam ser guiados e conduzidas.
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Segundo Foucault: “nunca, entre os gregos, vocês encontrarão a ideia de que os deuses conduzem os homens
como um pastor pode conduzir seu rebanho” (FOUCAULT, 2008, 168).
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Nas relações internas é armada uma tecnologia de poder, a da polícia, que sirva
para a preservação do Estado e o faça objetivando não a salvação das almas, mas da
população em seus fenômenos atinentes à vida terrena, cuidando dos homens naquilo que eles
fazem. “Seu objetivo é criar a estabilidade do Estado a partir do controle das atividades dos
indivíduos” (FONSECA, 2002, 223). Trata de uma tecnologia de poder cujo governo dos
homens se distribua em cuidados com saúde, proteção de riscos, bem-estar, assistência aos
inválidos, problemas de pobreza etc.
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Quer dizer que o liberalismo é, por um lado, interrogado, de acordo com a análise
genealógica, em suas técnicas e objeto, e, por outro lado, se coloca a questão sobre ‘como é
possível o governo’? Trata-se de compreender os mecanismos de atuação do governamento
liberal na gestão da população, mas também interrogar, para além da vigência das práticas
voltadas aos efeitos atinentes à razão liberal, a ‘legitimidade de seu projeto’ (FOUCAULT,
2008b) em busca de tais efeitos. Coloca-se a pertinência de investigar o governamento pelos
mecanismos postos em funcionamentos para que os objetos governados tomem uma direção
mais favorável e igualmente a pertinência de questionar qual a configuração tomada pelos
objetos na prática liberal.
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campo das práticas biopolíticas na regulação da vida da população. Não se trata do controle
minucioso dos indivíduos, nem da regência do soberano, mas sim, de fazer surgir a população
e regular o conjunto de interesses num espaço de liberdade. Não são indivíduos normalizados
e tampouco sujeitos de direitos o objeto do governo, e sim uma massa avaliada em seus
movimentos globais a qual se alcança no plano das variáveis que a constituem. Nesse sentido,
o governo não intervém de modo direto sobre pessoas e coisas, mas lida com os móveis da
política, os interesses que surgem e circulam quando há espaço de liberdade nas relações, na
produção de riquezas, na troca, no consumo etc. Por isso a racionalidade liberal fabrica,
organiza e consome liberdades (FOUCAULT, 2008b, 86/88). É uma tecnologia de governo da
expertise, do necessário conhecimento do que é útil ou inútil governar. Seria inútil buscar
controlar os mecanismos espontâneos da economia, já que o mercado é veridicção. É preciso
respeitar essa evidência. Nesse sentido essas limitações que tangem os mecanismos naturais
da economia na troca de riquezas e a utilidade das medidas de intervenção (FOUCAULT,
2008b) desenham não o respeito à liberdade como um direito existente, mas a necessidade da
liberdade para o governamento. O que é útil governar são os interesses como “princípio da
troca e critério da utilidade” (FOUCAULT, 2008b, 61).
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dos fenômenos sociais quanto do humano; ela funciona como ciência do comportamento. Na
análise do capital humano está em jogo, de um lado, uma parcela de voluntariedade que diz
respeito às qualidades que podem ser melhoradas ou adquiridas, e de outro lado, uma parcela
hereditária e inata. Nessa forma de governamento aparece não apenas a disseminação da
forma-empresa na sociedade econômica de informação que impulsiona o autoinvestimento
sobre as habilidades no espaço da concorrência, mas também aparece o conhecimento
biológico como projeto da racionalidade econômica neoliberal.
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Essa percepção de Foucault é particularmente interessante, pois hoje constatamos, por exemplo, no ambiente
escolar, toda uma dinâmica de chamar os pais para dentro da escola, para que acompanhem o desenvolvimento
dos filhos e, sobretudo, constatam-se os constantes entrecruzamentos entre dificuldade de aprendizado com
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estimulação da criança, proporção de afeto etc. Também a saúde e a higiene pública serão
inseridas no campo do problema de investimento do capital humano, no contexto neoliberal
(FOUCAULT, 2008b). Sobre as modulações das práticas biopolíticas, Rose nos diz que:
At the risk of simplification, one could say that the vital politics of the
eighteenth and nineteenth centuries was a politics of health – of rates of birth
and death, of diseases and epidemics, of the policing of water, sewage,
foodstuffs, graveyards, and of the validity of those agglomerated in towns
and cities. Across the first half of the twentieth century this concern with the
health of the population and its quality became infused with a particular
understanding of the inheritance of a biological constitution and the
consequences of differencial reproduction of different subpopulations; this
seemed to oblige politicians in so many countries to try to manage the
quality of the population, often coercively and sometimes murderously, in
the name of the future of the race. But the vital politics o four own century
looks rather different. It is neither delimited by the poles of illness and
health, nor focused on eliminating pathology to protect the destiny of the
nation. Rather, it is concerned with our growing capacities to control,
manage, engineer reshape, and modulate the very vital capacities of human
beings as living creatures. It is, I suggest, a politics of ‘life itself’ (ROSE,
2007, posição 240 de 9295)12.
problemas comportamentais, médicos e/ou familiares. Não é raro que as escolas, diante de uma criança com
defasagem de aprendizado, não venham a requisitar que os pais submetam a criança a uma bateria de
investigações psicológicas e médicas, para diagnosticar uma qualquer perturbação comportamental, biológica ou
familiar como causa do mau desempenho. No próximo capítulo será analisado o tratamento dos chamados
transtornos de conduta e encontramos uma tese de doutorado em psicologia defendida por Janaína Thaís Barbosa
Pacheco na UFRGS em 2004, sob o título: A construção do comportamento antissocial em adolescentes
autores de atos infracionais: uma análise a partir das práticas educativas e dos estilos parentais. (Disponível
em: http://www.lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/6132/000525387.pdf?sequence=1) Essa pesquisa tentou
identificar elementos propícios ao surgimento de tais transtornos na infância, bem como seu possível
desdobramento em delinquência e conduta ilícita na adolescência. A pesquisa colocou sob análise 311
adolescentes do sexo masculino diagnosticados com transtorno de conduta antissocial, divididos em dois grupos.
Um grupo de 148 adolescentes que já haviam cometido infração e outro grupo de 163 adolescentes não
infratores. As variáveis pesquisadas para compreender a presença do distúrbio de comportamento e sua
transformação em prática de delitos foram em especial as seguintes: a) configuração familiar e b)
comportamento antissocial existente em algum membro da família. O que se pode colher desta pesquisa, ainda
que não estejamos tratando de investigação na área da psicologia, é que os tais adolescentes, que visivelmente
escapam e desviam de uma adequada formação do capital humano, além de terem suas condutas patologizadas,
foram alvo de pesquisa que busca justificar suas patologias em dados tanto genéticos quanto adquiridos.
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Tradução livre: “ Correndo o risco de simplificação, pode-se dizer que as políticas vitais dos séculos XVIII e
XIX era uma política de saúde - das taxas de nascimento e morte, de doenças e epidemias, do policiamento de
água, esgoto, alimentos, cemitérios, e da validade dos aglomerados em vilas e cidades. Em toda a primeira
metade do século XX, essa preocupação com a saúde da população e sua qualidade inspirou um entendimento
particular da herança de uma constituição biológica e as consequências de reprodução diferencial de diferentes
subpopulações; isso parecia obrigar os políticos de tantos países em tentar gerir a qualidade da população, muitas
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Pela genealogia do governo proposta por Foucault, mais que abordar as formas da
“arte de governar” articuladas dos séculos XVI ao XVIII, é possível problematizar os efeitos
das práticas de poder colocadas em funcionamento na contemporaneidade a partir da
racionalidade governamental. O jogo que para Foucault se estabelece retirando a noção de
vida de um lugar periférico para o centro do cenário de organização e estruturação dos
regimes de veridicção implica em ampliar o atual debate sobre a regulamentação da vida da
população para pensar quais registros e aspectos da vida são alvo de governo e por quais
jogos de saber-poder.
Referências
vezes coercitivamente e às vezes mortalmente, em nome do futuro da raça. Mas a política vital o quatro próprio
século parece bastante diferente. Não é nem delimitado pelos polos de doença e saúde, nem focada na
eliminação patologia para proteger o destino da nação. Pelo contrário, é preocupado com as nossas capacidades
crescentes para controlar, gerenciar, engenheiro remodelar, e modulam as capacidades muito vitais dos seres
humanos como seres vivos. É, eu sugiro, uma política da 'vida mesma'” (ROSE, 2007, posição 240 de 9295).
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ROSE, Nikolas. The Politics of life itself: biomedicine, Power, and subjectivity in the
Twenty-First century. Princeton and Oxford: Princeton University Press, 2007.
SENELLART, Michel. Michel Foucault: governamentalità e ragion di Stato. In:
CHIGNOLA, Sandro (Org.). Governare la vita: un seminario sui corsi di Michel Foucault al
College de France (1977-1979). Verona: Ombre Corte, 2006.
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