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CAMINHOS
DE CURAÇÁ
Esmeraldo Lopes
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
CAMINHOS DE CURAÇÁ
ESMERALDO LOPES
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
GRÁFICA FRANCISCANA
Petrolina
2000
...p. 260.
CDD 981.42
AGRADECIMENTOS
DEDICATÓRIA
SUMÁRIO
Dedicatória
.............................................................................................................
Agradecimentos ...................................................................................................
Apresentação ........................................................................................................
Prefácio..................................................................................................................
Sede
Curaçá .................................................................................................................
Distritos
Patamuté ...........................................................................................................
Povoados
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
Jatobá .....................................................................................................
Agrovilas .....................................................................................................
Outros escritos
As Eras ................................................................................................................
Índios ...................................................................................................................
Vaqueiros .............................................................................................................
Apêndice
Pambu ................................................................................................................
Mapas ...............................................................................................................
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
APRESENTAÇÃO
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
Esse trabalho não foi iniciado por si mesmo. Preocupado com o vazio
que desune o passado do presente, elaborei uma proposta de criação de um
museu, o Museu Zoo-Parque de Curaçá, e a entreguei ao Prefeito. Este, ao lê-
la, queixou-se do fato de não possuir sequer registro fotográfico do distrito
sede, das sedes dos demais distritos e povoados. Ansioso por conhecer o
município, me propus a tal empreendimento e, logo na primeira viagem,
percebi que era muito pouco efetuar apenas registro fotográfico. Sugeri, então,
um trabalho mais amplo que compreendesse registro escrito sobre a memória
de cada distrito e povoado.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
Esmeraldo Lopes.
SEDE
CURAÇÁ
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
1
Nas caatingas as caminhadas eram penosas. A falta de água, o solo cheio de obstáculos, “as
veredas falsas e múltiplas são um verdadeiro perigo. A vegetação espinhenta, as trincheiras
quase intransponíveis (...) formam uma barreira que se sucede por dezenas de léguas,
desafiando aos mais robustos picadores de mato. Só o gado pôde primeiro trilhar a caatinga; e
naquelas regiões onde o europeu primeiro penetrou através dela, foi sem dúvida pela trilha do
índio, e guiado pelo índio. Ajunte-se a tudo isso, a falta d'água por dezenas de léguas, a aridez
do solo, a escassez das chuvas” (...) Teodoro Sampaio - In.: Caminhos Antigos e Povoamento
do Brasil – J. Capistrano de Abreu – p.5l, Itatiaia, SP. 1989. Em alguns casos, para que a
caatinga fosse rompida, utilizavam o expediente de atearem fogo nela e se protegiam até que o
trabalho ficasse pronto.
2
É corrente, nos escritos sobre Curaçá, que o jesuíta Luiz de Gran andou, em 1563, nas terras
do município. Apóiam-se, os que assim escrevem, no livro de João Matos, Descripção
Histórica e Geográfica do Município de Curaçá. João Matos, entretanto, não fez tal
insinuação. Ele simplesmente afirma que o jesuíta tentou efetuar os primeiros aldeamentos
indígenas nas bandas do sertão. O referido padre, pelos escritos conhecidos, limitou a sua ação
às proximidades do litoral, não se aprofundando muito no interior e, é remotíssima a
possibilidade dele ter alcançado as terras do sertão de corassá .
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3
A esse propósito, ver o livro de Esmeraldo Lopes, Opara - Formação Histórica e Social do
Submédio São Francisco.
4
Por essa época as terras eram apropriadas sob a forma de sesmaria. Uma sesmaria, via de
regra, possuía uma légua de frente por três léguas de fundo (base das atuais fazendas que, nos
dias de hoje,possuem mais ou menos as mesmas dimensões, só que parceladas sob a forma de
sítios - cada fazenda compreende vários sítios em seus domínios). Essas sesmarias eram
obtidas da Casa da Torre (sede do morgadio da família D`Ávila, situada nas imediações de
Salvador-Ba, subsistindo suas ruínas, nos dias atuais, no bairro de Itapoã), que historicamente
havia se adonado de todas as terras abrangidas pelo atual município. Pobre não tinha a mínima
condição de se tornar proprietário de uma faixa territorial, por pequena que fosse.
5
Ambos chegaram ao Brasil em 1671, ano em que frei Nantes instalou a Missão de
Pambu.
6
Foi elevado a paróquia (1714), a distrito da Vila de Jacobina (1724), a julgado (1743),
a Vila (1832).
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7
Essa expressão é conhecida desde que Belchior Dias Moréia passou pelas terras hoje
ocupadas pelo município de Curaçá. Querem alguns que a palavra curaçá signifique paus
trançados, querem outros que signifique cruz. Entretanto, não há significação exata para ela
hoje. Sabe-se apenas que é de origem indígena, podendo inclusive dizer respeito ao nome de
algum grupo indígena que habitasse a região à época. Quanto a sua relação com cruz, acho
bastante improvável, uma vez que os índios dessa região, na época em que ela foi visitada por
Belchior Dias, ainda não haviam sido objeto de catequese.
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8
Padre José Antônio de Carvalho Mattos, no ano de 1809. Esse, realmente peça fundamental
na formação da aglomeração - In: Matos, p.82.
9
Aqui subsiste uma dúvida. Segundo João Matos, o terreno onde se situou o porto pertencia a
Florêncio dos Santos, esposo de Feliciana Maria de Santa Theresa de Jesus, que lhe fora doado
pelo pai, capitão-mor João Francisco dos Santos. Isto em 1809. No entanto, é de conhecimento
que existe uma escritura pública de compra e venda, datada de 1842, através da qual Dona
Feliciana adquire, do Visconde da Torre, um terreno no mesmo local. Por outro lado, como
venderiam a casa ao padre em 1809 se ainda não eram proprietários do terreno? Sabe-se
também que, bem antes da data da escritura, Dona Feliciana era proprietária de um sítio na
mesma localidade e que, inclusive, chegou a ser uma das enfrentantes da construção da igreja.
Será que tinha o seu sogro e depois seu esposo se adonando da terra e só muito depois a
havido por compra?
10
Essa senhora era proprietária de fazenda na caatinga e interessou-se por estabelecer sítio e
construir uma casa próxima ao rio, após a chegada do padre.
11
Provavelmente fosse esse o santo de sua devoção. A construção da capela foi iniciada por
volta de 1819 e sua inauguração ocorreu em 1835, sendo nesta data celebrada a 1ª Missa (In:
Revista do Centenário do Município – 1953). Carrega em suas paredes gemidos de escravos.
In: Matos, p. 82. Originariamente, a capela só possuía a nave central e a parte que fica por
detrás do altar era bem baixinha. Informação do Sr. Ângelo Alves dos Santos.
12
A casa de D. Feliciana foi construída ao lado da Igreja. Segundo informações, em uma área
de uns 30x30 m. Possuía um mirante de onde, segundo a memória oral, ela acompanhava o
trabalho de construção da capela e também contemplava a paisagem oferecida pelo rio. Há
também uma história que diz que ela só bebia da água recolhida no meio do rio e, do mirante,
observava o trabalho dos escravos ao recolherem-na.
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17
A transferência da sede da vila e da freguesia para Capim Grosso se deu em decorrência da
Resolução de 6 de junho de 1853. A transferência da sede da vila não implicou na alteração da
área territorial do município. Qual terá sido o motivo dessa transferência se Capim Grosso
também era uma insignificância? Provavelmente o fato de, para aí, acorrerem alguns
fazendeiros de maior prestígio na área do município e também por estar situado em uma área
de maior possibilidade de comunicação. Essa é a hipótese mais provável. O engenheiro
Henrique Guilherme Fernando Hafeld, que percorreu todo o rio São Francisco, em missão de
estudo, registrou a existência de 59 casas e cerca de 300 habitantes no povoado de Capim
Grosso ou síto do Bom Jesus, no ano de 1853. De acordo com suas anotações, em Pambu,
nessa mesma ocasião, havia "cerca de 30 casas, que quasi todas em péssimo estado e a Vila
parece despovoada de seus habitantes, dos quais conta-se em mais ou menos 140 que vivem
aparentemente em pobreza e miséria". Nesta mesma época, Petrolina contava com 48 casas e
Juazeiro com 287 casas cobertas de telha e 1.328 habitantes - In: Atlas e Relatório do Rio São
Francisco - Levantado por Ordem do Governo de S.M.I. o Senhor Dom Pedro II, pag.
283. Rio de Janeiro, 1860.
18
O que concluímos a partir dos estudos efetuados a respeito da formação regional, os
fazendeiros só passaram a fixar residências na “rua” a partir de 1850.
19
A primeira escola foi criada em 1874, só para meninos, e a segunda, só para meninas, foi
criada em 1876 – In João Matos, p.84.
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estudar mais, virar doutor nas capitais. Por lá ficavam, o povo, de cá, ouvia o
zunzum do sucesso dos bichos20. Os pobres também se iam, na busca da sorte
do mundo21. Mato Grosso, terras de Goiás, levando a vida tangendo tropas,
conduzindo boiadas, empurrando barcas pelo rio, a andar nesse mundo sem
fim. Uns voltavam, outros sem rastro, sem notícia de nunca mais. No mais, não
tinha mais. De tempos em tempos uma notícia: Capim Grosso virou comarca22;
Capim Grosso agora muda de nome, o nome é Curaçá 23; Curaçá perde
comarca; Curaçá tem Intendente para governar24. E tudo a mesma coisa, o
20
Os jovens, filhos, dos fazendeiros, dirigiam-se às capitais para estudos mais adiantados e,
uma vez se formando, com raras exceções, nunca voltavam, a não ser para algum passeio
rápido de visita a familiares. O destino mais freqüente que tomavam era Salvador e Rio de
Janeiro, onde ocuparam cargos de destaque. Os poucos que voltavam à região se abrigavam em
Juazeiro. Em finais do século XIX, Curaçá configurou-se como um tipo de centro civilizador.
21
No relato que fez a respeito da viagem pelo S. Francisco, em 1879, o engenheiro Teodoro
Sampaio anotou, ao percorrer o trecho Boa Vista-Juazeiro: “Daqui pra cima, em ambas as
margens do Rio São Francisco não faltam moradores. A população é mesmo numerosa, bem
que pouco produtiva. Vive alheia às leis econômicas. Produz apenas o preciso para viver. Não
importa, porque não produz para trocar, nem troca ou permuta, porque não tem mercado onde
fazê-lo. (...) Nas estradas que margeiam o rio ou dele partem em direções diversas, as
habitações se sucedem a miúdo, formando pequenas povoações, lugarejos insignificantes, e
algumas vilas e cidades. Nas povoações ribeirinhas, o aspecto de pobreza e de atraso é
extremo. Vive-se aí sem se saber de que... – In: O Rio São Francisco e a Chapada
Diamantina - Teodoro Sampaio. P. 70. Nos relatos orais dos mais velhos, é interessante notar
como a gente viajava. Viagens a Mato Grosso, Goiás, sertão de Pernambuco, Salvador, rio de
cima, rio de baixo, Amazonas, etc.
22
De acordo com o ato de 3 de julho de 1890, o governador do estado eleva Capim Grosso à
categoria de comarca, desanexando-a da comarca de Juazeiro. Dois anos depois, entretanto, a
comarca é extinta e Curaçá volta a ser termo da comarca de Juazeiro In: IBGE – Sinopse
Estatística e João Matos, p.83.
23
Em 10 de julho de 1890, pelo Ato nº 59, a sede da vila e o município passam a denominar-se
Curaçá. O porquê da mudança, hoje, não se sabe – In: IBGE – Sinopse Estatística, 1948.
24
Logo no início do período republicano, em decorrência da lei orgânica dos municípios, criou-
se a figura do intendente que tinha a função de dirigir o poder executivo nos municípios (o
equivalente a prefeito) . Pela ordem, os intendentes e prefeitos de Curaçá, a partir do momento
em que o município se tornou autônomo, foram os seguintes: 1892 a 1895, Scipião Gonçalves
Torres; 1896 a 1899, Benedito Jácome Brandão; 1900 a 1901, Scipião Gonçalves Torres;1902
a 1903, Possídio Nascimento; 1904 a 1907, Jerônimo Coelho Aquino; 1908 a 1911,
Epaminondas dos Santos Torres; 1912 a 1915, Rui Gonçalves Torres; 1916 a 1917, Benevides
José do Nascimento; 1918 a 1919, José Gonçalves de Oliveira Costa; 1920 a 1923, José dos
Santos Torres; 1924 a 1927, Raul Chrispiniano Coelho; 1928 a 1930, Benevides José do
Nascimento; 1931, José dos Santos Torres; 1932 a 1933, Angelo José Gonzaga Filho; 1934,
Scipião Torres; 1935, José Jácome Brandão; 1936 a 1939, Aníbal Lustosa Cantareli; 1940 a
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
mundo parado.
O porto trazia vida, mais gente vindo comprar, vindo vender, vindo
vender e comprar. O povo vindo do longe de outros lugares da beira do rio, das
distâncias das caatingas. A feira na beira do porto, os feirantes se agasalhando
do sol debaixo dos pés de tamarineiro. Farinha27, rapadura, feijão, toucinho,
milho: coisas de comprar. Penas de ema, cordas, algodão, pele de criação:
coisas de vender. Os beiradeiros marcavam praça. Traziam suas coisas:
chapéus-de-palha, boca-pius, cestos, esteiras, abóboras, batatas, farinha, peixes.
E a Igreja? As festas do Bom Jesus, o dia do festejo a São Benedito, os marujos
dançando, o povo na devoção da fé. Aquele horror de gente acompanhando as
coisas da santidade, ouvindo o padre, pagando promessa, batizando os filhos,
se casando, dançando marujo. À noite, feixes de candeias acesos em tochas,
iluminando a festa. Uma alegria danada, tudo no claro28.
1942, Raul Chrispiniano Coelho; 1943 a 1945, Ten. Manoel Cordeiro de Matos (interventor);
1945 a 1946, Jayme da Silveira Coelho; 1946, Jovino Ribeiro; 1947 a 1950, Pompílio de
Possídio Coelho - In: Revista de Comemoração do Centenário de Curaçá, 1953. De 1951 a
1955, Jayme da Silveira Coelho; 1955 a 1959, Virgílio Ribeiro; 1959 a 1963, Gilberto da
Silveira Bahia; 1963 a 1967 José Félix Filho; 1967 a 1971, Pompílio Possídio Coelho; 1971 a
1973, José Félix Filho; 1973 a 1977, Theodomiro Mendes; 1977 a 1983, Aristóteles Loureiro;
1983 a 1988, Theodomiro Mendes; 1989 a 1992, Aristóteles Loureiro; 1993 a 1996, Gilberto
Bahia Filho; 1997... Salvador Lopes Gonsalves.
25
O cemitério de Riacho Seco foi terminado em 1887. A igreja de Chorrochó também foi
construída em torno de 1845.
26
Grande Dia: o dia da ressurreição de Cirsto, quando todos prestariam contas de seus atos.
27
Farinha era a base alimentar do povo de toda a região, mais importante que qualquer outro
alimento. Depois dela, a rapadura. Em verdade o comércio era feito mais à base de troca que de
venda, uma vez que o dinheiro era quase inexistente. Dona Cecília da Conceição Lopes
(*1913) lembra-se que, em tempo de mocinha, alcançou comerciantes vendendo fósforo por
palito, ou seja, de retalho.
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28
Esta informação, da iluminação com feixes de candeia, nos foi dada pelo Sr. Ângelo Alves
dos Santos – 1923 -, que a ouviu da boca de D. Carlota (Maria Carlota de Possídio Coelho).
29
Esta reforma foi realizada em torno do ano de 1891, sendo o vigário o Monsenhor Elpídio
Tapiranga. No final da década de 1940 foi realizada uma segunda reforma, que consistiu no
alteamento do fundo da igreja - que era bem baixinho - e - arquitetada pelo engenheiro Dirceu
de Possídio Coêlho. Só havia o altar-mor, onde todas as imagens de santos eram concentradas.
A igreja não tinha mobiliário. Cada fiel levava suas cadeiras. Cadeiras para ajoelhar e cadeiras
para sentar. Quem não as levava, assistia a missa de pé. O padre José Luna, entre finais dos
anos 50 e início dos anos 60, fez campanha e conseguiu mobiliar a igreja com a contribuição
do povo - In: Revista do Centenário do Município, 1953, e depoimentos de idosos.
30
Trata-se do cruzeiro existente na roça do Sr. Juraci Gonçalves, contígua a Curaçá.
31
Segundo a crença da época, não era de bom grado enterrar crianças em cemitérios, uma vez
que elas eram inocentes e não tinham pecados. Por isso, as crianças que morriam eram
chamadas de anjos e o enterro não era carregado de sentimentos. Eu mesmo cheguei a
presenciar um enterro de anjo onde as pessoas que faziam o acompanhamento cantavam e
algumas crianças que acompanhavam o cortejo o faziam vestidas com roupas brancas.
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32
São Benedito nasceu por volta de 1526, em São Filadelfo, na Silícia (Itália). Era negro,
filho de escravos e analfabeto. Foi alforriado ainda bem jovem. Trabalhou como pastor de
rebanhos e desde jovem ajudava os pobres. Aos 21 anos tornou-se eremita. A convite,
ingressou em uma ordem religiosa onde exerceu o ofício de cozinheiro e em 1578 foi nomeado
guardião do convento no qual vivia. Morreu no dia 4 de abril de 1589 – In: Os Santos de Cada
Dia, J. Alves, Edições Paulina, SP, 1990, 4ª Edição. Segundo o pesquisador Joaquim Maria
Botelho, um dos fatores que chamou a atenção dos religiosos, com relação a São Benedito, foi
sua capacidade de resignação, tendo em vista que era muito humilhado por ser negro e também
o seu espírito conformista e a benevolência. Segundo ele, o aparecimento desse santo pode ter
sido uma invenção de Roma para apaziguar os escravos negros do Brasil. As datas
comemorativas oficiais são 4 de abril ou 5 de outubro, sendo que, no Brasil, as comemorações
são realizadas sem a observância a essas datas - In: Anuário do Festival Nacional do Folclore
da Cidade de Olímpia – SP, 1996.
33
Esta festa sempre foi controlada e dirigida pelos mesmos que faziam o domínio sobre os
escravos. Não temos certeza se na origem da festa era assim mas, no passar dos tempos, a elite
tomou para si o direito de escolher entre seus membros aqueles que fariam o papel de rei e de
rainha.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
levar sua mulher ao coronel, mandou a resposta pelo mesmo mensageiro: “Diga a ele que
venha buscar” – e se entrincheirou esperando. O coronel não foi. Esse senhor era metido a
fogoso, a dispor de todas as mulheres que caíssem em sua graça, independente de idade ou
estado civil. Tinha vários filhos, sendo que só reconheceu uns três ou quatro. Informante: Dona
Olímpia do Nascimento Souza, *1911, moradora do Barra Grande; Luiz Lopes Filho; Nezinho
da Salobra (Manoel Lima dos Santos, *1924); Ascendino Duarte.
42
Cachorros era um povo que habitava nas proximidades do riacho Barra Grande e que,
provavelmente fosse originário de agrupamentos indígenas e negros. Por não se enquadrar nas
ordens e exigências dos senhores, foi colocado à margem. Esse nome, certamente pejorativo,
devido aos seus hábitos de vida. No correr do tempo, pouco a pouco, os remanescentes foram
sendo incorporados e se desfizeram como agrupamento. O fato mencionado ocorreu na década
de 1910.
43
Essa história nos foi contada pelo Sr. Antero Caçote, nascido no início do século XX.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
filho em troca de sua serventia pela gratidão do senhor . Apadrinhar filho com
alguém rico, maneira de compromisso de proteção44.
44
As pessoas sem condições costumavam oferecer seus filhos àqueles de posse para que estes
os “criassem”. As mulheres eram utilizadas para os trabalhos domésticos e os homens nos
trabalhos de roça e de campo. Não havia nenhum tipo de remuneração pelo trabalho deles. Ao
contrário. Tanto os pais como os “criados” sentiam-se eternamente gratos pela bondade do
senhor. Em alguns casos, os senhores (que não eram senhores, mas apenas pessoas com alguma
condição), na fase adulta dos meninos, davam-lhes alguma vantagem como a licença para
estabelecer morada em suas terras, licença para criarem enjeitados, alguma coisinha assim.
Dessa forma até o final da década de 1950. Após a ampliação das vagas escolares, iniciada no
final da década de 1950, era interesse dos pais pobres que os guardiões de seus filhos
propiciassem algum estudo e, no caso das mulheres, além de algum estudo, o aprendizado de
alguma habilidade como costura ou outra arte qualquer. Também carapinas, ferreiros, etc.,
costumavam receber adolescentes que trabalhariam gratuitamente na condição de aprendizes.
45
As barcas eram impulsionadas pela força humana dos remeiros. Quando era possível, estes
caminhavam pelas margens puxando as barcas por cordas que trançavam no peito. Quando não
era possível, valiam-se de enormes varas que, apoiadas nos peitos, eram metidas na água até
que alcançassem o fundo do rio e, pendendo o corpo sobre elas, caminhavam pelas coxias,
fazendo a barca andar. De vez em quando, quando o vento batia, soltavam as velas e tinham
uma fugazinha.
46
Se em uma dessas o remeiro parasse, a barca perdia a carreira e o sofrimento seria ainda
maior ou, em certas circunstâncias, ela poderia voltar, empurrada pela correnteza, o que
implicava em uma grande perda de serviço. Por isso, seu único recurso era aguentar a dor e
xingar. Os meninos faziam isso porque, quando as cercas eram quebradas, os animais invadiam
as plantações e era função deles vigiar. Note-se que, por essa época, a plantação era toda feita
no molhado do rio, exatamente por onde o remeiro fazia caminho. Informações, entre outros,
dos Srs. Bráulio Braulino da Conceição, Donizete Nunes Francos e Ângelo Alves dos Santos.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
Um curaçaense tinha barca. Fazia linha para Juazeiro. Era Seu Lino
Paqueteiro. Ele encostava a barca no porto de Juazeiro e ficava por ali,
comendo pão, sentado sobre sacos de farinha. Quando alguém lhe perguntava:
“Seu Lino, que hora vai?” - ele respondia: “Só quem sabe é aquele ali” e
apontava para o céu50.
tempo havia uma pedra, em frente à casa do Sr. Joatan Nunes Franco, que possuía umas
manchas com coloração avermelhada e que o povo dizia ser o sangue do padre. Um prefeito, ao
fazer o calçamento da rua onde ela ficava, a mandou arrancar e dar sumiço.
52
A iluminação por lampiões foi utilizada nas eras dos anos 20 e 30, mais ou menos. Havia um
funcionário encarregado de acender e apagar os lampiões e estes ficavam acesos do escurecer
até às nove horas da noite. Ficava um de cada lado da igreja, outro na casa do Sr. Inácio
Pereira, na esquina da prefeitura, na rua do Luar do Sertão havia dois e dois na rua de baixo.
53
Somente em certas épocas do ano, quando as águas do rio estavam altas, o vapor descia até
após Curaçá.
54
Informações do Sr. Luiz Lopes Filho, *1919, e de Dna. Cecília da Conceição Lopes, *1913.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
Houve uma praga de febre. Ela matava o povo na maior ligeireza. Nas
bandas da Barra Grande um sujeito pegou uma febre e capotou. Depois de
algum choro, os vizinhos se juntaram. Tomaram as providências do enterro
para logo, antes que a febre se alastrasse. Determinaram que dois rapazes
deveriam transportar o finado de canoa para sepultamento no cemitério da
Santa Cruz57. Os rapazes não se negaram. Colocaram o morto na canoa,
seguiram viagem. A uma certa altura da andança, já sem medo da carga, numa
curva do rio, viram o morto se levantar e perguntar: “Pra onde estão me
levando?”. Agoniaram-se, pularam da canoa e o “morto” gritando: “Esperem
por mim!”. Corrida sem parada até chegarem na casa do “finado”. Os
55
Segundo o Sr. Doniezete Nunes Franco, o correio e o telégrafo foram instalados em Curaçá
na década de 1910, por iniciativa do Sr. Gerônimo Coelho, então chefe político da cidade.
56
A decadência econômica da pecuária, a partilha de terra por herança e também o
parcelamento das terras por venda propiciou o surgimento de um tipo de reforma agrária
natural que se estendeu até a década de 1950.
57
15 km de distância, aproximadamente.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
Na rua, só ruinha, o mato era logo aí. O alto cheiroso 60 na beira da rua.
O povo indo lá fazer cocô, jogar entulho. Construíram a Engolideira nesse
lugar. Engolideira era a prisão, era cadeia. Ela engolia os homens que entravam
lá. Os presos aí, agoniados pelos soldados. Os soldados olhando, se enfezando,
criando raiva. Os presos só olhando, sem poder nada, adivinhando. Os soldados
se riam. Apostavam: “Vamos ver quem faz o cabra gritar mais?”. A palmatória
cantando. Os presos sofrendo. Os soldados cansando. “Quem entrava ali, não
saía homem direito, se saísse vivo61”. O vencedor feliz, os outros aumentando a
admiração, o respeito. Os presos não podendo se amolecer. Aguentando,
garantir o respeito de ser homem, da honra da família botada neles. Ficavam
amuados, enfezados. Apanhar de soldado não fazia lá essas vergonhas. Era
coisa do ofício. O povo botava fé em soldado. Soldado se orgulhava. Homem
sem medo, sem direito a amofinamento, garantindo o cumprimento da lei do
certo. Podia fazer tudo. Tinha muito cabra brabo nesses meios de mato. Os
mais valentes, de Chorrochó. Os soldados procurando criminoso a pé. Viajona
danada. Quando iam atrás de um tinham que prender, evitar outro sofrimento.
criação. Penduravam as carnes para secar na rua mesmo. Era homem que dava
agonia, todos com lenços vermelhos. A frente da igreja serviu de ponto de
arrumação das tropas. O povo, querendo simpatia, arranjava um jeito de
arranjar pano vermelho também. A tropa queria alegria. Os oficiais faziam
festas para ela. Mandavam convidar o povo, com intenção nas moças da
cidade. Quem não ia? Os pais não queriam, mas não faziam pé contra, que o
negócio não era de brincadeira.
66
Rola Dantas, uma das proprietárias da fazenda Acari, chefiava a família e exercia liderança
sobre os moradores das proximidades. Era respeitada por seus atos de truculência. A Fazenda
Acari fica a aproximadamente 25 km de Curaçá, já nas terras do município de Juazeiro.
67
Alguns dos oficiais, pelo menos três, se apaixonaram e casaram-se, posteriormente, com
moças de Curaçá. O povo não teve motivo para odiar as tropas revolucionárias, ao contrário,
fez amizade. Note que os revolucionários não desrespeitaram a população. Informantes: Seu
Jovem (Joviniano Moreira da Silva, *1901), Dona Nén (Liz Carvalho de Araruzo, *1913),
Dona ecília da Conceição Lopes, *1913), Sr. Antero Caçote – década de 1910), Zezé (José
Acendino Duarte, *1910).
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
prisão. Prender Antônio de Ingrácia. Ele não estava em casa. O sargento pegou
a mãe dele, botou chocalho, botou cambão, botou careta, fez montaria,
maltratação. Os Ingrácias não engoliram a desfeita. Já eram de arruaça. Aí
pegou. Juntaram-se com Lampião. Conheciam tudo, o lugar. O sargento,
homem do capitão Benevides. Lampião tocou fogo na fazenda68 do capitão,
matou o vaqueiro. Começou a perseguição, o piseiro nas terras de Curaçá.
Atrás de Lampião as Volantes. Lampião chegando nas fazendas, fazendo
exigência. O proprietário tinha que cumprir. Fazer bom recebimento de comida
farta e agasalho para seus homens. Lampião se ia. Com pouco chegavam os
homens das Volantes. Os combatentes contra Lampião. Faziam acusação de
acoitamento e o pau pegava. Os caatingueiros espremidos, sem saber como
fazer. Um sujeito arranjou uma saída: receber bem a Lampião e às Volantes:
“Sou amigo dos banditórios e dos macacórios”69. Lampião fazia coisas, as
Volantes iam no rastro do machucamento do povo, machucando mais. O povo
corria para a rua, abandonando o mato, deixando os bichos. Na rua, o
moradores fazendo trincheiras, na espera de Lampião. Aí vinha a história:
“Lampião tá perto”. A população se esbandalhava. Gente atravessava para
Pernambuco, gente caía no mato. Gente da elite fugiu para outras terras de
mais longe. No roda que roda, aconteceu. Lampião pegou um irmão do
sargento. Carregou esse irmão amarrado em um jumento, no jeito de carregar
porco em montaria, até longe. Pediu resgate. A família providenciou dinheiro.
Lampião recebeu e disse: “Por mim você tá livre”. Antônio de Ingrácia disse:
“Mas de mim não está não” – e o matou, em terras de abaixo de Riacho Seco.
68
Fazenda Amizade. O Sr Benevides era capitão de patente comprada.
69
Essa é uma frase atribuída ao capitão Olímpio, morador nas imediações da Fazenda Juá.
Informação do Sr. Gió, proprietário da Fazenda Juá.
70
Carro do Sr. Flor Barros, de Boa Vista. Curaçá só veio a conhecer uma carroça no ano de
1959, introduzida pelo Sr. José do Fumo, este proveniente de Ouricuri, Pernambuco.
71
A estrada Curaçá-Juazeiro foi construída em 1926 pelo, na época intendente, Raul Coelho.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
“O padre Eutímio sabia se benzer” 76. Veio logo depois do padre Félix.
Botou morada em Curaçá. Tinha mulher amante77. O padre rezando missa e uns
sujeitos, gente de bem da cidade, lá. Lá na casa da amante dele. Sapecaram o
pau a bater nela, chutando, espancando de todo jeito. Pegaram umas riquezas
dela. O padre foi avisado no fim da missa. Assuntou o caso com os olhos,
vendo a mulher escorneada, gemendo. Deu as providências da salvação da
vida. Anunciou o decreto dos destinos dos homens: “Todos cairão em
desgraças e farão padecimento até enquanto viverem”. “A praga pegou”. Até
pouco tempo tinha gente carregando ferida na perna, cachimbando pelo meio
da rua. E o bêbado? O padre rezando missa. Um bêbado chegou falando,
dizendo coisas do padre. O padre mandou botar o bêbado fora. Ordenou o
fechamento das portas. Chovia. O bêbado não se foi. Fez baticum, urrando na
porta da igreja, enquanto o padre rezava. O padre não disse nada. O povo fez
juízo de praga. O bêbado era comerciante na feira. Ninguém mais quis comprar
nada dele. O padre se compadeceu e foi lá, no meio da rua da feira, dizer:
“Comprem as coisas do homem que ele não está excomungado não”.
79
Mãe Sérgia (Sérgia Maria da Conceição). Esse nome porque as parteiras eram reverenciadas
pelas crianças nascidas pelas mãos delas como uma segunda mãe. Faleceu na década de 1960,
bastante velhinha. Fez o trabalho de parto de várias gerações, para o que não exigia pagamento.
Era descendente de escravos e sucedeu seus pais na guarda da bandeira de São Benedito. Até
hoje, é da casa onde ela morou que a bandeira sai todos os anos. Não fumava.
80
Isso até a década de 1940. A remuneração por esse serviço era de 12 mil réis, equivalente a
seis dias de serviço. Segundo diziam, era mais rápido que animal. O fator determinante,
entretanto, eram as despesas que os animais provocariam e a demora da viagem de volta.
Informante: Donizete Nunes Franco.
81
Informação do Sr. Milton Araújo. O impaludismo, ou sezão atacava principalmente nos
períodos de cheia e vazante do rio. Nas décadas anteriores a 1960 morreu muita gente de febre
tifo e de impaludismo.
82
Usar chapa, dente de ouro ou as duas coisas ao mesmo tempo era sinal de boa condição
social.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
83
Serra Branca, no Estado de Pernambuco. Na verdade os tropeiros se abasteciam em toda essa
região, atingindo as cidades de Bodocó, Araripina, Crato e algumas outras. Aí se abasteciam
com farinha, feijão e toucinho, fundamentalmente.
84
Rio Branco, atual Arco Verde-PE, fica a aproximadamente 500 km de Curaçá. Segundo os
tropeiros, a distância era de 95 léguas (570 km). Ali existia uma feira de gado. De Curaçá a Rio
Branco, a viagem durava entre 18 e 22 dias, segundo o Sr. Sindolfo Cursino Rosa, *1919.
85
Atual cidade de Senhor do Bonfim. Para esta localidade, os tropeiros levavam criação miúda
e compravam principalmente produtos alimentícios.
86
A carga transportada por cada animal pesava por volta de 60 kg.
87
Estes foram os alimentos básicos de nossa gente até a década de 1960. Outro alimento
importante era o toucinho e o feijão. Tendo isso, o camarada podia dizer que era farto.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
fogo pagou...”88
88
E por aí iam as brincadeiras embutidas nas cantigas, entrecortadas por gargalhadas. Os
versos da Rola foram recolhidos da boca de Loló, rapadeira de longas datas.
89
O trabalho era coletivo. Os arrancadores, as raspadeiras, os mexedores e o dono da casa-de-
farinha recebiam a paga em farinha. Uma raspadeira recebia um prato (cinco litros) de farinha
por dia. O mexedor que, além de ter a atribuição de ajudar no trabalho de arranca, de transporte
e de prensagem da massa, era pago na proporção de um prato de farinha a cada oito
produzidos. O proprietário da casa-de-farinha era remunerado na mesma proporção do
mexedor. O dono da mandioca ainda tinha que remunerar com farinha o tirador de lenha e as
pessoas envolvidas em outras operações, como peneirar, carregar a mandioca, lavar, etc. Tinha
também que arcar com as despesas de alimentação de todos quantos participassem do processo
de desmanche da mandioca. No final, sobrava entre a metade e um pouco menos da produção,
mas o que interessava ao dono da farinhada e aos demais que se envolviam no trabalho de
desmanche da mandioca era a garantia de alimentação e farinha era a alimentação básica.
Possuí-la estocada em casa significava fartura. Esse o seu valor. Informação prestada pelo Sr.
Bina (Bernardino Rodrigues dos Santos) e Luizinho (Luiz Lopes), que ainda possuem casas-
de-farinha.
90
De início, até a década de 1940, o trabalho de ralar a mandioca era inteiramente manual, feito
através da força humana. Depois, alguns proprietários de casas-de-farinha introduziram motor.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
91
A cera de carnaúba chegou a ser um produto importante na economia regional. Embora não
proporcionasse renda vantajosa, proporcionava um meio de vida para muitas pessoas em
alguns períodos do ano. A cera era retirada da palha depois destas serem retidas e postas a
secar. Uma vez secas, batiam-nas e delas caía um tipo de um pó que era aparado para depois
ser transformado em barra, por meio de cozimento.
92
Pé-de-engenho era o responsável por fazer a moagem; o ponteiro era o responsável pela
apuração do mel e pela observação do ponto do mel. O proprietário do engenho assumia todas
as despesas da moagem, dividindo a produção bruta, meio a meio, com o produtor da cana. A
produção no município era insuficiente para satisfazer as necessidades da população.
93
Espressões análogas a essa foram pronunciadas por várias das pessoas entrevistadas.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
por dentro das locas. “Juntava uma homaiada danada. Era tanta gente, que se
aproveitava até para fazer festa99.” Na faltança de tudo, apelar para as comidas
que o mato dava, “que gente pobre não tem grã-fineza, é o que Deus dá100”:
batata de angelim, batata de macambira, gró101, xique-xique102 e até mucunã.
Mucunã, quando não havia mais jeito de nada. Tinha que ser lavado em nove
águas, senão podia matar. “Quem comeu mucunã, se morreu com cem anos,
ainda morreu de mucunã”103.
(...)
Deus lhe pague sua esmola
113
Informação da professora Nenzinha (Maria de Almeida Araújo, *1916. Segundo ela, um dos
padres que serviu à cidade ficava indignado por ser São Benedito mais popular e mais
devotado que o padroeiro. Esse fenômeno ocorre em outras cidades do Brasil.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
Viva, viva
Viva São Benedito
Que vamos festejar”.
Levantação feita. Todo mundo pro teatro para assistir ao drama 114.
Depois forró nas casas, que tinha muito sanfoneiro. Não cobravam ingresso
para entrar. Só pagava quem dançasse. Mulher, não. O cabra dançava uma vez,
outra vez e aí precisava pagar a cota. O cobrador ficava assuntando o povo no
salão, para ninguém enganar. Mas tinha camarada sabido, que não pagava cota.
Saía de casa em casa onde tinha forró e dançava a noite toda, de graça, só
dançando duas partes em cada uma. Os sanfoneiros lá dentro das casas
agoniando a sanfona e os dançadores chiando os pés no chão. Manoel Pistola
resfolegando o fole, cantando o "Deus Salve a América"115... A poeira subindo.
Um suor lascado, com o calorzão tomando conta da sala. De vez em vez um
cacete e... aquele corre-corre atropelado. O povo se esbandalhando, correndo
114
Drama, entendido como qualquer representação teatral. Todo ano era preparado um
espetáculo para a noite do dia 30 de dezembro.
115
Hino da América, que era uma das músicas que o povo mais gostava de dançar, nos toques
da sanfona de Manoel Pistola.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
para longe e, de longe, assuntando a hora certa de voltar pro chamego do rala-
rala. A elite fora disso, que a festa da “sociedade” era no salão da prefeitura,
com tocadores de instrumentos finos e músicas de outro jeito, com seleção de
quem podia entrar. Coisa para gente de posição. Mas havia gente pobre que ia
lá, ficar se divertindo vendo, serenando do lado de fora, na janela. Havia
também o carrossel, que botavam perto do cais. Aquelas coisas rodando e a
meninada desejando, os adultos apreciando. A banca de seu Odilon, cheia de
coisas apreciadas, levantando vontade, o jogo caipira com o bozó com os dados
dentro e os homens, a mocidade aventurando sorte. O todo povo enfeitado,
com roupa nova, com sapato. Um paluxiado danado no se apresentar. Cabelo
lambido com brilhantina, chaveiro com pente, escova de dente e espelho,
pendurados no passador dianteiro da calça. Um cheiro grande cheirando no
ficar perto das pessoas. Gente puxando da perna, pelos agoneios do sapato
apertando no pé. Quando não, quando não, o camarada se revoltava, arrancava
o bicho dos pés e se acocorava onde desse para ser.
(Bis)
Adeus...”.
Esse povo já me pede
Pra essa guerra se acabá
Já morreu o capitão
Só ficou o generá”.
Depois pegar o rei e a rainha e sair pelas ruas até a igreja. Rei e rainha
no trono, no altar. O padre rezando, o coral cantando, o povo venerando, os
foguetes pipocando. De resto visitar as casas para começão e bebeção. Assim
do amanhecer ao entardecer. No outro dia, a procissão do padroeiro. E a banda
de música? Cabras bons nos toques, no acompanhando da procissão, na missa,
na praça. No começo era só a Banda de Curaçá, depois a Banda de Curaçá
misturada com a de Barro Vermelho e, no correr dos tempos, só a de Barro
Vermelho.
dizendo que ia ter festa. O dono da casa tinha que dar as providências do beber
e do comer. Ficava acanhado de negar a graça da brincadeira. Procura
providência. Não havia carnaval. Era “intrude”116. A moçada se mascarava e
saía pela rua assustando os meninos, tirando brincadeira, jogando água no
povo. Algumas pessoas danavam a xingar, a jogar pedra, a cair com molhador
no chicote. Houve até um sujeito que fugiu pro mato... se perdeu. Morreu lá, de
fome, de sede117. Quando o acharam veio o arrependimento da brincadeira. No
São João, as fogueiras, os fogos pipocando118. Milho assado, canjica, as
quadrilhas, pau-de-sebo, quebra pote. Todo mundo tinha que acender fogueira,
“senão o diabo vinha mijar na porta”. Os viúvos, não. Esses ficavam com a
dívida para o dia de São Pedro. Os batismo de São João, com a moçada se
apadrinhando.
Vaqueiro não tinha dia de festa na rua. Suas festas eram no mato, todo
dia no tempo da pega de boi. Na comemoração do Centenário 120 os da rua
116
Entrudo, de acordo com o dicionário.
117
O nome desse cidadão era Pedro Fogoso.
118
Os fogos, do final da década de 1950 até a década de 1960 eram confeccionados por Dona
Ana Fogueteira, uma senhora protestante.
119
Dona Ciclita, moradora da rua de baixo, era a predileta dos serradores porque era a que mais
xingava e era a mais imoral nas palavras.
120
O Centenário de Curaçá aconteceu em 1953.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
festa, a gente não pode nem usar facão e até vaqueiro calçado com conga tem. É vaqueiro?”.
Com o passar dos tempos, entre finais da década de 1960, início da década de 1970, políticos
se apropriaram da festa e a colocaram em decadência, com os vaqueiros sendo colocados na
passividade, ao ponto de grande parte dos associados nunca terem montado em um cavalo.
Hoje a festa não possui regulamento e parte considerável dos associados é constituída por gente
sem vínculo efetivo com o campo. O seu marco inicial foi o ano do centenário de Curaçá, em
1953, quando os vaqueiros foram convidados para fazerem uma apresentação. No ano
seguinte, a reunião de vaqueiros teve continuidade, acontecendo no seguir dos anos no dia 2 de
julho, como comemoração da Independência da Bahia. Mais recentemente alteraram a data da
festa que está acontecendo em data rotativa, no primeiro final de semana do mês de julho. Isso
porque, às vezes, o dia dois de julho cai no meio da semana e cria dificuldades para os
participantes e visitantes. As informações foram prestadas pelos Senhores Gilberto Bahia
(1914), Sindolfo Rosa e Bertoldo Pereira Martins (do São Bento).
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
senão morte, que honra era coisa que não se podia sujar. Quem queria mulher
bulida na família?126 “Tenho muito pecado de jega”127.
Z
O padre marcava “as desobrigas”128. O boateiro se espalhava. Os
meninos pagãos seriam batizados, os noivos se casariam. Os noivos faziam os
convites. Os convidados chegavam. Todo mundo montado. Os noivos na
frente, os convidados atrás com os cavalos batendo os cascos no chão,
barulhando as argolas, levantando poeira129. Aqui e ali, um gritava: “Viva os
noivos! Viva nossa bela sociedade!” O resto respondia em coro: “Viva!”
Casamento feito, acompanhamento de volta. Dança, cachaça, comida nos
devidos das posses de cada um.
muito pasto e pouco rastro. Coisas do fim do mundo. A gente querendo, não
podendo alcançar os ditos na imaginação. Como podia ser? Todo mundo de
cuia carregando água, molhando a plantação? Os bichos voando por cima,
serpentes? E os bichos voando por baixo? No sinal de tudo, está tudo aí, com o
mundo se indo, findando.
No rio, Seu Chico Coelho, Seu Piau, João Pescocinho. Seu Chico
Coelho na travessia do povo, se mantendo na vida com essa serventia. Linha:
Barro Alto-Curaçá. Ele no meio do rio, empurrando o barco com o remo,
pedindo a sorte de um ventinho que soprasse na vela. Viagem devagarinho.
Vivia nesse ir e vir, todo dia. Sem saber nadar, quase tinha morada no rio. Do
mesmo jeito Barba Azul (Chico Barge). Seu Piau nos peixes. Subindo e
descendo com seus anzóis, se desviando dos lugares de Nêgo D`água, que no
rio tem mistérios. “Nêgo D`água existe, mas nem tudo é para todo mundo ver,
mas eu vi um neguinho, que dava nos peitos de um homem sentado”135. Na
canoa de tronco de pau João Pescocinho cortando as águas, de dia e de noite.
Ele assobiando, cantando, armando e desarmando a rede de pescar, botando
anzóis na água, se apoitando numa ilhinha no meio do rio. Nela plantando
135
Seu Piau ( José Nunes dos Santos, *1916, foi o primeiro pescador profissional de Curaçá.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
zozós, angaris, calumbis na luta para não deixar as águas carregarem sua areia,
sonhando dela ser grande um dia.
Não tinha cais. As mulheres lavando roupa no rio. Da rua para o rio, um
ladeirão sem fim, cheio de pedra. Os carregadores de água com os galões136, as
mulheres subindo a ladeira com as latas na cabeça, carregando água para as
casas da riqueza. Ganho de vida137. Agasalho de água em casa de pobre, só para
beber, cozinhar e para banho das mulheres, que lordeza de banho para macho
era no rio, ou então que virasse rico. Rico-rico não bebia água do rio, não.
Água para eles trazida de longe, de um caldeirão da serra do Icó, nos barris, nas
latas carregadas pelos jegues138.
146
Refiro-me à instalação de um posto da Comissão do Vale do São Francisco em Curaçá, nos
meados da década de 1950, por influência do deputado Manoel Novaes. Este posto tinha a
função de oferecer assistência técnica e difundir tecnologias agrícolas. Foi extinto em finais
dos anos 60. A C.V.S.F. posteriormente foi extinta e criada para a mesma função a
Superintendência do Vale do São Francisco. Esta posteriormente foi modificada em suas
funções, recebendo o nome de CODEVASF – Companhia de Desenvolvimento do Vale do
São Francisco, até hoje (1999) existente.
147
A primeira casa de Curaçá a possuir sanitário nos moldes modernos foi a do chefe da
Comissão do Vale do São Francisco – CVSF, onde hoje é o parque de exposições. A população
não entendia. É que, nessa época, as latrinas ficavam fora da casa, na extremidade do muro, e
as fezes caíam dentro de um buraco que ficava aberto o tempo todo. Imaginem o fedor.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
rua do Quadro situa-se ao lado da praça Dona Feliciana e era nesses espaços que toda a moçada
se encontrava. Aos domingos, o encontro ocorria após a celebração da missa ou novena. Com
relação ao cocô no cais, este já era uma tradição de todos os dias e, por isso, nesse horário, o
local se infestava de porcos.
153
Nos meados da década de 1960 os bancos iniciaram o processo de financiamento para
atividades agropecuárias na região.
154
Prédio Scipião Torres. Construção do governo do estado, iniciada em 1936 e finalizada
mais ou menos em 1940. As escolas que até então eram isoladas foram agrupadas nele.
Informação de Milton Araújo e Valdelice Aquino.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
dizendo: “Desce daí, Suzano”161. Tomava banho nu no rio. Na hora certa ele
chegando, tirando a roupa sem atenção no estar dos outros, rumando ao rio e
três mergulhos. A roupa dele suja e sem querer trocar. A turma ia lá, pegava a
roupa velha, colocava uma roupa nova. Ele xingava, urrava, vestia, se ia como
nada acontecido. Zebu fumando o tempo todo na luta para não deixar o cigarro
apagar, falando sem ligança para os ouvidos dos outros, contando casos de
Lampião: “Foi sim! Nastá!” Mororó todo florido, batendo lata, se apaixonando,
vendo Santa Terezinha em toda moça bonita que enxergava. Coruja no seu
quebra-jaca e dizendo: “Cachaça ainda mata um peste/ Um peste ainda morre
bêbado/ Eu não sei se é João de Sérgia, Conceição ou Gi do Ó/ Só não morre
Conceição, que é filho de Chorrochó”. Daru rodando o mundo, de vez em
quando chegando para despejar uma barriga. João de Mãe Sérgia se entortando
na cachaça, bocejando: “Rererere”, brigando com Zé Pintor, e Zé Pintor
gritando: “ Ora, que putaria, forró não! Quer sacanear? Um chega, mete dedo
na tinta, outro pega o pincel e vem esse agora querendo carregar a escada!
Putaria, forró não!” Conceição soltando suas mentiras e Domingão soltando
“porraaaaa...” jogando pedra nos meninos aperreadores. Turite (Maria
Quitéria), afogada na cachaça, rezando nos doentes, clamando aos céus,
pedindo socorro ao povo e gritando: “turite”. João Pescocinho em suas
pregações, preparando a volta de Jesus. Zé Doido futucando nos sacos de
farinha, na feira, beliscando a bunda das mulheres. Goizinho trocando dinheiro
por dinheiro, cuidando da origem das pessoas, com nojo do povo. Macacuí...
Macacuí se enchendo de cachaça, jogando pedra, falando putaria, putaria,
putaria, carregando uma galiota162, fugindo da mãe para beber escondido e a
mãe atrás dele com uma vara na mão. Neném de Zé Pitaca caminhando no seu
caminhar, se botando em intimidade com todo mundo, comendo nos conformes
de sua querença. Os doidos do povo, da rua toda na intimidade de chegança em
qualquer lugar, na entrança das casas sem estranhamento dos donos.
161
Suzano seu irmão falecido. Esta expressão nos foi lembrada por Gerson de Maria Júlia.
162
Carrinho-de-mão.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
funcionamento daquela invenção. Água paga! Coisa de fim de mundo que onde
já se viu pagar pelo que Deus deu? E a água chegou, correu nos canos, entrou
nas casas. Água com o conforto do só abrir da torneira. Gente sem poder fazer
encanação. Pegar água no chafariz. Aquela fila medonha, do povo no aparar
dela. Lata batendo, gente cortando fila, as aperriações de apelido, as
converseiras de falação da vida alheia e o pau comendo de gente nas brigas. Os
canos subindo rua acima e o chafariz ficando só, no seu sem função. O povo
entrando no moderno do conforto de água paga no fim do mês163.
No rastro da água, a luz. Luz de Paulo Afonso. Energia que mata gente
descuidada. Os homens no trabalho de arribação de poste. O chão duro, duro,
com os tiros retirando as pedras de baixo, no aprofundamento dos buracos. Os
postes subindo, os fios sendo esticados. Trabalho feito, as casas com instalação
feita. Cadê luz? Não tinha rede de transporte de energia. Rede da Bahia em
Juazeiro, em Barro Vermelho. A de Pernambuco, ali, no atravessar do rio.
Empurra para cá, empurra para lá, um acordo feito: sangrar a energia de
Pernambuco. Curaçá no clarão a noite toda, toda, morresse rico, morresse
pobre, não morresse ninguém164. O povo chegando do trabalho das roças,
cuidando para esconder os trajes, as manchas da labuta. Gente cortando
caminho pelas ruas de detrás. A claridade mostrando as caras, os jeitos. A
pobreza aparecendo nos sinais de candeeiros acesos, dentro das casas das ruas
iluminadas. Os escurinhos dos namorados invadidos. Ponto de amarração de
animal mais difícil, o prefeito sem querer sujeira, sem querer bichos na rua. As
mulheres querendo casas com sala na decência. Os meninos nas brincadeiras
até o tarde da noite, as meninas brincando de roda, os meninos brincando de
barra, de esconder, de chicotinho queimado e todo mundo brincando de
casamento oculto.
cumprimento. Isso só no desamparo do não ter apoio nenhum, por velhice, por
doença de pegar. Os do mato, se sem a graça de possuir família, entregues a
Deus e a acudição da caridade de almas boas, como desse. Os que possuíam
família se ancoravam na proteção dela vivendo do compromisso do respeito do
costume, plantado pelas exigências de Deus. Velhos curvos pela judiação do
trabalho, pela passação de necessidades, com pouco de enxergar. O governo
entendeu fazer reparo da situação. Adotou medida criando aposentadoria. Os
velhos se emburacando na procura do FUNRURAL na intenção de se
aposentar166. Carradas deles no caminho de Juazeiro. “Dinheiro fácil, vindo na
valia da vida”, arranjamento de adjutório para se tocar no tempo com os
trocados de todo mês167. Os comerciantes abrindo crédito, eles comprando no
certo de poder pagar, se aumentando no respeito da família.
mantido pela contribuição pública, tendo à frente alguns membros da elite e do da cidade e
também gente do povo com alguma condição, havendo mesmo aqueles que, sem dispor
condições de doar, contribuíam com trabalho, destacando-se aqui o pedreiro José Francisco.
Após a adoção da aposentadoria pelo governo, através da criação do FUNRURAL, seus
membros julgaram que a atividade não fazia mais sentido. Foi transformado em Casa de Apoio
ao Aposentado. Segundo o Sr. Donizete Nunes Franco, vicentino, em entrevista do dia
26.09.99, a entidade retomou seu nome de origem, mas encontra dificuldades para funcionar
como no passado.
166
A aposentadoria dos trabalhadores rurais foi criada a partir de 1971, sendo que seu valor por
essa época era inferior à metade do salário mínimo. Só dos meados da década de 1980 em
diante é que a remuneração passou a ser equivalente a um salário mínimo.
167
Embora o valor da aposentadoria fosse pequeno, necessário é levar em conta o tipo de
consumo que estava incorporado aos hábitos da gente a que aqui nos referimos. O comércio
local, a princípio, não sentiu grande impacto. Como os velhos recebiam suas aposentadorias em
Juazeiro, aproveitavam para efetuar parte de suas compras por lá mesmo. Posteriormente, com
a abertura de agência bancária em Curaçá, a situação se reverteu e a sede do município ganhou
por atrair os velhos dos distritos e dos povoados.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
168
No início dos anos 70 o emprego de carro-pipa passou a ser uma grande arma utilizada para
o atrelamento político dos caatingueiros. As cacimbas cada vez mais foram sendo entupidas e a
dependência dos homens do campo aumentou.
169
O prefeito da cidade na ocasião se ausentou sem dar explicações, abandonando o povo.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
farelo, com coisa comprada nos caminhões. Vaqueiro sem ter o que traquejar,
perdendo o treino, se acabando e os bichos mansinhos, criados na fome de
ração pouca. Cavalos de enfeite, sem ocupação de corrida nas caatingas brabas.
Mais coisas para comprar, mais coisas com o que gastar. Caatingueiro andando
de carro, de moto. Os caminhos do mato se apagando, os caminhos de rodagem
se acendendo. Os aposentados no sossego do dinheiro do governo, todo fim de
mês173. Os filhos, os netos vivendo do dinheiro dos velhos. Os meninos
estudando nas escolas do mato, com os carros levando e trazendo todo dia,
todo dia. Todo mundo querendo que o governo dê, que o governo faça, que o
governo dê.
173
Note-se que os chiqueiros reduziram em quantidade de criação, sendo possível que a média
de animais por chiqueiro não chegue a 45 cabeças. Levando-se em conta que uma criação, em
média, é vendida por R$ 25,00 e que só há parição uma vez por ano, a atividade não consegue
dar suporte de vida a seus praticantes, dentro das atuais exigências de consumo. O salário de
um aposentado – R$ 136,00 - equivale a 5,4 criações mês.
174
A estrada Curaçá-Juazeiro foi asfaltada no início dos anos 80, ocasião em que também foi
instalado posto telefônico e que a cidade recebeu sinal de televisão. Na transição da década de
1970 para a de 1980, foi instalado um posto do BB (Banco do Brasil) e, logo depois, uma
agência do Baneb (Banco do Estado da Bahia).
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179
Na administração do atual prefeito, Salvador Lopes Gonçalves, foram realizados vários
cursos preparatórios para novas atividades e de modernização de atividades antigas. Ocorre,
entretanto, que os resultados são ainda embrionários, devido à resistência das pessoas. Mesmo
quando muitas dessas pessoas manifestam simpatia por novos métodos de trabalho, não
conseguem assimilar os procedimentos que a atualidade exige. De qualquer modo, muitas
associações foram criadas e a idéia associativista está em expansão em todo território do
município.
180
Posição da sede do município: latitude: S, 8º 59’ 27” ; longitude: W. Gr. 39º 54’ 41” . A
altitude é de 350m. Segundo João Matos, p. 49, “pelo recenseamento de 31 de dezembro de
1890, a população do Município atingia 12.000 habitantes”... O recenseamento de 1920
registrou uma população de 16.500 habitantes. De acordo com João Matos, por volta de 1926
Curaçá possuía "200 casas bem construídas e alinhadas, formando 3 praças e 4 ruas, com mil
habitantes". Em 1940, segundo o IBGE - Sinopse Estatística, 1948 – a área territorial do
Município de Curaçá era de10.628 km² e a população estimada em 21.331 habitantes, 1.884 na
zona urbana e suburbana e 19.447 na zona rural. Na sede, nesta época, existiam 23 logradouros
públicos. Havia cinco distritos: distrito sede (Curaçá) com 4.091 habitantes sendo que 918 na
zona urbana e 3.173 na zona rural; Barro Vermelho com 3.053 habitantes, sendo que 290 na
zona urbana e 2.763 na zona rural; Chorrochó com 5.021 habitantes, dos quais 360 na zona
urbana e 4.661 na zona rual; Ibó com 5.923, sendo que 66 na zona urbana e 5.857 na zona rual;
Patamuté com 3.243 habitantes dos quais 250 na zona urbana e 2.993 na zona rural (Em 1926,
segundo João Matos, já era essa a divisão administrativa). Entre a população de 5 anos e mais
sabiam ler e escrever 3.245 pessoas; não sabiam ler e escrever 14.741. Declaram-se católicos
21.235, contra 83 de outras religiões. Foram recenseados 24.451 bovinos, 3.315 equinos,
11.303 asininos e muares, 6.041 suínos, 44.142 ovinos, 146.126 caprinos e 13.484 aves - In
Sinopse Estatística - Município de Curaçá -, IBGE, Rio de Janeiro, 1948.
-Fevereiro: R$ 436.676,02;
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-Março: R$ 529.211,91;
-Junho: R$ 383.922,06;
DISTRITOS
BARRO VERMELHO
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Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
181
A Fazenda Garrote ainda existe com esta mesma denominação e situa-se próximo a Barro
Vermelho. Informação de Hélio Oliveira.
182
Segundo provérbio de alguns curaçaenses existe homem por acaso e homem por exemplo.
183
Conforme dizem alguns dos mais velhos de Barro Vermelho, o marido dessa moça, de
nome Josefa, era Francisco Gonçalves Brito, supostamente, originário do Riacho do Navio,
Pernambuco. De acordo com o Sr. Dilson Martins Oliveira, *1924, este casal teve, mais ou
menos, 10 filhos, dos quais apenas dois eram mulheres, e fixaram residência em Barro
Vermelho.
184
Segundo Hélio Oliveira essa pequena aglomeração tinha se formado em torno do ano de
1850.
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185
Progênie: origem, procedência, descendência.
186
Esta é a versão dos moradores, quando tentam explicar a origem do nome do lugar.
187
Era, normalmente, através da venda de peles de bode que os caatingueiros conseguiam
recursos para efetuarem a feira. Na maioria das vezes a feira era efetivada com a venda de uma
única pele.
188
Querosene, que era o único combustível utilizado para iluminação.
189
Barro Vermelho foi elevado à condição de distrito em 1911. Sinopse Estatística do Estado
da Bahia, In: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Conselho Nacional de Estatística,
1948, Rio de Janeiro.
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190
A igreja de Barro Vermelho foi construída em duas etapas. A primeira etapa teve início em
1912, através de mutirão sob a liderança de João Onório de Oliveira, com a levantação das
paredes. A segunda etapa, em 1923, sob a liderança de Jovino Ribeiro, quando a obra recebeu
cobertura e foi finalmente concluída. Informante: Hélio Oliveira.
191
Comemorado no dia 24 de junho, sendo a festa profana realizada da noite de 23 para 24.
192
O Sagrado Coração de Jesus é comemorado em data rotativa: último final de semana do mês
de setembro.
193
Informações prestadas por Dona Quiquinha (Maria Oliveira Coelho, *1913), e pela
Professora Filadélfia Fonseca Ribeiro, *1914.
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194
Em 1926 já era sede de distrito. In: Matos, 1926, p. 92.
195
A Filarmônica 15 de Março teve sua fundação em 1917. Foram maestros consecutivamente:
Antônio Alves, Arnobre Varjão, Isaulino Gonçalves, Sr. Filemon e atualmente Hélio Oliveira
é o responsável.
196
No caso significa banda, conjunto.
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197
A educação formal iniciou-se em Barro Vermelho no início da década de l930. A
professora Filadélfia Fonseca Ribeiro, natural desse distrito, iniciou seu trabalho em Patamuté,
no ano de 1938, para onde se deslocava a cavalo no final das férias. Neste mesmo ano
conseguiu transferência para sua terra onde lecionou de 1938 até 1965, quando se aposentou
por invalidez.
198
A Cacimba Velha foi construída, segundo é acreditado, por escravos que, no trabalho de
escavação, utilizaram-se de gamelas e banguês para carregarem o material que retiravam.
Informação fornecida por Hélio Oliveira.
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199
O Sr. Augusto Martins adquiriu um caminhão e passou a fazer linha regular.
200
Segundo Hélio Oliveira, o prédio escolar foi construído em1949.
201
Padre José Luna trabalhou no município de 1958 a 1961.
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202
De 1960 em diante o processo de emigração se aprofundou.
203
A feira semanal de Barro Vermelho ocorre às quartas-feiras.
204
Frase do Sr. Dilson Martins Oliveira, *1924, em setembro de 1998. A esse respeito, Dona
Quiquinha, 1913, disse: “No passado ninguém reclamava de solidão. Ninguém conhecia nada.
Todo mundo era cego. Nas caatingas a gente achava bom, quanto mais no comerciozinho!”.
205
Adelmário Coelho é cantor de projeção em todo o Nordeste brasileiro.
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206
Recordações. Para que se tenha uma idéia mais clara, enquanto, em 1996, o IBGE contou
201 habitantes na sede do distrito, sendo 104 do sexo feminino e 97 do sexo masculino. Em
1940, o mesmo órgão registrou a existência de 290, de acordo com a Sinopse Estatística do
IBGE de 1940, p. l3, e em 1950 a população era de 360 habitantes, segundo a Enciclopédia dos
Municípios da Bahia, 1958, p. 211. A secretaria de Saúde de Curaçá contabilizou, em 1999,
158 prédios na sede do distrito. A Secretaria Municipal de Educação contabilizou, em 1999,
172 matrículas, sendo 17 no ensino infantil e 155 no ensino fundamental.
207
A energia elétrica foi instalada em 1974, o posto médico nos meados da década de 1980, o
dessalinizador em, 1994 e a água encanada em 1997. Em março de 1999, segundo dados da
Secretaria Municipal de Saúde, Barro Vermelho possui 158 prédios. O IBGE, no censo de
1996, contou 201 habitantes na sede do distrito, 104 de sexo feminino e 97 de sexo masculino.
Situa-se a 54 km, da sede do município, a 24 km de Poço de Fora, a 42 km de Patamuté e a 42
km de Mundo Novo. Faz divisa com o município de Juazeiro, com os distritos Poço de Fora,
Patamuté e com o distrito sede, Curaçá. As divisas são as seguintes:
a - com Curaçá: começa no rio Curaçá, na foz do riacho do serrote Pelado; sobe por este até a
foz do riacho do Banguê; sobe por este até a sua nascente; daí em reta até a nascente do riacho
Jaquinicó.
b – com Patamuté: começa na nascente do riacho Jaquinicó, daí em linha reta até a nascente do
riacho Patamuté; continua em reta até a nascente do riacho Espírito Santo.
c – com Poço de Fora: começa no rio Curaçá, na foz do riacho Espírito Santo, sobe por este até
sua nascente.
d – com o rio Curaçá.
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PATAMUTÉ
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208
Segundo alguns, o termo patamuté, na língua cariri, significa anta na água, anta caiu na
água. Entretanto, o neto do fazendeiro em apreço afirmava que era a própria índia que se
chamava Anta. O nome do fazendeiro era Pedro Martins e se neto era o capitão Pedro Pereira
de Alcântara. In: Matos, p. 90. O Sr. Didi (João Pedro da Cunha, *1917), afirma que Pedro
Martins era mais conhecido pelo nome de Barão de Geremoabo.
209
Na década de 1960, a água que se acumulava no paredão atingia mais de 500 metros no
correr do riacho.
210
Segundo os moradores mais antigos, a primeira casa, que era a sede da fazenda, é uma
casinha que se encontra em ruínas, situada no segundo quadro da sede do distrito e que
pertencia aos Chias ( um povo de quem não se tem mais notícias). Os moradores dessa casa
provavelmente tenham sido os primeiros vaqueiros da fazenda. Segundo o Sr. Didi (João Pedro
Cunha, *1917), o primeiro morador foi João Paulo, vaqueiro do Barão de Geremoabo.
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O fazendeiro, dono do lugar, viu que dava para ser mais. Mandou
construir um paredão no riacho, represar água, buscar mais vida. Uma obra de
vantagem, sem outra para comparação. E deram um nome ao riacho: riacho do
Paredão211. E assim ficou para o sempre da história do até hoje.
213
Segundo o Senhor José Gomes Reis, *1904, a igreja foi iniciada entre 1902 e 1903 e a torre
levantada em 1906. Note-se que, em 1903, aconteceu a realização das Santas Missões e era do
feitio dos missionários incentivarem o povo a efetuarem construções sacras. O altar da igreja
foi demolido na transição da década de 1950 para 1960, sob a orientação do Padre José que o
fez com a finalidade de ampliá-la. Nesta oportunidade, o coro também foi demolido. Segundo
os moradores ouvidos, foi esse mesmo padre o responsável pela aquisição dos bancos e demais
mobiliários da igreja.
214
Essa é a história conhecida pelos moradores de Patamuté. Segundo a Senhora Maria
Helena, filha do Senhor José Gomes Reis, a imagem doada pelo retirante é uma pequena que
ainda está exposta no altar da igreja ao lado de uma imagem bem maior, adquirida mais
recentemente. A festa do padroeiro é realizada no dia 13 de junho, e a festividade profana é
realizada na noite de 12 para 13.
215
A gruta foi encontrada em finais do século XIX e dista 18 km da sede do distrito. Segundo
o Sr. Lídio dos Santos, *1906, dentro dela foram encontrados ossos de animais pré-históricos.
Informação também registrada na obra de Fausto Luiz de Souza e Antônio Carlos Magalhães
(Viagem de Reconhecimento Geológico e Paleontológico à Região de Curaçá, Bahia –
publicada pela Universidade do estado da Guanabara em 1965). Estes últimos obtiveram a
informação através do Padre Manoel de Magalhães, que foi pároco em Curaçá pelas eras de
1940.
216
Este fato ocorreu em 1903 e o pregador foi o missionário monsenhor Pedro Cavalcante
Rocha. In.: Matos, 1926, p.67.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
217
Essa é uma versão contada por dois antigos e que rola na boca de muita gente. Outros
antigos confirmam a praga do padre contra o coronel Galdino Matos e sua descendência até a
quinta geração, mas afirmam ser outro o motivo. Entretanto, se recusaram a falar sobre o fato
motivador da história que conhecem. De qualquer modo, ao que tudo indica, foi o Pe. Manoel
Félix o iniciador da romaria, entre 1905 e 1914.
218
Patamuté foi elevado à condição de distrito em 1911. (“Em virtude do Ato nº 59, de 10 de
julho de 1890, o Município passou a denominar-se Curaçá, figurando na divisão administrativa
do Brasil, correspondente ao ano de 1911, composto dos distritos de Curaçá, Várzea da Ema,
Ibó, Chorrochó, Patamuté e Barro Vermelho” – In: Sinopse Estatística – Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, RJ, 1948).
219
O barracão (quatro forquilhas e uma cobertura) é, provavelmente, do final do século XIX,
segundo o Sr. José Gomes.
220
Serra que fica na divisa com Uauá. Uauá dista 56 km e Chorrochó 90 km. Curaçá fica a 84
km e o distrito curaçaense de Barro Vermelho a 42 km.
221
Não consegui identificar a data da instalação do posto do correio, mas os antigos que foram
entrevistados foram unânimes em afirmar que tal fato ocorreu há muito tempo. Provavelmente
tal ocorrência tenha se verificado entre as décadas de 1910 e 1920. Segundo contam, os
estafetas transportavam os malotes a pé ou em lombos de animais e faziam as linhas Patamuté-
Curaçá e Patamuté-Juazeiro. Na década de 1930, os estafetas eram vítimas certas de Lampião,
quando eram por ele alcançados.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
222
Segundo o Sr. José Gomes, de seu conhecimento, o primeiro professor foi Purcino da
França Cardoso, e depois dele, Quintina Ricarda Monteiro (esta de Salvador), na década de
1910. Depois, nas décadas posteriores, foram assinalados pelo Sr. Adonai Matos Torres,
Manoelito ( Manoel Mendes de Souza) e pela Sra. Filadélfia Fonseca Ribeiro os seguintes:
Maria Honório Sampaio Matos, que dinamizou a vida cultural da sede do distrito, promovendo
comemorações e festas; Dona. Maria; Dona Edite; Dona Almerinda e professora Filadélfia
Fonseca Ribeiro (natural do distrito de Barro Vermelho). O primeiro prédio escolar só veio a
ser construído entre as décadas de 1940 e 1950, por influência do deputado Manoel Novais.
223
O coronel Galdino, *1840 +1930, era natural de Monte Santo e passou a residir em
Patamuté a convite da viúva de Cazuza Mendes, próspero fazendeiro do lugar, de quem era
parente.
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Nas eras de 1950 Patamuté ficou mais animada. Ganhou luz gerada por
motor. A claridade do começo da noite até daqui a pouco. “As ruas claras como
o dia, chega a claridade doía nos olhos”. Aí ganhou mais jeito de cidade, de
rua organizada. O comércio se alegrava. Havia sortimento com muita variedade
nos armazéns e o povo andava para a feira em maior quantidade. Desde os anos
de 1940 que já havia caminhão zoando pelo mato, fazendo linha, libertando os
jumentos das estradas de longe. O povo começava a ver outra vida. A água é
que ainda era a mesma. Os poços do Paredão onde os homens iam tomar
banho, as mulheres iam lavar roupa e os animais beber água. Aí a meninada
fazia a festa na brincadeira das águas. Pescavam também, que tinha peixe
curimatá e traíra. As mulheres não tomavam banho lá, não. Eram
“cerimonientas”, tinham medo dos olhos escondidos dos homens. Levavam
água em latas, na cabeça, para se lavaram em casa. Água de beber nas
cacimbinhas, feitas acima do paredão. A água minava à noite. Durante o dia lá
se ia o povo para pegá-la, para o abastecimento dos trabalhos da cozinha, para
beber. Água calcária, pesada. Foi assim até os anos de 1960, quando
construíram um poço artesiano. Aí sim, água com fartura, mas salobra. Ainda
era melhor. Nesse tempo, fazendo sombra de progresso, teve também a
construção do prédio do mercado. O barracãozinho foi levado ao chão, botado
no esquecimento das coisas finadas224.
Por perto da rua teve gente querendo fazer indústria. Na fazenda Bom
Jardim225 botaram uma desfibradora de caroá. Foi aquele mundo de gente
trabalhando, arrancando caroá no mato, carregando água, estendendo as fibras,
enfardando. Vinha gente de longe para esse trabalho, também ia gente da rua
para lá. Foi um tempo de ganho do povo. Coisa pouco mas de serventia que os
meios de vida era escassos. Foi e foi até que parou e tudo ficou na lembrança.
226
Segundo a sondagem que fizemos, esse alemão deve ter aparecido em Patamuté entre o final
da década de 1910 e meados da década de 1920.
227
Esta informação nos foi prestada pelo Sr. José Gomes. José Afonso Souza Menezes,
entretanto, indica o Sr. Turibo como sendo o pioneiro da exploração do mármore em Patamuté.
228
Segundo José Afonso Menezes, o mármore é beneficiado em Salvador, em Cachoeira do
Itapemirim, em Goiânia, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Parte deste mármore é, em certas
épocas, exportado para a Itália. A exploração não ocorre de forma contínua devido à
concorrência de outros materiais como o granito, falta de compradores e falta de infra-
estrutura. É utilizado para fazer revestimentos, pisos, pias, etc.
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admirando, também querendo se ir. Depois das festas, o quieto das pessoas sem
novidade de ver, com poucas de ouvir, de falar e nesse a vida se leva229.
a – com Curaçá: começa na nascente do riacho Jaquinicó e desce por ele até o marco do
término da reta, de direção sul, tirada do alto da serra da Natividade;
b – com Barro Vermelho: começa na nascente do riacho Jaquinicó, daí em reta até a nascente
do riacho Patamuté; continua em reta até a nascente do riacho do Espírito Santo;
c – com Poço de Fora: começa na nascente do riacho do espírito Santo, seguindo por uma reta
que, passando pelo lugar Angico, vai encontrar os limites intermunicipais com Uauá;
d – com Riacho Seco: começa no marco à margem do riacho Jaquinicó, no extremo da reta de
direção sul, tirada do ponto mais alto da serra da Natividade; desce pelo dito riacho Jaquinicó
até sua foz no riacho da Vargem;
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e – com Curaçá: começa na nascente do riacho Jaquinicó e desce por ele até o marco do
término da reta, de direção sul, tirada do alta da serra da Natividade.
f – com o município de Uauá: começa na serra dos Cágados e segue em linha reta até o ponto
tirado da reta que, partindo da nascente do riacho Espírito Santo e passando na fazenda Angico,
atinja a linha divisória entre os municípios de Curaçá e Uauá;
g – com Chorrochó: iniciando na serra dos Cágados até os limites interdistritais com Riacho
Seco.
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POÇO DE FORA
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
232
Segundo seu Jovem (Joviniano Moreira da Silva, *1901), os mais antigos contavam que o escravo
fugia dos maus-tratos a que era submetido. Vinha fugindo de Ribeira do Conde, caminhando em direção
ao Piauí. Este fato ocorreu bem antes de 1850, uma vez que os avós do informante se estabeleceram
nas imediações do Poço Grande em 1853 e a história já era bem passada.
233
Esta é a história que corre carregada pela memória dos mais velhos. Entre 1988 e l992 foi redigido
um texto que veicula essa mesma versão nas escolas de Poço de Fora. Esse texto, sem assinatura, foi
redigido por algumas professoras que, entretanto, não o assinaram. Seu Jovem (1901) e Erval Felix
contam a mesma versão. Segundo esta história, o criador era um pernambucano, Domingos da Silva
Duarte, e situam tal ocorrência por volta dos meados do século XIX.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
podiam bater com atino de juízo. Não tinham. Sua água, sua paz, sem defesa.
Os homens se chegando. Cadê os bichos do mato?
Lugar bom, sem melhor, por ali, o criador procurou garantia de domínio
sobre a terra. Foi se bater com o procurador da Casa da Torre 234, responsável
pelas terras daquele pedaço de chão. Conseguiu arrendamento por dez anos.
Botou nome no lugar: Poço de Fora. Segundo dizem, esse nome, porque havia
outro poço por trás da serra e que denominou Poço de Dentro.
Uma varinha com fogo na ponta e fogo no clavinote. A serra véia tremia,
estalava. Duas casinhas assistiam tudo, olhando aquele amontoado de gente242.
Alegria com bebida gingibirra243.
248
O barracão foi derrubado nos meados da década de 1940, segundo Erval Félix.
249
A denominação dessa fazendo ora aparece como sendo Sameado, ora como Esfomeado.
250
Vila Bela, atual Serra Talhada, no estado de Pernambuco.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
251
Poço de Fora passou a ser distrito em 1953, pela Lei número 628 de 30 de dezembro. Antes,
pertencia ao distrito de Barro Vermelho.
252
Em 1937 chegou a primeira professora, Alzira Ribeiro. Depois, 1938, chegou a professora
Rachel da Costa Lima Zumba que ficou até 1950, sendo substituída pela professora Inês Viana
Barbosa. Uma outra, a professora particular Libânia Dias de Oliveira, trabalhou de 1947
a1952.
253
A feira acontece às terças-feiras.
254
O mercado foi construído em 1966.
255
O padre José Luna, por volta de 1960, deu início à campanha pela construção da igreja, mas
ela só veio a ser erguida na década de 1980.
256
Antônio Carlos Duarte, vereador na época, natural e morador de Curaçá, doou a cobertura.
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Lazer: Poço Grande. Apreciação das pedras, refresco das águas. Lugar
para namoro, para levar visitante. Ponto de descanso, de menino fujão.
Meteram broca nele. Desfiguraram seu jeito, arrebentaram muitas pedras.
Queriam fazer progresso. O povo o ama, assim com amor bruto. Admira, mas
não faz cerimônia de fazer os alicerces das casas com suas pedras.
257
Em 1930, iniciada a construção da primeira estrada que interligava Juazeiro a Uauá (padre
Magalhães foi um dos organizadores) ; 1950, instalação de um posto do correio e telégrafo;
1951, construído o primeiro prédio escolar; 1958, é instalado um gerador para eletrificação dos
distritos – iniciativa do deputado Manoel Novaes; em 1981 é instalada água encanada,
proveniente do poço artesiano; 1982, instalação de energia fornecida pela usina de Paulo
Afonso; posto telefônico instalado em 1987. Informações fornecidas pelo professor Expedito.
258
Em 1947 foi construído o açude; em 1966, o Mercado Municipal; em 1968, o poço
artesiano e um cata-vento; em1981, instala-se água encanada, captada no poço artesiano; em
1986, é criada a Escola Estadual; em 1987, o posto telefônico; em 1990 foi criado o Colégio
Estadual. No início de 1999 contava, na zona urbana, com 764 habitantes (segundo o IBGE,
censo de 1996, a população urbana era de 614 pessoas e a rural de 998 pessoas em um total de
16l2 habitantes), 279 casas, 192 famílias, 19 depósitos, 22 casas comerciais, 2 oficinas, 110
alunos nas escolas municipais, 47 alunos na Escola Getúlio Vargas e 164 no Colégio Estadual
João Francisco Félix. Atualmente, 1999, há 37 matrículas no ensino infantil, 456 no ensino
fundamental e 69 no curso de magistério, um total de 562 matrículas, segundo a Secretaria
Municipal de Educação.
259
Antes da instalação do poço artesiano, quando o Poço Grande seca e também o açude, o
povo se servia da água da cacimba, a Cacimba Velha, aberta em antiga data e que fica nas
proximidades da capelinha.
260
O açude de Pinhões fica a 12 km e abrange terras de Juazeiro e Curaçá. De acordo com a
Lei número 628, de 30 de dezembro de 1953, os limites do distrito de Poço de Fora são os
seguintes:
a – com Barro Vermelho: começa no rio Curaçá na foz do riacho do Espírito Santo, sobe por
este até a nascente;
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b – com Patamuté: começa na nascente do riacho do Espírito Santo, seguindo por uma reta que,
passando pelo lugar Angico, vai encontrar os limites intermunicipais com Uauá.
c - com o município de Juazeiro: limites pelo rio Curaçá;
d - com o município de Jaguarari: começa no marco do alto da serra do Januário, de onde segue
em reta até o marco no lugar Boa Vista, no rio Curaçá.
e – com Uauá: começa no marco do alto da serra do Januário e vai até o ponto definido por
uma reta que, iniciando-se nas nascentes do riacho Espírito Santo, passando pelo lugar Angico
(fazenda Angico), vai dar na divisa de Curaçá com Uauá.
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RIACHO SECO
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261
Em tempos imemoriais foi criada uma missão na Illha do Inhanhum, que fica defronte a
Riacho Seco. Em suas proximidades há também a Ilha da Missão, onde existem ruínas de
alicerces daquilo que teria sido uma capela. Da Ilha do Inhanhum, os missionários faziam o
acompanhamento dos índios que habitavam nas demais ilhas das imediações. Não dispomos de
muitas informações escritas sobre o assunto. Apenas as ruínas e o trabalho de Sebastião da
Rocha Pita, citado no livro “O Homem no Vale do São Francisco”, p. 260, de autoria de
Donald Pierson, sugerem este raciocínio.
262
Esta é a história que rola na boca dos mais velhos e que a mim foi passada pelo Senhor
Guilherme Bernardes, *1908, e que é morador no lugar desde 1955, mas que desde sempre
viveu nas adjacências.
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Todo lugar tem um nome, se não tem é de bom juízo que se bote um. Um
riacho ali perto. Anos de pouca chuva, chuvinhas fracas. O riacho levou sete
anos sem botar água. Foi fácil. Apelidaram o lugar: Riacho Seco. E Riacho
Seco ficou. Coisa de pilhéria, que o lugar fica na beira do rio, rio que de tudo
por tudo pode faltar, menos água. Um lugar e um nome. De resto não havia
novidade. Isto nos anos de ninguém sabe.
Capela que se preze tem que ter sino. Um fazendeiro resolveu fazer
presente. Mandou comprar um em Salvador. Transportaram-no no lombo de
burro até Riacho Seco. Colocaram-no na capela e ele ficou lá por tempos e
tempos anunciando rezas e enterros264.
263
Segundo o Sr. Guilherme Bernardes o cemitério foi iniciado em 1877, tendo Conselheiro
acompanhado o levantamento do alicerce e o inaugurando em 1887.
264
Segundo a Sra. Maria Teles de Mendonça, *1924, o fazendeiro doador foi, possivelmente,
o Sr. Félix Alves. Quanto ao fato do sino ter sido transportado em lombo de burro, é a
possibilidade que resta, uma vez que a linha férrea que liga Salvador a Juazeiro só foi
concluída em 1896. Segundo a Sra. Adalcina Alves dos Santos, *1933, antes do sino havia um
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ditos, aos jeitos dos padres. Os padres soltando o verbo no mundo, falando de
céu, de inferno, de alma, de pecado, de perdão, de penitência, das tentações, de
jeito santo de viver.
E Lampião? Todo mundo com medo. Nas caatingas, na rua. Do mato ele
mandava pedir dinheiro aos fazendeiros. Quem não atendesse virava inimigo e
atacava, matava, tocava fogo na casa, nas cercas, matava os bichos que visse.
Na rua, atacava os comerciantes. Dava as mercadorias ao povo. Se pegasse um
graúdo, levava. Propunha troca por dinheiro. Estipulava quantia, determinava
prazo. O homem, imagem de assombração. Os fazendeiros largando os bichos,
281
Pedro Chinol era o sanfoneiro da animação até o início dos anos 60.
282
Por essa época, 1926, Riacho Seco era considerada uma povoação, segundo João Matos, In:
Descripção Histórica e Geográfica do Município de Curaçá, p. 95.
283
Um tipo de abelha de cor preta que, ao invés de ferroar, se enrosca nos cabelos e belisca a
pele, exalando um cheiro desagradável.
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a terra, indo embora, vindo para a rua284. O povo pobre amedrontado. Pobre não
tinha dinheiro, mas vivente que não fosse rico tinha que ser cabra de alguém.
Lampião não dava perdão fácil. Um dia de feira, a surpresa. Ele chegou. Botou
conversa no povo, foi maltratando os comerciantes. Deu que encontrou um
inimigo. Matou o homem ali mesmo na assistência dos presentes. O homem
sangrando, gemendo, morrendo sem amparo de cristão. Quem dava socorro? A
história ficou de espanto. Fizeram combinação. “Quando Lampião estiver por
perto, tocar o sino da igreja, para o povo ter tempo de correr”. Foi o acertado.
Um dia tocaram o sino fora de hora. O povo se espavoriu. Desesperou na
carreira, se entocando nas moitas. Pai perdendo filho, mulher se apartando de
marido. Era engano285. Cadê o povo confiar?
284
Mesmo os fazendeiros que tinham tradição de luta armada fugiam, pois que o governo do
Estado havia mandado a polícia desarmar o povo. Dito de Gulherme Bernardes.
285
Quem tocou o sino foi o Sr. Martins Pereira, segundo informação do esposo de Donana
(Ana Soares Nascimento dos Santos), enfermeira prática.
286
Acontece às quarta-feiras.
287
Filtro de pedra era utilizado para purificar a água, mas estava ao alcance apenas das pessoas
mais dotadas. De pedra porque o objeto filtrante era uma pedra porosa. Era produzido no “rio
de baixo”, na localidade chamada Jatobá, nos arredores de Petrolândia. As barcas vinham de
Abaré, Orocó e da região de Petrolândia, principalmente da localidade conhecida pelo nome de
Jatobá, transportando peles, utensílios de barro, algodão de seda (um tipo de seda extraído de
uma planta chamada bofó), mamona, peles, etc.
288
Querosene. Fósforo, chamavam de fosco.
289
Informação do Senhor Marcelino Feitosa – mais ou menos 65 anos - feirante em Curaçá e,
natural dos arredores de Riacho Seco.
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290
A ilha do Inhanhum, possui 195 hectares e pertence à família Bernardes. Foi muito utilizada
pelo povo sem terra, que trabalhava de meia. Fica defronte a Riacho Seco.
291
Marcelino Feitosa, que viveu dessa prática por muito tempo, dos anos 40 aos anos 60.
292
O Padre Magalhães, na década de 1940, foi procurado por um comerciante de Juazeiro e
este pediu ao padre para avisar ao povo de Riacho Seco que deixaria de comprar o produto,
caso continuassem a utilizar essa prática.
293
Mamona e algodão eram produzidos especialmente para comercialização. Eram os produtos
que propiciavam algum ganho para aquisição de outros coisas.
294
O caso paluxiado significa brincadeira.
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garapa, tanger as cangas de bois, carregar o bagaço, colocar lenha nos fornos,
preparar o alfenim, a batida, o mel a rapadura.
295
Esta desfibradora foi instalada pelo Sr. Guilherme Bernardes na Fazenda Barra, a uma
distância aproximada de 42 km de Riacho Seco e funcionou durante as décadas de 40 e 50. As
fibras eram utilizadas para confecção de tecidos, cordas e redes de pescar.
296
Em Barra do Tarrachil, o material era atravessado e transportado até São Caetaano, PE,
para ser entregue a uma cooperativa. O produto era utilizado para fazer tecidos. Na década de
1950 o transporte através de animal foi substituído por caminhão.
297
Expressão de Dona. Adalcina Alves dos Santos, *1933.
298
Em Riacho Seco, como nos demais distritos, a situação da saúde é precária. Embora haja
posto de saúde, o seu funcionamento é precário pela falta de médico. Dona (Ana Soares Nunes
do Nascimento), enfermeira prática, durante vários anos desempenhou, com exclusividade,
funções de enfermeira e de médica, receitando, tratando e fazendo trabalho de parto. Segundo
ela, a mortalidade infantil, por volta de 1979, era assustadora. Atualmente o atendimento
médico é prestado em Curaçá e o transporte é fornecido pela prefeitura.
299
Santa Maria da Boa Vista – PE., fica a aproximadamente 24 km.
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virando parente. Curaçá, longe300, com pouco contato, vendo recurso sangrar, o
povo também na procura de melhoria, se indo embora.
300
Curaçá fica a 42 km, rio acima. Praticamente toda transação de Riacho Seco é com Santa
Maria Boa Vista.
301
A professora Josefa Bernardes lecionou em Riacho Seco de 1940 até 1972. Por muito
tempo foi a única professora formada trabalhando no lugar. Informação da própria professora.
302
Cumprimento rigoroso de horário, farda completa e limpa, aquisição de material didático.
303
Prédio Escolar Ananias Carlos, construído pela influência do deputado Manoel Novaes, em
1948.
304
De acordo com a Lei nº 628, de 30.12.1953.
305
Padre José Luna, na transição da década de 1950 para 1960.
306
O altar, construído em 1919 e que os mais velhos afirmam que era uma obra primorosa, foi
demolido na transição da década de 50 para a de 60, sob a orientação do vigário de Curaçá na
época.
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307
No município de Curaçá, foi na área de Riacho Seco onde a agricultura comercial primeiro
foi praticada e ganhou sentido para o povo, incorporando-se à cultura, talvez pela influência
dos pernambucanos. Estes já a praticavam desde meados da década de 1940.
308
Os engenhos não suportaram a competição das rapaduras do rio de cima (região de
Januária). As casas de farinha foram desativadas por causa das transformações das relações
sociais, da competição com os comerciantes de Sergipe, que possuem melhores preços e
qualidades, e também devido à mudança do movimento das águas do rio depois da arragem de
Sobradinho. A agricultura comercial destruiu o espaço das culturas tradicionais.
309
Edmundo Mariano de Souza.
310
Informe da Sra. Josenita Ambrósia dos Santos, 1951.
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311
Energia da rede de Paulo Afonso, por volta de 1970; posto telefônico em 1988; ginásio em
1984 e colégio 1993; água encanada 1984/85 ; mercado e posto médico entre meados da
década de 1980 e 1990.
312
A comemoração do padroeiro nesta data é coisa recente, ocorrida na década de 1990.
313
A Festa da Agricultura ocupou a data em que o padroeiro era comemorado, ocorrendo no
último domingo do mês de agosto e está se afirmando como sendo a festa do lugar, embora
esteja ocorrendo pela quarta vez em 1999.
314
O sino da capelinha do cemitério e que foi transferido para a igreja, recentemente rachou e,
depois que o soldaram, perdeu o som. Encontra-se hoje na casa de dona Áurea, incansável
zeladora voluntária da igreja. O sino que serve hoje é recente, adquirido e instalado há uns três
anos.
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315
Tão logo o caminhão passou a ser difundido, as barcas perderam suas cargas, assim como
os tropeiros perderam o seu motivo de ser e desapareceram. Isso lá pela década de 1950.
316
Riacho Seco é o maior e o mais dinâmico distrito do município de Curaçá. Tem posto
telefônico, posto policial, mercado, ginásio, colégio, posto médico, água encanada, energia
elétrica, maior produtor municipal na área de agricultura, muitos bares e várias casas
comerciais. Dista 42 km da sede do município e é interligado através de estrada asfaltada,
concluída no ano de 1999. Em sua área territorial está incluída a povoação de Pedra Branca, as
Agrovilas, Ilha Redonda. Na sede do distrito, segundo a Secretaria de Saúde do Município,
1999, existem 457 edificações. De acordo com o senso realizado pelo IBGE em 1996, a
população urbana era de 1.480 pessoas e a população rural de 8.571, em um total de 10.051
habitantes, 4.829 do sexo masculino e 5.222 do sexo feminino. A população estudantil de
Riacho de Seco conta com 2.214 estudantes, sendo que, destes, 293 estão matriculados no
ensino infantil, 1.839 no ensino fundamental e 82 no curso de magistério. Seus limites, de
acordo com a Lei nº 628, de 30 de dezembro de 1953, são os seguintes:
a – com Curaçá: começa no rio São Francisco, na foz do riacho Barra do Ananias, subindo por
este até sua nascente; daí em reta até o ponto mais alto da serra da Natividade; daí em reta na
direção sul até o marco à margem do riacho Jaquinicó.
b – com Patamuté: começa no marco à margem do riacho Jaquinicó, no extremo da reta de
direção sul, tirada do ponto mais alto da serra da Natividade; desce pelo rio Jaquinicó até a sua
foz no riacho da Vargem.
c – com o estado de Pernambuco: começa no rio São Francisco, na foz do riacho Barra do
Ananias e vai, acompanhando a margem, até a foz do riacho do Pambu.
d – com Abaré: começa na foz do riacho Jaquinicó, no riacho da Vargem, daí em reta à
nascente do riacho de Santo Antônio e finalmente em reta à nascente do riacho do Pambu, pelo
qual desce até a sua foz no rio São Francisco.
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317
O sanharó se arranchou e até hoje está em um dos dois pés de tamarineiro que ficam ao
lado do local onde foi construída a primeira casa de Riacho Seco.
318
Gozação do Sr. Guilhermes Bernardes.
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POVOADOS
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PEDRA BRANCA
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321
Informação de Dona Brígida Barbosa, *1920. Ela também acrescentou que Seu Chicó tinha
uma comerciozinho e que só não vendia cachaça. Informou ainda que, em 1932, a polícia
ficava lá para dar apoio aos comboieiros.
322
Informação prestada por Guiomar Hipólito, primeira professora formada a lecionar em
Pedra Branca. Foi nomeada em 1960, pelo Estado, em decorrência de aprovação em concurso
público. Sua nomeação para Pedra Branca foi complicada, uma vez que a localidade ainda não
possuía cadeira (cargo). Depois de muita luta da referida professora, o governador Juraci
Magahães a criou e ela, finalmente, pôde iniciar suas atividades, lecionando por 10 anos
consecutivos. O início de seu trabalho foi complicado, uma vez que não havia prédio. O seu
pai, Sr. Barnabé, então desativou um depósito e o cedeu para que funcionasse como escola.
323
Ibó é distrito do município baiano de Abaré, distando por volta de 30 km de Pedra Branca,
através de estrada carroçável.
324
Dito de Dona Rosalina Gomes Fonseca, que acompanhou todo o processo de formação do
povoado.
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Em Pedra Branca tudo era como tudo tinha sido. Seu Noé, vendo nos
outros lugares, resolveu: botou, bem no lugar onde hoje é a tomada de água das
Agrovilas, uma usina de beneficiamento de caroá. “Foi o ganho que a pobreza
conheceu, das eras de 40 para 50”. Um monte de gente carregando água para a
caldeira. No mato, gente e gente arrancando caroá, cortando lenha, levando
tudo para a usina. A coisa ia bem. Seu Noé até construiu uma vilinha de
casinhas brancas. Uma beleza! Mas... um dia, as indústrias têxteis não
331
Professora Eunice Siqueira. Depois assumiu a professora Artemísia Tolentino, que lecionou
até mais ou menos 1955, tendo casado e ido embora. A localidade passou a dispor então de
uma professora evangélica, semi- analfabeta, mas sua escola quase não tinha alunos devido à
recusa dos pois em colocarem seus filhos para estudar com ela, devido a sua vinculação
religiosa. De 1955 até 1960, portanto, a localidade ficou praticamente sem assistência
educacional.
332
A professora Guiomar não se limitava ao trabalho de lecionar. Fazia reunião com os pais,
formou grupos de jovens, grupos de mulheres e atuava na catequese.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
quiseram mais as fibras e a usina fechou. Seu Noé foi embora e tudo voltou ao
antes.
pertence Pedra Branca, que fica a 100 quilômetros, até os dias atuais, são
complicadas pelas distâncias e pelas condições das estradas que são de terra.
335
O dinheiro proveniente da pensão dos aposentados representa a principal fonte de renda dos
moradores do povoado.
336
Na década de l980, Pedra Branca viveu um certo alento. Em 1984 foi instalada a energia
elétrica, em 1986 a água encanada, em 1988 o posto telefônico e, em 1989, chega a balsa que
possibilitou o transporte de veículos e caminhões para Pernambuco . Informações de Aldeniza
Gomes e Antoniel Gomes.
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dalí a umas andadas, subiram água pelos canos caatinga adentro, construíram
vilas e vilas cheias de casas. Dinheiro correu. Houve ganho para o povo.
O governo mandou o povo337. Gente e gente passando, indo morar nas casas
das vilas, todo mundo por conta da Chesf, ganhando dinheiro, mas o povo só
passava. Parava pouco em Pedra Branca, por muito que fosse bem aí. Ia-se para
Cabrobó, Belém, fazer feira e assim é. Pedra Branca338 fica só vendo, pegando as
beiradinhas. Mesmo assim, cresceu mais, ficou mais possível339.
337
A transferência desse povo, que foi trazido da área inundada pela Barragem de Itaparaica,
iniciou-se em l988. Informação do Sr. Assueres da Silva Santos, um dos assentados e
dirigente do Pólo Sindical.
338
Atualmente Pedra Branca conta com oito bares-mercearias, 178 prédios (informação da
Secretaria de Saúde de Curaçá), duas balsas, 153 famílias (aproximadamente) e, mais ou
menos, 690 pessoas. Dados fornecidos por Aldeniza Gomes. Segundo a Enciclopédia dos
Municípios – 1958 – p.211, a população estimada para o ano de 1957 era de 70 habitantes.
339
Pedra Branca, segundo a Secretaria de Educação do Município, em 1999 contava com 531
matrículas na rede municipal sendo 57 no ensino infantil e 474 no ensino fundamental. Dista
91 km de Curaçá e 10 km das Agrovilas, fazendo divisa com o município de Abaré, na Bahia, e
com os municípios pernambucanos de Cabrobó e Orocó. É povoado do distrito curaçaense de
Riacho Seco.
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MUNDO NOVO
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O encanto da lagoa não era tão encantado. A serra do Pica-pau ali perto.
Na baixa da serra, uma gente morando, vivendo, arredada. Raça de caboclos.
Caboclos brabos. Os caboclos sendo afugentados, afugentados, andando de um
lugar para outro. Plantaram-se lá. Era tudo ermo, ermo. Muita caça nos matos
das caatingas. A lagoa dando sustento de água. Os caboclos na paz do mundo
seu. Longe, sem notícia dos afugentadores. Na secura daquele mundo ermo
ninguém viria. O gado, seus chocalhos, trazendo notícia de mau sentido. Eles
plantando rocinhas de mandioca, habitando em ranchos de palha. Os vaqueiros
passando. Os caboclos se escondendo por trás dos paus, botando sentido nas
andanças deles, assuntando o que queriam. Foi e foi. Mais vaqueiros, mais
vaqueiros. O mundo dos outros chegando. Os caboclos desconfiando da
segurança do mato, se amedrontando. A lagoa invadida, cheia de gente
estranha. Fazendas se plantando por perto. Fazenda Lagoa da Vaca, com gente
escrava, com tronco, senzala e tudo342. Os espaços sendo encurtados, os
caboclos se fechando em si, com cisma, de acordo com o afugentamento dos
estranhos. De pouco em pouco se quedando, se amansando no mesmo mundo
do viver dos outros.
342
No sabido da memória dos velhos, esta fazenda pertencia ao Sr. Cazuza Mendes, que não
dava sossego a seus escravos. Esta fazenda situa-se a poucos quilômetros de Mundo Novo.
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343
O informante, Sr. Bernardino Geraldo, filho de um dos caboclos desarranchados, disse que o
sujeito que se adonou das terras inicialmente foi um sujeito de nome Barros (do Paredão) e o
comprador que desarranchou os caboclos foi Agostinho Félix (das Cacimbas). O responsável
pelo cartório que acabou decidindo a questão foi Galdino Matos (chefe político de Patamuté).
Esse fato ocorreu entre o final e o início desse século. No local onde habitavam os caboclos, foi
instalada uma fazenda com o nome de Angico.
344
Também conhecido pelo nome de araticum verdadeiro, em outras regiões.
345
Segundo o Sr. Bernardino Geraldo, “lavavam a mucunã em nove águas e ela ainda matava”.
346
Sr. Bernardino Geraldo. No seguir de sua fala: “Você sabe quem gerou a geração do Brasil?
Foi a princesa Isabel. A princesa Isabel era cabocla... foi pegada. O reino de Portugal foi quem
avançou... e pegaram a caboclinha e aí ela casou com o fio do homem e agora, aí todo mundo é
caboclo. É por isso que eles (os índios) querem a terra de volta... que ela foi tomada a muque,
não foi vendida a Portugal. Nem que o governo me prenda mas eu acho que eles não
compraram. Houve morte, houve guerra... caboclo matou soldado, soldado matou caboclo...
mas era muitos e venceram”.
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
347
Esta cobertura era feita da seguinte forma: levantavam-se os esteios, depois fazia-se uma
armação com varas na cobertura. Após isso, jogava-se barro e depois colocavam capim. O
primeiro morador foi o Sr. Antônio Fagundes. O cemitério foi construído em 1937 pelo Sr.
João Onório, sendo o mesmo até os dias atuais. Neste período, os cemitérios configuravam-se
como espaço de aglomeração humana, dado o seu caráter sagrado, ou palha sobre o barro da
cobertura, tocavam fogo para o barro endurecer.
348
Mais ou menos por volta de 1930, as terras começaram a ser retalhadas.
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349
Ajuntamento de gado ou outros animais para depois retirá-los para as fazendas de sua
criação, por ocasião do final das águas no mato.
350
Caiçara: abrigo provisório que os criadores montavam em locais abundantes em pasto e/ou
água, para se livrarem dos rigores da seca ou aproveitarem o resto do verde.
351
Estes acontecimentos ocorreram até as décadas de 1940, início da década de 1950.
Conforme o tempo, o movimento persistia até início de agosto.
352
Bernardino Geraldo.
353
Segundo a coleta de informações realizada pela professora Maria Ferreira, o primeiro
morador foi o Sr. Antônio Fagundes.
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A devoção, para agrado das coisas boas de Deus. Uma mulher do mato
de perto, com a imagem de uma santa. Nossa Senhora do Parto. Comemoração
da data dela: 15 de agosto. No começo, novena meio dia na casa da dona da
santa. Depois a mulher levando a imagem para a igreja, no dia da celebração.
Assim, assim até que ela veio morar na rua. Trouxe a santa. Colocou-a no altar
da igrejinha. O padre Adolfo dando assistência de missa no dia da reza.
Resolveu construir igreja. Chamou o povo, fez mutirão. Igreja construída,
trouxe a imagem da padroeira360. Ele que escolheu: Nossa Senhora da
354
Segundo o Sr. Bernardino Geraldo, a feira se realizava no final da tarde devido às ocupações
do povo nas caatingas, principalmente no período de seca.
355
Segundo o Sr. Urbano Fernandes de Vale, *1909, os enfrentantes do adjunto da feira foram
os Srs. Antônio Ferreira e Antônio Emiliano. Segundo Sr. Bernardino Geraldo e Dna. Flora
Ferreira de Souza, *1934. A primeira feira aconteceu em 1950.
356
Segundo informação da professora Maria Ferreira, o pé de imbuzeiro localizava-se onde
hoje é a casa da Sra. Corina.
357
Segundo o Sr. Damázio o barracão foi construído nas eras de 1950, na gestão do prefeito
Gilberto Bahia. Barracão era o local onde a feira se realizava e consistia em uma pequena área
coberta, mas aberta nas laterais. Foi ele a primeira benfeitoria do município na localidade.
358
Seu Lino tinha um comerciozinho e também era pedreiro. Além disso criava e possuía uma
rocinha de mandioca.
359
A capelinha foi construída de 1953 para trás, uma vez que, nessa data, um padre de Uauá
celebrou a primeira missa da coletividade nela.
360
A atual capela foi inaugurada em 1969.
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A baraúna grande não existe mais. Acabou-se a prova dos tempos velhos.
O povo foi devorando os paus da lagoa, arrancando os cipós, derrubando as
árvores grandes, a água minguando, se acabando logo.
361
O prédio do mercado foi construído em 1973.
362
Frase do Sr. Urbano Fernandes do Vale.
363
Primeiro prédio escolar construído em 1964; o segundo prédio construído em 1985. Foram
as primeiras professoras: Mariana Marques de Jesus e Maria de Lourdes Rodrigues de Souza.
Atualmente a sede do povoado conta com ensino completo de primeiro grau, tendo diretora e
coordenadora com curso superior. Regularmente matriculados se encontram (1999) 29 alunos
na educação infantil e 453 no ensino fundamental, segundo resultados do Censo Escolar
organizado pela Secretaria Municipal de Educação. Antes da energia de Paulo Afonso,
instalada em 1986, havia um gerador a diesel e que iluminava o povoado até às 21:00 h.
Mundo Novo, além dos equipamentos já assinalados anteriormente, conta com um posto
telefônico, dois poços artesianos e um dessalinizador (que passou a funcionar em 1996), uma
quadra de esportes, um restaurante, uma igreja evangélica e um posto policial (embora sem
assistência). Há vários bares e duas mercearias. Em meados de 1999 contava com 106 prédios
(entre residenciais e comerciais), segundo a Secretaria de Saúde do Município. Dista 96 km da
sede do município e é povoado do distrito de Patamuté, conforme delimitação territorial do
município, estabelecida pela Lei nº 628 de 30-12-1953.
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SÃO BENTO*
*
Este texto foi redigido em muito com base em um documento escrito por José Afonso Gomes
Leite.
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Os meninos. Fizeram escola para eles. Foi na fazenda São Bento, perto
do riacho, na beira da estrada. Os meninos de jegue, a pé no caminho do
estudo. Pequenininhos, grandinhos, fazendo zoada, carregando vida nas
364
Gró, uma comida feita do miolo da planta ouricuri. O ouricuri era encontrado na serra da
Borracha. Informe do Sr. Sindolfo.
365
Está viva na lembrança do povo a atitude de um prefeito que, percebendo o caráter
predatório da retirada da casca de angico, mandou que seus funcionários queimassem toda a
casca que encontrassem. A ordem foi cumprida e o povo se indignou, pois ela era o sustento da
vida da maioria dos que não tinham outro recurso.
366
Escavação natural existente na rocha, que armazena água por longo período.
367
A área de plantio era compreendida pela faixa de terra umedecida pelo riacho, quando das
cheias.
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Perto, bem perto outra fazenda, esta de nome Bela Vista. Os donos fizeram
consentimento para o negócio. A feira mudou de lugar, mas levou o nome do
lugar velho. Foi botada na malhada da casa de Né Pereira, quase na porta,
debaixo de dois tamarineiros. Mas o movimento foi aumentando, aumentando.
Mais feirantes, mais comerciantes. Estava incomodando os moradores. Eles
resolveram fazer doação de uma área de terra, em lugar perto, para o
movimento do povo376.
376
Fizeram a doação de uma pequena área de mais ou menos dois hectares, no ano de 1973. Os
doadores foram Juvino Pereira, Manoel Pereira, Zilda Pereira Rego, Zulmira Pereira dos
Santos e Antônio Pereira.
377
Este barracão funcionava como mercado.
378
Os primeiros moradores da área específica do povoado foram Eduardo Pereira, Serafim de
Rita, Norberto e Evangelista.
379
Já em 1974 ganhou caráter de povoado.
380
Ônibus da empresa Joalina.
381
O prédio do mercado foi construído no ano de 1976.
382
Originário do município de Juazeiro.
383
A casa de Né Pereira foi construída em 1915 e, a partir de 1916, São Sebastião passou a ser
celebrado em novenário.
384
A igreja foi construída com recursos doados por Antônio Carlos Duarte, no ano de 1983.
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385
O prédio escolar construído em 1986 , o gerador de energia em 1987 e o poço artesiano
também foi nessa época.
386
É assim que o Sr. Eduardo Pereira explica a decadência do povoado de São Bento.
387
São Bento possuia, em meados de 1999, segundo José Afonso, 47 casas e 80 moradores.
388
A estrada passa bem no meio do povoado.
389
Por volta de 1940, o DNOCS fez estudo da área e projetou um açude que, segundo está na
memória dos mais velhos, represaria água numa extensão de 40 km. Em 1999 está sendo
concluída uma barragem projetada para acumular 42.598 m³ de água e um volume útil de
25.558m³, devido à perda por infiltração e evaporação. O projeto estima que serão atendidos
750 habitantes, levando-se em conta o consumo per capta de 100 l/dia – In: Memorial
Descritivo de Projeto Barragem de São Bento, Prefeitura Municipal de Curaçá- 1999.
390
A Secretaria Municipal de Educação resolveu nuclear as escolas nos povoados e nas sedes
dos distritos e isso está mudando o panorama de calma dessas localidades.Segundo aquela
secretaria, a população estudantil de São Bento é de 282 estudantes, sendo 26 matrículas no
ensino infantil e 256 no ensino fundamental.
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JATOBÁ
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Sem ser do comum, mas havia breiação de homem branco com mulher
do Jatobá. Coisas que aconteciam, nos mexidos dos desencontros encontrados
da vida. Uma ou outra família também chegando se entrando na convivência.
Ramo velho fincado no ramo novo. O ramo novo dando vida ao tronco
velho e o povo fazendo marca de vida de gente na igualdade da parenteação,
nos trabalhos de todo mundo junto no mesmo pedaço de chão, derramando as
mesmas lágrimas pelos que morriam, sentindo as mesmas saudades dos que
partiam. Um povo só: Rompedor, Jatobá, Favela.
391
Manu (Manoel Gonçalves Buriti, *1938).
392
Anatalino Barbosa dos Santos, *1931.
393
Manu (Manoel Gonçalves Buriti).
394
Anatalino Barbosa dos Santos.
395
Dona. Maria Izabel.
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O tempo, o tempo.
gente se afastar das coisas de Deus, nada vai pra frente”. A turma no briquitar.
Teve gente de fora que ajudou402. Igreja sem padroeiro. Arranjar um. Eleição.
O eleito, São José. Cadê imagem do santo? Romaria para Juazeiro do Norte, se
acudir nas preces para Padre Cícero. Viram uma imagem em uma casa de
comércio. São José bonito. Desejaram. Foram se acertar no preço. O dinheiro
não dava. Fizeram reserva da imagem. Compraram um pequenininho, para
adorar. Voltaram no desejo do santo grande. Arranjaram dinheiro, enviaram
portador pro cumprimento da missão, com recurso de conta certa. O homem
havia subido o preço. “Aí acertaram que voltariam. Assinaram papel e tudo.
Outra viagem. O santo estava lá, conforme o dito do homem. Fizeram a
compra. Enrolaram, encaixotaram. Vieram direitinho, de ônibus, porque o
santo precisa ter conforto. Como é que ia ficar, santo quebrado? Mas quebrar
ele não ia, não, que santo tem milatre, ô!... São José!403.” O santo chegado,
reunião do povo. Aquela veneração. Procissão pra igreja. O santo entronizado,
lá, no comando das coisas divinas. O padre benzeu o santo, inaugurou a capela.
402
A capela foi construída em 1991, através de mutirão.
403
Dona Maria Izabel.
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AGROVILAS
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A vida era como conhecida por todos. Trabalho nas roças, plantando
cebola, milho, feijão, coisas da irrigação. A maioria trabalhava como meeiro,
como rendeiro. Alguns nas ilhas do São Francisco, quase todos em terra firme.
Havia os que só cuidavam de trabalhar avulso, para os outros, recebendo pelo
dia de serviço trabalhado. Também havia os que, nas épocas de chuva, se
ocupavam com o criatório nas caatingas e durante a seca se mudavam para a
beira do rio, procurando refrigério404. A vida era assim.
404
A agricultura ainda não era uma atividade especializada. Via de regra era consorciada com
a pecuária, pescaria e outras atividades residuais. Os trabalhadores ainda podiam ser
configurados como camponeses.
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O povo não acreditava. Aquilo tudo não podia ser. Mas, foi que foi e
começou a acontecer. Os maquinários chegando, zoando, fuçando o chão. As
empreiteiras instalando canteiro-de-obra e o povo despreparado para a verdade
que iria acontecer, conforme o dito do padre405. Ele já conhecia a história pelo
passado ocorrido na barragem de Sobradinho, quando o povo sobrou, sendo
dele feito o que a Chesf quis. O padre já sabia que todo mundo ia ser botado
fora, que as águas iam tomar conta de tudo. De pouco em pouco foram
aparecendo uns. Uns que começaram a acreditar na verdade do que izria ser.
Foi aí que começaram as reuniões. Foram reuniões e reuniões. Os mais velhos
não acreditavam. Ficavam rindo daqueles que participavam delas. Quando os
via caminharem na direção dos locais de encontro, diziam: “Oh! Os bestas já
vão” – e se danavam a sorrir. A Chesf também não acreditava que o povo
tivesse a capacidade de fazer com que ela procedesse ao contrário do que
planejara. Ia tocando a obra como bem entendia e sabia fazer. Foi aí que cada
vez mais chegava mais gente para participar das reuniões. Os sindicatos
chefiados por pelegos406. As empreiteiras começaram o serviço, já mexendo
com o povo. O povo fez concentração dentro do canteiro-de-obra,
reivindicando, querendo acerto, a Chesf sem querer, só enrolando. Era difícil.
Os sindicatos estavam isolados e nas mãos de dirigentes pelegos. Foi preciso
tomar os sindicatos, mas não bastava. A obra da barragem de Itaparica iria
mexer com gente de vários municípios da Bahia e do Pernambuco407, com
gente da caatinga, com gente da beira do rio e com gente das cidades e dos
povoados. Precisava que ser uma fala só. Foi aí que nasceu a idéia. Juntar os
sindicatos, formar um pólo sindical que comandasse todos os sindicatos da área
afetada. Mas a luta ainda não era forte.
405
O então Padre Alcides Modesto que, posteriormente, foi eleito deputado estadual e federal,
por algumas legislaturas.
406
Pelego, no caso, é aquele representante que faz jogo contrário aos interesses de seus
representados; dirigente sindical conciliador.
407
Ao todo, aproximadamente 120 mil pessoas seriam removidas, segundo reportagem do
Diário de Pernambuco de 19 de julho de 1981. Aí incluíam-se a totalidade dos habitantes da
cidade de Petrolândia, Pernambuco.
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casas, as terras, não ver mais o que se vê. Não poder ser mais do jeito da gente.
Viver como, se ainda não havia jeito de trabalho? Lá se vai o sindicato de novo
fazer briga. Botou na mesa: dois salários mínimos e meio para cada chefe de
família reassentado, enquanto as obras não ficarem completas para o povo
trabalhar. Fez pressão. A Chesf não achou outro jeito, concordou. Mas a coisa
era de dúvida. Alguns fizeram logo a decisão e exigiram indenização. A Chesf
pagou um dinheirinho. Esses agora teriam que se virar sozinhos, onde
quisessem, como quisessem. Outros resolveram ficar em algum lugar por perto
mesmo e a maioria decidiu que aceitaria se mudar para o projeto Pedra Branca.
De qualquer jeito, espatifo de gente.
isolada, mas muitos possuíam chiqueiros com 100 e até 200 cabeças. 30 era um número
pequeno demais. Essa criação é solta na área de sequeiro, onde cada um tem direito a 10 ha
Entretanto, não há cerca demarcatória entre as áreas individuais. Só é permitido a cada
proprietário fazer chiqueiro. Nesse particular foi possível manter a tradição.
413
Treze dessas vilas foram situadas no município de Curaçá e seis no município de Abaré.
Nelas foram reassentados apenas moradores do município de Rodelas, os antigos moradores da
área onde o projeto foi estabelecido e moradores da parte da área atingida pelo lago no
município baiano de Chorrochó. Foi criada uma estrutura mínima com eletricidade,
saneamento, rede de água, educação e assistência médica.
414
Casas de nível um, com um quarto; casas de nível dois, com dois quartos e casas de nível
três, com três quartos. A distribuição foi feita de acordo com as casas onde moravam
anteriormente. Ao todo, segundo o Sr. João Batista, foram construídas 801 casas,
correspondentes ao número de famílias reassentadas. Número igual de lotes foram
estruturados. Estima-se que, aproximadamente, 3.200 pessoas foram envolvidas diretamente no
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
419
Houve uma série de assaltos aos reassentados quando estes se dirigiam ao município de
Cabrobó. Como resolução do problema foi e é necessário que a polícia baiana os escolte até o
porto de Pedra Branca e que a polícia pernambucana os escolte até a cidade de Cabrobó.
420
Segundo dirigente do Pólo Sindical, no projeto Pedra Branca, mais ou menos 100 lotes
foram descartados por questão de impropriedade do solo e a Chesf quer substituir seu
compromisso inicial por indenização.
421
Pelo que ouvi de alguns moradores das Agrovilas, um dos aspectos básicos que motivam a
juventude para o trabalho é o consumo. Moto é o objeto mais ambicionado. Também há festas
frequentes, com bandas de renome regional.
422
A irrigação é feita por aspersão. A água é bombeada de uma distância de 18 km e a
distribuição é feita através de estações de bombeamento.
423
No início os assentados andaram plantando culturas temporárias mas tiveram muitos
prejuízos por causa da oscilação de preços. Depois passaram para a fruticultura, onde alguns se
consideram bem sucedidos. Segundo dirigente da Cooperativa, hoje (início de 1999) há mais
de 1.000 ha plantados com fruteiras. O mesmo dirigente informou que toda atividade agrícola,
até agora realizada, dependeu apenas de recursos próprios dos proprietários dos lotes, isso
devido a embaraços jurídicos provocados pela Chesf. Só recentemente é que está sendo
iniciada a viabilização de empréstimos, junto ao BNB, agência de Salgueiro, PE.
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acontecer em breve.
431
Para se ver livre de seus compromissos com os reassentados, a Chesf está querendo substituir
a entrega de lotes por terra, para aqueles trabalhadores que não receberam lotes ou para aqueles
cujos lotes foram descartados. O Pólo Sindical reage.
432
Grupo Executivo para a Conclusão do Projeto de Reassentamento de Populações da Usina
Hidrelétrica de Itaparica, em 1997.O bjetivo: entregar logo o projeto; criar as condições para
privatização da hidrelétrica.
433
Entre os itens que faltam, encontra-se a construção do centro comercial com mercado, área
para feira, casa de hospedagem, centro de saúde, pontos comerciais. Este centro comercial já
conta com um prédio escolar e um posto policial.
434
Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco.
435
Recentemente foi criada uma cooperativa que tem por intuito a organização da produção e
da comercialização.
436
Situação da população estudantil em 1999, segundo a Secretaria Municipal de Educação:
Educação Infantil com 27 alunos matriculados; Ensino Fundamental com 1.360 matrículas;
Magistério com 233 matrículas. Total de matrículas: 1.620.
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OUTROS ESCRITOS
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AS ERAS
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440
Pelas hipóteses dos estudiosos do assunto, as inscrições rupestres encontradas datam de
idades que vão de 3.500 a 9.000 anos atrás.
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Previu-os o próprio governo colonial. Desde 1713 sucessivos decretos visaram opor-
lhes paradeiros. E ao terminar a seca lendária de 1791-1792, a grande seca, como dizem ainda
os velhos sertanejos, que sacrificou todo o norte, da Bahia ao Ceará, o governo da metrópole
figura-se tê-la atribuído aos inconvenientes apontados, estabelecendo desde logo, como
corretivo único, severa proibição ao corte das florestas.
442
O comércio de penas e peles por longa data foi uma fonte de renda para a população
443
João Matos, em 1926, arrolou em seu livro os seguintes animais pertencentes à fauna no
município: onça pintada, tigre, onça de lombo preto, sussuarana, gato-do-mato, raposa,
saguins, lontra, quatis, saruê, guaxinin, cangabá, queixada, cangambá, capivara, caititu, veado,
cotia, mocó, preá, tamanduá, tatu, tatu-bola, peba, cágado, jaboti, jacaré, camaleão, teiú, ema,
seriema, codorniz, anun, alma-de-gato, mãe-da-lua, garça, frango d`água, gaivota, saracura,
craúna, socó, jaburú, jacurutu, massarico, mergulhão, colheira, pato, marreca, lavadeira,
maracanã, papagaio, picapau, bem-te-vi, carcará, urubu, gavião, cauan, coruja, corujão,
caboré, sabiá, sofrê, cardeal, canário, pega, xuréo, coleira, cheque, azulão, caboclinho, papa-
capim, joão-de-barro, joão-de-couro, cancão, jesus-meu-deus, vinvim, tentém, colibri,
carriças, etc.
444
Os canários talvez tenham sido os mais atingidos. Note-se que no final da década de 1960
eles andavam aos bandos, voando pelos riachos e em quase todas as grandes árvores se
arranchava um casal. A sua valorização no mercado e a facilidade com que eram pegos os fez
praticamente extintos, não só no município como em toda a região.
445
As abelhas em extinção: mandassaia, arapuá, manduri. A invasão das abelhas chamadas de
africanas e italianas em muito contribuiu para o sumiço das abelhas mandassaias. Por outro
lado, o processo que os moradores da região utilizavam para retirar o mel era, como ainda o é,
extremamente predatório, não havendo preocupação em reconstituir o abrigo das abelhas.
Casos há em que se utiliza o expediente de tocar fogo nas abelhas como forma de afugentá-las.
446
Após os anos 60, quando começou a haver financiamento para a construção de cercas e
também com a irrigação, especialmente com o cultivo da uva, houve um verdadeiro ataque às
árvores de porte como angico, aroeira, baraúna, carnaubeiras, imbuzeiros, juazeiros, etc. A
irrigação efetuou um duplo ataque: derrubadas e consumo de madeira para cerca e para o
estaqueamento dos parreirais, sendo que este requer madeira de porte em grande quantidade
por hectare.
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447
Exemplo disso é a fazenda Laminha, que possui esse nome por ter sido brejo. Segundo todas
as pessoas entrevistadas, as chuvas começaram a rarear a partir da década de 1930. Para que se
tenha idéia, em um passado de 25 anos atrás, os mata-pastos cresciam bastante, chegando a
encobrir um homem alto. Esse mesmo mato, nos tempos atuais, quando muito atinge os 50
centímetros.
448
Antes da barragem de Sobradinho, o rio começava a encher a partir do mês de novembro e
permanecia com as águas altas até março, mais ou menos, período em que o povo utilizava o
molhado das margens para plantar.
449
Frase pronunciada pelo Sr. João Fininho, mais ou menos 75 anos, no dia 21.11.1998,
quando estávamos a observar ossadas de animais pré-históricos, nas imediações da fazenda
Cabaceira. Uma semana depois ele se suicidou. Queixava-se de solidão.
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450
Frase de Dona Dionísia Gomes dos Santos, *1912, moradora da Fazenda Brejo
451
Frase de Hugo França, mais ou menos 60 anos.
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ÍNDIOS*
*
Índios que se denominam TUMBALALÁS. Estão em processo de renascimento e habitam
nos limites entre os municípios de Curaçá e Abaré. Praticam seus rituais em Missão Velha e
em São Miguel, ambas as localidades bem próximas entre si, nas imediações de Pambu
(Abaré), mas já dentro do município de Curaçá. Cada uma dessas localidades possui um pajé
que se encarrega do trabalho interno da aldeia, das crenças e comanda os rituais. O cacique é
eleito pelos membros da aldeia e cuida das relações externas e problemas de domínio
administrativo.
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A gente sabe disso porque ouviu o pai contar. O pai ouviu do avô, o avô
do bisavô e assim veio trazendo, trazendo. Os nossos bisavós eram brabos do
mato. Caboclos véios da jurema. Viviam encobrindo as partes de baixo do
corpo com embira, com croá. Foram pegos a dente de cachorro. No mato ainda
há lugar onde os índios dançavam o toré. Os terreiros dos antigos. Nesses
lugares o mato não nasce, 'tá tudo limpinho, parecendo coisa de mistério. Coisa
de caboclo tem força.
Quando os índios eram só sangue puro, brabio, a cor deles era morena
com os cabelos bons. Depois breou com português, com africano, mudou a
qualidade. Agora tem índio de toda qualidade. O sangue se esparramou nas
misturas. Tem até índio de olho azul. Quem vê diz que não é, mas é. Tem
sangue.
O povo não sabia que Pambu era aldeia. Um pajé da nação truká, da ilha
da Assunção, recebeu um encanto, um espírito de antigo que já morreu. Eles se
apresentam no corpo dos vivos que tenham sangue de índio para fazer
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revelações. O encanto declarou que Pambu era aldeia. Exigiu que o povo de
Pambu começasse a dançar o toré. Só tinha toré na ilha da Assunção. Ficava
penoso ir lá duas vezes na semana, dançar a noite toda e no outro dia ir
trabalhar na roça. Os velhos resolveram assentar um cruzeiro em São Miguel,
depois em Missão Velha. O cruzeirinho de São Miguel vem dos velhos454.
Muita gente tinha medo de dançar, de ir ver o toré. Pensava que era coisa
que botasse espírito... coisa ruim. Depois é que viu que esse negócio de coisa
ruim é de sessão, de xangô. Nesse lugares o sujeito vai tirar um espírito e entra
outro. No toré, não. É uma dança. Só encostam os espíritos da descendência455.
Quem possui sangue índio não tem jeito, tem que dançar toré. Se não tiver
força pra dançar, pode ficar sentado, assistindo. Senão pode até morrer, abrir
correndo na caatinga, sem rumo. Os espíritos da descendência chamam.
Adoecem o sujeito e ele só se cura se for ao toré. Todo mundo precisa que
trabalhar pela descendência dos antigos. Sem a descendência o índio não é
nada. Não precisa chamar ninguém. Des'tá que quem tiver sangue índio vem,
puxa pra aldeia. Está brolhando, é rama nova, o que surge do que secou. Isso é
que nem pé de pau. Se cortar, quando menos se espera a rama brolha. As
aldeias são assim.
454
Missão Velha e São Miguel não ficam a mais de 500 metros de Pambu. Aí foi o local dos
primeiros aldeamentos indígenas e local da primeira residência do padre. O toré voltou a ser
dançado aí, há aproximadamente 50 anos.
455
No caso da utilização do termo, aqui descendência vai significar ascendência,
ancestralidade.
456
Adormecido mas consciente.
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457
Detia: costumes do índio.
458
Toré: ritual indígena, festejo pelas coisas boas, cerimônia em homenagem aos ancestrais.
Ajuká: bebida feita com a casca da raiz de jurema de caboclo (a jurema sem espinho) e
preparada pelo pajé ou pelos mais antigos que conhecem os segredos. Incenso: preparado com
fumo, alecrim de caboclo, alfazema e outras plantas do mato. Koaki: um tipo de cachimbo que
enchem com os preparos para gerar o incenso. Kataió: veste em formato de saiote feito de fibra
de caroá. Pujá: ornamento feito de caroá que colocam na cabeça, em formato de gorro.
Borduna: instrumento de guerra. Linha: as cantigas. Jurema de caboclo: árvore sagrada.
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O meu penacho
É feito de pena de ema
E minha cama é enrolada de jurema
É a jurema”...
VAQUEIROS
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O VERDE
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460
Farinha com leite retirado diretamente do peito da vaca. Habitualmente comia-se o zupi
utilizando-se casca de caatingueira para servir como colher.
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461
Nos anos 1930 e 1931, abateu-se uma grande seca que reduziu bastante o rebanho. De
1932 a 1950, quase não houve seca. O rebanho mais que quadruplicou. Os ajuntamentos então
se intensificaram uma vez que as ovelhas caminhavam em pasto livre. Nesses ajuntamentos,
reuniam-se até 50 vaqueiros. O dono da fazenda, onde o ajuntamento era realizado, tinha por
obrigação oferecer o almoço e a janta para os vaqueiros Em compensação, as criações de
orelha inteira que fossem encontradas no meio do rebanho ficavam para ele. Outro aspecto é
que quase não havia doenças no rebanho e quando havia morrinha (mortandade dos animais
por doença) esta era localizada. A partir dos anos 50, quando começou a haver o trânsito de
animais provenientes de outras regiões, as doenças alastraram-se, fundamentalmente nos anos
60, provocando um baque no volume de animais. Febre aftosa e verme foram as doenças que
mais atingiram os rebanhos, principalmente pela falta de conhecimento para combatê-las.
Nesses anos também as chuvas começaram a ser mais raras, sucedendo-se os períodos de seca,
os gatos do mato passaram a atacar mais os borregos e cabritos. Some-se a isso o fato do povo
passar a deslocar-se para a rua em busca de escola e da realização de outras aspirações,
aumentando o nível de consumo e a redução da força de trabalho no mato. Também os laços
sociais que regulavam este tipo de atividade extensiva foram quebrados e o roubo de animais
apresentou-se como problema. Note-se que as ovelhas, pelo seu instinto de andança, acabaram
por ser um dos principais fatores de integração dos caatingueiros na medida em que estes
tinham que se deslocar em busca delas.
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O FIM DO VERDE
Preparação para outra pegada. No outro dia vir apanhar o bicho. A rês
descansada, acostumada na corda. Botar careta, cambão, tocá-la na direção do
curral. Diploma de vaqueirice. Os meninos vão saber, vão se embalar nos
sonhos de virar homem logo. Pegar boi no mato. Coitados dos bezerros, nas
brincadeiras de aprendição.
Aprender a pegar boi tomando surra da caatinga. Até ficar prático, toma
muito açoite de pau! Não aprende. É disposição. Quem não tem medo de
morrer pode ser vaqueiro. Vaqueiro bom mesmo, pega o boi com a rama na
boca. Sem tempo do bicho virar, derrubando-o pelo rabo. É preciso disposição,
cavalo bom, prática de caatinga. Correr de dia, de noite, na hora que for de
precisão. Homem do mato sem rastro de mato no corpo? Isso é lá homem!
463
O ciclo de uma rês é o seguinte: primeiro ano, bezerro; segundo ano, garrote; terceiro ano
novilhote; quarto ano boi de ano. De seis anos em diante, boi erado. Alguns criadores
deixavam bois completarem até 12 anos. Já a nível da criação miúda, dizia-se que estava erada
ou de chifre virado, a partir de 4 anos.
464
Rólo de porteira: essa a designação que era utilizada no processo de negociação do gado.
465
Os bois eram conduzidos até Rio Branco, atual Arco Verde-PE. Esta cidade fica a
aproximadamente 500 km de Curaçá. Segundo os tropeiros, a distância era de 95 léguas (570
km). Ali existia uma feira de gado. De Curaçá a Rio Branco a viagem durava entre 18 e 22
dias, segundo o Sr. Sindolfo Cursino Rosa, *1919.
466
Segundo os informantes, no encaminhamento da boiada, de comum, trabalhavam cinco
pessoas. Um ia na guia, mostrando o caminho ao gado, dois iam fazendo costaneira
(caminhando ao lado do gado) e dois atrás, sendo que, dos que iam atrás, um era o encarregado
da boiada.
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467
Os cavalos só eram utilizados até o gado sair do pasto.
468
Verso reproduzido pelo Sr. Bina (Bernardino Rodrigues dos Santos, *1922), que ganhou
parte de sua vida tangendo boi de Curaçá para Rio Branco.
469
Limão Brabo é uma localidade que era cortada pela estrada das boiadas. Os tangedores já
sabiam que, ao passar por esse local, a possibilidade da boiada estourar era grande.
470
Segundo Elias Nunes da Silva, *1938, duas vezes tangedor nesse trajeto, o comum era
levarem apenas duas mudas de roupa, que não eram lavadas durante todo o período de duração
do trabalho.
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Cozinhar feijão, fazer pirão, no cochilo do sono. Às vezes assar carne, “se
tinha”. Em Rio Branco, o gado entregue. Missão cumprida. Os bichos presos
no curral, na espera do trem para seguir viagem para Recife. A paga: cinco mil
réis por dia nesse serviço471. Só se ganhava na ida, que a volta era por conta do
tangedor.
A SECA
471
Segundo o Sr. Donizete Nunes Franco, por volta de 1932, um trabalhador que trabalhasse
por dia, de terça-feira a sábado, ganhava 10 mil réis e esse dinheiro dava para fazer uma feira
com os seguintes itens: uma rapadura, um prato de farinha, um quilo de carne de bode, um
quilo de carne de boi, uma garrafa de querosene e uma caixa de fósforo. Pronto. Estava a feira
feita. Nessas condições, tanger boi era um bom negócio.
472
Atual Senhor do Bonfim.
473
Segundo o Sr. Eduardo Pereira Martins, que foi negociante de criação nesses lugares, para
Juazeiro faziam a viagem em quatro, cinco dias, e para Sergipe levavam 14, 15 dias, através do
Raso da Catarina. Para Paulo Afonso, gastavam até 8 dias. As boiadas eram compostas de, em
média, 100 cabeças de criação.
474
Expressão do Sr. Sindolfo Cursino Rosa.
475
Morrinha é a mortandade dos animais por qualquer doença.
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Sabia fazer encanto, era ideista479. Berrava com o buzo e o gado vinha ter em
seus pés. Aboiozinho vagaroso... No cavalo dele ninguém mexia. Os animais
que montava eram todos desmantelados, com mão torta, mancando, magros,
com defeitos. Só usava careta de tamanduá. Todo mundo gostava dele. Nunca
deu carreira perdida no mato, fosse de dia, fosse de noite. No espinar do gado
ele gritava: “Com as fé de Deus, Nossa Senhora, Virgem Maria”... Desabava
pau adentro. No pegar do rabo do boi gritava de novo: “Deita boi!”480 Ir ver o
rastro da corrida? De jeito nenhum, que não se rasteja carreira, para não dar
azar. O boi brabo podia estar aí, cavucando chão, fungando, remetendo. Ele
chegava e batia com os pés no bicho. O boi atendia. Ia pro mato, juntava égua,
vaca, ovelha, jegue, cabra e botava tudo na mesma direção do caminho que
queria. Os bichos vinham todos sem fazer queixa, direitinho por onde ele
indicasse. Não tinha história de hora para correr, que não dava carreira
perdida... Narciso, não! Ele com um companheiro atrás de um boi em cima da
serra da Canabrava. O dia todo e nada. Botaram tocaia na beira de um poço, na
espera do boi. De noite ele falou para o companheiro: “Eu agora vou dar uma
volta por ali... ver se encontro o boi”. O colega ficou. Daí a pouco a caatinga
quebrando. O companheiro montou ligeiro. Saiu na zoada dos paus, para
ajudar. Quando viu, o que viu? O boi na carreira, com duas luzes, uma em cada
ponta. Uma delas clareando adiante, a outra clareando para trás. O
companheiro se assombrou, voltou. Os meninos ouvindo as histórias, forçando
a imaginação481.
478
Louquejando: frase pronunciada pelo Sr. João Fininho, na fazenda Cabaceiras, ao se referir
a Cozinho: “Quando Cozinho ainda andava louquejando por aí”...
479
Botador de encanto, ideista, mandingueiro: qualidade que lhe atribuíam pelo fato de
dominar os animais com a maior facilidade, por brabos que fossem. Havia a crença de que
algumas pessoas conseguiam lançar idéias na cabeça dos animais – os mandingueiros - e fazer
com que eles pensassem como gente. Este poder também, acreditava-se, podia ser utilizado
para dominá-los.
480
As informações sobre Narciso foram dadas por Luiz Lopes (Luizinho) e por Jorge do Sítio
Pau de Colher. Narciso faleceu em São Paulo, onde fora trabalhar como operário.
481
Além dos nomes já citados, foram informantes também Nezinho da Salobra (Manoel Lima
dos Santos. *1924, Sr. Augusto, *1920, (da Serra da Natividade), Sr. Damázio Francisco
César, * 1927, (Mundo Novo), Sr. Elias Nunes da Silva, *1938 , Sr. Bina, *1922, (Bernardino
Rodrigues dos Santos), Sr. Bráulio Braulino da Conceição, *1918. Todos os informantes foram
ou ainda estão na briquitação de vaqueiro.
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GRUTA DE PATAMUTÉ
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483
“Em 1903, um erudito pregador, o missionário católico, Monsenhor Pedro Cavalcante
Rocha, visitando esta gruta, achou-a tão bela que nela terminou a Santa Missão que, nesta
data, pregava em Patamuté, conduzindo para ali muitos milhares de fiéis e colocando no
interior da gruta um grande Cruzeiro, que é muito venerado, até na distância de mais de
cincoenta léguas, por grande número de crentes, que vão oferecer suas preces com devoção e
respeito. E, em 1905, o Padre Manuel Félix de Moura, então vigário desta freguezia, para ali
transferiu a sua residência, onde, implantou a devoção do Sagrado Coração de Jesus, colocou
uma belíssima imagem, oferecida pelos habitantes de Patamuté, em um lindo altar de pedras
transparentes.”(João Matos, in: Descripção Histórica e Geográfica do Município de Curaçá,
1926, p. 67.
Após a santa missão de 1903, a gruta ganhou fama e transformou-se em ponto de romaria,
acontecendo a principal delas no dia 1º de novembro, que arrebanha gente de toda a redondeza.
Esta romaria foi iniciada pelo padre Manuel Félix, a partir de 1905. Ele morou dentro da gruta
por algum tempo e depois construiu uma casinha no local que hoje serve de acampamento para
os romeiros.
Sem romaria a gruta fica sozinha. Existe gente que faz estrago. Escreve
nomes nas paredes, achando bonito, se marcando para os santos, mas enfeia.
Tem gente que quebra as pedras, acabando com a obra dos tempos. A pedra da
água não escapou.
As caminhonetes, os caminhões, os ônibus levantando poeira, zoando
no subir da serra. Dia 1º de novembro. Os romeiros chegando, chegando, se
agasalhando debaixo dos paus, no relento dos limpos no mato, em uns ranchos
que há. As farofas tiradas das mochilas. “Se não for com sacrifício não é
romaria”. As barracas funcionando sem fechar, vendendo comida, cachaça. O
povo cantando, tocando, músicas vindas dos rádios dos carros. O motor da luz
no tututu, a noite toda. Confusão de zoada. O povo para cima e para baixo
passeando, caminhando, querendo ver. Gente de todos os cantos da redondeza.
O mato virando rua, com as coisas da rua. No tarde da noite, os magotes de
gente fazendo ruma, no sono. Fogueiras acesas. Gente tomando palestra,
fazendo roda de conversa. Não tem atrapalho de desentendimento.
VOZES DO POVO
Caminhos de Curaçá Esmeraldo Lopes
O DILÚVIO
......................................................................................................................
484
Versão contada pelo Sr. Aprígio José de Almeida, do sítio Salgueiro (São Bento), e pelo Sr.
Augusto Pires, do sítio Papagaio, na costada da Serra da Natividade
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A CAIPORA
É a dona do mato. Quando ela não quer, ninguém caça nada. Ela esconde
as caças. Os cachorros saem acuando, acuando, aqui, ali, acolá. O caçador indo
no rumo do latido deles. Quando ele pensa que não está variado. Isso quando
ela está boa. Quando não, a caipora mete o chicote nos cachorros e eles correm
para debaixo das pernas do caçador, com o rabo entre as pernas, ganindo,
ganindo, amedrontados, se mijando. Só se ouve é o quebrar de pau que ela faz.
Caçador se defende, querendo ficar em paz com ela. Deixa fumo em algum
lugar do mato. Ela sossega.
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485
No caso, significa refúgio.
486
O Buraco dos Caboclos localiza-se no pé da Serra da Natividade e foi entupido porque nele
caíam muitos animais. Essa história nos foi contada pelo Sr. Aprígio José de Almeida, do sítio
Salgueiro, nas proximidade do São Bento.
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LAMPIÃO
“A Bíblia diz que Judas vendeu Jesus aos egípcios por cinco dinheiros.
Então não quiseram botar o dinheiro no cofre. Aí resolveram comprar terreno
para fazer cemitério para enterrar os mortos.”488
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A NOVILHA ENCANTADA
O GALO DE OURO
489
A serra da Borracha, sobre quem bem recai o escrito, é a maior e a que ainda está bastante
preservada, não obstante venha sendo depredada. A marca da passagem do homem nela se
apresenta nitidamente pela existências das ruínas de uma oficina de beneficiamento de salitre,
construída no final do século XVIII, pela existência de coivaras e pelos rastros de caçadores.
Mesmo assim, ainda se afirma como um tipo de berçário para os animais do mato.
490
História contada pelo Sr. Aprígio José de Almeida.
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Nem adiantava esperar que ele não tinha hora certa para aparecer. Nem
todo mundo ouvia seu canto. Algumas pessoas sim, outras não, que nem tudo é
para todo cristão. Cantava nos cabeços altos da serra. Vivia sozinho. Era um
galo de ouro. Um dia, uma feiticeira ouviu seu canto e fez conta dos cantos que
ele cantou. Desse dia em diante ele calou e nuca mais deu notícia. Foi na serra
da Borracha.
O CARNEIRINHO DE OURO
O VENTO
491
O carneiro de ouro percorre todas as serras, segundo os moradores do mato.
492
Esse fenômeno ocorre na serra da Borracha, segundo os moradores de suas adjacências.
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SÃO GONÇALO*
*
Embora São Gonçalo seja um único santo, existem três imagens diferentes: São Gonçalo do
Amarante, São Gonçalo do Poço e São Gonçalo da Viola. Os dois primeiros são os mais
comemorados em Curaçá. Não obstante as diferentes imagens, o ritual e os cânticos são os
mesmos. Foram informantes exclusivos o Sr. Paulo César Dias Torre, *1963, e a Sra. Otila dos
Santos Silva, ambos participantes habituais do culto a São Gonçalo.
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(as cantoras)
permitido comércio e nem é tolerado nenhum tipo de brincadeira. Caso ocorra uma infração, o
finado dirá, ou imediatamente ou posteriormente, que a roda não teve validade. Segundo as
pessoas que cultivam São Gonçalo, o finado assiste todo o desenrolar da roda.
498
A roda é dançada com, no mínimo,16 pessoas. O máximo é o que o terreiro comportar. Dois
guias, um em cada fila, atrás deles os contraguias e atrás destes as cantoras. Depois deles as
mulheres e, atrás delas, no final da fila, os homens. Segundo alguns guias, os homens devem
seguir atrás para que sejam evitadas pilhérias ou brincadeiras que prejudiquem a roda. Quanto
maior for o número de participantes, maior será o tempo gasto para a conclusão de uma
jornada. Uma jornada dançada com 16 pessoas, em média, dura oito horas.
499
O número de rodas a serem dançadas é chamada de jornada. Cada grupo de 12 rodas é
chamado de jornada. O mínimo permitido para ser dançado é de meia jornada (6 rodas) e não
há máximo. Entretanto, só podem ser múltiplo de seis, sendo raras as rodas de três jornadas.
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500
Segundo Paulo César, em uma das rodas um cachorro atravessou entre o altar e os
dançadores. A roda parou imediatamente e uma turma saiu correndo atrás do cachorro até ser
pego e, amarrado por uma corda, colocaram-no para retornar por onde havia passado.
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501
As rodas dos vivos seguem os mesmos rituais, sem os protocolos das rodas de finados.
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APÊNDICE
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PAMBU
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O nome sabe-se que veio dos índios, mas o que significa? A notícia que
temos é que os primeiros padres e portugueses que andaram na região, nos idos
dos tempos, já falavam no Pambu502. Nesse lugar, por volta de l660, os
portugueses construíram uma capela toda de taipa, onde reuniam-se “pelo
Natal e na Páscoa, vindos de trinta léguas e mais ao redor, para aí cumprirem
as suas devoções”, como deixou escrito o jesuíta de nome Martinho de Nantes,
que chegou a Pambu em l67l, com o intuito de aldear índios nessa região. Ele
disse também que essa capela era o abrigo de um capelão que fazia assistência
à região, percorrendo “para mais de cem léguas para cima e trinta para baixo, a
confessar os habitantes, (...) dizendo missa de dez em dez léguas...” 503
Tão logo chegou ao Pambu, o frei Nantes construiu uma casa e com
barro, madeira e cobertura de palha, uma igreja, onde instalou um pequeno
sino. Para isso utilizou o trabalho de índios e a ajuda de um fazendeiro que lhe
ofereceu um boi em troca de algumas missas504. Aí o frei fundou sua base para
o trabalho de aldeamento, de catequese dos índios e de assistência religiosa aos
fazendeiros e vaqueiros que já habitavam na região. Bem defronte do lugar
onde o frei se estabelecera, em uma ilha, “havia uma bonita aldeia de
cariris”505.
502
Segundo João Matos, In: Descripção Histórica e Geográphica do Município de Curaçá,
p. 113, significa sair ou chegar à planície. Pelas condições, do relevo do lugar faz sentido, pois
que Pambu é circundado por pequenas ondulações que avançam até a margem do rio.
503
Nantes, Frei Martinho de . Relação de uma Missão no Rio São Francisco. São Paulo, Ed.
Brasiliana, l979, p. 35.
504
Idem, p. 38.
505
Idem, p. 36.
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visitar Pambu com mais frequência, uns por curiosidade, outros em busca dos
serviços religiosos e alguns que para lá acorriam, vez ou outra, fugindo da
solidão dos ermos. Pouco a pouco, o lugar foi sendo transformado em ponto de
confluência de portugueses, mestiços e índios em domesticação. Assim, surge
o primeiro núcleo não exclusivamente indígena de toda a região do submédio
São Francisco: a missão do Pambu.
Pambu tinha poucos moradores. Seu povo morador era formado quase
só por índios que o frei havia aldeado. O religioso é que saía em suas andanças
de missão, percorrendo as ilhas e fazendas, nas dificuldades da correnteza das
águas e das caatingas sem caminhos bons. Mas, nas ocasiões especiais, os
moradores da região para lá se encaminhavam para a comemoração dos dias
santos e para fazerem adoração às santidades. O dia da solenidade da morte de
Cristo era o de maior comparecimento.
e o frei, que queria ser meio termo, tomava pancada de um lado e do outro, ora
se posicionando contra os criadores, ora se colocando contra os índios.
Pelo que sabemos, depois que o frei foi forçado a ir embora, a missão
do Pambu ficou um período sem assistência religiosa e os padres da Ordem
de Santa Teresa, que o substituíram, não davam a importância necessária ao
trabalho missionário. O rei de Portugal, informado sobre isso por Garcia
D`Avila Pereira, na época mandatário da Casa da Torre, que possuía o domínio
de quase todo território regional, mandou substituí-los pelos capuchinhos
franciscanos506.
506
Documentos Históricos, Vol. XXXIV, p.310 e 3ll. In: Relação de Uma Missão no Rio São
Francisco, p. 122.
507
Missão instalada na área hoje compreendida pelo município de Senhor do Bonfim.
508
Maria do Carmo Tavares de Miranda, In: Os Franciscanos e a Formação do Brasil, p.
l72, Recife, l969.
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Durante todo o século XVIII, Pambu foi, pelo que aparece nos registros,
o centro povoador mais importante do médio São Francisco. Nos primeiros
anos do século XIX, Sento Sé começa a disputar-lhe o prestígio, ao sediar
comarca com jurisdição sobre o seu território. Juazeiro, que também era sede
de missão desde 1706, desponta, não em prestígio político ou judicial, mas em
termos econômicos. Situada em um ponto de ligação entre Salvador e amplas
regiões nordestinas, por aí todo o transporte era realizado, o que ampliava suas
possibilidades. Também o lugarejo, localizado na área territorial do Pambu,
conhecido pelo nome de Capim Grosso, ganha significância. Mas, mesmo
509
In: Nantes, p. l22.
510
João Matos, Descripção Histórica e Geográphica do Município de Curaçá, Bahia, l926.
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Por esta ocasião, ao que tudo indica, a missão dos franciscanos já havia
sido devolvida513 e seu destaque como centro religioso minguou-se em
decorrência do aparecimento de outras localidades que contavam com a
presença de padres, inclusive em sua vizinhança, como era o caso da Ilha de
Assunção, onde fora fundada a Vila dos Índios de Nossa Senhora de Assunção,
com igreja e tudo o mais514.
Mas não foi só isso. Pambu não conseguira, devido a vários fatores,
dinamizar-se. Seu prestígio, por todo este período, mantivera-se graças à
inexistência de outras localidades, o que o transformava também em centro
civilizatório. Não conseguira expandir-se populacionalmente, mantendo seus
habitantes dispersos ao longo do rio e nas caatingas; nunca chegara a
desenhar-se como centro comercial, sua localização o impedia de estabelecer
porto e, ademais, ficava mal localizado do ponto de vista da ligação com as
outras localidades.
511
Pambu foi elevado à condição de vila em 1832, no dia 06 de junho.
512
IBGE - Enciclopédia dos Municípios – Bahia, l958.
513
A Ordem religiosa responsável há havia extinto e, por consequência, recolhido seus agentes.
514
Entre 1781 e 1838, foi sede de freguesia sob a invocação de S. Gonçalo e ganhou status de
vila, denominando-se Real Vila de Assumpção. In: Matos, 1926, p. 94.
515
Em 1853, Pambu possuía cerca de 30 casas e mais ou menos 140 habitantes, de acordo com
registros deixados por Halfeld - In: Atlas e Relatório do Rio São Francisco, Rio de Janeiro,
1860, pag. 39.
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sede de vila e de paróquia para Capim Grosso (Curaçá). Daí em diante Pambu
mergulha no esquecimento e cai totalmente em importância.
516
Pambu dista 110 km da sede do município de Curaçá, l6 km do povoado curaçaense de
Pedra Branca – rio acima - e 12 km de Ibó, distrito de Abaré.
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Um dos caciques disse que desde “há muito tempo não sabiam que
Pambu era aldeia, mas que um pajé da nação trucá, da aldeia da ilha da
Assunção, através de um encanto, descobriu. O encanto fez essa revelação e
exigiu que eles iniciassem a dançar o toré e que eles obedeceram”.
517
Encanto ou encantado são os espíritos dos índios que já morreram, mas que se apresentam
no momento dos rituais, através de encarnação, se enramando no corpo de um dos participantes
para fazer revelações ou fazer alguma recomendação. Podem também se apresentarem em
sonho. Nessa oportunidade, às vezes, conduzem o espírito da pessoa possuída no sonho até as
aldeias antigas para mostrarem o jeito de viver índio e ensinam-lhe novas linhas. Linha são as
cantigas rituais.
518
No período em que colhemos essas informações, final de 1998, havia dois pajés e dois
caciques em decorrência da disputa pala liderança.
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SANTO ANTÔNIO
construíram uma capela e dentro dela um cruzeiro. Esta capela fica bem em
cima de um pequeno morro, voltada para a igreja onde reina Santo Antônio.
Deram-lhe o nome de Capela da Santa Cruz e fica na área da Missão Velha.
Essa capela passou a ser ponto de veneração, de pagamento de promessa. O
povo vai lá, leva ex-votos, escreve seus nomes e faz desenhos de mãos, de
pernas, etc. nas paredes, com o maior respeito.
O povo continua devoto de Santo Antônio de Pambu. Todo dia há gente
indo visitá-lo. Vai gente de todo lugar da região. Seu dia, pelo calendário
oficial da igreja católica, é no mês de junho, mas em Pambu a comemoração
faz-se no dia seis de janeiro. Por quê? É que, depois que Pambu ficou sem
padre, tudo passou a ser complicado. Havia o dia do padroeiro em junho, o dia
de Nossa Senhora da Conceição em novembro e o dia dos Reis Magos, que
também era bem comemorado pelo povo do lugar, no dia seis de janeiro. Os
padres, que davam assistência a Pambu, moravam em Glória522, cujo trajeto,
522
Glória situava-se a, aproximadamente, 200 km rio abaixo, fazendo limite com Paulo
Afonso. Em decorrência do represamento de águas para a construção do lago de Itaparica, foi
transferida de lugar, estando hoje nas adjacências de Paulo Afonso e recebeu a denominação de
Nova Glória.
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além de ser bastante longo, era percorrido à cavalo. Então, pela dificuldade,
reduziram todas as comemorações para um dia só: seis de janeiro. No dia cinco
à noite há festa. O povo vai chegando e enchendo a rua. “É gente a não caber
no mundo. Carro-de-som... Uma festa grande. A noite toda tem zoada de
música. A gente não consegue dormir”. No outro dia, o dia do grande dia,
muito dessa gente vai embora no clarear. Outras pessoas chegam, em
pagamento de promessa por graças alcançadas, fazendo homenagem, se
devotando ao santo, para se casar, para batizar os meninos. A igreja fica
entupida.
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MAPAS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Botelho, Joaquim Maria. Este Bento Bendito. In: Anuário do Festival Nacional
do Folclore de Olímpia. São Paulo, 1996.
Nantes, Martinho de. Relação de uma Missão no Rio São Francisco. São Paulo:
Brasiliana,1979.