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EDUCAÇÃO DO CAMPO,

ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE


(Volume 2)
Gustavo Cunha de Araújo
Cássia Ferreira Miranda
José Jarbas Pinheiro Ruas Junior
Mara Pereira da Silva
(Orgs.)

EDUCAÇÃO DO CAMPO,
ARTES E FORMAÇÃO DOCENTE
(Volume 2)

Palmas – TO
2018
Reitor Pró-Reitora de Extensão e Cultura (PROEX)
Luis Eduardo Bovolato Maria Santana Ferreira Milhomem

Vice-reitora Pró-Reitora de Gestão e Desenvolvimento de


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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Sistema de Bibliotecas da Universidade Federal do Tocantins – SISBIB/UFT
F493b Educação do campo, artes e formação docente (Volume 2) / Gustavo Cunha, Cássia F.,
José Jarbas P., Mara P. (orgs). – Palmas/TO: Universidade Federal do Tocantins
/ EDUFT, 2018.

330 p.:il.

ISBN: 978-85-60487-63-9

1. Educação do Campo 2.Artes 3. Formação Docente. I. Título

CDD 660.63
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do autor (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal.
SUMÁRIO

Prefácio 6

Introdução 18

1 - Educação do campo: uma experiência metodológica na


perspectiva da alternância 26
Rejane Cleide Medeiros de Almeida

2 - Políticas públicas para educação do campo e formação de


professores 50
Cícero da Silva

3 - Experiências dos indígenas Apinayé do curso de Educação


do Campo – artes e música de Tocantinópolis no Pimi
73
Mara Pereira da Silva, Milena dos Santos, Jéssica Adriana dos
Santos Silva, Gracilene dos Santos

4 - Padi-Música: implantação, experiências e desafios na


LEDOC-Tocantinópolis 95
José Jarbas Pinheiro Ruas Junior

5 - Da teoria à prática: o estágio curricular supervisionado


no curso de licenciatura em Educação do Campo com
131
habilitação em Artes e Música da UFT/Tocantinópolis
Helena Quirino Porto Aires, Gustavo Cunha de Araújo

4
6 - O instrumento pedagógico “visitas de campo” no
contexto da LEDOC-Tocantinópolis
161
Maciel Cover, Sidinei Esteves de Oliveira Jesus, Judite da Rocha,
Saulo Eglain de Sá Menezes Moraes

7 - Mosaico dos saberes: a mística dos povos do campo em


um curso de licenciatura em Educação do Campo 182
Cássia Ferreira Miranda, Edimila Matos da Silva

8 - Práticas pedagógico-musicais e interações no canto coral


205
Raimundo Vagner Leite de Oliveira

9 - A viola de buriti da comunidade Mumbuca: a pesquisa


participativa para a compreensão da prática musical
236
Marcus Facchin Bonilla, Sônia Chada, Grupo de Pesquisadoras
da Comunidade Mumbuca

10 - Educação musical e a educação do campo: primeiras


aproximações... 263
Anderson Fabrício Andrade Brasil, Leila Dias

11 - Corpo – superfície inscrita da educação: reflexão sobre


uma experiência de ensino e pesquisa em dança 285
Marissel Marques

Informações sobre organizadores e colaboradores da coletânea 321

5
PREFÁCIO

Este livro trata da esperança... das sementes brotando... da co-


lheita dos frutos...
Ao organizar as reflexões críticas feitas pelo coletivo de edu-
cadores da Licenciatura em Educação do Campo, da Universidade
Federal de Tocantins - UFT, Campus de Tocantinópolis, sobre suas
próprias práticas, ele nos apresenta, generosamente, a riqueza das
ações pedagógicas que foram sendo semeadas e cultivadas pelo pro-
tagonismo de seus educandos: camponeses, indígenas, quilombolas...
Ter sujeitos como estes, sob sua responsabilidade, em processos
de formação como futuros educadores, fez com que os docentes da
Licenciatura em Educação do Campo da UFT se reinventassem e se
redescobrissem através de novas práticas formativas, ressignificando
o olhar sobre si próprios, a partir das novas lentes à eles propostas,
pela materialidade da vida dos sujeitos que se desafiaram a educar...
A Licenciatura em Educação do Campo - LEDOC, do Cam-
pus de Tocantinópolis, nos premia a todos que estudamos e pesqui-
samos a formação docente com este livro. Ele está permeado de
densos testemunhos de novos docentes da Educação Superior em
nosso país, que se comprometeram a contribuir com a formação do
campesinato brasileiro, e que vem se desafiando, cotidianamente, a
descobrir como promover práticas formativas que, ao mesmo tempo,
garantam a identidade destes sujeitos, como também lhes garantam o
acesso ao conhecimento universalmente produzido à que tem direito.
Não é uma tarefa fácil. Ao contrário. É bastante complexa e re-
quer imensa disposição do coletivo de docentes que está conduzindo
a formação destes coletivos, como futuros educadores de outros cam-
poneses, indígenas e quilombolas, no âmbito das Artes e da Música.
Esta Licenciatura em Educação do Campo, que integra o pro-
cesso de lutas e conquistas dos movimentos sociais, em busca do di-

6
reito a terra e ao conhecimento, é ofertada em um campus universi-
tário incrustado em um dos mais emblemáticos territórios rurais de
nosso país, na região conhecida como Bico do Papagaio, cenário de
intensas lutas de resistência, como a Guerrilha do Araguaia; o assas-
sinato do Padre Josimo Tavares; o extermínio de centenas de campo-
neses que não se renderam ao arbítrio do latifúndio.
Formar educadores do campo, exatamente para trabalharem
com a dimensão cultural, através do ensino da Arte e da Música, em
um território tão violentamente marcado pela dor e pela opressão
do capital é extremamente desafiador ... Pois guarda consigo a po-
tencialidade de trabalhar a formação docente a partir das dimensões
históricas contidas em tal território.
E, este livro recupera elementos importantes da história desta
região, que são entrelaçadas com a história da conquista das políticas
públicas de Educação do Campo, e como parte delas, a conquista do
próprio Curso, narrando em vários artigos os inúmeros desafios para
conquista; implantação e consolidação do mesmo, desde a elaboração
inicial do primeiro Projeto Pedagógico do Curso, passando por suas
reformulações, até a conclusão de suas primeiras turmas de egressos,
nestes quatro anos. Em cumprimento ao Edital 02/2012, da SECA-
DI, a partir do qual a UFT conquistou as vagas de docentes para
implementação do Curso, o Campus de Tocantinópolis e os bravos
docentes que lá conduziram a LEDOC neste período, garantiram os
três vestibulares com a oferta de 120 vagas cada um (2014; 2015 e
2016), e ainda a oferta de 50 vagas em 2017 e 60 em 2018, tal como
mostra o artigo de Cícero da Silva neste livro.
Ainda que tenham sido perdidas algumas batalhas em relação
às estratégias de ingresso do perfil idealizado para tal Licenciatura,
conforme destaca o texto de Miranda e Silva, o fato do coletivo de
educadores do curso, em parceria e aliança com os Movimentos So-
ciais e organizações dos trabalhadores rurais, de terem conseguido
garantir a oferta de tais processos seletivos deve ser compreendido
como grande passo para a região.

7
Garantir o acesso à Educação Superior com as especificida-
des de público que tem a LEDOC, em uma região com os altíssi-
mos níveis de desigualdade social como a do Bico do Papagaio, em
um território onde existem mais de 130 assentamentos de Reforma
Agrária; onde existem cerca de 40 territórios quilombolas, além da
importante Reserva Indígena dos Apinayé (etnia que tem vários re-
presentantes no curso) já seria, por si só, uma grande vitória contra o
agronegócio, que tudo faz para excluir e eliminar tais coletivos, tidos
por estes setores somente como elementos que impedem a ampliação
da territorialização da grande capital, através da implantação de infi-
nitas monoculturas ou da criação intensa de gado.
Mas, para além deste dado quantitativo de significativa im-
portância na democratização do acesso à Educação Superior, num
território com tão fortes marcas das luta de classes entre as elites e o
povo brasileiro, pode-se perceber nos relatos dos docentes que se de-
safiaram a refletir sobre suas práticas pedagógicas nesta Licenciatura
em Educação do Campo, um forte compromisso com a classe traba-
lhadora. Há um projeto histórico em construção, ainda que perme-
ado por inúmeras contradições e desafios, tanto internos ao próprio
coletivo de docentes do curso; ao Campus; à Universidade, quanto
externo, também em nível local, estadual, regional e nacional.
Na leitura do relato destas práticas educativas, encontramos
muitos princípios que estão em sintonia com os pressupostos da for-
mação docente proposta pelo Movimento Nacional da Educação do
Campo e materializada no Projeto Político Pedagógico original das
LEDOCs. Com a intencionalidade de reafirmá-los, reconhecendo e
valorizando não só o expressivo trabalho feito pelos docentes de To-
cantinópolis, mas principalmente buscando destacá-los como fonte
de inspiração para práticas formativas em outras Licenciaturas em
Educação do Campo, é que destacamos a seguir, cinco princípios, dos
muitos que emergiram da leitura dos capítulos deste livro.
Um dos princípios da formação docente na Educação do Cam-
po requer, antes de tudo, que se tenha um profundo respeito e conhe-

8
cimento da história, do contexto e das condições de produção mate-
rial da vida daqueles educadores que pretendemos formar. Em todos
os capítulos desta coletânea, os docentes que os assinam explicitam a
preocupação e o cuidado em reconhecer e compreender as condições
nas quais vivem os sujeitos que estão sendo formados por eles. Em
diversos textos, os docentes da Universidade expressam como as di-
ficuldades concretas enfrentadas pelos seus educandos foram consi-
deradas nas disciplinas nas quais relatam as práticas pedagógicas por
eles conduzidas. Os docentes da UFT foram nos apresentando como
construíram estratégias pedagógicas capazes de contribuir com a su-
peração das dificuldades encontradas pelos educadores em formação,
sob sua responsabilidade. E, esta não é uma questão menor: há um
compromisso destes docentes, expresso nesta prática: em estar atento
à realidade, à materialidade na qual se insere seu educando.
Ao contrário disto, temos visto muitos casos nas universidades
onde os docentes da Educação Superior, ao invés de se preocuparem
com estas dificuldades concretas que os estudantes enfrentam, bus-
cam simplesmente suprimi-las apenas por sua vontade, trabalhan-
do de certa forma com aquela lógica que propugna que, quando a
moldura não cabe na realidade, se corta a realidade... Contrariando
esta prática hegemônica na Universidade, ao invés de se adequar à
burocracia, buscando compreender e garantir as condições reais de
aprendizagens de sujeitos com trajetórias tão distintas, marcadas por
tantas privações e ausência de direitos, estes docentes tem consegui-
do alargar a moldura...
Parte destes desafios, que tem sido enfrentado com sucesso pe-
los docentes da UFT, nos parece estar associado a outro princípio
intrínseco à Educação do Campo, citado também logo no início de
vários capítulos deste livro: a busca do trabalho coletivo e articulado
entre docentes e entre diferentes disciplinas que ministram.
A marca da Educação Superior no Brasil, tradicionalmente,
tem sido o trabalho individualizado de cada docente, na maior parte
das vezes acompanhado de um viés competitivo e individualista. Ao

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contrário desta perspectiva, as Licenciaturas em Educação do Cam-
po têm buscado promover e cultivar o trabalho coletivo não só entre
os docentes da Educação Superior, como também entre estes e os
docentes da Educação Básica que objetivam formar.
E, nos relatos das práticas formativas apresentadas nestes tex-
tos, em diferentes momentos, os docentes da UFT elencam as disci-
plinas que foram articuladas para promover as práticas pedagógicas
que são descritas e analisadas nos textos. Este ponto é nevrálgico para
as mudanças que se quer alcançar com a formação docente proposta
na LEDOC para aqueles que atuarão na Educação Básica: educa-
dores capazes de promover e protagonizar trabalhos coletivos, onde
haja a integração dos conhecimentos, onde a Escola do Campo possa
organizar a socialização dos conteúdos que deve ensinar a partir dos
problemas da realidade, compreendidos a partir das grandes áreas de
conhecimento e das disciplinas que as contém. E, isto não se faz com
docentes que só saibam trabalhar individualmente.
O trabalho coletivo é um aprendizado... um longo aprendizado
que requer superar barreiras objetivas e subjetivas; que exige muitos
exercícios; tentativas; experiências; paciência... Não se faz com ide-
alizações e nem com romantizações. Mas, com vontade concreta de
tentar aprender a fazê-lo, de se desafiar a tanto... De superar os feu-
dos do saber, sobre os quais nos sustentamos na Educação Superior ...
E, alguns docentes da UFT, ainda que com muitas dificuldades, têm
buscado fazê-lo, nos apresentando belos resultados, como os relatos
em vários trechos desta obra.
Outro princípio fundamental da formação docente proposta
pelo projeto original das LEDOCs é a Alternância como dimensão
epistemológica, o que significa compreendê-la para além da necessá-
ria estratégia de garantir o acesso e permanência do campesinato na
Educação Superior, sem provocar seu desenraizamento das comuni-
dades rurais de origem.
Os territórios camponeses, indígenas e quilombolas, são fun-
damentais para o processo de produção do conhecimento que se pre-

10
tende desencadear nas LEDOCs. Desenvolver, com estes educadores
em formação, a capacidade crítica de leitura de suas realidades com
as contradições nelas contidas, associando-as as questões regionais;
nacionais e internacionais exige densa formação teórica, apoiada em
elementos históricos, sociológicos, antropológicos, econômicos, polí-
ticos e culturais.
E, os capítulos do livro expressam que parte dos docentes da
LEDOC UFT tem clareza deste processo, construindo práticas pe-
dagógicas com esta significativa intencionalidade: garantir tempos
formativos em diferentes espaços e territórios, com ênfase à realiza-
ção de atividades formativas em locais de luta e resistência do cam-
pesinato, princípio tão necessário a todas as LEDOCs.
Um excelente exemplo desta estratégia formativa do cultivo de
diferentes tempos e espaços formativos é apresentado no capítulos
que trata das visitas de campo, relatando às idas das turmas ao Parque
Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato – Piauí; ao
Acampamento Ilha Verde, em Babaçulândia – Tocantins, no qual se
encontra parte dos Atingidos por Barragens na região, ou ainda, a ida
à Comunidade Quilombola Mumbuca, no Parque Nacional do Jala-
pão, localizada em Mateiros – Tocantins, bem como a participação
dos educados no Encontro Estadual da Juventude Camponesa, em
Palmas – Tocantins.
O enorme esforço para articular e materializar estas visitas de
campo, dada toda a precariedade que sabemos existir hoje nas uni-
versidades públicas, expressam e reafirmam um princípio importan-
tíssimo da formação de educadores da Licenciatura em Educação do
Campo: a necessidade de vincular-se, permanentemente, o processo
de formação docente às tensões e contradições presentes nas relações
sociais, com ênfase nos territórios rurais de origem dos educandos.
Porém, para além da formação dos discentes que cursam as
LEDOCs, a Alternância tem também um papel fundamental na for-
mação de formadores: ou seja, na formação dos educadores que atu-
am nestas novas graduações. A Alternância, na Educação Superior,

11
exige que os docentes que nelas atuam também possam estar nos
diferentes territórios onde vivem os educadores que querem formar.
Tal desafio exige que os próprios docentes que conduzirão esta
formação tenham, eles próprios, uma formação bastante ampliada e
complexa, o que infelizmente, não tem sido garantido aos docentes
que atuam na Educação Superior, vindos em sua maioria de uma
formação que lhes privou a possibilidade de uma visão baseada na
totalidade dos processos sociais, sendo, via de regra, restrita aos co-
nhecimentos da área de habilitação na qual se titularam. Este dado
tem exigido um esforço extra dos docentes que atuam nas Licencia-
turas em Educação do Campo, que tem buscado construir esta visão
de totalidade dos processos sociais, desafiando-se também a estar em
campo com os sujeitos, em seus diferentes territórios, objetivando
apreender e compreender criticamente a realidade na qual vivem.
O texto de Brasil e Dias traz outro testemunho sobre a impor-
tância da Alternância também para a formação dos formadores: a
imersão dos professores em cada uma destas comunidades, quer nas aldeias,
assentamentos ou colônia de pescadores tem aproximado a prática docente
do mundo real, pois dezenas de quilômetros em estradas de barro que são
percorridas pelos alunos. (...) Esse deslocamento por parte dos docentes das
salas de aula da universidade para acompanhar as atividades dos alunos
em seus “mundos reais” tem oportunizado a readequação das propostas pe-
dagógicas aplicadas ao longo de anos de docência.
Outro princípio da formação de educadores do campo e que se
faz presente com a ênfase que merece é o trabalho com a Mística no
curso de Licenciatura em Educação do Campo de Tocantinópolis.
Além de aparecer referência ao trabalho com ela em diferentes tex-
tos, o artigo “Mosaico de Saberes” traz desafiadoras reflexões sobre
como tal dimensão formativa vem sendo trabalhada nesta LEDOC,
a partir de um componente curricular específico para tal fim, intitu-
lado “Estética e Poética Camponesa”, cuja ementa, entre outros tópi-
cos, aponta para a necessidade da reflexão teórico prática sobre a cultura
campesina; sobre sua religiosidade e sobre as manifestações culturais

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que protagoniza, integradas à produção artística e a estética camponesa.
Visto ser a UFT a única das 42 Licenciaturas em Educação do
Campo existentes que tem as Artes e a Música como uma área de
habilitação específica, consideramos de suma importância à existên-
cia de um espaço permanente no currículo deste curso que se dedique
à produção e à socialização dos conhecimentos sobre esta dimensão
tão fundamental na formação dos docentes do campo e, mais, na
própria vida camponesa.
Ao tratar da experiência da oferta desta disciplina, Miranda
e Silva nos apresentam reflexões sobre os desafios enfrentados para
trabalhar a mística como uma dimensão formativa com educandos
que chegaram à LEDOC UFT sem terem vínculos com os sujeitos
camponeses e sem entender elementos centrais desta cultura. As re-
flexões e práticas que elas nos apresentam no capítulo, sobre como
vem conduzindo este desafio, trazem ricas contribuições a outros
cursos de Educação do Campo, visto ser cada vez mais recorrente
o ingresso também em outras LEDOCs de jovens que não tenham
uma vinculação anterior com o povo camponês. À priori, este não
deve ser para nós, formadores, um problema, desde que consigamos,
durante o percurso formativo destes jovens nestas Licenciaturas, cul-
tivar e construir este vínculo e este compromisso.
O capítulo vai tecendo os passos que tem se dado para a pro-
dução desta consciência e desta vinculação, com os educandos que
em tal condição ingressaram na LEDOC UFT, trazendo instigantes
depoimentos sobre a potencialidade da Mística na formação docente.
Também, em muitos textos deste livro, encontramos relatos
de práticas de outro princípio fundamental na formação docente
proposta pelo projeto original da LEDOC: formar educadores que
sejam pesquisadores, que construam durante seu percurso formati-
vo as habilidades necessárias para se tornarem capazes de inquirir
a realidade, de seguir sempre buscando mais e mais conhecimento,
objetivando intervir na realidade, na direção de sua transformação
social em busca de justiça e igualdade para todos. Ou seja, não basta

13
aprender a pesquisar, mas faz-se necessário também apreender, junto
com as técnicas de pesquisa, as finalidades sociais que podem ter a
ciência e o conhecimento científico.
A concepção teórica que orienta a formação para pesquisa na
LEDOC fundamenta-se na Filosofia da Práxis, na compreensão e na
crença da potencialidade da educação crítica e transformadora para
formar sujeitos de práxis. Educadores capazes de pesquisar; de pen-
sar criticamente sobre suas próprias práticas e de voltar à teoria para
ressignificá-la, num movimento permanente de transformação.
E, este horizonte de formação se percebe em vários relatos deste
livro, tal como no texto de Bonilla, Chada e o Grupo de pesquisadoras
da comunidade, ao defenderem, em seu texto, que as práticas de pes-
quisa tenham compromisso em partir de realidades sociais; entender as
demandas comunitárias e seus processos históricos; estabelecer sempre relações
sujeito-sujeito; buscar uma unidade entre a teoria e a prática; cuidar para
que os resultados da pesquisa sejam em benefício das comunidades, entre
outros. Também se percebe esta mesma compreensão, do tipo de re-
lação teoria prática que se quer estabelecer com as práticas de pesqui-
sa participativa, nos textos sobre alternância; sobre a Mística; sobre a
Educação Musical e a Educação do Campo, entre outros, por exemplo.
Com muita coerência, esta concepção e prática de pesquisa
aparecem na formação docente nas reflexões apresentadas no capítulo
intitulado “A Viola de Buriti da Comunidade Mumbuca: a pesquisa
participativa para a compreensão da prática musical”. Neste territó-
rio quilombola, no qual residem discentes que cursam a LEDOC de
Tocantinópolis, constitui-se, em parceria com docentes do curso, um
coletivo de pesquisadores da própria comunidade, que inclusive, as-
sinam o texto citado, relatando nele diferentes repercussões positivas
que esta prática de pesquisa coletiva tem produzido na comunidade.
A partir de uma ação realizada em um dos Tempos Comunidades do
curso neste território, desencadeia-se todo um riquíssimo processo
de recuperação e valorização de práticas musicais vivenciadas no qui-
lombo, que estavam ficando esquecidas e subsumidas no processo de

14
invasão cultural vivenciado no território.
Um dos preciosos resgates feitos por este potente coletivo de
pesquisadores, foi a Viola de Buriti, rico instrumento produzido pela
própria comunidade, carregado de história e memória da luta deste
povo. Entre as várias repercussões deste processo, merece destaque o
potencial multiplicador que vem tendo, ao contribuir com a constru-
ção da compreensão crítica dos sujeitos camponeses deste território
que suas variadas formas de manifestações artísticas são patrimô-
nio cultural de grande valor, que não devem ser desprezados e muito
menos ignorados pela escola, o que infelizmente, é uma frequente
prática das escolas localizadas nos territórios rurais, que ainda não se
transformaram, verdadeiramente, em Escolas do Campo.
Mas, para além da mera constatação, as estratégias pedagógicas
conduzidas por estes docentes da LEDOC de Tocantinópolis tem
se preocupado, de fato, em contribuir na construção de ações cole-
tivas de transformação. Esta é uma significativa contribuição desta
experiência de formação docente e desta prática de pesquisa: estar
formando educadores críticos, capazes de reconhecer a importância e
o valor das práticas sociais e culturais da própria comunidade campo-
nesa. O fragmento a seguir, extraído do texto citado, mostra a imensa
potencialidade desta experiência, ao destacar a importância do pro-
cesso participativo enquanto aprendizado, tanto do que o grupo tem
aprendido sobre a própria comunidade, quanto também das técnicas
e dos processos de pesquisa e conhecimentos que transcendem a sala
de aula. Por outro lado, aprendemos e passamos a valorizar nossa cul-
tura e as estratégias da educação não formal, aquelas adotadas pelos
Mestres e Mestras da Cultura Popular na transmissão de seus conhe-
cimentos para as novas gerações. O que o grupo vem observando é
que nos espaços formais de ensino os conhecimentos produzidos no
e pelo povoado não têm sido abordados e nem são considerados re-
levantes no ambiente e no contexto escolar. O que é oferecido como
referência são sempre aspectos de outras culturas. Mesmo cientes
de sua importância, o que acontece é que a forma hegemônica com

15
que esses conhecimentos são transmitidos ou impostos acarretam na
desvalorização das produções dos artefatos e conhecimentos locais.
Como temos discutido no grupo de pesquisa “Acabamos achando
que o que temos não é Cultura, por não apresentar semelhança com
o que é apontado como importante nos espaços de ensino formal”.
(p. 259).
Estes processos formativos críticos vão acumulando força e ex-
periência para o questionamento das próprias escolas onde vão se
inserindo os educandos em formação nas LEDOCs, que vão am-
pliando e complexificando seu olhar sobre a enorme riqueza cultural
que a diversidade de territórios camponeses, quilombolas e indígenas
de nosso país carregam. E que tem sido violentamente engolida pela
estúpida homogeneização cultural promovida pela lógica do capital,
que necessita padronizar e transformar tudo em mercadoria.
A resistência a este processo é extremamente necessária. E o
trabalho feito com estes educadores em formação no território qui-
lombola tem alta relevância. Ao construir coletivamente um Dossiê,
para registrar no IPHAN a Viola de Buriti como patrimônio imate-
rial, a LEDOC de Tocantinópolis materializa não só uma ação sig-
nificativa para a comunidade, mas também para todo o Movimento
Nacional da Educação do Campo, ao reafirmar os sujeitos campo-
neses como detentores de um precioso patrimônio cultural capaz de
contribuir com a humanização de todos nós.
A experiência desta prática docente e da pesquisa por ela con-
duzida concretiza a concepção de práxis do livro de Vazquez citado
anteriormente, quando nos orienta: a práxis contém as dimensões do
conhecer (atividade teórica) e do transformar (atividade prática), ou seja,
teoria e prática são indissociáveis: “[...] fora dela fica a atividade teórica
que não se materializa [...] por outro lado não há práxis como atividade
puramente material, sem a produção de finalidades e conhecimentos que
caracteriza a atividade teórica” (VAZQUEZ, 1968, p. 108).
Este livro trata da reinvenção da Educação Superior... Trata
do sonho possível e construído a muitas mãos, à custa de muito san-

16
gue... Custou muito, muito tempo e muita luta para o campesinato
brasileiro ter garantido seu direito de acesso a este nível educacional,
por séculos reservado somente à elite deste país... Ter camponeses,
indígenas e quilombolas cursando a Educação Superior, se formando
como docentes, e ainda mais, na área de Artes e Música, é extre-
mamente revolucionário... É afirmar estes sujeitos como sujeitos de
direitos, como portadores de toda a humanidade que cada um de nós
carrega dentro do peito...
Este livro demonstra a potencialidade formativa do projeto
político pedagógico das Licenciaturas em Educação do Campo. Res-
salta, ao mesmo tempo, os vários desafios a serem superados para a
garantia da permanência dos educandos que as cursam até o término
de sua formação na universidade. Aponta, ainda, os desafios de sua
inserção nas redes municipais e estaduais de Educação do Campo,
dada a enorme precariedade da oferta dos anos finais do ensino fun-
damental e médio no campo.
Mas, para além destes desafios e das denúncias que faz, ele tam-
bém carrega, ao mesmo tempo, importantes anúncios... Da gestação
de um novo tipo de docente na Educação Superior, que tem sido
partejado pelas mãos dos novos discentes que a luta do campesinato
brasileiro conseguiu inserir nas universidades públicas...
Que ele possa nutrir todos os leitores de esperança e de vontade,
de seguir lutando em defesa das Licenciaturas em Educação do Cam-
po; do Direito à Educação como um bem público e social, como uma
imprescindível arma para lutarmos junto com o povo camponês, indí-
gena e quilombola, pela construção de uma Pátria Livre e Soberana...

Mônica Castagna Molina


Universidade de Brasília - UnB
Julho de 2018

17
INTRODUÇÃO

A obra Educação do Campo, Artes e Formação Docente, originada


a partir de pesquisas desenvolvidas no curso de Educação do Campo
com habilitação em Artes e Música, da Universidade Federal do To-
cantins, apresenta em seu segundo volume, experiências pedagógicas
ocorridas no curso que reforçam os estudos sobre a educação do cam-
po, movimentos sociais, pedagogia da alternância, práticas docentes,
questões agrárias, povos indígenas, políticas públicas e arte no campo,
o que contribui para ampliar a produção de conhecimento na educação
do campo e avançar o debate acerca desse tema na esfera educacional.
As pesquisas aqui socializadas demonstram uma diversidade
de estudos a respeito da educação do campo, em diálogo com dife-
rentes áreas do conhecimento, o que reforça a interdisciplinaridade
nesse âmbito acadêmico. Os capítulos apresentados neste livro estão
organizados de acordo com o escopo das pesquisas e experiências
desenvolvidas no curso.
O primeiro capítulo “Educação do campo: uma experiên-
cia metodológica na perspectiva da alternância”, da autora Reja-
ne Cleide Medeiros de Almeida, aborda a experiência ocorrida na
disciplina História da Educação do Campo, ministrada no curso de
Educação do Campo-LEDOC, em 2017. A pesquisa é fruto de uma
sistematização da pesquisa realizada por alunas e alunos no Tempo
Comunidade, cuja temática foi a trajetória de formação de professo-
res do campo e sua história de vida. Como metodologia utilizou-se
a entrevista semiestruturada, organizada no Tempo Universidade du-
rante a disciplina ministrada e aplicada posteriormente pelos dis-
centes com professores do campo do estado do Tocantins no Tempo
Comunidade1. A pesquisa é participante nesse caso, pois foi estabele-

1 Inspirado na proposta formativa da Pedagogia da Alternância, o curso de

18
cida uma relação entre a pesquisa participativa com os instrumentos
de estudos e pesquisa da pedagogia da alternância. Os resultados das
reflexões apontaram que a preparação de um roteiro predeterminado,
dificultou o diálogo e a apreensão da realidade junto às educadoras e
educadores que foram entrevistadas/os. Mas, que, sobretudo, as rela-
ções entre a pesquisa do tempo comunidade e as análises dos dados
da realidade podem proporcionar outro percurso formativo, que ela-
bora através de temas geradores e círculo de cultura um debate sobre
a formação dos professores do campo e suas práxis educativas.
O capítulo “Políticas públicas para educação do campo e for-
mação de professores”, de autoria de Cícero da Silva, é uma pesquisa
bibliográfica e exploratória, de natureza qualitativo-interpretativista
que discute aspectos da política pública brasileira voltada à educa-
ção do campo, especialmente em relação à formação de professores
do campo. O estudo apresenta discussões sobre documentos oficiais
que tratam exclusivamente de educação para os camponeses, além
de trabalhos a respeito de políticas públicas e educação do campo.
Os resultados da pesquisa mostram que a luta dos movimentos so-
ciais camponeses pela implantação de uma política pública educa-
cional que atenda aos anseios dos povos do campo alcançou avanços
importantes até 2015, como: (1) a aprovação de documentos oficiais
que garantem a execução de ações pelo Estado para essa política;
e (2) a implantação de diferentes cursos de licenciaturas em Edu-
cação do Campo para formação inicial de educadores do campo.
Apesar das conquistas obtidas, o Estado brasileiro precisa assegurar
ações capazes de promover o desenvolvimento e o fortalecimento
dessa modalidade de educação.

licenciatura caracterizado adota dois tempos e dois espaços formativos diferentes:


tempo universidade (período de aulas na universidade) e tempo comunidade
(período de permanência no meio socioprofissional ou comunidade, espaço social
em que os discentes desenvolvem suas pesquisas, isto é, estabelecem a relação
teoria/prática).

19
Em seguida, o capítulo “Experiências dos indígenas Apinayé
do Curso de Educação do Campo – artes e música de Tocantinó-
polis no Pimi”, das autoras Mara Pereira da Silva, Milena dos San-
tos, Gracilene dos Santos e Jéssica Adriana dos Santos Silva, con-
textualiza o Programa Institucional de Monitoria Indígena (Pimi)
vinculado ao Curso de Educação do Campo – habilitação Artes e
Música da Universidade Federal de Tocantins (UFT), campus To-
cantinópolis. Os escritos possibilitam, além de conhecer o Pimi, sa-
ber um pouco da história do povo Apinayé e os sentidos atribuídos
pelos acadêmicos indígenas nas experiências vivenciadas e contadas
por eles no programa, como forma de legitimar suas falas. Por meio
desse trabalho, acredita-se que é possível colaborar na construção
de programas de monitoria que tenham como proposta a educação
voltada para o campo, especialmente, a educação escolar indígena, e
colaborar com instituições de ensino que desenvolvam a alternância
pedagógica e garantam as vozes dos sujeitos no currículo, elabo-
rando junto com eles, por meio da construção coletiva e respeito ao
outro que remetem à interculturalidade.
Na sequência, o autor José Jarbas Pinheiro Ruas Junior apre-
senta o capítulo de sua pesquisa “Padi-Música: implantação, ex-
periências e desafios na LEDOC-Tocantinópolis”, que tem por
essência apresentar as propostas metodológicas e os resultados al-
cançados pelo Programa de Apoio ao Discente Ingressante (Padi) ao
longo do primeiro semestre de 2017, expondo o projeto de implan-
tação do programa no curso de licenciatura em Educação do Campo,
atendendo a área de Música. Ao longo do texto, são apresentadas as
relações entre as políticas de ensino e assistência estudantil da Uni-
versidade Federal do Tocantins e seus desdobramentos dentro dos
programas especiais de ensino dando ênfase aos programas voltados
à iniciação docente de alunos de graduação. O autor observou os re-
sultados alcançados na LEDOC, utilizando os relatos de experiência
da equipe de tutores e os dados gerados pelo sistema de relatórios da

20
Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) para dar início ao processo de
análise e, consequentemente, esboçar suas primeiras considerações.
O capítulo seguinte, “Da teoria à prática: o estágio curricular
supervisionado no curso de licenciatura em Educação do Campo
com habilitação em Artes e Música da UFT/Tocantinópolis”, de
autoria de Helena Quirino Porto Aires e Gustavo Cunha de Araújo,
trata de uma experiência realizada no estágio curricular supervisiona-
do no curso de Educação do Campo da UFT/Tocantinópolis. O es-
tágio é uma disciplina teórico-prática do processo de ensino e apren-
dizagem e constitui-se como componente curricular obrigatório
para todos os graduandos do curso de licenciatura em Educação do
Campo com habilitação em Artes e Música. Configurando-se como
vivências profissionais necessárias à formação acadêmica, destinadas
a propiciar ao graduando a aprendizagem de aspectos que contribu-
am para sua formação profissional. Em termos metodológicos uti-
lizou-se a pesquisa teórica e empírica na perspectiva da abordagem
qualitativa. Nesse sentido, o texto descreve e analisa os percursos e
desafios acerca da realização do estágio curricular supervisionado
no curso de licenciatura em Educação do Campo com habilitação
em Artes e Música, na Universidade Federal do Tocantins, campus
Tocantinópolis. Os pesquisadores concluíram que o estágio curri-
cular supervisionado vai muito além de um simples cumprimento
de exigências acadêmicas, uma vez que o estágio envolve pensar as
questões de ensino-aprendizagem e as questões próprias do meio
onde ele ocorre, pois se trata de uma prática social. Considera-se
também que o estágio possibilita a prática aliada aos conhecimen-
tos teóricos na vida dos acadêmicos de graduação, tendo em vista
ainda uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional.
“O instrumento pedagógico “visitas de campo” no contexto
da LEDOC-Tocantinópolis”, texto dos autores Maciel Cover, Si-
dinei Esteves de Oliveira de Jesus, Judite da Rocha e Saulo Eglain
de Sá, analisa as visitas de campo como um instrumento pedagógico

21
no curso de licenciatura em Educação do Campo: Artes e Música,
da Universidade Federal do Tocantins/Campus de Tocantinópolis.
A primeira parte do texto discute questões que compõem o quadro
teórico da Educação do Campo. A segunda parte é dedicada ao tra-
balho de reflexão sobre as experiências pedagógicas. Das visitas de
campo, os limites e os aprendizados. Foram discutidas quatro visitas
de campo: 1) Parque Nacional Serra da Capivara, em São Raimundo
Nonato/Piauí, 2) Acampamento Ilha Verde, Babaçulândia/Tocan-
tins, 3) Comunidade Quilombola Mumbuca, no Parque Nacional do
Jalapão em Mateiros/Tocantins, 4) Encontro Estadual da Juventude
Camponesa, em Palmas/Tocantins. Como resultados da reflexão, os
autores afirmam que o instrumento pedagógico das visitas e viagens
de campo possibilita conhecer outras realidades, ampliar o repertório
geográfico, cultural, territorial, histórico, sociológico, antropológico e
também pedagógico dos discentes. Com base nessas experiências, os
pesquisadores denotam que a efetivação desse tipo de instrumento
pedagógico é de fundamental importância para o desenvolvimento
de uma formação integral dos educadores e educadoras do campo.
Na sequência, o capítulo “Mosaico dos saberes: a mística
dos povos do campo em um curso de licenciatura em Educação
do Campo”, de Cássia Ferreira Miranda e Edimila Matos da Silva,
apresenta uma abordagem qualitativa de uma experiência vivenciada
pelos acadêmicos da terceira turma (ingressos em 2016) do curso de
licenciatura em Educação do Campo: Artes e Música, da Universi-
dade Federal do Tocantins (UFT), campus de Tocantinópolis. As
autoras relatam e analisam uma atividade proposta com o objetivo de
trabalhar os conceitos e práticas relacionadas à utilização da mística
pelos camponeses, realizada na disciplina de Estética e Poética Cam-
ponesa. Em específico, debatem as origens do uso do termo mística e
sua apropriação pelos movimentos organizados do campo, a cultura
e identidade camponesa, as manifestações artísticas e os signos e re-
presentações presentes nas mesmas. São analisadas quatro místicas

22
criadas pelos educandos e educandas da turma e as percepções que
eles tiveram da atividade, obtidas através da aplicação de questio-
nários com perguntas abertas. O texto permite visualizar caminhos
para o trabalho da mística, enquanto conteúdo programático, nos
cursos de licenciatura em Educação do Campo ao relatar, passo a
passo, as principais escolhas realizadas e os trajetos práticos da ex-
perimentação realizada. Miranda e Silva destacam que a mística
não é uma apresentação artística por si só, mas sim um ritual, um
momento ímpar de proposição e vivência coletiva. Salientam, ainda,
o papel de força motriz desempenhado por essa atividade e, por isso,
a importância da mesma para a formação de educadoras do campo,
valorizando a cultura e a identidade camponesa, contribuído para o
empoderamento das populações campesinas.
Em seguida, no capítulo “Práticas pedagógico-musicais e in-
terações no canto coral”, de Raimundo Vagner Leite de Oliveira,
apresenta um estudo das práticas pedagógico-musicais na atividade
de canto coral e as interações entre professor e alunos, desenvolvidas
nas disciplinas de Canto Coral I e II ministradas no curso de Edu-
cação do Campo – Artes e Música da Universidade Federal de To-
cantins (UFT), campus Tocantinópolis. Para o autor, fica claro que a
interação do professor/regente não é somente com os discentes, mas
com a comunidade em geral. Apresenta que o regente da atualida-
de precisa assegurar uma aprendizagem além de elementos musicais,
sendo significativa, em que o conjunto de cantores possam vivenciar
experiências em diferentes dimensões humanas, envolvendo aspectos
físicos, intelectuais, emocionais e espirituais. O autor espera que este
capítulo possa servir de referência para discentes, docentes, pesqui-
sadores, e o público em geral, de forma a contribuir com a melhoria
da qualidade do ensino e aprendizagem da música na Educação do
Campo em diversos espaços educacionais.
No capítulo “A viola de buriti da comunidade Mumbuca: a
pesquisa participativa para a compreensão da prática musical”, os

23
autores Marcus Bonilla, Sônia Chada e o Grupo de Pesquisadoras
da Comunidade Mumbuca apresentam algumas impressões êmicas
envolvendo uma pesquisa-ação participativa realizada no quilombo
Mumbuca, região do Jalapão/TO. O mote investigativo é a viola de
buriti, instrumento musical produzido pelos mestres da cultura po-
pular na região, e o impacto que a pesquisa tem exercido na comu-
nidade e, em especial, nos próprios pesquisadores (as) em função do
empoderamento gerado no uso de suas próprias vozes na produção
textual. Para situar o trabalho, os autores fazem uma breve conceitua-
ção sobre a noção de etnomusicologia e fundamentam a metodologia
adotada: a etnomusicologia aplicada / pesquisa-ação participativa,
estabelecendo suas estreitas relações com a educação do campo.
O capítulo “Educação musical e a educação do campo: pri-
meiras aproximações...” de autoria de Anderson Brasil e Leila Dias,
os autores buscam conceber reflexões preliminares entre os saberes
presentes na Educação Musical e na Educação do Campo, discutin-
do de que forma são amalgamados os conhecimentos dos povos tra-
dicionais. Abordam-se as práticas pedagógicas da Educação Musical
diante das demandas povos do campo, em seus pleitos pessoais e em
seus contextos socioculturais. Essa tessitura teórica é estabelecida por
meio de um diálogo aproximado com outras áreas do conhecimento,
com vistas à compreensão das inúmeras maneiras de aprender e en-
sinar música na contemporaneidade.
Por fim, é apresentado o capítulo “Corpo – superfície inscrita
da educação: reflexão sobre uma experiência de ensino e pesquisa
em dança”, de Marissel Marques, ao socializar o contexto e os re-
ferenciais teóricos do processo de ensino, pesquisa e extensão dos
dois objetos em análise, que coexistiam em desdobramento: a com-
ponente curricular – Danças Tradicionais – e o projeto de extensão
– dança contemporânea e a tradição. A componente curricular tinha
o objetivo de pesquisar as danças que simbolizam ritos e celebrações
nas comunidades das estudantes, que, em geral, moram no Estado do

24
Tocantins (TO) e mediações. Também, de dar elementos conceituais
para analisar as danças no contexto educacional, cultural e estético.
Para a autora, o projeto de extensão visava, no ambiente educacional,
através da transdisciplinaridade, alcançar a conscientização, sensibi-
lidade, percepção e expressão corporal por meio de investigação das
sensações, imagens, resgate de lembranças de cada participante, ou
seja, um olhar emergente sobre si. A experiência educativa foi pauta-
da nos referencias teóricos que possibilitaram modificar o olhar so-
bre a relação pedagógica, entre estudante e docente: de vertical para
relações horizontalizadas, ou seja, entre iguais. O conhecimento foi
construído durante o caminho, partilhando o sensível através de es-
cuta sensível para se partilhar a própria vida. Foi uma busca por outra
lógica para o convívio em espaços educacionais.
Portanto, esperamos que as pesquisas aqui apresentadas e so-
cializadas possam ampliar novos estudos e debates acerca da Educa-
ção do Campo, bem como na formação de educadores e educadoras
do campo. Desejamos boas leituras a todos e a todas!

Tocantinópolis/TO, 19 de abril de 2018.

Os(as) organizadores(as).

25
1 – Educação do campo: uma
experiência metodológica na
perspectiva da alternância

Rejane Cleide Medeiros de Almeida

1 Introdução

As reflexões propostas neste capítulo fazem parte de uma ex-


periência ocorrida na disciplina História da Educação do Campo
(segundo período), ministrada no curso de Educação do Campo –
LEDOC, em 2017. É fruto de um ensaio sobre a sistematização da
pesquisa realizada por alunas e alunos no tempo comunidade, cuja
temática foi a trajetória de formação de professores do campo. O ro-
teiro da entrevista contou com os seguintes pontos: história de vida,
conceito de educação, práticas docentes, dilemas e desafios do traba-
lho docente. Como metodologia, utilizou-se a entrevista semiestru-
turada, organizada no tempo universidade durante a disciplina mi-
nistrada e aplicada posteriormente pelos discentes aos professores do
campo do estado do Tocantins. A pesquisa nesse caso é participativa,
segundo Thiollent (1999, p. 91), pois: “[...] é possível manter a ideia
dentro de uma concepção da investigação sociológica, da pesquisa
educacional [...] embasadas em elementos teórico-científicos”. Nesse
caso, estabeleceu-se uma relação entre a pesquisa participativa com
os instrumentos de estudos e pesquisa da pedagogia da alternância.
Os textos trabalhados como reflexão sobre a pesquisa e dados
coletados da realidade foram: A pedagogia de Paulo Freire inserida

26
no contexto dos movimentos sociais do campo1, Pedagogia da autonomia
(1996), Pedagogia do oprimido (1987)2, e as obras que compõem o
percurso histórico do movimento por uma educação do campo (AR-
ROYO; FERNANDES, 1999; FERNANDES, 2002, CALDART,
1998; 2004), incluindo a legislação (2012)3.
Em relação à realização da pesquisa no tempo comunidade,
concorda-se com o que Brandão (1999) adverte sobre como deverá
ser o percurso da pesquisa, e que, durante seu decorrer é preciso estar
atento ao que se fala. As conversas, frases, entrevistas, discussões den-

1 A pedagogia de Paulo Freire inserida no contexto dos movimentos sociais do campo foi um dos
textos escolhidos para leitura com os discentes da disciplina História de Educação do
Campo, por tratar do tema relacionado aos movimentos sociais do campo e a educação,
em especial, educação de homens e mulheres do campo (SCHWENDLER, 2015). No
artigo, a autora trata da relação entre movimentos sociais do campo e sua relação com as
possibilidades de mudanças na sociedade, pois seria no processo de formação de lideranças
nos movimentos sociais e na base que se daria o sentido das mudanças. Para tanto, ela
apresenta uma citação de Freire (1987, p. 53), na qual ele defende a ação política com os
oprimidos: “[...] ação política junto com os oprimidos tem de ser, no fundo, ‘ação cultural’
para a liberdade, por isto mesmo, ação com eles”. Neste caso, concordo com a autora, mas,
defendo que a relação de formação política tem que ocorrer na base dos movimentos
sociais, fortalecendo desde baixo, considerando também que a formação de intelectuais
orgânicos é imprescindível para transformações políticas.
2 Obras de Paulo Freire que discutem o método do autor, teoria e reflexões sobre ensinar,
aprender e a construção do conhecimento em uma perspectiva epistemológica de temas
geradores e círculos de cultura. O autor afirma que “investigar o tema gerador é investigar,
repitamos, o pensar dos homens referido à realidade, é investigar seu atuar sobre a
realidade, que é sua práxis” (FREIRE, 1987, p. 98).
3 A legislação da Educação do Campo se refere aos marcos normativos, construções
históricas de lutas dos movimentos sociais do campo. Os documentos aqui apresentados
mostram uma política de educação específica para o campo e aparecem ordenados de
acordo com a data de sua publicação. As Diretrizes Operacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo constituem-se como referência para a Política de Educação do
Campo à medida que, com base na legislação educacional, estabelecem um conjunto
de princípios e procedimentos que visam a adequar o projeto institucional das escolas
do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, o Ensino
Fundamental e Médio, a Educação de Jovens e Adultos, a Educação Especial, a Educação
Indígena, a Educação Profissional de Nível Técnico e a Formação de Professores em Nível
Médio na modalidade Normal (BRASIL, 2012).

27
tro ou fora do círculo, tudo está carregado dos temas da comunidade:
sua história de vida, a vida da família em casa, na produção; as ale-
grias, a devoção, o trabalho e o ritual das festas, a luta coletiva contra
a ameaça da expulsão das terras de trabalho do camponês, as questões
dos grupos populares organizados – grupos de jovens, de mulheres,
a formação política; as questões do relacionamento das pessoas com
a natureza, as tradições da cultura, as relações da comunidade com o
poder. Assim é que se faz necessário conectar-se ao mundo do outro,
ao mundo real (BRANDÃO, 1999).
Em relação a esta experiência, os resultados apontaram que,
desde o início da preparação da pesquisa e do levantamento dos da-
dos da realidade do tempo comunidade, o processo ocorreu de forma
diferente do que propõe Brandão (1999). Foi preparado em roteiro
predeterminado, que dificultou o diálogo e a apreensão da realidade
junto às educadoras e aos educadores que foram entrevistadas/os. Por
que isso ocorreu? Porque os educadores/educadoras são contratados
do estado e não querem revelar de fato o que pensam. E, também,
porque estão cansados de dar entrevistas sem sentido.
Entretanto, os resultados das reflexões apontaram, também, que
as relações entre a pesquisa do tempo comunidade e as análises dos
dados da realidade podem proporcionar outro percurso formativo, que
elabora através de temas geradores e círculos de cultura um debate
sobre a formação dos professores do campo e suas práxis educativas.
Como elementos das experiências na disciplina, serão apresenta-
dos os tópicos que configuram as reflexões sobre a ação desenvolvida.

2 Pesquisa tempo comunidade:


sistematizando os dados da realidade

A pesquisa realizada no tempo comunidade contou com um


roteiro de questões predeterminadas que teve como objetivo conhe-
cer a realidade dos professores do campo do estado do Tocantins. As

28
questões norteadoras tratavam: 1. Trajetória de vida; 2. O que levou
a ser educador; 3. Preparação profissional; 4. Onde estudou; 5. Como
desenvolveu sua prática docente; principais desafios do trabalho do-
cente e o que compreende por educação. A metodologia adotada
para a sistematização das experiências/pesquisa foi a apresentação
dos dados da realidade por meio de palavras geradoras e, em seguida,
a apresentação das palavras com sentidos e significados.
Com os temas geradores busca-se investigar o pensar dos ho-
mens referido à realidade, investigar sua práxis sobre a realidade. A
metodologia propõe que tanto os sujeitos da pesquisa, quanto os in-
vestigadores se façam sujeitos no processo de investigação, pois para
Freire (1987, p. 99): “quanto mais assumam os homens uma postura
ativa na investigação de sua temática, tanto mais aprofundam a sua
tomada de consciência em torno da realidade e, explicitando sua te-
mática significativa, se apropriam dela”.
Com os temas geradores cada palavra fruto do diálogo com os
educadores está carregada de sinais de experiências, lutas, trabalho,
esperança e também desesperança, vividos nos enredos da vida e suas
contradições, tanto nas questões pessoais, quanto profissionais.
Nesse sentido, adotou-se o círculo de cultura para a experiência
da exposição dos dados da realidade e reflexão sobre eles. Enquanto
círculo, tem-se o significado de que todos/todas estão à volta de um
coletivo, que busca organizar o debate, participar de uma atividade co-
mum em que todos/todas ensinam e aprendem. O coletivo é coorde-
nado por um grupo que não dirige e, a todo momento, anima e orienta
o trabalho de uma equipe cuja maior qualidade deve ser a participação
ativa em todos os momentos do diálogo, que é o seu único método de
estudo no círculo. Enquanto que o significado “de cultura” possibilita o
aprendizado individual, e o que o círculo produz são modos solidários,
coletivos, de pensar, no qual todos e todas aprenderão aquilo que cons-
troem de uma outra maneira de fazer a cultura que os faz, por sua vez,
homens, sujeitos, seres de história (BRANDÃO, 1999).

29
Sobre o círculo de cultura, a premissa é de que:

[...] Todos juntos, em círculo, e em colaboração, ree-


laboram o mundo e, ao reconstruí-lo, apercebem que,
embora construído também por eles, esse mundo não
é verdadeiramente para eles. Humanizado por eles,
esse mundo não os humaniza. As mãos que o fazem,
não são as que o dominam. Destinado a libertá-los
como sujeitos, escraviza-os como objetos (FREIRE,
1987, p. 17).

A partir dos debates sobre círculos de cultura trazidos por


Brandão (1999) e Freire (1987), considerou-se o círculo de cultura
como a emergência do mundo vivido, objetivando-o, problematizan-
do-o e compreendendo-o como projeto humano. Nesse sentido, bus-
cou-se adotar uma perspectiva de educação problematizadora, que
potencializa e pode realizar a humanização, a afirmação dos homens
como “seres para si” (FREIRE, 1987).
Sabendo-se que círculos de cultura apresentam dimensões
dialógicas o reconhecimento de uma cultura local ganha forma pe-
las inúmeras experiências de diálogos entre pessoas e culturas. Há
um deslocamento do eixo educacional para o cultural. O ensinar e
o aprender expressam valores culturais em uma espécie de tradição
inovadora. Esse deslocamento permite aos educandos uma leitura da
palavra em si, permite a leitura do mundo e o reconhecimento de
uma cultura própria.

30
Figura 1.1 – Sistematização dos dados da realidade
Fonte: Acervo da autora.

Os princípios da pedagogia da alternância foram o marco re-


ferencial para esta formação, organizando os tempos universidade e
comunidade, compondo a abordagem metodológica, o levantamento
da realidade e a apresentação do diálogo entre saberes científico e po-
pular. Entende-se que a organização do processo educativo das es-
colas do campo necessita buscar princípios e itinerários pedagógicos
que orientem o desenvolvimento de processos formativos integrados,
articulando áreas de conhecimento, saberes popular e científico, for-
mação humana e profissional, diferentes práticas, tempos e espaços
pedagógicos (MEDEIROS, 2016). O objetivo é permitir a superação
da fragmentação e descontextualização do currículo, além da afirma-
ção de uma formação escolar crítica e criativa, evitando, todavia, o
que Arroyo (2013) chama atenção:

31
A produção do conhecimento é pensada como um
processo de distanciamento da experiência do real
vivido. O real pensado seria construído por mentes
privilegiadas através de métodos sofisticados, distan-
tes do viver cotidiano, comum. Logo, o conhecer visto
como um processo distante do homem e da mulher
comuns, do povo comum; distante até do docente que
ensina o povo comum (ARROYO, 2013, p. 117).

Sob essa perspectiva, é preciso assumir como princípios peda-


gógicos da escola do campo os seguintes pontos: a formação escolar
contextualizada, embasada pelo princípio da indissociabilidade teo-
ria-prática, privilegiando o diálogo entre os saberes científico e po-
pular e a (re)construção contínua do conhecimento; o estímulo aos
educadores/educandos para a realização de atividades pedagógicas
voltadas à problematização, pesquisa e estudo interdisciplinar sobre a
realidade – local, regional, nacional e mundial –, tendo como elemen-
to principal a produção familiar e comunitária, suas demandas, de-
safios e possibilidades; a incorporação da diversidade cultural como
elemento educativo e provocação da vivência de novas práticas e va-
lores de solidariedade, cooperação e justiça; o subsídio à intervenção
coletiva e sistemática sobre a realidade e a construção de propostas de
ação técnico-profissional voltadas à transformação social e melhoria
das condições de vida dos povos do campo (MEDEIROS, 2017).
Com base no estudo da realidade imediata e cotidiana, e no
estabelecimento de relações com elementos não cotidianos que im-
pactam sobre a vida dos povos do campo, propõe-se um processo
educativo que possibilite o acesso aos diversos saberes e uma reflexão
sobre questões de diversas ordens (políticas, históricas, naturais etc.),
pois, quando articulados, eles podem contribuir para a compreensão
e o aprendizado sobre cultura e realidade vividas pelos camponeses
localmente, ajudando-os a transformar e melhorar tal realidade.
Nesse movimento, assumir a pesquisa e o trabalho como prin-
cípios educativos significa assumir o compromisso com o desenvol-

32
vimento de um processo de escolarização que seja capaz de estimu-
lar atitudes e aprendizagens crítico-reflexivas. O objetivo é provocar
entre os indivíduos a construção de saberes escolares por meio da
reflexão sobre sua própria existência; e sobre o mundo em que vivem,
as relações que estabelecem, a cultura em que estão inseridos e o tra-
balho que desenvolvem. Além disso, alimentar o pensar criativo na
construção e no desenvolvimento de projetos e ações que envolvam
novas práticas sociais, produtivas e culturais, voltados à reinvenção da
existência individual e coletiva; bem como formar o hábito da análise
crítica, da autoavaliação e avaliação do processo para (re)planejar a
ação, continuamente, destacando, também, as trajetórias, dos saberes
e fazeres pedagógicos do trabalho docente.

2.1 Trajetórias e memórias de educadores do


campo: saberes e fazeres pedagógicos

Sobre as histórias de vida dos educadores e educadoras entre-


vistados pelos alunos e alunas do curso de educação do campo em seu
tempo comunidade, o conteúdo das entrevistas está relacionado com
as seguintes opções:

No início, não me identificava com a ideia de ser pro-


fessora, mas minha mãe o tempo todo me falava que
queria que eu fosse professora, pois achava bonita a
profissão e hoje aqui estou eu (Entrevistada, Educa-
dora, 2017).

No decorrer da minha vida escolar nunca reprovei,


estudei o ensino fundamental e médio sempre em es-
colas públicas. Terminei o ensino médio aos 17 anos
de idade, porém quando terminei o colegiado [ensino
médio] já estava trabalhando, queria ir fazer faculdade
em Brasília, mas naquele tempo os pais não deixavam
sair de casa, então fiquei em Tocantinópolis. Fiquei

33
um ano sem estudar, mas depois fiz o antigo magis-
tério para dar aulas. Sou licenciada em História. Não
era o que eu queria, mas, enfim, me sobrou isso (En-
trevistada, Educadora, 2017).

As falas das educadoras apontam para o fato de que a profis-


são de professor não é bem o que queriam seguir. Mas, em função
de morar em uma cidade, na qual as condições para outro tipo de
formação não se concretizaram, esta foi a saída para o mundo do
trabalho. Isso ocorreu pelas dificuldades financeiras e de que os pais
não concordavam com a saída para estudar em outras cidades onde
ofereciam melhores condições de ensino e melhores ofertas de cursos
especialmente, nos casos das mulheres.
Assim, os percursos de formação foram diferentes daquilo que
se desejava. Com isso, a docência ficou em um plano que não foi o
escolhido e sim o que lhe restou fazer. Para refletir sobre essa temáti-
ca, Arroyo (2013, p. 74) corrobora com essa discussão, ao afirmar que

[...] A docência primária não foi uma profissão de


disputa das elites. [...] os saberes do magistério e da
história dessa profissão não têm merecido o status de
conhecimento digno de estar nos currículos, porque
as experiências da docência básica, elementar, foram
desprestigiadas, inferiorizadas em nossa história so-
cial, cultural e intelectual. Porque seus profissionais
trabalham com coletivos sociais inferiorizados, sub-
cidadãos, desprestigiados em nossa formação política
e porque os próprios docentes da escola provinham e
provém desses coletivos inferiorizados.

As reflexões do autor possibilitam analisar as falas das educa-


doras entrevistadas, pois apresentam uma perspectiva de que as pro-
fessoras não tinham muitas opções para escolha de sua profissão. Isso
porque na região onde moravam não tinha cursos a não ser de peda-
gogia ou licenciaturas. Entretanto, uma das entrevistadas apresenta o

34
desejo de contribuir com a formação das crianças da sua comunidade,
apesar de não ter o gosto inicial pela docência. Na sua fala a seguir
pode-se observar tal fato.

Escolhi este curso por dois motivos, o primeiro foi


a falta de opção, tanto para estudar quanto para tra-
balhar depois de concluir o curso. O outro motivo é
porque amo minhas crianças e queria contribuir para
a formação de outras pessoas aqui na minha comuni-
dade (Entrevistada, Educadora, 2017).

Outra questão importante que surgiu durante a pesquisa do


tempo comunidade está relacionada com as entrevistas dos/das pro-
fessores/professoras que em alguns casos não responderam as per-
guntas, o que gerou dificuldades nos resultados dos dados da reali-
dade. Isso pode representar o que Freire (1987) em seus estudos na
Pedagogia do Oprimido destaca:

Ainda quando um grupo de indivíduos não chegue


a expressar concretamente uma temática geradora, o
que pode parecer inexistência de um tema dramático:
o tema do silêncio sugere uma estrutura constituin-
te do mutismo ante a força esmagadora de “situações
limites”, em face das quais o óbvio é a adaptação
(FREIRE, 1987, p. 98).

Pensando nas reflexões propostas por Freire que possibilitam


uma análise do que aconteceu com as entrevistas não concedidas aos
discentes, pelos/pelas educadores/as, pode-se aventar que os temas
geradores não estão nos homens isolados da realidade, nem também
na realidade separada dos homens, só podem ser compreendidos nas
relações homens-mundo. Falar sobre os fazeres e saberes docentes
é uma tarefa que muitas vezes se torna cansativa para estes, pois, a
prática docente é considerada tensa e conflituosa em um cotidiano
muitas vezes marcado pelo desprestígio da docência na sociedade,
como revelaram as entrevistas. Mas, também, pode ser um espaço de

35
contar suas angústias, necessidades, desejos de mudanças e também
de dizer sobre suas vidas, por isso, chama-se atenção para o fato de
como ocorre a pesquisa no tempo comunidade.

2.2 Conceito de educação para os educadores


entrevistados

Uma das questões das entrevistas do tempo comunidade foi


o entendimento dos professores sobre o que é educação. Trazemos
alguns fragmentos das falas apresentadas:

A educação é você aprender ao ensinar e ensinar ao


aprender. Por isso, toda vez que ensino eu aprendo
alguma coisa, sei que também ensino (Entrevistada,
professora, 2017).

A educação não ocorre apenas no espaço da escola,


ocorre em todo o momento em nossa vida. Como diz
Paulo Freire, a educação se realiza embaixo de uma
mangueira, em diálogo no meio da rua (Entrevistada,
Folha Grossa, professora, 2017).

Pensar a educação é pensar em uma dimensão fundamental


para o desenvolvimento territorial. Nesse sentido, as políticas educa-
cionais podem contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos
sujeitos que vivem no campo. Como educação do campo, compreen-
demos a partir do que Caldart (2012, p. 257) define:

A educação do campo nomeia um fenômeno da rea-


lidade brasileira atual, protagonizada pelos trabalha-
dores do campo e suas organizações, que visa a incidir
sobre a política de educação desde os interesses sociais
das comunidades camponesas. Objetivo e sujeitos a
remetem às questões do trabalho, da cultura, do co-
nhecimento e das lutas sociais dos camponeses e ao

36
embate de classe entre projetos de campo e entre ló-
gicas de agricultura que têm implicações no projeto
de país e de sociedade e nas concepções de políticas
públicas, de educação e de formação humana.

A materialidade educativa de origem da educação do campo


está nos processos de formação dos sujeitos coletivos da produção e
nas lutas sociais do campo. Refere-se, portanto, à relação entre teoria
e prática, ou seja, à práxis. Defende-se que a escola deva ter uma ên-
fase na cultura geral, humanista, formativa, que atenda à capacidade
técnica e ao trabalho intelectual e que possibilite a formação de novos
intelectuais orgânicos da classe trabalhadora, ou seja, que não prepare
somente para as competências técnicas, que é a tendência atual da
sociedade capitalista.
Isso porque a educação por estar ligada à produção e à reprodu-
ção da sociedade cumpre uma função social tanto na formação pro-
fissional para produção material da vida (que satisfaz necessidades
humanas), quanto na reprodução das relações sociais. Uma vez que
trata das relações de produção material e de reprodução das relações
sociais, das mudanças na divisão social do trabalho, da produção e
reprodução da força de trabalho, dos processos educativos, especial-
mente de formação humana, o papel social da educação – da relação
entre processo de produção e dos processos educativos ou de forma-
ção humana – é constituído por conflitos, disputas e contradições.
O sentido de educação para Gramsci (1999) se realiza através
de um processo que possibilita aos sujeitos saírem da anomia para a
autonomia tendo como mediação a heteronomia. A partir da com-
preensão de que o homem é resultado das relações de produção, não
existe, portanto, uma única maneira de conceber todos os homens
em qualquer tempo e lugar; com isso, percebe-se que os homens não
agem da mesma forma em todos os espaços e circunstâncias.
As relações que os homens estabelecem são determinadas pela
forma como a sociedade está organizada estruturalmente na esfera

37
econômica e superestrutural e também no campo ideológico; é isso
que demarca a constituição do indivíduo. Nesse caso, a consciência
de como os arranjos sociais são pactuados é que determina qual será
a forma de o homem interagirá com os demais, com o meio e, espe-
cialmente, consigo mesmo (GRAMSCI, 1999).
Assim, a proposta de formação de educadores/educadoras do
campo deve pautar-se nas mudanças do homem que transforma a
si próprio, modifica-se e, dessa forma, transforma e modifica todo
o conjunto de relações em que este é o próprio centro estruturante.
Nesse sentido, o homem é, e não pode deixar de ser, nada mais do
que o político, ou seja, homem ativo que modifica o ambiente, sendo
o ambiente o conjunto das relações de que todo indivíduo faz parte.

Figura 1.2 – Trajetórias e memórias de educadores do campo, sistematização dos


dados da realidade – tempo comunidade
Fonte: Acervo da autora.

38
Os movimentos sociais do campo desenvolvem um importante
papel na trajetória da educação dos povos do campo, na disputa por
um projeto que reafirme a sua cultura e elabore melhores condições
de vida desses sujeitos. Tal caminhada ocorreu com mobilizações do
movimento pela educação do campo, assumindo o papel de barrar
as políticas tradicionais que têm como base o assistencialismo e as
políticas compensatórias, reafirmando a precariedade das escolas ru-
rais, com marca do atraso e do abandono da educação dos povos que
vivem em áreas rurais.
Por isso, a participação dos Movimentos e Organizações So-
ciais da classe trabalhadora e dos “de baixo” da sociedade brasileira,
para usar uma expressão de Florestan Fernandes, constituídos por
povos do campo, da floresta e das águas – tais como, os agricultores
familiares, assentados, acampados, trabalhadores assalariados rurais,
pescadores, extrativistas, comunidades tradicionais, ribeirinhos –têm
nas últimas décadas participado das disputas pelo acesso à terra e pela
defesa dos territórios e defendido a produção agroecológica como
alternativa de produção sem agrotóxico, em defesa da soberania ali-
mentar. Têm também participado das lutas por direitos à saúde, à
educação, e da conquista de políticas públicas para o fortalecimento
da base familiar, constituindo-se como sujeitos coletivos de direito e
de produção de novas formas de sociabilidades.
Essa é a base para a construção de uma educação que busca a
formação de sujeitos históricos. Nesse sentido, a educação do cam-
po nasceu demarcando uma posição no confronto e na disputa por
um projeto diferente para o campo, sendo contra a lógica do campo
como lugar de negócios, que expulsa as famílias e destrói a vida que
nele existe. Para Caldart (2016):

O projeto educativo socialista se constitui no confron-


to entre capital e trabalho na esfera da formação hu-
mana e particular na forma de pensar e fazer educação
dos trabalhadores, que são o tempo todo disputados

39
pela pedagogia do capital. Chamamos de pedagogia
socialista aos conjuntos de esforços teóricos e práti-
cos de fazer a educação dos trabalhadores na direção
de transformar radicalmente a sociedade capitalista e
construir uma nova ordem social e socialista. A mis-
são histórica central da pedagogia socialista, que se
realizada pela exigência de cada momento histórico
e de cada realidade especifica é a formação de uma
consciência de massa socialista. Em síntese, quer dizer
a consciência da necessidade de uma revolução fun-
damental, aquela que visa à transformação radical das
condições de vida da humanidade, muda a existência
industrial e política de cada indivíduo social e, con-
sequentemente como diria Marx, muda sua maneira
de ser, essa consciência é uma exigência indispensável
para que a maioria do povo se envolva na tarefa co-
letiva de sua emancipação (CALDART, 2016, s/p.).

Nesse sentido, a pedagogia socialista se refere a um projeto


educacional, e por esse motivo, não se restringe à educação escolar, é
muito mais ampla. Todavia, é tarefa dessa pedagogia pensar e ir expe-
rimentando uma escola que desenvolva esforços para construções do
socialismo. Isso implica em transformações radicais do conteúdo e da
forma da escola capitalista. Não se cria um novo modo de fazer escola
sem exercitar, continuamente, o processo de transformação desde as
circunstâncias sociais onde se encontra. O desafio é assumir no tra-
balho cotidiano das escolas as possibilidades de exercitar os pilares
da estratégia da pedagogia socialista na especificidade do ambiente
educativo escolar.
A pedagogia socialista tem em seu horizonte uma educação
unilateral, aquela que busca desenvolver todas as divisões do ser hu-
mano de modo relacional e tendo como base o princípio educativo
do trabalho que forma e transforma as pessoas. Não é um treino para
a vida, mas a vida mesma, intencionalizada com formação humana,
que vai dando forma à construção da vivência de cada um. Esse pro-

40
jeto inclui a construção de uma escola em que o vínculo entre estudo
e trabalho se faz em direção à apropriação, em direção à ciência e do
aprendizado de relações sociais necessárias para que os trabalhadores
assumam o comando e a realização da produção social.

3 Metodologia desenvolvida nas aulas da


disciplina História da Educação do Campo: a
mística como cultura

Figura 1.3 – Mística como Cultura


Fonte: Acervo da autora.

As aulas iniciavam-se sempre com uma mística que estava re-


lacionada com a temática da cultura, saberes e fazeres dos povos do
campo. Nesse sentido, compreendemos como mística o resgate da
cultura dos povos do campo; a representação da realidade e também

41
a animação para a luta. A sua materialização ocorre por meio da rea-
lização de rituais, no resgate e valorização da memória e herança dos
lutadores e lutadoras do povo. Materializa-se, também, nas músicas,
nos símbolos como a bandeira, as ferramentas de trabalho, nas pa-
lavras de ordem, no hino da organização. Para uma aluna do curso:

A mística se constitui como resultado da construção da


identidade, da formação do processo de luta, quando
as pessoas de fato decidem empunhar o braço, levan-
tar o símbolo, colocar o boné, levantar a ferramenta de
trabalho e dizer: eu me identifico com essa causa, com
essa luta, com esse projeto de sociedade, então esse é o
processo da mística coletiva, né? Que anima, mas com-
promete, define tarefas e também tem clareza das in-
quietações que vão ocorrer durante o processo de luta.
Sabemos que é preciso animar a mística do processo
de transformação e da possibilidade de transformar que
vai estar na luta concreta no projeto de sociedade. A
mística não está no campo das ideias, ela está no cam-
po de ideário, na realidade da sociedade, vinculada com
a luta de ocupação, de resistência, de enfrentamento,
do estudo, dessa perseguição mesmo, né? Para a gente
construir valores e perspectivas igualitárias, socialistas,
feministas, as construções desses valores e desses prin-
cípios são a mística, porque pode até ter um bom con-
teúdo ou uma boa forma, mas se não tiver essa mística
não vai conseguir ter essa energia, essa força necessária
para os militantes (Discente, LEDOC, 2017).

A mística busca manter viva, em seus militantes, a crença nas


possibilidades de transformação da sociedade capitalista e na cons-
trução da sociedade socialista, erigida nas bases de outras relações
sociais e de novos valores. A mística pulsa, organiza para as ações,
para as ideias e os sentimentos. Bogo (2009) elenca três elementos da
mística: 1. O sentido religioso. 2. O sentido das ciências políticas; 3.
O sentido filosófico e da valorização cultural. Para o autor, a mística

42
apresenta uma dimensão cultural que não deixa desanimar, mesmo
com tantos problemas e desafios que a luta impõe. A mística se ma-
nifesta na certeza da luta e da vitória; apresenta-se nas mobilizações
e busca atingir a militância para exercer a metodologia do trabalho na
esfera da produção até no cotidiano.
O conteúdo da mística expressa uma postura pessoal, com vi-
vências pautadas em valores de forma coerente no cotidiano da vida,
na luta política. É, sobretudo, nas atitudes que a mística se apresenta,
passando pela celebração coletiva e se pautando em sentimentos. A
mística deve aproximar um projeto de futuro e de presente na luta
dos trabalhadores e seu projeto de sociedade.

Além do culto aos símbolos, entendidos como ins-


trumentos representativos das ações concretas da
organização, a mística ocorre, em seus diversos cená-
rios, norteada por uma espécie de encenação artística
(envolve músicas, poemas, danças, figurinos, palavras
de ordem), de rápida duração (mais ou menos 20 mi-
nutos) comprometida com a potencialização de uma
experiência emocional focada nos dilemas da luta dos
trabalhadores. Os temas são inúmeros, mas grande
parte deles marca na consciência coletiva os mártires,
os adversários, os problemas e as saídas para a realiza-
ção do socialismo – mapeado como o grande objetivo,
por vezes representado como utopia, dos acampados e
assentados (SOUZA, 2012, p. 51).

Entendendo a mística como ação de uma práxis política4, é


possível refletir sobre a importância de uma escola de formação para

4 A práxis política é uma dimensão da atividade prática, que orienta e pode potencializar as
transformações na sociedade, na batalha tanto das ideias quanto da prática, significando o
exercício da práxis humana. E se constitui em uma atividade prática que baliza e orienta
transformações na sociedade, abrangendo as relações econômicas, políticas e sociais. A
práxis social, por sua vez, consiste em uma atividade de grupos e classes sociais que pode
transformar a organização e a direção da sociedade, ou mesmo provocar mudanças no
Estado, sendo essa forma de práxis a atividade política (VÁZQUEZ, 2007). Nesse aspecto,

43
a militância, para a luta da classe trabalhadora. Para Gramsci (2004),
a escola é o instrumento para formar os intelectuais de vários níveis,
compreendendo que a cultura é um dos princípios básicos do socia-
lismo. A cultura, para Gramsci, é o elemento indispensável para o
processo revolucionário, visto que a revolução é precedida de árduo
trabalho de crítica, de penetração da cultura, de novas ideias, valores;
ou seja, a cultura se constitui em um instrumento político que poten-
cializa a emancipação das classes subalternas, buscando forjar uma
contra-hegemonia na sociedade dividida em classes.

Figura 1.4 – Círculo de Cultura e produção de saberes


Fonte: Acervo da autora.

A partir da experiência vivenciada no percurso formativo do


tempo universidade pode-se afirmar que toda prática educativa im-

a política deve ter como prática o conhecimento da realidade, da correlação de forças de


classes, propondo fins e persegui-los a fim de evitar fracassos (MEDEIROS, 2017, p. 133).

44
plica em uma concepção de homem e de mundo. Envolve, portanto,
uma postura teórica do educador/educadora. O que Freire (2007, p.
51) adverte é que “[...] o processo de orientação dos seres humanos
no mundo envolve os animais, mas, sobretudo, pensamento-lingua-
gem; envolve desejo, trabalho-ação transformadora sobre o mundo,
de que resulta o conhecimento do mundo transformado [...]”.
A partir do que salienta o autor, pode-se analisar que os seres
históricos, inseridos no tempo, movem-se no mundo e são capazes
de escolher, decidir, emitir algum tipo de valor. Apresentam, por-
tanto, uma ação humana, seja ela crítica ou não, com conteúdos e
finalidades, sem o que não seria caracterizado como práxis, mesmo
que seja orientação de mundo. Freire (2007) ressalta que, não sendo
práxis, seria ação que não levaria em consideração o próprio processo,
como também seus objetivos. Assim sendo, o autor defende a edu-
cação como perspectiva de prática para a liberdade, o oprimido terá
condições a partir dessa perspectiva, de redescobrir-se e conquistar-
-se enquanto sujeito/a de seu processo histórico.

4 Considerações finais

A partir do exposto sobre a indissociabilidade da teoria e prática


como princípio da alternância, ou seja, a práxis como norteadora da al-
ternância, o debate gerador de questões sobre a pesquisa no tempo co-
munidade na disciplina de História da Educação do campo foi seguido
dos questionamentos: Para que pesquisa? Como fazer? Por que fazer?
Qual o objetivo dos dados da realidade e como fazer a interface com a
teoria? Essas indagações foram debatidas com base nos resultados de
temas geradores da pesquisa. E o que se concluiu é que muitas vezes
esses dados ficam perdidos, ou sem nenhuma análise na perspectiva da
relação com as teorias em estudo, resultando apenas em um trabalho de
coleta de informações de uma determinada realidade.
Entretanto, a sistematização dos dados realizados na disciplina

45
apontou que é possível uma prática de pesquisa na qual os saberes
são levados em consideração. E a reflexão promoveu possibilidades
de análise dos resultados da pesquisa, geradora de temas em que foi
possível fazer relação com a teoria do conhecimento. Seria o que Ar-
royo (2013, p. 117) chama atenção: “[...] reconhecer que todo conhe-
cimento é uma produção social, produzido em experiências sociais e
que toda experiência produz conhecimento e pode nos levar a estra-
tégias de reconhecimento [...]”.
Nesse sentido, a produção do conhecimento a partir dos dados
da realidade, portanto, dos saberes produzidos pela docência, pro-
duz conhecimentos que em uma determinada perspectiva histórica
possibilita superar segregações de experiências, de conhecimentos e
de coletivos humanos e profissionais. Reconhecer a pluralidade e
a diversidade de experiências humanas e de coletivos é, sobretudo,
perceber a potencialidade da construção de um conhecimento de
pluralidades de pensar o real.
Brandão (1999) afirma que, na pesquisa, o uso do caderno de
campo pode se relacionar na alternância com o caderno da realida-
de, os ouvidos bem atentos e o gravador disponível para gravar tudo
e não perder nenhuma informação e, sobretudo, respeitar o diálogo
com os sujeitos da pesquisa, esses são passos importantes para a pes-
quisa participante, sem, contudo, fazer questionários nem roteiros
predeterminados para a pesquisa, na qual as questões devem ser so-
bre o trabalho, a vida, experiências de vida, sobre modos de ver e
compreender o mundo, perguntas que emergem de uma vivência
que começa a acontecer ali. A partir dessas premissas e com base em
Freire (1987, p. 78), apresenta-se como pressuposto de seu método
que “o diálogo é um encontro dos homens, mediatizados pelo mun-
do, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto, na relação eu-tu”.
Nesse sentido, faz-se necessário rever o processo das ativida-
des do tempo comunidade, objetivando a retomada do processo de
construção do conhecimento que tenha como base um outro tipo

46
de conhecimento, que seja contra-hegemônico. Porque educar é uma
tarefa de trocas entre pessoas e que não pode ser realizada por um
sujeito isolado, não pode ser também o resultado do despejo de quem
supõe que possui todo o saber sobre aquele que, do outro lado, foi
obrigado a pensar que não possui nenhum (BRANDÃO, 1999).
Ainda em relação a esta experiência, os resultados apontaram
que, desde o início da preparação para a pesquisa e levantamento dos
dados da realidade do tempo comunidade ocorreu de forma diferente
do que propõe Brandão (1999), sobre como deveria ser a pesquisa
participante. O que ocorreu, no caso dessa experiência vivenciada pe-
los discentes do curso de Educação do Campo, foi a preparação de
um roteiro predeterminado, dificultando o diálogo e a apreensão da
realidade junto às educadoras e educadores entrevistados/as.
Por que isso aconteceu? Porque os educadores/educadoras são
contratados do Estado e não querem revelar de fato o que pensam.
Da mesma forma, as suas experiências já não querem contar, pois es-
tão cansados de responder entrevistas que muitas vezes não têm im-
portância para elas/eles. Porém, um dado chamou atenção no relato
das/dos discentes: escolher ex-professores para fazer a entrevista, isso
as/os deixou muito contentes por terem escutado seus professores e
por conhecerem de fato sobre suas histórias de vida.
Os resultados das reflexões apontaram, também, que as relações
entre a pesquisa do tempo comunidade e as análises dos dados da re-
alidade podem proporcionar outro percurso formativo, que elabora,
através de temas geradores e círculos de cultura, um debate sobre a
formação dos professores do campo e sua práxis educativa, conside-
rando que “a captação e a compreensão da realidade se refazem, ga-
nhando um nível que até então não tinham” (FREIRE, 1987, p. 96).

REFERÊNCIAS
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47
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VÁZQUEZ, A. S. Filosofia da práxis. São Paulo: Expressão Popular,


2007.

49
2 – Políticas públicas para
educação do campo e formação de
professores
Cícero da Silva

1 Introdução

Na atualidade, quando se fala a respeito de educação para gru-


pos minoritários, como é o caso dos camponeses, nota-se que, mesmo
de maneira “forçada”, a Educação do Campo começa a emergir nos
debates, principalmente, quando a temática são as chamadas políticas
públicas, mas nem sempre foi assim. Conforme defendem muitos
educadores/pesquisadores (a exemplo de ARROYO (2011); CAL-
DART (2002; 2008; 2012), entre outros) e líderes de movimentos
sociais do campo, a educação do campo ainda “está em construção”.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é discutir aspectos da
política pública voltada à educação do campo, sobretudo no que diz
respeito à formação de professores das escolas do campo. Por ser uma
pesquisa bibliográfica e exploratória, de natureza qualitativo-inter-
pretativista (FLICK, 2009), o estudo tem como base teórica alguns
documentos oficiais (Resolução CNE/CEB n. 01/2002 (BRASIL,
2002) e Decreto n. 7.352/2010 (BRASIL, 2010)), bem como estu-
dos de autores que discutem políticas públicas (HÖFLING, 2001;
MARTINS, 2010) e educação do campo (NASCIMENTO, 2009a;
ARROYO, 2011; CALDART, 2002; 2008; 2012).
Além desta introdução e das considerações finais, o capítulo
está dividido em mais duas partes. Na primeira parte, apresentamos
a concepção de educação do campo com base em algumas referên-
cias. Na segunda, além de discutirmos o conceito de política pública,

50
situamos documentos oficiais e movimentos que reivindica(ra)m a
implantação de uma política educacional efetiva que atenda aos an-
seios dos povos do campo. Para finalizar, discorremos sobre a situação
e algumas conquistas (em diferentes níveis de ensino) no âmbito da
Educação do Campo, como a implantação de cursos de licenciatura
em Educação do Campo para formação inicial de professores que
atuam, principalmente, nos anos finais do ensino fundamental e en-
sino médio das escolas do campo.

2 A educação do campo e seu papel na


formação dos camponeses

Historicamente, a educação em si foi negada ao povo brasileiro


e, especificamente, aos camponeses, embora tenha figurado na pauta
das discussões por ocasião das reformas da educação nacional (AR-
ROYO, 2011). Alguns dos reflexos de tudo isso pode ser observado
na desigualdade social existente no país, na exclusão social dos po-
vos do campo e nas estatísticas educacionais brasileiras. A título de
exemplificação, segundo dados divulgados pelo Anuário Estatístico
do Brasil, do Instituto Nacional de Estatística, em 1900, o número de
pessoas que não sabiam ler ou escrever no Brasil representava cerca
de 75% da população, ao passo que à época a maioria dos brasileiros
residia no campo (FERREIRA; BRANDÃO, 2011). Apesar de con-
centrar a maior parcela da população, o meio rural era o espaço social
em que a escola e a educação formal estavam quase ausentes.
Embora decorrido mais de um século, os indicadores educa-
cionais atuais do nosso país revelam um quadro preocupante. Segun-
do dados do Censo 2010 (IBGE, 2011), aproximadamente 9,6% da
população brasileira com 15 anos ou mais não sabiam ler e escrever.
Considerando as regiões urbanas brasileiras, esse percentual era de
7,3%, e, no campo, atingia 23,2%. A falta de acesso à educação por
parte dos camponeses é exorbitante, pois, entre as pessoas deste gru-

51
po social, esse índice é três vezes maior que os registrados entre as
pessoas que vivem nas áreas urbanas.
Como não se tem cumprido o disposto no Art. 1º da LDB
9.394/96 (BRASIL, 1996), a luta principal do movimento nacional
que defende a educação do campo tem reivindicado políticas pú-
blicas que garantam o direito da população do campo à educação, e
a “uma educação que seja No e Do Campo” (CALDART, 2002, p. 18,
itálico no original). Contudo, essa lei abriu caminhos e que mais tar-
de possibilitou instituir uma modalidade de ensino que respeitasse a
cultura, a identidade, os saberes, o tempo, o espaço, os letramentos, as
características das pessoas que vivem no/do campo (SILVA, 2018),
portanto, da educação do campo.
Aludida na legislação nacional e em diversos documentos ofi-
ciais como educação rural1, a educação do campo possui uma pro-
posta teórico-metodológica própria que congrega escola, família e
comunidade nos processos de formação humana (SILVA, 2018).
Essa peculiaridade, por si só, exige que tenhamos uma concepção de
“campo” como espaço de vida, saberes, cultura e identidade próprios,
o que requer ajustes e integração da escola à vida social nesse contex-
to. Nessa concepção, o espaço social denominado campo deixa de ser
compreendido como uma extensão dos limites urbanos, notadamen-
te presente nos fundamentos da escola rural2. É importante lembrar
que não faz muito tempo que a expressão educação do campo foi
cunhada. Segundo Caldart (2012, p. 257-258), esse termo,

1 A expressão educação rural já aparece durante o governo de Getúlio Vargas e


foi empregada para delimitar os espaços urbano e rural, além de definir políticas
públicas voltadas à educação. Para mais detalhes sobre educação rural, consultar
Ribeiro (2012).
2 Durante décadas, inclusive na atualidade, a educação ofertada aos camponeses geralmente
acontece(u) nas escolas rurais. Esse tipo de escola é marcado, sobretudo, pelas más
condições de funcionamento, professores sem formação inicial, currículo e calendário não
condizentes com a realidade dos povos do campo etc.

52
Nasceu primeiro como Educação Básica do Campo no
contexto de preparação da I Conferência Nacional
por uma Educação Básica do Campo, realizada em
Luziânia, Goiás, de 27 a 30 de julho de 1998. Passou
a ser chamada Educação do Campo a partir das discus-
sões do Seminário Nacional realizado em Brasília de
26 a 29 de novembro de 2002, decisão posteriormente
reafirmada nos debates da II Conferência Nacional,
realizada em julho de 2004 [itálico no original].

A autora também lembra que, durante os debates e a cons-


trução do documento base da I Conferência Nacional de 1998, são
apresentados os argumentos que justificavam a adoção do termo
Educação do Campo, por expressar uma contraposição nas dimen-
sões “forma e conteúdo ao que no Brasil se denomina educação ru-
ral” (CALDART, 2012, p. 258). Por sua vez, a educação rural não
contemplava um projeto de educação construído que considerasse as
especificidades das comunidades e dos povos do campo.
Ao buscar sentido para o termo campo, e não o mais recor-
rente, zona rural, a proposta apresentada nas discussões durante a I
Conferência era dar sentido ao trabalho camponês, às lutas sociais e
à cultura dos povos do campo, quer sejam camponeses, quilombo-
las, indígenas e diversos tipos de assalariados vinculados à vida e ao
mundo do trabalho no meio rural (KOLLING; NERY; MOLINA,
1999). De modo geral, não é possível falar ou debater uma proposta
de educação apenas para um grupo social minoritário do campo, mas
sim para todos os povos que vivem no campo. Para Bhabha (2001, p.
21), é necessário “compreender a diferença cultural como produção
de identidades minoritárias”. Em outras palavras, podemos afirmar
que essa visão de Bhabha contempla a “complexidade” representa-
da pela cultura e a identidade camponesas. Os povos do campo, em
muitos aspectos podem até ser diferentes, mas se identificam como
grupos minoritários que enfrentam os mesmos problemas em função
da (in)existência de políticas públicas específicas para seu contexto

53
social, como é o caso da área educacional (SILVA, 2018). Desse
modo,

[...] a educação do campo nasce sobretudo de um


olhar sobre o papel do campo em um projeto de de-
senvolvimento e sobre os diferentes sujeitos do cam-
po. Um olhar que projeta o campo como espaço de
democratização da sociedade brasileira e de inclusão
social, e que projeta seus sujeitos como sujeitos da
história e de direitos, como sujeitos coletivos de sua
formação enquanto sujeitos sociais, culturais, éticos,
políticos (ARROYO, 2011, p. 12).

É com base nessa visão sobre o que é, de fato, campo e edu-


cação do campo, que os movimentos sociais do campo e as famílias
camponesas brasileiras se organizaram na tentativa de encontrar al-
ternativas a fim de construir uma escola no e do campo. Assim, com-
preende-se: No – porque as pessoas têm direito a ser educadas no
lugar onde elas vivem, convivem com seus familiares; Do – explica-se
pelo fato de que os camponeses têm direito a uma educação pensada
sob a ótica das demandas da comunidade local e com a sua participa-
ção, vinculada à sua cultura, saberes e às suas necessidades humanas
e sociais (CALDART, 2002; ARROYO, 2011). Além disso, ao fazer
com que a educação aconteça respeitando/considerando o tempo/
espaço em que os camponeses vivem, significa reconhecer que ela en-
volve processos formativos ligados diretamente à realidade dos atores
sociais envolvidos, conforme disposto no Art. 1º da LDB.
Como destacam Cardoso Filho e Silva (2017), não podemos
esquecer que desde seus primórdios esse projeto enfrenta muitos
obstáculos impostos por diferentes setores conservadores da socie-
dade. Devemos reconhecer que “a articulação social da diferença, da
perspectiva da minoria, é uma negociação complexa, em andamento,
que procura conferir autoridade aos hibridismos culturais que emer-
gem em momentos de transformação histórica” (BHABHA, 2001,

54
p. 21). Na verdade, desde a implantação dos primeiros projetos de
Educação Popular no Brasil, a negociação é complexa (BRANDÃO,
2006), mesmo dentro da própria classe social beneficiada. Ainda de
acordo com Bhabha, “O ‘direito’ de se expressar a partir da periferia
do poder e do privilégio autorizados não depende da persistência da
tradição [...]”. Em outras palavras, as lutas e articulações dos movi-
mentos sociais camponeses em defesa da Educação do Campo vão
contra as tradições impostas pelas experiências educativas típicas do
meio urbano. Estas, embora distantes dos propósitos de formação al-
mejados para a realidade das crianças e dos jovens camponeses, estão
vivas em pleno século XXI nas escolas rurais (LIMA; SILVA, 2015).
Por tudo isso, a concretização de um projeto de educação para
um grupo minoritário como os camponeses perante o Estado e a elite
dominante brasileira não é tarefa fácil, enfrenta resistência e embates,
já que envolve disputas e relações de poder (NASCIMENTO, 2009a;
CARDOSO FILHO; SILVA, 2017). Entretanto, trata-se apenas da
efetivação (na prática) de uma conquista de direito e cidadania já
previstos em nossa Constituição Federal de 1988 e na LDB/96.
Ao se encontrarem em condições de acesso à educação, parece-
-nos que, para muitas pessoas detentoras do poder político e econô-
mico, os camponeses estariam ganhando empowerment3, no sentido
do termo empregado por Freire e Shor (2003), ou seja, essa classe
social teria mais autonomia de decisão e responsabilidades diretas
quanto à educação que almejam. Depreendemos que Freire e Shor
empregam o referido termo relacionando-o ao poder da classe social,
e não à perspectiva individual ou comunitária. Significa dizer que
o empowerment “indica um processo político das classes dominadas
que buscam a própria liberdade da dominação, um longo processo
histórico de que a educação é uma frente de luta” (FREIRE; SHOR,

3 Advertimos o leitor que esse termo apresenta várias interpretações e empregos por alguns
autores. Mas, neste estudo enfatizamos o sentido empregado na obra de Freire e Shor
(2003).

55
2003, p. 138). E a classe social a quem a Educação do Campo foi
pensada é constituída pelos camponeses.
Podemos afirmar, assim, que devido à natureza de sua mate-
rialidade, como a origem (ou raiz), a educação do campo exige ser
pensada e estabelecida tendo sempre como referência norteadora três
pilares fundadores: Educação – Política Pública – Campo (CAL-
DART, 2008). Para a autora, é a relação estreita que esses termos re-
presentam que constitui a novidade histórica do fenômeno batizado
de educação do campo. Como podemos depreender, um projeto de
educação para o campo deve contemplar em seu escopo a cultura dos
povos do campo, o saber popular, a filosofia de vida, os espaços, os
tempos e as experiências dos sujeitos de tal contexto social. Na pró-
xima seção, discutiremos a política pública para educação do campo.

3 Políticas públicas para educação do campo

A expressão política pública, embora seja bastante recorrente


no âmbito da gestão do Estado e em documentos oficiais, seu signi-
ficado ainda é pouco conhecido pela maioria da população. Mesmo
assim, independentemente da coloração partidária do governo que
esteja à frente da administração pública, as pessoas farão cobranças
exigindo melhoria dos serviços públicos que são de responsabilidade
do Estado: educação, saúde, segurança, assistência social, entre ou-
tros. Na verdade, esses serviços são proporcionados aos cidadãos por
meio de políticas públicas.
Para Höfling (2001, p. 31), as políticas públicas devem ser com-
preendidas como o “Estado em ação” e é o Estado que deve criar con-
dições para efetivar um projeto de governo, por meio de programas
e ações direcionadas a setores específicos da sociedade. As políticas
públicas representam a materialidade da intervenção estatal, e não de
um governo (MARTINS, 2010). Ou seja, são entendidas como ações
de responsabilidade do Estado para com os diferentes setores sociais.

56
Em um trabalho no qual o financiamento da educação básica
é abordado como política pública, Martins (2010, p. 499) afirma que
“[...] as políticas contêm tanto normas que geram ou reconhecem di-
reitos, como atos que os concretizam”. Por isso, a efetivação de ações
direcionadas às políticas públicas depende de decisões administrativas
do gestor público e são disciplinadas por princípios legais. Isso porque
são diferentes setores sociais que o Estado precisa garantir sua assistên-
cia, a exemplo do financiamento da educação. Nessa perspectiva,

[...] a política educacional é uma política pública social,


na medida em que busca a redução das desigualdades,
volta-se para o indivíduo – não como consumidor,
mas como cidadão, detentor de direitos, e uma política
setorial, uma vez que se refere a um domínio específico
(MARTINS, 2010, p. 499, itálico no original).

Não podemos esquecer que, apesar das demandas sociais serem


reconhecidas historicamente como direitos da população e existirem
normas legais a serem respeitadas pelo gestor público, a ação adminis-
trativa voltada à efetivação de políticas públicas para qualquer setor da
sociedade quase sempre depende de mobilização ou ações “reivindica-
tórias” da população. Em se tratando da garantia de oferta da educação
para os povos do campo no Brasil, a luta dos movimentos sociais que re-
presentam os camponeses para garantir tal direito é longa e permanente.
Embora até pouco tempo existissem apenas programas “pon-
tuais” direcionados à educação do campo – como Programa Nacio-
nal de Educação na Reforma Agrária (Pronera), Projovem Campo
– Saberes da Terra –, dentre outros, graças às lutas dos movimentos
organizados do campo muitas outras ações foram efetivadas pelo
Ministério da Educação (MEC) até o final de 2015, por meio da Se-
cretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e In-
clusão (Secadi), indicando que estaríamos aproximando da implan-
tação a tão sonhada política pública (NASCIMENTO, 2009b) para
educação do campo. Mas, em decorrência das mudanças ocorridas

57
recentemente na gestão do MEC/Secadi, os rumos de tal política
para essa modalidade de educação são incertos, podendo inviabilizar
a continuidade de ações que visam à democratização da educação
formal aos camponeses brasileiros.
Como defende Arroyo (2011, p. 15), precisamos de

uma política pública que parta dos diferentes sujeitos


do campo, do seu contexto, sua cultura e seus valores,
sua maneira de ver e de se relacionar com o tempo, a
terra, com o meio ambiente, seus modos de organizar
a família, o trabalho, seus modos de ser mulher, ho-
mem, criança, adolescente, jovem, adulto ou idoso; de
seus modos de ser de se formar como humanos. Fazer
do povo do campo e dos seus processos de formação
o ponto de partida para a formulação de políticas pú-
blicas educativas significa garantir o caráter popular
dessas políticas e sua articulação com um projeto de
país e de campo.

Nesse sentido, em se tratando do quesito legislação, houve


avanços significativos para implantação das políticas públicas para o
setor até 2015. Podemos destacar a aprovação da Resolução CNE/
CEB n. 01, de 3 de abril de 2002, que institui as Diretrizes Operacio-
nais para a Educação Básica das Escolas do Campo, a qual estabelece:

Art. 4º O projeto institucional das escolas do campo


[...] constituir-se-á num espaço público de investiga-
ção e articulação de experiências e estudos direcio-
nados para o mundo do trabalho, bem como para o
desenvolvimento social, economicamente justo e eco-
logicamente sustentável.
Art. 5º As propostas pedagógicas das escolas do cam-
po, respeitadas as diferenças e o direito à igualdade
[...] contemplarão a diversidade do campo em todos
os seus aspectos: sociais, culturais, políticos, econômi-
cos, de gênero, geração e etnia (BRASIL, 2002).

58
Com a publicação da Resolução, há um documento legal que
orienta claramente as unidades educativas do campo na organização
do Projeto Político-Pedagógico (PPP), considerando que este docu-
mento deve ser construído de modo que contemple a realidade, as
especificidades e os interesses dos povos que vivem no e do campo.
Dessa maneira, os conteúdos, as práticas didático-pedagógicas, os es-
paços e tempos formativos poderão ser mais apropriados à formação
dos estudantes camponeses, o que de certo modo possibilita tornar as
aulas mais proveitosas. Por outro lado, pode contribuir para reduzir
o grande número de evasão e reprovação, situações muito recorrentes
em escolas situadas no campo.
Além dessa e de outras resoluções sobre educação do campo,
durante o segundo mandato do governo Lula foi sancionado o De-
creto n. 7.352, de 04 de novembro de 2010, que dispõe sobre a polí-
tica de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera). No artigo 2º, estão prescritos os princí-
pios “norteadores” da Educação do Campo, a saber:

I - respeito à diversidade do campo em seus aspectos


sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos,
de gênero, geracional e de raça e etnia;
II  -  incentivo à formulação de projetos político-pe-
dagógicos específicos para as escolas do campo, esti-
mulando o desenvolvimento das unidades escolares
como espaços públicos de investigação e articulação
de experiências e estudos direcionados para o desen-
volvimento social, economicamente justo e ambien-
talmente sustentável, em articulação com o mundo do
trabalho;
III  -  desenvolvimento de políticas de formação de
profissionais da educação para o atendimento da es-
pecificidade das escolas do campo, considerando-se as
condições concretas da produção e reprodução social
da vida no campo;
IV  -  valorização da identidade da escola do campo

59
por meio de projetos pedagógicos com conteúdos cur-
riculares e metodologias adequadas às reais necessida-
des dos alunos do campo, bem como flexibilidade na
organização escolar, incluindo adequação do calendá-
rio escolar às fases do ciclo agrícola e às condições
climáticas;
V - controle social da qualidade da educação escolar,
mediante a efetiva participação da comunidade e dos
movimentos sociais do campo (BRASIL, 2010).

Esse documento era esperado há muito tempo pelos movi-


mentos sociais do campo. Com ele, desde então, podemos até afirmar
que a “ausência” de uma legislação específica não parece ser mais o
principal “entrave” para a educação do campo acontecer no Brasil.
Vale ressaltar ainda que temos vários mecanismos legais, como os
princípios estabelecidos na Constituição Federal de 1988 (BRASIL,
1998) e na LDB (BRASIL, 1996), dentre outras leis, decretos, reso-
luções e pareceres oficiais. Esse aparato legal fortalece e possibilita a
implementação de ações por parte do MEC, além de “respaldar” o
direcionamento da organização das escolas do campo, bem como dos
seus princípios didático-pedagógicos, metodológicos, gestão e a sua
relação com as comunidades do campo. O mais novo documento que
temos é a Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o novo
Plano Nacional de Educação (PNE). Voltando-se para a realidade
do campo, uma das metas do novo PNE é

7.26) consolidar a educação escolar no campo de po-


pulações tradicionais, de populações itinerantes e de
comunidades indígenas e quilombolas, respeitando a
articulação entre os ambientes escolares e comunitários
e garantindo: o desenvolvimento sustentável e preser-
vação da identidade cultural [...] (BRASIL, 2014).

60
Além disso, questões como: um currículo específico, respeito
à identidade cultural, organização pedagógica em tempos e espaços
formativos diferentes, dentre outros aspectos, estão previstos no PNE
para que a Educação do Campo aconteça. O PNE ainda prevê “a ofer-
ta de programa para a formação inicial e continuada de profissionais
da educação” (BRASIL, 2014), o que é de fundamental importância
para o fortalecimento da educação do campo. Contudo, as mudanças
na política pública nacional de educação preocupam, inclusive, quanto
ao cumprimento das metas estabelecidas no PNE para atender as de-
mandas das escolas do campo. A seguir, veremos que o Pronacampo é
uma ação voltada para a formação de professores das escolas do campo.

4 O Pronacampo e a implantação de
licenciaturas em Educação do Campo para
formação inicial de professores

Quando defendemos o fortalecimento da educação do campo,


primeiramente defendemos que para isso acontecer é preciso quali-
ficar os professores. E o Ministério da Educação (MEC), por meio
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (Secadi) e da Coordenação Geral de Educação do Campo
(CGED), conduz ações desde 2003, visando a promover uma políti-
ca nacional de educação do campo. Dentre elas, surge a proposta de
criação de um curso de licenciatura Plena em Educação do Campo
em 2005 (CALDART, 2011).
Com a instituição das Diretrizes Operacionais para a Educa-
ção Básica nas Escolas do Campo (BRASIL, 2002) e a organização
de 25 Seminários Estaduais de Educação do Campo a partir do ano
de 2004, o MEC executou ações significativas no intuito de forta-
lecer a educação do campo no Brasil. E as ações consideradas mais
importantes no período são: (1) implantação do Programa Projovem
Campo – Saberes da Terra, o qual tem como objetivo criar condições

61
de acesso à educação a jovens e adultos do campo por meio da rede
pública de ensino e com uma organização curricular que respeite as
especificidades do campo; e (2) a construção de um Plano Nacional
de Formação dos Profissionais da Educação do Campo.
Esses dois programas nascem de uma problemática ligada
entre si, que, para implementar a inserção dos camponeses no sis-
tema público de ensino, requer uma organização curricular e me-
todológica condizente com a realidade do campo. Desse modo, é
fundamental que tenhamos profissionais preparados e capazes de
contribuir com a formulação de tal organização curricular e me-
todológica.
Considerando tal demanda, por meio de comissão instituída
pelo Grupo Permanente de Trabalho de Educação do Campo da
(antiga) Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Di-
versidade (Secad) e participação de representantes de movimentos
sociais do campo, o MEC convidou algumas Instituições Federais de
Ensino Superior (IFES) em 2006, visando à instalação de um curso
de graduação em licenciatura em Educação do Campo (CALDART,
2011). Por acumularem experiências com a formação de professores
do campo e envolvimento em projetos de gestão em parceria com
atores sociais do campo, as IFES contempladas para o desenvolvi-
mento de quatro projetos-piloto do curso foram: Universidade de
Brasília (Unb), Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universi-
dade Federal de Sergipe (UFS) e Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG). Hoje, essas IFES já formaram algumas turmas.
Após a implantação das turmas dos projetos-piloto em 2007,
o MEC criou o Programa de Apoio à Formação Superior em Li-
cenciatura em Educação do Campo (Procampo). Caldart (2011, p.
128) lembra que o objetivo desse programa era apoiar a implantação
de licenciaturas em Educação do Campo a partir do lançamento
de editais (anualmente – 2008, 2009) de convocação às IFES no
intuito de que apresentassem projetos visando à criação de novos

62
cursos, conforme parâmetros estabelecidos na primeira proposição
(dos projetos-piloto). Em 2010, existiam 21 (vinte e uma) turmas
de licenciatura em Educação do Campo instaladas em algumas uni-
versidades públicas do Brasil.
Além disso, nos últimos 15 (quinze) anos, pesquisadores vin-
culados a diferentes universidades realizaram estudos que estão con-
tribuindo significativamente para o fortalecimento da educação do
campo no Brasil (MOREIRA, 2000; QUEIROZ, 2004; RIBEIRO,
2008; NASCIMENTO, 2009a; SILVA, 2018). Tal constatação fica
evidente com a formação de educadores do campo a partir da adoção
de experiências formativas para o meio rural advindas dos princípios
teórico-metodológicos da Pedagogia da Alternância (PA).
Ao utilizar a Pedagogia da Alternância como alternativa à
formação para os camponeses (em nível básico e superior), criam-
-se condições para que tais atores em processo de formação tenham
acesso à universidade e, ao mesmo tempo, contribua para a perma-
nência deles junto à família, à sua cultura e às atividades recorrentes
no campo (MOREIRA, 2000; SILVA; ANDRADE; MOREIRA,
2015). De acordo com Ribeiro (2008, p. 30),

o trabalho com a alternância ‘articula prática e teo-


ria numa práxis e realiza-se em tempos e espaços que
se alternam entre escola e propriedade, comunidade,
assentamento, acampamento ou movimento social ao
qual o educando está vinculado’, assim, leva em con-
sideração dois tempos de formação: o tempo escola
(TE), onde o educando recebe o aporte teórico-meto-
dológico e o tempo comunidade (TC), onde os conte-
údos conceituais se transformarão em procedimentos
e desenvolvimento de atitudes que transformam a re-
alidade imediata.

Ou seja, a proposta de política pública que os movimentos so-


ciais defendem para educação do campo deve ser norteada por uma

63
“unidade conceitual e metodológica” de prática educacional que fa-
voreça a permanência dos povos do campo onde vivem.
No ano de 2012, em atenção às reivindicações dos camponeses
a respeito da educação, o Governo Federal deu sequência às ações de
apoio à política de formação de professores (para atuação nas escolas
do campo nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio)
conforme previsto no Decreto n. 7.352/2010 (BRASIL, 2010). Por
meio do Edital de Seleção n. 02/2012 - Sesu/Setec/Secadi/MEC de
31 de agosto de 2012, o MEC,

torna público e convoca as Instituições Federais de


Ensino Superior e os Institutos Federais de Educa-
ção, Ciência e Tecnologia, a apresentarem Projetos
Pedagógicos de cursos presenciais de licenciatura em
Educação do Campo do Programa de Apoio à For-
mação Superior em licenciatura em Educação do
Campo – Procampo, em cumprimento à Resolução
CNE/CEB n. 1, de 3/4/2002, ao Decreto n. 7.352,
de 04/11/2010 e em consonância com o Programa
Nacional de Educação do Campo – Pronacampo
(BRASIL, 2012, grifo no original).

Como se observa no excerto, a Resolução CNE/CEB n.


01/2002 e o Decreto n. 7.352/2010 são basicamente os documentos
oficiais que dão respaldo legal para abertura desse edital, possibili-
tando a concretização de ações que vão apoiar e fortalecer as políticas
públicas para Educação do Campo, pois dados do Censo Escolar
2010 mostram que em 2010 existiam no Brasil 95.373 educadores
sem formação inicial atuando nos anos finais do ensino fundamen-
tal e ensino médio nas escolas situadas no meio rural (CARDOSO
FILHO; SILVA, 2017). Esse número indica que 49,9% desses pro-
fessores não têm formação inicial. Segundo o MEC, o objetivo do
Pronacampo com tal edital é

64
apoiar a implantação de 40 cursos regulares de licen-
ciaturas em Educação do Campo, que integrem en-
sino, pesquisa e extensão e promovam a valorização
da educação do campo, com no mínimo 120 vagas
para cursos novos e 60 vagas para ampliação de cursos
existentes, na modalidade presencial a serem oferta-
das em três anos (BRASIL, 2012, grifo no original).

Certamente, essa foi uma das ações mais importantes e que


pode ajudar a consolidar a Educação do Campo, pelo menos é o
que observamos até o final de 2015. Isso porque, agora, milhares de
professores que ainda não têm um curso superior e que já atuam
nas escolas do campo, terão condições de frequentar um curso de
licenciatura em regime de alternância. Em poucos anos, espera-se
que essa ação possa trazer reflexos positivos à qualidade do ensino
ofertado nas escolas do campo, bem como a possibilidade de mudan-
ça nas práticas didático-pedagógicas empreendidas nesse contexto
educacional.
Dentre as recomendações do MEC, os projetos que concor-
reram ao Edital nº 02/2012 devem considerar a realidade sociocul-
tural específica dos povos do campo. Além disso, “devem apresentar
organização curricular por etapas equivalentes a semestres regulares
cumpridas em Regime de Alternância entre Tempo-Escola e Tem-
po-Comunidade” (BRASIL, 2012). Segundo a proposta, o tempo-
-escola corresponde aos “períodos intensivos de formação presencial
no campus universitário” e, por tempo-comunidade, “os períodos in-
tensivos de formação presencial nas comunidades camponesas, com
a realização de práticas pedagógicas orientadas”.
Sem dúvidas, trata-se de um programa que contempla de fato a
realidade do campo e das pessoas que lá vivem, uma vez que além de
levar em consideração aspectos sociais e culturais, adota instrumentos
pedagógicos da pedagogia da alternância, como tempos e espaços for-
mativos diferentes (SILVA et al., 2017). Ao todo, por meio do Edital
nº 02/2012 (BRASIL, 2012), foram selecionados mais de 42 projetos

65
de cursos de graduação específicos em educação do campo nas diversas
áreas do conhecimento de universidades públicas das diferentes regi-
ões brasileiras (SILVA; ANDRADE; MOREIRA, 2015), dentre eles
o da Universidade Federal do Tocantins (UFT).
A UFT apresentou projeto e foi contemplada com a implanta-
ção de 02 cursos de licenciatura em Educação do Campo: Códigos e
Linguagens – Artes e Música, um vinculado ao Campus de Tocanti-
nópolis e, outro, ao Campus de Arraias. Segundo Silva et al. (2017),
no primeiro processo seletivo (2014-1) esses dois cursos ofertaram
240 vagas, sendo 120 para Tocantinópolis e 120 para Arraias. As
aulas dessas primeiras turmas tiveram início no primeiro semestre de
2014. Nos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, foram realizados novos
processos seletivos (específicos) para ambos os cursos e o número de
alunos aumentou significativamente, como mostra a Tabela 2.1.

Tabela 2.1 – Alunos matriculados nos cursos de licenciatura em Educação do


Campo da UFT (2014-2018).

Cursos de Licenciatura em
2014 2015 2016 2017 20184
Educação do Campo / UFT
Campus de Arraias 120 120 120 59 -
Campus de Tocantinópolis 96 103 83 44 54
Total 216 223 203 103 54
Fonte: elaborada pelo autor com base nos dados da pesquisa.

Conforme apresentado na Tabela 2.1, nos últimos quatro anos


foram matriculados um total de 799 alunos nos cursos de licencia-
tura em Educação do Campo: Artes e Música da UFT. Em 2017-2,

4
Devido ao curso do Campus de Arraias possuir calendário diferente do curso do Campus
de Tocantinópolis, até o dia 05 de junho de 2018 não havia dados disponíveis sobre
matrículas de alunos ingressantes em 2018 no Curso de Arraias.”, que aparece no final da
página 73 mas que deve ser inserida na página (67).

66
39 discentes vinculados à primeira turma da licenciatura em Educa-
ção do Campo, Campus de Tocantinópolis, concluíram o curso. Tal
número é bastante significativo, pois os egressos poderão atuar nas
escolas do campo do Tocantins e de outros estados brasileiros. Sem a
criação das mais de 42 licenciaturas por meio do Pronacampo – nas
diferentes regiões do país – isso não seria possível, uma vez que hoje
esses cursos possuem milhares de alunos, o que pode ajudar a reduzir
o déficit de educadores nas escolas do campo no futuro. Evidente-
mente, é o resultado de uma política pública que, se mantida pelo
poder público, poderá fortalecer a educação do campo em todo o
território nacional.

5 Conclusão

A educação do campo, por integrar um projeto de Educação


Popular, conseguiu avanços importantes nos últimos anos graças às
lutas empreendidas pelos movimentos sociais do campo. Conforme
discutido ao longo do capítulo, a implantação de cursos de licencia-
tura em Educação do Campo pelo MEC, por meio do Pronacampo,
com o objetivo de promover a formação inicial de professores para
atuarem nas escolas do campo nos anos finais do ensino fundamental
e no ensino médio, representa um dos principais meios para fortale-
cer a educação do campo. Além disso, a publicação de documentos
oficiais como o Decreto n. 7.352/2010 prevê que o Estado brasileiro
garanta a manutenção de uma política pública para o setor. E o papel
do Estado é fomentar políticas públicas que possam criar condições
para que a educação do campo seja consolidada nos diferentes níveis
de ensino (básico e superior).
Tendo em vista a conjuntura política brasileira atual, entre os
vários desafios colocados frente à efetivação de uma verdadeira po-
lítica pública nacional para o fortalecimento da Educação do Cam-
po, defendemos a manutenção, o fortalecimento e a continuidade

67
dos mais de 42 cursos de licenciatura em Educação do Campo pelo
MEC/IFES tal como proposto originalmente no Edital n. 02/2012
(BRASIL, 2012), tanto nos aspectos políticos, ideológicos, culturais
e econômicos, visando a garantir o acesso e a permanência dos dis-
centes na universidade.
Precisamos de uma modalidade de educação que prepare pro-
fissionais para o campo e que pensem/vejam “o campo” sob outra
lógica de formação, diferente da educação rural. O campo precisa de
advogados, médicos, professores, agrônomos, administradores, entre
outros profissionais, mas formados não na perspectiva dos moldes
capitalistas; espera-se que entendam o campo, sua história, sua rea-
lidade sociocultural. Por sua vez, os movimentos sociais devem con-
tinuar lutando pela educação do campo de que tanto os camponeses
necessitam. Caso contrário, a educação praticada no campo terá ape-
nas caráter de escolarização, e não de formação de atores sociais com
uma identidade camponesa.

REFERÊNCIAS

ARROYO, M. G. A educação básica e o movimento social do


campo. In: ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M.
C. (Orgs.). Por uma educação do campo. 5. ed. Petrópolis: Vozes,
2011, p. 65-86.

BHABHA, H. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG,


2001, p. 19-40.

BRANDÃO, C. R. O que é educação popular. São Paulo: Brasi-


liense, 2006.

68
BRASIL. Lei n. 13.005, de 25 junho de 2014. Aprova o Plano
Nacional de Educação – PNE e dá outras providências. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/
Lei/L13005.htm>. Acesso em: 16 set. 2017.

______. Ministério da Educação. Edital de Seleção n. 02/2012 -


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72
3 – Experiências dos indígenas
Apinayé do curso de Educação
do Campo – Artes e Música de
Tocantinópolis no Pimi

Mara Pereira da Silva


Milena dos Santos
Jéssica Adriana dos Santos Silva
Gracilene dos Santos

1 Introdução

Este capítulo tem como objetivo analisar a importância do


Programa Institucional de Monitoria Indígena (Pimi) vinculado ao
Curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música
da Universidade Federal do Tocantins, campus de Tocantinópolis,
por meio das experiências vivenciadas pelos alunos indígenas da etnia
Apinayé, a partir do olhar e dos relatos dos estudantes indígenas do
curso.
A Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de To-
cantinópolis, fica localizada no extremo norte do Estado, na região
conhecida como Bico do Papagaio. É considerado um campus plural
por atender sujeitos tanto rurais quanto urbanos, dos estados do To-
cantins, Pará e Maranhão. Como povos do campo enquadram-se os
trabalhadores rurais, assentados, indígenas, quilombolas, pescadores
artesanais, ribeirinhos, entre outros que dependem exclusivamente
do campo, das águas e da floresta para seu sustento.
O Curso de Educação do Campo – habilitação em Artes e
Música tem como proposta de ensino a alternância pedagógica que

73
permite ao educando vivenciar processos formativos na universidade
e em sua comunidade. Os autores Roberto García-Marirrodriga e Pe-
dro Puig-Calvó (2010), consideram a alternância pedagógica, como
um momento em que se valoriza a formação continuada, fazendo um
elo entre a escola e o meio que o sujeito vive. Nesse sentido, o Curso
de Educação do Campo da UFT vem tentando fazer essa ligação
entre a universidade e as comunidades onde moram os estudantes do
curso, acreditando na emancipação dos sujeitos que vivem e moram
no campo, no caso dessa pesquisa, os estudantes indígenas.
A abordagem teórico-metodológica utilizada foi a pesquisa
autobiográfica cuja fonte incide sobre a entrevista narrativa. Segundo
Abrahão (2004, p. 203) “nesta tradição de pesquisa, o pesquisador
não pretende estabelecer generalizações estatísticas, mas, sim, com-
preender o fenômeno em estudo, o que lhe pode até permitir uma
generalização analítica”. Assim, pretendemos compreender os senti-
dos que os indígenas Apinayé, acadêmicos do Curso de Educação do
Campo- Artes e Música atribuem ao Pimi.
Ao utilizar a técnica da entrevista narrativa o pesquisador tam-
bém estará trabalhando com as histórias de vida dos entrevistados,
conhecendo melhor o contexto social, cultural e econômico e, prin-
cipalmente, quais sentimentos que aquele indivíduo possui quando
está narrando determinado assunto. Portanto, essa fonte de coleta de
informações possibilitou aos alunos indígenas evocar processos for-
mativos ocorridos no programa Pimi e configurar tais processos no
ato de narrar a continuidade de sua formação agora na universidade
e em um futuro próximo.
A técnica das entrevistas narrativas é importante porque sem-
pre surgem elementos que muitas vezes não estavam previstos pelo
entrevistador. Portanto, é de fundamental importância frisar que “a
entrevista narrativa busca romper com a rigidez imposta pelas en-
trevistas estruturadas e gera textos narrativos sobre as experiências
vividas” (WELLER; OTTE, 2014, p. 16).

74
A entrevista narrativa segundo Muylaert et al. (2014, p. 194)
“[...] pode suscitar nos ouvintes diversos estados emocionais, tem a
característica de sensibilizar e fazer o ouvinte assimilar as experiên-
cias de acordo com as suas próprias, evitando explicações e abrindo-
-se para diferentes possibilidades de interpretação”. Ao contar sua
história de vida, o indivíduo compartilha com os outros as suas ex-
periências, sejam elas consideradas positivas ou traumáticas. Nesse
aspecto, a memória é fundamental na tentativa de reconstrução do
passado, a partir do olhar sobre o presente. Contudo, ao trabalhar
com entrevista narrativa o pesquisador está sujeito a conhecer as his-
tórias de vida do entrevistado, principalmente, porque ele é uma fon-
te de informações que exige do entrevistador tempo para adquirir os
dados que almeja. No caso desse estudo, o objetivo foi adquirir as in-
formações experienciadas sobre o Pimi, a partir do olhar dos próprios
participantes do programa, graduandos da etnia Apinayé.

2 Os Apinayé

Atualmente existem no curso de Educação do Campo Artes


e Música da UFT de Tocantinópolis 15 alunos indígenas da etnia
Apinayé ou Apinajé. Localizados no extremo norte do Estado do
Tocantins, na região conhecida como Bico do Papagaio, “os Apinajé
pertencem à família Jê setentrional [...] [e estão distribuídos] entre
os municípios de Tocantinópolis, Maurilândia, Itaguatins, São Ben-
to, Cachoeirinha e Nazaré. Entre os rios Araguaia e Tocantins [...]”
(ROCHA, 2008, p.01). O nome dos Apinayés vem desde os fins do
séc. XVIII. Para Albuquerque (2007) eles eram índios fortes que se
dedicavam às lavouras e plantações de mandioca e que nessa épo-
ca viviam às margens do Rio Araguaia. Nesse período ocorreram os
primeiros contatos dos indígenas com os homens brancos (denomi-
nação atribuída pelos indígenas às populações de origem europeia,
imigrantes no Brasil).

75
O nome dos apinayé tem várias designações. Os autores Ladei-
ra e Azanha (2003) explanam que o nome Apinayé ou Apinajé não
foram os próprios indígenas que se denominaram assim. Com isso,
podemos compreender que não partiu de uma mitologia dos Api-
nayés, mas, mesmo assim, hoje eles se autodenominam dessa forma,
ficando conhecidos por todos como Apinayé ou Apinajé. No vocábu-
lo Timbira Oriental, o sufixo yê/jê corresponde à coletividade.
No livro “Os Apinayés” de Curt Nimuendajú (1983) percebe-
-se que o nome da comunidade apinayé foi citado primeiramente na
forma de pinarés e pinagés. O autor explica que existem outros nomes
além do Apinayé dentro das próprias tribos como exemplo, entre os
Timbira Orientais, e que pode significar “canto” ou “pontal”, Apinayé:
“ôd”, “ôdo”; Timbira Oriental: “hot”, “hôto”, aludindo às sedes no pon-
tal formadas pelos rios Araguaia e Tocantins. Para ele, “os próprios
Apinayé usam a forma “ôti” para Pontal Grande; os outros Timbira
usam “hôti Ahôtiyé”. Os Kayapó setentrionais, porém, referem-se aos
Apinayé, usando o termo “Ken-tug”, que significa “pedra preta” ou
“serra negra”’. Nimuendaju (1983), salienta que os apinayés falam que
seu povo é uma subdivisão das tribos Timbira do leste do Tocantins.
Nas falas do autor não é visto nada sobre a possível habitação de ou-
tras pessoas nessas terras antes dos Apinayés, com exceção dos índios
Morcegos, sendo eles uma lenda mitológica (NIMUENDAJU, 1983).
Por outro lado, para Ribeiro (2015), os povos Apinayés se auto-
denominam “Panhii”, palavra utilizada por povos indígenas para que
possam reconhecer outros povos indígenas que, assim como eles, lutam
para que a sua cultura se mantenha viva e para manter uma oposição
“nós/outros” aos “cupên” (homens brancos). O termo “Panhii” não so-
mente é utilizado pelos Apinayés, mas também pelos Povos Timbira.
Além dessa questão do nome, outro fator bem presente entre
os Apinayés é a batalha pelo território. Ao longo de sua história,
eles são reconhecidos por sua força, e por serem índios guerreiros
que sempre tiveram que lutar por suas terras, Segundo Alburquerque
(2007, p. 202):

76
Na região do Araguaia, os índios habitavam as duas
margens, desde São João até a aldeia Cocal Grande.
Porém, as lutas com os “civilizados” fizeram com que
os Apinayés se concentrassem às margens do Tocan-
tins. Na medida em que a área indígena era invadida
por fazendeiros e povoados, os índios migravam das
aldeias, muitas vezes para trabalharem para os fazen-
deiros, outras tantas porque estes se aproximavam
tanto das aldeias que os Apinayés não tinham como
sobreviver com o que sobrava das terras que lhes eram
retiradas. Apesar disso, os Apinayés resistiram às in-
vasões, cada vez maiores, apegando-se à sua cultura e
ao seu território.

Hoje os índios Apinayés têm suas aldeias localizadas no cam-


po, em matas nos arredores dos municípios de Tocantinópolis (cida-
de que é base para o início da história desse povo na região), Mau-
rilândia, São Bento, Itaguatins, Cachoeirinha e Nazaré, as mesmas
que sofrem interferência direta com as rodovias TO 126, TO 134 e
BR 230. Sua população durante a década de 1960 teve uma queda de
aproximadamente 90%. Atualmente, a população indígena vem cres-
cendo muito, de acordo com a Secretaria Especial de Saúde Indígena
(SESI, 2016): a população da etnia apinayé é de 2.498 indígenas. Os
grupos dos Apinayés estão divididos atualmente em 44 aldeias, as
principais são a aldeia São José, que fica localizada próxima ao centro
do município de Tocantinópolis, e a aldeia Mariazinha que fica pró-
xima à sede do município de Maurilândia.
As terras dos Apinayés são bastante férteis de babaçuais, os
quais são utilizados pela população para quase tudo: a palha para
cobrir suas casas e confeccionar utensílios domésticos; da amêndoa
do coco babaçu tiram o óleo para cozinhar e o leite para colocar nas
caças; da casca do fruto e dos pés eles produzem o carvão; das plan-
tações de babaçu não é desperdiçado nada, tudo é utilizado por eles
para alguma coisa. As matas são utilizadas para a caça e agricultura.

77
3 O Programa Institucional de Monitoria
Indígena (Pimi)

A partir da inserção de indígenas na universidade pelas políticas


públicas de acesso, pensou-se também em programas que auxiliassem
na permanência desses povos na academia. A procura dos povos in-
dígenas pelo ensino superior vem aumentando de forma significativa
nas universidades. As autoras Bergamaschi e Kurroschi (2013, p. 3)
percebem esse crescimento e o “o impacto das ações governamen-
tais”, mas, principalmente, “dos movimentos dos povos originários
que, entre outros caminhos, elegeram também o ensino superior
como um espaço de afirmação e as universidades como aliadas em
suas lutas”. Assim, a educação passa a ter sentido para eles quando
estão atreladas as suas histórias de luta por território, estudo de qua-
lidade, saúde, empregos e outros.
Na UFT, campus de Tocantinópolis, para auxiliar esses indíge-
nas interessados no ensino superior, foi criado o Programa Institu-
cional de Monitoria Indígena que tem como finalidade acompanhar
os estudantes indígenas nas suas atividades de ensino, pesquisa, ex-
tensão, apoiando-os em suas dificuldades de inserção na universidade
e, ao mesmo tempo, contribuir para o sucesso e permanência dos
mesmos dentro do espaço acadêmico.
Considerando que o funcionamento do curso de Educação do
Campo – Artes e Música, acontece em alternância pedagógica em
que o aluno estuda na universidade e na comunidade, na proposta
de acompanhamento acadêmico do Pimi vinculado à Educação do
Campo de Tocantinópolis, são previstos encontros semanais durante
o tempo universidade com os monitores, que têm como desafio au-
xiliar os estudantes em todas as áreas de conhecimento que o curso
abrange. Havendo necessidade, a monitora juntamente com a profes-
sora orientadora, poderá realizar essa monitoria nas aldeias durante
o tempo comunidade.

78
A função desses encontros consiste em compreender as difi-
culdades apresentadas pelos alunos, procurando ouvir o outro por
meio do diálogo étnico cultural, valorizar as experiências indígenas
e os conhecimentos acadêmicos, procurando solucionar problemas e
criar oportunidades e facilidades ao indígena para sua inserção na so-
ciedade. Ao se referir à concretização de um diálogo étnico-cultural
Bergamaschi (2008, p. 7) entende que ele depende do “reconheci-
mento do outro como interlocutor legítimo, embasando a interação
no respeito a esse outro com o qual nos dispomos a dialogar”. Para a
autora, “o respeito aos povos indígenas supõe conhecê-lo, a fim de re-
conhecê-lo nos seus modos de viver”. Nesse sentido, o Pimi procura
fortalecer a cultura indígena e buscar elementos para que continuem
na universidade, aproximando as práticas acadêmicas das suas reali-
dades, sem que se perca o contato com a sua comunidade.
Desde os primeiros contatos, estratégias foram desenvolvidas
para ajudar os alunos nas suas dificuldades dentro da universidade,
dentre elas, o acompanhamento desses alunos no tempo universi-
dade e no tempo comunidade em suas respectivas aldeias, em sua
formação por alternância (GIMONET, 2007, p. 16). Nos encontros
são registradas as presenças/ausências dos alunos atendidos nas ati-
vidades como forma de acompanhar o interesse ou desinteresse deles
pelos encontros que podem ser inviabilizados por diversos motivos:
problemas pessoais, familiares, financeiros e outros.
O Pimi busca os ideais de uma educação defendida por Paulo
Freire (2010), que parte da necessidade da formação do sujeito em
sua totalidade e a partir da sua realidade. Assim, esta nova concepção
de educação, concebe o ser humano como único, como sujeitos iden-
titários, que possuem uma forma de ser, pensar e agir moldada pela
interação com outros sujeitos, também proprietários de identidades
particulares construídas de acordo com o próprio meio social que
estão inseridos (SOUSA; SANTOS, 2016, p. 01). Nesse sentido, a
participação de jovens e adultos indígenas em projetos de educação

79
escolar indígena permitirá a comunicação e trocas de saberes entre os
conhecimentos escolares e tradicionais, bem como entre as gerações,
garantindo a voz dos sujeitos no currículo, promovendo a intercultu-
ralidade. O termo “intercultural” é definido como o “que envolve duas
ou mais culturas diversas entre si” (ABRAHÃO, 2012, p. 60).
Na perspectiva intercultural e de acordo com Fleuri (2003, p.
52) “os educadores e educandos não reduzem a outra cultura a um
objeto de estudo a mais, mas a consideram como um modo próprio
de um grupo social ver e interagir com a realidade”. Esse diálogo pro-
picia o respeito aos saberes tradicionais, inclusive, no que determina a
legislação sobre a prerrogativa dos povos indígenas e no que se refere
à participação nas tomadas de decisão sobre as prioridades de desen-
volvimento. Conforme o Art. 27 da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) de 1989, sancionada pelo Decreto
Presidencial n. 5.051, de 19 de abril de 2004 (BRASIL, 2004):

Programas e serviços de educação destinada a esses


povos deverão ser desenvolvidos e aplicados em coo-
peração com eles, a fim de atender às suas necessidades
particulares, e deverão abranger sua história, seus co-
nhecimentos e técnicas, seus sistemas de valores e, mais
ainda, suas aspirações sociais, econômicas e culturais.

Para que esse propósito se materialize no Pimi, faz-se necessá-


rio que as comunidades indígenas que frequentam o curso de Educa-
ção do Campo com habilitação em Artes e Música participem da co-
gestão, nas estratégias de acompanhamento, garantindo a diversidade
das comunidades envolvidas e de situações, no que se refere às ques-
tões culturais ligadas à organização e à representação das práticas e
dos costumes. “Todos os povos indígenas dispõem de seus próprios
processos de socialização, formação de pessoas, com histórias, sabe-
res e, na maioria das situações, línguas próprias, mobilizando dessa
forma, agentes para fins educacionais” (ALBUQUERQUE, 2009, p.
25). Portanto, o trabalho do programa é auxiliar os alunos indígenas

80
nas suas dificuldades de inserção na universidade acadêmica e difi-
culdades de aprendizagens em disciplinas, tornando o meio acadêmi-
co um espaço de diálogos de saberes e construção de conhecimento.
Dessa forma, buscando compreender a importância desse pro-
grama no cotidiano acadêmico dos alunos indígenas, foi realizada a
pesquisa autobiográfica “como modo de revelar e desvelar situações
cotidianas de sujeitos implicados em seus espaços pessoais e profis-
sionais” dos entrevistados (SOUZA, 2014, p. 40).
A pesquisa autobiográfica analisa as modalidades em que os
indivíduos e, por extensão, os grupos sociais trabalham e incorpo-
ram biograficamente os acontecimentos e as experiências de apren-
dizagem ao longo da vida (DELORY-MOMBERGER, 2008). De
acordo com Souza (2007), as pesquisas como fontes autobiográficas
conferem um estatuto teórico-metodológico para uma compreensão
das práticas educativas e escolares. Assim, as narrativas de alunos in-
dígenas do curso de Educação do Campo de Tocantinópolis sobre as
suas experiências vivenciadas no Pimi se inscrevem em uma perspec-
tiva da educação escolar indígena.
A entrevista narrativa, segundo Jovchelovitch e Bauer (2002, p.
93) “tem em vista uma situação que encoraje e estimule um entrevis-
tado [...] a contar a história sobre algum acontecimento importante
de sua vida e do contexto social”. A técnica não prende o entrevistado
em uma única questão, ela o deixa à vontade, possibilitando que con-
te sua história de vida significativa com o contexto social, neste caso,
o Pimi, até chegar ao que lhe foi perguntado.
Vale ressaltar que, ao utilizar a entrevista narrativa, o entre-
vistador precisa ter cuidado com as formas de linguagem utilizada
com o entrevistado, pois não se deve falar com outra forma a não ser
de acordo com o grau de falar do entrevistado. No caso da entrevis-
ta com os indígenas Apinayés, foi utilizada uma linguagem simples,
pois os mesmos não compreendem muito bem a língua portuguesa
e o diálogo é o elo entre entrevistador e entrevistado, “as narrativas

81
combinam histórias de vida a contextos sócio-históricos, ao mesmo
tempo em que as narrativas revelam experiências individuais e po-
dem lançar luz sobre as identidades dos indivíduos e as imagens que
eles têm de si mesmo” (MUYLAERT et al., 2014, p. 4).
Entretanto, não foi estruturado um questionário de perguntas.
Foi lançada uma pergunta geradora inicial: “Conte-nos sobre as suas
experiências vivenciadas no Programa de Monitoria Indígena”. No
caso da educação musical “a pesquisa autobiográfica em educação
musical se inscreve na condição humana de um sujeito que conta,
por meio de sua relação com música, o que ele é, ou poderá vir a ser”
(ABREU, 2014, p. 75). Portanto, ao contar sobre as suas experiências,
os estudantes atribuem significados ao que o Pimi teve, tem e poderá
ter em suas vidas.
Ao fazer as análises das histórias coletadas por meio das entre-
vistas narrativas, partimos da ideia de Schütze (2013) em encadear
passos para esse tipo de análise. O 1º passo consiste na transcrição
detalhada das narrativas, que foram divididas entre as autoras do tra-
balho. As narrativas foram agrupadas por temáticas para posterior
cruzamento dos dados. Portanto, ao analisar algumas falas percebe-
mos que os entrevistados não se prendem somente na pergunta que
lhe foi feita, eles trazem um contexto e explicam a importância do
programa nas suas vidas acadêmica, das dificuldades, sonhos e obje-
tivos futuros ao estarem na universidade.

4 Narrativas autobiográficas sobre o Pimi

A história de vida do indivíduo é de fundamental importância


para a construção de sua própria identidade, pois é ela que vai carac-
terizar a sua subjetividade no mundo social; ao construir essa identi-
dade, o indivíduo saberá a sua ocupação e função dentro do grupo ao
qual pertence. Portanto, “a construção da identidade é um fenômeno
que se produz em referência aos outros, em referência aos critérios de

82
aceitabilidade, de admissibilidade, de credibilidade, e que se faz por
meio da negociação direta com os outros (POLLAK, 1992, p. 6)”.
Sendo assim, ao contar sua história de vida, o indivíduo, compartilha
com o outro suas experiências vividas, sejam elas boas ou ruins. Neste
aspecto, a memória é de essencial valor para essa reconstrução do
passado, a partir do presente. Nessa mesma perspectiva, Pollak (1992,
p.4-5) ressalta que,

a memória é uma parte, herdada, não se refere ape-


nas à vida física da pessoa. A memória também so-
fre flutuações que são função do momento em que
ela é articulada, em que ela está sendo expressa [...].
Portanto, a memória é um elemento constituinte do
sentimento de identidade tanto individual como cole-
tivo, na medida em que ela é também um fator extre-
mamente importante do sentimento de continuidade
e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua
reconstrução de si.

Portanto, ao rememorar suas experiências vivenciadas no Pimi,


os acadêmicos indígenas expressaram seus sentimentos sobre o pro-
grama e apresentaram elementos tanto do individual como do social.
A história de vida “nos permite compreender quem nós somos, as
aprendizagens que construímos ao longo de nossas vidas, das nossas
experiências e significados que atribuímos aos diferentes fenômenos
que mobilizam e tecem a nossa história” (ABRAHÃO, 2012, p. 58).
Sendo assim, os estudantes indígenas que participaram da pesquisa
“por meio das narrativas têm [tiveram] a oportunidade de compor
sua própria história, à sua maneira, com sua linguagem e visão de
mundo” (ABHAHÃO, 2012, p. 59).
Os relatos individuais dos colaboradores da pesquisa os levaram
a significar e ressignificar as experiências vivenciadas em suas práticas
formativas, levando-os a refletirem criticamente e expressarem senti-
dos sobre as experiências vividas no Pimi. Narrar sobre as suas experi-

83
ências vivenciadas no programa, de certa forma, os levam a fazer uma
leitura sobre as suas histórias de vida.
Participaram da pesquisa oito (8) acadêmicos indígenas que
frequentam o curso de Educação do Campo – com habilitação em
Artes e Música do Campus de Tocantinópolis, da etnia Apinayé e
de aldeias diferentes como: Cocal Grande, São José, Pintada, Boi
Morto, Patizal e Furna Negra.
As narrativas de experiências vivenciadas no Pimi, autobio-
grafadas pelos acadêmicos indígenas da UFT, foram apontadas em
diversas situações cotidianas de sujeitos implicados em seus espaços
pessoais e sociais. Além de remeterem a situações que direcionam a
construção de projetos de si, como concluir um curso superior, le-
cionar e outros, todos os entrevistados falaram da importância que o
programa Pimi possui nas suas vidas acadêmicas e das dificuldades
que possuem na universidade.
Os estudantes indígenas relataram a importância da monito-
ria no auxílio ao uso do computador. O uso do computador é um
dos desafios enfrentados pelos estudantes indígenas ao adentrarem
na universidade, fato que é evidenciado nas narrativas dos alunos.
Segundo Delma, a única mulher Apinayé que frequenta o curso, o
Pimi é muito importante na vida acadêmica dela, principalmente,
pela dificuldade que ela tem em manusear o computador e o progra-
ma possibilitou que aprendesse. Para a colaboradora, “eu to gostando
muito da monitoria é importante para nos indígenas, é que a gente
tem muita dificuldade pra aprender a mexer computador por isso,
que nós precisamos de ajuda, nós precisamos também de ajuda pra
aprender mexer com o computador”. Além do domínio do uso das
tecnologias, outro desafio abordado por Delma é a dificuldade com
o manuseio da língua portuguesa, então o programa acaba sendo um
espaço para esclarecimento de dúvidas, pois para ela, eles não falam
bem o português e o compreendem pouco: “a gente não fala bem o
português, mas entende um pouco o português a gente entende algu-
ma coisa, muito não, mas um pouco”.

84
A escrita como um dos desafios dos povos indígenas na educa-
ção foi apresentada por Bonin (2008); para o autor, como as popula-
ções indígenas têm suas culturas baseadas na oralidade, ao chegarem
às escolas se deparam com a “escrita como código a partir do qual a
escola institui verdades e conhecimentos” (BONIN, 2008, p. 96). Re-
cordamo-nos dos alunos indígenas em uma reunião do Pimi falando
que, muitas vezes, não compreendem o que o professor fala em sala
de aula, não entendem o que é preciso fazer com o material entregue
e, por outro lado, são incompreendidos por alguns educadores que co-
bram nas apresentações de trabalhos a se expressarem de uma forma
acadêmica. Essa incompreensão, muitas vezes, também eles percebem
por parte dos colegas de classe e outros servidores da instituição.
O colaborador Márcio considera a monitoria importante para
ajudá-los na realização dos trabalhos. Ele narrou o seguinte:

eu quero agradecer esse pessoal de monitoria que está


ajudando a gente. Graças a eles, a gente está fazendo
o nosso trabalho no tempo comunidade, se não fosse
eles a gente não tinha como fazer. A gente não sabe
fazer os trabalhos que os professores passam para gen-
te, mas graças a Deus eu quero agradecer cada um de
vocês que está ajudando a gente em está colaborando
os trabalhos com a gente né.

Ao narrar que “não sabe fazer os trabalhos”, Márcio relata ou-


tros desafios vivenciados pelos povos indígenas na universidade e que
foram percebidos durante as monitorias como: regras da Associação
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), textos com linguagem mui-
to rebuscada, ou seja, de difícil compreensão, formatação dos traba-
lhos e digitação,
Do mesmo modo, narrou Célio: “a monitoria que eles fizeram
foi para ajudar a gente e é muito importante que nos ajude a nós
fazer o nosso trabalho, essas coisas que os professores passam para
nós, para gente fazer dentro da nossa comunidade no tempo comu-

85
nidade”. Para Sérgio, a monitoria sempre lhe ajuda nos trabalhos e é
muito boa.
Durante a narrativa, Delma relatou seus sonhos para projetos
futuros que é ser professora na sua aldeia e ajudar seu povo:

Meu sonho de ser professora é ajudar o meu povo que


é muito importante. Eu preciso ajudar o meu povo
que eu sempre sonho de ser professora da aldeia, pre-
ciso ajudar o meu povo também que precisa de nós
também indígena como professora né. Esse é meu
sonho, de ser professora e ajudar o nosso povo que
precisam muito aprender o português que, às vezes, o
nosso povo não sabe falar ainda o português. A gente
precisa ajudar, e se um dia a gente chegar a ser profes-
sora eu quero ajudar os que tão precisando, porque a
gente fala o português e nossa língua também.

Por outro lado, Célio tem como projeto terminar a faculdade


e não desistir do curso. Ele narra: “eu estou mais eu vou continuar
até o fim, até terminar o meu curso não vou desistir é... a faculdade.”
Segundo ele, apesar das dificuldades que surgem no caminho, prin-
cipalmente com a língua portuguesa, tem como projeto de futuro
terminar o curso de graduação.
Ao narrar que “a gente fala o português e na língua também”,
a colaboradora remete a importância que dá ao bilinguismo. Con-
sidera importante que seu povo fale nas duas línguas, ou seja, a ma-
terna e o português. As dificuldades com a língua portuguesa foram
narradas por Márcio: “a gente não fala bem o português, mas a gen-
te tá falando pra aprender, pra gente poder falar no meio dos outros
no meio dos colegas mais a gente vai aprendendo daqui pra frente
né”. Para o colaborador, ao narrar “falar no meio dos outros no meio
dos colegas” atribui a importância da língua para se inserir no meio
da sociedade envolvente, nesse caso, os outros e seus colegas não
indígenas.

86
Sobre a língua Sergio diz o seguinte: “a minha dificuldade é...
falar na língua portuguesa é... Muito difícil para nós indígena estar
falando, mas estou aprendendo um pouco”. Para Célio, “Estou fa-
zendo o curso de Educação do Campo agora. Eu estou no segundo
período... Eu entrei na faculdade. É... muito difícil para mim mais eu
estou aprendendo um pouco a língua portuguesa”.
Além do Pimi, a colaboradora Delma considera o curso de
Educação do Campo muito importante para os indígenas, pelo fato
de proporcionar aprendizado aos estudantes e possibilitar a alternân-
cia pedagógica vivenciando momentos na universidade e em suas al-
deias. Nessa direção, assim narrou a colaboradora:

Eu estou gostando muito da Educação do Campo é


muito importante para nós indígenas, e a gente está
aprendendo alguma coisa, a gente está tentando é
aprender muita coisa. Para nos indígenas é muito im-
portante. Para nós também que tem essa dificuldade
de ir na cidade. A gente fica quinze dias lá e quinze
dias aqui. Mas eu estou gostando muito dessa faculda-
de. E eu to fazendo esse Curso de Educação do Cam-
po porque esse é meu sonho.

Quanto à importância da universidade em sua vida, Márcio


disse que para ele a UFT deu a oportunidade de estudar e ele gostou
muito. Sobre isso ele narrou:

eu minha opinião eu gostei muito de estudar lá, por-


que para conhecer novos conhecimentos dos brancos.
Eu aprendi cada dia mais. Eu estou estudando, e para
nós índio não é fácil aprender a lei dos brancos e essa
UFT deu oportunidade da gente conhecer mais sobre
o conhecimento dos brancos.

Para ele, a UFT deu a oportunidade de estudar em uma uni-


versidade e obter diferentes conhecimentos dos brancos e de culturas
dos povos tradicionais. Acredita-se que o colaborador direciona esse

87
pensamento pelo fato que os educadores do curso procuram em suas
aulas valorizar tanto o conhecimento acadêmico como o empírico,
considerando as realidades das comunidades principalmente indíge-
nas, camponeses e quilombolas.
Em relação às dificuldades enfrentadas pelos alunos indígenas
Márcio da Aldeia Pintada narrou o seguinte:

eu quero falar um pouco também porque a dificulda-


de pra nos estudar na cidade é, difícil porque a gente
aqui não tem carro o acesso do transporte e difícil pra
vim pra cá todo dia, aqui também não tem energia,
não tem, não tem computador para a gente digitar os
trabalhos aqui e nova aldeia, aldeia pintada não tem
acesso pra vim todo dia o transporte pra cá e é, mas
graças a Deus eu fiz o meu trabalho e eu quero pedir
pra Deus pra daqui pra frente me ajudar muito pra
mim fazer os meus trabalhos né que pra nós e difícil e
cada dia que passa a gente está aprendendo a conhe-
cer mais, daqui pra frente a gente vai aprender muito
mais porque pra gente e difícil a gente trabalha muito
dentro de casa, a gente trabalha muito na roça, a gen-
te caça pra sustenta a nossa família. E para estudar a
gente não tem mais, a gente tem tempo pouco tempo
para estudar a gente tem roça pra trabalhar, também
tem um bucado de coisas pra gente fazer, também pra
sustenta nossa família e estudar também pra estudar
e melhorar e a nossa vida melhorar a nossa vida daqui
pra frente e muito importante pra gente estudar cada
dia que passa a gente aprende um conhecimento novo.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelo colaborador para


estudar, como falta de transporte, energia e acesso a computadores,
ele tem consciência da importância de estudar ao dizer que “estudar
também para estudar e melhorar e a nossa vida melhorar a nossa vida
daqui para frente. É muito importante para gente estudar cada dia
que passa a gente aprende um conhecimento novo”. Márcio reco-

88
nhece que o estudo pode melhorar a qualidade de vida sua e de sua
família, além de obter novos conhecimentos.
Outro colaborador que narra a sua dificuldade em chegar à
universidade pela falta de transporte é Sérgio, pois ele não tem moto.
Mas o que Sergio apresenta de novo em sua fala é a dificuldade que
enfrentou ao chegar ao primeiro dia na universidade:

minha dificuldade é o primeiro dia que eu entrei na


faculdade que eu não sabia o que eu ia aprender lá no
curso de novidade, sobre a importância das coisas que
nós convivemos no nosso dia a dia, eu não sabia a im-
portância delas, mas, hoje com a ajuda do curso eu to
vendo que as coisas que vivemos na nossa comunidade
são muito importantes”.

Pela narrativa de Sergio, podemos intuir que o curso auxilia


também na valorização da cultura e da identidade dos indígenas, vis-
to que, ao vir para o curso, começaram a modificar o olhar e reconhe-
cer a importância dos saberes e fazeres das suas comunidades.
Márcio relaciona o conhecimento com a existência de Deus
como dono da sabedoria ao produzir o seguinte relato: “eu quero pe-
dir pra Deus para daqui para frente me ajudar muito pra mim fazer
os meus trabalhos”. O colaborador evidencia Deus como seu porto
seguro nas conquistas. Vale lembrar que Deus para eles, está rela-
cionado a elementos da natureza como sol, lua. Por meio da entrada
do Cristianismo nas aldeias, muitos indígenas passaram a direcionar
suas crenças ao Deus do cristianismo, sem, no entanto, deixarem de
seguir suas religiosidades tradicionais.

5 Considerações finais

As narrativas dos estudantes indígenas evidenciam a necessi-


dade de manutenção do Programa Institucional de Monitoria Indí-
gena (Pimi). Além da necessidade de continuidade, mostram qual a

89
melhor forma de trabalhar com os indígenas, quais as suas necessi-
dades e dificuldades. Auxiliá-los nessas tarefas precisa que o monitor
tenha boa vontade e disposição para ajudá-los. Ser monitor indígena
é também uma missão social. Por meio das narrativas dos estudan-
tes indígenas, podemos perceber que a monitoria indígena alude em
compreender a aprendizagem como um procedimento contínuo e
ainda solicita um diagnóstico cuidadoso do aprender em suas etapas,
a fim de se compreender novas ideias e valores para que a monitoria
possa funcionar.
O curso de Educação do Campo com sua proposta de ensino
é bastante importante para a preservação da cultura e identidade,
porém, acreditamos que ainda necessita de mudanças para que possa
contemplar todas as necessidades de seus alunos indígenas, necessi-
dades essas que foram citadas nas narrativas dos estudantes.
Contudo, na perspectiva de compreender a importância que o
programa Pimi possui na vida acadêmica dos indígenas apinayé da
cidade de Tocantinópolis, foi realizada essa pesquisa autobiográfi-
ca, utilizada como fonte para coleta dos dados a entrevista narrativa,
em que nos foi possibilitado conhecer não somente a relevância do
programa para esses estudantes indígenas, também aspectos de suas
histórias de vidas.
Projetos de vida para o futuro também foram elencados como
é o caso de Delma, que ao relatar sobre seu sonho de ser professora
a sua fala juntamente com a expressão do seu rosto mostraram a sua
determinação em continuar a estudar para ajudar a sua comunidade.
Na pesquisa realizada foi possível conhecer um pouco da histó-
ria do povo Apinayé, mas, principalmente, a trajetória e as dificulda-
des que enfrentam os acadêmicos indígenas do curso de Educação do
Campo. Percebemos que o programa Pimi é de fundamental impor-
tância na vida acadêmica dos estudantes, auxiliando em suas ativida-
des e trabalhos acadêmicos. Em suma, apreendemos que programas
criados para o ensino e aprendizagem de educandos na Universidade

90
ou em outras instituições de ensino contribuem para direcionar um
dos focos da formação: que a vida-formação de jovens esteja cada vez
mais implicada com o social.

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94
4 – Padi-Música: Implantação,
experiências e desafios na LEDOC-
Tocantinópolis

José Jarbas Pinheiro Ruas Junior

1 Introdução

Este ensaio é decorrente das atividades desenvolvidas ao longo


do primeiro semestre do ano de 2017 durante a implantação do Pro-
grama de Apoio ao Discente Ingressante (Padi) na licenciatura em
Educação do Campo - Artes e Música, do campus de Tocantinópo-
lis. Este programa institucional gerido pela Pró-Reitoria de Gradua-
ção (Prograd) da Universidade Federal do Tocantins (UFT) tem por
objetivo reduzir o número de retenções nas disciplinas de diferentes
áreas de conhecimento ofertadas, principalmente, nos primeiros se-
mestres dos cursos de graduação.
O título deste ensaio foi utilizado durante uma mesa redonda
em que o autor foi convidado a participar, juntamente com sua equi-
pe de tutores, para socializar os resultados alcançados pelo programa
no ano de 2017. O IV Seminário Integrado de Ensino, Pesquisa e
Extensão da UFT (Siepe) foi realizado entre os dias 07 e 09 de no-
vembro, no campus de Araguaína e reuniu representantes de alguns
dos programas especiais de ensino desenvolvidos pela instituição.
Aqui, nós pretendemos expor rapidamente ao leitor os pro-
gramas institucionais que são desenvolvidos pela UFT para que
possamos alinhar seus objetivos com as políticas institucionais de
ensino e de assistência estudantil voltadas ao acompanhamento
pedagógico discente. A partir disso, pretendemos ressaltar como o
Padi se insere nesse contexto e expor os objetivos do programa a

95
partir das ações esperadas conforme a resolução que aprovou sua
regulamentação dentro da instituição.
Dedicamos ainda, neste texto, um espaço para expormos os pa-
râmetros que nortearam a proposta pedagógica do programa para as
disciplinas de Música e seus desdobramentos dentro do curso de licen-
ciatura em Educação do Campo (LEDOC) a partir do relato de expe-
riência do grupo de tutores. Parte dos dados e informações que serão
apresentados foi colhida junto à Pró-reitoria de Graduação (Prograd).
Estes estão em fase inicial de processamento, logo não apresentam ain-
da uma visão profunda, detalhada e qualitativa a qual gostaríamos de
apresentar, mas consideramos útil como primeiro esforço de reflexão
àquilo que foi desenvolvido com toda a equipe envolvida.

2 Políticas e programas institucionais

Antes de apresentarmos os programas institucionais que são


desenvolvidos na UFT trazemos as propostas que regem os planos, as
ações e os anseios de nossa Instituição de Ensino Superior (IES). É a
partir do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI 2016-2020)
que tais projetos se inserem e ganham seus formatos, moldando-se à
missão, aos valores e aos objetivos que vão nortear a instituição num
dado período de tempo. Desse documento, extraímos alguns frag-
mentos textuais que abordam essencialmente as políticas de ensino
e de assistência estudantil, bem como o compromisso institucional,
visando à responsabilidade social. Ressaltamos ainda as competên-
cias das pró-reitorias envolvidas (Prograd e Proest) de forma a nos
ajudar a compreender as propostas didático-pedagógicas relativas às
particularidades de cada programa.
A UFT tem como missão institucional “formar profissionais
cidadãos e produzir conhecimento com inovação e qualidade que
contribuam para o desenvolvimento socioambiental do Estado do
Tocantins e da Amazônia Legal” (PDI 2016-2020, p. 19). Sendo esta

96
a síntese de seu projeto formativo, a UFT assume o compromisso e a
responsabilidade social de torna-se, dentro deste prazo,

uma instituição inclusiva, com práticas que se voltam


para a concretização da equidade social (de gênero e
étnica) assim como cursos que pedagogicamente ar-
ticulem o ensino, pesquisa e extensão, baseados pela
interdisciplinaridade, com intuito do desenvolvimen-
to sustentável da Amazônia (PDI 2016-2020, p.55).

Para cumprir com tais ações, principalmente na formação de ci-


dadãos-profissionais, a IES precisa propor, avaliar e alinhar um con-
junto de políticas que possam garantir a qualidade pedagógica almeja-
da e ofertada para o desenvolvimento sociocultural dos agentes sociais
envolvidos ao longo desse processo. Como nosso objetivo não está na
discussão e no debate sobre políticas institucionais em si, mas nos des-
dobramentos que elas acarretam aos programas de ensino, destacare-
mos as concepções políticas de assistência estudantil e as políticas de
ensino orientadas pelo PDI 2016-2020 para embasar e guiar nossa
argumentação sobre os programas institucionais no devido momento.
Sendo assim, iniciemos pelas políticas voltadas ao ensino. Suas
ações são coordenadas e desenvolvidas prioritariamente pela Pró-rei-
toria de Graduação (Prograd). A Prograd tem por objetivo primor-
dial acompanhar sistematicamente a vida acadêmica dos estudantes
desde seu ingresso na instituição até a integralização do curso. Suas
funções estão distribuídas nas seguintes diretorias que a compõe:
Diretoria de Desenvolvimento e Regulação da Graduação, Dire-
toria de Controle e Registro Acadêmico, e Diretoria de Programas
Especiais em Educação (PDI 2016-2020, p.93). Compete a cada
uma destas, atribuições essenciais no acompanhamento da vida aca-
dêmica dos discentes.
Segundo o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI),
política de assistência estudantil é definida como um
conjunto de ações voltadas para a promoção do acesso,

97
da permanência e do êxito dos estudantes, na perspec-
tiva da inclusão social, da produção do conhecimento,
da melhoria do desempenho escolar e da qualidade de
vida. Elas são destinadas a estudantes regularmente
matriculados na instituição e tem ações articuladas
com pró-reitorias afins (PDI 2016-2020, p. 97).

Podemos pontuar pelo menos cinco objetivos relacionados às


políticas de assistência estudantil da UFT:

• Articular o ingresso dos discentes na Universidade com


as demais políticas institucionais.
• Promover o acesso, a permanência e a conclusão do curso
dos discentes da UFT, na perspectiva da inclusão social e
democratização do ensino.
• Identificar necessidades e propor planos, programas,
projetos e ações de apoio à comunidade universitária, em
consonância com as demais políticas institucionais que
assegurem aos discentes os meios necessários para sua
permanência e sucesso acadêmico.
• Contribuir para redução da evasão e do desempenho
acadêmico insatisfatório em razão de condições de vul-
nerabilidade socioeconômica e/ou dificuldades de apren-
dizagem.
• Minimizar os efeitos das desigualdades sociais e regio-
nais na permanência e êxito acadêmico (PDI 2016-2020,
p. 98).

Logo, podemos destacar que tais ações pretendem criar e im-


plantar na UFT medidas estratégicas que possam fortalecer e ga-
rantir condições de acesso à educação superior pública de qualidade,
primando pela permanência e pelo êxito acadêmico dos estudantes;
garantindo a inserção e inclusão social desses sujeitos, visando à pro-

98
dução do conhecimento e qualidade de vida aos agentes envolvidos.
Dentro dessa perspectiva, vinculando políticas de ensino e assis-
tência estudantil, os cursos de graduação da UFT devem prezar pela

formulação de Projetos Pedagógicos com currículos


mais dinâmicos, flexíveis, adequados e atualizados,
que coloquem em movimento as diversas propostas e
ações para a formação do cidadão capaz de atuar com
autonomia sob a perspectiva de temas disparadores
propostos por meio do ensino de graduação, que obje-
tive processos educativos coletivos, articulações entre
as ações, voltadas para a formação técnica, política,
social e cultural dos discentes (PDI 2016-2020, p. 46).

Atualmente a UFT dispõe de 10 (dez) programas voltados para


políticas de ensino. Todos estes estão sob a coordenação da diretoria
de Programas Especiais em Educação (Prograd). Na LEDOC-To-
cantinópolis1 temos visto regularmente o funcionamento de apenas
três destes, a saber, o Programa Institucional de Monitoria (PIM),
o Programa Institucional de Monitoria Indígena (Pimi) e, recente-
mente implantado, o Programa de Apoio ao Discente Ingressante
(Padi). As informações sobre os programas institucionais de en-
sino que seguem apresentadas a seguir foram retiradas do site da
Prograd2 na página dos respectivos programas. Os endereços para
acesso estão nas Referências ao final deste capítulo.

1 A título de esclarecimento ao leitor, a LEDOC-Tocantinópolis é um curso relativamente


novo no quadro de graduações da UFT. O curso foi implantado através do Edital Sesu/
Setec/Secadi n.º 2/2012 do Programa de Implantação de cursos de Licenciaturas em
Educação do Campo (Procampo). Esse edital propôs a convocação de Instituições de
Ensino Superior públicas para a criação de novas licenciaturas em Educação do Campo,
a partir do modelo piloto desenvolvido pelos 4 primeiros cursos implantados (UFMG,
UnB, UFES, UFS). O currículo das LEDOCs é de caráter multidisciplinar, podendo
conter cinco áreas de conhecimento, a saber: linguagens e códigos; ciências humanas e
sociais; ciências da natureza; matemática; ciências agrárias.
2 Disponível em: <http://ww2.uft.edu.br/index.php/prograd>.

99
O Programa de Formação Docente Continuada (Profor) é um
programa destinado aos docentes da Universidade Federal do To-
cantins voltado para a progressão de carreira. Ele foi concebido como
um programa permanente que pretende “contribuir para a difusão de
uma prática pedagógica reflexiva, a partir da construção de um diálo-
go aberto e profícuo entre docentes, acadêmicos e a gestão do ensino
superior na UFT” (site). O programa foi instituído na UFT em 2014,
a partir da pauta inaugurada pelo I Seminário de Estudos Pedagógi-
cos e Institucionais (2010) que teve por objetivo “introduzir a temá-
tica da formação docente continuada e sua importância, a partir do
fortalecimento dos cursos de graduação e da valorização da dimensão
interdisciplinar” permitindo que o cotidiano acadêmico pudesse ser
exposto e debatido (site).
Dessa forma, o Profor tornou-se “parte integrante da política
educacional da instituição, bem como uma atividade acadêmica volta-
da para a progressão na carreira docente”. Objetivos do programa são:

I - Estimular o processo de reflexão crítica do docente


na e sobre a prática pedagógica, buscando caminhos
para a construção de uma aprendizagem significativa;
II - Incentivar trocas de experiências e projetos que
agreguem docentes e cursos, favorecendo à interdis-
ciplinaridade;
III - Respeitar as especificidades de cada curso e suas
distintas relações com o processo ensino-aprendizagem;
IV - Incluir as discussões inerentes ao exercício da
profissão docente no debate do processo ensino-
-aprendizagem;
V - Proporcionar ao professor conhecer a dinâmica
acadêmica e administrativa da instituição, apoiando e
facilitando as ações e tomadas de decisões que per-
meiam a rotina do ensino de graduação.

100
O Programa Institucional de Monitoria (PIM) “contempla ativi-
dades de caráter didático-pedagógico, desenvolvidas pelos alunos da
graduação e orientadas por professores, que contribuem para a for-
mação acadêmica do estudante” (site).  Objetivos do programa são:

I - melhorar os indicadores de ensino-aprendizagem


no âmbito escolar;
II - proporcionar condições de permanência e de su-
cesso dos alunos no processo ensino-aprendizagem;
III - contribuir para o envolvimento dos alunos nas
atividades de docência, de pesquisa e de extensão;
IV - possibilitar a utilização do potencial do aluno
assegurando-lhe uma formação profissional qualifica-
da e sua plena inserção nas atividades acadêmicas da
Universidade;
V - intensificar e assegurar a cooperação entre pro-
fessores e estudantes nas atividades básicas da Uni-
versidade; e
VI - implementar ações do Projeto Pedagógico do
Curso de graduação (PPC), do Plano Pedagógico
Institucional (PPI) e Plano de Desenvolvimento Ins-
titucional (PDI).

O Programa Institucional de Monitoria Indígena (Pimi) segue


as mesmas prerrogativas do PIM, entretanto, destina-se ao acompa-
nhamento sistêmico para viabilizar a inclusão, permanência e sucesso
acadêmico de alunos de etnias indígenas nas atividades de ensino,
pesquisa e extensão da Universidade.
O Programa de Monitoria Permanência (PMP) não dispõe de
informações no site da instituição.
O Programa de Apoio a Laboratórios Interdisciplinares de Forma-
ção de Educadores (Life) destina-se “a promover a interação entre di-
ferentes cursos de formação de professores” com intuito de articular

101
os programas CAPES que estão relacionados à Educação básica, ga-
rantindo o uso de espaços de uso comum entre as licenciaturas exis-
tentes em todos os campi da UFT articulando conhecimento e asse-
gurando uma formação interdisciplinar”. São objetivos do programa:

I - Proporcionar formação de caráter interdisciplinar


a estudantes de licenciatura;
II - Estimular a articulação entre conhecimentos, prá-
ticas e tecnologias educacionais em diferentes cursos
de licenciatura;
III - Promover o domínio e o uso das novas lingua-
gens e tecnologias da informação e da comunicação
nos cursos de formação de docentes;
IV - Permitir o aprendizado, a socialização e o desen-
volvimento coletivo de práticas e metodologias con-
siderando o conhecimento de diferentes disciplinas;
V - Promover a criação de espaço para o desenvol-
vimento de atividades pedagógicas que envolvam os
alunos das escolas públicas de educação básica, os li-
cenciandos e os professores dos programas de forma-
ção da IES;
VI - Promover a valorização dos cursos de licenciatu-
ra e de Pedagogia.

O Programa de Educação Tutorial (PET) foi criado em 1979,


pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
rior (Capes), com o nome “Programa Especial de Treinamento”. Em
2004, o PET passou a ser identificado como Programa de Educa-
ção Tutorial. O programa foi instituído na UFT no ano de 2007,
com intuito de garantir a indissociabilidade entre as atividades de
ensino, pesquisa e extensão. O PET é constituído por grupos tuto-
riais, vinculados a cursos específicos ou formados a partir de um tema
que perpassa várias áreas do conhecimento – valorizando, assim, a

102
abordagem inter(trans)disciplinar. Em cada grupo, que inicia com
um número de estudantes sobre a supervisão de um professor tu-
tor responsável pelo desenvolvimento de atividades extracurriculares,
destinadas a complementar a formação acadêmica a fim de propiciar
a qualidade dos cursos de graduação.
O Programa de Mobilidade Acadêmica (PMA) tem por objetivo
possibilitar aos estudantes de graduação das Instituições Federais de
Ensino Superior (IFES) conveniadas cursarem parte das disciplinas do
currículo de seu curso em outra instituição. O programa visa estimular
a relação de reciprocidade em cursos de graduação de IFES brasileiras. 
O Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência) é
uma ação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ní-
vel Superior (Capes) com intuito de fomentar a inovação e elevar
a qualidade dos cursos de formação de professores voltados para a
Educação Básica. “Criado em 2006, o Prodocência financia projetos
voltados para a formação e o exercício profissional dos futuros docen-
tes, além de implementar ações definidas nas diretrizes curriculares
da formação de professores para a educação básica” (site). São obje-
tivos do programa:

I - Contribuir para a elevação da qualidade da educa-


ção superior;
II - Formular novas estratégias de desenvolvimento e
modernização do ensino no país;
III - Dinamizar os cursos de licenciatura das institui-
ções federais de educação superior;
IV - Propiciar formação acadêmica, científica e técni-
ca dos docentes; e
V - Apoiar a implementação das novas diretrizes
curriculares da formação de professores da educação
básica.

103
O Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (Pibid)
é uma iniciativa do Ministério da Educação, executado pela Coorde-
nação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior (Capes) e “tem
por finalidade fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o
aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a
melhoria da qualidade da educação básica pública brasileira”. O Pibid/
UFT é composto por 22 subprojetos, que tem período de execução
2014 e 2018 de acordo com edital da Capes n.º 061/2013. O Programa
é executado em parceria com as redes municipal e estadual de educação
do Estado do Tocantins. São objetivos do programa:

I Incentivar a formação de professores em nível supe-


rior para a educação básica;
II Contribuir para a valorização do magistério;
III Elevar a qualidade da formação inicial de professo-
res nos cursos de licenciatura da UFT, promovendo a
integração entre educação superior e educação básica;
IV Inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da
rede pública de educação, proporcionando-lhes opor-
tunidades de criação e participação em experiências
metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de
caráter inovador e interdisciplinar que busquem a
superação de problemas identificados no processo de
ensino-aprendizagem;
V Incentivar escolas públicas de educação básica, mo-
bilizando seus professores como coformadores dos fu-
turos docentes e tornando-as protagonistas nos pro-
cessos de formação inicial para o magistério;
VI Contribuir para a articulação entre teoria e prática,
elevando a qualidade das ações acadêmicas nos cursos
de licenciaturas;
VII Promover a aproximação entre ensino e pesquisa,
compreendendo a prática da educação como campo
de pesquisa educacional e geração de conhecimento.

104
O Programa de Apoio ao Discente Ingressante (Padi) foi criado
pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd) da UFT, no ano de 2015,
através da resolução n.º 18 do Conselho Superior de Ensino, Pes-
quisa e Extensão (Consepe). O programa visa “auxiliar os estudan-
tes ingressantes que estejam matriculados no 1º e/ou 2º período(s) e
àqueles reprovados nas disciplinas básicas curriculares”. São objetivos
do Programa:
I - Ampliar o atendimento aos alunos ingressantes na
Instituição proporcionando-lhes suporte didático, no
sentido de minimizar deficiências de conhecimentos
básicos necessários às disciplinas introdutórias dos
cursos de graduação;
II - Propiciar ao tutor discente a oportunidade de en-
riquecimento técnico e pessoal, por meio do desen-
volvimento de atividades acadêmicas, permitindo-lhe
ampliar a convivência com outras pessoas do meio
universitário;
III - Contribuir para a redução do índice de reprova-
ção, retenção e evasão na UFT;
IV - Promover a democratização do ensino superior,
com excelência.

Com o intuito de recordarmos o que foi tratado até aqui, abor-


damos as políticas institucionais de ensino e de assistência estudantil
da UFT e seus propósitos direcionados aos programas especiais de
ensino. Como o leitor pôde observar, cada programa possui parti-
cularidades que visam a níveis de excelência para educação superior
pública desta IES. Ao executar essas ações de forma regular, destina-
das ao acompanhamento pedagógico dos seus discentes (PIM, Pimi,
PMP, PMA, Padi) e de formação continuada aos docentes (Profor), a
UFT pretende alcançar os objetivos propostos pelo Plano de Desen-
volvimento Institucional: a excelência (conceito 5) e destaque entre
as universidade da Região Norte do país.

105
No campo das licenciaturas, a UFT dispõe de importantes
programas de ensino que permitem ao discente vivenciar o processo
de iniciação docente - supervisionada e/ou tutoriada - ainda duran-
te a graduação (Life, Prodocência, Pibid). Estes programas ainda
não foram implantados na LEDOC.

3 Regulamentação do PADI

Embora seja um programa que esteja alocado na Prograd,


sob os cuidados da diretoria de Programas Especiais em Educa-
ção, o Padi é parte integrante de um conjunto de programas e
ações propostos pela Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Proest)
com objetivo de proporcionar a permanência e a integralização do
curso escolhido pelo ingressante. Tais ações visam minimizar os
efeitos das desigualdades sociais e regionais para a permanência e
êxito acadêmico dos nossos discentes.
Como o programa funciona? A Prograd lança um edital para
submissão de propostas pedagógicas com o objetivo de preencher
vagas para formar grupos de tutores sob o gerenciamento de um pro-
fessor-coordenador. Essas vagas são distribuídas por área de conhe-
cimento básico para disciplinas com índice de reprovação, de acordo
com diagnóstico sistêmico promovido pela Prograd. Dessa forma,
compete a cada professor-coordenador ser responsável por um grupo
de até 05 (cinco) alunos-tutores bolsistas, podendo ainda ter outros
05 (cinco) na condição de voluntário.
Para submeter proposta ao programa o professor-coordenador
deve ser do quadro de docentes efetivo da UFT; possuir formação na
área de conhecimento da disciplina de tutoria e ter disponibilidade
de, pelo menos, 04 (quatro) horas semanais para realizar acompa-
nhamento pedagógico e orientação do grupo de tutores. A seleção
de tutores é realizada pelo professor-coordenador e compete a ele
definir e dar publicidade aos critérios do processo seletivo.

106
Depois de selecionados, cada aluno-tutor pode atender um
grupo de no mínimo 05 (cinco) e no máximo 15 (quinze) tutorados
por semestre. Podem se candidatar ao programa alunos de gradua-
ção e pós-graduação regularmente matriculados na UFT; os alunos
devem apresentar coeficiente de rendimento acadêmico igual ou su-
perior a 7,0 (sete) nas áreas de conhecimento da tutoria pleiteada;
ter concluído 50% da carga horária do respectivo curso, incluindo as
disciplinas do 1º período; o aluno-tutor deve ter disponibilidade de
12 (doze) horas semanais para as atividades do programa e, preferen-
cialmente, estar em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

3.1 Padi-Música: proposta pedagógica para o


acompanhamento do ensino de música

O Padi-Música teve início na LEDOC-Tocantinópolis a


partir do edital Prograd de número 12/2017 para submissão de pro-
postas pedagógicas que visavam formar grupos de tutores para acom-
panhamento dos estudantes. Esse edital não contemplava especifica-
mente a área de conhecimento Música, entretanto, o certame previa
uma vaga destinada a ampla concorrência.
O edital, ao qual concorremos, tinha por objetivo criar até 30
(trinta) grupos de tutoria distribuídos nos campi da UFT de acordo
com a Tabela 1.

107
Tabela 1 – Vagas de tutoria oferecidas pela UFT – Padi 2017
CAMPUS ÁREA Nº DE GRUPOS TOTAL
Biologia 1
Física 1
História 1
Araguaína Matemática 1 7
Língua Portuguesa 1
Química 1
Sociologia 1
Matemática 1
Arraias 2
Língua Portuguesa 1
Biologia 1
Gurupi 2
Química 1
Filosofia 1
Miracema 2
Língua Portuguesa 1
Biologia 1
Filosofia 2
Física 1
Palmas 10
Matemática 2
Língua Portuguesa 2
Química 2
Biologia 1
História 1
Porto Nacional 4
Língua Inglesa 1
Língua Portuguesa 1
Língua Portuguesa 1
Tocantinópolis 2
Sociologia 1
Ampla
1 1
concorrência
Fonte: Edital Prograd nº12/2017.

108
Depois de avaliado e aprovado pela comissão pedagógica, de-
mos início à execução do projeto começando pela seleção dos tutores,
a fim de implantar o Padi na LEDOC-Tocantinópolis. Foram sele-
cionados 05 (cinco) tutores bolsistas e 02 (dois) tutores voluntários
para o desenvolvimento das atividades.
A proposta estabeleceu duas metas para o primeiro semestre
de atividades: 1) reduzir o número de reprovações nas disciplinas de
Fundamentos da Notação Musical e Teoria e Percepção Musical II
(disciplinas ofertadas no semestre 2017.1); 2) promover o acompa-
nhamento regular e sistemático aos discentes dentro do contexto da
alternância pedagógica.
Uma estratégia adotada pela equipe do Padi-Música foi a fre-
quência dos tutores nas disciplinas que ofertaríamos o acompanha-
mento. A proposta era garantir a divulgação constante das ações do
Padi entre os alunos ingressantes e promover a interação e o estreita-
mento de afinidade entre tutores e alunos, com objetivo de diagnos-
ticar mais rapidamente os conteúdos deficitários nos ingressos. Essa
estratégia foi posta em prática com base no baixo índice de procura
dos alunos às monitorias às quais tivemos a oportunidade de orientar
no semestre letivo de 2016.2. Do nosso ponto de vista, a ação parece
ter sido positiva, pois houve adesão significativa dos alunos ingres-
santes aos grupos de acompanhamento pedagógico do Padi.
Um fato que vem sendo diagnosticado pelos professores que
ofertam as disciplinas de música no curso é que muitos alunos que
ingressam na LEDOC não possuem contato com conteúdos musi-
cais durante sua formação estudantil ou em espaços de ensino não
formal ao longo de sua trajetória. Aos ingressos, o estudo regular de
conteúdos musicais trata-se de uma novidade ao darem início à gra-
duação. Tais conteúdos estão dispostos ao longo da matriz curricular
do curso e exigem do discente sua preservação teórica e prática.
Outro fator que vem sendo diagnosticado, com base nos rela-
tos avaliativos citados, observava-se a dificuldade de compreensão e

109
fixação dos conteúdos ministrados pelas disciplinas Fundamentos da
Notação Musical, Teoria e Percepção Musical, História da Música
Ocidental e História da Música Popular Brasileira. Somou-se a este
diagnóstico a falta de acompanhamento pedagógico sistêmico dado
à alternância pedagógica3. Dessa forma, a ação do grupo de tutores
foi orientada para produção de atividades didático-pedagógicas com
linguagem clara e objetiva com aplicação em aulas, jogos, brincadei-
ras e exercícios que se enquadravam no conceito de Teoria Aplicada.
Para contextualizar a situação ao leitor, explicamos: tradicio-
nalmente, as graduações que ofertam cursos de Música seguem o
caráter conservatorial. O que isso significa? Para o ingresso na gra-
duação exige-se que o candidato já possua o conhecimento elementar
de uma série de conteúdos específicos. O processo de ingresso nessas
instituições se dá através de um exame de habilidade específica que
visa verificar o grau de destreza entre habilidades e competências exi-
gidas aos moldes tecnicistas, europeus, de perfil conservatorial. Não
obstante, esse processo exclui uma gama de saberes culturais e limita
o acesso daqueles que têm interesse pela área.
Cabe ressaltar que o acesso aos estudos musicais geralmente é
ofertado por cursos/escolas particulares, sendo poucos os espaços que
são geridos pela esfera pública nessa área de conhecimento. Logo,
muitos candidatos não se veem na condição de atender às exigências
solicitadas pelo processo e desistem, ou são considerados “não aptos”
pelo sistema de ingresso. Diante desse quadro, a política de acesso à
graduação na licenciatura em Educação do Campo se dá de forma
democrática à área, não exigindo do candidato tal teste de habilidade.
Essa opção, porém acompanha seus desafios.

3 A alternância pedagógica é dividida em dois momentos. O tempo universidade e o tempo


comunidade. Durante o tempo universidade o discente se faz presente na Instituição
para trabalhar os conceitos teóricos propostos pelos componentes curriculares do curso.
Encerrado esse período, dá-se início ao tempo comunidade, período em que o aluno
retorna à sua comunidade com os conceitos teóricos para o desenvolvimento de pesquisa
e ações extensionistas construídas coletivamente com os companheiros de curso.

110
O leitor poderia até se perguntar: por que não adotar um teste
de conhecimento musical como forma de ingresso aos candidatos da
LEDOC com intuito de avaliar o grau de conhecimentos musicais
e, por consequência, reduzir números de reprovações no início da
graduação? Bem, acrescentaremos mais algumas informações sobre
o contexto.
1) O corpo discente do curso é plural. Contamos com indí-
genas da etnia apinayé, quilombolas de comunidades do Jalapão e
Cocalinho, assentados da reforma agrária, e outros povos campesinos
oriundos da microrregião do Bico-do-Papagaio, localizada ao norte
do estado do Tocantins. Todos eles possuem culturas musicais muito
interessantes, diversas e que não partem do estudo musical da tradi-
ção ocidental.
2) Em nosso curso, o percentual de ingressantes que cursaram
o Ensino Fundamental e Médio na rede pública de ensino é de 100%
(cem por cento)4. Nesse grupo estão inseridos, também, indivídu-
os que passaram pelo processo de alfabetização tardia, estudantes da
EJA e aqueles que não frequentavam instituições de ensino a mais de
10 anos. Adiciona-se a este quadro que a maioria das escolas da Rede
Pública de ensino não tem a música como disciplina em seu currículo
dada a carência de profissional habilitado na área. Cabe ressaltar que,
mesmo esta linguagem artística sendo inserida no currículo escolar,
inicialmente pela Lei n.º 11.769/2008 e mantida após a atualização
da Lei de Diretrizes e Base (LDB) pela Lei n.º 13.278/2016, em
vigência, a maioria das escolas da rede não a oferta, dada a carência
de profissional habilitado na área. Logo, como exigir um teste de
habilidade específica nessas circunstâncias?
Outro diagnóstico que procuramos fazer para a submissão da
proposta ao Padi está sintetizado abaixo de forma quantitativa (Ta-

4 Essa informação foi extraída do último levantamento socioeconômico feito pelo Serviço
de Apoio as Políticas Estudantis (Sape) do campus de Tocantinópolis

111
bela 2)5. O quadro apresenta as seguintes informações: a disciplina, o
ano e o semestre de oferta; total de alunos matriculados na disciplina;
o índice de reprovação na disciplina e; o índice de alunos aprovados
com média 5,0 < 7,0. O recorte foi dado apenas às disciplinas que
compõe o primeiro ciclo de conteúdos teóricos em música – Funda-
mentos da Notação Musical, Teoria e Percepção Musical I e Teoria
e Percepção Musical II – em período anterior a implantação do Padi
na LEDOC-Tocantinópolis.

Tabela 2 – oferta das disciplinas teóricas em Música (2014-2016).


Índice de
Número de
Índice de aprovados
Disciplina Ano/semestre alunos
reprovação com média
matriculados
5,0 < 7,0
Fundamentos da
Notação Musical 2014.1 46 32% 0%
(Turma A)
Fundamentos da
Notação Musical 2014.1 48 29.1% 0%
(Turma B)
Teoria e Percep-
2014.2 66 13.6% 36.8%
ção Musical I
Teoria e Percep-
ção Musical II 2015.1 30 6.6% 25%
(Turma A)
Teoria e Percep-
ção Musical II 2015.1 28 17.8% 21.7%
(Turma B)

5 Os dados apresentados foram colhidos juntos ao sistema de secretaria acadêmica da Prograd.

112
Índice de
Número de
Índice de aprovados
Disciplina Ano/semestre alunos
reprovação com média
matriculados
5,0 < 7,0

Fundamentos da
2015.2 56 26.8% 39%
Notação Musical
Fundamentos da
Notação Musical 2016.1 45 17.7% 18.9%
(Turma A)
Fundamentos da
Notação Musical 2016.1 40 27.5% 17.2%
(Turma B)
Teoria e Percep-
2016.1 40 17.5% 18.2%
ção Musica I
Teoria e Per-
cepção Musica I 2016.1 10 60% 0%
(Turma especial)
Teoria e Per-
cepção Musica I 2016.2 36 25% 0%
(Turma A)
Teoria e Per-
cepção Musica I 2016.2 29 20.7% 0%
(Turma B)
Teoria e Percep-
2016.2 37 65.5% 90%
ção Musica II
Fonte: Sistema de secretaria acadêmica da Prograd.

Com base nesses diagnósticos preliminares, submetemos uma


de proposta de acompanhamento pedagógico a ser desenvolvida pelo

113
grupo de tutores. Adotamos como metodologia a apresentação dos
conceitos teóricos, seguidos, imediatamente, de sua prática musical,
seja por exercícios de percepção musical ou por execução vocal.
Como o processo foi posto em prática? Durante os encontros,
cabia ao tutor trazer à memória dos alunos o conceito apresentado
durante a disciplina. Feita a exposição do conceito teórico, o próxi-
mo passo era realizar práticas musicais com intuito de consolidar o
conceito. O objetivo era muito simples: garantir a experiência e a
repetição prática, permitindo a fixação associada pela práxis.
Com o desenvolvimento dessas propostas e metodologias ex-
pressas, esperávamos obter os seguintes resultados:

1. Garantir acesso contínuo e sistemático dos conteúdos mu-


sicais aos alunos envolvidos;
2. Garantir a compreensão dos conteúdos musicais nos dis-
centes envolvidos;
3. Proporcionar experiências de aprendizado através de jogos
e brincadeiras musicais;
4. Propor um plano de estudo contínuo e monitorado com
base nas dificuldades dos discentes envolvidos;
5. Produzir material didático com linguagem acessível e de
fácil compreensão;
6. Contribuir para a formação pedagógica dos tutores envol-
vidos;
7. Desenvolver a práxis pedagógica dos agentes envolvidos
(tutores e alunos);

A seguir, apresentamos o cronograma de atividades que foram


desenvolvidas com os tutores do PADI entre os meses de março e
novembro:

114
Tabela 3 – Cronograma de atividades desenvolvidas pelos tutores do PADI –
março – novembro de 2017.
Mês Ação Professor-Tutores Ação Tutor-Alunos

Reunião de planejamento:
1) Levantamento dos conteúdos a se-
rem ministrados pelos tutores du-
rante o semestre;
2) Construção do plano de atividades
com os conteúdos e ações a serem
Março ministrados nos encontros;
3) Pesquisa e seleção de jogos musi-
cais (on-line) para prática da teoria
e percepção musical;
4) Pesquisa, seleção e produção de jo-
gos e brincadeiras musicais com ma-
teriais descartáveis e de fácil acesso;

Reunião de planejamento semanal

5) Seleção dos jogos e brincadeiras


musicais que se aplicam ao conteúdo
ministrado; Encontros semanais
6) Produção de exercícios da apostila para aplicação
Abril
das ferramentas
para disponibilizar em redes sociais pedagógicas.
utilizadas pelos alunos;
7) Exposição dos relatórios semanais
de conteúdo ministrado e experiên-
cia de tutoria.

115
Mês Ação Professor-Tutores Ação Tutor-Alunos
Reunião de planejamento semanal
1) Seleção dos jogos e brincadeiras
musicais que se aplicam ao conteú-
do ministrado; Encontros semanais
2) Produção de exercícios para apostila para aplicação
Maio
para disponibilizar em redes sociais das ferramentas
utilizadas pelos alunos; pedagógicas.
3) Exposição dos relatórios semanais
de conteúdo ministrado e experiên-
cia de tutoria.

Reunião de planejamento semanal


1) Seleção dos jogos e brincadeiras
musicais que se aplicam ao conteú-
do ministrado;
2) Produção de exercícios para apostila
para disponibilizar em redes sociais Encontros semanais
para aplicação
Junho utilizadas pelos alunos;
das ferramentas
3) Exposição dos relatórios semanais pedagógicas.
de conteúdo ministrado e experiên-
cia de tutoria;
4) Entrega do relatório semestral de
acompanhamento dos tutorandos
com as frequências.

Reunião de planejamento semanal


1) Curso de editoração de partitura
em software;
2) Seleção dos jogos e brincadeiras
musicais que se aplicam ao con- Encontros semanais
teúdo ministrado; para aplicação
Julho
3) Produção de exercícios para apos- das ferramentas
tila para disponibilizar em redes pedagógicas.
sociais utilizadas pelos alunos;
4) Exposição dos relatórios semanais
de conteúdo ministrado e expe-
riência de tutoria.

116
Mês Ação Professor-Tutores Ação Tutor-Alunos

Reunião de planejamento semanal


1) Levantamento dos conteúdos a
serem ministrados pelos tutores
durante o semestre;
2) Seleção de literaturas para formula-
ção da apostila didática a ser utili- Encontros semanais
zada nos encontro; para aplicação
Agosto
3) Seleção dos jogos e brincadeiras das ferramentas
musicais que se aplicam ao conteú- pedagógicas.
do ministrado;
4) Produção de exercícios para apostila;
5) Exposição dos relatórios semanais
de conteúdo ministrado e experiên-
cia de tutoria.

Reunião de planejamento semanal


1) Seleção dos jogos e brincadeiras
musicais que se aplicam ao con- Encontros semanais
teúdo ministrado; para aplicação
Setembro
2) Produção de exercícios para apostila; das ferramentas
3) Exposição dos relatórios semanais pedagógicas.
de conteúdo ministrado e expe-
riência de tutoria.

Reunião de planejamento semanal


1) Seleção dos jogos e brincadeiras
musicais que se aplicam ao con-
teúdo ministrado; Encontros semanais
2) Produção de exercícios para apostila; para aplicação
Outubro 3) Exposição dos relatórios semanais das ferramentas
pedagógicas.
de conteúdo ministrado e expe-
riência de tutoria;
4) Entrega do relatório semestral de
acompanhamento dos tutorandos
com as frequências dos mesmos.

117
Mês Ação Professor-Tutores Ação Tutor-Alunos
Encontros semanais
para aplicação
das ferramentas
Novembro Produção e entrega do relatório final. pedagógicas.

Encerramento das
atividades.
Fonte: Padi-Música, 2017.

Para implantação e desenvolvimento do programa, as reuni-


ões de acompanhamento e orientação pedagógica dos tutores acon-
teciam semanalmente, aos sábados à tarde. O dia foi escolhido para
que os tutores pudessem expor o desenvolvimento de suas atividades
ao longo da semana e compartilhar estratégias, materiais e conteúdos
que foram e viriam a ser utilizados ao longo da próxima semana com
base nos planos de disciplinas.
Nesse momento de socialização, os tutores geralmente expu-
nham os conteúdos ministrados, a quantidade de alunos presentes
nos grupos, as dificuldades encontradas pelos tutorados e o diagnós-
tico pós-tutoria sobre o rendimento dos tutorados. Feito isso, eram
traçados as estratégias e os exercícios que poderiam ser direcionados
às especificidades dos ingressantes. Dentre as dificuldades de con-
teúdos destacadas pelos tutores, os seguintes temas foram os mais
recorrentes ao longo do primeiro semestre de atividades:

• Leitura e reconhecimento das alturas musicais na pauta


musical nas claves de sol e fá;
• Execução rítmica de figuras e pausas musicais;
• Formação de escalas maiores e menores;
• Intervalos musicais;
• Acordes.

118
Pelo menos uma vez ao mês os tutores eram designados para
lecionar um conteúdo musical específico durante as reuniões de acom-
panhamento pedagógico. Com isso, eles realizavam sua auto-avaliação
sobre sua conduta e domínio do tema e recebiam o retorno dos demais
colegas sobre a clareza e objetividade da linguagem que estava sendo
utilizada durante a exposição dos conteúdos.
Para a produção de exercícios e do material didático a ser utili-
zado pelo Padi-Música, no segundo semestre de 2017, trouxemos aos
membros do grupo a proposta de ofertarmos um curso de capacita-
ção para operação de um software específico de edição de partitura.
A proposta foi bem recebida pela equipe, pois tinha o objetivo de ins-
trumentalizar os tutores para a produção de seus próprios exercícios e
suporte pedagógico nas aulas.
O curso foi ofertado de forma concentrada, aproveitando o perí-
odo de férias acadêmicas do curso de Educação do Campo. As ativida-
des duraram duas semanas, e contaram com 10 encontros, computan-
do 40 horas de duração. Com isso, os tutores adquiriram os comandos
básicos do software, garantindo-lhes o domínio da escrita a partir da
transcrição de músicas com as especificidades propostas pela atividade.

4 Relatos de experiência dos tutores no Padi-


Música 2017

Nesta seção, gostaríamos de compartilhar um pouco sobre a ex-


periência dos tutores. As informações que seguem foram extraídas dos
relatórios de avaliação do programa preenchidos pelos próprios tutores
ao término do primeiro semestre de atividades6. A avaliação faz parte
das obrigações inerentes às atividades do programa conforme constam
no termo de compromisso assinado pelos membros da equipe.

6 Esta avaliação corresponde ao período de atividades realizadas entre março e junho de 2017.

119
Para efeito de conhecimento sobre o formulário de avaliação,
seguem as questões que foram respondidas pelos tutores:

1. Houve planejamento das atividades junto ao professor(a)


coordenador(a)? Descreva-o.
2. Quais conteúdos os tutorados apresentaram maior difi-
culdade?
3. Quais estratégias adotadas para avaliar o nível de co-
nhecimento dos alunos tutorados e sanar as dificuldades
apresentadas por eles?
4. Qual(is) recurso(s) didático(s) foram utilizado(s)?
5. Quantas horas-aula foram ministradas?
6. Qual(is) o(s) meio(s) utilizado(s) para divulgação da tutoria?
7. Quantifique o número de estudantes atendidos pela tutoria.
8. Houve reuniões, seminários e oficinas referentes ao Pro-
grama? Descreva a(s) ação(ações).
9. Pontos positivos da tutoria (principais resultados obtidos).
10. Pontos negativos da tutoria (principais dificuldades en-
contradas).

Das 10 questões respondidas, destacaremos nessa seção apenas


algumas respostas já que parte delas foi apresentada anteriormente
neste capítulo. Destacam-se então os pontos positivos e negativos
que eles encontraram dentro das atividades do programa e a auto-a-
valiação do grupo, quando eles expõem suas experiências, expectati-
vas e desafios.
Segundo os tutores, os principais pontos positivos do programa
foram:

120
• Melhorar a relação com os alunos do curso.
• Desenvolver atividades didáticas que pudessem ser apli-
cadas durante o período de estágio.
• Perceber que os alunos se tornaram mais participativos
nas aulas.
• Perceber o aprendizado pessoal sobre os conteúdos.
• Ver o sucesso dos tutorados após as avaliações.
• Perceber o avanço de desempenho nos conteúdos das
disciplinas.
• Perceber o reconhecimento do trabalho pelos demais co-
legas de curso.
• Perceber que houve redução no índice de reprovação das
disciplinas de música por conta do nosso trabalho.

Como pontos negativos os tutores destacaram:

• A pouca frequência por parte de alguns alunos nas aulas


de tutoria.
• A indisponibilidade de sala para as atividades do Padi.
• A falta de infraestrutura (sala) e material (apagador e
pincel) para as atividades.
• Adaptação à dinâmica da pedagogia da alternância.
• A conciliação de horários entre tutores e tutorados.

Na questão “Como vocês avaliam o grupo? Fale um pouco da


sua experiência, expectativas e desafios encontrados como tutor no
Padi-Música”, optamos pela transcrição dos relatos dos tutores.

121
Maycom Cléber:

A experiência de estar como tutor do Padi é única, e


penso que todo estudante deveria passar pela mesma.
É fantástico ter a oportunidade de durante a sua for-
mação, enquanto professor, estar atuando em sala de
aula. O Padi torna esta experiência ainda mais fan-
tástica, devido o fato de ter uma proposta pedagógica
diferenciada, onde exploramos o lúdico, ou seja, os jo-
gos e brincadeiras, para estimular o aprendizado, e a
própria vontade de aprender, dos nossos colegas.
Enquanto deficiente visual, conseguir transmitir co-
nhecimentos relacionados à teoria musical, que é uma
área do conhecimento que requer muito da visão ocu-
lar, e poder perceber nos tutorandos um certo avanço
com relação ao seu aprendizado, é algo enriquecedor.
De certa forma, o Padi me fez entender, que os desa-
fios só são grandes demais, quando nós nos colocamos
pequenos diante deles. Ao ingressar no programa ti-
nha algumas expectativas, tais como colaborar para o
avanço no aprendizado das disciplinas relacionadas à
teoria musical, fazendo com que o número de alunos
reprovados nestas disciplinas fosse reduzido. Além de
aprimorar meus próprios conhecimentos com relação
as mesmas disciplinas. Nestes primeiro semestre, al-
cancei meus objetivos, conseguindo superar as minhas
expectativas, o que me deixa com muito mais respon-
sabilidade e otimismo para o segundo semestre. Uma
das coisas que mais preocupava-me em relação ao
programa, diz respeito ao relacionamento e à recepti-
vidade dos alunos para comigo. No entanto, bastaram
as primeiras aulas assistidas na turma dos tutorandos,
e os primeiros contatos enquanto tutor, para entender
e perceber que esta receptividade e aceitação ocorreria
da melhor maneira possível. De modo geral, a relação
sempre foi de amizade e respeito, o que facilitou o
nosso trabalho enquanto tutores. A experiência de ser
um professor cego é algo fantástico. Primeiramente,
por ter que superar os próprios limites, e segundo, pela

122
entrega dos tutorandos que participaram do programa
nesse primeiro semestre. Na sala de aula pude desen-
volver atividades variadas, como por exemplo, o jogo
dos sete erros, onde escrevemos uma pauta musical
no quadro, constavam sete erros, e os alunos deveriam
encontrar os mesmos. Desenvolvemos muitas brin-
cadeiras relacionadas aos conteúdos estudados em
sala de aulas, o que, de certa forma, contribuiu para o
avanço do aprendizado dos tutorandos.

Poliana Oliveira:

Para mim, o programa foi ótimo. Nos proporcionou re-


fletir, principalmente, acerca das dificuldades que os alu-
nos enfrentam ao ingressar na Universidade. Nos pos-
sibilitou entender um pouco o universo musical como
alunos e também como futuros educadores na área. Com
relação ao que foi planejado, conseguimos cumprir todo
o cronograma e ainda realizar atividades que não esta-
vam previstas, mas que serviram para melhorar o nosso
desempenho e o desempenho dos tutorandos.

Tássia Cipriano:

Durante o período de atividades do Padi, nós perce-


bemos que os alunos tiveram um grande avanço nos
conteúdos proposto pelas disciplinas de música. O
programa ajudou os alunos na aprovação da discipli-
na. Percebemos que alguns alunos também estão mais
participativos e interessados nas aulas de música. O
programa é muito bom, porém ainda está no início
e se adaptando, ainda encontramos dificuldades em
convencer os alunos a participarem das aulas, e con-
vencer os mesmos a ter o hábito de estudar. O progra-
ma PADI é muito bom e acredito que com o tempo
os alunos vão se acostumar a ir nas aulas de tutoria, ou
seja, ser mais frequentes.

123
Renata Cipriano:

Durante o primeiro semestre de atividades do Padi


conseguimos alcançar em alguns objetivos propostos
pelo programa, pois ao final do período de vigência
pôde-se observar o elevado nível de aprovação e de-
sempenho dos estudantes nas disciplinas orientadas
pelos tutores (Fundamentos da Notação Musical e
Teoria e Percepção Musical II). Tudo ocorreu bem,
apesar dos desafios encontrados pelos tutores em rela-
ção a como coordenar e realizar as atividades do Padi.
Acredito que seja pelo fato de ser um programa novo
e que não haviam referências anteriores no campus e
nem para aulas de música. No entanto, conseguimos
contornar as dificuldades e realizar um ótimo trabalho
como tutores.

Renata Lima:

Bom, o grupo demonstrou grande responsabilidade,


cumprindo todo seu compromisso, e isso se traduziu
no grande sucesso, de ambas as partes. Boa parte do
plano foi realizado com sucesso, ou seja, encontramos
umas pequenas barreiras, mas sempre conseguimos
passar por todas. Com certeza, nós, tutores, temos algo
a relatar, que é a boa experiência que estamos tendo
com o Padi; servindo para nossa futura docência.

Dada a novidade do programa no contexto do curso, a tra-


jetória das atividades desenvolvidas pela primeira turma de tutores
contou com percalços que foram sendo resolvidos ao longo das ati-
vidades. Para este grupo de tutores, assumir a responsabilidade de
acompanhar pedagogicamente seus colegas de curso foi o maior de-
safio a ser superado. Tratava-se de dar início à prática docente, sem
terem experiência contínua com a sala de aula.
Ao longo dos encontros de tutoria e reuniões pedagógicas o
processo de construção do conhecimento e desenvoltura das práticas

124
pedagógicas com os conteúdos foi permitindo o cumprimento de um
dos principais objetivos do programa: promover a iniciação docente.

5 Considerações finais

Como pontos relevantes, destacamos em nossas considerações


o alinhamento entre as políticas de ensino e assistência estudantil.
Neste contexto, programas institucionais como o Padi anseiam por
propostas pedagógicas que visam o sucesso acadêmico e a redução do
déficit de conteúdos que os alunos ingressantes possuem no início
da graduação dadas as complexas circunstâncias que ainda se fazem
presentes na Educação do Estado do Tocantins.
Em nosso grupo de tutoria acreditamos ter alcançado de forma
positiva os objetivos expressos pelo programa como demonstraremos
abaixo em um quadro com o rendimento de aprovação alcançado nas
turmas onde o programa se fez presente de forma constante e atuan-
te. Para efeito de recordação, trazemos novamente à tona os quatro
objetivos que norteiam as práticas pedagógicas do PADI:

I - Ampliar o atendimento aos alunos ingressantes na


Instituição proporcionando-lhes suporte didático, no
sentido de minimizar deficiências de conhecimentos
básicos necessários às disciplinas introdutórias dos
cursos de graduação;
II - Propiciar ao tutor discente a oportunidade de en-
riquecimento técnico e pessoal, por meio do desen-
volvimento de atividades acadêmicas, permitindo-lhe
ampliar a convivência com outras pessoas do meio
universitário;
III - Contribuir para a redução do índice de reprova-
ção, retenção e evasão na UFT;
IV - Promover a democratização do ensino superior,
com excelência.

125
A respeito do objetivo I, destacamos que o atendimento foi
realizado semanalmente, de segunda à sexta-feira, de forma cons-
tante e ininterrupta durante todo o ano de 2017. Foram realizados
atendimentos durante o período de alternância – período em que
os alunos da licenciatura em Educação do Campo retornam às suas
comunidades para o desenvolvimento de atividades.
Sobre o objetivo II, o relato de experiência de nossos tutores
aponta para o desenvolvimento pessoal que todos destacaram em
seus depoimentos enquanto membros participantes do programa.
Todos ressaltaram a importância do programa para seu desenvolvi-
mento profissional, sentindo-se mais seguros em lecionar conteúdos
relativos com temática em música no contexto de sala de aula.
Quanto ao objetivo III destacamos abaixo o quadro que traduz
a ação do programa dentro da LEDOC-Tocantinópolis (Tabela 4).
No objetivo IV, acreditamos tê-lo alcançado no momento em
que demos aos alunos ingressantes da LEDOC a garantia de que ao
longo de todo semestre letivo o acompanhamento de qualidade, atu-
ante e sistemático com material sobre os conteúdos estivesse sempre
ao alcance dos ingressantes.

Tabela 4 – Resultados da ação do programa dentro da LEDOC-Tocantinópolis –


índice de aprovação
Ano/Semestre Nº de alunos Índice de
Disciplina
letivo matriculados aprovação
Fundamentos da Notação
2017.1 45 86.7%
Musical
Teoria e Percepção Musical
2017.1 49 81.6%
II
Teoria e Percepção Musical
2017.1 29 34.5%
II (Turma especial)*
Fonte: Sistema de secretaria acadêmica da Prograd.

126
Sobre a Tabela 4 gostaríamos de comentar alguns dados ex-
postos. O baixo índice de aprovação para a turma especial de Teoria
e Percepção II justifica-se pela não adesão dos alunos ao programa,
mesmo diante dos insistentes convites e anúncios feitos durante o
período letivo.
Sobre a turma de Fundamentos da Notação Musical, em aná-
lise ao número percentual de reprovação apenas 1 (um) aluno foi re-
provado por não alcançar o conceito mínimo. Os demais reprovados
não a concluíram em virtude do elevado número de faltas, configu-
rando desistência da disciplina. Segundo o grupo de tutores essa foi
a turma que melhor acolheu o programa.
Em análise aos dados coletados sobre a turma de Teoria e Per-
cepção Musical II tivemos um índice moderado de adesão ao pro-
grama, entretanto, sobre o percentual de reprovados, 2 (dois) alunos
reprovaram pelo alto índice de infrequência e 7 (sete) por não al-
cançarem o conceito mínimo necessário para aprovação. No levanta-
mento feito com base na lista de presença preenchida pelos partici-
pantes do Padi, constatou-se que os alunos reprovados não aderiram
ao programa.
Dessa forma, acreditamos estar contribuindo na formação dis-
cente dos alunos da LEDOC, sedimentando os conteúdos transmi-
tidos em sala de aula, e contribuindo para permanência dos ingres-
santes na graduação a partir das orientações políticas de ensino e
assistência estudantil da Universidade.
Visto que a LEDOC funciona em regime de alternância peda-
gógica, o acompanhamento constante promovido pelos tutores con-
tribuiu de alguma forma para um ganho de carga horária extra que
permitiu aos alunos tutorados minimizar possíveis perdas de conteú-
dos elementares apresentados em sala pelo professor regente.
A adaptação às condições da alternância ainda estão no foco
de nossa atenção tendo em vista que ela é um dos maiores desafios
às metodologias empregadas ao ensino de música e às dinâmicas do

127
programa. Em alguns casos, a alternância pedagógica tem sido aponta-
da como um possível fator para a perda de rendimento e foco acadêmi-
co nos estudos em música, já que as disciplinas exigem prática constan-
te e sistemática. As reflexões continuam e visando superar limitações,
almejamos melhorar os resultados alcançados rumo à excelência.

REFERÊNCIAS

LEDOC. LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO.

LIFES. LABORATÓRIOS INTERDISCIPLINARES DE


FORMAÇÃO DE PROFESSORES. Disponível em: <http://
ww2.uft.edu.br/ensino/graduacao/programas-institucionais/
14291-laboratorios-interdisciplinares-de-formacao-de-professores-
-lifes>. Acesso em: 20.12.2017.

PADI. PROGRAMA DE APOIO AO DISCENTE INGRES-


SANTE. Disponível em: <http://ww2.uft.edu.br/ensino/graduacao/
programas-institucionais/14903-programa-de-apoio-ao-discen-
te-ingressante-padi>. Acesso em: 20.12.2017.

PDI. PLANO DE DESENVOLVIMENTO INSTITUCIO-


NAL (PDI) 2016-2020. Universidade Federal do Tocantins, 2016.
Disponível em : <https://docs.uft.edu.br/share/s/Bu0fAqZjT66B-rT-
gwt53LQ>. Acesso em: 20.12.2017.

PET. PROGRAMA DE EDUCAÇÃO TUTORIAL. Disponível


em: <http://ww2.uft.edu.br/ensino/ graduacao/programas-institu-
cionais/10676-programa-de-educacao-tutorial-pet>. Acesso em:
20.12.2017.

128
PIBID. PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSA DE
INICIAÇÃO À DOCÊNCIA. Disponível em: <http://ww2.uft.
edu.br/ensino/graduacao/programas-institucionais/13040-pibid-pro-
grama-institucional-de-bolsa-de-iniciacao-a-docencia>. Acesso em:
20.12.2017

PIM. PROGRAMA INSTITUCIONAL DE MONITORIA.


Disponível em: <http://ww2.uft.edu.br/ensino/graduacao/progra-
mas-institucionais/10677-pim>. Acesso em 20.12.2017

PIMI. PROGRAMA INSTITUCIONAL DE MONITORIA


INDÍGENA. Disponível em: <http://ww2.uft.edu.br/ensino/gra-
duacao/programas-institucionais/10679-programa-institucional-de-
-monitoria-indigena-pimi>. Acesso em: 20.12.2017.

PMA. PROGRAMA DE MOBILIDADE ACADÊMI-


CA. Disponível em : <http://ww2.uft.edu.br/ensino/graduacao/
programas-institucionais/10678-programa-de-mobilidade-aca-
demica-pma>. Acesso em: 20.12.2017.

PRODOCÊNCIA. PROGRAMA DE CONSOLIDAÇÃO DAS


LICENCIATURAS. Disponível em: <http://ww2.uft.edu.br/ensi-
no/graduacao/programas-institucionais/10681-programa-de-conso-
lidacao-das-licenciaturas-prodocencia>. Acesso em: 20.12.2017.

PROEST. PRÓ-REITORIA DE ASSUNTOS ESTUDANTIS.

PROFOR. PROGRAMA DE FORMAÇÃO DOCENTE


CONTINUADA. Disponível em : <http:// ww2.uft.edu.br/ensino/
graduacao/programas-institucionais/14285-programa-de-forma-
cao-docente-continuada-profor>. Acesso em: 20.12.2017.

129
PROGRAD. PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO.

PROGRAD. Edital n.º 12/2017.

SIEPE. SEMINÁRIO INTEGRADO DE ENSINO PESQUI-


SA E EXTENSÃO.

UFT. UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS.

130
5 – Da teoria à prática: o Estágio
Curricular Supervisionado no curso
de licenciatura em Educação do
Campo com habilitação em Artes e
Música da UFT / Tocantinópolis

Helena Quirino Porto Aires


Gustavo Cunha de Araújo

1 Introdução

Falar em estágio curricular supervisionado nos remete a pensar


esta disciplina para além das exigências de cumprimento de carga
horária de curso, o que implica, portanto, considerar o estágio como
elemento fundamental para a formação de professores com vistas de
compreensão do significado real para o ato educativo e os desafios
que se interpõem no processo de ação reflexiva e que respaldam no
fazer pedagógico. Assim, o estágio consiste em um elemento es-
sencial e inerente à formação de professores no sentido não de sair
preparado para ação docente, mas como uma possibilidade de apro-
ximação do fazer docente, uma vez que Pimenta (2010) ressalta que
a formação inicial, por melhor que seja, não dá conta de preparar o
professor à altura de responder por meio de seu fazer pedagógico as
novas exigências e demandas acerca do processo de ensino e aprendi-
zagem. Daí a importância do estágio curricular supervisionado para
a formação de professores e para o conhecimento teórico e prático.
E isso, de certa forma, traz algumas consequências negativas
para a realização do estágio, pois quando os acadêmicos estão esta-

131
giando, geralmente não conseguem fazer a articulação dos elementos
teóricos apreendidos na universidade com as várias situações encon-
tradas no contexto escolar (gestão escolar, planejamento, avaliação,
indisciplina, evasão, reprovação, didática, recursos materiais e huma-
nos) entre outros fatores da organicidade do trabalho pedagógico,
tornando assim a teoria distante da prática.
Em se tratando do estágio curricular supervisionado no curso
de licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes
e Música, essa situação se torna mais preocupante, pois a maioria
das escolas públicas nas regiões atendidas pelo estágio (conveniadas
com a UFT) no Estado do Tocantins, não dispõem de profissionais
habilitados nessas áreas e, além desse problema, a disciplina de Arte
acaba servindo também como complemento de carga horária para
professores, embora nessa disciplina sejam trabalhados os conteúdos
de música, teatro, dança e artes visuais; já a disciplina de música pra-
ticamente não existe nas grades curriculares (Estado do Tocantins),
apenas em algumas (poucas) escolas de ensino integral no Estado.
Diante desse cenário é perceptível que não é possível compreender o
processo de ensino e aprendizagem como um todo em sua formação.
A esse respeito, Pimenta (2010) adverte que o processo educativo é
mais amplo e complexo.
Nesse sentido, este texto tem como objetivo descrever e ana-
lisar os percursos e desafios acerca da realização do estágio curricu-
lar supervisionado no curso de licenciatura em Educação do Campo
com habilitação em Artes e Música, na Universidade Federal do To-
cantins, campus Tocantinópolis.

2 Encaminhamentos metodológicos

Como procedimento metodológico, esta pesquisa se baseia na


abordagem qualitativa, de caráter descritivo e interpretativo (BOG-
DAN; BIKLEN, 1994; ERICKSON, 1985). Utilizou-se a pesquisa

132
teórica e empírica na perspectiva da abordagem qualitativa. A pes-
quisa teórica, segundo Demo (2000, p. 20) é “dedicada a reconstruir
teoria, conceitos, ideias, ideologias, polêmicas, tendo em vista, em
termos imediatos, aprimorar fundamentos teóricos”. Ainda sobre a
pesquisa teórica, Demo (1994) complementa:

a valorização desse tipo de pesquisa é pela possibilida-


de que oferece de maior concretude às argumentações,
por mais tênue que possa ser a base fatual. O signi-
ficado dos dados empíricos depende do referencial
teórico, mas estes dados agregam impacto pertinente,
sobretudo no sentido de facilitarem a aproximação
prática (DEMO, 1994, p. 37).

A justificativa pela pesquisa empírica se dá pelo fato dos au-


tores deste trabalho terem tido envolvimento com as experiências
desenvolvidas ao longo do estágio curricular supervisionado no curso
de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música. So-
bretudo, esse tipo de pesquisa possibilita a compreensão e a busca
de dados relevantes e convenientes obtidos por meio da experiência,
da vivência do pesquisador, com vistas a chegar a novas conclusões a
partir da maturidade experimental do(s) outro(s).
Como forma de análises dos dados, a técnica da pesquisa in-
terpretativa está em consonância com os instrumentos metodológi-
cos utilizados na pesquisa, bem como se coloca adequada aos pres-
supostos teóricos enfatizados neste estudo. Para Erickson (1985) a
pesquisa interpretativa é bastante significativa para a educação, por
se interessar pelo espaço cultural e social da sala de aula e o ensino e
aprendizado ali construídos, e pelo significado das ações que aconte-
cem nesse mesmo espaço, promovidas tanto por alunos quanto pelo
professor durante o processo educativo.
Inicialmente foram realizadas a análise de documentos – Pro-
jeto Pedagógico do Curso (PPC) do Curso de Educação do Cam-
po de Tocantinópolis / UFT e as Diretrizes do Estágio Curricular

133
Supervisionado – elaborados pela equipe do colegiado do referido
do curso, com o objetivo de identificar elementos acerca do estágio
supervisionado, bem como aspectos sobre a formação de educadores
e educadoras para atuação em escolas localizadas no campo.
Outro instrumento utilizado para coleta de dados foi o uso de
entrevistas semiestruturadas com 8 (oito) discentes que concluíram
as etapas do Estágio I, II, III e IV no referido curso. A escolha dos
discentes se deu por meio do critério de assiduidade nas aulas ao lon-
go da realização dos estágios. O roteiro da entrevista foi constituído
a partir dos debates teóricos e literaturas estudadas durante as aulas
com os discentes, buscando problematizar algumas questões em tor-
no do percurso e desafios encontrados para a materialização e efeti-
vação dessa disciplina, bem como a percepção deles no que concerne
à importância do Estágio Curricular Supervisionado para a formação
de educadores e educadoras do campo. As entrevistas foram gravadas
em áudio, transcritas posteriormente e, por fim, analisadas.
É importante ressaltar que as falas dos entrevistados foram or-
ganizadas da seguinte forma: entrevistado A (2017); entrevistado B
(2017); entrevistado C (2017); entrevistado D (2017); entrevistado E
(2017); entrevistado F (2017); entrevistado G (2017); entrevistado I
(2017), com o objetivo de preservar seus anonimatos e o atendimento
à ética na pesquisa em ciências humanas. Contudo, para análise das
entrevistas e, devido a extensão do texto, foram selecionados alguns
trechos significativos das falas desses estudantes para dialogar com
autores que discutem a temática em questão.

3 Aspectos históricos, legais e conceituais


sobre o estágio supervisionado no Brasil

Segundo o que consta no Parecer n. 35/2003 do CNE/CEB


sobre a história do estágio supervisionado no Brasil, o seu conceito se
consolidou no país na década de 1940, a partir das Leis Orgânicas do

134
Ensino Profissional. Os estágios eram voltados para preparar o estu-
dante para atuar em indústrias, no comércio ou no campo. Os alunos
tinham nesses lugares uma oportunidade de colocar em prática o que
aprendiam teoricamente nas escolas técnicas.
Cabe destacar que os estágios supervisionados no Brasil surgi-
ram concomitantemente ao desenvolvimento industrial no país, prin-
cipalmente a partir dos anos de 1930. Isso fez com que a educação
brasileira fosse reformulada, pois, não bastaria apenas ter cursos secun-
dários e superiores para formar as “elites”, mas, também, eram neces-
sários cursos profissionalizantes para atender as demandas do processo
de industrialização, que necessitavam de mão de obra qualificada.
Contudo, foi a partir da LDB n. 5.692/71 que os estágios su-
pervisionados se tornaram relevantes na educação, pois, com o Pare-
cer CFE n. 45/72, os estágios se tornaram obrigatórios para as ha-
bilitações profissionais técnicas dos setores primário e secundário da
economia, saúde entre outros.

Essa orientação profissionalizante consagrada pela


Lei Federal n. 5.692/71 provocou a definição de uma
legislação específica para o estágio profissional super-
visionado. A Lei Federal n. 6.497/77 regulamentou
os estágios profissionais supervisionados na educação
superior, no ensino de segundo grau (técnico) e no
ensino supletivo profissionalizante. A referida Lei foi
regulamentada pelo Decreto Federal n. 87.497/82.
(BRASIL, 2003).

Entretanto, a atual LDB n. 9.394/96, em seu artigo 82, ampliou


os objetivos e a abrangência do estágio supervisionado, esclarecendo
que o estágio não se refere apenas a uma prática profissional, mas a
uma oportunidade do estudante se integrar no mundo do trabalho,
trocando e socializando experiências, aprendendo novas habilidades,
desenvolvendo responsabilidades, atitudes éticas e construindo co-
nhecimentos. O próprio currículo do ensino médio, destacado nessa

135
Lei, em seu artigo 36, ressalta a importância de se compreender o
significado das ciências, das letras e das artes. É nesse sentido que o
conceito de estágio supervisionado se amplia, ao aliar as dimensões
do social, do profissional e do cultural.
O Parecer CNE/CEB n. 35/2003 chama a atenção ao fato de
que o estágio supervisionado não é e não deve ser considerado “pri-
meiro emprego”. Mas, sim, uma atividade curricular da escola, um ato
educativo, que proporciona ao estudante, em processo de formação,
conhecer a realidade do mundo do trabalho, se identificar com a sua
escolha profissional.
O estágio supervisionado também é ressaltado pelas novas
Diretrizes Curriculares Nacionais para as licenciaturas no Brasil,
Resolução n. 2 de 1° de julho de 2015. Em seu capítulo V, que
diz respeito à “Formação Inicial do Magistério e para a Formação
Continuada”, define que deverá ser dedicado ao estágio supervisio-
nado 400 horas na área de formação e atuação na educação básica,
para cursos com no mínimo 3.200 horas de trabalho efetivo. Vale
lembrar que o estágio curricular supervisionado é obrigatório nas
licenciaturas e que os docentes que atuam de forma regular na edu-
cação básica, poderão solicitar redução de no máximo 100 horas da
carga horária do estágio.
A Lei Federal n. 11.788, de 25 de setembro de 2008 (BRA-
SIL, 2008), dispõe sobre o estágio de estudantes, alterando a LDB
n. 9.394/96, e enfatiza que o estágio supervisionado pode ser obriga-
tório ou não, conforme diretrizes curriculares do curso de graduação
que o aluno está cursando e do projeto pedagógico do curso. Além
de proporcionar ao estudante um aprendizado das atividades profis-
sionais, um olhar crítico sobre o mundo do trabalho leva o discente
a descobrir e a compreender os diferentes desafios encontrados na
profissão. Contudo, assim como as Leis anteriores, esclarece que o
estágio supervisionado não gera vínculo empregatício.

136
Art. 1o  Estágio é ato educativo escolar supervisionado,
desenvolvido no ambiente de trabalho, que visa à pre-
paração para o trabalho produtivo de educandos que
estejam frequentando o ensino regular em instituições
de educação superior, de educação profissional, de en-
sino médio, da educação especial e dos anos finais do
ensino fundamental, na modalidade profissional da
Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2008).

É importante ressaltar que o estágio pode ser realizado nas se-


guintes entidades (AIRES; COSTA, 2016): a) Pessoas jurídicas de
direito privado; b) Órgãos da administração pública direta, autárqui-
ca e fundacional, dos municípios, estados e federação; c) Profissionais
liberais de nível superior que tenham registros em seus conselhos de
fiscalização profissional.
Assim, o estágio curricular constitui um momento de aquisição
e aprimoramento de conhecimentos e de habilidades essenciais ao
exercício profissional, que tem como função integrar teoria e prática.
Nessa discussão acerca do estágio em relação teoria-prática, Cury
(2003, p. 113-122) refere-se ao estágio curricular supervisionado
como a oportunidade de articulação entre o momento do saber e o
momento do fazer, ao afirmar que: “O momento do saber não está
separado do momento do fazer, e vice-versa, mas cada qual guarda
sua própria dimensão epistemológica”.
Nesse entendimento, Pimenta (2010) pensa o estágio como
uma possibilidade de aproximação, tendo em vista que cada prática é
única em função dos elementos que envolvem o processo de ensinar
e aprender (professores, alunos, escola, comunidade) e os contextos
político, econômico e cultural em que cada escola está inserida. Vale
destacar que o estágio de docência também compreende um conjun-
to de atividades para a atuação do professor e constitui-se em espaço
de integração entre universidade, escola e comunidade, através do
intercâmbio de saberes e da articulação de ações de ensino, pesquisa
e extensão.

137
Com efeito, o estágio curricular supervisionado se constitui em
uma experiência com dimensões formadora e sociopolítica, que pro-
porciona ao estudante a participação em situações reais de trabalho.
Além disso, consolida a sua profissionalização e explora as compe-
tências básicas indispensáveis para uma formação profissional ética
e corresponsável pelo desenvolvimento humano e pela melhoria da
qualidade de vida.

4 Percursos e desafios enfrentados para


realização do planejamento do estágio
curricular supervisionado no curso de
Educação Campo da UFT/Tocantinópolis

O curso de Educação do Campo tem as especificidades de


realizar estágios nas séries finais do Ensino Fundamental e Ensino
Médio na disciplina de Arte. Isso de certa forma foi um dos desafios
enfrentados pelos professores e pelos alunos, pois nem todas as es-
colas do Estado localizadas no campo (e mesmo algumas em alguns
municípios desse Estado) contemplam os dois níveis de ensino. As-
sim, alguns alunos tiverem que estagiar em duas escolas. Além dessa
questão, as grades curriculares, principalmente as do Estado do To-
cantins, não possuem a disciplina de Música, considerando-a como
elemento da própria disciplina de Arte. Vale ressaltar que mesmo não
tendo a disciplina na grade curricular de algumas escolas, foi sugerido
aos estagiários que música fosse trabalhada por meio de projetos ou
como componente curricular na disciplina de Arte.
Outro ponto observado no estágio foi acerca do preenchimento
dos formulários, pois além das dificuldades dos alunos em seu preen-
chimento, alguns tiveram que utilizar dois formulários em função da
realização de estágio em duas instituições de ensino. E como alguns
são de municípios distantes, isso foi um dos desafios enfrentados por

138
eles, no sentido de colher assinatura dos diversos profissionais – dire-
ção das escolas, professores de Arte, professores orientadores do es-
tágio, direção do campus da UFT – que são exigidos nos formulários.
Outro desafio enfrentado pelos alunos foi a realização do está-
gio na disciplina de Arte, que acontece somente uma vez na semana,
às vezes coincidindo com feriados. E quando esses dias são feriados
ou quando acontece algum evento na escola, é impossibilitada a rea-
lização do estágio, demandando mais tempo para a sua efetivação no
tempo comunidade. Nesse sentido, o colegiado do curso de Educação
do Campo reorganizou o espaço entre o tempo universidade e tempo
comunidade, deixando um tempo maior nesse último para facilitar a
realização do estágio.
Nesse sentido (BARREIRO, 2006, p. 60) ressalta:

[...] a importância da relação interinstitucional e da


mediação do professor-supervisor na orientação do
estágio curricular, que deverá propiciar ao aluno mo-
mentos de reflexão, análise e interpretação da realida-
de educacional do seu campo de estágio, possibilitan-
do as ações e intervenções desejadas, e que, a partir de
vivências e experiências, ele possa ir construindo a sua
própria prática.

Essas considerações são fundamentais para o processo de re-


alização do estágio, principalmente no que se refere à formação de
professores para atuar na educação do campo. Assim, Barreiro (2006)
complementa que as supervisões dos estágios compartilham experi-
ências e emoções diante de determinadas situações e dificuldades e,
que esses problemas enfrentados pelos professores e alunos propi-
ciam o aprimoramento da capacidade de avaliar e programar ações
que possibilitam minimizar certos problemas.

139
5 O estágio curricular supervisionado no
curso de licenciatura em Educação do Campo
com habilitação em Artes e Música da UFT/
Tocantinópolis

Segundo as informações do Projeto Pedagógico do Curso de


Educação do Campo de Tocantinópolis (2014, p. 107) o estágio tem
como objetivo “propiciar condições para que o acadêmico possa vi-
venciar, no tempo comunidade, experiências de docência orientadas e
supervisionadas que o conduza à análise e à reflexão sobre o processo
de ensino e aprendizagem.”
Assim, o estágio curricular supervisionado é realizado nas sé-
ries finais do ensino fundamental, no ensino médio na disciplina de
Arte, e gestão escolar, bem como em espaços não formais, tendo em
vista a área de atuação do egresso do curso de licenciatura em Edu-
cação do Campo. Faz parte da formação integradora do currículo
do curso de licenciatura em Educação do Campo e constitui-se em
disciplina obrigatória para todos os estudantes matriculados. Suas
etapas são as seguintes:
Estágio Curricular Supervisionado I – Consiste na observa-
ção, investigação, reflexão e problematização da prática relacionada à
gestão de sala de aula no ensino fundamental e ensino médio. Além
da observação do contexto da gestão escolar, caracteriza-se como
preparatória à elaboração do planejamento a ser apresentado como
elemento norteador das ações do processo ensino e aprendizagem a
serem desenvolvidas nas próximas etapas. O estágio deverá apresen-
tar um relatório das atividades/observações realizadas junto com as
reflexões e encaminhamentos de proposições. O professor orientador
do estágio deverá organizar encontros quinzenais, nos quais se dis-
cutirá a prática vivenciada pelos alunos, dentro das 60 horas previstas
para esta etapa.
A prática dessa etapa de estágio ocorreu com uma parte no

140
tempo universidade e a outra no tempo comunidade. Na universida-
de, a parte de orientação foi trabalhada por uma equipe de professores
do curso de Educação do Campo de várias áreas do conhecimento
por meio de textos teóricos a respeito do estágio curricular super-
visionado, como de Pimenta (2010), por exemplo, com o objetivo
de proporcionar aos acadêmicos uma compreensão maior acerca da
importância do estágio para a formação de professores.
Além de apresentar aos acadêmicos as Diretrizes Curriculares
do Estágio Supervisionado do curso de Educação do Campo, foi tra-
balhada com eles também uma oficina ministrada pela técnica admi-
nistrativa da Central de Estágio do campus no que concerne aos pre-
enchimentos dos formulários, sendo uma parte teórica em sala de aula
e outra prática no laboratório de informática do mesmo campus. No
tempo comunidade, os acadêmicos realizaram a observação da gestão
escolar e de regência de sala de aula nas séries finais do ensino funda-
mental e ensino médio na disciplina de Arte, em suas comunidades
de origem de acordo com as orientações dadas pelos professores que
acompanharam o estágio. Posteriormente, foram socializados e entre-
gues os relatórios dessa observação em outro tempo na universidade,
pelos estudantes.
Sobre essa parte de observação, Pimenta (2010) pontua que a
aproximação do estagiário com o professor auxilia o discente a verifi-
car como são conduzidas as aulas, o que pode proporcionar também
o conhecimento a respeito da identidade do que é ser professor ao
longo da carreira docente.
Estágio Curricular Supervisionado II – Fase de execução:
prática de sala de aula nos anos finais do ensino fundamental. São
propostas ações para a prática e o aprofundamento do processo de
construção do conhecimento. É a fase da elaboração do planejamen-
to a partir de propostas de ações para a prática que será vivenciada
na unidade escolar em questão, durante esse período. O professor
orientador de estágio assumirá papel preponderante nesta fase, fun-

141
cionando como observador, orientador e facilitador do processo de
crescimento do estudante, mediante acompanhamento e avaliação
dos trabalhos “in loco” e encontros mensais no tempo universidade,
nos quais, além de se discutir a prática vivenciada pelos alunos, serão
também propostas ações de reencaminhamento da prática (ação /
reflexão / ação), dentro das 90horas previstas para estas etapas.
Essa etapa de estágio se deu também em dois momentos: na uni-
versidade ocorreu a orientação aos acadêmicos sobre a elaboração do pla-
no de aula para as séries finais do ensino fundamental e outro momento
ocorreu nas escolas de suas comunidades, referente à execução da pro-
posta do estágio em sala de aula. Vale destacar que esse último momento
foi acompanhado pelos professores orientadores do estágio.
Estágio Curricular Supervisionado III – Fase de execução:
prática de sala de aula no ensino médio. São propostas ações para
a prática e aprofundamento do processo de construção do conheci-
mento. É a fase de construção do planejamento a partir de propostas
de ações para a prática que será vivenciada na unidade escolar em
questão, durante esses períodos. O professor orientador de estágio
assumirá papel preponderante nessa fase, funcionando como obser-
vador, orientador e facilitador do processo de crescimento do estu-
dante, mediante acompanhamento e avaliação dos trabalhos “in loco”
e encontros mensais no tempo universidade, nos quais, além de se
discutir a prática vivenciada pelos alunos, serão também propostas
ações de reencaminhamento da prática (ação / reflexão / ação), dentro
das 120 horas previstas para esta etapa.
Estágio Curricular Supervisionado IV– Neste estágio foi
elaborado e desenvolvido um projeto de extensão com a participação
da comunidade. Constitui-se o momento que culminou com o tér-
mino do estágio, dentro das 135 horas previstas para esta etapa.
Esta última etapa do estágio, que também aconteceu nesses
espaços citados anteriormente, foi bastante profícua: as outras três
etapas possibilitaram aos acadêmicos fazer um diagnóstico da temá-

142
tica em suas comunidades, para então se elaborar e desenvolver um
projeto que envolvesse a comunidade escolar e local no sentido de
contribuir e aproximá-las.
Vale mencionar que todas as etapas de estágio curricular super-
visionado realizado pelos acadêmicos foram trabalhadas em dois mo-
mentos: tempo universidade e tempo comunidade. Nesse sentido, o
estágio curricular supervisionado realizado nessa perspectiva da alter-
nância possibilita uma formação condizente com a proposta do curso.

6 O estágio supervisionado no curso de


licenciatura em Educação do Campo:
concepções discentes

Com o intuito de ampliar as reflexões produzidas nesta pesqui-


sa, a seguir são mencionados e analisados alguns relatos dos discentes
a respeito da importância e realização do estágio curricular supervi-
sionado no curso de licenciatura em Educação do Campo com habi-
litação em Artes e Música, bem como seus desafios e perspectivas da
realização e desenvolvimento do estágio.
Como primeira questão, foi perguntado: Para você, o que signi-
fica estágio curricular supervisionado? Os entrevistados responderam
da seguinte maneira:

Entrevistado A (2017):
Significa observar e anotar tudo em uma unidade
educativa para depois fazer a sua análise de como está
ocorrendo o ensino em uma determinada escola.

Entrevistado B (2017):
Antecipar um aprendizado e experiências pedagógi-
cas realizados de forma prática na escola, indo ao en-
contro do que é diferente da teoria, enquanto ainda se
está na universidade.

143
Entrevistado C (2017):
É um meio de aproximação entre o aluno e o profes-
sor, dessa forma torna o aluno com mais facilidade
para desenvolver suas competências cognitivas e atua-
ção dentro das atividades em uma escola da comuni-
dade ou fora.

Entrevistado D (2017):
O estágio é uma preparação para que possamos apren-
der e planejar nossas aulas de acordo com a necessi-
dade dos nossos alunos, na qual irei atuar como futura
educadora do campo, somando conhecimentos junto
aos discentes para viver no meio social.

Entrevistado E (2017):
É o acompanhamento do professor na prática do alu-
no como docente, que resultará numa troca de conhe-
cimento entre ambos.

Entrevistado G (2017):
No meu modo de pensar é uma preparação e adap-
tação.

Entrevistado H (2017):
É uma preparação para se tornar professor, é quando
a gente vive um pouco do que vem futuramente na
minha profissão.

Entrevistado I (2017):
Significa colocar em prática o aprendido na teoria
aproximando o profissional em formação da sua fu-
tura profissão.

De acordo com as falas dos entrevistados, percebe-se que os


discentes têm conhecimentos acerca do significado do estágio curri-
cular supervisionado, visto que estas concepções estão em consonân-
cia com que está explicitado no PPC do curso a seguir:

144
O estágio supervisionado é um espaço imprescindível
na formação do educador. Lócus apropriado onde o
aluno desenvolve a sua aprendizagem prática, o seu
papel profissional, a sua responsabilidade, o seu com-
promisso, o espírito crítico, a consciência, a criativida-
de e demais atitudes e habilidades profissionais espe-
radas em sua formação (UFT, 2013, p. 108).

Essa citação coaduna também com o Entrevistado F (2017)


quando menciona que o estágio “[...] é um meio de formação pro-
fissional acompanhada de novos conhecimentos e expectativas onde
o estagiário começa a ter o primeiro contato tanto do espaço e sua
realidade em si, quanto da profissão e práticas que o mesmo pre-
tende seguir futuramente”. É possível afirmar que suas concepções
dialogam com a literatura científica da área a respeito do estágio,
principalmente com Pimenta (2010), quando a maioria afirma que o
estágio é um meio ou oportunidade de se aproximarem do contexto
escolar, dos professores, ou mesmo, de se prepararem, na prática, para
o exercício da docência. Contudo, assim como mencionado anterior-
mente, o estágio não deve ser considerado meramente como uma
“preparação”, mas em uma inserção crítica que possa possibilitar ao
educando conhecimentos acerca da docência em sala de aula.
Ao questionar como eles percebem o estágio para a formação de
professor para atuar em escolas localizadas no campo, assim relataram:

Entrevistado A (2017):
O estágio é de grande relevância no processo educa-
tivo da formação de professores, pois temos a oportu-
nidade de analisar o que dá certo e o que não dá certo
dentro da sala de aula e, dependendo da metodologia
do professor, o aluno pode aprender ou não

Entrevistado C (2017):
Sim, pois é através desse primeiro contato que a pes-
soa irá ter uma aproximação direta com as realidades
corriqueiramente que uma escola do campo tem.

145
Entrevistado F (2017):
Bom, o estagiário enquanto a sua atuação e sua for-
mação quando se atua em escola do campo, o sujei-
to tem que ter a sensibilidade de buscar conhecer as
necessidades e realidade do espaço que deseja atuar.
Se o estagiário conseguir obter essas características no
decorrer do seu estágio, será capaz de ver e perceber
que essa será uma disciplina importante tanto em sua
atuação futuramente enquanto professor quando para
a escola e os sujeitos ali inseridos.

Em suas falas fica evidente o quanto o estágio curricular super-


visionado é essencial para a formação de educadores para o campo,
uma vez que é um momento que possibilita aos estagiários terem
contato com a realidade dos sujeitos com os quais atuarão futura-
mente nas escolas do campo. Sobre essa questão Andrade e Resende
(2010, p. 232) asseveram que:

Na formação do professor, o aluno deveria se apro-


ximar da realidade da sala de aula e da escola para
que, a partir das observações realizadas e das vivências
nesse contexto, fosse possível fazer uma reflexão sobre
a prática pedagógica que aí se efetiva. Essa reflexão
proporcionaria a (re)construção de conhecimentos e
de saberes essenciais à sua formação.

Portanto, essa aproximação com o contexto permite ao estagiá-


rio estabelecer a relação entre a teoria e a prática que possibilita uma
reflexão da construção dos saberes inerentes à formação do educador
do campo.
Ao serem perguntados como foi a sensação / experiência de
estagiar na disciplina de Arte, visto que a maioria dessas aulas na
educação básica se refere às artes visuais, responderam da seguinte
maneira:

146
Entrevistado A (2017):
Foi uma experiência muito boa, mas ao mesmo tempo
percebe-se o quanto a disciplina de Arte ainda hoje é
desvalorizada em nossas escolas e tida como a disci-
plina “mais fácil” tanto para professores como para os
alunos.

Entrevistado D (2017):
Devido não ter materiais pedagógicos na escola dificul-
ta muito a aprendizagem dos alunos nesta disciplina.

Entrevistado H (2017):
A minha experiência dentro estágio na disciplina de
Arte foi gratificante, pois pude perceber com mais
clareza que arte é mais do que eu imaginava, pois
achava que artes era só desenho e pintura e, dentro
do curso Educação do Campo, tive a oportunidade
de aprender que a arte está envolvida no nosso coti-
diano. Foi uma experiência muito interessante, pois
percebi que apesar dos professores que lecionam não
são formados na área mas, os conteúdos das aulas são
muito bons e melhor ainda foi sentir que estávamos
preparados para dar aquela aula.

Entrevistado I (2017):
A experiência de estagiar na disciplina de Arte foi
muito enriquecedora por me fazer valorizar as outras
linguagens e ao ver os alunos olhando com um olhar
diferente para as novas abordagens trabalhadas em
Arte, foi uma experiência única e recompensadora.

Entrevistado C (2017):
Uma experiência bastante agradável, só não foi me-
lhor, pois a bagagem que tinha em mãos não era o su-
ficiente para ter me sentido mais confiante, ainda sim
fiz um trabalho excelente com conclusão. Contudo, de
certa forma, o pouco de experiência que já tinha em
sala de aula, ainda que não foi na disciplina de Arte,
mas deu pra conciliar um pouco do conhecimento que

147
adquiri na formação básica com as experiências vivi-
das no cotidiano.

Entrevistado F (2017):
Foi uma sensação cheia de expectativas... Não pos-
so falar que foi boa ou ruim, foi um aprendizado de
oportunidades, pois foram experiências em que pude
conhecer o que desconhecia em que a realidade e a
necessidade da disciplina de Arte e artes visuais na
escola são bem visíveis, devido aos poucos materiais
didáticos para se trabalhar com a disciplina de artes
visuais, fazendo com que os profissionais venham tra-
balhar mais a teoria e pouca a prática, enfim foi um
aprendizado com novas ideias futuras de trabalhar a
disciplina.

É importante observar pelas falas de um dos entrevistados que


a disciplina de Arte ainda é vista nas escolas como uma disciplina não
muito relevante, em comparação com as demais do currículo escolar.
Acredita-se que talvez seja até por falta de profissionais em artes para
trabalhar tal disciplina, com formação na área, no estado do Tocan-
tins e também da falta de conhecimento dessa área para a formação
cultural e estética do aluno. Além disso, ficou também evidente na
fala de um dos entrevistados que o mesmo tinha esse mesmo concei-
to da disciplina de Arte antes de fazer o curso de Educação do Cam-
po. No entanto, por meios dos conhecimentos adquiridos no curso
foi possível perceber essa importância que a arte representa para a
vida dos sujeitos camponeses.
Com este sentido, Pimenta (2010, p. 88) relata que o professor,

[...] é um profissional que ajuda o desenvolvimento


pessoal e intersubjetivo do aluno, sendo um facilita-
dor de seu acesso ao conhecimento; é um ser de cul-
tura que domina sua área de especialidade científica
e pedagógico-educacional e seus aportes para com-

148
preender o mundo; uma análise crítica da sociedade,
que nela intervém com sua atividade profissional; um
membro de uma comunidade científica, que produz
conhecimento sobre sua área e sobre a sociedade.

Diante do que a autora expõe, fica explícita a relevância de que


o profissional da área de artes deve conhecer e dominar as especifi-
cidades pedagógicas e seus elementos teóricos, tendo em vista a sua
contribuição mais sólida para a formação dos sujeitos do campo.
Em relação à proposta do curso em alternância para realização
do estágio, os entrevistados justificaram que:

Entrevistado A (2017):
É um ponto positivo, pois no tempo comunidade
temos a oportunidade de colocar em prática tudo o
que aprendemos no tempo universidade. E a partir
daí podemos frequentar o local do estágio para poder
estagiar e anotar tudo que for relevante.

Entrevistado B (2017):
Um ponto positivo foi essa troca de experiência entre
acadêmico e escola, pois é fundamental na construção
de um bom profissional.

Entrevistado C (2017):
Positivo, pois dá tempo pra realizar o estágio sem
atrapalhar as aulas na Universidade.

Entrevistado D (2017):
No meu ponto de vista foi um ponto positivo, por-
que essa questão da alternância é o tempo que a gente
localiza a escola para estagiar de acordo com a dispo-
nibilidade do professor atuante na disciplina, pois a
mesma só tem uma aula semanal.

Entrevistado E (2017):
Positivo, pois o discente tem mais tempo para prepa-
rar os materiais para desenvolver o estágio.

149
Entrevistado F (2017):
Penso que a proposta do curso de alternância é um
ponto positivo, pois essa divisão de tempo entre co-
munidade e universidade serve como um meio de
preparação e elaboração dos conteúdos a serem mi-
nistrados no estágio.

Entrevistado G (2017):
Positiva, nós alunos temos pouco tempo, mas a alter-
nância possibilita organizar nosso tempo, e isso é algo
maravilhoso.

Entrevistado H (2017):
Bastante positivo, pois assim dá tempo para fazer o
estágio com calma.

Entrevistado I (2017):
Se o calendário for construído pensando no tempo ade-
quado ao desenvolvimento do estágio com todos im-
previstos suscetíveis, o estágio do curso em alternância
não prejudicará o estágio em nada, portanto, positivo.

Nesse sentido, é possível concordar com Aires (2015) ao afirmar


que a alternância é compreendida como uma alternativa pedagógica
para os povos que vivem no e do campo, e que se constitui em uma
dinâmica de interação em diferentes espaços de aprendizagem (escola,
família, comunidade). Com efeito, essa pedagogia se apresenta,

como meio para atingir a finalidade de reflexão e ação


e no e com o contexto do tempo. É o movimento al-
ternado potencializado por uma organização imbricada
em um contexto que se propõe um processo de apren-
dizagem pautado na relação que diagnostica, proble-
matiza, reflete. Dialoga, planeja e age através do coleti-
vo (VERGUTZ; CAVALCANTE, 2014, p. 376).

É nesse viés que a alternância deve ser pensada para além de uma
proposta metodológica de ensino, visto que a dimensão da ação e da

150
reflexão acontece por meio do diálogo, em que o processo de ensino e
aprendizagem busca a transformação da realidade (FREIRE, 1987).
No entanto, ao serem questionados como os estagiários veem
a teoria e a prática para realização do estágio, assim se posicionaram:

Entrevistado A (2017):
Na teoria precisa mais de organização para facilitar a
nossa observação, pois sempre no estágio ficam muitas
dúvidas, principalmente no preenchimento das fichas.

Entrevistado B(2017):
Ambas têm algo em comum: o planejamento. A di-
ferença é: a teoria não é flexível... só a prática, tudo
pode mudar.

Entrevistado C (2017):
Na teoria parece um pouco difícil e complicado, mas
quando me sentei com as professoras regentes das Es-
colas que estagiei, que uma foi na escola do Ensino
Fundamental e a outra do Ensino Médio... quando as
professoras me mostraram os conteúdos que as mes-
mas estavam trabalhando, logo pensei que não iria dar
conta, só que quando fui pra prática, descobri que não
era tão complicado.

Entrevistado E (2017):
De forma contundente, sem a teoria a prática fica im-
possível de ser realizada com sucesso.

Entrevistado G (2017):
Muito boa... entender algo e depois executá-lo nos permi-
te atingir a excelência ou aproximar o máximo da mesma.

Entrevistado H (2017):
A teoria nos dá o suporte para trabalharmos na sala
de aula e nos ajudar em muitas situações, nos dando o
conhecimento necessário para resolver os problemas
que aparecem na hora da prática.

151
Entrevistado I (2017):
A teoria e a prática se completam para a profissiona-
lização em qualquer área e não seria diferente na for-
mação do profissional professor, portanto necessária.

Alguns alunos demonstraram a importância da teoria para a práti-
ca da docência no estágio realizado nas escolas. Outros alunos deixaram
claro que a teoria se mostra um pouco mais complexa que a prática do
estágio. Contudo, a maioria está em consonância ao dizer que tanto a
teoria quanto a prática são indissociáveis e fundamentais para o exercício
da docência na disciplina de Arte nas escolas pesquisadas.
Outra questão levantada foi a respeito da avaliação que eles fi-
zeram dos professores / orientadores do curso de Educação do Campo
frente à organicidade do Estágio. Suas respostas foram as seguintes:

Entrevistado A (2017):
O professor é ótimo para explicar as coisas para os
seus alunos e também está sempre disponível para
atender os discentes que precisam de alguma ajuda.
Ele é um excelente profissional e realiza o seu traba-
lho com honestidade e respeito.

Entrevistado B (2017):
É boa no sentido administrativo, e de orientar quanto
às dúvidas, mas deixa a desejar no sentido de ir
acompanhar os educandos, mas essa é uma questão
que pertence ao corpo docente do curso não só aos
professores frente à organização do curso, exemplo
disso foi o último estágio realizado na Aldeia São
José, acompanhado pelo professor responsável.

Entrevistado C (2017):
Na minha visão e experiência de estagiário, foi o me-
lhor estágio, pois estou convicto que o meu orientador
participou das mesmas experiências que eu ou parte
dela, enquanto ambiente, no sentido de socialização.

152
Entrevistado D (2017):
A minha avaliação seria 8, não pelo fato de não ter
feito um trabalho perfeito, mas pelo simples fato de
que cada um dos professores pareciam estar bem ata-
refados com outras atividades, dentro e fora da Uni-
versidade, isso também foi despertando uma falta de
interesse da parte dos alunos.

Em seus relatos, é possível verificar que a maioria afirma da im-


portância e ajuda dos professores do estágio na orientação e execução
do mesmo nas escolas, mesmo, em algumas falas, deixarem claro que
o professor poderia ter acompanhado melhor os estagiários durante
as observações realizadas.
Quando se perguntou aos estudantes se após a realização do
estágio eles se sentiam preparados /preparadas para atuar como edu-
cadores / educadoras do campo, foi possível observar pelos depoi-
mentos que o estágio permitiu a eles uma visão maior a respeito do
processo educacional, bem como da educação do campo:

Entrevistado A (2017):
Sim, pois ao longo deste curso tive a oportunidade de
conhecer melhor sobre a educação do campo, apesar
de morar na zona rural não tinha essa visão de hoje,
pois havia muitas coisas presentes ao meu redor que
eu não percebia e, isso com certeza, me faz sentir mais
confiante para atuar em sala de aula.

Entrevistado C (2017):
Sim, preparadíssima, tanto que deixei meu número
de contato na escola que estagiei do ensino médio, de
aviso, na ausência de um professor, pode me chamar
para substituir.

Entrevistado D (2017):
Sim, porque dentro do curso tive várias experiências
para levar para a prática educacional, para contribuir
na formação dos discentes do meu município.

153
Entrevistado E (2017):
Sim, porque pude entender as demandas que o cam-
po nos oferece como educador, tendo em vista que o
campo é um setor defasado por falta de recursos, e
o curso oferece o suporte necessário no preparo do
docente que atuará nesse setor.

Por isso se entende que o estágio na docência, além de ser um


dos elementos indispensáveis e inerentes à formação do educador,
possibilita a ele, a partir da experiência ocorrida no contexto escolar
e universitário, disseminar o conhecimento obtido durante as aulas
teóricas do estágio na universidade.
Quanto aos desafios e dificuldades enfrentados no decorrer da
realização do estágio, os entrevistados disseram que:

Entrevistado A (2017):
Em 1° lugar devido à faculdade não possuir um local
apropriado para a gente permanecer durante as aulas;
[...] e o último é porque devido à gente vir de uma
escola aonde os professores não exigiam e não cobra-
vam tanto da gente... passei por muitas dificuldades
quando cheguei aqui na universidade em relação aos
trabalhos propostos.

Entrevistado C (2017):
Um pouco foi pela questão da alternância, pois tinha
vez que quando estávamos no TC, algumas das esco-
las já estavam de férias ou mesmo em greve, sendo as
estaduais. Outra questão foi das fichas para realização
do Estágio.

Entrevistado D (2017):
A maior dificuldade foi a falta de material pedagógico,
e o fato dos alunos não darem valor a essa disciplina.

Entrevistado F (2017):
Continuo ressaltando a falta de comunicação entre

154
universidade e escola, devido o difícil acesso à escola,
porém no primeiro momento fui barrada no portão
da escola, pois segundo o diretor era preciso um do-
cumento que liberasse o devido acesso à escola e sala
de aula... precisava conseguir na Diretoria Regional
de Ensino de Araguaína... depois de uma semana de
correria e espera a questão foi resolvida. No segundo
momento, no decorrer do meu estágio pude perceber
a falta de interesse por parte dos alunos quando se
referia à disciplina de Arte, pois no horário das aulas
a maioria dos alunos queria ir embora, pois queriam
mesmo era só fazer um trabalho e entregar na próxi-
ma aula, e por fim, o horário das aulas que por ser à
noite a disciplina era ministrada por último, sempre
nas segundas-feiras e sextas-feiras, o que dificultava
muito a compreensão e o entendimento dos alunos
fazendo com que os mesmos perdessem o interesse
pela disciplina de Arte.

Entrevistado H (2017):
Primeiramente a duração das aulas que é de quarenta
minutos... achei o tempo muito curto para desenvol-
ver tudo que é proposto para a aula, e segundo a falta
de material para fazer uma aula diferenciada também
pesou bastante.

O que se percebe com as falas dos entrevistados é que esses
desafios e dificuldades são de naturezas diversas, podendo ser insti-
tucionais – tanto da instituição formadora como da escola-campo;
relacionados aos professores; relacionados aos alunos, dentre outros,
com destaque para burocracia da entrega e preenchimento da quan-
tidade de fichas/formulários para iniciarem e concluírem o estágio
curricular supervisionado, sendo esses obrigatórios pela própria uni-
versidade.

155
7 Considerações finais

O estágio curricular supervisionado é uma disciplina teórico-


-prática do processo de ensino e aprendizagem e constitui-se como
componente curricular obrigatório para todos os graduandos do cur-
so de licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes
e Música, configurando-se como vivências profissionais necessárias à
formação acadêmica, destinadas a propiciar ao graduando a aprendi-
zagem de aspectos que contribuam para sua formação profissional.
Com base nos dados obtidos neste estudo é perceptível a impor-
tância do estágio para a formação de educadores e educandos para o
campo. Todavia é enfatizado também pelos envolvidos nesse processo
(docentes e discentes) que há ainda muitos desafios a serem superados
para realização do estágio, que vão desde a parte burocrática de preen-
chimento de incansáveis fichas/formulários até as questões específicas
do próprio curso e instituição, como: falta de recursos financeiros para
acompanhamento dos estágios nas instituições de ensino; organização
do curso em tempo universidade e tempo comunidade; atendimento
de alunos de vários municípios; falta de acompanhamento por parte de
alguns professores orientadores; desvalorização da disciplina de Arte
nas escolas; falta de interesse dos alunos para com a disciplina de Arte;
falta de profissionais formados nas áreas de Artes e Música para minis-
trarem Arte; falta de auxílio em alguns momentos por parte da Central
de Estágio do campus de Tocantinópolis, dentre outros.
Posto isso e, a partir da experiência do estágio no curso de
licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e
Música, este estudo trouxe uma série de reflexões e questionamentos
acerca da maneira como os cursos e as universidades estão atuando
na formação de educadores para o campo: como está ocorrendo o
estágio docente nos cursos de licenciatura em Educação do Campo
no Brasil? Qual a sua real contribuição na preparação desses futuros
profissionais? Será que os alunos dos cursos de licenciatura na Edu-

156
cação do Campo são adequadamente preparados para se tornarem do-
centes para atuarem no contexto do campo? Essas são apenas algumas
questões que surgiram ao longo do desenvolvimento desta investigação
e que se entende serem necessárias socializá-las neste estudo.
Diante disso, para que o estágio se realize a contento, faz-se
necessário muito compromisso de todos os sujeitos envolvidos nesse
processo, principalmente das instituições de ensino envolvidas. As-
sim, para superação desses desafios enfrentados no curso de licencia-
tura em Educação do Campo, da UFT / Tocantinópolis, demanda
a elaboração de uma proposta de estágio conjunta entre as institui-
ções formadoras e as escolas, no sentido de garantir ações que ve-
nham atender aos diversos sujeitos, principalmente os da Educação
do Campo. Sobre isso, Pimenta (2010) acrescenta que os estagiários
consideram que é urgente a necessidade de parceria mais ativa e efi-
caz entre as instituições formadoras (universidade e escola) sobre a
reestruturação do estágio e da forma como é concebida a disciplinas
nos cursos de licenciaturas no Brasil, o que, de fato, entende-se não
ser diferente nos cursos de Educação do Campo.
É possível dizer, portanto, que as transformações socioculturais
e econômicas ocorridas no final do século XX ocasionaram mudan-
ças profundas e significativas no mundo do conhecimento, deman-
dando, assim, por profissionais altamente qualificados e com múl-
tiplas habilidades (ALVES; BARBOSA; DIB, 2016), em especial
no que se refere à Educação do Campo, que possui características
que precisam ser compreendidas pelos educadores que atuarão nesse
contexto. Dessa maneira, é fundamental ao professor a habilidade
de compreender a realidade na qual está inserido e a atuar de modo
efetivo na transformação do profissional atual e na devida formação
do educando para o futuro.
Assim, espera-se que esta pesquisa possa contribuir para am-
pliar as discussões a respeito da formação de professores e do estágio
curricular supervisionado nos cursos de Educação do Campo, bem

157
como instigar mais estudos sobre esse tema em pesquisas científicas,
com o objetivo de contribuir para a produção de conhecimento na
área, ainda incipiente no Brasil.

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Fundação Universidade Federal do Tocantins, 2016.

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gógicos e a formação do docente: a experiência do estágio à docên-
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estágio de estudantes. Brasília: MEC, 2008.

158
______. Parecer CNE/CEB n. 35/2003. Dispões sobre as normas
para a organização e realização de estágio de alunos do ensino mé-
dio e da educação profissional. Brasília: MEC/CNE/CEB, 2003.

______. Resolução n. 2, de 1º de julho de 2015. Define as diretri-


zes curriculares nacionais para a formação inicial em nível superior.
Brasília: MEC/CNE, 2015.

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ticas escolares e alternativas de inclusão escolar. Rio de Janeiro:
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científica no caminho de Habermas. Rio de Janeiro: Tempo Brasi-
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SIONADO DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDU-
CAÇÃO DO CAMPO COM HABILITAÇÃO EM ARTES
VISUAIS E MÚSICA. Departamento de Educação do Campo.
Campus de Tocantinópolis. Universidade Federal do Tocantins, 2016.

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Michigan: The Institute for Research on Teaching, 1985.

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2010.

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jeto político pedagógico do curso de licenciatura em Educação do
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VERGUTZ, C. L. B.; CAVALCANTE, L. O. H. As aprendiza-


gens na pedagogia da alternância e na educação do campo. Revista
Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v. 22, n. 2, p. 371-390, jul./dez.
2014.

160
6 – O instrumento pedagógico
“visitas de campo” no contexto da
LEDOC-Tocantinópolis
Maciel Cover
Sidinei Esteves de Oliveira Jesus
Judite da Rocha
Saulo Eglain de Sá Menezes Moraes

1 Introdução

Neste capítulo pretendemos analisar e refletir sobre as visitas


de campo como um instrumento pedagógico no curso de licenciatura
em Educação do Campo: Artes e Música, da Universidade Federal
do Tocantins, Campus de Tocantinópolis. Para tanto, na primeira
parte do texto, tratamos de algumas discussões que compõem o qua-
dro teórico da Educação do Campo. Na segunda parte, dedicamos
ao trabalho a reflexão sobre as experiências pedagógica das visitas de
campo, os limites e os aprendizados.
O material empírico que fundamenta a reflexão se baseia no
relato de quatro visitas de campo, a citar: 1) Parque Nacional Serra da
Capivara, em São Raimundo Nonato/Piauí, 2) Acampamento Ilha
Verde, Babaçulândia/Tocantins, 3) Comunidade Quilombola Mum-
buca, no Parque Nacional do Jalapão em Mateiros/Tocantins, 4) En-
contro Estadual da Juventude Camponesa, em Palmas/Tocantins.
Os relatos foram confeccionados pelos professores que coordenaram
as atividades, contendo a descrição das visitas e, em alguns casos,
fragmentos sintetizados das avaliações realizadas pelos participantes.
Como resultados da reflexão, afirmamos que o instrumento pe-
dagógico das visitas e viagens de campo possibilita conhecer outras re-

161
alidades, ampliar o repertório geográfico, cultural, territorial, histórico,
sociológico, antropológico e pedagógico dos discentes. Com base nes-
sas experiências, denotamos que a efetivação deste tipo de instrumento
pedagógico é de fundamental importância para o desenvolvimento de
uma formação integral dos educadores e educadoras do campo.
As visitas de campo têm se demonstrado um instrumento pe-
dagógico importante, na medida em que coloca os discentes e os do-
centes em contato com diferentes realidades, tanto no mundo rural
quanto em outros espaços. Tal possibilidade permite vivenciar expe-
riências e construir aprendizados de outra maneira, além da leitura e
do debate de textos em sala de aula.
A diversificação de estratégias pedagógicas, bem como o exer-
cício da interdisciplinaridade no contexto da educação do campo
(MIRANDA; COVER, 2016), configuram um quadro característico
desse campo de conhecimento. A discussão sobre as visitas de campo,
que faremos neste capítulo, pretende ampliar o debate e a construção
de aprendizados para fortalecer este tipo de prática pedagógica.

2 A licenciatura em Educação do Campo:


Artes e Música, da Universidade Federal do
Tocantins/Tocantinópolis

As experiências de Educação do Campo no Brasil são resultado


da ação de diferentes atores sociais que atuam no campo brasileiro,
como movimentos sociais e sindicais, universidades públicas e outras
organizações da sociedade civil. Os movimentos sociais do campo
foram protagonistas da conquista de tais políticas públicas, através
de ações diversificadas de pressão ao Estado brasileiro, como bem já
debatido na literatura acadêmica em autores como Kolling, Cerioli e
Caldart (2002) e Arroyo, Caldart e Molina (2004).
A demanda do direito à escolarização para os jovens e crianças

162
do campo, reivindicada pelas famílias camponesas, revelava a necessi-
dade de formação de professores para atuarem nas escolas do campo.
Diferentes iniciativas dos movimentos sociais foram desenvolvidas
na formação de professores em nível de magistério na década de 1990
e, posteriormente, em nível superior, em parcerias com universidades
públicas e comunitárias.
A pressão dos movimentos sociais gerou a criação de políticas
públicas de formação de professores para o campo. Exemplo disso é
o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) e,
ultimamente o Programa de Apoio a Formação Superior em Licen-
ciatura em Educação do Campo (Procampo), voltados para a forma-
ção de professores e professoras para atuação nas escolas do campo.
O curso de licenciatura em Educação do Campo: Artes e Mú-
sica iniciou suas atividades na Universidade Federal do Tocantins
no ano de 2014, com oferta de 120 vagas, como apontava o edital
do Procampo, nos campus universitários de Arraias e Tocantinópo-
lis. Novas ofertas de 120 vagas foram realizadas em 2015 e 2016.
Em Tocantinópolis, no ano de 2017, foram ofertadas 50 vagas e, em
2018, foram ofertadas 60 vagas.
Este curso é mais uma iniciativa de Educação do Campo no
estado do Tocantins, que se soma a outras experiências que vêm sen-
do desenvolvidas como as Escolas Famílias Agrícolas, experiências
de formação de movimentos sociais, frentes de educação de jovens e
adultos com o Programa Saberes da Terra, formação de professores
específicas em redes municipais e estadual. A criação do curso, como
aponta Oliveira (2016), é uma continuidade de ações oriundas dos
movimentos sociais e sindicais do campo, como também das insti-
tuições públicas de ensino.
Especificamente no norte do Tocantins, como apontam Jesus e
Gubert (2016), as Escolas Família Agrícola e o Instituto Federal do
Tocantins de Araguatins, desenvolvem ações tendo em vista atender
demandas da juventude rural, no entanto,

163
mesmo com algumas estruturas de escolas ligadas à
realidade do campo em funcionamento, a situação vi-
vida por milhares de famílias campesinas na peregri-
nação pela busca da educação no norte do Tocantins
é bastante caótica. Todos os anos milhares de famílias
amargam essa triste situação – crianças, jovens e ado-
lescentes são obrigados a deixar suas origens, cultura e
costumes para irem em busca de estudos nos centros
urbanos ( JESUS; GUBERT, 2016, p. 138).

A criação de um curso dessa modalidade na região norte do


Tocantins, incluindo a Região do Bico do Papagaio, é uma iniciativa
que atende a uma demanda dos atores sociais que pautam o direito à
educação para os camponeses.
O Projeto Pedagógico do Curso foi aprovado em 2013 nas ins-
tâncias superiores da UFT e teve sua primeira atualização em 2016.
O curso tem por objetivos:
formar um profissional capaz de: (i) exercer a docên-
cia multidisciplinar, a partir da área de conhecimento
propostas, a saber: Códigos e Linguagens; (ii) partici-
par da gestão de processos educativos escolares; (iii)
ter atuação pedagógica nas comunidades rurais, para
além da prática escolar (UFT, 2016, p. 35).

Em consonância com as demais licenciaturas em Educação


do Campo, o perfil do curso apresenta três dimensões: a formação
para docência, a formação para condução de processos educativos
escolares e a formação para processos formativos comunitários. A
programação das atividades pedagógicas do curso é organizada em
dois grandes blocos aglutinadores, o tempo universidade e o tempo
comunidade, distribuídos dentro do semestre letivo.
O tempo universidade é um tempo/espaço realizado no cam-
pus da universidade, no qual os discentes participam, sobretudo de
aulas, seminários de pesquisa, palestras, grupos de pesquisa e ativi-

164
dades de extensão universitária. O tempo comunidade é um tempo/
espaço onde:

As atividades que configuram a dimensão tempo co-


munidade serão realizadas no espaço socioprofissional
do aluno, para que ele possa refletir sobre os proble-
mas, discutir com a comunidade e colegas e levantar
hipóteses acerca das soluções possíveis. Esta dimensão
se concretizará em sala de aula, a cada retorno para
as atividades de tempo escola, mediante discussões e
socializações (UFT, 2016, p. 21).

A orientação metodológica de tempo comunidade sugere al-


guns pontos de interação como teoria e prática, universidade e comu-
nidade, problema e solução, trabalho coletivo. É importante salientar
a necessidade de não compreender os pontos de interação de maneira
dicotômica e/ou dualista, muito menos antagônicos, mas sim, como
pontos que ajudam a classificar as ações educativas e nos permitem
desenvolver uma reflexão pedagógica.
A metodologia do curso privilegia a interação entre universi-
dade e comunidade nos âmbitos do ensino, pesquisa e extensão. Tal
interação, organizada em tempo universidade e tempo comunidade,
resulta em aprendizados mútuos, frutos de debates, conforme reflete
Oliveira (2016, p. 155), ao analisar a trajetória deste curso:

As informações trazidas por eles e elas (discentes do


curso) eram riquíssimas e muitas delas não se encon-
tram em livros didáticos e/ou na literatura acadêmica,
independente da profundidade de seus conteúdos e
pesquisa. E, assim, docentes e discentes, juntos, pude-
ram desvendar realidades intrínsecas de suas relações
cotidianas sem considerar suas relações com o mundo
e suas forças hegemônicas (grifo nosso).

A dinâmica do curso demarca suas especificidades, próprias do


constate movimento entre universidade e comunidade. Movimento físi-

165
co, no sentido do deslocamento dos discentes e docentes nesses espaços,
como também um movimento epistemológico, de reconhecimento des-
ses diferentes campos de saberes e também de questionamento mútuo.
Um dos elementos que constituem essa particularidade do cur-
so de Educação do Campo é o uso de alguns instrumentos da peda-
gogia da alternância. Os instrumentos utilizados na pedagogia da
alternância são diversos. Quadros et al. (2007) ao analisarem as casas
familiares rurais relata que elas possuem instrumentos pedagógicos
como: o Plano de Estudo, o Caderno de Pesquisa, o Caderno de
Acompanhamento sócio-profissional, os Estágios, a Avaliação do
Processo Formativo, as Visitas de estudo, o Caderno Didático, a Visi-
ta de Acompanhamento familiar. Silva (2011) faz uma contundente
análise sobre o Caderno da Realidade, como sendo um instrumento
pedagógico. Aires (2016) discorre reflexões a partir de uma Escola
Família Agrícola. Além da alternância pedagógica de espaços / tem-
pos (tempo universidade e tempo comunidade), outros instrumentos
pedagógicos são utilizados, como as visitas e viagens de campo.

3 Visitas / viagens de estudo como


instrumento da Pedagogia da Alternância

No contexto da pedagogia da alternância, as visitas de campo


são um instrumento pedagógico comumente utilizado nas diferentes
instituições que atuam nessa concepção. Os Ceffa (Centros Familia-
res de Formação por Alternância) são espaços privilegiados de desen-
volvimento e reflexão da pedagogia da alternância. As Casas Familia-
res Rurais e as Escolas Famílias Agrícolas são instituições que fazem
parte desse contexto. Santos e Mello (2016, p. 201) ressaltam “a rele-
vância histórica dos movimentos sociais, a Unefab – União Nacional
das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil e o Mepes – Movimento de
Educação Promocional do Espírito Santo na luta pela pedagogia da
alternância e a educação do campo no Brasil. Reiterar a participação

166
do Ceffa – Centro Familiar de Formação por Alternância; CFMs –
Casas Familiares do Mar; CFRs – Casas Familiares Rurais; Ecors
– Escolas Comunitárias Rurais e as EFAs – Escolas Famílias Agríco-
las, na consolidação de tal pedagogia. Bernartt e Pezarico (2011), ao
discutirem referencias teóricos-metodológicos da pedagogia da alter-
nância, observam as experiências das Casas Familiares Rurais – CRF,
ao se referirem as visitas de campo explicam que:

é importante destacar que todas as visitas de campo


são previamente agendadas com o Coordenador Pe-
dagógico de cada CFR e têm tido a duração de um a
dois dias e meio, mediante uma técnica denominada
pelos pesquisadores como “estágio de vivência”. Des-
taca-se ainda que essas visitas têm sido acompanhadas
de registros, bem como de produção de breves relató-
rios. Os dados coletados a campo vão sendo registra-
dos durante as visitações nas CFR e nas propriedades
rurais, em um diário de campo, mediante documen-
tação, conversação informal, entrevista e questionário
com questões abertas. (BERNARTT; PEZARICO,
2011, p. 129).

As ferramentas para estimular o aprendizado em uma vista


de campo se apresentam de diversas maneiras. O registro escrito tem
importância e pode ser realizado através de diários, relatórios e pro-
dução de textos sobre a experiência vivenciada na visita. Não menos
importante, é o estímulo a conversas com os atores que fazem parte
do campo visitado, sejam eles agricultores, trabalhadores, guias etc.

4 Visitas e viagens de campo – LEDOC/


Tocantinópolis

Durante o trajeto de 4 anos de curso (2014-2017), já atuan-


do com 4 diferentes entradas, foram realizadas diversas visitas de

167
campo, no interior de diferentes disciplinas e semestres. Neste ca-
pítulo, refletiremos sobre quatro viagens de campo, a citar: 1) Par-
que Nacional Serra da Capivara em São Raimundo Nonato/Piauí, 2)
Acampamento Ilha Verde, Babaçulândia/Tocantins, 3) Comunidade
Quilombola Mumbuca, no Parque Nacional do Jalapão em Matei-
ros/Tocantins, 4) Encontro Estadual da Juventude Camponesa, em
Palmas/Tocantins.

4.1 - Parque Nacional Serra da Capivara – São


Raimundo Nonato/Piauí

A visita de campo realizada no Parque Nacional Serra da Ca-


pivara, no município de São Raimundo Nonato/PI, foi promovida
pelos acadêmicos da disciplina de Educação Ambiental em parceria
e apoiada pelo curso de licenciatura em Educação do Campo e tam-
bém pelos campus de Tocantinópolis e Araguaína. Ao todo, havia 3
docentes e 34 acadêmicos contribuindo e promovendo a atividade.
A disciplina de Educação Ambiental tem como objetivo pro-
vocar nos alunos a percepção de que a questão ambiental é resultado
da forma como a sociedade interage com o meio, ou seja, do processo
de transformação da natureza pelos indivíduos em níveis locais, glo-
bais, individuais e coletivos. Assim, busca-se capacitar um profissional
portador de valores éticos, atitudes e comportamento ecologicamente
orientados para tornar-se um multiplicador desses valores e virtudes.
Nessa mesma perspectiva, a visita de campo, buscou propor-
cionar aos alunos um contato empírico com os sítios arqueológicos
e, principalmente, com a preservação da extensa zona de caatinga
primária que se encontra preservada no parque, com o intuito de
contribuir para a aprendizagem dos acadêmicos e sensibilizá-los para
a necessidade de preservar o patrimônio histórico e arqueológico
brasileiro, assim como a vegetação.
Como destacam Fonseca e Caldeira (2008, p. 71):

168
Uma forma de realizar a apresentação de fenômenos
naturais é utilizando, como recurso didático, aulas de
campo em ambientes naturais, principalmente aque-
les que são encontrados espacialmente próximos aos
alunos por sua facilidade e pela possibilidade dos
alunos possuírem experiência prévia com o ambiente
objeto de estudo.

Nesse sentido, a visita de campo no Parque Nacional Serra da


Capivara permitiu que os alunos tivessem um contato direto com os
mais diversos elementos naturais que ao longo da disciplina foram es-
tudados em sala de aula. Assim, destacamos a importância da intera-
ção física com os elementos, pois poderão servir de temas para estudos
técnicos científicos pelos próprios alunos.
Os novos ambientes conhecidos pelos alunos permitiram o re-
gistro e a observação, e, concomitantemente, o trabalho da interdis-
ciplinaridade, uma vez que os elementos ali presentes foram e são
objetos de estudos de vários ramos da ciência. No nosso curso, as
disciplinas de Educação Ambiental, Cartografia Social, Movimen-
tos Sociais, Estética e Poética Camponesa, História da Arte, bem
como outras, trazem a discussão prático-teórica que norteia o ensi-
no-aprendizagem relacionado aos fenômenos sócios espaciais, prin-
cipalmente o natural, encontrado ali, como mostra a Figura 6.1.

169
Figura 6.1 – Rochas sedimentares com sítios arqueológicos
Fonte: Kennedy M. da Silva (2016).

Na Figura 6.1, observamos os alunos frente a uma gigantesca


rocha sedimentar observando e fazendo registros de dados históricos
do relevo e de pegadas que marcam a chegada do homem na região.
As pinturas rupestres encontradas nos paredões mostram que o ho-
mem pré-histórico passou e habitou por ali a cerca de 100 mil anos.
Outra experiência ímpar nessa atividade de campo foi a visita
ao Museu do Homem Americano em São Raimundo Nonato/PI.
Nesse local, nós, professores e alunos, conhecemos de perto o traba-
lho dos arqueólogos. A maioria das peças encontradas no Parque fo-
ram levadas e colocadas em exposição para a contemplação de todos
os que passam pelo local.
Por fim, podemos concluir que as aulas de campo são partes in-
dispensáveis na construção do conhecimento. Nesse caso especifico,
foi possível aprender sobre o Bioma Caatinga, pinturas rupestres e

170
fósseis arqueológicos. Tudo que foi visto e coletado durante a aula de
campo, pelos acadêmicos e professores, foi acrescentado aos estudos
realizados em sala de aula.

4.2 Acampamento Ilha Verde, Babaçulândia/


Tocantins

No primeiro semestre de 2017, no mês de junho, foi realizada


uma visita de campo ao Acampamento Ilha Verde, do Movimento
dos Atingidos por Barragens, nas margens do lago da Usina Hidrelé-
trica de Estreito, Rio Tocantins, no município de Babaçulândia.
A visita foi organizada como parte das aulas das disciplinas
de Movimentos Sociais e Estado, Sociedade e Questões Agrárias,
envolvendo os discentes matriculados no primeiro semestre do curso,
da turma que entrou em 2017.
A viagem, realizada com os micro-ônibus da UFT, teve início
em uma madrugada de sábado, com saída do campus universitário de
Tocantinópolis, rumo a Babaçulândia, em um trajeto de 150 km. A
chegada ocorreu às sete horas da manhã.
O contato com os atingidos por barragens foi feito com ante-
cedência, pela Professora Judite da Rocha, que também é dirigente
do Movimento dos Atingidos por Barragens, e tem uma longa rela-
ção com as famílias que residem no local.
Foram visitados dois espaços, o primeiro foi a Feira Agroeco-
lógica de Babaçulândia, que acontece todos os sábados pela manhã,
no pavilhão da feira municipal, na sede do município. A feira é rea-
lizada pelas famílias acampadas na beira do lago da hidrelétrica, que
produzem nas margens do lago, e comercializam hortaliças, legumes,
aves e peixes.
Neste primeiro contato, os estudantes conversaram com os fei-
rantes, tomando notas sobre o início da feira, a organização, a relação
entre os atingidos pela barragem e a comunidade. A recepção por

171
parte dos feirantes foi muito positiva. A visita à feira durou cerca de
uma hora.
Em seguida, nos dirigimos até o Acampamento Ilha Verde, que
está localizado a 10 km da sede do município, nas margens do lago.
Chegamos ao acampamento por volta das dez horas da manhã. No
primeiro momento, os estudantes ficaram livres para conversar com
os moradores da localidade. Algumas pessoas do acampamento pre-
pararam o almoço para nossa delegação de visitantes e logo depois
da refeição foi realizado um momento de diálogo coletivo, debaixo
das árvores, espaço onde acontecem as assembleias dos acampados.
Havia cerca de trinta pessoas do acampamento que contaram a his-
tória da retirada das famílias de seus locais de moradia e trabalho,
pela construção do lago da hidrelétrica, e de sua organização e re-
sistência na montagem do acampamento.
Os estudantes fizeram perguntas, tomaram notas e fizeram
algumas atividades práticas junto às famílias. A interação com os
acampados foi positiva, proporcionando uma experiência de aprendi-
zados sobre a luta pela terra e as consequências dos grandes projetos
de desenvolvimento como as hidrelétricas para as populações locais.
Alguns estudantes avaliaram o quanto se aprende com a teoria e a
prática, como citaremos nos relatos de alguns:

Foi muito importante esta interação com a teoria e a


prática, pois quando a professora Judite nos falou da
diferença entre assentamento e reassentamento não
entendi, mas quando chegamos lá pude perceber que
a diferença na luta pela terra não é diferente, porém a
forma de se organizar que os torna em outra realidade
por que essas famílias tinha terra e hoje não tem mais.
Outra coisa que me chamou atenção e aprendi é que
este tal desenvolvimento não traz nada de bom para
ninguém e ainda é pior para população atingida, pois
até hoje tem pessoas que moram nesta comunidade
que não tem energia eu acho um absurdo, pois eles
foram atingidos para que pudessem gerar energia isto

172
para mim é uma grande contradição (Estudante 1 -
Avaliação sobre a viagem de Campo).

Na mesma perspectiva de uma avaliação positiva das atividades


práticas, o entrevistado 02, afirma que:

Este aprendizado me marcou muito é entender a luta


dessas famílias e jeito deles produzirem, e as suas his-
tórias de vida e sofrimento, mas quando ouvia dona
Maria falar me marcou muito, pois ela disse: “Nem
dormir eu posso mais. É um desinquieto para nós,
sair da nossa terra, eu morava na Ilha de São José, no
município de Babaçulândia (TO), desde os meus dez
anos de idade. Sou mãe de nove filhos, e hoje tenho 34
netos e 37 bisnetos. Eu não tenho planos, o futuro a
Deus pertence. Naquele tempo eu falei: só saio daqui
quando vier a água, mas eu queria mesmo era morrer
aqui, mas tive que sair, agora sinto uma dor por dentro
só em pensar em sair daqui, parece que a vida não faz
mais sentido, tento ver coisa boa, mas não consigo, por
que será minha jovem que a gente tem sofre tanto só
para ter um pedaço de terra?” (Estudante 2 – Avalia-
ção e Relato de Entrevistado).

As visitas de campo fortalecem a visão de que é preciso sair da


sala de aula para estudar e ver o mundo a partir deste outro olhar,
indo além do que está no papel, nos textos, na literatura acadêmica.
Conhecer a história de vida dessas pessoas, como vivem e os sofri-
mentos que passam para ter um pedaço de terra, nos ajuda a com-
preender com mais detalhes a atuação do Estado e a reprodução da
sociedade e nos questionar para quem são as políticas públicas? E
para quem servem?
Um dos objetivos colocados na disciplina Estado, Sociedade
e Questões Agrárias foi de promover o debate sobre esses problemas
que afligem a vida das populações pelo panorama crescente dos males
que afetam a educação, a saúde, a produção e ao meio ambiente, ge-

173
rados pela construção das barragens, aliado ao déficit na formação e
informação do que vai acontecer com as pessoas que vão ser atingidas
durante e pós-construção.
Nossa leitura foi feita com olhar especial sobre as consequên-
cias maléficas que a barragem proporciona à vida das famílias. A falta
de uma política específica para a população atingida torna necessário
divulgar com clareza os direitos dos atingidos por barragens em bus-
ca da não violação dos direitos e do respeito pela vida e acreditamos
que e educação tem um papel essencial nesta luta (CPT, 2011, p. 08).
É necessário pensar outro modelo de desenvolvimento de ma-
neira que leve em consideração o ser humano, o meio ambiente onde
vivemos, e que a preocupação não seja somente o lucro que um grupo
de empresas obterá sobre a exploração de um bem que a natureza
nos presenteou, e que se não cuidarmos isso irá proporcionar graves
problemas para as futuras gerações, além de acarretar prejuízos nas
condições de educação e saúde da população. Rocha (2012) coloca
que é necessário pensar sempre no alicerce, em uma concepção am-
pla de defesa da terra, da vida, onde as dimensões sociais, biológicas,
psicológicas e ambientais sejam valorizadas. Além disso, afirma que:

Vivemos em uma sociedade onde as pessoas são


vistas como objeto; no modo de produção capitalis-
ta e patriarcal hegemônico tudo é transformado em
mercadoria, inclusive o corpo e a vida das pessoas. O
resultado disso é o agravamento das diversas formas
de sofrimento psíquico das pessoas, famílias e comu-
nidades atingidas, a partir da insegurança quanto ao
futuro ou como vão viver morar, alimentar-se, en-
fim para onde vão e como irão reconstruir suas vidas
(ROCHA, 2001, p. 08).

É preciso ampliar o debate na educação do campo na perspec-


tiva de conhecer a trajetória do chamado desenvolvimento em nosso
Estado e a problemática que atinge as famílias que são expulsas de

174
suas terras, casas que perdem os seus trabalhos de onde tiram o sus-
tento de sua sobrevivência que é luta ampla pela defesa da vida e de
uma educação e produção para todos. Esse conjunto de aprendizados
demonstra o potencial pedagógico das visitas de campo.

4.3 Comunidade Quilombola Mumbuca –


Mateiros/TO

A visita/aula de campo no Parque Estadual do Jalapão foi rea-


lizada a partir das disciplinas de Cartografia Social e Educação Am-
biental, sob a colaboração de professores e acadêmicos envolvidos
com as respectivas disciplinas. Também com apoio do curso de licen-
ciatura em Educação do Campo e direção do Campus de Tocantinó-
polis da Universidade Federal do Tocantins.
A visita de campo no Parque Estadual do Jalapão teve como
objetivo geral proporcionar aos alunos um contato empírico com os
recursos naturais e comunidades tradicionais, presente no lócus da
pesquisa e, principalmente, com a preservação da extensa zona do
Cerrado e da floresta Amazônica primária que se encontra preser-
vada no parque, com o intuito de contribuir para a aprendizagem
dos acadêmicos e sensibilizá-los para a necessidade de preservar o
patrimônio histórico, cultural e arqueológico brasileiro, assim como
a vegetação.
A ação levou professores e alunos envolvidos na atividade a
conhecer ambientes que são muito comuns de serem estudados, “co-
nhecidos” a partir de livros ou textos acadêmicos, porém, acreditamos
que no estudo empírico, a construção do aprendizado se solidifica.
Segundo Thomas Júnior (1992), a aula de campo é uma alternativa
sólida para possibilitar teoricamente o propósito de ir além da re-
flexão em sala de aula, é como um método de praticar ou executar a
observação da realidade. Nesse sentido, o aluno e ou o pesquisador,
estabelece um momento impar do exercício da práxis teórica.

175
Na aula de campo no Parque Estadual do Jalapão, alguns ele-
mentos foram observados pelos alunos, com mais atenção, os ferve-
douros, as áreas de veredas, rios, igarapés, e as dunas. O contato com
as dunas, representado na Figura 6.2, foi de grande importância, pois
possibilitou a análise, a partir do contato com o objeto, para entender
como os fenômenos naturais contribuem para o embelezamento da
paisagem.

Figura 6.2 – Dunas do Jalapão


Fonte: Ivan D. de Oliveira (2017).

Esses elementos chamaram a atenção, principalmente pelo seu


estado de conservação. Há um cuidado especial pela administração
do parque para com o contato com as dunas. Por outro lado, as áreas
que sofreram impacto causado pelo fogo, foram analisadas com mui-
ta atenção pelos alunos, pois, é necessário entender a causa e o efeito
do problema para atuar de forma positiva.
O contato com a comunidade quilombola do povoado Mum-
buca, do município de Mateiros, possibilitou a todos os alunos e pro-
fessores conhecer um pouco mais da sua cultura e sua organização

176
local. Vale destacar que nessa comunidade moram alguns dos acadê-
micos do curso de Educação do Campo, do campus de Tocantinópo-
lis, e nessa comitiva, a nossa guia naquele momento era uma filha da
comunidade e também aluna do mesmo curso. Essa parceria permi-
tiu um rico contato com a comunidade e com os elementos naturais
e culturais de todo o parque.
Nesse sentido, todas as atividades ali realizadas gerou uma ex-
periência impar, que permitiu aos alunos novos horizontes para pro-
duzir pesquisa e melhorar a aprendizagem. Aos professores, novos
materiais serão objetos de análises na sala de aula, para que todos,
alunos e professores, tornem-se capazes de atuar para poder contri-
buir com a preservação do meio ambiente e das culturas dos povos,
no Jalapão e em qualquer outra parte do espaço geográfico.

4.4 - Encontro Estadual da Juventude


Camponesa – Palmas/TO

A participação de um grupo de discentes do curso de Educação


do Campo durante o Encontro Estadual da Juventude Camponesa,
realizado no Campus UFT, em Palmas, também nos trouxe alguns
aprendizados sobre este instrumento pedagógico.
O encontro aconteceu entre os dias 7 e 10 de julho de 2017 e
contou com a participação de mais de 400 jovens oriundos de dife-
rentes municípios do Tocantins. O evento foi promovido por dife-
rentes movimentos sociais do campo1. Enquanto curso, recebemos
o convite para participar do evento. O colegiado do curso delegou a
participação no evento para uma comissão, que organizou uma de-

1 O evento foi organizado pelos seguintes movimentos sociais: Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB), Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM),
Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Tocantins (Fetaet), Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), povos indígenas, Movimentos Quilombolas,
Associação Tocantinense de Agroecologia e Cáritas.

177
legação de 35 estudantes, contemplando as diferentes turmas. Essa
viagem de campo, também foi organizada como Projeto de Extensão,
para atender aos seguintes objetivos:

• Proporcionar intercâmbio de experiências entre os dis-


centes do curso de licenciatura em Educação do Cam-
po: Artes e Música, da Universidade Federal do Tocan-
tins com as diferentes expressões do campesinato deste
estado.
• Conhecer realidades pertinentes à Educação do Campo
como o mundo rural, indígena e quilombola.
• Aprender expressões da cultura camponesa dos Movi-
mentos Sociais na participação através de expressões ar-
tísticas, como a mística.
• Discutir temas atuais que envolvem a temática do campo
como: reforma agrária, agroecologia, questões de gênero,
direitos humanos, políticas públicas, juventude campo-
nesa, saúde, afetividade e sexualidade, cartografia social.

O evento tratou dos seguintes temas: Questão Agrária; Agroe-


cologia; Cartografia Social; Educação do Campo; Direitos Humanos
e Justiça; Questões de Gênero; Movimentos Sociais; Questão LGBT;
Cultura Camponesa: Questão Indígena; Questão Quilombola; Ar-
tes. A organização do evento, baseada em seminários com rodas de
conversa, proporcionou troca de conhecimentos entre os jovens cam-
poneses que já são discentes universitários e jovens camponeses que
poderão tornar-se discentes universitários. A reunião de jovens de
diferentes localidades do Estado proporcionou um intercâmbio de
saberes, que possibilita um fortalecimento das identidades locais e da
organização social.

178
5 Considerações finais

As licenciaturas em Educação do Campo se apresentam como


um espaço particular de formação de professores para atuar em esco-
las do campo. Por essa particularidade, conhecer aspectos da realida-
de agrária é um requisito básico para poder atuar de maneira educati-
va e dentro de uma proposta que respeite os saberes do campo, como
também contribua para seu desenvolvimento.
O instrumento pedagógico das visitas e viagens de campo pos-
sibilita conhecer outras realidades, ampliar o repertório geográfico,
cultural, territorial, histórico, sociológico, antropológico e pedagógi-
co dos discentes.
A efetivação desse tipo de instrumento pedagógico é de funda-
mental importância para o desenvolvimento de uma formação integral
dos educadores e educadoras do campo. As viagens de campo só foram
possíveis de serem realizadas pelo fato de existir uma política nacio-
nal que garante recursos para o desenvolvimento das licenciaturas em
Educação do Campo. O investimento em educação permite que seto-
res da população historicamente excluídos dos processos universitários
de formação tenham o direito ao acesso a uma formação integral, de
“corpo inteiro”, de ampliação do repertório intelectual e cultural.
Neste sentido, é importante reconhecer o potencial pedagógico
das visitas de campo, já tradicionalmente referendando nas experiências
dos Ceffas, e mais recentemente, como pudemos demonstrar, utilizado
também nas experiências das licenciaturas em Educação do Campo.

Referências

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que teve a duração de 12 dias com tema luta por Terra e Água.
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180
OLIVEIRA, U. F. Percurso metodológico para construções identitá-
rias na formação de professoras e professores do campo no norte do
Tocantins: reflexões a partir da experiência com o curso de licencia-
tura em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música,
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UFT. UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS. Pro-


jeto político pedagógico do curso de licenciatura em Educação do
Campo: Códigos e Linguagens - Artes e Música, 2016.

181
7 – Mosaico dos saberes: a mística
dos povos do campo em um curso
de licenciatura em Educação do
Campo

Cássia Ferreira Miranda


Edimila Matos da Silva

A motivação para inovar e qualificar o que fizemos é


tarefa da mística.
Ademar Bogo

1 Introdução

O presente texto aborda a experiência vivenciada pelos acadê-


micos da terceira turma – ingresso em 2016, do curso de licenciatura
em Educação do Campo: Códigos e Linguagens: Artes e Música, da
Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de Tocantinópolis.
O curso integra uma série de políticas públicas voltadas para o acesso
à educação das populações camponesas. O intuito dessa formação é
oferecer uma educação gratuita e de qualidade, visando à formação de
futuros educadores para atuar nas comunidades do campo respeitan-
do as especificidades culturais das mesmas. É importante ressaltar que
quando nos referimos aos povos do campo, incluem-se todos aqueles
que dependem do campo, em sentido amplo, para sua sobrevivência,
tais como: os povos camponeses, acampados e assentados; os povos
tradicionais, indígenas e quilombolas; os povos das águas, atingidos por
barragens, ribeirinhos e pescadores artesanais; entre outros.

182
O curso exerce um papel fundamental na linha de frente da
formação superior em licenciatura em Educação do Campo por ser,
juntamente com o curso de mesmo nome da UFT, campus de Ar-
raias, o único do País com habilitação específica na área de Arte.
Existem outras universidades que trabalham na área de Códigos e
Linguagens, mas que englobam, além da Arte, as outras áreas desse
campo do saber, como a Língua Portuguesa, a Língua Estrangeira,
a Literatura e a Educação Física. Sendo assim, embora se diferen-
ciando em algumas abordagens, esses cursos têm um pioneirismo na
formação em Arte do campo.
A análise em questão está relacionada à prática da mística na
disciplina intitulada Estética e Poética Camponesa (EPC), sob a
responsabilidade da Profa. Cássia Miranda. No semestre letivo em
questão, 2017.2, a disciplina contou com a participação, enquanto
monitora, da educanda cursista do sexto semestre do curso, Edimila
Matos da Silva, que participou desse mesmo exercício com sua turma
no semestre letivo 2016.2. Para embasar este estudo, utilizamos uma
abordagem qualitativa da experiência vivenciada por nós e pelos edu-
candos, utilizando a observação e a aplicação de questionários com os
participantes para nos amparar no debate. A disciplina é obrigatória
e está situada no quarto período da grade curricular.
No Projeto Político Pedagógico do Curso (PPC) (UFT, 2016),
a disciplina manifesta em sua ementa a seguinte indicação de aborda-
gem: “Mística e movimento social: conceitos e práticas. Constituição
do imaginário social sobre o homem/meio rural. Abordagem cinema-
tográfica quanto ao homem/meio rural. Cultura campesina. Folclore,
religiosidade e manifestações culturais. Arte e estética Camponesa”
(UFT, 2016, p. 59). Pela ementa é possível constatar que se trata de um
momento de troca de saberes acerca do universo camponês, das crenças
e manifestações culturais artísticas dos homens e mulheres do campo.
É uma continuidade da disciplina de Estética e Filosofia da Arte, tam-
bém sob a tutela da referida educadora, direcionada especificamente

183
para abordar as manifestações artísticas dos povos do campo, suas cul-
turas, seus signos e suas representações, abordando as formas que os
indivíduos do campo retratam a si e aos outros por meio da música, do
teatro, da dança, das artes plásticas, da literatura e do cinema.
Se tratando de uma valiosa fonte de pesquisa, as manifestações
artísticas nos trazem informações únicas que nos permitem aproxi-
marmos das subjetividades presentes em diferentes culturas. Nesse
sentido, é necessário pensarmos no conceito de cultura. Conforme
Geertz (2008) pontua, a cultura é um conjunto de significados nem
sempre fáceis de identificar e está relacionada à forma como os ho-
mens e mulheres dão sentido às coisas em seu mundo. Como eles es-
tão em constante transformação, a cultura também acompanha esse
movimento, sendo muito dinâmica.
Seguindo a reflexão a respeito da temática, Thompson (2011, p.
173) assinala que “a cultura de um grupo ou sociedade é o conjunto
de crenças, costumes, ideias e valores, bem como artefatos, objetos e
instrumentos materiais, que são adquiridos pelos indivíduos enquan-
to membros de um grupo ou sociedade”. Sendo assim, as manifesta-
ções artísticas constituem um espaço ímpar no qual esses conjuntos
de significados de determinados grupos se manifestam e dão sentido
às experiências, contribuindo para a construção e fortalecimento do
imaginário coletivo. O imaginário tem um papel fundamental, pois,

é por meio do imaginário que se podem atingir não


só a cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é,
as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É
nele que as sociedades definem suas identidades e ob-
jetivos, definem seus inimigos, organizam seu passado,
presente e futuro. O imaginário social é constituído e
se expressa por ideologias e utopias, sem dúvida, mas
também – e é aqui que me interessa – por símbolos,
alegorias, rituais, mitos (CARVALHO, 1990, p. 10).

184
O estudo da arte dos povos do campo ainda é um campo cien-
tífico pouco trabalhado no Brasil. Isto se dá devido a diversos fatores
que vão desde as tendências históricas dos caminhos da ciência, até
interesses políticos e econômicos. No entanto, já há um número consi-
derável de pesquisadores se dedicando a essa seara. A arte é um campo
do conhecimento extremamente importante para a formação do ser
humano, pois possibilita a reflexão e a descoberta de outras formas de
ler a si e ao mundo. De acordo com Miranda e Cover (2016, p. 37-38),

Quando tratamos da Arte, dentro da área de conhe-


cimento Códigos e Linguagens, estamos abordando
diretamente a forma como o pensamento artístico
auxilia o ser humano em sua vivência, no exercício de
experimentar, representar e dar sentido ao mundo que
o cerca e do qual é parte integrante. A Arte, como
manifestação cultural das sociedades e área do conhe-
cimento que aglutina diversas linguagens artísticas –
entre as quais, são trabalhadas, neste curso, a Música
e as Artes Visuais – trabalha a sensibilidade, a per-
cepção, a imaginação, a reflexão, possibilitando uma
abordagem do mundo sob um viés poético e estético.

A origem do termo está ligada ao mistério, ao sagrado, a um


momento potente e de difícil conceituação. Conforme destaca Leo-
nardo Boff (1998, p. 23-24):

Originalmente, a palavra mistério (mysterion em gre-


go, que provém de múein, que quer dizer perceber o
caráter escondido, não comunicado de uma realidade
ou de uma intenção), não possui um conteúdo teórico,
mas está ligada à experiência religiosa, nos ritos de
iniciação. A pessoa é levada a experimentar através de
celebrações, cânticos, danças, dramatizações e realiza-
ção de festas rituais uma revelação ou uma iluminação
conservada por um grupo determinado e fechado. Im-
porta enfatizar o fato de que o mistério está ligado a
essa vivência/experiência globalizante.

185
Tendo sua origem atrelada à religiosidade, a gênese da utiliza-
ção mística pelos povos organizados do campo tem uma forte influ-
ência da ligação desses movimentos com a Igreja Católica e a Igreja
Luterana que serviram de apoio e fomento das lutas camponesas em
sua reorganização após o período ditatorial. Quando nos referimos a
movimentos camponeses organizados, destacamos para esta análise,
o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), por ser
um entre os mais numerosos, mais organizados e mais representati-
vos do Brasil.
A inspiração de matriz religiosa pode ser percebida na fala
de João Pedro Stédile (STÉDILE; FERNANDES, 2012, p. 132),
membro do MST:

por influência da Igreja, tínhamos a mística como um


fator de unidade, de vivenciar ideias, mas, por ser uma
liturgia, vinha muito carregada. Com o passar do tem-
po – tudo é um processo de construção – fomos nos
dando conta de que, se tu deixas a mística se tornar
formal, ela morre. Não podemos ter momentos exclu-
sivos para ela, como os Congressos ou Encontros Na-
cionais ou Estaduais. Temos que praticá-la em todos
os eventos que aglutinem pessoas, já que é uma forma
de manifestação coletiva de um sentimento. Quere-
mos que esse sentimento aflore em direção a um ideal,
que não seja apenas obrigação. Ninguém se emociona
porque recebe ordem para isso; se emociona porque
foi motivado em função de alguma coisa.

O autor, ao ser questionado por Fernandes (STÉDILE; FER-


NANDES, 2012, p. 131) sobre a importância da mística para o MST,
ressalta, ainda: “Trabalhamos a mística para obter unidade entre nós.
Nem a esquerda – porque tinha vergonha – nem a direita desenvolvia
isso. Incorporamos a mística como uma prática social que faz com
que as pessoas se sintam bem ao participar da luta”. Há entre os estu-
diosos do movimento uma concordância na defesa da mística como

186
um dos pilares do mesmo. Roseli Caldart et al. (2013, p. 352) pontua:

A intencionalidade da mística precisa ser posta em


movimento o tempo todo. Ela é como comida, de que
precisamos todos os dias. Mas nem sempre precisa ser
igual ou ter a mesma intensidade. [...] O que não se
pode perder é o sentido mais profundo, trabalhado
pela pedagogia do movimento, que é de tocar o cora-
ção de cada lutador e de cada lutadora do povo. Um
toque que o leve à ação, a ir criando hoje o amanhã da
classe trabalhadora.

Percebemos a partir dessa fala a importância estratégica que


a mística tem para manter o engajamento e a ação dos membros do
movimento. Ainda relacionado à definição do termo, Ademar Bogo
(2016, p. 43) ressalta que a mística,

Foge do racionalismo pragmático, como também do


misticismo metafísico, que dissocia as substâncias e
as categorias que devem dialogar na interação dialé-
tica. Ela nos mostra que somente os sujeitos íntegros
podem compreendê-la e reproduzi-la. É através da
mística que compreendemos o sentido de conjugar o
verbo fazer no presente do indicativo, voltado para o
futuro, para dizer que se “eu” me faço, “tu” te fazes e
“nós” nos fazemos, não faltará arte nem ânimo para
as gerações que surgirão dessas configurações. Sendo
assim, a mística será sempre o calor que mantém o
corpo quente. Nos mais sensíveis, aparece como re-
flexo daquilo que faz e sente e, nos menos sensíveis,
como atitudes respeitosas.

A mística em curso de formação de professores dos povos
do campo é extremamente importante visto que tem a função de
discutir, motivar, engajar, mobilizar, unir. Ela é uma oportunidade de
pensar sobre a cultura e o fruir artístico:

187
A escola em seu cotidiano procura fazer o contra-
ponto pela discussão sobre cultura e sobre a lógica da
indústria cultural, mas também pela busca de outras
possibilidades de fruição e produção da arte, de ativi-
dades lúdicas, de internacionalização do tempo livre
para vivências de relações humanizadoras. O desafio
permanente é ir construindo dia a dia, a partir de no-
vas relações sociais, uma cultura de luta pela trans-
formação do modo de produção capitalista. [...] Isso
implica que um tipo de sociabilidade musical, sensual,
afetiva, culinária e estética possa ser promovida de
maneira saudável entre os jovens, entre todos nós. [...]
A mística integra em nosso método pedagógico a in-
tencionalidade do trabalho nessa dimensão de convi-
vência (CALDALT et al., 2013, p. 344-345).

Devido a toda essa potência que a mística demonstra, afirma-


mos que ela assume o papel de força motriz da luta dos camponeses e
camponesas por igualdade de direitos e, portanto, é fundamental ser
estimulada e praticada entre os educandos e educandas do campo,
desde a educação infantil até a pós-graduação.

2 Mosaico dos Saberes – seminários dirigidos

A atividade de mística proposta na disciplina de Estética e Po-


ética Camponesa intitula-se Mosaico dos Saberes – seminários diri-
gidos. O nome se origina de uma tentativa, por parte da docente, de
fomentar um espaço de construção coletiva de conhecimentos a partir
da pesquisa, do debate, do desenvolvimento e da análise das místicas
realizadas pelos discentes. Além disso, a atividade propõe que os edu-
candos e educandas realizem seminários a respeito de personalidades
significativas para o desenvolvimento do movimento camponês. São
sugeridos personalidades, levando em consideração a pluralidade dos
indivíduos que dedicam/dedicaram suas vidas à luta por melhores
condições de vida no campo, a uma educação libertadora e à justiça

188
social. Além dessas personalidades, a atividade de Tempo Comuni-
dade dessa disciplina orienta que os educandos realizem entrevistas
com pessoas que considerem importantes para suas comunidades –
realizando uma interdisciplinaridade com as disciplinas de História
de Vida, Movimentos Sociais e Cartografia Social. Quanto à impor-
tância da interdisciplinaridade no curso é importante pontuar que:

A proposta do curso é de apostar na interdisciplina-


ridade como matriz formativa, como concepção de
organização curricular, buscando adequar a prática
no decorrer do andamento do processo formativo, ou
seja, a partir da análise da prática, refletir e aperfei-
çoar, aprimorando o fazer educativo. A possibilidade
de construir a interdisciplinaridade no decorrer do
processo pedagógico supõe a flexibilidade do pla-
nejamento e a adequação de acordo com a avaliação
do trabalho em andamento (MIRANDA; COVER,
2016, p. 40).

Para a realização do Mosaico dos Saberes, os educandos e edu-


candas se dividiram em grupos de trabalho, com uma média de cinco
componentes, compartilharam suas experiências do tempo comuni-
dade e escolheram uma personalidade entre as entrevistadas por eles
para ser apresentada em seminário coletivo, juntamente com outra
personalidade indicada pela educadora. A turma ficou dividida em 8
grupos para a apresentação dos seminários. Em cada aula, com carga
horária de 4 horas, dois grupos apresentavam os resultados de suas
pesquisas.
Esses dois grupos, de cada dia de aula, juntos comporiam um
grupo que deveria realizar a mística. Sendo assim, em cada uma das
quatro aulas designadas, a atividade Mosaico dos Saberes – seminá-
rios dirigidos tinha um grupo de mística que se desmembrava em
dois para a atividade seguinte, o seminário sobre as personalidades
do universo camponês. As místicas foram realizadas no pátio da

189
Universidade, contando com a participação das demais turmas do
curso vivenciando a atividade e, após a mística, a turma ia para a
sala de aula para fazer uma avaliação da atividade e prosseguir com
o seminário.
Essa é uma das atividades que busca garantir uma espécie de
alternância pedagógica entre o tempo comunidade e tempo univer-
sidade, no intuito de se aproximar dos conceitos da pedagogia da
alternância. A pedagogia da alternância propõe a divisão do ensino
em distintos tempos-espaços que se relacionam e constroem o saber
em diálogo. Essa proposta surgiu voltada para as especificidades pe-
dagógicas dos povos que vivem do campo cujas necessidades incluem
contextos que devem levar em consideração, entre outros aspectos,
os momentos de trabalho na terra, de convívio em comunidade e os
momentos em sala de aula.
Para tal atividade, além da divisão em tempos – tempo esco-
la/universidade e tempo comunidade, é necessário pensar em ins-
trumentos de registros e avaliativos que efetivem o diálogo entre os
tempos-espaços para que não se perca de vista a intencionalidade
pedagógica dos mesmos. Conforme Silva (2011, p. 34) pontua, os
instrumentos “favorecem a participação ativa dos jovens [e adultos],
situando-os na função de atores das atividades, bem como da cons-
trução do seu próprio conhecimento a partir de sua realidade e das
experiências do cotidiano”. Levando em consideração esses aspectos,
a proposta de trabalho aqui apresentada é fruto da tentativa de pro-
por um formato de instrumento de diálogo entre os tempos-espaços
formativos.
Devido ao contato anterior com místicas realizadas pelos co-
legas de curso, e em eventos vinculados à Educação do Campo, os
educandos e educandas iniciam a disciplina ansiosos por compreen-
derem melhor do que se trata e de como se faz uma mística. Por exis-
tir lacunas no processo de seleção para o ingresso no curso, entram
vários discentes não oriundos de áreas rurais. Esse fato faz com que

190
as realidades sejam muito distintas entre os que vivem na cidade, os
residentes no campo que não estão engajados em movimentos sociais
e os residentes no campo que militam nesses movimentos. Para esses
últimos, a mística, a priori, não causa estranhamento. No entanto, as
primeiras reações dos educandos que vivem na cidade é de incom-
preensão, recusa e distanciamento. É necessário um trabalho voltado
para a sensibilização e a conscientização da importância que tem para
um curso desse perfil, o processo de empoderamento da mística para
seu futuro enquanto educadores e educadoras dos povos do campo.
Por se tratar de um curso de artes, alguns aspectos relacionados
ao bom andamento das atividades são destacados, tais como postu-
ra da voz, posicionamento corporal, estratégias de organização dos
participantes, mecanismos de som e luz, cenário e figurino, atuação,
entre outros. Esses elementos auxiliam tecnicamente os educandos a
criarem uma mística mais de acordo com a intencionalidade plane-
jada por eles. Exemplos de deslizes muito comuns que prejudicam o
bom andamento das místicas pode ser o caso de se utilizar um tom
de voz muito baixo ou passar uma mensagem corporal diferente da
mensagem oral. Esse tipo de fator altera a compreensão e pode fazer
com que os participantes não envolvidos com a elaboração da mística
percam o interesse naquele momento, visto que a fé cênica, isto é, a
crença na cena, se perde.
Embora essas questões sejam consideradas e trabalhadas na
disciplina, não se perde de vista o fato de que a mística não é uma
apresentação artística por si só, ela é um ritual, um momento especial
onde há participantes que estão propondo aquele momento e partici-
pantes que estão compartilhando aquela vivência, não sendo aqueles,
necessariamente, artistas por formação:

A mística, portanto, é o refazer já feito, acrescentando


a ele os desejos naquilo que deve vir a ser. Isso quer
dizer que os conhecimentos, sejam eles profissionais,
políticos ou artísticos etc., são revividos e ampliados

191
no praticar das ações que visam às transformações
pretendidas. A persistência na busca de alternativas
para as situações que aparecem esgotadas, o ânimo
para enfrentar os sacrifícios e a esperança relacionada
à coragem e à indignação aprofundam ainda mais o
mistério de não se saber decifrar os fundamentos das
manifestações de vontade de fazer e sentir cada ato
(BOGO, 2016, p. 44).

Presente em muitos eventos de movimentos organizados e reu-


niões de reflexão e articulação, a mística tem seu momento resguar-
dado geralmente no início das atividades, consagrando os presentes e
os preparando para os trabalhos que vem a seguir. Ela é

um ato político essencialmente representativo tal qual


uma peça teatral, em que seu “roteiro” tem sua base
em fatos marcantes que ocorreram no decorrer da
luta pela construção de um “mundo” melhor, mais
justo, mais cidadão, assim como recordar, e mesmo
celebrar pessoas que fizeram e fazem diferença na
construção deste, enfim, episódios marcantes que
devem ser revistos, (res)sentidos, transmitidos e
compartilhados. Nesta são utilizados elementos da
natureza, a exemplo: a terra, a água, as flores, folhas,
frutos, assim como objetos materiais que são impor-
tantes para a vida do homem do campo, tal qual a
enxada, a foice, compartilham espaço com livros de
pensadores variados, que complementam a formação
política e a reflexão dos assentados em relação a seu
contexto sociopolítico, histórico, cultural e educacio-
nal (CARVALHO; GOIS; SOARES, 2011, p. 4).

A escolha de símbolos a serem utilizados nas místicas é muito


frequente. São elementos que carregam consigo significados direta-
mente vinculados à identidade coletiva camponesa, que variam de
acordo com as especificidades dos grupos que a estão realizando. Con-
forme Miranda e Franzoni (2016, p. 205) a utilização de signos pro-

192
picia ao movimento construir “no seu fazer elementos comuns de uma
identidade política camponesa, os quais são elencados propositalmente
pelos criadores da mística direcionados aos seus pares”. Com relação à
abordagem desses elementos, realizada nas manifestações artísticas do
MST, Stédile (STÉDILE; FERNANDES, 2012, p. 133-134) ressalta:

A bandeira, o hino, as palavras de ordem, as ferramen-


tas de trabalho, os frutos do trabalho no campo etc.
Eles aparecem também de muitas formas: no uso do
boné, nas faixas, nas músicas etc. [...] De acordo com
a concepção de mística, teoricamente a gente já vi-
nha aprendendo com a Igreja – e na prática também
– que em qualquer organização social, em qualquer
movimento social, não é o discurso que proporciona
a unidade entre as pessoas na base. O que constrói a
unidade é a ideologia, a visão política sobre a realidade
e o uso de símbolos, que vão costurando a identidade.
Eles materializam o ideal, essa unidade invisível.

Para compreender melhor como a mística foi assimilada e pra-


ticada pelos educandos e educandas de nosso curso, a seguir descre-
vemos as quatro místicas criadas pelos acadêmicos da terceira turma,
em seu quarto semestre de curso, 2017.2. Neste momento, traremos
também relatos dos educandos e educandas da turma obtidos através
de questionários de avaliação da atividade e da disciplina, compostos
de perguntas abertas, respondidos no último encontro da turma em
EPC. Realizamos algumas adaptações na grafia para facilitar a com-
preensão da argumentação dos discentes, fazendo interferências mí-
nimas em algumas palavras escritas por eles, não alterando o sentido
da fala. Esta opção se deu visto que, neste caso, o foco não está nos
aspectos relacionados à análise da linguagem, mas sim às reflexões
propostas pelos educandos e educandas.

193
2.1 A mística em movimento

Os títulos das místicas criadas pelos educandos e educandas


são Mulher do lar, A luta dos trabalhadores rurais, Pedagogia tradicional
x Pedagogia libertadora e Os indígenas. Para auxiliar os educandos no
planejamento do exercício, e pensando nas questões relacionadas à
concepção artística do mesmo, foi solicitada aos grupos a entrega de
um plano, antes do início da mística, contendo as seguintes informa-
ções: Tema, personagens, cenário, sonoplastia e roteiro descrevendo
cada um dos momentos da ação a ser representada. Posteriormente
ao exercício, ao irem para a sala de aula, os discentes eram estimu-
lados a realizarem um debate acerca desses elementos no intuito de
refletirem sobre as temáticas escolhidas e as abordagens realizadas,
valorizando os aspectos bem-sucedidos e buscando coletivamente al-
ternativas para os equívocos apontados.
A mística Mulher do lar tinha como personagens um casal, duas
filhas, uma vizinha e os demais, que participavam ao final, recitando
frases que manifestavam a ideia central do grupo acerca do tema. O
cenário proposto foi a cozinha e a sala da família. A ação inicial é a da
dona de casa exercendo todas as atividades do lar sem a contribuição
do marido. Ela leva e busca as filhas na escola, realiza a limpeza da casa
e prepara o almoço da família. As filhas estão assistindo televisão.
Posteriormente, o marido chega ao lar reclamando da esposa
dizendo que ela não faz nada, isto é, não trabalha fora do lar, e ainda
atrasa as refeições. Após o almoço, o homem sai para trabalhar. A mu-
lher segue sua rotina de trabalho no lar e é questionada pelas filhas
sobre qual é sua profissão, visto que na escola estavam abordando esse
tema. A mãe explica que sua profissão é o cuidado com o lar, que esse
era um trabalho como qualquer outro. Após a conversa com as filhas,
a mulher entristecida vai reclamar com a vizinha que passava para
fazer uma visita. O homem, que está retornando do trabalho fora do
lar, ouve escondido a conversa e, após a saída da visitante, revê sua

194
postura e se desculpa com sua esposa.
A cena termina com os demais integrantes do grupo entran-
do em cena exclamando frases em defesa da igualdade de gênero
e de profissões não valorizadas. Entre as frases citadas, destacamos
algumas: “sou brasileira de nascimento, sou estudante”; “quero ser
livre, assim como meus pensamentos, quero mudança”; “quero salá-
rio igualitário, quero andar de cabeça erguida diante de todos, sem
medo”; “sou profissional, sou mãe, sou pai, sou do lar”; “sou eleitora e
tenho o poder de mudar o que não creio ser correto” “elas não podem
ser estupradas, nem violadas, muito menos abusadas por ninguém”.
A temática escolhida estava sendo intensamente discutida pe-
los alunos da turma na disciplina de Seminário Integrador IV. O de-
bate sobre as questões de gênero, em especial a opressão vivida pelas
mulheres, se deu devido à constatação feita por alguns educadores e
educadoras de episódios em que alguns discentes demonstraram uma
postura machista com relação às suas colegas e em relatos sobre as
mulheres de suas vidas. Provavelmente, a abordagem feita pelos(as)
docentes que conduzem a disciplina (entre os quais, inclui-se uma
das autoras deste capítulo) foi proveitosa na medida em que, ao se-
rem desafiados a escolher um tema de seu dia a dia para expor e pro-
por um momento especial de reflexão – uma mística – os educandos
e educandas trouxeram à tona essa temática.
Quando questionados(as) quanto aos motivos que os levaram à
escolha dessa temática, um dos educandos salienta: “mostrar a reali-
dade da dona de casa, pois foi um tema que ultimamente foi bastante
discutido, tentando mostrar o trabalho e as atividades feitas diaria-
mente”. Vários discentes destacaram em suas respostas que esse tema
é bastante familiar visto que vivenciam a situação apresentada na
“própria pele” ou na situação de algumas mulheres de suas famílias.
A segunda mística, A luta dos trabalhadores rurais, tinha como
personagens trabalhadores da roça, quebradeiras de coco babaçu
(palmeira típica da região do Bico do Papagaio, localizada ao norte

195
do estado do Tocantins), pistoleiros, um latifundiário e uma narrado-
ra. O cenário estabelecido foi a de um território agrário cujas terras
improdutivas pertenciam ao latifundiário. Os elementos utilizados
traziam à cena o ambiente da roça, com enxadas, pás, machadinhas e
porretes (instrumentos utilizados na quebra do coco), cofos (cestaria
confeccionada com a palha da palmeira do babaçu) e cachos repletos
de coco babaçu. A cena demonstra os trabalhadores acampados em
um dia harmônico de trabalho.
A seguir o latifundiário, ao ver a posse de suas terras na mão
de outros, contrata homens armados para expulsar da terra os tra-
balhadores(as) que lá estavam. Os (As) trabalhadores(as), que já ha-
viam sido ameaçados(as) pelo latifundiário buscam alternativas para
o impasse e, sem possibilidade de manter seu sustento em outro lo-
cal, indignados com a injustiça, resolvem permanecer na ocupação.
O clímax da cena se estabelece no confronto entre os pistoleiros e
os trabalhadores e trabalhadoras, culminando no assassinato de dois
deles. A cena encerra com a narradora lendo um texto que relembra
o histórico da luta pela terra no Brasil e o sacrifício de tantos cam-
poneses e camponesas em busca de uma terra para viver e trabalhar
acompanhada de fundo pela música Pra não dizer que não falei das
flores, de Geraldo Vandré.
O grupo que escolheu a temática mais voltada aos conflitos re-
lacionados à luta pela terra não tem nenhum integrante que trabalhe
diretamente com a terra, tendo eles uma vivência mais urbana. Esse
fato nos chama atenção visto que houve a opção por representar uma
realidade diferente da vivida por eles. A justificativa da escolha do
tema, pontuada por uma das educandas é: “escolhemos uma temática
que melhor representasse a vida das referências que estudamos”. Esse
fato pode indicar que o trabalho na disciplina de EPC, relacionado à
compreensão da vivência dos povos do campo, aos aspectos relacio-
nados à cultura e à poética camponesa estão sendo assimilados pelos
educandos e educandas. Além disso, aspectos relacionados à estética

196
da mística, sendo vista como não só, mas também, como uma obra
de arte, devem ser destacados visto que esse grupo foi o que mais
utilizou adereços, figurinos e cenário que se destacam como símbo-
los importantes que retratam o imaginário dos povos do campo: “O
imaginário trata de um conjunto de sinais que emergem da realidade
vivenciada por determinado grupo. Cada período e cada grupo cons-
troem seu imaginário, isto é, o conjunto de representações que dão
sentido à sua realidade” (MIRANDA, 2014, p. 41). Pensando nisso, o
grupo conseguiu manifestar uma realidade que não é a sua, mas que
foi assimilada pela construção coletiva através dos estudos, debates e
trocas de saberes promovidos pelo curso.
Essa mística provocou muitos comentários entre os colegas
da turma, principalmente quando questionados com relação a sen-
timentos e sensações que a mística provocou neles. Uma das edu-
candas pontua a “sensação de luta e de que ainda temos muitas bata-
lhas pela frente, no momento que aconteceu a mística eu lembrei do
quanto aquelas pessoas que foram assassinadas sofreram fisicamente
e psicologicamente em prol de políticas públicas e direitos que hoje
nós usufruímos”. Outra educanda também ressalta a dedicação e o
martírio daqueles que tombaram nas lutas camponesas: “leva a pen-
sarmos mais sobre a vida do camponês. Questões sobre identidade,
cultura, momentos que nos levaram a refletir sobre os autores que
morreram por causas trabalhistas, faz com que façamos mais por esse
povo que desde os primórdios tem lutado por igualdade de direitos”.
A identificação não só pelos alunos residentes na cidade, mas tam-
bém, por aqueles que vivem no campo: “me identifiquei um pouco
com a apresentação das quebradeiras de coco e os homens mortos.
Aquilo ali acontece também com os povos indígenas”.
Na mística Pedagogia Tradicional x Pedagogia Libertadora os
personagens são um professor da pedagogia tradicional, um educa-
dor da pedagogia libertadora, os educandos e educandas e uma nar-
radora. A cena inicia com o professor conferindo os cadernos das

197
alunas, desqualificando seus trabalhos e apontando seus equívocos de
maneira vexatória. Depois, as alunas começam a questioná-lo acerca
da pedagogia libertadora, de Paulo Freire. Os questionamentos são
respondidos com descaso e frases como “Paulo Freire é seu pai?’’,
“Paulo Freire não paga meu salário”, “Ele veio dar aula pra vocês
aqui?”, “Paulo Freire não tem nada a ver com o meu trabalho”.
As alunas exclamam frases inspiradas nos princípios de uma
educação libertadora, retirando-se da sala de aula. O professor deter-
mina que estão todas reprovadas e desiste de dar aula para aquela tur-
ma. Em seguida, a turma retorna as atividades com um novo docente.
Este se mostra acolhedor, dedicado, atencioso e respeitoso com as
alunas, procurando conhecer suas realidades e propor novas formas
de ensino. Trata-se de um educador adepto à pedagogia libertadora.
Todas saem da aula realizadas, satisfeitas com a nova forma de apren-
der e ensinar proposta pelo educador.
A narradora entra em cena e propõe ao público que pense, com
base em suas vivências e na cena representada, que tipo de educador
ele quer se tornar. Ela aborda as dificuldades e as especificidades dos
educandos e a importância do educador enquanto agente responsá-
vel, em parte, pelo futuro daqueles que cursam suas aulas e conclui
a mística com o seguinte questionamento: “Então nós como futuros
educadores temos que nos fazer essa pergunta: Que tipo de educador
nós queremos ser?”.
A temática abordada por esse grupo destaca um dos principais
compromissos de nosso curso, o de educar para a liberdade, para o
empoderamento, para a autonomia, em diálogo estreito com a obra
do pedagogo Paulo Freire. Os educandos e educandas colocam em
seus questionários relatos de terem sido vítimas de uma educação
tradicional, com professores opressores: “a maioria dos alunos sofre-
ram opressão por parte dos professores durante o ensino fundamen-
tal”; “me comoveu, pois eu já vivencie situações opressoras enquanto
estudante”. Essa temática refletiu um dos maiores desafios da prá-

198
tica docente e demonstrou ser uma preocupação dos integrantes do
grupo quando finalizaram sua ação propondo o questionamento aos
demais quanto ao futuro educador que eles se tornarão ao final de sua
formação universitária.
A última mística recebeu o título de Os indígenas. É importante
ressaltar que essa mística foi elaborada pelos educandos e educandas
indígenas da etnia Apinayé, com o apoio da monitora da disciplina
e das monitoras do Programa Interinstitucional de Monitoria In-
dígena (Pimi). Esse apoio é imprescindível visto que temos muitas
dificuldades com nossos(as) discentes indígenas, principalmente,
relacionadas à diferença linguística. Muitos(as) deles(as) chegam ao
curso com poucas noções da língua portuguesa e o desafio princi-
pal é a comunicação entre eles(as) e os(as) docentes e entre eles(a)
e seus(as) colegas. As leituras propostas também são um grande
desafio para eles(a). Nesse sentido, o Pimi tem desempenhado um
papel fundamental garantindo a inclusão dos(a) indígenas que estão
cursando um curso em uma língua que não é a sua língua materna,
advindo desse fato muitos obstáculos a serem vencidos.
A mística começa com uma mulher precisando de ajuda, pois
seu bebê está passando mal. A primeira pessoa que ela procura é o Pajé
de sua aldeia. Este examina a criança, realiza seu ritual de cura, benze
a criança e canta para ela, realizando um pequeno ritual. Por fim, o
pajé aconselha a mulher a ir à Secretaria Especial de Saúde Indígena
(Sesai) procurar um médico. O médico recomenda que ela aguarde,
um carro que pegará ela e o bebê e os levarão para o hospital. O pai da
criança chega da caçada e, não encontrando sua família, vai procurar o
Pajé para ter notícias. Depois, ele vai procurar sua família na Sesai que
informa que ela foi transferida para a cidade de Araguaína/TO, cerca
de 150 km de distância da cidade de Tocantinópolis/TO.
Ele pede ajuda para que consiga ir até sua mulher e sua filha,
pois está muito preocupado, a Sesai informa não ter condições de
realizar seu pedido e indica que ele procure a prefeitura do município.

199
Ele vai até a Prefeitura, no centro da cidade, e recebe outra resposta
negativa, também sob alegação de falta de recursos. A Prefeitura diz
que quem tem que cuidar desse tipo de demanda é a Fundação Na-
cional do Índio (Funai).
O pai se dirige à Funai para pedir ajuda e é informado que
não há verbas e que o órgão não pode fazer nada para lhe ajudar.
Sem ter mais a quem recorrer, o pai retorna para a aldeia. Por coin-
cidência, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) acaba de che-
gar lá e, conversando com o homem e vendo sua necessidade de
encontro com a família, vai com ele até a Sesai e questiona o órgão
sobre a informação de não haver verba disponível. A Sesai justifica
que no momento que o homem foi lá não havia verba e que após a
sua saída uma verba surgiu. Com o acompanhamento do Cimi o pai
finalmente consegue a passagem para encontrar a sua família. Após
essas cenas, todos os integrantes do grupo se reúnem cantando e
dançando em comemoração à melhora de saúde da criança.
A mística foi realizada na língua portuguesa e na língua Api-
nayé. Os momentos de conversa entre os personagens indígenas
como a mãe e o pajé, o pai e o pajé e o canto ao final da cena, foram
em sua língua materna. Já as conversas que aconteceram com os ku-
pén – homens brancos ou, como preferem utilizar os alunos indígenas
de nosso curso, os não índios –, nos órgãos públicos representados,
acontecem em língua portuguesa. Os discentes envolvidos na monta-
gem da mística justificam sua escolha pelo tema: “é mostrar a realida-
de do povo indígena do campo, é mostrar que passamos por isso, que
ficamos dependendo dos órgãos públicos, do município”; “mostrar a
negação dos direitos indígenas pelos órgãos públicos e governamen-
tais”; “o critério foi com que nós mostrássemos que os índios não
estão de boa nesse mundo capitalista. E que os índios precisam de
mais apoio e orientação diante dessas coisas”; “para mostrar que os
órgãos nos jogam para outros órgãos, como saúde joga para Funai e
Funai para Prefeitura”. Um dos integrantes destaca: “eu já passei por

200
isso, é a realidade do povo indígena do Brasil”. Esse descaso com a
saúde das populações indígenas é fundamental, visto que há muitos
relatos de indiferença e maus tratos por parte daqueles que deviam
servir aos interesses indígenas.

3 Considerações finais

As quatro místicas propostas pelos educandos e educandas na


disciplina de Estética e Poética Camponesa, em 2017.2, trouxeram
temas extremamente relevantes para o universo camponês: questões
de gênero, acesso à saúde, à terra e à educação de qualidade. Essas te-
máticas permitem perceber as preocupações da turma e o que os (as)
discentes julgam como parte da luta dos camponeses, demonstrando
certa maturidade em sua formação acadêmica, em especial, quando
pensamos nos educandos(as) oriundos(as) do meio urbano.
Quanto às impressões que as místicas provocaram, destacamos
duas que sintetizam as apontadas por diferentes discentes: “me emo-
cionaram pelo fato de que seus assuntos têm relações com a nossa
vida cotidiana e pensei muito no futuro dos meus filhos e netos”;
“tive a sensação de que já passei por algo que estava olhando sendo
que só era uma apresentação, mas mesmo assim me tocou muito”.
A atividade realizada pelos educandos e educandas fomentou
uma sensação de coletividade, que se deu através da conscientização
da situação vivida por eles – ou por seus pares – e da atribuição de um
sentido de pertencimento a um grupo socialmente oprimido e que
precisa unir-se para lutar por melhores condições de vida e trabalho.
A luta e a força dos povos do campo se manifestaram em todas as
apresentações: na mulher que reivindica respeito e valorização; nos
trabalhadores rurais que perderam suas vidas no conflito pela terra;
nas discentes que se uniram contra a opressão do professor e na fa-
mília indígena que foi em busca de suas necessidades, mesmo com
tantos entraves.

201
A força, a luta, a união, a justiça, a igualdade de direitos, a edu-
cação libertadora, o acesso à terra, entre outros, são temas muito pre-
sentes no cotidiano do curso, tanto em abordagens em sala de aula
quanto fora dela, o que pode ter servido de inspiração para os edu-
candos e educandas na concepção de suas místicas.
A atividade foi relatada pelos discentes como “desafiadora”,
“importante”, “difícil” e “boa”. As discentes relataram gostar de as-
sistir e debater as místicas de seus(as) colegas, propondo sugestões e
novos olhares das ações apresentadas. A mística possibilitou a apren-
dizagem e a compreensão das questões camponesas através de uma
vivência que vai além da objetividade dos acontecimentos, que busca
tocar cada indivíduo de maneira única e profunda.
Entre as dificuldades apontadas está a necessidade de alguns
educandos e educandas de receberem um formato fechado de místi-
ca, um modelo, um passo a passo, o que não é conveniente ao proces-
so de criação dessa atividade. A mística foi abordada em momentos
anteriores ao Mosaico dos Saberes na disciplina com a proposição de
textos e debates sobre seus aspectos teóricos, destacando sua origem,
significado, principais formas, relevância para os povos do campo,
entre outros aspectos.
Foram apresentados exemplos de místicas e trabalhados as-
pectos relacionados à concepção artística da mesma. Foram anali-
sadas obras de arte visual, de música, de teatro criadas pelos povos
do campo na tentativa de fazer com que o universo camponês na
arte pudesse ser melhor compreendido. No entanto, entendemos que
uma “fórmula pronta” prejudicaria a intencionalidade, tanto didática,
quanto poética, pois a mística é um momento de criação coletiva, de
movimento, de manifestação de sensações e sentimentos. Qualquer
tentativa de engessar a mística poderia acabar totalmente com sua
essência e potência.

202
Referências

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dade no trabalho popular e organizativo. Cadernos de Formação n.
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203
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to político pedagógico do curso de licenciatura em Educação do
Campo: códigos e linguagens - Artes e Música. 2016.

204
8 –Práticas pedagógico-musicais e
interações no canto coral

Raimundo Vagner Leite de Oliveira

1 Introdução

A Música é uma área de conhecimento, que se divide em subá-


reas. Essas subáreas, por sua vez, detém cada uma seu próprio objeto
de estudo e singularidades. A Musicologia / Etnomusicologia abor-
da estudos na perspectiva etnomusicológica ou socioculturais sobre
qualquer repertório musical. A Criação Musical / Composição foca
em técnicas composicionais e análise musical. A Práticas Interpre-
tativas / Performance preocupa-se com estudos sobre instrumento,
voz ou regência, versando sobre técnicas de execução. Por fim, a Edu-
cação Musical1 que versa sobre processos educativo-musicais. En-
tretanto, existem estudos, no Brasil, que têm procurado delimitar a
Educação Musical como área de conhecimento (no entanto, esse não
é o foco desse texto) como revelam algumas publicações de autores
da área específica como, por exemplo, Del-Ben (2001), Souza (1996;
2001a; 2001b), Kraemer (2000).
Nessa perspectiva, a pesquisa situa-se na subárea da Perfor-
mance (regência) e Educação Musical (relação com o ensino e apren-
dizagem). Na regência, um dos pontos mais discutidos na atualidade
é a atuação do regente como educador musical ( JUNKER, 2013a).
Portanto, há uma intersecção das duas subáreas: que é a prática pe-

“Educação Musical” com iniciais maiúsculas refere-se à área de conhecimento. Porém,


1

“educação musical” com iniciais minúsculas refere-se às praticas de ensino e aprendizagem


da música, ou seja, a relação do professor e aluno nos contextos educacionais.

205
dagógico-musical do regente que atua como educador musical nas
atividades de canto coral.
Das expressões musicais, o canto coral é, de todas, a mais aces-
sível (ROBINSON; WINOLD, 1992). Estudos feitos na Austrália
mostram que a instrução musical ajuda a desenvolver habilidades
como proficiência motora, mentais, audição, percepção, matemática,
leitura, compreensão e interpretação de textos ( JUNKER, 2013a).
Há um enorme interesse acadêmico pela formação de coral por de-
senvolver vários aspectos nos participantes como físico, moral e social
(CARTOLANO, 1968, apud JUNKER, 1999, p. 66). Portanto, é
necessário expandirmos nosso olhar para a prática do canto coral,
“tanto para as diferentes maneiras de cantar como para os aspec-
tos socioeducativos do coro” (CHIARELLI; FIGUEIREDO, 2010;
DIAS, 2008 apud DIAS, 2012, p. 136).
A prática de canto coral se dá em diversos espaços, como nos
conservatórios, nas escolas de ensino básico, em projetos sociais, em
universidades, em igrejas, empresas, ONG’s e outros espaços infor-
mais. A prática coral, não subsiste sem a figura do regente que exerce
o papel da regência (técnica) de uma determinada peça e também de
educador (educação musical). Nesse sentido, trataremos neste capí-
tulo apenas das práticas pedagógicas em um coro universitário em
um curso de licenciatura.
Os regentes atuam, em sua maioria, também como professores
( JUNKER, 2013b). Esses regentes na sua prática se deparam com
questões além da regência, o que já requer muito estudo. A prática
da regência vai além da respiração, afinação, calistenia2 e sonoridade.
É necessário um olhar pela subárea da Educação Musical; o regen-
te precisa atuar como professor/educador musical. Segundo Souza
(2009) há “a necessidade de um alargamento da concepção de cantar,
de flexibilidade necessária para se trabalhar um repertório que atenda

2 Uma metodologia de treinamento que tem como principal característica a realização de


exercícios que utilizam somente o peso corporal.

206
às demandas dos coristas e o repensar a respeito das dimensões so-
ciais que revestem as práticas corais.”
Neste estudo, as práticas pedagógico-musicais na atividade de
canto coral e as interações que se dão entre os envolvidos na prática
pedagógica do coro emergem como o foco central das minhas preo-
cupações científicas. Busquei compreender, nesta pesquisa, as práti-
cas pedagógico-musicais e como se dão as interações que vão sendo
construídas nas dinâmicas das práticas pedagógicas utilizadas na dis-
ciplina de Canto Coral I e II do curso de licenciatura em Educação
do Campo, com habilitação em Artes e Música da Universidade Fe-
deral do Tocantins (UFT), em Tocantinópolis/TO.
Para responder a essas questões, elaboramos os seguintes
questionamentos: Quais foram as dificuldades encontradas pelos
alunos para a aprendizagem dos conteúdos? Quais práticas peda-
gógico-musicais do coro foram eficientes para a aprendizagem? As
práticas pedagógico-musicais conduziram ao estabelecimento de
aproximações entre indivíduos e ao desenvolvimento da capacidade
de convivência dos alunos? Que relações são construídas na prática
coral? Como essas relações acontecem? Qual proposta pedagógica
ideal para o ensino da música na Educação do Campo?
Diante dessas questões fica evidente a responsabilidade do re-
gente não somente nos aspectos estéticos da realização sonora, mas
também em relação aos aspectos educacionais. O regente da atuali-
dade precisa assegurar uma aprendizagem além da musical, deve ser
uma aprendizagem significativa, na qual os coristas, coralistas, enfim,
os cantores possam vivenciar experiências em diferentes dimensões3.
É preciso que os regentes antecipem tais questões relacionadas
aos aspectos educacionais e saibam que a atividade de canto coral
precisa também estar ligada às vivências de cada um do grupo. O
olhar pelo viés da subárea da Educação Musical, pelo regente, fará

3 Dimensões do ser humano: física, intelectual, emocional e espiritual.

207
que ele concilie a prática musical, pensada também como muitas ve-
zes em uma formação musical, com a formação integral do indivíduo.
Pretende-se com isso fazer com que haja uma experiência prazerosa
que valorize a identidade, a cultura e os gostos, promovendo assim
um convívio significativo entre todos os envolvidos. É importante,
portanto, conhecer o contexto dos envolvidos.
Pretendeu-se investigar as práticas efetivas de aprender e en-
sinar na disciplina de canto coral para contribuir com a melhoria da
educação do campo. Usamos os diários de bordo para averiguar opi-
niões dos discentes, o qual, de acordo com Porlán e Martín (1997),
é um guia que serve para reflexão sobre a prática, e a partir daí, o
professor tomará decisões sobre seu processo de evolução das práticas
pedagógicas.
Os fatos ocorridos nos processos de ensino-aprendizagem pre-
cisam ser registrados no diário de bordo (FALKEMBACH, 1987),
pois é nesse momento de escrita que os alunos refletem sobre a aula,
anotando o ocorrido a partir de sua ótica. O diário de bordo é um
recurso metodológico no qual se distinguem as problemáticas (POR-
LÁN; MARTÍN, 1997). O professor conseguirá identificar proble-
mas e solucioná-los a partir das análises de acordo com realidade do
envolvido. A problemática pode ser algo simples ou complexo desde
uma circunstância, uma ocasião ou um planejamento. O objetivo foi
usar os diários de bordo como ferramenta metodológica para analisar
o aprendizado de alunos da disciplina Prática Coral I e II.
As atividades que fizeram parte do diário de bordo dos alunos
foram: Problematização da aprendizagem nas aulas expositivas mi-
nistradas pelo professor da turma; Discussão de materiais didáticos
e metodologia; Descrição das atividades experimentais realizadas na
sala de aula. Como critério, para escolha dos sujeitos, selecionamos
os alunos assíduos.
A gênese dessa pesquisa nasceu a partir da busca por compre-
ender a importância da prática pedagógico-musical e as interações

208
(professor e alunos, entre alunos – os alunos na maioria são campo-
neses) nesse contexto. Dessa forma, chegamos ao próximo passo, que
foi, através dos dados obtidos, alcançar os objetivos da pesquisa.
O camponês, por direito, deve ter sua educação a partir do seu
mundo, ou seja, da sua realidade (LEITE, 1996; FERNANDES,
2002, apud NASCIMENTO 2005). É importante, portanto, com-
preender e assegurar a formação humana e a sustentabilidade dos
sujeitos do campo (LIMA, 2012). Nascimento (2005) relata que para
o Procampo4 são exigidos alguns critérios que devem prever a criação
de condições teóricas, metodológicas e práticas para que os educado-
res em formação possam tornar-se agentes efetivos na construção e
reflexão do projeto político pedagógico das escolas do campo.
A prática de ensinar música em diversos contextos é tratada
por Louro e Souza (2013). Esses autores buscam discutir práticas
efetivas do ensino da música em cada contexto, e exemplificam tam-
bém o meio acadêmico. Há uma ligação evidente sobre a teoria do
cotidiano e a educação a partir do contexto do indivíduo que para a
educação do campo se configure como o mundo do camponês. Esses
construtos convergem para a importância do contexto local, da sua
cultura, e dialogam com estudos de Swanwick (2003) que afirmam
que a música do cotidiano dos alunos deve ser aproveitada, valorizada
e utilizada na sala de aula.
No artigo Canção Regionalista Tocantinense: delimitação de
um estudo sobre música popular e identidade, Oliveira (2011) trata
das discussões sobre identidade cultural no âmbito acadêmico, for-
necendo um quadro teórico abrangente para situar as contribuições
da música regional. Essas discussões nos possibilitam um olhar mais
reflexivo sobre esse fundamento. Oliveira (2008) e Ramos (2003),
na mesma perspectiva, tratam sobre memórias e identidade cultural
tocantinense. Penna (2012, p. 48-49) ressalta a importância da recria-

4 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo.

209
ção da própria música. Segundo a autora, a educação musical aborda
a escrita tradicional ao passo que a musicalização aborda o “fato so-
noro em si”. Importante notar a esse respeito que:

[...] o objetivo específico da educação musical consiste


em colocar o homem em contato com seu ambien-
te musical e sonoro, descobrir e ampliar os meios de
expressão musical, em suma, “musicalizá-lo” de uma
forma mais ampla [...] (GAINZA, 1977, p. 44, apud
PENNA 2012, p. 48).

É nesse contexto de educação do campo que a pedagogia da


alternância “se caracteriza como um modo de promover a educação
com características próprias para o atendimento da população do
campo” (AIRES, 2016, p. 54). A pedagogia da alternância é justa-
mente para facilitar que esses alunos voltem para suas cidades e tra-
gam demandas, ou seja, os problemas lá encontrados para dialogar
com o curso na perspectiva de como eles poderiam agir como futuros
profissionais (educador do campo na área de Artes e Música) e con-
tribuir na resolução de problemas.

Ao novo educador compete refazer a educação, rein-


ventá-la, criar as condições objetivas para que uma
educação realmente democrática seja possível, criar
uma alternativa pedagógica que favoreça o apareci-
mento de um novo tipo de pessoas, solidárias, pre-
ocupadas em superar o individualismo criado pela
exploração do trabalho. Esse novo projeto, essa nova
alternativa, não poderá ser elaborado nos gabinetes
dos tecnoburocratas da educação. Não virá em for-
ma de lei nem reforma. Se ela for possível amanhã
é somente porque, hoje, ela está sendo pensada pelos
educadores que se reeducam juntos. Essa reeducação
dos educadores já começou. Ela é possível e necessária
(GADOTTI, 1998, apud, FERREIRA, 2003, p. 69).
Portanto, o professor que se formar nesse contexto, será conhe-

210
cedor dos infortúnios que imperam na sua região, cidade e escola.
Assim, a partir de suas ações como docente poderá refazer, reinventar,
e recriar uma educação que funcione para o contexto onde vive.
Destacaremos, neste capítulo, as práticas pedagógico-musicais
no canto coral, e as novas sociabilidades a partir do convívio no coral.

2 Desenvolvimento

2.1 Curso de Educação do Campo com


habilitação em Artes Visuais e Música

O curso de Educação do Campo com habilitação em Artes


Visuais e Música da Universidade Federal do Tocantins (UFT) teve
seu primeiro vestibular no dia 23 de março de 2014. No primeiro se-
mestre de 2017, o curso contava com seis turmas. No campus de To-
cantinópolis foram 218 alunos matriculados. O curso de Educação
do Campo é uma licenciatura com duração de quatro anos voltada,
especialmente, para camponeses e comunidades tradicionais como
quilombolas, indígenas, ribeirinhos etc., e professores que já atuam
em escolas do campo, mas que não têm formação.

O curso tem caráter regular e apoia-se em duas di-


mensões de alternância formativa integradas: o Tempo
Universidade e o Tempo Comunidade. A organização
curricular do curso prevê etapas presencias (equiva-
lentes a semestres de cursos regulares) em regime de
alternância entre tempo-espaço universidade e tem-
po-espaço comunidade, tendo em vista a articulação
intrínseca entre educação e a realidade específica das
populações do campo (UFT, 2016, p. 47).

Segundo Molina e Sá (2011, apud MIRANDA e COVER,


2016, p. 88), “a finalidade das licenciaturas em Educação do Campo

211
é formar profissionais capazes de dirigir e gerir processos educativos
escolares e comunitários e atuarem em áreas específicas do conheci-
mento”. Essa finalidade está em acordo com o objetivo do curso de
licenciatura em Educação do Campo com habilitação em Artes e
Música de Tocantinópolis que é:

Realizar uma formação contextualizada na área de Ar-


tes e Música que possibilite ao discente de licenciatura
uma identidade na área de formação de educadores/as
politicamente comprometida com a cultura, as lutas so-
ciais e com o campo brasileiro (UFT, 2016, p. 35).

Esses profissionais, após estarem formados, atuarão nas escolas


do campo e com os povos do campo – quilombolas, ribeirinhos, agri-
cultores familiares, pescadores artesanais, extrativistas, acampados,
assentados e reassentados da reforma agrária, entre outros – e estarão
em contato direto com esses conflitos e auxiliando na emancipação
social camponesa (MIRANDA; COVER, 2016, p. 89). Os estudan-
tes são do lugar, representam seus territórios, sua gente, sua cultura.
Segundo Oliveira (2016, p. 106):

A diversidade do homem e da mulher do campo foi


bem representada na primeira turma de licenciatura,
constituída por indígenas do grupo étnico Apinayé;
quilombolas das comunidades de Cocalinho/norte do
Tocantins e Mumbuca/Jalapão; assentados e assen-
tadas da reforma agrária; professores e professoras de
comunidades rurais; jovens vindos de famílias da agri-
cultura familiar, da pesca, quebradeiras de coco babaçu
que vivem do extrativismo, das cidades e vilas da região.

Esses estudantes, após sua formação, retornarão para suas ci-


dades como professores. O curso analisado tem por objetivo formar
educadores e educadoras para trabalhar na docência em artes nas es-
colas do campo para os anos finais do ensino fundamental e para o

212
ensino médio (MIRANDA; COVER, 2016, p. 88).
O curso está organizado em três núcleos que são: a) Núcleo
Comum com conteúdos voltados para formação geral do educador;
b) Núcleo Específico relacionado às artes visuais e música; c) Núcleo
de Atividades Complementares de extensão, pesquisa, monitorias,
estágios, viagens de campo e participação em eventos (MIRANDA;
COVER, 2016, p. 90). Em Tocantinópolis a carga horária total do
curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e Música é
de 3.300 horas. As disciplinas do ciclo básico totalizam 1.785 horas,
enquanto que do ciclo profissional 900 horas. As atividades comple-
mentares 210 horas e os estágios curriculares supervisionados 405
horas (UFT, 2016, p. 17). As disciplinas oferecidas ao longo do curso
são: Fundamentos da Notação Musical; Teoria e Percepção Musical
I e II; Prática Coral I; Prática Coral I e II; História da Música Popu-
lar Brasileira e Instrumento Eletivo I-VII e disciplina do quadro de
optativas Musicologia e Etnomusicologia.
Prática Coral não é uma disciplina optativa, mas sim discipli-
na obrigatória. As disciplinas de Prática Coral I e Prática Coral II,
foco deste capítulo, são oferecidas respectivamente no 3º e 4º se-
mestre. Essas disciplinas têm por objetivo desenvolver a prática da
música vocal em conjunto, desenvolvendo no aluno alguns aspectos
do canto como a respiração, afinação, qualidade sonora e expressi-
vidade em grupos.
Com a I e II Conferência Nacional “Por uma educação básica
do campo”, em 1998 e 2004 se originaram os documentos mais im-
portantes sobre o movimento que são as coletâneas “Por uma Educa-
ção do Campo” que, ao lado das obras de Caldart, Arroyo e Molina
(2009), têm se constituído nas principais referências teóricas da Edu-
cação do Campo (NASCIMENTO, 2010). É importante conhecer
como se deu a construção do conhecimento da Educação do Campo
e suas pedagogias para elaborarmos qual prática será efetiva para o
ensino da música neste contexto (SOUZA, 2006).

213
Assim, a Educação do Campo, com suas singularidades, de-
vem ser pensadas a partir do mundo, do contexto, do lugar de onde
vivem. Queiroz (2017) corrobora esse pensamento quando diz que
educação musical é cultura. É a partir dos conceitos, especificidades
e pedagogias da educação do campo que devemos estar atentos sobre
os fatores que envolvem nossas práticas de ensinar música, sobretudo
pelos sujeitos envolvidos e suas culturas.
O professor / regente deve, portanto, compreender a im-
portância do que o aprendiz já sabe. (AUSUBEL, 1968, p. 6 apud
CESAR, 2011, p. 75). Penna (2012, p. 48-49) ressalta a importân-
cia da recriação da própria música, ou seja, da música do contexto
do aluno. Essa recriação, segundo a autora, é uma forma ou meio
de possuí-la ativamente. A autora explica que a educação musical
aborda a escrita tradicional ao passo que a musicalização o “fato
sonoro em si”.
Bezerra Neto (2013) traz outra proposta, ressaltando que há a
necessidade do homem do campo ter a mesma formação adequada
e de qualidade do homem da cidade. É importante essa discussão
(trataremos mais adiante) para que o leitor possa visualizar todo o
contexto educacional por óticas diferentes. Para esse autor, não cabe
à educação do homem do campo ser a partir de seus saberes como
ressaltam os pesquisadores Penna (2012) da Educação Musical e
Nascimento (2010) da Educação do Campo, por exemplo.
O processo de ensino-aprendizagem se torna uma relação com-
plexa diante do exposto acima, pois envolve pessoas, e por isso a ética
é importante, especialmente para quem forma pessoas, o professor, e
no nosso caso, o regente. Cabe trazer aqui o texto do autor Sloboda
(2008, p. 257) que diz “todo desenvolvimento humano envolve algu-
ma forma de construção a partir daquilo que já é presente”. Portanto,
a educação deve “partir” do contexto, dos saberes do indivíduo. Esses
saberes servirão como ponte para novos conhecimentos.
Não discordamos totalmente de Bezerra Neto (2013). É claro

214
que o homem do campo deve ter a mesma formação de qualidade, mas
sem perder as suas raízes, suas características, sua cultura. Concorda-
mos com Queiroz (2017) e Sloboda (2008), pois é a partir do que já
sabem, ou seja, sua cultura que devemos pensar a educação (musical).
O que já sabem são suas músicas (gostos musicais), seus costumes,
suas crenças, suas culturas. Portanto, o gosto musical, segundo Pinhei-
ro (1997, apud, OLIVEIRA, 2014, p. 19) “é diretamente influenciado
pelo ambiente, familiar, cultural e social em que vivem”.
É imperativo que deixemos um importante questionamento a
esse respeito: Por que se formam mestres e doutores (saem da acade-
mia) que pesquisam saberes de comunidades, por exemplo, quilom-
bolas e indígenas, mas não se aceitam esses saberes como adequados
e de qualidade?

2.2 O canto coral na educação do campo e


outros aspectos

Uma das preocupações dos regentes, em qualquer coro, é a es-


tabilidade dos participantes. É comum o constante processo de troca
de cantores no coro por diversos motivos como viagens, trabalho,
mudança de cidade etc. Quando há uma permanência de um nú-
mero considerável de pessoas, ou seja, um maior número possível de
pessoas assíduas que mantenham uma regularidade aos ensaios ao
longo do semestre, ano, ou de vários anos, fica óbvio o sucesso do
coro a curto, médio e longo prazo. Mas isso depende não somente
de assiduidade do maior número de pessoas, mas também de com-
prometimento com o grupo, com o regente, consigo mesmo. É ne-
cessária uma entrega do grupo para os estudos, caso contrário, não há
evolução dos aspectos técnicos relacionados à música. Segundo Dias
(2012, p. 134) todos esses fatores acabam por exigir do regente uma
tarefa desafiadora de:

215
Administrar a rotatividade dos volantes sem interferir
em seus projetos de trabalho, tanto nas questões de de-
senvolvimento musical dos coristas quanto na prepara-
ção de um repertório consistente para as apresentações
públicas que comumente ocorrem ao longo do ano.

Além da regularidade por parte dos participantes que é fator


preponderante para a sobrevivência do coro, como já dito, cada um
deve ter a sensibilidade de perceber que:

[…] a percepção de similaridade com os outros, uma


interdependência com os outros, uma vontade em
manter essa interdependência dando ou fazendo pelos
outros o que esperamos que façam a nós, o sentimento
de que somos parte de uma grande e estável estrutura
da qual podemos depender. (SARASON, 1974 apud
AMARO, 2007, p. 157).

O canto coral é uma comunidade composta por indivíduos de


vários grupos diferentes, cada um sendo diferente em se tratando
raça, condição social, status socioeconômico, religião, raça ou etnia
(MACQUEEN et al., 2001, apud DIAS, 2012).
Dito isso, o coro da UFT, campus de Tocantinópolis tem uma
vantagem sobre a questão da permanência e assiduidade, pois par-
ticipar do coro é obrigatório por se tratar de uma disciplina5 e não
somente uma atividade de extensão, por exemplo.
É importante considerarmos, assim como Dias (2012), três
momentos (em se tratando do contato das pessoas com o coro): en-
trada, permanência e saída. Como dito antes, a participação é obri-
gatória, pois se trata de uma disciplina, e a permanência é impres-
cindível para quem desejar passar na matéria e concluir o curso. A
saída, terceiro momento, acaba sendo algo natural quando o aluno
segue com todas as obrigações de estudante universitário. Porém, o
que recebeu maior ênfase no momento dessa pesquisa foi momento
da permanência, pois é nele que se realizam as atividades corais, bem

216
como os processos educativos musicais. Quanto aos outros dois mo-
mentos, caberiam outros estudos que exigiria outras estratégias de
pesquisa e que não é o nosso foco.
Cabe destacar a importância do currículo relacionado ao ensi-
no da música no Brasil por pesquisadores como Esperidião (2012),
Barbeitas (2002) França (2006), Vieira (2001) e Pereira (2012; 2013;
2014). O imenso território e as características de cada região trazem
à tona as questões relacionadas ao conteúdo a ser ensinado (QUEI-
ROZ, 2017). A questão do currículo em música está em debate pelos
educadores da subárea da Educação Musical, pois perceberam que
existem características divergentes em cada país.
No caso de países extensos como o Brasil as expressões cul-
turais são distintas, pois possuem características específicas. Como
exemplo, no Tocantins, devido à sua extensão, é possível encontrar-
mos diversas manifestações artísticas e folclóricas como: Cavalhadas,
Congo ou Congadas, Festa de Nossa Senhora da Natividade, Festa
do Divino Espírito Santo, Festejos de Nossa Senhora do Rosário,
Folia de Reis, Os Caretas, Roda de São Gonçalo, Sússia e Jiquitaia
(PORTAL TOCANTINS, 20017) além das manifestações dos in-
dígenas Apinayé e comunidades quilombolas.
Com essa preocupação os autores Vieira (2001), e Pereira
(2012; 2013; 2014) verificaram o modelo conservatorial / habitus
conservatorial, nas universidades que é “permanência de práticas tra-
dicionais típicas dos Conservatórios de Música nas instituições con-
temporâneas de Ensino Superior” (PEREIRA, 2013, p. 225).
Se pensarmos que essas universidades estão preparando profes-
sores sem a devida preocupação com a diversidade cultural do país,
como esses professores resolverão os problemas encontrados em sala
de aula sem a devida preparação sobre a educação musical a partir
da cultura local? Prioriza-se a formação de performances de alto ní-
vel, quer sejam instrumentistas, cantores, regentes, ou compositores
(VIEIRA, 2001, p. 21) o que não apresentaria nenhum problema se

217
os professores fossem formados para lecionarem em conservatórios.
No entanto, esses futuros professores estarão na linha de frente das
escolas com sujeitos de diversas culturas. Portanto, como trazer um
currículo conservatorial para uma realidade totalmente diferente?
Pereira (2014, p. 91) deixa claro sua preocupação referente à forma-
ção de professores. O autor relata que os “currículos parecem des-
considerar a realidade musical das escolas e, principalmente, de seus
alunos” (PEREIRA, 2014, p. 91) e isso torna-se, a longo prazo, um
problema sério visto que estes formarão outros estudantes sem con-
sideração pelas culturas locais.
É preciso um olhar atento do professor/regente do curso de
Educação do Campo com habilitação em Artes e Música da UFT,
campus de Tocantinópolis, para esse fenômeno. Deve ser um olhar
de um professor da subárea Educação Musical, com bastante cautela,
um olhar analítico, pois se trata de formar futuros professores que
formarão outros alunos.
O curso em questão habilita em Artes e Música. Ambas estão
inseridas em na grande área Linguística, Letras e Artes (CGEE, 2015,
p. 25). A Música se desenvolve em consonância com as demais áreas
do conhecimento e isso tem favorecido a produção do conhecimento
(DEL-BEN, 2001). Para Queiroz (2017, p. 163) “a educação musical
está em constante processo de mutação, ora mantendo e incorporando
traços culturais consolidados, ora redefinido e transformando sua prá-
xis a partir do diálogo com tendências, questões, problemas e necessi-
dades do mundo atual”. Fica claro que a interação do professor/regente
não é somente com os docentes, em muros fechados da universidade,
mas com a comunidade em geral, o saber e a cultura.
O coro tratado aqui é formado por alunos / cantores inscritos
na disciplina Prática Coral I e II do campus de Tocantinópolis. As
aulas acontecem pela manhã, geralmente uma vez por semana das 8h
às 12h. São sessenta e dois inscritos na disciplina. Sete são indígenas
do grupo étnico Apinayé. Do total de alunos inscritos, quarenta e
oito são assíduos, isso representa 77,28%.

218
Segundo o Projeto Pedagógico do Curso o objetivo geral da
disciplina é “ampliar os recursos da voz cantada em grupo, desenvol-
vendo conhecimento sobre técnica, saúde e entonação vocal através
do estudo das particularidades básicas do Canto Coral”. Os especí-
ficos são: “desenvolver o canto em grupo; realizar o estudo do reper-
tório através do kit de ensaio; entender como se dá a organização do
coral bem como a formação de diversos grupos vocais” (UFT, 2016).
Com base nos objetivos, dividimos a aula em três momentos: intro-
dução, preparação técnica e desenvolvimento (MATHIAS, 1986, p. 28).
Seguindo o esquema de ensaio de Mathias (1986) fizemos algumas modi-
ficações devido a particularidades do coro, conforme quadro abaixo6.

Quadro 8.1 – Esquema de ensaio


Período Horário Conteúdo
INTRODUÇÂO
8h as 8h30 1-Teoria e solfejo;
2-Desenvolvimento da musicalidade;
PREPARAÇÂO TÉCNICA
1-Relaxamento físico e mental;
8h30 as 8h45 2-Dinâmica de grupo;
3-Exercícios de aquecimento vocal;
Matutino
4-Apreciação musical;
DESENVOLVIMENTO
8h45 as 9h45
1-Ensaio de naipes
9h45 às 10h Intervalo
10h as 10h50 2-Ensaio continuação (naipes/grupo);
3-Interpreação;
10h50 as 12h
4-Peças novas.
Fonte: elaborado pelo autor.

6 O exemplo usado está exemplificando o tempo de cada parte no período matutino,


podendo ser replicado nos períodos vespertino e noturno.

219
Na introdução, optamos por reforçar os estudos teóricos, de
leitura musical, uma vez que 98% dos alunos nunca tiveram conta-
to com o ensino da música antes de entrar na universidade. Zander
(2008, p. 159) diz que “a leitura musical é um imperativo e não de-
veria nunca ser deixada de lado”, é uma “necessidade”. Por esta razão,
trabalhamos a leitura musical no início das aulas de canto coral.
No segundo momento, acontece a preparação psicológica para
o ensaio (no esquema de Mathias essa preparação seria no primeiro
momento) e musical “para um melhor rendimento na realização do
repertório” (MATHIAS, 1986, p. 28). Na preparação técnica faze-
mos os exercícios de calistenia, “que são os exercícios de aquecimento
corporal e alongamento, de respiração e relaxamento físico e desa-
quecimento, e aquecimento vocal” ( JUNKER, 2013a, p. 85).
E por fim, o terceiro momento, o desenvolvimento. É nesse
momento que acontece o ensaio das obras: peças novas; peças a se-
rem trabalhadas no intuito de juntar as vozes, efeitos sonoros, etc.; e
a interpretação.

2.2.1 Propostas e reflexões a partir dos Diários


de Bordo (relatos de experiências)

A atividade de canto coral é socializadora por natureza. Mais


cedo ou mais tarde as pessoas vão conversando sobre a própria ativi-
dade e outros assuntos do cotidiano. Se tratando de uma disciplina,
como é o caso da Prática Coral, a socialização é uma consequência.
Nas aulas, dividem-se em grupos de estudos onde os naipes se encon-
tram para ensaiar, quer seja na própria universidade, quer seja noutro
espaço como em suas residências. “Portanto, as questões sociais liga-
das às interações podem ser explicadas pela expressão das subjetivi-
dades que acontece no coro, resultando no conhecimento de si e do
outro, buscando promover assim a sintonia do grupo” (SCHÜTZ,
1984, apud DIAS 2012, p. 138).

220
Porém, como o foco se trata de interações pedagógicas, des-
tacarei as falas a respeito desse tema. A esse respeito os mais expe-
rientes destacaram a importância da metodologia usada nas aulas de
canto coral. “A forma como o senhor ensina é maravilhosa” disse o
decana (aluno 1) do grupo, sobre as várias atividades propostas para
o entendimento do assunto. Outros dois alunos, 3 e 4, disseram estar
motivados, pois a forma como eram passados os conteúdos, “só não
aprendia quem não quisesse”. O feedback dos alunos foi muito impor-
tante para sabermos como as atividades estavam sendo assimiladas,
percebidas. Pois, muitas vezes “não vemos as coisas como são, mas
como somos” (DEMO, 2012).
As aulas se mostraram atrativas, apesar das dificuldades, pois a
grande maioria ainda não haviam tido aulas de música, menos de 5%
tocavam algum instrumento. A aluna 5 expõe a seguir suas observa-
ções a esse respeito:

Em prática coral primeiramente vem os exercícios


porque se não a voz fica estranha. Minha dificuldade
é na hora de cantar por causa dos desenhos e figuras e
logo em seguida as pausas, isso me confunde mais ain-
da, já temos que cantar conforme as figuras, e também
tem que saber as notas que a música usa, isso é minha
grande dificuldade.

Devido a essas dificuldades, as atividades musicais sempre eram


exemplificadas com exemplos diversos para que pudessem entender.
As atividades de leitura eram necessárias para melhor entendimen-
to e rendimento a médio e longo prazos. Nos exercícios, os exemplos
faziam parte da realidade indígena. Eram atividades nas quais usáva-
mos palmas e o bater dos pés. Os indígenas da etnia Apinayé sempre
estiveram muito atentos e dedicados. Ao final das aulas, era comum
alguns alunos relatarem que haviam entendido determinado assunto
devido alguns exercícios. Ao final das aulas, os alunos mais experientes
e os outros como a aluna 4, e a aluna 6 elogiavam. O aluno 10 disse

221
que: A10: “a metodologia de ensino foi muito bem articulada” segundo
ele, para um melhor rendimento, os alunos deveriam fazer os exercícios
propostos em suas casas para que as aulas fossem mais bem aproveitas.
Importante destacar que esses discentes / coristas irão para as
escolas futuramente. O fato da socialização não é somente pessoal,
mas uma prática docente, como um estágio. Eles se reúnem e ensi-
nam, dão dicas para o colega e isso se configura como aprendizagem.
Sobre isso, Dias (2012) diz:

Além do domínio da voz, conhecimento da própria


sonoridade, essa sintonia decorre do exercício de vi-
vência em comunidade, da habilidade de produzir
em equipe, do entendimento das trocas dentro de um
grupo – o que pode favorecer a postura de cooperação
em uma prática coletiva musical (p. 139).

Havendo comprometimento, como foi exemplificado, a res-


ponsabilidade – que é uma virtude – aflora. Os alunos 1, 2, 3 e 10
disseram que é muito importante haver bastante atenção nas aulas
para que ninguém fique prejudicado em detrimento de poucos que
acabam por atrapalhar a aula. Isso demonstra um alto grau de inte-
resse nas aulas, vontade de aprender. Quando há algo que atrapalha as
explicações, a concentração é prejudicada e quando essa concentração
é quebrada por algum barulho ou conversa paralela, o aprendizado é
prejudicado. O aluno diz que é preciso “atenção”, o aluno 2 diz que
falta “comprometimento”; o aluno 3 diz que é importante o “trabalho
em equipe”; o aluno 10 diz que alguns alunos precisam “desenvolver
a concentração durante as aulas práticas” devido às “muitas conversas
que atrapalham o desempenho das outras pessoas”.
Ao analisar as falas dos discentes, vemos que o contexto aci-
ma reflete no resultado, positivamente ou negativamente. A aluna
11 disse que “depois das orientações do professor, e muito treino e
ensaio, conseguimos colher os frutos maduros: todo o trabalho feito
em sala, e ensaiado em casa por muitos, começaram surtir efeito” A

222
aluna 4 disse que, apesar de não estarem prontas, “o resultado, até o
momento, foi melodias sendo executadas por nós maravilhosamente.
Apesar de não está concluída, estamos no caminho certo, e acredito
que realizaremos um excelente trabalho juntos”.

2.3 Interações da prática coral: contribuições


teóricas

Nesse contexto, podemos considerar dois momentos impor-


tantes no processo de ensino-aprendizagem: interações entre os estu-
dantes e interações entre professor e estudantes por meio das práticas
pedagógicas.
Fundamentou-se para uma maior compreensão sobre os mo-
dos de interagir e atuar entre os coristas em Erving Goffman (1975)
e para as práticas musicais coletivas em Alfred Schütz (1974; 1984).
Entre regente e cantores, as contribuições teóricas estão fundamen-
tadas em Mathias (1986) e Rocha (2004, p. 168) nas quais o regen-
te, desde o primeiro momento da realização musical na atividade de
canto coral, estimula a interação entre os cantores através de oficinas
como quarteto, treinamento rítmico-espacial, preenchimento de es-
paços entre outras. A interação do regente com o grupo, na atividade
de canto coral, depende de três fatores conforme Rocha (2004, p. 24):
postura, condução e administração do grupo. Esses fatores partem do
regente para o grupo. Para Junker (2013a, p. 87-88) o regente deve
ter grande acuidade, muitas vezes agir como psicólogo, ser motivador,
mas também repreender com firmeza de forma educada. Deve ainda
ter bom humor quando necessário.
Sobre interação Goffman (1975, p. 23) a define como “influ-
ência recíproca dos indivíduos sobre as ações uns dos outros, quan-
do em presença física imediata”. Na prática coral há um ambiente
propício para essa interação por se tratar de um encontro de vários

223
indivíduos. O autor diz que o termo “encontro” é bem apropriado.
São nesses encontros, ou interação focalizada, que inevitavelmente
as pessoas interagem, trocam informações e se comunicam. Há uma
cooperação entre os indivíduos.
As interações nas atividades de canto coral – quer sejam em
projetos em empresas, igrejas, em universidades como atividades de
extensão ou disciplinas – já fazem parte da metodologia de ensino7
desde a parte de preparação técnica. Na preparação técnica há exercí-
cios, dinâmica de grupo, que chamamos de desenvolvimento huma-
no. Tais exercícios contribuem para um bom relacionamento entre
todos do grupo (MATHIAS, 1986; ROCHA, 2004, p. 168). Nesse
sentido, Dias (2012, p. 135) diz que,

Os indivíduos usam símbolos culturais, a exemplo da


expressão verbal e de expressões corporais e faciais,
enviando e recebendo mensagens entre si. Sem tal
interação, não poderíamos nos ligar a outras pessoas,
produzir cultura, construir e sustentar as estruturas
sociais. A vida social envolve cada um de nós como
atores que, ao interpretar, interagem com os outros.
Esse processo é fundamental para a vida social, para
a compreensão de nós mesmos e a compreensão do
que ocorre ao nosso redor. Nos coros, as pessoas co-
municam-se pelos olhares, distribuem-se nos espaços
tanto nos ensaios como nas apresentações, olham para
o regente e, cantam em forma de pergunta e respos-
ta, ao mesmo tempo em que permanecem atentas ao
sentido da música.

Para promover as interações entre os participantes do canto


coral é no desenvolvimento humano o momento crucial para as in-
terações: os alunos são divididos em naipes e ocorrem os ensaios se-
paradamente. Nesse momento, em especial, acontecem as interações

7 Metodologia de ensino: introdução, preparação técnica, desenvolvimento (Quadro 8.1).

224
entre alunos e alunos, e entre alunos e professores de forma mais
aproximada dentro da sala de aula. Em uma das aulas/ensaio, um
dos alunos indígenas pediu-me um momento, após a aula. O mesmo
falou-me o quanto estava feliz pelas aulas de Prática Coral e queria
mostrar-me umas de suas composições. Ocorreu também que três
alunos após o término da aula, contaram-me sobre sua paixão pela
música, sonhos a respeito da profissão e suas experiências. Com o
tempo, a partir das interações na sala de aula, os laços de amizades
surgiram. Isso ocorre, porque segundo Bauman (2003, apud DIAS,
2012, p. 136):

Em situações de interação como no coro, essas pesso-


as encontram seus pares que vão ali do mesmo modo
para cantar e consequentemente interagem entre si.
Esse processo sociativo, experimentado por elas na
prática coral, as leva a sentir o conforto e o aconchego
definidos por Bauman (2003, p. 7-8) como próprios
da comunidade, na qual “estamos seguros a maior par-
te do tempo e raramente ficamos desconcertados ou
somos surpreendidos”.

Isso ocorre pelo fato do ambiente da atividade de canto coral


propiciar momentos agradáveis, apesar de ser uma disciplina como é
no nosso caso. “A música coral é importante por ser um fenômeno
social” ( JUNKER, 2013, p. 51) que tem por característica principal
promover a união ( JUNKER, 1999, p. 110).
O curso Educação do Campo em Tocantinópolis é privilegia-
do: primeiro, porque o curso de Educação do Campo com habilita-
ção em Artes Visuais e Música é o único no Brasil, existe somente
na UFT nos campus de Arraias (sul do Estado, divisa com Goiás)
e Tocantinópolis (norte do estado, divisa com o Pará e Maranhão);
segundo, porque no campus há um encontro de diversos povos.

225
2.4 Quais são os aspectos mais importantes
desenvolvidos por meio da prática do canto coral?

São diversas as formas de relacionamento em um coro, grupo


de pessoas. Os relacionamentos podem ser puramente artísticos ou
sociais, entre outras formas, isso dependerá do objetivo do projeto.
Os aspectos humanos segundo Zander (2008, p. 156-159) são entu-
siasmo, companheirismo, espírito de grupo e acolhimento.
As atividades musicais são recebidas pelos alunos com muito
entusiasmo, isso fica claro após as aulas quando os discentes nos pro-
curam tanto no intervalo quanto ao término das aulas para exporem
suas alegrias pela oportunidade recebida. Essas situações acabam por
oportunizar momentos e práticas únicas para este autor. Uma das
coisas mais marcantes que tive oportunidade de fazer foi a escrita/
editoração de composições de um dos indígenas da etnia apinayé
com seus compassos regulares e irregulares. Esse trabalho poderá ser
tema para futuras pesquisas.
Os relacionamentos são bastante expressivos na área musical.
O exemplo disso são as interações quando os gostos musicais co-
mungam. É possível ver e ouvir os diálogos entre os alunos sobre os
gostos musicais, e isso acaba por propiciar interações e gera afinida-
des e amizades duradouras, portanto as relações sociais e artísticas se
destacam. Como professor, surgiram muitos convites para participar
de eventos em igrejas caracterizando relações artísticas e, consequen-
temente, sociais.
A música é reconhecida universalmente como fator crucial
para educação de qualidade desde a Antiguidade. A música estimula
o desenvolvimento de várias virtudes tais como: “domínio próprio,
autoestima, disciplina no ouvir, expressão, aprendizado”. Humildade,
respeito, gratidão e alegria são “qualidades que moldam a personali-
dade” e que são também cultivadas na atividade musical ( JUNKER,
1999, p. 107). Nas aulas de Prática Coral são nítidas tanto as virtudes

226
quanto as qualidades que moldam a personalidade, o que evidencia a
importância dessa atividade.
Retomando, de acordo com Cartolano (1968, p. 22-23, apud
JUNKER, 1999, p. 109) os aspectos desenvolvidos pela atividade
canto coral são: físico, que são desenvolvidos nas atividades de res-
piração; moral, a partir das próprias canções aprimorando o senso
estético; social, onde o respeito é ensinado. Todos esses aspectos são
desenvolvidos na disciplina Prática Coral I, e II: as atividades de res-
piração são feitas com o objetivo de resolver problemas técnicos de
cada peça; o aspecto moral é exercitado no momento que valoriza-
mos aquilo que o discente já sabe, sua cultura, seu gosto musical. É
uma decisão conjunta. O aspecto social é bastante enfatizado logo no
início da atividade onde explicamos que o canto é coletivo, não há es-
trelismo, o sucesso é coletivo. Nessa atividade ninguém é melhor que
ninguém; dependemos um do outro para alcançarmos os objetivos.

3 Considerações finais

O curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e


Música se constitui um novo campo de pesquisa na área da Educação
Musical. Neste texto, busquei compreender a importância das práti-
cas pedagógico-musicais na atividade de canto coral e as interações
que se dão entre os envolvidos.
Essa pesquisa mostrou que as dificuldades para a aprendiza-
gem estão relacionadas à falta de acesso ao conteúdo de música nas
escolas públicas onde os participantes estudaram; demanda alta de
conteúdos das demais disciplinas; conciliar o tempo universidade e
tempo comunidade com o trabalho. As práticas pedagógico-musicais
eficientes foram: a) a forma como o conteúdo foi exposto confor-
me o Quadro 8.1, através de revisão de conteúdos na introdução; b)
metodologia aplicada para a aquisição de conhecimentos nos vários
exercícios de percepção, por exemplo.

227
A atividade de canto coral conduzira ao estabelecimento de
aproximações entre indivíduos e ao desenvolvimento da capacidade
de convivência dos alunos. Isso pode ser comprovado em todos os
momentos da aula, desde a parte introdutória, preparação técnica, até
o desenvolvimento através da aprendizagem colaborativa.
Sem dúvida, a questão mais complexa de responder foi a respeito
da proposta pedagógica ideal para o ensino da música na Educação do
Campo. A esse respeito, penso que este trabalho na verdade trata-se de
uma contribuição aberta ao diálogo. No entanto, acredito que a educa-
ção musical deve seguir os pensamentos de autores que veem a música
sendo cultura (QUEIROZ, 2017), que a música deve ser ensinada a
partir daquilo que o indivíduo já sabe (SLOBODA, 2008), e que o
gosto musical é de forma diretamente influenciado pelos ambientes
cultural, social e familiar em que vivem (PINHEIRO, 1997).
Esta pesquisa é um breve panorama e é propício porque alarga o
espectro de pesquisas para esse campo tão novo e cheio de possibilidades.
Souza (2014) sugeriu “inventariar um catálogo de temas para investiga-
ções” para a Educação Musical. Pensando em temas do nosso contexto,
alguns exemplos poderiam ser: a música quilombola, a música na etnia
Apinayé e a música nas cidades da região do Bico do Papagaio.
Fica evidente tamanha a responsabilidade do regente não so-
mente aos aspectos estéticos da realização sonora, mas também em
relação aos aspectos educacionais. O regente da atualidade precisa
assegurar uma aprendizagem além da musical, deve ser uma apren-
dizagem significativa, n qual o conjunto de cantores possa vivenciar
experiências em diferentes dimensões8.
Esperamos que este capítulo possa vir a servir de referência para
discentes, docentes, pesquisadores, e o público em geral, de forma a
contribuir com a melhoria da qualidade do ensino e aprendizagem
da música na Educação do Campo em diversos espaços educacionais.

8 Dimensões do ser humano: física, intelectual, emocional e espiritual.

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235
9 – A viola de buriti da comunidade
Mumbuca: a pesquisa participativa
para a compreensão da prática
musical

Marcus Facchin Bonilla


Sonia Chada
Grupo de Pesquisadoras da Comunidade Mumbuca

Meus amigos eu vim aqui


Mostrar minha tradição
Viemos de muito longe
Somos lá do Jalapão

Tem também o capim dourado


Que é lá do Jalapão
Deu início na Mumbuca
E espalhou pelo mundão

1 Introdução

Este texto é fruto de um trabalho coletivo envolvendo um pro-


fessor de Educação do Campo – pesquisador em processo de dou-
torado –, um grupo de pesquisadoras da comunidade quilombola
Mumbuca – em sua maioria, alunos do curso de Educação do Cam-
po da Universidade Federal do Tocantins, campus de Tocantinópolis
– e membros da comunidade interessados e dispostos à realização de
uma pesquisa-ação participativa, assim como contribuições de orien-
tação de pesquisa. Nesse recorte, apresentamos impressões dos pes-

236
quisadores envolvidos, que teve como mote investigativo a viola de
buriti e o relato dos mesmos sobre o impacto da pesquisa sob a ótica
da própria comunidade.
Para situar o trabalho, apresentaremos inicialmente uma breve
fundamentação teórica sobre a Pesquisa Participativa, a Educação do
Campo e a Etnomusicologia Aplicada.
A especificidade desse trabalho situa-se em uma área de pes-
quisa conhecida por Etnomusicologia Aplicada / Participativa. Por
não ser familiar aos estudos em Educação do Campo, apresentamos
inicialmente a noção sobre Etnomusicologia Aplicada, demonstran-
do sua estreita relação metodológica com a Educação do Campo,
incluindo as impressões dos pesquisadores sobre o processo da pes-
quisa participativa, enquanto pesquisadores-pesquisados da própria
comunidade. Ao final, apontamos os primeiros resultados do traba-
lho de campo realizado, que fará parte do dossiê que o grupo vem
elaborando para atender à principal demanda comunitária e geradora
dessa pesquisa: a inscrição da viola de buriti como patrimônio ima-
terial junto ao Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional
– IPHAN.
A “viola de buriti” ou “violinha de vereda”, como também é co-
nhecida, é um instrumento produzido e usado nas práticas musicais
desse povoado. Tem como matéria-prima de sua construção o talo da
palmeira do buriti (Mauritia Flexuosa), planta muito abundante na
região, sobretudo nas áreas conhecidas como “veredas”, pelos mora-
dores locais, justificando seu apelido carinhoso. O uso desse instru-
mento relaciona-se também com as práticas musicais ancestrais desse
povoado, instigando os pesquisadores e pesquisadoras a fazerem um
mapeamento dos seus principais tocadores, sua abrangência e suas
possíveis origens na região.
A prática musical assume diversos significados a depender do
contexto em que ocorre e aqui está sendo considerada:

237
como um processo de significado social, capaz de
gerar estruturas que vão além de seus aspectos me-
ramente sonoros, embora estes também tenham um
papel importante na sua constituição [...]. A execução,
com seus diferentes elementos (participantes, inter-
pretação, comunicação corporal, elementos acústicos,
texto e significados diversos) seria uma maneira de
viver experiências no grupo. Assim, suas origens prin-
cipais têm uma raiz social dada dentro das forças em
ação dentro do grupo, mais do que criadas no próprio
âmago da atividade musical. Isto é, a sociedade como
um todo é que definirá o que é música. A definição
do que é música toma um caráter especialmente ideo-
lógico. A música será então um equilíbrio entre um
“campo” de possibilidades dadas socialmente e uma
ação individual, ou subjetiva (CHADA, 2007, p. 127).

Nesse sentido, entendemos essa prática musical como um pro-


cesso de significado social de extrema importância, modelando o con-
texto e ao mesmo tempo sendo modeladas por ele. A aquisição e a
aprendizagem do fazer musical, de construção de conhecimento acon-
tecem socialmente, de forma coletiva, através da interação e da ação
conjunta entre os sujeitos envolvidos, além da coordenação de ações
individuais na distribuição e no compartilhamento da cognição social.
Destacamos que esse trabalho foi apresentado inicialmente na
ocasião da IV Jornada de Etnomusicologia da UFPA, realizada na
cidade de Belém, em 2017. A apresentação foi realizada pelo pesqui-
sador externo e uma pesquisadora da comunidade, e o texto publica-
do em seus anais. Aqui trazemos uma revisão ampliada desse artigo.

238
Figura 9.1 – Pesquisadores (as) /acadêmicos (as) da Educação do Campo, violeiros
e futuros (as) tocadores (as) nas “veredas”, em trabalho de campo na Comunidade
Quilombola Mumbuca, em Mateiros, região do Jalapão/TO.
Fonte: Foto e acervo de Marcus Bonilla.

2 A Etnomusicologia aplicada e a educação do campo

Eu vou falar do cerrado


Que é lá do Jalapão
E as frutas que comemos
Servem pra alimentação

Vou falar o nome delas


Pra vocês que estão aqui
Tem o coco catulé
O pequi e o buriti

239
Nosso olhar, como não poderia ser diferente, é pelo viés da
Educação do Campo, ou seja, vem carregado de um forte caráter
de valorização humana nos processos de pesquisa, além de um po-
sicionamento político em prol das causas camponesas e dos grupos
minoritários. Como já vem sendo demonstrado em outras publica-
ções (BONILLA; CHADA, 2017; BONILLA; SILVA; CHADA,
2017), a metodologia que adotamos nos processos de pesquisa foi
a Etnomusicologia Aplicada / Participativa, por sua estreita relação
com as práticas da Educação do Campo. Antes de entrarmos nas
concepções êmicas, e considerando que esse livro está voltado para a
área de Educação do Campo, vale fazer uma breve conceituação e es-
tabelecer os limites de abrangência sobre a área da Etnomusicologia
e sobre a metodologia adotada.
A Etnomusicologia é uma área dos estudos em Música que se
situa em uma região interdisciplinar e transdisciplinar, envolvendo
áreas como a Musicologia e a Antropologia, com limites tênues en-
tre elas. O grande desafio da Etnomusicologia talvez seja o de rela-
cionar Música, um subsistema, com todos os outros subsistemas da
Cultura, na busca de um entendimento do que ela possa representar
para o ser humano que a produz e explicar a conexão entre Música
e seu contexto sociocultural, com base nos processos cognitivos do
ser humano e de sua experiência social. A Etnomusicologia não se
ocupa apenas do estudo da Música, mas também do ser humano
que faz a Música. Assim sendo, são de fundamental importância
para esses estudos as relações dos elementos cognitivos e sociocul-
turais que determinam a relação da Música com o seu contexto, a
inserção da Música nas diferentes atividades sociais e os múltiplos
significados decorrentes dessa interação.
Alguns autores, referência na área, tratam esses estudos com
outros nomes, como no caso de Kerman (1987), que a chama de
“Musicologia cultural”, ou Alan Merriam (1964), como “Antropo-
logia da música” e, em um sentido muito próximo do nosso enten-

240
dimento, Seeger (2015), que a denomina de “Antropologia musical”
– as “performances musicais criam muitos dos aspectos da cultura
e da vida social [...] examina a maneira como a música faz parte
da própria construção e interpretação das relações e dos processos
sociais e conceituais” (p. 14-15). Partindo desse entendimento, esse
trabalho foca principalmente na importância que os instrumentos
musicais desempenham nos processos culturais e de vida nas práticas
musicais desse povoado.
Na grande área da Música, a Etnomusicologia, em especial,
tem adotado posturas metodológicas mais vanguardistas, com base
em opções de pensamentos pós-modernos, como no caso da apro-
priação da pesquisa aplicada, participativa, pesquisa-ação, entre ou-
tros nomes. Essa metodologia, ou metodologias, rompem alguns pa-
radigmas, até então, intocados das ciências, tais como a “neutralidade
científica”, assim como desmistifica a hierarquização existente entre
o conhecimento “científico” e o conhecimento “popular”:

existem outras formas de desenvolver pesquisas através


de metodologias participativas não apenas centradas
no interesse do pesquisador (observação participante),
mas de ação e resultados que sejam de colaboração
mútua e que resultem em benefícios para as comuni-
dades estudadas (MARQUES, 2008a, p. 186).

Esses princípios também são defendidos pela Educação do


Campo, pois essas áreas apoiam-se na obra de Paulo Freire como
uma das bases de sua fundamentação teórica, principalmente pelo
seu posicionamento de humanização da pedagogia e do pensamento
científico como um todo. Para Paulo Freire (1981, p.36) a pesquisa
é um importante aliado no processo de aprendizado para grupos e
pesquisadores acadêmicos, pois, segundo o autor “fazendo pesquisa,
educo e estou me educando com os grupos populares”.
Brandão (2007), ao lembrar-se da sua militância por uma
educação popular, juntamente com Paulo Freire e lideranças de mo-

241
vimentos da cultura popular na década de 1960, nos traz os ques-
tionamentos dos manifestos da época em relação à neutralidade,
apontando que é justamente com a interação entre as pessoas, com
diferentes concepções e culturas que o conhecimento pode ser criado
a partir da realidade. Em relação aos conhecimentos populares, o au-
tor nos apresenta princípios equânimes:

Temos solidariamente defendido a ideia de que as pe-


culiaridades de-entre culturas, entre pessoas e entre
povos não traduzem maneiras desiguais e hierárquicas
de ser, de viver e de pensar. Algo que até hoje algumas
pessoas distribuem em uma escala que vai “deles”, os
selvagens, os primitivos, os eruditos e os praticantes
de um modo de vida e de uma cultura “superiores”. A
quem? A quê? (BRANDÃO, 2007, p. 40).

Brandão e Borges (2007) defendem que essas metodologias,


por seu caráter radical, aparentam ser ultrapassadas, porém, elas vêm
se apresentando cada vez mais atuais, sobretudo por seus vínculos
com os movimentos sociais. Os autores demonstram que, atualmen-
te, pesquisadores compartilham de alguns fundamentos comuns des-
se tipo de pesquisa na América Latina, tais como: partir de realidades
sociais; entender as demandas comunitárias e seus processos históri-
cos; estabelecer sempre relações sujeito-sujeito; buscar uma unidade
entre a teoria e a prática; cuidar para que os resultados da pesquisa
sejam em benefício das comunidades; a participação coletiva em di-
ferentes processos da pesquisa e promover diálogos não doutrinários
em direção à transformação social. Sinteticamente os autores afir-
mam que:

é a possibilidade de transformação de saberes, de sen-


sibilidades e de motivações populares em nome da
transformação da sociedade desigual, excludente e
regida por princípios e valores do mercado de bens
de capital, em nome da humanização da vida social,

242
que os conhecimentos de uma pesquisa participante
devem ser produzidos, lidos e integrados como uma
forma alternativa emancipatória de saber popular
(BRANDÃO; BORGES, 2007, p. 55).

Importantes trabalhos na área da Etnomusicologia também


tem se apropriado dessa metodologia há algumas décadas. O etno-
musicólogo norte americano Anthony Seeger, por exemplo, sobre
sua pesquisa com os Kisêdjê (Suyá), habitantes da Terra Indígena do
Xingu no Brasil, entende que a aplicação dos conhecimentos etno-
musicológicos no mundo “real”, com ações sociais e políticas, é uma
obrigação dos pesquisadores “especialmente quando o emprego desse
conhecimento pode beneficiar a comunidade da qual este provém”
(2014, p. 272). Vale destacar que este trabalho auxiliou contunden-
temente para que o Estado brasileiro pudesse reconhecer as terras
desse povo, assim como relata sobre a atuação do pesquisador na me-
diação dos conflitos existentes entre esses indígenas e os fazendeiros.
Esse posicionamento político vem se consolidando na área,
tanto que no 39º Encontro Mundial do Internacional Council for
Traditional Music – ICTM, ocorrido em Viena, Áustria, em 2007,
foi criado um grupo de estudos específicos para essa temática que
teve como resultado a elaboração de um documento que orienta que
os trabalhos em “Etnomusicologia Aplicada” devam ser guiados,
prioritariamente, pela responsabilidade social, não se prendendo aos
padrões acadêmicos de pesquisa, “alargando e aprofundando o co-
nhecimento e a compreensão na busca de solução de problemas con-
cretos e em direção a trabalhar dentro e além dos contextos acadêmi-
cos típicos” (HARRISON; PETTAN, 2010, p. 1, tradução nossa)1.
Com base em princípios freireanos, alguns trabalhos impor-
tantes em Etnomusicologia Aplicada se tornaram referência fora do

1 Deepening knowledge and understanding toward solving concrete problems


and toward working both inside and beyond typical academic contexts.

243
Brasil como os de Angela Impey (2002), com o processo de empo-
deramento cultural / musical de comunidades tradicionais rurais em
Northern Kwazulu-Natal, na África do Sul e os estudos de Catheri-
ne Ellis (1994) que incluiu tanto pesquisadores acadêmicos quanto
os próprios aborígenes nos processos da criação do Centro de Estu-
dos Aborígenes de Música – CASM, da Universidade de Adelaide,
na Austrália.
No Brasil, o pesquisador Samuel Araújo e o grupo de pesquisa
Musicultura foram pioneiros na área de Etnomusicologia Aplicada
com trabalhos de empoderamento cultural e musical na favela da
Maré, no Rio de Janeiro, atuando com os pesquisadores da própria
comunidade no mapeamento do material sonoro de diferentes re-
giões desse complexo (ARAÚJO; MUSICULTURA, 2006; CAM-
BRIA, 2008).
Essa metodologia tem se ampliado bastante nas últimas déca-
das no Brasil. Podemos citar vários trabalhos, tais como o desenvol-
vimento do projeto Arte em toda parte, em Belém do Pará (CHADA
et al., 2015). Ainda o registro das músicas dos povos Timbira em ar-
quivos de áudio armazenados na cidade de Carolina/MA, com apoio
de ONG Indigenista. Esse material foi idealizado e protagonizado
por grupos indígenas dessa etnia, distribuídos pelos Estados do Ma-
ranhão, Pará e Tocantins (TYGEL, 2008).
O projeto Encontro de Saberes, desenvolvido em sete Univer-
sidades brasileiras, contou com a contratação de Mestres da Cul-
tura Popular, entre eles, da Congada de Moçambique e de gêneros
tradicionais performáticos do Pará (CARVALHO et al., 2016). No
Recôncavo Baiano encontramos também importantes trabalhos nes-
sa perspectiva participativa, como o de Doring (2015; 2016) e o de
Marques (2008a; 2008b), trabalhos etnomusicológicos e de Educa-
ção Musical. Há ainda muitos outros trabalhos que utilizam-se de
diferentes tipos de metodologias participativas primando pelo prota-
gonismo e interesse dos diferentes grupos humanos envolvidos.

244
Diante dessa breve revisão bibliográfica, percebemos que a
adoção desse tipo de metodologia já é amplamente utilizada em di-
ferentes áreas, sobretudo nos estudos com música, assim como bem
aceita em certos ambientes acadêmicos e, pelo nosso entendimento,
é uma importante ligação da Etnomusicologia com a Educação do
Campo, o que nos ampara para justificarmos o uso dessa metodolo-
gia como a principal ferramenta desta pesquisa.
Fazendo um breve histórico, a pesquisa nasceu a partir de con-
tatos estabelecidos nos tempos comunidade, realizados no povoado
Mumbuca, uma das etapas da pedagogia da alternância2, adotada no
curso de Educação do Campo. Esse contato inicial foi fundamental
para se estabelecer uma relação de confiança mútua entre o pesqui-
sador externo, na ocasião docente do curso, e os pesquisadores da
comunidade, discentes desse curso.
A partir desse contato, a ideia da pesquisa foi amadurecendo
entre os envolvidos, até a primeira reunião com os representantes,
lideranças e mestres da cultura popular desse povoado ocorrida em
fevereiro de 2017. Nessa ocasião, criou-se um grupo de pesquisa para
uma ação participativa, envolvendo não apenas os discentes já cita-
dos, mas também outros pesquisadores do povoado interessados.
Conforme descrito em Bonilla, Silva e Chada (2017), o acordo
com a comunidade, estabelecido nesse encontro, se deu nos seguintes
termos:
a) O registro das produções musicais da comunida-
de de forma escrita (partitura), por entender de se
tratar simbolicamente da “linguagem dos brancos”.
Esse registro poderá trazer benefícios futuros, seja

2 Pedagogia da Alternância é uma metodologia pedagógica amplamente adotada


nos cursos de Educação do Campo que envolve, entre outros princípios, vivências
em dois diferentes espaços e tempos, o tempo escola com atividades concentradas
no ambiente escolar e o tempo comunidade que ocorre na comunidade dos
próprios educandos. Para mais detalhes e aprofundamento dessa metodologia
pedagógica ver Silva (2011; 2018) e Silva et al. (2017).

245
por facilitar a publicação dessas obras em forma-
to de livro (songbook), como pela segurança jurídica,
possibilitando o registro de direitos autorais junto à
Biblioteca Nacional. [...]. b) Realizar a inscrição do
instrumento produzido pela comunidade, a viola de
buriti, junto ao Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional – Iphan, como patrimônio cultural
imaterial, assim como a solicitação de fomento para a
manutenção do mesmo na comunidade. Esse trabalho
está sendo o principal foco da pesquisa, por demandar
maior empenho de todos os pesquisadores, e está sen-
do construído de forma coletiva com a aplicação do
Inventário Participativo (IPHAN, 2016), fornecido
pelo instituto, e que contará com dossiês e um docu-
mentário. c) Apoio e fomento acadêmico para os (as)
pesquisadores (as) da comunidade. Existe o enten-
dimento entre as partes envolvidas de que essa pes-
quisa deve contribuir para a ampliação da formação
acadêmica dos (as) pesquisadores (as) da comunidade.
Isso está acontecendo, tanto na prática do trabalho de
campo quanto na produção de artigos em parcerias
com o grupo ou parte dele.

3 Pesquisadores em seus territórios

Temos também a mangaba


Cucuri e o murici
Eu canto esta canção
Com a viola de buriti

A parceria colaborativa entre pesquisadores externos e parti-


cipantes das próprias comunidades pesquisadas tem se revelado de
muita riqueza para o trabalho etnomusicológico. Segundo o grupo
Musicultura,

246
a inserção dos pesquisadores nativos em diálogo está-
vel e mutuamente reflexivo com membros da acade-
mia possui potencial para transformar profundamente
não somente o produto gerado, mas os processos de
produção e as instituições envolvidas (MUSICUL-
TURA, 2010, p. 164).

No nosso caso, essa parceria tem sido produtiva para ambas as


partes, abrindo o campo de visão sobre as questões artísticas e suas
relações com as problemáticas da comunidade.
A viola de buriti é entendida pela comunidade como parte da
tradição do povoado, um legado que os antepassados deixaram e que,
de certa forma, teve sua valorização ameaçada com a introdução na
comunidade de instrumentos tradicionais como o violão e outros
instrumentos de apelo comercial, usados principalmente nas práticas
religiosas. Porém, graças à resistência de alguns tocadores, mestres
e artistas da comunidade na preservação continuada desse legado,
a manutenção dessa arte tem sido garantida para as novas gerações.
A realização da pesquisa também contribuiu para a valorização
dessa prática musical entre os membros da comunidade, por fomen-
tar a discussão de sua importância, tanto entre os mais velhos quanto
entre as novas gerações. Os relatos são de que ela esteve presente
durante as colheitas das roças de arroz, mandioca e feijão, além dos
encontros da Roda Chata.
A Roda Chata é uma prática músico / poético / corporal de
muita importância para a comunidade, que envolve música, core-
ografia, poesia, improvisação, assim como o uso da viola de buriti
como instrumentação básica. Pode-se dizer que a Roda Chata é um
tipo de ciranda, com cantigas de caráter alegre que proporciona des-
contração, diversão e interação entre os brincantes. É sempre pra-
ticada entre os membros da comunidade, em roda, de mãos dadas,
cantando em volta da fogueira canções tradicionais, especialmente
criadas e praticadas para e durante esses momentos. O conteúdo des-

247
sas canções tem como guia a improvisação sobre os acontecimentos
do cotidiano e as situações vivenciadas pelas pessoas envolvidas.
Um dos aspectos mais importantes da Roda Chata está no
registro das histórias, dos acontecimentos e dos fatos ocorridos na
comunidade em forma de Música, mediados pela improvisação nos
versos, e sua consequente consolidação nas letras das canções. Trata-
-se de uma das principais ferramentas da comunidade para a ativa-
ção e perpetuação da memória coletiva entre os mais velhos, e como
método de transmissão – pedagogia para educação dos mais novos,
visto que esses encontros envolvem todas as gerações. Vale lembrar,
que a forma escrita em papel usada no “mundo dos brancos”, sempre
foi uma realidade distante, sobretudo para as lideranças e os anciões
do povoado. Infelizmente, devido a uma série de questões culturais
e religiosas ligadas à comunidade, essa prática tem se tornando cada
vez mais rara, com sérios riscos de extinção.
O contexto no qual o grupo realiza a sua prática musical tam-
bém interfere no processo de criação e transmissão musical, bem
como a maneira de sentir e reagir dos participantes. Encontramos
suporte para tais afirmações em Merriam (1964, p. 184), quando
aborda a questão de aceitação e rejeição das cantigas por parte dos
participantes, bem como as técnicas de composição:

A composição parece claramente ser o produto do in-


divíduo ou de um grupo de indivíduos e não parece
ser radicalmente diferente entre povos letrados ou não
letrados, salvo a questão da escrita. Toda composição é
consciente no sentido mais amplo da palavra quando
é vista do ponto de vista analítico. Os compositores
podem ser indivíduos comuns, especialistas ou grupos
de pessoas, e suas composições devem ser aceitáveis
para a maioria da sociedade. As técnicas de compo-
sição incluem pelo menos o seguinte: reelaboração
de velhos materiais, a incorporação de material velho
ou emprestado, a improvisação, a recriação, a criação
resultante de uma experiência emocional particular-

248
mente intensa, a transposição, e a composição vinda
da idiossincrasia individual. A composição de textos
é tão importante quanto a estrutura sonora. A com-
posição envolve aprendizado, está sujeita à aceitação
ou rejeição pública, e é, portanto, parte do processo de
aprendizagem que contribui, por sua vez, para os pro-
cessos de estabilidade e mudança (tradução nossa)3.

As metodologias de pesquisas acadêmicas mais tradicionais,


ainda muito recorrentes, que tratam os estudos envolvendo seres hu-
manos como sujeitos-objetos e não como sujeitos-sujeitos, em que
os pesquisadores sequer retornam os resultados das pesquisas para
as comunidades estudadas foram recorrentes em trabalhos com a
comunidade Mumbuca. Após pesquisas em repositórios de teses e
dissertações, encontramos uma dissertação na área de dança da Uni-
versidade Estadual de Campinas – Unicamp (CÁLIPO, 2012) que
tratou especificamente sobre a Roda Chata em um dos seus capítu-
los. Como já estamos pontuando desde o início desse texto, nossa
perspectiva enquanto pesquisadores é a de priorizar a responsabi-
lidade social e a valorização dos sujeitos nos processos de pesquisa.
Entendemos que esse posicionamento não é necessariamente um
consenso entre todos os pesquisadores, mas lamentamos que o acesso
aos resultados da pesquisa de Cálipo (2012) não tenha se realizado,

3 Composition seems clearly to be the product of the individual or a group of individuals


and not to differ radically between literate and nonliterate peoples save in the question
of writing. All composition is conscious in the broadest sense of the word when viewed
from an analytic standpoint. Composers may be casual individuals, specialists, or groups
of people, and their compositions must be acceptable to society at large. Techniques of
composition include at least the following: the reworking of old materials, the incorporation
of borrowed or old material, improvisation, communal re-creation, creation arising out of
particularly intense emotional experience, transposition, and composition from individual
idiosyncrasy. Composition of texts is quite as important as the composition of the sound
structure. Composition involves learning, is subject to public acceptance and rejection, and
is therefore a part of the broad learning process which contributes, in turn, to the processes
of stability and change.

249
logo, os resultados não foram disponibilizados nem discutidos entre
a autora e a comunidade.
Para Freire (2014), a construção do conhecimento acontece na
dialogicidade entre os sujeitos envolvidos e a realidade. Em um texto
específico sobre a pesquisa participativa, Freire nos coloca que “sim-
plesmente, não posso conhecer a realidade de que participam a não
ser com eles como sujeitos também desse conhecimento que, sendo
para eles, um conhecimento do conhecimento anterior” (FREIRE,
1981, p. 35).
Acreditamos que a inobservância dessa relação pode acarretar
algumas armadilhas, e cair no que Geertz (1989), apropriando-se de
um termo de Gilbert Ryle, denominou de “descrição superficial”, ao
descrever a complexidade de interpretar o significado de uma simples
“piscadela” em um contexto de campo, em oposição a uma “descrição
densa” desejável.
Entre os membros da comunidade Mumbuca, a Roda Chata
acontecia com certa regularidade durante as colheitas de alimentos
até o ano de 2004, quando foi realizada pela última vez. Em 2010,
para fins da gravação de um documentário (MEDINA, 2010), al-
gumas partes da brincadeira foram recriadas com um caráter dife-
renciado do que acontecia até o ano de 2004. Essa diferenciação se
deu principalmente por duas razões: 1 – por ter sido feita no próprio
território da comunidade e não nas roças (arroz, feijão ou mandioca)
e 2 – por ter envolvido pessoas de fora da comunidade, tais como
turistas, pesquisadores e os próprios produtores do documentário.
Sobre esse segundo aspecto, é importante pontuar novamente que,
para eles, a Roda Chata somente é entendida como tal, quando é
feita por e para o povoado, e não acontece com a presença de turistas
ou pessoas de fora da comunidade. Porém, foi na ocasião da grava-
ção desse documentário que a pesquisadora que tratou sobre a Roda
Chata esteve na comunidade e fez seu trabalho de campo. Em sua
dissertação, podemos observar algumas críticas sobre a legitimidade

250
da manifestação que causou descontentamento entre os membros da
comunidade, como na seguinte afirmação:

questiona-se a genuinidade da Roda como manifes-


tação cultural, quando o movimento turístico parece
tornar-se quase uma condição para o acontecimento
dela. Contudo, reforça-se como genuína quando é le-
vada em consideração a qualidade corporal e expres-
siva que os corpos da comunidade, sobretudo os das
mulheres mais velhas, ganham ao dançá-la (CÁLI-
PO, 2012, p. 19).

Mais adiante, o trabalho discute sobre a diferenciação do que


possa ser “genuíno” ou “real” do que são apenas “máscara, ou seja, o
que foi elaborado para atender ao gosto do público” (CÁLIPO, 2012,
p. 19). Dado o contexto em que a autora se encontrava, em uma gra-
vação, sua percepção não poderia ter sido diferente, e também não
vamos questionar aqui sobre a fragilidade do termo “genuíno”, mas
entendemos que, devido à metodologia adotada no trabalho para a
realização da pesquisa, algumas interpretações inapropriadas foram
registradas sobre a Roda Chata.
Segundo a autora, ela adotou a metodologia de “permanecer
o máximo ‘invisível’” (CÁLIPO, 2012, p. 20) para não ser percebida
nem interferir nas atividades do povoado, com o objetivo de mascarar
sua presença na comunidade, “eles não entendiam o que eu fazia ao
certo, e também não me qualificavam como sendo uma pesquisadora”
(CÁLIPO, 2012, p. 20). Depreende-se que nesse trabalho foi ado-
tada uma postura investigativa coerente com as metodologias acadê-
micas hegemônicas de caráter positivista, porém, tratam-se de ações
que apontam no sentido oposto da pesquisa-ação participativa e de
posicionamentos mais engajados nos interesses dos sujeitos envolvi-
dos como defendemos e que, segundo Lühning (2014) é a tendência
das pesquisas atuais, sobretudo na Etnomusicologia

251
Parece que estamos em uma fase, na qual uma pesqui-
sa não deve ser pensada ou realizada sem uma efetiva
discussão de seu contexto e seus objetivos com aqueles
sujeitos, diretamente envolvidos naquela pesquisa, o
que traz a necessidade de pensar também em ques-
tões como responsabilidade social, ética e outros te-
mas e fomentar efetivamente propostas colaborativas
(LÜHNING, 2014, p. 16).

Além do trabalho de Cálipo (2012), interpretações inapro-


priadas sobre a realidade da comunidade Mumbuca registradas em
trabalhos acadêmicos são recorrentes e nos trazem preocupações,
como no caso também de Schmidt (2005) e Melo (2014)4, devido
à importância hierárquica que a produção acadêmica escrita ainda
exerce sobre a tradição oral, sobretudo aquelas que são realizadas por
pessoas de fora do povoado. Nesse sentido, um dos propósitos desse
grupo de pesquisadores (as) é o de se fortalecer academicamente para
poder gerar nossa própria história escrita, de nós sobre nós, como nos
propõe Carlos Brandão:

Conhecer a sua própria realidade. Participar da pro-


dução desse conhecimento e tomar posse dele. Apren-
der a escrever a História através da sua história. Ter no
agente que pesquisa uma espécie de gente que serve.
Uma gente aliada, armada dos conhecimentos cientí-
ficos que foram sempre negados ao povo, àqueles para
quem a pesquisa participante – onde afinal pesquisado-
res-e-pesquisados são sujeitos de um mesmo trabalho
comum, ainda que com situações e tarefas diferentes
– pretende ser um instrumento a mais de reconquista
popular (BRANDÃO, 1981, p. 11).

4 Foi produzido outro artigo coletivo com críticas específicas a estes trabalhos citados,
porém o mesmo encontra-se ainda em avaliação para possível publicação.

252
De volta à questão da viola, atualmente o toque da viola de
buriti é o mais praticado em momentos especiais, tais como na Festa
da Colheita5, e também durante as cantorias tradicionais nas noites do
mês de julho, ao redor da fogueira. Por outro lado, alguns músicos do
povoado realizam apresentações e fazem shows com a viola de for-
ma independente, em locais fora da comunidade. O artista de maior
projeção da comunidade, Maurício Ribeiro, por exemplo, nos anos de
2015 e 2016, excursionou por todo o Brasil pelo projeto Sonora Brasil
– violas brasileiras, produzido pelo Sesc, divulgando o instrumento
em cerca de 130 cidades espalhadas por todos os estados brasileiros
(SESC, 2015).
A utilização da viola de buriti nas práticas musicais da Comu-
nidade Mumbuca é significativa, simbolizando a sua cultura, seus so-
nhos, ideais, o esforço coletivo, marcando a sua existência. Através da
prática musical, a comunidade compartilha vivências e experiências
que se multiplicam e se imprimem no modo de ser do grupo. Assim,
as ideias e os conceitos expressos musicalmente podem ser interpre-
tados de acordo com o sistema cultural no qual se inserem.
A Música, nesse contexto, é interpretada como um sistema de
representações que fornecem explicações sobre como o grupo pensa
a si próprio e o mundo que o rodeia, como também uma forma de
identificação étnica entre indivíduo e grupo. Como linguagem dotada
de alta expressividade, “símbolo não consumado”, como a vê Susan-
ne Langer (1989, p. 238), a música reflete melhor que qualquer outra
linguagem as nuances afetivas dos indivíduos e dos grupos que a pra-
ticam. Através da observação da prática musical é possível identificar
paralelos entre as manifestações expressivas e as respectivas estruturas

5 A Festa da Colheita acontece desde 2008 no povoado Mumbuca (Materios/TO) em data


que antecede ou no início do manejo sustentável do Capim Dourado, matéria prima do
artesanato local, que é a principal fonte de renda da comunidade. Nesse evento acontece
o planejamento da comunidade para a realização da colheita no campo, apresentações
artísticas e atividades culturais de integração com as comunidades vizinhas.

253
sociais, sendo a representação musical uma leitura das questões sociais.
O sistema musical reflete, assim, o sistema cognitivo dos participantes,
seus sentimentos, suas experiências culturais, além de suas atividades
sociais, intelectuais e musicais.
Outro aspecto observado é sobre a importância do processo
participativo como aprendizado, tanto do que o grupo tem aprendido
sobre a própria comunidade quanto também das técnicas e dos pro-
cessos de pesquisa e conhecimentos que transcendem a sala de aula.
Por outro lado, aprendemos e passamos a valorizar nossa cultura e as
estratégias da educação não formal, aquelas adotadas pelos mestres
e mestras da cultura popular na transmissão de seus conhecimentos
para as novas gerações.
O que o grupo vem observando é que nos espaços formais de
ensino os conhecimentos produzidos no e pelo povoado não têm sido
abordados e nem são considerados relevantes no ambiente e no con-
texto escolar. O que é oferecido como referência são sempre aspectos
de outras culturas. Mesmo cientes de sua importância, o que acontece
é que a forma hegemônica com que esses conhecimentos são trans-
mitidos ou impostos acarretam na desvalorização das produções dos
artefatos e conhecimentos locais. Como temos discutido no grupo de
pesquisa “Acabamos achando que o que temos não é Cultura, por não
apresentar semelhança com o que é apontado como importante nos
espaços de ensino formal”.
Outro aspecto interessante dessa metodologia que viemos ado-
tando a partir da realização desse trabalho é o de despertar o pensa-
mento crítico no sentido de questionar o eurocentrismo normativo
dos conteúdos escolares hegemônicos, adotados também nas escolas
da região, inclusive durante a nossa própria escolarização, mesmo que
agora estejamos na condição de pesquisadores. Nesse sentido, o desa-
fio maior que enfrentamos é o da desconstrução desse tipo hierárqui-
co de seleção de conteúdos, passando a valorizar e entender também
o legado histórico deixado pelos antepassados da comunidade.

254
A partir dessa pesquisa, começamos por valorizar os processos
históricos e culturais do uso e da produção da viola de buriti, que
estamos entendendo que vai muito além do objeto em si, tratando-se
de um legado cultural que passa a ser explorado e apropriado pelos
próprios moradores. A viola de buriti na comunidade está e sempre
esteve viva. Carrega consigo alegria, companheirismo, histórias, vi-
tórias e valores, trilhando seu caminho junto a um povo resistente e
forte. Sentimo-nos instigados a entender os processos que fizeram
com que essa viola chegasse à nossa geração, e assim poder contribuir
para a sua preservação.
O processo da pesquisa participativa sobre a viola de buriti,
mesmo que ainda em andamento, já trouxe alguns ganhos para a co-
munidade, confirmando a tese de que com esse tipo de metodologia
os processos são mais importantes que os objetivos. Destacamos aqui,
principalmente, a produção acadêmica envolvendo os membros da
comunidade em publicações escritas recentemente, como no caso de:
Bonilla, Silva e Chada (2017); Bonilla, Chada e Mumbuca (2017),
além do texto que originou essa publicação, Bonilla et al., (2017).
Publicações essas que estão qualificando o dossiê participativo ne-
cessário para o registro na viola junto ao Iphan, conforme o desejo
da comunidade.
Por outro lado, a comunidade vive um momento de exposição
midiática em decorrência da gravação de uma novela que é exibida
em horário nobre por uma emissora de televisão com projeção nacio-
nal, envolvendo histórias e personagens dessa comunidade. Diante
disso, o registro das partituras das músicas produzidas pelos artistas
do povoado se faz urgente e necessário, sobretudo porque algumas
dessas músicas fizeram parte da trilha sonora da telenovela. É o caso
da obra Tradição do Jalapão, cujos versos acompanham e ilustram po-
eticamente a leitura desse capítulo, composta pelos mestres Arnon
Tavares e Maurício Ribeiro e pela discente do curso de Educação do
Campo e pesquisadora desse projeto Sirlene Matos da Silva. Para

255
ilustrar esse capítulo, colocamos no apêndice o registro da partitura
musical dessa obra, representando o seu contorno melódico e rítmico.
Como pesquisadores, pesquisadoras e membros da comunida-
de, temos a certeza de que essa pesquisa, mediada pela metodologia
da pesquisa-ação participativa/ Etnomusicologia Aplicada, está con-
tribuindo para a valorização da viola de buriti, o que é importante
e tem trazido benefícios para os moradores do povoado. O registro
coletivo desse texto, somados aos registros que sempre tivemos da
tradição oral e dos já “eternizados” nas músicas da comunidade, re-
presentam um ganho simbólico e de empoderamento dessas pessoas
diante das constantes ameaças a seus patrimônios imateriais.

Por aqui vou encerrar


Esta humilde canção
É com muita alegria
E amor no coração

(Tradição do Jalapão – Música de Arnon Tavares, Mau-


rício Ribeiro e Sirlene Matos da Silva).

Referências

ARAÚJO, S.; MUSICULTURA, G. Conflict and violence as


theoretical tools in present-day ethnomusicology: notes on a dia-
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261
APÊNDICE
Partitura da música e letra de Tradição do Jalapão. Composta
por mestres da comunidade e uma acadêmica/pesquisadora da Edu-
cação do Campo, todos moradores da comunidade Mumbuca.

262
10 – Educação Musical e a
Educação do Campo: primeiras
aproximações...

Anderson Fabrício Andrade Brasil


Leila Dias

1 Introdução

A Educação Musical no Brasil enquanto área de conhecimento


é relativamente nova, bem como a literatura e a pesquisa produzidas
por ela enquanto ciência (HENTSCHKE; OLIVEIRA, 2000). Em
1988, foi criada a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Música – Anppom e em 1991 a Associação Brasileira de Edu-
cação Musical – Abem, que permitiram a existência de ambientes
onde houvesse troca de ideias, divulgação de trabalhos, pesquisas e a
elaboração de políticas voltadas às demandas da área.
Kraemer (2000, p. 51) defende que a Educação Musical te-
nha como seu objeto de estudo “as relações entre as pessoas e a (s)
música (s) sob os aspectos de apropriação e de transmissão”. Diante
deste pressuposto, quais os aspectos que permearão essa “apropriação
e transmissão”? Assim, é importante esclarecer que a Educação Mu-
sical reparte seu objeto de estudo com as ciências humanas: história,
filosofia, antropologia, pedagogia, sociologia etc.
A Educação Musical abordada aqui tem como objetivo traba-
lhar a formação integral do ser humano, levando-o a uma construção
de conhecimento abalizada pelo respeito, questionamento, reflexão,
criação, diálogo por meio da valorização da realidade social, como
nos mostra Lazzarin

263
A verdadeira EM1 humanística (aquela preocupada
com o crescimento do indivíduo como um todo) está
ligada ao ensino da música como prática humana di-
versificada. Do confronto entre os significados cultu-
rais e ideológicos de culturas musicais não familiares,
surge a oportunidade de conhecer a diferença e de
descobrir que o que parece natural e comum pode não
ser (LAZZARIN, 2006, p. 129).

Diante disso, o que necessitaremos saber refletir em busca da


construção de uma prática docente mais humanizada, que esteja sen-
sível a estas relações entre pessoas e a música? Para tanto, buscaremos
na literatura alguns estudos que tratam do fenômeno da educação na
perspectiva da Educação Musical. Algumas buscas demandam dos
educadores não só aquisição de conhecimento, mas, sobretudo, cons-
cientização, sensibilização e desejo por transformação como mostra
Kraemer:

A pedagogia da música, por isso, tem que colocar à


disposição não apenas o conhecimento sobre fatos
e contextos, mas também princípios de explicação,
ajuda para decisão e orientação, para esclarecimento,
para influência e otimização da prática músico-educa-
cional. Por isso, como tarefas da pedagogia da música
devem ser definidas juntamente com a aquisição de
conhecimento: compreender e interpretar, descrever e
esclarecer, conscientizar e transformar (KRAEMER,
2000, p. 66).

Entendemos que a Educação Musical tem valores que perpas-


sam os elementos basilares da música. Elliot esclarece que: “os valo-
res primários da Educação Musical são o prazer no fazer musical, o
autoconhecimento, o auto crescimento, o prazer e a felicidade que
decorrem deste conjunto de valores, ou seja, a maneira de viver mu-

1 Educação Musical.

264
sicalmente, em um diálogo vital com os valores e elementos funda-
mentais da vida” (ELLIOTT, 1995, p. 308).
Também, há que considerarmos a prática musical como um fe-
nômeno com diversas imbricações, como um fato social total. Mar-
cel Mauss explica que para interpretar um fato social como total, é
imprescindível “ponderar a conduta das pessoas como um todo e não
dividida em faculdades”, vinculando “o físico, o fisiológico, o psíquico
e os aspectos sociais” do indivíduo (MAUSS, 2003, p. 23). A música
também está permeada de diversos aspectos culturais. Paulo Freire de-
fende uma extensão humanística que transcende diversas dimensões:

A cultura como o acrescentamento que o homem faz


ao mundo que não fez. A cultura como o resultado
de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador. O
sentido transcendental de suas relações. A dimensão
humanista da cultura. A cultura como aquisição sis-
temática da experiência humana. Como uma incor-
poração, por isso crítica e criadora, e não como uma
justaposição de informes ou prescrições “doadas”. A
democratização da cultura – dimensão da democrati-
zação fundamental (FREIRE, 2006, p. 108).

A fala de Freire é defendida também por Bozon quando afirma


que: “Toda prática musical é um “fenômeno transversal”, que perpas-
sa todos os espaços sociais” (BOZON, 2000, p.147). Essa transversa-
lização poderá oportunizar ao educador a capacidade de refletir so-
bre sua prática docente no sentido de estimular o debate, conduzir o
questionamento, estabelecer o diálogo, produzir e fomentar aspectos
relativos não só à música, mas a todo ser humano. Essa perspectiva é
também defendida por Koellreutter: “Trata-se de um tipo de educa-
ção musical que aceita como função a tarefa de transformar critérios
e ideias artísticas em uma nova realidade, resultante de mudanças
sociais” (KOELLREUTTER, 1998, p. 39).
Existem em cada contexto “mundos musicais” embebidos de

265
subjetividade, demandando um engajamento na busca de diversas
teorias, diferentes metodologias, abertura a distintas crenças e aos
diferentes valores que são dados pelos indivíduos. Sobre isso, Jorgen-
sen expõe sua opinião:

A Educação Musical é uma colagem de crenças e


práticas. Seu papel na formação e manutenção dos
[mundos musicais] – cada qual com seus valores, nor-
mas, crenças e expectativas – implica formas diferen-
tes nas quais ensino e aprendizagem são realizados.
Compreender está variedade sugere que pode haver
inúmeras maneiras nas quais a educação pode ser con-
duzida com integridade. A busca por uma única teoria
e prática de instrução musical aceita universalmente,
pode levar a uma compreensão limitada ( JORGEN-
SEN, 1997, p.66).

Essa construção de um diálogo aproximado com outras áreas


do conhecimento e por seguinte, a compreensão destas inúmeras ma-
neiras de conceber o processo da Educação Musical na sua comple-
xidade, são condições fundamentais para que se possa atender a uma
demanda tão peculiar dos povos do campo, em seus pleitos pessoais,
em seus contextos ímpares, onde seus saberes e especificidades de
vida formam a amálgama que une a Educação Musical à Educação
do Campo.

2 Educação do campo e a educação popular

A educação do campo é um fenômeno que abriga novas co-


notações, permite o protagonismo de pobres, oprimidos, excluídos e
marginalizados. Essa é uma camada da população brasileira que, por
diversas vezes, teve seus saberes, potenciais e necessidades deslegiti-
mados ao longo da construção do Brasil. Caldart nos mostra sobre a
gênese deste termo:

266
O protagonismo dos movimentos sociais camponeses
no batismo originário da Educação do Campo nos
ajuda a puxar o fio de alguns nexos estruturantes desta
“experiência”, e, portanto, nos ajuda na compreensão
do que essencialmente ela é e na “consciência de mu-
dança” que assinala e projeta para além dela mesma
(CALDART, 2014, p. 259).

Aqui não abordamos apenas a semântica, mas a força e a es-


sência desse termo que está impregnado de um discurso histórico, de
conquistas referenciais como mostram Kolling, Nery e Molina ao si-
tuar a educação do campo afirmando que esta trata de uma educação:

[...] que se volta ao conjunto dos trabalhadores e das


trabalhadoras do campo, sejam os camponeses, in-
cluindo os quilombolas, sejam as nações indígenas,
sejam os diversos tipos de assalariados vinculados à
vida e ao trabalho no meio rural (KOLLING; NERY;
MOLINA, 1999, p. 26).

Esta especificidade da educação do campo que contempla essas


diversas categorias sociais somam-se a outras experiências educati-
vas emancipatórias que se desenvolvem no campo sem que, neces-
sariamente, se autodenominem como educação do campo. Elas se
caracterizam de práticas educativas que permitem uma interlocução
coletiva conforme afirmam Nascimento, Chaves e Sodré:

Entende-se que a Educação do Campo, tal como as-


sumida pelos movimentos sociais e todos que desen-
volvem seus trajetos históricos em busca de um mun-
do melhor, assume caráter paradigmático na medida
em que, diferenciando-se de práticas escolares e edu-
cativas reprodutoras da opressão e da exclusão social,
vem-se desenvolvendo a partir da força que emerge
do diálogo e da ação conjunta de seus diversos inter-
locutores (NASCIMENTO; CHAVES; SODRÉ,
2013, p. 10).

267
A educação do campo representa a quebra de um paradigma
que permitia entender o campo como algo ligado ao atraso, à subcul-
tura, à visão hegemônica de que o moderno é mais avançado (CAL-
DART, 2004). Essa democratização de saberes e acesso a recursos
permite não só inclusão, mas estabelece a possibilidade de se pensar
políticas públicas voltadas à especificidade do campo e às suas popu-
lações. Essa democratização é descrita por Arroyo, Caldart, Molina:

Um olhar que projeta um campo como espaço de de-


mocratização da sociedade brasileira e de inclusão so-
cial, e que projeta seus sujeitos como sujeitos de história
e de direitos; como sujeitos coletivos de sua formação
enquanto sujeitos sociais, culturais, éticos e políticos
(ARROYO; CALDART; MOLINA, 2004, p. 12).

A educação do campo está embebida pelos saberes do povo,


saberes que discorrem acerca do universo do campo, da floresta, dos
rios, estabelecendo conexões com a educação popular. Já a educação
popular é descrita por Carlos Brandão (1984) como “saber da comu-
nidade”. Brandão nos mostra uma gama gigantesca de significados e
“modos de aprender” dentro da cultura do campo:

Uma complexa estrutura de tipos diferentes de redes,


situações e espaços sociais onde as pessoas trocam en-
tre si serviços e significados. Submetidas aos padrões
de cultura que tornam possível compartilhar na vida
social, diferentes categorias de atores da comunidade
que distribuem e perpetuam formas de trabalho, esfe-
ras de ação, posições e compromissos. Para que esses
mesmos padrões de cultura circulem e orientem tanto
a conduta quanto a identidade social dos seus partici-
pantes, cada um dos domínios de vida e trabalho – a
família, a parentela, a vizinhança, as equipes corpora-
das, os grupos transitórios, a comunidade – incorpo-
ram às suas práticas diferentes estratégias e situações
de transmissão de conhecimento. Das relações duais

268
simples, dentro das quais pelo fio dos anos a menina
camponesa aprende com a mãe, até as relações com-
plexas de uma equipe estável de trabalho ritual, por
toda a parte, onde se quer que sujeitos sociais troquem
bens e serviços, há também trocas de símbolos atra-
vés dos quais entre si eles se ensinam-e-aprendem.
(BRANDÃO, 1983, p. 100).

Esta forma de ensinar e aprender foi descrita no início deste


texto como uma prática dentro da Educação Musical, pela atenção e
sensibilidade a contextos específicos de ensino e aprendizagem, que
fogem a parâmetros da educação hegemônica. Brandão em seu livro
Casa de Escola descreve como acontece esse processo pedagógico:

O saber dinâmico e permeado – Por onde andei nun-


ca vi espaços próprios e situações formais ou escolari-
zadas de ensino, mas aqui e ali encontrei inesquecíveis
momentos de persistente trabalho pedagógico, mes-
mo quando aparentemente invisível. [...] no interior
da família nuclear, nas redes tradicionais da parentela
ou da vizinhança rural, dentro de equipes de trabalho
coletivo e rotineiro, ou de trabalho popular especia-
lizado, deparei-me com diferentes situações, onde o
próprio ato do ofício é carregado do exercício ativo
de fazer circular o conhecimento. De educar, portanto
(BRANDÃO, 1983, p. 16).

Para Guiso, a educação popular tem a responsabilidade de


construir um processo pedagógico que recupere o saber popular, con-
tribuindo para a construção, apropriação e aplicação de conhecimen-
tos que respondam, com pertinência e eficácia, as necessidades de
vida rumo à participação sociocultural e política dos sujeitos envolvi-
dos (GUISO, 1991, p. 32).
Aqui não buscaremos descrever a construção histórica2 da edu-

2 Disponível em: <http://ifibe.edu.br/arq/201509112220031556922168.pdf>.

269
cação popular, haja visto, o objeto deste texto não se dedica a isso,
mas queremos avultar a costura existente entre a educação musical e
esses fenômenos educacionais que atentam para diferentes contextos,
diferentes sujeitos, pensando no ensino e na aprendizagem a partir
de um modelo alternativo, parcial ou totalmente distinto daquele que
existe, como descreve Streck (2006).
Este formato de educação que considera o saber do povo nasce
também do inconformismo como descreve Gadotti:

Nasce do inconformismo de muitos educadores e não


educadores com a deterioração do ensino público e da
ousadia em enfrentar o discurso e a proposta hege-
mônica, confrontando-lhes uma alternativa, a partir
de uma concepção democrática de educação (GA-
DOTTI, 1999, p. 20).

Historicamente, o pobre e o negro foram marginalizados por


um discurso preconceituoso da mídia contra as classes populares.
Para as elites, o pobre e o negro dificilmente conseguiriam avançar
na escala social. Frantz Omar Fanon mostra que desde a época da
colonização, estes dois grupos foram inferiorizados e marginalizados
pelas políticas sociais, econômicas e educativas (FANON, 2002).

3 Licenciatura em Educação do Campo

A criação de duas licenciaturas em Educação do Campo com


habilitação em Artes e Música faz parte de uma política educacional
da Universidade Federal do Tocantins (UFT) nestes últimos anos,
integrando um conjunto de medidas relativas ao atendimento à si-
tuação desigual a que a população do campo tem sido submetida
historicamente. A licenciatura em Educação do Campo (LEDOC)
contempla quilombolas, assentados e reassentados da reforma agrá-
ria, ribeirinhos, indígenas, agricultores familiares, extrativistas, pes-
cadores artesanais, acampados, populações que demandam não só

270
metodologias, mas recursos diferenciados.
O ingresso de alunos no curso se dá pelo vestibular. As vagas
são distribuídas por meio de quatro maneiras: o Sistema Universal, o
Sistema de Cotas para Etnia Indígena, Sistema de Cotas para Quilom-
bolas e o Sistema de aplicação da Lei n. 12.711/2012, devendo o aluno
optar por um desses sistemas.
As aulas são feitas na perspectiva da pedagogia da alternância,
ou seja, o período de aulas em sala é intercalado com as demandas
pessoais do aluno tais como realização da colheita e a atenção para
as criações de animais ou outras obrigações com o sustento familiar,
tendo sido esta proposta metodológica pensada por camponeses na
França em 1935. A alternância atende atualmente também à dimi-
nuição do deslocamento que leva muitos alunos a gastarem a maior
parte do dia no caminho de ida e volta para a escola, evitando tam-
bém que esses alunos necessitem viver em centros urbanos em função
dos estudos. A experiência é um dos pilares básicos de formação den-
tro desta proposta pedagógica como nos esclarecer Gimonet:

A introdução da alternância em formação coloca a re-


lação com a experiência, com o trabalho, com o mundo
da produção, com a vida não escolar. Ela convida então
a considerar a experiência no mesmo tempo como su-
porte de formação, caixa de saberes, funil educativo e
como ponto de partida do processo para aprender (GI-
MONET, 1998, p. 4).

O autor ainda defende que esse acompanhamento sistemático


de cada alternante permite esclarecer, gestar, formalizar e modificar
o processo de ensino de forma orgânica e natural. A pedagogia da
alternância acaba por permitir diferentes instrumentos de auxílio
à prática docente como as rodas de conversa, as visitas de estudo
e observação no campo onde os alunos estão inseridos, a produção
de cadernos de realidade e relatórios da produção do conhecimento
dentro dos dias de vivência do aluno em suas comunidades.

271
O conhecimento se dá por meio do exercício, no qual o acom-
panhamento permite o monitoramento, e uma vez monitorado e
provocado, o aluno é levado à reflexão, podendo sistematizar o seu
tempo e a prioridade dada a cada elemento dentro do seu processo
formativo.

4 A educação musical e os povos do campo

Mas como arrazoar uma prática musical que atenda comuni-


dades e etnias distintas? Como pensar o ensino de um instrumen-
to musical dentro da alternância? Aqui buscaremos descrever como
algumas práticas musicais que têm sido refletidas nessa conjuntura
em que a educação do campo vem assumindo protagonismo. Desse
modo, observa-se a possibilidade de aproximar essa área à Educação
Musical, na medida em que ambas estão conquistando sua autono-
mia, até mesmo pelas semelhanças e necessidades próximas nas suas
condições de afirmação enquanto áreas de conhecimento.
O entendimento de que cada uma dessas comunidades é um
“mundo de saberes” e particularidades culturais será o nosso Nor-
te diante dessa reflexão. Queiroz nos exemplifica bem acerca desses
mundos musicais:

Conscientes de que a música não é uma linguagem


universal, é importante ter a consciência de que os seus
processos de transmissão – ensino e aprendizagem –
também não são. Da mesma forma, sabendo e reco-
nhecendo a existência de diferentes mundos musicais
dentro de uma cultura, cada um com a sua impor-
tância e significado próprio, é preciso que a educação
musical tenha processos de ensino e aprendizagem
– dentro de qualquer contexto que vise à formação
musical do indivíduo – que contemplem diferentes
abordagens educacionais (QUEIROZ, 2004, p. 104).

272
Assim, cada uma dessas comunidades demanda não só práti-
cas pedagógicas apropriadas a cada contexto, mas também recursos
específicos que permitam o transporte a regiões de difícil acesso para
o atendimento aos alunos e às suas famílias. Algumas aldeias ficam
sem acesso no período de chuvas e não podem ser alcançadas nem
mesmo com veículos especiais com tração nas quatro rodas. Seriam
estas especificidades geográficas a maior preocupação?
A maior parte dos educadores do campo não fala o idioma dos
indígenas e alguns indígenas, embora falem o português, se expressam
com limitações. Além da dificuldade de comunicação, percebe-se, ao
longo dos anos, a necessidade de se levar em conta o capital cultural3
desses alunos. Em uma mesma sala, alguns deles têm dificuldades
primárias de escrita. Muitos não possuem em suas comunidades in-
ternet, ou sequer um computador de uso comunitário.
Há alunos com as mais díspares características culturais, esco-
lares e geográficas, o que nos lembra Boaventura Sousa Santos quan-
do diz que: “a inclusão tem sempre por limite aquilo que exclui”. O
autor esclarece que:

Os valores da modernidade – a liberdade, a igualdade,


a autonomia, a subjetividade, a justiça, a solidariedade
– e as antinomias entre eles permanecem, mas estão
sujeitos a uma crescente sobrecarga simbólica, ou seja,
significam coisas cada vez, mas díspares para pessoas
ou grupos sociais diferentes, e de tal modo que o ex-
cesso de sentido se transforma em paralisia da eficácia
e, portanto, em neutralização (SANTOS, 1999, p. 41).

Como pensar uma licenciatura que atenda a essas mais dife-


rentes necessidades? Talvez a compreensão por parte dos educadores
de que cada história é individual, dinâmica, viva e em constante mu-
tação como nos mostra Portelli:

273
Uma história de vida é algo vivo, um trabalho sempre
em evolução, onde os narradores enquanto caminham,
analisam a imagem do seu próprio passado, pois a his-
tória é aberta, provisória e parcial; muda tanto quando
a quantidade de tempo, isto é, a experiência acumula-
da pelo narrador e da mesma maneira com a qualida-
de do tempo, ou seja, os aspectos por este privilegiados
durante a narrativa, concluindo que nenhuma história
é contada duas vezes de forma idêntica e cada história
que ouvimos é única (PORTELLI, 2014, p. 298).

Estas questões foram surgindo ao longo de quatro anos da


licenciatura e projetam a necessidade de uma formação que contem-
ple uma sensibilidade diferenciada a estes povos, aos seus meios de
comunicação, ao tempo que eles aplicam para a construção de novos
conhecimentos. Nesta perspectiva, ao olhar para o ensino de música
Beineke se posiciona:

No âmbito da formação de professores, é preciso in-


vestir na construção de conhecimentos práticos, os
quais só podem ser desenvolvidos através de uma
formação em que sejam oportunizadas experiências
concretas de ensino, orientando os processos de refle-
xão sobre as próprias práticas, dando importância aos
conhecimentos musicais e pedagógicos (BEINEKE,
2001, p. 95).

Notamos também a necessidade de um olhar antropológico


que permita pensar como relevantes todas essas práticas culturais,
quer do ribeirinho, quer do indígena, como mostra Arroyo:

Para o olhar antropológico, o que importa são os


significados locais, isto é, como cada agrupamento
humano confere sentido às suas práticas culturais, in-
cluindo aí as músicas. Assim, os significados dos fa-
zeres musicais devem ser considerados em relação aos

274
contextos socioculturais e aos processos de interação
social que lhes deram origem. Em outras palavras, o
olhar antropológico é relativizador, porque considera
que todas as práticas culturais são particulares e, por-
tanto, igualmente relevantes (ARROYO, 2000, p. 16).

A educação musical tem-se estabelecido como uma área de co-


nhecimento que busca um diálogo permanente e indissociável dos
elementos comuns do cotidiano, do aluno ou do professor. A instru-
mentalização das teorias e modelos pedagógicos precisa ser pensada
a partir desses desafios que perpassam idioma, crença e etnia. A inte-
gração dessas diferentes realidades é abordada por Souza:

Na relação entre as pessoas e música está o desafio


que permeia o trabalho cotidiano de tantos professo-
res, na constante busca do aprendizado que encontre
ressonância na vida dos alunos. E, do outro lado do
processo educativo, os desafios que os alunos enfren-
tam ao aprender música: de pensarem a realidade na
relação com o mundo que os cerca no seu dia a dia, ou
perceberem como se dá a integração de cada um de-
les nas diferentes realidades desse mundo (SOUZA,
2004, p. 9).

A imersão dos professores em cada uma dessas comunidades,


aldeias, assentamentos ou colônia de pescadores, tem aproximado a
prática docente do mundo real, pois são dezenas de quilômetros em
estradas de barro percorridas pelos alunos. Além disso, a realização
de refeições em condições precárias de estrutura física com condições
mínimas de higiene tem nos levado a construção de uma pedagogia
altruísta.
Como cobrar de um aluno um trabalho escrito quando mui-
tos alunos não são alfabetizados? Como cobrar uma pesquisa ou um
trabalho digitado quando em sua comunidade inexiste computador?
Como não flexibilizar horários quando o aluno leva mais de cinco

275
horas de deslocamento, repartida em caminhadas sob o sol escaldan-
te e poeira vexante?
Esse deslocamento por parte dos docentes das salas de aula
da universidade para acompanhar as atividades dos alunos em seus
“mundos reais” tem oportunizado a readequação das propostas peda-
gógicas aplicadas ao longo de anos de docência.

5 E o ensino de música dentro da alternância?

Diante das numerosas demandas, o ensino da música frente


ao contexto sociocultural desses alunos merece profundas reflexões.
Souza (2004) entende que “a pesquisa na formação de professores
deve ser um exercício prático que instrumentalize com teorias o pro-
fessor a ver, ouvir e agir no interesse de seus alunos” (SOUZA, 2004,
p. 8). Como pensar um repertório que atenda a indígenas e campe-
sinos? Como nos libertarmos do modelo europeu que protagoniza a
música ocidental? Como nos desvencilhamos dos instrumentos mu-
sicais propostos por essa mesma cultura?
A realidade de ensino que coloca em uma mesma sala dife-
rentes culturas nos leva a pensar o ensino de música a partir de cada
comunidade em sua especificidade. Dos gêneros musicais que lhe são
comuns, a exemplo das músicas de curas, jogos, festejos, folguedos,
rodas... enfim, das manifestações culturais de cada povo. Dos ins-
trumentos musicais com sonoridades próprias de cada contexto, da
postura pedagógica sensível a cada realidade social com seu conteúdo
musical.
A necessidade de articular os conteúdos musicais a esses con-
textos tão peculiares impulsiona o educador musical a repensar sobre
uma prática docente que contemple a rotina do aluno. Brasil (2015)
defende a importância da atualização, renovação e a reflexão sobre a
nossa práxis. Ele acrescenta:

276
A busca por atender aquilo que é mais premente para
o aluno pode nos conduzir a caminhar diante de no-
vos conhecimentos, questionar nossas capacidades e,
mais que isso, pode nos conduzir novamente ao desejo
de aprender [...] Articular os conteúdos musicais às
competências pedagógicas exige de nós muitas vezes
a desconstrução de paradigmas, para a percepção das
particularidades existentes na área, para que possamos
superar a simples transmissão de conteúdos e me-
todologias, fortalecendo assim não só a nossa práxis
docente, mas a Educação Musical como área de co-
nhecimento (BRASIL, 2015, p. 8).

A formação que tivemos enquanto docentes em salas confor-


táveis e climatizadas acabaram por nos endurecer na percepção para
necessidades tão complexas por parte desses alunos. Esta constatação
nos desafia a identificar os desafios presentes em uma formação ne-
cessária ao profissional que atuará nesses contextos. Del-Ben (2003)
argumenta a favor de uma formação que tenha relação com os espa-
ços de atuação profissional:

[...] de uma concepção de professor como agente,


como prático reflexivo que constrói suas próprias
concepções e ações de ensino, como mobilizador de
saberes, e não como mero reprodutor ou repassador
de conteúdos produzidos por outras pessoas; de uma
nova concepção de formação por parte dos formadores
de professores, que supere o modelo da racionalidade
técnica; da necessidade de definirmos um repertório
de conhecimentos profissionais em educação musical,
a partir das particularidades ou regularidades da área.
Falamos em tomada de decisões, escolhas, reflexivi-
dade, construção da identidade do professor, da sua
trajetória profissional, entre tantos outros termos. Por
que não auxiliá-lo a exercitar esses aspectos já durante
sua formação inicial, dando-lhe opções de percurso e
orientando-o na construção desses possíveis percur-
sos? (DEL-BEN, 2003, p. 32).

277
A necessidade de uma formação que se relacione com as de-
mandas pessoais do aluno pode permitir a continuidade desse novo
formato pedagógico, ingressando e conduzindo a posteriori seus futu-
ros alunos por essa mesma prática.

6 Repensando as práticas pedagógicas da


música

Darcy Ribeiro ao tratar do “Drama Étnico Brasileiro” descre-


ve que as configurações histórico-culturais dos povos brasileiros de-
mandam de nós uma humanidade diferenciada para que consigamos
ouvir as suas vozes como vemos em sua fala acerca dos indígenas:

Como sobreviveram e aí estão, nos cabe a nós aten-


tar para eles, saber o que reivindicam primariamente,
ouvir suas vozes a nos dizer: ‘Estamos aqui. Somos os
primeiros. Somos habitantes originais dessas terras. O
que necessitamos é que não nos persigam tanto, que
nos reconheçam a posse das terras em que estamos
assentados. É o direito de viver, segundo nossos cos-
tumes’. Esse é o seu drama. Essa é a questão indígena
do Brasil, hoje, aqui, agora. (RIBEIRO, 1995, p. 31).

Ouvir a voz do outro é talvez perceber o tempo e a forma que


os educandos estabelecem para as coisas do seu mundo cotidiano, é
arrazoar um modelo pedagógico que esteja além do mercado de tra-
balho. O debate educacional e metodológico pode ser oportunizado a
partir do sujeito do campo onde nós, enquanto docentes, precisamos
nos “assentar” no campo, compreendendo que estas pessoas, estes su-
jeitos que foram negligenciados pelo Estado, o qual desconsiderou as
suas diferentes realidades, não percebeu as variáveis de cada um dos
contextos.

278
O ensino para os povos do campo traz a necessidade de com-
preender que o conhecimento está além da disciplina e do currículo,
além das nossas “caixas” educacionais. A relação com esses povos nos
mostra o trabalho como essência, o trabalho que produz conheci-
mento, produz arte e vida. Por muitas vezes nos perguntamos: temos
sido capazes de perceber, por exemplo, o discurso que está embebido
nos cantos das quebradeiras de coco? Somos capazes de ler além do
evento musical? Será que o tempo e o valor que os povos do cam-
po estabelecem para os elementos do seu dia a dia nos modificam e
nos sensibilizam enquanto docente? Será que conseguimos situar o
trabalho dentro da perspectiva desse povo? Saviani nos ajuda acerca
dessa relação do trabalho com o homem:

Ora, o ato de agir sobre a natureza transformando-a


em função das necessidades humanas é o que conhe-
cemos com o nome de trabalho. Podemos, pois, dizer
que a essência do homem é o trabalho. A essência hu-
mana não é, então, dada ao homem; não é uma dádiva
divina ou natural; não é algo que precede a existência
do homem. Ao contrário, a essência humana é produ-
zida pelos próprios homens. O que o homem é, é pelo
trabalho. A essência do homem é um feito humano.
É um trabalho que se desenvolve, se aprofunda e se
complexifica ao longo do tempo: é um processo histó-
rico (SAVIANI, 2007, p. 154).

O autor esclarece também que o trabalho define a essência


humana, ou seja, para continuar existindo, o homem precisa estar
continuamente produzindo sua própria existência através do traba-
lho. A vida do homem nesse prisma é determinada pelo modo que
ele produz a sua existência, assim, a educação do campo está ligada
indissociavelmente ao trabalho.
Portanto, com esse olhar sensível ao contexto, entendendo as
subjetividades dos educandos, podemos pensar em uma grande va-
riedade de encontros musicais entoando com eles cantos em labores

279
como o lavar das roupas, o quebrar de coco, os aboios, as colheitas e o
plantio. O repertório deve acolher as canções que descrevem os ele-
mentos da cultura regional tais como os rios, o boi-bumbá, os mitos
e as lendas, entre os outros.
A partir desses cantos, entender juntos os conteúdos musicais
ali presentes tais como forma, célula rítmica, linhas melódicas e har-
mônicas das canções. Também trabalhar com brinquedos e objetos
sonoros, pequenos instrumentos de percussão, sem esquecer de con-
tar com o poder criativo de cada educando, para que ele possa inserir
suas ideias em todos esses encontros.
O ensino de instrumento, especificamente, pode ser pensando
dentro dos princípios rítmicos e harmônicos presentes em matrizes
encontradas em quilombos, com canções demarcadas por claves rít-
micas em compassos compostos. O imaginário sonoro das florestas e
chapadas pode ser reproduzido por meio da construção de instrumen-
tos sustentáveis, que utilizam sementes e outros recursos da natureza.

7 Considerações finais

A educação musical na perspectiva do campo, portanto, pode


ser vista para além das fronteiras estabelecidas pelo euro centrismo,
concebendo novas possibilidades educacionais, nos conduzindo a
uma formação musical que esteja além da música, onde possamos
habitar o campo brasileiro, sem subjugá-lo pelos nossos saberes.
Acreditamos que o conhecimento se amplia quando nos li-
bertamos do nosso pensamento disjuntivo e segregacionista, quan-
do achamos prazer ainda no processo, como nos lembra Swanwick:
“Devemos diminuir as expectativas em relação ao produto, pensar
mais no processo e na prática, no fazer musical, fazer música junto,
juntar pessoas para fazer música; todos os alunos com as suas dife-
renças” (SWANWICK, 2003, p. 81).

280
Assim, em virtude desse encontro entre a educação do campo e
a educação musical ser algo sobremodo recente, diferentes desdobra-
mentos pedagógicos e culturais são discutidos e repensados diante de
cada novo encontro, diante de cada nova comunidade, onde, de fato,
o caminho nos ensina a caminhar.

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284
11 - Corpo – superfície inscrita da
educação: reflexão sobre uma
experiência de ensino e pesquisa
em dança
Marissel Marques

É que a dança não é apenas uma arte, mas um modo


de vida. [...] A dança é um modo de existir [...] A
dança é então um modo total de viver o mundo: é,
a um só tempo, conhecimento, arte e religião (GA-
RAUDY, 1980, p. 13-16).

1 Introdução

Pretendo, neste ensaio, fazer algumas reflexões sobre o processo


de ensino que, no momento, alterna entre agir e escrever. A meu ver,
é uma forma de prontidão frente à experiência da vida; a construção
da vida, que confia na íntima conexão das “[...] dimensões intuitiva,
emocional, criativa/artística e espiritual/ritual do conhecimento [...]”
(RIOS, 2014, p. 792).
A escrita é uma forma de tornar as imagens do processo mais
nítidas a respeito do convívio, em ocasiões e situações específicas,
com as estudantes1 de licenciatura em Educação do Campo, do
Campus de Tocantinópolis, da Universidade Federal do Tocantins
(UFT), quando aceitaram a convivência na componente curricular

1 Ainda que, nos encontros, tinha discente do sexo masculino, utilizo a flexão de gênero
feminina “das discentes” como forma de abrangência universal, ou seja, para me referir
tanto ‘as participantes’ quanto ‘aos participantes’. Assim farei ao longo de todo o texto para
tais designações de gênero conforme a necessidade.

285
optativa “Danças tradicionais” e no projeto de extensão “Dança con-
temporânea e a tradição”, ambos coexistiram em desdobramentos.
A licenciatura em Educação do Campo tem como área de co-
nhecimento Artes e Música. O objetivo do curso é uma formação con-
textualizada com a cultura, as lutas sociais e com o campo brasileiro2.
A componente curricular, por sua vez, tinha o objetivo de pes-
quisar as danças que simbolizam ritos e celebrações nas comunidades
das estudantes, que, em geral, moram no Estado do Tocantins (TO)
e mediações. Também, de dar elementos conceituais para analisar as
danças no contexto educacional, cultural e estético.
Os ritos recuperam o sagrado, fazem parte de rituais, os quais
são imersos em um universo simbólico de determinada tradição. As-
sim também as celebrações e festividades possuem caráter religioso
ou pagão, são bens simbólicos que definem a cultura de uma região
ou comunidade (IPHAN, 2016). Entende-se cultura conforme defi-
ne Rios (2014), como processos sociais contínuos.
As celebrações e festividades são promovidas por diversos mo-
tivos: religiosos, lazer, datas especiais para família, para grupo que
compartilham identidade social, datas comemorativas para cidade e/
ou país. A exemplo dessas datas, a tradicional Festa Junina acontece
em todo o país no mês de junho.
Algumas celebrações estão relacionadas aos ciclos produtivos,
como a festa da colheita do capim dourado, que acontece em setem-
bro no Jalapão (TO). E ainda há as que celebram momentos espe-
ciais da vida de uma pessoa ou da família, como o casamento. O ritual
do corte de cabelo para o povo Apinayé, o qual celebra o nascimento
e a morte. A festa de São Gonçalo para os pagadores de promessas,
dentre outras3.
Algumas das danças desses ritos e celebrações trazem uma

2 Projeto Pedagógico do Curso (PPC, 2016).


3 O estudo dessas danças será feito em outro momento.

286
persistência de traços, relativo ao plano do sagrado, oriundos da an-
tiguidade. Apresentam unidade mais profunda com a vida. Ainda
que, ao longo do tempo, o ritual tenha se reconfigurado, alterado sen-
timentos, sentidos e construções, para Garaudy (1980), esses traços
conectam-se com as danças pagãs da Idade Média.
No Brasil, as danças dessas linhagens são chamadas de danças
brasileiras, tradicionais, típicas, folclóricas, profanas, culturais, étnicas
ou populares. Foram chamadas de Danças Dramáticas por Mário de
Andrade (1966).
Paralelamente ao ensino, desenvolvi um projeto de extensão
intitulado “Dança contemporânea e a tradição”, que pretendia atra-
vés da transdisciplinaridade capacitar as estudantes a construírem re-
presentações de mundo com olhar estético-corporal.
O estudo corporal, no projeto de extensão, visava a estudar os
movimentos e suas qualidades em relação ao espaço, tempo, peso, flu-
ência, espaços articulares, apoios, resistência, oposições e direções ós-
seas, eixo global, com base nos teóricos Laban (1978) e Viana (2005).
Esses princípios foram experimentados em laboratórios de
improvisação, na proposição de uma dança autoral (intérprete-cria-
dora), que privilegia a expressão corporal, ou seja, ações expressi-
vas-comunicativas da cultura corporal, essencialmente subjetivas
(ESCOBAR, 1995).
Este processo visava, no ambiente educacional, a alcançar
conscientização, sensibilidade, percepção e expressão corporal por
meio da investigação das sensações, imagens, resgate de lembranças
de cada participante. Em outras palavras, é uma busca por um olhar
emergente sobre si.
A seguir, mais alguns detalhes do contexto e dos referenciais
teóricos do processo de ensino, pesquisa e extensão.

287
2 Proposta pedagógica da disciplina
optativa “Danças tradicionais” e do projeto
de extensão “Dança contemporânea e a
tradição”

O componente curricular optativo “Danças tradicionais” foi


ofertado ao 6º período da licenciatura da Educação do Campo, no
segundo semestre de 2017, da Universidade Federal do Tocantins
(UFT), Campus de Tocantinópolis. Chamarei de primeiro momento.
Contou com 28 estudantes do curso, teve carga horária total
de 60 horas, sendo que 45 horas foram destinadas aos conteúdos
teóricos, ainda que promovesse algumas dinâmicas e jogos e 15 horas
referiram-se às atividades práticas alocadas no projeto de extensão.
Embora foi previsto atividades práticas, as que não desejara fa-
zê-las por motivos religiosos, timidez ou ainda por não ter afinidade,
apenas assistiram 3 encontros para, em seguida, redigir um relatório,
que valorizava a escrita descritiva. Pois, considero que para dançar
requer consentimento.
O primeiro momento teve como escopo teve como escopo pes-
quisar os aspectos históricos e estéticos de algumas manifestações
culturais, cujas danças simbolizam ritos e celebrações, das comuni-
dades e dos povoados das estudantes regularmente matriculadas na
componente curricular. Em geral, elas residem no Estado do Tocan-
tins (TO) e mediações.
Também teve o objetivo de apresentar alguns elementos con-
ceituais que analisam as danças no contexto educacional, cultural e
estético.
Coexistente ao componente curricular, o projeto de pesquisa e
extensão “Dança contemporânea e a tradição” propôs viabilizar, no
ambiente educacional, a integração entre movimentos corporais pau-

288
tados nos estudos da dança contemporânea (LABAN, 1999; VIA-
NA, 2005) e possíveis reflexões socioculturais dessas manifestações
culturais. A carga horária total foi de 60 horas. Será chamado de
segundo momento.

3 A transdisciplinaridade como fundamento


epistêmico de ensino, pesquisa e extensão

Tanto o componente curricular, primeiro momento, quanto o


projeto de extensão, segundo momento, tiveram orientação da abor-
dagem transdisciplinar. Essa abordagem contribuiu para integrar o
conhecimento disperso e fragmentado da cultura disciplinar.
Desse modo, contribui para uma educação que visa ao desen-
volvimento humano de forma holística. Tendo em vista que reavalia
o papel da intuição, da imaginação, da sensibilidade e do corpo no
processo de ensino e aprendizagem, “... rejeitando uma divisão carte-
siana de experiência, que separa o racional do emocional e do corpo”
(RIOS, 2014, p. 793)4.
A transdisciplinaridade combate o formalismo excessivo da
linguagem científica, que exclui os sujeitos e empobrece a experiên-
cia, conforme explica o artigo 4 da Carta da transdisciplinaridade5:

O ponto de sustentação da transdisciplinaridade re-


side na unificação semântica e operativa das acepções
através e além das disciplinas. Ela pressupõe uma
racionalidade aberta por um novo olhar, sobre a re-
latividade das noções de definição e objetividade. O

4 Embora o trabalho de Rios (2014) não mencione a transdisciplinaridade e trata sobre o


estudo da performance, ele traz intrinsecamente os pressupostos transdisciplinares.
5 A Carta da Transdisciplinaridade foi redigida por Edgar Morin, Lima de Freitas e
Basarab Nicolescu no Primeiro Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, ocorrido
em novembro de 1994, entre os dias 2 a 6, no Convento de Arrábida, Portugal.

289
formalismo excessivo, a rigidez das definições e o ab-
solutismo da objetividade comportando a exclusão do
sujeito levam ao empobrecimento (MORIN; FREI-
TAS; NICOLESCU, 1994, s.p.).

A transdisciplinaridade incentiva o diálogo com todas as di-


mensões da sociedade, portanto, incide sobre o econômico, cultural
e espiritual. O que potencializa uma formação que privilegia atitude
transcultural, transreligiosa, transpolítica e transnacional. Conduz ao
respeito absoluto das diferenças entre os seres, unidos pela vida em
comum sobre uma única e mesma Terra.
Nessa perspectiva, a aprendizagem alcança a instância de inte-
ligência sensível “fundada no equilíbrio entre a inteligência analítica,
o sentimento e o corpo” (NICOLESCU, 1997, s.p.). Essa abordagem
científica defende que não existe uma verdade, construída por uma
única lógica, mas diversas, conforme o artigo 2 da Carta da Transdis-
ciplinaridade:

O reconhecimento da existência de diferentes níveis


de realidade, regidos por lógicas diferentes é inerente
à atitude transdisciplinar. Qualquer tentativa de redu-
zir a realidade a um único nível regido por uma única
lógica não se situa no campo da transdisciplinaridade
(MORIN; FREITAS; NICOLESCU, 1994, s.p.).

Desse modo, a base do conhecimento do universo exterior, da


efetividade, segue para a harmonia do espaço interior, da afetividade.
Sendo que cada indivíduo encontra à sua maneira, através da sua
subjetividade, das suas idiossincrasias, a sua forma de se relacionar
com o lugar da experiência de vida. Esse estado de percepção cor-
responde ao campo do sagrado, isto é, aquilo que não se submete
a nenhuma racionalização (NICOLESCU, 2001). Neste caso, esses
princípios se conectam através da corporeidade.

290
A transdisciplinaridade entende que a realidade é multirreferen-
cial e complexa. Isso implica em ter como pressuposto uma estrutura
aberta, descontínua, com base em diversas camadas da mesma reali-
dade, a ser considerada a partir de cada indivíduo e de seu estado de
percepção. Só assim é possível entender que existem diferentes formas
de se compreender o conhecimento. Não só o fluxo de informação
que atravessa as diferentes camadas da realidade, mas que resulta dos
diferentes estados de percepção. E, da mesma maneira, o fluxo de cons-
ciência que atravessa esses diversos estados (NICOLESCU, 2001).
A transdisciplinaridade é um novo modo de pensar a cultura, a
ciência, a consciência e a relação com o outro. O interesse está nas re-
lações que se criam a partir das dinâmicas geradas simultaneamente
pelas realidades plurais, ou seja, multidimensionais.

4 Primeiro momento – Danças Tradicionais

O primeiro momento destinou-se aos estudos teóricos que


tiveram três frentes: a) a dança no contexto educacional, b) a cons-
trução de um roteiro dramático, c) a pesquisa de campo das tradições
e das danças que simbolizam ritos e celebrações.
Apresento brevemente cada uma dessas frentes:

4.1 A dança no contexto educacional

A problemática circula na desvalorização da dança no âmbito


educacional e na normatização da imobilidade dos corpos nesse
ambiente. Os corpos são domesticados devido às questões discipli-
nares da escola, o ficar sentado e calado, tantas vezes, ao longo da
trajetória escolar, doze anos, consiste em uma normatização que é
similar a um adestramento de crianças (CAPECCHI; GOMES;
MARQUES, 2017).

291
A domesticação do corpo, segundo Foucault (2014), refere-se
a um conjunto de dispositivos reforçados pelo status quo, reiterada
através da disciplina, referente às regras e normas de conduta, a qual
controla o tempo e o espaço do indivíduo, restringindo assim os mo-
vimentos.
Nessa perspectiva, entende-se que o adestramento escolar pre-
para os alunos não só para um ‘correto agir’ na escola, relativo às atitu-
des predeterminadas, que seria sentar, calar e obedecer. Mas também,
quando adulto, cumprir uma jornada de trabalho de 8 horas diárias
nas cidades. No campo, essa jornada, muitas vezes, mostra-se ainda
mais severa, com carga horária longa e com movimentos repetitivos,
como nas fábricas, a exemplo o trabalho das quebradeiras de coco6.
Ainda que a indisciplina seja verificada na escola, existem di-
versos mecanismos de punição, assim como para qualquer trabalha-
dor que rompe com a ordem natural de respeito às regras e à hierar-
quia social. Via de regra, ambos são rotulados como ‘não adaptados’
ou ‘problemáticos’, geralmente, são punidos7.
O agenciamento escolar disciplinador inviabiliza o desenvol-
vimento holístico do indivíduo. Nas salas de aulas, observam-se as
carteiras ordenadas em fileiras, semelhante à formação militar, um
olhando para a nuca do outro, o que dificulta o contato entre as pes-
soas (CAPECCHI; GOMES; MARQUES, 2017). Esse mecanis-
mo funciona como disciplinarização dos corpos, consequentemente
do comportamento.
Na licenciatura, com as estudantes da componente curricular,
dialogamos sobre o tema através do artigo A educação e a fábrica de
corpos: a dança na escola, da docente da Faculdade de Educação (Uni-
camp), Márcia Strazzacappa. Nesse artigo, a autora compartilha a

6 Ver o filme “Raimunda quebradeira de coco”. Direção: Marcelo Silva. Duração: 52 min.
2007. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=m26P_NZx1C4>. Acesso
em: 28 nov. 2017.
7 Foucault discute sobre as relações de poder no livro Microfísica do poder, de 1979.

292
experiência dela com a dança no espaço escolar. Ela defende que o
movimento do corpo, na escola, é uma moeda de troca à imobilidade
imposta, que funciona como punição.
Entre nós, os relatos apresentaram as dificuldades de se expres-
sar corporalmente, relacionadas à timidez para algumas, para outras,
a um tipo de bloqueio, que foram revelados em conversas. Mas tam-
bém eram evidenciados na resistência para participar das dinâmicas
e dos jogos propostos. No aborrecimento, quando solicitado a sentar
no chão para alongamentos. Na falta de vontade e de energia para
criar, brincar, relacionar-se e se envolver nas atividades. Para algumas,
era coisa chata.
Romper com esses condicionamentos, mover aqueles corpos
anestesiados e passivos, não foi tarefa fácil. Foi necessário insistir para
que saíssem de trás da carteira, assim como fazê-las refletir coleti-
vamente sobre os temas. Um dia, uma estudante disse, impetuosa-
mente, que eu fazia muitas perguntas. Questionei sobre isso: como
deveria fazer? A resposta foi: “Dar aula.”
Subentende-se dessa resposta que a didática que recorri, basea-
da na pedagogia da educação nova, a qual incentiva o desenvolvimen-
to das aptidões à invenção e à iniciativa e substitui o conceito estático
de ensino por um dinâmico (COLEÇÃO EDUCADORES, 2010).
Também, na relação dialógica de Freire (1996). Ambas as perspecti-
vas não são sinônimo de ‘dar aula’. E que existe uma forma padrão de
‘dar aula’, que, sem dúvida, segue a pedagogia tradicional.
Na pedagogia tradicional, o professor ocupa o centro da relação
pedagógica (VEIGA, 2005). Ele é mais importante que o aluno, já que
detém o conhecimento e o transmite a eles. Recorre à disciplinariza-
ção como método de controle da sala, que garante a atenção, o silêncio
e a ordem. Assim, os alunos devem seguir atentamente a explicação do
professor. Nesse sistema de ensino não se forma nem para a reflexão,
nem para a crítica da sociedade. Tampouco para que o aluno alcance à
autonomia, pois ele é visto como um ser receptivo e passivo.

293
Freire (1996) chama esse modelo de ensino tradicional de ‘edu-
cação bancária’, que concebe relação pedagógica hierarquizada, re-
produtiva, autoritária, portanto, impositiva e repressiva.
Na perspectiva filosófica de Foucault (2014), a disciplinariza-
ção é uma tática astuta da política que não só atravessa a pedagogia,
a medicina, o militarismo e a economia como também abrange todo
o corpo social. A tática se caracteriza como técnicas que podem ser
consideradas minuciosas e, muitas vezes, íntimas, pois atuam sobre o
corpo do indivíduo. O corpo é considerado um objeto e alvo de poder.
Segundo Foucault (2014), a disciplinarização é um adestra-
mento sobre um corpo analisável e manipulável, o qual é submetido
às transformações e aperfeiçoamentos, assim como a ideia da “natu-
reza-máquina”, que consiste na dominação da natureza através da
metodologia científica, na qual o homem se vê separado da natureza
e esta é decomposta em peças.
Diante disso, há uma transposição dessa ideia para o corpo, um
‘corpo-máquina’, chamado por Foucault (2014) de ‘corpo dócil’. A
relação feita pelo autor está entre a docilidade e a utilidade do corpo
para o sistema de produção econômica. Neste esquema, o homem
passou a ser instrumento ou ‘homem objeto’, por isso pode ser con-
trolado e aprimorado com vista a ser mais produtivo.
O mecanismo de coerção sobre o corpo é ininterrupto. Tem a
finalidade de domesticá-lo. Está implantado nos processos das ativi-
dades sociais e físicas, que determina ao máximo o espaço, o tempo
e o movimento de cada corpo. Esses processos de disciplinarização,
normatização e punição são aspectos interligados e interdependentes
no campo social, com repercussões nas grandes instituições do Esta-
do, que desenvolveu um complexo campo de saber-poder (BRAN-
CO, 2015).
Deleuze observando Foucault em sua atividade de leitor, frente
a esse tema, posiciona-se da seguinte forma:

294
Foucault situou as sociedades disciplinares nos sécu-
los XVIII e XIX; atingem seu apogeu no início do
século XX. Elas procedem à organização dos gran-
des meios de confinamento. O indivíduo não cessa de
passar de um espaço fechado a outro, cada um com
suas leis: primeiro a família, depois a escola (“você
não está mais na sua família”), depois a caserna (“você
não está mais na escola”), depois a fábrica, de vez em
quando o hospital, eventualmente a prisão, que é o
meio de confinamento por excelência (DELEUZE,
1992, p. 219).

As questões disciplinares são inseridas nos discursos escolares


com a perspectiva de aumentar as habilidades dos estudantes. No en-
tanto, esses mecanismos atuam sobre o indivíduo tanto para torná-lo
mais obediente quanto mais útil para a sociedade. A educação, nessa
perspectiva, contribui para manter a ordem vigente.
A dança, por outro lado, é um campo de aprendizado que privile-
gia o corpo, ou melhor, o ponto de partida é o corpo, pois se desenvolve
através de movimentos e expressões corporais. Tem potencial para es-
timular e tornar consciente a criatividade, a sensibilidade, a imaginação
e a espontaneidade, desse modo integra o ser humano. O processo de
investigação se torna tão importante quanto o resultado alcançado.
No quarto encontro, da componente curricular, a partir de
trechos previamente selecionados de Maturana (2002), pedi que fi-
zessem fotografias corporais ou teatro imagem, como Boal (2008)
chama a técnica, para representar a ideia de Maturana. A técnica é
muito simples, consiste em fazer uma ação que represente a ideia,
similar aos símbolos. Por exemplo, o positivo, indicado pelo polegar
levantado enquanto os outros dedos da mão ficam fechados. Nesta
altura, elas se soltaram um pouco mais. Teve até alguns grupos que
fizeram uma pequena encenação.
No encontro seguinte, mostrei alguns roteiros de teatro com da-
tashow. Pedi que voluntárias fizessem uma leitura dramática. Também

295
já tivemos mais envolvimento. Elas interpretaram os personagens.
Para se realizar um trabalho pedagógico com a dança é ne-
cessário o consentimento da estudante. Contudo, nem todo estilo
da dança segue esse princípio. Pois, algumas se utilizam do mesmo
princípio supracitado, ou seja, são processos de domesticação e do-
minação do corpo, que priorizam a execução de movimentos corretos
e perfeitos dentro de um padrão técnico imposto, que gera a com-
petitividade entre praticantes e a valorização de um corpo ideal em
detrimento dos outros.
Tomemos por exemplo à dança clássica – o balé –, que tornou
a técnica um fim em si mesma, até se consolidar em uma linguagem.
Bailarinos são diferenciados pela padronização dos movimentos e
habilidades, a Ópera de Paris difere-se do Balé Imperial Russo, am-
bas são notórias instituições de balé.
Segundo Cavrell (2015), a produção de corpos homogêneos
resulta de treinamento e estética de escolas e instituições, que funcio-
na como um chancela de qualidade. A autora relaciona essa padroni-
zação de corpos à teoria foucaultiana:

O papel da disciplina é relevante na dança e, baseado


nas ideias de Foucault, estrutura o corpo, tanto nos
gestos e postura quanto na construção da relação com
tempo, espaço e fluência do movimento. Quando usa-
mos o corpo corretamente nada é excessivo ou sem uti-
lidade [...] A produção de corpos homogêneos se torna
não apenas representativa de um processo de dissemi-
nação de um corpo ideal, mas dá caráter de entidade
confiável à escola ou à instituição do Estado que supre
um produto vendável (CRAVELL, 2015, p. 27).

Nos bailes da corte, do século XV, todos dançavam. É neste


período que se tem registro dos primeiros traços de estilo do balé
(CRAVELL, 2015). No Balé de Corte, denominação da dança da
aristocracia, que vigorou entre os séculos XV ao XVII, passou-se a

296
marcar as posições de cada um que dançava. No centro, estava o Rei
e os lugares eram definidos pela posição social.
O Balé de Corte, subsequente o Balé Clássico8 eram compre-
endidos com dança erudita. Ambas desejavam se afastar de tudo que
caracterizava o popular, haja vista que as manifestações culturais co-
existiam marginalmente.
Sucessivamente ao desenvolvimento da técnica, o proscênio
possibilitou de maneira mais evidente essa divisão. Os espetáculos
sacralizaram a dança, tornando ainda mais evidente o lugar de cada
um. Todavia, gradativamente, o aperfeiçoamento da técnica passou
a separar os amadores dos profissionais, não mais a posição social
(CRAVELL, 2015). No palco, os que tinham permissão para dançar,
o corpo de baile – bailarinos profissionais – e na plateia, os demais,
que contemplavam, os que não dançam.
De forma esquemática, poderia dividir o campo de estudo da
dança entre o erudito e o popular. Sendo que durante os séculos XIX
e XX, a dança erudita seguia a arte europeia, que oscilava entre dois
conceitos em tensão: clássico e romântico. O primeiro refere-se ao
Renascimento, que se fundamenta em princípios ligado à arte gre-
go-romana. O segundo, sobretudo, relacionado ao modelo de arte
cristã da Idade Média, que revela o sagrado. Refere-se ao Barroco
(ARGAN, 1992).
Na dança erudita europeia, desse período, por sua vez, trazia
cruzamento desses dois conceitos nos balés de repertório. Os valores
clássicos se exprimiam nos exímios bailarinos, visto que já havia se
consolidado a técnica, ou linguagem do Balé Clássico, que tem como
características movimentos harmoniosos, simetria, linhas, equilíbrio,
dentre outras.
Por outro lado, no enredo, ainda que tratasse de mitologia, visa-
va mostrar elevação espiritual através dos movimentos leves, ou sem

8 Para saber sobre a história da dança ver Garaudy (1980) e Cravell (2015).

297
esforço aparente, tendo como consequência, além do domínio corpo-
ral, o uso da sapatilha de ponta e a indumentária, principalmente a
saia feita com tule, chamada de tutu (CRAVELL, 2015).
Em decorrência disso, na atualidade, no Brasil, em escolas e
grupos de dança, trazem como sinônimo de dança a técnica do balé,
que por sua vez é sinônimo de treinamento de passos fixos e imutá-
veis (MARQUES, 1980).
Partindo do exposto, só é possível pensar em uma educação
corporal propedêutica e prospectiva, que significam, respectivamente,
conhecimento básico e ver o futuro.
No componente curricular, com intuito de percorrer outros ca-
minhos, pelos quais se pudesse refletir e combater a disciplinarização
dos corpos e o modelo academicista da dança, e ainda visualizar ou-
tros modos de conceber a educação formal, partimos das referências
básicas de Maturana (2002), que apresento algumas ideias a seguir
e Nicolescu (2001), que esteve intrinsecamente permeando todo o
processo através do conceito transdisciplinar.
O título do livro de Humberto Maturana (2002) ilustra as
ideias que ele defende: “Emoções e linguagens na educação e na po-
lítica”. O autor defende que a emoção e a linguagem estão estrita-
mente relacionadas à educação e à política. O que contrapõe os ideais
iluministas forjados nas relações sociais, pelas quais se fundamenta
na razão. Portanto, a razão é a liga de todo o mecanismo que justifica
a estrutura social até hoje, tanto para a exploração do ser humano
quanto da natureza.
Maturana parte da premissa: o ‘humano’ se constitui entre o
racional e o emocional através da linguagem, “[...] todo sistema ra-
cional tem um fundamento emocional [...]” (MATURANA, 2002,
p. 15). Ele defende que sem esse entendimento não é possível criar
outras formas de convívio na sociedade.
O autor propõe que as emoções são disposições corporais, que
interferem no domínio das ações. Esse fenômeno é próprio do rei-

298
no animal, no qual nos encontramos, no entanto, nós as justificamos
através da linguagem. Em outras palavras, toda ação está carregada
de emoção, ainda que seja defendida como racional. Ou ainda, toda
ação surge de uma motivação emocional, sendo assim, instintiva. A
violência, por exemplo, surge de um sentimento de raiva; a disputa,
da ameaça. Já, o carinho e a delicadeza são frutos do respeito, do afeto
entre as envolvidas.
A filosofia de Maturana sugere que só é possível outra socie-
dade, mais harmoniosa, se baseada no amor. Para ele, essa palavra se
afasta da carga emotiva, romantizada e teológica. O amor é sinônimo
de respeito na convivência, “[...] a coexistência na aceitação do outro
como legítimo outro na convivência” (2002, p. 34). Pois, interações
baseadas na obediência, na exclusão, na negação, no preconceito não
são sociais, mas sim, antissociais. Nas palavras do autor:

Por isso mesmo, sustento que não há ação humana


sem uma emoção que estabeleça como tal e a torne
possível como ato. Por isso penso também que, para
que se desse um modo de vida baseado no estar juntos
em interações recorrentes no plano da sensualidade
em que surge a linguagem, seria necessária uma emo-
ção fundadora particular, sem a qual esse modo de
vida na convivência não seria possível. Esta emoção é
o amor. O amor é a emoção que constitui o domínio
de ações em que nossas interações recorrentes com o
outro fazem do outro um legítimo outro na convi-
vência. As interações recorrentes no amor ampliam e
estabilizam a convivência; as interações recorrentes na
agressão interferem e rompem a convivência. Por isso
a linguagem, como domínio de coordenações consen-
suais de conduta, não pode ter surgido na agressão,
pois esta restringe a convivência, ainda que, uma vez
na linguagem, ela possa ser usada na agressão (MA-
TURANA, 2002, p. 23).

299
Desse modo, entende-se que todo processo educacional é pros-
pectivo – relativo ao futuro. Pois, está subentendido que, nas relações
pedagógicas, há uma determinada formação de um indivíduo em
uma determinada sociedade. Assim, há, na educação, um projeto de
nação (LUCKESI, 2013). Segundo Campos e Reis (2006, p.8) “O
processo educativo é um ato político, uma ação que resulta em rela-
ção de domínio ou liberdade entre as pessoas.” Compreendido que a
escola, é uma “[...] instituição/produto histórico e social que só pode
ser considerada dentro da totalidade em transformação da qual faz
parte (ESCOBAR, 1995, p. 92).”
Nessa perspectiva, se a educação está baseada na competitivi-
dade, atual modelo social, no que tange a meritocracia, a educação se
constitui na exclusão. Pois, na competição, há sempre um derrotado,
portanto, só existe na negação do outro.
Se a educação for baseada na obediência, tem como pressupos-
to uma relação hierarquizada, em que um é superior ao outro. Sendo
assim, o aluno é dominado pelo professor, que usa sua autoridade
para subjugá-los, similar a relação de patrão / empregados, marido /
esposa.
Ambas as perspectivas, competição e obediência, formam es-
cravos, pois se apropriam e reproduzem a cultura do patriarcado, na
qual a forma normal de viver tem como base os verbos de ação: dis-
putar e dominar – o tempo todo – entre todos. Também em relação
à natureza.
Todavia, refletir sobre essas conjecturas apresentadas, nas práti-
cas pedagógicas, com o intuito de transformá-las, requer relações ho-
rizontalizadas, baseadas nos verbos: respeitar, aceitar, criar, cooperar,
dialogar. As práticas pedagógicas são propícias para se experimentar
novas formas estéticas sociais, pautadas no respeito ao outro na con-
vivência, ou seja, num exercício contínuo para se alcançar o amor,
conforme sugere Maturana (2002).

300
4.2 Construção de um roteiro dramático

Entendido a dificuldade das discentes, da componente curricu-


lar, com a linguagem corporal, foi proposto um estudo sobre roteiro
teatral como recurso para aproximá-las das linguagens cênicas, que
também era desconhecido. No entanto, como o teatro tradicional traz
a palavra como elemento fundante da ação, a palavra às aproximou
dessas expressões artísticas.
Primeiramente, solicitei, de maneira despretensiosa, um roteiro
que tratasse sobre o amor na sociedade atual, como forma de fazer
um levantamento prévio do conhecimento sobre tal gênero textual e
sobre o conceito do amor. Inicialmente, alguns roteiros foram recria-
ções das vidas delas e das crenças religiosas.
Contudo, quando receberam o desafio de construir outra socie-
dade pautada no amor, segundo Maturana (2002), que defende o amor
como respeito a outra pessoa nas relações, alguns roteiros avançaram na
discussão. Por exemplo, o roteiro intitulado ‘Romeu e Juliano’ de uma
discente que faz uma paródia da obra dramatúrgica de ‘Romeu e Julie-
ta’ de Shakespeare. Ela se preocupou em criar personagens engajados
na construção de uma sociedade mais próxima de um convívio pautado
no respeito mútuo. Na recriação da discente, os personagens principais
eram homossexuais e o conflito entre às famílias foram atualizados,
tratavam de empresas, que negociavam ações na Bolsa de Valores.
Para fazer associação entre as linguagens cênicas, apresentei o
clipe “Chandelier” 9 da artista Sia (2014), coreografado pelo america-
no Ryan Heffington, que em outro vídeo10 faz tradução do monólogo
interno da bailarina Maddie Ziegler para pensamentos/conceitos.

9 Sia - Chandelier (Official Video). Disponível em <https://www.youtube.com/


watch?v=2vjPBrBU-TM>. Acesso em: 06 nov. 17
10 Learn Sia’s Chandelier Dance with Ryan Heffington. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch? v=AUjHYpJNCzw>. Acesso em: 06 nov. 17.

301
5 Pesquisa de campo

Algumas danças ligadas às tradições, que simbolizam rituais


populares e festejos religiosos dos povos brasileiros, persistem até os
dias de hoje. Segundo o Dicionário Houaiss, a etimologia da pala-
vra ‘tradição’ vem do “latim traditĭo,ōnis no sentido de “ação de dar;
entrega, traição; fig. transmissão, tradição; ensino; ver trad-”. Traz as
seguintes designações:

1 herança cultural, legado de crenças, técnicas etc. de


uma geração para outra
2 comunicação oral de fatos, lendas, ritos, usos, costu-
mes etc. de geração para geração ‹t. esquimós›
2.1 conjunto dos valores morais, espirituais etc., trans-
mitidos de geração em geração ‹a geração hippie rom-
peu com a t.›
3 transmissão de uma notícia ou de um fato ‹t. oral›
4 em certas religiões, conjunto de doutrinas essenciais
ou dogmas não explicitamente consignados nos escri-
tos sagrados, mas que, reconhecidos e aceitos por sua
ortodoxia e autoridade, são, por vezes, us. na interpre-
tação dos mesmos
5 aquilo que ocorre ao espírito como resultado de ex-
periências já vividas; recordação, memória, eco
6 tudo o que se pratica por hábito ou costume adquirido
6.1 uso, costume ‹a t. do feijão com arroz›
7 ato ou efeito de transmitir ou entregar; transferên-
cia, ato de conferir
7.1 jur entrega, transmissão ou transferência de um
bem ou direito a uma pessoa ou instituição ‹venda em
que se dá a t. da coisa no ato da contraprestação› (DI-
CIONÁRIO HOUAISS, online, n.p).

302
Via de regra, a herança cultural é transmitida de maneira oral.
Portanto, trata-se de um ensino informal. Está no alcance do espectro
da cultura, que é conjunto das atividades humanas que possuem signi-
ficados e valores para “um grupo ou comunidade”. Ela não é estática,
aliás, está em processos sociais contínuos. É resguardada pela Consti-
tuição Federal Brasileira de 1988, no Art. 215, § 1.º e § 2.º que seguem:

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício


dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura na-
cional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão
das manifestações culturais.
§ 1.º O Estado protegerá as manifestações das culturas
populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de
outros grupos participantes do processo civilizatório
nacional.
§ 2.º A lei disporá sobre a fixação de datas
comemorativas de alta significação para os diferentes
segmentos étnicos nacionais (BRASIL, 1988).

O desafio, atualmente, é tornar esse direito possível, pois foi


mostrado em alguns inventários que nem toda dança lembrada pelos
idosos são dançadas hoje. Por exemplo, no povoado Folha Grossa, lo-
calizado na cidade de Tocantinópolis (TO), a Roda de São Gonçalo,
que tem origem na cultura afro-brasileira, não se dança mais.
As demais danças pesquisadas foram o Reisado, Lindô, Canti-
ga de Roda, Roda Chata, Quadrilhas Juninas, Sússia, Capoeira, Festa
do corte de cabelo, Salambisco e Festa do Divino.
As danças tradicionais brasileiras, hoje, são recriações históri-
cas, fenômenos ligados a eventos históricos de identidade nacional
ou regional. A recriação dessas danças articula-se em uma pertença
coletiva, mas, sobretudo, alcançam a dimensão política dessas me-
mórias. Entende-se recriação histórica como eventos performativos

303
culturais que são interconectados entre processos históricos situados
e evento efêmero, mas que não se esgotam neles mesmos (RAPOSO,
2010). Pois, resguardam laços e traços da sua origem.
Embora, nem todo evento atrelado às antigas manifestações
representem resistência social que integram a comunidade, dado que
a cultura também faz circular capital, na esfera da produção de even-
to, mais próximo da ideia da sociedade do espetáculo (DEBORD,
1997; MASCARENHA, 2003).
O escopo do projeto foi conhecer os aspectos históricos e es-
téticos das danças tradicionais. O instrumento de pesquisa utilizado
pelas estudantes foi o inventário participativo do Iphan (2016). Essa
ferramenta fomenta o protagonismo do integrante da comunidade
para inventariar, descrever, classificar e definir o que lhe afeta na re-
alidade que o cerca.
O inventário foi uma ferramenta adequada para se promover
à educação patrimonial associada à cidadania e à participação social
das estudantes em suas comunidades. Esse estudo possibilitou a elas
classificar essas manifestações como patrimônio cultural ou não.
O patrimônio cultural se constitui por elementos da cultura
que se transmite às próximas gerações, pois interliga as pessoas. É
algo coletivo, considerado pelos membros da comunidade como “tão
importantes para o grupo que adquirem o valor de um bem – um
bem cultural – e é por meio deles que o grupo se vê e quer ser reco-
nhecido pelos outros” (IPHAN, 2016, p. 7).
Através desse inventário, a estudante pode descobrir, docu-
mentar o repertório de referências culturais da comunidade dela.

Referências culturais são edificações e são paisagens


naturais. São também as artes, os ofícios, as formas
de expressão e os modos de fazer. São as festas e os
lugares a que a memória e a vida social atribuem sen-
tido diferenciado: são as consideradas mais belas, são
as mais lembradas, as mais queridas. São fatos, ativi-
dades e objetos que mobilizam a gente mais próxi-

304
ma e que reaproximam os que estão longe, para que
se reviva o sentimento de participar e de pertencer a
um grupo, de possuir um lugar. Em suma, referências
são objetos, práticas e lugares apropriados pela cul-
tura na construção de sentidos de identidades, são o
que popularmente se chama de raiz de uma cultura
(IPHAN, 2016, p. 8).

São diversos os motivos de uma celebração. O importante para


o inventário, segundo o IPHAN (2016), é descobrir as características
particulares de cada uma. Cada etapa da preparação, quem são os
agentes envolvidos e suas posições dentro da sociedade. Onde acon-
tece o evento, se tem data fixa, ou varia a cada ano. Quais são as comi-
das, as roupas e acessórios significativos, como instrumentos, objetos
rituais, decoração do espaço etc. É importante verificar as produções
musicais e as expressões corporais (dança e encenação) e como essas
integram a celebração. Também se algum elemento foi retirado ou
modificado no decorrer do tempo e como aconteceram essas trans-
formações.
O conhecimento sobre o valor imaterial das danças propiciou,
a meu ver, uma afirmação das identidades. Já, no âmbito material,
reflexão sobre as possibilidades de melhorias de qualidade de vida da
comunidade.

6 Segundo momento – Dança contemporânea

Na outra frente, o objetivo foi introduzir estudos sobre movi-


mentos com base em princípios presentes na proposição de uma dan-
ça autoral (intérprete-criador) a serem pesquisados em laboratórios
de improvisação. Nesses laboratórios foram explorados as qualidades
dos movimentos em relação ao espaço, tempo, peso, fluência, espaços
articulares, apoios, resistência, oposições, eixo global, direções ósseas,
baseados nos teóricos Laban (1978) e Viana (2005). Além do estudo

305
das sensações, imagens, resgate de lembranças, com foco nos proces-
sos de conscientização, sensibilização, percepção e expressão.
Para tanto, os encontros visavam desenvolver um processo cria-
tivo pautados no convívio da pluralidade, no campo do sensível, do
imaginário e do criativo, enquanto se promovia a partilha e a vivência
de saberes oriundos da nossa corporeidade.
Visava a uma educação integral, pois valorizava a experiência
autêntica da corporeidade através do reconhecimento de si nas ações.
Destarte, as vivências dos laboratórios se mesclavam às histórias pes-
soais, memórias, imagens, num mover-se para ressignificá-las, ou
seja, em processos de recriar, ao ponto de aproximá-las de uma pro-
dução artística em dança.
Também foi introduzido no processo aspectos coreográficos e
fatores de composição, com a finalidade de convergir entre a dança
contemporânea e as danças tradicionais.

6.1 Ancestralidade e a dança sagrada

Tendo em vista que nos laboratórios do projeto de extensão fo-


ram permeados da concepção da dança sagrada, contextualizo alguns
aspectos a partir de Garaudy (1980). O autor defende que a dança
traz em si potencial de um religar, primeiramente, social, caracteri-
zado pelas danças coletivas, de religar quem dança consigo mesmo
nas dimensões de percepção física e de religar todas que dançam à
espiritualidade.
Maurice Béjart, no prefácio desse livro, afirma que a dança é
união e meditação. Ele explica que é união a partir da experiência
imediata da totalidade do ser humano, ou seja, quando se está inteira-
mente presente no que faz – é uma experiência consciente, portanto
meditativa.
A experiência acontece quando se age e a partir desse agir se
verifica o que se deriva da ação, a ponto de criar reflexões. Torna-se,

306
desse modo, meio para conhecimento de si através da observação e da
consciência dessa totalidade. Esse processo é um movimento de in-
trospecção, a qual é instrumento de meditação, sendo assim, possibi-
lita um entendimento mais profundo de si e visão interior enquanto
une o indivíduo com a espiritualidade.
Para Boal (1996, p. 26) “o teatro nasce quando o ser humano
descobre que pode observar-se a si mesmo: ver-se em ação”. Afirma
que o ser humano é o único animal que consegue ver-se numa simu-
lação. Ele cria uma tríade para traduzir essa ocorrência o “EU obser-
vador, EU em situação, e o NÃO-EU, isto é, o OUTRO.”
O dançar com a potência de estar consciência de si, recebe
o adjetivo de ‘sagrada’, pois é um rito que penetra nos fenômenos
psíquicos e processos mentais, sendo esses: percepção, imaginação,
memória, emoções, desejos, intuição, sentimentos, espiritualidade,
crenças, dentre outros. Ao passo que torna o incompreensível, aquilo
que foge a razão e o indizível, o que não se explica através da lingua-
gem - gesto, expressão corporal.
É necessário se estender ao sistema de interioridades para
acessar uma ação carregada de intencionalidade, em que há relações
das partes entre si e de cada parte com o todo. Contudo, não é
necessária sistematização desse conhecimento do corpo para fazer um
movimento simples. Tanto menos, entendimento racional do processo
que integra esse sujeito complexo, em que uma ação gera suas próprias
interpretações a partir da subjetividade. Pois, é um processo que surge
intuitivamente, mas próximo da sabedoria dos antigos.
Para Deleuze (2012), tais interpretações são criadas ao acaso,
por meio da criatividade, que faz associações entre o conjunto das
potencialidades do humano.
O conhecimento do corpo, nesse caso, é entendido como pro-
cessualidade para se adquirir algo que enriquece o indivíduo em sua
complexidade. O conhecimento com o fim de contribuir para a sig-
nificação mais aprofundada da vida.

307
Para Teixeira (2010, p. 37) o conhecimento é visto “[...] no sen-
tido espiritual, no sentido humano, no sentido de uma vida cada vez
mais larga, mais rica e mais bela, em um mundo cada vez mais adap-
tado, mais propício, mais benfazejo para o homem”.
Nas civilizações antigas, a dança era expressão de vida, estava
ligada às experiências vitais da sociedade e do indivíduo como: amor,
guerra, colheita, religião. Para Garaudy (1980), a dança era expressão
corporal, na qual organizava os movimentos do corpo em sequên-
cia significativas. Também organizava a vida em comum, quando era
união com o outro, tornava-se um rito social.
Nas danças sociais, os grupos compartilham os costumes, as
leis, os trajes e a linguagem. Bejárd (GARAUDY, 1980) as chama
de profanas. Essas danças possuem não só o elemento sagrado, mas
também a magia, que emerge da energia do fazer coletivo e carrega
um potencial de transformação da matéria.
É possível relacionar os movimentos sincronizados, que criam
partituras ritmadas, tão somente à necessidade de expressão cultural
e identitária de um grupo, mas também ao esforço das ações coletivas
de trabalho, quando se quer alcançar um objetivo em comum.
O segundo caso é exemplificado por Garaudy (1980) com o
trabalho dos marinheiros, quando içavam velas e davam voltas nos
cabrestos do barco. Da mesma forma os ferreiros, quando malhavam
juntos um mesmo ferro. O autor também relaciona a dança social
ao trabalho na agricultura, em que, para torná-lo mais eficiente, os
trabalhadores coordenavam os movimentos manuais para debulhar o
trigo e para fazer o vinho, os pisadores, os pés:

[...] os pisadores deslocavam-se em ritmo, formando


uma ronda escandida por seus próprios cantos. O mo-
vimento cadenciado e demoradamente sustentado, até
à ofuscação dos sentidos pela fadiga, provocava um
transe que se apossava dos trabalhadores, contagian-
do-os a todos, como acontece com os dervixes que
rodopiam até à vertigem (GARAUDY, 1980, p. 17).

308
O autor descreve essa gênese mítica da dança social a partir das
ideias do artista Ted Shawn (1891-1972), que defendia que o teatro
nasceu daquela. A defesa se embasa em aspectos geométricos da ar-
quitetura do local em que se realizava o trabalho e nos lugares ocu-
pados. Ao centro, aquele que realiza a ação. Os substitutos ficavam
sentados em bancos de pedras à volta dos lagares. Outros, na segunda
fileira acima. E, mais outros acima. Todos participavam do rito, dos
cantos, da possessão divina.

E assim se foi esboçando a arquitetura do teatro gre-


go, como a concha de certos animais se molda acom-
panhando os movimentos de sua vida. Ao centro, na-
quilo que se tornará a orchestra, estão os que vivem
como atores a criação do vinho e invocam, com seus
gestos e seu canto, o deus que vela pelas messes e pelas
vindimas, e, em ondas concêntricas sobre os degraus,
os que participam do drama divino do trabalho, da
criação e da possessão, pelo qual se celebra a descida
do deus e sua presença na carne dos homens (GA-
RAUDY, 1980, p. 17).

O rito social, em que a comunidade canta e dança sua própria


unidade, é um modo de “dizer fazendo”. Rancière (2009) chama de
‘partilha do sensível’ esses espaços em que tais atividades são com-
partilhadas. Sendo que, o observador / fruidor se mobiliza, ou seja, é
tocado por efeitos sinestésicos. Pois, há um contato imediato através
de ressonância ou simpatia entre os corpos. Desse modo, há uma
partilha das posições dos corpos.
Essa partilha também acontece através da palavra, tanto no te-
atro quanto nos livros há essa troca de lugares. Segundo Saccomani
(2016), esse processo é chamado de catarse e consiste numa reelabo-
ração dos sentimentos cotidianos, os quais foram reprimidos, que são
superados, ou transformados para encontrar vazão.
Todavia, no processo histórico da dança, a palavra se sobrepôs
a ela. Na Idade Média, ela foi banida da liturgia do cristianismo, con-

309
sequentemente, o protestantismo também a rejeitou. Sendo banida
da espiritualidade cristã ocidental, desde o século XII, sobreviveram
apenas as ‘danças macabras’, em uma época de fome e peste. Voltou
a florescer no Renascimento, quando o dualismo cristão e os valores
mundanos foram ressignificados (GARAUDY, 1980).
Tal dualismo – corpo x alma – até os dias de hoje, fundamenta a
perseguição e o preconceito às práticas de religiões oriundas de outros
princípios, como o candomblé e a umbanda. Ambas de matrizes afri-
canas, as quais ainda se apoiam na dança como forma de religar-se aos
deuses, não apenas essa manifestação, mas todas as expressões artísticas
desse povo, de acordo com o pensamento de Garaudy (1980, p. 20):

A arte africana, e particularmente suas danças, suas


músicas, suas máscaras e cimeiras de máscaras criadas
para a dança, encerra esta grande lição: a dança - e
todas as artes que dela se originam ou a acompanham,
do canto à escultura e à poesia - tem por objeto captar
aquela força viva sobrenatural que nasce dos esforços
ritmados do grupo. Como a máscara, a dança é um
condensador de energia: ambas reúnem as forças es-
parsas da natureza e da comunidade, de seus vivos e de
seus mortos, e criam núcleos mais densos de realidade
e de energia. Um tal desígnio impõe ao dançarino ou
ao escultor da máscara uma estilização do corpo, ou da
madeira, uma extrema tensão das formas, que elimina
a particularidade individual, anedótica, para não con-
servar senão o essencial e expressar, em movimentos
mais poderosos e mais rítmicos que os do cotidiano, a
participação na natureza sobrenatural.

A pesquisadora e artista Inaicyra Falcão dos Santos, nascida


na Bahia, professora emérita do curso de Dança da Unicamp, pesqui-
sa o corpo e a ancestralidade, a partir do universo mítico de tambor
Batá, dos Yorubá da Nigéria. Através desse conhecimento, ela faz
algumas conjecturas sobre a cultura afro-brasileira, relacionando-a ao
mítico e ao corpo na contemporaneidade, nas palavras dela:

310
Quando se aborda conteúdos míticos, pode-se re-
afirmar e respeitar universos plurais significativos e
retomar experiências individuais. Informações como
cantos, danças e matrizes da tradição de uma cultura
possibilitam comunicação e compreensão da estrutura
de vida dos seus povos, bem como constituem uma
arte arraigada e que, ao mesmo tempo, pode levar à
transcendência em nossa sociedade contemporânea,
tão carente de mecanismos que propiciem esse “trans-
cender” (SANTOS, 2008, p. 3).

Ela afirma que o respeito à memória das comunidades / terrei-


ro e o diálogo com suas matrizes míticas, fortalece a nação brasileira,
porque nos ajuda compreender melhor a nossa cultura, valorizando
as nossas diversidades.
Na investigação das estudantes, sobre as danças tradicionais, foram
poucas as informações recebidas das pessoas entrevistadas que mostra-
vam a origem daquelas danças. Há um apagamento relativo às memórias
dessas danças, quando não há uma negação dos traços africanos.

6.2 Metodologia do segundo momento – os encontros

O foco da minha orientação, nos encontros, foi deslocar a questão


da autoridade, centrada na professora, para um processo interativo de
autorias entre todos os participantes, de modo a valorizar as idiossincra-
sias. O convívio do grupo potencializa a dimensão criativa de cada um,
caracterizada pelo inesperado e pelo imprevisto de cada nova situação.
Sendo assim, nesse processo, todas foram autoras e pesquisado-
ras de si, concomitantemente, buscamos uma compreensão intersub-
jetiva, dialogal, com base na interpretação e ressignificação de ideias,
conceitos, valores, sentimentos e emoções trazidas por cada uma.
Essa posição está relacionada às minhas convicções e concep-
ções que visam integrar minha experiência artística aos conhecimen-
tos filosóficos, teóricos e metodológicos no campo da educação com

311
intuito de fundamentar e mediar os encontros, de modo que tam-
bém se respeite o referencial cultural das estudantes e os critérios que
as levam às escolhas pessoais. Entende-se por encontro o tempo de
convivência e espaço benfazejo para se criar, considera-se como um
espaço de experimentações. Segundo Gomes (2015, p. 5),

Esse espaço experimental de vivência e convivência


também pode ser investigativo no sentido de que as
intenções extrapolem o além do sentir e se emocio-
nar: um espaço que vá além deste tempo e procure en-
contrar similaridades e diferenças em relação a outros
espaços de forma a se estabelecer como uma prática
adequada, viável que se possa experimentar (ou não)
em outros espaços-tempos.

Visualizar as aulas como encontros, abre brechas para que se


façam outras anotações sobre a educação, seguindo para o campo
do invisível. Tendo em vista outros critérios para criar ações educa-
cionais, que defendam o tempo de conviver como modo de dividir a
existência pela experiência da amizade, conforme nos ensina Agam-
ben (2009, p. 92): “A amizade é a condivisão que precede toda divi-
são, porque aquilo que há para repartir é o próprio fato de existir, a
própria vida. E é essa partilha sem objeto, esse com-sentir originário
que constitui a política”.
O tempo de conviver tem como tema central a relação, o estar
junto, em igualdade. O tempo é um pulsar com mais força no pre-
sente. O tempo de conviver traz outra cultura de tempo. Significa
acreditar nas experiências enquanto lhes atribuir sentido.
Nesta perspectiva, pensa-se em um ensino de dança como área
do conhecimento a partir do par experiência / sentido. Conforme
entendido por Bondía (2002, p. 19) a experiência é o que nos passa, o
que nos acontece, o que nos toca, “o sujeito da experiência seria algo
como um território de passagem, algo como uma superfície sensível
que aquilo que acontece afeta de algum modo, produz alguns afetos,

312
inscreve algumas marcas, deixa alguns vestígios, alguns efeitos.”
Quando Agamben (2009) apresenta o pensamento de Aristó-
teles sobre um modo de pensar sentindo, entende-se que: o pensar
não se dissocia do existir e esse do sentir. Ele entende o viver, quando
no coletivo, como um compartilhamento da experiência da existên-
cia. Tornando-se assim uma política da amizade:

Aquele que vê sente (aisthanetai) que vê, aquele que


escuta sente que escuta, aquele que caminha sente
que caminha e assim para todas as outras atividades
há algo que sente que estamos exercitando-as (oti
energoumen), de modo que se sentimos, nos sentimos
sentir, e se pensamos, nos sentimos pensando, e isso é
a mesma coisa que sentir-se existir: existir (to einai)
significa, de fato, sentir e pensar (ARISTÓTELES,
2007, apud, AGAMBEN, 2009, p. 86-87).

A ideia desenvolvida por Aristóteles diz que há um compar-


tilhamento da vida através de laços de amizade, entre sentimentos
partilhados, no sentido de ter algo em comum.
Nesta pesquisa, o ‘algo em comum’ está para o convívio, quando
as discentes aceitaram a convivência na componente curricular e no
projeto de extensão, iniciou-se uma partilha. Para Agamben (2009)
há equivalência entre ser e viver e entre sentir-se ser (existir) e sen-
tir-se viver, como uma necessidade insistente do humano que deseja
(com-sentir) compartilhar ações, sentimentos e pensamentos.
O com-sentir significa criar laços no conviver, que comple-
mentam mutuamente as pessoas envolvidas na relação de uma co-
munidade. São aspectos da amizade: “A amizade é a instância desse
com-sentimento da existência do amigo no sentimento da existência
própria” (AGAMBEN, 2009, p. 89).
Falar sobre a amor (MATURANA, 2002) e sobre amizade
(ARISTÓTELES, 2007 apud AGAMBEN, 2009) pode soar como
descrédito por ser julgado como um pensamento idealista puro ou ser

313
julgado como ingenuidade, sob o ponto de vista de uma ideia ilhada,
que não dialoga com a contemporaneidade.
Contudo, subentende-se dessas ideais que em uma comunida-
de humana que “toma parte no mesmo” é uma partilha sem objeto:

os amigos não condividem algo (um nascimento, uma


lei, um lugar, um gosto): eles são com-divididos pela
existência da amizade. A amizade é a condivisão que
precede toda divisão, porque aquilo que há para repar-
tir é o próprio fato de existir, a própria vida (AGAM-
BEN, 2009, p. 92).

A essência dessa comunidade humana, que partilha a existência


com-sentimento, nesse lugar, a razão, o pensar racional torna-se insufi-
ciente para estabelecer relações de convívio, até mesmo para se entender
o pensar e o próprio conhecimento, como nos apresenta o canto IX de
Alberto Caieiro (Fernando Pessoa) em o Guardador de Rebanho (1914):
Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.
Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.
[...]

Estabelecer relações educacionais requer um pensar com todos


os sentidos. Requer um pensar criativo com potência para visualizar e
dar qualidades ao som, à cor, ao sabor, ao cheiro e a tudo que se perce-
be: como corpo no mundo. Essa perspectiva embasa a atuação pauta-
da na perspectiva de uma pedagogia da sensibilidade (CAPECCHI;
GOMES; MARQUES, 2017).
Nessa perspectiva, os encontros de dança contemporânea pas-

314
saram a ensinar outras lições, para além da necessidade de se enten-
der a linguagem não verbal e os conceitos de dança contemporânea,
mas algo relacionado a lição de conviver em harmonia
Na licenciatura da Educação do Campo, essas proposições
subverteram a ideia travestida de profissionalismo na educação, de
um profissional de formalidades, de postura rígida, sério, indiferen-
te, superior ou mesmo reificado para criar outra lógica, pautado na
relação educativa entre iguais. Diante disso, considero que este lugar
da prática docente sensível é uma conquista diária e para toda a vida.

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320
Informações sobre organizadores
e colaboradores da coletânea

Anderson Fabrício Andrade Brasil – Doutor em Música pela


Universidade Federal da Bahia (UFBA). Mestre e graduado
em Música pela mesma instituição. Integrou, como violonista
e saxofonista, a bicentenária Banda de Música da Polícia Mi-
litar da Bahia. É professor assistente no curso de licenciatura
em Educação do Campo com habilitação em Artes e Música
da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Foi professor de
Musicalização Infantil nas extensões da Escola de Música da
UFBA. Coordenou o projeto da Polícia Militar da Bahia: Polícia
x Música e Comunidade. Foi tutor de canto coral no Detran/
BA. Atuou como professor de música na Escola de Educação
Percussiva Integral (EEPI), ensinando técnica vocal e teoria
musical. Cantor, compositor e instrumentista, teve algumas de
suas canções gravadas em CDs de alguns dos maiores festivais
de música do Brasil. E-mail: sonsbrasil@mail.uft.edu.br

Cássia Ferreira Miranda – Professora do curso de licenciatu-


ra em Educação do Campo: Códigos e Linguagens – Artes e
Música, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), cam-
pus de Tocantinópolis. Mestra e doutoranda em Teatro pela
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) e licen-
ciada plena em História pela Universidade Federal de Pelotas
(UFPel). Integra o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educa-
ção do Campo (Gepec/UFT-Tocantinópolis). Atua nas áreas
de História e Artes, com ênfase nos seguintes temas: história
oral, história das mulheres, história do teatro, ditadura, mundos
do trabalho, anarquismo e estética camponesa.
E-mail: cassiafmiranda@outlook.com

321
Cícero da Silva – Doutor e mestre em Letras: Ensino de Lín-
gua e Literatura (Universidade Federal do Tocantins/UFT).
Licenciado em Letras - Português, Inglês e respectivas litera-
turas (Fundação Universidade do Tocantins/Unitins). Profes-
sor Adjunto da Universidade Federal do Tocantins, atuando
no curso de licenciatura em Educação do Campo: Artes e Mú-
sica, campus de Tocantinópolis. Líder do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Educação do Campo (Gepec/UFT) e editor-
-assistente da Revista Brasileira de Educação do Campo/UFT.
Tem experiência na área de Linguística e Educação do Campo
e atua, principalmente, nos seguintes temas: ensino de língua
portuguesa, gêneros do discurso, material didático, práticas de
leitura/escrita, práticas pedagógicas em Educação do Campo
e Pedagogia da Alternância. E-mail: cicolinas@yahoo.com.br

Edimila Matos da Silva – Graduanda do Curso de licenciatu-


ra em Educação do Campo: Códigos e Linguagens - Artes e
Música, da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Cam-
pus de Tocantinópolis. É integrante do Grupo de Pesquisa
em Artes Visuais e Educação (GPAVE/CNPq/UFT) e alu-
na/pesquisadora bolsista do Programa Institucional de Bolsas
de Iniciação Científica (Pibic/UFT) orientada pelo professor
Gustavo Cunha de Araújo. E-mail: edmila.uft@hotmail.com

Gustavo Cunha de Araújo – Doutorando em Educação


pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(Unesp), campus Marília/SP. Mestre em Educação pela Uni-
versidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e graduado em
Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas (Artes
Visuais) pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Arte/Educa-
ção, atuando principalmente nos seguintes temas: artes visuais,

322
ensino de arte, educação de jovens e adultos, formação de profes-
sores, história em quadrinhos e letramento estético. É professor
da Universidade Federal do Tocantins, no curso de Educação do
Campo com habilitação em Artes e Música, líder do Grupo de
Pesquisa em Artes Visuais e Educação - GPAVE/UFT/CNPq,
e editor-chefe da Revista Brasileira de Educação do Campo, da
qual é fundador. Orcid: http://orcid.org/0000-0002-1996-5959
E-mail: gustavo.araujo@mail.uft.edu.br

Gracilene dos Santos – Pós-Graduada em Metodologia do


Ensino de Filosofia e Sociologia pela Faculdade de Ciências
de Wenceslau Braz. Graduada em Ciências Sociais pela Uni-
versidade Federal do Tocantins (UFT) a qual desenvolveu a
pesquisa Barro e argila: a construção de identidade nas olarias em
Tocantinópolis-TO na década de 1990. Graduanda em Educa-
ção do Campo com habilitação em Artes e Música pela UFT,
campus Tocantinópolis. Bolsista do Programa Institucional de
Monitoria Indígena (Pimi) da UFT. Têm experiência na edu-
cação escolar indígena por meio do acompanhamento acadê-
mico dos estudantes indígenas que estudam no curso de Edu-
cação do Campo - Artes e Música da UFT-Tocantinópolis.
E-mail: nandatoc2010@hotmail.com

Grupo de Pesquisadoras da Comunidade Mumbuca – grupo


formado por acadêmicas quilombolas do povoado na região do
Jalapão no Tocantins/TO, cuja proposta de investigação é a pes-
quisa-ação participativa, envolvendo a viola de buriti. O grupo
teve início em fevereiro de 2017 e fazem parte do grupo: Ana
Cláudia Matos da Silva (UnB), Sirlene Matos da Silva (UFT),
Givoene Matos da Silva (UFT), Railane Ribeiro da Silva (UFT),
Keila Barbosa da Silva (UFT) e Núbia Matos da Silva.

323
Helena Quirino Porto Aires – Doutoranda em Educação
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestra
em Educação pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).
Licenciada em Pedagogia pela Fundação Universidade do To-
cantins (Unitins). Licenciada em Biologia e Especialista em
Gestão Pública pela (UFT). Professora do Magistério Supe-
rior no Curso de licenciatura em Educação do Campo (UFT).
Tem experiência em ensino da educação básica, educação su-
perior, educação à distância e gestão escolar. Área de interesse:
educação no campo, pedagogia da alternância, práticas pedagó-
gicas, formação de professores e políticas públicas. É integrante
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo
(Gepec/UFT). E-mail: hequirino.uft@mail.uft.edu.br

Jéssica Adriana dos Santos Silva – Acadêmica na licenciatura


em Educação do Campo – Habilitação em Artes e Música da
Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de Tocan-
tinópolis. Foi bolsista do Programa Institucional de Monitoria
Indígena (Pimi) vinculado ao curso de licenciatura em Educa-
ção do Campo – Habilitação em Artes e Música da Universi-
dade Federal do Tocantins (UFT), campus de Tocantinópolis.
Desenvolveu atividades de monitoria com os povos indígenas
Apinayé que cursam a LEDOC-Tocantinópolis. E-mail: ni-
colyprincezinha@gmail.com

José Jarbas Pinheiro Ruas Junior – Bacharel em música pela


Universidade Federal do Rio do Janeiro (UFRJ) e mestre em
Musicologia e doutorando em Musicologia pela mesma insti-
tuição. É professor assistente na Universidade Federal do Tocan-
tins (UFT). Atualmente, é coordenador de curso da LEDOC-
-Tocantinópolis. Coordena o grupo de tutores do Programa de
Apoio ao Discente Ingressante (Padi), na área de conhecimento
Música desde 2017. E-mail: jjruas@mail.uft.edu.br

324
Judite da Rocha – Mestra em Saúde Pública, pela ENSP-
-Fiocruz. Especialista em Energia e Sociedade no Capitalismo
Contemporâneo pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de
Goiás (UFG). Atualmente, é militante e articuladora do Mo-
vimento dos Atingidos por Barragens e monitora da Associa-
ção Nacional dos Atingidos por Barragens, além de professora
no curso de Educação do Campo com habilitação em Artes e
Música da UFT/Tocantinópolis. Tem experiência na área de
enfermagem, com ênfase em Enfermagem de Doenças Conta-
giosas. Professora do saberes da terra e Pronera.
E-mail: juditemab@gmail.com

Leila Miralva Martins Dias – Doutora em Educação Musical


(UFRGS). Mestra pela Universidade de Manchester. Membro
do Programa de Pós-Graduação de Música da Universidade
Federal da Bahia (UFBA). Professora Associada da Escola de
Música da UFBA. Membro do Grupo de Pesquisa em Edu-
cação Musical e Cotidiano liderado pela professora Dra Jusa-
mara Souza. É líder do grupo de estudos Educação Musical,
Interações e Cotidiano (Emic). E-mail: leidias12@gmail.com

Maciel Cover – Graduado em Pedagogia da Terra (UERGS,


2005). Mestre (UFGC, 2011) e doutor em Ciências Sociais
(UFCG). É professor assistente da Universidade Federal do
Tocantins (UFT), Campus de Tocantinópolis, no curso de
licenciatura em Educação do Campo e pós-doutorando pela
Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).
E-mail: macielcover@gmail.com

325
Mara Pereira da Silva – Mestra em Música pela Universi-
dade de Brasília (UnB). Licenciada em Música pela Univer-
sidade do Estado do Pará (Uepa). Especialista em Educação
do Campo, Agroecologia e Questões Didáticas pelo Institu-
to Federal do Pará (Ifpa). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação do Campo (Gepec-UFT). Membro
do Grupo de Pesquisa Territórios Indígenas e Etnoenvolvi-
mento (Ifpa). Membro do Grupo de Pesquisa em Educação,
Trabalho e Formação Humana (Gefor-Unifap). Membro do
Grupo de Pesquisa Educação Musical Escolar e Autobiografia
(Gemab-UNB). Membro do Grupo de Pesquisa Gabinete de
Investigação em Educação Musical (Giem-UFT). Integran-
te do Conselho Editorial da Revista Brasileira de Educação do
Campo (UFT). Atualmente, é docente do curso de licenciatura
em Educação do Campo - Artes e Música da UFT e coor-
dena o Programa Institucional de Monitoria Indígena (Pimi)
vinculado ao Curso de Educação do Campo - Artes e Música,
de Tocantinópolis. Tem experiência na área de Educação Mu-
sical, atuando nos seguintes temas: Educação Musical Escolar
Indígena (Emei), educação musical e pesquisa autobiográfica,
experiências musicais, ensino de música em escolas da educa-
ção básica, música e interculturalidade.
E-mail: maramusic.uft@mail.uft.edu.br

Marcus Facchin Bonilla – Doutorando em Artes na Uni-


versidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Música/Etno-
musicologia pela Universidade do Estado de Santa Catarina
(Udesc) e Bacharel em Música (violão) pela Universidade Fe-
deral do Rio Grande do Sul (UFRGS). Especialista em Edu-
cação Musical pela Udesc. Tem larga experiência como pro-
fessor e músico profissional, participando de vários trabalhos
artísticos premiados, assim como possui CDs solo gravados. É

326
professor assistente do curso de licenciatura em Educação do
Campo da UFT. Desenvolve pesquisas nas áreas de etnomu-
sicologia, pesquisa-ação participativa, práticas musicais, ensino
de música e educação do campo.
E-mail: marcusbonilla@mail.uft.edu.br

Marissel Marques – Mestre em Ensino, História e Filosofia


da Ciência e Matemática pela Universidade Federal do ABC
(UFABC, 2016). Licenciada (2012) e bacharel (2010) em
Dança pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Atuou como professora assistente I na licenciatura em Educa-
ção do Campo da Universidade Federal do Tocantins (UFT)
de 2017-2018. Foi orientadora de Pesquisa Transdisciplinar
em Dança Teatro do Clac - (Centro Livre de Artes Cênicas),
ligado à Secretaria da Cultura, cidade de São Bernardo do
Campo, SP. Tem experiência na área de Educação, com ênfase
em Arte, contratada pela Secretaria da Educação do Estado de
São Paulo (SEE/SP - 2012- 2014).
E-mail: marissel.marques@mail.uft.edu.br

Milena dos Santos – Graduanda no curso de licenciatura em


Educação do Campo – Habilitação em Artes e Música da
Universidade Federal do Tocantins (UFT), campus de Tocan-
tinópolis. Atualmente é bolsista do Programa Institucional de
Monitoria Indígena (Pimi) da UFT. Têm experiência na edu-
cação escolar indígena, por meio do trabalho de monitoria de-
senvolvido com os indígenas da etnia Apinayé que frequentam
o curso de Educação do Campo da UFT- Tocantinópolis. Foi
monitora no Programa Institucional de Monitoria (PIM) da
UFT na disciplina Fundamentos da Notação Musical.
E-mail: milenasantos11@hotmail.com

327
Raimundo Vagner Leite de Oliveira – Foi professor na Uni-
versidade Federal do Tocantins – UFT, campus de Tocantinó-
polis. Atualmente, é mestrando em Música pela Universidade
de Brasília (UnB). É especialista em Educação Musical pela
Ucam/Prominas, e graduado em Música pela UnB. Integra
os grupos de pesquisa em Educação do Campo (Gepec), da
UFT; e Educação Musical Escolar e Autobiografia (Gemab),
da UnB. Tem vasta experiência na área de artes, com ênfase
em educação musical, lecionando em diversos espaços como
escolas, igrejas, projetos sociais e em conservatório de música.
Participou de diversas edições do Curso Internacional de Ve-
rão da Escola de Música de Brasília (Civebra), considerado o
maior da América Latina e o quarto do mundo em ensino e
aprendizagem musical. Nesse importante evento, estudou: re-
gência orquestral com o maestro Ricardo Rocha, regência de
banda sinfônica com o maestro Roberto Farias e regência coral
com o maestro Lincon Andrade; Grande Coro (baixo); além
de estudar musicoterapia aplicada ao canto, entre vários outros
cursos. E-mail: raimundo.vagner@mail.uft.edu.br

Rejane Cleide Medeiros de Almeida – Doutora em Socio-


logia pela Universidade Federal de Goiás (UFG), Faculdade
de Ciências Sociais (2017). Mestre em Educação pela UFG
(2009). Especialista em Educação do Campo e Agroecologia.
Graduada em História pela Universidade Federal de Pernam-
buco (UFPE, 1999) e graduada em Pedagogia pela Universi-
dade Federal do Pará (UFPA, 2002). Atualmente, é docente do
curso de Educação do Campo da Universidade Federal do To-
cantins (UFT). Tem experiência na área de Sociologia e Edu-
cação, atuando principalmente nos seguintes temas: Práxis e
formação política nos movimentos sociais do campo, questões
agrárias, agroecologia e formação de educadores/as do campo,

328
educação popular, nova cartografia social, povos e comunidades
tradicionais. E-mail: rejmedeiros@mail.uft.edu.br

Saulo Eglain Sá Menezes Moraes – Licenciado em Geografia


pela Universidade Estadual do Maranhão (Uema). Professor
da Educação Básica do Estado do Tocantins. É servidor públi-
co federal na UFT campus de Tocantinópolis (Assistente em
Administração). Pós-Graduado em Docência do Ensino Su-
perior pela UFT, atuando principalmente nos seguintes temas:
educação ambiental, políticas públicas e educação. E-mail: sau-
loeglain@mail.uft.edu.br

Sidinei Esteves de Oliveira de Jesus – Graduado pleno em


Geografia pela Fundação Universidade Federal do Tocantins
(UFT). Especialista em Educação e Gestão Ambiental, pela
Faculdade do Rio Sono. Especialista em Apicultura pela Uni-
versidade de Viçosa. Especialista em Educação do Campo pela
Faculdade Eficaz e mestre em Geografia pela Universidade de
Brasília (UnB). Atualmente, é doutorando em Geografia pela
Universidade Federal do Pará (UFPA) e atua como professor
assistente no curso de licenciatura em Educação do Campo
com Habilitação em Artes e Música (Campus de Tocantinó-
polis) da Universidade Federal do Tocantins/UFT. Tem expe-
riência na área de Geografia Humana, com ênfase em Geo-
grafia Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas:
meio ambiente, cerrado, território, mata ciliar, reforma agrária,
assentamento rural, agricultura familiar, agronegócio e questão
agrária. E-mail: sidinei.jesus@mail.uft.edu.br

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Sônia Chada – Iniciou seus estudos musicais na Escola de
Música da Universidade Federal do Pará, integrando, poste-
riormente, como oboísta, a Orquestra Jovem e a Orquestra
Sinfônica, o Madrigal e o corpo docente dessa universidade.
É licenciada em Música e bacharel em oboé. Mestre e douto-
ra em Música, Etnomusicologia pela Universidade Federal da
Bahia (UFBA). Fez estágio Pós-Doutoral realizado no Pro-
grama de Pós-Graduação em História Social da Amazônia.
Atualmente, é professora Associada 4 (Cursos de Graduação
e Pós-Graduação) da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Atua principalmente nos seguintes temas: etnomusicologia,
cultura musical paraense, percepção musical e execução musi-
cal. E-mail: sonchada@gmail.com

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