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PUC – SP
Doutorado em Comunicação
São Paulo
2016
Laís Santoyo Lopes
Doutorado em Comunicação
São Paulo
2016
Banca Examinadora
Bolsa CAPES
Apoio FUNDASP
RESUMO
1. Introdução 8
2. Paradigmas fotográficos: além da dicotomia analógico – digital 10
2.1 Fotografia expandida e fotografia encenada 10
2.2 Fotografia como informação 13
2.3 Pós-produção 19
2.4 Pós-fotografia 21
2.5 Caminhos de pesquisa 28
3. Barroco 30
3.1 Histórico do conceito 30
3.2 Estilos barrocos na Europa no século XVII 33
3.3 Retornos do Barroco: entre Modernidade e Pós-modernidade 38
3.4 Barroco na América Latina 42
4. Barroco e pós-fotografia 47
4.1 Heterogeneidade barroco-mestiça e montagem 48
4.2 Paradigmas barrocos da complexidade: a imagem dialética e a dobra 50
4.2.1 A dialética da imagem de Walter Benjamin 50
4.2.2 A dobra leibniziana em Gilles Deleuze 56
4.3 A pós-fotografia de Helen Sear e A. L. Steiner 59
4.4 Montagem pós-fotográfica e tradução 75
4.4.1 Comunicação massiva e arte pública em Sanja Ivekovic e Annu Matthew 77
4.4.2 Revisão de relações históricas em Cindy Sherman e Tracey Moffatt 86
5. Montagem do feminino barroco 94
5.1 O feminino dionisíaco 94
5.1.1 Apolo e Dionísio – modelos de visão 94
5.1.2 Aspectos dionisíacos do barroco 97
5.1.3 O princípio dionisíaco na pós-fotografia 98
5.2 Figuras femininas como imagens dialéticas 104
5.2.1 As outras mulheres de Signe Pierce 107
6. Considerações finais 114
Referências bibliográficas 117
Lista de imagens 122
8
1. Introdução
1
No contexto da história da arte, o termo “fotografia moderna” diz respeito à fotografia da primeira metade do século XX,
cujas características principais eram a atenção à técnica e o consequente destaque das qualidades formais.
11
Logo, ele aponta para além da mais comum encenação do objeto, visão que considera
restritiva, pois é derivada da ideologia da objetividade fotográfica. Por outro lado, neste
último modelo de apresentação das características inventadas – ou narrativas – da prática
fotográfica, o autor vê uma tendência à redução da oposição. Müller-Pohle (1988) afirma que
há um continuum entre as estratégicas estéticas da fotografia como descoberta ou como
invenção. Baker (2005, p. 126-127) também destaca como essa dicotomia é uma “condição
estruturante de toda a fotografia modernista”. Em sua opinião, a fotografia modernista ficava
em estado de suspensão, paradoxalmente colocada entre as duas funções, negando
13
simultaneamente conotação e denotação. Por outro lado, o autor (BAKER, 2005) afirma que,
se as teorias pós-modernistas da arte se voltaram justamente a este paradoxo da fotografia
para alimentar as práticas de outras mídias, o pós-modernismo fotográfico viu um
“relaxamento” dessa condição, não mais atuando pela mútua negação dos termos, mas pelo
acréscimo e multiplicação de funções.
Trabalhar a fotografia como uma imagem que pensa a linguagem implica trabalhar a
montagem, as operações internas dos textos e entre os textos, as possibilidades interativas a
partir da reserva de materiais, eventualmente resultando em maior teor informativo. Segundo
Müller-Pohle (1985, p. 1), a invenção da fotografia no século XIX ocasionou uma mudança
de paradigma estético, o qual deixou de ser orientado pela beleza e passou a valorizar o
princípio da informação e inovação. O mérito da fotografia estava em apresentar algo novo,
inusitado ou surpreendente, ou seja, trazer informação, pois a beleza se tornou redundante.
Esse fato culminou na principal característica definidora da lógica do moderno nas artes2, “na
meta-estratégia, na arte conceitual, na informação sobre a informação” (MÜLLER-POHLE,
1985, p. 1).
Vilém Flusser (2008) também pensa a imagem técnica em termos informacionais. Para
o autor, a imagem totalmente numerizada e sintetizada representa menos uma ruptura, mas o
último grau de uma revolução cultural que ocorre desde a emergência das imagens técnicas e
gira em torno da escalada da abstração em direção à superfície nulodimensional3.
O primeiro gesto de abstração feito pelo homem é a manipulação, pelo qual se remove
o tempo e se “informa” a matéria genérica, transformando-a em cultura (FLUSSER, 2008, p.
16). Em segundo lugar, por meio das imagens tradicionais, abstraem-se duas das dimensões, o
espaço e o tempo, e obtêm-se planos representativos. Esse nível de abstração, Flusser chama
de imaginação (2011, p. 21). Ele funciona nos dois sentidos: o vetor de codificação retira a
matéria do mundo e a transforma em imagem e o vetor de decodificação permite reconstruir o
mundo a partir da imagem. Assim, as imagens se colocam de modo ambíguo entre o homem e
2
Observa-se que a linearidade desta história da arte, em especial a relação causal entre a invenção da fotografia e a arte
conceitual estabelecida por Müller-Pohle, é apenas uma das narrativas possíveis. A evolução da arte no século XX não ocorre
de forma homogênea e outros movimentos artísticos se contrapõem aos princípios da arte moderna durante toda a sua
extensão.
3
Flusser utiliza o termo “nulodimensional” para se referir a imagens sintéticas, virtuais, formadas a partir de números e
algoritmos.
14
4
Fragmentos, bits, quantas ou pontos zero-dimensionais são termos equivalentes usados por Flusser (2011).
15
Esse processo, por sua vez, necessita de aparelhos, já que se tratam de “fótons,
elétrons e bits de informação” (FLUSSER, 2008, p. 24). Os aparelhos podem ser dirigidos
pelos homens com as pontas dos dedos, procedendo então automaticamente, sem a
necessidade de imaginar ou conceber. Os aparelhos lidam com os pontos como virtualidades,
produzindo superfícies de acordo com sua programação.
Nesse cenário, a questão central de toda a atividade passa a ser o nível informativo das
imagens. A própria existência de um aparelho produtor de imagens vai contra a tendência
entrópica do universo, organizando fragmentos dispersos. Ao computarem virtualidades,
aparelhos “transformam possibilidades invisíveis em improbabilidades visíveis” (FLUSSER,
2008, p. 26). Assim, imagens técnicas são depósitos de informação, criadas e reproduzidas
por aparelhos. Ou seja, do ponto de vista do universo, a produção imagética dos aparelhos
gera uma entropia negativa. Entretanto, a criação de imagens implica que os aparelhos rodem
um programa, o que determina que todas as imagens geradas estejam, de certa forma, já pré-
escritas. Logo, do ponto de vista dos receptores, as imagens tendem à redundância enquanto o
programa for um sistema fechado (FLUSSER, 2008, p. 26-27).
Para a comunicação, isso significa a predominância de discursos cujo caráter
informacional é acumulativo, em vez de produtivo (FLUSSER, 2011, p. 72). Isso significa
que os discursos tendem à previsibilidade, sendo hierarquicamente organizados, distribuídos
de forma massiva ou linear em códigos de acesso restrito, formas estas que incentivam a
acumulação de informação repetida e desencorajam a síntese colaborativa de novas
informações. O diálogo, como definido por Flusser (2011, p. 72), é o lado produtivo da
comunicação, a síntese de novas informações a partir dos discursos disponíveis. Idealmente, a
comunicação deve ser pautada nesta relação dialógica, e não de oposição, entre natureza – a
tendência à entropia – e cultura – a tendência histórica de criar, transmitir e armazenar novas
informações.
No cenário chamado de pós-histórico por Flusser, entretanto, são os mass media,
configurados como caixas-pretas, que têm por input os fragmentos da história e por output a
pós-história, os programas. Esse sistema transforma “toda informação irradiada
dialogicamente em mingau amorfo, em opinião pública, a fim de servir de feedback aos
aparelhos emissores” (FLUSSER, 2011, p. 78). Nesse contexto, não há espaço para política,
para diálogos circulares, intersubjetivos e não elitários. “A democracia não faz parte do
programa” (FLUSSER, 2011, p. 78).
A situação descrita por Flusser ecoa na leitura de Müller-Pohle:
16
Para Batchen (2002, p. 9), a escolha de Talbot é ainda mais interessante porque,
mesmo sob o título “Interior da Galeria Sul”, a fotografia não mostra nem o interior, nem o
exterior, mas os dois simultaneamente e nenhum deles. Não há esforço perceptível de realizar
uma representação naturalista do ambiente. Batchen (2002, p. 9) segue afirmando como este
exemplo reflete todo o posicionamento estético de Talbot, que sempre pedia aos objetos
fotografados para “encenarem”, sendo emblemas deles mesmos, do seu processo de inscrição.
18
2.3 Pós-produção
5
Observa-se que Flusser (2011) utiliza o termo “síntese” no sentido combinatório, para indicar a criação de um texto com
acréscimo informacional, e não a sua redução.
20
Como a obra de arte não é mais tratada como objeto final, fechado em si mesmo, mas
sempre um work in progress, ela pode ser o próprio lugar de navegação, um ponto de conexão
21
2.4 Pós-fotografia
Um dos primeiros usos do termo “pós-fotografia” é feito por Mitchell na obra The
Reconfigured Eye: Visual Truth in the Post-Photographic Era, de 1994. Ele posiciona o
nascimento da pós-fotografia na década de 1980, em face ao advento da tecnologia
fotográfica digital, que eventualmente tornaria o meio analógico obsoleto. Nesse trabalho, o
autor atenta majoritariamente para o problema da autenticidade e da veracidade diante da
mudança tecnológica do suporte, destacando a facilidade e a rapidez da manipulação. A
principal razão da mudança apontada é a importância que o processamento intermediário (não
mais simples captura e impressão) ganhou na fotografia digital.
A primeira tecnologia “fotográfica” digital surgiu em meados da década de 1950.
Tratava-se do escâner de tambor, capaz de identificar variações na iluminação e transformá-
las em código binário, processado digitalmente em um computador com capacidade de
memória de apenas 1500 palavras. O desenvolvimento tecnológico da imagem digital foi,
então, impulsionado pela possível aplicação ao campo da exploração espacial. Primeiramente
usadas pela NASA, técnicas de processamento digital de imagens se expandiram para os
satélites, radares e escâneres, sendo aplicadas tanto na arqueologia quanto no estudo dos
átomos e do DNA, na área médica, no estudo da inteligência artificial e das redes neurais, na
arquitetura, nos regimes de vigilância e disciplina e, evidentemente, no campo militar, com
bombas guiadas a laser ou contendo próteses visuais. No entanto, como pontuado por
Mitchell (1994, p. 15), sua popularização ocorreu apenas no momento em que foi integrada à
indústria da comunicação na década de 1980.
O uso da tecnologia de imagem digital para se obter uma maior qualidade em
impressões e transmissões de televisão rapidamente despertou a consciência de que alterações
poderiam ser realizadas com intuito enganoso, transgredindo o regime de verdade no qual a
fotografia operava até então. Desde muito cedo ocorreram tentativas de regulamentação
estrita da prática, alegando que esta seria danosa para a credibilidade dos meios jornalísticos.
Porém, de acordo com o autor, uma vez estabelecida a possibilidade da manipulação digital, a
pretensa credibilidade da fotografia já estaria perdida.
A codificação binária, segundo Mitchell (1994, p. 4), é o que distingue uma fotografia
digital de uma fotografia analógica. Seu processo físico de criação tem uma implicação
23
cultural direta na opção pela lógica contínua ou pela lógica discreta. A representação
analógica varia ininterruptamente, em termos de espaço e tonalidade, como uma sequência
inquebrável contendo infinitos tons de cinza. No digital, a representação se dá sobre o modelo
de um plano cartesiano, no qual a cada célula é designado um número inteiro que remete a
uma única tonalidade. Assim, os detalhes e curvas são aproximados, sendo decompostos em
degraus tonais. Consequentemente, uma imagem analógica contém informação infinita, cada
ampliação revelando mais detalhes inéditos, enquanto na imagem digital isso é limitado e a
ampliação só torna mais evidente a microestrutura de células que a compõe. Outra
consequência está no fato de que as tentativas de cópia de um original analógico (fotografia
da fotografia, fotocópia, copias de fitas, etc.) em geral resultam em uma qualidade inferior,
porém, quando decomposta em dígitos discretos, a informação contida em uma imagem
digital pode ser reduplicada infinitamente sem modificações.
De fato, como explica Couchot (1998, p. 37), o nível de decomposição da imagem
fotográfica analógica chega até o plano, sendo impossível acessar diretamente cada grão. O
autor atenta especialmente à relação entre a busca pelo controle do elemento mínimo da
imagem e o progresso das técnicas de automatização. Ele identifica uma evolução técnica
constante desde o quattrocento, com o desenvolvimento da perspectiva central, até o século
XIX, com a invenção da inscrição automática da imagem da câmera obscura em suporte
fotossensível. A possibilidade da decomposição em linhas da televisão, por sua vez, levou à
automatização da transmissão. Por fim, o computador proporciona, hoje, o automatismo
calculado e perfeito através da ordenação da imagem em matriz numérica com controle das
coordenadas espaciais e cromáticas completas de cada píxel. Couchot (2008, p. 39) entende
que a permutação total entre píxel e número ocasionou uma ruptura completa com a lógica
figurativa das imagens resultantes de procedimentos óticos.
Os métodos de manipulação material da fotografia para o seu processamento se
alteraram. Segundo Mitchell (1994, p. 7), a fragilidade material da superfície fotográfica
analógica, com suas micropartículas, não só dificultava a manipulação como, de certa
maneira, a desencorajava. Consequentemente, o caminho do uso puro era o mais adotado e o
trabalho manual ficava resguardado para outros meios, como a pintura. Ainda assim, imagens
compostas e fotomontagens constantemente desafiaram a prática convencional. Entretanto,
intervir na base material fotográfica era um trabalho extenso e de alta dificuldade técnica,
permanecendo sempre como exceção. Sem as mesmas limitações físicas, Mitchell (1994, p. 7)
argumenta que a imagem digital é marcada pela facilidade e rapidez de sua manipulação, a
qual ocorre apenas pela substituição de dígitos em um computador. Tamanho é o impacto
24
disto, que o autor insiste no fato de que a imagem digital “não pode ser compreendida
primeiramente como uma questão de captura e impressão [...] mas o processamento
intermediário das imagens tem um papel central” (MITCHELL, 1994, p. 7). Conclui,
portanto, que a indistinção entre o trabalho de pintura e a fotografia é a marca essencial do
que ele chama de “era da eletro-bricolagem” (MITCHELL, 1994, p. 7).
Finalmente, se a fotografia tradicional tendia mais à busca modernista pela obra
polida, perfeita, fechada em si mesma, as tecnologias de processamento digital a inscreveram
em um cenário que privilegia a “fragmentação, indeterminação e heterogeneidade”, tendo
como consequência crítica a ênfase no “processo ou performance e não na obra finalizada”
(MITCHELL, 1994, p. 8). Se por um lado isso gera um movimento de repúdio por parte das
instituições que sempre dependeram de sua concepção enquanto representação unívoca da
realidade (fotojornalismo, fotografia forense, fotografia científica), por outro, surgem cada
vez mais espaços para se evidenciar os aspectos construídos da fotografia.
Adicionalmente, o desenvolvimento de dispositivos portáteis e pessoais, integrados
pela possibilidade de conversão universal de toda a informação para código binário, eliminou
a especificidade dos suportes. Logo, quando surgiram tentativas de controle, a produção de
imagens digitais já estava severamente descentralizada, sendo, além do mais, impulsionada
pela facilidade econômica aliada ao aumento da demanda, pois se trata de um meio mais
rápido e barato que a fotografia tradicional. Em conclusão, Mitchell afirma que “em 1989 a
fotografia estava morta – ou, mais precisamente, radical e permanentemente deslocada –
assim como a pintura 150 anos antes” (MITCHELL, 1994, p. 18).
Esta afirmação de Mitchell, no entanto, pode ser melhor analisada diante da
comparação com o procedimento de montagem ainda em meio analógico. A montagem,
entendida pelo autor em um sentido muito restrito, na verdade é uma tendência mais ampla de
toda a prática fotográfica, como apontado por Benjamin (1987), e não se limita ao literal
“corta e cola”. Ela diz respeito à elasticidade do meio, pois, ainda na sua forma analógica, a
fotografia nunca foi medium specific, tendo múltiplos usos e funções sociais (gravação de
fenômenos naturais, prova jurídica, testemunho, vigilância e militarismo, por exemplo, além
da arte). Por um lado, diferenciava-se da tradição modernista nas artes, que conquistou
justamente a independência e especificidade do suporte criando uma arte autorreferente, e, por
outro, anunciava a tendência da “arte pós-moderna” de transferência e circulação em diversos
ambientes. Se a fotografia permite restringir coordenadas precisas no espaço e no tempo,
delimitadas na captura do frame, seu trânsito e abertura à descontextualização por meio da
reprodução fazem com que ganhe intenções e significados a cada nova articulação. Sua
25
Batchen define a pós-fotografia como “um momento após, mas não ainda além da
fotografia” (2002, p. 109). O autor, no entanto, aponta que as tecnologias de simulação digital
provocaram mais do que uma crise ontológica para a fotografia, enquanto que a possibilidade
de criar “fotografias falsas” se relaciona com uma crise epistemológica ainda mais ampla,
uma possível indistinção entre todas as coisas reais e simuladas.
Coisa e signo, natureza e cultura, humano e máquina: todas essas entidades até então
confiáveis aparentam estar se chocando umas nas outras. Logo, parece, o mundo
inteiro irá consistir de uma ‘natureza artificial’ indiferenciada. Segundo esse
cenário, a problemática questão de distinguir a verdade da falsidade se tornará nada
mais do que um pitoresco anacronismo – assim como a fotografia. (BATCHEN,
2002, p. 129)
Logo, Batchen alarga a definição de pós-fotografia, de modo que a escolha por uma
certa tecnologia não é mais vista por ele como determinante no tipo de prática. Assim, nem
todos que utilizam máquinas digitais fazem pós-fotografia, a qual, por sua vez, pode aparecer
em uma obra realizada com meios analógicos. Ele escolhe destacar aspectos similares aos
estudados por Müller-Pohler (1985, 1988) e Baker (2005), ressaltando como a porosidade da
barreira com as outras mídias (pintura, escultura, performance, cinema, etc.) aumentou, de
modo que a fotografia incluiu as demais, recolocando-se nelas, participando de todas, mas
sem ocupar um campo preciso. “A fotografia como entidade separada pode estar à beira do
desaparecimento para sempre, mesmo enquanto o rico vocabulário de convenções e
referências fotográficas vive um esplendor de eterna expansão” (BATCHEN, 2002, p.109).
A transmutação da fotografia, que deixa de ser apenas algo capturável, tornando-se
objeto construído, esculpido ou estendido no espaço, revela a permanência pela adaptação do
fotográfico em relação às mudanças do ambiente midiático. A partir desse momento, sua
percepção estrita como um meio autônomo de caráter icônico-indicial se diluiu, porém não se
perdeu completamente. Para o autor (BATCHEN, 2002), essa característica permanece em
jogo, mas de maneira problematizada, pois a fotografia passa a existir como uma prática de
circulação de convenções e referências, códigos e imagens pré-existentes. Simultaneamente,
destacou-se também a materialidade do suporte. O olhar não se daria mais somente através da
fotografia, mas direcionando-se para a própria imagem e seu processo, de forma similar às
estratégias de “encenação” identificadas por Müller-Pohler.
Por outro lado, a “fotografia” para Batchen (2002, p. 111) hoje é um artefato que faz
referência a um momento histórico preciso da era industrial, uma lembrança da extinção do
seu próprio sistema de representação. Sua hipótese é que “[...] a fotografia é agora uma
mensagem ao invés de uma mídia, uma mensagem que pode ser transmitida e infinitamente
27
Se o objeto fotográfico parece em crise hoje, pode significar que estamos entrando
em um período não de esgotamento do meio, nem de colapso do campo expandido
sobre si mesmo, mas justamente que os termos envolvidos agora se tornaram mais
complexos, e a necessidade de mapear seus efeitos mais necessária, pois esses
efeitos são simultaneamente menos óbvios e mais auto-evidentes. (BAKER, 2005, p.
138)
Desse modo, esta pesquisa tem por objetivo geral analisar a relação entre as práticas
pós-fotográficas e os procedimentos (neo)barrocos em atuação no ambiente
cultural/midiático. Especificamente, pretende-se observar os elementos microestruturais
determinantes dos modos de montagem das obras pós-fotográficas, procurando identificar
como estes implicam novos modos concretos de atuar através e diante da imagem fotográfica.
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3. Barroco
Barroco (ou, digamos, arte moderna) não é nem uma elevação nem um declínio em
relação ao clássico, mas uma arte totalmente diferente [...] Nós devemos falar do
século XVI e do século XVII como unidades de estilo [...] Nós devemos estabelecer
as distinções num ponto mais ativo e deixar que se coloquem em contraste.
(WÖLFFLIN, 2010)
Wölfflin procura estabelecer uma lógica interna imanente da história da arte, na qual
períodos clássicos, marcados por rigidez e objetividade, seriam seguidos de movimentos
subjetivos e de dissolução de formas. Segundo o autor (WÖLFFLIN, 2010, p. 54), “a
transição do tangível, plástico, à percepção puramente visual, pictórica, segue uma lógica
natural e não pode ser revertida”.
Wölfflin parte de cinco pares dicotômicos que opõem características renascentistas e
barrocas: linear e pictórico; superficial e profundo; forma fechada e forma aberta; variedade e
unidade; claridade e falta de claridade.
Para Hauser (2009, p. 500-503), o “pictórico” diz respeito ao borrar dos limites da
forma, menos definida e menos rígida, o que se reflete também na transformação do ser, na
qual a objetividade cede para o devir e há maior interação entre sujeito e objeto.
desconexos, as obras barrocas parecem incompletas, podendo ser estendidas a partir de todas
pontas pelo acréscimo de novas partes.
O início do século XVII é marcado pelo domínio do barroco na Itália, que atinge seu
ápice em Roma, até 1620. Em contraste ao exclusivismo aristocrático do maneirismo, o
barroco apela ao gosto popular, com características exuberantes, sensuais e decorativas.
Hauser (2009, p. 508) identifica duas principais direções no ramo do barroco católico: o
naturalismo, como em Caravaggio, e o emocionalismo, como nos irmãos Carracci. Segundo o
autor (2009, p. 509), Caravaggio se aproxima da linguagem popular ao utilizar com
originalidade formas fora da convenção. Seu estilo é cru e pouco adornado, o que o afastou da
preferência da nobreza e do clero. Nas obras do Carracci, a aproximação com o gosto popular
se desenvolve por meio da simplificação das alegorias e fixação de uma iconografia acessível.
O forte caráter eclesiástico do barroco romano, agindo em oposição ao subjetivismo
da Reforma, impulsionou uma delimitação mais clara entre as imagens sagradas e profanas.
Ao mesmo tempo em que utilizava o emocionalismo para se popularizar, ao promover esta
34
Igreja, entretanto ambas instituições concediam relativa liberdade de criação, dentro de uma
orientação geral católica. Hauser (2009, p. 535) fala sobre como este ambiente propiciou o
desenvolvimento do barroco flamenco com caráter “livre e agradável”, com menos
preconceitos e mais aberto à inventividade dos criadores.
Paralelamente, nas províncias holandesas ao norte, a república se identificava com o
protestantismo (apesar de uma considerável população católica) e as cidades mantiveram sua
característica social burguesa. Com a ausência de um direcionamento eclesiástico, a arte
passou a circular por todos os ambientes (HAUSER, 2009, p. 539). Os temas bíblicos se
limitavam a representações de cenas do gênero e perderam espaço para os temas profanos,
derivados da vida cotidiana: costumes, paisagens, naturezas mortas, etc. Objetos rejeitados
pela arte dos países católicos e dos regimes absolutistas eram abordados de forma autônoma.
A arte holandesa retratava a realidade como imediata, sem distanciamento, dominada pelo
artista. Segundo Hauser (2009, p. 540), a realidade individual era exaltada no retrato da
família, da terra, das propriedades e das paisagens do país. O naturalismo conferia às obras
um caráter de verdade, evocando as experiências de vivência pessoal do observador. Hauser
(2009, p. 540) aponta que essa tendência foi desenvolvida apropriadamente para o pequeno
formato das obras, que tinham fins privados e não precisavam servir como grandes
decorações da corte. Suas pequenas pretensões incentivavam o olhar que se volta ao profundo
e ao conteúdo psicológico, tendência que passa a marcar toda a arte burguesa moderna.
José Antonio Maravall (1997) fala sobre a cultura do barroco na Península Ibérica
durante o século XVII, atentando à situação histórica, similar ou conexa, dos países nos quais
se desenvolveu. Para o autor, o barroco na Espanha se aparenta muito com o barroco
português e hispano-americano. Uma base comum ibérica foi assimilada na Itália e se
expandiu para a França, Flandres e para as regiões protestantes da Inglaterra e Alemanha.
O século XVII foi, ao longo de toda a sua extensão, marcado por uma crise
econômica, da qual também resultaram crises sociais e guerras, atingindo os países da Europa
Ocidental. Maravall destaca a crise e sua consequente “consciência de desconforto e
inquietação” (1997, p. 66) como principal característica do barroco hispânico. Ele explica
como, durante a Renascença e com a expansão das cidades, desenvolveu-se uma imagem da
história projetada ao futuro, determinada pela ação humana. Essa nova experiência foi
36
interrompida pela crise econômica e da monarquia, cujo choque ameaçou a ordem tradicional
e os grupos no poder. O resultado foi um cenário de luta entre mudança e conservação. Dentre
as respostas, reformas e transformações dos valores, emerge uma cultura do barroco, na qual
predominam “os elementos de atração, de persuasão, de compromisso com o sistema, a cuja
integração defensiva se trata de incorporar essa massa comum” (MARAVALL, 1997, p. 88).
Ainda segundo Maravall, a inquietação barroca decorre também do temor perante a
autoridade, cujos esforços de integração se exercem também no aliciamento de artistas,
políticos e escritores barrocos. Nesse sentido, o autor (1997, p. 120) destaca o caráter
condutivo da cultura barroca. Como um “conjunto de meios culturais”, tanto a política
econômica, como a literatura e a religião estão comprometidas com um programa. Assegurar
a conduta dos homens se torna tarefa mais complexa, de maneira que é preciso afetá-los,
atraí-los. Logo, o barroco apela a recursos psicológicos, a um conhecimento mais profundo do
homem e sua natureza, buscando influenciar seu comportamento. Assim, há um enfoque na
recepção, nas estratégias de persuasão e na retórica para comover e implicar o espectador nas
obras.
A vida em torno da cidade é a quarta característica ressaltada por Maravall. Com forte
dirigismo do Estado, os núcleos urbanos do século XVII diferem das cidades livres – marco
da Renascença – e apresentam um urbano marcado por “um matiz da vida administrativa e
anônima” (MARAVALL, 1997, p. 188), de concentração política em torno da monarquia. A
cultura do barroco surge com a cultura da cidade. Habitada por populações inquietas, onde há
intensa produção e consumo de literatura com temática urbana, festas e espetáculos, a cidade
implica mobilidade e inovação, concentrando uma diversidade de tipos e ofícios. Segundo
Maravall (1997, p. 204), essa heterogeneidade também incorre nas manifestações de excesso
e ostentação. Por outro lado, o barroco é meio de contenção para a liberdade e para o
relaxamento jurídico e social decorrentes da concentração urbana (MARAVALL, 1997, p.
210-211). “A cidade é [...] o meio conflitivo do século XVII” (MARAVALL, 1997, p. 213).
Por fim, Maravall (1997, p. 217) classifica a cultura barroca como conservadora, pois
sua função é integrar essa variedade urbana a uma imagem de sociedade que atenda à
preservação de interesses dominantes. O aspecto de novidade, sob o qual foi reapresentada a
tradição, satisfaz a massa sem causar ameaça à ordem, ao mesmo tempo em que a inovação
era continuamente desprestigiada, atribuída a grupos desqualificados. Parte essencial da
manutenção do poder era repropor o sistema de estratificação social para integrar os novos
grupos e fortalecer a ordenação (MARAVALL, 1997, p. 222). O autor exemplifica esse
processo na característica barroca de adequação entre gênero literário e classe social. A
autoridade e as formas de propriedade tradicional sobrevivem em meio à expansão da
propriedade livre e privada, porém, para conservar parte do regime de privilégios, precisou-se
ampliar o acesso.
“O tremendismo, a violência, a crueldade, que com tanta freqüência se manifestam nas
obras de arte do barroco, decorrem dessa raiz de concepção pessimista do homem e do
mundo...” (MARAVALL, 1997, p. 265). Crise, mal-estar social e insegurança, a imagem de
um “mundo às avessas”, segundo Maravall (1997, p. 251), provocam um efeito de
instabilidade, desorientação e deslocamento. O autor identifica o tópico em uma extensa
relação de obras artísticas e literárias do barroco espanhol, em geral, visto pelo viés
conservador de que há uma base racional encoberta pela desordem. Também ligada à crise,
aparece a imagem do “mundo como confuso labirinto” (MARAVALL, 1997, p. 253) e da
“praça” como reunião desordenada. Por fim, o autor identifica também a imagem do “mundo
como teatro” (MARAVALL, 1997, p. 255), que remete ao caráter transitório e de
superficialidade dos papéis sociais.
38
Hauser (2009, p. 504) discorda que seja possível determinar uma estilística da época
barroca como o faz Wölfflin. Entretanto, não deixa de citar um fator comum de influência no
pensamento artístico do século XVII: a nova ciência natural desenvolvida a partir de
Copérnico, cuja difusão na época era internacional. Severo Sarduy (1979), por sua vez,
remete a deformação e o descentramento do barroco à visão cosmológica de Kepler, que, ao
descobrir o formato elíptico das órbitas, atribui à natureza características imperfeitas. Assim,
o simbolismo da perfeição, harmonia e equilíbrio, associado ao círculo da antiguidade à
Renascença, é substituído por uma visão de mundo cheia de contrastes e distorções, que
reflete este descentramento da elipse. Continuando com Hauser (2009, p. 505), essa
descoberta também implicou a substituição do antropocentrismo pela noção de um universo
infinito e sem centro definido, o que gerou uma necessidade humana que não podia ser
suprida pela teologia. O “horror vacui” (medo do vazio), segundo Gonzalo Celorio (2010, p.
492), é característico desse novo universo, pois, uma vez que é dotado de unidade interna e
organização orgânica, todos os elementos são regidos por uma lei comum e têm o mesmo
valor. Diante dele, o homem descobriu sua insignificância e confiantemente se encarregou de
desvendar seus mistérios (HAUSER, 2009, p. 505).
A revolução moderna resultou em um “estremecimento metafísico” diante da
infinitude do universo e da constatação da interconectividade de todos os seres. Hauser (2009,
p. 507) argumenta que o barroco reflete este “estremecimento”. De modo similar, Laplantine
(2007, p. 121) fala sobre como a estética barroca incorporou a distância infinita entre o
humano e seu criador, citando como exemplo a arquitetura de Bernini e Borromini, a
escultura de Aleijadinho, a pintura de Caravaggio, Rubens, etc., mas também os adornos dos
mobiliários, os bordados, os cristais e a cenografia do teatro e da ópera. Segundo Hauser
(2009, p. 506), a característica de unidade das obras barrocas, que se portam como um único
organismo e cujas partes seguem uma lei geral, mostra a tendência ao ilimitado por meio da
construção das diagonais e de distorções de perspectiva (escorços). As obras contêm linhas e
movimentos que parecem se estender longamente além das bordas. Por sua vez, Laplantine
(2007, p. 120) observa que o barroco é uma forma de multiplicidade6, disposta em tensão,
movimento e desequilíbrio. O “medo do vazio” (LAPLANTINE, 2007, p. 120) gera uma
6
O autor vai além ao explorar a questão da multiplicidade, dizendo que se trata de uma multiplicação mestiça, aspecto
barroco que será abordado no 3º capítulo.
39
gêneros, épocas e ontologias. O autor acredita, portanto, ser cada vez mais difícil, hoje,
construir qualquer espécie de unidade espaço-temporal.
Complementarmente, para Boaventura de Sousa Santos (2010), o problema do
panorama contemporâneo está na desestabilização do modo de pensar a manutenção e a
transformação social que era constitutivo da modernidade. Este período de transição pode
resultar tanto em falsos horizontes de liberdade como em práticas genuínas de emancipação.
O autor reconhece que a crise dos binarismos constitui um espaço fértil para a emergência de
códigos sintéticos ou barrocos. O híbrido é favorecido, pois opera em temporalidades
específicas, não se limitando à evolução linear, mas privilegiando o tempo explosivo.
A retomada teórica do barroco na década de 1980, sob o título de “neo” barroco, deve-
se em parte à emergência de diversas teorias da “instabilidade”, notadamente a teoria da
complexidade, o pós-estruturalismo e, posteriormente, o pós-modernismo. É neste momento
de desregulação que o retorno do barroco é postulado por pesquisadores centro-ocidentais.
Nota-se, nas teorias discutidas abaixo, que o retorno do barroco traz em seu cerne uma relação
predominantemente dicotômica com o clássico. Ele ressurge sempre dentro da narrativa de
flutuação entre caos e ordem, deixando-se determinar exclusivamente pela operação na
turbulência do cenário moderno. Nesse meio, o barroco ativa figuras de incerteza e
instabilidade. Nas artes, como será discutido adiante, isso aparece no desafio às leis da
representação, em uma poética de “excesso” e na construção de objetos abertos, com
significados inacessíveis ou incompletos.
Omar Calabrese (1987) postula uma lógica cultural neobarroca a partir de um corte
nas relações de causalidade estabelecidas pela historiografia tradicional. Ele reconhece o
reaparecimento de uma morfologia barroca constante nessa época, apesar das várias
perspectivas referentes ao pós-moderno. Sua argumentação se constrói na classificação de
feitos de dimensão cultural e social, posições teóricas e estéticas, em termos de caos e ordem,
o barroco ligado àqueles representantes de “crise, dúvida e experimentação” (CALABRESE,
1987, p. 197). O autor identifica nos produtos da cultura de massa estadunidense uma estética
da repetição, do fragmento, labiríntica e desordenada, mas que retorna numa conjuntura da
qual fazem parte as novas teorias das ciências humanas e matemáticas, responsáveis por
movimentar todo o cenário do conhecimento. Em suma, acredita que “está a se delinear um
mecanismo de turbulência das formas [...] porque o sistema de valores vigentes é assediado
por fenômenos de flutuação, que o desestabilizam” (CALABRESE, 1987, p. 197).
Mais recentemente, outros dois nomes relacionam este retorno do barroco no cenário
centro-ocidental ao declínio de seu específico projeto moderno. Primeiramente, Michel
41
Com base nas ideias de Moser (2001), cabe analisar a valência do barroco no
continente latino-americano. Provavelmente, os contextos de embate entre razão clássica e
contrarreforma do século XVII e a crise da modernidade centro-ocidental, diagnosticada pelas
teorias citadas acima, não são os fatores dominantes. O modelo de eliminação da
ambivalência através de um paradigma de ordem linear e causal, das violentas exclusões do
corpo, da natureza e do outro por meio de uma razão dicotômica, não só vieram a implodir no
próprio centro-ocidente, mas tal projeto teve um efeito demasiado fraco fora dele. Estas
forças, apesar de presentes, são apenas minoritárias no jogo do barroco latino-americano, e
como atuam de modo relacional em meio a outros contextos, aparecem aqui já deslocadas,
desdobradas.
Sobre a Península Ibérica e a América Latina, Amálio Pinheiro (2013) reforça que
seus processos civilizatórios não se deram por meio do desenvolvimento progressivo e linear
43
da cultura, mas pelas “interações entre a multiplicidade, a variação e o menor, ativadas estas
pela mútua pertença entre natureza e cultura” (PINHEIRO, 2013, p. 15). Este modo de operar
já estaria em vigor antes da colonização europeia (de características mouriscas, apesar do
domínio oficial católico) e se mantém até hoje no continente. Segundo o autor (PINHEIRO,
2013, p. 15-16), não se pode utilizar as categorias da identidade, oposição e síntese, como a
dicotomia entre centro e periferia que aparece, por exemplo, na semiótica da cultura de Iúri
Lotman. Os processos culturais latino-americanos não se limitam às traduções entre a cultura
central, oficial e dominante, e os desvios periféricos, à incorporação dos textos de fora. “As
dicotomias centro e periferia, invariante e variante etc., não nos são mais suficientes, pois nos
obrigam a pensar a superação da lógica binária depois desta, como condição de pensamento,
instaurada” (PINHEIRO, 2013, p. 16).
Segundo Haroldo de Campos (2001), o barroco na América Latina se sustentaria
primeiramente na característica indígena, pré-colombiana, com base no mito e de função
estética, presente, por exemplo, na arte da plumária. Ou seja, deve-se pensar a valência do
barroco latino-americano não como derivação e variação do europeu, mas de modo contíguo
com este, pois não é possível separar os aspectos importados e “nativos”. Pinheiro cita a
posição de José Lezama Lima, para o qual o barroco latino-americano não é apenas uma etapa
estética de uma cultura organizada em lógica sucessiva, mas “uma arribada, um desembarque
e um pasmo de maravilhas” (PINHEIRO, 2013, p. 16).
Se o barroco vem da “proliferação incontrolada de significantes” (SARDUY, 1979, p.
161), a variedade excessiva de elementos disponíveis na América Latina acentuou os
processos tradutórios. Consequentemente, também há um aumento da característica
hiperbólica, de desperdício. Para Sarduy (1979, p. 164-165), sem a presença de uma base
clássica da linguagem, ampliou-se ainda mais a distância entre significantes e significados,
resultando em maiores possibilidades criativas de articulação, em construções que explicitam
o uso da proliferação. “Sua presença é constante sobretudo em forma de enumeração,
disparatada, de acumulação de diversos nódulos de significação, de justaposição de unidades
heterogêneas, de lista díspar e collage” (SARDUY, 1979, p. 165).
Na América Latina, o barroco também adquire uma característica mestiça. Partindo da
base indígena, houve um acúmulo de diferenças, provindas de múltiplas civilizações (há
contribuições não só ibéricas, mas indígenas, africanas, árabes, mouriscas, etc.), cujos
materiais e linguagens foram tecidos juntos, interconectados de modo descontínuo e não
ortogonal (PINHEIRO, 2009, p. 10). Obras do barroco colonial, por exemplo, foram
efetivamente construídas por indígenas, os quais acrescentaram traços próprios nas
44
Por outro, Pinheiro (2013, p. 18-19) nota como a mobilidade dos textos e assimilação
das alteridades é tanto anterior, como ocorre também justaposta aos diversos processos de
modernização.
7
“Séries culturais” é um conceito de Tinianov que considera o sistema em que se insere uma obra de arte e sua
rede de interações históricas, por exemplo, a série literária ou a série fotográfica.
47
4. Barroco e pós-fotografia
O texto barroco, que manifesta uma verdadeira glutonaria pelas palavras, é feito de
parêntesis, de subordinações, de frases no interior da frase, de paráfrases, de
hipérboles, de inversões e encadeamentos sintáticos. É uma composição em labirinto
constituída por desvios e metáforas e submete a escritura a um movimento de
torções intermináveis. (LAPLANTINE, 2007, p. 122)
barroco histórico e a modernidade. O segundo, por sua vez, entende a complexidade como
“um conjunto de forças e formas relacionado aos processos e fluxos entre o virtual e o real”
(BUCI-GLUCKSMANN, 2001, p. 50). Esses dois paradigmas serão aprofundados adiante, de
forma a contribuir para a investigação do problema da montagem na pós-fotografia.
8
A Origem do Drama Barroco, 1925; A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica, 1935; Teses sobre a História,
1940.
51
O “agora” não é mais um ponto sem dimensão que se enfileira em uma linha do tempo
com desenvolvimento previsível, mas um único ponto que se abre e revela “num resumo
incomensurável a história de toda a humanidade” (BENJAMIN, 1987, p. 232), ou seja,
permite um entendimento complexo da conexão de momentos distintos no tempo que se
realiza no presente. A apresentação dialética de um fato histórico confronta seu passado e o
futuro a partir do ponto de clivagem no presente. Cada “agora” revela uma constelação nova,
cuja configuração nunca se repete. Para Benjamin (1987), o progresso não está no avanço
contínuo do tempo que passa, mas nas perturbações capazes de revelar algo inédito.
Não é que o passado lança sua luz sobre o presente ou que o presente lança sua luz
sobre o passado; mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o agora num
lampejo, formando uma constelação. Em outras palavras: a imagem é a dialética da
imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente
temporal e contínua, a do ocorrido com o agora é dialética – não de natureza
temporal, mas imagética. Somente as imagens dialéticas são autenticamente
históricas, isto é, imagens não-arcaicas. A imagem lida, quer dizer, a imagem no
agora da cognoscibilidade, carrega no mais alto grau a marca do momento crítico,
perigoso, subjacente a toda leitura. (BENJAMIN, 2007, p. 504-505)
Há de fato uma estrutura em obra nas imagens dialéticas, mas ela não produz formas
bem formadas, estáveis ou regulares: produz formas em formação, transformações,
portanto efeitos de perpétuas deformações. No nível do sentido, ela produz
ambigüidade [...] aqui não concebida como um estado simplesmente mal
determinado, mas como uma verdadeira ritmicidade do choque. (DIDI-
HUBERMAN, 1998, p. 173)
olhá-la verdadeiramente. E nos obriga a escrever esse olhar, não para ‘transcrevê-lo’, mas
para constituí-lo” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 172). O choque abre espaço para a
percepção da estrutura. A “reflexividade negativa” é justamente o que faz perceber o seu
modo de conhecimento anterior e desmontá-lo. Assim, é ao mesmo tempo imagem dialética e
dialética da imagem; produz simultaneamente uma imagem em crise e gera crítica sobre a
própria imagem que ela produz.
A imagem dialética “explode” o modo e o hábito de ver sequencial, e sua imobilidade
dá possibilidade para o sujeito ir além da posição de passividade diante da imagem e passar a
construir sentidos entre imagens, de modo constante, pois o significado nunca é completo. O
movimento da dialética da imagem é de constante destruição e renovação.
Outra alegoria usada por Benjamin para explicar a ação da imagem dialética é o
momento do despertar. Neste, forma-se uma nova constelação, o agora “no qual as coisas
mostram seu rosto verdadeiro” (BENJAMIN, 2007, p. 505-506), em oposição ao sonho. É o
ponto máximo de tensão onde ocorre a ruptura. Por um lado, evoca a razão, percebem-se as
“mitologias” e arcaísmos, entendem-se os momentos anteriores como imagens oníricas. Mas,
por outro lado, ainda permanecem elementos do sonho como rastros na consciência.
No despertar, o “chamado” e o “sonho” se dissolvem um no outro. Da mesma forma, a
imagem dialética, por sua ambivalência, a qual gera um estado constante de suspensão,
“inquietará o chamado e exigirá da razão o esforço de uma auto-ultrapassagem, auto-ironia”
(DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 185). Ou seja, pode-se evocar os elementos esquecidos, mas
que ainda permanecem – não de forma nostálgica, mas para trabalhá-los criticamente. Logo,
“o historiador assume a tarefa da interpretação dos sonhos” (BENJAMIN, 2007, p. 506).
Assim, a cada novo despertar, a cada “agora da recognoscibilidade”, a nova razão ultrapassa a
razão anterior, a qual, por já conter em si elementos de autoironia, permite ser revista como
“sonho”, de modo que o conhecimento continue em transformação, sempre se superando.
A quebra no fluxo da história progressiva afeta o continuum das práticas cotidianas,
suas imagens do tempo, as relações econômicas e de controle, religiões e governos, que ficam
suspensas em um tempo a-histórico. As relações econômicas e as determinações materialistas
da história são desatadas e permitem a emergência do suprimido, dos fantasmas e demônios
que podem reclamar o seu lugar. Para Buci-Glucksmann (apud LAMBERT, 2004, p. 68), a
imagem dialética é um conceito metapolítico, pois propõe que o político possa se “originar”
por meio da abolição das relações que o constroem, por meio de sua própria suspensão. O
momento de suspense é o momento da fundação do novo, pois permite alterar a relação com o
passado ao romper, reverter ou rearranjar as linhas narrativas históricas. É o momento do
55
“perigo”, da devastadora violência divina. Lambert (2004, p. 69) exemplifica como esta ideia
é expressa em “a crítica da violência” na figura da greve geral: “a conversão do tempo
econômico e material do trabalho e da produção em um tempo de justiça, no qual os efeitos
naturais da violência econômica e política refletem os conceitos de uma experiência de classe
e de um novo sujeito político”. Nesse sentido, a ideia marxista de revolução é transposta à
cultura.
Os “documentos da barbárie” de Benjamin são as vítimas do progresso histórico, o
“mundo espiritual dos mortos” (LAMBERT, 2004, p. 70) que pode ser recuperado por meio
de uma arqueologia do presente. Seu entendimento das invenções tecnológicas da época, a
fotografia, o cinema, o telefone, etc., é de que poderiam ter um direcionamento revolucionário
se utilizadas como meio de invocar estes mortos, fazer previsões ou revelar sonhos. Se a
instrumentalização desses meios ainda estava aberta, ainda não totalmente cooptados por
forças econômicas e sociais, eles poderiam ser usados para refletir os conflitos dessas
estruturas.
Nessa imagem de uma revolução cultural sem sangue... nós temos uma constelação
de forças culturais cujo objetivo é a destruição geral da Cultura como forma de
imaginação histórica fundada no mito da violência do estado, contra a qual se lança
a confrontação criativa da “violência divina” na disputa pelo significado da História.
(LAMBERT, 2004, p. 70)
76), e reflete uma época na qual os interesses da classe artística e da classe dominante não
eram compatíveis.
Lambert (2004, p. 77) estabelece uma relação entre esta nova visão da cultura,
colocada por Benjamin, e expressões do modernismo tardio na Europa e do pós-modernismo
na América. Em sua leitura acerca da dialética da imagem, a crise passa a corresponder ao
rompimento da cultura com a narrativa histórica, econômica e legal, tempo indefinido de
suspensão das normas vigentes; e a crítica se torna uma síntese do ponto de vista do crítico-
espectador, que segue os rastros da história morta e reintroduz o outro no presente. Portanto,
ganha importância o conceito de “alteridade” como o novo sujeito “vítima da história” ou do
“estado de exceção” (LAMBERT, 2004, p. 77). Por outro lado, tanto a posição do espectador
quanto a do outro não têm existência real: o povo pode ser entendido como o palco moderno
de conflito, o boulevard, a praça, etc., e o outro, como a voz retórica do mártir, “uma nova
forma de escrita”, hoje identificada com a posição pós-moderna (LAMBERT, 2004, p. 78).
Deleuze (2011, p. 13) começa definindo o barroco como “uma função operatória” que
faz dobras e curva aquelas já existentes ao infinito. Para o autor, o barroco se caracteriza pela
lógica elíptica, pensamento flexível e forma fluida. A dobra é, então, uma metáfora para tratar
da instabilidade. Uma figura que a representa é o labirinto, múltiplo porque dobrado de muitas
maneiras (DELEUZE, 2011, p. 14).
Primeiramente, Deleuze retoma as características materiais barrocas elencadas por
Wölfflin, como a curvatura da matéria, o arredondamento dos ângulos, as formas em
turbulência, a fluidez e o desdobramento de matérias que transbordam os espaços
(DELEUZE, 2011, p. 15). Depois, mostra como, em Leibniz, a matemática barroca também
se utiliza desses pontos fundamentais, através da “fluidez da matéria”, “elasticidade dos
corpos” e “mola como mecanismo” (DELEUZE, 2011, p. 16), e desenvolve a dobra como
uma força de interação entre os elementos que gera o movimento curvilíneo, o turbilhão.
Para Leibniz, as dobras subdividem a matéria infinitamente, fazendo força e
agregando todo o ambiente. Esse movimento de subdivisões, de turbilhões que contêm
turbilhões menores, gera uma textura “infinitamente porosa, esponjosa, ou cavernosa, sem
vazio; sempre uma caverna na caverna” (DELEUZE, 2011, p. 17). Essa é a própria lógica do
fractal, onde cada unidade reproduz internamente todo o universo, permeada por passagens
irregulares, com textura final semelhante a um oceano de ondas. Há fluidez, porém marcada
57
por uma textura na qual não se separam individualmente os elementos. “[...] um corpo flexível
e elástico tem ainda partes coerentes que formam uma dobra, de modo que elas não se
separam em partes de partes, mas dividem-se até o infinito em dobras cada vez menores,
dobras que sempre guardam certa coesão” (DELUZE, 2011, p. 18).
A imagem é de um labirinto ou um tecido com infinitas dobras, cada uma gerando um
movimento curvo que interage com a dobra vizinha, continuamente gerando dobras menores.
“Sempre tem uma dobra na dobra, como uma caverna na caverna. A unidade da matéria, o
menor elemento do labirinto é a dobra, não o ponto, que nunca é uma parte, mas uma simples
extremidade da linha” (DELEUZE, 2011, p. 18). O movimento da matéria é parabólico e não
linear, e seu mecanismo é a mola. Assim, em cada divisão se acumula movimento ou se perde
força, pois a dobra é também desdobrar, “trata-se de tender-distender, contrair-dilatar,
comprimir-explodir” (DELEUZE, 2011, p. 19).
Este objeto elástico, Deleuze (2011, p. 38) chama de “objéctil”, pois não é estável,
sólido e essencial, como um produto industrial. É um objeto fluido que existe em um
continuum de variação. Sua variação é uma função e a norma passa a ser a flutuação. O
objéctil não é limitado por uma forma, mas existe em “modulação temporal”, ou seja, sua
forma é remoldada continuamente. “É uma concepção não só temporal, mas qualitativa do
objeto, visto que os sons, as cores, são flexíveis e tomados na modulação. É um objeto
maneirista e não mais essencialista: torna-se acontecimento” (DELEUZE, 2011, p. 39).
O sujeito, por sua vez, não é fixo, mas sua posição varia; ele é a própria variação ou
inflexão (DELEUZE, 2011, p. 40), é o ponto de vista, “superjéctil”. Ele não é previamente
definido, mas será definido pelo ponto de vista que ocupar. “Não é o ponto de vista que varia
com o sujeito, pelo menos em primeiro lugar; ao contrário, o ponto de vista é a condição sob a
qual um eventual sujeito apreende uma variação” (DELEUZE, 2011, p. 40). Assim, se o
objeto tem por norma a variação, o sujeito somente o apreende por um ponto de vista.
Portanto, é móvel porque sua percepção é frágil; será sempre um cruzamento entre o
movimento do objeto e o ponto de vista.
O objeto só é detectável pela mudança e depende do ponto de vista, que é a condição
sob a qual o sujeito o apreende. “Trata-se não de uma variação da verdade de acordo com um
sujeito, mas da condição sob a qual a verdade de uma variação aparece ao sujeito. É a própria
idéia da perspectiva barroca” (DELEUZE, 2011, p. 40). A perspectiva barroca, para Deleuze,
dá-se em pontos de vista variáveis sobre ondas e dobras infinitas. A perspectiva central é,
então, substituída pelo multiperspectivismo, o qual implica pluralismo, mas também distância
e descontinuidade, pois não há linearidade que relacione duas leituras. O multiperspectivismo
58
A dobra infinita passa, portanto, entre dois andares. Mas, diferenciando-se, ela se
dissemina para os dois lados: a dobra diferencia-se em dobras que se insinuam, no
interior e que transbordam para o exterior, articulando-se, desse modo, com o alto e
o baixo. Redobras da matéria (baixo) sob a condição de exterioridade, dobras da
alma (alto) sob a condição de clausura. (DELEUZE, 2011, p. 67)
59
A primeira obra a ser analisada é Inside the View nº 1, de Helen Sear. A artista
britânica parte do abandono de qualquer ideal realista da imagem fotográfica e produz uma
visualidade sintética que pouco lembra o uso documental da fotografia. Para a criação da
série9, Sear faz uma montagem por sobreposição de um retrato e uma paisagem. Em seguida,
executa um longo trabalho manual-digital, no qual apaga, píxel a píxel, cada imagem, criando
um padrão rendado que “costura” uma fotografia na outra. O trabalho de montagem é
primeiramente de subtração, retirando as fotografias “retrato” e “paisagem” do seu uso
comum, e posteriormente de falsa divisão, sintetizando o novo a partir de duas fotografias
originalmente desconexas. O resultado já não pode ser considerado uma imagem técnica,
prevista no programa dos aparelhos. Há um trabalho ativo de processamento intermediário
que reorganiza pontos e produz uma superfície anteriormente “inimaginável”. Assim, a artista
caminha do fragmento em direção ao concreto; como o homo ludens de Flusser (2008) ou o
semionauta de Bourriaud (2005), cria o novo e age contra a redundância.
O desenho da artista funciona como um véu que revela e esconde a paisagem e o
personagem. Esse processo de intervenção explicita a superficialidade da imagem, pois ativa a
9
As informações sobre o processo de criação da obra constam no press release da galeria Klompchin. Disponível em:
<http://www.klompching.com/kcg/pastexhibitions2009.htm>. Acesso em: 22 nov. 2013.
60
sua experiência tátil (CAMPANY, 2006). David Campany (2006) explica que o padrão
rendado apagado por Sear se torna, ele mesmo, uma terceira imagem em jogo: o desenho da
linha na superfície. Se, normalmente, os fotógrafos incorporavam os motivos e composições
clássicas, por exemplo, Sear incorpora a materialidade do suporte à imagem. Ao mesmo
tempo, segundo Campany (2006), ela recupera e atualiza uma linha da história da fotografia
que buscou acentuar a superficialidade do meio, a qual inclui, por exemplo, o movimento
pictorialista, responsável por utilizar as marcas do pincel na emulsão. Esse modo de operar
com a linha mostra uma específica aproximação da fotografia com a pintura. A artista utiliza
recursos pictóricos da pintura no momento do processamento intermediário, gerando imagens
fotográficas com “impressões” manuais, de caráter puramente formal. No entanto, o padrão
rendado é construído pela subtração individual de píxeis, gerando espaço negativo, o qual é
simultaneamente preenchido por uma nova imagem. O que é de fato “desenhado” é o
entrelaçamento digital de duas fotografias. Há uma retomada do tipo de intervenção manual
que se fazia na fotografia analógica, porém em um contexto de “eletrobricolagem”. A
incorporação de aspectos da pintura na prática fotográfica, partindo da base de uma imagem
técnica, possibilita transpor a condição de funcionário e operar como programador.
livros, de cópias positivas (nas quais a renda aparece preta contra um fundo branco) do
contato da mesma imagem. Elas vinham acompanhadas pelo comentário de Talbot no qual ele
despreza a diferença da cor, pois afirma que a importância está no registro do padrão, das
unidades que compõem a renda e a tornam reconhecível. Outras versões do mesmo referente
incluem ampliações com lentes de aumento em até cem vezes. Isso demonstra, desde cedo, o
caráter aritmético da fotografia e sua habilidade de cálculo pela digitalização dos objetos
(BATCHEN, 2002, p. 169), pois esta fotografia, na verdade, é um índice da natureza
matemática e codificável dos objetos.
imagem revela a paisagem ao redor da figura, ao mesmo tempo em que permite observá-la
por dentro. Esta fragmentação narrativa obriga o espectador a reconstruir a imagem dentro de
sua mente, a se movimentar entre as camadas, o que constitui um jogo com o tema e o nome
da obra, Inside The View. Essa também é a condição das personagens, que se deslocam entre
o real e o virtual. A fotografia passa a explicitar esse processo de construção e aprisionamento
do sujeito e, ao fazer isso, devolve uma parte do poder ao espectador, que não está passivo
diante da imagem, mas incorporado ao processamento.
Minhas preocupações com a fotografia nos últimos 20, 30 anos foram sobre a ideia
de que a fotografia prioriza o olho sobre os outros sentidos. E isso é algo que eu
acho problemático de certa forma. A ideia de um olho que consome tudo. Então o
que eu tentei fazer foi tentar visualizar coisas que talvez nós não possamos ver. E eu
suponho, coisas que possamos sentir ao invés. Logo, geralmente eu utilizei o
elemento do trabalho manual, o toque da mão como forma de introduzir no trabalho
um modo de falar sobre os outros sentidos. [...] Sou muito interessada no corpo e na
paisagem. E isso toma a forma da figura na paisagem tentando falar sobre uma
figura imersa em uma paisagem, ao invés de uma figura sentada diante da vista, mas
estar lá fora e tentar falar sobre a experiência de ser de fato parte da paisagem.
(SEAR, 2010)
nitidez. Há fluidez no modo como as fotografias se dissolvem umas nas outras, com
delimitações menos rígidas das formas. A visão é obstruída e não há objeto formado a ser
contemplado e fetichizado.
Identifica-se um colapso do espaço, pois o espectador fica inquieto, transitando entre
as camadas, e também do ordenamento clássico – o qual alinha sujeito, imagem e objeto –,
uma vez que a imagem não é uma janela que permite fixar e observar os objetos. Nesse caso,
a falta de delimitação subverte a lógica identitária tradicionalmente atrelada à prática
fotográfica e impõe uma lógica labiríntica na construção do sentido. O procedimento de
montagem imagina a partir do fragmento, o qual é abordado sem noções hierárquicas e é
organizado de forma a refletir a elasticidade e indeterminação da fotografia.
Pode-se argumentar que Sear faz um trabalho “arqueológico” ao recuperar outros usos
do meio, evocando outros tempos e práticas artísticas e ativando simultaneamente aspectos
analógicos e digitais. Ainda, se não há produção de um objeto fixo, capturável, a fotografia de
Sear acusa a sua estrutura, não permitindo que se concretizem hábitos tradicionais do olhar.
Ao colocar suas personagens no interior, interpenetradas pela paisagem, a artista faz com que
a condição de aprisionamento seja “negativamente refletida” no crítico-espectador. Ou seja,
ao interferir na linearidade sujeito-imagem-objeto, a obra se realiza como uma imagem
dialética, conforme pensada por Benjamin (2007). A obra lança fragmentos que não chegam a
se organizar em uma versão final, mas cuja visualidade resultante está sempre em estado de
devir. A alternância entre as camadas é, também, alternância entre o automatismo e o trabalho
manual.
O tratamento da fotografia a partir do fragmento e a ênfase na sua característica de
elasticidade – aqui com destaque para a circulação das referências – são as bases para a
concepção das obras da artista estadunidense A. L. Steiner. Retoma-se a hipótese de Batchen,
para quem “[...] a fotografia é agora uma mensagem ao invés de uma mídia, uma mensagem
que pode ser transmitida e infinitamente repetida mesmo na ausência de qualquer fotografia
de fato” (BATCHEN, 2002, p. 124), como princípio para a análise da transmutação da
fotografia enquanto informação desatrelada do seu suporte e sistema de reprodução.
As imagens abaixo (Imagem 5 a 8) são registros da instalação fotográfica Queer is the
New Black. Ela consiste em uma grande colagem que cobre algumas paredes da galeria com
imagens de amor e vida lésbicos. A respeito de seu formato, nota-se a opção por uma
montagem em grande escala no lugar de fotografias individuais, o que qualifica a obra como
uma instalação. Assim, observa-se a ênfase no diálogo com o espaço (físico, da galeria, e
espaço na cultura, memosfera ou semiosfera) e, portanto, com suas normas, convenções e
66
10
O fato de as imagens em si não apresentarem uma estética pornográfica não elimina uma possibilidade de leitura da obra
que comente o papel da pornografia na normatização do corpo feminino e do comportamento patriarcal em relação a ele. Ao
apresentar imagens excluídas do mainstream, flashes de um cotidiano no qual “mulheres se divertem sendo mulheres”,
Steiner também tenta combater o padrão vigente, lutando para criar um espaço para essas imagens marginais.
11
Termo utilizado por Didi-Hubberman para descrever um momento do ciclo das imagens dialéticas de Benjamin.
68
Neste sentido, a teoria de Richard Dawkins, a qual pensa a cultura a partir do ponto de
visa do “meme”, pode contribuir para esclarecer tal processo. Segundo Daniel Dennett (2011,
p. 1), a cultura evolui, fato que pode ser acompanhado pela mudança no seu inventário ao
longo do tempo, com o aparecimento, desaparecimento, fusão e multiplicação de itens. Ao
recorrer à teoria de Dawkins sobre o meme, o autor tenta se distanciar do modelo tradicional
de interpretação desta evolução – o modelo narrativo-histórico – e busca uma explicação
científica complementar que dê conta das ações não intencionais.
Para Dawkins, o meme é uma entidade cultural que evolui de acordo com regimes de
seleção, dos quais o beneficiário é sempre o próprio meme, independentemente dos efeitos
que provoque no seu hospedeiro humano e das intenções deste último. Os memes têm como
objetivo sua própria replicação e sobrevivência. Eles podem ser entendidos como um pacote
informacional análogo ao gene, configurado em um fenótipo que afeta diretamente o mundo à
sua volta, influenciando sua replicação. Por ser pura informação, o meme pode ser
transportado por qualquer mídia (DENNETT, 2011, p. 5-7).
69
Essa descrição do meme como pura informação, a qual independe de um meio físico
para ser transmitida (DENNETT, 2011, p. 20), aproxima-se muito da conclusão de Batchen a
respeito da pós-fotografia. Imagina-se, então, que este “elemento fotográfico” em circulação
na obra de Steiner seja entendido como um meme, uma informação central envolvida por um
fenótipo específico através do qual ela é expressa. Logo, a obra Queer Is The New Black
carrega a informação “igualdade de gêneros”, traduzida na visualidade da diversão feminina
íntima exposta com naturalidade em relação ao espaço ocupado, o qual é formatado como
uma interface de compartilhamento digital recriada em uma galeria de arte.
A emissão do meme “igualdade”, na forma de snapshots populares, dá existência a
sujeitos e comportamentos marginalizados ao colocá-los na tela. Ao mesmo tempo, ocupar
este espaço significa tomar o espaço de outro meme anteriormente dominante, substituindo-o.
A escolha do tema, portanto, desafia as normas culturais e faz ressurgir experiências
de vida marginais aos principais ambientes de consumo imagético. Há excesso de intimidade
e exposição, mistura da narrativas diversas, gêneros e épocas. A experiência de vida queer
aparece “encenada” com grande diversidade, novamente sem qualquer tentativa de explicação
ou ordenação. Não existe uma figura central, uma forma mais correta de representação, mas
uma infinidade de desdobramentos do queer. A montagem apenas reúne uma grande
diversidade de fragmentos, aqui totalmente recontextualizados.
70
Continuando com a análise das obras de Steiner, é possível conceber uma relação
entre o modelo de visualidade barroco utilizado, a partir da inflexão e fractalização, e a
construção de redes interativas e inventivas que perpassem o corpo e a cultura. Em Angry,
Articulate, Inevitable (Imagem 9 a 11), a artista repete o formato de Queer Is The New Black,
preenchendo paredes com diversas fotografias sobrepostas, mas com variações no conteúdo
em relação à obra anterior. Nesta obra, as fotografias retratam momentos de intimidade, com
sexualidade e violência explícitas. Aqui, o aspecto da liquidez reaparece na medida em que a
montagem afeta os contornos e nega a identidade por meio da destruição de noções pré-
72
da mídia, como foi descrita acima por meio das ideias de Dennett, pode ser lida em uma
chave mais ampla, sendo entendida como consequência da comunicabilidade das redes, que
perpassa o biológico e o tecnológico, natureza e cultura.
O que está em jogo na viralidade da rede é menos uma analogia com a biologia do
que a permeação de uma comunicabilidade plástica, dinâmica e resistente, uma força
de relacionalidade que não é ainda completamente comunicação, na qual processo,
movimento e circulação tem precedência, apesar das suas diferentes velocidades.
(MUNSTER, 2013, p. 125)
Segundo Munster, os modelos científicos para essa rede, sejam eles os diagramas para
o funcionamento neuronal ou esquemas para as relação corpo-cultura, são campos de atuação
política. Ela chama de “noopolítica” (MUNSTER, 2013, p. 133) o dispositivo de psicopoder
que emana das redes híbridas neurotecnológicas, gerando novas formas de subjetivação, como
mentes criadas apenas para terem suas informações “escaneadas” e colhidas pelas
corporações.
Para a autora, deve-se observar se as arquiteturas de redes “cérebro-corpo-cultura”
descritas promovem a inventividade e a indeterminação, mantendo-as abertas à mudança, ou
se são vítimas de uma biopolítica que se empenha em determinar entidades culturais sem
mobilidade, como grupos “jovens” ou de “usuários” (MUNSTER, 2013, p. 136). Ela se
posiciona a favor de um desenho arquitetônico relacional que entenda a cognição como um
evento dinâmico e não linear, processado no presente, e que não possa ser capturado e
previsto por inteiro pelos algoritmos de inteligência artificial.
Esse posicionamento político vai ao encontro da proposta emancipatória para o corpo
de Katz (2008). Ela parte do entendimento de Foucault, afirmando que os discursos atuam
como panópticos na sociedade disciplinar moderna, garantindo a produção de “corpos
75
dóceis”, e lança a hipótese de que estes são gerados, em grande parte, por meio da
proliferação, também no universo da moda, de imagens fetichistas que abordam o corpo como
um processador despolitizado. Aqui, o desenho das relações corpo-cultura novamente é o alvo
da atuação política. A abordagem do corpo apenas como receptáculo, e não como entidade
coextensiva com seu ambiente plástico e mutável, permite a institucionalização de modelos e
sua produção verticalizada por entidades externas a ele.
Por outro lado, uma política emancipatória para o corpo, sugere a autora, “pressupõe
lutar contra o consenso” (KATZ, 2008, p. 73). Nesse sentido, sua teoria do corpomídia se
engaja contra a noção de corpo-recipiente separado do entorno. Ao gerar o entendimento de
que há um fluxo de movimento entre o que antes era separado pela visão dualista dentro/fora,
de que o corpo é transitório e maleável de acordo com o ambiente por onde passa, abre-se
espaço para se resistir à fixação de qualquer modelo para ele, algo que será sempre um
exercício de poder, segundo Katz (2008, p. 73).
As obras de Steiner exemplificam como a ação política pode passar pelo trabalho com
o corpo, reforçando a ideia de que é preciso atuar na comunicabilidade das redes entre o
biológico e o tecnológico. Isso fica claro na sua justificativa para o uso de imagens do sexo e
do corpo lésbicos. Ela afirma que o ato sexual queer é uma entrega do corpo em sua totalidade
como um órgão sexual e que todo ato sexual deveria ser um processo criativo de invenção
(STEINER; BURNS, 2010). Assim, sua instalação se aproveita dos efeitos de simulação e
telepresença para inventar, na memosfera, uma nova possibilidade de atuação criativa para o
corpo. Ao colocar em circulação tais imagens, reforça a existência desses corpos, pois se
presume a coextensão das duas instâncias.
Em conclusão, o combate aos “corpos dóceis” deve vir na forma da constante irritação
da arquitetura da mídia e do reconhecimento de uma rede cérebro-corpo-cultura
indeterminada e plástica. Isso se torna possível por meio da exploração dos conceitos da
fotografia como informação e da sua permeabilidade com a arte da performance, como
demonstrado nas obras de Steiner.
conflituais no domínio da cultura” (MOSER, 2001, p. 30), o que permite abarcar o vasto
repertório de imagens, mídias e práticas culturais sempre em expansão que estão presentes nas
obras pós-fotográficas.
Retomando o segundo capítulo, foi apontado que diferentes culturas têm diferentes
relações com as práticas barrocas, sendo que, em determinados ambientes, não cabe o
argumento da ressurgência barroca, pois neles o barroco é permanente, fundador. A
recorrência do barroco em diversas épocas e segmentos da cultura, extrapolando o período do
século XVII, é postulada por numerosos autores e relacionada, mais recentemente, com o fim
da modernidade, inclusive no que diz respeito às estratégias da arte pós-moderna. Pressupõe-
se que, em sua manifestação contemporânea, o barroco não possa ser definido como um
conceito estável, mas que pertença à natureza do contínuo, sendo remodelado a cada
ocorrência pela mobilização de determinadas variáveis históricas combinadas às novas
possibilidades comunicativas, as quais são inauguradas pelas práticas artísticas
contemporâneas.
Se o conceito de barroco obedece a uma lógica relacional, pois seu valor é articulado
em função da variação do “campo ideológico” (MOSER, 2001, p. 34), ele deve fornecer uma
“base” cognitiva móvel para os hibridismos contemporâneos, resultando em uma grande
variação nas relações construídas entre tecnologias, materiais e práticas culturais. Logo, é
uma segunda hipótese desta pesquisa que a presença do barroco na pós-fotografia ocorra na
forma de um fluxo associativo mobilizador dessa multiplicidade, impulsionado pelas
especificidades da mídia e sua expansão no suporte digital, bem como por meio da
recombinação com outras mídias e séries culturais.
Evidencia-se, portanto, a montagem como forma de tradução. Lotman (1996) afirma
que a criação de textos novos não é possível apenas pela transmissão de mensagens entre
emissor e receptor, mas que necessita de intercâmbio entre os participantes. Trata-se de
estabelecer uma relação entre os termos que não se baseie apenas em um nível comum, um
sistema de linguagem compartilhado, mas também na tradução de mensagens entre sistemas.
No contato entre dois textos, um terceiro é gerado pela tradução entre estes sistemas, o qual
passa a incluir elementos das duas “línguas” de partida. Sendo a tradução o elemento
essencial do diálogo, é possível afirmar que este último precede a linguagem, na medida em
que é o intercâmbio de textos que a produz. Logo, o desenvolvimento de uma consciência
criadora num determinado universo cultural necessita de abertura ao externo, além de
heterogeneidade interna e assimetria. Isso possibilita o contato com textos diversos e o
deslocamento de textos para outras situações comunicativas, favorecendo os procedimentos
77
tradutórios.
A discussão da apropriação na pós-fotografia, independentemente dos limites legais da
propriedade intelectual, deve questionar a qualidade da modificação, considerando o que é
acrescentado ou modificado no discurso anterior e o grau de complexidade da nova obra, se
esta é mais imprevisível e mais informativa. Quanto ao barroco, o objetivo é mapear os
aspectos mobilizados em combinação com diferentes estratégias comunicativas e valências
específicas das artistas.
2009).
O poder sedutor das fotografias de moda é contraposto às narrativas brutais de abuso
escritas em primeira pessoa, também conectadas pela relação estabelecida entre o uso dos
óculos escuros como forma de disfarce, pois podem ocultar os sinais da violência. Assim, o
objeto de consumo, ícone de status alcançado com a abertura ao mercado capitalista, passa a
assumir uma forma ambivalente, na qual representa também o lugar das mulheres abusadas,
enfatizando a aliança complexa entre consumo e exploração (SANJA..., 2012). A mensagem
ganha sentido político, pois implica que a pretensa liberdade ocidental não resulta
automaticamente em relações igualitárias entre os gêneros.
Imagem 14 – Arte pública a partir da série Women’s House (Sunglasses) , Sanja Ivekovic, 2002–presente
Fonte: Página do museu MoMA
estratégia nova” (IVEKOVIC, 2009). No entanto, além da apropriação como forma de crítica
ao discurso, há uma camada na qual a imagem, ao questionar a representação social da mulher
por meio da fotografia publicitária, questiona a própria autoridade representativa da
fotografia. A sobreposição da narrativa pessoal na visualidade aberta do anúncio produz um
texto que se apoia no caráter elástico da mídia fotográfica, a fim de “reprogramar” a
correspondência unívoca originária entre o produto e a narrativa de desejo e consumo.
Indo além, é possível dizer que a obra explora o “regime estético” (RANCIÈRE, 2007)
de sentido, o qual é dominante na publicidade contemporânea e funciona justamente ao
oferecer visualidades a serem consumidas pelos usuários, os quais preenchem o anúncio
genérico com suas próprias narrativas. Esse movimento de controle sutil sobre os corpos é
interrompido pela artista, pois ela atua criativamente, direcionando a visualidade do anúncio
para a construção de um texto crítico ao próprio modo de disseminação dos valores ocidentais
ligados ao consumo como única forma de participação e “poder de escolha” feminino. Desse
modo, ela associa a perpetuação de mitos e estereótipos sobre as mulheres, e o consequente
ocultamento da violência, ao agenciamento da fotografia por um regime de sentido que
favorece a lógica capitalista e resulta em opressão.
Linda Hutcheon (1991) assinala que a autorreflexividade e a paródia são
características centrais da arte pós-moderna. A aparente contradição entre as duas estratégias
permanece irresoluta, pois não há nas obras uma dialética sintetizante. É por meio da paródia
que se reinvoca, para então rejeitar as narrativas-mestres totalizantes. O processo de
construção dos signos através da autorreflexão ajuda a expor isso. Isso se amplia para trazer
em evidência todos os sistemas totalizantes de produção de significados e recepção da arte,
fabricação de “fatos” históricos e experiências humanas (HUTCHEON, 1991, p. 12).
No caso estudado, nas obras veiculadas nos EUA e na Europa ocidental e oriental, são
combinados elementos provenientes da mídia de massa e da publicidade, que montam
narrativas-mestres similares, com especificidades da cultura local. Ivekovic aborda um
contexto específico das nações pós-comunistas, no qual há, simultaneamente, a ascensão do
consumo e o mascaramento da opressão das mulheres. A paródia permite criar relações
intertextuais com as convenções e as tradições e, ao mesmo tempo, retomar os aspectos
rejeitados dessas culturas por meio da oralidade dos depoimentos.
Os anúncios apropriados são originalmente veiculados sem diferenciação por todo o
mundo, revelando um olhar uniformizador sobre a mulher, sempre em torno do consumo.
Quando a artista acrescenta os depoimentos, ela desafia essa identidade universal e torna o
texto mais particular, porém ainda maleável. Ela se aproveita da elasticidade fotográfica para
81
repassar, aos observadores, o poder sobre uma outra narrativa, que não seja a de consumo.
Assim, a montagem explora o aspecto contextual da fotografia. Sua elasticidade é aqui
invocada como uma prática de resistência às identidades, indo na contramão dos discursos
centralizadores da moda.
O barroco é, então, este elemento que introduz o ruído, a instabilidade, para perturbar
as narrativas-mestres. A deformação que a oralidade gera no texto original resulta em um
híbrido explosivo. Ivekovic quebra, de partida, o regime estético da imagem e acrescenta
narrativas pessoais à visualidade vazia. Assim, apropria-se esteticamente, mas também retoma
o poder sobre a condução da narrativa.
O barroco é também o fim do universalismo, a complicação do mundo. Primeiro, há
uma camada de denúncia quanto à superficialidade da imagem, ao artifício da representação e
ao controle na formação da identidade. Entretanto, Ivekovic vai além, acrescentando dobras,
construindo um novo texto em cima daquele que foi “desconstruído”. Ela não para na negação
da indicialidade da fotografia, mas a reconstrói de forma complexa, montando diferentes
discursos. Por sua vez, o texto resultante não é único, fechado. Ele é múltiplo e há a
possibilidade de abarcar uma infinidade de histórias pessoais até então ocultas. Ela cria uma
interface de denúncia que, ao mesmo tempo, coloca-se como um novo espaço de visibilidade,
no qual a história de opressão se multiplica e se diversifica. Assim, tem-se a lógica barroca do
sujeito subjéctil e do ponto de vista multiperspectivista sobre a questão da violência contra a
mulher, que é apresentada em torno da sua variação. Entre cada narrativa não há uma ordem
linear, mas descontinuidade e simultaneidade. Cada montagem de depoimento e fotografia
corresponde a uma nova dobra e, a cada montagem da série, em novos suportes e localidades,
uma nova configuração entre os textos.
Em Fair & Lovely (Imagem 15 e 16), da série Bollywood Satirized, de 1998, Annu
Matthew, indiana, também realiza uma sátira das imagens da cultura de massa. A artista se
apropria dos cartazes de cinema já existentes e, por meio de manipulação digital, remonta e
adiciona outras fotografias e comentários críticos, o que possibilita reinterpretar as imagens
alterando os papéis de gêneros e as expectativas de comportamento na sociedade indiana. Ela
se utiliza tanto da linguagem visual da indústria do cinema, quanto da aura de sonhos e do
melodrama das narrativas de Bollywood, a fim de revelar a construção de estereótipos de
gênero na cultura indiana e denunciar a opressão e a violência contra as mulheres, inclusive
na micropolítica cotidiana.
82
Imagem 15 – Fotografia Fair & Lovely , da série Bollywood Satirized , Annu Matthew, 1998
Fonte: Página da artista.
universo complexo de imbricações entre práticas culturais tradicionais e mídia de massa, onde
não basta apenas revelar a superficialidade da imagem. Assim, a denúncia da opressão e da
violência opta por outras estratégias. Por exemplo, a combinação da linguagem visual com
fotografias pessoais e textos verbais que remetam aos discursos no âmbito da família, às
experiências da infância e à formação das jovens.
Imagem 16 – Frame do vídeo da artista Annu Matthew, mostrando a montagem pública da série
Bollywood Satirized
Fonte:Página da artista
como meio de exposição com o objetivo de impulsionar vendas, pois uma instalação
comissionada de arte pública resulta na automática valorização das obras de um artista.
Por outro lado, isso não exclui a possibilidade de um movimento paralelo,
independente do mercado, a partir do momento em que determinada obra se encontra no
ambiente público. Observa-se que nos casos estudados não há uma montagem contemplativa
ou mercantilizada. Ao contrário, ambas disputam espaços concorridos com outras narrativas
mais numerosas e dominantes. Ivekovic e Matthew escolhem uma mídia “ilegal” e barata,
cartazes lambe-lambe, colados sem autorização, o que indica uma estratégia de contravenção.
Elas assumem que sua mensagem é marginal e não seria bem-vista em mídias tradicionais. A
obra também adquire novas características por meio da montagem junto a outros anúncios.
Em Bollywood Satirized, além das imagens, tipografia e a escala dos pôsteres de cinema, a
obra final – mesmo aquela exibida em museu – incorpora a estética da rua ao imitar os rasgos,
dobras e desgastes da colagem em paredes, expondo o que seriam repetidas camadas
sobrepostas (PATEL; DWYER, 2002).
As artistas se aproveitam das qualidades interativas e conversíveis das imagens
numéricas, mesmo sem trabalhar com a interatividade via linguagem programática ou por
meio de uma rede de computadores. Mas é com base nas imagens que circulam nessa rede,
entre corpos e computadores, que se desenvolvem as estratégias comunicacionais
empregadas. Elas partem do pressuposto de que há um mundo de simulação, onde ainda
predominam imagens massivamente distribuídas (e que não remetem necessariamente a um
significante real). Seu propósito é dissolver discursos fetichistas, inserindo novas narrativas
que tragam maior profundidade às imagens femininas. As obras, cujo modo de produção é
indistinguível (não se sabe se as colagens são analógicas ou digitais), aproveitam-se do espaço
urbano e de seu dinamismo comunicativo para perturbar o olhar objetivo. Imagens
mercantilizadas da mulher sofrem intervenções dialógicas que desestabilizam a identidade
fixa e controlada das narrativas dominantes.
Lotman (1996) considera a cidade uma zona de fronteira semiótica, um espaço de
bilinguismos, propenso a encontros. Quando o fotográfico transita nessa zona de fronteira, ele
tem a oportunidade de ultrapassar as leituras comuns da mediosfera telemática ou o universo
da arte. Ele entra em circulação, expandindo-se nas interações com outros suportes,
linguagens e agentes tradutores. Essa noção de transferência e circulação já é explorada na
arte desde os anos 60 e se relaciona, de forma geral, com a tendência ao aumento da
porosidade entre os meios. Tal tendência é observada na pós-fotografia e em sua aproximação
a outras linguagens. Soma-se, então, a distribuição pública na cidade, tida como um espaço
85
De acordo com a teoria de Deleuze, a dobra não pode ser estruturalmente restrita a
uma obra (artística) individual. Ao contrário, ela se estende ao infinito, juntando
esculturas, prédios e cidades inteiras, mídias e disciplinas, velha e nova arte, uma
espiral de interdependência por influência mútua de um sobre o outro e sobre um
terceiro e então até o infinito. (PURGAR, 2006, p. 128)
sentido, observa-se que as fotógrafas abordadas aqui buscam sempre atuar como
“programadoras”, desenvolvendo um pensamento arqueológico e alquímico.
Imagem 17 – Fotografia Untitled #216 , da série History Portraits , Cindy Sherman, 1988-1990
Fonte: Página do MoMA.
disso, ela cria “personagens” que refletem estereótipos culturais, alimentadas pelas imagens
do cinema, da televisão, da publicidade e da história da arte. “[...] a identidade é maleável e
fluida, e o trabalho de Sherman confirma isso, revelando e criticando o artifício da identidade
e como a fotografia é complacente na sua fabricação” (RESPINI, 2012, p. 13).
A fotografia analisada, Untitled, de 1989 (Imagem 17), pertence à série History
Portraits, realizada entre 1988 e 1990, na qual a fotógrafa recupera símbolos e cenários de
quadros de grandes mestres da pintura e os altera com alguns elementos perturbadores.
Respini (2012, p. 43) comenta que o ato de fotografar cenas inspiradas em pinturas deriva da
tradição dos vitorianos do século XIX, que copiavam cuidadosamente os quadros com
objetivo didático e intenção de equiparar a mídia às qualidades do desenho e da pintura. No
caso de Sherman, contudo, ocorre o oposto, pois há a desvalorização dos originais pela
mistura de estilos e referências. Na maioria dos casos, a artista desenha cenas genéricas a
partir da combinação de imagens retiradas de livros e memórias de visitas a museus, a fim de
se aproximar estilisticamente dos grandes mestres sem imitá-los, mas, na verdade,
subvertendo-os (RESPINI, 2012, p. 43).
12
Informações detalhadas sobre a obra e as referências da artista foram retiradas do press release da galeria Roslyn Oxley9.
Disponível em: <http://www.roslynoxley9.com.au/news/releases/1999/04/14/190/>. Acesso em: 26 jun. 2016.
13
Informações sobre as referências utilizadas só foram encontradas em releases dos seguintes museus e galerias: Museu
Guggenheim, Galeria Roslyn Oxley 9, Art Gallery New South Wales.
90
multiplicidade das formas contidas em uma obra, as quais sempre podem ser reordenadas.
Segundo o autor, há uma reserva de novas formas de apresentação, pois os elementos são
intercambiáveis, podem ter partes acrescidas ou suprimidas e não há necessidade de se chegar
a uma forma final definitiva (VANDAMME, 2007, p. 539).
De forma geral, a obra de Moffatt aborda grandes temas universais: raça, sexualidade,
identidade e família (TRACEY..., 2016). Em Laudanum, a artista busca desconstruir os mitos
em torno das relações raciais, porém seu objetivo não é revelar a “verdade” sobre elas. Ela
incorpora suas experiências14 para criar imagens “poéticas”, irônicas e estéticas, compondo
sua própria realidade alternativa, sem a preocupação com a verossimilhança (DRAPER,
2010).
Os jogos e fantasias sexuais sadomasoquistas funcionam como metáfora para tratar
das relações coloniais em um sentido amplo, adaptável a outras histórias além da colonização
inglesa na Austrália. A obra apresenta uma perspectiva pós-colonialista ao reinventar o
discurso histórico dominante. Ela desmonta as identidades, substituindo-as por formas
instáveis tanto para o colonizado como para o colonizador. A mistura de referências
provenientes da “alta” e da “baixa” cultura (DRAPER, 2010) subverte os valores de
artistificação e ironiza o cânone da arte ocidental. Ao mesmo tempo, faz repensar os termos
da “assimilação” cultural, revertendo o binarismo das relações entre europeus e aborígenes
14
Moffatt é de origem aborígene e foi criada por uma família branca em Melbourne.
93
Laura González Flores (2011, p. 29) desenvolve o conceito de “visão objetiva” para
explicar o protagonismo do sentido da visão na percepção tanto do mundo como da
“cosmovisão”, entendida como ideologia cultural dominante no ocidente. Este princípio
orientador do olhar valoriza a objetividade, relacionando-a à razão, à lógica, ao uno e ao
universal. A autora salienta a importância do desenvolvimento da “visão objetiva” como
mecanismo de naturalização de uma realidade construída por convenções simbólicas,
ocultando o caráter cultural e artificial das imagens. Logo, as relações históricas e a natureza
95
decodificação, um ruído na estrutura do código15 que dificulta a transmissão. Aqui, o uso não
protocolar do meio fotográfico prevalece, pois a montagem perturba a falsa relação de
naturalidade unívoca entre significante e significado, de maneira que gera ambiguidade. A
comunicação se estabelece de forma crítica, revolucionando as estruturas totalitárias nas
relações com a imagem técnica, como descritas anteriormente por Flusser.
A obra em questão trabalha com duas relações de duplo vínculo. A primeira é
originária da convenção cultural, da expectativa da qual parte o receptor, o que é em si uma
mensagem coercitiva do tipo contraditório. Para que se caracterize um duplo vínculo, são
necessárias duas demandas de ordens lógicas diferentes feitas a uma vítima que não pode
cumpri-las. Nesse caso, uma mensagem aponta para o corpo da mulher como produtor de algo
estranho, o qual é, ao mesmo tempo, parte integralmente sua e um outro que deve ser
eliminado. O abjeto está inevitavelmente presente, mas deveria ser inexistente, o que resulta
em uma ordem impossível. Isto é recuperado na imagem por meio do padrão que representa a
beleza feminina no retrato, evocado pela moldura oval no estilo do século XIX. O corpo,
quando padronizado, nunca é visto em sua totalidade, mas está sempre em desacordo com o
seu interior. A solução de tornar invisível este interior estranho é uma espécie de camuflagem,
a qual só resolve a situação do duplo vínculo na superfície, enquanto que a ordem
contraditória continua atuando e gerando ansiedade.
A segunda situação de duplo vínculo é provocada pela fotógrafa. Segundo Bateson
(2010, p. 252-253), a unidade básica do pensamento é a percepção da diferença. É assim que
o homem se orienta, constrói mapas e cria o mundo “exterior” a partir da operação mental. Na
obra aqui discutida, é provocado um “erro epistemológico”, dificultando a percepção da
diferença entre duas circunstâncias exteriores. O duplo vínculo ocorre implicitamente na
montagem do contexto, no paralelismo das imagens, que estabelece a equivalência entre a
fruta e a carne humana. Assim, Dunning manipula o opressor, que é estimulado a desejar
aquilo que normalmente rejeita. Este fica preso à contradição entre suas vontades e fobias ao
descobrir o potencial erótico do grotesco.
Para Paglia (1990, p. 91), o reinado dionisíaco tem como princípio o hydra physis,
uma natureza líquida, orgânica, que conecta todos os seres. Ela entende que esta liquidez é
contida, presa nos tecidos corpóreos. Assim, relaciona o hydra physis com o corpo feminino,
nas experiências de menstruação, parto ou amamentação. Se, por um lado, o apolíneo se
15
O conceito de código supõe uma certa linearidade, pois é a própria estrutura de regras que aumenta a possibilidade da
transmissão da mensagem.
101
projeta para o céu, “a tumescência feminina, por meio do sangue e da água, é lenta,
gravitacional, amórfica” (PAGLIA, 1990, p. 91). Logo, o dionisíaco abraça a totalidade da
experiência humana, em todos os seus aspectos ctônicos. A resposta apolínea, nesse contexto,
é a rejeição e o nojo provenientes do julgamento estético. “O esteticismo insiste na linha
apolínea, separando objetos uns dos outros e da natureza. Nojo é medo apolíneo da dissolução
das fronteiras” (PAGLIA, 1990, p. 93). Nesse sentido, a artista explora aspectos ligados à
construção da identidade feminina, ultrapassando as tentativas de definição e controle. Ela
alude ao desmembramento e à mutilação do corpo, bem como à natureza líquida interna que,
apesar de contida na moldura, parece vazar. Assim, a construção da obra reconecta elementos
culturalmente separados e desafia o olhar contemplativo masculino.
A capacidade transformativa da fotografia é aqui abordada como flexibilização não
apenas da representação, mas também da identidade e do feminino. A montagem da obra,
com suas ambiguidades e ilusões, remete a diversos aspectos do barroco. A falsa relação entre
as duas imagens e a encenação do corpo são ilusões construídas que substituem a fotografia
objetiva, a tradição do retrato e a visualidade da mulher. O olhar é conduzido por meio da
teatralidade, do mise-en-scène. As obras não expõem a realidade da mulher, não mostram o
que existe por trás da imagem. Ao contrário, o “interior”, a “verdade” das entranhas é
encenada por um tomate.
As relações de duplo vínculo entre o interior e o exterior do corpo, entre a fruta e a
carne humana, entre o desejo e a repulsão trazem complexidade semântica à imagem. O
feminino é uma forma instável, porque múltipla. A ambiguidade, tipicamente barroca
(SARDUY, 1979, p. 161), aumenta o número de narrativas dentro de um mesmo texto,
gerando desequilíbrio. A obra não permite compor uma ontologia identitária da mulher, não
há imagem essencial da mulher, pois a obra exprime simultaneamente o adequado e o
inadequado. O acúmulo de relatos ambíguos em convívio desestabiliza a representação e a
objetividade fotográficas, o que coloca em crise a lógica binária, apolínea.
O barroco é montagem desta variação, da ambiguidade dionisíaca do feminino, das
narrativas que se multiplicam e se intensificam. A forma e o conteúdo da obra refletem o
exagero e o desperdício barrocos. Segundo Laplantine e Nouss (2007, p. 12), o barroco “é
uma estética da extravagância e da exuberância que se dedica a trabalhar todas as
potencialidades das deformações, das distorções, das sobreposições”. Este é o caso de
Leaking 2, na qual a natureza da mulher vaza de seu interior, pois não pode ser contida pelos
contornos da identidade. Seu retrato é acrescido de erotismo e alegria. As ambiguidades
semânticas confundem e atraem, de modo que as deformações do objeto se projetam como
102
Ela utiliza pintura, fotografia e performance para comentar sobre as trocas na cultura.
As obras são uma metáfora visual para representar a experiência da migração, expondo
simultaneamente o desejo de pertencer e o desejo de manutenção de um “lar”. Por um lado, a
artista se esforça para fazer seu corpo desaparecer em meio à paisagem. Por outro, seu corpo
ainda pode ser percebido devido a pequenos traços, como cabelos expostos, texturas de
103
tecidos ou discretos volumes decorrentes da iluminação, que atraem o olhar. Assim, ela
mostra a maleabilidade da identidade em meio a processos de tradução, produzindo novas
sínteses, mas mantendo elementos do contexto original, do seu próprio corpo reconhecível,
porém transmutado. Ela deixa um rastro pelos ambientes por onde passa, os quais incorporam
esses elementos novos. Não há exclusão do corpo, mas inclusão com tradução. A cena
resultante não apresenta unidade nem pureza, mas reflete a contaminação de elementos
internos e externos.
16
Artistic Statement de Cecília Paredes. Disponível em: <https://www.lensculture.com/articles/cecilia-paredes-eternally-
camouflaged>. Acesso em: 05 ago. 2017.
104
17
Paredes fala à Galeria Arthobler. Disponível em: <https://www.arthobler.com/artists/cecilia-paredes/>. Acesso em: 05 ago.
2016.
105
de se deixarem determinar pelo princípio apolíneo. Nas obras analisadas acima, fica evidente
a condição ambígua do corpo feminino: ele é profundamente ligado à natureza, relação a ser
escavada e que preexiste à dualidade com o masculino, às tentativas de controle por meio da
individuação, etc. Por outro lado, o corpo feminino interage em rede com a cultura, na qual
assume uma condição complexa. Há grande visibilidade enquanto objeto mercantilizado, mas
é alvo de constante violência e redução, pois é instável, provocador de mudanças.
Essa questão foi, em parte, abordada por Benjamin a partir das imagens da
modernidade de Baudelaire. Segundo Buci-Glucksmann (1994), as propostas estéticas de
Baudelaire e Benjamin alternam entre crise e crítica, destruição e construção, e questionam o
modelo de modernidade baseado no progresso linear, na ciência e na racionalidade. A “razão
barroca” de Benjamin abre um espaço de teatralidade, governado pela ruína e pelo fragmento,
ambos capazes de revelar as ambivalências da história.
Para a autora, o feminino perpassa os conceitos centrais sobre a modernidade em
Benjamin (2007), seguindo a ideia de Baudelaire sobre a mulher como alegoria da
modernidade. Em meio ao turbilhão moderno, este último percebe a redistribuição dos papéis
femininos e masculinos, acompanhada de uma reconfiguração simbólica. A experiência da
cidade, por exemplo, como um labirinto por onde vaga o flâneur, é alterada com a
prostituição. Através do feminino, seria possível traçar novas rotas no emaranhado das
cidades. O pensamento do feminino é relacionado ao labirinto, que tem alta carga de
indefinição.
Buci-Glucksmann (1994, p. 94) apresenta três cenários da modernidade marcados pelo
feminino: “utopia catastrófica”, “utopia antropológica” e “utopia transgressiva”. O primeiro
cenário é de destruição das aparências e totalidades, pois Benjamin adota um modernismo em
direção à catástrofe, oposto à ideologia do progresso, que surge da crise e da falta, não do
significado pleno. A partir das imagens de Baudelaire para os processos de urbanização,
industrialização e mercantilização, Benjamin pensa um novo “regime do imaginário da
mulher” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 94). O flâneur também é a “mulher que passa”, o
que caracteriza o fetichismo, o culto à imagem e a reprodutibilidade do corpo, marcas da
modernidade. Assim, com a quebra da “aura”, o feminino passa a incorporar esta condição
ambígua do corpo, que fica entre o visto e o não visto, permitindo a articulação dialética de
aspectos arcaicos e modernos, a pré- e a pós-história (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 94),
com o objetivo de superar o sistema de unicidade e totalidade do historicismo. A figura
feminina abre a possibilidade de uma reconstrução arqueológica que recupera “aqueles sem
nome” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 99) das camadas mais profundas para produzir
106
novas constelações. Benjamin, portanto, identifica diversas imagens dialéticas que circundam
o feminino e invocam essa dimensão catastrófica.
Na prostituta se conjuga a perda da aura e o medo da mortalidade, mas também a
visualidade de um corpo fragmentado, petrificado, que é só aparência (composta por
maquiagem, vestimenta, etc.). A finitude do corpo e sua estética fragmentada ocupam,
primeiramente, a posição de crise na dialética. Mas, segundo a autora, há um “aspecto
progressivo”18, uma dimensão crítica que pode ser elaborada com a desmistificação da ordem
e da totalidade (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 102). O corpo é um “palco” para uma série
de novas imagens modernas, fantasmagóricas e ficcionais.
Em segundo lugar, a chamada “utopia antropológica” propõe resgatar,
arqueologicamente, a androgenia do subterrâneo da história. Segundo Buci-Glucksmann
(1994, p. 106-109), Benjamin faz uma montagem de diferentes textos sobre androgenia,
buscando a sua “origem” como protesto contra a família e crítica ao patriarcado, à instituição
capitalista do casamento e à prostituição. Benjamin vai além da posição de Baudelaire (que
rejeita a realidade social da mulher e da prostituta) e busca no drama barroco a base
antropológica para a crítica ao historicismo. Através do poder da imagem e da imaginação,
encarnado no feminino, há a suspensão do desejo, do tempo e da morte, e se realiza o
potencial de construção de relações mais livres entre os sexos, o “potencial para o outro e para
a transgressão” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 109).
18
Buci-Glucksmann (1994) traça a separação entre a alegoria barroca e a alegoria moderna em suas relações com a morte. O
aspecto de salvação do barroco é substituído pela imobilidade do tempo do agora, que não tem possibilidade de futuro ou
transcendência.
107
reflexividade negativa da imagem dialética, a qual deforma e, portanto, faz olhar de volta.
Revela a estrutura das relações históricas, também entre feminino e masculino. Em Benjamin,
as figuras que possuem essa característica do olhar são ambíguas, andrógenas e feminizadas,
como a Medusa grega ou o anjo da história de Klee. Elas mostram a desconstrução das
barreiras entre “a representação e o irrepresentável” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 112).
Nesse sentido, é a alteridade que revela a distância entre a visualidade e o significado. A
imagem é, portanto, uma “runa”, fragmento desassociado da linearidade histórica. Logo, a
dimensão política pertence à esfera das imagens e deriva poder transgressivo da imaginação.
Benjamin reconstrói, por meio de uma lógica labiríntica, alegorias femininas capazes de tecer
tempos, imagens e corpos, resultando na “iluminação profana” (BUCI-GLUCKSMANN,
1994, p. 113), no despertar da imaginação.
Pierce se autointitula uma “reality artist”19, pois suas obras são instantâneas e, como
outros artistas da era “pós-internet”, estão sempre em fluxo. Ela produz, edita e publica por
meio de dispositivos móveis e depois faz diferentes versões para exibição e venda. Ao
utilizar-se da fluidez da forma, trabalhando com uma obra aberta, sempre sujeita a
modificações, a artista transporta esse conceito também para o seu conteúdo. Ela questiona o
olhar apolíneo – o qual conceitua e fetichiza a “obra” fotográfica –, bem como sua capacidade
de representação unívoca da realidade. Assim, liberta também suas personagens da
contemplação enquanto objetos com identidades determinadas, embalados para o consumo.
Suas imagens parecem sempre questionar o que é a “realidade”. Por um lado, Pierce
denuncia a mercantilização da vida através das telas. “Nós somos os programadores e estrelas
da nossa própria realidade, então se torna mais comum explorá-la por audiência ou likes”
(PIERCE, 2016a). A artista cita Jean Baudrillard ao falar sobre como a hiper-realidade das
telas é percebida como a própria realidade. Por outro lado, em suas obras, ela dá vida às suas
fantasias artísticas, políticas e sexuais, substituindo a hiper-realidade mercantilizada por uma
realidade aberta a diversas montagens, livre do olhar e do gosto que determinam o valor
cultural. Dessa forma, ela encarna personagens hiperfemininos e hipersexualizados sob a
hipótese de que, uma vez que as narrativas de sua versão personificada nas telas se misturam
19
Perfil do Instagram da artista. Disponível em: <https://www.instagram.com/signepierce>. Acesso em: 02 ago. 2016.
109
ao tecido de sua vida real (o que acontece, por exemplo, em reality shows como Kardashians
ou Real Housewives), por meio da ficção também seria possível adicionar mais dimensão à
mulher (PIERCE, 2016b).
Se a arte pop consolidou o gosto massivo e a fugacidade da fama como parâmetros de
artistificação, no cyberfeminismo de Pierce, as narrativas descentralizadas e fragmentadas
exploram o potencial da internet para criar novos espaços de existência para a mulher, além
daqueles dirigidos pelo homem.
É uma desconstrução das pressões e forças externas que consomem a mulher por
meio de sua própria identidade. [...] Para mim, é uma continuação das ideias de
mulheres pioneiras nestes conceitos antes da internet ser o que é hoje. Mulheres
como Donna Haraway (autora de A Cyborg Manifesto) e VNS Matrix (que escreveu
A Cyberfeminist Manifesto), que escreviam sobre a revolução digital como
instrumental para as mulheres retomarem seus corpos, mentes e identidades por
meio da tecnologia, o que está acontecendo ativamente em 2015. (PIERCE, 2015)
6. Considerações finais
construído como subjéctil, como do meio, pois o canal de distribuição assume uma
característica multiperspectivista. O modelo barroco de visualidade e espacialidade promove
um fluxo imagens inquietas, transitórias.
A abertura para o entorno, aumentando as possibilidades interativas através do espaço
público, é uma característica das obras de Ivekovic e Matthew. As artistas exploram os
aspectos massivos da comunicação por imagens, por meio da paródia e da referenciabilidade
da fotografia, reelaborando conteúdos em circulação, ao mesmo tempo em que traçam novas
rotas de navegação. Elas desviam as correspondências originais ao inserirem
descontinuidades nas narrativas-mestres. Ao exporem no meio público, seus textos ficam
disponíveis à heterogeneidade do espaço e ganham novas possibilidades de articulação. As
dobras da imagem continuam se expandindo por todo o ambiente comunicacional.
A intertextualidade como abertura também é uma estratégia importante, em destaque
nas obras de Sherman e Moffatt. Ambas artistas coletam referências provenientes da história
da arte, da história da própria fotografia e de outras séries culturais, e produzem textos
imaginados a partir destes fragmentos. Em suas obras, a encenação da própria fotografia
amplia o processo fotográfico, o qual se volta contra si mesmo e permite uma inversão de
valores em relação à posição de partida dos textos apropriados. Sherman busca contestar os
códigos ocidentais modernos de representação da mulher, associando a artificialidade da
construção identitária à artificialidade da imagem. Moffatt, por sua vez, desmonta as relações
de colonização propondo narrativas alternativas que subvertem as relações hierárquicas entre
os textos de referência. Seu mosaico é descontínuo, com pluralidade irredutível.
Na configuração de uma imagem dialética, a montagem coloca em crise as relações
primárias nos signos e códigos já estabelecidos, citados nas novas obras, e suspende a
“temporalidade linear”, a história da construção do valor cultural. Isso permite recuperar e
recolocar aquilo que foi abandonado pela cultura em novas relações. Para o feminino, isso
significa o potencial para integrar novas relações comunicativas que fujam aos modelos
baseados na identidade e na oposição. Na fase final da dialética, a crítica também é
reflexividade negativa. Quando a câmera aponta para o interior da caixa-preta, a fotografia
revela a própria (in)capacidade de representação. Logo, não se fixa novamente uma imagem
completa, ou seja, não há totalidade substituta. A pós-fotografia será sempre inacabada e
instável. O “vazio” resultante é, então, preenchido exaustivamente pela variação e repetição
barrocas. Como nas obras de Dunning, Paredes e Pierce, há um excesso de materialidade na
profusão de cores e luzes, na liquidez do corpo e das aparências. Esses elementos se
116
expandem e se desdobram para o interior e para o exterior, da mesma forma como o texto
fotográfico se desdobra para revelar a sua própria estrutura, mas acusa o olhar do observador.
A dobra é manifestação da materialidade prolífera, a qual afeta tanto a visualidade e a
espacialidade das obras, como toda a construção textual até o nível do sentido. Nas obras
estudadas, a montagem evoca a teatralidade barroca na encenação dos objetos e da própria
fotografia, e facilita a separação entre significante e significado, o que permite que as artistas
insiram outras histórias nessa brecha. Dunning trabalha com um discurso ambíguo que exalta
os aspectos grotescos e eróticos da natureza feminina ao aproximá-la a uma fruta. Ela
recupera o abjeto do corpo e o reintroduz de forma prazerosa no retrato. A flexibilização da
representação, exaltando a vida física, resulta também na flexibilização da identidade.
Similarmente, Paredes recorre à pura visualidade, aos padrões e textura do entorno para
transformar seu próprio corpo em matéria líquida. Em Pierce, a dobra está na estética kitsch, a
qual ironiza a fetichização, ao mesmo tempo que acusa o ciclo da mercadoria e permite
recuperar tudo o que é descartado. Ela intensifica as características materiais para construir
ficções eróticas e transgressoras em novas visibilidades, com cenários e personagens
marginalizados.
Como foi observado, as obras pós-fotográficas analisadas questionam mitos e
estereótipos sobre as mulheres, mas também falam sobre o corpo em si, além de sua
representação, e recuperam corpos que são ignorados. Recria-se o novo ao abrir as
possibilidades do olhar, para que este possa redirecionar o uso do meio técnico, invocar
elementos esquecidos e refletir sobre as estruturas. O barroco rompe com a homogeneidade
das narrativas-mestres e provoca um aumento da ambiguidade ao somar múltiplas narrativas
na mesma imagem. Esses desdobramentos colocam a mulher em uma situação de devir.
Politicamente, a montagem barroca gera imagens que trazem novas formas para a vida social.
Assim, pode-se pensar o feminino a partir das variáveis do “ser” mulher, além da razão
binária em relação ao masculino. Esteticamente, as dobras e a expansão do barroco permitem
desenvolver um pensamento do feminino a partir das relações com a natureza e com a cultura
que antecedem as dicotomias, porém sem renová-las.
117
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