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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

PUC – SP

Laís Santoyo Lopes

Montagem barroca em pós-fotografia:


uma estética política do feminino

Doutorado em Comunicação

São Paulo
2016
Laís Santoyo Lopes

Montagem barroca em pós-fotografia:


uma estética política do feminino

Doutorado em Comunicação

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia


Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial
para obtenção do título de Doutor em Comunicação e
Semiótica – Signo e Significação nas Mídias sob a orientação
do Prof. Dr. Amálio Pinheiro

São Paulo
2016
Banca Examinadora
Bolsa CAPES

Apoio FUNDASP
RESUMO

O objeto de estudo da presente pesquisa é a pós-fotografia, momento de expansão do


fotográfico marcado pelo aumento da porosidade com outras mídias, maior circulação de
convenções e referências, códigos e imagens pré-existentes, além da mudança de foco para o
processo intermediário, entre captura e impressão, e para as possibilidades de pós-produção
com tecnologias digitais. O objetivo consiste em analisar a relação entre os procedimentos
barrocos em atuação no ambiente cultural/midiático e as práticas pós-fotográficas, através da
observação dos modos de montagem e hibridismos. Assim, o problema está no modo como os
códigos barrocos em evidência na atualidade se relacionam com as mudanças na prática
fotográfica. Uma hipótese é que a montagem destas imagens recorre, no nível microestrutural,
a procedimentos barrocos. As distorções estéticas, as dobras do campo da fotografia e a
inovação da linguagem pela mescla e tradução, mencionadas nas teorias (pós-) fotográficas,
podem ser remetidas também a tradições barrocas. Por fim, observa-se a relação entre a
montagem barroca e o modelo de visão dionisíaco, investigando a expressão dos aspectos
femininos do barroco como forma de superação estética das narrativas de identidade e
oposição. A pesquisa se elabora em torno das Teorias da Imagem, da Mídia e da Semiótica da
Cultura. Para a compreensão desse novo paradigma da imagem, parte-se dos conceitos de
Mitchell (1994) e Batchen (2001) sobre a pós-fotografia, além de Müller-Pohle (1988) e
Baker (2005). O entendimento das implicações desse fenômeno é feito através da leitura de
Flusser (2008, 2011a, 2011b) e Couchot (1993, 2003) sobre as imagens técnicas e sintéticas.
No campo das teorias do barroco, parte-se primeiramente dos conceitos de “valência” e
“pluriposicionalidade” de Moser (2001), “imagem dilalética” de Benjamin (2007) e “dobra”
de Deleuze (2001), bem como as leituras de Buci-Glucksmann (1994. 2001) sobre estes
autores. Também são relevantes os estudos sobre o barroco latino-americano desenvolvidos
por Pinheiro (2009, 2011), Campos (2001) e Vilatella (2004).

Palavras-chave: pós-fotografia, barroco, neo-barroco, feminino


ABSTRACT

The subject of this research is post-photography, the moment of photography’s


expansion, characterized by an increased porosity between media, by the circulation of
references, conventions, codes, and pre-existent images, and by the intermediate processing
and the possibilities of post-production through digital technology. The main objective is to
analyze the relationship between baroque procedures within the cultural environment and the
post-photographic practice, through the observation of montage and hybrid forms. Therefore,
the problem lies in the way baroque codes relate to changes in the photographic practice. It is
a hypothesis that the montage of these images, in a micro structural level, shows use of
baroque procedures. Aesthetic distortions, folds in the photographic field, and innovation
through mixture and translation, all mentioned in post-photography theory, could be attributed
to the baroque tradition. Moreover, the relationship between baroque montage and the
Dionysian model of vision will de studied, aiming at investigating the expression of the
feminine aspects of baroque as a way of surpassing narratives of identity and opposition. This
research is built around Image and Media Theories, and Culture Semiotics. In its attempt to
understand this new image paradigm, it will discuss the concept of post-photography in the
works of Mitchell (1994) and Batchen (2002), as well as the works of Müller-Pohle (1988)
and Baker (2005). The implications of this phenomenon will also be analyzes through from
the point of view of Flusser (2008, 2011) and Couchot (1998, 2003) regarding synthetic
images. In the filed of baroque theory, it will explore Moser’s the concepts of “valency” and
“multi-positionality” (2001), Benjamin’s “dialectical image” (2007), and Deleuze’s “fold”
(2001), as well Buci-Glucksmann’s interpretations of these authors (1994, 2001). Also
relevant, regarding Latin American baroque, are the works of Pinheiro (2009, 2011), Campos
(2001) e Vilatella (2004).

Key words: post-photography, baroque, neo-baroque, feminine


SUMÁRIO

1. Introdução 8
2. Paradigmas fotográficos: além da dicotomia analógico – digital 10
2.1 Fotografia expandida e fotografia encenada 10
2.2 Fotografia como informação 13
2.3 Pós-produção 19
2.4 Pós-fotografia 21
2.5 Caminhos de pesquisa 28
3. Barroco 30
3.1 Histórico do conceito 30
3.2 Estilos barrocos na Europa no século XVII 33
3.3 Retornos do Barroco: entre Modernidade e Pós-modernidade 38
3.4 Barroco na América Latina 42
4. Barroco e pós-fotografia 47
4.1 Heterogeneidade barroco-mestiça e montagem 48
4.2 Paradigmas barrocos da complexidade: a imagem dialética e a dobra 50
4.2.1 A dialética da imagem de Walter Benjamin 50
4.2.2 A dobra leibniziana em Gilles Deleuze 56
4.3 A pós-fotografia de Helen Sear e A. L. Steiner 59
4.4 Montagem pós-fotográfica e tradução 75
4.4.1 Comunicação massiva e arte pública em Sanja Ivekovic e Annu Matthew 77
4.4.2 Revisão de relações históricas em Cindy Sherman e Tracey Moffatt 86
5. Montagem do feminino barroco 94
5.1 O feminino dionisíaco 94
5.1.1 Apolo e Dionísio – modelos de visão 94
5.1.2 Aspectos dionisíacos do barroco 97
5.1.3 O princípio dionisíaco na pós-fotografia 98
5.2 Figuras femininas como imagens dialéticas 104
5.2.1 As outras mulheres de Signe Pierce 107
6. Considerações finais 114
Referências bibliográficas 117
Lista de imagens 122
8

1. Introdução

Ao longo da escritura deste trabalho, percebeu-se que o objeto da pesquisa, a pós-


fotografia, desdobra-se em diversos conceitos, e que ela é proposta, em diferentes contextos,
por mais de um autor. Portanto, inicia-se com a revisão dos conceitos de fotografia expandida
(Baker), fotografia encenada (Müller-Pohle), pós-produção (Bourriaud) e pós-fotografia
(Mitchell, Batchen e Shore). Adicionalmente, o pensamento de Flusser a respeito das imagens
técnicas e seu viés informacional auxilia na compreensão das estratégias comunicacionais
empregadas pela fotografia atual. Nesse sentido, a apresentação do tema visa estabelecer um
histórico das discussões críticas sobre a (pós-)fotografia, à luz da qual esta pesquisa pretende
investigar a questão da montagem.
Ressalta-se que, ao fim, optou-se pelo termo “pós-fotografia” para designar o objeto, o
que inclui as contradições entre suas várias formulações, bem como aquelas desenvolvidas no
estudo de seus conceitos precedentes. As análises irão demonstrar em que medida essas visões
concorrentes se manifestam na prática pós-fotográfica, indicando caminhos para a crítica do
conceito. Uma possível formulação de “pós-fotografia” deverá considerar o contexto de
expansão do fotográfico, o qual é marcado pelo aumento da porosidade com outras mídias e
também por uma maior circulação de convenções, referências, códigos e imagens pré-
existentes. Além disso, há o direcionamento da prática para o processo intermediário, entre a
captura e a impressão, e para as possibilidades de pós-produção por meio das tecnologias
digitais.
Dentre as diversas abordagens teóricas possíveis, optou-se pelo estudo das obras pós-
fotográficas pelo ponto de vista do barroco. O objetivo, portanto, será analisar, através da
observação dos modos de montagem e dos hibridismos, a relação entre os procedimentos
barrocos em atuação no ambiente cultural/midiático e as práticas pós-fotográficas. Uma
hipótese é que o barroco não possa ser definido como um conceito estável, mas pertença à
natureza do contínuo, sendo remodelado a cada ocorrência pela articulação de determinadas
variáveis históricas, combinadas às novas possibilidades comunicativas inauguradas pelas
práticas artísticas presentes. Logo, outra hipótese sugere que a presença do barroco na pós-
fotografia ocorra na forma de um fluxo associativo mobilizador dessa multiplicidade, o qual é
impulsionado pelas próprias especificidades da mídia e por sua expansão no suporte digital,
bem como por meio da recombinação com outras mídias e séries culturais.
Assim, no segundo capítulo, faz-se um histórico do barroco em suas manifestações
históricas e contemporâneas para, então, no terceiro capítulo, estudar em maior profundidade
9

os conceitos da imagem dialética em Benjamin e da dobra em Deleuze. A partir deles, será


analisada a montagem nas obras das fotógrafas Helen Sear e A. L. Steiner. Em seguida,
estuda-se a tradução e a mestiçagem como formas de montagem nas obras de Sanja Ivekovic,
Annu Matthew, Cindy Shermann e Tracey Moffatt.
Por fim, no quarto capítulo, estuda-se a relação entre a montagem barroca e o modelo
de visão baseado em princípios dionisíacos nas obras de Jeanne Dunning, Cecília Paredes e
Signe Pierce. Investiga-se como as fotógrafas expressam os aspectos femininos do barroco
como forma de superação estética das narrativas de identidade e oposição. Essa etapa da
pesquisa abordará os princípios apolíneo e dionisíaco de acordo com Paglia e Flores e, no
contexto do barroco, segundo Pinheiro. Ademais, trata das figuras femininas como imagem
dialética benjaminiana, conforme a leitura de Buci-Glucksmann.
10

2. Paradigmas fotográficos: além da dicotomia analógico - digital

2.1 Fotografia expandida e fotografia encenada

Na década de 1960, a relação entre a fotografia e os outros meios artísticos mudou.


Até esse momento, a fotografia era associada à vida cotidiana, às representações mundanas, e
seu caráter indicial era considerado artisticamente restritivo, especialmente diante da
comparação com a pintura expressionista abstrata. Todavia, os action painters alteraram este
cenário aproximando a pintura abstrata ao cotidiano, com o objetivo de explorar as possíveis
relações entre seus gestos e efeitos e temas urbanos (EKLUND, 2004). Novas estratégias
informacionais passaram a ser empregadas nas artes plásticas, incluindo aquelas próprias à
fotografia, o que deixou menos definidas as barreiras entre os meios artísticos. Intensificou-se
o trabalho sobre a superfície, com a inclusão de objetos e outros elementos sólidos e reais às
obras. Robert Rauschemberg, já nos anos de 1950, destacou-se com as combine paintings, que
incluíam colagens e ready-mades. Na década seguinte, ele passou a transferir fotografias para
a tela. Segundo Edmond Couchot (2003, p. 88), “Rauschemberg afina um sistema estético
capaz de combinar tudo, de tudo assimilar, de tudo transmutar em imagem sem ter de tirar,
hierarquizar, colocar em perspectiva”. Também Warhol, ao utilizar fotografias de tabloides e
imagens publicitárias, bem como através de seu fascínio por cabines de fotografia instantânea,
questionava os valores de autenticidade e originalidade do expressionismo abstrato.
A arte pop e novo realismo podem ser entendidos como movimentos que se
preocupavam em incorporar a realidade prolífera de imagens por meio de procedimentos
industriais de reprodução. A partir de uma postura crítica e irônica, apropriaram-se da
linguagem da imprensa e da televisão para reorganizar os objetos e conceder novos sentidos
às imagens da mídia (COUCHOT, 2003, p. 88-90). Pode parecer paradoxal, mas enquanto a
fotografia moderna1 buscava estabelecer sua própria especificidade, a lógica fotográfica foi
incorporada pelas neovanguardas, expandindo o campo das demais mídias. Douglas Eklund
(2004), por exemplo, ressalta como as pinturas de Rauschenberg foram criadas para compor
sets de dança moderna numa época em que houve uma explosão dos gêneros da performance,
do teatro e do cinema experimentais, peças não narrativas e happenings, sobre os quais a
fotografia também teve grande influência.

1
No contexto da história da arte, o termo “fotografia moderna” diz respeito à fotografia da primeira metade do século XX,
cujas características principais eram a atenção à técnica e o consequente destaque das qualidades formais.
11

O resultado da mudança dos parâmetros de “artistificação”, que não mais remetem a


elementos internos da obra, mas ao contexto, deixou a linguagem fotográfica disponível para
novas combinações. George Baker (2005, p. 121) escreve que a teorização da arte pós-
moderna nas décadas de 1970 e 1980 poderia ser considerada um “evento fotográfico”, dada a
importância dos parâmetros fotográficos na reorganização das outras práticas artísticas.
Segundo Rosalind Krauss (apud BAKER, 2005, p. 121-122), a lógica fotográfica da cópia,
seu enfrentamento da autoria e do estilo, bem como os aspectos massivos da mídia e sua
qualidade de referencialidade, passaram a guiar os objetos artísticos contemporâneos.
Baker (2005) retoma a ideia de “campo expandido”, presente nas primeiras teorias da
arte pós-modernistas, para pensar a reconstrução cultural e estética da fotografia a partir de
1980. “Parece que o meio fotográfico foi inteiramente transformado hoje, e enquanto as
formas tradicionais de fotografia não estão mais em evidência na sua prática avançada, algo
como o efeito fotográfico ainda continua – sobrevive, talvez, em uma nova forma, alterado”
(BAKER, 2005, p. 123). Ele divide o “efeito fotográfico” em dois: o efeito de movimento,
também chamado de narratividade, e o de estagnação. Assim, a expansão da operação da
fotografia é mapeada a partir das múltiplas possibilidades de desdobramento e combinação
dos pares estagnação e narratividade, antes pensados em oposição: natureza e cultura,
documento e discurso, studium e punctum, tecnologia e arte, ícone e índice, fotografia de
arquivo e fotografia de arte, etc. (BAKER, 2005, p. 124-125).
Para Andreas Müller-Pohle (1988), a história das práticas fotográficas mostra que
sempre houve uma oscilação entre os dois termos. Primeiramente, afirma que a fotografia
nasceu evidenciando o estilo, pois era mais posada, até que, então, foi vítima de um
movimento contrário, de busca pela objetividade e pela fotografia direta na virada para o
século XX. Após a 2a Guerra Mundial, os movimentos da “absolute photographic creation” e
da “absolute realistic photography” ressaltavam esses aspectos de forma oposta.
Similarmente, a fotografia “live” dos anos de 1960 foi seguida por uma onda de análise da
mídia pelos artistas conceituais na década seguinte. Por fim, o autor, escrevendo em 1988,
destaca o purismo da fotografia documental no final da década de 1970, o neosubjectivism e o
visualism como novas manifestações dessa dualidade.
Müller-Pohle (1985, 1988) utiliza o par “descoberta” e “invenção” para caracterizar as
duas estratégias. O autor afirma que, a partir da década de 1980, passou-se a explorar
intencionalmente as possibilidades inventivas da linguagem fotográfica por meio da
manipulação dos elementos-base da fotografia além do seu uso comum ou automático, ou
seja, tornando mais evidente a mediação cultural. Ele fala sobre a utilização intencional da
12

propriedade de encenação da fotografia, constituindo o gênero ou movimento da “fotografia


encenada” no final da década de 1980, que contrapõe o modelo do “fotógrafo-caçador”,
relacionado à atividade de coleta, ao “fotógrafo inventor”, relacionado às atividades de
cultivo, sedentárias. Este último teria uma ação “conceitual” sobre a cena, por meio da
pesquisa e da invenção. Desse modo, o fotógrafo negaria o âmbito da realidade imediata,
atuando culturalmente na invenção de uma nova realidade.
O autor identifica cinco tipos de encenação possíveis, a partir dos elementos da prática
fotográfica: sujeito, aparato, objeto e luz.

– Encenação do sujeito, i.e. a auto encenação do fotógrafo em frente da câmera


(autorretrato, performance, body art);
– Encenação do aparato (o hardware e software fotográfico) na utilização da câmera
de forma contrária à sua função pré-programada (sua indicação de uso) ou
conjuntamente com outros aparatos como computadores ou laser (visualism,
generative photography);
– Encenação do objeto pela construção, fabricação, arranjo do objeto ou situação
com o objetivo de fotografá-lo (natureza-morta, “fabricated to be photographed"
etc.);
– Encenação da luz pelo uso de fontes de iluminação artificiais ou pela exploração
de regiões alternativas do espectro eletromagnético (“photographis interruptus”,
fotografia infravermelha, fotografia de raio-X etc.);
– Encenação da própria fotografia, i.e. transpondo o output da câmera para uma
meta-estrutura, seja uma estrutura fotográfica (sequência, tableau, montagem, foto-
objeto) ou em formato multimídia (colagem, foto-texto, foto-pintura etc.) o processo
fotográfico é ampliado aqui para um processo de múltiplos estágios. (MÜLLER-
POHLE, 1988, p. 1)

Em artigo anterior, Müller-Pohle (1985) também escreve sobre a encenação da mídia


relacionada a estratégias de distribuição. São casos nos quais a atuação política ultrapassa as
escolhas estéticas e os processos de produção para pensar as categorias de público.

– Encenação do meio: [...] o modo no qual o produtor forma, constrói ou arranja


canais de distribuição. Seriam exemplos as revistas e livros autorais, galerias de
produtores, foto-performances etc. A divisão clássica do trabalho em sistemas de
comunicação é negada e o autor cria e determina a sua audiência. (MÜLLER-
POHLE, 1985, p. 7)

Logo, ele aponta para além da mais comum encenação do objeto, visão que considera
restritiva, pois é derivada da ideologia da objetividade fotográfica. Por outro lado, neste
último modelo de apresentação das características inventadas – ou narrativas – da prática
fotográfica, o autor vê uma tendência à redução da oposição. Müller-Pohle (1988) afirma que
há um continuum entre as estratégicas estéticas da fotografia como descoberta ou como
invenção. Baker (2005, p. 126-127) também destaca como essa dicotomia é uma “condição
estruturante de toda a fotografia modernista”. Em sua opinião, a fotografia modernista ficava
em estado de suspensão, paradoxalmente colocada entre as duas funções, negando
13

simultaneamente conotação e denotação. Por outro lado, o autor (BAKER, 2005) afirma que,
se as teorias pós-modernistas da arte se voltaram justamente a este paradoxo da fotografia
para alimentar as práticas de outras mídias, o pós-modernismo fotográfico viu um
“relaxamento” dessa condição, não mais atuando pela mútua negação dos termos, mas pelo
acréscimo e multiplicação de funções.

2.2 Fotografia como informação

Trabalhar a fotografia como uma imagem que pensa a linguagem implica trabalhar a
montagem, as operações internas dos textos e entre os textos, as possibilidades interativas a
partir da reserva de materiais, eventualmente resultando em maior teor informativo. Segundo
Müller-Pohle (1985, p. 1), a invenção da fotografia no século XIX ocasionou uma mudança
de paradigma estético, o qual deixou de ser orientado pela beleza e passou a valorizar o
princípio da informação e inovação. O mérito da fotografia estava em apresentar algo novo,
inusitado ou surpreendente, ou seja, trazer informação, pois a beleza se tornou redundante.
Esse fato culminou na principal característica definidora da lógica do moderno nas artes2, “na
meta-estratégia, na arte conceitual, na informação sobre a informação” (MÜLLER-POHLE,
1985, p. 1).
Vilém Flusser (2008) também pensa a imagem técnica em termos informacionais. Para
o autor, a imagem totalmente numerizada e sintetizada representa menos uma ruptura, mas o
último grau de uma revolução cultural que ocorre desde a emergência das imagens técnicas e
gira em torno da escalada da abstração em direção à superfície nulodimensional3.
O primeiro gesto de abstração feito pelo homem é a manipulação, pelo qual se remove
o tempo e se “informa” a matéria genérica, transformando-a em cultura (FLUSSER, 2008, p.
16). Em segundo lugar, por meio das imagens tradicionais, abstraem-se duas das dimensões, o
espaço e o tempo, e obtêm-se planos representativos. Esse nível de abstração, Flusser chama
de imaginação (2011, p. 21). Ele funciona nos dois sentidos: o vetor de codificação retira a
matéria do mundo e a transforma em imagem e o vetor de decodificação permite reconstruir o
mundo a partir da imagem. Assim, as imagens se colocam de modo ambíguo entre o homem e

2
Observa-se que a linearidade desta história da arte, em especial a relação causal entre a invenção da fotografia e a arte
conceitual estabelecida por Müller-Pohle, é apenas uma das narrativas possíveis. A evolução da arte no século XX não ocorre
de forma homogênea e outros movimentos artísticos se contrapõem aos princípios da arte moderna durante toda a sua
extensão.
3
Flusser utiliza o termo “nulodimensional” para se referir a imagens sintéticas, virtuais, formadas a partir de números e
algoritmos.
14

as circunstâncias informadas; podem revelá-las, servindo como mapas, ou ocultá-las se forem


opacas, funcionando como biombos (FLUSSER, 2008, p. 16, 2011, p. 23).
Esse caráter duplo das imagens, quase mágico, é então rompido pelo homem histórico,
que “rasgou” o plano e ordenou os elementos bidimensionais em linhas explicativas. Por meio
do gesto de conceitualização, ele gerou textos que representavam imagens, inaugurando um
universo ordenado pela lógica linear matemática, mais um passo de distanciamento em
relação ao mundo concreto. Até um certo momento, a relação entre imagens e textos era
dialética, de modo que as imagens ilustravam textos e representavam conceitos. E os textos
eram imaginativos, servindo de mediação entre o homem e a imagem. No entanto,
gradativamente eles perderam seu poder de decifração, de retorno à imagem que
representavam, passando a funcionar também como biombos (FLUSSER, 2008, p. 17, 2011,
p. 25-26).
Isso culminou na crise da História, proveniente tanto da existência de textos que
deixaram de significar imagens e, portanto, de um mundo que dispensa explicações
(FLUSSER, 2011, p. 26), como da constatação de que os encadeamentos lógicos do
pensamento científico eram artificialmente concebidos e seguiam a estrutura linear do
pensamento textual, gerando desconfiança quanto a sua capacidade de representação e
explicação (FLUSSER, 2008, p. 17). O rompimento das narrativas decorrente desta crise
liberou os fragmentos4 amarrados em uma ordem linear para que fossem computados, uma
vez que não seria mais possível manipulá-los com as mãos, imaginá-los com a visão ou
concebê-los por escrito. Neste último gesto, o “tatear” das teclas e botões com a ponta dos
dedos, o homem abstrai a linha para se tornar um jogador, que calcula e computa pontos em
um mosaico (FLUSSER, 2008, p. 17).
O resultado é uma imagem técnica produzida por aparelhos, pós-histórica. Ela difere
da imagem tradicional pois não é preciso decifrá-la. Se a imagem tradicional partia do mundo
concreto e gerava uma abstração, para a qual a decifração significava um movimento de
reconstituição, a imagem técnica parte dos fragmentos abstratos para compor uma superfície,
indo em direção ao concreto (FLUSSER, 2008, p. 19). Isso significa também que ela não é de
natureza representativa, mas criadora. Os pontos nos quais tudo se decompõe não representam
nada, não revelam nenhuma realidade oculta, mas um universo vazio. As imagens técnicas
são, para Flusser (2008, p. 23), uma tentativa de concretizar um universo a partir da
integração dos pontos em superfícies.

4
Fragmentos, bits, quantas ou pontos zero-dimensionais são termos equivalentes usados por Flusser (2011).
15

Esse processo, por sua vez, necessita de aparelhos, já que se tratam de “fótons,
elétrons e bits de informação” (FLUSSER, 2008, p. 24). Os aparelhos podem ser dirigidos
pelos homens com as pontas dos dedos, procedendo então automaticamente, sem a
necessidade de imaginar ou conceber. Os aparelhos lidam com os pontos como virtualidades,
produzindo superfícies de acordo com sua programação.
Nesse cenário, a questão central de toda a atividade passa a ser o nível informativo das
imagens. A própria existência de um aparelho produtor de imagens vai contra a tendência
entrópica do universo, organizando fragmentos dispersos. Ao computarem virtualidades,
aparelhos “transformam possibilidades invisíveis em improbabilidades visíveis” (FLUSSER,
2008, p. 26). Assim, imagens técnicas são depósitos de informação, criadas e reproduzidas
por aparelhos. Ou seja, do ponto de vista do universo, a produção imagética dos aparelhos
gera uma entropia negativa. Entretanto, a criação de imagens implica que os aparelhos rodem
um programa, o que determina que todas as imagens geradas estejam, de certa forma, já pré-
escritas. Logo, do ponto de vista dos receptores, as imagens tendem à redundância enquanto o
programa for um sistema fechado (FLUSSER, 2008, p. 26-27).
Para a comunicação, isso significa a predominância de discursos cujo caráter
informacional é acumulativo, em vez de produtivo (FLUSSER, 2011, p. 72). Isso significa
que os discursos tendem à previsibilidade, sendo hierarquicamente organizados, distribuídos
de forma massiva ou linear em códigos de acesso restrito, formas estas que incentivam a
acumulação de informação repetida e desencorajam a síntese colaborativa de novas
informações. O diálogo, como definido por Flusser (2011, p. 72), é o lado produtivo da
comunicação, a síntese de novas informações a partir dos discursos disponíveis. Idealmente, a
comunicação deve ser pautada nesta relação dialógica, e não de oposição, entre natureza – a
tendência à entropia – e cultura – a tendência histórica de criar, transmitir e armazenar novas
informações.
No cenário chamado de pós-histórico por Flusser, entretanto, são os mass media,
configurados como caixas-pretas, que têm por input os fragmentos da história e por output a
pós-história, os programas. Esse sistema transforma “toda informação irradiada
dialogicamente em mingau amorfo, em opinião pública, a fim de servir de feedback aos
aparelhos emissores” (FLUSSER, 2011, p. 78). Nesse contexto, não há espaço para política,
para diálogos circulares, intersubjetivos e não elitários. “A democracia não faz parte do
programa” (FLUSSER, 2011, p. 78).
A situação descrita por Flusser ecoa na leitura de Müller-Pohle:
16

[...] hoje, na segunda metade da década de 1980, a crise da fotografia direta, do


purismo fotográfico, do fotografismo não pode mais ser negada. É uma crise ética e
estética na qual a perda da credibilidade da fotografia e o aumento da sua
redundância estão alinhados. (MÜLLER-POHLE, 1988, p. 2)

No universo da imagem técnica, a automação da geração de imagens significa que elas


passam a ser produzidas por um jogo de acasos, “acidentes programados” (FLUSSER, 2008,
p. 27). No caso da fotografia, esse processo não é tão claro, pois as escolhas do fotógrafo
ocorrem dentro do universo do programa. Ou seja, em tese é possível calcular com
antecedência todas as imagens fotografáveis. Se o fotógrafo conduz o aparelho com a ponta
dos dedos, ele só pode dirigi-lo em um espaço restrito (FLUSSER, 2008, p. 27-28). Sendo
assim, com a invenção da imagem técnica, surge também a figura do funcionário, que não
trabalha no sentido tradicional de modificar o mundo, mas na produção de mensagens
informativas. Para o aparelho fotográfico, o funcionário trabalha em prol do esgotamento do
programa, a realização efetiva de todas as situações previstas. O jogo ocorre em função da
descoberta de virtualidades ocultas, contra o programa. Desse modo, o funcionário passa a
habitar o interior do aparelho, o qual, ao mesmo tempo, é para ele impenetrável. Por um lado,
ele possui o domínio do input e do output, através dos quais atua no jogo, mas é questionável
se consegue interferir no interior da caixa-preta (FLUSSER, 2008, p. 39-44).
O controle da atividade do fotógrafo e sua conversão em funcionário se faz pela
captura na caixa-preta, numa série de processos codificadores sobre os quais não tem
controle. O inverso, o caminho para sua atuação crítica, segundo Flusser (2008, p. 32),
encontra-se, portanto, no “branqueamento” destes processos ocultos. Se o programa é um
“jogo de combinação” (FLUSSER, 2008, p. 18) que segue as regras do “código”, o segredo
da caixa-preta é o “deciframento” das imagens técnicas, o ato de “revelar o programa do qual
e contra o qual surgiram [...] des-ocultar os programas por detrás das imagens” (FLUSSER,
2011, p. 29). O fotógrafo luta contra a situação de funcionário, tentando inserir elementos não
programados, imprevisíveis. Essa atitude crítica não implica, necessariamente, uma
intervenção física nas caixas-pretas. Ao contrário, é mais concebível em nível metalinguístico,
criando imagens que reflitam seu código, que se voltem para o interior da caixa-preta.
O problema da decifração das imagens técnicas, segundo Flusser (2008, p. 30), está no
fato de que o seu automatismo provoca uma ilusão naturalista demasiadamente forte, de
forma que elas não aparentam ser símbolos, signos consciente ou inconscientemente
convencionados. A implícita relação de naturalidade inspira confiança nas imagens e oculta
os conceitos que estas carregam, o que desmobiliza seu sentido original de combate à
textolatria. Para que isso acontecesse, as imagens técnicas precisariam recuperar a capacidade
17

de se reimaginar os conceitos gerados a partir das imagens tradicionais. Essa função de


“denominador comum” (FLUSSER, 2008, p. 35) é alcançada pela explicitação dos conceitos
e imagens nelas contidos.
Entretanto, apesar de Flusser apontar para o uso majoritário das imagens técnicas no
sentido oposto ao pretendido (FLUSSER, 2008, p. 35), entende-se que, de fato, a fotografia
não nasce com esta inclinação. Como apontado por Geoffrey Batchen (2002), William H. Fox
Talbot, já na década de 1830, tinha grande dificuldade para descrever o processo fotográfico,
optando pela metáfora “mágica natural”, ambígua quanto ao poder gerador da imagem.
Isso pode ser observado em uma fotografia de 1835 que retrata uma janela em sua
casa. Do interior da sala, Talbot aponta a câmera para uma das janelas e registra uma imagem
com alto contraste e visual bidimensional, quase abstrata. O resultado se assemelha a uma
folha de contato, a impressão direta da janela sobre o papel.

Imagem 1 – Fotografia Interior da Galeria Sul, Talbot, 1835


Fonte: BATCHEN, 2002, p. 8

Para Batchen (2002, p. 9), a escolha de Talbot é ainda mais interessante porque,
mesmo sob o título “Interior da Galeria Sul”, a fotografia não mostra nem o interior, nem o
exterior, mas os dois simultaneamente e nenhum deles. Não há esforço perceptível de realizar
uma representação naturalista do ambiente. Batchen (2002, p. 9) segue afirmando como este
exemplo reflete todo o posicionamento estético de Talbot, que sempre pedia aos objetos
fotografados para “encenarem”, sendo emblemas deles mesmos, do seu processo de inscrição.
18

Essa imagem pioneira coloca em questão, primeiramente, duas naturezas distintas do


signo fotográfico. Por um lado, seu caráter icônico, a similaridade com o referente. Por outro,
a função indicial, onde a relação com o referente se dá por meio do seu “rastro”, resultante do
processo químico. Neste caso, a relação de semelhança que a legenda pressupõe, o resultado
da fotografia apresentada e o interior da galeria, é percebida somente através do rastro
químico da janela que se “imprime” sobre a superfície sensível. Assim, neste primeiro nível, a
fotografia já pressupõe a existência indissociável entre estes dois estados de presença da
imagem fotográfica.
Indo além, é possível imaginar que a câmera ocuparia o lugar exato do papel sensível,
fosse o quarto uma câmera obscura. Assim, Talbot posiciona a sua câmera obscura dentro de
outra câmera obscura, olhando para fora de sua casa-câmera. “Ele está, em outras palavras,
tirando uma fotografia da fotografia trabalhando na produção dessa fotografia” (BATCHEN,
2002, p. 9). Esta leitura, feita por Batchen, ainda revela como Talbot optou por olhar a janela
e não através dela, comentando sobre a existência de uma moldura, mas mostrando apenas a
moldura e nada além dela (BATCHEN, 2002, p. 10).
Neste nível, Talbot invoca a natureza simbólica da fotografia, como resultado
convencionado de escolhas possíveis, delimitadas pelas especificidades técnicas do aparelho e
do contexto. No entanto, o faz de forma crítica, produzindo uma imagem cuja leitura é
justamente um reflexo negativo do seu processo. Este é alcançado na montagem da
visualidade com a legenda, elucidando o papel do fotógrafo e uma cadeia de decisões que
culminaram na representação da galeria pela inscrição da moldura da janela.
Esta imagem mostra como, muito precocemente na história da fotografia, havia
entraves para o seu uso como meio de transmissão linear de uma realidade sem ruídos e
totalmente transparente. Ao mesmo tempo, nesta dificuldade foi descoberto o potencial
comunicativo que permite ao fotógrafo superar a condição de funcionário, implicada na
utilização da câmera como um simples meio técnico. Sua decodificação aponta para “o
complexo formato de um palimpsesto” (BATCHEN, 2002, p. 10), no qual se sobreinscrevem
dinamicamente natureza e cultura, imagem e fotógrafo, realidade e representação. Ao
combinar a reprodução fiel da natureza com a sua autoinscrição, a fotografia permite
visualizar o objeto e o artista simultaneamente, conclui Batchen (2002, p. 11). A posição
crítica, nesse caso, pautou-se na criação de uma imagem acompanhada de uma metaimagem
que revelou o programa por detrás da primeira.
Esse exemplo ressalta, primeiramente, como a fotografia nasceu já incorporando a
relação natureza/cultura de uma forma dinâmica. O seu uso majoritariamente documental em
19

algumas esferas e a construção de um discurso de oposição entre as duas características


seriam um desvio político-ideológico. Em segundo lugar, destaca-se o papel da montagem
como modo de operação crítico da imagem, o que leva à reflexão sobre como estes processos
pautam a prática fotográfica após 1980.
Como visto em Flusser (2011), para superar o programa, sustentado na previsibilidade
e naturalidade das fotografias, o fotógrafo precisa atuar como programador. O momento de
abandono da posição de funcionário é justamente a superação da fotografia como imagem
puramente técnica por meio do incremento informacional, da busca de imagens que não
estariam pré-escritas, atuando contra a redundância do universo fechado (e autoritário) do
aparelho. O fotógrafo pode sair da condição de funcionário uma vez que seu discurso é
produtor de diálogo e interação por meio da síntese5 de novas informações (FLUSSER, 2011,
p. 72).
No universo telemático, o artista é um homo ludens (FLUSSER, 2011) que age
estrategicamente, com escolhas conscientes, visando à produção dialógica de informação.
Consequentemente, o foco da produção imagética se desloca para a linguagem. O artista atua
como manipulador de uma simulação da realidade, sem interferência no mundo, sendo sempre
experimental no plano das virtualidades. Desse modo, a imagem não é mais um espelho ou
um conceito, mas “imagem-linguagem”. No lugar do fotógrafo-caçador, em busca do
momento decisivo, o pós-fotógrafo trabalha no processo de codificação. Sendo assim, a
análise das formas de montagem na fotografia deve apontar o grau de informatividade e a
capacidade de síntese das obras, de promover troca de informações que possibilite imaginar o
novo.

2.3 Pós-produção

Em 1988, Müller-Pohle (p. 2) se pergunta qual será o impacto da tecnologia de


imagens eletrônicas para a síntese, processamento e reciclagem de fotografias. Em sua
opinião, os ciclos de descoberta e invenção serão redefinidos, pois o processo criativo passará
necessariamente por uma etapa de colheita de materiais para aplicação nas invenções. “As
estratégias da fotografia encenada são as estratégias imagéticas do futuro” (MÜLLER-
POHLE, 1988, p. 2).

5
Observa-se que Flusser (2011) utiliza o termo “síntese” no sentido combinatório, para indicar a criação de um texto com
acréscimo informacional, e não a sua redução.
20

O digital, se entendido como um outro modo de pensar visualmente a partir da


combinação de fragmentos discretos, está relacionado com o tratamento informacional da
fotografia como desenvolvido acima. O homo ludens de Flusser (2008) ecoa no “semionauta”
de Nicolas Bourriaud em 2002. O autor de Postproduction investiga como os procedimentos
de citação, reciclagem e détournement, já há tempos empregados, reaparecem na prática
contemporânea. Ele afirma que apesar de não serem inéditas, estas estratégias foram
rearticuladas e, hoje, são o motor das artes (BOURRIAUD, 2005, p. 9).
Primeiramente, ele aponta a mudança na relação com a história da arte, pois
diferentemente da apropriação, termo que em sua opinião está ligado à noção de posse e
direito, a relação do artista com a sua cultura é de constante atividade de compartilhamento.
Esta pode ser lida à luz do conceito de tradução, como gesto antropofágico de incorporação,
transformação e redistribuição da cultura. Tanto o museu quanto a cidade são depósitos de
formas, imagens e comportamentos à disposição de todos, e funcionam como ferramentas,
não como obras cuja autoridade deve ser reforçada ou desafiada. A diferença é a ampliação
das interfaces e a escala de mobilização dessas reservas.
Em segundo lugar, o constante retrabalho e reinserção da arte dentro de outras formas
“contribui para a erradicação da distinção tradicional entre produção e consumo, criação e
cópia, readymade e obra original” (BOURRIAUD, 2005, p. 13). O autor afirma que a prática
se deslocou da criação a partir de materiais primários, crus, para a reelaboração do que já está
em circulação, “objetos já culturalmente informados por outros objetos” (BOURRIAUD,
2005, p. 13). O artista é, então, um programador que trabalha com “dados”, o que expande a
sua área de coleta e invenção para além do tradicional campo artístico (BOURRIAUD, 2005,
p. 17).
Por fim, ele discute a utilização do prefixo “pós” para caracterizar essa prática. Na
visão do autor (BOURRIAUD, 2005, p. 17), não se trata de uma tentativa de negar o tipo de
produção anterior ou de superá-la, mas “ele se refere a uma zona de atividade” que está além
da produção primária. O artista semionauta atua na configuração do conhecimento, criando
novos caminhos entre os signos.

O semionauta imagina links, possíveis relações entre lugares desiguais, [...]


produzindo novas cartografias do conhecimento. Essa reciclagem de sons, imagens e
formas implica navegação incessante pelos meandros da história cultural, navegação
que se torna ela mesma o alvo da prática artística. (BOURRIAUD, 2005, p. 18)

Como a obra de arte não é mais tratada como objeto final, fechado em si mesmo, mas
sempre um work in progress, ela pode ser o próprio lugar de navegação, um ponto de conexão
21

e promotor de interatividade, “terminal temporário de uma rede de elementos


interconectados” (BOURRIAUD, 2005, p. 19).
Flusser (2008, 2011) também discute as implicações comunicativas resultantes das
modificações do meio técnico. Como explicado anteriormente, a comunicação por meio de
imagens técnicas deve ser avaliada de acordo com as possibilidades criativas de interação que
gera em oposição às estruturas totalitárias e seu efeito de fascinação. Para o autor, apenas
sairíamos de uma cultura de massa em direção a uma cultura democrática quando imagens
começassem a funcionar verdadeiramente como media. Não apenas circulação, mas troca de
informação via imagens entre os homens. Assim, o engajamento estaria no ato da
“computação”, entendido aqui criativamente como “poder imaginativo novo, e capaz de
imaginar sociedade anteriormente inimaginável” (FLUSSER, 2008, p. 72).
A possibilidade das imagens sintéticas abre uma gama de controles antes não
disponíveis ao produtor e ao receptor. “Ao gerar comportamentos e novos usos, a arte desafia
a cultura passiva, composta por mercadorias e consumidores. Ela faz funcionar as formas e
objetos culturais da nossa vida diária” (BOURRIAUD, 2005, p. 20). Considerando-se que as
modificações do meio técnico alteraram as possibilidades interativas, podendo levar tanto ao
seu incremento como à emergência de estruturas ainda mais totalitárias, questiona-se quais os
novos impedimentos e as possibilidades de atuação criativa neste ambiente que levariam à
emancipação do fotógrafo de sua condição de funcionário.
A fotografia como media, proposta por Flusser (2011), não poderia existir em um
sistema estável. Nesse sentido, em primeiro lugar cabe observar nas obras a sua capacidade de
incorporação do alheio, por meio de tradução, com o objetivo de gerar textos novos,
informativos. Depois, para compreender como promovem diálogo e comunicação, deve-se
considerar em que medida o processo de montagem poderá resultar em imagens críticas, de
acordo com Walter Benjamin (2007), que se mantenham disponíveis em um movimento
dialético contínuo de reelaboração e produção de dissenso.

2.4 Pós-fotografia

De forma geral, os desdobramentos da prática da fotografia encenada ou da fotografia


expandida diante das possibilidades abertas pela fotografia digital foram englobados pelo
conceito de “pós-fotografia”, como apresentado por William J. Mitchell (1994) e Geoffrey
Batchen (2001). Sua descrição do método do pós-fotógrafo também reflete os métodos do
homo ludens e do semionauta descritos acima.
22

Um dos primeiros usos do termo “pós-fotografia” é feito por Mitchell na obra The
Reconfigured Eye: Visual Truth in the Post-Photographic Era, de 1994. Ele posiciona o
nascimento da pós-fotografia na década de 1980, em face ao advento da tecnologia
fotográfica digital, que eventualmente tornaria o meio analógico obsoleto. Nesse trabalho, o
autor atenta majoritariamente para o problema da autenticidade e da veracidade diante da
mudança tecnológica do suporte, destacando a facilidade e a rapidez da manipulação. A
principal razão da mudança apontada é a importância que o processamento intermediário (não
mais simples captura e impressão) ganhou na fotografia digital.
A primeira tecnologia “fotográfica” digital surgiu em meados da década de 1950.
Tratava-se do escâner de tambor, capaz de identificar variações na iluminação e transformá-
las em código binário, processado digitalmente em um computador com capacidade de
memória de apenas 1500 palavras. O desenvolvimento tecnológico da imagem digital foi,
então, impulsionado pela possível aplicação ao campo da exploração espacial. Primeiramente
usadas pela NASA, técnicas de processamento digital de imagens se expandiram para os
satélites, radares e escâneres, sendo aplicadas tanto na arqueologia quanto no estudo dos
átomos e do DNA, na área médica, no estudo da inteligência artificial e das redes neurais, na
arquitetura, nos regimes de vigilância e disciplina e, evidentemente, no campo militar, com
bombas guiadas a laser ou contendo próteses visuais. No entanto, como pontuado por
Mitchell (1994, p. 15), sua popularização ocorreu apenas no momento em que foi integrada à
indústria da comunicação na década de 1980.
O uso da tecnologia de imagem digital para se obter uma maior qualidade em
impressões e transmissões de televisão rapidamente despertou a consciência de que alterações
poderiam ser realizadas com intuito enganoso, transgredindo o regime de verdade no qual a
fotografia operava até então. Desde muito cedo ocorreram tentativas de regulamentação
estrita da prática, alegando que esta seria danosa para a credibilidade dos meios jornalísticos.
Porém, de acordo com o autor, uma vez estabelecida a possibilidade da manipulação digital, a
pretensa credibilidade da fotografia já estaria perdida.

A manipulação digital de fotografias não elimina a distinção entre representação e


objeto, mas (característico da nossa era) torna indistinguíveis dois tipos de
“enganação” – uma das quais parece ter privilégio sobre a verdade. Somos
confrontados não com a fusão de significante e significado, mas com uma nova
incerteza sobre o status e a interpretação do significante visual. (MITCHELL, 1994,
p. 17)

A codificação binária, segundo Mitchell (1994, p. 4), é o que distingue uma fotografia
digital de uma fotografia analógica. Seu processo físico de criação tem uma implicação
23

cultural direta na opção pela lógica contínua ou pela lógica discreta. A representação
analógica varia ininterruptamente, em termos de espaço e tonalidade, como uma sequência
inquebrável contendo infinitos tons de cinza. No digital, a representação se dá sobre o modelo
de um plano cartesiano, no qual a cada célula é designado um número inteiro que remete a
uma única tonalidade. Assim, os detalhes e curvas são aproximados, sendo decompostos em
degraus tonais. Consequentemente, uma imagem analógica contém informação infinita, cada
ampliação revelando mais detalhes inéditos, enquanto na imagem digital isso é limitado e a
ampliação só torna mais evidente a microestrutura de células que a compõe. Outra
consequência está no fato de que as tentativas de cópia de um original analógico (fotografia
da fotografia, fotocópia, copias de fitas, etc.) em geral resultam em uma qualidade inferior,
porém, quando decomposta em dígitos discretos, a informação contida em uma imagem
digital pode ser reduplicada infinitamente sem modificações.
De fato, como explica Couchot (1998, p. 37), o nível de decomposição da imagem
fotográfica analógica chega até o plano, sendo impossível acessar diretamente cada grão. O
autor atenta especialmente à relação entre a busca pelo controle do elemento mínimo da
imagem e o progresso das técnicas de automatização. Ele identifica uma evolução técnica
constante desde o quattrocento, com o desenvolvimento da perspectiva central, até o século
XIX, com a invenção da inscrição automática da imagem da câmera obscura em suporte
fotossensível. A possibilidade da decomposição em linhas da televisão, por sua vez, levou à
automatização da transmissão. Por fim, o computador proporciona, hoje, o automatismo
calculado e perfeito através da ordenação da imagem em matriz numérica com controle das
coordenadas espaciais e cromáticas completas de cada píxel. Couchot (2008, p. 39) entende
que a permutação total entre píxel e número ocasionou uma ruptura completa com a lógica
figurativa das imagens resultantes de procedimentos óticos.
Os métodos de manipulação material da fotografia para o seu processamento se
alteraram. Segundo Mitchell (1994, p. 7), a fragilidade material da superfície fotográfica
analógica, com suas micropartículas, não só dificultava a manipulação como, de certa
maneira, a desencorajava. Consequentemente, o caminho do uso puro era o mais adotado e o
trabalho manual ficava resguardado para outros meios, como a pintura. Ainda assim, imagens
compostas e fotomontagens constantemente desafiaram a prática convencional. Entretanto,
intervir na base material fotográfica era um trabalho extenso e de alta dificuldade técnica,
permanecendo sempre como exceção. Sem as mesmas limitações físicas, Mitchell (1994, p. 7)
argumenta que a imagem digital é marcada pela facilidade e rapidez de sua manipulação, a
qual ocorre apenas pela substituição de dígitos em um computador. Tamanho é o impacto
24

disto, que o autor insiste no fato de que a imagem digital “não pode ser compreendida
primeiramente como uma questão de captura e impressão [...] mas o processamento
intermediário das imagens tem um papel central” (MITCHELL, 1994, p. 7). Conclui,
portanto, que a indistinção entre o trabalho de pintura e a fotografia é a marca essencial do
que ele chama de “era da eletro-bricolagem” (MITCHELL, 1994, p. 7).
Finalmente, se a fotografia tradicional tendia mais à busca modernista pela obra
polida, perfeita, fechada em si mesma, as tecnologias de processamento digital a inscreveram
em um cenário que privilegia a “fragmentação, indeterminação e heterogeneidade”, tendo
como consequência crítica a ênfase no “processo ou performance e não na obra finalizada”
(MITCHELL, 1994, p. 8). Se por um lado isso gera um movimento de repúdio por parte das
instituições que sempre dependeram de sua concepção enquanto representação unívoca da
realidade (fotojornalismo, fotografia forense, fotografia científica), por outro, surgem cada
vez mais espaços para se evidenciar os aspectos construídos da fotografia.
Adicionalmente, o desenvolvimento de dispositivos portáteis e pessoais, integrados
pela possibilidade de conversão universal de toda a informação para código binário, eliminou
a especificidade dos suportes. Logo, quando surgiram tentativas de controle, a produção de
imagens digitais já estava severamente descentralizada, sendo, além do mais, impulsionada
pela facilidade econômica aliada ao aumento da demanda, pois se trata de um meio mais
rápido e barato que a fotografia tradicional. Em conclusão, Mitchell afirma que “em 1989 a
fotografia estava morta – ou, mais precisamente, radical e permanentemente deslocada –
assim como a pintura 150 anos antes” (MITCHELL, 1994, p. 18).
Esta afirmação de Mitchell, no entanto, pode ser melhor analisada diante da
comparação com o procedimento de montagem ainda em meio analógico. A montagem,
entendida pelo autor em um sentido muito restrito, na verdade é uma tendência mais ampla de
toda a prática fotográfica, como apontado por Benjamin (1987), e não se limita ao literal
“corta e cola”. Ela diz respeito à elasticidade do meio, pois, ainda na sua forma analógica, a
fotografia nunca foi medium specific, tendo múltiplos usos e funções sociais (gravação de
fenômenos naturais, prova jurídica, testemunho, vigilância e militarismo, por exemplo, além
da arte). Por um lado, diferenciava-se da tradição modernista nas artes, que conquistou
justamente a independência e especificidade do suporte criando uma arte autorreferente, e, por
outro, anunciava a tendência da “arte pós-moderna” de transferência e circulação em diversos
ambientes. Se a fotografia permite restringir coordenadas precisas no espaço e no tempo,
delimitadas na captura do frame, seu trânsito e abertura à descontextualização por meio da
reprodução fazem com que ganhe intenções e significados a cada nova articulação. Sua
25

elasticidade possibilita a adaptação a variadas situações discursivas e institucionais


(MERCER, 2012, p. 72-73). Kobena Mercer (2012, p. 73) nota como esta infinidade de
significados é organizada e estreitada pelos códigos e convenções sociais, ressaltando,
portanto, o papel dos estudos culturais e da arte conceitual, os quais, nos anos 1970, passaram
a investigar a relação entre visualidade e organização textual na fotografia.
A fotografia, seja ela realizada em película fotossensível ou resultante de captura
digital, tem como princípio inerente a automatização combinada da inscrição e da reprodução.
Lugares antes inacessíveis ao olhar natural, as novas dimensões e recortes descobertos por
meio dos aparelhos de visão modernos adquiriram mobilidade e foram deslocados para
situações inéditas. Associou-se, portanto, a desvalorização do original pela sua recriação
seriada, o que removeu o peso da autoridade proveniente da unicidade da obra de arte no
tempo e no espaço, e possibilitou a constante atualização das imagens fotográficas devido ao
seu livre trânsito entre várias esferas da cultura, liberando-as, sobretudo, do peso
representativo. Benjamin (1987) identificou, no início do século XX, que essa conjuntura
resultava em um “violento abalo da tradição, que constitui o reverso da crise atual e a
renovação da humanidade” (BENJAMIN, 1987, p. 169).
Na descrita emancipação da obra de arte do aspecto ritual, evidencia-se, segundo
Benjamin (1987, p. 171-172), o procedimento da montagem como fundamento da práxis
política da fotografia. Isso se deve ao fato de que a livre contemplação não é possível, pois
existem sempre “indicadores de caminho” (BENJAMIN, 1987, p. 175), instruções de leitura
específicas em cada contexto, assim como no cinema, onde a compreensão de cada imagem
depende de seu encadeamento com as demais. Por ser simultaneamente construída e
indeterminada – nunca completamente uma ou outra, de modo que estes estados serão sempre
temporários –, a fotografia se faz um espaço de luta pelo sentido. Assim, Mercer (2012, p. 73)
afirma a importância da perspectiva histórica nas análises, já que, em cada momento, a
fotografia aparece em uma articulação específica. Esse atributo, é o que conclui a autora, faz
da sua arte, política.
Ainda assim, não é possível dizer que isso invalide as conclusões de Mitchell (1994).
De fato, montagem, fragmentação e indeterminação não são características novas à prática
fotográfica. No entanto, as ferramentas das quais se dispõe atualmente se somam às
estratégias anteriores e evidenciam ainda mais a paradoxal relação natureza-cultura que é o
cerne da poética fotográfica. Hoje, a tecnologia de imagem digital permite o fácil acesso a
infinitos mundos virtuais em potência, que se configuram em dispositivos fundamentados no
desejo de tudo aquilo que está além do “natural”.
26

Batchen define a pós-fotografia como “um momento após, mas não ainda além da
fotografia” (2002, p. 109). O autor, no entanto, aponta que as tecnologias de simulação digital
provocaram mais do que uma crise ontológica para a fotografia, enquanto que a possibilidade
de criar “fotografias falsas” se relaciona com uma crise epistemológica ainda mais ampla,
uma possível indistinção entre todas as coisas reais e simuladas.

Coisa e signo, natureza e cultura, humano e máquina: todas essas entidades até então
confiáveis aparentam estar se chocando umas nas outras. Logo, parece, o mundo
inteiro irá consistir de uma ‘natureza artificial’ indiferenciada. Segundo esse
cenário, a problemática questão de distinguir a verdade da falsidade se tornará nada
mais do que um pitoresco anacronismo – assim como a fotografia. (BATCHEN,
2002, p. 129)

Logo, Batchen alarga a definição de pós-fotografia, de modo que a escolha por uma
certa tecnologia não é mais vista por ele como determinante no tipo de prática. Assim, nem
todos que utilizam máquinas digitais fazem pós-fotografia, a qual, por sua vez, pode aparecer
em uma obra realizada com meios analógicos. Ele escolhe destacar aspectos similares aos
estudados por Müller-Pohler (1985, 1988) e Baker (2005), ressaltando como a porosidade da
barreira com as outras mídias (pintura, escultura, performance, cinema, etc.) aumentou, de
modo que a fotografia incluiu as demais, recolocando-se nelas, participando de todas, mas
sem ocupar um campo preciso. “A fotografia como entidade separada pode estar à beira do
desaparecimento para sempre, mesmo enquanto o rico vocabulário de convenções e
referências fotográficas vive um esplendor de eterna expansão” (BATCHEN, 2002, p.109).
A transmutação da fotografia, que deixa de ser apenas algo capturável, tornando-se
objeto construído, esculpido ou estendido no espaço, revela a permanência pela adaptação do
fotográfico em relação às mudanças do ambiente midiático. A partir desse momento, sua
percepção estrita como um meio autônomo de caráter icônico-indicial se diluiu, porém não se
perdeu completamente. Para o autor (BATCHEN, 2002), essa característica permanece em
jogo, mas de maneira problematizada, pois a fotografia passa a existir como uma prática de
circulação de convenções e referências, códigos e imagens pré-existentes. Simultaneamente,
destacou-se também a materialidade do suporte. O olhar não se daria mais somente através da
fotografia, mas direcionando-se para a própria imagem e seu processo, de forma similar às
estratégias de “encenação” identificadas por Müller-Pohler.
Por outro lado, a “fotografia” para Batchen (2002, p. 111) hoje é um artefato que faz
referência a um momento histórico preciso da era industrial, uma lembrança da extinção do
seu próprio sistema de representação. Sua hipótese é que “[...] a fotografia é agora uma
mensagem ao invés de uma mídia, uma mensagem que pode ser transmitida e infinitamente
27

repetida mesmo na ausência de qualquer fotografia de fato” (BATCHEN, 2002, p. 124).


Assim, pensar o fenômeno da circulação na pós-fotografia não se limita ao estudo da
importação de referências provenientes de outras mídias ou do trabalho com técnicas mistas,
misturas analógico-digitais em diversos formatos, mas considera também os novos modos de
circulação da fotografia enquanto “informação” e suas implicações para a construção do
corpo e do sujeito.
De modo geral, todos os autores estudados entendem que as primeiras manifestações
dessas tendências remontam à década de 1960 e podem ser observadas em obras do
construtivismo, do pop e da arte conceitual, conforme exemplos citados no início do capítulo.
Assim, não é possível postular uma ruptura nas práticas, um câmbio brusco determinado
unicamente pela mudança tecnológica, mas se procura definir a pós-fotografia a partir da
expansão do fotográfico e da recombinação de práticas, antigas e novas. Não se exclui,
evidentemente, o potencial das associações entre o universo digital e as características pós-
fotográficas de circulação e perda da indicialidade, mas não há relação de causa e efeito.
Nota-se, na comparação entre os usos do conceito de “pós-fotografia”, que, ao mencionar o
processo intermediário e a eletrobricolagem, Mitchell (1994) também se refere ao mesmo tipo
de fenômeno descrito por Batchen (2002), por mais que só o perceba tardiamente, quando
invade definitivamente a cultura de massa estadunidense. Entretanto, ao entender a montagem
no stricto sensu, Mitchell ignora a capacidade de elasticidade e adaptação do meio fotográfico
em geral, já apontada por Benjamin (1987).
Logo, evidencia-se o papel do artista e da montagem no processo de codificação e
construção de significado inerente à prática fotográfica. Ao manipular os elementos formais e
a expectativa dos observadores, os autores sugerem que as imagens pós-fotográficas podem
desafiar o funcionamento simbólico tradicionalmente exercido pela fotografia na cultura
ocidental.
Essas características da pós-fotografia são, na verdade, questões que permeiam toda a
história da fotografia desde a sua invenção, cuja crise se explicita com a introdução da
tecnologia digital. Nesse sentido, é possível criticar o conceito de “pós-fotografia”, se
entendido de forma limitada como uma inovação que supera ou substitui a fotografia
tradicional. Entretanto, para os autores citados, tanto a “pós-fotografia” como a “fotografia
expandida” ou arte da “pós-produção” não indicam ruptura, mas desvio da discussão que
antes se focava na definição ontológica na busca por especificidade do meio. Os conceitos
observam a transição para um mapeamento do universo em expansão da prática fotográfica,
incluindo a adaptação de estratégias tradicionais.
28

Robert Shore (2014) fala sobre a pós-fotografia como um momento, e não um


movimento, pois o artista que trabalha com fotografia não é necessariamente um fotógrafo –
no sentido daquele que captura pelo clique do obturador –, mas um editor de dados, inclusive
fotográficos. Shore (2014), falando a partir dos Estados Unidos, alega que o contexto social e
tecnológico atual levou a uma hiperdocumentação do mundo, de forma que, para a atuação
artística, apenas documentar é uma atitude modesta. Nesse cenário, destaca-se a found image,
recuperada da década de 1960. “Compartilhamento é uma palavra chave na era digital, e
apropriação [...] é a principal estratégia pós-fotográfica. O ambiente online é o principal
campo de caça para atos de empréstimo criativo e transformativo” (SHORE, 2014, p. 7).

2.5 Caminhos de pesquisa

Em conclusão, as questões em disputa na pós-fotografia não podem ser respondidas


apenas pela observação das características técnicas do suporte. Se, por um lado, Mitchell
(1994, p. 7-8) afirma que a fotografia digital se distingue da analógica por conta do papel
central do processamento intermediário, resultando na indistinção entre pintura e fotografia na
prática pós-fotográfica, por outro, Benjamin (1987) já havia apontado para a montagem como
modo de operação por excelência da imagem fotográfica no ambiente cultural. Assim, a
questão não estaria nas variantes do processamento, mas no modo como as novas tecnologias
de geração, manipulação e compartilhamento de imagens fotográficas provocam alterações
nas formas de montagem dos textos, podendo resultar em lógicas combinatórias até então
inéditas. Ou seja, medir as diferenças qualitativas evidentes entre os produtos da
“eletrobricolagem” e de procedimentos analógicos seria limitado. Ao invés disso, esta
pesquisa propõe investigar a montagem das obras pós-fotográficas contemporâneas e o
processo de tradução na combinação de textos, fragmentos e mídias, tanto digitais como
analógicas.
Observa-se que as obras consideradas pós-fotográficas já receberam diversas
abordagens teóricas, as quais se sobrepõem em muitos aspectos. De sua manifestação centro-
ocidental, resultaram trabalhos lidos na chave do pós-modernismo, derivados tanto do
“pastiche” americano da década de 1960, quanto sintomáticos da condição filosófica colocada
por Jean-François Lyotard como “crise das narrativas”, devido à tendência à revisão e à
problematização do cânone da história da arte e da fotografia, incluindo a prática da paródia e
o uso explícito de construções intertextuais. Andy Grundberg (1999) explica que o pós-
modernismo teve um significado diferente em cada campo e sua respectiva experiência
29

modernista. No caso da fotografia, essa experiência anterior implicou a descrença de qualquer


autenticidade e originalidade em arte, a mudança do papel do autor e, principalmente, a
incorporação do conceito pós-estruturalista da desconstrução. Todavia, nota-se que tais obras
pós-fotográficas são igualmente analisadas no âmbito do suposto retorno do barroco, em parte
pelos mesmos motivos. Narrativas fragmentadas, combinações entre séries culturais e
materiais e a incorporação do outro e do estranho nos procedimentos de montagem são
algumas características que vão contra conceitos universalistas. Uma provável explicação
para esta zona de indistinção se encontra no fato de que, no centro-ocidente, o retorno do
barroco é mais comumente compreendido em relação à implosão gradativa dos ideais
modernos ao longo do século XX e à concomitante descoberta de novas possibilidades
comunicativas mediante o avanço dos meios técnicos.
Para Baker (2005, p. 136), a expansão do campo da fotografia vai além do estético. A
expansão das mídias ocorre em direção ao mundo, ou seja, é também um cruzamento entre os
campos culturais de cada uma delas. Nesse sentido, ele ressalta a importância de se combater
teorias de “re-centramento” ou estagnação das possibilidades estéticas da fotografia que
passem pelas definições modernistas de objeto e meio. Assim, ele propõe mapear a expansão
e desconstruir as tentativas de delimitação ou “completude” do campo expandido, com o
objetivo de impulsionar o seu avanço em múltiplas frentes.

Se o objeto fotográfico parece em crise hoje, pode significar que estamos entrando
em um período não de esgotamento do meio, nem de colapso do campo expandido
sobre si mesmo, mas justamente que os termos envolvidos agora se tornaram mais
complexos, e a necessidade de mapear seus efeitos mais necessária, pois esses
efeitos são simultaneamente menos óbvios e mais auto-evidentes. (BAKER, 2005, p.
138)

Desse modo, esta pesquisa tem por objetivo geral analisar a relação entre as práticas
pós-fotográficas e os procedimentos (neo)barrocos em atuação no ambiente
cultural/midiático. Especificamente, pretende-se observar os elementos microestruturais
determinantes dos modos de montagem das obras pós-fotográficas, procurando identificar
como estes implicam novos modos concretos de atuar através e diante da imagem fotográfica.
30

3. Barroco

3.1 Histórico do conceito

O campo do barroco é bastante extenso, podendo ser entendido simultaneamente como


“um estilo, uma época [...] e um estado de ânimo” (LAPLANTINE, 2007, p. 120). Surgido na
Itália, foi um movimento de caráter artístico e religioso do século XVII com alcance
internacional. O barroco se desenvolveu em diferentes correntes na França, Alemanha,
Holanda e Hungria, além da Península Ibérica, sendo especialmente frutífero em seu
desdobramento na América Latina, como destaca François Laplantine (2007).
Diante da abrangência do movimento e da riqueza das convergências culturais em
cada cenário, o barroco se diferencia dos períodos anteriores pela ausência de unidade
estilística. Arnold Hauser (2009, p. 497) fala sobre a diversidade do barroco histórico ao
distinguir entre as correntes associadas aos ambientes de corte e católicos e aquelas de estilo
mais tradicional, classicista, predominante nos ambientes protestantes e burgueses. Segundo o
autor (HAUSER, 2009, p. 498), se antes era possível apontar claramente uma intenção
artística predominante (naturalista ou antinaturalista, por exemplo), a partir do barroco
direções opostas foram simultaneamente trabalhadas. O abandono de regras e padrões
dominantes de uma época e a consequente ausência de um novo projeto artístico ou social
unificado são traços que permanecem com o barroco na maioria de suas manifestações.
Essa característica explica a invenção post factum do termo “barroco” para agregar
toda a arte do século XVII. Para a teoria neoclássica da arte, predominante no século XVIII, o
conceito estabelece um contraste em relação ao exagero, extravagância e caos que marcaram
o período anterior. Hauser (2009, p. 498-499) identifica nos teóricos Winckelmann, Lessing e
Goethe, e depois em Burckhardt e Croce, a construção desta primeira visão do barroco, mais
racionalista, que o associa à “falta de lógica e técnica” refletida no excesso de adornos sem
propósito e na artificialidade dos gestos e da iluminação.
Posteriormente, no final do século XIX, Heinrich Wölfflin e Alois Riegl realizaram
uma leitura mais favorável ao barroco. Lois Parkinson Zamora e Monika Kaup (2010, p. 46)
identificam que Wölfflin, por meio de uma análise formalista, foi o primeiro a tentar uma
definição neutra do conceito como um período distinto na história da arte. Nesta segunda
versão, o barroco é colocado em oposição ao Renascimento, o que ainda marca certa
influência do pensamento clássico no entendimento do barroco.
31

Barroco (ou, digamos, arte moderna) não é nem uma elevação nem um declínio em
relação ao clássico, mas uma arte totalmente diferente [...] Nós devemos falar do
século XVI e do século XVII como unidades de estilo [...] Nós devemos estabelecer
as distinções num ponto mais ativo e deixar que se coloquem em contraste.
(WÖLFFLIN, 2010)

Wölfflin procura estabelecer uma lógica interna imanente da história da arte, na qual
períodos clássicos, marcados por rigidez e objetividade, seriam seguidos de movimentos
subjetivos e de dissolução de formas. Segundo o autor (WÖLFFLIN, 2010, p. 54), “a
transição do tangível, plástico, à percepção puramente visual, pictórica, segue uma lógica
natural e não pode ser revertida”.
Wölfflin parte de cinco pares dicotômicos que opõem características renascentistas e
barrocas: linear e pictórico; superficial e profundo; forma fechada e forma aberta; variedade e
unidade; claridade e falta de claridade.

1- O desenvolvimento do linear ao pictórico, i. e. o desenvolvimento da linha


como caminho da visão e guia do olho, e a gradual depreciação da linha [...] No
primeiro caso a tensão é colocada no limite das coisas; no outro a obra tende a
parecer ilimitada. (WÖLFFLIN, 2010, p. 50-51)

Para Hauser (2009, p. 500-503), o “pictórico” diz respeito ao borrar dos limites da
forma, menos definida e menos rígida, o que se reflete também na transformação do ser, na
qual a objetividade cede para o devir e há maior interação entre sujeito e objeto.

2- O desenvolvimento do plano para a reentrância. A arte clássica reduz partes de


uma forma total a uma seqüência de planos, o barroco enfatiza a profundidade.
(WÖLFFLIN, 2010, p. 50-51)

A “profundidade” do barroco se contrapõe ao caráter delimitador do Renascimento


por meio “do emprego de primeiros planos bastante grandes, de figuras que se aproximam do
espectador en repoussoir, e da brusca diminuição em perspectiva dos temas de fundo”
(HAUSER, 2009, p. 500). A descontinuidade da linha também afeta o plano, pois o olhar
passa a variar verticalmente entre o ponto de vista próximo e o profundo, o que confere
movimento e cria um efeito espacial vertiginoso.

3- O desenvolvimento da forma fechada à aberta. [...] em comparação com a forma


solta do barroco, o design clássico pode ser entendido como a forma da
composição fechada. O relaxamento de regras, a entrega às forças tectônicas
[...] (WÖLFFLIN, 2010, p. 50-51)

Por um lado, a tendência à “abertura” se relaciona à adoção do ponto de vista relativo


nas composições, a menores restrições, inclusive técnicas, em oposição ao fechamento
clássico. Por outro, também se relaciona à multiplicação de superfícies e contornos, às dobras.
Devido à ausência de limites marcados e ângulos retos e à composição com elementos
32

desconexos, as obras barrocas parecem incompletas, podendo ser estendidas a partir de todas
pontas pelo acréscimo de novas partes.

4- O desenvolvimento da multiplicidade à unidade. No sistema da composição


clássica, as partes, por mais que sejam firmemente ligadas ao todo, mantêm
certa independência. [...] em um caso a unidade é alcançada pela harmonia entre
partes livres, no outro, pela união de partes em um tema único, ou pela
subordinação, a um condicionante dominante, de todos os outros elementos.
(WÖLFFLIN, 2010, p. 50-51)

A categoria da unidade exprime um desejo de síntese a partir da variação, acumulação


e coordenação de motivos. No entanto, Hauser (2009, p. 502) defende que a síntese e a
subordinação são procedimentos trazidos da tradição renascentista. Esta, por sua vez,
retrabalhou a unidade a partir do procedimento de adição empregado na Idade Média. A
diferença, segundo o autor, é que no Renascimento as partes eram autônomas na composição
e dependiam do ponto de vista fixo do espectador, enquanto na arte barroca os detalhes são
interdependentes e não podem ser contemplados isoladamente. Assim, para Hauser (2009, p.
502) a unidade no barroco está na concepção da obra e não é um efeito posterior, como sugere
Wölfflin.

5- A absoluta e a relativa claridade do objeto. [...] a explicitação do sujeito não é


mais o único propósito da representação. Composição, luz e cor não servem
apenas para definir a forma, mas possuem vida própria. (WÖLFFLIN, 2010, p.
50-51)

Se os eixos verticais e horizontais, trabalhados com simetria, traziam estabilidade às


obras renascentistas, no barroco o equilíbrio dá lugar a composições de aspecto
“cinematográfico” (HAUSER, 2009, p. 500), que parecem fruto do acaso, momentos fugazes,
improvisados, que se somam à falta de nitidez da representação. Hauser (2009, p. 500) fala
sobre como Wölfflin indica o uso de sobreposições, variações bruscas de tamanho, distorções
de perspectiva, descontinuidade pictórica e tratamento desigual de temas como complicações
da representação. A representação mais obscura dos objetos, representativa da atitude barroca
diante do mundo, é vista por Wölfflin como uma evolução da cultura artística refletida no
gosto pelo incompreensível e inesgotável na representação.
Para Hauser (2009, p. 499), a reabilitação do barroco a partir do final do século XIX
só foi possível após a aceitação acadêmica do impressionismo. Anteriormente, a conexão
entre barroco e decadência, feita por críticos como Croce, resultou também na rejeição das
tendências contemporâneas com base no seu “mau gosto” estético. Com a inversão do gosto,
no entanto, o barroco passou a ser interpretado a partir do impressionismo, ou seja, como
sendo oposto à arte do século XVI, caminhando da ausência à predominância do
33

subjetivismo. Na visão de Wölfflin, o barroco conteria a semente do impressionismo, sendo


origem de uma visão subjetiva do mundo construída a partir de impressões e experiências
transitórias.
Hauser (2009, p. 499), todavia, ressalta que esta característica, plenamente realizada
no barroco, foi “preparada” no Renascimento e no maneirismo. Como apontam Zamora e
Kaup (2010 p. 48), hoje há consenso entre os historiadores da arte de que o barroco não pode
ser pensado em oposição ao clássico, pois o surgimento do estilo barroco ocorreu em meio a
ambientes culturalmente complexos, de forma que elementos clássicos estão implicados nele.
O encadeamento lógico-evolutivo da história da arte de Wölfflin desconsidera o
impacto das condições socioculturais nas mudanças de estilo. Para Hauser (2009, p. 504), os
estilos acompanham a diversidade de grupos sociais que produzem arte. O autor afirma que,
apesar de partirem de premissas semelhantes, a arte helenística, o estilo medieval, o barroco
do século XVII e o impressionismo não seguem uma lei geral evolutiva, mas são o resultado
de mudanças de tendências específicas a cada caso. Mesmo em períodos aparentemente
dominados por uma única classe, é preciso questionar se outras produções marginais não
foram esquecidas. Ele destaca a diversidade de objetivos artísticos no século XVII,
relacionados a ambientes culturais variados, como a monarquia francesa e a classe calvinista
burguesa da Holanda. Com características sociais, econômicas e religiosas próprias, cada um
deles desenvolveu um barroco distinto.

3.2 Estilos barrocos na Europa no século XVII

O início do século XVII é marcado pelo domínio do barroco na Itália, que atinge seu
ápice em Roma, até 1620. Em contraste ao exclusivismo aristocrático do maneirismo, o
barroco apela ao gosto popular, com características exuberantes, sensuais e decorativas.
Hauser (2009, p. 508) identifica duas principais direções no ramo do barroco católico: o
naturalismo, como em Caravaggio, e o emocionalismo, como nos irmãos Carracci. Segundo o
autor (2009, p. 509), Caravaggio se aproxima da linguagem popular ao utilizar com
originalidade formas fora da convenção. Seu estilo é cru e pouco adornado, o que o afastou da
preferência da nobreza e do clero. Nas obras do Carracci, a aproximação com o gosto popular
se desenvolve por meio da simplificação das alegorias e fixação de uma iconografia acessível.
O forte caráter eclesiástico do barroco romano, agindo em oposição ao subjetivismo
da Reforma, impulsionou uma delimitação mais clara entre as imagens sagradas e profanas.
Ao mesmo tempo em que utilizava o emocionalismo para se popularizar, ao promover esta
34

divisão, foi concedida ao movimento a qualidade de representação oficial da fé ortodoxa.


Outra característica do período é a aproximação da Igreja com os Estados onde manteve o
domínio. Nesses territórios, houve um aumento significativo no número de igrejas e palácios
construídos, o que consequentemente impulsionou a produção artística. Em Roma, o clero
passou a viver como a nobreza, de modo que a grandiosidade da arte da corte contaminou a
arte eclesiástica (HAUSER, 2009, p. 510).
Consolidada como centro da arte ocidental, Roma viu um retrocesso de sua influência
a partir de 1620. A corrente classicista permaneceu subjacente durante a maior parte do
período barroco, alcançando predominância, após 1660, na França absolutista e, depois, na
Holanda. O estilo da aristocracia francesa é mais contido e impessoal, rejeita a exuberância e
a paixão. Segundo Hauser (2009, p. 515-516), a evolução estilística da corte francesa foi de
um cenário de razoável liberdade a uma estrita regulação a partir do segundo terço do século.
O Estado, como principal cliente da arte, passou a exercer um controle rígido sobre as
convenções do belo, estabelecendo o protocolo da arte oficial. Entretanto, como aponta o
autor, o classicismo influente neste estilo não é exclusivamente um traço nacional francês,
mas está em todas as ramificações do barroco, em maior ou menor grau. Hauser defende que,
no século XVII, não há manifestação pura do barroco que não contenha motivos clássicos.
Uma característica de destaque é a reversão da maioria da produção artística para a
decoração do palácio. O intervencionismo do Estado absolutista produziu um barroco mais
afastado do gosto popular e desconectado da realidade cotidiana. O naturalismo, como o de
Caravaggio, é rejeitado em favor de uma produção cuidadosamente construída, que resulta
mais uniforme, com menor desenvolvimento de traços individuais. O clássico oficial tende à
linguagem formal, sem arbitrariedade, sendo claro e racional. A arte tinha que refletir a
unidade e uniformidade do Estado, mas também serve como expurgo da “barbárie” presente
na composição medieval (HAUSER, 2009, p. 519-520). O monopólio estético da academia e
seu padrão clássico não se impôs, contudo, sem tensões. Mais do que lutar contra as
convenções, a arte “espontânea” teve de enfrentar o aparato oficial do Estado e da Igreja. Este
conflito, identificado por Hauser (2009, p. 525) como “tipicamente moderno”, inaugurou uma
disputa que ia além das preferências de gosto, mas que se configurou como uma luta de poder
entre tendências conservadoras e progressistas.
Nos Países Baixos, o barroco se desenvolveu em duas vertentes. Nos Flandres e em
outras áreas ao sul, sob domínio espanhol, a Igreja, apesar de instrumentalizada pelo governo,
era o cliente artístico mais importante do país. A arte produzida também tinha caráter oficial,
porém a influência religiosa era mais notável. Ela era financiada tanto pelo Estado como pela
35

Igreja, entretanto ambas instituições concediam relativa liberdade de criação, dentro de uma
orientação geral católica. Hauser (2009, p. 535) fala sobre como este ambiente propiciou o
desenvolvimento do barroco flamenco com caráter “livre e agradável”, com menos
preconceitos e mais aberto à inventividade dos criadores.
Paralelamente, nas províncias holandesas ao norte, a república se identificava com o
protestantismo (apesar de uma considerável população católica) e as cidades mantiveram sua
característica social burguesa. Com a ausência de um direcionamento eclesiástico, a arte
passou a circular por todos os ambientes (HAUSER, 2009, p. 539). Os temas bíblicos se
limitavam a representações de cenas do gênero e perderam espaço para os temas profanos,
derivados da vida cotidiana: costumes, paisagens, naturezas mortas, etc. Objetos rejeitados
pela arte dos países católicos e dos regimes absolutistas eram abordados de forma autônoma.
A arte holandesa retratava a realidade como imediata, sem distanciamento, dominada pelo
artista. Segundo Hauser (2009, p. 540), a realidade individual era exaltada no retrato da
família, da terra, das propriedades e das paisagens do país. O naturalismo conferia às obras
um caráter de verdade, evocando as experiências de vivência pessoal do observador. Hauser
(2009, p. 540) aponta que essa tendência foi desenvolvida apropriadamente para o pequeno
formato das obras, que tinham fins privados e não precisavam servir como grandes
decorações da corte. Suas pequenas pretensões incentivavam o olhar que se volta ao profundo
e ao conteúdo psicológico, tendência que passa a marcar toda a arte burguesa moderna.
José Antonio Maravall (1997) fala sobre a cultura do barroco na Península Ibérica
durante o século XVII, atentando à situação histórica, similar ou conexa, dos países nos quais
se desenvolveu. Para o autor, o barroco na Espanha se aparenta muito com o barroco
português e hispano-americano. Uma base comum ibérica foi assimilada na Itália e se
expandiu para a França, Flandres e para as regiões protestantes da Inglaterra e Alemanha.

Contrarreforma, Absolutismo e Barroco caminharam juntos, em razão de sua base


hispânica, e até a arte barroca que se produziu em países protestante estaria
relacionada com a influência hispânica, [...] sem reduzir com isso [...] o valor
criador do Barroco protestante. (MARAVALL, 1997, p. 54)

O século XVII foi, ao longo de toda a sua extensão, marcado por uma crise
econômica, da qual também resultaram crises sociais e guerras, atingindo os países da Europa
Ocidental. Maravall destaca a crise e sua consequente “consciência de desconforto e
inquietação” (1997, p. 66) como principal característica do barroco hispânico. Ele explica
como, durante a Renascença e com a expansão das cidades, desenvolveu-se uma imagem da
história projetada ao futuro, determinada pela ação humana. Essa nova experiência foi
36

interrompida pela crise econômica e da monarquia, cujo choque ameaçou a ordem tradicional
e os grupos no poder. O resultado foi um cenário de luta entre mudança e conservação. Dentre
as respostas, reformas e transformações dos valores, emerge uma cultura do barroco, na qual
predominam “os elementos de atração, de persuasão, de compromisso com o sistema, a cuja
integração defensiva se trata de incorporar essa massa comum” (MARAVALL, 1997, p. 88).
Ainda segundo Maravall, a inquietação barroca decorre também do temor perante a
autoridade, cujos esforços de integração se exercem também no aliciamento de artistas,
políticos e escritores barrocos. Nesse sentido, o autor (1997, p. 120) destaca o caráter
condutivo da cultura barroca. Como um “conjunto de meios culturais”, tanto a política
econômica, como a literatura e a religião estão comprometidas com um programa. Assegurar
a conduta dos homens se torna tarefa mais complexa, de maneira que é preciso afetá-los,
atraí-los. Logo, o barroco apela a recursos psicológicos, a um conhecimento mais profundo do
homem e sua natureza, buscando influenciar seu comportamento. Assim, há um enfoque na
recepção, nas estratégias de persuasão e na retórica para comover e implicar o espectador nas
obras.

[...] o Barroco pretende dirigir os homens, agrupados massivamente, atuando sobre


sua vontade, movendo-a com recursos psicológico manejados conforme uma técnica
de captação que, enquanto tal, apresenta efetivamente características massivas. [...]
Assim procedem desde o arquiteto e pintor, até o político e o moralista.
(MARAVALL, 1997, p. 150)

Em terceiro lugar, Maravall destaca a característica massiva do barroco hispânico, pois


a manutenção dos grupos tradicionais no poder requeria aceitação popular. Este fato se
relaciona ao surgimento de uma “política com características de cultura de massa”
(MARAVALL, 1997, p. 155). Novas relações de mercado, o êxodo rural e a formação de um
proletariado com profissões diversas, decorrentes do crescimento urbano, resultam
paralelamente em crescimento cultural e aumento do número de escritores e artistas, os quais
produzem obras de todos os níveis. Assim, Maravall (1997, p. 159) identifica no barroco a
primeira manifestação do kitsch. O massivo não se relacionava, portanto, à produção em
série, mas ao caráter sucessivo da produção cultural manufatureira, que atendia a um
“público” impessoal. A oferta de produtos culturais, por sua vez, condicionava ao mesmo
tempo em que era apresentada de forma atraente para cooptar as massas. “O que há de kitsch
no Barroco é aquilo que o Barroco tem de técnica de manipulação; portanto, exatamente o que
faz dele [...] uma cultura dirigida” (MARAVALL, 1997, p. 165). Dentre as técnicas, encontra-
se o uso de símbolos e alegorias populares mais próximas das experiências urbanas.
37

A vida em torno da cidade é a quarta característica ressaltada por Maravall. Com forte
dirigismo do Estado, os núcleos urbanos do século XVII diferem das cidades livres – marco
da Renascença – e apresentam um urbano marcado por “um matiz da vida administrativa e
anônima” (MARAVALL, 1997, p. 188), de concentração política em torno da monarquia. A
cultura do barroco surge com a cultura da cidade. Habitada por populações inquietas, onde há
intensa produção e consumo de literatura com temática urbana, festas e espetáculos, a cidade
implica mobilidade e inovação, concentrando uma diversidade de tipos e ofícios. Segundo
Maravall (1997, p. 204), essa heterogeneidade também incorre nas manifestações de excesso
e ostentação. Por outro lado, o barroco é meio de contenção para a liberdade e para o
relaxamento jurídico e social decorrentes da concentração urbana (MARAVALL, 1997, p.
210-211). “A cidade é [...] o meio conflitivo do século XVII” (MARAVALL, 1997, p. 213).
Por fim, Maravall (1997, p. 217) classifica a cultura barroca como conservadora, pois
sua função é integrar essa variedade urbana a uma imagem de sociedade que atenda à
preservação de interesses dominantes. O aspecto de novidade, sob o qual foi reapresentada a
tradição, satisfaz a massa sem causar ameaça à ordem, ao mesmo tempo em que a inovação
era continuamente desprestigiada, atribuída a grupos desqualificados. Parte essencial da
manutenção do poder era repropor o sistema de estratificação social para integrar os novos
grupos e fortalecer a ordenação (MARAVALL, 1997, p. 222). O autor exemplifica esse
processo na característica barroca de adequação entre gênero literário e classe social. A
autoridade e as formas de propriedade tradicional sobrevivem em meio à expansão da
propriedade livre e privada, porém, para conservar parte do regime de privilégios, precisou-se
ampliar o acesso.
“O tremendismo, a violência, a crueldade, que com tanta freqüência se manifestam nas
obras de arte do barroco, decorrem dessa raiz de concepção pessimista do homem e do
mundo...” (MARAVALL, 1997, p. 265). Crise, mal-estar social e insegurança, a imagem de
um “mundo às avessas”, segundo Maravall (1997, p. 251), provocam um efeito de
instabilidade, desorientação e deslocamento. O autor identifica o tópico em uma extensa
relação de obras artísticas e literárias do barroco espanhol, em geral, visto pelo viés
conservador de que há uma base racional encoberta pela desordem. Também ligada à crise,
aparece a imagem do “mundo como confuso labirinto” (MARAVALL, 1997, p. 253) e da
“praça” como reunião desordenada. Por fim, o autor identifica também a imagem do “mundo
como teatro” (MARAVALL, 1997, p. 255), que remete ao caráter transitório e de
superficialidade dos papéis sociais.
38

3.3 Retornos do Barroco: entre Modernidade e Pós-Modernidade

Hauser (2009, p. 504) discorda que seja possível determinar uma estilística da época
barroca como o faz Wölfflin. Entretanto, não deixa de citar um fator comum de influência no
pensamento artístico do século XVII: a nova ciência natural desenvolvida a partir de
Copérnico, cuja difusão na época era internacional. Severo Sarduy (1979), por sua vez,
remete a deformação e o descentramento do barroco à visão cosmológica de Kepler, que, ao
descobrir o formato elíptico das órbitas, atribui à natureza características imperfeitas. Assim,
o simbolismo da perfeição, harmonia e equilíbrio, associado ao círculo da antiguidade à
Renascença, é substituído por uma visão de mundo cheia de contrastes e distorções, que
reflete este descentramento da elipse. Continuando com Hauser (2009, p. 505), essa
descoberta também implicou a substituição do antropocentrismo pela noção de um universo
infinito e sem centro definido, o que gerou uma necessidade humana que não podia ser
suprida pela teologia. O “horror vacui” (medo do vazio), segundo Gonzalo Celorio (2010, p.
492), é característico desse novo universo, pois, uma vez que é dotado de unidade interna e
organização orgânica, todos os elementos são regidos por uma lei comum e têm o mesmo
valor. Diante dele, o homem descobriu sua insignificância e confiantemente se encarregou de
desvendar seus mistérios (HAUSER, 2009, p. 505).
A revolução moderna resultou em um “estremecimento metafísico” diante da
infinitude do universo e da constatação da interconectividade de todos os seres. Hauser (2009,
p. 507) argumenta que o barroco reflete este “estremecimento”. De modo similar, Laplantine
(2007, p. 121) fala sobre como a estética barroca incorporou a distância infinita entre o
humano e seu criador, citando como exemplo a arquitetura de Bernini e Borromini, a
escultura de Aleijadinho, a pintura de Caravaggio, Rubens, etc., mas também os adornos dos
mobiliários, os bordados, os cristais e a cenografia do teatro e da ópera. Segundo Hauser
(2009, p. 506), a característica de unidade das obras barrocas, que se portam como um único
organismo e cujas partes seguem uma lei geral, mostra a tendência ao ilimitado por meio da
construção das diagonais e de distorções de perspectiva (escorços). As obras contêm linhas e
movimentos que parecem se estender longamente além das bordas. Por sua vez, Laplantine
(2007, p. 120) observa que o barroco é uma forma de multiplicidade6, disposta em tensão,
movimento e desequilíbrio. O “medo do vazio” (LAPLANTINE, 2007, p. 120) gera uma

6
O autor vai além ao explorar a questão da multiplicidade, dizendo que se trata de uma multiplicação mestiça, aspecto
barroco que será abordado no 3º capítulo.
39

necessidade de preencher todos os espaços, o que se reflete na ornamentação, na acumulação


excessiva de detalhes e na profusão de formas. A tendência à multiplicação e ao infinito
aparece também na “índole ostentatória” (LAPLANTINE, 2007, p. 121). Para o autor, a obra
barroca não pretende revelar aspectos profundos ou deixar transparecer a realidade, mas
direciona o olhar para a aparência, por meio de ilusões, efeitos, reflexos, jogos de iluminação
e outros artifícios. O espírito barroco é o “da teatralidade, do espetáculo e do mise-en-scène”
(LAPLANTINE, 2007, p. 121).
Wölfflin já apontava para esta ansiedade derivada do poder do movimento, da
alternância e multiplicação de pontos de vista, da utilização da perspectiva e do deslocamento
vertical. Hauser (2009, p. 507) vai além e sugere que este efeito de intranquilidade diante do
infinito seja considerado um traço unificador do estilo. De forma mais abrangente, Gregg
Lambert (2004, p. 5) nota que estas categorias descritas por Wölfflin continuaram sendo
retrabalhadas poeticamente nas formulações modernas do barroco, tendendo a corresponder
aos princípios de mudança e inovação.
A potência desestabilizadora do clássico, enxergada neste barroco, foi recuperada em
parte por uma linha crítica da modernidade, como nas obras de Octavio Paz e Walter
Benjamin. Esses autores repropõem o barroco para expressar uma certa sensibilidade moderna
(em relação à sua modernidade específica). Benjamin reconhece um paradigma barroco
dentro da modernidade. Se há uma modernidade caracterizada pela obra fechada, pelos
significados completos e inteligíveis, baseada na verdade e centralidade do sujeito, há também
uma modernidade barroca, que concebe a realidade a partir da instabilidade da forma, da
característica infinita dos corpos e imagens. A perspectiva é de crítica, o que explica também
por que estes princípios foram recuperados pelas teorias do pós-moderno. O barroco emerge
do turbilhão moderno, uma tentativa de síntese apoiada na crise do pensamento binário.
Bruno Latour (2009) observa como, na modernidade ocidental, a ordem se formata por
meio da abolição da complexidade natural, reduzindo as opções pela separação das esferas de
natureza e cultura, conhecimentos exatos e exercício do poder. Assim, a modernidade também
despreza o que não se encaixa como ruído. Este seria justamente o híbrido fora de controle,
que escapa às classificações. O aumento na escala de mobilização dos híbridos e sua enorme
proliferação constituem parte do diagnóstico de Latour acerca do momento atual, o qual ele
enxerga como um grande “turbilhão” no fluxo do tempo. Se o objetivo do programa moderno
é garantir um “sistema completo e reconhecível” (LATOUR, 2009, p. 72) de ordem linear e
progressiva, a multiplicação dos quase-objetos proporciona uma desorientadora montagem de
40

gêneros, épocas e ontologias. O autor acredita, portanto, ser cada vez mais difícil, hoje,
construir qualquer espécie de unidade espaço-temporal.
Complementarmente, para Boaventura de Sousa Santos (2010), o problema do
panorama contemporâneo está na desestabilização do modo de pensar a manutenção e a
transformação social que era constitutivo da modernidade. Este período de transição pode
resultar tanto em falsos horizontes de liberdade como em práticas genuínas de emancipação.
O autor reconhece que a crise dos binarismos constitui um espaço fértil para a emergência de
códigos sintéticos ou barrocos. O híbrido é favorecido, pois opera em temporalidades
específicas, não se limitando à evolução linear, mas privilegiando o tempo explosivo.
A retomada teórica do barroco na década de 1980, sob o título de “neo” barroco, deve-
se em parte à emergência de diversas teorias da “instabilidade”, notadamente a teoria da
complexidade, o pós-estruturalismo e, posteriormente, o pós-modernismo. É neste momento
de desregulação que o retorno do barroco é postulado por pesquisadores centro-ocidentais.
Nota-se, nas teorias discutidas abaixo, que o retorno do barroco traz em seu cerne uma relação
predominantemente dicotômica com o clássico. Ele ressurge sempre dentro da narrativa de
flutuação entre caos e ordem, deixando-se determinar exclusivamente pela operação na
turbulência do cenário moderno. Nesse meio, o barroco ativa figuras de incerteza e
instabilidade. Nas artes, como será discutido adiante, isso aparece no desafio às leis da
representação, em uma poética de “excesso” e na construção de objetos abertos, com
significados inacessíveis ou incompletos.
Omar Calabrese (1987) postula uma lógica cultural neobarroca a partir de um corte
nas relações de causalidade estabelecidas pela historiografia tradicional. Ele reconhece o
reaparecimento de uma morfologia barroca constante nessa época, apesar das várias
perspectivas referentes ao pós-moderno. Sua argumentação se constrói na classificação de
feitos de dimensão cultural e social, posições teóricas e estéticas, em termos de caos e ordem,
o barroco ligado àqueles representantes de “crise, dúvida e experimentação” (CALABRESE,
1987, p. 197). O autor identifica nos produtos da cultura de massa estadunidense uma estética
da repetição, do fragmento, labiríntica e desordenada, mas que retorna numa conjuntura da
qual fazem parte as novas teorias das ciências humanas e matemáticas, responsáveis por
movimentar todo o cenário do conhecimento. Em suma, acredita que “está a se delinear um
mecanismo de turbulência das formas [...] porque o sistema de valores vigentes é assediado
por fenômenos de flutuação, que o desestabilizam” (CALABRESE, 1987, p. 197).
Mais recentemente, outros dois nomes relacionam este retorno do barroco no cenário
centro-ocidental ao declínio de seu específico projeto moderno. Primeiramente, Michel
41

Maffesoli (2001) opõe a sensibilidade barroca ao esforço de unificação e simplificação da


modernidade e do classicismo. A partir da prática barroca da “dobra” seria possível pensar a
“complicação” do mundo, ou seja, a complexidade e a multiplicidade, ou até uma possível
“coerência de maneira aberta” (MAFFESOLI, 2001, p. 57), que substituiria a unicidade pelo
pluricausalismo. Assim, entende que a diluição dos contornos e o aumento de práticas
ideológicas variadas marcam as sensibilidades barroca e pós-moderna, ambas dotadas de uma
ambuiguidade “dinâmica”. O autor aproxima os dois fenômenos, afirmando que “em forma de
abertura [...] essas características das sensibilidades barroca e pós-moderna se sobrepõem
desde o fim do século vinte. De fato, as diversas reencarnações da sensibilidade barroca
ocorrem sempre em períodos de turbulência” (MAFFESOLI, 2001, p. 59).
Por sua vez, Christine Buci-Glucksmann (2001) coloca a crise do modernismo
artístico e as muitas vertentes de ideias a respeito do pós-moderno como motores do
reaparecimento do debate do barroco na filosofia, na estética e na ciência. Ela prefere chamar
de “pós-barroco” o fenômeno contemporâneo caracterizado por uma “cultura do fluxo” e “das
interfaces mundializadas” (BUCI-GLUCKSMAN, 2001, p. 45), traçando aproximações com
as filosofias de Spinoza e Leibniz. O mecanismo operativo da dobra, fundamentado no sujeito
de projeção múltipla, “subjéctil”, e no ponto de vista também múltiplo, o
“multiperspectivismo”, ambos apontados por Gilles Deleuze, é a base de uma série de
procedimentos inéditos na época do ciberespaço e do virtual, comparativamente ao século
XVII. A autora defende que hoje se exponencializam as possibilidades de inflexão e
fractalização do barroco, consideradas características desta nova estética barroca, por meio da
relação com os novos meios tecnológicos, que, segundo sua análise, o barroco limitado no
contexto da contrarreforma não possuía.
Os exemplos citados enfatizam a relação do barroco com o clássico e o moderno. Não
necessariamente em oposição direta, porém deixando-se por ele determinar ao ocuparem o
espaço da crise e da dúvida, das categorias rejeitadas.
A reabilitação do barroco foi um fenômeno “transatlântico” (ZAMORA; KAUP, 2010,
p. 136), sendo que os ciclos europeus e latino-americanos se influenciaram de forma
complexa. Essa tendência é examinada por Walter Moser (2001), que apresenta uma teoria na
qual confere ao barroco a característica da “valência”, conceito emprestado da química, da
psicologia e da linguística, formulando a hipótese de que “o barroco pode ser pensado como
um objeto relacional e posicional disponível a usos estratégicos, agnósticos e conflitais no
domínio da cultura” (MOSER, 2001, p. 30). Essa prática, por sua vez, permitiria abarcar o
vasto repertório de objetos barrocos, sempre em expansão. Isso incluiria um princípio de
42

relacionalidade (indicando que um objeto ou sujeito tem ou adquire o valor primeiramente em


relação a outro, não por sua própria natureza, mas por meio de um jogo de forças de atração e
repulsão), um princípio dinâmico (que excederia a estrutura binária) e um princípio de
pluriposicionalidade (mobilidade conceitual própria da história do objeto).
Sendo assim, Moser observa como o conceito de “barroco” no domínio da arte,
colocado por Burckhardt e Wölfflin no final do século XIX, designava a imperfeição em
oposição ao clássico, um declínio. Em sua opinião, a “reabilitação progressiva” (MOSER,
2001, p. 3) do barroco ao longo do século XX não ocorreu linearmente, mas provocou várias
posições adversas. No entanto, o autor julga que seu valor é, hoje, majoritariamente positivo,
o que reflete sobre a característica da relacionalidade da valência. Moser (2001) reitera que o
barroco sofreu uma “inversão ideológica” (2001, p. 34). Anteriormente, ocupava uma posição
reacionária, associada à centralização, à contrarreforma, ao controle da liberdade, do
progresso e da razão – esta última, considerada uma atitude subversiva no século XVII. Na
atualidade, o racionalismo moderno e suas outras faces – o pragmatismo, a tecnocracia, o
despotismo e o positivismo – é que ocupam os lugares totalitários e irracionais. Assim, o
conceito do barroco está sempre em jogo, dependendo de uma lógica relacional, pois seu
valor é articulado em função de contextos históricos específicos, da variação do “campo
ideológico” (MOSER, 2001, p. 34). Portanto, o autor afirma que o barroco pode assumir
variados efeitos e posições, até mesmo opostas, de acordo com a situação na qual é ativado.

3.4 Barroco na América Latina

Com base nas ideias de Moser (2001), cabe analisar a valência do barroco no
continente latino-americano. Provavelmente, os contextos de embate entre razão clássica e
contrarreforma do século XVII e a crise da modernidade centro-ocidental, diagnosticada pelas
teorias citadas acima, não são os fatores dominantes. O modelo de eliminação da
ambivalência através de um paradigma de ordem linear e causal, das violentas exclusões do
corpo, da natureza e do outro por meio de uma razão dicotômica, não só vieram a implodir no
próprio centro-ocidente, mas tal projeto teve um efeito demasiado fraco fora dele. Estas
forças, apesar de presentes, são apenas minoritárias no jogo do barroco latino-americano, e
como atuam de modo relacional em meio a outros contextos, aparecem aqui já deslocadas,
desdobradas.
Sobre a Península Ibérica e a América Latina, Amálio Pinheiro (2013) reforça que
seus processos civilizatórios não se deram por meio do desenvolvimento progressivo e linear
43

da cultura, mas pelas “interações entre a multiplicidade, a variação e o menor, ativadas estas
pela mútua pertença entre natureza e cultura” (PINHEIRO, 2013, p. 15). Este modo de operar
já estaria em vigor antes da colonização europeia (de características mouriscas, apesar do
domínio oficial católico) e se mantém até hoje no continente. Segundo o autor (PINHEIRO,
2013, p. 15-16), não se pode utilizar as categorias da identidade, oposição e síntese, como a
dicotomia entre centro e periferia que aparece, por exemplo, na semiótica da cultura de Iúri
Lotman. Os processos culturais latino-americanos não se limitam às traduções entre a cultura
central, oficial e dominante, e os desvios periféricos, à incorporação dos textos de fora. “As
dicotomias centro e periferia, invariante e variante etc., não nos são mais suficientes, pois nos
obrigam a pensar a superação da lógica binária depois desta, como condição de pensamento,
instaurada” (PINHEIRO, 2013, p. 16).
Segundo Haroldo de Campos (2001), o barroco na América Latina se sustentaria
primeiramente na característica indígena, pré-colombiana, com base no mito e de função
estética, presente, por exemplo, na arte da plumária. Ou seja, deve-se pensar a valência do
barroco latino-americano não como derivação e variação do europeu, mas de modo contíguo
com este, pois não é possível separar os aspectos importados e “nativos”. Pinheiro cita a
posição de José Lezama Lima, para o qual o barroco latino-americano não é apenas uma etapa
estética de uma cultura organizada em lógica sucessiva, mas “uma arribada, um desembarque
e um pasmo de maravilhas” (PINHEIRO, 2013, p. 16).
Se o barroco vem da “proliferação incontrolada de significantes” (SARDUY, 1979, p.
161), a variedade excessiva de elementos disponíveis na América Latina acentuou os
processos tradutórios. Consequentemente, também há um aumento da característica
hiperbólica, de desperdício. Para Sarduy (1979, p. 164-165), sem a presença de uma base
clássica da linguagem, ampliou-se ainda mais a distância entre significantes e significados,
resultando em maiores possibilidades criativas de articulação, em construções que explicitam
o uso da proliferação. “Sua presença é constante sobretudo em forma de enumeração,
disparatada, de acumulação de diversos nódulos de significação, de justaposição de unidades
heterogêneas, de lista díspar e collage” (SARDUY, 1979, p. 165).
Na América Latina, o barroco também adquire uma característica mestiça. Partindo da
base indígena, houve um acúmulo de diferenças, provindas de múltiplas civilizações (há
contribuições não só ibéricas, mas indígenas, africanas, árabes, mouriscas, etc.), cujos
materiais e linguagens foram tecidos juntos, interconectados de modo descontínuo e não
ortogonal (PINHEIRO, 2009, p. 10). Obras do barroco colonial, por exemplo, foram
efetivamente construídas por indígenas, os quais acrescentaram traços próprios nas
44

decorações, resultando em uma manifestação de “verdadeiro sincretismo” (CELORIO, 2010,


p. 495-496). Distante de uma experiência de submissão, o processo de mestiçagem cultural
caracterizou a arte barroca latino-americana como uma “arte da contraconquista” (LIMA,
1957 apud CELORIO, 2010).
Javier Vilatella (2001) fornece outro exemplo ao abordar a obra de Lezama Lima no
contexto do “barroco como reciclagem” (VILATELLA, 2001, p. 130). O autor não crê que as
categorias de pré-modernidade, modernidade e pós-modernidade sejam apropriadas para se
pensar a obra do artista, a qual, assim como a América Latina, apresenta as três
simultaneamente.

Lezama Lima não precisou desconstruir o oculocentrismo e o racionalismo


moderno. Ele imediatamente coloca o seu pensamento em outra tradição de reflexão.
Ele tece um diálogo muito pessoal com o barroco espanhol e recupera o pensamento
reprimido pela tradição racionalista moderna: as tradições herméticas, os pensadores
da fantasia e da imaginação... as sombras afastadas pelo pensamento dos Iluministas.
(VILATELLA, 2001, p. 130-131)

Sobre o barroco mexicano, Vilatella comenta como ele se desenvolve em relação a


uma “modernidade alternativa” (VILATELLA, 2001, p. 123), que inclui tanto os processos
modernos de representação, como muitos outros elementos da realidade americana. A partir
do modelo de Gruzinski, segue afirmando que ali não estão realidades diretamente
importadas, mas reelaboradas com auxílio da memória coletiva indígena.
Logo, o barroco latino-americano é entendido como dispositivo tradutório permanente
(CAMPOS, 2001), desde sempre atuante nas mesclas linguísticas, na relação da cultura com a
natureza excessiva do continente e no contexto multicivilizatório da vida colonial. Como
afirma Pinheiro (2009), diferentemente do paradigma da ciência clássica, o signo não tomou
um lugar superior ao mundo, pois não foi possível abstrair por completo a natureza exagerada
que invade as representações e se expressa nos códigos e linguagens usados no cotidiano.
Assim, articulou-se uma configuração lógica na qual “predominam os traços relacionais de
engaste em bordado ou arabesco” (PINHEIRO, 2009, p. 9).

[...] a marca diferenciante, o devir relacional, a absorção e tradução do outro como


variação inclusiva já estavam a caminho: o encaixe de elementos e materiais
díspares, provenientes de inúmeras civilizações, favorece, concomitantemente, a
inserção da natureza na cultura, desde o artesanato doméstico e a culinária até os
grandes espações urbanos, junto e apesar dos discursos da norma e ordem
importados e aprovados. (PINHEIRO, 2013, p. 17)

A saturação com textos provenientes de diversas civilizações está na base do acelerado


dinamismo cultural latino-americano. O excesso do outro em um ambiente efervescente
alimenta as relações entre diferentes níveis estruturais da semiosfera, bem como
45

procedimentos de tradução interno-externos que geram novas configurações barroco-


mestiças. Logo, a oposição binária centro-periferia é bastante enfraquecida, pois a intensa
tradução dá à cultura um “caráter multiplicante, ramificante e fragmentário” (PINHEIRO,
2009, p. 12). O colonizado devora seu colonizador, incorporando-o em um mosaico de
elementos nativos e estrangeiros. Não há dominante e dominado, portanto não se trata de
reafirmar um estado de origem essencial, mas ocorre um processo de autocolonização no qual
se aproveita do externo para se atualizar. No Brasil, o ambiente menos submisso à tradição
propiciou ainda mais autonomia e liberdade de expressão para a diversificação e mestiçagem
de práticas (PINHEIRO, 2009).
A diferença nas operações barrocas na cultura a partir do XVII, acredita Campos
(2001), é que o barroco de caráter permanente passou a se manifestar, então, na forma de uma
sensibilidade artística também constante. Portanto, num cenário no qual o barroco é o estado
incessante de devir, os elementos clássicos e modernos não fazem um contraponto tão
significativo, nem são o único outro que é canibalizado, pois integram uma gama de
referências mais ampla.
Por um lado, para a compreensão do retorno do barroco, é válido considerar, como
coloca Lambert, que a sua variação se relaciona a experiências específicas da modernidade.

[...] o barroco pode ser localizado precisamente no fim da modernidade – ou melhor,


no meio entre a tradição da modernidade que precede “o retorno do barroco” e a
tradição que inevitavelmente vem em seguida. Portanto, assim como houve mais de
uma tradição da modernidade, também existiram tantos barrocos. (LAMBERT,
2004, p. 160)

Por outro, Pinheiro (2013, p. 18-19) nota como a mobilidade dos textos e assimilação
das alteridades é tanto anterior, como ocorre também justaposta aos diversos processos de
modernização.

As noções de fragmento, simultaneidade, brevidade, instabilidade, tão caras à


chamada modernidade, já estavam sendo tecidas no âmbito das culturas urbano-
nativas latino-americanas, ao modo de relações externas sob o influxo da paisagem
[...] essa necessária e difícil vinculação entre, de um lado o ideário contemporâneo
das cidades [..] e, de outro, uma capacidade de assimilação do heterogêneo inscrita
de modo germinativo, desde as primeiras províncias da América Latina, nos
processos micro e macroestruturais [...]. (PINHEIRO, 2013, p. 19)

Isso impulsiona uma igual revisão da lógica da globalização. Aqui, as forças


hegemônicas não necessariamente dominam e apagam o local e tradicional (termos também
contestáveis, já que nada é essencialmente originário do continente, pois a lógica barroco-
mestiça desde sempre orientou sua organização). Mas o outro continua a ser introjetado e
engastado em relações tensionadas no interior da cultura, apesar e também por meio das redes
46

de comunicação midiáticas. Segundo Pinheiro (2009), as relações hierárquicas entre novo e


antigo, moderno e primitivo são descartadas, pois não interessa perseguir o modelo mais
avançado, em progressão ascendente, mas os frutos da própria sociedade industrial telemática
são submetidos à aceleração dos processos dinâmicos entre “séries culturais”7. O impulso
gerador nas sociedades barrocas não está na velocidade dos processos globalizantes
contemporâneos, mas é proveniente das estranhezas e descontinuidades das aproximações que
não seguem uma sequência temporal linear.

7
“Séries culturais” é um conceito de Tinianov que considera o sistema em que se insere uma obra de arte e sua
rede de interações históricas, por exemplo, a série literária ou a série fotográfica.
47

4. Barroco e pós-fotografia

No primeiro capítulo, foram descritas as mudanças no modo de presença da imagem


fotográfica a partir de considerações sobre o impacto da alteração de seus meios de produção
e distribuição. Mais do que uma ferramenta, a tecnologia de imagem digital alterou o modo de
pensar a imagem e impulsionou a transmutação do código fotográfico, facilitando sua mistura
com outras mídias, porém sem nunca ser exatamente substituído ou superado. Destacou-se
também que o suporte digital não pode ser considerado o único motor dos hibridismos, pois
existem possibilidades de interação que vão além da convergência midiática.
A imagem contemporânea não comporta mais as dicotomias realidade-ficção, natural-
sintético, real-artificial. Isso torna anacrônicos os conceitos de fotografia e pós-fotografia
enquanto sinônimos para paradigma analógico e paradigma digital da imagem. Essa
nomenclatura é insuficiente para explicar os processos de interpenetração das imagens e a
dissolução das fronteiras entre as mídias. A arte moderna já antecipava esse movimento de
aproximação, exponenciado posteriormente com a mídia computacional. O campo da
fotografia se expandiu juntamente com o vídeo e o cinema. Entretanto, argumenta-se que a
linguagem fotográfica sobreviveu e se fez disponível para mesclas com outras linguagens,
suas questões implicadas em outros campos, ao mesmo tempo em que o seu próprio está mais
instável e aberto a interações. O ambiente computacional favorece a aceleração dessas
interações, porém as imagens fotográficas são simultaneamente articuladas por meio de
tradicionais procedimentos ótico-químicos e gestos artesanais.
A imagem fotográfica não existe mais como obra singular, fechada em si mesma (e se
pode argumentar que nunca existiu de fato), mas como uma mídia elástica, articulada em
conjunto a outros elementos alheios. A primeira hipótese desta pesquisa diz que a montagem
destas imagens recorre, no nível microestrutural, a procedimentos barrocos. As distorções
estéticas, as dobras do campo da fotografia e a inovação da linguagem pela mescla e tradução,
mencionadas nas teorias (pós-)fotográficas, podem ser remetidas também a tradições
barrocas, conforme descritas no segundo capítulo.
Cabe ressaltar que, na América Latina, conforme observa Campos (1979, p. 296),
ocorreu um processo de ruptura de gêneros literários ligados ao “modernismo”, porém cuja
origem remonta justamente às dobras barrocas anteriores às dicotomias com o clássico.
Segundo Pinheiro (2013, p. 24), “a carnavalização de gêneros era, de fato, um projeto
descolonizante intrínseco ao arcabouço da cultura, não algo aprendido com a ‘modernidade’”.
48

4.1 Heterogeneidade barroco-mestiça e montagem

Segundo Jean Vandamme (2007, p. 536), os procedimentos de montagem, “forma


antimestiça por excelência”, apesar de diversos, têm em comum a crítica à composição. A
composição é a construção de relações com o objetivo de homogeneizar uma obra,
organizando seus elementos internos de forma hierárquica a partir de um centro dominante. A
composição fecha a obra a interferências externas, uma vez que parte de um regime
predefinido de uniões, sempre em um “território ideal”. Por outro lado, a montagem tem
como caraterística principal estabelecer corte, mais do que uniões harmônicas
(VANDAMME, 2007, p. 537). Assim, ela inscreve descontinuidades, permitindo que cada
elemento se conserve singular ou recrie uma singularidade, o que resulta em maior contraste
interno.
Vandamme (2007, p. 537) recorre a Bloch, cuja teoria da montagem artística enxerga
um mundo fragmentado de partida, característica evidenciada pela montagem. O
procedimento de composição, por outro lado, tende a perpetuar a falsa ideia de que há uma
situação de unidade primeira. A partir desse ponto de vista, o autor (VANDAMME, 2007, p.
537) propõe diferenciar dois tipos de montagem: o “corte-subtração”, que ocorre na extração
de um elemento de seu fundo, ou seja, consiste na própria escolha artística do objeto, a partir
do cotidiano, e sua colocação em outro contexto, impedindo que seja totalmente reabsorvido;
e a “falsa divisão”, que aproxima dois elementos heterogêneos, considerados anteriormente
irreconciliáveis.
Consequentemente, a montagem tem como efeito fortalecer o fragmento. Considerado
um procedimento de mediação, pois se coloca entre a obra e o real, ao atuar por meio do
destaque ou da aproximação, introduz “descontinuidade”, mantendo ou aprofundando fissuras
(VANDAMME, 2007, p. 537).
Pensar a montagem, a articulação de singularidades, é pensar o heterogêneo. Com
efeito, tratando-se do oposto da composição, a ausência de hierarquia e a irredutibilidade das
diferenças cria espaço à expressão da flexibilidade e imprevisibilidade da natureza e do
humano (NOUSS, 2007, p. 357).

A articulação mantém a descontinuidade indispensável para o heterogêneo, para não


ser integrado em uma totalidade, ao mesmo tempo em que desenha caminhos entre
elementos díspares [...]. Serve para construir um articulado de desarticulações,
garantido entre elas uma união não coercitiva, um dispositivo que seria, na dimensão
temporal, o que é uma estrutura no plano espacial. (NOUSS, 2007, p. 358)
49

Alexis Nouss (2007, p 357) afirma que o pensamento da heterogeneidade e,


consequentemente, da gênese e da alteridade, foram objeto da filosofia moderna, com
destaque para a complexidade de Edgar Morin e para a disposição em rizomas de Deleuze.
Complementarmente, Buci-Glucksmann (2001, p. 46) fala sobre como a teoria da
complexidade, nos anos 1960, e seus princípios de auto-organização, fragmentação,
hibridização e impureza provocaram o retorno do tema epistemológico e estético da
unificação das diferenças num sistema não mais regido pela estrutura. A organização
complexa implica a irredutibilidade dos elementos heterogêneos a identidades claras. O signo
não pode mais ser reduzido a uma totalidade ideal diante da pluralidade semântica. Logo, as
ideias claras e bem delimitadas ganham facetas obscuras, superfícies e códigos podem se
desdobrar ao infinito, atingindo formas em nada similares ao significado original.
É nesse sentido que o pensamento da complexidade se cruza com o barroco. Para
Nouss (2007, p. 359), a heterogeneidade mestiça é intrínseca aos objetos barrocos, que vivem
em constante tensão interna. O dinamismo, que mantém todas as possibilidades abertas, é
produto da sua montagem “não ortogonal”, termo usado por Pinheiro (2013, p. 17) para
caracterizar a atividade barroca de aglomeração das variações. O barroco aproxima termos de
difícil relação, os quais se entrelaçam e se deformam. “Por se situar em um movimento de
palimpsesto entre as camadas dos objetos da cultura e da natureza, tornando-os não-discretos,
o barroco desdobra um devir de formas de multiplicidade assimétrica...” (PINHEIRO, 2013,
p. 17).

O texto barroco, que manifesta uma verdadeira glutonaria pelas palavras, é feito de
parêntesis, de subordinações, de frases no interior da frase, de paráfrases, de
hipérboles, de inversões e encadeamentos sintáticos. É uma composição em labirinto
constituída por desvios e metáforas e submete a escritura a um movimento de
torções intermináveis. (LAPLANTINE, 2007, p. 122)

Assim, é possível argumentar que é a montagem, e não a composição, o modo de


operação do barroco, tanto na sua tendência a apresentar o mundo a partir da variação, como
na propulsão da mescla e na inclusão de elementos divergentes, de modo a acelerar o
dinamismo interno dos textos e aumentar a complexidade da cultura. Logo, desenha-se uma
relação entre a pluralidade de elementos disponíveis para montagem e a própria atividade de
tradução.
Ademais, Buci-Glucksmann (2001, p. 46) distingue dois tipos de complexidade,
correspondentes a dois paradigmas do barroco: o modelo arqueológico, benjaminiano, e o
modelo cartográfico, inicialmente colocado por Leibniz e depois retrabalhado por Deleuze. O
primeiro aborda as figuras da alegoria, da ruína e do fragmento ao traçar uma relação entre o
50

barroco histórico e a modernidade. O segundo, por sua vez, entende a complexidade como
“um conjunto de forças e formas relacionado aos processos e fluxos entre o virtual e o real”
(BUCI-GLUCKSMANN, 2001, p. 50). Esses dois paradigmas serão aprofundados adiante, de
forma a contribuir para a investigação do problema da montagem na pós-fotografia.

4.2 Paradigmas barrocos da complexidade: a imagem dialética e a dobra

4.2.1 A dialética da imagem de Walter Benjamin

Benjamin encontra no barroco alemão a origem de um modelo de conhecimento que


ecoa a modernidade do século XIX. No contexto de emergência da comunicação e do
consumo em massa, nos quais as relações comunicativas passaram a ser direcionadas por
meio de imagens fetichizadas, o autor recorre aos meados do século anterior, ao nascimento
da comunicação mediada pelo meio técnico e às possibilidades abertas no desenvolvimento
das cidades tomadas pela multidão. Segundo Buci-Glucksmann (1994), na imagem do
flanêur, Benjamin fala sobre o potencial dialético do meio público que se constrói na
interação de indivíduos anônimos no espaço urbano, o qual é caracterizado pela intensa
circulação de informação. A cidade moderna “efervescente” é um ambiente propício para uma
estética impulsionada pela perda da “aura” e da unicidade da obra de arte, construída a partir
da multiplicidade e do fragmento.
Benjamin desenvolveu a maior parte das ideias aqui abordadas no período entre
guerras8, direcionando sua crítica à cultura ocidental de base racionalista e positivista. Ele
retoma o barroco em meio à crise deste modelo de modernidade e propõe abandonar a noção
de progresso em favor de uma dialética do tempo presente, uma temporalidade feita de
constelações de passado e futuro (BUCI-GLUCKSMANN, 2001, p. 47).
Ao propor o materialismo histórico, Benjamin (1987, 2007) busca superar dois
conceitos de história, o puramente materialista e o historicismo burguês, os quais ele acredita
terem contribuído diretamente para a ascensão do nazismo.

A ideia de um progresso da humanidade na história é inseparável da ideia de sua


marcha no interior de um tempo vazio e homogêneo. A crítica da ideia do progresso
tem como pressuposto a crítica da ideia dessa marcha. (BENJAMIN, 1987, p. 229)

8
A Origem do Drama Barroco, 1925; A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade Técnica, 1935; Teses sobre a História,
1940.
51

Para o autor (BENJAMIN, 1987, p. 224), a questão é “articular historicamente o


passado” em vez de escrever uma versão imutável. Ou seja, se não há decadência, o passado
deve servir como recurso e o historiador materialista não pode se limitar às narrativas
fechadas, eximidas de ambiguidade, e à simples história dos vencedores, cuja “celebração ou
apologia está empenhada em encobrir os momentos revolucionários do curso da história. Ela
almeja intensamente a produção de uma continuidade”, valorizando, portanto, os elementos
que fazem parte da sua tradição e excluindo tudo aquilo que interrompe esse fluxo. “[...]
escapam-lhe as asperezas e as saliências que oferecem um apoio àquele que pretende ir além”
(BENJAMIN, 2007, p. 516).
Benjamin busca o caráter explosivo da imagem e o potencial de integração dialética
do tempo presente para contrapor a história “homogênea” (BENJAMIN, 2007, p. 512) à sua
apresentação materialista, na qual o passado serve para “colocar o presente numa situação
crítica” (BENJAMIN, 2007, p. 513). Para tal, o historiador materialista precisaria ser capaz de
apreender aquilo que de mais atual há no passado, mesmo que sutil, e que seja capaz de
fornecer um “contraste dialético” a partir do qual recriaria a história e combateria a visão
fechada e final de um passado encerrado e, portanto, superado. O tratamento dialético acaba
com a ideia de progresso e a substitui pela noção de atualização. Ao reconhecer o que há de
antigo no novo, e de novo no antigo, o passado pode ser mobilizado para ajudar a combater as
catástrofes, crises e crimes do presente e a articular mudanças para o futuro.
Lambert (2004, p. 68) entende que Benjamin encontra no barroco clássico alemão o
momento de inauguração do pensamento da violência messiânica, a qual, instaurada pelo
“anjo da história”, deu início ao tempo em suspensão, “um tempo saturado de agoras”
(BENJAMIN, 1987, p. 229), lugar de realização deste novo conhecimento. O “tempo do
agora” é atemporal e rompe com a sequencialidade. É também o tempo da imobilidade, pois
interrompe o fluxo contínuo e faz perceber o tempo de fato. Operacionalizar a dialética da
imagem significa fazer o agora “explodir do continuum da história” (BENJAMIN, 1987, p.
230).

Quando o pensamento para, bruscamente, numa configuração saturada de tensões,


ele lhes comunica um choque, através do qual essa configuração se cristaliza
enquanto mônada. O materialista histórico só se aproxima de um objeto quando o
confronta enquanto mônada. Nessa estrutura, ele reconhece o sinal de uma
imobilização messiânica dos acontecimentos, ou, dito de outro modo, de uma
oportunidade revolucionária de lutar por um passado oprimido. Ele aproveita essa
oportunidade para extrair uma época determinada do curso homogêneo da história
[...]. (BENJAMIN, 1987, p. 231)
52

O “agora” não é mais um ponto sem dimensão que se enfileira em uma linha do tempo
com desenvolvimento previsível, mas um único ponto que se abre e revela “num resumo
incomensurável a história de toda a humanidade” (BENJAMIN, 1987, p. 232), ou seja,
permite um entendimento complexo da conexão de momentos distintos no tempo que se
realiza no presente. A apresentação dialética de um fato histórico confronta seu passado e o
futuro a partir do ponto de clivagem no presente. Cada “agora” revela uma constelação nova,
cuja configuração nunca se repete. Para Benjamin (1987), o progresso não está no avanço
contínuo do tempo que passa, mas nas perturbações capazes de revelar algo inédito.

Não é que o passado lança sua luz sobre o presente ou que o presente lança sua luz
sobre o passado; mas a imagem é aquilo em que o ocorrido encontra o agora num
lampejo, formando uma constelação. Em outras palavras: a imagem é a dialética da
imobilidade. Pois, enquanto a relação do presente com o passado é puramente
temporal e contínua, a do ocorrido com o agora é dialética – não de natureza
temporal, mas imagética. Somente as imagens dialéticas são autenticamente
históricas, isto é, imagens não-arcaicas. A imagem lida, quer dizer, a imagem no
agora da cognoscibilidade, carrega no mais alto grau a marca do momento crítico,
perigoso, subjacente a toda leitura. (BENJAMIN, 2007, p. 504-505)

A imagem dialética é justamente o ponto de explosão, “imagem que lampeja”


(BENJAMIN, 2007, p. 515), e, no instante de imobilidade, carrega-se de tempo, um “agora da
cognoscibilidade” (BENJAMIN, 2007, p. 515) que revela uma nova configuração do saber,
novo sentido para os acontecimentos. Onde o pensamento “se imobiliza numa constelação
saturada de tensões, [...] onde a tensão entre os opostos dialéticos é a maior possível”
(BENJAMIN, 2007, p. 518) encontra-se a imagem dialética. Ela é também o próprio objeto de
interesse do materialismo histórico e sua apresentação dialética é o que justifica sua escolha.
Assim, o objeto é ele mesmo uma imagem dialética. Logo, para Benjamin, “a história se
decompõe em imagens, não em histórias” (BENJAMIN, 2007, p. 518).
Segundo Georges Didi-Huberman (1998), o movimento dialético em Benjamin tem
duas dimensões distintas, a do choque ou crise, e da formação ou novidade. A primeira “surge
diante de nós como um sintoma [...] uma espécie de formação crítica” (DIDI-HUBERMAN,
1998, p. 171). A explosão de incoerências da modernidade aparece em Benjamin (1987,
2007) como “um turbilhão no rio do devir”, uma perturbação ou desvio no curso da história
linear. Ele diz: “O que são desvios para os outros, são para mim os dados que determinam a
minha rota. – Construo meus cálculos sobre os diferenciais de tempo – que, para outros,
perturbam as ‘grandes linhas’ da pesquisa” (BENJAMIN, 2007, p. 499). Isso quer dizer que
seu ponto de partida não são as confirmações das grandes teorias, mas todos aqueles
elementos de ruído que não se encaixam e as ameaçam. A dimensão da crise consiste,
53

portanto, na perturbação do curso dos eventos, fazendo ressurgir traços esquecidos do


passado.
Ao mesmo tempo, esse é também o poder da novidade, de atualização constante. A
imagem dialética é o que, na cultura, garante a mobilidade, o movimento, o inacabado, a
constante incorporação do novo e irrupção reconfigurada do antigo. “E nesse conjunto de
imagens ‘em vias de nascer’, Benjamin não vê ainda senão ritmos e conflitos: ou seja, uma
verdadeira dialética em obra” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 171). Por estar sempre
inacabada, modificando-se, está sempre em via de nascer. Assim, a ideia do movimento não
prevê alcançar uma interpretação única. As imagens da história não podem ser lidas como
documentos finais, sem ambiguidade. Para o autor, não há uma verdade metafísica imutável à
qual se deve chegar.

Há de fato uma estrutura em obra nas imagens dialéticas, mas ela não produz formas
bem formadas, estáveis ou regulares: produz formas em formação, transformações,
portanto efeitos de perpétuas deformações. No nível do sentido, ela produz
ambigüidade [...] aqui não concebida como um estado simplesmente mal
determinado, mas como uma verdadeira ritmicidade do choque. (DIDI-
HUBERMAN, 1998, p. 173)

É possível dizer que a imagem dialética, como “interpenetração crítica do passado e


do presente” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 177) produz a história e, portanto, é a origem.
Origem em Benjamin “não designa o devir do que nasceu, mas sim o que está em via de
nascer no devir e no declínio” (BENJAMIN, 1928 apud DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 170).
Logo, não se trata da gênese e investigá-la não significa informar-se sobre a fonte das coisas.
Porque ela está na “imanência do próprio devir” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 171), pertence
à história e não à metafísica, o que lhe confere um caráter mutável, aberto. Isso quer dizer que
a imagem dialética não é uma imagem de “essência”, mas possui um índice histórico, pois só
se torna legível em um certo “agora”, “um determinado ponto crítico específico do
movimento em seu interior [...] Nele, a verdade está carregada até o ponto de explodir”
(BENJAMIN, 2007, p. 504). Esse ponto crítico é sempre um ponto de partida e não provoca
uma leitura redutiva.
O segundo momento é aquele marcado pela “análise crítica” ou “reflexividade
negativa” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 171). Com o lampejo da imagem, o tempo fica
carregado de tempo, desacelera até a imobilidade e permite olhar de fato. Em meio a este
instante de imobilidade, o turbilhão, ou seja, a imagem que lampeja gerando perturbação
“revela e acusa a estrutura, o leito do mesmo rio” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 171). “Uma
imagem que critica nossa maneira de vê-la, na medida em que, ao nos olhar, ela nos obriga a
54

olhá-la verdadeiramente. E nos obriga a escrever esse olhar, não para ‘transcrevê-lo’, mas
para constituí-lo” (DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 172). O choque abre espaço para a
percepção da estrutura. A “reflexividade negativa” é justamente o que faz perceber o seu
modo de conhecimento anterior e desmontá-lo. Assim, é ao mesmo tempo imagem dialética e
dialética da imagem; produz simultaneamente uma imagem em crise e gera crítica sobre a
própria imagem que ela produz.
A imagem dialética “explode” o modo e o hábito de ver sequencial, e sua imobilidade
dá possibilidade para o sujeito ir além da posição de passividade diante da imagem e passar a
construir sentidos entre imagens, de modo constante, pois o significado nunca é completo. O
movimento da dialética da imagem é de constante destruição e renovação.
Outra alegoria usada por Benjamin para explicar a ação da imagem dialética é o
momento do despertar. Neste, forma-se uma nova constelação, o agora “no qual as coisas
mostram seu rosto verdadeiro” (BENJAMIN, 2007, p. 505-506), em oposição ao sonho. É o
ponto máximo de tensão onde ocorre a ruptura. Por um lado, evoca a razão, percebem-se as
“mitologias” e arcaísmos, entendem-se os momentos anteriores como imagens oníricas. Mas,
por outro lado, ainda permanecem elementos do sonho como rastros na consciência.
No despertar, o “chamado” e o “sonho” se dissolvem um no outro. Da mesma forma, a
imagem dialética, por sua ambivalência, a qual gera um estado constante de suspensão,
“inquietará o chamado e exigirá da razão o esforço de uma auto-ultrapassagem, auto-ironia”
(DIDI-HUBERMAN, 1998, p. 185). Ou seja, pode-se evocar os elementos esquecidos, mas
que ainda permanecem – não de forma nostálgica, mas para trabalhá-los criticamente. Logo,
“o historiador assume a tarefa da interpretação dos sonhos” (BENJAMIN, 2007, p. 506).
Assim, a cada novo despertar, a cada “agora da recognoscibilidade”, a nova razão ultrapassa a
razão anterior, a qual, por já conter em si elementos de autoironia, permite ser revista como
“sonho”, de modo que o conhecimento continue em transformação, sempre se superando.
A quebra no fluxo da história progressiva afeta o continuum das práticas cotidianas,
suas imagens do tempo, as relações econômicas e de controle, religiões e governos, que ficam
suspensas em um tempo a-histórico. As relações econômicas e as determinações materialistas
da história são desatadas e permitem a emergência do suprimido, dos fantasmas e demônios
que podem reclamar o seu lugar. Para Buci-Glucksmann (apud LAMBERT, 2004, p. 68), a
imagem dialética é um conceito metapolítico, pois propõe que o político possa se “originar”
por meio da abolição das relações que o constroem, por meio de sua própria suspensão. O
momento de suspense é o momento da fundação do novo, pois permite alterar a relação com o
passado ao romper, reverter ou rearranjar as linhas narrativas históricas. É o momento do
55

“perigo”, da devastadora violência divina. Lambert (2004, p. 69) exemplifica como esta ideia
é expressa em “a crítica da violência” na figura da greve geral: “a conversão do tempo
econômico e material do trabalho e da produção em um tempo de justiça, no qual os efeitos
naturais da violência econômica e política refletem os conceitos de uma experiência de classe
e de um novo sujeito político”. Nesse sentido, a ideia marxista de revolução é transposta à
cultura.
Os “documentos da barbárie” de Benjamin são as vítimas do progresso histórico, o
“mundo espiritual dos mortos” (LAMBERT, 2004, p. 70) que pode ser recuperado por meio
de uma arqueologia do presente. Seu entendimento das invenções tecnológicas da época, a
fotografia, o cinema, o telefone, etc., é de que poderiam ter um direcionamento revolucionário
se utilizadas como meio de invocar estes mortos, fazer previsões ou revelar sonhos. Se a
instrumentalização desses meios ainda estava aberta, ainda não totalmente cooptados por
forças econômicas e sociais, eles poderiam ser usados para refletir os conflitos dessas
estruturas.

Nessa imagem de uma revolução cultural sem sangue... nós temos uma constelação
de forças culturais cujo objetivo é a destruição geral da Cultura como forma de
imaginação histórica fundada no mito da violência do estado, contra a qual se lança
a confrontação criativa da “violência divina” na disputa pelo significado da História.
(LAMBERT, 2004, p. 70)

No uso comum da cultura, a fotografia que captura um presente é inserida em uma


organização temporal, na qual a experiência passada só pode “retornar” dentro da narrativa de
progresso, imposta de antemão, como coloca Lambert (2004, p. 71). A posição de Benjamim,
contrária a esta, propõe que se altere o valor do passado durante a suspensão da temporalidade
moderna. A interrupção da historicidade linear e progressiva preenche o tempo de fragmentos,
todos ativos no “agora”, e permite refletir sobre o valor de seus modos de organização.
Consequentemente, “o valor cultural é desarticulado do seu movimento econômico e
narrativo” (LAMBERT, 2004, p. 73). O autor afirma que este modelo de apresentação do
tempo, a partir do choque que promove a sua suspensão temporária, deriva da leitura de
Benjamim sobre o drama barroco, no qual o “presente” é o lugar do teatro, uma abertura onde
o passado é reinvocado e rearranjado pelo poeta. Assim, o teatro barroco, em sua discussão
sobre a “cultura da morte”, serve, em Benjamin, como alegoria para a modernidade. O tempo
do julgamento equivale à suspensão da temporalidade moderna, na qual se apresenta o embate
entre as duas forças que irão determinar o significado da experiência cultural: os produtores,
artistas e membros da avant-garde, e as forças da indústria cultural. A disputa sobre o que será
“cultivado” ou cultuado é um ponto de vista tipicamente moderno, segundo Lambert (2004, p.
56

76), e reflete uma época na qual os interesses da classe artística e da classe dominante não
eram compatíveis.
Lambert (2004, p. 77) estabelece uma relação entre esta nova visão da cultura,
colocada por Benjamin, e expressões do modernismo tardio na Europa e do pós-modernismo
na América. Em sua leitura acerca da dialética da imagem, a crise passa a corresponder ao
rompimento da cultura com a narrativa histórica, econômica e legal, tempo indefinido de
suspensão das normas vigentes; e a crítica se torna uma síntese do ponto de vista do crítico-
espectador, que segue os rastros da história morta e reintroduz o outro no presente. Portanto,
ganha importância o conceito de “alteridade” como o novo sujeito “vítima da história” ou do
“estado de exceção” (LAMBERT, 2004, p. 77). Por outro lado, tanto a posição do espectador
quanto a do outro não têm existência real: o povo pode ser entendido como o palco moderno
de conflito, o boulevard, a praça, etc., e o outro, como a voz retórica do mártir, “uma nova
forma de escrita”, hoje identificada com a posição pós-moderna (LAMBERT, 2004, p. 78).

4.2.2 A dobra leibniziana em Gilles Deleuze

Deleuze (2011, p. 13) começa definindo o barroco como “uma função operatória” que
faz dobras e curva aquelas já existentes ao infinito. Para o autor, o barroco se caracteriza pela
lógica elíptica, pensamento flexível e forma fluida. A dobra é, então, uma metáfora para tratar
da instabilidade. Uma figura que a representa é o labirinto, múltiplo porque dobrado de muitas
maneiras (DELEUZE, 2011, p. 14).
Primeiramente, Deleuze retoma as características materiais barrocas elencadas por
Wölfflin, como a curvatura da matéria, o arredondamento dos ângulos, as formas em
turbulência, a fluidez e o desdobramento de matérias que transbordam os espaços
(DELEUZE, 2011, p. 15). Depois, mostra como, em Leibniz, a matemática barroca também
se utiliza desses pontos fundamentais, através da “fluidez da matéria”, “elasticidade dos
corpos” e “mola como mecanismo” (DELEUZE, 2011, p. 16), e desenvolve a dobra como
uma força de interação entre os elementos que gera o movimento curvilíneo, o turbilhão.
Para Leibniz, as dobras subdividem a matéria infinitamente, fazendo força e
agregando todo o ambiente. Esse movimento de subdivisões, de turbilhões que contêm
turbilhões menores, gera uma textura “infinitamente porosa, esponjosa, ou cavernosa, sem
vazio; sempre uma caverna na caverna” (DELEUZE, 2011, p. 17). Essa é a própria lógica do
fractal, onde cada unidade reproduz internamente todo o universo, permeada por passagens
irregulares, com textura final semelhante a um oceano de ondas. Há fluidez, porém marcada
57

por uma textura na qual não se separam individualmente os elementos. “[...] um corpo flexível
e elástico tem ainda partes coerentes que formam uma dobra, de modo que elas não se
separam em partes de partes, mas dividem-se até o infinito em dobras cada vez menores,
dobras que sempre guardam certa coesão” (DELUZE, 2011, p. 18).
A imagem é de um labirinto ou um tecido com infinitas dobras, cada uma gerando um
movimento curvo que interage com a dobra vizinha, continuamente gerando dobras menores.
“Sempre tem uma dobra na dobra, como uma caverna na caverna. A unidade da matéria, o
menor elemento do labirinto é a dobra, não o ponto, que nunca é uma parte, mas uma simples
extremidade da linha” (DELEUZE, 2011, p. 18). O movimento da matéria é parabólico e não
linear, e seu mecanismo é a mola. Assim, em cada divisão se acumula movimento ou se perde
força, pois a dobra é também desdobrar, “trata-se de tender-distender, contrair-dilatar,
comprimir-explodir” (DELEUZE, 2011, p. 19).
Este objeto elástico, Deleuze (2011, p. 38) chama de “objéctil”, pois não é estável,
sólido e essencial, como um produto industrial. É um objeto fluido que existe em um
continuum de variação. Sua variação é uma função e a norma passa a ser a flutuação. O
objéctil não é limitado por uma forma, mas existe em “modulação temporal”, ou seja, sua
forma é remoldada continuamente. “É uma concepção não só temporal, mas qualitativa do
objeto, visto que os sons, as cores, são flexíveis e tomados na modulação. É um objeto
maneirista e não mais essencialista: torna-se acontecimento” (DELEUZE, 2011, p. 39).
O sujeito, por sua vez, não é fixo, mas sua posição varia; ele é a própria variação ou
inflexão (DELEUZE, 2011, p. 40), é o ponto de vista, “superjéctil”. Ele não é previamente
definido, mas será definido pelo ponto de vista que ocupar. “Não é o ponto de vista que varia
com o sujeito, pelo menos em primeiro lugar; ao contrário, o ponto de vista é a condição sob a
qual um eventual sujeito apreende uma variação” (DELEUZE, 2011, p. 40). Assim, se o
objeto tem por norma a variação, o sujeito somente o apreende por um ponto de vista.
Portanto, é móvel porque sua percepção é frágil; será sempre um cruzamento entre o
movimento do objeto e o ponto de vista.
O objeto só é detectável pela mudança e depende do ponto de vista, que é a condição
sob a qual o sujeito o apreende. “Trata-se não de uma variação da verdade de acordo com um
sujeito, mas da condição sob a qual a verdade de uma variação aparece ao sujeito. É a própria
idéia da perspectiva barroca” (DELEUZE, 2011, p. 40). A perspectiva barroca, para Deleuze,
dá-se em pontos de vista variáveis sobre ondas e dobras infinitas. A perspectiva central é,
então, substituída pelo multiperspectivismo, o qual implica pluralismo, mas também distância
e descontinuidade, pois não há linearidade que relacione duas leituras. O multiperspectivismo
58

é “a verdade da relatividade (e não relatividade do verdadeiro)” (DELEUZE, 2011, p. 43), é


uma “constelação” em potencial, uma verdade que se manifesta em condição específica. Em
cada ponto de vista há uma variedade de conexões possíveis, percursos por um labirinto.
O ato da dobra cria diferença e ao mesmo tempo se diferencia. Ela separa dois lados,
mas também os relaciona, “cisão em que cada termo relança o outro, tensão em que cada
dobra é distendida na outra” (DELEUZE, 2011, p. 58-59). Pode-se observar similaridades
com a imagem dialética, na qual cada movimento de crítica gera a próxima crise, ou seja,
onde os termos são “desdobramentos” e não há estabilidade. Cada constelação contém a
contradição que irá desfazê-la e que irá provocar uma nova configuração, um novo momento
de crise, de abertura. A instabilidade e a constante atualização do conhecimento estão no
cerne dos dois conceitos. O movimento da dialética da imagem e da dobra barroca tendem
ambos ao infinito. Nesse sentido, são uma complicação do mundo e servem para pensar a
cultura do fluxo, do devir incessante.
No barroco, esse movimento da dobra está presente, segundo Deleuze (2011, p. 61),
no regime de luzes chiaroscuro, no qual o claro e o escuro não são oposições, mas a luz sai da
sombra. Do fundo, brota a luz que dá forma e que permite descobrir as figuras. Esta revelação
é feita por uma abertura “em curva”, em que a luz entra por um orifício imperceptível, como o
da câmara obscura, e reflete no seu interior. Assim como o movimento, a claridade também é
relativa, pois não é separada da escuridão. Os dois estados não existem como essências, mas
há uma série de regiões intermediárias híbridas que deslizam entre preto e branco.
Entender a dobra como mecanismo operatório do barroco permite compreendê-lo além
do seu contexto histórico. Para Deleuze (2011, p. 67-72), são seis as características estéticas
do barroco. De início, ele cita a dobra como seu mecanismo operativo – mas a dobra de
característica infinita, que dá expressão a todas as matérias e “faz aparecer a forma”, ou seja,
uma dobra que dá origem e não cessa de criar. A segunda característica é a diferenciação em
dois estratos, o externo e o interno, simultaneamente separados e conectados pela dobra, pois
o que é recebido no exterior é, por meio dela, incluído e intensificado no interior. Em terceiro
lugar, a relação exterior-interior também se manifesta como uma relação entre alto e baixo,
aproximados pela dobra.

A dobra infinita passa, portanto, entre dois andares. Mas, diferenciando-se, ela se
dissemina para os dois lados: a dobra diferencia-se em dobras que se insinuam, no
interior e que transbordam para o exterior, articulando-se, desse modo, com o alto e
o baixo. Redobras da matéria (baixo) sob a condição de exterioridade, dobras da
alma (alto) sob a condição de clausura. (DELEUZE, 2011, p. 67)
59

As dobras são tanto formais quanto informais, e compreendem o imaterial, as


maneiras e o pensamento.
A quarta característica é a “desdobra”, a continuação da dobra – não no sentido
material, mas entendida como método. Em seguida, o autor destaca as texturas, que se
relacionam à força passiva, de resistência dos materiais. “A maneira pela qual a matéria se
dobra é que constitui sua textura: ela define-se menos pelas suas partes heterogêneas e
realmente distintas do que pela maneira pela qual essas partes tornam-se inseparáveis em
virtude de dobras particulares” (DELEUZE, 2011, p. 69-70). Assim, a matéria se expressa,
pois a dobra provoca texturas pelo jogo de iluminação, pelas diferenças de profundidades e
pela encenação de texturas de outras matérias. Por fim, Deleuze destaca o paradigma de
expressão barroco, que ressalta sempre o elemento formal da dobra. “Esse elemento só poderá
aparecer com o infinito, no incomensurável e desmedido, quando a curvatura variável tiver
destronado o círculo” (DELEUZE, 2011, p. 72).

4.3 A pós-fotografia de Helen Sear e A. L. Steiner

A primeira obra a ser analisada é Inside the View nº 1, de Helen Sear. A artista
britânica parte do abandono de qualquer ideal realista da imagem fotográfica e produz uma
visualidade sintética que pouco lembra o uso documental da fotografia. Para a criação da
série9, Sear faz uma montagem por sobreposição de um retrato e uma paisagem. Em seguida,
executa um longo trabalho manual-digital, no qual apaga, píxel a píxel, cada imagem, criando
um padrão rendado que “costura” uma fotografia na outra. O trabalho de montagem é
primeiramente de subtração, retirando as fotografias “retrato” e “paisagem” do seu uso
comum, e posteriormente de falsa divisão, sintetizando o novo a partir de duas fotografias
originalmente desconexas. O resultado já não pode ser considerado uma imagem técnica,
prevista no programa dos aparelhos. Há um trabalho ativo de processamento intermediário
que reorganiza pontos e produz uma superfície anteriormente “inimaginável”. Assim, a artista
caminha do fragmento em direção ao concreto; como o homo ludens de Flusser (2008) ou o
semionauta de Bourriaud (2005), cria o novo e age contra a redundância.
O desenho da artista funciona como um véu que revela e esconde a paisagem e o
personagem. Esse processo de intervenção explicita a superficialidade da imagem, pois ativa a

9
As informações sobre o processo de criação da obra constam no press release da galeria Klompchin. Disponível em:
<http://www.klompching.com/kcg/pastexhibitions2009.htm>. Acesso em: 22 nov. 2013.
60

sua experiência tátil (CAMPANY, 2006). David Campany (2006) explica que o padrão
rendado apagado por Sear se torna, ele mesmo, uma terceira imagem em jogo: o desenho da
linha na superfície. Se, normalmente, os fotógrafos incorporavam os motivos e composições
clássicas, por exemplo, Sear incorpora a materialidade do suporte à imagem. Ao mesmo
tempo, segundo Campany (2006), ela recupera e atualiza uma linha da história da fotografia
que buscou acentuar a superficialidade do meio, a qual inclui, por exemplo, o movimento
pictorialista, responsável por utilizar as marcas do pincel na emulsão. Esse modo de operar
com a linha mostra uma específica aproximação da fotografia com a pintura. A artista utiliza
recursos pictóricos da pintura no momento do processamento intermediário, gerando imagens
fotográficas com “impressões” manuais, de caráter puramente formal. No entanto, o padrão
rendado é construído pela subtração individual de píxeis, gerando espaço negativo, o qual é
simultaneamente preenchido por uma nova imagem. O que é de fato “desenhado” é o
entrelaçamento digital de duas fotografias. Há uma retomada do tipo de intervenção manual
que se fazia na fotografia analógica, porém em um contexto de “eletrobricolagem”. A
incorporação de aspectos da pintura na prática fotográfica, partindo da base de uma imagem
técnica, possibilita transpor a condição de funcionário e operar como programador.

Imagem 2 – Fotografia Inside the View nº 1 , Helen Sear, 2005


Fonte: Página da artista.
61

Imagem 3 – Detalhe da fotografia Inside the View nº 1 , Helen Sear, 2005


Fonte: Página da Galeria David Campany.

O trabalho manual-digital de intervenção da artista revela um outro aspecto da prática


fotográfica relacionado à dinâmica entre real e virtual, especialmente no que tange às relações
de poder diante da possibilidade de se digitalizar o mundo e as pessoas. A teoria de Batchen
(2002) afirma que a computação e a fotografia derivam da mesma lógica. Para explicá-la,
recorre à história do encontro de Talbot com Charles Babbage, inventor de uma das máquinas
precursoras do computador, a máquina diferencial (difference engine), no século XIX. Os
intelectuais teriam discutido entre si, em diversas ocasiões, as teorias de seus respectivos
campos, sendo que Babbage era um apreciador da fotografia e havia recebido diversas cópias
das imagens de Talbot. Os achados da época apontam para o posicionamento de Talbot, a
respeito da fotografia, como de incerteza sobre sua identidade, a qual julgava ser um misto da
força cultural da câmera com a espontaneidade da natureza. Do mesmo modo, Babbage
concebeu sua máquina de cálculo como um aparelho cultural que permitia à natureza se
apresentar na forma de equações matemáticas (BATCHEN, 2002, p. 165-167).
Em sua troca de correspondências, conta Batchen (2002, p. 167), Talbot enviou a
Babbage uma fotografia de um pedaço de renda feita por contato, uma demonstração da
fidelidade indicial, da perfeita reprodução dos detalhes obtida com a técnica. Segundo a
explicação dada por Talbot na época, a fotografia mostrava a renda como a “verdadeira
ilusão” das linhas brancas sobre o fundo escuro, ou seja, tratava-se de um mundo já
imaginado em termos binários, um padrão construído pela marca da luz ou a sua ausência
(BATCHEN, 2002, p. 167). Isso se comprova, segundo o autor, pela inclusão, em um de seus
62

livros, de cópias positivas (nas quais a renda aparece preta contra um fundo branco) do
contato da mesma imagem. Elas vinham acompanhadas pelo comentário de Talbot no qual ele
despreza a diferença da cor, pois afirma que a importância está no registro do padrão, das
unidades que compõem a renda e a tornam reconhecível. Outras versões do mesmo referente
incluem ampliações com lentes de aumento em até cem vezes. Isso demonstra, desde cedo, o
caráter aritmético da fotografia e sua habilidade de cálculo pela digitalização dos objetos
(BATCHEN, 2002, p. 169), pois esta fotografia, na verdade, é um índice da natureza
matemática e codificável dos objetos.

Imagem 4 – Photogenic Drawing Negative de Lace , Talbot, 1839


Fonte: BATCHEN, 2002, p. 168

Quanto à invenção da máquina de computar, esta partia de um método de identificação


de diferenças para reduzir todas as operações a adições e subtrações, pré-programadas em
cartões e executadas de modo autônomo. Os resultados, por sua vez, seriam utilizados para
retroalimentar a máquina, que replicaria seu programa. Sua única utilização conhecida foi no
cálculo de tabelas de seguro de vida (BATCHEN, 2002, p. 170-171). Assim, a computação
63

surge num contexto de transformação do humano em dados computáveis, a fim de possibilitar


previsões futuras em um determinado ponto do tempo e espaço – algo parecido com o que faz
a fotografia. Batchen afirma que, ao fazer do usuário “simultaneamente sujeito e objeto do
aparato” (2002, p. 171), ambas as técnicas ultrapassaram os limites estabelecidos pelas
dualidades cartesianas. São ferramentas de atuação do homem, o qual é, também, o seu efeito.
Tal mecanismo de poder, descrito na forma do panóptico por Michel Foucault
(BATCHEN, 2002, p. 171), também é discutido nas obras de Sear. Ao subverter o
automatismo do cálculo, impondo seu próprio programa, a artista tenta romper com o ciclo no
qual o prisioneiro se aprisiona. Seus objetos e personagens são fotografias digitais, capturados
e renderizados em píxeis sob uma superfície por um aparelho, mas ela os tece “manualmente”
durante o processamento intermediário, com um gesto longo e demorado de tatear.

O computador é em si a expressão material e uma certa história, a manifestação


eletrônica e mecânica de uma armadura conceitual que insistentemente reproduz a si
mesma cada vez que nós apertamos uma tecla e direcionamos um fluxo de dados
digitais. (BATCHEN, 2002, p. 173)

Isso significa que a estratégia de perturbação desta história, incorporada na prática


computacional, está tanto no poder de novas formas narrativas, como no aumento das
contradições dela própria, a exemplo daquelas destacadas no encontro entre Talbot e
Babbage. “Reconhecer e exacerbar aquelas instáveis simultaneidades” (BATCHEN, 2002, p.
174).
A crítica por meio da apresentação simultânea da dupla natureza/cultura se desdobra
nessa obra também na forma de uma instabilidade crítica aos hábitos do olhar, que passa a
exigir o engajamento do receptor. O padrão da renda é um desenho abstrato realizado à
distância pela interface digital, mas materializado em seu output. Um gesto que vai do
abstrato em direção ao concreto, assim como o retrato e a paisagem, enquanto fotografias
digitais, deveriam realizar o mesmo percurso. Entretanto, essas três instâncias partem também
de referências imagéticas tradicionais (o bordado e a tradição de pintura romântica do século
XIX, por exemplo) que fariam o percurso inverso, do concreto ao abstrato. Logo, a obra
apresentada por Sear nunca se resolve, permanecendo instável entre esses dois momentos.
Não pode ser lida como uma abstração do mundo em direção à representação, mas seus
fragmentos tampouco se estabilizam em uma imagem final.
Isso é visível na forma como as mulheres não estão perfeitamente integradas à
paisagem, mas virtualmente posicionadas de modo que se preserva um espaço entre as três
imagens, montadas na mesma medida em que elas compõem uma única superfície. A nova
64

imagem revela a paisagem ao redor da figura, ao mesmo tempo em que permite observá-la
por dentro. Esta fragmentação narrativa obriga o espectador a reconstruir a imagem dentro de
sua mente, a se movimentar entre as camadas, o que constitui um jogo com o tema e o nome
da obra, Inside The View. Essa também é a condição das personagens, que se deslocam entre
o real e o virtual. A fotografia passa a explicitar esse processo de construção e aprisionamento
do sujeito e, ao fazer isso, devolve uma parte do poder ao espectador, que não está passivo
diante da imagem, mas incorporado ao processamento.

Minhas preocupações com a fotografia nos últimos 20, 30 anos foram sobre a ideia
de que a fotografia prioriza o olho sobre os outros sentidos. E isso é algo que eu
acho problemático de certa forma. A ideia de um olho que consome tudo. Então o
que eu tentei fazer foi tentar visualizar coisas que talvez nós não possamos ver. E eu
suponho, coisas que possamos sentir ao invés. Logo, geralmente eu utilizei o
elemento do trabalho manual, o toque da mão como forma de introduzir no trabalho
um modo de falar sobre os outros sentidos. [...] Sou muito interessada no corpo e na
paisagem. E isso toma a forma da figura na paisagem tentando falar sobre uma
figura imersa em uma paisagem, ao invés de uma figura sentada diante da vista, mas
estar lá fora e tentar falar sobre a experiência de ser de fato parte da paisagem.
(SEAR, 2010)

Em conclusão, as fotografias de Sear atuam criativamente contra o programa em três


aspectos principais. Primeiro, ao fazer visualizar seu gesto artesanal como intervenção
consciente sobre a superficialidade da imagem fotográfica, revelando parte do processo. Em
segundo lugar, na mobilização das imagens e da história na recuperação de processos
utilizados por outros movimentos da fotografia, da tradição da colagem e da história da arte,
mas recolocando-as em circulação como modo de escapar ao programa, através da criação de
novos diálogos. Por último, no engajamento do receptor por meio da construção de uma
imagem final instável, que obriga sua intervenção no processo de codificação, alterando,
assim, as relações de poder históricas inscritas nos usos do meio.
Neste apontamento das características (pós-)fotográficas da obra, é possível identificar
diversos aspectos barrocos, especialmente aqueles relacionados à metáfora da instabilidade. O
movimento do olhar entre as camadas – e, consequentemente, entre as diversas narrativas
disponíveis – apela à sensação de estremecimento e tensão constante do barroco. Por outro
lado, a obra apresenta uma unidade, pois não é possível conceber cada camada de modo
independente; elas só existem porque são feitas parcialmente visíveis pela montagem em
palimpsesto.
A clareza valorizada na fotografia – entendida como busca por um conhecimento
confiável sobre o mundo e pelo controle da natureza – é, aqui, substituída pela fusão de
formas, o que dificulta a sua compreensão. A construção busca intencionalmente a falta de
65

nitidez. Há fluidez no modo como as fotografias se dissolvem umas nas outras, com
delimitações menos rígidas das formas. A visão é obstruída e não há objeto formado a ser
contemplado e fetichizado.
Identifica-se um colapso do espaço, pois o espectador fica inquieto, transitando entre
as camadas, e também do ordenamento clássico – o qual alinha sujeito, imagem e objeto –,
uma vez que a imagem não é uma janela que permite fixar e observar os objetos. Nesse caso,
a falta de delimitação subverte a lógica identitária tradicionalmente atrelada à prática
fotográfica e impõe uma lógica labiríntica na construção do sentido. O procedimento de
montagem imagina a partir do fragmento, o qual é abordado sem noções hierárquicas e é
organizado de forma a refletir a elasticidade e indeterminação da fotografia.
Pode-se argumentar que Sear faz um trabalho “arqueológico” ao recuperar outros usos
do meio, evocando outros tempos e práticas artísticas e ativando simultaneamente aspectos
analógicos e digitais. Ainda, se não há produção de um objeto fixo, capturável, a fotografia de
Sear acusa a sua estrutura, não permitindo que se concretizem hábitos tradicionais do olhar.
Ao colocar suas personagens no interior, interpenetradas pela paisagem, a artista faz com que
a condição de aprisionamento seja “negativamente refletida” no crítico-espectador. Ou seja,
ao interferir na linearidade sujeito-imagem-objeto, a obra se realiza como uma imagem
dialética, conforme pensada por Benjamin (2007). A obra lança fragmentos que não chegam a
se organizar em uma versão final, mas cuja visualidade resultante está sempre em estado de
devir. A alternância entre as camadas é, também, alternância entre o automatismo e o trabalho
manual.
O tratamento da fotografia a partir do fragmento e a ênfase na sua característica de
elasticidade – aqui com destaque para a circulação das referências – são as bases para a
concepção das obras da artista estadunidense A. L. Steiner. Retoma-se a hipótese de Batchen,
para quem “[...] a fotografia é agora uma mensagem ao invés de uma mídia, uma mensagem
que pode ser transmitida e infinitamente repetida mesmo na ausência de qualquer fotografia
de fato” (BATCHEN, 2002, p. 124), como princípio para a análise da transmutação da
fotografia enquanto informação desatrelada do seu suporte e sistema de reprodução.
As imagens abaixo (Imagem 5 a 8) são registros da instalação fotográfica Queer is the
New Black. Ela consiste em uma grande colagem que cobre algumas paredes da galeria com
imagens de amor e vida lésbicos. A respeito de seu formato, nota-se a opção por uma
montagem em grande escala no lugar de fotografias individuais, o que qualifica a obra como
uma instalação. Assim, observa-se a ênfase no diálogo com o espaço (físico, da galeria, e
espaço na cultura, memosfera ou semiosfera) e, portanto, com suas normas, convenções e
66

modos de construção relacionados à memória de sua ocupação. A configuração do “mural”,


por sua vez, remete a uma tela e ao seu uso como artefato para visualização e
compartilhamento de imagens. A montagem fragmentada se associa ao trabalho em janelas, as
quais, muitas vezes sobrepostas, com apenas um clique disparam inundando toda a superfície.
Esta disposição lembra a interface de diversos programas e aplicativos de compartilhamento
de fotografias na web e em redes sociais, como os populares Flickr e Instagram. Por fim, a
colagem funciona como uma coleção, um inventário de imagens-informação sobre um mesmo
tema.

Imagem 5 – Instalação Queer Is The New Black , A. L. Steiner, 2009


Fonte: Página da artista.

A estética das fotografias, analisadas individualmente, também aponta para o mesmo


fenômeno cultural. Elas são instantâneos da vida íntima levada a público. Porém, como
aponta Roberta Smith (2006), diferentemente de outros “fotógrafos da intimidade” como
Nancy Goldin, Terry Richardson e Ryan McGinley, “ela evita qualquer conotação de
exploração, intrusão, auto-gratificação ou sensacionalismo” (SMITH, 2006). De fato, a
conotação dada ao trabalho de fotógrafa nesta obra é mais natural e corresponde à
espontaneidade com a qual, hoje, misturam-se público e privado num ambiente midiático em
67

rede. É claro também o afastamento de qualquer traço pornográfico10, pois as fotografias


enquadram “mulheres se divertindo sendo mulheres” (SMITH, 2006), longe dos padrões
normatizados pela sociedade patriarcal e replicados nas mais diversas áreas, do universo da
moda à pornografia. Complementarmente, o título da obra indica esta intenção de propor uma
nova “normalidade”.

Imagem 6 – Detalhe da instalação Queer Is The New Black , A. L. Steiner, 2009


Fonte: Página da artista.

Há uma potência desestabilizadora da ordem evocada na relação entre os conteúdos


expostos e o formato da montagem. Desse modo, Steiner produz uma obra com alta
“reflexividade negativa”11, que busca comentar e agir sobre o processo circulatório de
informações visuais. Assim, primeiramente, pode-se entender a obra no contexto da imagem
crítica de Benjamin (2007). Desconsiderando possíveis intervenções físicas dos visitantes, seu
formato permite imaginar infinitos desdobramentos, e também que o observador continue
construindo o quadro com seus próprios conteúdos. Isso aponta para a relação entre
reprodutibilidade e montagem, como a práxis política acontece a partir das possibilidades
abertas pela circulação e apropriação irrestritas de imagens, repropostas em novas ordenações.
A organização textual menos restritiva da instalação, com foco na elasticidade e transferência
de conteúdo, utilizando-se da reprodutibilidade da fotografia pela escolha de signos em

10
O fato de as imagens em si não apresentarem uma estética pornográfica não elimina uma possibilidade de leitura da obra
que comente o papel da pornografia na normatização do corpo feminino e do comportamento patriarcal em relação a ele. Ao
apresentar imagens excluídas do mainstream, flashes de um cotidiano no qual “mulheres se divertem sendo mulheres”,
Steiner também tenta combater o padrão vigente, lutando para criar um espaço para essas imagens marginais.
11
Termo utilizado por Didi-Hubberman para descrever um momento do ciclo das imagens dialéticas de Benjamin.
68

circulação, faz do ato da montagem uma forma de atuação política.


A plataforma de divulgação escolhida é um espaço museológico, com histórico de
ocupação próprio, no qual as fotografias, retiradas de seu contexto original, permitem refletir
sobre as formas de narrativização dos conteúdos (na apresentação linear da evolução da
cultura, na ordenação e representatividade das imagens em ambientes virtuais ou espaços
físicos) e a consequente construção do valor cultural. Assim como propõe Benjamin (2007),
há um uso revolucionário dos meios na montagem da obra, a qual evoca um contraste
dialético entre a forma de ocupação e organização e o próprio conteúdo exibido.

Imagem 7 – Detalhe da instalação Queer Is The New Black , A. L. Steiner, 2009


Fonte: Página da artista.

Neste sentido, a teoria de Richard Dawkins, a qual pensa a cultura a partir do ponto de
visa do “meme”, pode contribuir para esclarecer tal processo. Segundo Daniel Dennett (2011,
p. 1), a cultura evolui, fato que pode ser acompanhado pela mudança no seu inventário ao
longo do tempo, com o aparecimento, desaparecimento, fusão e multiplicação de itens. Ao
recorrer à teoria de Dawkins sobre o meme, o autor tenta se distanciar do modelo tradicional
de interpretação desta evolução – o modelo narrativo-histórico – e busca uma explicação
científica complementar que dê conta das ações não intencionais.
Para Dawkins, o meme é uma entidade cultural que evolui de acordo com regimes de
seleção, dos quais o beneficiário é sempre o próprio meme, independentemente dos efeitos
que provoque no seu hospedeiro humano e das intenções deste último. Os memes têm como
objetivo sua própria replicação e sobrevivência. Eles podem ser entendidos como um pacote
informacional análogo ao gene, configurado em um fenótipo que afeta diretamente o mundo à
sua volta, influenciando sua replicação. Por ser pura informação, o meme pode ser
transportado por qualquer mídia (DENNETT, 2011, p. 5-7).
69

Imagem 8 – Instalação Queer Is The New Black , A. L. Steiner, 2009


Fonte: Página da artista.

Essa descrição do meme como pura informação, a qual independe de um meio físico
para ser transmitida (DENNETT, 2011, p. 20), aproxima-se muito da conclusão de Batchen a
respeito da pós-fotografia. Imagina-se, então, que este “elemento fotográfico” em circulação
na obra de Steiner seja entendido como um meme, uma informação central envolvida por um
fenótipo específico através do qual ela é expressa. Logo, a obra Queer Is The New Black
carrega a informação “igualdade de gêneros”, traduzida na visualidade da diversão feminina
íntima exposta com naturalidade em relação ao espaço ocupado, o qual é formatado como
uma interface de compartilhamento digital recriada em uma galeria de arte.
A emissão do meme “igualdade”, na forma de snapshots populares, dá existência a
sujeitos e comportamentos marginalizados ao colocá-los na tela. Ao mesmo tempo, ocupar
este espaço significa tomar o espaço de outro meme anteriormente dominante, substituindo-o.
A escolha do tema, portanto, desafia as normas culturais e faz ressurgir experiências
de vida marginais aos principais ambientes de consumo imagético. Há excesso de intimidade
e exposição, mistura da narrativas diversas, gêneros e épocas. A experiência de vida queer
aparece “encenada” com grande diversidade, novamente sem qualquer tentativa de explicação
ou ordenação. Não existe uma figura central, uma forma mais correta de representação, mas
uma infinidade de desdobramentos do queer. A montagem apenas reúne uma grande
diversidade de fragmentos, aqui totalmente recontextualizados.
70

O formato apresenta também características barrocas, identificadas, por exemplo, na


ausência de uma composição harmônica, com a apresentação das fotografias como um
turbilhão de imagens que não obedecem a qualquer norma unificadora. A montagem espalha e
sobrepõe fotografias em um movimento de preenchimento total do espaço, além das bordas de
um quadro. Conforme apresenta Deleuze (2011), o barroco tem a tendência a superar as
molduras, entendidas tanto como limite físico das obras, quanto como limites temáticos e
estéticos. “As dobras parecem deixar seus suportes, tecido, granito e nuvem, para entrar em
um concurso infinito” (DELEUZE, 2011, p. 66). Fotografias se dobram e se reproduzem
como um vírus pelas superfícies da galeria, sem qualquer hierarquia ou padrão visível. As
pontas da obra permanecem abertas para novas contribuições, de modo que sempre poderiam
ser acrescentadas novas fotografias.
Este aspecto de abertura e disponibilidade para incorporar o alheio favorece o diálogo
como meio de criação do novo, em um movimento dialético de reelaboração e dissenso. Neste
“work in progress” nunca de fato encerrado, cada ponto de inflexão entre duas fotografias é
um novo ponto de interação. Assim, Steiner atua na configuração do conhecimento ao criar
links e relações entre imagens existentes. Essas dobras promotoras de interatividade e diálogo
garantem a mobilidade das identidades. A imagem Queer Is The New Black está em estado de
devir, suscetível a “perpétuas deformações”: a cada montagem, uma nova “constelação”; a
cada “agora” da navegação, uma nova coleção de fragmentos que dará o sentido a esta
alteridade. Dessa forma, o formato de exibição coloca em crise qualquer noção de fixidez das
identidades e aponta para a fragilidade dos algoritmos que fazem a curadoria das plataformas
informacionais. Ao mesmo tempo, realiza a etapa crítica da dialética: ela reintroduz o “outro
queer” no ato político construtivo de escolha e montagem, que resultará em uma visão própria
e única, ainda que temporária e instável.
Ainda sobre o conceito da dobra em Deleuze, observa-se que a disposição das
fotografias remete a um movimento fractal de expansão. Por outro lado, também
internamente, cada um dos snapshots contém uma profusão de detalhes que intensificam os
temas em discussão. Assim, identifica-se a dobra para o interior, movimento de diferenciação,
e a dobra para o exterior, que provoca a síntese a partir da articulação das diferenças,
agregando cada vez mais fotografias à instalação. Ademais, se vista como uma coleção de
momentos e variações, tem-se a dobra como método cartográfico, ao qual se refere Buci-
Glucksmann (2001, p. 53) quando propõe o “artista Ícaro” como modelo de artista barroco,
segundo o paradigma de Deleuze. Por fim, a textura resultante é porosa, “sempre uma caverna
na caverna” (DELEUZE, 2011, p. 16), sem espaços vazios. A textura é aquela própria do
71

ambiente virtual, pois as dobras da instalação repetem o fluxo da navegação online. A


expansão “viral” das imagens queer é selecionada por meio de um “algoritmo” próprio da
artista, cuja lógica não ortogonal da montagem é expressa na sobreposição de janelas, cada
fotografia equivalendo a um “hiperlink”, uma dobra criadora.
Nas obras de Steiner, tanto a visualidade como a espacialidade apresentam estética
barroca. Deleuze (2011) aproxima esta estética, de inflexões e dobras infinitas, ao modelo
fractal, que cresce por acumulação e aglutinação de formas irregulares, “arbóreas” (BUCI-
GLUCKSMANN, 2001, p. 51). Buci-Glucksmann considera a cartografia fractal uma “pós-
abstração”, “abstração diagramática ou cartográfica” (2001, p. 51). O olhar cartográfico vê o
mundo de cima, primeiramente identificando apenas caos, mas segue revelando, por meio da
montagem, “variedades e maneiras barrocas”. A visualidade resultante se apresenta como
uma ondulação, curva, “uma linha-inflexão de domínios múltiplos e heterogêneos” (BUCI-
GLUCKSMANN, 2001, p. 51).
Também a espacialidade fractal, diferentemente da modernista (organizada em grid),
revela-se mais “suave”, pois abarca simultaneamente várias dimensões e trajetórias. Segundo
Buci-Glucksmann (2001, p. 52), essa espacialidade se assimila a uma paisagem de mar ou
deserto. No campo do barroco, a autora vê a “pluriespacialidade de projeção” como um
conjunto de operações nas superfícies heterogêneas e nas curvas, a dobra infinita. Se, para
Deleuze, o barroco é “um infinito de dobras”, cada ponto de inflexão é uma dobra ambígua,
que não se separa de suas infinitas variações.

Entre lugar e não-lugar, território e desterritorialização, o virtual barroco será um


poder virtual e um modelo de visualidade. Esse modelo retorna a três elementos
principais, que já estavam presentes na visão de mundo do barroco histórico: um
plano de projeção e de transferência de todas as formas [...], as inflexões como
ideais e linhas de fuga [...] e os trajetos-vetores, múltiplos e sem centro. A partir
dessas condições mínimas, a cultura de fluxos pode suscitar uma arte de fluxos e de
impermanência, de imagens inquietas e suspensas, que realizam o potencial de
inflexão e fractalização do barroco. (BUCI-GLUCKSMANN, 2001, p. 53)

Continuando com a análise das obras de Steiner, é possível conceber uma relação
entre o modelo de visualidade barroco utilizado, a partir da inflexão e fractalização, e a
construção de redes interativas e inventivas que perpassem o corpo e a cultura. Em Angry,
Articulate, Inevitable (Imagem 9 a 11), a artista repete o formato de Queer Is The New Black,
preenchendo paredes com diversas fotografias sobrepostas, mas com variações no conteúdo
em relação à obra anterior. Nesta obra, as fotografias retratam momentos de intimidade, com
sexualidade e violência explícitas. Aqui, o aspecto da liquidez reaparece na medida em que a
montagem afeta os contornos e nega a identidade por meio da destruição de noções pré-
72

concebidas do corpo. Destruição e transformação estão no centro da prática de Steiner, que


procura demonstrar a instabilidade das representações da mulher queer.
Ao comentar sobre a exposição Greater New York, da qual A. L. Steiner participou, a
crítica Roberta Smith observa: “[...] a performance artística é o meio dominante no nosso
tempo, mas também aspectos dela se infiltraram em outras formas de arte” (SMITH, 2010).
Escritora, curadora, videoartista e performer, é possível notar que, independentemente da
mídia escolhida, as obras de Steiner se aproximam da arte da performance.
Steiner descreve o formato do “arquivo” e do “documentário” com os quais trabalha
(seja em vídeo ou fotografia) como um “lugar frágil e precário para ambos objeto e sujeito”
(STEINER; BURNS, 2010). Quando a artista evoca a fotografia com esse sentido, ativa um
reconhecimento no espectador. Ao mesmo tempo, porém, introduz imagens que desafiam as
noções normatizadas de corpo e desconstroem verdades cristalizadas no discurso da cultura de
massa. Assim, esse grande display de acumulação de bits de informações altamente pessoais
demonstra a mutabilidade da identidade e do arquivo fotográfico, ao mesmo tempo em que
comenta sobre o papel da artista na construção e manutenção de uma rede crítica, a qual é
capaz de trazer visibilidade a formas de corpo-conhecimento reprimidas e exploradas pela
biopolítica.
O aliciamento da fotografia como informação para afetar uma entidade corpo-cultura
pode ser melhor compreendido à luz da teoria corpomídia de Helena Katz (2007). Segundo a
autora, o corpo é uma mídia que expressa e coleta informações, estando em uma relação de
copertencimento com o ambiente e o contexto (KATZ, 2007, p. 70). Logo, a noção da
separação entre sujeito do trabalho e o seu contexto é um artifício retórico que distribui
funções ativas e passivas. Isso vai na contramão da ideia de que o ambiente é “contexto-
sensitivo” e “trabalha em correlação com o corpo no tratamento do fluxo de informações
permanente que os comanda” (KATZ, 2007, p. 70). Assim, ao contexto pertencem a mente
que executa as tarefas cognitivas, as mensagens e as memórias em trânsito ou em potencial
(KATZ, 2007, p. 70).
A partir disso, é possível vislumbrar uma relação direta entre a qualidade da
informação e a dos corpos que circulam em determinado ambiente, pois aquilo que é
absorvido do ambiente, transforma-se, também, em corpo. A temporalidade dessa interação é
a do “tráfico minuto a minuto”, uma troca intensa que não permite ao corpo ser mais do que
estado transitório. “O corpo é aquilo que se apronta no processo coevolutivo de trocas com o
ambiente. E como o fluxo das trocas não estanca, o corpo vive na plasticidade do sempre-
presente” (KATZ, 2008, p. 71). Para Anna Munster (2013, p. 125), a viralidade dos memes e
73

da mídia, como foi descrita acima por meio das ideias de Dennett, pode ser lida em uma
chave mais ampla, sendo entendida como consequência da comunicabilidade das redes, que
perpassa o biológico e o tecnológico, natureza e cultura.

Imagem 9 – Instalação Angry, Articulate , Inevitable, A. L. Steiner, 2010


Fonte: Página da artista.

Imagem 10 – Detalhe da instalação Angry, Articulate, Inevitable , A. L. Steiner, 2010


Fonte: Página da artista.
74

Imagem 11 – Detalhe da instalação Angry, Articulate , Inevitable, A. L. Steiner, 2010


Fonte: Página da artista.

O que está em jogo na viralidade da rede é menos uma analogia com a biologia do
que a permeação de uma comunicabilidade plástica, dinâmica e resistente, uma força
de relacionalidade que não é ainda completamente comunicação, na qual processo,
movimento e circulação tem precedência, apesar das suas diferentes velocidades.
(MUNSTER, 2013, p. 125)

Segundo Munster, os modelos científicos para essa rede, sejam eles os diagramas para
o funcionamento neuronal ou esquemas para as relação corpo-cultura, são campos de atuação
política. Ela chama de “noopolítica” (MUNSTER, 2013, p. 133) o dispositivo de psicopoder
que emana das redes híbridas neurotecnológicas, gerando novas formas de subjetivação, como
mentes criadas apenas para terem suas informações “escaneadas” e colhidas pelas
corporações.
Para a autora, deve-se observar se as arquiteturas de redes “cérebro-corpo-cultura”
descritas promovem a inventividade e a indeterminação, mantendo-as abertas à mudança, ou
se são vítimas de uma biopolítica que se empenha em determinar entidades culturais sem
mobilidade, como grupos “jovens” ou de “usuários” (MUNSTER, 2013, p. 136). Ela se
posiciona a favor de um desenho arquitetônico relacional que entenda a cognição como um
evento dinâmico e não linear, processado no presente, e que não possa ser capturado e
previsto por inteiro pelos algoritmos de inteligência artificial.
Esse posicionamento político vai ao encontro da proposta emancipatória para o corpo
de Katz (2008). Ela parte do entendimento de Foucault, afirmando que os discursos atuam
como panópticos na sociedade disciplinar moderna, garantindo a produção de “corpos
75

dóceis”, e lança a hipótese de que estes são gerados, em grande parte, por meio da
proliferação, também no universo da moda, de imagens fetichistas que abordam o corpo como
um processador despolitizado. Aqui, o desenho das relações corpo-cultura novamente é o alvo
da atuação política. A abordagem do corpo apenas como receptáculo, e não como entidade
coextensiva com seu ambiente plástico e mutável, permite a institucionalização de modelos e
sua produção verticalizada por entidades externas a ele.
Por outro lado, uma política emancipatória para o corpo, sugere a autora, “pressupõe
lutar contra o consenso” (KATZ, 2008, p. 73). Nesse sentido, sua teoria do corpomídia se
engaja contra a noção de corpo-recipiente separado do entorno. Ao gerar o entendimento de
que há um fluxo de movimento entre o que antes era separado pela visão dualista dentro/fora,
de que o corpo é transitório e maleável de acordo com o ambiente por onde passa, abre-se
espaço para se resistir à fixação de qualquer modelo para ele, algo que será sempre um
exercício de poder, segundo Katz (2008, p. 73).
As obras de Steiner exemplificam como a ação política pode passar pelo trabalho com
o corpo, reforçando a ideia de que é preciso atuar na comunicabilidade das redes entre o
biológico e o tecnológico. Isso fica claro na sua justificativa para o uso de imagens do sexo e
do corpo lésbicos. Ela afirma que o ato sexual queer é uma entrega do corpo em sua totalidade
como um órgão sexual e que todo ato sexual deveria ser um processo criativo de invenção
(STEINER; BURNS, 2010). Assim, sua instalação se aproveita dos efeitos de simulação e
telepresença para inventar, na memosfera, uma nova possibilidade de atuação criativa para o
corpo. Ao colocar em circulação tais imagens, reforça a existência desses corpos, pois se
presume a coextensão das duas instâncias.
Em conclusão, o combate aos “corpos dóceis” deve vir na forma da constante irritação
da arquitetura da mídia e do reconhecimento de uma rede cérebro-corpo-cultura
indeterminada e plástica. Isso se torna possível por meio da exploração dos conceitos da
fotografia como informação e da sua permeabilidade com a arte da performance, como
demonstrado nas obras de Steiner.

4.4 Montagem pós-fotográfica e tradução

Partindo das metáforas da “valência” e “pluriposicionalidade” de Moser (2001),


investiga-se a montagem pensando a incorporação barroca como um processo de reinvenção
contínua, e não uma certeza estável. Moser propõe a hipótese de que “o barroco pode ser
pensado como um objeto relacional e posicional disponível a usos estratégicos, agnósticos e
76

conflituais no domínio da cultura” (MOSER, 2001, p. 30), o que permite abarcar o vasto
repertório de imagens, mídias e práticas culturais sempre em expansão que estão presentes nas
obras pós-fotográficas.
Retomando o segundo capítulo, foi apontado que diferentes culturas têm diferentes
relações com as práticas barrocas, sendo que, em determinados ambientes, não cabe o
argumento da ressurgência barroca, pois neles o barroco é permanente, fundador. A
recorrência do barroco em diversas épocas e segmentos da cultura, extrapolando o período do
século XVII, é postulada por numerosos autores e relacionada, mais recentemente, com o fim
da modernidade, inclusive no que diz respeito às estratégias da arte pós-moderna. Pressupõe-
se que, em sua manifestação contemporânea, o barroco não possa ser definido como um
conceito estável, mas que pertença à natureza do contínuo, sendo remodelado a cada
ocorrência pela mobilização de determinadas variáveis históricas combinadas às novas
possibilidades comunicativas, as quais são inauguradas pelas práticas artísticas
contemporâneas.
Se o conceito de barroco obedece a uma lógica relacional, pois seu valor é articulado
em função da variação do “campo ideológico” (MOSER, 2001, p. 34), ele deve fornecer uma
“base” cognitiva móvel para os hibridismos contemporâneos, resultando em uma grande
variação nas relações construídas entre tecnologias, materiais e práticas culturais. Logo, é
uma segunda hipótese desta pesquisa que a presença do barroco na pós-fotografia ocorra na
forma de um fluxo associativo mobilizador dessa multiplicidade, impulsionado pelas
especificidades da mídia e sua expansão no suporte digital, bem como por meio da
recombinação com outras mídias e séries culturais.
Evidencia-se, portanto, a montagem como forma de tradução. Lotman (1996) afirma
que a criação de textos novos não é possível apenas pela transmissão de mensagens entre
emissor e receptor, mas que necessita de intercâmbio entre os participantes. Trata-se de
estabelecer uma relação entre os termos que não se baseie apenas em um nível comum, um
sistema de linguagem compartilhado, mas também na tradução de mensagens entre sistemas.
No contato entre dois textos, um terceiro é gerado pela tradução entre estes sistemas, o qual
passa a incluir elementos das duas “línguas” de partida. Sendo a tradução o elemento
essencial do diálogo, é possível afirmar que este último precede a linguagem, na medida em
que é o intercâmbio de textos que a produz. Logo, o desenvolvimento de uma consciência
criadora num determinado universo cultural necessita de abertura ao externo, além de
heterogeneidade interna e assimetria. Isso possibilita o contato com textos diversos e o
deslocamento de textos para outras situações comunicativas, favorecendo os procedimentos
77

tradutórios.
A discussão da apropriação na pós-fotografia, independentemente dos limites legais da
propriedade intelectual, deve questionar a qualidade da modificação, considerando o que é
acrescentado ou modificado no discurso anterior e o grau de complexidade da nova obra, se
esta é mais imprevisível e mais informativa. Quanto ao barroco, o objetivo é mapear os
aspectos mobilizados em combinação com diferentes estratégias comunicativas e valências
específicas das artistas.

4.4.1 Comunicação massiva e arte pública em Sanja Ivekovic e Annu Matthew

A apropriação de discursos e visualidades dominantes como forma de crítica é a


estratégia da obra Women’s House (Sunglasses) (Imagem 12 a 14), da artista Sanja Ivekovic.
Ela é bastante representativa da segunda onda de fotógrafas feminista, que entrou em atuação
entre as décadas de 1970 e 1980 e cujas obras continuam a se desdobrar no século XXI. A
série aqui discutida se apoia, majoritariamente, na estratégia de apropriação associada ao
potencial da arte pública. A principal preocupação é criticar a construção do discurso de
gênero e as diferenças da representação sexual nas imagens fotográficas em um contexto da
mídia de massa. Nesse sentido, Ivekovic se apropria diretamente de imagens publicitárias
voltadas a mulheres, direcionando suas investigações para o discurso de gênero em sua
relação com o consumo. A artista lida com os problemas de descaso social e violência contra
a mulher na Croácia pós-comunista. Esta condição, que se estende a outras nações
democráticas, permanece oculta na mídia de massa e no espaço público. O processo de
montagem da artista envolve a modificação de anúncios de óculos escuros e inclui
depoimentos em primeira pessoa de mulheres vítimas de violência.
A obra foi apresentada em vários formatos, sendo reproduzida para exibição em
museus (Imagem 13), mas também em pôsteres e lambe-lambes (Imagem 14), além de ter
sido inserida em revistas em diversos países, sempre enfatizando aspectos relacionados à
realidade local (SANJA..., 2011). Dessa forma, o projeto mapeia a condição universal da
violência nas sociedades patriarcais – fato comum que ultrapassa distinções de classe e raça –
ao mesmo tempo em que exibe casos particulares, forçando a reflexão pessoal sobre
determinadas práticas da cultura do próprio observador, de modo a impedir uma atitude de
distanciamento. Ivekovic parte da realidade das mulheres na Croácia, em meio à guerra da
Iugoslávia, mas também conta histórias sobre o impacto da indústria do sexo em Bangkok ou
sobre violência doméstica na sociedade democrática e liberal de Luxemburgo (IVEKOVIC,
78

2009).
O poder sedutor das fotografias de moda é contraposto às narrativas brutais de abuso
escritas em primeira pessoa, também conectadas pela relação estabelecida entre o uso dos
óculos escuros como forma de disfarce, pois podem ocultar os sinais da violência. Assim, o
objeto de consumo, ícone de status alcançado com a abertura ao mercado capitalista, passa a
assumir uma forma ambivalente, na qual representa também o lugar das mulheres abusadas,
enfatizando a aliança complexa entre consumo e exploração (SANJA..., 2012). A mensagem
ganha sentido político, pois implica que a pretensa liberdade ocidental não resulta
automaticamente em relações igualitárias entre os gêneros.

Imagem 12 – Fotografia da série Women’s House (Sunglasses) , Sanja Ivekovic, 2002–presente


Fonte: Página do MoMA.
79

Imagem 13 – Montagem da série Women’s House (Sunglasses) , Sanja Ivekovic, 2002–presente


Fonte: Página do museu Mudam Luxembourg.

Imagem 14 – Arte pública a partir da série Women’s House (Sunglasses) , Sanja Ivekovic, 2002–presente
Fonte: Página do museu MoMA

A artista comenta o limite de sua obra, afirmando que “subverter as suposições


implícitas no discurso da mídia de massa usando sua própria linguagem [...] não é uma
80

estratégia nova” (IVEKOVIC, 2009). No entanto, além da apropriação como forma de crítica
ao discurso, há uma camada na qual a imagem, ao questionar a representação social da mulher
por meio da fotografia publicitária, questiona a própria autoridade representativa da
fotografia. A sobreposição da narrativa pessoal na visualidade aberta do anúncio produz um
texto que se apoia no caráter elástico da mídia fotográfica, a fim de “reprogramar” a
correspondência unívoca originária entre o produto e a narrativa de desejo e consumo.
Indo além, é possível dizer que a obra explora o “regime estético” (RANCIÈRE, 2007)
de sentido, o qual é dominante na publicidade contemporânea e funciona justamente ao
oferecer visualidades a serem consumidas pelos usuários, os quais preenchem o anúncio
genérico com suas próprias narrativas. Esse movimento de controle sutil sobre os corpos é
interrompido pela artista, pois ela atua criativamente, direcionando a visualidade do anúncio
para a construção de um texto crítico ao próprio modo de disseminação dos valores ocidentais
ligados ao consumo como única forma de participação e “poder de escolha” feminino. Desse
modo, ela associa a perpetuação de mitos e estereótipos sobre as mulheres, e o consequente
ocultamento da violência, ao agenciamento da fotografia por um regime de sentido que
favorece a lógica capitalista e resulta em opressão.
Linda Hutcheon (1991) assinala que a autorreflexividade e a paródia são
características centrais da arte pós-moderna. A aparente contradição entre as duas estratégias
permanece irresoluta, pois não há nas obras uma dialética sintetizante. É por meio da paródia
que se reinvoca, para então rejeitar as narrativas-mestres totalizantes. O processo de
construção dos signos através da autorreflexão ajuda a expor isso. Isso se amplia para trazer
em evidência todos os sistemas totalizantes de produção de significados e recepção da arte,
fabricação de “fatos” históricos e experiências humanas (HUTCHEON, 1991, p. 12).
No caso estudado, nas obras veiculadas nos EUA e na Europa ocidental e oriental, são
combinados elementos provenientes da mídia de massa e da publicidade, que montam
narrativas-mestres similares, com especificidades da cultura local. Ivekovic aborda um
contexto específico das nações pós-comunistas, no qual há, simultaneamente, a ascensão do
consumo e o mascaramento da opressão das mulheres. A paródia permite criar relações
intertextuais com as convenções e as tradições e, ao mesmo tempo, retomar os aspectos
rejeitados dessas culturas por meio da oralidade dos depoimentos.
Os anúncios apropriados são originalmente veiculados sem diferenciação por todo o
mundo, revelando um olhar uniformizador sobre a mulher, sempre em torno do consumo.
Quando a artista acrescenta os depoimentos, ela desafia essa identidade universal e torna o
texto mais particular, porém ainda maleável. Ela se aproveita da elasticidade fotográfica para
81

repassar, aos observadores, o poder sobre uma outra narrativa, que não seja a de consumo.
Assim, a montagem explora o aspecto contextual da fotografia. Sua elasticidade é aqui
invocada como uma prática de resistência às identidades, indo na contramão dos discursos
centralizadores da moda.
O barroco é, então, este elemento que introduz o ruído, a instabilidade, para perturbar
as narrativas-mestres. A deformação que a oralidade gera no texto original resulta em um
híbrido explosivo. Ivekovic quebra, de partida, o regime estético da imagem e acrescenta
narrativas pessoais à visualidade vazia. Assim, apropria-se esteticamente, mas também retoma
o poder sobre a condução da narrativa.
O barroco é também o fim do universalismo, a complicação do mundo. Primeiro, há
uma camada de denúncia quanto à superficialidade da imagem, ao artifício da representação e
ao controle na formação da identidade. Entretanto, Ivekovic vai além, acrescentando dobras,
construindo um novo texto em cima daquele que foi “desconstruído”. Ela não para na negação
da indicialidade da fotografia, mas a reconstrói de forma complexa, montando diferentes
discursos. Por sua vez, o texto resultante não é único, fechado. Ele é múltiplo e há a
possibilidade de abarcar uma infinidade de histórias pessoais até então ocultas. Ela cria uma
interface de denúncia que, ao mesmo tempo, coloca-se como um novo espaço de visibilidade,
no qual a história de opressão se multiplica e se diversifica. Assim, tem-se a lógica barroca do
sujeito subjéctil e do ponto de vista multiperspectivista sobre a questão da violência contra a
mulher, que é apresentada em torno da sua variação. Entre cada narrativa não há uma ordem
linear, mas descontinuidade e simultaneidade. Cada montagem de depoimento e fotografia
corresponde a uma nova dobra e, a cada montagem da série, em novos suportes e localidades,
uma nova configuração entre os textos.
Em Fair & Lovely (Imagem 15 e 16), da série Bollywood Satirized, de 1998, Annu
Matthew, indiana, também realiza uma sátira das imagens da cultura de massa. A artista se
apropria dos cartazes de cinema já existentes e, por meio de manipulação digital, remonta e
adiciona outras fotografias e comentários críticos, o que possibilita reinterpretar as imagens
alterando os papéis de gêneros e as expectativas de comportamento na sociedade indiana. Ela
se utiliza tanto da linguagem visual da indústria do cinema, quanto da aura de sonhos e do
melodrama das narrativas de Bollywood, a fim de revelar a construção de estereótipos de
gênero na cultura indiana e denunciar a opressão e a violência contra as mulheres, inclusive
na micropolítica cotidiana.
82

Imagem 15 – Fotografia Fair & Lovely , da série Bollywood Satirized , Annu Matthew, 1998
Fonte: Página da artista.

A obra em questão trata do preconceito racial – a necessidade de manter a pele clara –


que é exercido dentro das próprias famílias e imposto às mulheres ainda crianças. Trata ainda
de uma forma de violência contra a mulher em que esta é obrigada a seguir papéis
predeterminados na sociedade, os quais são representados estereotipadamente na imagem
final do casal à direita (Imagem 15). A violência que está embutida no sonho de amor vendido
pelos filmes aparece também no título fictício, Fair & Lovely, pois a palavra “fair” carrega a
ambiguidade de significar tanto “leal” ou “justa”, quanto “clara”. A montagem da obra utiliza
fotos da própria artista quando criança, com a pele visivelmente mais escura que a das atrizes
de cinema, aliadas a textos que explicitam os preconceitos e valores tradicionais da sociedade
indiana. Ao justapor suas experiências pessoais aos ideais do cinema, Matthew subverte os
sentidos dos textos originais. Assim como Ivekovic, ela utiliza o próprio meio que denuncia,
modificando seu significado, para forçar um novo olhar para o observador.
Segundo Matthew (2012, p. 53), a manipulação dos pôsteres foi mal vista tanto na
Índia (exibida como um trabalho de arte pública, cf. Imagem 16), quanto nos Estados Unidos,
onde foi considerada ofensiva, pelos imigrantes, no modo de retratar seu país de origem. Isso
ocorre porque as construções de gênero em Bollywood não são o único alvo da artista, mas
também a complexidade das relações micropolíticas cotidianas.
Ao satirizar as imagens da cultura de massa, Matthew não precisa enfrentar o cânone
ocidental, sua valência em relação à construção identitária nos moldes modernos, e tampouco
questões ontológicas da fotografia relacionadas aos seus aspectos naturais e artificiais. Ela
acusa as generalizações sobre raça, etnia e gênero em Bollywood, indicando que há um
83

universo complexo de imbricações entre práticas culturais tradicionais e mídia de massa, onde
não basta apenas revelar a superficialidade da imagem. Assim, a denúncia da opressão e da
violência opta por outras estratégias. Por exemplo, a combinação da linguagem visual com
fotografias pessoais e textos verbais que remetam aos discursos no âmbito da família, às
experiências da infância e à formação das jovens.

Imagem 16 – Frame do vídeo da artista Annu Matthew, mostrando a montagem pública da série
Bollywood Satirized
Fonte:Página da artista

As artistas destacadas exploram a vida do texto fotográfico além do momento


mercadológico de fechamento da obra. A maleabilidade do foco temático encontrada em
Ivekovic, capaz de comentar sobre diversas realidades, ao mesmo tempo em que preserva um
caráter comum às mulheres ocidentais, e a desconstrução dos ideais do cinema e sua relação
com as práticas cotidianas em Matthew, transportam-se para os suportes e modos de
circulação das obras. Entre os diversos formatos produzidos pelas artistas, destaca-se a opção
de ambas pela arte pública.
Primeiramente, as fotografias foram incluídas em exposições em museus – processo
no qual o caráter infinitamente reprodutível foi limitado – e passaram a adquirir um valor de
objeto único por meio da autenticação (assinatura, numeração de cópias, etc.). “[...] a Arte
incorporou a técnica sem perder seu valor de culto” (FLORES, 2011, p. 142). Ou seja, a
função de autor e sua motivação capitalista prevaleceram, em certa medida, sobre o otimismo
tecnológico benjaminiano. A “aura” passa a ser uma construção retórica e se separa da
qualidade essencial do meio. Hoje, tanto quanto o museu, a cidade passa a funcionar também
84

como meio de exposição com o objetivo de impulsionar vendas, pois uma instalação
comissionada de arte pública resulta na automática valorização das obras de um artista.
Por outro lado, isso não exclui a possibilidade de um movimento paralelo,
independente do mercado, a partir do momento em que determinada obra se encontra no
ambiente público. Observa-se que nos casos estudados não há uma montagem contemplativa
ou mercantilizada. Ao contrário, ambas disputam espaços concorridos com outras narrativas
mais numerosas e dominantes. Ivekovic e Matthew escolhem uma mídia “ilegal” e barata,
cartazes lambe-lambe, colados sem autorização, o que indica uma estratégia de contravenção.
Elas assumem que sua mensagem é marginal e não seria bem-vista em mídias tradicionais. A
obra também adquire novas características por meio da montagem junto a outros anúncios.
Em Bollywood Satirized, além das imagens, tipografia e a escala dos pôsteres de cinema, a
obra final – mesmo aquela exibida em museu – incorpora a estética da rua ao imitar os rasgos,
dobras e desgastes da colagem em paredes, expondo o que seriam repetidas camadas
sobrepostas (PATEL; DWYER, 2002).
As artistas se aproveitam das qualidades interativas e conversíveis das imagens
numéricas, mesmo sem trabalhar com a interatividade via linguagem programática ou por
meio de uma rede de computadores. Mas é com base nas imagens que circulam nessa rede,
entre corpos e computadores, que se desenvolvem as estratégias comunicacionais
empregadas. Elas partem do pressuposto de que há um mundo de simulação, onde ainda
predominam imagens massivamente distribuídas (e que não remetem necessariamente a um
significante real). Seu propósito é dissolver discursos fetichistas, inserindo novas narrativas
que tragam maior profundidade às imagens femininas. As obras, cujo modo de produção é
indistinguível (não se sabe se as colagens são analógicas ou digitais), aproveitam-se do espaço
urbano e de seu dinamismo comunicativo para perturbar o olhar objetivo. Imagens
mercantilizadas da mulher sofrem intervenções dialógicas que desestabilizam a identidade
fixa e controlada das narrativas dominantes.
Lotman (1996) considera a cidade uma zona de fronteira semiótica, um espaço de
bilinguismos, propenso a encontros. Quando o fotográfico transita nessa zona de fronteira, ele
tem a oportunidade de ultrapassar as leituras comuns da mediosfera telemática ou o universo
da arte. Ele entra em circulação, expandindo-se nas interações com outros suportes,
linguagens e agentes tradutores. Essa noção de transferência e circulação já é explorada na
arte desde os anos 60 e se relaciona, de forma geral, com a tendência ao aumento da
porosidade entre os meios. Tal tendência é observada na pós-fotografia e em sua aproximação
a outras linguagens. Soma-se, então, a distribuição pública na cidade, tida como um espaço
85

semiótico heterogêneo, com grande reserva de processos dinâmicos. Na fronteira, segundo


Lotman (1996), a organização é menos rígida e há menos resistência a estas novas
construções.
Comparativamente à presença do fotográfico em universos mais restritos (mídia de
massa, publicidade, mercado da arte, etc.), a cidade e a arte pública são zonas que podem ser
consideradas periféricas. A cidade é menos homogênea que o espaço destinado à fotografia
como arte (ou espaço de apreciação cultural e comércio, que hoje se sobrepõem), pois
impulsiona a produção de novos textos ao favorecer o intercâmbio, contando com
participantes que trazem diferenças além de semelhanças. Ademais, a linguagem interna do
texto fotográfico fica aberta, neste ambiente, para as linguagens externas, o que cria
oportunidades de diálogo interativo.
A cidade é um campo de articulação poética e de embates culturais possíveis por meio
da montagem da visualidade urbana. Pode-se considerar a cidade uma região de intenso
dinamismo e encontros, na qual os signos excedentes circulam sem hierarquia ou
subordinação, livres de seus contextos. Isso impulsiona os procedimentos tradutórios e,
consequentemente, as dobras, as quais vão além dos textos e suportes e envolvem todo o
ambiente comunicacional.

De acordo com a teoria de Deleuze, a dobra não pode ser estruturalmente restrita a
uma obra (artística) individual. Ao contrário, ela se estende ao infinito, juntando
esculturas, prédios e cidades inteiras, mídias e disciplinas, velha e nova arte, uma
espiral de interdependência por influência mútua de um sobre o outro e sobre um
terceiro e então até o infinito. (PURGAR, 2006, p. 128)

Essa geração de artistas representa um momento no qual a prática fotográfica se volta


à sua origem sem origem. Eles retomam o papel da mídia provocadora de diálogo ao detalhar
e subverter os usos cotidianos da imagem fotográfica. Há um retrabalho do que é colocado
por um sistema de comunicação vertical, que organiza os espaços da cidade. Nesse sentido, as
obras agem contra estas forças unificadoras do discurso, introduzindo heterogeneidade por
meio de imagens originalmente excluídas. Elas provocam novas dobras em materiais antigos,
distorcendo-os, desestabilizando suas leituras. A montagem de textos de diversos gêneros e
origens se aproveita do caos e do turbilhão do espaço urbano para cultivar a dúvida na relação
com o observador, mantendo a obra aberta e incompleta.
Siegfried Zielinski (1999), o qual trabalha a questão da arqueologia das mídias como
proposta de reinvenção, assinala que o caminho para a arte é através de “alquimias analógico-
digitais”, como forma de um constante irritar na arquitetura das mídias, desafiando os usos
comuns e as estruturas totalitárias de produção e difusão, as linguagens enrijecidas. Nesse
86

sentido, observa-se que as fotógrafas abordadas aqui buscam sempre atuar como
“programadoras”, desenvolvendo um pensamento arqueológico e alquímico.

4.4.2 Revisão de relações históricas em Cindy Sherman e Tracey Moffatt

Imagem 17 – Fotografia Untitled #216 , da série History Portraits , Cindy Sherman, 1988-1990
Fonte: Página do MoMA.

Cindy Sherman inicia sua prática artística em meio ao movimento da arte da


performance dos anos 1970, para o qual o corpo era “um símbolo intercambiável no sistema
da mídia de massa ou [...] material artístico maleável” (BECKER, 2005, p. 300). Apesar da
artista preferir se ver apenas como uma atriz nas próprias fotografias (BECKER, 2005, p.
300), esse fato não faz de suas imagens autorretratos, pois, segundo Eva Respini (2012, p.
12), a identidade da autora é inapreensível. A indefinição constante entre os papéis de atriz,
artista e objeto, simultaneamente presentes e ausentes, é o cerne de sua prática. A artista,
portadora de uma essência, nunca se revela nas fotografias, permanece anônima. Em vez
87

disso, ela cria “personagens” que refletem estereótipos culturais, alimentadas pelas imagens
do cinema, da televisão, da publicidade e da história da arte. “[...] a identidade é maleável e
fluida, e o trabalho de Sherman confirma isso, revelando e criticando o artifício da identidade
e como a fotografia é complacente na sua fabricação” (RESPINI, 2012, p. 13).
A fotografia analisada, Untitled, de 1989 (Imagem 17), pertence à série History
Portraits, realizada entre 1988 e 1990, na qual a fotógrafa recupera símbolos e cenários de
quadros de grandes mestres da pintura e os altera com alguns elementos perturbadores.
Respini (2012, p. 43) comenta que o ato de fotografar cenas inspiradas em pinturas deriva da
tradição dos vitorianos do século XIX, que copiavam cuidadosamente os quadros com
objetivo didático e intenção de equiparar a mídia às qualidades do desenho e da pintura. No
caso de Sherman, contudo, ocorre o oposto, pois há a desvalorização dos originais pela
mistura de estilos e referências. Na maioria dos casos, a artista desenha cenas genéricas a
partir da combinação de imagens retiradas de livros e memórias de visitas a museus, a fim de
se aproximar estilisticamente dos grandes mestres sem imitá-los, mas, na verdade,
subvertendo-os (RESPINI, 2012, p. 43).

Imagem 18 – Virgem de Melund , Jean Fouquet, 1452


Fonte: Blouin Artinfo Blog.
88

A imagem em questão segue o tema da “Virgem Amamentando”, com toda a sua


iconografia típica, exemplificada aqui pela pintura renascentista de Jean Fouquet, Virgem de
Melund, de 1452 (Imagem 18). Entretanto, ressalta-se que esse tema atravessou diversos
movimentos da história da arte, aparecendo também em versões medievais e barrocas. A obra
de Fouquet consiste no retrato da Virgem, inspirada na amante de seu patrono, Agnès Sorel,
como a ama de leite de Cristo. O quadro se distingue pela aproximação entre sagrado e
profano, por meio da grande erotização presente na representação dos seios da Virgem,
incomum e exagerada para a moda da época. Chamam a atenção, também, o formato e o
modo pouco natural como se sustentam. Em suas diferentes versões, há representações da
Virgem Amamentando mais realistas ou teatrais, assim como mais ou menos “eróticas”.
Segundo Becker (2005, p. 305), a partir desta série baseada na história da arte,
Sherman se afasta um pouco da tradição da performance dos anos 1960-70, a qual usava as
formas do corpo como alternativa para a representação da mulher, pois sua ação não se
concentra mais na própria atuação, mas deixa tal espaço ser ocupado por elementos teatrais,
como bonecos e membros falsos. De fato, a ilusão da representação se desfaz imediatamente
pela presença do seio protético, perfeitamente arredondado e suspenso, o que parodia a
falsidade dos modelos de representação da mulher na arte. A artista se contrapõe ironicamente
ao modelo objetivo de visão.
O desfazer das ilusões do cânone ocidental (e masculino) da arte, um discurso
feminista e pós-modernista que ocuparia o espaço majoritariamente masculino do
modernismo, assim como a ressignificação do gênero do retrato como forma de revelar a
estrutura da construção identitária em meio à cultura de massa, são alguns aspectos que
podem ser levantados quanto à obra de Sherman e que a posicionam entre muitas tendências
teóricas (RESPINI, 2012, p. 13). Isso possibilita que ela seja apropriada pelos discursos
feminista, pós-modernista, pós-estruturalista e, sobretudo, o do “retorno” do barroco. O
próprio tratamento dado à cultura das aparências e à superficialidade da imagem em seu
trabalho é sintomático dessa condição e explica “as forças contraditórias em jogo na nossa
cultura” (RESPINI, 2012, p. 13).
Por um lado, Sherman parodia o cânone da arte ocidental e se coloca, por meio do
autorretrato, na imagem. Ela tenta recuperar seu lugar com uma valência especial em relação
ao moderno e tudo aquilo que por ele foi excluído. Seu dilema está em demonstrar a
artificialidade da construção identitária no ocidente “pós-moderno”, pois, para ela, não há
nada além de imagens. Nesse caso, o barroco “retorna” através do uso da fotografia como
89

encenação da história da arte, do sujeito-fotógrafo que também é objeto-fotografado, e da


própria fotografia.
A artificialidade da construção coloca em xeque todo o regime representativo da
imagem, desde a perspectiva central à fotografia, ao mesmo tempo em que trabalha a
representação feminina e a autorrepresentação como ilusões. Nesta obra de Sherman, não há
resquício do natural ou do automático. Como ocupa as duas posições, atrás e em frente à
câmera, a artista rompe com essa dualidade clássica e tem uma posição privilegiada para
pensar os códigos do olhar sobre a mulher. Sua preocupação é desconstruir a autoridade do
moderno, do masculino e da arte. Nesse sentido, o exagero estético é a ironia que denuncia a
artificialidade da representação.
O trabalho de montagem dos fragmentos de múltiplas origens em Ivekovic, Matthew e
Sherman toma forma de uma encenação da própria mídia de origem, com objetivo crítico de
denúncia das redes de sentido e das construções identitárias. As imagens finais, no entanto,
não revelam um universo oculto, mas sim o vazio por trás do programa. Nesse sentido, são
todas imagens criadoras, as quais explicitam códigos e linguagens e, simultaneamente, tanto
estabelecem relações dialógicas com os textos de partida, como se mantêm indeterminadas,
abertas a novas interações, disponíveis para novas narrativas.
Tracey Moffatt é outra artista cuja obra se baseia em um amplo processo de “coleta” e
“reinvenção”. A série Laudanum (Imagem 19 a 22) explora a fotografia como concretização
de uma realidade alternativa própria, imaginada a partir de fragmentos, constituindo a obra
como uma rede de links, aberta e indeterminada. Ela consiste em 19 fotogravuras pretas e
brancas que retratam diversas cenas entre uma senhora branca, dona da casa, e sua criada
asiática. O cenário é uma grande casa colonial do século XIX, e a estética remete ao
expressionismo alemão. Moffatt propõe uma história diferente, desenhando uma relação
bastante ambígua entra as mulheres, que alude a jogos sexuais, violência e alucinação através
do uso de opiáceos (o láudano era uma droga comumente empregada, na época, no tratamento
da histeria)12.
A obra monta fragmentos provenientes de diversas fontes13. Há aspectos derivados do
cinema expressionista alemão, como o uso das sombras, distorções e defeitos da imagem. Esta
estética também ressoa com as referências da história da fotografia e da arte. O chiaroscuro,

12
Informações detalhadas sobre a obra e as referências da artista foram retiradas do press release da galeria Roslyn Oxley9.
Disponível em: <http://www.roslynoxley9.com.au/news/releases/1999/04/14/190/>. Acesso em: 26 jun. 2016.
13
Informações sobre as referências utilizadas só foram encontradas em releases dos seguintes museus e galerias: Museu
Guggenheim, Galeria Roslyn Oxley 9, Art Gallery New South Wales.
90

os defeitos da imagem, as marcas de emulsão, o foco “soft”, os enquadramentos e detalhes,


etc. remetem aos primórdios da fotografia, ao pictorialismo e ao movimento romântico pré-
rafaelita. Como referência, Moffatt cita a obra de Julia Margaret Cameron, fotógrafa inglesa
do século XIX. A escolha do método de impressão, a fotogravura, também alude à época.
Observa-se que, antes de as fotogravuras serem impressas pelo método tradicional, os
negativos foram remasterizados digitalmente para simulação dos “efeitos” de época.

Imagem 19 – Fotografia da série Laudanum , Tracey Moffatt, 1998


Fonte: Página da Galeria Roslyn Oxley9.

No campo temático, a narrativa se inspira tanto em obras de literatura pulp e erótica,


como Histoire d’O, de Pauline Réage, quanto em romances do século XIX. Moffatt (2000)
enfatiza o cruzamento das relações sexuais com as relações de poder entre patroa e empregada
com a sugestão do láudano (citado em obras de Charles Dickens, por exemplo). O ambiente,
uma mansão colonial, poderia estar localizado em qualquer cenário distante, da Nova
Zelândia ao Brasil. Entre as muitas histórias que inspiraram este conjunto, Moffatt cita
também A Casa de Bernarda Alba, de Federico García Lorca.
Observa-se que a montagem das fontes, a aproximação entre o expressionismo alemão
e o pictorialismo, por exemplo, ou entre a literatura pulp e as imagens pré-rafaelitas,
intensifica certos aspectos individuais de cada referência e revela outros inéditos. A
multiplicidade de links abertos, por sua vez, torna a obra mais informativa e imprevisível.
Vandamme (2007, p. 538-539) afirma que, no caso da montagem fotográfica ou
cinematográfica, a heterogeneidade não é do elemento material, pois o suporte não se rompe.
Ele é negado na medida em que fragmentos são aproximados em um plano unificado. A
descontinuidade vem dos elementos diversos, provenientes de temporalidades múltiplas, mas
que podem ser organizados para simular continuidade (como no cinema). O impacto da
reprodutibilidade é, justamente, como apontou Benjamin, a abertura em potencial, a
91

multiplicidade das formas contidas em uma obra, as quais sempre podem ser reordenadas.
Segundo o autor, há uma reserva de novas formas de apresentação, pois os elementos são
intercambiáveis, podem ter partes acrescidas ou suprimidas e não há necessidade de se chegar
a uma forma final definitiva (VANDAMME, 2007, p. 539).

Imagem 20 – Fotografia da série Laudanum , Tracey Moffatt, 1998


Fonte: Página da Galeria Roslyn Oxley9.

Laudanum apresenta grande heterogeneidade de elementos internos, provenientes de


diversas fontes e temporalidades, porém organizados de forma contínua, em uma única cena
onde são aproximados. Para a sua leitura, existem “indicadores de caminho”: as cenas aludem
a alguma história de perversão e sadomasoquismo; o título acrescenta uma aura onírica e
alucinatória; as marcas estéticas remetem ao século XIX. Entretanto, a sua narrativa final é
bastante aberta. A montagem do cenário e as diversas referências, assim como os textos
externos que são ativados em conexão, propõem um ambiente fantasioso que desperta a
imaginação do observador. Ademais, cada observador pode destacar determinados elementos
e ignorar outros, de modo que, com esta série de imagens, é possível montar diversas
histórias.
92

Imagem 21 – Fotografia da série Laudanum , Tracey Moffatt, 1998


Fonte: Página da Galeria Roslyn Oxley9.

De forma geral, a obra de Moffatt aborda grandes temas universais: raça, sexualidade,
identidade e família (TRACEY..., 2016). Em Laudanum, a artista busca desconstruir os mitos
em torno das relações raciais, porém seu objetivo não é revelar a “verdade” sobre elas. Ela
incorpora suas experiências14 para criar imagens “poéticas”, irônicas e estéticas, compondo
sua própria realidade alternativa, sem a preocupação com a verossimilhança (DRAPER,
2010).
Os jogos e fantasias sexuais sadomasoquistas funcionam como metáfora para tratar
das relações coloniais em um sentido amplo, adaptável a outras histórias além da colonização
inglesa na Austrália. A obra apresenta uma perspectiva pós-colonialista ao reinventar o
discurso histórico dominante. Ela desmonta as identidades, substituindo-as por formas
instáveis tanto para o colonizado como para o colonizador. A mistura de referências
provenientes da “alta” e da “baixa” cultura (DRAPER, 2010) subverte os valores de
artistificação e ironiza o cânone da arte ocidental. Ao mesmo tempo, faz repensar os termos
da “assimilação” cultural, revertendo o binarismo das relações entre europeus e aborígenes

14
Moffatt é de origem aborígene e foi criada por uma família branca em Melbourne.
93

(DRAPER, 2010). A representação de uma “identidade” pós-colonial híbrida abre novas


possibilidades para o entendimento da cultura australiana, a qual é resultado tanto da
assimilação forçada, como da tradução e mescla entre os aspectos estrangeiros e nativos.
Apesar de não se tratarem da manifestação de uma cultura mestiça, nos termos de
Pinheiro (2013), as obras em questão mostram complexidade nas combinações, trabalhando a
mistura de textos e referências de diversos tempos e gêneros, além da simples justaposição da
variedade. O mosaico de Moffatt combate a redundância, pois sua pluralidade é “irredutível”
(PINHEIRO, 2013). O procedimento de montagem incorpora o colonizado, fragmenta e
remonta a cultura estrangeira. Assim, é possível recorrer às teorias da mestiçagem e do
barroco latino-americano para entender a mistura comunicativa como modo de
contracolonização. A partir da ruptura com a homogeneidade dos textos de partida, essa
reorganização fora de uma lógica hierárquica (a aproximação de estranhezas, descontinuidade
temporal e falta de linearidade narrativa) também reescreve as posições de dominante e
dominado, pois a cultura do colonizador é atualizada pelo colonizado.

Imagem 22 – Fotografia da série Laudanum , Tracey Moffatt, 1998


Fonte: Página da Galeria Roslyn Oxley9.
94

5. A montagem do feminino barroco

No capítulo anterior se observou que a utilização de procedimentos barrocos de


montagem na pós-fotografia não ocorre de forma homogênea. Entre as artistas analisadas, o
barroco responde a diferentes inquietudes sobre a imagem e a cultura. Ivekovic e Matthew
questionam a autoridade representativa do fotográfico e a construção de estereótipos
femininos na cultura de massa; Steiner recorre ao caráter documental da fotografia para
expandir o universo do gênero e da sexualidade queer; e Moffatt mistura gêneros e referências
para subverter as relações de colonização.
Parte da importância política do barroco está no fato de ele nascer de uma condição
cultural que não se deixou aprisionar pelo tempo linear, trabalhando de modo não hierárquico
a incorporação constante do outro, do anacrônico e do divergente. Por outro lado, pode vir
também ligado ao moderno, como um paradigma de superação ou rompimento. Sendo assim,
em que medida a condição estética e política da mulher, presente nas obras selecionadas,
relaciona-se à expressão dos aspectos femininos do barroco?
Questões que perpassam as obras das diversas artistas, como o compartilhamento da
autoria, a desestabilização das identidades e a multiplicação dos sujeitos, a incorporação da
alteridade, a encenação de si e o olhar multiperspectivista, desdobram-se em diferentes
montagens do feminino. Busca-se, portanto, compreender os modos como mulheres se
apropriam dessa variação por meio da prática pós-fotográfica. Elas reproduzem os modos de
construção masculinos, baseados na oposição e competição, ou se apropriam dos modelos
políticos barrocos?

5.1 O feminino dionisíaco

5.1.1 Apolo e Dionísio – modelos de visão

Laura González Flores (2011, p. 29) desenvolve o conceito de “visão objetiva” para
explicar o protagonismo do sentido da visão na percepção tanto do mundo como da
“cosmovisão”, entendida como ideologia cultural dominante no ocidente. Este princípio
orientador do olhar valoriza a objetividade, relacionando-a à razão, à lógica, ao uno e ao
universal. A autora salienta a importância do desenvolvimento da “visão objetiva” como
mecanismo de naturalização de uma realidade construída por convenções simbólicas,
ocultando o caráter cultural e artificial das imagens. Logo, as relações históricas e a natureza
95

propriamente humana do sistema representativo ficam ocultas nas apresentações naturalistas


do mundo.
A autora coloca a fotografia como um desenvolvimento decorrente da lógica da “visão
objetiva”, pois realiza o modelo de imagem baseada na mimese e na estrutura ótico-retinal. A
objetividade, por sua vez, é obtida na estabilização da relação observador-objeto – ambos
demarcados de forma precisa –, a qual é garantida por meio do ato de observação a partir de
um ponto de vista fixo, assim como pela aderência ao perspectivismo central como
mecanismo de objetivação da visão.
Camille Paglia (1990), por sua vez, é quem traça a relação entre este paradigma da
visão ocidental, exponenciado na fotografia e no cinema, e os princípios apolíneo e
dionisíaco. Partindo da análise de Friedrich Nietzsche (2007), dentre outros autores, sobre as
figuras de Apolo e Dionísio na tragédia grega, a autora argumenta que a sociedade ocidental é
fruto dos processos de organização e classificação apolíneos, calcados no intelecto que busca
nomear e criar identidade como forma de controle. A razão e a lógica, domínios de Apolo,
rejeitam os atributos naturais, favorecendo a pureza e a clareza em oposição ao
emocionalmente carregado e desordenado, provenientes da natureza e do feminino. Dessa
forma, a invenção da cultura e das tradições transcendentais, tanto a apolínea quanto a
judaico-cristã, deslocou o culto da terra para o céu, com o objetivo de se defender da natureza
feminina.
O princípio dionisíaco, por outro lado, está ligado ao feminino e ao ctônico, àquilo que
vem das entranhas, da mulher e da terra (PAGLIA, 1990). Os arquétipos femininos, de
características dionisíacas, remetem às forças naturais incontroláveis e ambíguas. Nas
tragédias gregas, apontam os autores, a mulher sob influência ctônica tem sempre uma
conduta irracional e bárbara, e é este justamente o problema a ser solucionado. Dionísio está
associado à fluidez da natureza, remetendo aos líquidos corpóreos, ao sangue, ao leite e ao
vinho. Adicionalmente, também é relacionado à dissolução e fusão de uma suposta identidade
(expressão que precisa ser repensada, pois é justamente a limitação apolínea que a define).
Por outro lado, Apolo é caracterizado pelos processos de separação e individuação,
sendo responsável por formar seres e coisas distintos (PAGLIA, 1990, p. 30). Assim, a autora
o conecta às atividades de produção de artefatos, à sua preservação e objetificação. Nesse
sentido, ela coloca a arte como uma produção apolínea e masculina, uma vez que nada mais é
que uma tentativa de conceitualizar e fetichizar um objeto. Pode-se entender “arte” no sentido
da obra de arte moderna: objeto definido, fechado em si mesmo, fruto de um sistema baseado
na autoria.
96

A característica da projeção é associada por Paglia (1990, p. 30-31) ao masculino e


apolíneo, sendo definidora do olhar ocidental. Da flecha ao projetor de cinema, ela defende
que há uma relação entre a agressividade e o desejo de transcendência. Enquanto as belas
artes se distanciaram da cultura popular, o cinema se tornou o ápice do apolíneo na cultura
ocidental, como produtor de objetos a serem contemplados, “uma máquina de deuses”
(PAGLIA, 1990, p. 31). Segundo a autora, o olhar ocidental produz identidades, objetos de
contemplação sexual, obras de arte e personalidades, demarcando barreiras claras que
impedem sua contaminação pela natureza (PAGLIA, 1990, p. 35). Esse caráter individuante é
sustentado pelo sistema econômico capitalista, pois a mercantilização de seres e a criação de
identidades pessoais associadas a marcas são movimentos intimamente relacionados à estética
ocidental.
Portanto, a visão é o sentido predominante na cultura ocidental, responsável por
identificar e reconhecer. O olhar separa, seleciona e edita aquilo que é conhecimento válido.
Em termos estéticos, Paglia (1990, p. 57-69) associa o olhar apolíneo à valorização do belo,
entendendo por isso os objetos com contornos definidos, proporcionais e simétricos. A beleza
definida nesses termos é um artifício contra a fluidez e turbulência da natureza. Contra a fusão
e multiplicação de formas, há redução e simplificação. Nesse sentido, a beleza é altamente
excludente. A autora afirma que o conceito de beleza na arte surgiu no Egito como algo não
utilitário, uma imagem visual mágica: “Os egípcios foram os primeiros estetas [...] aqueles
que vivem por meio do olho. Os egípcios tinham ‘gosto’. Gosto é discriminação, julgamento e
conhecimento apolíneos; gosto é a lógica visível dos objetos” (PAGLIA, 1990, p. 60).
A geometria egípcia, afirma Paglia (1990, p. 59), é uma glorificação dos princípios
masculinos na arte e na organização social. Desde a forma fálica do obelisco que aponta para
o céu, até o disco solar que representa o olhar do faraó no topo da pirâmide, há uma tendência
à projeção linear de conceitos, o que possibilita atravessar e organizar o emaranhado da
natureza, jogar luz sobre os movimentos ctônicos invisíveis (PAGLIA, 1990, p. 58-59). A
autora fala sobre como a concepção da história na forma de um movimento progressivo em
direção ao futuro é um valor masculino, uma vez que a mulher está atada à sua natureza
cíclica, temida pelo homem. Em sua visão, a mulher tende a aceitar melhor a condição
limitada do conhecimento, reflexo da sua própria relação ambígua com o corpo e seus
processos ocultos (PAGLIA, 1990, p. 22-23).
Em termos sociais, o fortalecimento de um ego separatista é a base da civilização
ocidental. Nietzsche (2007, p. 27) associa Apolo ao principium individuationis, princípio da
individuação, que garante fronteiras claras, unidade e integridade à personalidade ocidental.
97

“Apolo quer conduzir os seres singulares à tranquilidade precisamente traçando linhas


fronteiriças entre eles e lembrando sempre [...] que tais linhas são as leis mais sagradas do
mundo” (NIETZSCHE, 2007, p. 65).

5.1.2 Aspectos dionisíacos do barroco

Segundo Pinheiro (2013), é possível distinguir sociedades organizadas a partir da


ordem – modelo de exclusão do oposto e do inimigo – daquelas que se formaram a partir da
quebra das convenções, nas quais as normas são enfraquecidas. Este é o caso da América
Latina, onde, apesar de existirem figuras que representam a ordem na vida social e política,
esta não é dominante, o que resulta em uma temporalidade mais elástica e em uma maior
mescla entre diferentes aspectos da cultura: elementos antigos e atuais, periféricos e centrais,
provenientes de múltiplas fontes. Para o autor, estas tendências também podem ser
identificadas pelos princípios apolíneo e dionisíaco.
Apolo, representante da norma e da certeza, manifesta-se como princípio masculino na
medida em que é exercido por chefes e líderes, na macro e na micropolítica. No mundo
centro-ocidental, a organização apolínea se estende da gerência do estado-nação ao núcleo
familiar, favorecendo a unidade e a coesão. A cultura e o entretenimento, por sua vez,
reforçam esses valores, os quais se desdobram no excesso de competição e violência,
orientados pela exigência de beleza e perfeição, excluindo os corpos que não se encaixam e
toda a variação da natureza.
Contrariamente, Dionísio está associado à festa, às misturas e irregularidades. Nesse
sentido, é um princípio feminino, pois engloba a diferença, o movimento e a mudança. Se no
centro-ocidente, desde a civilização grega, prevaleceu o princípio apolíneo, Pinheiro (2013)
afirma que a América Latina, com sua constituição barroco-mestiça, favoreceu o aspecto
dionisíaco e feminino. Entretanto, o autor aponta que isto não ocorre de maneira absoluta e
sem conflitos. Ambos os princípios coexistem e são exacerbados, em contextos diferentes,
pelos mesmos indivíduos, por meio de suas práticas cotidianas, por exemplo no âmbito
criativo e no âmbito da família.
Os movimentos da organização familiar explicitam a atuação destes princípios, sendo
a sua inovação atribuída à mulher, enquanto a manutenção do sistema paternalista da família
moderna é orientada pela ordem masculina, que tende a excluir a diferença. Similarmente, os
valores burgueses e capitalistas de individuação e exclusão do entorno também são associados
ao masculino apolíneo. Pinheiro (2013) aponta como as sociedades dionisíacas privilegiam o
98

coletivo e o anônimo, assim como os procedimentos combinatórios que perpassam todas as


séries culturais, tratadas sem hierarquia.
Portanto, o dionisíaco e o feminino estão profundamente relacionados ao barroco. O
alastramento de elementos heterogêneos e sua inclusão por meio de processos relacionais,
como a mescla e a tradução, refletem esta base dionisíaca. Para Pinheiro (2013), não há
unidade ou pureza nos objetos culturais latino-americanos, pois são sempre constituídos a
partir de combinações de elementos internos e externos que se contaminam. Devido a este
contexto menos estável, tornam-se complicadas, também, as tentativas de descrição. A
complexidade da América Latina, com sua constituição barroco-mestiça, formou-se a partir
do contato entre diferentes povos, das traduções e da convivência com a natureza, e é
constantemente remodelada a partir das experiências.

5.1.3 O princípio dionisíaco na pós-fotografia

A artista Jeanne Dunning explora o aspecto elástico da fotografia através da


montagem e da fragmentação. Ela apresenta uma visão crítica sobre os comuns “indicadores
de caminho” e questiona as regras do gênero pela percepção visual do corpo e da sexualidade.
Para Mary Ann Steiner (1997), em Leaking 2, de 1994, duas molduras ovais, colocadas lado a
lado, remetem diretamente ao modelo utilizado para retratos no século XIX. Uma mulher com
um tomate para fora da boca, derramando seu suco, traz um ar jovial, com humor, e evoca a
liberdade e a desinibição no tratamento do corpo. Do outro lado, um tomate cortado preenche
todo o quadro. É possível examiná-lo quase que sob um microscópio, sua carne, suas veias. A
associação com um pedaço do corpo humano é inevitável, tanto por suas características
presentes nessa captação, como pela montagem com a fotografia ao lado.
A fotógrafa subverte os modos de representação tradicionais do corpo feminino,
apresentando um corte profundo e repulsivo. A variação na escala conjuntamente ao
enquadramento apertado remove todo o contexto e reduz o objeto a uma unidade básica. O
que causa estranheza ao olhar adiciona ambiguidade à natureza da fruta e à natureza da
mulher. De repente, suas identidades não são mais claramente definíveis. Se por um lado a
imagem tende a causar repulsão, pois lembra um corpo mutilado, há uma inegável beleza na
cor e na textura vindas da tactilidade da fruta, que desperta o desejo. Assim, a alternância
entre as imagens alimenta a tensão entre o grotesco e o erótico (JEANNE..., 2013).
99

Imagem 23 – Fotografia Leaking 2 , Jeanne Dunning, 1994


Fonte: STEINER, 1997, p. 118

Portanto, em primeiro lugar, Dunning questiona a realidade representativa do meio ao


atuar no processo de codificação da imagem. A artista se apropria da atomização da realidade
possibilitada pela fotografia para deslocar fragmentos e construir novos sentidos. Ela faz com
que as regras que ordenam os signos se explicitem como tal, a partir da demonstração da
capacidade transformativa do meio fotográfico. Isso ocorre na articulação da obra, por
exemplo no uso do close-up e do crop para distorcer a perspectiva da fruta e aproximá-la da
carne humana. Essa ideia é reforçada pela montagem paralela das duas fotografias, o que
aumenta a impressão de que a primeira é um detalhe do objeto grotesco que vaza do interior
da mulher na segunda.
Uma segunda questão abordada é a aproximação de imagens buscando a expressão
simultânea “do interior e do exterior, do contido e do exposto, do controlado e do desinibido”
(STEINER, 1997, p. 122). Pode-se dizer que o dilema apresentado pela fotografia seria um
tipo de “duplo vínculo”, conceito de Gregory Bateson (2010) que significa um dilema
comunicacional sem solução, no qual duas informações apresentadas são conflitantes.
Considerando o modelo de comunicação baseado na lógica da transmissão da mensagem por
um canal linear e desobstruído para produção de um efeito, o duplo vínculo é uma situação
que beira a incomunicabilidade. As divergências geradas criam um empecilho à
100

decodificação, um ruído na estrutura do código15 que dificulta a transmissão. Aqui, o uso não
protocolar do meio fotográfico prevalece, pois a montagem perturba a falsa relação de
naturalidade unívoca entre significante e significado, de maneira que gera ambiguidade. A
comunicação se estabelece de forma crítica, revolucionando as estruturas totalitárias nas
relações com a imagem técnica, como descritas anteriormente por Flusser.
A obra em questão trabalha com duas relações de duplo vínculo. A primeira é
originária da convenção cultural, da expectativa da qual parte o receptor, o que é em si uma
mensagem coercitiva do tipo contraditório. Para que se caracterize um duplo vínculo, são
necessárias duas demandas de ordens lógicas diferentes feitas a uma vítima que não pode
cumpri-las. Nesse caso, uma mensagem aponta para o corpo da mulher como produtor de algo
estranho, o qual é, ao mesmo tempo, parte integralmente sua e um outro que deve ser
eliminado. O abjeto está inevitavelmente presente, mas deveria ser inexistente, o que resulta
em uma ordem impossível. Isto é recuperado na imagem por meio do padrão que representa a
beleza feminina no retrato, evocado pela moldura oval no estilo do século XIX. O corpo,
quando padronizado, nunca é visto em sua totalidade, mas está sempre em desacordo com o
seu interior. A solução de tornar invisível este interior estranho é uma espécie de camuflagem,
a qual só resolve a situação do duplo vínculo na superfície, enquanto que a ordem
contraditória continua atuando e gerando ansiedade.
A segunda situação de duplo vínculo é provocada pela fotógrafa. Segundo Bateson
(2010, p. 252-253), a unidade básica do pensamento é a percepção da diferença. É assim que
o homem se orienta, constrói mapas e cria o mundo “exterior” a partir da operação mental. Na
obra aqui discutida, é provocado um “erro epistemológico”, dificultando a percepção da
diferença entre duas circunstâncias exteriores. O duplo vínculo ocorre implicitamente na
montagem do contexto, no paralelismo das imagens, que estabelece a equivalência entre a
fruta e a carne humana. Assim, Dunning manipula o opressor, que é estimulado a desejar
aquilo que normalmente rejeita. Este fica preso à contradição entre suas vontades e fobias ao
descobrir o potencial erótico do grotesco.
Para Paglia (1990, p. 91), o reinado dionisíaco tem como princípio o hydra physis,
uma natureza líquida, orgânica, que conecta todos os seres. Ela entende que esta liquidez é
contida, presa nos tecidos corpóreos. Assim, relaciona o hydra physis com o corpo feminino,
nas experiências de menstruação, parto ou amamentação. Se, por um lado, o apolíneo se

15
O conceito de código supõe uma certa linearidade, pois é a própria estrutura de regras que aumenta a possibilidade da
transmissão da mensagem.
101

projeta para o céu, “a tumescência feminina, por meio do sangue e da água, é lenta,
gravitacional, amórfica” (PAGLIA, 1990, p. 91). Logo, o dionisíaco abraça a totalidade da
experiência humana, em todos os seus aspectos ctônicos. A resposta apolínea, nesse contexto,
é a rejeição e o nojo provenientes do julgamento estético. “O esteticismo insiste na linha
apolínea, separando objetos uns dos outros e da natureza. Nojo é medo apolíneo da dissolução
das fronteiras” (PAGLIA, 1990, p. 93). Nesse sentido, a artista explora aspectos ligados à
construção da identidade feminina, ultrapassando as tentativas de definição e controle. Ela
alude ao desmembramento e à mutilação do corpo, bem como à natureza líquida interna que,
apesar de contida na moldura, parece vazar. Assim, a construção da obra reconecta elementos
culturalmente separados e desafia o olhar contemplativo masculino.
A capacidade transformativa da fotografia é aqui abordada como flexibilização não
apenas da representação, mas também da identidade e do feminino. A montagem da obra,
com suas ambiguidades e ilusões, remete a diversos aspectos do barroco. A falsa relação entre
as duas imagens e a encenação do corpo são ilusões construídas que substituem a fotografia
objetiva, a tradição do retrato e a visualidade da mulher. O olhar é conduzido por meio da
teatralidade, do mise-en-scène. As obras não expõem a realidade da mulher, não mostram o
que existe por trás da imagem. Ao contrário, o “interior”, a “verdade” das entranhas é
encenada por um tomate.
As relações de duplo vínculo entre o interior e o exterior do corpo, entre a fruta e a
carne humana, entre o desejo e a repulsão trazem complexidade semântica à imagem. O
feminino é uma forma instável, porque múltipla. A ambiguidade, tipicamente barroca
(SARDUY, 1979, p. 161), aumenta o número de narrativas dentro de um mesmo texto,
gerando desequilíbrio. A obra não permite compor uma ontologia identitária da mulher, não
há imagem essencial da mulher, pois a obra exprime simultaneamente o adequado e o
inadequado. O acúmulo de relatos ambíguos em convívio desestabiliza a representação e a
objetividade fotográficas, o que coloca em crise a lógica binária, apolínea.
O barroco é montagem desta variação, da ambiguidade dionisíaca do feminino, das
narrativas que se multiplicam e se intensificam. A forma e o conteúdo da obra refletem o
exagero e o desperdício barrocos. Segundo Laplantine e Nouss (2007, p. 12), o barroco “é
uma estética da extravagância e da exuberância que se dedica a trabalhar todas as
potencialidades das deformações, das distorções, das sobreposições”. Este é o caso de
Leaking 2, na qual a natureza da mulher vaza de seu interior, pois não pode ser contida pelos
contornos da identidade. Seu retrato é acrescido de erotismo e alegria. As ambiguidades
semânticas confundem e atraem, de modo que as deformações do objeto se projetam como
102

uma dobra também no observador.


A diluição dos contornos e a mescla entre natureza e cultura são temas trabalhados
pela artista peruana Cecilia Paredes. Ela produz diversos autorretratos nos quais camufla seu
corpo, justapondo-o aos padrões e texturas do entorno. Os cenários são montados com
especial artificialidade e a escolha de estampas é, em geral, colorida e rebuscada, com padrões
florais ou geométricos. De forma geral, as obras trazem as características barrocas de
extensão além das bordas, tendência ao ilimitado e distorção de perspectiva. A ilusão e os
artifícios estão também no cerne da construção.

Imagem 24 – Fotografia Sirena en el Mar de Rosas , Cecilia Paredes, 2011


Fonte: Página da Galeria Saltfineart + RAWsalt.

Ela utiliza pintura, fotografia e performance para comentar sobre as trocas na cultura.
As obras são uma metáfora visual para representar a experiência da migração, expondo
simultaneamente o desejo de pertencer e o desejo de manutenção de um “lar”. Por um lado, a
artista se esforça para fazer seu corpo desaparecer em meio à paisagem. Por outro, seu corpo
ainda pode ser percebido devido a pequenos traços, como cabelos expostos, texturas de
103

tecidos ou discretos volumes decorrentes da iluminação, que atraem o olhar. Assim, ela
mostra a maleabilidade da identidade em meio a processos de tradução, produzindo novas
sínteses, mas mantendo elementos do contexto original, do seu próprio corpo reconhecível,
porém transmutado. Ela deixa um rastro pelos ambientes por onde passa, os quais incorporam
esses elementos novos. Não há exclusão do corpo, mas inclusão com tradução. A cena
resultante não apresenta unidade nem pureza, mas reflete a contaminação de elementos
internos e externos.

Imagem 25 – Fotografia Le jardin , Cecilia Paredes, 2015


Fonte: Artsy.net.

As obras comentam a necessidade de dissolução das barreiras da identidade contra a


individuação apolínea. Segundo a artista16, “[...] o mistério da identidade nunca se resolve por
completo. Nós somos sempre de um tempo e lugar para o qual nunca podemos retornar”.
Dessa forma, ao cruzar a barreira entre as mídias (inclusive da própria fotografia), ela gera
uma visualidade que reflete estas mesclas. Isso permite abordar os temas do deslocamento e
da migração, da adaptação a novos ambientes e da transmutação do corpo pela cultura,
refletindo sua experiência pessoal de exílio.

16
Artistic Statement de Cecília Paredes. Disponível em: <https://www.lensculture.com/articles/cecilia-paredes-eternally-
camouflaged>. Acesso em: 05 ago. 2017.
104

Eu trabalho com o tema de construção da minha própria identificação com o entorno


ou parte do mundo onde vivo, onde eu sinto que posso chamar de lar. Minha
biografia pode ser descrita como nômada, então talvez essa seja uma necessidade de
falar sobre o processo de deslocamento constante. Também há o fato de que na
minha cabeça, a flora como conhecemos está ameaçada, então com todas essas
preocupações, eu acho que nestas obras, a estética se liga ao antropológico para
registrar fragmentos da memória pessoal e social.17

Adicionalmente, as obras apresentam princípios dionisíacos quando exploram a


existência indivisível do corpo da artista com a natureza, pois ela se recria a cada cenário, seu
corpo se liquefaz entre as estampas, revela-se fluido e transitório. Essa configuração desloca o
corpo e o humano do centro, os quais se misturam e se expandem conforme o universo à sua
volta. Não há hierarquia entre os elementos: se confundem corpo e tela, natureza e cultura.
Esta ambiguidade permite pertencer a todas as instâncias simultaneamente. O corpo é
deformado pela pintura que provoca a ilusão de se estar derretendo e fundindo-se com o
entorno. Nesse sentido, o corpo se faz cultura, pois passa a ser um corpo-objeto, ultrapassando
a dicotomia com o espírito. A artista transmuta o próprio corpo em arte e o estende ao
infinito.
Sem tratar especificamente da condição da mulher, as obras de Cecília Paredes
englobam diversos aspectos do feminino dionisíaco ao representar a diferença, o movimento e
a mudança. Ela também trata da política do corpo e da política de identidades quando retrata
uma mulher sem rosto, arrancada de seu contexto, que desaparece contra o fundo. Por outro
lado, esta mesma mulher fica livre das amarras que tentam preservá-la como elemento
separado, distinto, objetificado. De forma geral, as obras tanto mostram a violência do
deslocamento, como exploram as possibilidades criativas da existência anônima e da
reinvenção por meio de procedimentos combinatórios.

5.2 Figuras femininas como imagens dialéticas

Observa-se duas camadas de atuação nas obras de Dunning e Paredes. Primeiramente,


elas retalham a lógica binária da identidade, assumindo papéis complexos que desafiam as
expectativas dos observadores. Em segundo lugar, as obras se afastam da posição de denúncia
e oposição, de forma a escavar elementos que precederam esta condição. Elas procuram
retomar a relação do feminino – e do corpo feminino – com a natureza e com a cultura, antes

17
Paredes fala à Galeria Arthobler. Disponível em: <https://www.arthobler.com/artists/cecilia-paredes/>. Acesso em: 05 ago.
2016.
105

de se deixarem determinar pelo princípio apolíneo. Nas obras analisadas acima, fica evidente
a condição ambígua do corpo feminino: ele é profundamente ligado à natureza, relação a ser
escavada e que preexiste à dualidade com o masculino, às tentativas de controle por meio da
individuação, etc. Por outro lado, o corpo feminino interage em rede com a cultura, na qual
assume uma condição complexa. Há grande visibilidade enquanto objeto mercantilizado, mas
é alvo de constante violência e redução, pois é instável, provocador de mudanças.
Essa questão foi, em parte, abordada por Benjamin a partir das imagens da
modernidade de Baudelaire. Segundo Buci-Glucksmann (1994), as propostas estéticas de
Baudelaire e Benjamin alternam entre crise e crítica, destruição e construção, e questionam o
modelo de modernidade baseado no progresso linear, na ciência e na racionalidade. A “razão
barroca” de Benjamin abre um espaço de teatralidade, governado pela ruína e pelo fragmento,
ambos capazes de revelar as ambivalências da história.
Para a autora, o feminino perpassa os conceitos centrais sobre a modernidade em
Benjamin (2007), seguindo a ideia de Baudelaire sobre a mulher como alegoria da
modernidade. Em meio ao turbilhão moderno, este último percebe a redistribuição dos papéis
femininos e masculinos, acompanhada de uma reconfiguração simbólica. A experiência da
cidade, por exemplo, como um labirinto por onde vaga o flâneur, é alterada com a
prostituição. Através do feminino, seria possível traçar novas rotas no emaranhado das
cidades. O pensamento do feminino é relacionado ao labirinto, que tem alta carga de
indefinição.
Buci-Glucksmann (1994, p. 94) apresenta três cenários da modernidade marcados pelo
feminino: “utopia catastrófica”, “utopia antropológica” e “utopia transgressiva”. O primeiro
cenário é de destruição das aparências e totalidades, pois Benjamin adota um modernismo em
direção à catástrofe, oposto à ideologia do progresso, que surge da crise e da falta, não do
significado pleno. A partir das imagens de Baudelaire para os processos de urbanização,
industrialização e mercantilização, Benjamin pensa um novo “regime do imaginário da
mulher” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 94). O flâneur também é a “mulher que passa”, o
que caracteriza o fetichismo, o culto à imagem e a reprodutibilidade do corpo, marcas da
modernidade. Assim, com a quebra da “aura”, o feminino passa a incorporar esta condição
ambígua do corpo, que fica entre o visto e o não visto, permitindo a articulação dialética de
aspectos arcaicos e modernos, a pré- e a pós-história (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 94),
com o objetivo de superar o sistema de unicidade e totalidade do historicismo. A figura
feminina abre a possibilidade de uma reconstrução arqueológica que recupera “aqueles sem
nome” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 99) das camadas mais profundas para produzir
106

novas constelações. Benjamin, portanto, identifica diversas imagens dialéticas que circundam
o feminino e invocam essa dimensão catastrófica.
Na prostituta se conjuga a perda da aura e o medo da mortalidade, mas também a
visualidade de um corpo fragmentado, petrificado, que é só aparência (composta por
maquiagem, vestimenta, etc.). A finitude do corpo e sua estética fragmentada ocupam,
primeiramente, a posição de crise na dialética. Mas, segundo a autora, há um “aspecto
progressivo”18, uma dimensão crítica que pode ser elaborada com a desmistificação da ordem
e da totalidade (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 102). O corpo é um “palco” para uma série
de novas imagens modernas, fantasmagóricas e ficcionais.
Em segundo lugar, a chamada “utopia antropológica” propõe resgatar,
arqueologicamente, a androgenia do subterrâneo da história. Segundo Buci-Glucksmann
(1994, p. 106-109), Benjamin faz uma montagem de diferentes textos sobre androgenia,
buscando a sua “origem” como protesto contra a família e crítica ao patriarcado, à instituição
capitalista do casamento e à prostituição. Benjamin vai além da posição de Baudelaire (que
rejeita a realidade social da mulher e da prostituta) e busca no drama barroco a base
antropológica para a crítica ao historicismo. Através do poder da imagem e da imaginação,
encarnado no feminino, há a suspensão do desejo, do tempo e da morte, e se realiza o
potencial de construção de relações mais livres entre os sexos, o “potencial para o outro e para
a transgressão” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 109).

Para Buci-Glucksmann, no barroco moderno o feminino é a alteridade, é o excesso


de materialidade, de corpos, que perturba, deforma, transfigura [...] o corpo
feminino ocupa simultaneamente o real e o ficcional. A autora lê em Benjamin uma
modificação no barroco em meio à temporalidade moderna, pois com o eterno
presente, sem possibilidade de futuro ou transcendência, não há também salvação
barroca. O feminino neste contexto é o “sádico e o perverso”, como a prostituta em
Baudelaire, que representa estes extremos do desejo e da morte. (BUCI-
GLUCKSMANN, 1996, p. 541)

Por fim, na “utopia transgressiva”, a androgenia dos personagens permite superar as


dicotomias feminino-masculino, catástrofe-progresso, etc. A identidade do sujeito se desfaz
no choque da imagem dialética, abrindo um tempo de suspensão, e uma nova imagem se
forma, a qual não pode ser reduzida à aura da mercadoria (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p.
110). O tempo interrompido se intensifica e a sua experiência, por meio da imagem, é o que
permite montar passado e futuro. O barroco faz olhar “verdadeiramente”, ou seja, traz a

18
Buci-Glucksmann (1994) traça a separação entre a alegoria barroca e a alegoria moderna em suas relações com a morte. O
aspecto de salvação do barroco é substituído pela imobilidade do tempo do agora, que não tem possibilidade de futuro ou
transcendência.
107

reflexividade negativa da imagem dialética, a qual deforma e, portanto, faz olhar de volta.
Revela a estrutura das relações históricas, também entre feminino e masculino. Em Benjamin,
as figuras que possuem essa característica do olhar são ambíguas, andrógenas e feminizadas,
como a Medusa grega ou o anjo da história de Klee. Elas mostram a desconstrução das
barreiras entre “a representação e o irrepresentável” (BUCI-GLUCKSMANN, 1994, p. 112).
Nesse sentido, é a alteridade que revela a distância entre a visualidade e o significado. A
imagem é, portanto, uma “runa”, fragmento desassociado da linearidade histórica. Logo, a
dimensão política pertence à esfera das imagens e deriva poder transgressivo da imaginação.
Benjamin reconstrói, por meio de uma lógica labiríntica, alegorias femininas capazes de tecer
tempos, imagens e corpos, resultando na “iluminação profana” (BUCI-GLUCKSMANN,
1994, p. 113), no despertar da imaginação.

O poder da mulher sobre as imagens, o encenar do corpo feminino no imaginário da


alegoria ou no protesto contra a modernidade, a redescoberta da bissexualidade na
escrita, a experiência antropológica radical das várias formas de utopia modos de
transgredir a divisão normativa entre feminino e masculino: todos esses novos
territórios estranhos à razão “historicista” do progresso, todas essas “formas
históricas primais”, recapturadas pelas “imagens dialéticas” que aproximam o
passado e tempo do agora, definem o “fio de Ariadne” do labirinto. E esse “puro
espaço de imagens” prova ser um espaço antropológico que abre a experiência do
tempo fora do espaço dos historiadores ou da linearidade do significado. (BUCI-
GLUCKSMANN, 1994, p. 113-114).

5.2.1 As outras mulheres de Signe Pierce

Artista multimídia, a estadunidense Signe Pierce parte dos elementos de decoração


urbana e da iluminação em neon para evocar a atmosfera da década de 1980 nos cenários de
Miami e sul da Califórnia. Motéis, shopping centers, lojas de suvenir e atrações turísticas
decadentes são comumente retratados. As cores predominantes são o rosa e o roxo,
identificadas com uma estética excessivamente “feminina”, mas que, aqui, objetivam
desconstruí-la como produto de uma cultura visual misógina. A “feminilidade” acentuada é
montada em contraste com a decadência de imagens relacionadas ao consumo e à mídia de
massa. Destruída essa narrativa totalitária, a artista repropõe a realidade mundana, coletando
os fragmentos restantes para construir cenários que são parte bem-humorados, parte
grotescos.
108

Pierce se autointitula uma “reality artist”19, pois suas obras são instantâneas e, como
outros artistas da era “pós-internet”, estão sempre em fluxo. Ela produz, edita e publica por
meio de dispositivos móveis e depois faz diferentes versões para exibição e venda. Ao
utilizar-se da fluidez da forma, trabalhando com uma obra aberta, sempre sujeita a
modificações, a artista transporta esse conceito também para o seu conteúdo. Ela questiona o
olhar apolíneo – o qual conceitua e fetichiza a “obra” fotográfica –, bem como sua capacidade
de representação unívoca da realidade. Assim, liberta também suas personagens da
contemplação enquanto objetos com identidades determinadas, embalados para o consumo.

Imagem 26 – Fotografia de Signe Pierce


Fonte:Tumblr da artista

Suas imagens parecem sempre questionar o que é a “realidade”. Por um lado, Pierce
denuncia a mercantilização da vida através das telas. “Nós somos os programadores e estrelas
da nossa própria realidade, então se torna mais comum explorá-la por audiência ou likes”
(PIERCE, 2016a). A artista cita Jean Baudrillard ao falar sobre como a hiper-realidade das
telas é percebida como a própria realidade. Por outro lado, em suas obras, ela dá vida às suas
fantasias artísticas, políticas e sexuais, substituindo a hiper-realidade mercantilizada por uma
realidade aberta a diversas montagens, livre do olhar e do gosto que determinam o valor
cultural. Dessa forma, ela encarna personagens hiperfemininos e hipersexualizados sob a
hipótese de que, uma vez que as narrativas de sua versão personificada nas telas se misturam

19
Perfil do Instagram da artista. Disponível em: <https://www.instagram.com/signepierce>. Acesso em: 02 ago. 2016.
109

ao tecido de sua vida real (o que acontece, por exemplo, em reality shows como Kardashians
ou Real Housewives), por meio da ficção também seria possível adicionar mais dimensão à
mulher (PIERCE, 2016b).
Se a arte pop consolidou o gosto massivo e a fugacidade da fama como parâmetros de
artistificação, no cyberfeminismo de Pierce, as narrativas descentralizadas e fragmentadas
exploram o potencial da internet para criar novos espaços de existência para a mulher, além
daqueles dirigidos pelo homem.

É uma desconstrução das pressões e forças externas que consomem a mulher por
meio de sua própria identidade. [...] Para mim, é uma continuação das ideias de
mulheres pioneiras nestes conceitos antes da internet ser o que é hoje. Mulheres
como Donna Haraway (autora de A Cyborg Manifesto) e VNS Matrix (que escreveu
A Cyberfeminist Manifesto), que escreviam sobre a revolução digital como
instrumental para as mulheres retomarem seus corpos, mentes e identidades por
meio da tecnologia, o que está acontecendo ativamente em 2015. (PIERCE, 2015)

Imagem 27 – Fotografia de Signe Pierce


Fonte: The Huffington Post.
110

Imagem 28 – Fotografia de Signe Pierce


Fonte: Oyster Magazine.

Imagem 29 – Fotografia de Signe Pierce


Fonte: Oyster Magazine.
111

O contraste dialético é construído entre as ausências, os vazios que evocam abandono


e decadência nas cenas retratadas – o olhar distante, o copo quebrado, a lanchonete antiga e
vazia, uma mulher sozinha em um quarto – e a estética carregada de materialidade – cores
alegres, luzes neon brilhantes, superfícies reflexivas, enfeites e decorações. Este choque
revela a incompletude dos objetos, da narrativa da beleza e do consumo, do desejo que não se
realiza plenamente. A partir desta brecha, como proposto por Benjamin, o corpo,
acompanhado de seus objetos de cena, torna-se um palco para a criação de ficções (que
também nunca se tornam objetos completos), integrando os dejetos escavados de camadas
profundas da cultura: elementos da vida mundana americana, o kitsch, os restos de ambientes
decadentes descartados pelo bom gosto, as personagens fronteiriças, como a stripper, a
prostituta e a transexual.

Imagem 30 – Fotografia da instalação Motelscape , Signe Pierce, 2015


Fonte: Zimbio.com.

Uma “origem” é possível a partir do pertencimento ambivalente ao campo do real e do


ficcional. A montagem dialética das fotografias suspende a temporalidade sucessiva e abre
espaço para o trabalho da plasticidade dos signos, liberando a visualidade das
correspondências predefinidas. Quando a fotografia se encena para ficar além da dicotomia
realidade/ficção, ela também pode resolver, esteticamente, as outras dicotomias que envolvem
o feminino. As imagens são transgressivas porque, no momento do agora – o qual abre um
fosso entre o signo e a identidade – há possibilidade de ação política no “puro espaço de
imagens”, como diz Buci-Glucksmann (1994).
112

Imagem 31 – Fotografia de Signe Pierce


Fonte: Tumblr da artista.

A artista reproduz a estética massiva de modo exacerbado, extremamente concentrado.


A ironia do exagero pode ser lida tanto destrutivamente, como crítica ao normativo, quanto
como possibilidade progressiva, recuperando o prazer nas cores, luzes e texturas. Os objetos
são incompletos e não há funcionalidade na mensagem, mas jogo de construção de cenários e
personagens, simultaneamente futuristas e retrôs. Há aqui uma manifestação do horror vacui
barroco (SARDUY, 1979, p. 176), através da repetição de objetos parciais sem sentido. Esse é
o ponto de ironia que desestabiliza a narrativa do consumo e da aparência, pois acusa a
estrutura, que é, em si, falta de funcionalidade da mercadoria e a fantasmagoria dos corpos. O
resultado “kitsch” denuncia o vazio da imagem, mas também age positivamente como
consciência criadora que constrói novas superfícies por meio do jogo com o excesso de
significantes.
O estremecimento diante da incompletude é transformado em artificialidade e
erotismo. “No erotismo a artificialidade, o cultural, manifesta-se no jogo como o objeto
perdido, jogo cuja finalidade está nele mesmo e cujo propósito não é a condução de uma
mensagem [...] mas seu desperdício em função do prazer” (SARDUY, 1979, p. 177). A figura
feminina, incompleta e fragmentada, é incompreensível como uma totalidade. A artista, então,
toma esses fragmentos, pedaços de aparência, recortes pontuais de cenários, figurinos e
objetos e propõe uma mulher livre, que pode “montar-se” e “desmontar-se”, assumindo uma
113

natureza instável e transitória. A condição ambígua entre visibilidade e invisibilidade é


incorporada de forma produtiva e transgressora.
114

6. Considerações finais

O barroco como “função operatória” (DELEUZE, 2011) introduz instabilidade ao


conhecimento pela capacidade de acumular relatos, incluindo diferenças e ampliando a
complexidade semântica dos textos. Ele amplia a distância entre significantes e significados,
pois trabalha a materialidade física, por meio da teatralidade e da ilusão, do desperdício e do
exagero (SARDUY, 1979). Benjamin (2007) vê no barroco o potencial de colocar em crise a
história, explorando as possibilidades de montagem a partir do fragmento e da ruína.
Essa força desestabilizadora também opera sobre a imagem na forma de uma crise da
representação, inaugurando um regime estético de visualidade. No caso da fotografia, isso
desafia o ideal moderno de objetividade e racionalidade. Na pós-fotografia, acentuam-se as
ambiguidades e indistinções entre realidade e ficção, natureza e cultura. Uma vez que a
expansão do fotográfico “encerrou” a necessidade de disputa entre os termos, aceitando que é
possível expressar todos ou nenhum destes aspectos, além de múltiplas combinações
intermediárias, o barroco passou a ser um campo de diálogo.
A presença de modos de montagem barrocos na pós-fotografia ocorre tanto em reação
às suas tentativas de definição ontológica, quanto para acompanhar e superar os caminhos da
arte moderna. Características próprias do meio, citadas por Krauss (apud BAKER, 2005),
como a lógica da cópia, o enfrentamento da autoria, os aspectos massivos e a
referenciabilidade, transferiram-se para outros campos artísticos, ao mesmo tempo em que
mobilizaram o próprio campo da fotografia em seu potencial de desestabilização. As
estratégias de encenação e a reflexibilidade negativa das imagens pós-fotográficas levam o
observador a refletir sobre a natureza do objeto e, consequentemente, a participar criticamente
do processo. A encenação intencional, como oposta à naturalização, relaciona-se, portanto, ao
aspecto teatral do barroco, que destaca o material e aponta para a construção, o programa.
Através da encenação, alcança-se o “branqueamento” da caixa-preta, como teorizado por
Flusser (2011).
Este é o ponto de partida para que as artistas estudadas proponham uma produção
dialógica de informação por meio da fotografia. A abertura da obra ao diálogo ocorre de
muitas maneiras. Com ênfase no processamento intermediário e na superficialidade, Sear
monta uma imagem fragmentada e ambígua, com uma narrativa instável, que insere o
observador no jogo entre o real e o virtual. Steiner, por outro lado, evoca a função documental
da fotografia para criticar o arquivo, propondo uma nova ocupação da semiosfera. O formato
de instalação de suas obras e a montagem “fractal” são encenações tanto do sujeito,
115

construído como subjéctil, como do meio, pois o canal de distribuição assume uma
característica multiperspectivista. O modelo barroco de visualidade e espacialidade promove
um fluxo imagens inquietas, transitórias.
A abertura para o entorno, aumentando as possibilidades interativas através do espaço
público, é uma característica das obras de Ivekovic e Matthew. As artistas exploram os
aspectos massivos da comunicação por imagens, por meio da paródia e da referenciabilidade
da fotografia, reelaborando conteúdos em circulação, ao mesmo tempo em que traçam novas
rotas de navegação. Elas desviam as correspondências originais ao inserirem
descontinuidades nas narrativas-mestres. Ao exporem no meio público, seus textos ficam
disponíveis à heterogeneidade do espaço e ganham novas possibilidades de articulação. As
dobras da imagem continuam se expandindo por todo o ambiente comunicacional.
A intertextualidade como abertura também é uma estratégia importante, em destaque
nas obras de Sherman e Moffatt. Ambas artistas coletam referências provenientes da história
da arte, da história da própria fotografia e de outras séries culturais, e produzem textos
imaginados a partir destes fragmentos. Em suas obras, a encenação da própria fotografia
amplia o processo fotográfico, o qual se volta contra si mesmo e permite uma inversão de
valores em relação à posição de partida dos textos apropriados. Sherman busca contestar os
códigos ocidentais modernos de representação da mulher, associando a artificialidade da
construção identitária à artificialidade da imagem. Moffatt, por sua vez, desmonta as relações
de colonização propondo narrativas alternativas que subvertem as relações hierárquicas entre
os textos de referência. Seu mosaico é descontínuo, com pluralidade irredutível.
Na configuração de uma imagem dialética, a montagem coloca em crise as relações
primárias nos signos e códigos já estabelecidos, citados nas novas obras, e suspende a
“temporalidade linear”, a história da construção do valor cultural. Isso permite recuperar e
recolocar aquilo que foi abandonado pela cultura em novas relações. Para o feminino, isso
significa o potencial para integrar novas relações comunicativas que fujam aos modelos
baseados na identidade e na oposição. Na fase final da dialética, a crítica também é
reflexividade negativa. Quando a câmera aponta para o interior da caixa-preta, a fotografia
revela a própria (in)capacidade de representação. Logo, não se fixa novamente uma imagem
completa, ou seja, não há totalidade substituta. A pós-fotografia será sempre inacabada e
instável. O “vazio” resultante é, então, preenchido exaustivamente pela variação e repetição
barrocas. Como nas obras de Dunning, Paredes e Pierce, há um excesso de materialidade na
profusão de cores e luzes, na liquidez do corpo e das aparências. Esses elementos se
116

expandem e se desdobram para o interior e para o exterior, da mesma forma como o texto
fotográfico se desdobra para revelar a sua própria estrutura, mas acusa o olhar do observador.
A dobra é manifestação da materialidade prolífera, a qual afeta tanto a visualidade e a
espacialidade das obras, como toda a construção textual até o nível do sentido. Nas obras
estudadas, a montagem evoca a teatralidade barroca na encenação dos objetos e da própria
fotografia, e facilita a separação entre significante e significado, o que permite que as artistas
insiram outras histórias nessa brecha. Dunning trabalha com um discurso ambíguo que exalta
os aspectos grotescos e eróticos da natureza feminina ao aproximá-la a uma fruta. Ela
recupera o abjeto do corpo e o reintroduz de forma prazerosa no retrato. A flexibilização da
representação, exaltando a vida física, resulta também na flexibilização da identidade.
Similarmente, Paredes recorre à pura visualidade, aos padrões e textura do entorno para
transformar seu próprio corpo em matéria líquida. Em Pierce, a dobra está na estética kitsch, a
qual ironiza a fetichização, ao mesmo tempo que acusa o ciclo da mercadoria e permite
recuperar tudo o que é descartado. Ela intensifica as características materiais para construir
ficções eróticas e transgressoras em novas visibilidades, com cenários e personagens
marginalizados.
Como foi observado, as obras pós-fotográficas analisadas questionam mitos e
estereótipos sobre as mulheres, mas também falam sobre o corpo em si, além de sua
representação, e recuperam corpos que são ignorados. Recria-se o novo ao abrir as
possibilidades do olhar, para que este possa redirecionar o uso do meio técnico, invocar
elementos esquecidos e refletir sobre as estruturas. O barroco rompe com a homogeneidade
das narrativas-mestres e provoca um aumento da ambiguidade ao somar múltiplas narrativas
na mesma imagem. Esses desdobramentos colocam a mulher em uma situação de devir.
Politicamente, a montagem barroca gera imagens que trazem novas formas para a vida social.
Assim, pode-se pensar o feminino a partir das variáveis do “ser” mulher, além da razão
binária em relação ao masculino. Esteticamente, as dobras e a expansão do barroco permitem
desenvolver um pensamento do feminino a partir das relações com a natureza e com a cultura
que antecedem as dicotomias, porém sem renová-las.
117

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Fotografia Interior da Galeria Sul, Talbot, 1835


BATCHEN, 2002, p.

Imagem 2 – Fotografia Inside the View nº 1, Helen Sear, 2005


Disponível em: <http://www.helensear.com/portfolio/inside-the-view/> Acesso em: 15 nov.
2015.

Imagem 3 – Detalhe da fotografia Inside the View nº 1, Helen Sear, 2005


Disponível em: <http://davidcampany.com/helen-sear-inside-the-view/>. Acesso em: 15 nov.
2015.

Imagem 4 – photogenic drawing negative Lace, Talbot, 1839


BATCHEN, 2002, p.

Imagem 5 – Instalação Queer Is The New Black, A. L. Steiner, 2009


Disponível em: <http://www.hellomynameissteiner.com/filter/INSTALLATIONS/Queer-is-
the-New-Black>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 6 – Detalhe da instalação Queer Is The New Black, A. L. Steiner, 2009


Disponível em: <http://www.hellomynameissteiner.com/filter/INSTALLATIONS/Queer-is-
the-New-Black>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 7 – Detalhe da instalação Queer Is The New Black, A. L. Steiner, 2009


Disponível em: <http://www.hellomynameissteiner.com/filter/INSTALLATIONS/Queer-is-
the-New-Black>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 8 – Instalação Queer Is The New Black, A. L. Steiner, 2009


Disponível em: <http://www.hellomynameissteiner.com/filter/INSTALLATIONS/Queer-is-
the-New-Black>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 9 - Instalação Angry, Articulate, Invisible, A. L. Steiner, 2010


Disponível em: <http://www.hellomynameissteiner.com/filter/INSTALLATIONS/Angry-
Articulate-Inevitable>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 10 – Detalhe da instalação Angry, Articulate, Invisible, A. L. Steiner, 2010


Disponível em: <http://www.hellomynameissteiner.com/filter/INSTALLATIONS/Angry-
Articulate-Inevitable>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 11 – Detalhe da instalação Angry, Articulate, Invisible, A. L. Steiner, 2010


Disponível em: <http://www.hellomynameissteiner.com/filter/INSTALLATIONS/Angry-
Articulate-Inevitable>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 12 – Fotografia da série Women’s House (Sunglasses), Sanja Iekovic, 2002–presente


Disponível em: <http://www.moma.org/slideshows/16?locale=en>. Acesso em: 15 nov. 2015.

Imagem 13 – Montagem da série Women’s House (Sunglasses), Sanja Iekovic, 2002–presente


Disponível em:
123

<http://www.mudam.lu/en/le-musee/la-collection/details/artist/sanja-ivekovic-1/>. Acesso
em: 15 nov. 2015.

Imagem 14 – Arte pública a partir da série Women’s House (Sunglasses), Sanja Iekovic,
2002–presente
Disponível em: <https://s-media-cache-
ak0.pinimg.com/236x/21/1b/3e/211b3e6f4cf0365dd12b3fc705ec515a.jpg>. Acesso em: 15
nov. 2015.

Imagem 15 – Fotografia Fair & Lovely, da série Bollywood Satirized, Annu Matthew, 1998
Disponível em: <http://www.annumatthew.com/gallery/bollywood-satirized/#6>. Acesso em:
08 set. 2016.

Imagem 16 – Frame do vídeo da artista Annu Matthew, mostrando a montagem pública da


série Bollywood Satirized
Disponível em: <http://i.vimeocdn.com/video/526172099_1280x720.jpg>. Acesso em: 08 set.
2016.

Imagem 17 – Fotografia Untitled #216, da série History Portraits, Cindy Sherman, 1989
Disponível em:
<https://www.moma.org/interactives/exhibitions/2012/cindysherman/gallery/7/>. Acesso em:
05 mai. 2016.

Imagem 18 – Virgem de Melund, Jean Fouquet, 1452


Disponível em: <http://blogs.artinfo.com/secrethistoryofart/files/2011/02/Fouquet-
Madonna.jpg>. Acesso em: 05 mai. 2016.

Imagem 19 – Fotografia da série Laudanum, Tracey Moffatt, 1998


Disponível em: <http://www.roslynoxley9.com.au/artists/26/Tracey_Moffatt/61/32700/>.
Acesso em: 05 mai. 2016.

Imagem 20 – Fotografia da série Laudanum, Tracey Moffatt, 1998


Disponível em:
<http://www.roslynoxley9.com.au/artists/26/Tracey_Moffatt/61/32701/>. Acesso em: 05 mai.
2016.

Imagem 21 – Fotografia da série Laudanum, Tracey Moffatt, 1998


Disponível em:
<http://www.roslynoxley9.com.au/artists/26/Tracey_Moffatt/61/32711/>. Acesso em: 05 mai.
2016.

Imagem 22 – Fotografia da série Laudanum, Tracey Moffatt, 1998


Disponível em: <http://www.roslynoxley9.com.au/artists/26/Tracey_Moffatt/61/32708/>.
Acesso em: 15 mai. 2016.

Imagem 23 – Fotografia Leaking 2, Jeanne Dunning, 1994


STEINER, 1997, p.

Imagem 24 – Fotografia Sirena en el Mar de Rosas, Cecilia Paredes, 2011


124

Disponível em: <http://saltfineart.net/artists-2/cecilia-paredes/#jp-carousel-449>. Acesso em:


01 ago. 2016.

Imagem 25 – Fotografia Le Jardin, Cecilia Paredes, 2015


Disponível em: <https://www.artsy.net/artwork/cecilia-paredes-le-jardin>. Acesso em: 01
ago. 2016.

Imagem 26 – Fotografia de Signe Pierce


Disponível em:
<http://40.media.tumblr.com/92b34467466a557fda52b6507b7562cd/tumblr_msxtwyzfta1rvb
7slo1_500.jpg>. Acesso em: 08 set. 2016.

Imagem 27 – Fotografia de Signe Pierce


Disponível em:
<http://images.huffingtonpost.com/2016-06-27-1467032897-8825946-SignePierce.jpg>.
Acesso em: 08 set. 2016.

Imagem 28 – Fotografia de Signe Pierce


Disponível em:
<http://www.oystermag.com/sites/default/files/imagecache/slider-gallery-
980x650/images/signe_pierce_2.jpg>. Acesso em: 08 set. 2016.

Imagem 29 – Fotografia de Signe Pierce


Disponível em:
<http://www.oystermag.com/sites/default/files/imagecache/slider-gallery-
980x650/images/signe_pierce.jpg>. Acesso em: 08 set. 2016.

Imagem 30 – Fotografia da instalação Motelscape, Signe Pierce, 2015


Disponível em:
<http://www.zimbio.com/photos/Signe+Pierce/Motelscape+in+Miami/Niu3-Yiu7m3>.
Acesso em: 08 set. 2016.

Imagem 31 – Fotografia de Signe Pierce


Disponível em: <http://signepierce.tumblr.com/post/29018250112>. Acesso em: 11 set. 2016.

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