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P or uma ontologia plural de vozes

singulares: o embate de Adriana Cavarero


com a metafísica
Vozes plurais: filosofia da lidade de seres singulares” (p. 189). Para a autora,
todo ser humano revela a sua identidade única
expressão vocal. e pessoal através das suas ações e dos seus
discursos, e é através da ativação desses
CAVARERO, Adriana. discursos e ações que o ser humano se distingue
dos outros. Essa distinção singular que é ativada
Belo Horizonte: UFMG, 2011. 312 p. pelos discursos e pelas ações de um sujeito é
sempre relacional, em relação aos outros, e é,
portanto, política, porque ocorre no coletivo.
Todavia, para Arendt, é “o discurso”, e não a
Em Vozes plurais: filosofia da expressão ação, que efetivamente “corresponde ao fato
vocal, Adriana Cavarero subverte a história da da distinção” (p. 191). Para ela, é “o discurso”
metafísica ocidental com uma análise filosófica que possibilita a distinção na “condição humana
com ramificações interdisciplinares nas áreas de de pluralidade” (p. 191), ou seja, é ele que nos
música, literatura, oralidade e voz, propondo permite sermos distintos e agirmos politicamente
outro modo de pensar a relação entre logos e entre seres humanos.
política, por meio de uma ontologia antimeta- Em Vozes plurais, Cavarero, que também
física baseada na pluralidade de vozes singulares. incorpora um conhecimento dos estudos de
A voz é plural justamente porque é única, incor- oralidade, não vai se utilizar da categoria “o dis-
porada, contextual e relacional. curso”, mas sim da categoria “a voz”. Todavia, a
Docente de Filosofia Política na Universida- sua definição de voz é complexa, elaborada, e
de de Verona, Cavarero é atualmente uma das parte em outras direções: a subversão da meta-
pensadoras mais importantes da Itália. Nascida física, a corporeidade e a política. Esses três
em 1947, a filósofa feminista foi fortemente influ- aspectos estão ligados entre si na elaboração
enciada pelo pensamento de Hannah Arendt da sua tese, que é desenvolvida em três partes:
(1906-1975) e é autora de diversos livros, infeliz- Como o logos perdeu a voz, Mulheres que
mente não traduzidos para o português até hoje: cantam e Por uma política das vozes.
Nonostante Platone (1990); Corpo in figure. Em Como o logos perdeu a voz, a autora
Filosofia e politica della corporeitá (1995); Tu “desconstrói” a metafísica instaurada por Platão
che mi guardi, tu che mi racconti. Filosofia e Aristóteles, cujas formulações destituíram o
della narrazione (1997); e Orrorismo ovvero logos de qualquer corporeidade e, portanto,
della violenza sull’inerme (2007). A pesquisa de- da materialidade da voz, circunscrevendo-o à
senvolvida por Cavarero tem como base a filo- esfera do pensamento. Para ela, “a história da
sofia clássica metafísica e a filosofia política de metafísica deveria ser finalmente contada como
Hannah Arendt. Desenvolvendo um pensamento a estranha desvocalização do logos” (p. 58).
complexo e profundo que subverte paradigmas Cavarero nos explica que, na Grécia antiga, a
históricos de discursos hegemônicos, Cavarero palavra logos derivava do verbo legein, que
produz uma obra com um forte cunho feminista. tinha uma acepção acústica e significava:
O pensamento de Cavarero é marcado “falar”, assim como “ligar”, “contar”, “recontar”(p.
por diversos temas presentes na filosofia política 43). Platão e Aristóteles desconsideram o aspec-
de Arendt, aprofundando-os e elaborando-os. to acústico da palavra e mantêm a definição
Em Vozes plurais, ela parte de questões caras a de logos como ligação, ou seja, a linguagem
Arendt em seu texto A condição humana, no como sistema de significação, no qual, através
qual desenvolve categorias como a pluralidade de um processo mental, a palavra representa o
humana, seres singulares, ação e discurso. Arendt objeto ligando-a a uma imagem. A metafísica
identifica na “pluralidade humana a condição aprisiona a voz à esfera semântica, que, por sua
básica da ação e do discurso” (188), afirmando vez, é subordinada à esfera visual e, desse modo,
que “a pluralidade humana é a paradoxal plura- transferida à mente (p. 45). A história da meta-

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física tem o seu ponto alto no pensamento carte- poetas que, a rigor, não cantam mais” (p. 131),
siano, no qual o pensar é a condição para o e as segundas são relegadas à condição de
existir, e, nesse seu processo, nega a sua própria pura voz desprovida de semântica. Ambas peri-
matéria, instaurando-se como desvocalização gosas, mas em graus diferentes: as Musas só po-
ontológica. Segundo Cavarero, para a filosofia dem ser ouvidas pelos poetas e, portanto, vincu-
metafísica desvocalizante, “o pensamento não lam algo de perigoso; e as Sereias, com seus
tem voz, não invoca nem fala: cogita” (p. 203). poderes encantatórios, podem levar à morte
Duas questões importantes são desdobra- por meio de cantos muitas vezes com tons eróti-
das pela autora a partir dessa “desconstrução” cos (p. 131).
do pensamento hegemônico metafísico: Explorando as vozes que cantam, Cavarero
política e prazer. Um ponto fundamental se reflete aborda as do melodrama; a voz do texto poé-
na política individualista de negação do outro, tico a partir de Julia Kristeva, para quem a lingua-
instaurada pela metafísica. Ao sacrificar o aspec- gem está inscrita nas pulsões libidinais do corpo
to relacional da voz, da emissão e da audição, (p. 167); e a “escritura feminina” de Hélène Cixous,
relegando a palavra à esfera do pensamento, que passa por uma língua musical que explode
a metafísica não tem que se preocupar com a a sintaxe e é relacional porque passa pelo pes-
existência do outro (p. 65). A relação entre logos soal, um autobiográfico que não segue o estilo
e política, estabelecida por Platão e Aristóteles, tradicional da autobiografia. Embora o cantar
leva ao desenvolvimento de uma política não seja restrito às mulheres, ele vem associado
egoísta, centrada no indivíduo, e não no sujeito, a um elemento feminino, que Cavarero exempli-
porque o sujeito se constitui politicamente numa fica por meio de uma citação da escritora fran-
relação singular com outros sujeitos. Na contra- cesa Cixous, que afirma: “aquilo que canta num
mão da metafísica, Cavarero propõe uma ‘homem’ não é ele, é ela” (149). Para Cavarero,
política ontológica antimetafísica fundada na também canta o poeta caribenho Edward Kamau
singularidade plural da voz que se comunica Brathwaite, mas em inglês, num idioma colorido
com outras singularidades vocais. e subvertido pelo creole English e o nation
O segundo desdobramento trazido por language, que é a língua dos afro-caribenhos.
Cavarero ao encerrar a primeira parte da sua Segundo Brathwaite, a vocalidade se molda
obra aponta o temor platônico pela carnalidade influenciada pelos sons do seu ambiente.1
vocal que invoca o prazer libidinal e o descon- Em contraponto à liberdade, corporei-
trole da razão (p. 107). Ela indica que o canto dade, subversão e erotismo presentes nas vozes
produzido pelo poeta Homero encanta e produz que cantam nessa segunda parte, Cavarero a
um prazer acústico com a voz. Fazendo uma encerra com uma análise da submissão, feita
ligação entre a épica e o canto associados ao por Platão, da música à esfera política na qual
prazer, a autora vai desenvolver a segunda parte o logos é desvocalizado. A música não é vista
da sua obra, que se intitula Mulheres que por ele a partir de um universo sonoro, e sim
cantam, através da análise de materiais poé- numérico, retirando qualquer analogia ao prazer
ticos, musicais e literários, elaborando relações do som. Àquela é dada a tarefa de disciplinar o
entre voz, canto, erotismo, materialidade musical logos (p. 190). A metafísica platônica instaura
da língua e o controle político por meio da uma política baseada num logos desvocalizado,
música. O cantar poético, nem sempre por individualista e centrado na visão.
mulheres, é associado ao universo feminino. Em confronto com essa concepção,
Fazendo uma passagem do universo platô- Cavarero desenvolve a terceira e última parte
nico e aristotélico e procurando resgatar a voca- do seu livro, Por uma teoria das vozes. É nela
lidade subjugada pela metafísica, Cavarero que a autora desenvolve a sua teoria política
inicia essa segunda parte dando voz às Musas e de uma ontologia vocálica da unicidade,
às Sereias, figuras femininas emblemáticas da subvertendo a relação estabelecida entre logos
antiga Grécia, relacionadas à voz e ao prazer e política pelo pensamento hegemônico da
do canto. Musas e Sereias são vistas como peri- metafísica. Para ela, é preciso revocalizar o
gosas, e, devido aos seus poderes encantatóri- logos, permitindo que se instaure uma política
os, as suas vozes são caladas. Aquelas não têm relacional singular e não individualista, isto é,
lugar na república de Platão, visto que o poeta plural. A esfera política emerge na comunica-
é expulso, e são substituídas pelo filósofo, que ção estabelecida pela pluralidade de vozes
tem acesso à verdade (p. 122). Nas represen- singulares corpóreas, que não são discursos
tações ocidentais das Musas e das Sereias (p. abstratos desencarnados, mas que se efetivam
131), as primeiras continuam “a ‘inspirar’ versos a nas vozes singulares que se relacionam e que

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são sempre parte de um corpo. A voz, que an- na sua formulação teórico-político-relacional,
cora a palavra no corpo, tornando-a única e mas que não exclui a viabilidade de outros
pessoal, é central na teoria de Cavarero para prolongamentos.
subverter o nó criado pela metafísica entre logos Entre as mulheres que cantam, Cavarero
e política. identifica vozes singulares de mulheres e de ho-
É uma pena que a obra de Adriana mens, que, na minha perspectiva, não precisam
Cavarero não tenha tido, até hoje, visibilidade necessariamente estar associados ao aspecto
entre os/as pensadores/as feministas e de feminino. Essas vozes são singulares e destoam
gênero. A sua obra possui grande rigor na sua do discurso hegemônico e, justamente por se-
empreitada, é de grande escopo, abrangendo rem sui generis, não cantam em uníssono. A
a filosofia, a música, a literatura, a oralidade e a sua teoria abre espaço para muitas outras vozes
voz, e, no Brasil, só foi assimilada por estudiosos na pluralidade de gêneros, as quais não têm
de música, teatro e oralidade. Até o momento, que se ater ao gênero feminino ou masculino,
não houve qualquer resenha do livro em nenhu- ainda que possam, de acordo com a singulari-
ma das áreas por ele abarcadas. É provável dade, clamar por um/a, outro/a, ambos, ne-
que a sua obra não tenha gerado interesse, nhum. É no espaço relacional entre a voz de um
ainda que desconhecida, entre os/as teóricos/ sujeito e o ouvido de outro que emerge o
as feministas e de gênero, porque Cavarero faz político. Quem é o sujeito? É a sua voz – corpó-
parte da assim chamada corrente diferencia- rea, semântica, contextual, relacional, singular
lista. Todavia, catalogá-la dentro da corrente – que o identifica.
diferencialista e ignorá-la é um desserviço às Nota
discussões correntes feministas e de gênero. A 1
Edward Kamau BRATHWAITE, 1984, citado por CAVARERO,
sua investida contra os alicerces do pensamento
2011, p. 149.
metafísico ocidental, subvertendo-o ao propor
uma ontologia antimetafísica fundada na plura- Referências
lidade de vozes singulares corpóreas, contextu- ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. e
alizadas e relacionais, permite uma teorização 6. reimp. Rio de Janeiro: Forense Universitária,
da singularidade do sujeito que dialoga com as 2007.
teorias queers, de gênero e feministas, sejam
elas diferencialistas ou igualitárias. Ainda que Isabella Irlandini
Cavarero possa associar a materialidade da voz Universidade do Estado de Santa Catarina
ao feminino, isso é um desdobramento possível

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