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parte I
TEORIA E MÉTODO
NA PESQUISA QUALITATIVA
1
Iniciando a pesquisa
Objetivos do capítulo
No final deste capítulo, será possível:
reconhecer os obstáculos que surgem na organização de um projeto de pesquisa qualitativa e
conhecer soluções simples para eles;
entender os principais conceitos usados pelos pesquisadores;
gerar um tópico de pesquisa interessante;
entender os principais métodos usados na pesquisa qualitativa.
Se você é como muitos leitores deste alguns estudantes. Em seguida, você acha
livro, examinará estas páginas buscando al- que tudo o que tem a fazer é resumir suas
guns conselhos úteis sobre o projeto de pes- respostas e terá um relatório de pesquisa
quisa requerido para seu curso de métodos legítimo sobre o tópico escolhido.
de pesquisa. Nesse caso, há algumas notí- Bem, quem sabe? Talvez, ao longo do
cias boas e ruins. Acontece que fazer pes- caminho, você tenha deixado de formular
quisa por vezes é um negócio complicado a si mesmo uma série de perguntas, entre
e ardiloso. Apesar disso, com uma pequena as quais:
orientação (e algum esforço), a maioria dos
estudantes consegue realizar um projeto Por que (e de que maneira) o tema es-
aceitável ou até mesmo de alta qualidade. colhido para sua pesquisa é importan-
Comecemos com um caso hipotético. te? Ele está relacionado a algum con-
Imagine que você “inocentemente” decidiu ceito ou a alguma teoria na disciplina
coletar alguns dados de entrevista para um de sua escolha? Ou é simplesmente um
projeto de pesquisa que é parte de um cur- tema que interessa a você e a seus ami-
so de métodos de pesquisa. Fazendo uso gos? Se for este o caso, como o seu re-
da disponibilidade e da boa vontade de seus latório vai diferir (se é que vai) do tipo
colegas estudantes, você decide iniciar um de história que você pode encontrar em
estudo, digamos, das percepções dos “es- um jornal? E por que isso importa?
tudantes” em relação às suas perspectivas Até que ponto o tema e seus achados se
futuras de trabalho. relacionam a outra pesquisa? Você já leu
Como você leu muito pouco sobre a literatura relevante sobre o assunto
planejamento de pesquisa, decide fazer ou está correndo o risco de “reinventar
com um amigo um “pré-teste” de algumas a roda”? Você pensou lateralmente –
questões preliminares a fim de descobrir considerando, por exemplo, os vários
se elas são facilmente entendidas (da ma- contextos em que as expectativas das
neira como você pretende que sejam). Ten- pessoas são moldadas por uma série de
do selecionado suas perguntas, entrevista instituições (por exemplo, não apenas
18 David Silverman
do? E faça uma escolha embasada entre os tiplos meios de coleta de dados. Por fim,
muitos tipos diferentes de dados e méto- tudo vai depender mais da qualidade de
dos que estão livremente disponíveis para sua análise dos dados do que da qualidade
nós no século XXI. de seus dados. Certifique-se de ter o tempo
e a capacidade para realizar essa análise.
Este exemplo mostra que, muitas ve- objetivos que isso? Afinal, eles têm méto-
zes, é necessário recusar que nossos temas dos científicos para tornar as observações
de pesquisa sejam totalmente definidos em mais confiáveis.
termos das concepções dos “problemas so- Bem, sim e não. Na verdade, os cien-
ciais” como eles são reconhecidos por gru- tistas sociais, em geral, usarão um processo
pos profissionais ou comunitários. De modo mais cauteloso para extrair o fato da opi-
irônico, partindo de uma perspectiva cla- nião do que a maioria de nós jamais neces-
ramente definida da ciência social, é pos- sitou fazer na vida cotidiana (ver Capítulo
sível mais tarde tratar desses problemas 8). Entretanto, mesmo os cientistas só ob-
com – acredito eu – considerável força e servam os “fatos” por meio do uso de lentes
persuasão. Tal questão está discutida com compostas de conceitos e teorias. Sacks
mais detalhes no Capítulo 11. (1992, I, p. 467-8) tem um bom exemplo
disso:
Fazer o exercício 1.1
Suponha que você seja um antropó-
nesse momento
logo ou um sociólogo que está de pé
em algum lugar. Vê alguém realizar
alguma ação e percebe isso como sen-
1.2.2 Pensando teoricamente do uma atividade qualquer. Como
pode passar a formular quem foi o
Há pesquisadores qualitativos por ra-
autor da ação para os propósitos de
zões mais negativas. Talvez não sejam mui-
seu relatório? Como usa pelo menos
to bons em estatísticas (ou acham que não o que pode considerar como a formu-
são); por isso, a pesquisa quantitativa não lação mais conservadora – seu nome?
os atrai. Ou talvez eles não sejam brilhan- Sabendo, é claro, que em qualquer
tes no trabalho em biblioteca e esperam categoria você teria esse(s) tipo(s) de
poder estimular sua imaginação preguiço- problemas sistemáticos, como você
sa saindo “a campo”. passaria a selecionar uma dada cate-
Infelizmente, como a maioria dos cien- goria do conjunto que iria caracteri-
tistas e filósofos concordam, os fatos encon- zar ou identificar igualmente bem
trados “no campo” nunca falam por si, sen- aquela pessoa?
do impregnados por nossas suposições. Por
exemplo, os relatos iniciais dos “curiosos” Sacks (1992, I, p. 468) mostra que
em Dallas na época do assassinato do Pre- não se consegue resolver esses problemas
sidente Kennedy em 1963 não foram dos apenas “fazendo as melhores anotações
tiros, mas do estouro do escapamento de possíveis no momento e tomando decisões
um carro (Sacks, 1984, p. 519). Por que as depois”. Qualquer coisa que observemos
pessoas ouvem os sons dessa maneira? está impregnada de suposições.
Todos nós sabemos que as pessoas que
acham ter ouvido um tiro toda vez que es-
Fazer o exercício 1.2
toura o escapamento de um carro podem nesse momento
ser rotuladas como instáveis ou até mes-
mo psicóticas. Então, nossas descrições
nunca são relatos simples de “eventos”, mas No trabalho científico, as suposições
são estruturadas para nos descrever como recebem, muitas vezes, o nome fantasioso
tipos de pessoas que são, em geral, “razoá- de “teorias”. Mas o que são “teorias”?
veis” e “cautelosas”. Martin O’Brien (1993, p. 10-11) usou o
Em contrapartida, você pode dizer: exemplo de um caleidoscópio para respon-
certamente os cientistas sociais são mais der a essa pergunta. Ele explica:
Interpretação de dados qualitativos 25
Um caleidoscópio... [é] um brinque- A questão é que nenhuma das obser-
do de criança constituído por um tubo, por vações é mais real ou mais verdadeira do
várias lentes e por fragmentos de vidro ou que as outras. Por exemplo, as pessoas não
de plástico translúcido e colorido. Quando são essencialmente definidas em termos de
você gira o tubo e olha através das lentes suas características sociais (como o gêne-
do caleidoscópio, as formas e cores, visí- ro) ou suas personalidades (extrovertida
veis ao fundo, mudam. Quando o tubo é ou introvertida). Tudo depende da sua
girado, as diferentes lentes se movimen- questão de pesquisa. E as questões de pes-
tam, e as combinações de cor e forma mu- quisa são inevitavelmente embasadas pela
dam de um padrão para outro. De uma teoria. Portanto, nós, de fato, precisamos
maneira similar, podemos enxergar a teo- das teorias sociais para nos ajudar a lidar
ria social como uma espécie de caleidoscó- até mesmo com questões muito básicas na
pio – mudando a perspectiva teórica, o pesquisa social.
mundo que está sob investigação também No entanto, a analogia de O’Brien de
muda a sua forma. um caleidoscópio só nos leva até aí. Por
Como uma teoria funciona de modo exemplo, como uma “teoria” difere de uma
igual a um caleidoscópio pode ser visto “hipótese”? E como desenvolvemos ambas?
usando-se um exemplo concreto, até gros- Perguntas assim indicam que eu não
seiro. Imagine que um grupo de cientistas posso mais adiar a questão potencialmen-
sociais de diferentes disciplinas estejam ob- te cansativa de definir meus termos. Neste
servando as pessoas em uma festa através capítulo, serão discutidos modelos, concei-
de um espelho semitransparente. O soció- tos, teorias, hipóteses, metodologias e mé-
logo observa a composição de gênero de todos. No Quadro 1.1, determino como
vários grupos de conversa, enquanto o cada termo será usado.
linguista ouve como a “conversa fiada” Como sugere a Quadro 1.1, o que
transcorre entre as pessoas. O psicólogo se chamo de “modelos” são até mais básicos
concentra nas características dos “solitári- para a pesquisa social do que as teorias.
os” versus as pessoas que são “a vida e a Os modelos proporcionam uma estrutura
alma” da festa, e o geógrafo observa como geral para como encaramos a realidade. Em
a organização espacial da sala influencia a suma, eles nos dizem como é a realidade e
maneira de as pessoas conversarem. os elementos básicos que ela contém (“on-
Método Uma técnica de pesquisa específica Bom ajuste com modelo, teoria,
hipótese e metodologia
26 David Silverman
tologia”) e qual é a natureza e a situação uma base para considerar como o que
do conhecimento (“epistemologia”). Nes- é desconhecido pode ser organizado
se sentido, os modelos correspondem gros- (Gulbrium, correspondência pessoal).
seiramente ao que é referido mais impo-
nentemente como “paradigmas” (ver Guba Provocando ideias sobre o que é atual-
e Lincoln, 1994). mente desconhecido, as teorias dão ímpe-
Na pesquisa social, exemplos desses to à pesquisa. Como entidades vivas, são
modelos são o funcionalismo (que observa também desenvolvidas e modificadas pela
as funções das intuições sociais), o beha- boa pesquisa. No entanto, como usados
viorismo (que define todo comportamen- aqui, os modelos, os conceitos e as teorias
to em termos de “estímulo” e “resposta”), são autoconfirmadores, no sentido de que
o interacionismo simbólico (que se concen- nos instruem a olhar para os fenômenos
tra em como vinculamos os significados de maneiras particulares. Isso significa que
simbólicos às relações interpessoais) e a eles nunca podem ser desaprovados, mas
etnometodologia (que nos encoraja a ana- apenas considerados mais ou menos úteis.
lisar as maneiras cotidianas de as pessoas Esta última característica distingue as
produzirem ordeiramente a interação so- teorias das hipóteses. Ao contrário das
cial). Tendo por base Gubrium e Holstein teorias, as hipóteses são testadas na pes-
(1997), discutirei a importância dos mo- quisa. Exemplos de hipóteses, discutidas
delos no Capítulo 2. mais adiante neste livro, são:
Os conceitos são ideias claramente
especificadas que derivam de um modelo A maneira como recebemos conselhos
específico. Exemplos de conceitos são a está vinculada a como o conselho é
“função social” (derivada do funcionalis- dado.
mo), o “estímulo-resposta” (behaviorismo), As reações a uma droga ilegal depen-
“definição da situação” (interacionismo) e dem do que se aprende com outras pes-
“o método de interpretação documental” soas.
(etnometodologia). Os conceitos oferecem O voto nas eleições sindicais está rela-
maneiras de se olhar o mundo que são es- cionado a vínculos não-trabalhistas en-
senciais na definição de um problema de tre os membros do sindicato.
pesquisa.
As teorias dispõem conjuntos de con- Em muitos estudos de pesquisa qua-
ceitos para definir e explicar alguns fenô- litativa, a princípio, não há hipótese es-
menos. Como dizem Strauss e Corbin, “a pecífica. Em vez disso, as hipóteses são
teoria consiste de relacionamentos plausí- produzidas (ou induzidas) durante os es-
veis produzidos entre conceitos e conjuntos tágios iniciais da pesquisa. De todo modo,
de conceitos” (1994, p. 278). Sem uma teo- ao contrário das teorias, as hipóteses po-
ria, fenômenos como “gênero”, “personali- dem – e devem – ser testadas. Por isso,
dade”, “discurso” ou “espaço” não seriam avaliamos uma hipótese por sua validade
entendidos pela ciência social. Nesse senti- ou verdade.
do, sem uma teoria não há nada a pesquisar. Uma metodologia refere-se às esco-
Portanto, a teoria proporciona uma lhas que fazemos sobre os casos a serem
base para se considerar o mundo, separa- estudados, os métodos de coleta de dados,
do, mas cercado, por esse mundo. Dessa as formas de análise dos dados, etc., no pla-
maneira, a teoria proporciona ambos: nejamento e na execução de um estudo de
pesquisa. Gobo (em fase de elaboração)
uma estrutura para entender critica- sugere que uma metodologia compreende
mente os fenômenos os quatro componentes seguintes:
Interpretação de dados qualitativos 27
1. uma preferência por alguns métodos en-
tre os muitos a nós disponíveis (escuta,
assistência, observação, leitura, questio- Dica
namento, conversa)
Adquira o hábito de pensar sobre o
2. uma teoria do conhecimento científico ou
planejamento da pesquisa em termos
um conjunto de suposições sobre a na- de até que ponto uma determinada
tureza da realidade, sobre as tarefas da abordagem é útil para o tema de sua
ciência, sobre o papel do pesquisador e pesquisa. Modelos, conceitos,
sobre os conceitos de ação e ator social metodologias e métodos não podem
3. uma série de soluções, de dispositivos e ser certos ou errados, apenas mais ou
menos úteis.
de estratagemas usada para lidar com
um problema de pesquisa
4. uma sequência sistemática de passos
procedurais a serem seguidos quando Tendo estabelecido algumas defini-
nosso método foi escolhido. ções básicas, é possível passar à questão
mais prática de como se aplica o pensa-
Portanto, nossa metodologia define
mento teórico para gerar um problema
como se vai passar a estudar qualquer fe-
de pesquisa. Como veremos, parte do que
nômeno. Na pesquisa social, as metodolo-
está envolvido é ser sensível ao contexto
gias são definidas muito amplamente (por
mais amplo em que surgem as questões
exemplo, qualitativa ou quantitativa) ou
pesquisáveis.
mais estreitamente (por exemplo, teoria
fundamentada ou análise de conversação
[AC]). Como as teorias, as metodologias 1.2.3 A sensibilidade na geração
não podem ser verdadeiras ou falsas, so- de um problema de pesquisa
mente mais ou menos úteis.
Por fim, os métodos são técnicas de Eu tenho argumentado que frequen-
pesquisa específicas, os quais incluem téc- temente é inútil os pesquisadores começa-
nicas quantitativas, como correlações es- rem seu trabalho tendo como base um “pro-
tatísticas, além de técnicas como observa- blema social” identificado por profissionais
ção, entrevista e gravações de áudio. Mais ou gestores. É um lugar-comum dizer que
uma vez, essas técnicas em si não são ver- essas definições de “problemas”, muitas ve-
dadeiras ou falsas, mas mais ou menos zes, servem a direitos adquiridos. No en-
úteis, dependendo de se ajustarem às teo- tanto, se a pesquisa da ciência social tem
rias e às metodologias usadas, às hipóte- algo a oferecer, seus imperativos teóricos
ses testadas e/ou ao tema da pesquisa se- caminham em uma direção que oferece aos
lecionado. Assim, por exemplo, os behavio- participantes novas perspectivas sobre seus
ristas talvez prefiram os métodos quanti- problemas. De modo paradoxal, recusan-
tativos, enquanto os interacionistas talvez do-nos a começar a partir de uma concep-
prefiram coletar seus dados por meio de ção comum do que está “errado” em um
observação. Porém, dependendo das hipó- lugar, possivelmente sejamos mais capazes
teses testadas, os behavioristas podem, às de contribuir para a identificação tanto do
vezes, usar métodos qualitativos – por que está acontecendo quanto, por meio dis-
exemplo, na fase exploratória da pesqui- so, de como isso pode ser modificado na
sa. Do mesmo modo, os interacionistas busca dos fins desejados.
podem, às vezes, usar métodos quantitati- As várias perspectivas da ciência so-
vos simples, sobretudo quando querem cial proporcionam uma sensibilidade para
encontrar um padrão em seus dados. muitas questões negligenciadas por aque-
28 David Silverman
veis a algumas dessas questões, corremos O Quadro 1.2 enfatiza o ponto res-
o risco de cair em um caminho baseado saltado no Quadro 1.1: os métodos são téc-
no “problema social” de definir os temas nicas que adotam um significado específi-
de pesquisa. co de acordo com a metodologia em que
são usados.
Por isso, na pesquisa quantitativa, a
Faça o Exercício 1.3 observação não é, em geral, vista como um
nesse momento método muito importante de coleta de da-
dos, porque é difícil conduzir estudos de
observação em amostras extensas. Os pes-
1.3 A VARIAÇÃO DOS quisadores quantitativos também argumen-
MÉTODOS QUALITATIVOS tam que a observação não é um método de
coleta de dados muito “confiável”, porque
Há quatro métodos principais usados observadores diferentes podem registrar
pelos pesquisadores qualitativos: observações diferentes. Se, apesar de tudo,
for usada, a observação só é considerada
observação apropriada em uma fase preliminar ou
análise de textos e documentos “exploratória” da pesquisa.
entrevistas e grupos focais Em contrapartida, os estudos de ob-
gravações em áudio e vídeo. servação têm sido fundamentais para mui-
tas pesquisas qualitativas. Começando com
Estes métodos são, com frequência, os estudos de caso pioneiros das socieda-
combinados. Por exemplo, muitos estudos des não-ocidentais realizados pelos primei-
de caso combinam observação com entre- ros antropólogos (Malinowski, 1922;
vistas. Além disso, cada método pode ser Radcliffe-Brown, 1948) e continuando com
usado em estudos de pesquisa qualitativa o trabalho de sociólogos em Chicago antes
ou quantitativa. Como mostra o Quadro da Segunda Guerra Mundial (ver Deegan,
1.2, a natureza geral da metodologia da 2001), o método de observação tem sido
pesquisa molda a forma como cada méto- com frequência o escolhido para o enten-
do é usado. dimento de outra cultura (ver Seção 3.1.1).
Análise textual Análise de conteúdo, isto é, contagem em Entendimento das categorias dos
termos de categorias de pesquisadores participantes
*
N. de R.T. No original, survey.
Interpretação de dados qualitativos 31
Tais contrastes também estão presen- Por exemplo, depois que os levanta-
tes no tratamento de textos e documentos. mentos de intenção de voto não coincidi-
Os pesquisadores quantitativos procuram ram com o resultado das eleições gerais
analisar o material escrito de uma maneira britânicas de 1992, os pesquisadores exa-
que produzirá evidências confiáveis com minaram novamente sua metodologia. As-
relação a uma amostra maior. O método sumindo que alguns respondentes no pas-
preferido é a “análise de conteúdo”, na qual sado possam ter mentido aos entrevista-
os pesquisadores estabelecem um conjunto dores sobre suas intenções de voto, alguns
de categorias e depois contam o número de institutos de pesquisa agora apresentam
exemplos que pertencem a cada categoria. uma urna em que os respondentes inserem
A exigência crucial é que as categorias se- seus votos – eliminando assim a necessi-
jam suficientemente precisas para permitir dade de revelar as próprias preferências ao
que diferentes codificadores cheguem aos entrevistador. Também tem-se dado aten-
mesmos resultados quando o mesmo corpus ção à montagem de uma amostra mais re-
de material (por exemplo, manchetes de presentativa para a entrevista, tendo em
jornal) for examinado (ver Berelson, 1952). vista o custo de uma amostra completa-
Na pesquisa qualitativa, a análise de mente aleatória de toda a população britâ-
conteúdo é menos comum (ver Marvasti, nica. Talvez como resultado dessas revisões
2004, p. 90-4). A questão fundamental é metodológicas, os números finais dos pes-
entender as categorias dos participantes e quisadores de intenções de voto se aproxi-
ver como eles agem em atividades concre- maram muito mais do resultado real das
tas, como contar histórias (Propp, 1968; eleições britânicas de 1997.
Sacks, 1974), montar arquivos (Cicourel, A “autenticidade”, mais que o tama-
1968; Gubrium e Buckholdt, 1982) ou des- nho da amostra, é frequentemente a ques-
crever a “vida familiar” (Gubrium, 1992). tão na pesquisa qualitativa. O objetivo é,
A confiabilidade da análise é tratada com em geral, reunir um entendimento “autên-
menos frequência. Em vez disso, os pes- tico” das experiências das pessoas, e acre-
quisadores qualitativos reivindicam sobre dita-se que as perguntas “abertas” são o
sua capacidade para revelar as práticas lo- caminho mais eficaz para tal fim. Por isso,
cais através das quais determinados “pro- por exemplo, na coleta de histórias de vida
dutos finais” (histórias, arquivos, descri- ou na entrevista de pais de crianças porta-
ções) são montados. doras de deficiências (Baruch, 1982), pode-
As entrevistas são comumente empre- se simplesmente pedir às pessoas: “Conte-
gadas nas duas metodologias. Os pesqui- me sua história”. Os estudos das entrevis-
sadores quantitativos aplicam as entrevis- tas qualitativas são, com frequência, con-
tas ou os questionários a amostras aleató- duzidos com amostras pequenas, e o rela-
rias da população, o que é conhecido como cionamento entre o entrevistador e o en-
“pesquisa de levantamento”. Em geral, dá- trevistado pode ser definido mais em ter-
se preferência a perguntas de “escolha fixa” mos políticos do que em termos científicos
(por exemplo, “sim” ou “não”), porque as (por exemplo, Finch, 1984).
respostas produzidas se prestam a tabula- Por fim, os dados de áudio e vídeo
ção simples, ao contrário das perguntas são raramente usados na pesquisa quanti-
“abertas”, que produzem respostas que pre- tativa, talvez devido à suposição de que eles
cisam ser subsequentemente codificadas. são difíceis de quantificar. Em contraparti-
Uma questão metodológica fundamental da, como veremos mais adiante (Capítulos
para os pesquisadores quantitativos é a 6 e 7), as gravações em áudio e vídeo, as-
confiabilidade do processo da entrevista sim como outras imagens, são uma parte
e a representatividade da amostra. cada vez mais importante da pesquisa qua-
32 David Silverman
social dos fenômenos é mostrada pelas as- ciais, professores), percebidas com “alto
pas que colocam em conceitos como envolvimento” na questão (por exemplo,
“AIDS”, “África” e o que é “realmente” o homens gays, prisioneiros) e com “baixo
caso. Como Kitzinger e Miller (1992, p. 28) envolvimento” (por exemplo, aposentados,
explicam: estudantes).
Embora membros de todos os grupos
Este capítulo concentra-se nas au- tenham sido céticos com relação à cober-
diências e no papel da mídia na mu- tura dos noticiários, aceitaram a suposição
dança, no reforço ou na contribuição geral de que a AIDS veio da África e é
para ideias sobre AIDS, África e raça. prevalente nesse continente. As pessoas
Não afirma se o HIV originou-se ou brancas, em geral, partiam da suposição
não na África... Não vamos tratar aqui
de que a África é um canteiro de doenças
diretamente de questões sobre onde
sexualmente transmissíveis, baseando-se
se originou “realmente” o vírus ou a
distribuição real da infecção. Em vez
na crença de que as relações sexuais em
disso, vamos nos concentrar em como geral se iniciam em idade precoce e de que
são produzidas, estruturadas e sus- as doenças sexuais são disseminadas atra-
tentadas respostas diferentes para vés da poligamia.
essas questões, o que elas nos dizem Entretanto, nem todos os indivíduos
sobre a definição de “AIDS” e “África” compartilhavam dessas crenças. Kitzinger
e quais as consequências sociopo- e Miller referem-se a vários fatores que le-
líticas que carregam consigo. vavam as pessoas a duvidar do tratamento
da mídia. Entre eles estavam os seguintes:
Foram examinados mais de três anos contato pessoal com informações alterna-
de reportagens de noticiários da televisão. tivas de indivíduos ou organizações con-
Em uma dessas reportagens, foram apre- fiáveis, experiência pessoal de ser “bode
sentadas estatísticas sobre a infecção por expiatório”, experiência pessoal das condi-
HIV para toda a África e foi exibido um ções na África, a própria pessoa ser negra.
mapa da África com a palavra “AIDS” Os autores (1992, p. 49) concluem:
abrangendo todo o continente. O mapa
também tinha nele estampadas as palavras Nossa pesquisa mostra tanto o poder
“3 milhões de infectados”. da mídia quanto a penetração de ima-
No período de três anos, o único país gens culturais brancas da África ne-
a ser distinguido como diferente do resto gra; é fácil acreditar que a África é
da África foi a África do Sul. Na verdade, um reservatório de infecção por HIV
em certa ocasião, a África do Sul foi des- porque ela se “ajusta” a isso. Os jor-
crita como “de prontidão” contra uma in- nalistas baseiam-se nessas suposições
vasão do HIV por parte da África negra. culturais quando produzem reporta-
Em contraste, imagens de africanos negros gens sobre AIDS e África. Mas, assim
com AIDS foram usadas em todas as re- fazendo, estão ajudando a reprodu-
portagens de jornais estudadas. Além dis- zi-las e legitimá-las.
so, a disseminação da epidemia foi rela-
cionada a “valores sexuais tradicionais” ou, O estudo de Kitzinger e Miller tem um
de modo mais geral, à “cultura africana”. banco de dados muito maior do que meu
Para ver como estas imagens da mídia estudo de uma clínica médica. No entanto,
causaram impacto em sua audiência, fo- compartilha duas características comuns.
ram estabelecidos muitos grupos de discus- Primeiro, em ambos os estudos os pesqui-
são entre pessoas com determinadas ocu- sadores começaram sem uma hipótese. Em
pações (por exemplo, enfermeiras, poli- vez disso, como acontece em muitas pes-
Interpretação de dados qualitativos 35
quisas qualitativas, procuraram induzir e Como em outras pesquisas qualitativas, os
depois testar hipóteses durante a análise pesquisadores não confiavam nas expli-
de dados. Segundo, os dois estudos foram cações de comportamento que reduziam
direcionados pela suposição teórica de que a vida social a uma reação a “estímulos”
os fenômenos sociais derivam seu signifi- ou “variáveis”.
cado da maneira como são definidos pelos Consequentemente, foi dada prefe-
participantes. As duas características são rência a perguntas “abertas” a fim de se
encontradas nos dois próximos estudos entender os significados ligados ao uso do
apresentados. álcool por sua amostra. Por exemplo:
massa, desde os talk shows até “entrevis- A teoria proporciona uma estrutura para
tas de celebridades”. Talvez todos nós vi- o entendimento crítico dos fenômenos e
vamos no que poderia ser chamado de uma base para considerar como pode ser
uma “sociedade de entrevista”, em que organizado o que é desconhecido.
elas parecem fundamentais para dar sen- Os problemas de pesquisa são distintos
tido às nossas vidas (Atkinson e Silverman, dos problemas sociais.
1997). Podemos gerar problemas de pesquisa
Tudo isto significa que precisamos re- valiosos empregando três tipos de sensi-
sistir a tratar os métodos de pesquisa como bilidade: histórica, política e contextual.
meras técnicas. Isso está refletido na aten- Há quatro métodos principais usados
ção prestada neste livro à análise dos da- pelos pesquisadores qualitativos: obser-
dos, em vez de aos métodos de coleta de vação; análise de textos, documentos e
dados. imagens; entrevistas; gravação e trans-
A Parte 2 deste livro apresenta mais crição de interações que ocorrem natu-
detalhadamente cada método de pesqui- ralmente.
sa, e a Parte 3 retoma as questões de vali- Há um contexto societário mais amplo
dade e relevância que são referidas neste em que os métodos de pesquisa são lo-
capítulo. No entanto, antes de lidarmos calizados e organizados.
com as questões detalhadas, será útil, à luz
dos estudos discutidos, examinar o que
outros escritores disseram sobre as diferen- LEITURAS RECOMENDADAS
tes propriedades da pesquisa qualitativa.
Este é o tema do Capítulo 2. Os textos introdutórios mais úteis são
Clive Seale, Researching society and culture
(2004b), Alan Bryman, Quantity and quality
PONTOS PRINCIPAIS in social research (1988) e Niegel Gobert,
Researching social life (1993). Uma análise
O maior erro que os pesquisadores ini- qualitativa mais avançada é oferecida por
ciantes podem cometer é tentar um pro- Seale e colaboradores em Qualitatite research
jeto de pesquisa demasiado ambicioso. practice (2004), Miles e Huberman, Quali-
Tanto na ciência quanto na vida coti- tative data analysis (1984), Hammersley e
diana, os fatos nunca falam por si, até Atkinson, Ethnography: principles in practice
porque qualquer conhecimento está (1995) e Denzin e Lindoln, Handbook of
impregnado de teoria. qualitative research (2006).
Interpretação de dados qualitativos 41
Exercício 1.1
Discuta como você poderia estudar pessoas que fazem justiça com as próprias mãos
(“vigilantes”). Há alguma diferença entre sua proposta de estudo e um bom documentário
de televisão sobre o mesmo tema (isto é, há diferenças nas perguntas que você faria e a
maneira como testaria suas conclusões)?
Agora considere: (1) se estas questões e (2) que contribuição, se há alguma, a pesquisa
da ciência social pode dar a esses problemas sociais.
Exercício 1.2
Harvey Sacks (1992) apresenta um caso em que você observa um carro encostado
próximo de você. Uma porta se abre, e uma adolescente sai e dá alguns passos. Duas
outras pessoas (um homem e uma mulher) saem do carro. Saem correndo atrás da jovem,
pegam-na pelos braços e colocam-na de volta no carro que, em seguida, vai embora.
Agora, responda a estas perguntas:
1. Sem usar seu conhecimento de ciência social, prepare pelo menos duas inter-
pretações diferentes do que você viu. Pense se há algo que você deva informar à
polícia.
2. Examine pelo menos duas interpretações diferentes de seu comportamento se:
(a) você relata este caso à polícia; ou (b) se não o relata.
3. Agora use quaisquer ideias que conheça de sua própria disciplina para descre-
ver e/ou explicar o que você viu.
4. Considere: (a) se estas ideias podem lhe dar um quadro mais “preciso” do que
sua descrição em 1; e (b) até que ponto precisamos escolher entre as descrições
em 1 e 3.
Exercício 1.3
Volte à sua interpretação dos “vigilantes” no Exercício 1.1. Agora examine como você
poderia gerar diferentes problemas de pesquisa usando cada um dos três tipos de “sensi-
bilidade” discutidos no capítulo, ou seja:
histórica
política
contextual
Exercício 1.4
Uma vez mais se concentre nos “vigilantes”. Agora sugira que questões de pesquisa
podem ser tratadas por quaisquer dois dos quatro métodos discutidos no capítulo, ou seja:
observação
análise de textos, documentos e imagens
entrevistas
gravação e transcrição.
Agora considere: (1) quais são os méritos relativos de cada método ao lidar com este
tema; (2) o que pode ser ganho (se algo) com a combinação dos dois métodos (você
pode querer se dirigir à minha discussão de “triangulação” na Seção 8.3.2).