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A Vírgula e a luta contra a discriminação

(Domingos Oliveira Medeiros)

Já passava da meia noite quando perdi o sono. E nestas horas não adianta fazer nada. A não ser esperar.
Levantei-me da cama e fui até o quarto onde fica meu pequeno escritório. Passei os olhos pelos livros e não
achei nada que interessasse. Resolvi então sentar-me um pouco.

De repente aquela coisa pequena, mirrada, apareceu em cima da escrivaninha. Aproximei-me para olhar com
mais atenção. Parecia um sinal. Era um sinal. Um sinal de pontuação; mais precisamente uma vírgula. E ela
gesticulava como que querendo me dizer alguma coisa. Cheguei mais perto e consegui ouvir. A vírgula
também perdera o sono e queria alguém para trocar algumas idéias. Apresentou-se como sendo o presidente
de uma espécie de ONG voltada para o trato de questões que envolviam o uso e o abuso da pontuação, com
ênfase na vírgula.

Achei o caso interessante. E começamos o diálogo. Perguntei o porquê daquela associação. Como foi
fundada, como funcionava, qual seria sua missão, seus objetivos, enfim, estas coisas de sempre. E a vírgula
fez uma expressão de quem já esperava por aquelas perguntas. Perguntas que lhe dariam a chance de falar
sobre um tema que gostava e que dominava bastante. Tive a sensação de que essa conversa iria render
alguma satisfação, além de servir para passar o tempo enquanto o sono não chegasse. Uma maneira de unir o
útil ao agradável, como dizem.

A vírgula tomou a palavra e começou sua explanação dizendo que durante muito tempo vem acompanhando
o preconceito que existe em relação aos sinais de pontuação, mais especificamente em relação à vírgula. E
continuou dizendo que ia delimitar o assunto em torno da vírgula a fim de torná-lo mais compreensível.
Concordei com ela. E assim fomos nos entendendo.

Na verdade, até escritores famosos costumam agir de forma preconceituosa em relação à vírgula. E outros
não levam muito a sério o seu emprego correto. Dizem que não têm tempo e que, na maioria dos casos,
quando surgem as dúvidas, preferem não colocar a vírgula para errar menos. E alguns profissionais, como é
o caso dos jornalistas, alegam que este problema é da competência dos revisores, que são pagos pra isso. E
que eles se preocupam em usar a vírgula apenas nos casos em que o fato torne evidente a alteração do
sentido que se pretendia dar ao texto.

Por um instante passou-me pela cabeça a idéia de que talvez estivéssemos diante de mais um tipo de
machismo contra as mulheres. Desta vez contra a vírgula. Um machismo do tipo ortográfico, sei lá. O fato é
que em relação aos homens, no caso o ponto, não existe tanta polêmica. O ponto é sempre usado, de maneira
automática e racional, sem contestação. Ele é empregado, fundamentalmente, para indicar o término de uma
oração declarativa, seja ela absoluta ou derradeira de um período composto. E quando há um encadeamento
de períodos (simples ou compostos) pelos pensamentos que expressam, sucedendo-se uns aos outros, na
mesma linha, também usa-se o ponto, desta feita com a denominação de ponto simples.

E o ponto tem sido utilizado, ainda, pelos escritores modernos, no lugar onde os antigos poriam o ponto-e-
vírgula. É mais uma invasão do ponto no espaço feminino.
E não pára por aí. É grande o aproveitamento do ponto em detrimento da vírgula. Usa-se os dois-pontos, por
exemplo, para marcar, na escrita, uma sensível suspensão da voz na melodia de uma frase não concluída.
Não satisfeitos com os dois-pontos, criaram os três pontos, na horizontal, as chamadas reticências, com
função bastante parecida. Isto poderia ser considerado, sob o meu ponto de vista, verdadeiro nepotismo.
Empregar parentes para fazer, praticamente, a mesma coisa.

E o privilégio toma conotações assombrosas quando verificamos que até o ponto de interrogação tem um
pontinho logo em baixo. E o ponto de exclamação, idem. Sobra muito pouco emprego para a vírgula que, em
alguns casos, é até facultativa, o que demonstra o descaso e o desinteresse pelas vírgula, incentivando seu
desuso.
Até mesmo no caso de ponto-e-vírgula, sinal que serve de intermediário entre o ponto e a vírgula, o ponto
tem que estar junto. Neste sinal, quando a aproximação é mais para o ponto, segundo os valores pausais e
melódicos que representa no texto, chama-se ponto reduzido. E, ao contrário, quando a aproximação se dá
mais em relação à vírgula, chama-se vírgula alongada.

E assim nossa conversa fluía pela madrugada a dentro. Com o intuito de provocar a discussão, fiz-lhe uma
indagação um pouco maliciosa. Perguntei à vírgula como a Organização via os casos de escritores que,
apesar de não fazerem uso correto da vírgula, por qualquer motivo - de ordem material, pressa, ansiedade,
enfim -, tinham excelentes idéias e seus escritos transmitiam profundidade de raciocínio e alto conteúdo
criativo. Enquanto outros, a despeito de observarem rigorosamente a correta aplicação dos sinais de
pontuação, seus textos não se faziam profundos nem criativos, e em alguns casos não apresentavam qualquer
valor literário. E em outros casos, apesar da sinalização correta, eram incompreensíveis devido ao alto grau
de prolixidade.

A vírgula pensou um pouco e reconheceu que todos os exemplos relacionados realmente aconteciam, mas
que não prejudicavam o uso correto da linguagem, posto que se limitavam ao campo das exceções. Além do
mais, ditas exceções são passíveis de correção. No caso do jornalista, por exemplo, o revisor impede o mau
uso e, de igual modo, no caso do escritor, a editora não deixa por menos. Mas o problema existe, e precisa
ser tratado com rigor.

O ideal continua sendo a observância do uso correto de nossa língua, pois o uso incorreto sempre deixa
margem para desconfianças e denigre a imagem de pessoas e empresas que se utilizam da palavra escrita. O
uso incorreto da vírgula, em proporções diminutas, até que dá para suportar. Quem nunca cometeu, aqui ou
acolá, um escorregão? Mas se o conteúdo do texto é de boa qualidade, e desde que em pequenas proporções,
sem alteração do sentido da frase, até que é suportável aquele cisco na vista.

O que não se pode aceitar, por exemplo, é o abuso indiscriminado. A indiferença generalizada e constante
em relação ao uso incorreto da vírgula. Por analogia, seria como se estivéssemos diante de um muro bem
branquinho, pichado em preto e vermelho, com garranchos indecifráveis. Verdadeira poluição visual. Não
seria um texto digno de leitura. Do mesmo modo que uma pauta musical, já que estamos falando de melodia:
uma nota colocada em lugar errado quebra a harmonia da canção. Soará ruim aos ouvidos.

O ideal é ser rigoroso. Até porque a língua integra o conceito de nacionalidade. É por intermédio da
linguagem que nos comunicamos e nos afirmamos como Nação. E Nação, todos sabemos, é o agrupamento
humano, mais ou menos numeroso, cujos membros, geralmente fixados num mesmo território, se ligam por
laços históricos, culturais, econômicos e lingüísticos.

Assim, os que tiverem o talento inato da criatividade e das boas idéias, que façam um pequeno esforço
adicional e aprimorem o conhecimento da língua pátria, posto que, sem sombra de dúvidas, tal fato só virá a
enriquecer, ainda mais, sua produção literária, ampliando os recursos para expressar melhor suas idéias.
Pode-se começar com um bom dicionário e uma boa gramática. E o tempo, dedicado à leitura e à escrita,
encarregar-se-á de fazer o resto.

Neste instante, uma voz rouca, vinda não sei de onde, chamou pela vírgula. Era o ponto, seu marido, dizendo
que o barulho o incomodava. E que ele precisaria dormir pois no outro dia teria que estar preparado para o
trabalho. Que a gente encerrasse aquele bate-papo. E foi assim, obedecendo aos reclamos do maridão da
vírgula, que colocamos mais um ponto final na história, e fomos dormir.

Domingos Oliveira Medeiros

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