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2. O Antigo Regime
O discurso sobre o crime é homogéneo. Os teólogos, os filósofos e os juristas escrevem sobre
a questão criminal. Ao não distinguirem de modo claro a religião, a moral e o direito, vêem nela, ao
mesmo tempo, um pecado, uma falta e uma infracção. Explicam-na pela invocação indistinta de
Deus, Satanás, as paixões, as tentações, a perversidade e o pecado original.
O delinquente não é concebido como alguém diferente dos outros homens. Afirma-se a sua
liberdade e responsabilidade; não uma liberdade absoluta, mas a suficiente para justificar o castigo.
O castigo é explicado como qualquer outro pecado. O homem está condenado ao sofrimento e
à morte pelo pecado original que o corrompeu. Está votado ao mal desde o seu nascimento.
A visão pessimista de um ser humano mau e de um mundo habitado pelo mal acentua-se nos
séculos XV e XVI. O crime é explicado, em larga medida, pela paixão. O homem cede à tentação,
movido por um ímpeto que lhe domina o espírito.
A determinação da gravidade dos tipos de crime e de cada crime em particular era a questão
primordial para os antigos juristas. O direito penal antigo, com excepção do processo penal, era em
grande medida construído com base em numerosas e subtis distinções que procuravam ponderar a
gravidade das infracções. Quando a culpabilidade do acusado não oferecia dúvidas, estabelecia-se a
proporcionalidade entre a severidade da pena e a gravidade do delito.
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Escala de severidade das penas: execuções capitais acompanhadas de tormentos e suplícios;
forca, galeras, amputações, ferrete, reclusão em casa de correcção, chicote, pelourinho, retractação,
reparação do dano causado à vítima, multa e admoestação.
Como a honra é um bem tão precioso quanto a vida, quando mata em combate leal o ofensor
que o desonra publicamente, os juízes distinguem o homicídio cometido em resposta a injúrias e no
calor dos acontecimentos do homicídio premeditado cometido “à falsa fé” sobre vítimas indefesas.
Escala de gravidade dos furtos e roubos: assaltos a edifícios, roubos cometidos nas estradas
ou perpetrados por bandos de malfeitores, furto de charrua e furto de alimentos por necessidade.
Nos casos de reincidência, à terceira condenação por furto simples, o culpado corria o risco de
ser enforcado.
Entre os séculos XIII e XVI, a justiça francesa evolui no sentido do “arbitrário” do juiz. Goza
do poder discricionário de apreciação dos factos conforme os casos apresentados: móbil, modo de
execução do crime, comportamento e características da vítima, tempo, local, reincidência do autor,
antecedentes, reputação, idade.
Para esta análise, socorre-se da teoria das circunstâncias de S. Tomás de Aquino. O costume
local, a jurisprudência e a equidade permitem-lhe estabelecer a proporcionalidade mais justa entre a
severidade da pena e a gravidade real do delito.
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seus cofres com as multas cobradas e com os bens confiscados aos culpados de crimes graves. Ao
fazerem-no, reforçam o seu poder sobre os súbditos, garantindo que é feita justiça no seu território.
No século XV, em Artois, as decisões judiciais visam estabelecer um equilíbrio entre a ordem
pública e a vingança privada. O rei apenas concede a sua graça na condição de que a parte seja
satisfeita, isto é, de que o acusado e os que são próximos cheguem a acordo com a parte ofendida.
Assim, a solução reconhecida como justa pelas partes concorre para a pacificação da comunidade.
A função da pena é, pois, corrigir a injustiça derivada do dano causado pelo criminoso à
vítima. Visa a igualdade de proporção. Trata-se de uma questão de equilíbrio, de justiça comutativa,
de retribuição. É imperioso que a sentença não pareça, aos olhos das partes, demasiado injusta.
O juiz deseja que o castigo sensibilize os espíritos e aproveita a ocasião para avisar todos os
que se sintam tentados a imitar o culpado. É a exemplaridade. As festas punitivas constituem um
meio de vingar a autoridade escarnecida, uma exibição de poder, um meio de incutir obediência.
Se os magistrados do Antigo Regime apostam na severidade das penas é porque não possuem
meios para garantir a sua certeza: demasiados criminosos escapam à sua acção. A vigilância policial
e judiciária do território é irrisória. Só em último recurso um crime é participado às autoridades.
A reabilitação é uma questão religiosa e de justiça eclesiástica. É, antes de mais, a alma que
tem de ser reabilitada; acessoriamente, ajudar-se-á o pecador a retomar o seu lugar na sociedade.
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Segundo Garland, as noções usadas pelos teóricos e filósofos do Antigo Regime nada têm a
ver com as dos criminólogos contemporâneos. Ainda assim procuram responder a questões actuais.
Mas estão de volta neste final de século. Desde que Von Hirsch (1976) relança a retribuição
sob o “just desert” (justo mérito) e que estudos recentes sobre o “sentencing” demonstram que a
proporcionalidade guia com mão de ferro as decisões da justiça, já não é possível ao criminólogo
proceder como se as questões do justo e do injusto fossem relíquias do passado.
3. As Luzes
Ao longo da segunda metade do século XVIII, Montesquieu, Voltaire, Rousseau, Beccaria,
Bentham contribuem para a mudança das ideias sobre os delitos e as penas.
Montesquieu, filósofo sem espírito de sistema, amadurece longamente uma obra baseada na
sua experiência de magistrado no Parlamento de Bordéus e nas viagens pela Europa: O Espírito das
Leis (1748), que contém vários capítulos breves sobre as leis criminais e as penas.
Dezasseis anos mais tarde, Cesare Beccaria, sistematiza as ideias das Luzes sobre a política
criminal. É um espírito contemplativo, pouco atento às realidades concretas. A sua obra Dos
Delitos e das Penas exerce uma profunda influência, nomeadamente em 1791, quando os
revolucionários dotam a França de um código penal.
Em Inglaterra, Jeremy Bentham desenvolveria uma longa reflexão sobre a legislação, a moral,
os crimes e as sanções, utilizando um método dedutivo e classificatório rigoroso mas abstracto.
Nas cidades, os furtos e os roubos suplantam os crimes violentos. Londres, Paris e outras
grandes cidades atraem a riqueza, mas também os ladrões, que se aproveitam do anonimato para se
apoderarem dos bens expostos, cada vez mais numerosos.
Emerge a vontade de uma filosofia penal mais moderada e de uma administração da justiça
criminal mais regular. A resposta proposta pelos filósofos reformadores incide sobre:
- as finalidades das incriminações e das penas;
- a gravidade dos delitos;
- a dissuasão;
- a proporcionalidade.
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Bentham: “o delito é um acto que se considera dever ser proibido pelo mal que provoca ou
que pode provocar”.
A tarefa base do legislador é harmonizar os egoísmos que levam cada indivíduo a procurar a
felicidade por todos os meios. Assim, um governo sábio proíbe os actos de que resulte mais mal do
que bem e ameaça os autores potenciais com uma dor pelo menos igual ao prazer que obteriam.
A pena deve contribuir para felicidade da maioria, infligindo apenas o sofrimento necessário,
pela intimidação individual e geral. Sendo um mal necessário, deve ser usada com parcimónia.
Reagindo contra as ideias da época sobre a exemplaridade, Montesquieu propõe uma teoria da
dissuasão. É constituída por três proposições.
a) As penas moderadas e certas são mais eficazes do que os castigos terríveis.
A pena age sobre a imaginação e pelo sentimento de vergonha. Basta ser provável e exceder
ligeiramente o benefício do delito para ser eficaz.
As penas ditadas pelo Estado coabitam com muitas outras sanções que ora as complementam,
ora as contradizem. Como não controlam todos os aspectos da acção humana, não podem esperar
um grande efeito quando voltam uma lei que pune um acto recompensado pelo povo.
A teoria da dissuasão das Luzes sugere aos legisladores uma política simples e determinante:
- prescrever penas moderadas;
- respeitar os costumes;
- usar a incriminação com parcimónia;
- preferir a certeza à severidade.
Montesquieu afirma que, nos regimes republicanos, os juízes segue estritamente a letra da lei.
Beccaria retoma esta ideia, reforçando-a e conferindo-lhe um carácter dogmático para dela deduzir
o princípio da legalidade das penas. O único papel do juiz é a determinação da culpa do acusado.
Em França, sob a influência de Beccaria, o Código Penal de 1971 prescreve penas fixas para
cada categoria de delitos. O acusado ou é insuficiente ou excessivamente punido, ou, até, absolvido.
Representa uma regressão relativamente ao arbitrário do juiz do Antigo Regime.
A grande atenção concedida por Montesquieu aos factos não lhe permite a derivação para o
radicalismo e para o espírito de sistema, armadilha a que Beccaria e Bentham não escaparam.
Nenhum governo possui a informação necessária para realizar a maior felicidade para o maior
número. Ainda que o princípio da utilidade fosse o único válido de nada serviria, porque o governo
não conhece o suficiente para poder gerir a felicidade de todos e de cada um.
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4. O Século XIX
No século XIX, o crime torna-se objecto de ciência. Os Estados francês, inglês e belga criam
serviços especializados cuja missão é compilar estatísticas demográficas, sanitárias e económicas.
Ambos utilizam as recentes estatísticas criminais como indicadores do estado moral da França
e da tendência para o crime nos seres humanos. A tendência para o crime é, então, sinónima de
criminalidade, ao ser medida a partir do número de delitos cometidos num dado lugar e momento.
A constância do crime ao longo dos anos impressiona Guerry. Se os efeitos são proporcionais
às causas, casos uma sociedade não sofra mudanças no período de um ano, a criminalidade nesse
ano verificada deverá também ser semelhante à do ano anterior.
Com os discípulos Enrico Ferri e Raffaele Garofalo funda a revista Arquivos de Psiquiatria e
de Antropologia Criminal (1880).
c) Os comportamentos criminais estão sujeitos a leis deterministas que não deixam espaço ao
livre arbítrio. O crime não resulta da escolha nem do cálculo. O positivismo é um determinismo.
5. A Teoria de Lombroso
Para Lombroso, o delinquente é aquele que infringe as normas. Pertence a uma subespécie
primitiva do Homo Sapiens.
Existe um tipo criminal/criminoso nato distinto do homem natural por uma longa série de
estigmas físicos e de traços psicológicos:
- cérebro relativamente pequeno;
- maxilares enormes e lábios carnudos:
- queixo recuado e arcadas supraciliares salientes;
- braços muito longos;
- órbitas excessivamente grandes;
- cabelo abundante.
A fisionomia dos criminosos varia de acordo com os crimes cometidos. Por exemplo, o ladrão
teria olhos pequenos, móveis e inquietos, sobrancelhas espessas, nariz achatado e fronte fugidia.
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Ao longo das diversas edições de O Homem Delinquente são identificados e descritos vários
tipos de criminosos:
- o criminoso-nato;
- o louco moral e o epiléptico;
- o criminoso passional;
- o criminoso louco;
- e o criminoso ocasional.
O entusiasmo dos médicos pelo crime não se esgota no século XIX. Persuadidos da eficácia
da sua arte, aliam-se aos antropólogos para criarem uma zoologia do ser humano, cuja chave reside
no evolucionismo de Darwin.
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A ideia de examinar os crânios para neles descobrir os traços deixados pelas faculdades do
cérebro passa a ser moda, graças a F. J. Gall, fundador da Frenologia.
No âmbito da psiquiatria, Pinel afirma a existência da “mania sem delírios”: a perversão das
funções afectivas acompanhada por impulsos violentos sem alteração das funções do entendimento
ou da percepção.
No Tratado das Degenerescências (1857), Morel propõe-se explicar a loucura e o crime pela
degenerescência, desvio patológico relativamente ao tipo humano normal (desvio primitivo).
Os indivíduos e os seus descendentes degeneram devido a uma alimentação defeituosa, a
habitações insalubres, ao alcoolismo, à humidade excessiva.
Esta noção de atavismo surge n’ A Origem das Espécies (1857), de Darwin: toda a espécie
viva é o produto da sua evolução e espécies há cuja evolução foi interrompida.
Tal como Lombroso, Ferri estabelece muito cedo e em definitivo as suas conclusões:
- a rejeição do livre arbítrio;
- uma nova definição das funções do direito penal;
- uma nova etiologia do crime;
- uma classificação dos criminosos;
- uma teoria da prevenção fundada na noção de substitutos penais;
- e uma concepção original do sentencing.
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Para Ferri, o criminoso é socialmente responsável mesmo que não seja julgado moralmente
responsável. A reacção social justifica-se simplesmente porque ele é perigoso.
O enorme determinismo que para os positivistas pesa sobre os criminosos mais perigosos não
permite ter esperança na sua correcção. Por isso preferem a neutralização sob a forma de eliminação
física, de deportação, de prisão perpétua ou de internamento em asilo por período indeterminado.
É um sofisma pretender definir o crime como uma entidade abstracta e o criminoso como uma
realidade concreta. Há uma noção abstracta de crime e de crimes concretos, tal como há uma noção
abstracta de criminoso e de criminosos de carne e osso.
Pretender que a ideia de justiça é uma abstracção metafísica ultrapassada é redutor e contrário
à evidência. Ainda hoje o sentimento de justiça está presente em todos nós.
Se qualificarmos de cientista a posição pela qual todos os problemas humanos sem excepção
podem ser resolvidos pela ciência, então o positivismo é um cientismo:
- pretende determinar toda a política criminal, mesmo nos seus fins e valores;
- despreza a reflexão filosófica sobre o justo e o injusto, sobre os direitos e as liberdades, a
responsabilidade e a culpa, o bem e o mal.
Numa democracia digna, o sistema de justiça penal protege a sociedade contra os criminosos
bem como o cidadão contra o poder do Estado. As questões de política criminal são decididas no
termo de um debate onde são ponderadas as exigências da secularização, dos direitos individuais, da
ordem pública e da justiça.
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6. A Criminologia no século XX
No século XX, o positivismo perpetua-se na criminologia clínica bem como nos estudos sobre
as diferenças entre delinquentes e não delinquentes. Está, no entanto, sujeito a permanentes críticas
por parte dos sociólogos.
No século XX são distinguíveis cinco correntes incidentes sobre objectos de estudo particular:
a) A criminologia clínica e o estudo das carreiras criminais.
Propõe-se estudar o delinquente enquanto indivíduo e o desenvolvimento do comportamento
delinquente, desde a emergência até ao abandono da carreira criminal.
Na esteira dos positivistas italianos realiza o estudo clínico da personalidade dos delinquentes
e comparações sistemáticas entre delinquentes e não delinquentes.
O método empírico estuda a inclinação para o crime em grupos de delinquentes conhecidos.
Os factos observados são explicados em termos multifactoriais: psicologia, ordem familiar.
Entre 1935 e 1960, a criminologia de língua francesa é dominada por Étienne de Greeff.
Influencia J. Pinatel, C. Debuyst, A. Hesnard e M. Fréchette. Afasta-se dos positivistas, procurando
ver os delinquentes como eles se vêm a si próprios.
Pelo contacto com inúmeros homicidas estuda o processo psicológico que conduz ao crime
passional. Insiste na ideia de que o processo de passagem ao acto se desenvolve no tempo.
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Ambivalentes, vivem num estado de tensão extrema. Dormem mal e comem mal. O contacto
com a realidade deteriora-se e sofrem. Basta um gesto menos feliz ou uma provocação por parte da
eventual vítima para que as últimas inibições caiam. O campo de consciência estreita-se e entram
num estado de transe. Atacam de modo violento e desferem repetidos golpes na companheira.
Este desenlace fatal só é possível ao cabo de um processo que tenha conduzido o homicida a
desvincular-se da mulher que diz amar e a desinteressar-se do seu próprio futuro. É o processo
suicida. Num desespero crescente, o eventual homicida perde o gosto de viver, desinveste de tudo
aquilo a que estava ligado. A ideia de acabar os seus dias na prisão deixa de lhe fazer medo.
Indiferente a tudo, torna-se capaz de tudo.
Adopta relativamente aos outros, uma atitude reivindicativa e de autojustificação que resulta
na recusa de se comprometer socialmente. Persuadido de que os seus próprios crimes são actos de
justiça, legitima-os e convence-se de que é mais justo e mais honesto do que aqueles que o julgam.
Pinatel (1963-1974) afirma que existe apenas uma diferença de grau entre delinquentes e não
delinquentes. Distinguem-se das pessoas normais em quatro dimensões:
- o egocentrismo;
- a labilidade;
- a agressividade;
e a indiferença afectiva.
Estes quatro traços têm de estar todos presentes para que um crime grave aconteça.
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O egocentrismo é a incapacidade de julgar um problema moral de um ponto de vista que não
seja estritamente pessoal e a propensão para reagir com desprezo e cólera à frustração. Permite ao
delinquente convencer-se da legitimidade do acto e ficar indiferente ao opróbrio dele decorrente.
A indiferença afectiva consiste numa carência de emoção altruísta e simpática que torna o
delinquente insensível ao sofrimento da vítima e incapaz de sentir culpa. Pode resultar de carências
educativas ou constitucionais ou, ainda, de um processo de desinvestimento afectivo.
A teoria de Pinatel é uma análise dos traços de personalidade que distinguem os delinquentes
dos não delinquentes e uma descrição das atitudes psicologias que permitem a execução do crime
grave. Precisamente por isso, não escapa à tautologia: o que serve para explicar o crime está contido
no próprio crime.
Síntese: os delinquentes persistentes têm traços de personalidade que os distinguem dos não
delinquentes. São impulsivos, agitados, extrovertidos, egocêntricos e temerários. Os distúrbios de
comportamento e a pequena delinquência se manifestam bastante cedo em rapazes, que mais tarde,
se tornam delinquentes crónicos.
Entre os 8 e os 14 anos perturbam as aulas, faltam à escola e cometem pequenos furtos. Mas
se os delinquentes crónicos no final da adolescência apresentam distúrbios de comportamento na
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infância, a maioria das crianças dotada destes problemas não se torna delinquente. Neste sentido, o
comportamento delinquente é apenas moderadamente previsível.
b) A tradição durkheimiana.
Na esteira do pensamento de Durkheim, alguns sociólogos conceberam a criminalidade como
consequência de uma falha da organização social:
- ruptura do laço social;
- erosão da força coerciva das normas sociais;
- indisponibilidade de meios para realizar os fins propostos pela sociedade.
A noção de suicídio egoísta pretende explicar actos importantes revelados pelas estatísticas
europeias. As taxas de suicídio são:
- mais elevadas nos protestantes do que nos católicos ou nos judeus;
- mais elevadas nos celibatários do que nos casados com filhos;
- mais elevadas em tempo de paz do que em períodos de guerra ou de revolução.
É o que acontece na delinquência juvenil, explicada pelo enfraquecimento do laço que deveria
unir o adolescente à sociedade. As componentes deste laço seriam:
- uma vinculação a outrem que motive o indivíduo a ter em conta as suas expectativas;
- o envolvimento do adolescente num projecto académico ou profissional que lhe dê motivos
para evitar as faltas que poderiam comprometer a sua realização;
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- a implicação em actividades que lhe deixem pouco tempo para a ociosidade;
- a crença, isto é, a convicção de que as leis devem ser respeitadas.
A anomia é utilizada por Durkheim para explicar outra série de factos relativos ao suicídio:
- o número de mortes voluntárias aumenta em fases de mudança económica brusca (períodos
de crescimento rápido e fases de recessão);
- é relativamente elevado no mundo do comércio e indústria e entre os divorciados e viúvos;
- a instabilidade económica ou familiar produz anomia, isto é, as normas sociais perdem o seu
poder de coerção.
Contrariamente às necessidades físicas que são reguladas pelo organismo, os desejos sociais
não conhecem limite natural. Têm de ser refreados pela sociedade, para não se tornarem insaciáveis.
Esta regulação social das aspirações só ocorre se existir um mínimo de estabilidade social.
Num artigo célebre, Estrutura Social e Anomia (1938), Merton retoma a noção de anomia,
mas fá-la evoluir num sentido muito diferente do conferido por Durkheim.
Segundo Merton, os homens tendem à realização dos objectivos que a sociedade estabelece.
Nos EUA, esses objectivos são aceites pela maioria e a sociedade exerce intensa pressão para
que sejam atingidos a qualquer preço. São definidos em termos monetários, constituindo o dinheiro
a medida do sucesso social. Só os fins da competição contam. Todos os meios são bons.
Esta última conduz facilmente à desviância. O inovador adere em absoluto aos objectivos
sociais do sucesso e decide atingi-los custe o que custar. As normas, nas quais a sociedade não
insiste, são por ele ignoradas. A inovação pode tomar a forma da fraude, desvio de fundos, furto.
Para Merton, esta solução é frequente nos estratos sociais mais baixos, onde as pressões para
o desvio são mais fortes.
A tese de Merton, Cloward e Ohlin esbarra com um facto demonstrado: os delinquentes têm
aspirações menos elevadas do que as dos pares não delinquentes.
A delinquência juvenil banal revela-se uma actividade gratuita, lúdica e hedonista. Constitui,
antes, um meio fácil e expedido de satisfazer o desejo imediato, de proporcionar o prazer associado
a sensações fortes, de jogar com o perigo, de reagir a um ataque ou de vingar uma ofensa.
c) Os conflitos de cultura.
Sob a influência do culturalismo, o crime é tido como comportamento normativo, aprendido e
transmitido aos jovens. Examina ainda a influência exercida pelo grupo delinquente nos membros.
Este modo de pensar tem em Gabriel Tarde um precursor. Legou-nos também estudos finos e
lúcidos sobre uma grande diversidade de temas, nomeadamente sobre a responsabilidade, a pena, a
evolução da criminalidade e sobre o duelo.
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Mas é sobretudo conhecido pela teoria da imitação. A imitação-moda consiste na propagação
de novos modelos de comportamento a partir de um primeiro exemplo de que todos falam. É o caso
da vendetta na Córsega. O mimetismo explica, pois, a similitude dos procedimentos empregues
pelos malfeitores de uma mesma região e de uma mesma época.
Em Paris, em 1875, a viúva Gras lançou vitríolo (ácido sulfúrico) ao rosto do volúvel amante.
Os jornais fizeram grande alarido em torno do caso, verificando-se, em seguida, uma série de casos
de mulheres que vitriolizaram o marido ou o amante.
Meio século depois, o americano Sutherland defende, em termos diferentes, uma tese que faz
lembrar a de Tarde.
Qualquer cultura comporta um conjunto coerente de normas e valores que modela não só a
personalidade como orienta os comportamentos.
Este tipo de conflito produz híbridos culturais que interiorizaram duas séries normativas
contraditórias. A confusão pode levá-los ao crime.
Numa sociedade integrada há uma grande convergência entre os valores morais, os costumes
e a lei. Em sociedades não integradas, as subculturas e as contraculturas legitimam condutas opostas
aos valores comuns à sociedade global. As leis e sanções são entendidas por certos grupos como
instrumentos de opressão. Entre umas e outras, encontram-se as sociedades parcialmente integradas.
Gassin explica a criminalidade actual pela erosão do consenso que outrora existia em torno
dos valores essenciais. Sob o efeito da fragmentação dos valores éticos, a lei penal e os interditos
perderam significado, tornando ineficazes as medidas de controlo social e desregulando os sistemas
de política criminal.
O culturalismo dá-se mal com o facto de as regras morais que sustentam as proibições centrais
dos códigos penais não variarem nem de sociedade para sociedade, nem de grupo social para grupo
social. O furto e o homicídio são objecto de censura onde quer que seja.
As teorias culturais repousam sobre o postulado de que os seres humanos são conformistas.
Os delitos que praticam constituíram gestos conformes a normas sociais distintas daquelas pelas
quais são julgados. Ora, estes seres humanos hipersocializados e à mercê das pressões sociais são
bastantes improváveis. Estão muito longe dos homens que observamos quotidianamente.
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Se os únicos factos que apoiam as teses miméticas ou culturalistas são casos de difusão de
crimes semelhantes, não escapamos à tautologia: a imitação não é medida independentemente das
condutas ditas imitativas, e as subculturas são inferidas dos próprios comportamentos desviantes
que pretendemos explicar. Estamos, assim, em presença de proposições verdadeiras por definição.
Durante os anos 60 e 70, a sociologia da reacção social à desviância afirma-se e exerce uma
efectiva influência na criminologia. Este paradigma é conhecido sob, pelo menos, dez designações:
- interaccionismo;
- sociologia da desviância;
- teoria da etiquetagem;
- criminologia crítica;
- criminologia radical;
- sociologia penal;
- abolicismo;
- nova criminologia;
- pós-modernismo
- construtivismo.
Os autores que se inscrevem nesta corrente lembram que a existência de um crime se deve à
existência de uma lei. O processo de definição social da desviância é crucial. Determinados actos
são considerados criminosos por alguns, enquanto para outros são toleráveis.
Estas teorias têm um objecto bastante diferente do da criminologia tradicional. A sua variável
dependente deixa de ser o crime ou o criminoso e passa a ser a reacção social à desviância.
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Antes os criminólogos escreviam abundantemente sobre as leis penais, sobre as prisões, sobre
as medidas penais e a sua eficácia e sobre a prevenção. Mas tratavam estas matérias como variáveis
independentes ao pretenderem saber se as leis e as medidas penais produzem o efeito desejado.
Estamos assim na presença de uma criminologia crítica que recusa a legitimidade do direito
penal. Os construtivistas e abolicionistas afirmam que o problema reside no próprio sistema penal.
Vêem-no como máquina inútil, geradora de sofrimento, de desigualdades, de exclusão. Propõem-se
desmistificar a própria noção de crime, concebida como um instrumento de dominação de classe.
O que designamos por crime é um mero produto da reacção social. Qualquer acto pode ser
desviante. Basta que uma regra o proíba e que, por via disso, seja sancionado. Um criminoso não é
mais do que alguém que foi classificado como tal.
O crime explica-se pelas definições sociais que lhe conferem existência. O olhar que distingue
o crime do não-crime é arbitrário e discriminatório. Por ser arbitrário, a desviância é relativa. O
crime universal não existe porque não há consenso sobre os valores, e porque a criminalização é um
meio de defender interesses sectoriais. Para os construtivistas, as culturas são relativas.
Vold, Turk, Quinney e Foucault denunciam a ilusão que consiste em pensar que o direito, a
polícia e os tribunais estão ao serviço do bem comum. Vêem estes dispositivos como instrumentos
utilizados pelas classes dominantes para fazerem prevalecer a sua concepção particular de bem e de
mal e para dominarem os seus adversários.
Lemert criou o termo “desviante secundário” para designar aquele que tem de viver com a
estigmatização. Tendo perdido o seu trabalho e vendo que todas as portas lhe são fechadas, será
impelido ao roubo. Não podendo suportar o desprezo e a hostilidade que marcam as suas relações
com os conformistas, preferirá a companhia de outros desviantes.
O processo de etiquetagem convence-o de que o seu destino é tornar-se naquilo que os outros
vêem nele, isto é, no malfeitor que merece castigo. O processo de etiquetagem devolve, assim, ao
desviante uma imagem de si mesmo negativa e sem esperança.
Que pensar da proposição segundo o qual o crime é uma construção sociojurídica? Das duas
uma: ou significa que o crime é um acto julgado como tal e estamos perante um truísmo, ou, então,
que os juízos que presidem à construção do crime são artificiais e não fundados e, então, é apenas
uma meia verdade.
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Esta última ideia é aceitável quando estão em causa actos como aborto, a itinerância, a posse
de droga, a eutanásia, a prostituição ou a pornografia, uma vez que a natureza criminal é polémica.
Demonstrou-se por diversas vezes que as decisões penais são principalmente determinadas
pela gravidade do delito e pelo peso dos antecedentes criminais. O peso estatístico relativo da classe
social, da raça e do sexo é negligenciável. O valor explicativo da hipótese da discriminação é, por
isso, reduzido.
Os abolicionistas partem de uma premissa. Dão como adquirido que a eficácia do sistema
penal é quase nula e que, em contrapartida, os seus efeitos negativos são consideráveis. Deixam
entender que a abolição das prisões, polícia, tribunais e da noção de crime teria efeitos globalmente
benéficos, e que a impunidade resultante não encorajaria o cometimento de mais crimes.
Ignora uma evidência: se os delinquentes que acumulam actos violentos num passado recente
são deixados em liberdade, o cometimento de novos crimes, além de ser bastante provável, seria
escandaloso, já que poderia ter sido prevenido.
Mas se a presença de um delinquente motivado é uma condição necessária ao delito, ela não é
suficiente. A fixação exclusiva no delinquente, herdada dos positivistas, fazia esquecer que o acto
criminal não depende apenas dele mas também de condições extrínsecas a que tem de se adaptar.
3 – Nos indivíduos ainda não envolvidos num estilo de vida anti-social, a passagem ao acto
exige uma libertação prévia face às determinações que inibem os seres dotados de um mínimo de
sentido moral. Para se defender do sentimento de culpa, o criminoso alimenta o sentimento de que
foi vítima de grandes injustiças, o que serve de justificação e desculpa na passagem ao acto.
4 – Os actos delituosos distinguem-se das acções humanas não delinquentes. Estas últimas são
coerentes, no sentido de que a utilidade esperada é superior ao custo que envolve. Em contrapartida,
entre os actos delituosos, encontramos inúmeras condutas de risco e comportamentos marcados pela
incerteza (deixar-se ir ao sabor dos acontecimentos, abandonar-se à sorte).
7. O Crime e a Criminologia.
O crime impõe a todos os espíritos a sua incómoda presença. O sistema erigido contra esta
ameaça, por sua vez, não é mais discreto. As prisões, os tribunais, os serviços de polícia e segurança
dificilmente passam despercebidos.
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A razão de ser da criminologia é tornar inteligíveis tanto estes comportamentos como estas
instituições tal como descrever, compreender e explicar de que é feito o fenómeno criminal.
Os nossos contemporâneos não podem iludir as questões colocadas pelo crime, tanto mais que
ele parece fazer parte integrante da modernidade. O elevado número de furtos, de roubos e de casos
de tráfico de drogas, que afecta os grandes países ocidentais, está intimamente ligado à abundância
de bens, ao anonimato das cidades, à livre circulação de bens e de pessoas e à própria liberdade.
8. A Noção de Crime.
Os criminólogos não estão sujeitos às limitações de vocabulário que pesam sobre os juristas,
utilizando mais ou menos indistintamente os termos crime, delito, delinquência e infracção, embora
prefiram o primeiro para designar os factos graves.
Todas as sociedades e grupos humanos dotados de certa permanência criam as suas próprias
normas: regras de conduta cuja transgressão é passível de sanção. Como exemplo maior temos as
regras de boa educação
.
O conteúdo das normas sociais tem tendência para variar segundo os países e as épocas.
A desviância consiste na transgressão de uma norma social. O sujeito que adopta de modo
prolongado uma conduta desviante tende a ser, ou a tornar-se, um marginal: ou está mal integrado
no grupo de que faz parte, o que o torna insensível à reprovação, ou é lançado para as margens do
grupo devido às suas repetidas transgressões.
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Os sociólogos realizam estudos sobre diversas formas de desvio: o suicídio, o consumo de
droga, a feitiçaria e as doenças mentais. Insistem na ideia de que os grupos sociais criam desviância
ao produzirem e aplicarem as normas. Desenvolvem as noções de estigmatização ou de etiquetagem
para descrever o processo onde o sujeito é definido e marcado como desviante e excluído do grupo.
A delinquência, nas suas diversas manifestações, constitui uma forma de desviância pois faz
parte dos actos que transgridem as normas e que são sancionados.
Noção jurídica de infracção: “Designamos por crime todo o acto punido e fazemos do crime
assim definido o objecto de uma ciência especial, a criminologia”,
Noção jurídica de crime: “todo o acto previsto como tal pela lei, dando lugar à aplicação de
uma pena por parte da autoridade superior”.
Estas definições oferecem um critério operacional bem trabalhado por gerações de juristas. A
pena prevista e, sobretudo, a pena efectivamente aplicada é um facto social (e não apenas jurídico)
dotado de uma objectividade indiscutível. As leis que criam os crimes não escapam às suspeitas que
pesam sobre toda e qualquer forma de poder.
A par da criminalização de actos cujo carácter criminal é pouco contestado, como a violação,
o banditismo e o homicídio, outros há que suscitam fortes dúvidas.
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Gassin esforça-se por distinguir na acção criminal uma especificidade que não reside apenas
no texto da lei mas também em proibições com valor universal.
Afirma que o direito das incriminações resulta na produção de crimes artificiais mas também
pode ter origem num dado normativo preexistente na consciência comum.
A sociedade humana considera ilegais duas categorias de meios que os indivíduos utilizam
para atingir os seus fins: a violência e a astúcia. A violência compreende actos como o homicídio,
as ofensas à integridade física e os atentados contra a vida por imprudência. A astúcia, que não deve
ser confundida com a habilidade, traduz-se na fraude, na burla e no furto.
Os autores de tais actos obtêm vantagem às custas dos outros e contra a vontade deles, através
da mentira, de subterfúgios ou agindo de modo dissimulado.
A ideia de que um direito penal bem estabelecido exprime e codifica normas preexistentes
fundadas em justiça nada tem de extraordinário. Os inquéritos sobre a percepção da gravidade das
infracções lançam uma luz inesperada sobre a noção comum de crime e as razões da sua existência.
Trata-se de um questionário que contém uma longa lista de descrições curtas, mas precisas, de
infracções. Os inquiridos tinham de comparar a gravidade do enunciado apresentado com a de um
enunciado base e tinham de dizer quantas vezes ele é mais ou menos grave.
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O interesse deste método reside no facto de ele nos permitir apreender indirectamente a noção
de crime, tal como é pensada pela consciência colectiva. A gravidade indica em que medida um
acto é considerado censurável e, portanto, em que medida é percepcionado como criminoso.
Destes inquéritos emerge um facto determinante: o notável consenso dos inquiridos acerca da
ordem de gravidade das infracções.
Síntese: a criminalização dos furtos, dos roubos, das fraudes, das agressões unilaterais e dos
homicídios contribui para a solução de dois grandes problemas sociais: o desequilíbrio injusto das
relações sociais e o medo do outro.
9. O Método da Criminologia.
Se a criminologia se definisse só pelo seu objecto, seria difícil distingui-la do direito penal.
No entanto, ela caracteriza-se também sua ambição científica.
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Os criminólogos dizem-se empiristas e reivindicam-no ao cultivarem um saber fundado na
observação e na experimentação.
A investigação empírica mantém um diálogo constante com o trabalho teórico, que interpreta
os seus resultados e os integra um todo coerente.
Uma teoria pode ser definida como sistema de proposições verificáveis, não contraditórias e
compatíveis com os conhecimentos já adquiridos.
Não despreza nenhum instrumento das ciências sociais: questionário, inquérito, entrevista,
observação participante, exame clínico, análise de estatísticas administrativas, etc.
Todavia desenvolveram os seus próprios instrumentos de trabalho:
- inquéritos sobre a gravidade das infracções;
- inquéritos de vitimação;
- inquéritos sobre o sentimento de insegurança;
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- inquéritos de delinquência auto-revelada.
As confissões e as motivações dos delinquentes são também objecto de recolha por parte dos
clínicos, polícias, jornalistas e biógrafos.
As descrições clínicas, os relatórios de inquéritos, os artigos e livros que daí resultam são, por
sua vez, objecto de análise e de interpretação por parte dos criminólogos.
Nos tráficos, como no tráfico de droga, não há vítima no verdadeiro sentido da palavra.
Ao longo do drama, cada personagem replica às outras, num jogo de influências recíprocas.
Cada um desenvolve estratégias para neutralizar, dissuadir, persuadir ou utilizar os outros. Destas
influências entrecruzadas resulta uma dialéctica que determina o desenrolar e o desfecho do drama.
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As fragilidades da prevenção permitem crimes cujos autores são objecto de repressão. Os
elementos constitutivos do fenómeno criminal estão ligados entre si por relações de dependência
mútua porque os seus actores são seres racionais que se adaptam e que se ajustam uns aos outros.
Desta causalidade circular resulta um todo que constitui um sistema: se uma parte do todo
mudar, o resto tenderá também a mudar.
11. O Delinquente.
Quem é o delinquente?
Respostas de inspiração positivista:
- Segundo a teoria da personalidade criminal, os criminosos típicos distinguem-se das pessoas
normais por um conjunto de traços que explica a tendência para o crime: incapacidade de controlo,
insensibilidade, egocentrismo, irresponsabilidade, fixação ao momento presente, reincidência;
- A teoria da personalidade criminal não tem muito a dizer sobre a delinquência ocasional da
maioria, sobre as flutuações do crime em função da idade, sobre a distribuição em função do sexo;
- A noção de estilo de vida delinquente pode ser entendida numa acepção particular (descrição
precisa de um meio criminal situado no tempo e no espaço) e numa acepção geral (uso de uma série
de monografias semelhantes para estabelecer traços comuns aos modos de vida dos delinquentes).
O historiador faz reviver o mundo das prostitutas, dançarinas, proxenetas, homens elegantes,
burgueses, artistas, anarquistas, assaltantes e assassinos, coexistentes num deboche de espectáculos,
de prazeres, de gatunice e de violência.
O Montmartre do prazer desperta à hora em que as pessoas decentes se preparam para dormir,
adormecendo pouco antes de estas acordarem. Os seus lugares de eleição são os bailes, as salas de
espectáculo, os bares, os restaurantes nocturnos e os hotéis situados nas redondezas das avenidas de
Rochechouard, de Clichy e da Chapelle e nas praças Blanche e Pigalle.
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O seu carácter particular perpetuou-se muito tempo porque o Milieu soube comercializar o
prazer e em Paris nunca faltou a procura de gozo, de festa, de atordoamento e de embriaguez.
O Montmartre do crime revela o proxenetismo bem como uma espantosa variedade de furtos,
de burlas e de violências que podem ir até ao homicídio. Os assaltos, os roubos de jóias, e outras
gatunices são frequentes, até porque há que financiar uma vida proibitiva.
Os germes desta maneira de estar são observáveis desde cedo nos jovens delinquentes. Esta
caracteriza-se pela aceitação consciente de um modo de estar que a lei reprime e pela quebra de
qualquer vínculo interpessoal que ponha em perigo o envolvimento na actividade delinquente.
O prazer em que Chevalier insiste não se limita ao gozo sexual e não se reduz ao hedonismo.
Juntam-se-lhe a embriaguez alcoólica, a euforia proporcionada pela cannabis ou pela cocaína e a
vertigem da dança. A própria actividade criminal constitui um meio de experimentar tais emoções.
Apesar de ser mais ou menos capaz de se proteger do exterior, o Milieu permanece vulnerável
internamente, pois os seus membros estabelecem entre si relações pautadas pela competição, pelo
conflito e, frequentemente, pela violência.
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Pinatel, Gottfredson e Hirschi, Wilson e Herrnestein insistem no presentismo do delinquente
típico. Não é capaz de guardar o passado na memória, nem tomar em consideração o futuro. O seu
horizonte temporal está desesperadamente bloqueado.
O delinquente habitual diz uma coisa e faz outra. Age tão impulsivamente que o observador
fica com a impressão de que o gesto precede o pensamento. Quando se encontra sob stress ou se
sente frustrado perde o controlo e pratica actos de que depois se arrepende. Só raramente planeia as
suas acções. Os dissabores passados não o impedem de repetir os mesmos erros.
As carências cognitivas têm quase sempre origem em graves lacunas educativas. A vigilância
parental é gravemente lacunar. São indiferentes, desatentos e negligentes. Os pais não se ocupam da
criança ou alternam imprevisivelmente entre o excesso de clemência e a severidade. A criança é
rejeitada pelos pais. Ela própria está pouco vinculada aos pais. Esta não-educação resulta, por sua
vez, de graves perturbações da família ou dos pais: alcoolismo, criminalidade ou ausência do pai.
Segundo Peterson e Hirschi, para os filhos terem um bom comportamento, os pais devem:
- estar atentos ao que lhe acontece e aos seus comportamentos;
- perceber os actos repreensíveis dos filhos e reconhecê-los pelo que eles são;
- punir os actos desviantes.
Pelo menos uma destas condições está ausente em pais de delinquentes reincidentes. Ainda
que reconheçam as falhas dos filhos, agem negligentemente ou não ousam sancioná-las.
c) A imitação consiste no facto de um sujeito realizar o gesto que viu realizado por outrem.
A força da influência do exemplo deriva do prestígio do modelo, comportamento observado e
suas consequências. Esta variável pode ser medida através de questionários, calculando o total das
pessoas admiradas a quem o sujeito viu realizar o acto desviante.
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O modelo de Akers é válido para os desvios menores, sobre os quais as opiniões variam, mas
não é certo que o seja para os crimes graves.
No estado actual do conhecimento, uma teoria da influência exercida pelos delinquentes sobre
os seus pares repousa em quatro proposições:
1. A instigação.
A maioria dos delitos cometidos por dois ou mais indivíduos não teria ocorrido se estes não
tivessem sido iniciados por um delinquente experiente.
2. A aprovação.
Um delito cometido na presença de outros delinquentes tende a proporcionar maior prazer do
que o cometido a solo, já que as testemunhas tenderão a manifestar a sua aprovação.
3. A eficácia.
A co-delinquência oferece aos participantes melhores possibilidades de sucesso imediato do
que a actuação individual mas, a prazo, expõe-nos à delação. O inventário das possibilidades é
singularmente limitado para o delinquente que opera só. A eficácia e a exequibilidade de diversos
crimes é assegurada por um saber-fazer e por técnicas que se aprendem mais facilmente com outros.
Mas não é seguro que, a prazo, a co-delinquência constitua um bom negócio. São muitos os
que costumam gabar-se dos feitos, que delatam e que acabam por desabafar e aliviar a consciência.
4. As justificações.
A sociabilidade delinquente estimula a produção de justificações, racionalizações, desculpas e
negações que neutralizam a autoridade das proibições sociais.
A morfologia social da delinquência constitui o estudo das formas de sociabilidade que ligam
os indivíduos que cometem delitos com uma certa frequência. As suas relações podem ser descritas
através de três noções:
- a co-delinquência, que consiste na relação de cumplicidade que une dois ou mais indivíduos
que cometem um delito;
- a rede, que engloba todas as relações directas e indirectas que unem, num dado território, os
membros de uma população delinquente;
- e o gang, que constitui um grupo relativamente estável de jovens delinquentes.
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O termo co-offending foi criado por Reiss para designar relações de cumplicidade que unem
as pequenas equipas de dois, três ou quatro participantes num mesmo delito. A co-delinquência faz
aumentar a frequência de delitos cometidos por cada indivíduo. Ao revelar-se um angariador activo,
o delinquente crónico exerce um considerável efeito precipitante sob a criminalidade.
Num dado território, uma rede delinquente completa é formada pelo conjunto de relações
directas e indirectas de co-delinquência. A rede pessoal de um delinquente é o conjunto das relações
directas e indirectas de co-delinquência por ele estabelecidas. A rede das relações indirectas será já
bastante alargada e tornar-se-á considerável se incluirmos os amigos dos amigos.
Segundo Granovetter é útil distinguir, no seio de uma rede, laços fortes e laços fracos. A força
dos laços interpessoais varia em função do tempo que as pessoas passam juntas, da frequência dos
contactos, da intimidade das relações e da sua reciprocidade.
Paradoxalmente, os laços fracos têm uma força surpreendente. As relações estabelecidas com
meros conhecidos (laços fracos) são superficiais, mas contribuem para alargar a rede,
Os delinquentes persistentes passam muito tempo na companhia dos seus pares, mas mudam
constantemente de cúmplices. Esta morfologia social tem a vantagem de facilitar a circulação de
informações sobre as oportunidades e as novas técnicas criminais. Estas redes são praticamente
indestrutíveis. Quando muito, a polícia conseguirá desmantelar um dos seus ramos.
Relativamente aos inconvenientes, o carácter não organizado deste tipo de rede inviabiliza as
actividades criminosas que exijam uma coordenação de esforços entre vários elementos. Resultado:
uma criminalidade medíocre e rudimentar. Por outro lado, a rede aglutina marginais com a mesma
idade, circunscrevendo os seus membros a um mundo homogéneo.
A maior parte dos delinquentes não faz parte de grupos estruturados. No entanto, ainda que a
contribuição dos gangs para a criminalidade total seja ténue, são relativamente violentos, provocam
insegurança considerável e constituem embriões de verdadeiras organizações criminosas.
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Entre os criminólogos não existe unanimidade quanto à definição de gang.
Uma outra forma de definir o gang passa pela enumeração das suas características:
- O gang delinquente é composto principalmente por adolescentes do sexo masculino a quem
se juntam alguns jovens adultos;
- As minorias étnicas e os imigrantes estão sobrerrepresentados na sua composição;
- O gang é um conjunto não estruturado de pequenas equipas e de pares;
- Quase todos os gangs têm uma base territorial;
- A pertença a um gang é flutuante e a sua dimensão é muito variável: entre cinco elementos e
várias centenas, sem que se verifique uma tendência central.
A actividade criminal dos gangs é marcada pela versatilidade, verificando-se, no entanto, uma
tendência para que os seus membros sejam mais violentos do que os delinquentes isolados.
13. A Vítima.
O criminólogo alemão Von Hentig (1948) realizou estudos sobre a vítima, afirmando que a
maioria dos crimes inscreve-se numa relação agressor-agredido, predador-presa:
- a vítima tem de estar na presença do seu homicida para que o projecto deste se concretize;
- alguém tem de possuir um bem para que o furto seja cometido.
Conclusão: a vítima é uma condição necessária dos delitos contra as pessoas e contra os bens.
Exceptuando os tráficos, delitos sem vítima directa, a infracção pode ser concebida como uma
relação entre o delinquente e a vítima. Pode nascer da sua intimidade, como no caso da violência
conjugal. Noutros casos, como as rixas, o observador dificilmente distingue agressor e agredido.
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É olhando para os bens que as vítimas possuem que melhor se apreende a dinâmica dos furtos
e dos roubos. Se a criminalidade aumenta quando os povos enriquecem é porque, do ponto de vista
dos ladrões, a riqueza das nações significa uma profusão de bens destinados ao furto.
Na maioria dos casos concebemos a vítima como uma pessoa com azar que sofreu um evento
funesto porque, por acaso, estava no sítio errado à hora errada.
Mas uma minoria não insignificante de vítimas contribui de algum modo para a experiência
de vitimação, ou porque se expõem mais do que os outros, ou porque provocam o agressor.
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Por delinquente potencial entende-se todo o indivíduo com motivação suficiente para passar
ao acto. Tanto é aquele que cede a uma tentação particularmente forte como o delinquente crónico.
O melhor guardião de um bem é o proprietário, seguido dos pais, dos amigos e dos vizinhos.
Uma pessoa (ou um alvo) é considerada vulnerável se puder ser atacada sem que o agressor se
tenha de expor directamente a dissabores, represálias ou sanções.
A sobrevitimação dos habituais do crime faz parte integrante do modo de vida. A necessidade
de sensações fortes leva-os a correr riscos. A vida festiva e dispendiosa conduz ao endividamento e
há que ter cautela com a dívida. Os furtos e as agressões que cometem desencadeiam represálias.
No meio criminal, nada garante os compromissos assumidos e a posição dos actores não lhes
permite o recurso à polícia. Podem ser agredidos impunemente se não recorrerem a represálias.
Após a agressão ou o roubo, a vítima tem de tomar uma decisão: participar ou não participar o
delito à polícia. A denúncia não é automática e tem efeitos na política criminal, na medida em que
apenas os efeitos registados pela polícia têm alguma possibilidade de serem esclarecidos. Cabe,
pois, à vítima a iniciativa de desencadear a acção penal.
Metade das vítimas prefere nada fazer, ou agir por conta própria, a solicitar a intervenção da
polícia pois o delito não lhes parece suficientemente grave ou porque consideram que a polícia nada
poderia ou quereria fazer, ou receiam agravar a situação ao denunciarem um agressor conhecido.
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Os conflitos conjugais e as rixas entre conhecidos são pouco participadas devido ao facto de a
vítima considerar indesejável que a polícia intervenha em assuntos privados.
O direito penal define estes actos em termos diferentes do sentido atribuído pelos autores.
Num passe de mágica legal, o ofendido transforma-se em ofensor e vice-versa.
Black, na obra Justiça Sociológica, vem afirmar que a progressão do direito estatal faz recuar
a autodefesa, o que encoraja o furto e o roubo.
Ainda que o quisesse, o Estado não podia impedir a manifestação do instinto de sobrevivência
face à agressão ou a qualquer outro perigo. Não é pelo facto de pagarmos impostos para manter as
forças da ordem que devemos negligenciar os meios de autoprotecção. Se a autodefesa é um meio
marginal e reprovado, a autoprotecção é, pelo contrário, sempre uma opção em aberto.
A autoprotecção é o conjunto de medidas não violentas tomadas por cada um com o fim de
escapar à vitimação. Exclui, portanto, os actos cujo impacto eventual sobre o crime é involuntário.
Constitui a principal actividade do cidadão que age enquanto vítima potencial.
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Cada um tende a ajustar a natureza e intensidade da própria protecção aos riscos de vitimação.
Se a autoprotecção for eficaz, baixa, em princípio, o risco. O subsequente sentimento de segurança
deveria suscitar um reajustamento dos esforços de autoprotecção no sentido da sua redução.
Vitimação repetida (ou múltipla): a mesma pessoa ou residência sofre dois ou mais delitos
sucessivos num dado período de tempo.
A erosão dos controlos locais, que se fundam na presença, vigilância e vontade de intervir,
explica o laço que une as incivilidades à criminalidade.
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