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© 2006, Alinne Bonetti e Soraya Fleischer

1 a reimpressão 2007

Coordenação editorial
Zahidé Lupinacci Muzart

Revisão
Gerusa Bondan

Projeto gráfico e diagramação


Studio S • Diagramação & Arte Visual
studios@studios.com.br - (48) 3025 3070

Capa
Gracco Bonetti, sobre foto realizada por Kelly Cristiane da Silva em casamento no
interior do Timor Leste. As duas mulheres que aparecem com mais visibilidade
são Sara Teles e Zelia Lopes de Lautém, Timor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP


Leny Helena Brunel CRB 10/442
E61 Entre saias justas e jogos de cintura / organizadoras Alinne
Bonetti e Soraya Fleischer. - Florian6polis: Ed. Mulheres;
Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2007.
372p.

ISBN: 978-85-86501-61-6 (Editora Mulheres)


ISBN: 978-85-7578-159-3 (EDUNISC)

1. Etnografia. 2. Antropologia social. 3. Gênero.


I. Bonetti, Alinne. 11.Fleischer, Soraya.

CDU39

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DORNELLES, Jonaras. wwwmcgahaitcl: '.11pg 19 (Oll\.!)r/
jonaras.zmcnu.hrrn
WELZER-LANG, DANIEL. "A construção do masculino:
apítulo 4
Dominação das mulheres e homofobia". Estudos Feministas
9 (2), 200 I, p.460-482. (Citado 28 Abril 2005 de <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=SO I 04-026X
- .... -
200 I 000200008&Ing=pt&nrm=iso>. ISS 0104-026X]. m olhar sexual na inuestigação
:>tnográfica: notas sobre trabalho
de campo e sexualidade

Nádia Elisa Meinerz

1III/odução

ste capítulo tem como foco a reflexão sobre o trabalho


ctnográfico e a produção do conhecimento na área da
{
antropologia a partir das particularidades suscitadas pela
.1 (111mda sexualidade como objeto de estudo. Ele parte das
11'( ussóes epistemológícas e meto do lógicas suscitadas no
1Iiluto da pesquisa e da escrita do trabalho "Entre Mulheres.
1 ,1\ I(10ctnográfico sobre a constituição da parceria homoerótica
I 1\IIIlin3 em segmentos médios na cidade de Porto Alegre, RS".
I I 11.\1 »uho de campo sobre o qual reflito foi desenvolvido entre
1111 \1u I de 2003 e setembro de 2004, sendo constituído pela ob-
I •\ '[10 participante junto a situações de sociabilidade e pela
I III/d(,'ão de dez entrevistas semi-estruturadas com mulheres
1\11' se relacionam sexual e afetivamente com outras mulheres,
I" II( -ncentes a quatro diferentes redes de relações. I

I I I h -xro é resultado de uma pesquisa ernográfíca sobre homossexualidade


"'11 unína, desenvolvida junto ao Núcleo de Antropologia do Corpo e da Saú-
I"'.
I
'>(1)a orientação ele Daníela Riva Knauth. Ela foi realizada com vistas à
I,IIsoraçáo da dissertação de mesrrado apresentada ao Programa de pós-

126
pc <1\li " II '\ I' I ClIll<I ClIIJI'IIvCl C "IClI .u .t', dlll I I '1111
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ficam sul) surnídos na catcgorta hornoss ',11<111<1,\(1('
íc-minina
Decorre disso, em termos de orientação m eroctológí a, a nc ,\() propor a ~(', u.ilklad como objeto de estudo para a an-
cessidade de abarcar diferentes formas de enunciação das rei ,I 111
'I 1()logia, assumo 'amo prerrogativa à sua referência no plural,
ções homoeróticas, incluindo na pesquisa desde mulheres que I 11111<
irmo a perspectiva da díversídade em termos das práticas
se identificam com a designação lésbica ou homossexual al(' I' lI<1is 'dos significados a elas associados. Para tanto, torna-
aquelas que não se reconhecem nestas categorias e nem em I' relevante considerar que a sexualidade é alvo da produção
quaisquer outras que tomem como referência a sexualidade. uon nnnzadora de uma série de discursos, como o biológico,
Decorre dessa abordagem uma série de questionamen P I(ológico, médico, pedagógico, artístico, político, jurídico e
tos relacionados à orientação merodológíca da pesquisa, sobre I('h noso. É em meio a todos eles que as pessoas, inseridas em
os quais reflito ao longo do texto. Inicio chamando atenção c h'lI 'fi ninados grupamentos sociais e em suas práticas cotidia-
para as particularidades que se colocam num plano mais geral 11.IS, elaboram os seus próprios significados acerca do que seja
das condições para a construção do conhecimento na área da ('.IIé:11,do que é permitido e proibido e do que é admissível ou
sexualidade. Para tanto, me atenho aos dilemas teóricos, meto- 11I. l( hnissível em termos sexuais.
dológícos e éticos que compõem a relação entre a pesquisadora No que se refere ao estudo da homossexualidade femini-
e o grupo pesquisado, bem como o diálogo estabelecido entre "", realizado desde uma abordagem antropológica, o que se
o pesquisador e sua comunidade de pares. Num segundo mo- (,I(ica para a pesquisadora é o desafio da relativização acerca
mento vou delineando os contornos da experiência etnográfíca d" diversidade sexual. esse âmbito, é recorrente na literatura
a partir da análise das familiaridades e estranhamentos que obre a temática que as pesquisas sejam realizadas por pesqui-
permearam a pesquisa. A incursão pelas minúcias do trabalho • l( (ores que compartilham das experiências sexuais/eróticas
de campo tem como objetivo a compreensão das dificuldades (I('ialmente consideradas "diversas". Desse modo, a relativi-
e embaraços encontrados durante o percurso assim como das /: I 'üo se coloca mais como proposta para o público que toma
estratégias metodológicas adota das para contorná-Ios. Atento ( (li nato com o trabalho do que um instrumento merodológíco do
especificamente à condição de parceria potencial que permeou I II-squísador. Uma tal prevalência se deve, em grande medida, à
tanto a observação participante quanto a realização das entre- I I(-rspectíva de enfrentamento da discriminação sexual que mobi-
vistas. A reflexão sobre essa condição, que dificultou e ao mes- 11/(\ grande parte dos estudos. Decorre disso uma estreita relação
mo tempo foi fundamental para a realização da pesquisa, será I '1IIre a produção do conhecimento e o ativismo político, a qual
fundamental para a relativização da diversidade sexual como I' destacada por autores como Parker e Gagnon (1995), Vance
elemento substantivo e das possibilidades de sua apreensão ( I 095), Jagose (1996) e no Brasil, I Ieilborn (1992) e Terto Jr (1996
através do trabalho ernográfíco. (' 2(00). Os autores argumentam que os movimentos sociais,
ciO tratarem de remátícas como gênero e sexualidade, têm, ao
III( smo tempo, se apropriado dos estudos acadêmicos e influen-
Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grancle I ié Ido sobre a sua produção. Essa relação pode ser evidenciada
do Sul em fevereiro ele 2005.
SI' atentarmos para o crescente desenvolvimento de pesquisas

128 129
Um olhar sexual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

sobre sexualidade nas décadas de oitenta e noventa associados Além disso, entendo que a identificação de semelhanças e dife-
às tentativas de enfrentamento da epidemia da aids. renças durante a interação com grupo pesquisado ultrapassa a
Desse modo, o fato de eu não compartilhar as mesmas I limensão da orientação sexual, se colocando num plano mais
xpenencias sexuais qu as mulheres pesquisadas, faz com .unplo de pertencimentos sociais.
que a pesquisa destoe da maioria nesse campo de estudos. De qualquer modo as pesquisas sobre homossexualidade
Além disso, esse elemento pode também ser encarado como I(-ndem a despertar no mundo acadêmico e entre a comunidade
qu dificultador da apreensão da experiência vivida pelo grupo l!t' pares uma suspeita em relação à sexualidade dos pesquisa-
estudado. Por exemplo, na relação com o campo político, por I I(Ires bem como às suas intenções subjetivas para com a reali-
xemplo, um pesquisador outsiaer pode ser considerado pou- Id .áo da pesquisa. Nesse sentido, Foucault (1979) nos mostra
co autorizado para falar sobre o grupo. Nesse sentido, SOUSél ( Ille a sexualidade é um foco privilegiado para a construção da
(2005), ao discorrer sobre as condições de realização de sua ',llbjetividade na nossa sociedade ocidental moderna. Assim,
pesquisa com mães lésbicas no Canadá, revela as dificuldades ,11)invés de se pautar pela repressão, a nossa sociedade seria
que enfrentou para se inserir em campo, entre mulheres de 11i.ucada por uma intensa "vontade de saber" a verdade sobre
comunidades organizadas, pelo fato de não ser mãe e nem se ,I <;cxualidade dos indivíduos (FOUCAULT, 1979). Desse modo,
identificar como lésbica. Segundo essa autora, no contexto das II )rt)(1-se importante refletir sobre a forma como essa vontade de
políti 'as identitárias canadenses, os próprios pesquisadores da '"Il)er se coloca tanto no âmbito acadêmico quanto na interação
ár '(:1da sexualidade têm se questionado sobre a legitimidade de ( (lIl1 o grupo pesquisado, de forma a colocar sob constante sus-
I una pessoa heterossexual pesquisa r um grupo queer. fazenclo 111 'lia a sexualidade do pesquisador e também as suas "reais"
c 'O às argumentações do movimento social. 1I111'I1çõescom a realização da pesquisa.
Embora não tenha enfrentado esse tipo de dificuldade para No âmbito acadêmico, surge a expectativa de que as razões
<I realização da pesquisa na cidade de Porto Alegre, não posso I I<I Ix-squísador para a realização do trabalho encontrem respal-
ck-íxar de considerar que essa posição outsider (que é habitual I I<), ele alguma maneira, na sua própria sexualidade. Como nos
ck-nrro da antropologia) implica um maior investimento na apro IIU ),,>traRobinson (1977), tais especulações já se colocavam, por
ximaçáo com o grupo estudado e também nas negociações I .-mplo. para pesquisadores como Alfred Kinsey na metade do
cstaoclcctoas durante a coleta dos dados, em relação àqueles ( ( 1110passado. Por um lado, sobre aqueles que compartilham
p .squtsadores que de alguma forma são parte do grupo que I I,I (', periências eróticas do grupo estudado, recai a suspeita
estudam. Frente aos questionamentos sobre a legitimidade Ih I Ille o trabalho venha a responder muito mais a questões
do .srudo de grupos num contexto de alteridade, defendo que I li ',,,>( iais e de engajamento político do que propriamente a
essa condição intensifica a necessidade de apreensão dos 1ll',lllss()es científicas. Por outro lado, se retomamos a relação
r .nómcnos 'através da diferença', à medida que prioriza o es 1I,I I)I()( Ilt(J1O científica com o arivísrno político sobre o pesqui-
tnuiluuncnto- e a relatívízaçào como instrumento de análise. "ult)r maís rdcnuücado com as normas que organizam a sexu-

J ,\ II'~IlI 'lI( I (I.\ C~I)('cil1ci(jacJe


do cstranlmmon« I (' (I,\ I h 1I11(
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11() que pensam c C0l110o fazem. Assim,
1111 ' l'ld, I' 1)(Til1\('111c\r os <1COI1I('(
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\11I' 11,I1111,I\1.1" 11111.1 1I11('cl~I)('~~Ool'" I 11'1"' IIII().11 \1rop()lo~()e."~OIl\O~(c\I)(\IC~ .ux '11.1 e.,dc procluztr interpretações
!fI \(' fldllll IfI'lili dcl~ 1l0~e.,c\e.,
pl' <fI11',.,(',,lItI 1'11 'IJ ' I" ,11 I .u n.u o pOI\lI! d I' 1111< 'Ifll I I,\( ()I'~ do ()11Ir()~ ~()Ill'(' cl~~llcle.,
I' fI(-ru'IH 1<1e.,

I I) I I1
Um olhar sexual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

alidade, paira sempre a suspeita de que el venha a reforçar o forma, a realização de uma pesquisa não era considerada razão
estigma socialmente construído acerca da diversidade sexual. suficiente para minha permanência junto ao grupo com o pas-
De qualquer modo, é na verdade subjac nre à sexualidade do sar dos meses. a tentativa de me enquadrar nas normas de
pesquisador que se procura a "realidade" das motivações para interação do grupo, os jovens da IEQ procuravam me ajudar a
a construção do conhecimento nessa área. entender que havia algo superior que me guiaua para junto de
o que tange à relação com o grupo pesquisado, o caráter Deus e que era por isso que eu participava dos cultos.
de suspeita se coloca de uma forma mais próxima, à medida Por um lado devemos considerar que se trata de uma
que a descoberta de uma verdade acerca da sexualidade da condição inerente ao trabalho etnográflco e aos seus efeitos
pesquisadora orienta as relações estabelecidas em campo. para a ordenação do grupo pesquisado, ou seja, a aproxima-
Em relação a isso, lembro que durante o trabalho de campo, a ção voluntária e convivência com o grupo criam sempre uma
despeito de ter explicado às participantes da pesquisa que se série de expectativas às quais sabemos que não podemos
trata de um trabalho científico e de as mulheres se mostrarem corresponder. Elas dizem respeito aos valores, às e à visão de
dispostas a participar, elas julgavam que minha real intenção ao mundo do grupo, o qual organiza a sua relação conosco. Em
freqüentar os bares e entrevistar as mulheres era me descobrir algumas situações (como nas pesquisas sobre sexualidade e
no meio homossexual. Assim, a qualidade da interação com também sobre religião) suas classificações são contraditórias
o grupo resultou de uma classificação que me definia como com as nossas e nos colocam frente a uma série de dilemas
enrustida. Essa definição normalmente vinha acompanhada da morais e éticos. Clifford Geertz já levanta essa discussão refle-
tentativa por parte das mulheres de me iniciar em alguns códigos tindo acerca do trabalho dos antropólogos nos países novos.
compartilhados pelo grupo. Durante todo o trabalho de campo, De acordo com sua argumentação, as diferenças de julgamento
a justificativa do interesse de pesquisa jamais foi considerada e de ponto de vista entre o pesquisador e o grupo pesquisado
razão suficiente para a minha presença nos espaços de socia- não devem ser encaradas como empecilhos para a pesquisa.
bilidade, de forma que a minha qualificação como uma pessoa ssim, Geertz (200 I : 46) defende que:
que ainda não se descobriu forneceu-me um lugar legítimo no
o compromisso profissional de encarar os assuntos humanos
ordenamento das interações sociais. de forma analítica não se opõe ao compromisso pessoal de
Embora essa fosse uma situação inusitada, de certa forma encará-tos sob uma perspectiva moral específica. (...) O dls-
rancíamenro provém não do desinteresse, mas de um tipo de
eu já estava familiarizada com esse tipo de negociação devido
interesse flexível o bastante para enfrentar uma enorme tensão
às experiências de pesquisas anreriores- na área de religião. Jél entre a reação moral e a observação científica, uma tensão que
naquela pesquisa, quando participava dos cultos da Igreja do só faz aumentar à medida que a percepção moral se aprofunda
e a compreensão científica avança,
Evangelho Quadrangular (IEQ),minha interação com os jovens
era mediada por uma expectativa de conversão. Da mesma
A perspectiva apontada pelo autor chama atenção para
" difcrcncíaçáo entre as conc pções do pesquisador e do
3 Trata-se de uma pesquisa sobre scxuali<lél<le c rcligiúo que resultou f10 11.1 ~rllp() pcsqutsado c propõe que elas sejam encaradas como
balho c conclusão de curso (1(' Ci('f1CidS SO(ldIS p<"id 1111lversi<l,1<!CFC(!<'ldl
I( rr.unc-nias para a ínvcsugaçáo. Assim, apesar de discordar
(Ie Santa Maria, írunul.uto "1)0 s,lgr,Hlo dO plotdl\() I '111Cslll<lo ,\I\lropologl
co sobre sexudli<l,HI(' ('1\11'('grupos <Ic' IC)\C'Il', pl 1111I I)Slolls ,<Il'iC'IHh<lo C'III d" ()pinidO (Id'" mull lCrcs acerca ela minha definição enquanto
;,\1\('11'0 <1(' 2()(U

I II
Um olhar sexual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

enrustida e procurando seguir a orientação de Geertz, procuro uma relação, o termo não permite a configuração de uma forma
atentar para o que essas diferenças podem revelar acerca do substantiva que indique identidade, como no caso da homos-
meu objeto de estudo (a constituição da parceria homoerótica sexualidade que dá origem ao termo homossexual. Entendo
feminina). Desse modo, as explicações das participantes da que a argumentação explicitada seria por si só suficiente para
pesquisa ao meu respeito ilustram as diferentes formas atra- justificar a opção pelo uso do termo homoerotismo. No âmbito
vés das quais elas dão sentido às suas experiências sexuais desse trabalho, ela possibilita uma ampliação do escopo da
e afetivas, dentre as quaís está a possibilidade de ser uma análise porque está centrada nas relações e práticas eróticas
homossexual assumida ou emustioa. dos indivíduos e não nos indivíduos em si.
No que tange à essa questão, Geertz (200 I) ainda introduz Outra importante razão destacada por Costa (1992) pode
uma reflexão acerca da ética de pesquisa, de acordo com a ser denominada como histórica. Trata-se do comprometimen-
qual devem ser levadas em consideração as conseqüências to histórico da palavra homossexual com o contexto médico
sociais em relação à forma através da qual os resultados legal, psiquiátrico, sexológíco e higienista no qual ela surgiu.
obtidos são apropriados na prática política. Desse modo, a Nesse sentido, o autor avalia que a própria dicotomia "homos-
avaliação das implicações morais do estudo científico deve sexual" e "heterossexual" que nos parece auto-evidente é um
começar pela análise da pesquisa científica como uma moda- elemento da crença a partir da qual se sublinha determinadas
lidade de experiência moral. características sexuais nos sujeitos a fim de distingui-Ios. Esse
Qualificando a pesquisa científica como experiência mo- elemento também é de fundamental importância porque, além
ral, Geertz (200 I) chama atenção para a responsabilidade do de permitir uma desvinculação dessas práticas do contexto
pesquisador também em relação aos conceitos utilizados para discursivo no qual o termo foi cunhado, chama a atenção para
análise. A esse propósito torna-se fundamental refletir sobre a possibilidade de historicização e desconstrução da categoria
opção teórica da utilização do conceito homoerotismo ao invés homossexualidade. Nesse sentido, Sensa (1998), procurando
de homossexualidade para pensar os dados coletados. A noção traçar algumas aproximações entre a antropologia e a micro-his-
de relações homoeróticas entre mulheres permite contemplar as tória, afirma que uma das principais contribuições da segunda
mulheres que fazem sexo com outras mulheres independente para a primeira seria exatamente a ênfase na historicização dos
da sua definição identitária. Aproprio-me dessa expressão a .onceítos utilizados pela antropologia.
partir da elaboração de Costa (1992), que defende a substituição Por fim, Costa (1992) destaca ainda uma razão política. Ou
do termo homossexualidade por homoerotismo a partir de um seja, ele propõe a substituição do termo homossexualidade
conjunto de razões, teórica, histórica e política, sobre as quais como forma de repúdio à discriminação que recai sobre determi-
me parece importante refletir à medida que consideramos a nadas práticas sexuais. Segundo esse autor, criticar uma crença
pesquisa como experiência moral. dlscrírntnarórta implica a crítica ao vocabulário que permite sua
A razão teórica apontada por Costa (1992) é de que o termo cnur. »açào e que a torna mais razoável aos olhos dos crentes.
homoerotismo permite a descrição ele pluraüoade das práticas é1<1(S[10
a terceira razão apontada por Costa merece um pouco
e desejos que não está cornprornctkta CO!1l<1prcssupostçáo cld l11di~ (\(' at '11 'üo m termos do que se entende pela influência
existência ele uma cssõncta qllc Scjil o r k 'lI<llllill,1< lor C0l1111111
d(' d(' ('1<'1))(I1toS políticos 11(1pesquisa ci mrffí 'a. A esse propósito,
toclos pdélS SlIél<.jil1clillcl '()('<.j(' lldi •.• , Ii 111111 ,',CI. ,I< lI<'1crir s(' ti I(',,>gilto í1élrglll) 1(Ilt, H, (H) ele Wd)( r acerca CÜ1
objctívídadc do co-

I 1I I I)
Um olh,u sexual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

nhecimento nas ci "I1Cié\Sso .íaís e em conseqüência da reflexão que tange às suas relaçóes com outras mulher 'S, a .abo por
acerca de uma éuca ele p .squtsa. De acordo com weber, 111eafastar da agenda política lésbica que tem se pautado pela
promoçào da visibilidade.
Não existe qualquer análise científica puramente "objetiva" da vida
cultural (...) que seja iJ1c/epeJ1clente de determinadas perspectivas
especiais e parciais, graças às quais essas manifestações possam -» Relatiuizando a diuersidade:
ser explícita ou implicitamente, consciente ou inconscientemente,
selecionadas, analisadas e organizadas na exposição, enquanto Nossas familiaridades
objeto de pesquisa. (WEBER, 1999: 87, gritos do autor)
Inicio o detalhamento do trabalho de campo evidenciando
Neste trecho, o autor assume a influência de elementos Ilc10 aqueles elementos de estranhamento decorrentes da es-
subjetivos e políticos (parciais) tanto na escolha do objeto de c nlhél da diversidade sexual como objeto de estudo, mas das
estudo, quanto na seleção dos dados a serem analisados. Não I, 1I11iliaridades identificadas durante a interação.
podendo isentar-se dessas motivações, Weber aconselha que A realização de qualquer pesquisa na e sobre a sociedade
estas devam ser explicitadas a fim de evitar as influências dessa 11,1qual a pesquisadora faz parte, implica na realização de uma
parcialidade. Isso implica, do ponto de vista ético, uma reflexão I('1](-xào crítica acerca do processo de construção da alterida-
acerca dessas motivações a fim de que se possa estabelecer um Ih "Estranhar o familiar" tem sido, desde o final da década de
determinado controle acerca delas. Sobre esse aspecto Bour- ',I 'Ienta e início da década de oitenta, um dos elementos sín-
dieu () 997) propõe que a consciência da vinculação subjetiva II uzadores da discussão sobre o trabalho etnográfico no con-
e das possibilidades de utilização do conhecimento produzido I( 10 urbano brasileiro. Essa postura metodológica tem como
coloca a pesquisadora diante da necessidade de um exercício I li lil -tivo refletir sobre as especificidades do trabalho de campo
de constante vigilância epístemológíca. I I, I sociedades complexas." Seguindo esse caminho, na esteira
Em virtude do exposto, explicito minha vinculação subjetiva I Ic .uuorcs como Velho (1997). Heilborn (1992). Salem (1989)

ao objeto de estudo, principalmente no que se refere ao compar « 1\111'outros, que se dedicaram à discussão sobre o estudo
tilhamento do interesse político acerca da implementação dos Ic c .unadas médias, torna-se importante explicitar os valores.
direitos pela livre orientação e expressão sexual. Nesse sentido, I lI ( c 111'I iaçóes e espaços que são compartilhados com as mu-
mesmo partindo de um estudo particular que privilegia o exer 11H u ''-, que participaram da pesquisa. Além de situar as análises
cícío da sexualidade entre mulheres, a discussão do presente 11,,11/,,<1<15.
esse procedimento parece fundamental para refletir
trabalho está relacionada a uma motivação política de defesa .111111'
élS dificuldades implicadas na familiaridade e também
das mulheres enquanto sujeitos sexuais e desejo. Isso, porém. ,{lI lI(' tiS suas contribuições para o trabalho de campo.
I -ntc-ndo. d sse modo. que não é possível pensar essa
não implica que o trabalho possua qualquer compromisso C0l11 í

a intervenção e as propostas que compõem a agenda dos referi lé\cle ctc forma homogênea.
1,1I11111,lri( sendo necessário distinguir
dos movimentos. Em relação aos dados cotctados e às anúliscs
realizadas parece predominar o inverso. Ou seja. ao explorar d 'I Il'II 'rir se ti so("iC(I,HICcomplexa. velho (1999) se remete tanto à dtví-
..111 ti" 1)(I('d,,<I('CI11(lile("cnles e-stratos só -ro-cconômícos resultantes d~
possibilidade de resistência das mulheres que nào se ('I H t1ld til 1'..11 I tio 11,,1 h 111
H I, ("01110 1<11111>el11
.issocra a noção de complexld~de a
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117
Um olhar sexual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

entre diferentes níveis de familiaridade no contexto da relação do-se importante discernir entre os dados colcrados e aquelas
entre a pesquisadora e o grupo pesquisado. Em termos mais 11uorrnaçóes relatadas em caráter de confidências, em virtude
gerais, destaco o fato de compartilhar dos códigos e valores ( tos vínculos afetivos estabelecidos.
culturais específicos do que foi caracterizado por Dumont uma esfera mais específica, cabe destacar a relevância
(1985) como sociedade ocidental moderna, na qual a noção 11.1 referência ao contexto universitário, ao qual parte das mu-
de indivíduo (enquanto exemplar singular da espécie huma- 11 wr 'S estava vinculada. Esse compartilhar das especificidades
na) foi historicamente construída, como valor fundamental na c I() contexto acadêmico foi também um importante elemento
produção da subjetividade. No entanto, além dessa esfera I 1\ 1(' favoreceu o interesse e o comprometimento das mulheres
mais ampla de pertencírnenro, é fundamental compreender, c (IIn a pesquisa. A familiaridade com a experiência da pesquisa
a exemplo de Duarte (I 987), como o assim caracterizado I 1I'l1tífica,especialmente na área de ciências sociais e humanas,
individualismo penetra nos diferentes grupos dentro de uma I ( ompreensão das dificuldades implicadas nesse processo,
mesma sociedade, para poder situar a familiaridade com uma c c msntuíram um importante fator de sensibilização para a parti-
moralidade característica dos segmentos médtos.v 1'1 )e\(;ãOdas mulheres. Vale ressaltar ainda que, mesmo sendo
Tal familiaridade facilitou o estabelecimento de contatos c I k .ir 'as do conhecimento distintas, tive a oportunidade de
de vínculos de sociabilidade com as mulheres que participaram I c 11Iipartilhar com duas de minhas informantes a experiência da
da pesquisa. Desse modo, não foi preciso despender muito ti 11.1 cI ' aula. Em semestres e disciplinas diferentes fui colega
tempo no processo de aproximação com o grupo: da mesma dc' Sélndra e Carla,6 chegando a discutir na presença delas e
forma, não houve a necessidade de um deslocamento sócio 1'11 II() aos demais colegas os dados de campo e também as
espacial e muitas vezes encontros casuais na saída do cinema. I' 111Ii ias análises e interpretações.
encontros em parques ou em livrarias acabavam se tornando I:ssa configuração, ao mesmo tempo em que possibilitou
situações propícias para a etnografía Além disso, a ínteraçao , 111I (liúlogo permanente com as mulheres sobre questões reó-
com as mulheres foi pautada por conversas em bares e festas, I te ,I , mcrodologicas, preocupações éticas e a discussão dos
que versavam sobre assuntos em comum, como músicas. 11< 1)( /( I()s da pesquisa, também impôs uma constante vigilância
filmes, peças de teatro, livros e trabalhos acadêmicos. Não c: t I 11',1 ( -mológíca em relação à naturalização dos valores compar-
difícil, nessas situações, que os participantes sejam selecionados 1111I. I( tos, bem como suscitou dificuldades operacionais do traba-
entre as relações do pesquisador, nem que a pesquisa promovi I 1111 I ( 1(' campo. A familiaridade com os critérios de cientificidade
a formação de novos vínculos de amizade (HEILBORN, I DD~) 1I~I( I()s na realização da pesquisa fez com que por diversas
No entanto, além de facilidades, a familiaridade com o grup() '/1 eiS mulheres me questionassem sobre questões éticas
pesquisado implica também a complexificação da reflcxáo ('I
nográfíca. No que diz respeito à sobreposição de relações (I<
amizade e pesquisa, isso se traduz numa atenção cspcct-u ti I c li te).., o.., nomes proprios unüzados como referências na descrição das
11,11111 'p. \I llc.., elel p('sqlliS<l sao üctíctos e se relacionam com a preocupação
negociação entre pesquisadora c grupo pCSqUiSéK!O,ton lellt , 111PII'''I -rvnr d iel('I1I,fI(,él '[10 das mulheres, dado que entre elas observo
0111 c /('1\11'.., lonll"'" <lc ('lllII1Ci<l<,','IO das relações eróticas que variam desde a
"I li .10 pm '"110\ ('/lllIH i,H,elO plilllic'a elas rctaçócs homocróncas, passando
I"" I li)' ..,,1l/lIc I,H 1('0.,(1(' v,,,,,I,,II( l,lI ,(' Ildr('i,\I ctas cxpcrl -'neias homocróncas, até
5 SOll/'C a ('SP 'ciliClelilclc eld 1)('I H'Irdl .10 doi Idl ol(l!!I.I ,,\( 1/\ /( li 1.111..,1"
I H).., ..,1P I" 11.1po..,,, 11.1dI' /l"O /I te'1\111 1(" dO com III'd''''qll('r C<l!cgorias classíücatórías
mCI110S m('elio.." ve-r "di H) ( I ""'I) '01". ((l/llI) 11",Il/( .I Ollllll/\\O"S(' 110"

I \11
Um olhar s xual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

envolvidas na pesquisa. A esse propósito, lembro-me de certa «11 I relacionamento entre mulheres; lendo livros e assistindo a
vez que, ainda na fase inicial da pesquisa, estava sentada no Itlmes que abordam relacionamentos entre mulheres e trocando
Porto Bier' conversando com Carla sobre as dificuldades éticas nuormaçóes com seus amigos e amigas a esse respeito; além
que ela estava enfrentando em sua pesquisa. Como que es- « te IS interesses de estudo e conhecimento de uma maneira geral.
pantada com algo sobr o qual não tinha sido informada, ela se I·I,IS estão empenhadas, assim, na produção de sentidos acerca
dirigiu a mim e questionou: você não uai usar o consentimento I I.IS suas experiências na área da sexualidade, tanto nas suas
informado? Embora já tivesse conversado com ela sobre as «-laçóes com a parceira, como com outras pessoas da família,
condições de sua participação na pesquisa, lhe assegurado .unígos gays ou heterossexuais, e também durante a interação
que sua identificação seria preservada e que apenas eu teria ( om o pesquisador, na observação participante e na situação
acesso ao conjunto das informações coletadas, não havia men- (1(' mtrevísta. Desse modo, as mulheres entrevistadas não são
cionado ainda sobre a assinatura do termo de consentimento c 11) 'nas colaboradoras ou informantes dessa pesquisa, elas se
informado. Repus-lhe, então, que pretendia fazer uso desse ( I Instituem como sujeitos interessados na sua realização, ínclusi-
procedimento, e discuti com ela que a assinatura do termo '( com o objetivo explícito de estabelecer trocas de experiências
constituía apenas um aspecto em meio a uma discussão ética I 1('diversas ordens. De uma maneira mais geral pode-se dizer
mais ampla. Tal reflexão é elaborada por vícrora, Knauth e Has- (lI\(' perpassa a participação de todas as mulheres a avaliação
sen (2000) e prevê que o consentimento informado deve ser 1)( Isitiva da realização de uma pesquisa sobre essa temática.
pensado como um processo de negociação das condições de A fim de ilustrar melhor essas peculiaridades da interação
pesquisa, pautado pelos aspectos associados às relações de ('lltre pesquisadora e pesquisadas, trago alguns exemplos no
respeito e confiança que se estabelecem entre a pesquisadora (111<:11 esse interesse pela temática se manifestou de forma mais
e o grupo pesquisado e culmina com a assinatura, de ambas (' plícita. Um primeiro exemplo é o de Márcia, que se interessou
as partes, de um termo de consentimento. I l( '1<1 pesquisa em virtude de seus planos de no futuro escrever
Um outro elemento de familiaridade que deve ser destacado \ 1111 livro contando a história das mulheres de sua uida. Ela diz
é que, da mesma forma que a pesquisadora, as mulheres que ( 11 It' conhece consideravelmente os relacionamentos entre mu-
participaram da pesquisa assumem uma posição de sujeito 1I1( -rcs e que tem muitas histórias para contar a esse respeito. Sua
interessado pela temática pesquisada, embora estejam empe- uuc-nçáo era me contar SUaS histórias e assim contribuir com a
nhadas na produção de outros sentidos (AUGÉ, 1999). Além ele 1)( -squísa e, ao mesmo tempo, saber minha opinião acerca dos
estarem envolvidas em relações sexuais e afetivas com outras ,I 'l ISplanos para a escritura do livro. Embora minha contribuição
mulheres, elas refletem cotidianamente sobre as questões que ,I' restringisse a incentivá-Ia, considerando a importância de
envolvem a homossexualidade feminina, seja do ponto de vista ,lld ini .íativa, fica explícito que nossa interação configura uma
político através do envolvimento na militância organizada; na I 'P(' nativa de reciprocidade. É a consciência dessa expectati-
discussão sobre a conquista de direitos, como a união civil, guar ,\ rc ríproca em r 'Iação à construção do conhecimento sobre
da e adoção de crianças; na caracterização das cspc ifícidadc s lI<lll\()SS('Xllé:lliclé:lclefeminina que, a meu ver, caracteriza o que
( )hveim (I DOR) rk-nornina de encontro ornográfico.
lllll sentido um pouco distinto, é possível xplorar os
7 Trata-se de um bar privil('gid(lo pdld I) 11.11).111111 dI 1.llllIH) IcH dli/clClo lle)
bairro Ci<l<l<l(' I~<ll. a. <tIl(' po'>'>lli vu u 111,1( ,UI I 11111 11'''1'111,1( ,I(. (,1111
dI -nH'lItO<';que (\(,"(,11(" l( lei; \111 o <liúlogo com Carla c Cristine,

I I() 111
Um olhar s xual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

que são militantes da Liga Brasileira de Lésbicas da Região Sul. Acho que era muito o espírito daquela época sabe, (.lllC cerras
coisas eram mais aceitas, mais liberadas. NOS ambtcnrcs cm
Embora não fique claro que esta seja a motivação delas para que eu transitava, pelo menos, que era um pessoal unaesçrouna,
participar da pesquisa, suas falas evidenciam que o próprio es- ligado ao teatro, às artes e tal, era um pessoal, como se dIZ hoje.
altemativo, e nesse meio era careta tu ser heterossexual, ';1as
forço da realização des a pesquisa contribui para a promoção da
era meio que o cspíríto da época, o que importava era voce se
visibilidade lésbica, causa que atualmente ordena a agenda do abrir para todos os tipos de cxperiência.
movimento lésbico brasileiro. O interesse político, principalmente
por parte de Carla, a impulsiona também a conhecer mais sobre o Esse trecho faz parte de uma reflexão da moça sobre as
que tem sido discutido em termos teóricos acerca da temática. suas experiências amorosas, seus relacionamentos com mu-
Ainda em relação aos sentidos elaborados pelas mulheres 111 'res e com homens feministas 8
procurando contextualizá-Ias
acerca de suas relações homoeróticas, para algumas das entrevis- com relação aos grupos pelos quais transitava, os quais acredí-
tadas a psicanálise, desde uma perspectiva terapêutica ou mesmo t.iva serem sexualmente liberados. Observo nesse trecho uma
de autoconhecimento, adquire uma expressiva relevância. Em .11 iropnaçào de categorias sociológicas utilizadas para analisar as
relação a essa última perspectiva, o interesse das mulheres em r-xperíências vividas, que faz s ntido devido ao contexto no qual
dialogar com uma "pesquisadora da área da sexualidade" volta- ('Ia é acionada, qual seja, numa entrevista com uma pessoa de
se para uma dimensão de promoção do conhecimento sobre si III -srna formação acadêmica e que de certa forma compartilha
mesmo. esse contexto, categorias psicanalíticas são acionadas .k-ssa "sociologização das experiências vividas". Esse mesmo
para dar sentido à narrativa sobre trajetória afetivo sexual, prin- tipo de reflexão é acionado também em momentos de socíabílí-
cipalmente no que tange à relação com as famílias de origem (Iclcie com outras pessoas que compartilham a familiaridade com
durante o processo de assumir a homossexuaJic1ade. ('ssas categorias, de forma que deve ser entendido como uma
Outro exemplo que ilustra a reflexívídade com a qual as ('specificidade das relações estabelecidas por aquele grupo.
mulheres encaram essa temática é a explicação que Rosana Explicito esses elementos para demonstrar como as ínter-
elabora, ao ser questionada sobre os tipos de mulheres que ela I()cutoras do trabalho apresentam um discurso bem elaborado,
encontra nos lugares gays. Ela se refere a uma caracrenzaçào .maunco e reflexivo acerca da sua trajetória. Isso implica, na
dos casais de gays e lésbicas a partir de um recorte histórico, .máuse. em defrontar-me com uma série de valores e de dts-
que leva em consideração elementos contextuais daquele de ( ursos dos quais compartilho, mas que devem ser colocados
terminado período. Em sua explicação ficam explícitos alguns ('111 questão, em termos de seu caráter histórico e culturalmente
elementos através dos quais Rosana dá sentido, durante a entre (Idimitado, principalmente no que concerne aos valores e vi-
vista, tamb êm a várias de suas experiências passadas. ídentifíco ciO de mundo das camadas médias. Os exemplos ilustram a
a referência a categorias tais como "o espírito da época" como 1''-;1)( cíficidado das trocas estabelecidas no campo e também
características de certos tipos de análise realizadas a partir (I() tiS cíífcrcntcs formas através das quais as próprias mulheres
contato com teorias das ciências sociais. Dessa mesma for m {\, C'lcll)OréH11
sentidos parei as suas experiências, as quaís são tam-
em outras partes da entrevista, ela se utiliza d ssa m sma (d

regoría para falar sobre o contexto por ela vive nciado durante d H omrcvlstadas
,1~11IllldS ll1ull )('r('s qu(' f0r<1111 qualificavam seus,ex.namorados

década de oitenta, a partir do qUél1( 1<1 ~igl lili('(\ dS SUélS( xpc-ri ( ()Il10 1)(I/)l( 'IlS d//('/('IlI('S ou 110/llCIlS Ielllillislos por conslderá-Ios mais scn-
"'1\'<'1 1111('os IlIlIl\('11S ('llI g('l'dl, 1)('111C0l110 (,oll1prorne!i<.los polnícarncnre
cncías s .xuaís e afetivéIS. ix- (\('()J'( In ( (1I1l C'loI. ((1111o 11\('011..,
11'11111
1Isl"S d('IlI'Olll() dO d,) ('C\IIl(\,l(I(' d(' g(,llero.

I I' 11\
Um olhar s xual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

bém meus objetos de interpretação enquanto pesquisadora. Os Já na primeira vez que fui a um bar GLBT,9 me defrontei írne-
diferentes níveis de familiaridades que procurei estranhar no de- , li.uamente com a pergunta: Você é entendida?lO Esta questão sín-
correr da argumentação ilustram que o processo de construção I' t1Z<\ a necessidade do estabelecimento de um posicionamento
da alteridade passa também pela identificação de afinidades e 1/11( umpo, que se refere à forma de explicitar a minha orientação
semelhanças com o grupo estudado, as quais, ao mesmo tempo , IIal e de lidar com as investidas das mulheres. Muito embora
em que facilitam a inserção em campo, também potencializam lI, "I tivesse dúvida do condicionamento das minhas análises e
a reflexão sobre as trocas estabelecidas. 11II'rpretações , implicado no fato de não compartilhar das mes-
1i I, IS experiências eróticas que as mulheres, a própria abordagem
3 Obseruando a sexualidade: li, Icxualidade enquanto construção social, sob a qual não cabe
Participação na teoria e na prática 111'lrcertezas e verdades, faz com que o pesquisador se ques-
'li 1/\(' sobre a essenciaLidade e a fLXidez de sua própria orientação
Como referi no início do capítulo a observação participante, , II<lI. Frente a essa reflexão, e a necessidade de ocupar um
realizada em bares, boates, festas, passeios, feiras, na casa das li I}~.Ir no ordenamento das interações sociais, adotei como esrra-
informantes, entre outras situações de interação, foi a principal I' ~Idposicionar-me no campo, em relação à orientação sexual,
técnica utilizada na coleta dos dados. A partir disso é importante " torma não decisiva. Quando interpelada a esse respeito, pro-
tecer algumas considerações sobre a especificidade da observa 111
dVél devolver e explorar as questões colocadas referindo, ao
ção participante em relação a outros tipos de observação, que 1111'11
respeito, que até o momento havia me envolvido apenas
também caracterizam outras formas de pesquisa. A díferença 'lI \\ homens. Ao mesmo tempo em que explicava que a minha
fundamental da observação na pesquisa antropológica é que ela II1I-sc-nça nos espaços estava relacionada à pesquisa, justificava
prevê a participação do pesquisador nas dinâmicas que envolvem , li" " em virtude da realização desta, não estava disponível a
o grupo estudado. Dessa maneira, a disciplina assume o caráter 'III.IIS( luer envolvimentos sexuais ou afetivos.
subjetivo implicado na coleta de dados e investe na capacidade do Esses elementos, a meu ver, sinalizam uma das principais
pesquisador para o estabelecimento dessa interação. Assim, cada 1IIIIllI<lades na realização do trabalho de campo, qual seja a
problema de pesquisa, bem como o tipo de relação que cada pcs I 11I «ssroaoe de estabelecimento de um meio termo entre a
quisador estabelece com o campo, tem a sua especificidade. 'ao
11111'1"(\ total, na qual a própria posição de pesquisador apa-
No caso da pesquisa sobre homossexualidade feminina,
uma das principais especificidades é que se trata de uma parcela
I~I utu ,I gavs. lésbicas, bíssexuaís e transgéneros (travestis e transexuaís) e
da sociedade que é socialmente marcada como desviante em II'I('r('-se a designação que vem substituir no discurso dos movimentos de
relação à sexualidade. Porém essa marca, que pode ser cntcn 11'1\11 H hCdÇÜO social e política a antiga sigla GLS (que significa gays, lésbicas
, '>1I11I><ltiZ<lnles.) Atualmente se discute a modificação do termo para LGBT
dida também como constitutiva de um estigma, nos termos " lli li <1(' proporcionar uma maior visibilidade social para as mulheres ho-
11111'>'>('llélis,J(1 que entre os grupos que lutam pela liberclade de expressão
propostos por Goffman (1985), não é necessariamente visível.
, 1Il11'IIId '(I() seudl as mulheres seriam as mais invisibilizadas.
de forma que demanda uma certa confirmação c dá rnargc 111 111 I 111.1Icti Jlng\llll(l nesse corucxto é' usada como forma mais branda de pergun-
1.1''o,' d mull u-r '>1'rt'idt rona com OUIr<lS mulheres. Nesse espaço termos cumu
à manipulação da visibilidade. Em virtude- disso, tI pcsquísu fOI 11 1m li 1''>(11)(/111,Sdll ('onsl<1('r,Hlos c-xrrcrnamcnrc pejorativos em situações
orientada pela busca por cspa 'os S()( Idllll<'llt(· ITcol1l)( cid().., d, dllllltld",wll\, '>('lI< 10 IIldi,> 11llli/.cI<los com ('ss(' fim o u-rmos entendida ou
1111',11111</11I1 \'011('111""1.11 "II"lcI() pollcl Il1l\cI <lIS(\1SS(lO IIlélis elaborada do
como volraclos pmél () pul )(j('() 1)(1I1l< I I' I I,Ii
I, 1I11()< '111",,1111111, 1111('I)()( 11''.( 'I ,'I \lI 11111<1<1.1 ('11\ ( illh I\c IlclI'S (1077).

I 11 11)
Um olhar sexual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

rentemente se dilui e uma outra posição, na qual a demarca- que é formada em Biologia. Descubro através da faculdade na
qual ela estudou que viemos de cidades próximas. Pedimos uma
ção incisiva da diferença impossibilita o estabelecimento de segunda cerveja e eu começo a perceber que a moça se aproxima
quaisquer relações, de forma que o pesquisador se torna um cada vez mais do lugar no qual estou sentada e deixa o braço
mero observador. Dessa forma, marcar enfaticamente a dife- resvalar por sobre o meu ombro. Afasto-me um pouco e volto a
falar no assunto da pesquisa. Ela faz um comentário acerca do
rença respondendo às interpelações de forma a afirmar que meu cabelo, eu paro ..., penso ... e digo a ela que acho que ela está
a heterossexualidade acarretaria uma dificuldade de estabe- me interpretando mal. Ela me pergunta: - você tem namorado, não
é?... Respondo a ela que sim, mas que, mesmo que não tivesse,
lecimento de relações e na reiteração de uma certa oposição
não haveria chance de rolar nada entre nós, por causa do trabalho.
entre norma (pesquisador) e desvio (objeto de estudo) a qual Ela se desculpa, pede outra cerveja e sugere que continuemos
esse trabalho propõe problematizar. falando da pesquisa. Depois de algum tempo chega uma moça
que parece sua conhecida. AS duas se cumprimentam e Débora
Em virtude desse posícíonarnento não definitivo em rela
comenta com a moça que eu e ela somos da mesma região. A
ção à orientação sexual, tornou-se necessário utilizar outros moça, por sua vez, exclama: - Bah Débora, mas tu só arruma guría
mecanismos para marcar a posição de pesquisador, de forma do interior heíni Pois é, responde Débora, fazer o quê?
a reiterar a definição de não disponibilidade para o esrabelc
cimento de parcerias. Depois de algum tempo de expenéncra Nessa situação, embora eu estivesse convenci da de que

no campo, observando as características das relações de so 11I111a


fornecido elementos suficientes de que não estava dis-

ciabilidade estabelecidas, atentei para a importância que-nela I )(.sta a nenhum tipo de envolvimento afetivo-sexual durante o

assumia o consumo de bebidas alcoólicas, especialmente u.ihalho de campo, para Débora e provavelmente para outras

cerveja. Assim, a forma mais efetiva que encontrei de situar-me 1)(-ssoas no bar, nós estávamos constituindo uma parceria. Isso

como pesquisadora frente ao grupo estudado, sem que isso II( c1ainda mais explícito com a chegada da amiga, à medida que

resultasse na exclusão dele, foi a opção por não beber. Ou seja, ,I -us comentários já partem desse princípio e são corroborados

eu participava das brincadeiras, conversava e ria junto com é1~ 1)(Ir Débora. No contexto assinalado, não faria o menor sentido

mulheres, porém não bebia. A efetividade desse mecanismo utornar que se tratava de uma pesquisa, porque pela postura

mostrou-se ainda mais concreta em relação às investidas para .\(íorada, o fato de estarmos bebendo e conversando juntas,

o estabelecimento de parcerias, que esbarravam no fato de ell . ,I I,IS investi das e minha permanência ao seu lado forneciam

não beber. Entendi então que aceitar uma cerveja podia sig I lI mentes suficientes para pressupor que fôssemos parceiras.

nificar, de certa forma, aceitar ser cortejada. A esse propósito ( ) <tu' é importante reter, desse exemplo, é que embora não
lembro de uma situação na qual o fato de beber junto COIl I 1·111
ninasse a minha participação nos jogos de sedução, a postura

uma moça, com a qual tinha estabelecido contato, rcsulrou n.i 111 )..,teriormcnte adotada em relação à bebida marcava minha

necessidade de descartar a possibilidade de contar com ('I, I 111 )..,i '(10 de participação diferenciada durante a interação.

como interlocutora. No dia em que conheci Débora, através (lI' Urna elas principais cspecifícídades do trabalho de campo

um amigo gay de Carla, falei a ela sobre a pesquisa e convide: I I. I (IITél de scxualkíadc, como caracteriza Bozon (1995), é que
lhe para participar, tal como foi r gistrado no diário: I I. I Illdioriél elas V zes a rar 'fa do pesquisador é observar o inob-
,11 .rvc-l. 011 S 'jél, a observação participante, técnica essencial
Enquanto U1C falava sobre os 11Igan'c., qlle ('li cc.,tcl\'tlln qClCl1tclllC 10 P"I" o dc..,ellvolvil))ellto ela (tllogmlh, rc caí sobre um objeto
Débora me COI1Vi<lélpara romar umu «'1\("01; ('11,1(cito c l1(h (011
rínuamos convcrsanc 10."1,, 11
\(' 1)('1
glll 1101(lI 111'
o ( 111..,0 (' ( 011I( '111
01 , 1"1' g( -r.iln 1<'111('
IldO e i>cI..,..,IVe!d(' ohscrva -rIO, qual seja, as

I 11 I 117
Um ollw sexual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

práticas sexuélis. Eml>or(1 .crtas práticas sejam passíveis ele 1\1li m) eu esteja fazendo trabalho, Marta sente-se obrigada
observação, 11 como aquelas que se desenvolvem em espaços 1\ \I' informar que estou provocando ciúmes entre as duas.
púbicos, este não é o caso das práticas realizadas entre o grupo ',IIIl, uma das principais dificuldades que a situação de par-
de mulheres pesquisado. Frente a isso, a abordagem da sexu I 11,1Ixirencíal trouxe foi que a minha condição de auulsa, in-
alidade passa a depender da descrição que os atores sociais I li', (Ida em conversar sobre sexualidade, representava uma
fazem delas. Assim, a fala do outro sobre sexo torna-se um ek- I \I', \ 'é) para as parcerias já constituídas, Por outro lado, entre
mento fundamental para o desenvolvimento da pesquisa. Dessa I IIU '1<15
mulheres que também estavam desacompanhadas, a
forma, tornou-se indispensável compreender que a existóncra 111,1(:,)0
de parceria potencial tornava-se profícua porque me
de diferentes formas de se falar sobre sexualidade depende dos e ilr )( .wa numa situação de interação com as mulheres, não
interlocutores e das situações nas quais se fala. Isso implica que I\( I() assim excluída do grupo. Embora procurasse deixar
muitas vezes a própria entrevista cujo tema seja sexualidade 1,1/1>
(IUe, enquanto pesquisadora, não estava disponível para
pressupõe uma intenção sexual (BOZON, I 995). 11
t. tI( I\lCr envolvimento afetívo-sexual, muitas vezes na situação
A esse propósito, lembro a situação em que voltava ck 111)(.squisa a constituição de uma parceria era algo esperado
uma boate, acompanhada de uma informante. Antes de sair do e "I icculado por parte das mulheres.
táxi, Marta se dirige a mim para falar sobre o desentendimento Além disso, creio que, ao assinalar as diferentes formas
ocorrido entre um casal de amigas: __ " í.ilar sobre a sexualidade, Bozon (1995) chama atenção do
I li ',c n usador também para as situações em que se fala de sexu-
Eu não deveria estar te contando isso, mas vou falar pra ver se
tu te liga. Eu sei que tu está fazendo trabalho e tal, mas o rela ,til< I.\(Ic através de metáforas, ou seja, sem que seja perguntado
cionamento das gurías é meio complicado, rola muitos ciúmes, I li I (111' se esteja falando especificamente algo a esse respeito,
sabe. Elas ficam se fazendo de boas, falando de relacionamento
aberto e tal, mas na verdade, como todo relacionamento, rola (' se sentido, trago alguns trechos do diário de campo que
muitos ciúmes. Sabe o bafão que deu hoje, pois é, foi por tua 11,\Istram a utilização da expressão pesquisa como metáfora
causa. Porque a Carta tem ciúme de ti, ela acha que está rolando e 11
) c-nvolvtmento sexual.
alguma coisa entre você e a namorada dela.
C .rta vez, em meio a uma conversa no Circuito, 12 Aline me
,,)\'('S mta à sua amiga Verônica dizendo: Essa é a pessoa de
Fica claro, nesse trecho, que o fato de conversar sobre
I1I /( 'll J tefalei, que pesquisa sexualidade, ela é nossa estagiária.
questões que envolvam sexualidade é avaliado pelas infor
< outras pessoas da mesa dão risada, e a moça a quem estou
mantes como trazendo implícita uma razão sexual. Por isso,
,\'1 \( 10apresentada pergunta: Então é uocê que tá fazendo uma
I )('o.;qllisocom a mulherada? Respondo que sim e, na tentativa
11\' Inc .onrrapor ao tom de brincadeira, procuro dar alguns
I I Especificamente tratando da temática de homossexualidade, trabalhos COIllO
o de Terto Jr (1989) e Vale (2000) são exemplares da observação das práticax III't<l1l1CSa respeito do trabalho. Depois de algum tempo de
sexuais em espaços públicos como cinemas de exibição de filmes porno
gráficos. Além dos cinemas, pode-se destacar também as vldeo-locadorns
I onvc-rsa com vcróníca. Aline pergunta o que a amiga achou
porn6s em Porto Alegre, descritas por Bier (2004) que, além ela exil)i<,'(l() I I.I i(I('i<) <Ia pesquisa. A moça, em tom zombeteiro, responde:
de filmes. oferecem uma gama de outras possibilicl()(les de consumo reld
cionado a práticas sexuais, as quaís podem ser OllSI'IV,lClos pelas 1)('SSO(lS
que ínreragcrn nesses cspa 'os. Outros eSI)( l('OS I H I. qlldi SI' pode ohscrv, \I
práti as sexuais sào as S<1lIl)(lS. Illgilr<'. <1(' 1)(,~(oIe0111(I 1,11111I'1IOS jllll>li(os (' I' 1101101. I' <11'I 11li 01ilOolll' qlll' 1<'111.1livicl'l(lcs vohadas para o público GLST
parques) e tarnhóm ,\S S(1I,IS ('SI 11101ele ee'I 101',I li 1,IIe" IIHoIlI/,ulol 110 Ilcili 111( III,ull' 11,11.ci

I 1/1
Um olhar xual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

a gente está aqui combinando que eu uou participar quando 1 .u.ufle (I 986), um certo caráter de contágio. esse sentido, a
ela chegar na parte prática da pesquisa. Em meio a risadas de 1111'
r-rvaçáo dos jogos de sedução entre as mulheres não pôde
todas as pessoas na mesa, a moça se vira na minha direção c ,I I observada sem a participação neles. Ou seja, foi exatamente
completa, Tô brincando tá, não leua a sério. I l/I 'nela parte dos jogos de sedução entre as mulheres que pude
uma situação como essa, em uma mesa de bar, fi C< 1 lllwncler sobre eles. Esse talvez seja um dos motivos que faz
evidente que as mulheres estão significando a minha conversa f 1111
que a observação participante seja uma técnica tão estimada
com Verônica como uma espécie de flerte, característico ele 11,I .uuropología, pois ela permite que, partindo de interações e
uma situação de conquista sexual. Analiso esses exemplos 1110I( oes interpessoais de caráter subjetivo, se produza (através
como extremamente i1ustrativos de uma forma acionada pelas 11,I 1)1iscrvaçao de recorrências de classificação e apreciação)
mulheres para falar de sexualidade num ambiente público atra I Ic n u-nros objetivos acerca da configuração estudada.
vés de brincadeiras e provocações verbais. esse contexto, esse sentido, Machado (2003), pesquisando sobre as
as considerações de Bozon são fundamentais para entender II l'l<'sentações masculinas acerca das decisões sexuais e
aquela forma de falar de sexualidade e me posícionar no campo I 1)1odutivas, também se defronta com essa especificidade
não de maneira a fugir das brincadeiras, e sim explorá-Ias como 1.1pesquisa etnográfica na área de sexualidade e gênero. No
metáforas utilizadas para falar sobre sexualidade. 'Ilte .to estudado pela autora, além da possibilidade de ínves-
Esse exemplo demonstra que a minha inserção HO grup() I I" ..,('xual, que caracteriza a situação de entrevista, o fato da
e o fato de estar fazendo uma pesquisa sobre sexualídadc I" ',llllisadora "ser uma mulher pesquisando entre homens"
era em si uma oportunidade do grupo de falar sobre sexo. Dí1 Ir 111'11("(1
um tipo de interação específico que informa sobre as
mesma forma, ao me apresentar como nossa estagiária, Aline- 11I,li ocs de gênero construídas entre os sujeitos pesquisados.
está usando o termo estagiária de forma a jogar com uma pos I ~:llllclo a autora, "a relação que se estabelece em campo
sível ambigüidade acerca da nossa relação. Esse jogo com d 1h Ido a expectativas de gênero) indica elementos como: as
ambigüidade fica explícito no momento da chegada de outras I" I',I( ()('S ocupadas, os espaços permitidos, os constrangímen-
mulheres às quais também sou apresentada. Uma delas pel 1II g( -rados. as dificuldades em falar de certas questões em
gunra: Como assim estagiária, ela trabalha com uocês? E Lívi.t " II -nnínados momentos" (MACHADO, 2003: 37). A partir disso,
responde: Ela estuda homossexualidade feminina e nós estanv». I'. III (>1irias escolhas meto do lógicas passam a ser orientadas
ensinando umas coisinhas pra ela a esse respeito. Assim, (l() I" 101(ollfiguração de gênero, apreendida na experiência etno-
mesmo tempo em que ela está comunicando às amigas qu: 'I. Ill( d. Da mesma forma, no que concerne à pesquisa sobre
está me ajudando a encontrar outras pessoas para parricip.u 111
11II1)SS( xualídade feminina, as estratégias rnetodológícas
da pesquisa, ao usar o termo estagiária, ela insinua que ncs-«: .un se pelas expectativas
I r.u 11011 de gênero e pela situação de
assunto, elas estão me instruindo. 1'0111
(,Iid potencial que caracterizaram a pesquisa de campo.
Dessas considerações resulta que a pesquisa sobre a tel11il 1)( s~(, modo, ent mdo que fazer etnografía sobre a temátíca
tica da sexualidade, ao contrário da neutralidade e obierividar I( " I ',I lldliclélcl(' nos colo 'a fr nre a essa "vontade de saber",
das técnicas de mensuraçáo e .odificaçáo em ínrf s 'sté1llSI1 I 1111
I' ( dlil( 'tcnstic<l (1,1torma como a nossa sociedade lida com
cos reívíndícada por s »cólogos corno KiIlS( '\" M(l~t('rs Jol )Il~OIl I ,',,\ 11\11'IdO, 1'.1.1
S(' cxprc SSé1tanto no campo empírico quanto
iaisuct ROBINSON, 1D77). impli( d I '1111l1
I', r umo mgllll \(,l1t.l I li. li, W() ('()111(\ ('Ollllllli<l, l( 1('illt('\('('lllé11. de forma a pressupor
1111

1 ,li IIi
Nádia Elisa Meinerz
Um olhar 'XlItll n,\ inv stigação etnográfica

fi o., -ientÍficos e por técnicas de autoconl1ecimento. e rcve-


sempre essa porcncíalídactc "contagio a", referida por Batailk
\,' Iiara que seja reconhecida pelo próprio indivíduo e pelos
(1986). Ela se expr ssa tanto na avaliação das "reais" íntençóc-,
1111
!lS. A reflexão sobre a suspeita acerca das reais intenções
da realiza ão da pesquisa, quanto nas intenções e expectativa
\ , Ix -squisadora ao estudar determinada temátíca endossa a
de troca sexuais relacionadas ao fato de "falar sobre scxuaudack-
1 ""11 ntação de Foucault (1979) segundo a qual a sexualidade
que se colocam no campo empíríco.
1111\<1
sfera privilegiada da construção ídentiráría. inclusive da
IIc -nudade de pesquisador. Afinal. como se explicaria o ínteres-
4 Considerações finais 1\( I estudo de tal temática senão da própria sexualidade do
IIJ1'ltO?En arando essa pergunta. o texto objetivou evidenciar
Finalizo esse capítulo como algumas considerações accrc "
onrade de saber" a verdade sobre o interesse do sujeito no
das reflexões propostas pelas situações etnográficas apresentei
10 da sexualidade
111< que perrneia o campo científico.
das. Sugiro que elas sejam entendidas como expressivas ela..,
No que concerne à orientação metodológica. gostaria de
tensões e incertezas enfrentadas no aprendizado do ofício crru I
I lotl)(\r alguns elementos do duplo caráter da experiência
gráfico. No entanto não avalio estas incertezas como ürmtadoras
11\I >grúfica (estranhamento e familiarização) que implicam na
do trabalho. pelo contrário. encaro-as como um ínstrumcnu >
(1lIstrução do outro e ao mesmo tempo de si mesmo. O primei-
imprescindível para o pensamento. Concordando com a argll
1 I ddes é a necessidade de administrar a situação de parceria
mentação de Louro (2004), avalio as dúvidas e íncertezas como
1" I1('1)(-ial que se coloca nos espaços de socíabilídade e de busca
uma espécie de "gatilho para a investigação". o qual é respon
111
I1p.irccíras. Ou seja. além de uma pesquisadora interessada
sável pelo estímulo à busca continuada do conhecimento.
1\11( <tudo da homossexualidade feminina. no campo. eu era
As questões apresentadas acerca das familiaridades e cio..,
t.lIlIl>el11 uma parceira potencial. Ao invés de pensar nisso
estranhamentos com o grupo pesquísado foram selecionada-
( (111
\() uma dificuldade. eu procurei explorar essa condição para
porque são expressivas dos dilemas eptsremológicos e ostra
11
11c-c-ncícrsobre as formas como as parcerias se constituíam:
régias rnerodológícas que pautam o trabalho de campo sobre-
h I1.uravés da participação nos jogos de sedução e conquista
sexualidade. Chamar atenção para tais situações e para o 1)(r
ti" Inulhcrcs que fizeram parte da experiência etnográfica que
curso da pesquisa de campo me parece fundamental porque:
I 11l>ll( le apreender as práticas e os significados relacionados à
permite uma objetivação da experiência ernográüca à medida
I (1llStiluiçüo da parceria nomocrónca feminina.
que tal procedimento fornece elementos para uma leitura crltk,
t im outro aspecto para o qual procurei atentar foram os
dos dados colerados e das interpretações realizadas.
'I'( -nrcs níveis de familiaridade
(1111 implicados na relação com o
Ao propor que se discuta a pesquisa científica como um.i
1,1l"x i pesquisado. ncsre modo. entendo como fundamental a
modalidade de experiência moral. refletindo sobre as Impltc: I
1111 >jlosi '<'10 ele Auge:' (1999) acerca dos sentidos cios outros. a
ções teóricas. históricas e políticas do emprego de determinado:
( I' ,di pr('v(' é\ ímportáncía ele se levar em conta o que os outros
conceitos. sugiro a necessidade de relatívizar a forma corno
1" IIS,\I\1 sollre él~ suas relações (sohr ' as q tais o pesquisador
a nossa sociedade dá sentido à hornosscxualtdad '. Ou sejd,
,I' d( ,(!t( cI) (' () modo como eles claborarn sentidos acerca da
tomando a sexualidade omo um elemento que CO))('( ntra cI
111.11
ciO ( (>11\() p('..,qllisc \(lor.
verdade sobre () sujeito. él CllI<\1 eleve 0.,('1il1\ ('stigcldtl p( los Sei

I II
I I I
Um olh.ir ~, ual na investigação etnográfica Nádia Elisa Meinerz

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