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A destruição
da terra
sem males:
o conflito
religioso do
Caldeirão
de Santa Cruz
do Deserto
“ O MILAGRE DA CORDA
A esperança é uma corda. Segundo tal rito, o oficiante –
faquir, xamã… ou malabarista – lança uma corda, qual um
laço. A corda eleva-se ‘no ar’, muito alto, sempre mais alto.
Deveria cair. Mas o oficiante assegura que ela se fixou
misteriosamente em algum lugar e, como prova, ele próprio
ou seu discípulo sobe pela corda.
A corda não se desprende. Sustenta-se, firme. E suporta
o peso do homem que sobe” (Desroche, 1985, p. 7).
O
surto messiânico-milenarista que eclodiu no Brasil, em meados do
século XIX e primeira metade do século XX, tem suas origens nas pre-
recentemente publicada (Franco & Mourão, 2005) por José Eduardo Franco e José
ANTÔNIO MÁSPOLI
DE ARAÚJO GOMES
é pesquisador do
Laboratório de
Psicologia Social e
Estudos da Religião
da USP e professor
da Universidade
Presbiteriana
Mackenzie.
Idade Média. De fato, Joaquim de Flora O mito, portanto, segue essa mesma lei.
(1130/35-1202), teólogo contemplativo Coomaraswamy (apud Withmont, 1990)
da Ordem de Cluny, foi um dos mais in- coloca que a narrativa mítica tem uma
fluentes espíritos do século que marcou o validade que ultrapassa o tempo e o espa-
nascimento da figura do intelectual e das ço, e é verdadeira em todo momento e em
universidades. todo lugar. Ademais, é exatamente por sua
A originalidade dos seus escritos deve- universalidade que ele pode ser narrado,
se, sobretudo, à preeminência que dá, no com igual autoridade, de vários pontos de
livro Concórdia Nova, ao Espírito Santo, vista diferentes.
relativamente ao Pai (Idade dos Anciãos) Desroche (1985, p. 40) afirma que:
e a Jesus Cristo (Idade dos Jovens). As
duas primeiras idades correspondiam aos “Os mestres da suspeita – Marx e Nietzs-
tempos primordiais da humanidade e à era che particularmente – esforçaram-se para
de Cristo. Esse ponto de vista transgredia desmascarar as ciladas da alienação. Será
a concepção comumente aceita de que o a esperança – como a religião – a atitude
Gênesis bíblico correspondia a um Paraí- do homem que ainda não se encontrou ou
so terrestre em que o homem e a mulher então já se perdeu novamente? Ou, para
(Adão e Eva) tinham sido perfeitos e, por retomar os termos de Marx, ‘o sol ilusório
isso, felizes, até a queda pecaminosa que que se move ao redor do homem enquanto
os fizera perder a pureza que era própria da este não se mover ao redor de si mesmo’?
sua grande espiritualidade. ‘Alma de um mundo sem alma e espírito
Joaquim Flora influenciou o padre An- de uma situação sem espírito?’ ‘Auréola
tonio Vieira, especialmente em sua defesa de um vale de lágrimas?’. Finalmente,
perante o Tribunal do Santo Ofício. Essa de- ‘ópio do povo’? Todas essas acusações se
fesa encontra-se publicada em dois volumes mostram contundentes ainda mais quando
pela Universidade Federal da Bahia. Vieira tomam por alvo uma ou outra das situações
influenciou com seu pensamento a constru- correspondentes precisamente às formas
ção do sonho messiânico brasileiro. quer de uma esperança volatilizada quer de
Desroche (1985 e 2000) corrobora para uma esperança vedada… Esse ponto já foi
aproximar o messianismo milenarista da analisado e é desnecessário voltar a ele”.
estrutura onírica.
O fenômeno messiânico (Silva, 2006,
“Se a esperança é um sonho em vigília pp. 14-8) do campo religioso tem uma
como já o queriam Aristóteles ou Platão, história recente na academia brasileira.
este sonho em vigília coletivo deve ser Fenômenos como Canudos, Contestado,
paradoxalmente um de seus momentos de Pedra Bonita e Caldeirão foram pesquisa-
‘plenitude’. Cabe à sociologia esclarecer dos sob diversos aspectos: político, militar,
este sonho ‘da mesma maneira e pelas social, econômico, etc. No entanto, esses
mesmas razões que o sonho esclarece o fatos ainda não foram considerados sob a
social’” (Desroche, 1985, p. 22). perspectiva da variável religiosa. A ques-
tão religiosa quase sempre foi deixada de
Pode-se considerar o sonho também lado nas pesquisas, como algo de somenos
como alienação. Esse é o principal limite importância, seja pela falta de espaço na
imposto aos estudos realizados a partir da academia para pesquisas dessa natureza,
matriz da psicologia histórica de Jean Pierre- seja pela exiguidade de pesquisadores in-
Vernant e Carl Gustav Jung. Esse é um risco teressados no tema.
que o pesquisador terá que correr. A análise desses fenômenos sob a
Assim, o sonho é a fonte conhecida de perspectiva das ciências da religião pode
representação mitológica costumeira, o contribuir para compreender importantes
qual descreve uma situação em termos de movimentos sociais ocorridos no Brasil
verdade e de realidade psíquica interiores. em meados do século XIX e na primeira
BIBLIOGRAFIA
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