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O BRASIL NA A MIRA DE HITLER

Roberto Sander
Contracapa
"Os gritos de pânico, inicialmente abafados, logo passaram a ecoar por todos os
lados. Não havia como pensar em outro motivo para aquela tragédia. As notícias de
torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães há muito se tornaram rotina
nos grandes jornais. Desde fevereiro, nada menos que 13 haviam sido afundados. E, de
novo, o pior acontecera. O Baependi começava a adernar (...). Não restava outra
alternativa senão pular do navio prestes a naufragar." Esta é uma história surpreendente e
dramática, que pouca gente conhece. Durante a Segunda Guerra Mundial, 34
embarcações brasileiras foram torpedeadas, causando a morte de 1.081 pessoas, a maioria
civis inocentes. Nem nos campos de batalha morreram tantos brasileiros.
O Brasil na Mira de Hitler resgata esse capítulo da nossa história recente.
com uma pesquisa rigorosa e uma ágil narrativa jornalística, o livro é um relato
essencial sobre os afundamentos de navios na costa do Brasil por submarinos nazistas, a
ação dos espiões de Hitler em solo brasileiro e a agitação nos bastidores da política do
governo Vargas durante a guerra.

Orelha:
Os passageiros do navio Baependi, do Lloyd Brasileiro, dançam no salão ao som
de uma orquestra, quando uma explosão sacode brutalmente a embarcação. Estamos em
15 de agosto de 1942. Das 306 pessoas a bordo, apenas 36 sobreviveram. Os náufragos -
assim como cadáveres e destroços - chegaram ao litoral nordestino, transformando a
paisagem bucólica num cenário de horror.
O afundamento do Baependi foi um dos episódios mais trágicos da campanha de
torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos nazistas durante a Segunda Guerra
Mundial. Foi também o ponto culminante de uma série de eventos que levariam o governo

VargasEma, finalmente,
O Brasil naaderir
Miraàs forças aliadas
de Hitler, o ejornalista
declarar guerra
Robertoà Alemanha de um
Sander faz Hitler.
relato
envolvente das intensas negociações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos;
reproduz depoimentos dramáticos de náufragos; recria o desmantelamento da rede de
espiões nazistas no Brasil; e expõe as intrigas, desavenças e hesitações do governo
Vargas, num teatro de guerra que colocava o país em cena.
Resultado de uma pesquisa minuciosa em arquivos públicos, fundações e
bibliotecas, o livro dá vida ao momento histórico em que o Brasil ficou definitivamente na
mira de Adolf Hitler.
A história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas

ISBN 978-85-_7302-868-3
Roberto Sander O BRASIL NA A MIRA DE HITLER

A história do afundamento de navios brasileiros pelos nazistas

Consultoria Técnica

Vágner Camilo Alves, Professor do Departamento de Ciência Política e


Coordenador da Área de Defesa do Núcleo' de Estudos Estratégicos da Universidade
Federal Fluminense (UFF)

Francisco Pereira Cascardo, Capitão-de-Mar-e-Guerra e Doutor em Ciências


Navais da Marinha
OBJETIVA ***

"No Brasil se acham reunidas todas as condições para uma revolução que
permitiria transformar um Estado governado e habitado por mestiços numa possessão
germânica." AdolfHitler
Sumário
Terror na praia................................................................................................................................................................ 8
O teatro da diplomacia ................................................................................................................................................. 10
O rompimento .............................................................................................................................................................. 18
Carnaval sombrio ......................................................................................................................................................... 26
O adeus do Olinda e o mistério do Cabedelo ............................................................................................................... 33
Tempos violentos ......................................................................................................................................................... 38
O heroísmo do comandante Pequeno ........................................................................................................................... 42
Verão no Rio Negro ..................................................................................................................................................... 47
Os tentáculos do nazismo............................................................................................................................................. 52
O espião apaixonado .................................................................................................................................................... 60
Caso Lati e a queda de Engels...................................................................................................................................... 66
O desmonte da rede e a reação do Reich ...................................................................................................................... 73
Corsários atlânticos ...................................................................................................................................................... 78
A guerra anti-submarina............................................................................................................................................... 82
Tiros de maio ............................................................................................................................................................... 88
O simbolismo do Comandante Lira ............................................................................................................................. 93
Fogo em terra e mar ..................................................................................................................................................... 98
Germanófilos perdem poder ....................................................................................................................................... 103
Pobre Lídice ............................................................................................................................................................... 109
O fim trágico do velho vapor ..................................................................................................................................... 115
A declaração de guerra............................................................................................................................................... 130
Fuzilamento em alto-mar ........................................................................................................................................... 138
Tempo de estabelecer estratégias............................................................................................................................... 144
Uma nova era desponta no horizonte ......................................................................................................................... 153
Bibliografia ................................................................................................................................................................ 162
Agradecimentos ......................................................................................................................................................... 165
Terror na praia
Primeiro chegaram malas, caixotes, fardos de algodão e lascas de madeira de algo
que lembrava uma embarcação; mais tarde, cadáveres. A imagem de corpos de homens,
mulheres e crianças boiando ou já estirados nas areias brancas da praia perto da vila de
Mosqueiro, alarmou os habitantes das redondezas.
Levada pelos pescadores, a notícia não demorou a chegar ao cais do porto de
Aracaju. E mais gente era informada dos horrores que a correnteza trazia do alto-mar.
O coronel Maynard Gomes, interventor sergipano, se apressou em saber se era
verdade o que se espalhava de boca em boca pela capital. Ordenou que patrulhas da
polícia estadual se dirigissem ao local.
Ao chegarem à orla, justamente nas proximidades de Mosqueiro, constataram que
não se tratava de boato. O quadro era terrificante. Mais de cinqüenta corpos, alguns com
sinais de mordidas de peixes, se espalhavam entre destroços de navio. Incrédulos diante
daquele cenário dantesco, os homens da patrulha se perguntavam o que teria ocorrido,
pois havia também corpos de soldados do Exército, inclusive oficiais.
A praia, antes deserta, agora estava cheia de moradores dos povoados vizinhos. No

decorrerosdomortos.
velaria dia, as Apesar
ondas trariam outrasa evidências
de viverem da do
rotina pacata hecatombe, e uma noite
litoral nordestino nosde lágrimas
anos 1940,
todos ali, no fundo, suspeitavam do que poderia ter provocado tão grave acidente. Logo a
dor se transformaria em revolta.
Os restos do Baependi, que primeiro aportaram na costa sergipana naquele 16 de
agosto de 1942 (horas depois chegariam os do Araraquara e do Aníbal Benévoloj, eram
resultado de meses de crescentes hostilidades, uma tragédia anunciada. Desde que se
aliara aos Estados Unidos, rompen- 19 do relações diplomáticas com o Eixo - aliança
entre Alemanha, Itália e Japão na Segunda Guerra Mundial -, o Brasil, que tinha no
chamado Saliente Nordestino um ponto estratégico vital no contexto do conflito, se
tornara, mesmo se declarando neutro, alvo dos torpedos de Hitler. Navios eram afundados
em série por submarinos alemães e italianos, enquanto uma complexa rede de espionagem
nazista, há muito enraizada no país, tentava criar as condições para uma futura invasão.
No louco sonho de domínio do mundo do Terceiro Reich, o Brasil ocupava um
lugar de destaque. "Lá edificaremos uma nova Alemanha",1 chegou a sentenciar o
Führer em um dos seus delírios.
Para uma ala do governo Vargas, essa idéia, inicialmente, não era totalmente
absurda. Foi preciso um acirrado embate político-ideológico para que prevalecesse a
solidariedade continental, o apoio aos norte-americanos, que, recém-agredidos em Pearl
Harbor, exigiram uma postura clara dos seus vizinhos. Os bastidores da diplomacia
passaram, então, a ser foco de todas as atenções, já que o Brasil, percebendo que não
possuía meios de se defender sozinho, cobrou imediatamente colaboração do novo aliado.
O auxílio custou a chegar. Os brasileiros ficaram, assim, à mercê de ataques traiçoeiros
dos submarinos do Eixo. A bordo de navios nacionais, mais de mil pessoas morreram.
Para se dimensionar o impacto que esses acontecimentos tiveram é essencial ter em
mente o significado da navegação para a população, nas décadas de 1930 e 1940.
Na época, as rodovias padeciam de sérias limitações, as ferrovias não interligavam
as diversas regiões do país e a incipiente aviação comercial era um luxo para poucos. Do
norte ao sul do país, o povo andava de navio. Não havia outra forma de se realizar a tão
almejada integração nacional do que era ainda considerado o "arquipélago brasileiro ".
Depois de exatos 65 anos, persistem algumas contradições a respeito dos
torpedeamentos. Muitos continuam a aventar a inconsistente hipótese de que foram os
próprios norte-americanos, com o intuito de empurrar o Brasil 1 A afirmação consta no
livro Hitler ma dit (Hitler me disse), do ex-oficial prussiano Hermann Rauschning, um
dos mais próximos colaboradores do ditador nazista.
Em 1940, vários trechos da obra foram reproduzidos num relatório do
Departamento Federal de Segurança Pública. Acervo do Arquivo Público do Rio de
Janeiro. Pasta 10. Caixa 0755. Setor Alemão.

rompidospara o conflito,
com o Eixo os responsáveis
e os pelos afundamentos,
Estados Unidos como
não precisassem dassematériasprimas
já não estivéssemos
que
nossos navios carregavam para o seu esforço de guerra. Outros dizem que os
afundamentos aconteceram por causa da nossa declaração de guerra à Alemanha e à Itália,
quando na realidade foram os ataques às embarcações que nos levaram a tomar tal
decisão.
Essas versões se dissolvem de vez quando trazemos a luz os mais variados
documentos, alguns em precário estado de conservação, e o vasto noticiário dos jornais da
época, disponíveis apenas em arquivos públicos, fundações e bibliotecas. São as provas
irrefutáveis e definitivas de que um dia o Brasil esteve sob a mira de Hitler.
O ministro Oswaldo Aranha, principal estrela da Conferência dos Chanceleres,
realizada no Rio de Janeiro, foi o maior articulador do rompimento das relações
diplomáticas com o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) O subsecretário de Estado
norteamericano, Sumner Welles, trabalhou intensamente pelo entendimento político entre
os governos Vargas e Roosevelt.
O teatro da diplomacia
Aquele 15 de janeiro de 1942, uma quinta-feira ensolarada em que a temperatura
ficara em torno dos 35 graus, tinha todos os ingredientes de um dia especial. Desde cedo,
os arredores do majestoso Palácio Tiradentes, no centro da capital da República, já
apresentavam um movimento incomum, com agentes do FBI e da polícia carioca
espalhados em pontos estratégicos inspecionando o local. No decorrer da tarde,
caminhões e mais caminhões chegavam de fábricas e usinas trazendo centenas de
operários empunhando bandeiras nacionais e flâmulas com legendas que reafirmavam o
pan-americanismo. Como todos os eventos patrocinados pela ditadura do Estado Novo, a
in Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores das Repúblicas
Americanas (a Conferência dos Chanceleres) precisava da presença das massas, do
homem do povo. E povo não faltava. com o comércio fechado e o trânsito interrompido
duas horas antes da abertura solene da conferência, marcada para as 17h30, a avenida Rio
Branco, da Cinelândia até as ruas São José, Sete de Setembro e Assembléia, era um mar
de gente.
A efervescência daquele momento se completava com a presença de inúmeros
jornalistas, das mais diversas procedências, circulando inquietos pelas dependências e
imediações do Tiradentes. Havia um leve frisson no ar, e um intenso burburinho brotava
em cada esquina da cidade. O Rio de Janeiro se mobilizara como em poucas ocasiões para
homenagear as delegações dos 21 países continentais presentes. O interesse era tanto que
até alto-falantes foram instalados na entrada do palácio para que o público pudesse ouvir
os discursos. O ambiente festivo, contudo, não impediu que aflorassem boatos semeados
pela Polícia Política. Falava-se a respeito de uma possível tentativa, por parte de "ele-
mentos esquerdistas", de provocar agitações - como o quebra-quebra de estabelecimentos
comerciais germânicos - para criar um clima que levasse o Brasil a entrar na guerra ao
lado dos Estados Unidos. Rumores insinuavam que "com a saída de forças do Brasil para
o exterior, teriam os supostos agitadores maiores probabilidades de êxito no
desencadeamento da revolução comunista".1 Alheio a essas suspeitas, Oswaldo Aranha
foi o primeiro a chegar ao Palácio Tiradentes. Ministro das Relações Exteriores, homem
de confiança
Desde do presidente
os tempos Getúlio
da Revolução de Vargas, ele vivia
30, embora muitaso ápice
vezes da sua carreira
discordasse de política.
Vargas,
Aranha sempre se mostrara um fiel escudeiro.2 Dono de oratória sedutora, advogado
brilhante, que estudara direito internacional na Universidade de Sorbonne, em Paris, foi o
mais importante articulador da conspiração que levara Vargas ao poder. No dia em que
eclodiu o movimento golpista, chegou a liderar os ataques aos quartéis que sediavam, em
Porto Alegre, o comando do Exército e da Região Militar. Era um homem de sólida
formação intelectual e um habilidoso negociador que não teve dúvida, porém, em
empunhar um revólver e comandar as invasões que tiveram como saldo a morte de um
coronel. Foi também Aranha quem conduziu as conversações para que a junta militar
entregasse o governo provisório a Getúlio Vargas.
1 Documento da Polícia Política do Distrito Federal de 5/1/1942. Rolo 19,
fotograma 0920. CPDOC/FGV.
2 Segundo Alzira Vargas, a filha mais próxima de Getúlio, em seu livro Getúlio
Vargas, meu Pai, os dois amigos brigaram e fizeram as pazes diversas vezes, "na verdade
se completavam nos defeitos e qualidades". Na ocasião do golpe do Estado Novo, por
exemplo, Aranha chegou a encaminhar por telegrama a Vargas o seu "indeclinável"
pedido de fosse
pediu que exoneração das funções
dispensado somentede embaixador
quando chegassedoaoBrasil nos diminuir
Rio, para Estados Unidos. Mas
o impacto da
sua decisão nos Estados Unidos, onde, em Cleveland, acabara de fazer uma palestra
condenando os Estados totalitários. O que o incomodava não era tanto o golpe, que
julgava necessário, mas sim a constituição, que, segundo ele, "era redigida por um
anormal (Francisco Campos, ministro da Justiça), sem princípios, sem normas".
Era a "revogação do Brasil", pois estabelecia "um regime incompatível com as
tradições do país", diria ainda Aranha. No entanto, depois de muito refletir, percebendo
que não teria tanta influência fora do governo, acabou aceitando o convite de Vargas para
ser o ministro das Relações Exteriores. Como titular do Itamaraty, teria autoridade para
manter o Brasil distante das garras do Eixo e atenuar a influência de Francisco Campos
sobre o presidente.
24 Jamais lhe faltara imaginação e muito menos capacidade de conspirar. No
processo revolucionário, durante o levante no município de Princesa, no interior da
Paraíba, Aranha recorrera a um engenhoso artifício para que a ordem fosse restabelecida.
Como o governo federal proibira o embarque de munição para um estado que fazia parte
da aliança contrária aos seus interesses, ele teve a idéia de enviá-la em latas de compotas
de ameixas secas e de pêssegos em calda. O plano contara "com a patriótica colaboração
dos proprietários da fábrica Leal, Santos & Cia", que comercializava os produtos desde a
capital gaúcha. com essa munição, recebida de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, João
Pessoa - presidente da Paraíba e vice de Getúlio Vargas - impediu que o levante se
alastrasse por todo o sertão.
com esse mesmo espírito arguto, Oswaldo Aranha trabalhava incansavelmente para
que o Brasil estreitasse suas relações com os Estados Unidos. Seu empenho era tão grande
que a Gestapo chegou a planejar o seu assassinato às vésperas da Conferência dos
Chanceleres. com esse objetivo, enviou clandestinamente ao Brasil um agente chamado
Franz Walter Jordan. Considerado um homem bastante perigoso, Jordan chegou à costa
brasileira num submarino, sendo posteriormente embarcado no navio mercante Leck, de
bandeira alemã, que o levou até o porto do Rio de Janeiro. O interesse na eliminação do
chanceler brasileiro era tal que Heinrich Himmler, o chefe da polícia secreta do Reich,
orientou, pessoalmente, o agente sobre o plano, entregando-lhe em mãos o dinheiro da
viagem. Esperava com isso criar um clima de terror de grandes proporções, que evitasse a
realização da conferência que certamente iria contrariar os interesses da Alemanha na
guerra. Em 10 de janeiro, Getúlio Vargas já reunira seus ministros e comunicara que o
Brasil iria alinhar-se aos Estados Unidos; quem não concordasse que pedisse demissão. A
perfídia contra Aranha só foi abortada devido às diligências realizadas pela polícia
brasileira, em conjunto com o FBI e o Serviço Secreto Inglês, nos dias que antecederam a
conferência. Na operação, 36 agentes do Eixo foram identificados e presos, entre eles
Franz Walter Jordan.3 Vim ao Brasil mandado pela Gestapo para assassinar o ministro
Oswaldo Aranha." A confissão de Franz Walter Jordan, durante seu julgamento, espantou

os ministros
prisão, do Tribunal
pena cumprida no de Segurança
presídio da IlhaNacional. Jordan
Grande, no foi do
Estado condenado a nove anos de
Rio de Janeiro.
25 Era a comprovação de que a fama de democrata de Aranha rompera
fronteiras. No ministério, era o principal contraponto aos generais Góes Monteiro, chefe
do Estado-Maior do Exército, e Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra,4 que não
disfarçavam a admiração pelo modelo autárquico e militarista adotado pelas nações
nazi-fascistas.
Góes Monteiro era, inclusive, assíduo freqüentador de recepções na embaixada
alemã, chegando a ser condecorado por Karl Ritter, representante de Hitler no Brasil até o
fim da década de 1930. Por essas e outras, ele foi acusado pelo seu equivalente americano,
o general George Marshall, de fazer vista grossa diante das notórias atividades de espiões
nazistas
violenta que agiam livremente
repressão à chamadanoIntentona
Brasil. Dutra, por sua vez,
Comunista, que havia
levouatuado intensamente
à prisão na
Luís Carlos
Prestes.
Apesar das afinidades - segundo Prestes, se gabavam de ser "os prussianos das
Américas" -, os dois homens fortes do Exército tinham estilos bem distintos. Enquanto
Góes Monteiro era espalhafatoso gostava de aparecer no Palácio Guanabara em trajes
civis, geralmente um terno de linho branco amassado, gravata desamarrada e
chapéu-panamá -, Dutra era mais sóbrio - intelectualmente limitado, mas determinado no
trato político.
Naquele momento, o embate ideológico travado no núcleo do governo começava a
pender irreversivelmente para o lado de Aranha. Embora toda a estrutura do governo
Vargas fosse calcada em princípios totalitários, e o presidente muitas vezes em seus
discursos tivesse endossado tais teorias, apoiando investidas beligerantes da Alemanha e
chamando a atenção para a fraqueza das democracias liberais, os últimos acontecimentos
favoreciam a argumentação do chanceler.
4 Dutra e Góes Monteiro foram próceres do golpe do Estado Novo (1937), dando
sustentação para que Getúlio Vargas implementasse medidas antidemocráticas
(fechamento do congresso, perseguições políticas, censura à imprensa, entre outras) que
aproximaram a estrutura do regime brasileiro de doutrinas totalitárias semelhantes às que
caracterizavam tanto o governo fascista de Mussolini como o nazista de Hitler. Como
ocorreram sucessivos expurgos entre os militares desde a Revolução Constitucionalista de
1932, a unificação das Forças Armadas ainda era um fenômeno recente, o que tornava
conveniente ter um civil no poder. Do contrário, poderia acontecer uma fragmentação nos
quartéis, o que não interessava nem a Dutra nem a Góes Monteiro.
Recebido por Lourival Fontes, diretor-geral do Departamento de Imprensa e
Propaganda - o DIP5 -, Oswaldo Aranha subiu as escadarias do Tiradentes sensibilizado
pela ovação entusiasmada. Depois foi a vez de o subsecretário de Estado norte-americano,
o elegante e longilíneo Sumner Welles, experimentar o calor dos aplausos da platéia que,
pacificamente, se acotovelava
sorriso, que alargava levementeatrás do afilado,
o rosto cordão revelavam
de isolamento. O aceno
um dos espontâneo
traços mais eo
marcantes
da personalidade carismática de Welles: a simpatia. Doutor em leis pela Universidade de
Columbia, tendo estudado também em Harvard, fora, em 1940, o emissário enviado pelo
presidente Franklin Roosevelt aos países europeus em guerra. Conhecia bem os efeitos do
conflito que se alastrava inexoravelmente - para os Estados Unidos, em particular, depois
do ataque japonês à base de Pearl Harbor, ocorrido havia pouco mais de um mês. E aquela
não fora a primeira vez que Welles percebera que era bemvindo. Na sua chegada, no
aeroporto Santos Dumont, a bordo do quadrimotor anfíbio Yankee Cliper, considerado na
época o maior avião comercial do mundo, os cariocas também o cobriram de reverências.
Era o reconhecimento por Welles, firmemente, "preconizar que os Estados Unidos
baseassem suas relações com a América Latina na mais completa igualdade".6 A presença
de Sumner Welles no Brasil dava bem a medida da importância da conferência. Os rumos
da política de um continente inteiro em relação à Segunda Guerra Mundial estavam por
ser definidos e isso criava um ambiente de angustiante incerteza. Além da prisão de um
agente que pretendia matar Oswaldo Aranha, uma nota da embaixada americana falava da
possibilidade de outros atos de sabotagem e de um ataque ao Nordeste, que poderia
acontecer "dentro de um mês". A 7a Região Militar chegou a solicitar ao Alto-Comando
do Exército os meios para fazer a devida proteção da área. Esse era o panorama do en- tsse
talvez fosse o departamento mais importante na estrutura do Estado Novo. Além de
exercer o controle sobre todos os veículos de comunicação, tinha a função de trabalhar na
construção da imagem do presidente da República, associando-a às realizações do go-
verno.
6 r>-/.
Diário Carioca - 15 de janeiro de 1942.
26 27 contro que transformara o coração da capital da República, segundo o
Diário Carioca, "no centro das atenções do mundo".
Somente quando todos os ministros já se encontravam em seus assentos,
exatamente às 17h25, o presidente Getúlio Vargas deixou o Palácio Guanabara para o
importante compromisso no Tiradentes. Acompanhado por membros da Casa Civil e
Militar, desfrutou de "manifestações de apreço" do povo ao percorrer em carro aberto a
rua Paissandu e todo o trecho da Praia do Flamengo até a altura da avenida Rio Branco.
No percurso não foram gastos mais de vinte minutos. As 17h45, Vargas chegava ao
plenário do palácio, onde pôde testar outra vez sua popularidade. Assim que entrou no
recinto, trajando um elegante terno branco, as tribunas e galerias lotadas pela elite
estado-novista vibraram com as palmas calorosas, que, segundo o Correio da Manhã, "se
prolongaram por cinco minutos". À sua direita estava o interventor do Estado do Rio de
Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, casado com a sua filha Alzira, e à esquerda os chefes
do Estado-Maior do Exército e o Cardeal Dom Sebastião Leme. Ao receber a palavra de

Oswaldo"É Aranha,
propósitoque
dosabriu a Conferência
brasileiros dospalmo
defender, Chanceleres,
a palmo,Vargas discursou:
o próprio território contra
quaisquer incursões e não permitir que possam suas terras e águas servir de ponte de apoio
para o assalto às nações irmãs. Não mediremos sacrifício para a defesa coletiva (...)
Nenhuma medida deixará de ser tomada a fim de evitar que, porta adentro, inimigos
ostensivos ou dissimulados se abriguem e venham a causar dano, ou pôr em perigo a
segurança das Américas."7 Depois de falar, Vargas agradeceu as manifestações de apoio,
recolheu os óculos e afastou-se. Ao sucedê-lo na tribuna, Sumner Welles referendou-lhe
as palavras.
E foi mais longe:
"Aprendemos pela experiência trágica (...) que todas as normas da decência e do
direito internacional sobre as quais repousavam as esperanças de um mundo pacífico (...)
foram totalmente ignoradas por Hitler e por seus satélites desprezíveis. O meu governo
julga que devemos desde já começar a executar planos vitais para a defesa humana do 7
Correio da Manhã- 15 de janeiro de 1942.
hemisfério (...) Mais vale a um povo combater gloriosamente para salvar a sua
independência; mais vale a morte na batalha para salvar a liberdade que agarrar-se aos
farrapos do falso ideal de uma neutralidade ilusória."8 Era evidente que a posição do
Brasil diante da Segunda Guerra Mundial mudaria drasticamente. As conseqüências dessa
decisão logo seriam sentidas:
"Estamos irreversivelmente colocando em prática o pan-americanismo",9 diria
Oswaldo Aranha em transmissão radiofônica aos Estados Unidos.
Como presidente da conferência, eleito por aclamação, Aranha já afirmara, no
início dos trabalhos, que "o pan-americanismo nunca foi um fim continental, mas um todo
político; um meio de atingir finalidades mais amplas, porque universais".
A partir dali, o Brasil não mais poderia praticar plenamente a neutralidade fixada
através dos Decretos n. 4.623 e 4.624, de 5 de setembro de 1939, assinados poucos dias
depois da eclosão do conflito. Desde então, o mundo vivia estremecido por uma forte
turbulência em matéria de política internacional, e Vargas, como um bom jogador, se
aproveitara disso para obter vantagens comerciais. Adotava, pragmaticamente, uma
postura pendular, ora dando sinais de aproximação com a Alemanha nazista, ora com os
Estados Unidos.
com o acirramento das hostilidades e a interrupção do comércio marítimo com a
Europa, causados pelo bloqueio naval inglês, esse malabarismo estava chegando ao fim.
Vargas percebia que o melhor a fazer era bandear-se para o lado dos norte-americanos.
Além de tudo, sentia-se pressionado. Em 10 de dezembro de 1941, três dias depois do
ataque surpresa a Pearl Harbor, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Cordell Hull,
ao solicitar a convocação em caráter de urgência da Conrerencia dos Chanceleres,

rechaçaradesde
previsto a oferta do Chile
a última de sediar
reunião o encontro
em Havana, teria etalconfirmara
privilégio.que o Brasil, como estava
8 Correio da Manhã Idem.
15 de janeiro de 1942.
28 29 Aquela altura, as peças do tabuleiro de xadrez da política mundial se
mexiam freneticamente. A agressão japonesa aos Estados Unidos, engendrada pelo
almirante Isoruku Yamamoto, gerou uma avalanche de declarações de solidariedade. Em
8 de dezembro, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Haiti, São Domingos e Panamá
também entraram na guerra contra o Japão. O Peru ofereceu colaboração aos americanos
no que fosse preciso - com sua costa toda voltada para o Pacífico era um país
estrategicamente importante. Já Bélgica, Colômbia, Egito e Grécia rompiam relações
diplomáticas com os japoneses. Ainda no dia 8, Vargas convocou o ministério e anunciou
solidariedade aos Estados Unidos. O governo venezuelano acompanhou a decisão
brasileira. No dia seguinte, foi a vez da Costa Rica declarar guerra ao Japão. Dia 10, Cuba
fez o mesmo. No dia 11, Alemanha e Itália declararam guerra aos Estados Unidos.
Solidário, o governo mexicano rompia também relações diplomáticas com a Alemanha e
Itália. Ainda procurando não se expor, o Brasil, no dia 17, declarava-se oficialmente
neutro, tanto no que dizia respeito à guerra entre os países europeus como a que envolvia
o Japão.
Era um panorama que fazia com que os americanos não tivessem dúvidas: apesar
das diversas manifestações de solidariedade, para resistir a qualquer ameaça de agressão,
estava na hora de promover uma unidade continental. Daí, a rapidez com que Cordell Hull
articulou a reunião no Rio de Janeiro.
Não era preciso possuir a sagacidade de um Oswaldo Aranha para imaginar as
razões que levaram os Estados Unidos a proporem a capital brasileira como sede do
encontro dos ministros. Pela extensão de suas terras, o Brasil se tornava estrategicamente
vital para a defesa da América, num momento em que o marechal Henri Phillippe Pétain,
Chefe de Estado da França não-ocupada, de influência nazista, havia autorizado a
utilização por parte dos alemães das instalações aéreas e portuárias de Dacar, no Senegal,
ponto mais ocidental da África. A distância relativamente curta dali até o chamado
Saliente Nordestino, considerado a chave da defesa atlântica do continente - 1.600 milhas
que poderiam ser percorridas em oito horas de vôo -, acentuava as preocupações
americanas. A fixação de uma cabeça-de-ponte na região poderia, através de incursões
pelo Caribe e Panamá, encontrar nos Estados Unidos pontos de vulnerabilidade, já que o
patrulhamento daquela área ainda não era o mais adequado.
Por outro lado, a partir do território brasileiro, aviões aliados estariam a um passo
dos combates. Em 1943, o aeroporto de Natal se transformaria no mais movimentado do
mundo com cerca de seiscentas operações de pouso e decolagem por dia, num fluxo
contínuo de recursos e soldados para as bases aliadas na Europa e África. Essas
condições,
credenciavasomadas
a lideraràsasriquezas
demaisnaturais
nações de
da nosso solo,doconferiam
América Sul. Nãoao país hipótese
havia um peso de
queoso
Estados Unidos admitirem o Brasil dominado pela Alemanha nazista e se cogitava, caso a
diplomacia falhasse, a invasão do Nordeste por um grande contingente do Exército
norte-americano.
Uma carta do embaixador americano Jefferson Caffery, datada de fevereiro de
1942, solicitando ao presidente Vargas autorização para que técnicos americanos fossem
enviados ao Nordeste, dava a dimensão do quanto os Estados Unidos consideravam
importante a ocupação da região:
"É desnecessário lembrar a Vossa Excelência da crescente importância da travessia
rápida de um grande número de nossos aviões para as frentes de batalha na África e no
Oriente, onde são necessitados com mais urgência. De fato, a chegada rápida desses
aviões naqueles setores tem uma influência direta nas operações militares atuais, bem
como no resultado final da guerra. Resultado este que afeta diretamente o país de Vossa
Excelência assim como os Estados Unidos. O presidente me pediu para expor o problema
com toda a franqueza e confia que Vossa Excelência não hesitará em prestar a cooperação
solicitada, uma vez que (...) torna-se, em todo o sentido, essencial para alcançarmos a
vitória sobre o Eixo."10 A conjunção desses fatores finalmente obrigava o governo
brasileiro a abandonar a postura ambígua dos últimos tempos. Uma postura que muitas
vezes criava situações embaraçosas. No auge do avanço das torças nazistas, em meados
de 1940, Vargas confabulava secretamente com o embaixador alemão Curt Pruefer no
Palácio Guanabara quando fói avisado por um oficial de gabinete que o ministro Oswaldo
Aranha
não 31 em
titubeou acabara de chegar.
"convidar" Mesmo
Pruefer desconcertado
a se retirar pela portadiante da surpresa,
dos fundos. o presidente
Não queria que seu
companheiro de lutas, então já trabalhando por uma aproximação com os Estados Unidos,
o flagrasse em um insondável encontro clandestino com um representante do Eixo.11
Impelido a se alinhar aos norte-americanos, Vargas pelo menos via com bons olhos a
figura de Franklin Roosevelt. Na posse do seu terceiro mandato (1941-45), o presidente
dos Estados Unidos reafirmara sua política de boa vizinhança:12 "Eu me empenharei no
estabelecimento de respeito aos nossos vizinhos (...) Bons vizinhos devem cumprir
acordos e respeitar tratados."13 Além disso, Roosevelt sabia como poucos ser agradável.
Chegou a enviar ao Rio de Janeiro um escultor especialmente para fazer um busto de
Vargas. E mais: em 1936, quando visitou o Brasil, encantou a todos ao relembrar, na
abertura de seu discurso, durante um banquete oferecido pelo governo brasileiro, o quanto
lhe trouxe alegria ter sido apresentado, ainda menino, em Paris, a Dom Pedro II, um
símbolo da nossa nacionalidade. Na ocasião, Vargas não lhe poupou elogios:
"O homem (...) é de uma simpatia irradiante, de um idealismo pacifista sincero, e o
próprio defeito físico (resultante de uma poliomielite que contraiu aos 39 anos), que o
torna um enfermo de corpo, aperfeiçoa-lhe as qualidades morais e aumenta o interesse por
sua pessoa.
É um orador claro, simples, cheio de imaginação (...) Mostrou-se muito 11 O
episódio na época foi relatado à chancelaria da embaixada alemã e consta em documento
apreendido no fim da guerra. Hoje se encontra no National Archives and Record Center,
em Washington.
12 Desde 1933, por iniciativa do democrata Franklin Roosevelt, que acabara de
assumir o governo, depois de uma sucessão de presidentes republicanos, os Estados
Unidos mudaram a sua forma de se relacionar com os países latino-americanos. Para
resolver conflitos, em vez de canhões e fuzileiros, era utilizado o diálogo, a diplomacia.
com isso, acabou por se incrementar um intercâmbio também cultural. Nessa
época, Carmem Miranda fazia sucesso nos Estados Unidos e artistas americanos,

freqüentemente,
européia visitavam
nos países o Brasil.
da América Eraprincipalmente
Latina, uma forma também de combater
num momento em quea influência
emergiam
no Velho Continente governos totalitários com políticas expansionistas, como as que
empreendiam a Alemanha e a Itália.
13 O Imperialismo Sedutor - A Americanização do Brasil na Época da Segunda,
Guerra Mundial. Antônio Pedro Tota. Companhia das Letras, 2001.
32 interessado em ajudar o Brasil na solução dos problemas de sua defesa
Coincidentemente Vargas perderia o filho mais novo, Getúlio Vargas Filho, vítima
também de poliomielite. Ele tinha 26 anos e morreu quando o presidente brasileiro, em
1943, tinha um encontro marcado com Franklin Roosevelt na base militar de Parnamirim,
em Natal.
14 Perfis Brasileiros. Getúlio Vargas. Boris Fausto. Companhia das Letras, 2006.
33 Encontro do presidente Getúlio Vargas com o almirante Ingrams,
comandante da esquadra naval americana, no nordeste brasileiro A manchete do jornal, de
28 de janeiro de 1942 A Reunião histórica do Rio Negro Diário Carioca O BRASIl
ROMPE com O Eixo!
A ÚLTIMA REUNIÃO DOS CHANCELERES NO ITAMARatI a
Reuniãohistórica Ruptura de Relações Acordo entre o Peru e o Equador Às 18:00 de
hoje no palácio Tiradentes, a cessão de encerramento da Conferência.
O rompimento
Era uma noite de gala no Palácio Guanabara. A poderosa iluminação realçava a
beleza clássica de sua arquitetura e revelava a grande extensão dos seus jardins, deixando
ainda mais aparente a suntuosidade do palácio que, desde 1926, hospedava o presidente
da República. Tradição e história não lhe faltavam. A construção, adquirida pelo Governo
Imperial no século XIX, fora moradia da Princesa Isabel, que lá assinaria a Lei Áurea,
acabando com a escravidão. Já em 1930, do Guanabara, ao lado do Cardeal Dom
Sebastião Leme, o presidente Washington Luís, saindo de carro por uma porta lateral para
evitar o confronto com a turba enfurecida, seguiu preso para o Forte Copacabana depois
de ser deposto.
Mas aquele era o dia 19 de janeiro de 1942, e no luxuoso salão nobre do palácio,
onde se via ao fundo uma panóplia com as bandeiras dos países sul-americanos, a
primeira-dama Darcy Vargas, ao lado da filha Alzira e do genro Ernani do Amaral
Peixoto, recebia os convidados, encaminhando-os ao jardim-de-inverno onde se
encontrava Getúlio Vargas. Aos poucos, o ambiente foi se enchendo de figuras
proeminentes. Eram diplomatas, ministros de Estado, magistrados, generais, almirantes,
brigadeiros, literatos, banqueiros e jornalistas, a nata da sociedade brasileira, além dos
representantes dos países que participavam da Conferência dos Chanceleres:
"A residência presidencial engalanou para acolher os ilustres delegados dos países
do continente numa reunião social que foi, incontestavelmente, um acontecimento de
elegância e beleza", noticiou o Diário Carioca do dia 20 de janeiro.
A recepção oferecida por Vargas foi um momento de descontração em meio aos
trabalhos dos ministros. Canapés, regados pelo melhor vinho, quebravam um pouco as
tensões provocadas pelas intensas conversações. Entre Darcy Vargas e Oswaldo Aranha,
Sumner Welles posava para os fotógrafos exibindo indisfarçável satisfação com os rumos
da Conferência. Já não havia dúvida de que atos de agressão ao continente, mesmo não
militares (sabotagem, espionagem e propaganda subversiva do Eixo), não seriam mais
tolerados. Depois de uma bem costurada articulação política, estariam em curso medidas
policiais e judiciais que garantiriam a segurança de cada estado americano.
Tudo se encaminhava para que se votasse a resolução que recomendava a ruptura
das relações diplomáticas dos países americanos com o Eixo. Em reunião no Itamaraty, no
dia 25 de janeiro, 19 chanceleres discursaram a favor dessa decisão:
"Somos um continente pacífico, mas isso não quer dizer covardia. Enfrentar o
perigo quando ele paira sobre nossas cabeças não é só defender-nos. Isto já representa
uma vitória", falou o representante mexicano Ezequiel Padilha.
Já seu colega peruano, o embaixador Alfredo Solfy Muro, sentenciou:
"Julgam os nossos homens de estado que as relações interamericanas constituem
um fim essencial de todo governo. Fizemos sempre o esforço para tornar a solidariedade
continental uma realidade." Finalmente, no encerramento da Conferência, no dia 28 de
janeiro, foi anunciada, oficialmente, a decisão histórica. A imensa maioria concordava em
romper relações diplomáticas com o Eixo. Nem o fato de Argentina e Chile haverem
assumido posição antagônica diminuiu o sentido de unidade continental. E mais: como
salientou O Jornal az 29 de janeiro, "os dois países comprometeram-se a não deixar que os
embaixadores e cônsules do Eixo, ainda em seus territórios, aproveitem-se das suas
imunidades para, de alguma forma, trabalhar contra os interesses das repúblicas que

estavam rompendo
Mesmo assim,ousabia-se
estavamque
em guerra com as potências
essa concessão argentinaagressoras".
era uma mera formalidade.
Dificilmente haveria qualquer restrição à atuação dos representantes do Eixo naquele
país. Os discursos do embaixador Enrique Ruiz-Guinazú, de apologia à neutralidade,
apenas encobriam o desejo do país de não se indispor com a Alemanha nazista, o que
ficou evidenciado com o tempo e foi manifestado na conferência pelas sucessivas
tentativas de barrar a declaração de ruptura unânime e imediata.
Apesar das divergências com Guinazú, Aranha, gentilmente, foi levá-lo ao
aeroporto Santos Dumont na sua volta a Buenos Aires. Mas aO perceber que o hidroavião
militar da comitiva de Guinazú precisara Je três tentativas para decolar, não resistiu ao
comentário sarcástico: "Deve ser o peso da consciência."1 O pior ainda viria. Finalmente,
após
acaboulevantar
caindovôo, com ou semdoa carga
nas imediações excedente
aeroporto. Comoimaginada
noticiou o por Aranha,
Diário o hidroavião
Carioca, em 31 de
janeiro de 1942, "logo notou-se que o aparelho não conseguia se estabilizar no ar,
parecendo que o motor falhava. Subitamente, como um cometa, o possante pássaro
metálico, descrevendo uma elipse, caiu no mar a pouca distância da Escola Naval".
Os cadetes, por perto fazendo exercícios nos escaleres, foram os primeiros a prestar
socorro aos passageiros, transportando-os à terra. com ferimentos leves, Guinazú e seu
filho foram atendidos na enfermaria da Escola Naval. Depois de liberados, voltaram para
o Hotel Glória, onde esperaram que outro avião viesse da Argentina buscá-los.
O "excesso de peso" foi considerado o motivo mais provável do acidente, segundo
o próprio ministro da Aeronáutica, Salgado Filho.
O mais importante para Oswaldo Aranha foi o saldo da Conferência ter sido
plenamente satisfatório. Dali em diante, os países americanos formariam um bloco só,
forte e unido para enfrentar a voluptuosidade do Eixo:
"As repúblicas americanas reafirmam sua declaração de considerar ato de agressão
de um estado extra-continente contra um deles como ato de agressão contra todos por
constituir uma ameaça imediata à liberdade e à independência da América",2 dizia um dos
trechos da resolução.
Era uma vitória pessoal de Oswaldo Aranha, que, usando todo seu poder de
persuasão, lutara obstinadamente por esse objetivo contra a ala do governo que pregava o
menor comprometimento possível do Brasil. Nos bastidores da Conferência, as pressões
também vieram dos embaixadores de Alemanha, Itália e Japão, que mandaram mensagens
para o ministro recheadas de ameaças:
Crônica de uma Guerra Secreta. Nazismo na América: A Conexão Argentina.
Sérgio Corrêa da Costa. Record, 2004. Correio da Manhã - 28 de janeiro de 1942.
36" 37 "A meu ver a ruptura das relações diplomáticas seria desde já nitidamente
interpretada nas capitais do Eixo como manifestação da vontade das nações americanas de
chegar imediatamente, ou dentro de curto prazo, a uma guerra de fato com os mesmos
países. Comunico-lhe meu pensamento na esperança de que o amigo queira prevalecer-se
(...) de sua excepcional autoridade no sentido de manter intactas as nossas relações
diplomáticas",3 escreveu o embaixador italiano Ugo Sola.
O chanceler japonês, Itaro Ishii, foi mais longe. Sabedor das tendências
nazi-fascistas do general Dutra, enviou-lhe uma cópia da carta enviada a Aranha com o
seguinte bilhete anexado:
"Desejaria apelar a Vossa Excelência para que o senhor ministro compreenda os
meus leais sentimentos para com o Brasil e faça valer sua valiosíssima influência, sempre
acatada no rumo da política nacional, no sentido de não ver alterado o atual estado de

coisas entre
alemão, a pátria
foi curto de Vossa Excelência e o meu país."4 Curt Pruefer, o representante
e grosso:
"A ruptura das relações diplomáticas entre o Brasil e a Alemanha significaria o
estado de beligerância latente, acarretando conseqüências que eqüivaleriam à eclosão da
guerra efetiva entre os dois países."5 Tudo isso era café pequeno para as mais que
arraigadas convicções de Aranha. Sem se curvar, mantendo com firmeza sua posição,
rechaçou a todos numa mesma carta, sepultando qualquer possibilidade de transigência:
"Ainda que apreciando o apelo que Vossa Excelência me dirige, em minha
qualidade de presidente da Conferência, é meu dever lembrarlhe que o Brasil sempre
manteve no conflito uma neutralidade tida como exemplar. A agressão do Japão a um país
do continente americano, seguida de declaração de guerra da Alemanha e Itália, nos
impõe
disserarumo diferente que
aos diplomatas o supremo
do Eixo, interesse continental
sem transparecer qualquerindicará."6 Coerente
incerteza, Aranha fezcom o que
ainda um
discurso, no encerramen- 3 Correspondência do embaixador italiano a Oswaldo Aranha.
Rolo 7, fotograma 0007 a 0008. CPDOC/FGV.
4 1942- Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1972.
5 O Brasil vai à Guerra. Ricardo Seitenfus. Manole, 2003.
6 1942- Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1972.
to da conferência, carregado de eloqüência, como era o habitual do chanceler
brasileiro, no qual reafirmava a importância do momento histórico vivido naqueles dias
abafados de janeiro de 1942 e expungia qualquer espécie de relacionamento com esses
países:
"Discutimos durante dez dias todas as nossas possibilidades e fizemos um balanço
supremo das nossas energias e da vitalidade dos nossos povos. Discutimos porque
pensamos e porque somos livres. Estamos dispostos a todo sacrifício para a nossa defesa e
a defesa da América. Esta é a razão pela qual hoje, às seis da tarde, por ordem do senhor
presidente da República, os embaixadores do Brasil em Berlim e Tóquio e o encarregado
de negócios em Roma passaram notas aos governos junto aos quais estão acreditados

comunicando
Ministros que, em Exteriores
das Relações virtude dasdasrecomendações da in Reunião
Repúblicas Americanas, derompe
o Brasil Consulta dos
relações
diplomáticas e comerciais com Alemanha, Itália e Japão."7 Aranha complementou seu
discurso informando que já havia enviado aos diplomatas do Eixo uma nota comunicando
essa resolução, e ordenando que fossem entregues os passaportes para que pudessem
retornar com segurança a seus respectivos países. Aos mais íntimos, nos bastidores da
conferência, o ministro confidenciava que não fora Getúlio, nem ele, nem ninguém que
forçara o Brasil a romper relações:
"Foi a nossa posição geográfica, a nossa economia, a nossa história, a nossa
cultura, enfim, a necessidade de sobrevivência",8 garantiu.
Por todo o país as conseqüências da decisão não tardaram. Em Salvador, foram
fechados o Clube
dirigiu uma Alemão
circular e ae Casa
ao clero Itália.
aos fiéis Em Porto
fixando Alegre,
normas o Arcebispo
a serem seguidas.João Becker
O religioso
determinou que fosse suspensa a pregação em língua das nações com as quais o Brasil
rompia relações diplomáticas, "quer nos templos, quer onde se realizavam os atos
religiosos". O Arcebispo Becker, como noticiaria o Correio da Manhã de 8 de fevereiro de
1942, lembrava aos reverendos sacerdotes e aos católicos que os "erros doutrinários tanto
do nazismo neo-pagão como do comunismo ateu foram condenados pelo sumo-pontíficie,
Pio XI".
38 1 O Jornal- 29 de janeiro de 1942.
8 Oswaldo Aranha. Uma biografia. Hilton Stanley. Objetiva, 1994.
39 Nos Estados Unidos a repercussão também foi grande. De Washington, o
embaixador Carlos Martins enviou um telegrama ao presidente Vargas informando que os
jornais norte-americanos "enalteceram a atitude do Brasil e a intervenção pessoal de
Vossa Excelência (...) para uma ação conjunta em face da guerra". O New York Times,
segundo Martins, afirmava em manchete: "Brasil assume posição de liderança no
rompimento com o Eixo."9 Ao chegar aos Estados Unidos, no dia 31 de janeiro, Sumner
Welles também congratulou Vargas pelo sucesso da conferência:
"Envio a Vossa Excelência meus profundos agradecimentos por todas as
inumeráveis gentilezas. A Reunião de Consulta do Rio de Janeiro será sempre lembrada
pelas suas importantes resoluções em favor dos interesses da América e para esse grande
resultado a sábia conduta de estadista de Vossa Excelência muito concorreu." Vargas
respondeu no mesmo tom ameno, mas cobrando uma interferência de Welles nos assuntos
que o ministro da Fazenda Arthur Sousa Costa encaminharia brevemente na capital
norte-americana:
"Agradeço seu telegrama (...) grato pela oportunidade de salientar que fecundos
resultados obtidos na Reunião de Consulta em favor da unidade americana muito se
devem a sua ação brilhante e ponderada. Confio que sua interferência será decisiva em
assuntos que conversamos (...) Para essa capital seguiu o ministro Sousa Costa.
Para ele peço assistência do amigo e do Departamento de Estado."10 Essa troca de
amabilidades, não era novidade, descontentava a ala governista que ainda acreditava na
vitória dos nazi-fascistas. Era até natural que o novo posicionamento do país trouxesse o
temor de que se concretizassem os avisos nada subliminares de represálias. Góes
Monteiro expressou sua preocupação ao ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, que
endossou esse parecer em uma carta enviada ao presidente da República. O general, que
recomendara o não rompimento com a 9 Telegrama de Carlos Martins a Getúlio Vargas.
Rolo 7, fotograma 0011 a 0012.
CPDOC/FGV.
10 Troca de telegramas entre Sumner Welles e Getúlio Vargas, em 31 de janeiro de

1942. Rolo 7, fotograma 0011 a 0012. CPDOC/FGV.


Alemanha nazista, alertava Vargas de que o Brasil estava totalmente despreparado
para enfrentar qualquer ataque:
"Bem sei que Vossa Excelência não desconhece o estado de desaparelhamento em
que se encontram tanto o Exército quanto a Marinha e a Aeronáutica. Motivos diversos
têm impedido que Vossa Excelência leve a termo seu programa de governo na parte que
se relaciona com a eficiência do Exército. É sobejamente conhecido o quanto nos
empenhamos pela encomenda e, mais tarde, pelo recebimento de material de guerra que,
em grande parte, ainda está depositado na Alemanha. Dois anos já se passaram de
solicitações, entendimentos e promessas no sentido de obtermos o material bélico mais
indispensável, sem que até o presente nada de concreto fosse conseguido",11 disse Dutra
a Vargas.
Por outro lado, os últimos acontecimentos provavam que ser neutro não
representava nenhuma garantia. Fato comprovado pela agressiva escalada das tropas
nazistas sobre áreas da Europa que se mantinham à margem do conflito. Cada vez mais,
povos sem tradição bélica eram subjugados pelos militarmente poderosos do Eixo. A
investida submarina da Alemanha contra navios mercantes, visando cortar as linhas
ultramarinas inglesas, confirmava essa tendência. Indiscriminadamente, embarcações
neutras e aliadas eram afundadas.
Em 1942, mesmo com a resistência do almirante Erich Raeder, comandante-chefe
da Marinha de Guerra alemã, que priorizava a construção de unidades de superfície, e a
indiferença de Hitler a esta modalidade de guerra, a frota do almirante Karl Dõnitz, n
comandante da força submarina, já era composta por cerca de trezentos U-boats (cerca
*1 Carta de Eurico Gaspar Dutra ao presidente Getúlio Vargas, escrita em 24 de janeiro de
1942, no ápice das negociações da Conferência dos Chanceleres. Rolo 7, fotograma 0013
a 0014. CPDOC/FGV.
Remanescente da Primeira Guerra Mundial, Dõnitz ficou preso na Ilha de Malta
depois de ter
da guerra, seu submarino,
continuou o U-68, na
suas atividades afundado poremumterra.
Marinha destróier inglês.
Em 1935, foiLibertado
convidadoaopara
fim
comandar a nova arma submarina do Reich. A partir de então, trabalhou obstinadamente
para que a fabricação de submarinos fosse prioridade da indústria bélica alemã. Durante o
julgamento de Nuremberg, do qual escapou da forca, pegando uma pena de dez anos de
prisão - sua defesa usou a afirmação do almirante norte-americano Chester Nimitz de que
fizera no Pacífico o mesmo que Dõnitz fez no Atlântico -, revelou o quanto sua rotina de
trabalho fez com que estivesse diariamente num submarino: "Não foi bom para o meu
reumatismo ficar exposto à umidade, óleo e água o tempo todo." Documentação
disponível no site do Centro de Pesquisas e Documentação em História Contemporânea
da Fundação Getúlio Vargas (www.cpdoc.fgv.br).

estariam41em de 1.100 foram


campanha tambémpostos em serviço
nas águas ao longo
do Atlântico Sul. do conflito), que em breve
Na época, o Brasil estava longe de poder defender seu litoral e muito menos seu
território continental. Conforme observava o general Dutra, o país não dispunha de mais
de cem canhões e cinqüenta tanques, a maior parte sem munição. A frota da Marinha
sofria da mesma indigência, como também a da Aeronáutica (FAB), que contava com
irrisórios 27 aviões de combate. A nossa defesa se baseava muito mais num teórico
espírito antimilitarista da população do que no aparelhamento das Forças Armadas.
Eram carências que revelavam as dificuldades de um país periférico, sem
condições de envolver-se diretamente num conflito da magnitude de uma guerra mundial.
Por isso, o governo brasileiro, durante a Conferência dos Chanceleres, considerava
fundamental que fosse firmado um compromisso de ajuda militar dos Estados Unidos.
Era crescente o receio de que houvesse um colapso dos exércitos aliados na África
do Norte, o que facilitaria a investida de forças nazi-fascistas sobre a América do Sul.
Desde Fernando de Noronha até o Nordeste, chegando à Bacia Amazônica, essas áreas
precisavam estar preventivamente protegidas.
Um documento secreto do Comando do Exército do Nordeste, sediado no Recife,
datado de 10 de setembro de 1941, definia e detalhava uma estratégia completa de defesa
dessa região. Diante da possibilidade de um ataque extracontinental bem-sucedido a
Fernando de Noronha, por exemplo, o plano previa o estabelecimento de manobras
defensivas a partir de Natal, Recife, Cabedelo e Maceió. com tropas bem posicionadas
nessas cidades, o Exército "ficaria em condições de, em curto prazo, repelir tentativas de a
invasão avançar em qualquer outra região". O documento faz menção também à atuação
da Força Aérea, que seria responsável por fotografar toda a área, além de dar cobertura às
forças terrestres através de "assaltos e bombardeios". Quanto à Marinha, o plano
recomendava uma ação que cooperasse na proteção à navegação amiga e neutra e
ajudasse "forças terrestres e aéreas no ataque às tentativas inimigas de desembarque".
Seria também sua fun- ção a busca de informações sobre movimentos hostis na zona

costeira, dee Recife


Itamaracá Ponta até Natal, passando
da Pedra.13 Àquelapor Olinda,
altura, Baíasabia-se
porém, de Pontaque
Negra, N.S.não
o Brasil da Ilha de
estava
suficientemente equipado para levar a cabo um planejamento tão abrangente. Daí a
insistência em obter garantias de que os Estados Unidos aparelhariam as Forças Armadas.
Nessa empreitada, o governo Vargas contava com a inestimável colaboração de
Sumner Welles. Sensível à necessidade de o Brasil se equipar militarmente, dirigiu ao
presidente Roosevelt, em 19 de janeiro de 1942, no auge das negociações da Conferência
dos Chanceleres, o seguinte telegrama:
"Obviamente o Brasil não poderia ser tratado como alguma pequena nação da
América Central que se daria por satisfeita com a presença de tropas americanas em seu
território. Ele tem o direito de ser considerado como nação amiga (...), além de aliado, e
como tal fazaojusExército
possibilitar a receber (...) suficientes
Brasileiro aviões,
defender, tanques
ao menos em eparte,
artilharia costeira
aquelas áreasde
domaneira
Nordestea
brasileiro cuja defesa é tão vitalmente importante tanto para os Estados Unidos quanto
para o Brasil."14 Convencido, o governo Roosevelt finalmente se comprometia a dar
suporte ao reequipamento das nossas Forças Armadas, o que foi determinante para o
rompimento do Brasil com o Eixo. Um mês e meio depois de tomada essa decisão, em 3
de março de 1942, foi assinado, em Washington, um acordo no valor de US$ 200 milhões
que garantia o fornecimento de armas e munições. Antes mesmo disso, segundo
documento do embaixador Carlos Martins datado de 27 de fevereiro, o governo já
aguardava o envio de 65 tanques leves, 31 carros militares, cinqüenta ambulâncias, trinta
motocicletas e 475 caminhões diversos. Sobre providências para a ativação do programa
de aparelhamento do Ministério da Marinha, Carlos Martins garantia que, por intermédio
do Departamento de Estado, estava insistindo "junto às autoridades competentes a fim de
14 O Brasil no Conflito Ideológico Global. Teixeira Soares. Civilização Brasileira, 1980.
acelerar fornecimentos".15 com relação ao material da Aeronáutica, o embaixador
informava que bombas e munição já se encontravam em Natal. A chegada de aviões caças
e anfíbios estava prevista para junho.
O Export-import bank americano também ofereceria crédito para que o Brasil
explorasse minério de ferro. Sem contar com o sonho de industrialização de Vargas,
simbolizado pela Siderúrgica de Volta Redonda, que finalmente sairia do papel. Esse
projeto fazia parte de um conjunto de ações que visava criar condições para o
desenvolvimento econômico do país. Além da implantação de uma indústria de base,
particularmente a grande siderurgia, buscava-se "a nacionalização de jazidas minerais, de
bancos e companhias de seguros estrangeiras, a expansão da rede de transportes, o
incremento da produção de carvão nacional e a elaboração de políticas para diversificar as
exportações".16 O objetivo era reduzir o contraste dos dois brasis existentes, o que, na
opinião de Vargas, era o grande entrave para a consolidação de uma unidade nacional,
sem a qual jamais haveria um real crescimento.
Em visita ao estado de Minas Gerais, Jefferson Caffery, embaixador
norte-americano no Brasil, discursava sobre as perspectivas de bons negócios:
"Meu país é consumidor infalível de materiais abundantes nesse estado: mica,
quartzo, manganês, ferro e diamantes industriais. Para os Estados Unidos essas riquezas
têm suma importância, aumentada nesse momento de guerra. E todo esse potencial está
sendo transformado em material de consumo, que crescerá em proporções enormes, para
o que muito hão de contribuir os acordos recentes firmados entre os governos de
Washington e do Rio de Janeiro."17 Os Acordos de Washington foram realmente de vital
importância para o comércio exterior brasileiro. Calcula-se que aproximadamente 60%
das exportações entre 1942 e 1943 se srcinaram de negócios ligados a eles. Mas antes de
serem colocados em prática, a ira de Hitler se tornaria realidade. Uma realidade com
conseqüências ainda inimagináveis. O apoio a uma nação que lutava contra a Alemanha
criava, inevitável-
grasil num alvo emmente, um no
potencial estado dedabeligerância
teatro não
guerra. Seria declarada,
uma o que transformava
ilusão imaginar o
que os países
do Eixo veriam naturalmente, sem sentirem-se afrontados, a ocupação do Nordeste pela
Quarta Esquadra do almirante norte-americano Jonas Ingram. O contragolpe era uma
questão de tempo.
15 CPDOC/FGV. Rolo 7, fotograma 0014.
16 Perfis Brasileiros. Getúlio Vargas, Boris Fausto. Companhia das Letras, 2006.
17 Correio da Manhã- 3 de maio de 1942.
Carnaval sombrio
Orson Welles em um programa de rádio ao lado de Oswaldo Aranha: a presença do
cineasta americano no Brasil fez parte da política de boa vizinhança dos Estados Unidos
Karl Donitz, o chefe da frota alemã de submarinos "Desculpem a demora", disse o
homem, simpaticamente, com um inconfundível sotaque de quem apenas começava a
ganhar intimidade com o português.

Era ninguém
que acabara de chegarmenos quedeOrson
ao Rio Welles,
Janeiro depoiso aclamado diretor
de uma rápida do filmepor
passagem Cidadão
Belém.Kane,
Não
completara duas semanas que seu conterrâneo, o Welles subsecretário de Estado, havia
deixado o Rio, ao final da Conferência dos Chanceleres. Mas o assunto dessa vez não era
política, embora a presença de Orson Welles tivesse a ver com a política de boa
vizinhança que os Estados Unidos implementavam há tempos, em todas as áreas,
inclusive a cultural.
Vestido com discreta elegância - terno cinza, camisa com preguinhas e sapato de
pelica -, o cineasta de 25 anos sentou-se, sem qualquer afetação, numa das cadeiras
estofadas da varanda do Copacabana Palace, defronte à avenida Atlântica. A vista
deslumbrante da já famosa praia ficou em segundo plano. Os jornalistas logo cercaram
Welles,
não tinhaimpressionados comcom
nada de parecido sua fisionomia
um artista moça e sua amabilidade.
de cinema, Ele não
pelo menos nos era um
moldes dosgalã,
que
estavam nas telas naquele momento. Era simplesmente Orson Welles. "Que diferença dos
Errol Flynns, dos Fyrone Powers e outros célebres galãs assoberbados", diria a
reportagem de O Jornal.
- Mr. Welles, o que achou do Rio de Janeiro?
- Cheguei apenas há uma hora...
E antes que lhe perguntassem se gostava mais de panquecas ou caipirinhas,
acrescentou:
- Sinto-me um pouco carioca. Escapei de nascer aqui. Meus pais viveram no Brasil,
mas partiram
estima parapor
que tenho osesse
Estados
país.Unidos um mês antes do meu nascimento. Daí a grande
- Mr. Welles, qual o filme que veio produzir aqui?
- Não sei e ficaria muito contente se me sugerisse um - respondeu o cineasta com
um sorriso maroto e bonachão.
Uma senhorita com o nariz em pé, talvez americana, provocou:
- Por que filmar o carnaval no Rio se pode fazê-lo em outra parte?
- Eu já assisti ao carnaval em Nova Orleans, em Nice, na Itália, mas o daqui, sem
dúvida, é melhor. Ontem à noite, em Belém, tive uma amostra. Vi espontaneidade,
intensidade, uma alegria sadia. Nesses instantes nunca senti tanta felicidade.
Uma semana depois, usando a iluminação antiaérea emprestada pelo Exército
brasileiro, pois o seu equipamento de luz não chegara dos Estados Unidos, Welles estava
com sua câmera, no centro do Rio, registrando a passagem dos blocos, as fantasias, a tal
espontaneidade que os foliões do norte do país lhe apresentaram. Em cima de um pequeno
palanque, montado em meio à multidão, ele se agitava filmando sofregamente tudo o que
podia:

"O centro
mostrando da cidade
uma foto era uma
de Welles vibração
no alto só, de dirigindo
da armação colorido easmúsica", noticiou
filmagens. O Jornal,
Impressionado
com o que via, Welles declarou: "Registrar essa festa é como captar a passagem de um
furacão." Welles tinha razão. Tudo aquilo estava muito mais para um fenômeno da
natureza. E melhor: sonorizado por marchas que entrariam para a antologia da música
popular brasileira, vivendo então um de seus momentos mais exuberantes.
Particularmente, o carnaval de 1942 foi pródigo no lançamento de sucessos que por
muitas décadas embalariam a alegria de foliões em todos os cantos do país. Ah, que
Saudades de Amélia, de Ataulfo Alves e Mário Lago; Está Chegando a Hora, de Rubens
Campos e Henricão; Nega do Cabelo Duro, de Rubens Soares e David Nasser, gravado
pelos Anjos do Inferno; e o clássico Sandálias de Prata, de Ary Barroso, na voz de
Francisco Alves, foram alguns exemplos da criatividade dos nossos compositores naquele
ano.
Mas aquele carnaval ficaria marcado não só pelas suas inesquecíveis marchas e
pela festa que tanto sensibilizara Orson Welles. Justamente Já terra do cineasta, num
prenuncio do que estava por vir, chegariam más notícias, o verdadeiro furacão que
varreria o país. Como se temia, começava a escalada de retaliações dos países do Eixo por
causa do rompimento de relações diplomáticas do Brasil. Apenas 18 dias após essa
decisão, no início da madrugada de uma segunda-feira de carnaval, dia 16 de fevereiro, o
navio Buarque do Lloyd Brasileiro era posto a pique, atingido por dois torpedos do
submarino alemão U-432.
"Afronta do Eixo à América depois do rompimento", gritou a manchete de O
Jornal.
O Buarque, batizado assim em homenagem a um antigo presidente do Lloyd
Brasileiro chamado Buarque de Macedo, deixara o Rio no dia 16 de janeiro,
coincidentemente em pleno desenrolar da conferência que selaria seu destino. Era um dos
mais novos vapores da frota do Lloyd, tendo sido adquirido dos Estados Unidos havia
apenas dois anos, juntamente com 13 outras unidades, chegava a deslocar 5.152 toneladas
brutas, desenvolvia até 13 milhas horárias e media exatos 122,3 por 16,53 metros de boca.
Construído pela firma American International S.B. Corporation, do estado da Pensilvânia,
em 1919, fora registrado na capitania do porto do Rio de Janeiro, em 1940, sob o número
487. Imediatamente incorporado à linha Rio-Nova York, fazia escalas nos portos do
Norte-Nordeste e em La Guaira, na Venezuela.
Além dos 74 tripulantes e cinco passageiros (tinha capacidade para 82 pessoas), o
Buarque levava grande quantidade de café, algodão, cacau e mamona, uma planta
medicinal - era o comércio com os Estados Unidos que se intensificava depois das
conversações na Conferência dos Chanceleres. Particularmente, o nosso café era muito
bem-vindo. Conforme reconhecia o Comando do Exército americano, era um dos maiores
responsáveis pelo bom ânimo dos soldados no front. Em tempos de guerra, cada um deles

chegava a consumir
Assim, porprontos
"estavam ano algopara
emlutar".2
torno de1 20 quilos do
Entrevista produto.em O Jornal em 10 de
publicada
fevereiro de 1942.
2 O café era de tal modo apreciado pelos norte-americanos que o presidente
Roosevelt e o secretário de Estado Cordell Hull enviaram cartas de agradecimento a
Getúlio Vargas quando em 1943, o governo brasileiro presenteou as tropas dos Estados
Unidos com 400 mil sacas de café: "Nossas forças de luta irão receber com alegria a
contribuição do povo brasileiro, não somente por causa da amizade calorosa que ela
expressa, mas também porque os soldados americanos são até mais consumidores de café
no front do que em casa", escreveu Roosevelt ao presidente Vargas, já Hull diria: "Estou
feliz em informá-lo de que os preparativos para envio do café estão em andamento, o que
trará umaCartas
comum." considerável
contidascontribuição para as nossas
no rolo 7, fotograma 0798 a forças armadas e o nosso esforço
0799. CPDOC/FGV.
Muito provavelmente, o comandante João Joaquim de Moura não conhecia esses
dados, mas sabia que havia perigo no mar. Tanto que, dois dias depois de zarpar,
atendendo ao regulamento vigente, ele não abrira mão de uma simulação de salvamento,
da qual participaram tripulação e passageiros. Moura era um comandante zeloso, mas
parecia também antever o que se sucederia.
Após ter deixado o estado do Pará no primeiro dia de fevereiro, o Buarque navegou
na direção norte. Atracou no dia 7 de fevereiro em La Guaira, onde mais 13 passageiros
embarcaram, e logo seguiu viagem para Nova York. Precavido, como já demonstrara ser
na saída do Rio, o comandante decidiu alterar drasticamente a rota habitual, preferindo
singrar em águas do litoral norte-americano (por volta de 20 milhas da costa da Virgínia),
em vez de seguir na linha reta mantida pelo piloto automático.
Era uma forma de diminuir os riscos de sofrer um ataque, o que àquela altura
parecia improvável. Freqüentemente, eram avistados aviões navais norte-americanos
patrulhando a região.
Porém, por volta das 22h do dia 15, o comandante Moura percebeu, de súbito, a
aproximação de um submarino, o U-432, comandado pelo Capitão-Tenente Heins-Otto
Schultze.
Mais cedo, por volta das 19h30, Moura já estranhara a presença de um avião
sobrevoando o navio e lançando sobre ele um feixe de luz - posteriormente soube-se que
os alemães poderiam possuir uma aeronave espiã baseada nos Estados Unidos que guiava
os submarinos em atividade na região.
Os temores do comandante cresceram ao constatar coisa pior: o Buarque passava a
ser seguido. Mesmo assim, como o vapor trafegava com as luzes totalmente acesas, que
deixavam à mostra nitidamente seu costado com a bandeira brasileira, imaginou-se que
aquilo fosse apenas um exercício de intimidação. Ledo engano. Mesmo declarando-se
neutro,
carregaro mercadorias
Brasil, ao romper compaís
para um o Eixo, estimulara
em guerra com aareação de Hitler.
Alemanha, comoEstava
era o claro que
caso dos
Estados Unidos, representava um grande perigo, pois cortar o suprimento de
matérias-primas e alimentos a um país inimigo se tornara uma prática corriqueira. Nesse
caso, ocorria a chamada operação Paukenschlag (Rufar dos Tambores), aprovada pelo
Führer e levada a cabo por Karl Dõnitz, que deslocava para a costa norte-americana e o
Mar do Caribe parte de suas forças submarinas.
Além de obstruir o fornecimento de matérias-primas aos Estados Unidos, os
alemães tinham também o objetivo de isolar ao máximo a União Soviética dos seus
aliados, que ficaria impedida de receber, através das rotas marítimas, qualquer tipo de
auxílio. Como praticamente não havia uma defesa organizada à ação dos submarinos na
região,
México.navios eram afundados sem qualquer resistência, desde Nova York até o Golfo do
Mas para atacar o inimigo em pontos tão distantes das suas bases, pagava-se um
preço alto. A longa permanência no interior de um submarino era extremamente
desgastante, um teste de resistência que poucos suportavam. Em um ambiente asfixiante e
insalubre apenas o comandante e o imediato tinham cômodos individuais. Os suboficiais
dividiam um outro cômodo e o restante da tripulação - 50 homens em média, que incluíam
maquinistas, eletricistas, artilheiros e especialistas em escuta - se espremiam entre tubos,
alavancas, torpedos, aparelhos medidores, tanques de lastro, responsáveis pela submersão
ou emersão, geradores, alimentos e equipamentos em geral. Os beliches dobráveis
ficavam em meio a toda essa parafernália. O calor intenso fazia com que em alguns
compartimentos
comuns os casososdetripulantes trabalhassem
claustrofobia. Se por sem
esse camisa. As longas
ou qualquer outrojornadas
motivo tornavam
houvesse
abandono do posto ou desobediência ao comandante o caso era julgado pelo Conselho de
Guerra, podendo o infrator, dependendo da gravidade da indisciplina, ser condenado à
morte.
Além disso, o barulho interno era intenso. Era causado principalmente pelo
funcionamento dos motores a diesel, que tornavam o ar quase irrespirável. A tensão
constante se multiplicava pelos ruídos externos captados por um hidrofone. com a rápida
propagação do som de- 51 baixo d'água, podia-se ouvir até uma ferramenta caindo no
piso do convés de uma embarcação que se aproximasse. O pingue sonar, que indicava que
a presença do submarino poderia estar sendo detectada por um navio-escolta, trazia ainda
mais apreensão e, nesses momentos, um silêncio mortificante tomava conta de todos, pois
a qualquer momento poderia ser lançada uma bomba de profundidade. Era a senha para se
emergir o máximo possível, e aí a pressão do ar se tornava difícil de suportar. Muitos
passavam mal.
De um modo geral, o grosso da tripulação era formado por jovens marujos
recém-saídos da adolescência. No fim de uma viagem, estavam transformados.
Embrutecidos, exibiam inevitavelmente as marcas da guerra. A barba crescida, a face
vincada,
inocência,com sulcos tanto
causada profundos,
pelo einevitável
as olheirasdesgaste
proeminentes. Elas denunciavam
psicológico quanto pelo aritmo
perda de
da
trabalho puxado.
Mas a despeito de todas essas dificuldades, os comandados de Dõnitz tinham o
moral elevadíssimo, particularmente quando seus inimigos não se mostravam preparados
para enfrentar esse tipo de campanha. O Buarque teve certeza disso ao ser atingido, aos 45
minutos de uma madrugada escura e de mar agitado, pelo primeiro torpedo do U-432. A
surpresa da explosão foi multiplicada pelo fato de os passageiros e a maior parte dos
tripulantes estarem dormindo. Muitos foram arremessados dos seus leitos.
Bruscamente acordados, eles saíram de suas cabines totalmente atordoados. Não
tardou, porém, para concluírem que o navio só podia ter sido atacado por um submarino.
A confusão era enorme, principalmente em razão do curto-circuito que logo afetou
a energia elétrica. Mesmo fora do navio, diante da noite impenetrável, os passageiros
tinham dificuldade de enxergar. Movimentando-se desordenadamente, se chocavam uns
contra os outros.
"Era uma situação aterradora. Estávamos todos aturdidos, sem saber para onde nos
dirigir. Sobretudo pela falta de visão, o pânico aumentava a cada instante", relatou o
americano Walter Shivers, um engenheiro da Pan-American Airways.
com o iminente afundamento, o comandante Moura ordenou aos tripulantes que
tomassem providências para que o navio fosse abandonado. Por sorte, o Buarque era
muito bem aparelhado no tocante ao material de salvamento - possuía quatro baleeiras,
uma lancha e que
rodamoinhos quatro amplas balsas.
se formavam Mesmo
puxavam assim, a operação
os escaleres que já se exigia muito cuidado.
encontravam Os
na água em
volta ao Buarque. Muitos deles acabavam se chocando perigosamente contra o casco do
navio que afundava. Quando finalmente conseguiram se afastar, a uma distância de cerca
de 90 metros, o submarino disparou outro torpedo, atingindo a parte central do navio. Era
o golpe fatal.
Sem apelação, tendo suas caldeiras explodidas, o vapor afundava de proa:
"O roncar da água entrando pelo navio fazia-o gemer de uma maneira quase
humana. Foi esse o ruído mais doloroso e mais tétrico que ouvi em toda a minha vida.
Senti o sangue gelar-me nas veias",3 confessou Shivers.
Como os escaleres do Buarque estavam convenientemente abastecidos com rações
de emergência - biscoitos, água e leite -, os transtornos pela noite passada ao relento, à
espera de resgate, teriam sido minimizados. Foram várias horas ao sabor das ondas;
momentos em que existia também o receio de que fossem metralhados pelo submarino
inimigo, que, provavelmente, ainda estava nas imediações.
Num dos escaleres, segundo um dos depoimentos, estava uma senhora com uma
criança
ataque ede
do 6frio
anos, cuja coragem
cortante, impressionou
nem sequer chorava. Issoa trouxe
todos. estímulo
Apesar do medo
para de náufragos
que os um novo
aguardassem o surgimento das primeiras luzes do dia, quando seria mais fácil serem
localizados.
"Somente às sete da manhã um avião circulou sobre o bote salvavida em que nos
achávamos. A tripulação do aparelho nos fez sinais e lançou bombas de fumaça para
indicar nossa posição ao navio que devia nos socorrer. Perdemos de vista dois outros
escaleres, que desapareceram na noite fria e escura. O navio de socorro rumou em
ziguezague para a costa depois de nos resgatar, com receio de que ainda houvesse
submarinos nas proximidades",4 disse Maria Luiza Omana, uma jovem venezuelana, de
19 anos, resgatada junto com sua mãe.
3 Correio da Manhã - 19 de fevereiro de 1942.
4 Correio da Manhã - 19 de fevereiro de 1942.
52 53 O outro escaler teve de esperar pelo resgate por mais tempo: "Remamos e
vagamos até as nove da manhã, quando vimos dois aviões da Marinha norte-americana.
Fizemos sinais e eles nos viram, retribuindo os nossos sinais. Vimos também um dos
observadores tirando fotografias do nosso escaler. Mas os navios enviados em nosso
socorro só apareceram na parte da tarde, mas sempre tivemos aviões voando sobre nós.
Felizmente o mar já não estava tão agitado e o tempo se firmara",5 contou John Dunn,
também norte-americano e engenheiro da Panam.
No fim, soube-se que houve uma vítima. Um homem de nacionalidade portuguesa,
de
do 46 anos, chamadoNum
torpedeamento. Manoel
dosRodrigues
escaleres,Gomes,
membros sofrera um ataque tentaram
da tripulação cardíaco no
aomomento
máximo
reanimá-lo, inutilmente. Entretanto, a maior parte da tripulação e dos passageiros estava a
salvo no porto norte-americano de Norfolk, resgatada pelo Cutter da Guarda-Costeira
norte-americana Calypso. Outros se encontravam no contratorpedeirojacob James,
inclusive o comandante brasileiro João Joaquim de Moura, a quem foi recomendado que
não concedesse entrevista. Um último escaler se perdeu no mar por 57 horas. Foi
recolhido, com seus ocupantes em estado precário por causa da temperatura abaixo de
zero, pelo petroleiro Eagle, que acabaria por ser torpedeado um ano e quatro meses
depois, em junho de 1943, em Cabo Frio, sendo levado para reparos ao porto do Rio de
Janeiro com escolta da Corveta Cananéia.
Em Washington, onde se encontrava chefiando uma missão econômica, o ministro
da Fazenda Sousa Costa recebeu, estarrecido, a notícia do afundamento do Buarque (os
prejuízos foram calculados em cerca de US$ l milhão). Aproveitou para, nas reuniões em
curso, intensificar pressões para que se acelerasse o fornecimento de materiais bélicos ao
Brasil, com base na lei de Arrendamento e Empréstimos.
Aquela altura, havia razão de sobra para acreditar que o Eixo, sentindo-se ultrajado
pela frente Até
retaliações. hemisférica criada
porque quase umno
anoRio,
antes,não
emmediria esforços
22 de março para sem
de 1941, realizar outras
um motivo
claro, o mercante Taubaté, apesar de exibir nitidamente a bandeira brasileira pintada em
ambas as bordas, foi atacado com bombas e tiros de metralhadoras por um avião Ha
Luftwaffe no Mar Mediterrâneo, quando navegava do Chipre para a Alexandria, levando
batatas, lã e vinho. A agressão não parou nem após o comandante Mario Fonseca Tinoco
ter ordenado que fosse içada no mastro principal a bandeira branca. Na ocasião, ocorreu a
primeira vítima do país na Segunda Guerra: o conferente José Francisco Fraga. Outros 13
tripulantes acabaram feridos. O Ministério das Relações Exteriores apresentou as devidas
reclamações, mas não obteve qualquer resposta.
O medo estava instalado e só aumentaria a partir de 1942. Já se comentava nos
círculos militareso alemães
à que vitimara a hipótese
Buarque. de estender
Isso eqüivalia à costa
a dizer quebrasileira
o Brasil,operações
mesmo semsemelhantes
esboçar
qualquer atitude hostil, vivia na prática um estado de guerra com Alemanha, Itália e
Japão. Envolvera-se de tal forma no conflito que, inevitavelmente, em breve, teria de abrir
mão oficialmente da sua insustentável neutralidade.
Comentava-se também que a intimidação feita pelo U-432 faria parte de uma
estratégia do Eixo de desviar forças navais de zonas nos Estados Unidos que poderiam ser
atacadas. Seja lá qual fosse o objetivo da estratégia, ela estava só começando. Logo, outro
navio brasileiro estaria na mira de U-boats inimigos.
5 Idem.
Submarino italiano suspeito de ter torpedeado o Cabedelo O vapor Cabedelo
desapareceu de modo misterioso no mar das Antilhas, em fevereiro de 1942, após deixar o
porto da Filadélfia carregado de carvão.
O adeus do Olinda e o mistério do Cabedelo
O carnaval no Rio chegava a seu ponto alto com o tradicional baile de gala do
Theatro Municipal. Lá estava a nata da sociedade do Distrito Federal em mais um evento
realizado pelo espírito filantrópico da primeira-dama Darcy Vargas, que, ao lado da filha
Alzira e "das melhores damas da cidade", conforme noticiaria o Diário Carioca, ocupava
um dos mais concorridos camarotes naquela madrugada de 17 de fevereiro de 1942. Entre
os jurados do tradicional concurso de fantasias estavam figuras como o cineasta Orson
Welles, o pintor Cândido Portinari, o escritor José Lins do Rego e o jornalista Herbert
Moses. O Rio vivia um clima inebriante sem ter noção das notícias que logo chegariam do
mar. Enquanto se respirava apenas festa, o Buarque já estava no fundo do oceano e,
algumas horas depois, seria a vez de outro navio brasileiro ter o mesmo destino.
Construído em 1905, em Glasgow, com capacidade para carregar 4.074 toneladas,
o Olinda era, desde 1934, de propriedade da Companhia Carbonífera Rio-Grandense. Já
navegava havia quase um mês deixara o porto do Recife em 20 de janeiro - transportando,
entre outros produtos, 19 mil sacas de cacau, cinco mil caixas de castanhas e grande
quantidade de café. Singrava as águas do Cabo de Hatteras, na costa da Carolina do Norte
e, da mesma forma que o Buarque, seu destino era Nova York. Não havia passageiros.
Eram apenas 46 tripulantes que ainda não tinham informações sobre o que se sucedera,
pouco mais de 48 horas antes, não muito longe dali. Depois do Buarque, era o Olinda que
iria sentir o poder dos torpedos de um submarino nazista.
Era meio-dia de 18 de fevereiro. O céu nublado não afetava a visibilidade. Apesar
do perigo daquela região, ninguém no Olinda esperava um ataque à luz do dia. Mas foi
exatamente o que ocorreu. "Avistado por uma aeronave espiã, teve sua rota, velocidade e
posição informadas ao U-432, do capitão Schultze",1 o mesmo que afundara o Buarque..
O primeiro disparo, de uma distância inferior a duas milhas, atingiu a antena de rádio do
navio. O tiro foi como uma advertência para que a tripulação abandonasse a embarcação.
Seguindo as instruções do comandante Jacob Benemond, foi o que todos fizeram. Os dois
escaleres existentes, embora tenham ficado abarrotados, foram suficientes para
acomodá-los.
Ao se afastarem, mais dez projéteis atingiram o cargueiro em diversas partes.
Dessa vez, depois do ataque, o submarino chegou perto de um dos escaleres. Sua
tripulação queria informações sobre a embarcação. Oficiais saíram para a torre de
comando do submarino fazendo sinais para que o escaler se aproximasse. Um deles era
poliglota.
Além do alemão, falava inglês, espanhol e também, mesmo com alguma
dificuldade, o português. Diante de uma tripulação em estado de choque pela constatação
de que o Olinda adernava, o oficial, com palavras firmes, mas não agressivas, orientado
pelo comandante Schultze, perguntou quem era o comandante.
Como Benemond estava em outra baleeira, que se afastara um pouco, o alemão
ordenou, num tom impositivo, que subisse ao submarino Francisco Lustosa, o
radiotelegrafista do navio. Durante alguns minutos, quis saber detalhes da unidade
brasileira: de que porto zarpara, sua carga e destino.
"Trataram-me com toda a cortesia, fotografando-me, da mesma forma que fizeram
com nossos botes e com o Olinda, àquela altura praticamente adernado",2 disse Lustosa
depois de resgatado.
O mesmo procedimento aconteceu depois que o outro escaler se aproximou. O
oficial alemão chegou a dar as mãos, ajudando o comandante Benemond a alcançar a torre
do U-432? A ele foi feito o mesmo interrogatório. Após devolvê-lo ao bote, notou-se que
aviões da Mari- 1 História. Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação
da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.
2 O Jornal-21 de fevereiro de 1942.
3 Além do Buarque e do Olinda, o U-432 afundou outros 18 navios aliados. Em 11
de março de 1943, no Atlântico Norte, acabou destruído por cargas de profundidade e
canhões da corveta Aconit da França Livre. Vinte e seis tripulantes morreram e vinte

sobreviveram.
nha dos Estados Unidos despontavam no horizonte. Foi a senha para que o
submarino submergisse e não fosse mais visto:
"Era um pequeno submarino. Tinha um canhão de provavelmente 2 ou 3 polegadas.
Também se viam três metralhadoras na torre de observação", contou o foguista do Olinda
Sinésio Catoliano.
"Realmente era um submarino de pequeno porte, tipo de bolso. Não se compreende
como poderia cruzar o Atlântico e regressar a seu país sem receber abastecimento de
combustível. É indubitável que deve ter sido abastecido por um navio-mãe. Embora o
Brasil não esteja em guerra com a Alemanha, sabia que podíamos ser atacados",
completou o comandante Benemond, demonstrando não estar bem informado sobre o
estremecimento das relações dos dois países.
Depois de 18 horas de espera no mar, toda a tripulação do Olinda foi resgatada pelo
navio norte-americano Dallas. Isso, porém, não diminuiu o impacto da notícia no Brasil.
Na capital federal, o novo ataque era noticiado com destaque por O Jornal.
"Afundado o Olinda por um submarino de bolso." E o subtítulo: "Após canhonaços
o navio submergiu em poucos minutos." No Nordeste, de onde saíra o Olinda, a
perplexidade era geral, O matutino Imperial, de Salvador, lembrou, com indignação, dos
dois recentes afundamentos.
"A bandeira que tremulava nos mastros do Buarque e do Olinda exige de todos nós
a mais decidida repulsa à camarilha criminosa do Eixo e combate sem trégua à
quinta-coluna."4 A notícia dos dois afundamentos gerou no governo uma forte reação.
Oswaldo Aranha, no dia 20 de fevereiro, em telegrama a Carlos Martins, embaixador do
Brasil em Washington, expôs a necessidade de providências imediatas.
O termo "quinta-coluna" foi amplamente difundido durante a Segunda Guerra
Mundial, servindo para designar grupos clandestinos que trabalhavam para ajudar na
infiltração nazista. Ele foi cunhado durante a guerra civil espanhola quando o general
Emílio Molade
colaboração Vidal marchava
militares na direção
madrilenos, de Madri
se referiu comcomo
a eles suasaquatro colunas. Ao receber a
"quinta-coluna".
58 59 "O afundamento do Olinda logo depois do Buarque, nas condições em que
ambos foram feitos, causaram aqui a pior impressão, pois mostra que a costa
norte-americana está à mercê da Marinha do Eixo, sem proteção necessária à navegação
brasileira (...) Nessa situação, em vez de recebermos daí, imediatamente, (...) a assistência
modesta e mínima que pedimos, constante na lista de material bélico, estamos a receber
novas indicações de delongas."5 Nessa mensagem, Aranha não escondia sua irritação. Os
afundamentos causavam constrangimento não só ao ministro, mas a todos que apoiaram o
alinhamento com os Estados Unidos:
"Deve Vossa Excelência imaginar as dificuldades que essas circunstâncias vêm
causando à ação do presidente, à minha e à de nossas autoridades, e a urgência em que seja
incontinenti mudada a situação",6 concluiu Aranha na mensagem a Martins.
O ministro Sousa Costa foi logo acionado por Getúlio Vargas. "Não perca tempo.
Não nos deixemos iludir com festas nem demonstrações de boa vontade (...) Sua missão é
de grande responsabilidade. Escolhi-o pela confiança que tenho na sua capacidade.
Mando-lhe essa advertência amiga porque a situação é grave e não podemos ser
surpreendidos."7 Já o comandante Fróes da Fonseca, presidente da Comissão de Marinha
Mercante, também preocupado com os ataques, ressaltou a necessidade de um
planejamento para que os navios brasileiros mercantes navegassem em comboio. A idéia
inicial era que eles ficassem ligados aos comboios norte-americanos no Mar do Caribe.
Dessa maneira, acreditava que haveria uma ponte contínua de tráfego marítimo até o Rio
da Prata e outras zonas de guerra, acrescentando que "o fardo que pesa sobre comboios
britânicos no Atlântico ficaria aliviado na proporção do trabalho efetivo da Marinha de
Guerra e da aviação brasileira".8 5 Arquivo Histórico do Itamaraty. Ministério das
Relações Exteriores. Rio de Janeiro numero 946. Janeiro- junho/42. „. janeiro,
6Idem.
7 1942 - Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1973 8 O
Jornal-21 de fevereiro de 1942.
60 Em Washington, o secretário da embaixada brasileira anunciava a instauração
de um inquérito para estabelecer com segurança a nacionalidade do submarino agressor.
Enquanto isso, sem esperar o resultado dessa investigação, o general Mascarenhas
de Moraes,9 comandante da 1a Região Militar, designava o general Dermeval Peixoto,
comandante da 1a Brigada de Infantaria do Recife, para implementar, a partir de março,
os primeiros exercícios de defesa para o caso de um ataque ao continente. O Jornal, em 24
de fevereiro, anunciava:
"População do Recife vai conhecer o Black-out." A cidade de onde partira o Olinda
vivenciaria o clima de guerra como nenhuma outra, naquele momento em que se
deterioravam as relações brasileiras com o Eixo. O objetivo era orientar a população sobre
como
rádios,seeram
comportar no caso
para que de um ataque
as janelas aéreo.
das casas se As instruções, passadas
mantivessem fechadaspelos
e comjornais e as
as luzes
apagadas. Sirenes especiais avisariam do perigo. Bondes, automóveis e o tráfego de
pedestres seriam interrompidos.
As pessoas que estivessem nas ruas deveriam procurar, com a maior urgência,
abrigo em algum prédio para facilitar o trabalho dos bombeiros e da força policial.
Aviões de defesa antiaérea sobrevoariam a cidade. Holofotes percorreriam os céus
em busca de aparelhos inimigos, enquanto projéteis seriam disparados pelas baterias
antiaéreas. O porto, as pontes e as margens do rio ficariam interditados para evitar a
afluência da multidão.

Depois
havia mais de dois
dúvidas de navios torpedeados
que a guerra poderianum intervalo
chegar de praticamente
ainda mais 48 horas,
perto. Sombras não
da ameaça
nazista pairavam no ar, atacando muitas vezes sem deixar pistas.
Em algum ponto do Mar das Antilhas, o vapor Cabedelo navegava, depois de
deixar o porto da Filadélfia, carregado de carvão. Ainda coma o fatídico fevereiro de
1942, no qual sucumbiram o Buarque e o *No decorrer do conflito, Mascarenhas de
Moraes seria escolhido pelo presidente Vargas para comandar as tropas brasileiras (FEB)
na campanha da Itália. Segundo o historiador ooris Fausto, essa escolha foi feita a dedo.
Mascarenhas era conhecido por seguir à risca a disciplina militar. Porém, como desejava
Vargas, não tinha força política, nem carisma, o que o impediria de capitalizar prestígio
popular ao fim do conflito.

61 comprimento
metros de Olinda. Na época,
e boca os
de jornais nem noticiaram
15,5 metros, o triste
de srcem alemã fim do vapor
(ex-Prússia, de 111
construído
em 1913 nos estaleiros da Cia. Fleusburger Schiiff), confiscado pelo Brasil, em 1916, à
época da Primeira Guerra Mundial e registrado na capitania dos portos do Rio de Janeiro
sob o número 270.
O fato é que o Cabedelo simplesmente desapareceu em alto-mar, assim como toda
a tripulação de 54 homens (o Capitão-de-Longo-Curso Pedro Veloso da Silveira e mais 13
oficiais, três suboficiais, 37 marinheiros, foguistas e taifeiros.10). O mistério sobre o
paradeiro do navio permanece até hoje. Pode ter sido torpedeado por um submarino
alemão ou italiano, sendo considerado perdido por uma ação inimiga, pois o tempo era
bom na região.
Embora muitos atribuam o ataque ao Cabedelo ao submarino italiano Leonardo da
Vinci,10 existem muitas controvérsias. O caso foi investigado por várias fontes. A Naval
Historical Branch, inglesa, afirmou que o afundamento do navio não foi registrado nos
relatos italianos. Mesmo assim, o renomado professor Alberto Santoni, da Faculdade de
Ciência Política de Roma, preferiu responsabilizar o Leonardo da Vinci pelo
afundamento. Outro estudioso, o professor alemão Jürgen Rohwer, da Biblioteca de

Estudos
25 Contemporâneos
de fevereiro de Stuttgart,
como a data do ataque.compartilhou da opinião
As interrogações, no de Santonipersistem,
entanto, e definiu opois,
dia
naquele momento, tendo o Cabedelo navegado 11 dias e percorrido pelo menos 2 mil
milhas, já estaria fora do quadrilátero reservado às ações do Da Vinci.
Outra possibilidade é que o Cabedelo tenha sido torpedeado pelo Torelli, um outro
U-boat italiano, que, em 19 de fevereiro, atacou dois mercantes nas proximidades das
Guianas. Mas nada foi provado. Cogitou-se, também, que os tripulantes poderiam ter sido
metralhados quando já se encontravam nos escaleres. Como nenhum escaler, mesmo
vazio, foi encontrado, a dúvida continuou.
10 O Da Vinci iniciou suas operações em fevereiro de 1940. Foi o responsável
pelo afundamento de 17 navios até ser colhido, em 23 de maio de 1943, nas proximidades
do
HMSporto de Bordeaux,
Ness, da Marinhapor cargas de
britânica. profundidade
Nenhum dosobreviveu.
tripulante destróier HMS Active e da fragata
Um memorando interno do Ministério das Relações Exteriores de 22 de junho, ou
seja, quatro meses depois do sumiço do Cabedelo, só ajudou a alimentar o mistério que
envolveu o seu desaparecimento. No documento, emitido pela Divisão Política e
Diplomática, chegou-se a considerar a hipótese de a tripulação do navio ter sido
seqüestrada, estando "internada em algum campo de concentração".
11 O destino do Cabedelo com seus 54 homens a bordo é até hoje desconhecido.
Mas tudo indica que foi mais um ato de guerra do Eixo.
Arquivo Histórico do Itamaraty. Ministério das Relações Exteriores. Pasta 33.326 a
33.328.
62 63 O Ambutan: um dos quatro navios brasileiros afundados na costa
americana O submarino foi uma arma muito utilizada pelos países do Eixo durante a
Segunda Guerra Mundial.
Tempos violentos
Se nos mares os afundamentos dos navios escandalizavam a população, em terra o
mesmo acontecia em relação a uma onda de assaltos a motoristas de praça na capital da
República. Numa época em que crimes com armas de fogo eram raríssimos, causou
espanto que ladrões sistematicamente "estivessem se utilizando de revólveres para roubar
os choferes". O Diário Carioca do dia 4 de março de 1942 se indignava com a insegurança
nas ruas:
"(...) O terror se alastra no meio da classe dos profissionais do volante, os quais sem
garantias e temendo alguma cilada, negam-se a atender às solicitações dos fregueses às
altas horas da noite para as corridas aos lugares distantes e pouco concorridos da
metrópole." Ainda segundo o Diário Carioca, as quadrilhas agiam com extrema audácia,
"desafiando a argúcia dos policiais, que, até agora, não conseguiram localizá-las".
O caso do assalto ao motorista Serafim Pereira do Amaral, morador da rua Pedreira
31, no subúrbio de Cascadura, era citado como um exemplo do que vinha acontecendo.
Abordado por dois homens no ponto da rua Manoel Vitorino em Piedade - um deles
alto, moreno e forte, trajando camisa azul-marinho e chapéu de palha, e outro branco, de
óculos e roupa clara -, ouviu o pedido:
"Vamos para o hospital Getúlio Vargas. Estamos com muita pressa." Imaginando
tratar-se de uma emergência, o motorista seguiu para o hospital em alta velocidade.
Porém, ao chegar à estrada Vila de Carvalho, sentiu o cano de um revólver encostar à sua
nuca. Em seguida, veio a ordem em tom de ameaça:
"Pare o carro e desça." Sempre com o revólver em punho, "os dois bandidos
despojaram-no de seus objetos e roupas, além da quantia de 350$090 em dinheiro e, como
se não estivessem satisfeitos, aplicaram-lhe uma surra, fugindo em seguida com o
automóvel".
O "crescimento assustador dos índices de criminalidade" era visto pela imprensa
como um fenômeno gerado pela violência de uma guerra que se alastrava pelo mundo.
Uma guerra que trazia o medo da recessão e do desemprego. Por isso, a assinatura
dos Acordos de Washington, noticiada no mesmo dia da história do motorista Serafim, era
tratada como uma tábua de salvação, esperança de dias melhores. Eram os primeiros
frutos da missão que Vargas confiara ao ministro da Fazenda Sousa Costa depois de
terminada a Conferência dos Chanceleres:
"Os acordos vão proteger a economia brasileira contra as oscilações do mercado
internacional trazidas pela guerra", garantia o Diário Carioca.
Já para o Correio da Manhã os acordos acarretariam um "aumento da produção de
matérias-primas estratégicas e também criariam novos mecanismos de defesa contra
possíveis ataques do Eixo".
Além da questão do rearmamento das Forças Armadas brasileiras, os acordos,
assinados numa cerimônia no Departamento de Estado dos Estados Unidos, incluíam o
desenvolvimento da bacia amazônica, o incremento da produção de bauxita, óleos
vegetais, drogas medicinais e, principalmente, borracha. Essencial para a indústria bélica,
a extração da borracha seria integralmente financiada pelos norte-americanos. Logo seria
feita, inclusive, uma campanha maciça para arregimentar trabalhadores.1 O Correio da

Manhã
se confirmavaaa pagar
prontificavam escassez
100dodólares
produtoao1 Por cada homem
governo recrutado,
brasileiro. os Estados
Pretendia-se Unidos
conseguir,
segundo declarou o presidente Roosevelt, pelo menos 45 mil toneladas do produto. Essa
meta acabou sendo alcançada à custa de muito sacrifício. Atraídos por uma sedutora
propaganda do governo, que fazia promessas de vida nova, milhares de brasileiros
(essencialmente nordestinos) foram arrebanhados para fazer o trabalho de extração da
borracha no coração da Amazônia.
Lá, porém, os chamados Soldados da Borracha foram abandonados, ficando nas
mãos dos seringalistas, que cobravam, a preços aviltantes, por tudo que era consumido, do
material de trabalho ao prato de comida. O pagamento era feito com a produção da
borracha, cuja cotação para esse fim era propositalmente reduzida. Resultado:

os trabalhadores
de problemas. estavam
O trabalho sempre
exaustivo devendo.
e insalubre naAlém
selva,disso,
ondeeles padeciam
muitos de toda
contraíram sorte
malária
e febre amarela, e os constantes ataques de animais selvagens causaram a morte de 30 mil
deles. Ao fim da guerra, com a liberação dos seringais da Malásia, os que sobreviveram -
cerca de 25 mil - foram esquecidos sem sequer terem dinheiro para voltar para casa. Foi
uma grande tragédia (o lugar ficou conhecido como "O Inferno Verde '), sob o pretexto do
esforço de guerra, endossada pelo governo do Estado Novo. Correio da Manhã - 4 de
março de 1942.
66 ao noticiar que os Estados Unidos pretendiam "diminuir, tanto quanto
possível, a perda da borracha nas índias Orientais causada pela presença japonesa na
região".
Sumner Welles assinalava que os acordos trariam benefícios para todo o
continente:
"O novo acordo de arrendamento e empréstimos (...) vai permitir que o governo
brasileiro possa acelerar o armamento do país para sua defesa e, assim, melhorar a
segurança da América." Sousa Costa foi ainda mais longe, ressaltando aspectos que
envolviam o confronto entre as duas forças políticas que procuravam se impor:
"Os acordos são significativos não somente por causa dos seus objetivos concretos
de aumentar a capacidade de produção a fim de vencer as atuais dificuldades, mas
principalmente no sentido de substituir as ideologias do ódio e da destruição pelo espírito
de solidariedade que inspiram os governos das Américas."2 A declaração do ministro da
Fazenda ratificava sua posição historicamente contrária a qualquer alinhamento do Brasil
com a Alemanha hitlerista. Da mesma forma que Oswaldo Aranha, desde o início da
guerra, Sousa Costa também se empenhara para que não prevalecesse a orientação
nazi-fascista vinda dos setores militares do governo.
Homem de sorriso largo, sempre aberto ao diálogo, seu perfil meio bonachão nada
tinha a ver com o pensamento totalitário que tentava se impor mundo afora. Gaúcho como
Aranha e Vargas, Sousa Costa fazia parte do governo desde o triunfo da Revolução de 30.
Primeiro
Fazenda. como presidente do Banco do Brasil e, a partir de 1934, chefiando a pasta da
Os entendimentos, diria o ministro, "são uma luz resplandecente que já assinala o
caminho das relações políticas entre os nossos dois países e desvenda, diante dos nossos
olhos, um vasto horizonte de novo progresso econômico".
67 Essa lua-de-mel do Brasil com os Estados Unidos não era vista com bons
olhos pelo Eixo. Depois de firmados os acordos, não passariam mais que quatro dias para
que um novo ataque acontecesse.
Após os torpedeamentos de Cabedelo, Buarque e Olinda, que navegavam com as
luzes acesas e suas bandeiras do costado e da popa bem visíveis, como faziam as

embarcações
deveriam dasuma
tomar nações
sérieneutras, ficou decidido
de precauções. que todos
Para evitar os navios
que fossem da frotacom
afundados nacional
tanta
facilidade, passariam a trafegar às escuras, pintados na cor cinza e sem bandeira de
identificação. Era o caso do Arabutan, um cargueiro do Lloyd Brasileiro, construído em
1917 na Califórnia, que partira do porto de Santos, em 23 de janeiro, levando para os
Estados Unidos grande carga de algodão.
Além do comandante Aníbal Alfredo Prado, estavam a bordo mais cinqüenta
tripulantes. Na volta ao Brasil, trazia também um náufrago do Buarque e carregamento de
carvão, avaliado em 4 mil contos, destinado à Central do Brasil. Na costa da Carolina do
Norte, a 81 milhas do Cabo de Hatteras, numa tarde com águas serenas, seu trajeto foi
interrompido por um torpedo lançado, sem qualquer aviso prévio, pelo submarino nazista
U-155,3 comandado pelo Capitão-Tenente Adolf Cornelius Piening. Eram 15h15 de um
sábado, dia 7 de março, quando o navio começou a adernar:
"Eu me achava de quarto no passadiço de comando no momento em que o torpedo
atingiu o navio de proa por bombordo. A tripulação correu logo para os quatro escaleres a
bordo. O navio afundou em vinte minutos. O submarino veio à tona e assim se conservou
por uns cinco ou oito minutos. Parecia ter uns 65 metros de comprimento.
Rodeou os escaleres e passou a uns 200 metros daquele em que se encontrava o
comandante e depois submergiu. Dois minutos mais tarde surgiram aviões da Marinha
dos Estados Unidos. Deixaram cair bóias, mas não foi possível alcançá-las. O mar estava
muito agitado", contou aos jornais o 3S piloto do Arabutan, José Lobo Medeiros.
3 O U-155 destruiu 26 navios durante a guerra. Em 30 de junho de 1945, foi
transferido para Lech Ryan, na Escócia, incluído na Operação Deadlight, que afundava os
submarinos do Eixo apreendidos depois de encerrado o conflito.
"O afundamento se processou com grande rapidez. O torpedo alcançou a proa e o
navio ergueu-se por certa parte por 2 metros para fora da água. Ele conseguiu, entretanto,
recuperar sua posição normal, mas foi apenas para começar a submergir. Recebemos
imediatamente
o navio já haviaordem para ocupar
desaparecido." os botes
Mesmo salva-vidas.
tendo Quando
sido avistados pornos afastamos
aviões, um pouco,
os tripulantes do
Arabutan vagaram por 26 horas no mar até a chegada de socorro. Como no naufrágio do
Buarque, ocorreu também uma morte: o enfermeiro Manoel Florêncio Coimbra, que
dormia em seu camarote no momento do ataque. Feridos, em estado grave, ficaram o 2S
piloto Sebastião Rogério Andrade e o marinheiro Wilson Domingos Santos. O governo
brasileiro determinou que todas as providências fossem tomadas para apurar
responsabilidades, como havia feito por ocasião dos afundamentos anteriores. Já tendo
sido comprovado o envolvimento de submarinos do Eixo, mais especificamente alemães,
por intermédio do governo português, o Brasil, como fizera na ocasião do ataque ao
Taubaté, protestou junto à Alemanha, exigindo explicações e reparações pelos danos
causados. Mais uma vez, nenhuma resposta foi obtida. Um silêncio que revelava
indiferença e culpa.
69 José Moreira Pequeno era o comandante do navio Cairu, torpedeado na costa
dos Estados Unidos em março de 1942 O Cairu foi atacado com 75 tripulantes e 14
passageiros a bordo.
O heroísmo do comandante Pequeno
Depois do quarto afundamento em menos de um mês, embarcar num navio
mercante significava experimentar emoções até maiores do que as sentidas em filmes de
suspense do diretor inglês Alfred Hitchcock, já então radicado nos Estados Unidos. Os
horrores do conflito que flagelava o mundo eram amenizados pela produção frenética da
fábrica de sonhos do cinema americano, que, naquele momento, consolidava sua
hegemonia no mercado brasileiro. Nas confortáveis salas de projeção que se
multiplicavam pela capital da República, a maioria contando com modernos aparelhos de
ar-refrigerado, a cultura norte-americana, com seus símbolos e novos costumes, nos
invadia a passos largos. As chamativas opções cinematográficas de uma indústria no auge
de sua expansão enchiam as páginas dos principais jornais levando hordas de
espectadores aos cinemas.
com notícias tão desalentadoras vindas do mar, uma boa alternativa para esquecer
as vilezas de uma guerra sem fim era assistir à estréia, prevista para meados de março, de
Suspeita, o terceiro filme da fase hollywoodiana de Hitchcock, com os astros Cary Grant e
Joan Fontaine, que acabaria premiada com o Oscar de melhor atriz por sua performance.
Mas, definitivamente, por maior que fosse o talento de Hitchcock, nada em sua obra se
compararia ao martírio dos tripulantes do Cairu - mais ainda no caso de Suspeita que teve
um inesperado final feliz, algo incomum na filmografia de Hitchcock.
Em 8 de março, no dia seguinte ao ataque ao Arabutan, o Cairu, um cargueiro de
grande porte do Lloyd Brasileiro, singrava as águas frias do Atlântico Norte na direção do
porto de Nova York (estava a cerca de 130 milhas do litoral), transportando borracha,
algodão, mamona, couros, óleo, cacau, coco babaçu e cristais de mica. A noite fria e
escura compunha o cenário ideal para um ataque surpresa. Foi o que aconteceu. O
primeiro torpedo, lançado pelo submarino U-94,1 do comandante Capitão-de-Corveta
Otto Ites, não explodiu, mas o segundo atingiu o Cairu com tamanha violência que o barco
se partiu em dois. Informações do distrito naval, divulgadas posteriormente, revelaram
que o submarino agressor chegou à superfície, aflorando próximo a um dos escaleres. Seu
comandante, "falando um inglês arrevesado", com forte sotaque alemão, utilizou um
megafone e pediu ao comandante José Moreira Pequeno que informasse o "nome,
nacionalidade, carga e destino do navio, que acabara de afundar".2 Pequeno deu respostas
evasivas, previstas na convenção internacional. Estando no último escaler que deixou o
Cairu, assistiu, bem de perto e consternado, a um segundo torpedo destruí-lo
completamente.
Pequeno era um dos mais experientes e dedicados comandantes do Lloyd. Seu
currículo na empresa datava da época da Primeira Guerra Mundial. Quando o Cairu
zarpou de Belém com destino aos Estados Unidos, ele estava doente e só decidiu
prosseguir viagem, não aceitando ser substituído, por ter tomado conhecimento dos
afundamentos do Buarque e do Olinda. Não queria que o tomassem por covarde. Como
sabia dos perigos que cercavam a viagem, pediu apenas um seguro para a tripulação.
Como era impossível realizar passeios no convés durante o percurso, devido à
baixa temperatura, pensou-se na organização de uma sessão de cinema. Mas Pequeno
mandou cancelar a projeção. Confidenciou ao carpinteiro do navio, que o acompanhava
há quarenta anos, que tomara a decisão porque "se houver torpedeamento, os passageiros
reunidos no salão poderão morrer".3 O velho comandante não estava errado. Era um risco
aquela sessão. Pouco depois de fazer o comentário, às 19h, enquanto repousava 1 Em

sua campanha
Mas, em 28 de de quasedetrês
agosto anos
1942, foinos mares do
destruído no Atlântico, o U-94
Mar do Caribe porfez naufragar
cargas 25 navios.
de profundidade
do avião Catalina, da Marinha dos Estados Unidos (Esquadrão VP-92). Foi atingido
também pela corveta canadense HMCS AO Oakville. Dezenove dos seus tripulantes
morreram e 26 sobreviveram.
2 Correio da. Manhã - 12 de março de 1942.
3 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha.
Rio de Janeiro, 1985.
por não se encontrar bem de saúde, o torpedo atingiu o Cairu. Mesmo passando
mal, orientou, sob intensa ventania, o abandono do navio pelos 75 tripulantes e 14
passageiros.
Pequeno teve ainda forças para responder às perguntas do comandante do
submarino alemão. Surpreendeu-se ao constatar que ele parecia bem informado sobre o
carregamento do navio. Otto Ites estava especialmente interessado na carga de cristais de
mica, material estratégico largamente utilizado pela indústria bélica.
Fora um desgaste muito grande para quem estava enfermo. com um oficial no leme
do escaler, Pequeno ficou encolhido no canto da baleeira enrolado em um cobertor.
O frio invernal tornava a noite longa demais. Não chegou a causar surpresa que,
pela manhã, o comandante não se encontrasse mais a bordo. Uma entristecida tripulação
concluiu rapidamente que José Moreira Pequeno, percebendo que a morte se avizinhava,
preferiu deixar-se deslizar ao mar, sem alarde, "para não dar trabalho a sua gente de
carregar um morto".4
sobreviventes. EmboraO bem
tristeaparelhadas,
fim do velhocom
comandante
rádio desimbolizou
emergência,o drama
agulhavivido pelos
magnética,
carta náutica, água, víveres, palamenta de remos e velas, as baleeiras do Cairu vagaram a
noite toda, ora aproximando-se, ora afastando-se do litoral. Chovia muito e a temperatura
caía cada vez mais. Em condições climáticas extremamente hostis, a baleeira número 3 foi
encontrada pelo navio norueguês Titania. Todos que se encontravam a bordo foram
resgatados com vida. Já a número 4 foi achada por um navio de guerra norte-americano.
As outras chegaram à costa com seus ocupantes mortos ou sofrendo de hipotermia.
No total, 53 pessoas morreram por causa do torpedeamento do U-94. Somente 28
dos 75 tripulantes se salvaram. Dos 14 passageiros, sobreviveram oito. Um deles, o
americano Otto Albert Jaegers, contou as dificuldades que precederam o salvamento do
escaler em que estava ao lado de sua mulher:
"Fez-se com calma e perícia pela tripulação a descida aos escaleres. O meu se
afastou do navio sem que houvesse pânico. O mar, que a 4 História Naval Brasileira.
Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.
princípio estava calmo, começou a agitar-se. Depois veio uma verdadeira
tempestade. Chuva forte, rajadas de ventos, relâmpagos, trovões e as ondas aumentando
de tamanho, de momento a momento. Varriam por completo o nosso escaler. Estávamos
completamente encharcados, gelados de frio. O passageiro mais jovem era uma moça
chamada June, que nunca deixou se levar pelo desânimo, nem deixou jamais escapar uma
simples lamúria, desde que entramos no escaler até sermos resgatados 16 horas mais tarde
(...) Mal pudemos acreditar, quando vimos o navio de socorro. Soubemos, então, que, a
princípio, os seus tripulantes tinham pensado que éramos apenas destroços perdidos de
um resto de navio, pois, com o mar grosso, não podiam nos divisar a bordo."5 Para o 2°
piloto do Cairu, Mirai de Souza Oliveira, a experiência vivida em sua baleeira, a de
número 4, foi bem mais dramática, já que só depois de quatro dias (96 horas) ela foi
localizada:
"A baleeira esteve ameaçada de soçobrar várias vezes. Enquanto alguns se
revezavam no leme e nos remos de estabilização, outros, com todas as vasilhas de que
podiam dispor, retiravam a água que se acumulava na baleeira. Molhados e
tiritantes, trabalhávamos em 1 silêncio." Mas o pior ainda estava por acontecer.
Tanto tempo de exposição ao frio implacável fez com que pouco a pouco os náufragos
fossem sucumbindo:
"Depois do segundo dia - prosseguiu Mirai - morreu o primeiro companheiro. O
engelamento dele começou pelas mãos e pelos pés. Depois atingiu as pernas e os braços, o
tórax e o baixo ventre. Por último, o paioleiro não podia mais se mexer." Nesse instante,
todos pararam de trabalhar. Chovia muito e a temperatura estava abaixo de zero. Os vinte
homens a bordo estavam molhados, com as roupas coladas ao corpo. Por alguns
momentos, a tristeza parecia maior que o frio. Foi prestada a última homenagem ao
companheiro e seu corpo foi jogado ao mar.
Essa era a primeira vítima da baleeira. Ao amanhecer do terceiro dia, mais oito
corpos estavam estendidos no fundo do barco. Repetiu-se O Jornal- 12 de março de
1942.
cerimônia da véspera. O silêncio só era quebrado pelo baque dos corpos caindo no
mar.
Mirai lembrou que todos tinham os olhos cobertos de lágrimas. O clima de
prostração e desânimo só foi interrompido quando o moço do convés se desequilibrou e
caiu num mar repleto de tubarões. Por sorte, puxado pelos companheiros, conseguiu
voltar a bordo.
No leme da baleeira, Mirai não sentia mais a perna. Mas isso ficou em segundo
plano, assim que um dos náufragos começou a se debater: "Suas unhas rasgavam a pele do
seu dorso nu. Ele arrancou a camisa, a calça, a despeito do frio intenso. Mordia a própria
carne.
Sangrava-lhe as mãos, as pernas e o ventre. Depois, como os outros, sossegou.
Logo estava morto."6 Era mais um cadáver jogado ao mar. Como os demais, ele
havia sido despido. As roupas ficavam a bordo para aplacar o frio dos que ainda resistiam.
Quando surgiu um navio no horizonte, restavam dez náufragos na baleeira - a metade dos
que embarcaram. Os outros haviam morrido congelados.
Chocada com o número alto de vítimas do Cairu, e percebendo que novos
torpedeamentos seriam inevitáveis, a direção do Lloyd Brasileiro ordenou imediatamente
a todos os comandantes de navios que navegavam na região que se dirigissem ao porto
mais próximo. Eram cinco os cargueiros que se encontravam nessa zona de perigo:
Alegrete, Aluruoca, Mandu, Parnaíba e Comandante Pessoa.
No Brasil, a repercussão dos novos torpedeamentos foi imensa. Nem a decisão do
governo, com o apoio dos Estados Unidos, de aparelhar todos os navios mercantes com

armas defensivas
interromper diminuiu
o tráfego a preocupação
marítimo quanto
para a América a novos
do Norte. As ataques. Cogitou-se
notícias eram de queaté
os
submarinos do Eixo estavam ampliando suas operações até a latitude de Trinidad e ao
largo das Guianas. Tanto que, logo depois, na primeira quinzena de abril, somente um
deles, o italiano Calvi, torpedearia cinco embarcações aliadas ao norte do estuário do Rio
Ama- 1 Depoimento de Mirai de Souza Oliveira, 2° piloto do Cairu, ao O Globo em 13
de julho de 1942.
75 zonas e do Cabo de São Roque, localizado a apenas 100 quilômetros de Natal.
Uma declaração de um chofer de táxi do Rio de Janeiro à reportagem do Diário
Carioca expressava bem o sentimento da população em relação aos chamados "súditos do
Eixo".
"No meu carro não entra nem alemão, nem japonês", sentenciou.
Em Porto Alegre, num protesto simbólico, as placas das avenidas Berlim e Itália
foram cobertas com pedaços de papelão que traziam os nomes dos navios atacados.
Já no município de São Leopoldo, um dos maiores redutos de população
teuto-brasileira, ocorreram manifestações mais violentas. Um monumento, erguido na
Praça Centenária em homenagem ao colono alemão, amanheceu completamente
destruído.
Em carta a Carlos Martins Pereira de Souza, embaixador do Brasil em Washington,
Alzira Vargas, a filha mais próxima do presidente, também manifestava, com indignação,
os temores que se alastravam por todo o país:
"A fase de euforia atravessada por ocasião da conferência e do rompimento de
relações diplomáticas com o Eixo foi brilhante, porém curtíssima. Nem um mês depois,
em pleno carnaval, e notícias do torpedeamento do Buarque foram uma ducha fria no
entusiasmo brasileiro [...] Tivemos também a primeira impressão real da proximidade da
guerra e da impossibilidade de sermos apenas um simpático e prestativo espectador. Que
submarinos do Eixo possam atuar livremente a poucas milhas de Nova York é

inacreditável.
navegação Que nenhuma
essencial, tanto paramedida
o Brasil seja tomada
quanto para a para impedi-los
América, de molestar
parece-nos uma
brincadeira de
criança ou vontade de dar razão aos inimigos comuns [...] Quatro navios afundados nas
mesmas circunstâncias e no mesmo local fazem-nos crer ou que a quinta-coluna aí é mais
forte do que desejam que se saiba ou então que o desinteresse é total pelo que nos diz
respeito. Embora saibamos que ambas as hipóteses são pessimistas, nenhuma explicação
plausível nos ocorre [...] Peço-lhe, meu caro embaixador, que nos dê daí sua opinião sobre
esses fatos e a impressão que lhe causam estas reações, para nossa orientação [...] e para
conseguir o restabelecimento da confiança da nossa marinha mercante na vigilância
americana e no socorro a nossos infelizes sinistrados, que ficam trinta ou setenta horas, ou
mais, ao sabor das ondas sem assistência. Para obter o cumprimento dos compromissos
americanos rapidamente, contamos que não nos falte com sua atenta e constante
colaboração."7 7 Correspondência de Alzira Vargas ao embaixador Carlos Martins.
Rolo 7, fotograma °0lla0012. CPDOC/FGV.
Durante meses, houve intensa negociação entre Brasil e Estados Unidos para armar
os navios mercantes brasileiros Da esquerda para a direita, Alzira, Getúlio e Darcy
Vargas: a filha foi presença constante ao lado do pai, num momento em que o Brasil
estava prestes a declarar guerra ao Eixo.
Verão no Rio Negro
Das grandes janelas do Palácio Rio Negro, na cidade serrana de Petrópolis, o
deslumbramento que a vista proporcionava era tão fascinante que a idéia de uma guerra
parecia uma abstração. A presença alemã, no entanto, podia ser sentida no casario e no
traçado urbano que, desde que ali chegaram os primeiros colonos, em 1845, permanecia
quase intocado. Nesse ambiente impregnado pela cultura européia, onde a temperatura
média anual não ultrapassava os 16 graus, Vargas examinava o delicado momento da
política internacional. O verão não chegara ao fim e um reflexivo presidente contemplava
as belezas do exuberante jardim do palácio. Era um lugar que o agradava tanto que, nos
seus 18 anos no poder, não deixou de despachar em um só verão no Rio Negro.1 Talvez
porque lá sentisse uma aragem semelhante à dos pampas, o que lhe trazia um relaxante
bem-estar, principalmente quando se deixava conduzir pelas suas digressões.
Seus pensamentos, naquele fim de estação, estavam tomados por preocupações,
parecidas com as que a filha Alzira revelara na carta enviada ao embaixador Carlos
Martins.
Chamada carinhosamente por Vargas de "rapariguinha", Alzira, trabalhando como
auxiliar de gabinete da presidência, mais do que qualquer um dos seus outros quatro
filhos, exercia
ainda bem grande
menina, eminfluência
São Borja,sobre o pai. Influência
o observava esta jamais
sempre ocupado em imaginada quando,
seu escritório, "ora
lendo e estudando processos, ora recebendo constituintes e eleitores".2 Desde a
instauração da República, o Palácio Rio Negro hospedava, nos meses mais quentes do
ano, os seus presidentes. De Rodrigues Alves, passando por Juscelino Kubitsek até Costa
e Silva, Vargas foi o único a ter tamanha assiduidade. Getúlio Vargas, meu pai. Alzira
Vargas do Amaral Peixoto. Editora Globo, 1960.
Alzira guardaria para sempre também a lembrança do pai fardado com o uniforme
da Brigada Militar do Rio Grande do Sul - o talim para prender espadas, as botas pretas, o
chapéu de abas largas e a capa negra sobre os ombros. O revólver que levava preso à
cintura, confessaria Alzira, o tornava "um tanto estranho". Eram os idos de 1923 e, com
esta indumentária,
Provisório Vargas
em defesa se despedia
dos ideais de umados filhos para
revolução que,irsegundo
comandar o 7o "parecia
a filha, Corpo Auxiliar
não ter
fim".
"Foi quando tomei conhecimento da existência do meu pai. Ali, percebi o quanto
gostava dele",3 revelaria Alzira.
O contato freqüente, além da semelhança física, ajudava a fortalecer os laços entre
os dois. Vargas, paternalmente, nunca se furtava de ouvir as posições progressistas da
filha, que acabou se tornando uma das maiores articuladoras de sua volta ao poder na
década seguinte.
Porém, ainda contavam-se os dias de março de 1942 e o que afligia os pensamentos
de Vargas era a falta de perspectivas imediatas de resolver o problema dos ataques aos
navios mercantes brasileiros. Todo o entusiasmo pelo sucesso da Conferência dos
Chanceleres dava lugar a enormes apreensões. O Brasil estava irremediavelmente
atrelado à causa aliada. Liderava, como enfatizara a imprensa norte-americana, um bloco
de países que se colocara frontalmente contra os interesses de temíveis inimigos.
As represálias vieram mais rapidamente do que se imaginava.
Buscando soluções para o problema, a partir de meados de março, precisamente no
dia 17, o presidente intensificou a correspondência com o embaixador Carlos Martins, em
Washington:
"Procure com urgência o governo americano em meu nome e solicite providências
que garantam a segurança de nossos navios mercantes que fazem o tráfego entre o Brasil e
os Estados Unidos contra os ataques de que vêm sendo vítimas, parecendo-me necessário
que os vapores que aí estão sejam imediatamente comboiados e artilhados, fornecendo o
governo americano canhões, guarnições de artilharia, obrigando-se o governo brasileiro a
repatriá-los. Informem-me minuciosamente o resultado da demanda", escreveu Vargas
em telegrama a Carlos Martins.
A resposta do embaixador veio no dia seguinte (18 de março): "Telegrafei para o

Ministério
de Estado. das Relações
Ficou Exteriores
combinado (dia 14)
que seriam avisando
armados os sobre
naviosa brasileiros
conferênciaque
comseoencontram
secretário
nos Estados Unidos por conta do acordo de empréstimos e arrendamentos. O adido naval
apresentou uma lista completa de vapores com suas tonelagens e portos em que estão
fundeados para que técnicos da Marinha determinem classe de armamentos.
Transmiti também ao governo americano nosso oferecimento de artilharia para dar
guarnição aos navios norte-americanos que queiram armar em nossos portos. Voltarei
hoje a conferenciar com o secretário de Estado de acordo com ordens de Vossa
Excelência." As interferências de Martins parecem ter surtido efeito. Tanto que o
presidente Roosevelt não tardou em escrever para Vargas, chamando a atenção para a
importância dos últimos entendimentos entre Brasil e Estados Unidos:

março "Confio quea compartilhe


constituem da minha
base de um novo convicção
e proveitoso de que acordosentre
desenvolvimento assinados
os doisem 3 de
países.
Graças à dilatação do acordo de empréstimos e arrendamentos e às listas de
entregas que foram combinadas, as forças armadas brasileiras, num prazo muito menor do
que tínhamos previamente julgado possível, estarão equipadas com grande quantidade de
armas necessárias a torná-las capazes de desempenhar sua parte na defesa do seu país e
continente. Os funcionários deste governo também ficaram profundamente
impressionados com os planos do ministro e seus auxiliares para o desenvolvimento dos
recursos agrícolas, minerais e industriais do Brasil (...) Finalmente, desejo mais uma vez
valer-me da oportunidade de dizer-lhe como sou verdadeiramente grato pela cooperação
sincera que tenho infalivelmente recebido de Vossa Excelência nos assuntos de vital
importância que tenho sido forçado, pelas críticas circunstâncias de nosso tempo, a levar a
sua atenção. com segurança de minha ardente estima e com as mais cordiais lembranças à
senhora Getúlio Vargas, creia-me sinceramente seu."4 ' Idem.
4 Carta de Franklin Roosevelt a Getúlio Vargas. Rolo 7, fotograma 0007 a 0008.
CPDOC/FGV.
80 81 Logo o embaixador Carlos Martins comunicou-se com Vargas, trazendo
notícias animadoras a respeito da reunião que tivera com Sumner Welles no dia 14:
"Sobre comboios, ele me disse que o Departamento da Marinha estuda sua
aplicação desde portos dos Estados Unidos até portos a serem determinados ao norte da
América do Sul. O comandante Brady, is adido naval aí, está autorizado a negociar o
assunto com nosso Ministério da Marinha." Dia 24, Martins traz outra boa-nova:
"Crédito outorgado pelo Ministério da Marinha. Primeiras aplicações da Lei de
Arrendamentos e Empréstimos para fazer novas requisições. Isto é: seis lanchas
torpedeiras, dez caças submarinos e armamento de marinha mercante." Vargas se alegrara
com a notícia. Já fazia planos para a aquisição de material bélico, distribuindo os US$ 200
milhões previstos no Acordo de Washington entre as Forças Armadas: US$ 100 milhões
seriam destinados ao Exército, US$ 50 milhões à Marinha e US$ 50 milhões à

Aeronáutica.
vizinhos Mas esse
ao Brasil processo
poderiam estarnão era privilegiados.
sendo tão simples. Surgiram suspeitas
Martins tratava de que países
de desmentir em
correspondência enviada a Vargas no sugestivo dia 1 de abril:
"Sumner Welles pediu para transmitir que são infundados boatos de que os Estados
Unidos forneceram canhões antiaéreos e aviões de combate para Chile e Uruguai. O
Brasil é o único país da América contemplado com aquele canhão. O Uruguai recebeu
quatro aviões de treinamento e o Chile alguns canhões de costa recusados pelo Brasil. O
general Arnold, chefe da aviação militar, comunicou oficialmente a Eduardo Gomes que o
Brasil receberá em breve seis aviões bombardeiros e seis caças modernos.
Jornais daqui e de Nova York comentam largamente que a Argentina não receberá
material algum dos Estados Unidos." Três dias depois (4 de abril), Martins volta a
mencionar ao presidente Vargas a possibilidade de equipar nossos navios:
"O artilhamento de cinco navios brasileiros que se encontram nos Estados Unidos
ficará ultimado até 15 de abril. Cada navio levará guar- nição de artilharia. Estou
negociando com o Departamento de Estado e a Marinha para que navios partam
simultaneamente e sejam comboiados. Em Nova Orleans, onde serão embarcados
cinqüenta tanques, quatro canhões antiaéreos e demais materiais bélicos, encontra-se o
navio Aracaju. É indispensável que seja destacado mais um navio para aquele porto a fim
de que todo o material possa ser embarcado." Inquieto, Vargas, no próprio 15 de abril,
escreve para o embaixador brasileiro para cobrar essas providências. Mesmo não tendo
havido nenhuma nova agressão à frota nacional desde o início de março, o presidente
parecia antever que os ataques voltariam a acontecer:
"Submarinos do Eixo já estão torpedeando navios americanos e ingleses em águas
brasileiras. Em breve, serão atacados os nossos. A deficiência da Marinha de Guerra
brasileira não permite proteção a nossos navios mercantes. Torna-se urgente remessa de
navios caça-submarinos e lanchas torpedeiras permitidas no recente convênio (...) Peço
informar quando virá primeira remessa e de quantas unidades se compõe. Urge solução
satisfatória", cobrou Vargas com nítida impaciência.

No mesmo dia 15, Carlos Martins responde ao presidente:


"Logo que recebi comunicação telefônica do ministro Sousa Costa, apressei-me em
formular a Welles um pedido de remessa urgente de navios caça-submarinos e lanchas
torpedeiras. Prometeu-me toda a assistência, ficando de informar-me após entendimentos
com autoridades competentes. Comunicou-me confidencialmente que o presidente
Roosevelt ordenará ao ministro da Marinha que empregue todo esforço para facilitar
comboios de navios brasileiros que estão aqui e que partirão em breve levando cinqüenta
tanques, canhões antiaéreos e demais material bélico." Vargas, no dia 17, respondeu
sucintamente:
"Pode fazer partir o navio assim que o governo americano assegurar o comboio
prometido." No dia 22, Martins tinha boas notícias quanto ao conteúdo do carregamento,
mas continuava o impasse quanto à escolta dos navios até o Brasil:
"Quatro navios em Nova York levarão 18 aeroplanos do Ministério da
Aeronáutica, dez aviões aero-club, nove caminhões, 14 carretas canhões, 85 toneladas de
chapa de aço para a Marinha, grande quantidade 82 83 de material para o Lloyd e a
Central do Brasil: carvão, folha-de-flandres, papel etc. Em Nova Orleans, um navio do
Lloyd Brasileiro (...) estará até o final do mês carregado com cinqüenta tanques, quatro
canhões antiaéreos completos, munição e material diverso do Ministério da Guerra. Não
foi fixada ainda a partida, dependendo do Ministério da Marinha assegurar comboios."
Em nova mensagem ao presidente, Carlos Martins, dessa vez no dia 27 de abril, explica o
andamento da situação:
"Voltei a entrevistar-me com o senhor Welles, que me informou que o almirante
King deve dar nesta terça ou quarta-feira a decisão sobre a possibilidade de imediato
comboio para os navios partirem com material bélico. Falei-lhe igualmente sobre a
requisição de lanchas submarinas (...) Disse-me Welles que o chefe da esquadra
afirmou-lhe que essas embarcações não servem ao fim visado. Comando da esquadra
cogita enviar o almirante muito em breve ao Rio de Janeiro para entendimentos com
nossas autoridades navais para fixar-se material eficiente que possa fornecer e ajustar
necessária cooperação."5 Dois dias depois, em 29 de abril, o embaixador Jefferson
Caffery entra no circuito passando ao secretário de Estado, Cordell Hull, as impressões do
general Lehaman W. Miller, adido militar norte-americano no Brasil:
"É urgente que o governo americano tome medidas necessárias para a remessa do
material para o Exército Brasileiro dentro do prazo mais curto. Já há dois anos que as
autoridades militares brasileiras vêm procurando armamentos nos Estados Unidos dentro
dos termos favoráveis dados pelos alemães. Até então, os Estados Unidos não enviaram
qualquer equipamento moderno. A chegada desse material, mesmo que em pequena
quantidade, produziria tremendo efeito moral."6 Essa interferência de Caffery não
deixava dúvidas de que existia a intenção de os Estados Unidos atenderem as
necessidades brasileiras, mas, com tantas demandas em razão da guerra que se alastrava

em di- versas
carga, muitasfrentes,
vezes, eparecia
cada vez mais
mais acirrada, estava
complicado do queclaro que garantir a chegada
disponibilizá-la. Não por de uma
acaso,
aquele fim de verão e início de outono no Palácio Rio Negro foi tão tenso e atribulado para
o presidente.
5 Todos esses trechos fazem parte da intensa correspondência de Getúlio Vargas
com Carlos Martins e Franklin Roosevelt no período citado. Rolo 7, fotograma 0007 a
0008. CPDOC/FGV.
6 1942- Guerra no Continente. Hélio Silva. Civilização Brasileira, 1942.
Os tentáculos do nazismo
O desconforto do governo brasileiro ao se deparar com a rápida agressão do Eixo e
as conseqüentes pressões para que as promessas norteamericanas de remessa de
armamento e proteção aos navios mercantes se concretizassem deixavam transparecer as
dificuldades da Marinha dos Estados Unidos no início da sua participação na guerra. com
pouco mais de dois meses de conflito, ela ainda estava longe de estar plenamente
estruturada para ter eficiência em duas campanhas oceânicas. A sua frota de
caça-submarinos e contratorpedeiros era insuficiente até para fazer a própria defesa,
sendo, portanto, incapaz de realizar operações mais complexas, que garantissem a
segurança da região atlântica.
A guerra anti-submarina jamais fora considerada matéria relevante pela Marinha dos
Estados Unidos que tradicionalmente priorizava a construção de navios de superfície.
Além do mais, naquele momento, os norte-americanos se defrontavam com o
enorme desafio de executar uma campanha nos confins do Pacífico com o objetivo de
conter o belicoso avanço japonês. Lá estava, inclusive, grande parte da sua exígua frota de
quarenta submarinos, servindo apenas como arma auxiliar de esquadras. Isso era
resultado de uma opção militar que levou o país a nunca empenhar mais de 20% das suas
atividades nesta modalidade bélica - ao contrário dos alemães, que há muito investiam na
estratégia da guerra submarina.
Tampouco havia, por parte dos Estados Unidos, a percepção de que as táticas
usadas na Segunda Guerra Mundial ainda incluiriam aspectos considerados obsoletos,
como a organização de comboios lentos, formados Espiões que atuavam no Brasil,
fichados pela polícia política do governo Vargas 1 História Naval Brasileira. Quinto
volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.
por navios antigos, que caracterizavam, por exemplo, a frota mercante brasileira.
Isso a tornava uma presa fácil para a ação dos submarinos do Eixo, cada vez mais
presentes nas águas do Oceano Atlântico.
Diante desse contexto, duas orientações passariam a reger a campanha
anti-submarina. A primeira preconizava que fosse evitada, através de radar, a
aproximação dos submarinos. Eles deveriam ser detectados prematuramente, mesmo
estando mergulhados, para que pudessem ser abatidos com armas adequadas. A segunda
definia o aumento de unidades tanto aéreas quanto de superfície, que, por meio de
aparelhos de detecção noturnos, cobririam uma extensa faixa do mar. com isso, haveria a
possibilidade de surpreender um submarino inimigo no momento em que viesse à tona, ou
para recarregar suas baterias, ou para ganhar velocidade no deslocamento. O problema era
que, até 1942, nos manuais das Forças Armadas Brasileiras praticamente inexistiam
recomendações de como executar essas tarefas e, muito menos, havia recursos para
colocá-las
para em prática.
o dia que Nosestaria
a sua costa Estados Unidos, o quadro
devidamente era semelhante - não seria da noite
protegida.
Enquanto isso, do seu quartel-general no porto de Lorient, no litoral atlântico da
França, o almirante Karl Dõnitz movia os seus submarinos livremente, aproveitando-se da
vantagem estratégica de ocupar a região.2 A frota alemã passou então a ampliar de modo
significativo o raio de suas operações, pois, tendo em mãos toda a costa ocidental
francesa, as bases ali localizadas eram utilizadas com extraordinários resultados. Além de
Lorient, estavam também sob domínio da Marinha germânica Saint-Nazaire, Nantes,
Brest, La Pallisse e Bordeaux. Sabendo o quanto era importante manter essas posições,
Dõnitz providenciou a construção de imponentes coberturas de cimento armado e aço,
com vários metros de espessura, para proteger os cais e os estaleiros que faziam a
manutenção dos submarinos.
2 A ocupação do litoral atlântico da França representou também uma grande
vantagem para a Luftwaffe. Ao estabelecerem na região suas bases aéreas, os alemães
encontraram todo o litoral sul da Inglaterra exposto à ação dos seus torpedeamentos. A
navegação inglesa, em conseqüência, teve que ser deslocada para os denominados
"acessos ocidentais" (portos da costa oeste). O porto de Londres ficou praticamente
desativado, o que trouxe sérios problemas de abastecimento para a cidade.

Hitler, com suas bases dos


o deslocamento bem U-boats
resguardadas,
para a Dõnitz
grande ordenou, comnavios
caçada aos o consentimento de
mercantes que
trafegavam na costa dos Estados Unidos, entre Lawrence, ao norte de Boston, e o Cabo de
Hatteras, ao sul do porto de Norfolk. A fragilidade da defesa do litoral americano até
surpreendeu os alemães, e a estratégia de minar o inimigo estrangulando as suas vias
marítimas foi facilitada. A campanha intensificou-se rapidamente. No início das
hostilidades, eram apenas seis os submarinos nazistas que atuavam naquela área. Esse
número cresceu para 18 em 1941. Quando o Brasil decidiu ficar do lado dos Estados
Unidos, em 1942, os submarinos que agiam naquela área chegaram a cerca de quarenta.
Atuavam livremente sem sofrer qualquer tipo de retaliação.
Os reveses norte-americanos foram grandes nesse período. Foi o caso do
afundamento
dos náufragospelo U-552 doNo
do Buarque. contratorpedeiro Jacob
total, de janeiro James,
a julho que havia
de 1942, ajudado
foram no resgate
torpedeados em
torno de trezentos navios aliados no litoral Atlântico, ao largo das Américas. Na
Alemanha, essa fase ficou conhecida como o alegre massacre: os submarinos operavam à
vontade, atacando navios que tinham sua silhueta marcada pelas luzes das cidades
litorâneas.
Durante a noite, das zonas portuárias e áreas à beira-mar, chegava-se a ouvir os
sons da batalha que favorecia apenas um lado.
Os comandantes alemães se davam ao luxo de escolher os navios que seriam
afundados. Em geral, preferiam embarcações maiores com cargas estratégicas, como os
petroleiros que chegavam carregados dos portos da Venezuela e do Golfo do México,
deixando intactos, para economizar torpedos, os navios que não levavam nenhum tipo de
carregamento.
Sem qualquer obstáculo, os submarinos avançavam em plena luz do dia para
escolher as presas mais valiosas.
O estrago era tão grande que, em 10 de fevereiro de 1942, a Inglaterra ofereceu à
Marinha dos Estados Unidos 24 das suas mais bem treinadas traineiras anti-submarinas,
além de dez corvetas com tripulações completas. As embarcações chegaram a Nova York
no início de março:
"Ainda era bem pouco, mas era do que podíamos dispor", disse Churchill.
Nesse período, justamente aquele em que os primeiros navios brasileiros foram
torpedeados, só três submarinos alemães foram afundados em águas americanas:
89 "Na época, não havia nenhum plano para formar comboios costeiros. A Força
Aérea americana não havia recebido nenhum treinamento para a guerra anti-submarina,
enquanto a Marinha não possuía meios para travá-la. O desastre poderia ter sido maior se
Hitler tivesse mandado seus grandes navios atacarem no Atlântico. Mas ele estava
obcecado pela idéia dedequesuperfície
suas embarcações nós iríamose invadir
muitoso norte
dos da Noruega
seus e ali manteve
submarinos",3 todas as
revelou o
primeiro-ministro inglês em suas memórias, confirmando todo o despreparo
norte-americano.
Outro aspecto que facilitava o trabalho dos alemães era a constante comunicação
do QG de Lorient com os submarinos, que recebiam informações da extensa rede de
espionagem nazista que funcionava tanto em território americano quanto brasileiro. Nos
Estados Unidos, aproveitando-se da ampla liberdade existente no país, informantes
trabalhavam sem restrições. Três navios-armadilha americanos (Eagle, Atik e Asterion)
foram colocados a pique porque o sigilo de suas missões havia sido quebrado.
Mas logo seriam adotadas medidas extremamente rígidas contra a espionagem
internacional.
Ainda em 1942, no mês de agosto, os jornais do mundo inteiro anunciaram a
execução na cadeira elétrica de seis espiões alemães. Foram as primeiras execuções
adotadas para esse tipo de crime. Denunciados por um guarda-costeiro que se fingiu de
cúmplice, os estudantes Haupt Henry, Eick Edward, John Kerling, Hermann Otto,
Richard Quirin e Werner Thier, que chegaram a viver nos Estados Unidos, foram presos
ao retornarem ao país a bordo de um submarino, sendo levados à costa em botes
clandestinos.
com eles, foram encontradas bombas com detonadores de tempo, pistolas
incendiárias, cartuchos explosivos e ácidos especiais. Segundo as autoridades
norte-americanas, o objetivo era sabotar, entre outros alvos, fábricas de alumínio, estradas
de ferro, canais, usinas elétricas e depósitos de água potável. Outros dois espiões do
grupo, por colaborarem nas investigações, tiveram as penas de morte comutadas e
transformadas em prisão perpétua.
3 Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume II. Winston S. Churchill. Nova
Fronteira, 2005.
Os norte-americanos radicalizavam diante de ameaças que se manifestavam há
um bom tempo. Desde a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, a Alemanha começou a
se articular para estender seus tentáculos até Américas. Por fazer a ligação entre os
oceanos Pacífico e Atlântico, o Panamá era considerado um ponto crucial de defesa do
continente. Por isso, desde os anos 1930, era um território coalhado de espiões. O
interesse do Reich no país era tamanho que foi enviado para lá Hermann Menzel, o chefe
em Berlim da Divisão de Inteligência Naval do QG do Abwehr (Departamento de
Contra-informação do Alto-Comando Alemão). A tarefa de Menzel era montar uma
grande célula de espionagem. O chamado "Projeto 14" foi posto em prática para que se
fizesse um abrangente levantamento topográfico da zona do canal. O objetivo era
conhecer detalhes dos açudes que forneciam águas para eclusas e a localização dos
geradores. Foram também elaborados relatórios técnicos sobre o funcionamento de

hidroviaschegou
também e observados o tráfego
a ter forte marítimo
influência e as instalações militares locais. A Costa Rica
nazista.
Numa população de 500 mil pessoas, 2 mil eram alemãs ou descendentes, que em
geral ocupavam cargos de projeção na sociedade local. A escola alemã, dirigida por um
ex-líder da Juventude Hitlerista, seguia rigorosamente a doutrina do Reich, a ponto de
comemorar os aniversários do Führer com seus alunos fazendo a saudação clássica "Heil
Hitler!". Não faltavam costa-riquenhos participando de tais eventos. O interesse da
Alemanha no país era reforçado pela possibilidade de controle do litoral, tanto do Caribe
quanto do oceano Pacífico. Isso facilitaria a construção de bases para operações que
atingiriam as duas pontas do canal, o que permitiria aos alemães bloquear o seu acesso
ocidental.

País fronteiriço
irresistível dos Estados
sobre a Alemanha, Unidos,
que, o México
adquirindo exerciajornalísticas,
empresas também umacenando
fascínio
vantagens a militares e funcionários do governo e contando com a colaboração de alemães
estabelecidos, procurava ampliar sua influência no país. É possível que se estivesse no
lugar dos americanos, aproveitando-se da instabilidade crônica das instituições
mexicanas, e da sua proximidade territorial, a Alemanha o teria anexado, como fez com a
Áustria, em 1938. O interesse alemão só crescia com o aumento da demanda da sua
máquina de guerra, já que eram conhecidas as reservas petrolíferas daquele país.
Não foi de surpreender que, em fevereiro de 1939, surgisse a suspeita, contestada
por Castillo Najera, embaixador em Washington, de que o México negociava com a
Alemanha a troca de aviões militares por petróleo. Apesar dos desmentidos oficiais, os
indícios dessa
Hagermann, negociação
herói eram
da Primeira claros,
Guerra, pois na
estivera emépoca
missãoo especial
comandante alemão
na Cidade doHeinrich
México.
Além disso, através da imprensa, se fazia propaganda nazista abertamente.
Manifestações anti-semitas eram comuns e grupos de extrema-direita chegaram a cogitar
um golpe de Estado que deporia o presidente Lázaro Cárdenas. Foi preciso que John
Spivak, um conhecido jornalista americano, passasse a fazer matérias investigativas,
extremamente bem documentadas, denunciando a interferência da Alemanha na
sociedade mexicana, para que os Estados Unidos, através do governo e do congresso,
tomassem medidas no sentido de conter esse avanço.
No Brasil, a presença alemã ganhava corpo em razão da complacência de órgãos
oficiais e da germanofilia de alguns setores do governo, o que contribuiu para que fosse
montada, a partir de 1939, uma complexa rede de espionagem nazista. Esse interesse do
Reich foi determinado, sobretudo, pelas severas perdas inglesas no Mediterrâneo, o que
fez com que o almirantado britânico desviasse todos os seus navios mercantes, exceto os
mais velozes, para a rota em torno da África do Sul. Isso, naturalmente, significou o
aumento do valor estratégico dos portos brasileiros, que se transformaram em pontos
intermediários na passagem para aquela região do Atlântico. Somente em 1942, com os

Estados Unidos
também já nado
pela perda guerra e o Brasil
prestígio dos rompido com obrasileiros,
germanófilos Eixo, é quepassou
efetivamente essa rede,
a ser combatida
efetivamente.
com esse fim, foi criado, em janeiro de 1942, pelo Estado-Maior da Armada, o
Serviço de Informações de Interesse de Segurança Nacional.4 Não demorou para que se
comprovasse a sua necessidade, pois não faltaram descobertas de ações de espiões. No
próprio mês de janeiro foi identificada uma estação de rádio clandestina que transmitia
para os alemães informes sobre a movimentação dos portos nacionais. Não foi ossível
localizar o ponto exato da costa em que estava instalada, mas descobriu-se, através de
navios brasileiros, entre eles o próprio Cairu, que acabaria por ser abatido, que ela se
comunicava com uma estação denominada DLB, situada na Alemanha. No dia 21 de
janeiro, chegou a ser interceptada uma transmissão que revelava a reunião de navios que
iriam partir em comboio a 10 milhas da ponta de Olinda. Houve uma mobilização do
Departamento de Correios e Telégrafos para localizar o transmissor, que acabou sendo
malsucedida.
Existiam também estações legais controladas por nazistas. A criação de uma rede
de radiodifusão era uma das estratégias do Reich para contrabalançar a influência dos
Estados Unidos na América do Sul. Na capital da República, em agosto de 1941, com
dinheiro cedido pela embaixada alemã e com o aval do adido comercial, Hans Henning
von Cassei, foi adquirida a Rádio Ipanema, que funcionava no posto 6, em Copacabana.
O negócio, no valor de 950 mil cruzeiros, foi fechado na sede da empresa Estradas
de Ferro Alemã, localizada na avenida Rio Branco 128/16S, no coração da capital da
República. assim
Alemanha Seu diretor, Wilhelm
que foram Konigas- relações
rompidas chefe dadiplomáticas
Gestapo no Brasil,
-, usou que regressoudeà
na operação
compra dois testas-de-ferro brasileiros. A Alemanha subvencionou também pelo menos
dois jornais no Distrito Federal - A Gazeta de Notícias e Meio-Dia -, e ainda alugou um
cinema no centro do Rio de Janeiro. Ficava na Cinelândia, chamava-se Broadway e só
exibia filmes alemães.
Procurava-se com isso fazer uma campanha maciça com a intenção de introduzir na
sociedade brasileira os ideais do nacional-socialismo. Estava sendo formada também uma
complexa rede de informação, com desdobramentos de norte a sul do país. Mas o cerco
aos espiões estava se fechando. Investigações conduzidas pelo então secretário de
Segurança de Pernambuco, Etelvino Lins, desmascararam um funcionário da capitania
dos portos, cujo nome não foi divulgado, "acusado de informar a movimentação dos
navios do porto do Recife".5 Ainda em Pernambuco, foi desbaratada uma célula de
espionagem comandada por um alemão chamado Herbert Julius, que fornecia
informações para um 4 Antes mesmo disso, pelo decreto-lei n. 2.985, de 25 de janeiro de
1941, o governo havia estabelecido regras, enquanto houvesse guerra, de utilização de
aparelhos de radiocomunicações em todo o território nacional.
5 Ofício 6, de 21 de janeiro de 1942, do Estado-Maior da Armada à Capitania dos
Portos do Estado
Administrativo, RiodedePernambuco
Janeiro). (Serviço de Documentação da Marinha, Arquivo
92 93 programa da Rádio Berlim, que podia ser captada em todo o Nordeste.
Nesse programa, "eram feitas intimidações à população local em português fluente, mas
com forte sotaque estrangeiro".6 Já em Natal, agentes do FBI descobriram que os alemães
Richard Burgers, Ernest Luck e Hans Weberling estavam a serviço de uma célula nazista
no Rio de Janeiro. Eles reuniam informações sobre o movimento de aviões
norte-americanos baseados na cidade e usavam uma estação de ondas curtas para
repassá-las. Além disso, numa loja de ferragens no centro de Natal, de propriedade de
Ernest Luck, num catálogo com especificações de louças e faqueiros, foram encontrados
códigos de comunicação secreta.
No estado do Rio de Janeiro, a Marinha informou à Aeronáutica que, em Angra dos
Reis, um morador de srcem alemã, empolgado com as conquistas dos exércitos de Hitler,
chegou a cortar mato e aplainar o solo de um terreno, "pensando que ali aviões do Eixo
poderiam aterrissar no momento da tomada do continente".7 Provavelmente era um
lunático, mas seu comportamento indicava que não faltava quem estivesse receptivo à
idéia de uma possível invasão alemã.
Em São Paulo, a presença do Reich também era notória. Em abril de 1942, foi
investigada pelo Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política
e Social) a Sociedade Hans Staden, que tinha uma rede de escolas e clubes germânicos
com ramificações no interior do estado. Era rotineira a exibição de filmes de ideologia
nazista em salas fechadas. Havia uma lista de 131 alemães suspeitos de participar desses
encontros. Também na capital paulista, a Hermann Stoltz, uma agência de passagens de
vapores e da companhia aérea alemã Syndicato Condor, trabalhava sistematicamente na
transmissão de mensagens que informavam sobre todas as entradas e saídas de navios
aliados do porto de Santos e do Rio de Janeiro, assim como suas rotas (procedência e
destino) e conteúdo das mercadorias descarregadas.
Era comum empresas como essas protegerem espiões - acudindo-os em qualquer
necessidade, inclusive dando-lhes respaldo financeiro 6 Ofício 13, de 10 de fevereiro de
1942, da Divisão de Cruzadores (Serviço de Documentação da Marinha, Arquivo
Administrativo, Rio de Janeiro, gav. 3.111, pasta 252, doe. 7).
7 Serviço de Documentação da Marinha, Arquivo Administrativo, gav. 1.786,
pasta 4, doe. 1.
94 e promoverem propaganda nazista. A Química Bayer, além de ter feito
operações financeiras ilícitas, "lesando os cofres públicos do Banco do Brasil, que tinha,
por lei, o monopólio de tudo que se referia ao mercado cambial do país",8 mantinha num
depósito no sexto andar de sua sede no Rio de Janeiro um mimeógrafo empregado na
confecção de boletins "contendo notícias de guerra e vasta literatura, que, sob capa
científica, era espalhada por toda a América do Sul".9 Doze diretores da Bayer foram

indiciados,
do Partido sendo
Nazistaque
doo Brasil
principal
10 deles era ofervoroso
e adepto alemão Theodor Hermann
de Hitler. Kaelble,
Entre as membro
acusações que
constaram no inquérito da Polícia Civil do Distrito Federal estava a de "averiguar a
orientação política dos funcionários da empresa".
Sem a menor cerimônia, Kaelble demitia quem não estivesse de acordo com a
filosofia propagada pelo nacional-socialismo alemão. com isso, depois de certo tempo,
todo o corpo de funcionários da Bayer passou a ser formado por alemães nazistas ou
teuto-simpatizantes. Quando houve a intervenção do governo, ficou comprovado também
que a empresa havia sido criada apenas para permitir operações no Brasil do poderoso
consórcio alemão "I.G. Farbenendustrie", com sede em Leverkusen. Era a fachada
perfeita para a atuação de espiões. Mas o cerco da polícia se fechava e os mais perigosos
estavam prestes a ser capturados.
Inquérito do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia
Política Social). Pasta 21. Setor Alemão. Caixa 0757. Arquivo Público do Estado do Rio
de Janeiro.
9 Idem.
Mesmo tendo sido proibido no Brasil em 1938, através do decreto-lei n. 383, o
Partido Nazista continuou atuando na clandestinidade sem ser molestado. Suas atividades
principais incluíam reuniões, festividades, propaganda dos ideais do nacional-socialismo
e arregirnentação de novos membros. Subordinado à Auslander Organization der Nazi
Parter (Organização do Partido no Exterior), subdividia-se em diversas células:
Franenschaft (Organização das Mulheres), Leheerschaft (Organização dos Professores),
Arbeitsfront (Frente de Trabalho Alemã) e Hitlerjugend (Juventude Hitlerista). O jornal
DeutscherMorgen (Aurora Alemã), publicado em São Paulo entre 1932 e 1941, se
encarregava de difundir as 'déias de Hitler. Buscava-se "despertar" os imigrantes alemães
no Brasil (cerca de 230 mil na época, sendo que quase 3 mil filiados ao partido) para o
"novo tempo" que surgia na pátria-mãe". Só em 1942, quando os súditos do Eixo
passaram a ser encarados como "inimigos militares", é que houve uma efetiva repressão
dessas atividades.
Norfolk * «2 7 .5 VENEZUELA NAVIOS BRASILEIROS
TORPEDEADOS DURANTE A GUERRA Navio Data do ataque Tripulação/
passageiros Mortes 1. Taubaté 22 de março de 1941 1 2, Buarque 16 de fevereiro de 1942
85 1 3. Olinda 18 de fevereiro de 1942 46 4. Cabedelo 25 de fevereiro de 1942" 54 54
5. Arabutan 7 de março de 1942 51 1 6. Cairu 8 de março de 1942 89 53 7. Parnaíba 1°
de maio de 1942 72 7 8. Comandante Lira 18 de maio de 1942 52 2 9. Gonçalves Dias
24 de maio de 1942 52 6 10. Alegrete 1°de junho de 1942 64 11. Pedrinhas 26 de junho
de 1942 48 12 Tamandaré 26 de julho de 1942 52 4 13. Barbacena 28 de julho de 1942
62 6 14. P/ove 28 de julho de 1942 35 1 15. Baependi 15 de agosto de 1942 306 270
16. Araraquara 15 de agosto de 1942 142 131 17. Aníbal Benévolo 16 de agosto de 1942

154Jacira
20. 150 18. Itagiba
19 de agosto17dede1942
agosto
6 de
21.1942 18127
Osório 36de 19. Arará 17
setembro de agosto
de 1942 39 5 de22.
1942 35 20
Lajes 27
de setembro de 1942 49 3 23. Antonico 28 de setembro de 1942 40 16 24. Porto Alegre
3 de novembro de 1942 58 1 25. Apalóide 22 de novembro de 1942 57 5 26. Brasilóide
18 de fevereiro de 1943 50 27. Afonso Pena 2 de março de 1943 242 125 28. Tutóia 30
de junho de 1943 37 7 29. Pelotaslóide 4 de julho de 1943 42 5 30. Shangrilá 22 de
julho de 1943 10 10 31. Bogé 31 de julho de 1943 134 28 32. Itapagé 26 de setembro
de 1943 72 22 33. Campos - 23 de outubro de 1943 63 12 34. Vital de Oliveira'"" 19 de
julho de 1944 275 99 Total 1.718 1.081 * Não foi encontrado um registro oficial do
número de tripulantes do Taubaté.
** Data provável do afundamento do Cabedelo.

*** O Shangri-ló era um barco pesqueiro.


**** O Vital de Oliveira era um navio de guerra. Todos os outros eram mercantes.
Casa no Leblon, onde Josefjacob Johannes Starzic zny operava uma célula de
espionagem.
O espião apaixonado
Niels Christensen, cujo nome verdadeiro era Josefjacob Johannes Starziczny, era
uma máquina de espionagem. Trabalhava com tamanha dedicação e eficiência que, entre
1941 e 1942, chegou a transmitir para a Alemanha, segundo inquérito instaurado pela
Delegacia da Ordem Política e Social e encaminhado ao Tribunal de Segurança Nacional,
450 mensagens, nas quais informava sobre o tráfego marítimo brasileiro e dos países
aliados.
É possível que tenha passado aos submarinos nazistas algumas rotas de navios
brasileiros afundados. Engenheiro eletrônico de renome, que estudara na escola para
cadetes da Marinha alemã e se formara na Universidade de Breslau, chegou a chefiar o
laboratório de pesquisas termodinâmicas e de máquinas de combustão do Arsenal da
Marinha de Hamburgo. Nesse período, ainda antes do início da guerra, especialistas
alemães em comunicação radiotelegráfica concluíram que, devido às condições
atmosféricas, era tecnicamente mais fácil enviar mensagens para a Europa da América do
Sul do que dos Estados Unidos.
A partir daí, Starziczny, que pela sua espetacular performance acadêmica recebera
o apelido de "Kanone" (canhão), ganhava uma importante missão. Seria o responsável
pela instalação no Brasil das estações que transmitiriam para a Alemanha as informações
sobre o movimento de navios aliados no Atlântico Sul. Mesmo contrariado, pois foi
obrigado a romper um noivado, ele aceitou o desafio para atuar num país que considerava
o fim do mundo. Além de não falar sequer o espanhol, nada conhecia da região.
Sua resistência foi inútil. Disfarçado de tripulante, com um passaporte
dinamarquês falso, Starziczny chegou ao Rio em 1941, a bordo do navio alemão Hermes,
que partira deaqui
descendentes Bordeaux trazendo
radicados. encomendas para
Mas, aparentemente, eramcasas comerciais alemãs
os conhecimentos e para
de Starziczny
sobre comunicação telegráfica a carga mais preciosa transportada pelo Hermes. Na
bagagem, o espião trazia vários equipamentos altamente comprometedores: códigos,
tintas secretas, um radiotransmissor de ondas curtas e uma pistola automática. Sua tarefa
incluía, além da montagem das estações transmissoras, o controle de todas as cargas para
a Inglaterra e as suas colônias; a observação do movimento de tropas e o transporte de
munições através da América do Sul; a informação sobre o tipo de armamento dos
mercantes aliados; e a identificação de agentes secretos ingleses e suas ligações.
O trabalho era muito bem-sucedido - cerca de quarenta agentes do Rio Grande do
Norte ao Rio Grande do Sul foram recrutados para o grupo de Starziczny -, até que o
espião
padrõessedaenvolveu com uma
época) chamada mulher.
Ondina Era uma
Peixoto. gaúcha havia
Ela também de 37sido
anosnoiva;
(solteirona para os
de um policial,
que a abandonara depois de cinco anos de relacionamento. Hospedados num mesmo hotel
na rua Barão do Flamengo, no Rio, os dois começaram a flertar no hall, no elevador e no
café-da-manhã. Apesar de não exibirem maiores atrativos físicos, surgiu uma grande
paixão, provavelmente impulsionada pela mútua carência afetiva.
Logo, o casal estava morando junto num apartamento em Copacabana - em seguida
mudou-se para uma casa no Leblon -, o que contrariava as rígidas regras de segurança do
Abwehr. Problema maior ainda era o hábito de Starziczny de levar Ondina para todos os
encontros de trabalho. Não seria difícil prever a rejeição que os membros da organização
passaram a nutrir por Ondina, que manifestava sempre alto e bom som sua ojeriza pelo
nazismo.de
trabalho A Starziczny.
amante, pelo menos inicialmente, não tinha a mais vaga idéia da natureza do
Durante uma reunião num restaurante na Praça do Lido, em Copacabana, na frente
da nata da espionagem alemã, desatou a falar mal de Hitler sem imaginar quem eram
aqueles homens que a rodeavam. Starziczny foi chamado à embaixada e duramente
repreendido. Chegou, inclusive, a ser ameaçado de ter seu caso levado à Gestapo.
Preocupado, separou-se da mulher, mas, três dias depois, ardendo de saudades, reatou o
romance às escondidas. Se no amor parecia condescendente, 100 nas suas atividades
como espião não fazia concessões. Apesar da insistência do seu grupo, recusava-se a
subordinar-se a outro agente do Abwehr chamado Gustav Engels, mais experiente e com
mais contatos, que há vinte anos residia no Brasil.
A desgraça de Starziczny foi um policial do DOPS paulista ter cruzado seu
caminho. com astúcia e determinação, o delegado Elpídio Reali investigava a ação dos
grupos de espionagem em São Paulo, não desanimando diante da falta de infra-estrutura
no trabalho. Era um contraponto ao chefe da polícia do Distrito Federal, Filinto Müller,
que, notoriamente, era omisso em relação ao problema. Reali estava sempre atrás de
pistas que pudessem indicar o paradeiro de agentes do Eixo. Uma delas surgiu quando, de

passagem
major Ottopor São Paulo
Uebele, que napara montar
verdade eraum receptor agente
o principal para o da
cônsul alemão
Marinha em no
alemã Santos,
Brasil,o
Starziczny cometeu a indiscrição de ir pessoalmente à firma Sayão & Sayão, na rua Dom
Bosco, em São Paulo, comprar um ondômetro. Como mal falava o português, chamou a
atenção do dono do estabelecimento, que sabia ser esse aparelho uma peça normalmente
utilizada em transmissores de longo alcance. Desconfiado, o comerciante avisou a polícia.
Reali logo tomou a frente das investigações, fazendo sucessivas batidas pelos
hotéis de Santos, onde o suspeito alemão disse ter se hospedado. Procurava um certo "O.
Mendes", nome que Starziczny usou para se identificar. Passaram-se dois meses até que
alguém voltou na loja para pegar o tal ondômetro. Era um homem chamado Odélio
Garcia, que, segundo a ficha levantada pela polícia, tratava-se de um comerciante que
fazia negócios com uma firma alemã. Reali começava a puxar o fio que o levaria ao
perigoso espião.
Descobriu-se, em seguida, que Garcia já havia comprado para esta mesma firma
uma estação radiotransmissora sem que, no entanto, se encontrasse qualquer registro dela
na LABRE (Liga de Amadores Brasileiros de Radioemissão), o que tornava indiscutível
sua clandestinidade. Depois de ter sido preso, Garcia confessou a Reali que adquirira a
estação para um homem chamado Ulrich Uebele, que era ninguém menos que o filho de
Otto, o cônsul-espião. Ao ser detido, Ulrich admitiu que mantinha contatos com o chefe
da espionagem nazista, mas nunca pessoalmente, apenas por carta.
101 Reali vasculhou o escritório de Otto Uebele em Santos, onde foi recebido
pelo próprio. Dizendo-se um patriota e lembrando que havia sido condecorado por
Getúlio Vargas
apreensão com objetos
de vários a Ordem(máquinas
Cruzeiro do Sul, Otto filmes
fotográficas, pareciadenãonavios
se importar com ae
americanos
ingleses, mapas do litoral de São Paulo etc.). O cônsul só se inquietou quando Reali se
aproximou de uma estante, onde estavam guardadas algumas pastas. Dissimulado, chegou
a dizer que ali não havia nada de importante.
O policial memorizou o nome e o endereço que constavam em uma das pastas. Será
que Niels Christensen, morador da rua Campos de Carvalho 318 (atual General San
Martin), no Leblon, Rio de Janeiro, seria aquele mesmo alemão que encomendara um
ondômetro em São Paulo? Ou seja, o chefão de uma das células mais ativas da
espionagem nazista no país?
Reali partiu com sua equipe para o Distrito Federal, levando também o comerciante
da loja para que fosse feito o reconhecimento do misterioso senhor "O. Mendes".
Em 15 de março de 1942, três meses depois do início das investigações, finalmente
Reali estava diante da casa que poderia ser a do espião procurado. A construção simples,
apesar dos dois andares, de paredes brancas e janelas azuis, com um pequeno jardim na
frente, a não ser pelas duas grandes antenas que se projetavam do telhado, em nada
sugeria ser dali
exatamente o QG queonde se acastelava
Starziczny ummensagens
emitia suas ás da espionagem internacional.
e observava, do segundo Mas
piso, era
a
passagem de muitos navios, já que a casa ficava apenas a uma quadra da praia.
Um policial que falava alemão foi sozinho bater à porta para ver se Christensen
estava em casa. Como se identificou como um mensageiro do senhor O. Mendes, que na
verdade era o codinome de um agente da organização, foi convidado a entrar pelo próprio
Starziczny. Foi a senha para que Reali e seus comandados invadissem a residência.
Rendido sem reagir, depois de ser reconhecido, o espião acompanhou a devassa
dos materiais e documentos que guardava.
Eram máquinas fotográficas equipadas com teleobjetivas, radiorreceptores e

registros de entradas
características e saídas de(tonelagem,
das embarcações navios do porto do carga
tipo de Rio, que continham suas
e nacionalidade). E rotas
o maise
importante: a microfotografia de um texto que revelava o código secreto do almirantado
alemão. Nesse instante, Starziczny, que até então se mostrava relativamente tranqüilo,
pulou na estante onde estava o documento, precisando ser agarrado pelos policiais. "Isso
vai me levar ao pelotão de fuzilamento",1 argumentou em desespero, enquanto Ondina,
dizendo ser apenas a governanta da casa, apesar de ter sido encontrada de camisola,
assistia à cena impassível.
Reali o acalmou explicando que ele estava no Brasil, longe das garras da polícia de
Hitler, e onde não existia pena de morte. Em seguida, ao prosseguir com a busca de mais
provas do envolvimento do espião, o delegado se defrontou com um registro contendo
todas as coordenadas da passagem do navio cruzeiro Queen Mary pela América do Sul. O
transatlântico estava sendo usado durante a guerra pelos exércitos aliados no transporte de
soldados, e, nessa viagem para a Austrália, 8 mil homens de uma unidade canadense
seguiam a bordo. Era como um convite para que os submarinos nazistas fizessem uma
emboscada no mar. Tendo o Queen Mary saído do Rio apenas dois dias antes, com destino
a Buenos Aires, Reali se apressou em denunciar o plano alemão.
Através da embaixada norte-americana no Rio, foram contatados os órgãos de
segurança que providenciaram a mudança imediata da rota do navio, que seguiu direto
para a Austrália, através do Cabo da Boa Esperança. Como a escala na capital argentina
foi suspensa sem nenhum aviso prévio, imaginou-se que o Queen Mary havia sido
afundado.
O Reich chegou a comemorar a notícia anunciada pela Rádio Berlim.
Comemoração, porém, precipitada, pois dias depois se soube que o navio chegara
incólume à Austrália.
Por essa ação, o delegado Elpídio Reali recebeu uma carta de congratulações do
diretor do FBI, Edgar Hoover. Mais tarde o comandante do Queen Mary o presenteou
com "uma caixa de charutos" .2 Levado para a Casa de Detenção em São Paulo,
Starziczny,
brasileira seseduzi- do pelas
colaborasse compromessas de Realitambém
a polícia, revelou de que apoderia receber
existência visitas dade
de 1Crônica amada
uma
Guerra Secreta. Nazismo na América: A Conexão Argentina. Sérgio Corrêa da Costa.
Record, 2004. As margens do Sena. Reali júnior. Depoimento a Gianni Carta. Ediouro,
2007.
103 um cofre no Banco de Crédito Mercantil do Distrito Federal. Consciente de
que agentes da Gestapo já poderiam saber da prisão do espião, Reali solicitou com
urgência um avião da FAB para que ele e seus homens chegassem o mais rápido possível
ao Rio de Janeiro. Deu certo. No cofre, foram encontrados novos códigos da Marinha
alemã, cartas, documentos, registros de diversas mensagens trocadas com a Alemanha e
os nomes de outros componentes da rede de espionagem.
Por todos esses crimes, Starziczny foi condenado, em 6 de outubro de 1943, a trinta
anos de prisão, pena comutada, com a dissolução do Estado Novo, pela suspeita, jamais
comprovada, de que a sua confissão fora obtida sob tortura. Nos últimos tempos, já na
Penitenciária de Niterói, Starziczny dizia ter se arrependido das suas atividades de espião
e até oferecia seus serviços ao governo brasileiro. Ondina chegou a ficar presa durante
quarenta dias, o que não arrefeceu sua paixão. Depois de libertada, as suas visitas ao
amante alemão continuaram freqüentes.
Outros 128 acusados de espionagem foram detidos a partir da prisão de Starziczny.
Mas isso não impediu que, isoladamente, continuassem a operar outros centros de
informação.3 3 Aquele era um momento em que a espionagem fascinava a indústria
cinematográfica. com um mundo em guerra, este era um dos temas preferidos do cinema
americano.
No auge das investigações da polícia sobre a ação de espiões no Brasil, estreava,
em grande circuito no Distrito Federal (São Luiz, Odeon, Carioca e Capitólio), dirigido
por Anatoíe Litvak (um especialista em temáticas de guerra), o filme Confissões de um
Espião Nazista. O ator Edward G. Robinson fazia o papel de um agente do FBI que
investigava operações nazistas nos Estados Unidos. Estavam ainda no elenco Francis
Lederer, George Sanders e Paul Lukas.
NAVIOS ALIADOS AFUNDADOS POR SUBMARINOS DO EIXO
NAS AMÉRICAS Período América do Norte 83 (67%) 47 [230/o) 23(18*) 7(12*r 2
(6°/o) Tleõ/õT Golfo do México 8 (7%) 65 (32%) 20(16%) 3 (9%) r(3%r América
Central e Caribe 2 (26%) 81 (40%) 75 (59%) 31 (51%) 14(42,5%) 11 (32%) Costa do
Brasil 9 (5%) 9 (7%) 22 (37%) 14(42,5%) 20 (59%) A partir deste quadro se percebe
claramente que à medida que os mecanismos de defesa norte-americanos se intensificam,
sobretudo com a formação de comboios fortemente protegidos, além das sofisticadas
armas anti-submarinas, os ataques dos submarinos do Eixo vão se deslocando para a
direção sul do Oceano Atlântico. Nos primeiros meses de 1942, os ataques na costa dos
Estados Unidos corresponderam a 67% do total de afundamentos. Já no litoral brasileiro,

nesse período, não ése


Este quadro registrada
inverte nenhuma agressão.
completamente no segundo semestre de 1943, quando
acontecem os últimos torpedeamentos. Enquanto na costa dos Estados Unidos acontecem
apenas 6% dos afundamentos de navios aliados, na do Brasil essa porcentagem chega a
59%, a maior de toda a América. Assim sendo, fica evidente que ter sido um palco de
operações secundário não livrou o Atlântico Sul de ser alvo da intensa campanha
submarina do Eixo. Além de atraírem os seus U-boots em razão da facilidade no abate de
navios, os ataques na região tinham como objetivo provocar o desvio de recursos dos
Estados Unidos para proteger o comércio naval que beneficiava seu esforço de guerra.
Caso Lati e a queda de Engels
O espião Engels, em dois tempos: em 1942, quando foi preso, e em 1961,
trabalhando como presidente da Telefiinken no Brasil Geralmente, os espiões que tinham
base na capital federal eram comandados pelo engenheiro Albrecht Gustav Engels,
codinome Alfredo, diretor da Cia. Sul-América de Eletricidade, ocupação que apenas
camuflava sua principal atividade. Engels tinha ótimas relações com a polícia e oficiais da
Aeronáutica, a ponto de possuir um documento "que lhe dava o direito de entrar em todas
as instalações militares e de subir a bordo dos navios surtos em portos nacionais".1 Seu
contato principal era o adido da embaixada alemã, Capitão-de-Mar-e-Guerra Hermann
Bohny, que usava a mala diplomática, correspondência disfarçada, estações clandestinas
e a Lati (Linhas Aéreas Transcontinentais Italianas) para enviar informações ao exterior.
Aliás, o episódio da Lati merece um parêntese para que se possa conhecer a eficácia
da contra-espionagem. Percebendo que, inicialmente, o governo do Estado Novo não
tinha a menor intenção de restringir as atividades da empresa, pois até um genro do
presidente Vargas trabalhava nela - era o oficial da Aeronáutica Rui da Costa Gama,
casado com Jandira, a filha mais velha de Vargas -, o serviço secreto inglês bolou um
plano espetacularmente ousado para desacreditá-la. Isso porque, sabidamente, a Lati
usava seus pilotos para ajudar os submarinos alemães a localizar navios aliados,
transportava ilegalmente matériasprimas para a Europa e de lá trazia cargas altamente
suspeitas.
Mais tarde, a polícia descobriria que somente nos seis meses que antecederam maio
de 1941, a Lati havia levado para a Europa, em 22 1 Inquérito do Departamento Federal
de Segurança Pública (Divisão da Polícia Política e Social). Arquivo Público do Estado
do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Caixa 0757. Pasta 18.
vôos, 3.771 kg de mica, 343 kg de pedras preciosas, 183 kg de platina e 3 kg de
diamante industrial. Esses vôos voltaram carregados de 2.365 kg de livros de propaganda
nazi-fascista, 2.360 kg de produtos químicos, 360 kg de películas que procuravam
demonstrar a superioridade alemã, 660 kg de material elétrico e 240 kg de ouro, prata e
jóias de condecorações
Viajavam destinadas
pela Lati, além de a funcionários
espiões, figuras latino-americanos
como Erich von Ribbentrop, da empresa.
sobrinho do
ministro das Relações Exteriores do Reich, e Rudolf Meissner, chefe da Gestapo na
América do Sul.
A idéia dos ingleses para desmoralizar a empresa foi produzir uma carta falsa do
presidente da Lati em Roma, general Aurélio Liotta, na qual ele expressaria a Vicenzo
Coppola, diretor no Rio de Janeiro, seu desprezo pelos brasileiros, incluindo aí o próprio
presidente Vargas. Craques nesse gênero de sabotagem, os ingleses, depois de
conseguirem roubar dos arquivos da empresa uma carta srcinal assinada por Liotta,
conceberam a nova missiva tendo o cuidado de usar até o mesmo tipo de máquina de
escrever que usava o general, inclusive com suas imperfeições. Além disso, os carimbos e
o tipo de papel eram impressionantemente fiéis aos da srcinal. O texto, em italiano
corretíssimo, era de tal forma ofensivo que não restaria outra alternativa ao governo
brasileiro senão cancelar a licença para a Lati operar.
"Não pode haver dúvida de que o gordinho (Vargas) está caindo nas mãos dos
americanos, e que somente uma intervenção violenta por parte dos nossos amigos
(camisas) verdes pode salvar a situação. Nossos colaboradores em Berlim resolveram que
tal intervenção deve ocorrer o mais cedo possível." Outro trecho era ainda mais
devastador:
"E se é verdade - como você corretamente afirmou - que os brasileiros são uma
nação de macacos, não é necessário dizer que são macacos dispostos a servir a quem tiver
as rédeas nas mãos."2 O passo seguinte seria o de fazer a carta chegar ao presidente
Vargas de forma tão natural que não surgisse a mais leve suspeita de que Crônica de uma
Guerra Secreta. Nazismo na América: A da Costa. Record, 2004.
Conexão Argentina. Sérgio Corrêa 108 aquilo se tratava de um plano de puro
maquiavelismo. A idéia era forjar um assalto à casa de Coppola, no qual diversos objetos
seriam furtados. O serviço foi feito e, ao apresentar queixa na polícia, o diretor da Lati no
Brasil morderia a isca. Em seguida, o ladrão, um brasileiro que auxiliava o serviço secreto
inglês, apresentou-se ao correspondente da United Press para tentar vender a carta
roubada da residência de Coppola. Sem pestanejar, o jornalista pagou por ela e se
apressou em encaminhála a Jefferson Caffery. Imediatamente o embaixador americano
levou a demolidora correspondência a Vargas, que, sentindo-se ultrajado, não demorou a
tomar a decisão de interromper as atividades da Lati no Brasil. Todos os aviões da
empresa acabaram confiscados, e Coppola, depois de fazer uma retirada de um milhão de
dólares, foi preso quando tentava fugir do país pela fronteira argentina. Sem ter tomado
conhecimento do plano, Caffery, efusivo, se gabou com os colegas ingleses, garantindo
que a carta havia sido "pescada" pelos agentes da CIA. Recebeu os mais veementes
cumprimentos pelo "excelente trabalho".
Esse jogo pesado era necessário para combater a extensão da espionagem do Eixo.
A própria embaixada alemã, na rua Paissandu, no bairro do Flamengo, chegou a ser
utilizada com esse objetivo. Sob a orientação de Hermann Bohny, foi criada uma célula de
espionagem especialmente para observação dos navios ingleses que aportavam na
Guanabara. Até um avião era utilizado para controlar a movimentação do litoral entre os
portos de Santos e do Rio de Janeiro.
Faziam parte do esquema alguns brasileiros, como o capitão do Exército Túlio
Regis do Nascimento (codinome capitão Garcia). Filho de um coronel do Exército, Túlio
era um nazista assumido, que declarava alto e bom som, sem qualquer constrangimento e
receio de ser descoberto, sua posição ideológica. Ele tinha as melhores relações com
políticos brasileiros e alemães residentes no Rio. Chegou a viajar para os Estados Unidos
com a missão de descobrir detalhes das bases militares americanas (localização,
armamentos etc.). Foi desmascarado quando uma mensagem de Engels, informando o
Abwehr da viagem, foi interceptada pelo FBI. De volta ao Brasil e entregue à polícia, foi
apenas 'advertido" por Filinto Müller, o germanófilo e truculento comandante da Polícia
do Distrito Federal.
109 Túlio continuou a trabalhar livremente como agente do Eixo, dessa vez na
conexão argentina. Só foi preso depois que o Brasil entrou na guerra. Além dele, eram
ativos espiões funcionários de agências marítimas, como foi o caso de Hans Otto Mayer,
gerente de navegação
que acontecia da Hermann
nos portos. Stoltz,
Hans ainda que não
cooptou doisse constrangiadessa
funcionários em dar notícias
firma: sobre o
o brasileiro
Ramiro Machado Pereira, de 52 anos, e um português, de srcem humilde, conhecido
como "José da Burra", de 55 anos. A incumbência do português era a de fazer "ingênuos"
passeios com a lancha Hansa pelas imediações do porto, durante os quais anotava tudo a
respeito dos navios ali atracados, principalmente se carregavam armamentos. Geralmente,
estava acompanhado de um espião alemão que fotografava as embarcações. Quando
descoberto, "José da Burra" se defendeu dizendo que só aceitara o trabalho por medo de
contrariar seus chefes e perder o emprego.
Outra peça importante no esquema de espionagem era Herbert Julius von Heyer,
descendente de uma família nobre alemã. Embora tivesse nascido no Brasil, em Santos,
sua vida, segundo
brasileiro, o relatório
pois era um da corpo
alemão de Políciae alma".
Política,
Em"nada
1914,tinha de comum
continuava com a "esteve
o relatório, de um
na Alemanha e se incorporou à célebre divisão Totenkepfhusaren, que tinha uma caveira
como insígnia". Como chefe de fretes de uma empresa de serviços marítimos chamada
Theeder Wille & Cia., Heyer tinha contato com toda a oficialidade de navios alemães,
"sendo constantemente convidado para almoçar a bordo". Ele desempenhava "várias
funções no serviço secreto alemão, a principal relacionada à espionagem comercial,
dentro da qual estava ligado a Engels".3 Esse, afinal, era o nome-chave da espionagem
nazista no Brasil. Prender Albrecht Gustav Engels (Alfredo) era questão de honra.
A estrutura criada pelo agente impressionou a polícia carioca. Tendo servido como
tenente do Exército Imperial na Primeira Guerra Mundial e se formado em engenharia,
Engels chegou
Pública (Divisãoaode
RioPolícia
de Janeiro
Política3 eInquérito
Social). do Departamento
Arquivo Público Federal de do
do Estado Segurança
Rio de
Janeiro. Setor Espionagem. Pasta 4. Dossiê 1.
com pouco mais de 20 anos para trabalhar na filial brasileira da Siemens, em 1923.
Era uma figura imponente, um típico alemão. Tinha boa estatura, olhos azuis, os bigodes
aparados com capricho e a indumentária sempre impecável. A decisão de criar uma célula
de convergência da espionagem nazista ocorreu quando já havia se naturalizado
brasileiro. Foi durante suas férias na Europa, em 10 de setembro de 1939, alguns dias
depois da eclosão da guerra. Engels, segundo o inquérito da polícia, estava hospedado no
hotel Columbus, em Gênova, quando foi cooptado por Jobst Raven, um antigo colega de
Exército com quem fizera negócios no Brasil. Aceitou o novo serviço de bom grado,
acreditando "estar ajudando no reerguimento da pátria que deixara para trás quase duas
décadas antes".
Inicialmente, Engels se limitava a enviar, através da Lati, relatórios sobre a
produção industrial e militar dos Estados Unidos, bem como sobre seu comércio com a
América do Sul. com o acirramento do conflito, ele ampliou suas atividades e passou a
fornecer os movimentos da navegação britânica no Atlântico Sul e a formar uma equipe
de radiotelegrafistas.
pelo Sua verdadeira
Abwehr, se aproximou de umidentidade começou
agente duplo a ser revelada
iugoslavo chamadoquando,
Duskoorientado
Popov,
considerado um dos mais argutos espiões da Segunda Guerra, que, sob o codinome Ivan,
conseguiu se filiar à agência de espionagem alemã, enquanto trabalhava para o Serviço
Secreto inglês.
Sob o pretexto de ter informações importantes sobre firmas americanas que
processavam o urânio, Popov foi recebido por Engels com toda cortesia no seu amplo
escritório no Rio de Janeiro. Ele se impressionou "com as salas espaçosas, elegantes e
modernas da empresa e com o homem polido que o atendeu".4 Em suas memórias,
publicadas em 1974, o espião iugoslavo narrou que Engels estava particularmente
interessado em um minério (urânio) que poderia estar sendo utilizado na fabricação da
bomba atômica, e que, por isso, os alemães estavam querendo conhecer melhor.
Engels aproveitou a ocasião para mostrar a Popov uma invenção que, àquela altura,
revolucionava a espionagem alemã. Era o chamado 4 A Guerra Secreta de Hitler no
Brasil. Stanley Hilton. Nova Fronteira, 1983.
111 microponto. Desenvolvido por um técnico do Instituto de Tecnologia de
Dresden conhecido apenas como professor Zapp, consistia num método que deixava uma
folha de papel do tamanho de um selo postal. com a ajuda de um microscópio, o selo era
fotografado e reduzido à dimensão mínima de um ponto que, ao ser coberto com uma leve
camada de colódio (produto usado na fabricação de vernizes e lacas), era escondido no
texto sobre o pingo de uma letra "i" qualquer de uma carta a ser enviada.
Popov se entusiasmou tanto com a pequena grande invenção que pediu a Engels
que lhe conseguisse um aparelho igual. Tempos depois, o agente duplo recebia no Canadá
um microponto. Ele acabou relatando as atividades de Engels ao diretor do FBI, John
Edgar Hoover, que também ficou encantado com o novo método de espionagem.
Imediatamente, informou à polícia do Rio sobre as atividades de Engels no Brasil.
Percebendo que logo seria preso, mas confiante nas suas boas relações, o espião
entregou-se voluntariamente. Sua decisão foi tomada quando recebeu um telefonema de
sua esposa, enquanto almoçava com o capitão Túlio Regis do Nascimento, no Iate Clube
Fluminense, avisando que a polícia estava em seu encalço. Homem de sólida cultura e
muito sagaz, com ampla prática de conspiração internacional, Engels era também um
mestre na arte da dissimulação. Foi para a delegacia, acompanhado por Túlio, sem a
menor intenção de confessar suas atividades ocultas. com ar imperial, negou qualquer
envolvimento com a espionagem nazista. Mas pouco era pressionado.
Havia a suspeita, muito embasada por sinal, de que a polícia do Distrito Federal,
comandada por Filinto Müller, não fazia qualquer esforço para extrair de Engels
informações que o comprometessem e levassem também à prisão outros membros da
organização. Talvez para isso tenha contribuído a viagem que Túlio Regis do Nascimento
fez a Petrópolis,
irmão logoe amigo
do presidente depois pessoal
que deixou a delegacia.
de Filinto Müller,Ele
quefoiintercedesse
pedir a Benjamim
para queVargas,
Engels
fosse libertado.
Foi preciso a intervenção de Oswaldo Aranha, que orientou o interventor do estado
do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto, seu principal aliado na luta contra a ala nazi
do governo, para que transferisse a custódia do alemão para a Polícia Fluminense. Só
então Engels começaria a falar. Levado com os olhos vendados para uma penitenciária em
112 Niterói, foi submetido, durante dias, a rigoroso interrogatório. Segundo os jornais da
época, como inicialmente nada revelava, foi usada uma tática simples, mas, por ser
severa, extremamente eficiente. Não se permitiu que ele fizesse sua higiene pessoal e nem
tampouco dormisse.
Contra um espião experiente como Engels, era preciso paciência. Nos quatro dias
posteriores, de cinco em cinco minutos, um policial batia insistentemente na porta da sua
cela para, dissimuladamente, perguntar-lhe se precisava de algo. Na quinta noite, o
espião, transtornado, sucumbiu. Teve uma "crise de nervos, arrancou os pêlos dos
próprios braços, chorou copiosamente e, em seguida, mandou comunicar a Eugênio
Borges, secretário de Segurança Pública do estado do Rio de Janeiro, que estava disposto
a falar".5 Durante duas semanas, Engels foi interrogado em média oito horas por dia. Ele
informou à polícia que o trabalho inicial de fornecer informações sobre "realizações
econômicas e industriais do hemisfério ocidental" se sofisticou, em meados de 1940,
depois de um contato com Erich Leorhardt-Immer, um capitão do Exército alemão que
estava no Brasil com o objetivo de aumentar o campo de atuação do Reich na América do
Sul. Ou seja: implementar a formação de uma completa organização de espionagem.
A partir de então, Engels passou a enviar regularmente relatórios para Immer. De
acordo com um documento secreto do FBI, Engels transmitia informações vindas de
Nova York, Baltimore, Los Angeles, Cidade do México, Valparaíso e Buenos Aires.
No fim de 1940, "foi abordado" por outro oficial alemão, o major Johann Siegfried
Becker, que, segundo Engels, "foi quem transformou a organização em uma completa
célula de espionagem, com serviços de transmissões em ondas curtas e com agentes em
todos os setores que poderiam ser de interesse ou utilidade para o esforço de guerra
alemão".6 "Era um agente altamente profissional, que transmitia muita energia aos seus
comandados", disse Engels à polícia.
5 Correio da Manhã- 29 de maio de 1942.
Inquérito do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia
Política e Social). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Caixa
0757.
Pasta 18.
113 O serviço se estendia aos Estados Unidos, onde agentes forneciam não só
informações sobre "ocorrências econômicas e industriais", mas também sobre o
transporte marítimo dos Aliados no Atlântico Sul, produção de guerra e movimentos
militares em toda a América.
O sistema de comunicação "estava repleto de rádios, códigos, intermediários em
países neutros e emissários utilizando-se da Lati e de navios teoricamente também
neutros". Até janeiro de 1942, quando houve o rompimento do Brasil com o Eixo, as
facilidades de comunicação eram multiplicadas pelo livre uso das regalias diplomáticas
da embaixada alemã. A organização de Engels tinha contato com a maioria dos outros
grupos de espionagem existentes no Brasil, com a estação PYZ no Chile, com uma outra
no Equador e com a embaixada alemã em Buenos Aires. O serviço diplomático era
representado por Ludwig von Bohln (adido naval e da Aeronáutica da embaixada alemã
no Chile), Hermann Bohny (adido naval no Rio de Janeiro) e pelo capitão Dietrich
Niebuhr (adido naval e chefe das atividades do governo alemão em Buenos Aires).
Engels contou ainda que, após a chegada de Becker ao Brasil, as relações entre
esses grupos se estreitaram rapidamente. "Uma comunicação de rádio, diretamente da
Alemanha, começou a trabalhar sem embaraços em meados de 1941", diz o inquérito da
polícia com base nas palavras do espião. Na mesma época, Herbert von Heyer foi incluído
no núcleo de informação fundado por Becker e Hermann Bohny. Todo o esquema foi
posto à disposição do grupo encabeçado por Engels. com a missão cumprida, Becker
retornou à Europa, usando um passaporte diplomático alemão, em outubro de 1941,
deixando com Engels fundos que chegavam a 112 mil dólares e seus agentes à disposição
dele e de Bohny.
Nesse período, Hamburgo solicitou a Engels que investigasse as atividades
norte-americanas no Nordeste. As ambições de Washington na África Ocidental eram de
"primordial interesse" para o Reich. O espião passou a fornecer dados sobre "o
comprimento das pistas em construção, o tamanho dos tanques de gasolina, o número de
operários e a quantidade e tipo de aviões que se dirigiam à África".
Sobre seus contatos com Starziczny, Engels afirmou que eles praticamente
inexistiram, garantindo "que o desprezava cordialmente". Depois de um ou dois
encontros, segundo memorando da polícia, Engels "tratou de evitá-lo", o que revelaria
uma rivalidade entre os dois principais grupos de espionagem que se estabeleceram no
país.
Engels informou também que, até o início de 1942, a embaixada alemã utilizou-se
livremente dos seus serviços de radiotransmissão, fato comprovado pelos diversos
despachos, alguns assinados pelo embaixador Pruefer, que acabaram sendo interceptados
pela polícia.
Material de espionagem apreendido pela polícia do Rio de Janeiro,
O desmonte da rede e a reação do Reich
O depoimento de Engels encheu dezenas de páginas do inquérito instaurado pela
Polícia Política e Social. Depois de sua confissão, numa espécie de efeito dominó, vários
outros membros da organização foram presos. O primeiro foi o ardiloso espião Ernest
Ramuz, o principal radio telegrafista do grupo. Alertado por Engels de que se tratava de
um homem de ação, que poderia reagir caso se sentisse encurralado, a polícia teve toda a
cautela para entrar em seu esconderijo na rua do Couto 526, no bairro da Penha, subúrbio
do Rio de Janeiro. Acabou flagrando-o operando uma estação transmissora.
Surpreendido pelo reforçado aparato policial, Ramuz não teve tempo nem de
mover-se. Interrogado, confessou que tinha um nome falso. O verdadeiro era Ernest
Robert Matthes. Trocara a identidade na Renânia, passando a usar a de um parente morto.
com o passaporte dele, entrou no Brasil. Tal como Engels, descobriu-se que Ramuz era
um velho conspirador. Nazista fanático, havia participado de diversos motins na Renânia,
sabotando ações francesas e digladiando-se com opositores da remilitarização daquele
território retomado pelo Reich. Sem qualquer constrangimento, afirmou à polícia "que
tinha sentimentos de um bom patriota alemão, e cumpria com muito prazer os seus
deveres para com a sua pátria".1 Não foi de surpreender que nos porões da casa na Penha,
construídos com engenhosidade por Ramuz, tenham sido descobertas duas 1 Inquérito
do Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política e Social).
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Caixa 0757. Pasta 18.
potentes estações. Uma instalada e outra, receptora, muito sensível, guardada
numa valise, que era transportada com facilidade. Era um esconderijo perfeito. Nenhum
vizinho das redondezas desconfiaria que daquela modesta residência, cercada de árvores
frutíferas, num bairro distante, poderiam estar partindo informações capazes de contribuir
para o afundamento de navios brasileiros e aliados.
Ao montar guarda no local, a polícia acabou prendendo um outro membro da
organização. Era Kurt Weigartner, que chegava à casa vigiada dirigindo um luxuoso carro
de passeio. Logo se soube que ele atuava como tesoureiro e que tinha um escritório na rua
Gonçalves
pasta Dias,dentro
guardada no centro dacofre
de um capital
comfederal. Lá, além
31 contos de documentos,
de réis, saldo para as foi apreendida
despesas uma
da célula.
Já em Santa Teresa, na rua Monte Alegre 172, foi encontrado um verdadeiro
arsenal de radiotransmissores. Era a residência do alemão Friedrich Kempter, que
também acabou preso. Assim como Engels, ele estava no Brasil desde 1923. Inicialmente,
Kempter radicou-se em Pernambuco, onde se casou com uma brasileira, tendo com ela
três filhos. Entre as muitas informações passadas ao Abwehr por Kempter, duas,
especialmente, chamaram a atenção: uma eram as dimensões das redes de proteção contra
torpedos instaladas em navios ingleses, e a outra, as tabelas do movimento das marés do
litoral da Inglaterra - valiosíssimas no caso de um ataque pelo mar à Grã-Bretanha.
Além disso, em outubro de 1941, Kempter foi enviado à capital pernambucana para
montar um serviço de observação. A presença militar norte-americana já então
preocupava a Alemanha, e todos os navios aliados que faziam escala no porto da cidade
passaram a ter os trajetos monitorados. Todo o material encontrado em poder de Kempter
foi confiscado e, depois de fotografado, levado para a Delegacia Especial de Segurança
Política e Social.

Praticamente
de espionagem numa tacada
e propaganda só, estava
do Eixo. Tantosendo derrubado
que, em o principalà pilar
suas declarações da estrutura
imprensa, em 29
de maio de 1942, o secretário de Segurança, Eugênio Borges, e o delegado da Ordem
Política e Social, Ramos de Freitas, responsáveis pelas diligências, garantiam que não res-
118 tava qualquer dúvida do significado daquelas prisões. Segundo eles, tanto Engels
quanto Ramuz, Kurt e Kempter eram peças-chave da rede internacional de espionagem
alemã, "que tinha centrais localizadas em cidades como Hamburgo, Bremen, Berlim e
Colônia".
No Brasil, a partir desses quatro espiões, se desdobravam grupos autônomos, que
agiam de acordo com a orientação do Estado-Maior da Alemanha. Eles, ainda segundo a
polícia, mantinham as melhores relações na sociedade do Rio de Janeiro, "disfarçando
suas atividades
dispunham por meio
de recursos de uma vida
financeiros mundana". Para isso, como ficara comprovado,
consideráveis.
Enfatizando a necessidade de a população denunciar qualquer suspeita de
espionagem, os jornais da capital publicavam a declaração do interventor Ernani do
Amaral Peixoto:
"A polícia do Rio há muito vinha acompanhando as atividades de elementos
suspeitos, sem, no entanto, revelar qualquer notícia para não prejudicar suas diligências
complementares. (...) Quero que a imprensa revele ao povo os perigos com que nos cerca
a ação da quinta-coluna. Diversas estações de rádio foram apreendidas e vários elementos
detidos. Isso vem provar que o Eixo tem agido dentro do Brasil e contra o Brasil. A
Polícia Fluminense não descansará na defesa dos interesses nacionais e não se deterá
diante de qualquer obstáculo."2 As prisões de Starziczny e Engels e a desarticulação de
suas células foram um duro golpe na espionagem nazista na América do Sul.3 O clima era
de consternação no círculo de oficiais alemães. O general Gunther von Niedenfuhr, adido
militar alemão no Rio, através de um mensageiro, conseguiu enviar pela embaixada de
Buenos Aires um recado para a sede do Abwehr, avisando da queda de Engels.
"Alfredo foi vítima do seu ofício. Por causa da falta de cuidado de seu auxiliar
houve uma explosão em seu laboratório que o destruiu".4 2 O Jornal- 29 de maio de 1942.
3 Terminada a guerra, pouco a pouco, todos os espiões foram sendo soltos. Houve
uma espécie de anistia e muitos continuaram vivendo no país. Esse foi o caso de Engels,
que se transformou, inclusive, em presidente da Telefunken do Brasil.

4 A Guerra Secreta de Hitler no Brasil. Stanley Hilton. Nova Fronteira, 1983.


119 Logo a informação foi repassada da Alemanha para todas as suas células da
América do Sul:
"Estamos transmitindo às cegas. Tenham cuidado. Alfredo foi detido. Todas as
medidas de precaução devem ser tomadas. É de todo essencial que vocês se separem."5 A
reação de Berlim vem, em forma de novas ameaças, através de um comunicado emitido
pela rádio oficial alemã e divulgado pela Associated Press:
"Desde a ruptura das relações diplomáticas, ações anti-alemãs vêm sendo
cometidas no Brasil. Torna-se agora cada vez mais evidente que os agentes de Roosevelt
encontraram um campo particularmente propício para suas atividades. com todos os
meios ao seu dispor incitam multidões para atos subversivos contra alemães e suas
propriedades.
É profundamente lamentável que eles tenham encontrado instrumentos voluntários
nos meios oficiais brasileiros, os quais, a serviço de Washington, estão cooperando na
incitação sistemática contra os alemães (...) Essa camarilha de seguidores de Roosevelt é
chefiada pelo antigo embaixador do Brasil em Washington, Oswaldo Aranha, atual
ministro das Relações Exteriores, o qual, nessa capacidade, é o maior responsável pelas
ações bárbaras contra os alemães (...) A atual onda irresponsável dos capatazes de
Washington é tanto mais desprezível porque não está de acordo com os sentimentos reais
do povo brasileiro, que sempre reconheceu os serviços prestados pelo povo alemão ao
desenvolvimento cultural e econômico do Brasil. Hoje, esse povo curva-se diante dos
métodos de terror dos seus governantes. Cada brasileiro, contudo, deve compreender que
este terrorismo bárbaro (...) constitui uma violação a todos os conceitos de civilização e
estará sujeito, um dia, a uma prestação de contas diante da história e do povo alemão."
Para completar, o embaixador espanhol Serrano Suner, que representava os interesses
alemães no Brasil, encaminhou ao Itamaraty a seguinte advertência germânica:
5 Departamento Federal de Segurança Pública (Divisão de Polícia Política e
Social). Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Pasta 18. Caixa
0757.
120 "O governo do Reich está informado por fontes fidedignas que súditos
alemães que vivem no Brasil estão sendo perseguidos, arbitrariamente encarcerados e
indignamente tratados (...) As autoridades os obrigam a fazer declarações dia e noite sem
deixar-lhes dormir nem comer. Eles são desnudados e torturados até que caiam
desmaiados pela fadiga. Os alemães são deixados em colônias penais onde ficam reclusos
em companhia de presidiários e fazem trabalhos forçados. Na casa correcional do Paraná
estão presos cem alemães sem que lhes sejam dados motivos para a sua detenção (...) O
governo do Reich exige que o governo do Brasil ponha um fim neste estado de coisas. Se
ao governo alemão não chegar dentro de uma semana informes de que isso foi efetuado,
serão adotadas medidas correspondentes contra súditos brasileiros."6 Oswaldo Aranha
respondeu a Serrano Suner com polidez, mas sem deixar de transparecer sua indignação.
"Eu podia refutar de antemão as imputações do governo do Reich a respeito do
tratamento de prisioneiros alemães nos estados mencionados, por serem elas contrárias à
nossa índole, à nossa tradição, assim como também por saber que as mesmas não
repousam sobre qualquer fundamento. Mas, apesar disso, mandei proceder um inquérito a
esse respeito e terei muito prazer em levar ao conhecimento de Vossa Excelência o seu
resultado. Ao mesmo tempo, porém, em que assumo esse compromisso, como uma

deferênciadetoda
intenção especial
deixar sem para com Vossa
resposta Excelência,
o documento desejo
acima dizer-lhe
referido (...) que estou
Vossa na firme
Excelência
desculpará a minha franqueza, mas um governo como o alemão, que tem procedido para
com o Brasil contra princípios internacionais dos mais elementares, torpedeando seus
navios e sacrificando vidas de brasileiros, não merece de nossa parte atenção e uma
resposta a uma reclamação que ele perdeu o direito de fazer."7 Os alemães tiveram que
engolir a seco a firme posição de Aranha. Como frisara o próprio Joseph Goebbels,
ministro da Propaganda na- 6 Correspondência do embaixador Suner enviada a Oswaldo
Aranha. Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 1480. Maço 33.482.
7 Correspondência de Oswaldo Aranha ao embaixador espanhol. Arqurvo
Histórico do Itamaraty. Lata 1480. Maço 33.482.

enquanto 121 zista, existiam,


no Brasil eram 150 aproximadamente,
mil alemães. seiscentos brasileiros vivendo no Reich,
"Nesse aspecto, a possibilidade de contra-ataque da nossa parte é mínima. Temos
que ter cuidado",8 afirmou.
Seria, porém, ilusão imaginar um recuo definitivo da Alemanha. O troco ainda
viria, e de forma avassaladora.
MENSAGENS DE ENGELS INTERCEPTADAS PELA POLÍCIA POLÍTICA 21
de janeiro de 1942 "De acordo com informações recebidas até agora devemos esperar
depois da Conferência ruptura de relações, o fechamento de consulados e a chamada de
adidos militares." Alfredo.

31 proibidas,
reuniões de janeiro proibição
de 1942 "Restrições de Eixo
de língua do associações, fechamento
em público. de alguns clubes,
Favor fortalecer o mais
rápido possível noticiário alemão em ondas curtas, acima de tudo notícias militares."
Alfredo.
23 de fevereiro de 1942 l "Torpedeamento do Buarguesem reações de publicidade
por parte do governo. Não parece haver represálias tais como confisco de propriedade
alemã." »- Alfredo.
26 de fevereiro de 1942 "Dois contratorpedeiros dos Estados Unidos amplamente
avariados. Desde 12 de fevereiro estão sendo reparados em diques da Marinha. Navio
inglês Pr/ncess partiu de Santos com 5 mil fardos de algodão e 2 mil toneladas de carne."
Alfredo.
7 de março de 1942 "Partiram: navio americano Fe//x Taussig com destino a
Baltimore, 5.300 minério. Bahia Lorcfcom munições e veículos a motor para Manaus.
Queen Mary recebeu componentes de 1.500 toneladas de óleo." Alfredo.
9 de março de 1942 "Informações de que todos os contratorpedeiros brasileiros
receberão aparelhamento para bombas de profundidade." Alfredo.
8 A Guerra Secreta de Hitler no Brasil. Stanley Hilton. Nova Fronteira, 1983.
123 Aos poucos, a vigilância dos navios brasileiros foi-se sofisticando, com a
aquisição de binóculos possantes e aparelhos de comunicação.
Corsários atlânticos
Com o desmantelamento praticamente completo das células em terra, restou a
espionagem no mar. Não faltavam indícios de que, ao longo de toda a guerra, navios
espanhóis e argentinos ajudavam o Eixo nessa tarefa. Durante todo o período da
neutralidade brasileira, diversas embarcações desses dois países abasteceram corsários
em nosso litoral. Pelo menos foram identificadas: Japara, El Saturnino, Atlantis, Orion e
Romolo. Em 17 de julho de 1943, o delegado da Capitania de Portos de São Francisco do
Sul recebeu denúncia de que "um navio de dois mastros, chaminé grossa, a meia nau, foi
visto, numa noite de lua cheia, abastecendo um grande submarino".1 Em seu depoimento
depois do naufrágio, um tripulante do Cairu contou que o comandante José Moreira
Pequeno tinha uma lista de barcos que poderiam estar envolvidos na rede de informação
que revelava o trajeto dos navios mercantes brasileiros. Talvez para não levantar
suspeitas, as tripulações desses barcos costumavam ser extremamente atenciosas quando
recolhiam sobreviventes.
Sabia-se que diversos comandantes, oficiais e membros das tripulações de navios
argentinos eram conhecidos nazistas. Nos mercantes Rio Tunuyan, Rio Colorado, Rio
Grande e Rio Salado, segundo um comunicado do Estado-Maior da Armada ao comando
naval da área, existiam vários deles. Houve um caso, em 1943, de um navio argentino que
chegou a perseguir um comboio que singrava em águas brasileiras. Intrigado, o
Capitão-de-Fragata Carlos Pena Boto, comandante do cruzador Rio Grande 1 História
Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro,
1985.
do Sul, que fazia parte da escolta, ordenou que se afastasse. Como isso não
aconteceu, disparou um tiro de advertência e só assim foi obedecido. Esse episódio fez
com que o Ministério da Marinha chegasse a enviar uma carta à presidência da República
em 14 de julho de 1943, na qual se comprovava a desconfiança brasileira em relação ao
seu vizinho de continente.
"Já há muito vem se observando uma atitude suspeita por parte dos navios

amercantes
cauda deargentinos
um comboio(...) Sabe-se depor
escoltado um fato recente
navios de umbrasileiros,
de guerra navio argentino
sob oque, seguindo
pretexto de
indagar à estação de Olinda se tinha alguma comunicação que lhe fosse destinada, foi
surpreendido irradiando suas coordenadas geográficas para o mar. A 3 do corrente foi
avistado por um avião da FAB, próximo a Ponta do Campeche (SC), um outro navio
argentino, Glorioso, que saíra de Paranaguá com uma embarcação a contrabordo; dali o
navio seguiu para a enseada de Ganchos (SC), onde fundeou, sem a embarcação que
deveria trazer. Seu comandante não concordou que o navio fosse revistado e logo depois
deixou o porto. Agora, há poucos dias, o navio argentino Rio Pampana seguiu um
comboio de nossa responsabilidade durante 24 horas; afastado dele por determinação do
comandante do comboio, que lhe prescreveu um rumo diferente durante três horas, foi
novamente visto nas proximidades do comboio, na manhã do dia seguinte (...) O ardil de
que lançam mão tais navios denuncia a posição do comboio que eles seguem e observam,
dando, às vezes, seu consumo de combustível em 24 horas, sua força de máquinas etc.,
tudo acompanhado da posição no mar. É muito difícil admitir que haja boa-fé por parte
dos comandantes desses navios, mas, mesmo que isso se dê, a aproximação deles aos
nossos comboios presta-se a serviços de espionagem por parte de outros tripulantes, como
os telegrafistas, cujas irradiações não podem ser controladas por completo pelas

autoridades aespanhola.
nacionalidade bordo, como já se tem
A freqüência verificado,
de ataques principalmente
de navios emultimamente,
em nossa costa, navios de
e mesmo os ataques a comboios estão nos obrigando a encarar de frente a questão, com
prudência e energia necessárias."2 2 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço
de Documentação da Marinha. Rio de Janeiro, 1985.
A partir dessa correspondência foi encaminhada, através do Ministério das
Relações Exteriores, uma reclamação governamental sem que, nem assim, cessassem
definitivamente incidentes dessa natureza. Até o fim da guerra, continuaram os episódios
de navios mercantes argentinos enviando mensagens sobre a localização dos comboios.
Esses comboios, geralmente, eram compostos por cinqüenta mercantes, agrupados em
dez colunas espaçadas em cerca de 900 metros. Em cada coluna os navios guardavam 450
metros de distância. Assim, o trem apresentava uma frente de 8 quilômetros e uma
profundidade de quase 3 quilômetros. Em torno desse retângulo de navios estendia-se a
cobertura circular anti-submarina, a área de proteção aérea e de artilharia até o alcance
visual. As rotas podiam ser mudadas se o comandante da escolta (comodoro) percebesse
qualquer ameaça ao longo do percurso estabelecido.
Isso não impedia que as informações recebidas por navios espiões fossem muito
bem aproveitadas pelos submarinos do Eixo. com elas em mãos, os comandantes dos
U-boats adotavam a estratégia de seguir suas "presas" até que encontrassem a posição
ideal para um ataque sem margem de erro. Havia a preocupação de evitar desperdício de
torpedos e, geralmente, sendo fiel a essa tática, o ataque era fatal. Era um "jogo" que
exigia paciência máxima. As perseguições podiam durar até cinqüenta horas.

E provável
pois seu que João
comandante, pelo menos
Joaquimo Buarque tenha
de Moura, sidoter
relatou vítima desseseu
avistado tipo de abordagem,
algoz horas antes
do torpedeamento.
Basicamente, eram dois os modelos de submarinos usados pelos alemães. O tipo
VII, quando imerso, alcançava velocidade de 8 nós. Na superfície, navegava bem mais
rápido: 17,2 nós. O seu raio de ação era de aproximadamente 8.700 milhas e deslocava
cerca de 500 toneladas de água. Era armado com um canhão de 88 mm, uma metralhadora
de 20 mm e cinco tubos de torpedos, que permitiam que fossem lançados de 112 a 18
torpedos. Já os submarinos tipo IX possuíam um poder de destruição maior: levavam um
canhão de 105 mm, outro de 37 mm e uma metralhadora de 20 mm. Possuíam ainda seis
tubos de torpedos, que davam de 15 a vinte tiros. Imersos, viajavam a 7,3 nós, e na
superfície a 18,2 nós. O raio de ação também era maior: 13.450 milhas. Podiam deslocar
740 toneladas de água.
127 com o decorrer da guerra, a organização de comboios, sempre guardados por
maciça proteção anti-submarina e cobertura aérea, acabaria por reduzir
consideravelmente as perdas aliadas no mar. Mas os alemães eram extremamente
criativos. Passaram, então, a fazer seus ataques apenas nos trechos centrais das rotas
transatlânticas.
Nesse caso, não existia uma proteção tão eficaz dos aviões por causa da ausência de
navios-aeródromos. com isso, os comboios eram assaltados pelas chamadas Matilhas de
Lobos (Wolf Packs), compostas por vários submarinos, que se atreviam a ponto de
emergir em meio aos comboios para usar sua artilharia.
Todas essas ações eram minuciosamente estudadas por Dõnitz no QG de Lorient. A
partir do momento em que recebia de algum submarino a informação de que um comboio
fora avistado, ele imediatamente transmitia às diversas unidades em operação na área a
ordem para que se reunissem. O ataque, então, se dava simultaneamente e de várias
direções, dificultando a defesa dos navios. A ação era extremamente predatória e
raramente deixava de ter um saldo positivo para os alemães. Foi o caso de um ataque em
30 de novembro de 1942, quando a matiIha Veilchen, composta de 15 submarinos,
avançou sobre o comboio SC-107, que viajava do Canadá em direção à Inglaterra.
Foram vários dias de intensas batalhas. Quinze embarcações aliadas acabaram
sendo afundadas.
Foi uma época de ouro dos grandes ases da frota submarina alemã, entre os quais se
sobressaía o comandante Otto Kretschmer. Ao deixar de lado as táticas tradicionais, ele
foi o primeiro comandante a atacar comboios à noite. Navegando na superfície, disparava
seus torpedos a poucos metros do alvo. Sua eficiência vinha do lema que estabelecia para
sua estratégia de guerra: "Um torpedo, um barco."3 Vaidoso, como toda a cúpula militar
do Reich, Dõnitz apostava todas as suas fichas nesse jogo. Queria provar a Hitler que o
tipo de guerra que punha em prática era o mais eficiente. Isso tinha muito a ver com a
disputa interna entre a Força Aérea, de Hermann Gõring, e a Marinha, do comandante
Erich Raeder, que abrigava um comando geral e o seu subordinado, o comandante da frota
dos submarinos, no caso Dõnitz.
O desempenho dos submarinos dava a Dõnitz um grande prestígio junto ao
Führer,4 que, mesmo sem nunca ter fornecido todos os recursos solicitados para uma
ofensiva ainda mais bem-sucedida - sua obsessão era a campanha no leste europeu -,
vibrava com os lances espetaculares que ocasionavam o afundamento de centenas de
navios aliados. Isso acabava por ser um excelente material de propaganda interna,
ajudando a justificar o esforço de guerra perante o povo alemão e elevando a auto-estima
das tropas.
Dõnitz tratava com grande apreço seus comandados, indo, muitas vezes, recebê-los
pessoalmente em suas bases quando retornavam de suas missões. Os submarinos eram
recepcionados com vivas, entrando imediatamente em rigorosa inspeção. Os tripulantes
iam para suas casas em folgas de até 28 dias. com os comandantes, os mimos eram
maiores. Eram convidados especiais para jantares com Dõnitz, em traje de gala. Nessas
ocasiões, reverenciados, narravam para uma platéia boquiaberta suas façanhas pelos

mares.descritos
sendo Não serianessas
difícilreuniões.
imaginar alguns dos trágicos afundamentos de navios brasileiros
' Coleção "A Segunda Guerra Mundial". Codex, 1966.
Esse prestígio perdurou até o fim da guerra. Em 1943, Donitz acabou
substitumdo RaedtcoL ConLdante-chefe da Mannha Alem, Em seu ultimo ato, Httler o
nomeou seu sucesso, Depois de trabalhar pela rendição da Alemanha, fb, preso por tropa,
bntamcas, em 23 de maio de 1945. Em Nuremberg, D5nitZ negou saber do exterm mo dos
judeus dos judeus e das barbaridades cometidas pela SS. "Sou um homem do mar, não sou
político. Era apenas um Capitão-de-Corveta quando a guerra começou. Até 1942, mal
conhecia Hitler Não participei de brutalidades e ações criminosas. Só aceitei a designação
de suceder Hitler para apelar pela paz e tratar da rendição. Minha consciência está
tranqüila, afirmou.
A guerra anti-submarina
Navio brasileiro bem equipado para se proteger dos ataques de submarinos Era
primavera de 1942 e um submarino do Eixo repousava nas águas serenas do Oceano
Atlântico. Havia acabado de atacar um comboio aliado e recarregava suas baterias antes
de partir para uma nova operação. Repentinamente, ouviu-se o grito do vigia na torreta:
- Barco à vista!
- Submergir! - ordenou o comandante.
Imediatamente, as escotilhas foram fechadas e o submarino mergulhou. O mais
rápido que pôde, o comandante tirou seu gorro e pregou o olho no periscópio. Em poucos
segundos, o pequeno ponto avistado no horizonte pelo vigia foi ganhando forma. Eram
três contratorpedeiros aliados avançando celeremente e abrindo em leque a formação.
Possivelmente, também haviam percebido a presença do submarino.
Diante do confronto inevitável, duas alternativas se apresentavam: travar batalha
ou bater em retirada. Mas não houve tanto tempo para pensar. com as belonaves nos
calcanhares, eram remotas as chances de fuga. Resoluto, o comandante optou pelo ataque.
- Leme a bombordo! Força máxima!... Toda velocidade!
O primeiro disparo seria no destróier do meio. Quem sabe, com a explosão, como
ainda estavam muito próximos, os outros não acabariam também afetados?
- Prontidão, torpedo um!... - E logo depois: - Proa, disparar! Fogo!
Tiro certeiro. O navio do centro, mortalmente atingido, voou pelos ares. O impacto
fez o próprio submarino sacudir violentamente. O comandante voltou ao periscópio e
constatou que um dos destróieres vinha em linha reta contra ele. Já o outro se aproximava
lateralmente.
- Toda velocidade! Torpedo dois! - Segurando a ordem de fogo, ele aguardou que a
nave de guerra se aproximasse ainda mais. A expectativa era tremenda. Se naquele
momento explodissem as cargas de profundidade, todos estariam perdidos. Mas,
provavelmente, também o comandante do destróier queria chegar mais perto. Sem mais
esperar, bradou o comandante alemão:
- Fogo!
O torpedo pegou na popa da nave aliada. Em seguida, sem se arriscar mais, o
submarino refugiou-se no fundo do mar. Já o destróier, com uma densa fumaça saindo de
sua estrutura abalada, tinha a marcha cada vez mais lenta. O terceiro navio o
acompanhava, prestando os primeiros socorros. Enquanto isso, o submarino permaneceu
mergulhado por algumas horas até que o comandante ordenasse a emersão. Encontraram
o mar novamente sereno, sob um céu especialmente azul. A visibilidade era excelente.
Logo uma outra missão os esperava.1 Desde a época da Primeira Guerra Mundial,
americanos e ingleses já dominavam uma tecnologia que seria desenvolvida e colocada
em prática na Segunda Guerra, fazendo com que os submarinos do Eixo pouco a pouco
perdessem sua eficiência. Os avanços eram espetaculares e interferiram diretamente para
que o famoso gráfico colocado na parede de um dos escritórios localizados no Arco do
Almirantado, em Londres, fosse, no decorrer da guerra, alterado radicalmente em sua

tendência
aliados, eminicial. Lado
milhares deatoneladas,
lado, em azul,
e, emestavam as perdas
vermelho, trimestrais de alemães.
as dos submergíveis navios mercantes
Durante
a primeira metade do conflito, as colunas azuis cresciam assustadoramente, enquanto que
as insignificantes colunas vermelhas apenas muito timidamente se moviam.
Foi entre março e junho de 1943 que esse quadro começou a se inverter por
completo. A coluna em vermelho passou a avançar rapidamente para o alto do gráfico,
enquanto que a coluna em azul se reduzia cada vez mais, até, por fim, sumir inteiramente.
Isso foi resultado de um trabalho febril, envolvendo os mais renomados engenheiros e
cientistas 1 Texto baseado em episódio contido na coleção "A Segunda Guerra
Mundial". Codex, 1966.
aliados, para conter os efeitos da violenta campanha submarina que minava o
inimigo através da interrupção do seu tráfego marítimo:
"O perigo mortal que ameaçava nossas linhas vitais de abastecimento corroía
minhas entranhas", confessou Churchill em suas memórias, reconhecendo que as perdas
de embarcações "chegaram a estar assustadoramente acima das novas construções".2
Foram várias as descobertas que gradualmente criaram condições para que os aliados
reagissem. O ponto de partida foi um aparelho de escuta (o sonar), usado ainda na
Primeira Guerra, que indicava a direção do ruído produzido pelo movimento das hélices
dos submarinos e estimava a distância em que se encontravam. Mas ele se tornava
inoperante caso os submarinos desligassem suas máquinas. Diante da agressividade da
guerra submarina, era preciso avançar tecnologicamente.
com base num aparelho chamado ecobatímetro, usado em sondagens, foi
desenvolvido, então, um sonar que identificava a presença de submarinos mesmo quando
suas hélices estavam paradas. Se os seus pulsos sonoros encontrassem um objeto pela
frente, parte de sua energia voltava na forma de um eco que permitia, inclusive, o cálculo
da distância em que se encontrava esse objeto. O aparelho foi batizado com a sigla do
órgão inglês que realizou as pesquisas para sua invenção: ASDIC (Anti-Submarine
Detection Investigation Comission).
Levado aos Estados Unidos, o ASDIC foi aperfeiçoado a ponto de identificar o tipo
de obstáculo detectado. Passou-se então a distinguir um objeto sólido de um cardume de
peixes com seus movimentos rápidos e imprevisíveis. Era um equipamento relativamente
simples, que podia ser instalado junto à quilha do navio. O emissor e o receptor ficavam
lado a lado, o primeiro lançando pulsos sonoros e o outro captando os ecos que poderiam
indicar a presença de um submarino. De modo geral, tinha um raio de ação de 1.800 a
3.200 metros.
Os radares também foram incrivelmente aperfeiçoados durante a guerra. com eles,
passou-se a determinar a posição de um alvo não submerso, a despeito de fatores como
pouca iluminação ou nevoeiro. Os comandantes alemães já não tinham tanta tranqüilidade
nas viagens longas pela superfície, quando podiam imprimir maior velocidade aos
submarinos.
Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume I. Winston S. Churchill. Nova
Fronteira, 2005.
133 Vir à tona para recarregar as baterias era outro problema, contornado pela
utilização de um tubo - o snorkel - que levava o ar para o submarino submerso a 20
metros.
Entretanto, os radares evoluíram a ponto de detectar aquele pequeno tubo que saía
apenas meio metro para fora d'água.
A engenhosidade dos cientistas aliados parecia não ter limites. Eles criaram
também um aparelho capaz de localizar os submarinos pelos sinais das suas próprias
emissões de rádio.
desconfiado O sistema
da existência foi guardado
dele, a sete chaves
nunca deixaram e, mesmo que
de se comunicar os alemães
através tenham
do rádio. Aos
poucos, o cerco aos U-boats do Reich se fechava.
Mas de nada adiantariam todas essas formas de detecção se não fossem fabricadas
armas eficientes. As bombas de profundidade tiveram bastante eficácia. Eram
constituídas de recipientes cilíndricos carregados de trotil, uma substância de alto poder
destrutivo. Perto do fim da guerra, foram substituídas por bombas que mergulhavam com
mais rapidez e que tinham um tipo de explosivo, o torpex, ainda mais potente. Elas
atingiam os submarinos ao explodir a uma distância de até 11 metros. Para lançá-las, eram
usadas calhas na popa do navio. Para evitar que o próprio casco fosse atingido, os navios
precisavam estar em movimento, desenvolvendo velocidade mínima de 15 nós.
O exato instante do ataque a um submarino era determinado pela variação do ruído
do pingue do sonar. Quando sua cadência se modificava, era o sinal para que toda a
tripulação ficasse alerta. Soava então uma buzina forte que chamava todos aos postos de
combate. O operador do sonar buscava localizar o alvo se guiando através do som do eco,
sendo auxiliado por quem estivesse guarnecendo o registrador de distâncias. com o alvo a
500 ou 600 metros "já se havia fixado o padrão de lançamento das bombas".3 O efeito da
explosão de uma bomba de profundidade era devastador. Além do estremecimento
violento do submarino, que forçava os homens a se agarrarem aonde pudessem para não
serem jogados para longe, áreas vitais como a sala de controle, as galerias e a casa de
máqui- 3 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da
Marinha. Rio de Janeiro, 1985.
nas eram alagadas imediatamente. Os tanques começavam a vazar, as válvulas e
parafusos a se soltar e os compressores a se deslocar. As baterias pifavam e as bombas dos
motores paravam de funcionar. Os técnicos da tripulação entravam em cena, iniciando
uma angustiante corrida contra o tempo para fazer os consertos.
Para evitar que a água tomasse conta de tudo, não havia outro jeito senão tentar
voltar à superfície. Um risco inevitável, pois, nesse caso, os navios-escolta ficavam à
espreita
comando.e empregavam
O ataque podiaa artilharia, visando
chegar até preferencialmente
a colisão, com o navioossubindo
canhõesno
e aconvés
torreta de
do
submarino. Muitas vezes, acontecia aí o confronto homem a homem com o uso de armas
portáteis, como num combate naval de tempos passados.
Existiam alguns truques para escapar do cerco de um caça-submarino, que logo
foram descobertos. Muitas vezes, quando o submarino era atacado - mesmo não sendo
atingido -, a tripulação liberava propositalmente grandes quantidades de óleo queimado,
pedaços de madeira e até uniformes velhos. com a imagem de uma mancha no mar, e
destroços boiando à sua volta, procurava-se passar a impressão de que o submarino fora
seriamente alvejado. Quando o caça-submarino se afastava, pensando que o oponente
estava no fundo do mar, o submergível fugia.
com o grande raio de ação e excelentes condições de visibilidade, os aviões
também foram armas poderosas nessa guerra. Equipados com radares que foram sendo
aperfeiçoados ao longo do conflito, tinham ainda metralhadoras, bombas comuns e de
profundidade. Os tipos de aviões usados pela Marinha dos Estados Unidos, no período,
foram o Hudson (OS 2 U), o Vega Ventura (PV/1), o Catalina (PBY-5A), o Harpon
(PV/2) e o Mariner (PBM). com exceção deste último, a Força Aérea Brasileira utilizou
todos esses aviões e mais o Vultee D-11.
Uma das tarefas mais importantes desses aviões era a de proteger os comboios. As
perdas navais aliadas ainda eram grandes até que, em maio de 1943, uma descoberta do
cientista inglês John Sayers foi colocada em prática. Era um radar bem compacto, ideal
para ser instalado em aeronaves. Bem equipados, os aviões executavam planos de
cobertura que se estendiam por longas distâncias, dentro da rota seguida pela fileira 134
135 de navios. Os aparelhos avançavam em pernadas de uma a duas horas de ida e volta,
e sobrevoavam continuamente a área do comboio. Era um trabalho vital para que não
houvesse risco de um ataque surpresa.
Quando um submarino era avistado, a ofensiva era imediata. Se ele tentasse
escapar pela superfície, os aviões usavam metralhadoras e bornbas comuns. Se
mergulhasse, lançavam mão das bombas de profundidade. Nesse caso, a posição de
submersão era marcada com sinais de fumaça e a coordenada do local transmitida tanto
para outras unidades aéreas quanto para os caça-submarinos, que com seus sonares
procuravam localizá-lo.
Apesar de uma teórica vantagem por atacarem do alto e agirem em alta velocidade,
os pilotos eram orientados a estar constantemente alertas a aspectos que poderiam
diminuir a eficácia de suas ações. Sabia-se que os submarinos alemães eram guarnecidos
por um oficial e três vigias muito bem treinados e de posse de potentes binóculos.
Da torreta do submarino, dividiam-se para observar os vários pontos do horizonte.
Sem contar que muitos U-boats também possuíam radares. Geralmente, estando emersos,
eles
tempopercebiam a aproximação
em que eram vistos. As de um avião
exceções de quando
eram patrulhaoantes
aviãoou, no máximo,
voava na frenteaodomesmo
sol ou
quando a lua se colocava atrás do submarino marcando a sua silhueta.
Um problema a ser combatido nas campanhas aéreas era a monotonia que a
vigilância de muitas horas provocava. Para que não houvesse distrações, muitas vezes
fatais, os homens com essa incumbência deveriam ser rendidos em intervalos razoáveis e
distribuídos por setores fixos de procura, sempre portando binóculos de boa qualidade.
O cansaço e equipamentos inadequados eram os maiores inimigos de uma boa
vigilância.
Os navios-aeródromos (porta-aviões) também tiveram importante papel na caçada

aos submarinos,
pontos pois, estacionados
mais distantes do oceano.longe
Os da costa, permitiam
ingleses chegaram que os aviõescatapultas
a instalar chegassemema
embarcações mercantes. Mais comum em navios de guerra, era um engenho que auxiliava
os aviões a levantar vôo numa distância curta. Constituía-se em um trilho montado numa
plataforma especial, sobre o qual eles ganhavam rapidamente impulso até decolar.
Em alguns casos de emergência, não havendo pos- 136 sibilidade de voltar às
suas bases, as aeronaves chegavam a amerissar ao lado dos navios, que recolhiam os
pilotos.
Foram estratégias que fizeram uma grande diferença no combate aos U-boats do
Eixo. Foi uma reação necessária aos estragos provocados por essa modalidade de guerra,
largamente utilizada pelos alemães. Basta dizer que os Aliados tiveram 2.603 navios
mercantes afundados (1.160
quando se sofisticaram só em 1942)deedefesa.
os mecanismos 175 aviões abatidos,
No total, principalmente
foram perdidos 13,5até 1943,
milhões
de toneladas de cargas e 40 mil marinheiros morreram. No início de 1945, uma nova
geração de submarinos já estava sendo lançada ao mar. Eram aparelhos bem mais
modernos e ágeis, capazes de disparar um torpedo estando até 45 metros submersos.
Mesmo mergulhados, navegavam em velocidade igual à de um barco de escolta. Tinham
mais autonomia e ainda possuíam um tubo, pelo qual respiravam enquanto carregavam
suas baterias, o que eliminava a possibilidade de serem avistados por aviões. Já estava
também nas pranchetas dos engenheiros alemães o projeto de construção dos chamados
submarinos "Walter", do tipo XXVI, dotados de turbinas acionadas a peróxido de
hidrogênio, que, com seus 25 nós de velocidade em imersão, poderiam, se desenvolvidos,
dar uma reviravolta na guerra submarina.
Não foi por acaso que Churchill, em suas memórias, confessou o quanto receava a
campanha submarina do Reich. Para ele, os U-boats de Donitz foram a maior ameaça à
vitória dos Aliados. Segundo o primeiroministro inglês, o plano de retomada da Europa,
em 1944, que necessitou de constante suprimento de material bélico, normalmente trazido
pelos navios, jamais seria concretizado se os submarinos já não estivessem, pelo menos
em sua maior parte, varridos das águas do Atlântico.
Tiros de maio

Os últimos acontecimentos demonstravam que tudo o que acontecia no mar de uma


forma ou de outra tinha reflexos na rotina do país. Aquele 1 de maio de 1942 foi mais uma
prova disso. No tradicional discurso do Dia do Trabalho, Vargas falaria ao povo
exatamente sobre as ameaças que os ventos atlânticos há muito sopravam. Era mais uma
oportunidade
poder. Dessa de o presidente
vez, porém, nem exercitar a retórica
isso, pelo menospopulista que sedimentava
pessoalmente, Vargas pôdemuito do Um
fazer. seu
acidente de carro o obrigaria a uma longa convalescença.
Sem batedores acompanhando sua comitiva, Getúlio Vargas voltava do Palácio Rio
Negro, em Petrópolis, na véspera das comemorações marcadas para o estádio de São
Januário.
Era uma quinta-feira ensolarada, de temperatura agradável na capital federal. Nada
sugeria um contratempo. O carro que levava o presidente avançava pela Praia do
Flamengo, a cerca de 2 quilômetros do Palácio Guanabara. No cruzamento com a rua
Silveira Martins, sobreveio o inesperado. Ao ouvir a buzina do Cadillac presidencial, o
inspetor de trânsito, repentinamente, interrompeu a passagem dos veículos que cruzavam
a avenida Beira-Mar. Um deles acabou ficando atravessado na pista. Para impedir a
colisão, o chofer de Vargas desviou, mas bateu, com força, num poste de sinalização, que
foi derrubado.
Em poucos minutos, o local estava cercado de curiosos, que se impressionavam
com a violência do impacto. Retirado do automóvel com diversas escoriações e
dificuldade para andar, Vargas foi levado ao hospital num outro carro da comitiva. O
trauma maior fora na perna direita. Segundo o Correio da Manhã, a radiografia identificou
"uma violenta lesão na região coxo-femoral, sem sinais aparentes de fratura". Novos
exames, entretanto, revelaram fraturas sérias, em três lugares: na perna, na mão e também
no "ramo ascendente esquerdo do maxilar inferior do presidente".
"As lesões não oferecem gravidade, mas impõem repouso, no leito. Dentro de
alguns dias, o presidente voltará à atividade administrativa no Palácio Guanabara com os
ministros de Estado e seus auxiliares imediatos. Condições que lhe permitam
locomover-se normalmente exigem, porém, prazo mais prolongado", dizia o otimista
boletim médico.
Na verdade, foram necessários três meses para que Vargas se recuperasse
plenamente - período em que se acirrariam os embates entre os protagonistas da luta pelo
poder dentro do governo e que trariam momentos de depressão para o presidente. O
discurso que Vargas faria no campo do Vasco foi lido, perante um público de 40 mil
pessoas, por Marcondes Filho, ministro do Trabalho. Embora houvesse mais de um mês
sem qualquer registro de ataque de submarinos a navios brasileiros, a mensagem de
Vargas estava carregada de preocupações com relação à guerra. E, como se provaria
posteriormente, não sem razão:
"(...) Escolhi exatamente o Dia do Trabalho para fixar a nossa exata posição em
face aos acontecimentos mundiais e indicar o rumo a seguir no interesse de defesa e
progresso nacionais. Jornais e rádios europeus acusam-nos de fazer guerra privada aos
países do Eixo (...) submetendo-lhes os súditos à restrição de liberdade.
E rematam tais alegações, feitas evidentemente de má-fé, com alusões e ameaças a
um futuro ajuste de contas. A nossa declaração de solidariedade ao povo norte-americano,
a quem nos liga secular amizade, e a conseqüente ruptura de relações diplomáticas com os
países que o arrastaram à guerra eram um imperativo de obrigações solenemente
assumidas em tratados e convênios e da aplicação de princípios de unidade política
continental. Porém, ao definirmos esta atitude timbramos em exprimir o decidido
propósito de continuar em paz com todo o mundo, ressalvada a hipótese de sermos
agredidos." "Apesar de tão leal e compreensível procedimento, ao navegarem em rotas
livres e distantes das zonas de bloqueio, foram postos a pique vapores nacionais (...) com
o sacrifício de bens e vidas brasileiras. Ao ataque de mar sucederam-se, fronteiras
adentro, tentativas de articulações com intenções subversivas e positivaram-se atividades
de espionagem
à felonia exercidaspor
respondemos porforma
indivíduos a soldo das
bem diversa naçõesalhures.
da usada que nosNão
acusam. A violência
houve confiscos,e
nem fuzilamentos. Apenas (...) fizemos recolher a uma ilha florida na Baía de Guanabara
os agentes secretos que ameaçavam a nossa segurança. Equivocam-se, portanto, os que
nos imputam atos de guerra. A nossa campanha, desde muito encetada, é outra, e aqui
estou para concitar-vos a ampliá-la, aumentando-lhe o ritmo e a extensão." "No momento,
nossa tarefa nas lavouras, nas manufaturas, nas minas e estaleiros, é preencher os claros
da importação e fabricar em quantidades exportáveis o que apenas bastava para o
consumo interno. A palavra de ordem a que devemos obedecer é produzir. Nem os
brasileiros, nem as nações vizinhas e amigas devem sofrer restrições da guerra e da
carência dos transportes (...) que constituem, aliás, ponto fundamental de nossa
campanha. Se foram nas rotas marítimas que primeiro se fizeram sentir as hostilidades
contra nós, aí devemos atuar com mais rigor (...) São o heroísmo e o denodo de nosso
marinheiro que garantem a vida brasileira através dos caminhos atlânticos."1 Por uma
impressionante coincidência, em 1a de maio, no mesmo momento em que Vargas, através
do seu ministro do Trabalho, chamava a atenção para a importância das rotas marítimas,
depois de exatos 53 dias de calmaria nos mares (desde o afundamento do Cairu em 8 de
março), o Parnaíba, do Capitão-de-Longo-Curso Raul Francisco Diégoli, era torpedeado
pelo U-162, do comandante Jürgen Wattenberg.2 Um dos maiores mercantes do país,
construído em Flensburger, na Alemanha - fora confiscado à época da Primeira Guerra -,
o vapor do Lloyd Brasileiro singrava as águas claras do Mar do Caribe em direção a Nova
Correio da Manhã - 3 de maio de 1942.
2 Pouco mais de quatro meses depois de atacar o Parnaíba, o [7-762 seria destruído.
O seu afundamento aconteceu, no Mar do Caribe, próximo a Trinidad, em 9 de setembro
de 1942. O submarino nazista foi atingido por cargas de profundidade lançadas pelos con-
tratorpedeiros britânicos HMS Vimy, HMS Pathfinder e HMS Quentin. Quarenta e nove
membros da tripulação sobreviveram. Dois morreram.
141 York com os porões abarrotados: eram 40.950 sacas de café, 30 mil de
cacau,
diversas27.155 de farelo,
- um total 25 milvolumes.
de 155.739 fardos deOcouro, 17.585
Parnaíba de mamona
deixara o Rio dee Janeiro,
15.108 de cargas
onde era
registrado na Capitania dos Portos com o número 17, no dia 5 de abril; e de Recife saíra
em 24 de abril. Havia, portanto, uma semana que navegava desde a capital pernambucana.
Como era feriado, vários tripulantes estavam de folga. Enquanto alguns
descansavam tranqüilamente no passadiço, outros, aproveitando a leve brisa que soprava,
pegavam um pouco de sol na popa. Nada sugeria um ataque, pois, até então, não havia
qualquer indício de que o navio estivesse sendo seguido. Além disso, a vigilância de três
marinheiros armados com um canhão era constante. Por volta das 15h, no entanto,
enquanto trocava de roupa em seu camarote, o comandante Diégoli ouviu um estrondoso
baque no costado do navio. Saiu assustado e dirigiu-se, imediatamente, ao passadiço,
onde foi informado
submerso, de que
o que fez abrir um orombo
navionafora torpedeado
praça à meia-nau
de máquinas. por um asubmarino
E pior: chegava notícia de
que todos os homens que lá estavam de serviço haviam morrido instantaneamente.
Eram eles o 3Q maquinista, o cabo foguista, dois foguistas e dois carvoeiros.
com o navio paralisado, o comandante ordenou que os tripulantes descessem para
três baleeiras disponíveis - uma quarta, com a explosão, foi arremessada pelos ares.
Em meio à densa fumaça negra que envolvia o barco, Diégoli ainda voltou ao seu
camarote para tentar resgatar alguns documentos. Foi quando um segundo torpedo atingiu
o Parnaíba. Sem perder mais tempo, o comandante deixou seus aposentos e jogou-se na
água, embarcando em seguida na última baleeira baixada. Antes disso, ainda emitiu o
pedido de socorro, o que pode ter irritado os agressores. Em seguida, eles utilizaram um
canhão para castigar ainda mais o vapor.
Pelas características do ataque, tudo indicava que o comandante Wattenberg
tivesse o objetivo de explodir o navio até antes que os tripulantes pudessem se salvar.
Isso porque, além de o torpedeamento ter sido feito sem aviso prévio, a mira fora
feita contra a praça de caldeiras. Já a bordo de uma das baleeiras, o comandante do
Parnaíba comentava que "a providência fez com que o projétil desviasse três metros, indo
atingir a casa de máquinas. Se não fosse por esse milagre, não ficaria ninguém para contar
o trágico fim do navio".
Como se não bastasse o afundamento do vapor, uma terrível tragédia seria
presenciada pelos tripulantes. Tendo se demorado dentro da embarcação, um dos
radiotelegrafistas foi obrigado a mergulhar no mar para alcançar uma das baleeiras. Além
de nadar bem, ele ainda vestia um colete salva-vidas, o que fez com que chegasse
rapidamente à baleeira. Mas quando levou o braço à borda, surgiu um enorme tubarão que
o puxou para o fundo d'água. A cena foi rápida e ele não foi mais visto, deixando seus
companheiros em estado de choque. Antes que estivessem recuperados, os homens do
Parnaíba ainda assistiram ao lançamento de mais dois torpedos contra o navio, cujo

costado aparecia
quando noite sedesafiar seus agressores. Só foi submergir totalmente três horas depois,
aproximava.
Ao sabor das ondas, os náufragos viram o tempo mudar repentinamente. O vento
passou a soprar forte e grandes vagas pareciam querer tragar as baleeiras. Pela posição em
que estavam quando o navio foi torpedeado, o comandante traçou um rumo para os três
barcos. A idéia era chegar em terra em no máximo uma semana. Depois de uma
madrugada de intensas agruras, com uma chuva constante alagando as baleeiras, ao
amanhecer, surgiu um alento: era um hidroavião de guerra norte-americano, que,
corajosamente, amerissou sobre o mar encrespado para oferecer água e mantimentos aos
náufragos.
com muita dificuldade, o aparelho alçou vôo novamente. Uma hora mais tarde, o
mesmo hidroavião
pára-quedas estava
luminosos sobrede volta
elas, e, sobrevoando
até que, astarde,
meia hora mais baleeiras,
guiadopassou a pontos
por esses lançar
de referência, surgiu o navio espanhol Cabo Hornos. Trazidos a bordo, os homens de duas
baleeiras do Parnaíba tiveram calorosa recepção dos náufragos do Montevidéu, que
também fora torpedeado.3 O cargueiro canadense Turret Cup acabou resgatando o
terceiro barco. Todos foram deixados em Georgetown, principal cidade da Guiana. De um
total de 72 tripulantes, sete morreram.
3 Baseado na entrevista do comandante Raul Diégoli, publicada no Diário Carioca
em 14 de maio de 1942.
143 O afundamento do Parnaíba mostrou que a campanha de submarinos do
Eixo no Atlântico não cessara. Muito pelo contrário. Na verdade, estava ganhando fôlego
novo para chegar, brevemente, mais perto de águas brasileiras. O acidente
automobilístico, a perda de outro navio... Foi um 1a de maio que Vargas, se pudesse,
esqueceria.
Por outro lado, o presidente pôde finalmente comemorar a aprovação dos termos do
Convênio Político-Militar entre os Estados Unidos e o Brasil. Embora desde meados de
junho de 1941 a cooperação militar entre os dois países tivesse sido implementada (com a
chegada ao Brasil da Task Force 3, uma unidade de navios de guerra comandada pelo
almirante Jonas Ingram, e a utilização dos portos de Recife e Salvador por forças
norte-americanas), dessa vez algo de mais concreto estava sendo selado. Era o
reconhecimento formal dos Estados Unidos de que o Brasil teria a primazia no continente
sul-americano.
Para tanto, foram criadas duas comissões técnico-militares, uma em cada país, que
ficariam encarregadas da elaboração de planos minuciosos e de estabelecer acordos entre
os Estados-Maiores necessários à defesa mútua. A princípio, o emprego das forças
brasileiras ocorreria apenas dentro do seu próprio território, mas, em situações de
emergência, mediante decisão do governo brasileiro, elas poderiam ser destacadas para
outros pontos do continente (essa atuação acabou se ampliando com a criação da FEB e o

envio de um contingente de 25 mil homens para combater na campanha da Itália, em


1944).
No caso de um ataque ao território nacional por exércitos extracontinentais, os
Estados Unidos dariam o auxílio necessário para a defesa do Brasil. Em quaisquer outras
situações, as Forças-Armadas norteamericanas só poderiam ficar estacionadas em terras
brasileiras quando previamente autorizadas. O governo brasileiro também teria
autonomia para decidir se os norte-americanos poderiam ou não construir depósitos e
instalações.
Entre as principais obrigações brasileiras estava a intensificação do serviço de
saneamento nas prováveis zonas de operações e o fomento e a ampliação de suas
indústrias agrícolas, fabris e extrativas de modo a fornecer aos Estados Unidos
prioritariamente
tempos de guerra.matérias-primas
Já os nor- 144 ete-americanos
produtos quefacilitariam
fossem julgados indispensáveis
imediatamente em
a aquisição
do material bélico já requisitado para que fossem completadas as formações de defesa do
Brasil. Seriam também disponibilizados os materiais indispensáveis para o
desenvolvimento de suas indústrias militares e das redes ferro-rodoviárias em regiões
estratégicas.
Nada disso, porém, impedia que aqui e ali o Brasil saísse ferido. Uma grande guerra
estava em curso e não faltariam estilhaços atingindo quem já se envolvera mais do que a
rala tolerância nazi-fascista admitia.
145 O presidente Vargas, recém-adoentado, recebe a VISIta de estudantes
O simbolismo do Comandante Lira
O acidente de Getúlio Vargas era muito bem capitalizado pelo DIP. Chegaram a ser
organizadas caravanas de jovens estudantes, que, com o uniforme colegial - as meninas de
trancinhas e os meninos com o corte de cabelo à escovinha -, beiravam a cama do
presidente para os registros fotográficos. Sorridente, Vargas aparentava sincera alegria ao
receber aqueles meninos. Era conhecida sua paixão pelas crianças. Nesses momentos,
esquecia um pouco das questões que nos últimos tempos tanto o afligiam.
Contribuíam também para esse bom astral mensagens de solidariedade que vinham
de várias partes do mundo; do presidente Franklin Roosevelt, nos Estados Unidos, ao
Papa Pio XII, no Vaticano. Aliás, o representante de Roosevelt no Brasil, o embaixador
Jefferson Caffery, que levara a carta que transmitia os sentimentos pessoais do presidente
norte-americano, com o desejo de pronta recuperação, fora o primeiro diplomata a assinar
o livro de visitas.
Não faltavam, no entanto, motivos de preocupação. A guerra naquele maio de 1942
começava a interferir dramaticamente no dia-a-dia dos brasileiros, atormentando
principalmente a vida das donas de casa. Os preços dos gêneros alimentícios se elevavam
assustadoramente e começavam a faltar produtos de primeira necessidade. Nos armazéns
ejornais
feirasde
livres, era difícil
que alguns encontrar
clientes até ovos
exclusivos e frangos.
e mais Surgiam
abastados também
estariam sendodenúncias nos
privilegiados
pelos comerciantes.
A falta de gasolina era outro problema. Há tempos, o seu racionamento era
estudado por uma comissão governamental. E logo ele entraria em vigor no Distrito
Federal.
Para amenizar seus efeitos, foram tomadas medidas como o aumento do número de
linhas de ônibus entre o Palácio Mon- roe, na Cinelândia, e a Praça Mauá, como também o
de paradas na avenida Rio Branco. Usar o próprio carro, um luxo na época, tornava-se
bem mais complicado. Segundo o Correio da Manhã de 14 de maio, "nenhum revendedor
de combustível, seja de posto, bomba ou garagem, poderá vender qualquer quantidade
sem o cupom de autorização da prefeitura".
Mas não faltavam garagistas se aproveitando da situação para aumentar seus
lucros. Elevavam o preço da gasolina, clandestinamente, "cobrando de acordo com a
aparência do freguês". Como denunciava o Diário Carioca., "os resultados auspiciosos
das primeiras vendas aguçaram a ganância dos dilapidadores da economia do povo". Pelo
menos um deles foi denunciado ao Tribunal de Segurança. Dono da garagem localizada à
rua Hilário de Gouveia 95, em Copacabana, o comerciante Joaquim Coelho de Souza
Filho foi preso em flagrante.
Para alguns, entretanto, as restrições em função do racionamento de gasolina
estavam longe de ser um problema. Numa bela manhã daquele mês de maio, tendo como
combustível apenas a paixão pelo mar, quatro jangadeiros vindos do Ceará aportaram nas
águas tranqüilas da Baía de Guanabara. O líder deles era um certo Manoel Olímpio, mais
conhecido como Jacaré, presidente da colônia de pescadores de Fortaleza. Figura
emblemática no Nordeste, acabara de fazer com seus companheiros, a despeito de todas as
adversidades, a travessia Fortaleza-Rio a bordo de uma rústica jangada. O objetivo maior
da viagem era reivindicar ao presidente Vargas direitos trabalhistas para os jangadeiros
nordestinos. Jacaré foi recebido apoteoticamente pela população, se encontrou com

Vargas eno
estivera logo a suaconstatara
Ceará, fantástica história chegou
seu enorme aos ouvidos
prestígio. de Orson
Prestígio Welles,atravessando
que acabou que, quando
fronteiras, depois de vencidos os mais de 2 mil quilômetros pelo mar:
"Viagem homérica", resumiu a revista Time. Welles nem pensou duas vezes em
incluir a façanha de Jacaré no filme que realizava sobre o Brasil. Ficou combinado que a
travessia seria reconstituída especialmente para o registro das lentes do diretor, que se
fascinara com a personalidade simples e corajosa do jangadeiro.
As cenas seriam gravadas na praia da Gávea (atual São Conrado) e a jangada de
Jacaré partiu para lá, inicialmente em águas calmas. No meio do caminho, porém, o tempo
repentinamente mudou e, ao chegar ao local das filmagens, para onde Orson Welles
seguira de carro, o mar já estava totalmente encapelado, com ondas gigantes se formando.
Uma delas
homens. acabou acolhendo
Enquanto de surpresa
jangada flutuava a jangada
ao sabor de Jacaré,
das ondas, atirando àlutavam
os jangadeiros água oscontra
quatroa
forte correnteza.
Três deles conseguiram nadar até a praia, mas justamente Jacaré foi tragado pelo
mar bravio. Uma lancha da produção que levava o material técnico ainda tentou
resgatá-lo, sem sucesso. Ojuando Welles chegou à praia encontrou os três companheiros
de Jacaré desolados, olhando em silêncio para o horizonte, numa mistura de incredulidade
e perplexidade pelo desaparecimento do seu líder. Emocionado, abraçou-se a eles:
"Eu não lamento a morte de Jacaré como um simples jangadeiro. Eu sinto
profundamente a morte dele porque era um herói americano. Uma inteligência viva,
interessantíssima.
O filme vai continuar e será um tributo a ele", disse Welles à imprensa carioca.
O consolo foi lembrar das palavras de Jacaré publicadas no Diário Carioca logo que
chegara ao Rio: "O jangadeiro deve morrer no mar. Para ele, jamais existirá sepultura
mais bela." Depois desse episódio, Welles não pôde prosseguir as filmagens como
pretendia, pois foi chamado às pressas de volta aos Estados Unidos. Insatisfeitos com o
conteúdo dos rolos de filmes que recebiam, seus produtores lhe cortaram a verba. Além da
festa do carnaval, o material produzido por Welles continha apenas imagens da pobreza
das favelas, do martírio dos que fugiam da seca e do drama dos jangadeiros do Ceará,
quando a idéia deles era mostrar - para atrair turistas - apenas o lado bom do Brasil e não
suas mazelas sociais. O projeto do filme acabou sendo abandonado e, somente em 1993,
oito anos depois da morte do cineasta, foi retomado, o que gerou o documentário com o
nome srcinal escolhido por Welles: lú ALI True (É tudo verdade).
O impacto da morte de Jacaré, que tanto comovia a cidade, só encontraria paralelo
na notícia de que mais um submarino atacara um _ navio da frota nacional, e pela primeira
vez em pleno litoral brasileiro, l coincidentemente ao largo do Ceará, de onde
viera o jangadeiro que l acabara de entrar para a história.
l Era o cargueiro Comandante Lira, que, sob o comando do Capi-
tão-de-Longo-Curso Severino Sotero de Oliveira, singrava, em 18 de 149 maio de
1942, a 180 milhas da costa nordestina na direção de Nova Orleans, nos Estados Unidos.
Foi nesse ponto que o vapor, segundo Severino Sotero, passou a ser seguido por um
submarino. O comandante chegou a mudar o rumo do navio para tentar despistá-lo. Não
conseguiu. Era um início de noite (18h50) e, devido à baixa luminosidade, os quatro
militares que guarneciam um canhão nada puderam fazer.
Os torpedos do U-Boat italiano Barbarigo,1 sob as ordens do comandante Gian
Francesco Piaroggia, atingiram em cheio o Comandante Lira, causando duas mortes
instantâneas.

Ao perceber
composta que o naufrágio
por 46 homens, seria inevitável,
providenciou rapidamente
que os escaleres a tripulação,
fossem arriados.que era
Nesse
momento, o Primeiro Radiotelegrafista do navio, José Henrique da Silva, cedeu seu lugar
na embarcação salva-vidas, que ainda se encontrava no convés, e, repentinamente, voltou
para o interior do navio.
Mesmo sabendo que as estações radiotelegráficas eram um dos pontos mais
visados pelos canhões e metralhadoras dos submarinos, foi para lá que ele se dirigiu. Na
esperança de salvar o mercante, enviou mensagens de socorro que acabaram sendo
captadas no litoral. Mesmo incendiado pelo fogo do Barbarigo, o Comandante Lira
resistiu até a chegada de auxílio. Primeiro, foi um avião militar que fez com que o U-Boat
italiano fugisse. Posteriormente, surgiram dois navios norteamericanos, o Jouett e o
Milwaukee, que recolheram os tripulantes de dois escaleres. Um terceiro se desgarrou e
foi dar em terra. Todos se salvaram.
O rebocador Heitor Perdigão, ajudado por um outro navio norteamericano, o
Trush, conseguiu trazer o Comandante Lira até a costa, salvando, além do navio, a carga
de sacas de café, tambores de óleo, caixas de mica e volumes de madeira, entre outros
produtos. Grata pelo auxílio dos americanos, a direção do Lloyd Brasileiro fez uma
doação de 50 mil dólares à Navy Relief Society, dos Estados Unidos. Já o
radiotelegrafista José Henrique, que arriscou a vida para mandar mensagens de socorro,
sem as quais dificilmente o Comandante Lira deixa- 1 O Barbarigo iniciou suas
operações em 1938, sendo responsável pelo afundamento de sete navios. Desapareceu na
Baía de Biscaya, na Espanha, em junho de 1943, sem deixar vestígios.
150 ria de ser afundado, recebeu elogios do procurador do processo no Tribunal
Marítimo.
"Estou convencido de que à bravura do radiotelegrafista José Henrique da Silva se
deve o salvamento do Comandante Lira e, possivelmente, a vida de muitos de seus
tripulantes."2 O receio de que ataques de submarinos do Eixo se aproximassem ainda
mais do litoral fez com que o patrulhamento da região fosse reforçado. Apesar da sua
extensão, era importante
novas agressões mostrar
passivamente. Noaodiainimigo que O
29 de maio, haveria
Jornalresistência.
anunciava emNãomanchete:
se aceitariam
"Um
submarino do Eixo afundado pela FAB." A notícia se baseava numa nota distribuída pelo
DIP, fornecida pelo Ministério da Aeronáutica: "Os ataques dos submarinos em águas
territoriais brasileiras, aos nossos navios mercantes, determinaram uma ação da Força
Aérea no sentido de resguardar a nossa soberania, a liberdade da nossa navegação e a vida
das tripulações indefesas, que vinham sendo metralhadas e canhoneadas (...) Após
desumana agressão ao Comandante Lira, foram localizados, perseguidos e atacados três
submarinos nas costas brasileiras, sendo um deles afundado." Isso se comprovou, ainda
segundo o relato do DIP, quando se verificou "uma explosão, sendo observados no local
destroços, salva-vidas, pedaços de madeira e uma enorme mancha de óleo na superfície."3
O ataque ocorrido entre o Atol das Rocas e Fernando de Noronha foi feito pelo
bombardeiro B-25 Mitchell. O avião pertencia a uma unidade de treinamento da FAB que
preparava seus pilotos para utilizarem os aviões fornecidos pelos Estados Unidos. A
tripulação do 5-25 era mista. No comando, estava o Capitão-Aviador Affonso Celso
Parreira, tendo a bordo também o Capitão-Aviador Oswaldo Pamplona. Ambos eram
treinados pelo primeiro-tenente Henry Schwane, da Força Aérea 2 Processo
Comandante Ura (Tribunal Marítimo, Arquivo, Rio de Janeiro, número 663). O Chefe do
Estado-Maior da Armada fez registrar o elogio (Subsídio para a História Marítima do
Brasil, Rio de Janeiro, 1945).
3 Como o afundamento acabou não se confirmando, é possível que os vestígios
encontrados tenham sido liberados pelo submarino propositalmente para fazer com que os
pilotos dos aviões imaginassem que ele havia sido destruído, ganhando, assim, tempo
para escapar.
151 norte-americana. O ministro da Aeronáutica Salgado Filho ficou exultante
com a operação, e o presidente Roosevelt não tardou em enviar um telegrama a Vargas
estimulando outras ações contra os submarinos do Eixo.
"Foi com grande interesse e satisfação que soube dos bem-sucedidos ataques
levados a efeito contra submarinos ao longo da costa brasileira. A intrepidez e a perícia
dos pilotos da Força Aérea Brasileira que tomaram parte nessas operações estão acima de
qualquer encômio. Desfecharam-se poderosos golpes em sua campanha de proteção à
navegação deste continente. Torno-lhes extensivas, por intermédio de Vossa Excelência,
as minhas sinceras congratulações e meus mais calorosos votos de felicidade."4 Ao
mesmo tempo em que chegava ao Brasil a mensagem de Roosevelt, chegava também a
notícia de um novo torpedeamento que acontecera no dia 24 de maio. Dessa vez, era o
Gonçalves Dias que havia sido canhoneado. O ataque fora feito pelo U-502? comandado
pelo CapitãoTenente alemão Jürgen von Rosenstiel. O vapor do Lloyd, comandado pelo
Capitão-de-Longo-Curso João Batista Gomes de Figueiredo, carregava café embarcado
nos portos de Santos, do Rio de Janeiro, de Angra dos Reis e Vitória, com destino a Nova
Orleans. Navegava no Mar do Caribe, ao sul do Haiti, quando, à 00hl5, foi torpedeado

traiçoeiramente
de óleo adaptadologo abaixoàsdacaldeiras
em frente linha da água, no porão
perto do meio do navio,
3. Não e tevetempo
houve atingido
nemum
de tanque
usar o
armamento guarnecido por quatro militares. Um minuto depois, o Gonçalves Dias,
alvejado por um segundo tiro no porão 2, ardia em chamas. Dois homens da casa das
máquinas morreram na explosão que sobreveio.
O incêndio que se alastrou pelo vapor impediu que todos os escaleres fossem
arriados. Só dois puderam ser usados. No desespero, 14 homens se jogaram ao mar.
Quatro deles não conseguiram alcançar os escaleres e se afogaram. Foram seis as vítimas
do ataque. Em não mais que sete minutos, o Gonçalves Dias estava totalmente adernado.
Segundo os sobreviventes, nesse instante deu-se uma cena que revoltou a todos.
Aproximando-se a cerca de 30 metros dos escaleres, alguns tripulantes do U-502 subiram
àondas
torreta
dodo
marsubmergível e passaram a se divertir com a agonia dos que lutavam contra as
que se agitava:
"Quatro oficiais do submarino permaneceram na torre de comando deste, rindo-se
das dificuldades que encontravam os tripulantes para atingir a nado os botes salva-vidas",
contou Haroldo Nascimento, o chefe das máquinas do Gonçalves Dias.6 Os 46 tripulantes
que se salvaram vagaram por cerca de 30 horas até serem resgatados pelo navio
norte-americano F.J. Luceenback. Foram deixados no porto de Key West, no extremo sul
da Flórida.
O Gonçalves Dias era o oitavo navio brasileiro atacado desde fevereiro. Cento e
vinte e quatro pessoas já haviam morrido. Para quem não estava em guerra, eram números
inaceitáveis.
4 Correio da Manhã-
- de junho de 1942.
5 Desde que fora entregue, em 2 de abril de 1940, o U-502 havia afundado 14
navios. Sua trajetória terminou logo depois desse ataque ao Gonçalves Dias. Em 5 de
julho de 1942, quando se encontrava na Baía de Biscaya, a oeste de La Rochelle, na
França, foi completamente destruído por cargas de profundidade de um avião britânico
Wellington do Esquadrão 172/H. Da tripulação de 52 homens, ninguém sobreviveu.
152 153 A campanha na África do Norte era a maior ameaça ao continente
americano
Fogo em terra e mar
As notícias que chegavam do front naquele início de junho de certa forma
tranqüilizavam a população, que, bombardeada diariamente com uma overdose de
informações sobre a guerra, vivia em constante sobressalto. Não havia um jornal
brasileiro que, desde o início das hostilidades, não dedicasse inteiramente a sua primeira
página, geralmente encimada por manchetes que pareciam cheirar a pólvora, aos
acontecimentos na Europa, na África e, depois da entrada dos Estados Unidos no conflito,
no Oceano Pacífico.
Do Pacífico Central vinham boas-novas. Os Estados Unidos, depois de terem saído
em desvantagem na guerra por causa do ataque surpresa à base de Pearl Harbor, já
conseguiam rechaçar o inimigo japonês. Numa batalha encarniçada para defender a
estratégica ilha de Midway, impôs pesadas baixas à Marinha nipônica, que, com a perda
de praticamente toda a sua defesa aérea e dos seus quatro porta-aviões de esquadra -
contra apenas um dos dois que possuíam os norte-americanos -, foi obrigada a recuar para
oeste. O comando norte-americano da região, exultante, distribuiu o seguinte
comunicado:
"O inimigo parece estar se retirando. Exceto pela atividade submarina
insignificante
Assim, ao que nas
tudoilhas
leva vizinhas àspróxima
a crer, está do Havaí,
do esta
fim aparte do de
batalha Pacífico se que
três dias mantém calma.
se travou no
Pacífico Central. Batalha que ficará inscrita como a maior das vitórias isoladas na história
naval dos Estados Unidos."1 Correio da Manhã - 3 de junho de 1942.
O regozijo norte-americano mais do que se justificava, pois, àquela altura, ainda
era flagrante a superioridade militar dos japoneses. A vitória teve uma repercussão
impressionante no ânimo dos seus homens, mas, possivelmente, não teria sido alcançada
sem a quebra do código naval japonês pelo Serviço de Inteligência da Marinha dos
Estados Unidos, o que permitiu que fosse armada uma cilada. Tendo a informação do
ataque iminente, o almirante Nimitz pôde concentrar todas as forças de que dispunha,
"com poderio suficiente na hora e nos lugares certos".
Nem a perda de 35 dos 41 torpedeiros que fizeram a primeira investida contra os
porta-aviões japoneses que se aproximavam comprometeu o sucesso da empreitada
norte-americana.
Quando os inimigos só tinham olhos para esses aviões, 37 bombardeiros,
praticamente sem qualquer resistência, lançaram suas bombas sobre o Soryu, o Akogi e o
Kaja.
Em pouco tempo, as três gigantescas embarcações foram seriamente danificadas,
com seus aviões, que ganhavam novas cargas de bombas naquele momento, convertidos
em bolas de fogo.
O contra-ataque japonês não demorou. Foi desfechado com quarenta aviões
dispostos a tudo para devolver o estrago. Apesar de terem sido recebidos por diversos
caças e fogo antiaéreo, atingiram com três bombas o porta-aviões Yorktown, que
afundou. Mas isso não abateu o ânimo dos pilotos norte-americanos, que, com 24
bombardeiros de mergulho, partiram do Enterprise no encalço do último porta-aviões
japonês. Pouco mais de duas horas depois de ser localizado, o Hiryu "era um escombro
em chamas".
Não restava outra alternativa ao almirante Nagumo senão bater em retirada,
humilhado pela destruição dos seus quatro porta-aviões:
"O efeito moral foi imediato. De uma vez só, a posição dominante do Japão
inverteu-se",2 opinou o primeiro-ministro britânico Winston Churchill.
Na Europa, os Aliados também podiam comemorar. Depois de um início de
campanha avassalador, no qual, através da tática militar 2 Memórias da Segunda Guerra
Mundial. Volume II. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.
denominada Blitzkrieg (guerra-relâmpago), não faltaram conquistas territoriais, a
Alemanha começava a sentir na própria pele o que havia infligido impiedosamente a seus
inimigos. Naquele limiar de junho, algumas cidades do Reich ardiam pelo fogo aéreo
imposto pela Real Força Aérea do Reino Unido, a RAF. Sem clemência, 1.047 aviões

ingleses
um mês, despejavam
foram feitasbombas em diversas áreas. As informações eram de que, ao longo de
30 mil incursões.
O resultado era o caos e a devastação. As cidades de Colônia, Bremen e Essen
(chamada de "Capital das Munições") eram as mais atingidas. Imensasáreas cobertas por
instalações industriais e comerciais estavam arrasadas, o que fazia supor que houvesse um
considerável número de vítimas, pois, para acelerar a produção de guerra, trabalhava-se
dia e noite. Diante desse cenário, milhares de alemães estavam sendo levados para cidades
ao sul da Alemanha, como Munique e Stuttgart. A situação mais grave era a de Colônia.
Castigada por 1 .445 toneladas de explosivos, teve bairros inteiros varridos. A parte antiga
da cidade transformara-se num monte de escombros. O aspecto do que ficara de pé
também denunciava a catástrofe: eram fileiras de prédios com suas fachadas inteiramente
arruinadas.
Esses bombardeios somente se intensificariam a partir de então, expondo uma
população de cerca de 25 milhões de civis. As incursões aéreas da RAF passariam a ter
um efeito duplamente devastador. Além de trazerem toda espécie de sofrimento,
colocavam em xeque a propaganda nazista que alardeava vitórias nos campos de batalha,
sempre omitindo as derrotas. Pouco a pouco, seria minada a resistência do povo alemão, e
os sintomas psicológicos logo se manifestariam: medo, desesperança e apatia
generalizada. A constância e severidade dos ataques, em muitas ocasiões desfechados
mais contra áreas urbanas do que contra regiões estratégicas (os denominados pontos
nevrálgicos, ou seja, fábricas, estaleiros, estradas, redes ferroviárias etc.), passariam a
produzir, como desejavam os Aliados, a forte impressão da sua superioridade, o que
preocupava profundamente as autoridades do Reich.
O que acontecia no front soviético também passaria a ser motivo de dor de cabeça
para Hitler e seus generais. Depois da desastrada campa- 156" 157 nha de 1941,
quando a neve grossa paralisou as tropas nazistas a poucos quilômetros de Moscou, dando
oportunidade para que o inimigo recompusesse seus exércitos, mais dificuldades se
apresentavam na nova campanha na direção leste, dessa vez para além das montanhas da
região do Cáucaso, em busca das abundantes reservas petrolíferas de Baku.

Apesar eda43espetacular
3.400 aviões mil canhõesmobilização
-, em duas de forçasos- russos,
frentes, estavamjá em ação 3.270
contando com atanques,
ajuda
bélica dos Aliados e com suas fábricas de armamentos funcionando a pleno vapor,
penetraram fortemente nas linhas alemãs e, na localidade de Kalilin, repeliram
importantes ataques. Numa zona florestal da região, na qual estava localizada uma aldeia
recentemente conquistada pelo Exército Vermelho, a Wehrmacht - como eram chamadas
as forças armadas alemãs durante o Terceiro Reich - desfechou sucessivas ofensivas, sem
conseguir desalojar o oponente.
Eram os primeiros indícios de que, mais uma vez, os alemães seriam barrados pela
feroz resistência soviética.
As informações que vinham da África serviriam de alento para o Alto-Comando
alemão. Desde que, no início de 1941, o general Erwin Rommel foi nomeado comandante
das tropas alemãs na Líbia, os resultados eram bem expressivos. Considerado um
esplêndido jogador militar - segundo Churchül, "um mestre no manejo de formações
móveis, especialmente no reagrupamento rápido após uma operação, de modo a explorar
um êxito"3 -, Rommel impunha perdas pesadas aos ingleses.
Eram 5h20 da manhã do dia 20 de junho de 1942 quando, apoiado pela infantaria,
duas divisões de tanques e escudo aéreo, o intrépido Rommel ordenou mais um ataque
decisivo. Dessa vez, ao porto líbio de Tobruk, até então sob domínio inglês. Esse era um
ponto crucial para o avanço do Afrika Korps na direção leste, tanto que a resistência foi
imensa, sendo necessárias 25 horas de combates para que Rommel 3 Memórias da
Segunda Guerra Mundial. Volume I. Winston S. Churchill. Nova Fronteira, 2005.
garantisse a posição. Mesmo assim, a batalha continuou por mais um dia inteiro
até que a vitória se consolidasse.
Depois das hostilidades, Tobruk estava envolvida por uma densa fumaça e a
lembrança dos lança-chamas iluminando a noite anterior estava fresca na memória dos
habitantes da cidade portuária. Sabendo da sua importância estratégica (era um dos
melhores portos naturais da costa norte africana), Rommel já havia tentado outras vezes
conquistá-la.
Finalmente, conseguindo levar isto a cabo, o general vivia o auge da sua longa
carreira militar. Mas logo a campanha alemã na África também fracassaria, muito mais
pela escassez de recursos (alimentos, armamentos e peças de reposição) do que pela falta
de competência e astúcia de Rommel. Tanto que ele acabou, posteriormente, indo
comandar as tropas alemãs na Europa. Mas, naquele junho de 1942, ele ainda era a temida
"Raposa do Deserto", a maior ameaça à segurança do Brasil.
Em meio à devastação da guerra, em discurso na Câmara dos Comuns, o próprio
Churchill, não sem certa recriminação dos seus pares, reconhecia o valor de Rommel:
"Temos contra nós um oponente muito arrojado e hábil, um grande general."4 De
Washington, em 24 de junho, três dias depois da tomada de Tobruk por Rommel, o
embaixador Carlos Martins enviava uma carta ao ministro Oswaldo Aranha, na qual se
comprovava o quanto os norte-americanos se preocupavam com as conquistas do general
alemão na África, principalmente porque poderiam significar um avanço sobre o
continente americano:
"A situação na América do Sul voltou a tomar vulto nas rodas políticas e nos órgãos
de opinião pública. Os motivos foram as recentes vitórias de Rommel (...) Que uma
vitória alemã na África do Norte é condição preparatória para eventual ataque contra o
Brasil não resta dúvida. Que um ataque à América do Sul seria o melhor caminho para
1Memórias da Segunda Guerra Mundial. Volume I. Winston S. Churchill. Nova
Fronteira, 2005.

discursos159 um ataqueRoosevelt.
do presidente aos Estados Unidosessa
Entretanto, é verdade atestada,
possibilidade freqüente
depende até nos
da abertura da
segunda frente. Se a segunda frente for aberta pela Alemanha, uma vez terminada a sua
campanha oriental na Rússia e no Egito, a América do Sul estará plenamente dentro da
esfera de perigo de guerra. Se a segunda frente for aberta pelos Estados Unidos ou pela
GrãBretanha, a América do Sul terá a garantia de segurança. A verdade é que o hemisfério
inteiro, direta ou indiretamente, está envolvido no problema da segunda frente, solução
não só para a Rússia e o Egito, para os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, como para o
Brasil e demais países sul-americanos."5 Não foi à toa que, na primeira semana de junho,
a cidade de Natal, a mais ameaçada na hipótese de uma invasão partindo da África, viveu
dias de pânico, causado pela informação de que existiam planos alemães de ataque à base
aérea de Parnamirim. Fuzileiros chegaram a cavar trincheiras e muitos moradores foram
se refugiar em cidades do interior. Um blecaute ainda foi determinado pelas autoridades
militares da região:
"A população vem recebendo as instruções da maneira mais louvável,
demonstrando estar disposta a enfrentar qualquer eventualidade resultante de um ataque
aéreo contra aquela capital, que é, hoje, um ponto vital na marcha dos acontecimentos da
atual conflagração mundial. Aqui se respira o clima de guerra. O general Cordeiro de
Farias superintende pessoalmente as principais fases do blecaute", noticiou o Correio da
Manhã de 10 de junho de 1942.
Eram as conseqüências de um ambiente que transformara a pacata capital do Rio
Grande do Norte numa cidade agitada e trepidante - o "Trampolim da Vitória", como
ficou conhecida depois da guerra. Shows nos hangares da base de Parnamirim levavam a
Natal artistas como Ary Barroso, Dircinha Batista, Orlando Silva, Francisco Alves e
Carlos Galhardo. A população dobrara com a chegada dos soldados norte-ameri- canos e
a imagem de velhinhos com suas cadeiras de balanço nas calçadas não era mais tão
presente quanto a dos inferninhos em que garotas de programa ofereciam, quem sabe, a
última noite de prazer aos combatentes que logo partiriam para o front africano e europeu.
5 Correspondência do embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Carlos Martins,
ao ministro0216
fotograma das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha, em 24 de junho de 1942. Rolo 7,
a 0217. CPDOC/FGV.
160 161 O general Góes Monteiro, Chefe do Estado-Maior do Exército, em
visita a uma base aérea nos Estados Unidos Filinto Muller, chefe da polícia do Distrito
Federal, e o general Eurico Gaspar Dutra, ministro da Guerra: simpatia pelos alemães
Germanófilos perdem poder
Enquanto se especulava a respeito de um possível ataque das tropas de Rommel ao
Brasil, os navios do Lloyd prosseguiam sendo torpedeados. Apesar de Dõnitz, àquela
altura, estar insatisfeito com o ritmo da produção de submarinos nos estaleiros alemães, os
que estavam em ação causavam danos consideráveis. Desde o início de 1942, a cada mês,
eles se apresentavam em maior número na costa norte-americana e na região do Caribe.
Eram 19 operando, em janeiro; 29, em março; 35, em maio; e 40, em junho.
Nessa época, passaram a integrar a frota de Dõnitz os grandes submarinos de 1.600
toneladas. Eles não tinham torpedos - apenas canhões de defesa - e seus tanques podiam
carregar 720 toneladas de óleo diesel por uma distância de 19 mil quilômetros. Por isso,
eram chamados de "vacas leiteiras". Sua função era abastecer os outros submarinos, que
não mais precisariam voltar às suas bases para esse fim. com mais unidades no mar,
muitas vezes as investidas contra comboios contavam com até trinta aparelhos. Foi mais
um dado que facilitou a ação dos U-boats alemães nas águas do Oceano Atlântico.
No primeiro dia de junho, um deles investiu contra o navio Alegrete. Ao passar ao
largo da Ilha de Santa Lúcia, nas Antilhas Inglesas, o comandante Eurico Gomes de Souza
avistou um periscópio que se salientava à distância. Era o sinal de que estava sendo
seguido. Eram 17h45,
cacau, castanhas quase
e óleo de noite, quando
mamona, a embarcação
recebeu do Lloyd,
o primeiro torpedocarregada de café,
do U-156,1 do
comandante Werner Hartenstein. Imediatamente, foram 1 Desde 11 de outubro de 1940
em campanha, o U-156 tinha em seu currículo o afundamento de vinte navios. Acabou
abatido a leste de Barbados, em 8 de março de 1943, por cargas de profundidade de um
avião Catalina (Esquadrão VP-53/P-1) da Marinha dos Estados Unidos. Todos os 53
tripulantes foram mortos.
feitos os procedimentos para que a tripulação de 64 homens (não havia
passageiros) abandonasse o navio. Das quatro baleeiras, pelas quais eles se dividiram, foi
ouvida a explosão de mais dois torpedos, além de 18 disparos de canhão.
O Alegrete submergiu inapelavelmente, enquanto começava o suplício dos
tripulantes. Foram quatro dias enfrentando toda sorte de contratempos: frio, com ventos
gelados durante a noite, sol quente na maior parte do dia, além de pouca alimentação e
água potável.
"Durante todos os dias, a baleeira em que eu me encontrava permaneceu à mercê de
terríveis vagalhões que, durante a noite, pareciam querer tragar a frágil embarcação",
relatou o comandante do Alegrete, Eurico Gomes de Souza.
Depois de privações e sofrimentos inclementes, a primeira baleeira chegou a Port
of Spain, a capital de Trinidad e Tobago; a segunda foi recolhida pelo navio
norte-americano Tabel; a terceira atingiu La Guaira, na Venezuela; e uma última
recolheu-se a uma ilha, também na Venezuela, chamada La Blanquila. Esses últimos
náufragos relataram terem sido cercados de todos os cuidados pelos habitantes locais.
Todos se salvaram, apesar das queimaduras e outros ferimentos sofridos no ataque do
U-156. No entanto, nenhuma dessas agruras parecia intimidar aqueles homens:
"Eu, como todos os tripulantes do Alegrete, aqui nos encontramos prontos para
embarcar a qualquer momento. A obediência ao dever e a causa que defendem as nações
aliadas, que é a própria causa do Brasil, vale muito mais que a própria vida. E mais digno
a um marujo morrer com honra a viver escravizado sob o desígnio sanguinário de uma
"nova
declarouordem" que manda
o comandante atacar
Eurico navios
Gomes desarmados
de Souza e mata
ao retornar populações indefesas",
ao Brasil.
Por outro lado, a despeito da disposição de não recuar diante das agressões do Eixo,
o recrudescimento dos torpedeamentos fazia com que crescessem as insatisfações
salariais da classe marítima. Sensível ao problema e percebendo o grave momento vivido
pela categoria, o presidente Getúlio Vargas, ainda se recuperando do acidente que sofrera
em maio, não pensou duas vezes em autorizar um abono de 40% para as tripulações dos
navios que se destinavam às zonas consideradas perigosas:
"Diante da situação que os marítimos atravessam, conseqüência da campanha
submarina desencadeada pelas nações do Eixo contra a navegação mercante, esse abono
veio apenas corresponder a uma necessidade premente", declarava o comandante Fuhad
Estrela, presidente do Sindicato Nacional dos Oficiais de Náutica da Marinha Mercante.
Diante da resistência dos armadores, que só concordaram com o aumento por causa
do apoio de Vargas, Fuhad ainda disse:
"Os marítimos brasileiros são os que recebem o menor ordenado entre todas as
marinhas mercantes do mundo. Os Estados Unidos e a Inglaterra pagam dez vezes mais.
Mas eles não são nosso parâmetro. A Argentina, sim, e lá os marítimos recebem o
dobro. E há quem tenha a coragem de chamar-nos de ambiciosos e incontentáveis."2 No
mesmo dia em que os jornais traziam a boa notícia para a classe, outra embarcação
brasileira era abatida, confirmando os perigos crescentes para a nossa navegação.
"Afundado navio brasileiro Pedrinhas", anunciou a manchete do Diário Carioca,
revelando que "a nova agressão do Eixo ocorrera à luz do dia". O Pedrinhas singrava a
300 milhas da costa de Porto Rico quando foi torpedeado pelo U-203, do comandante
alemão Rolf Mutzelburg. Eram 17h do dia 26 de junho, e nem o fato de o cargueiro estar
equipado com um canhão evitou o ataque. O fator surpresa sempre era o maior aliado dos
submarinos.
"com o bom tempo e o sol brilhante ninguém esperava que aparecesse um
submarino, até que o barco foi alcançado por um torpedo. Não houve outra alternativa
senão deixar imediatamente o navio", relatou o comandante Ernesto Mamede Vidal, que
lamentou também o desaparecimento do seu gato de estimação durante o ataque.
A tripulação de 44 civis e quatro militares, que guarneciam o canhão, vagou à
deriva nas baleeiras por 84 horas até ser salva por navios de patrulha norte-americanos e
levada para Porto Rico. Construído em 1935, no 164 2 Diário Carioca - 26 de junho de
1942.
3 O U-203 foi entregue pelos estaleiros alemães em 28 de março de 1940. Teve
sucesso no afundamento de 22 navios. Seu destino foi selado quando, em 25 de abril de
1943, ao sul do Cabo de Farewell, na Groenlândia, foi atingido por cargas de
profundidade de um avião britânico Swordfish (Esquadrão 81 l/L) e de um destróier
Pathfinder.
Dos 48 tripulantes, 38 sobreviveram.
165 estaleiro Lithgown em Glasgow, o Pedrinhas era o navio mais novo da
marinha mercante. Pertencia à Cia. de Cabotagem de Pernambuco.
O sentimento de rejeição da população a tudo que se relacionasse ao nazi-fascismo
aumentava em progressão geométrica aos seguidos ataques à navegação nacional. Isso
fazia com que cada vez mais houvesse uma aproximação com os Aliados. Mergulhados
em discussões sobre os desdobramentos da guerra, os estudantes do Distrito Federal
decidiram, em 4 de julho, data da independência dos Estados Unidos, fazer uma passeata
em solidariedade a este país e de repúdio às nações do Eixo:

"A horacontra
democráticos atualosdecrimes
nossados
pátria reclama-nos
nazistas e o 'olho' solidariedade aos Onossos
da quinta-coluna. estadistas
quinta-colunista
é o grande criminoso político. Como única preocupação procura enfraquecer, confundir,
indispor interna e externamente a consciência moral de todas as nações livres", dizia um
documento divulgado pelos estudantes de Direito.
Nem a forte chuva diminuiu a empolgação dos manifestantes. Da Praça Mauá até o
Palácio Monroe, na Cinelândia, 15 mil estudantes caminharam, cantando o hino nacional
e ostentando cartazes de condenação ao Eixo e de exaltação à democracia. O evento,
promovido pela UNE, contou, inclusive, com a presença dos filhos do ministro Oswaldo
Aranha, que simbolizava como ninguém a luta contra o nazi-fascismo. "Aranha: campeão
da democracia!", dizia um dos cartazes. Os alunos da Escola de Belas-Artes produziram
carros
para umaalegóricos. Umcom
serpente, deles,a bem
frase:criativo, trazia a figura
"O encantador de Hitler soprando
de serpentes." uma flauta
A participação de
marinheiros de navios afundados trouxe ainda mais peso ao protesto. O episódio, inédito
no Estado Novo, gerou uma série de acontecimentos que abalou profundamente o perfil
autoritário de poder criado a partir do golpe de 1937.
Até O Estado de S. Paulo, sob intervenção federal desde março de 1940, exaltava a
iniciativa dos estudantes: "Grande manifestação contra o regime totalitário. Constituiu
empolgante expressão de fé nos princípios defendidos pelas nações unidas o desfile de
ontem no Rio, promovido pela mocidade escolar." 166 Já o Correio da. Manhã
afirmou: "É confortador assistir ao pronunciamento da classe estudantil, unida e coesa em
torno de princípios democráticos, que forma hoje uma força indestrutível, da qual
devemos nos orgulhar." com sua aguda obtusidade e incontrolável tendência à
germanofilia, o que o impedia de perceber o novo momento que se avizinhava, Filinto
Müller, o chefe da Polícia do Distrito Federal, havia negado aos estudantes a permissão
para que realizassem a passeata, que classificou de "subversiva". Foi categoricamente
desautorizado pelo ministro interino da Justiça, Vasco Leitão da Cunha, que ordenou que
a polícia não interviesse. Diante da reação intempestiva de Filinto, que foi ao seu gabinete
interpelá-lo, Vasco Leitão ordenou a prisão disciplinar de Müller por desacato à

autoridade.
aceitou Indignado,
e, duas semanaso depois,
chefe danopolícia
dia 17,foio até Vargas
coronel pedirEtchegoyen,
Alcides demissão. Oque
presidente
tinha a
confiança da ala governista pró-Aliados, já estava em seu lugar. Amigo de Oswaldo
Aranha e leal a Vargas na Revolução de 30, Etchegoyen tinha, naquele novo contexto, o
perfil ideal para ocupar o cargo.
Essa atitude não deixava de ser uma reação do presidente aos boatos, espalhados
por agitadores pró-Eixo, de que, por não estar falando - ainda por causa da lesão no
maxilar -, não teria mais condições de governar. Havia também pressões internas de
oficiais do Exército de alta patente que tentavam convencê-lo de que os Estados Unidos
tramavam sua deposição. Ainda em convalescença, Vargas, entre deprimido e apreensivo,
se consumia diante das infames insinuações.

Mas não o bastante para mudar sua nova estratégia política.


A troca de comando da Polícia do Distrito Federal teve a melhor repercussão entre
os americanos. O embaixador Caffery chegou a indicar 15 oficiais para trabalhar com
Etchegoyen, que havia encontrado no departamento um clima hostil, além do lugar em
escombros, com documentos queimados e o sistema de rádio policial sabotado.
Etchegoyen se sentia um estranho no ninho sem saber em quem confiar. Foi
necessário se fazer um grande expurgo para que a polícia pudesse trabalhar sem restrições
contra os espiões do Eixo.
"Estou cada vez mais satisfeito com o novo chefe de polícia", telegrafou Caffery a
Washington, em 22 de julho.

167americana,
embaixada com o avalquededaria
Vargas, Etchegoyen
o suporte passaria
necessário a rrabalhar
no combate intimamente
às ações com a
de espionagem.
A disposição dos Estados Unidos de eliminar qualquer influência nazi-fascista no
Brasil era tanta que eles chegaram a elaborar, através do birô que cuidava dos seus
interesses no país, uma lista negra de quinhentos possíveis colaboradores brasileiros da
quinta-coluna.
Tudo isso estava sendo muito mal digerido pelos nazistas. A Rádio Berlim rotulava
o governo Vargas de "um protetorado dos Estados Unidos" e Oswaldo Aranha de ser
"evidentemente um sujeito comprado por Roosevelt". Para completar a insatisfação do
Reich, a reboque da demissão de Filinto Müller, deixaram também o governo o
germanófilo ministro da Justiça, Francisco Campos, e o onipotente diretor-geral do DIP,
Lourival Fontes.
O afastamento de Fontes, principalmente, tinha um caráter altamente simbólico.
Sergipano de Riachão do Dantas, tido como um erudito, homem letrado, ele jamais se
constrangia, porém, em declarar-se um fascista empedernido. Sempre muito prestigiado,
era praticamente impossível se chegar ao presidente sem passar por Lourival, tanto
naquele
de Vargasmomento
ao poderquanto
depoisposteriormente,
das eleições emquando
1950. se tornou chefe da Casa Civil na volta
A proximidade entre eles era tanta que dava margem a fuxicos alimentados por
opositores do regime, que visavam, através de Lourival, atingir o presidente da República,
criando um clima de cizânia no governo. Mencionava-se um possível caso de Getúlio com
a mulher de Lourival Fontes, a exuberante poetisa Adalgisa Nery. Especulação não de
todo infundada. Viúva do pintor Ismael Nery desde 1934, Adalgisa era conhecida por
despertar amores irrefreáveis.
Lindíssima, inteligente e culta, circulava à vontade no meio literário, pois, bem
jovem - casou-se, em 1921, aos 16 anos -, já convivia com intelectuais como Aníbal
Machado, Jorge de Lima, Pedro Nava, amigos do seu ex-marido. Era musa inspiradora de
poetas do calibre de Carlos Drummond de Andrade ("Acho que todos nós a amávamos,
mesmo sabendo que não se tratava de amor. Amávamos nela a obra de arte viva",
escreveria ele, quando Adalgisa morreu em 1980) e Murilo Mendes, este um grande
amigo e reconhecidamente apaixonado por ela.
Na famosa livraria José Olympio, ponto de encontro dos grandes escritores no
Distrito Federal, Adalgisa desfilava seu estilo mulher-fatal 168 - lábios muito pintados,
decotes audaciosos e invariavelmente perfumadíssima. Só Graciliano Ramos, com seu
jeitão rabugento, implicava: "Você está empesteando os livros"4, reclamava. Ela nem
ligava. Sapecava-lhe um beijo e seguia seu bordejo sedutor, ignorando que as queixas de
Graciliano poderiam apenas ocultar uma dilacerante paixão secreta.
O fato é que ninguém entendia o que a deslumbrante Adalgisa fazia casada com
alguém como Lourival Fontes, que, além de taciturno e de direita, não tinha entre suas
maiores virtudes os atributos físicos. Era baixo, vesgo e usava uma cabeleira grisalha que
lhe caía sobre o olho torto. Em resumo, apesar do ar empertigado e do aprumo com que se
vestia, era feiíssimo.
O boato de um possível triângulo amoroso entre Adalgisa, Lourival e o presidente
era tão forte que Benjamim Vargas, o irmão mais novo de Vargas, um freqüentador
assíduo de cassinos e cabarés, contoulhe, preocupado, o que se comentava pela noite:
- Cada vez se espalha mais que estás apaixonado pela Adalgisa e que ela é tua
amante! Toma cuidado, isso é perigoso! - disse-lhe Benjamim.
Vargas imediatamente descartou tal possibilidade:
- Bobagem! Isso é gabolice do Lourival. Ele é que espalha para se gabar!5 -
respondeu brincando o presidente, deixando claro que essas intrigas não abalariam o seu
relacionamento com o chefão do DIP.
Esse diálogo nunca foi confirmado, mas entrou para o anedotário popular. Mesmo
que não tenha sido real, revelava o quanto Vargas e Lourival eram ligados. Só forças
muito poderosas poderiam separá-los, empurrar Lourival para fora do governo. E foi o
que ocorreu.
sofrendo com asignificativo
um abalo sua queda, não havia mais O
e irreversível. dúvidas: a ditadura
país parecia doda
ferver, Estado
mesmaNovo estava
forma que
os corações que batiam acelerados pela bela Adalgisa.
169 Hitler autorizou o envio de umaflotilha de submarinos ao Atlântico Sul para
revidar a adesão do Brasil aos aliados
Pobre Lídice
Naquele momento em que a temperatura política se elevava dramaticamente, as
atenções da imprensa e do público se voltaram para um episódio inusitado envolvendo um
soldado francês prisioneiro de guerra, resgatado, em plena Baía de Guanabara, pela barca
que fazia o trajeto Niterói-Rio de Janeiro. O jornal O Globo do dia 13 de julho de 1942
publicou uma extensa reportagem para contar a incrível história de François Stellit, que
lutara ao lado das tropas alemãs na África do Norte, sob o comando do general Erwin
Rommel.
Stellit chegou ao Rio aprisionado num navio inglês e, pensando que estivesse na
Argentina, onde disse ter parentes, resolveu fugir atirando-se ao mar durante a
madrugada:
- Sabia que estava a caminho da América do Sul, e veio-me à lembrança o meu tio
que reside em Rosário. O Rio de Janeiro, no entanto, foi o ponto que tocamos. Pensei que
fosse Buenos Aires. A uma hora da manhã de hoje fiz uma mochila e pulei do navio.
Nadei ao léu até que amanheceu e fui encontrado - contou o francês, nascido em
Estrasburgo, na Alsácia, à reportagem de O Globo depois de ser entregue às autoridades
do - Distrito da Capital.
Stellit, que tiritava de frio, ainda usava farda de soldado, mas se dizia inocente.
Revelou que, depois de ter entrado para a Legião Estrangeira, foi forçado a lutar com os
alemães:
- Tinha apenas 18 anos quando me alistei e buscava apenas aventura. Por ordem do
Governo de Vichy, minha divisão motorizada foi incorporada à Afrika Korps. Fui
obrigado, junto com outros companheiros, a lutar contra nossos aliados franceses -
garantiu.
Stellit disse ter participado de batalhas em Derna e Tobruk:
- Enchia-nos de orgulho a resistência de Tobruk diante do cerco imposto pelos
nazistas. De longe, víamos nossos irmãos de coração. Eles não sabiam que, ali, ombro a
ombro com os alemães, éramos obrigados a esta postura inglória.
A história de Stellit, rica em detalhes, parecia despertar um certo fascínio entre os
repórteres que o ouviam com ajuda de um intérprete. Estar diante de um soldado que há
pouco estivera no front era como se transportar momentaneamente para uma trincheira do
deserto africano, sem, é claro, a desvantagem de correr o risco de ser atingido por uma
bomba:
- Certa vez - prosseguiu o francês, narrando o momento da sua captura -, os
ingleses introduziram um ponta-de-lança nas linhas nazistas. Fomos atacados pela
retaguarda.
Poucos conseguiram escapar com vida. Eu e outros companheiros caímos
prisioneiros. Foi em princípios de janeiro de 1942 e, para mim, a prisão representou a
verdadeira liberdade. Mas éramos prisioneiros de guerra. Fomos transferidos para o Cairo
e depois para o Suez. No último dia 23, fui embarcado no navio que me trouxe até aqui.
Mesmo com tantas desventuras, Stellit se dizia um homem de sorte, que escapara
ileso de uma sucessão de episódios que poderia tê-lo matado:
- Quando fui preso num deserto da Líbia, o caminhão em que estava foi
metralhado. Escapei sem levar um tiro. Antes, o canhão antitanque de cuja guarnição fazia
parte foi despedaçado. Quase todos os meus companheiros morreram. Eu não tive sequer
um arranhão. Também o trem militar que me levava prisioneiro para o Suez foi
bombardeado por aviões nazistas. Oitenta soldados morreram e eu nada sofri. Já na
viagem ao Brasil, o navio em que estava foi atacado por um submarino e novamente nada
me aconteceu.
Para encerrar, antes de ser levado para uma cela, François Stellit fez questão de
dizer o que sentia em relação ao fato de ser um soldado:
- Não sou culpado da guerra. Sou um simples cabo de infantaria. Não tenho
nenhuma responsabilidade no curso dos acontecimentos. Quero viver em paz, não lutar
mais.

exibidoOpela
espírito
cúpulaaparentemente desarmado
alemã. Pois nem mesmo osdo preparativos
soldado Stellit
paranão172
eraanem de ofensiva
grande longe o
contra Stalingrado1 impediram que Hitler se reunisse com seu almirantado para decidir
que medidas seriam adotadas em face ao novo quadro na América do Sul. O Brasil teria
que pagar ainda mais caro pela sua clara adesão aos Aliados. Uma soma de
acontecimentos irritava profundamente o Führer. o rompimento de relações diplomáticas,
a presença ostensiva de tropas norte-americanas em nosso território, os ataques a
submarinos por aviões da FAB, que recebera os primeiros aparelhos em razão do acordo
militar com os Estados Unidos, a prisão de diversos espiões, o afastamento de integrantes
do governo simpáticos ao Eixo...
Esperava-se, portanto, uma forte reação, já que uma das características da
Alemanha
simplesmentenazista era nunca
contrariada deixar
em seus de darO oepisódio
interesses. troco quando
da mortesede sentia agredida
Reinhard ou
Heydrich,
um dos homens mais prestigiados por Hitler, ocorrida nessa época, foi um exemplo
clássico disso. Considerado um dos mais perversos oficiais da SS, Heydrich tinha em seu
sombrio currículo a supervisão da "Solução Final", que exterminou milhões de judeus
durante a guerra. Em fins de maio de 1942, ele era o responsável pela repressão aos
opositores do regime nazista nos territórios ocupados. Cumpria essa tarefa na
Tchecoslováquia, país invadido pela Alemanha em 1939, quando sofreu um atentado
fatal. Estava em seu carro, acompanhado apenas pelo motorista, quando foi atingido por
uma bomba caseira lançada por um militar nativo chamado Jan Kubis, depois que a
metralhadora do companheiro Josef Gabcik emperrara. Ambos haviam sido treinados na
Inglaterra e chegaram clandestinamente ao país.
Ficando gravemente ferido, o oficial alemão morreria uma semana depois.
A retaliação do Reich foi brutal e chocou o mundo ocidental. Em 11 de junho, os
jornais brasileiros anunciavam em manchete a completa destruição da pequena Lídice,
onde Heydrich fora morto. O Jornal noticiou no alto da primeira página o que considerava
uma "ignomínia": "Arrasada a cidade e fuzilada a população masculina." 1 A decisão de
atacar Stalingrado, localizada num importante entroncamento fluvial e ferroviário que
ligava
cartadaimportantes regiões
de Hitler para minerais
tentar dobrar edefinitivamente
petrolíferas atéos
a capital Moscou,
soviéticos. foi também
Existia uma ousada
um
componente simbólico de conquistar a cidade que ostentava o nome do grande chefe
comunista soviético. A ofensiva, inicialmente, teve êxito, mas logo os alemães seriam
outra vez surpreendidos pela heróica resistência dos soviéticos.
173 Como não conseguiram prender imediatamente os autores do atentado,
agentes da Gestapo e soldados do Exército alemão executaram todos os homens da aldeia,
que, em sua maioria, eram tão-somente trabalhadores das minas carboníferas da região. Já
as mulheres foram enviadas para o campo de concentração feminino de Ravensbruck,
onde a maioria veio a morrer de tifo ou de exaustão por causa dos trabalhos forçados. As
crianças foram transferidas para "centros educacionais".
O nome do lugarejo, segundo informou O Jornal, "foi riscado de todos os registros
oficiais e as casas e construções ali existentes foram completamente destruídas".
Na terra aplainada por tratores, os alemães plantaram cevada e tudo foi
transformado em pasto. Dessa vez, ao contrário do que acontecia normalmente quando
eram cometidos crimes de guerra, a propaganda alemã não omitiu a informação. Através
da rádio nazista de Praga, fez questão de divulgar a notícia, afirmando que "a população
castigada havia cometido outras ações hostis, como manter um depósito ilegal de
munições e armamentos e uma transmissora de rádio clandestina". A intenção era
intimidar os que ainda pensavam em resistir ao domínio do Reich nos territórios
ocupados. Lídice tinha população de 1.200 pessoas e o seu desaparecimento foi
considerado "um acontecimento sem paralelo na história da ocupação alemã na Europa
continental".
Já Gabcik e Kubis, os autores do atentado contra Heydrich, depois de denunciados
por um traidor - os alemães ofereceram uma recompensa pela captura de ambos -,
percebendo que estavam cercados por uma tropa da SS, acabaram se matando. Eles
estavam escondidos em Praga.
Mesmo envolvido em várias frentes de guerra, dando uma cartada decisiva na
tentativa de conquistar Stalingrado, Hitler concordou com o envio de dez submarinos para
o Atlântico Sul, com o objetivo de retaliar o Brasil pelas últimas posições assumidas. A
frota deixara os portos da França Ocupada no início de julho, e a previsão era de que
chegasse às águas brasileiras no início de agosto.
Nessa mesma época, o Rio de Janeiro, numa espécie de prelúdio do que estava por
vir, vivia dias de completa paranóia. Mas o motivo nada tinha a ver com a guerra e sim
com a fuga de seis portadores de hanseníase da Colônia Curupaiti, em Jacarepaguá. Na
época, a ignorância e o estigma que pairavam sobre a hanseníase, ainda chamada de lepra
(o Serviço Nacional da Lepra foi criado em 1941), faziam com que os doentes causassem
verdadeiro pânico nas pessoas. Pânico alimentado por lendas de que eles usavam sinistras

capas pretas
notícias davame conta
que podiam contaminar
de que os alguém pelo
leprosos poderiam estar simples
atacandocontato visual.crianças.
e mordendo Pior: as
Pelo menos um deles foi detido após abordar uma menina de 12 anos no bairro
daTijuca. A menor contou que o homem teria dito "que já havia mordido quatro e ainda
faltavam três".2 O terror continuou quando surgiu o boato de que um dos fugitivos teria se
escondido no morro do Salgueiro:
"Verificou-se um tremendo alvoroço entre os humildes habitantes. Todos os
barracos se fecharam e seus ocupantes, munidos de paus e outros objetos contundentes,
ficaram de plantão, escondidos atrás das frágeis portas", noticiou o Diário Carioca,
enfatizando que tudo não passava de "fantasia popular".
O pesadelo real era mesmo outro e continuava a não dar trégua.
O Tamandaré, cargueiro do Lloyd de 118 metros de comprimento, singrava ao
largo de Trinidad, vindo de Recife com cargas variadas (café, fardos de tecidos,
medicamentos, areia monazítica e manganês), quando, na tarde do dia 25 de julho, se
deparou com um submarino avariado navegando na superfície. Verificada a sua rota,
foram tomadas providências para o uso da artilharia. Vários disparos foram feitos, mas o
submergível, com manobras rápidas, conseguiu fugir. Na madrugada do dia 26 de julho,
surgiu um outro submarino no caminho do Tamandaré. Era o U-66,3 do Capitão-Tenente
Friedrich Markworth, e, dessa vez, quem atirou primeiro foi o inimigo. Era uma noite
estrelada, de lua cheia, e isso pode ter contribuído para a localização do navio, que
provavelmente teve a presença informada pelo submarino que escapara.
A explosão que o torpedo lançado causou foi tão violenta que danificou três
baleeiras de bombordo, matando instantaneamente quatro 2 Diário Carioca - 16 de julho
de 1942.
3 O U-66 contabilizou 33 navios afundados em seus quatro anos de campanha
(desde 20 de março de 1940). Sua atuação nos mares foi interrompida em 6 de maio de
1944, a oeste das Ilhas de Cabo Verde, costa ocidental da África, por cargas de
profundidade e tiros de aviões torpedeiros americanos de escolta. Vinte e quatro
tripulantes do submarino morreram e 36 sobreviveram.
174 175 homens que estavam de serviço nas máquinas. Toda a tripulação
restante, além do Capitão-de-Longo-Curso, José Martins de Oliveira, e a guarnição de
canhão, utilizando as outras duas baleeiras do Tamandaré, conseguiu se salvar. Em
quarenta minutos, o navio estava afundado.
No inquérito que foi aberto no consulado brasileiro de Port of Spain, em Trinidad e
Tobago, o comandante Martins afirmou que exerceu rigorosa vigilância para que não
fosse surpreendido por um ataque. Reclamou, porém, que a falta de bons binóculos
prejudicou essa tarefa. Ele também fez críticas ao material de salvamento e ao fato de que
a tripulação era maior do que o necessário.
"A guarnição deve ser reduzida ao mínimo estritamente necessário ao serviço de
vigilância
poderia serereduzida
navegação,
parasendo que, no com
42, contando casoosdoartilheiros."4
Tamandaré,Martins
a guarnição de 52
também homens
relatou que
as ordens sobre as saídas dos navios deveriam ser transmitidas em linguagem cifrada, o
que não era usual. Ele ainda lembrou que o ideal seria que essas saídas fossem
determinadas pelo comandante, o que evitaria "a navegação em lua cheia em locais
infestados de submarinos".
Dois dias depois, em 28 de julho, com a madrugada ainda enluarada, era o
Barbacena que se via em apuros no Mar do Caribe. A embarcação do Lloyd Brasileiro,
com 119 metros de comprimento, foi atingida por dois torpedos do U-155, do
Capitão-Tenente Adolf Cornelius, que em março havia posto a pique também o Arabutan.
Três membros da tripulação e três militares que guarneciam o canhão foram mortos. com
mais esse oataque,
adiantava navio ficava evidenteNão
estar armado. que,havia
quando o fator
tempo parasurpresa
qualquerprevalecia,
reação. Nodetotal,
poucoa
tripulação do navio era composta por 58 homens. Distribuídos em três baleeiras, os
náufragos acabaram recolhidos pelos navios Tácito, argentino, e Elmdale e St. Fabian,
ingleses.
Na mesma latitude em que afundara o Barbacena, o U-155 encontraria o Piave na
tarde daquele mesmo dia 28 de julho. Eram 17h30 e o navio viajava para a refinaria de
Capirito, na Venezuela, onde receberia carga de petróleo. O submarino, depois de lançar o
primeiro torpedo, subiu à superfície disparando várias rajadas de metralhadora contra o
mercante.
Durante os procedimentos de salvamento, o capitão do navio, Renato Ferreira da
Silva, foi atingido na cabeça por uma peça do escaler e acabou morrendo.
Surpreendentemente, segundo o relato dos tripulantes, depois de fazer um interrogatório,
o comandante alemão transportou o foguista que ficara no Piave até uma das baleeiras e
entregou aos náufragos dez litros de água, três pães de centeio e uma garrafa de rum. O
U-155 era todo pintado de cinza-claro e, apesar de demonstrações de humanidade do seu
comandante, acabara de fazer a 135a vítima desde o primeiro ataque aos navios da frota
nacional, em fevereiro.
Preocupado com a insegurança crescente no Mar do Caribe, o embaixador Carlos
Martins, em 5 de agosto, enviou de Washington ao presidente Vargas notícias a respeito
da possibilidade de os navios brasileiros passarem a ser comboiados nessa região por
embarcações norteamericanas:
"Welles se manifestou consternado com a situação. Declarou que só mesmo a
estreita colaboração entre as duas marinhas, que ainda não existe, poderá modificar a
insegurança no mar. Na minha presença, telefonou para o almirante Horn, subchefe do
serviço de operações navais, solicitando informações sobre a atual organização de
comboios na região de Trinidad. Sugere que o almirante Vasconcellos tenha instruções
para entendimentos com o almirante Horn no sentido de fixar: 1) utilização de navios

brasileiros
Unidos paraem comboios
Trinidad, masjátambém
estabelecidos
da Ilhapela
paraMarinha
os portosamericana,
americanos;não
2) só dos Estados
organização de
comboios entre Trinidad e portos brasileiros nas duas direções. Esses entendimentos
adreferendum do governo brasileiro completariam acordos entre nosso Ministério da
Marinha e o almirante Irving, chefe da Esquadra do Atlântico Sul."5 Contudo, o perigo
estava muito mais próximo do que se imaginava. Aproximava-se o momento mais crítico
da guerra para o Brasil. Os ataques à nossa navegação de cabotagem estavam prestes a
acontecer.
4 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da
Marinha. Rio de Janeiro, 1985.
5 Correspondência do embaixador Carlos Martins ao presidente Vargas. Rolo 7,
fotograima 0234. CPDOC/FGV.
176 177 Harro Schacht, comandante do U-507, o submarino que torpedeou o
navio brasileiro Baependi, no'litoral do Nordeste
O fim trágico do velho vapor
A flotilha de submarinos que deixara a França Ocupada na direção do Atlântico Sul
estava orientada para uma retaliação sem precedentes. A posição do Brasil, favorável aos
Aliados, pusera abaixo a tese, endossada pelo ex-embaixador Karl Ritter, de que Getúlio
Vargas agia sob influência de Oswaldo Aranha e era pressionado por Franklin Roosevelt.
Até então, havia a ilusão - endossada por Ritter junto ao Comando Alemão - de que o
Brasil, se dependesse do seu presidente, poderia ser "recuperado".
Mas a escolha de Vargas era definitiva. Todos os seus discursos e as suas atitudes
dos últimos meses sinalizavam que a política pendular que cultivara habilmente de 1939
até fins de 1941, quando os Estados Unidos abandonaram a neutralidade, fazia parte de
um passado que, diante dos novos rumos do conflito, não tinha mais como ser revivido.
Sempre atento ao clamor das ruas - muitas vezes resultado de um trabalho político
para que se manifestasse de acordo com o que pensasse -, Getúlio percebeu que estaria
politicamente acabado se tentasse conter a onda popular que se opunha aos conceitos
pregados pelo nazifascismo. O sentimento anti-Eixo era de tal forma agudo, e se
disseminara com tamanha intensidade por todo o país, que não havia mais como voltar
atrás. Recuar estava fora de cogitação, e isso já parecia fato consumado também para os
líderes nazistas.
Em suas memórias, publicadas em 1968, Karl Dõnitz, o comandante da frota de
submarinos alemã, que morreu em 1980, aos 89 anos, revelou por que o Brasil se tornou
um inimigo em potencial:
"Nossas relações políticas com aquele país há algum tempo já vinham se
deteriorando, e as ordens emitidas pelo Alto-Comando Naval referentes à nossa atitude
para com a navegação brasileira se agravavam em correspondência. No fim de maio, o
ministro da Aeronáutica brasi- leiro (Salgado Filho) anunciou que um avião tinha atacado
submarinos do Eixo e continuaria a fazê-lo. Sem nenhuma declaração de guerra formal,
achamo-nos assim num estado de guerra com o Brasil." Havia, também, um antigo desejo
de ocupação do Brasil por parte do Führer, que, àquela altura, estando frustrado,
exacerbaria a agressão desproporcional e punitiva que estava por ser desencadeada. Num
dos capítulos do livro Hitler ma dit (Hitler me disse), escrito por um dos seus mais íntimos
colaboradores - o ex-oficial prussiano Hermann Rauschning, que combatera na Primeira
Guerra e, em 1932, se filiara ao Partido Nacional-Socialista -, está reproduzida uma
conversa dele com o ditador, ocorrida em 1934, da qual participou também um convidado
que acabara de chegar da América do Sul. Nela, se comprovava que os planos de Hitler de
estender os seus domínios até a América Latina, e especialmente ao Brasil, eram reais e
para lá de ambiciosos.
"O Brasil me interessa, particularmente. Lá, edificaremos uma nova Alemanha. Ali
se acham reunidas todas as condições para uma revolução que permitiria transformar em
alguns anos um estado governado e habitado por mestiços corrompidos numa possessão
germânica. De resto, nós temos direitos sobre esse continente onde os Fagger, os Welser e
outros pioneiros alemães possuem herdades e feitorias. Nosso dever é reconstituir esses
velhos patrimônios que uma Alemanha degenerada deixou se dispersarem." Diante da
observação do convidado de que a Alemanha teria boas chances de impor seu poder,
Hitler afirmou:
"Os brasileiros precisam de nós, se quiserem fazer alguma coisa por seu país. O que
lhes
talentofalta não é tanto Nós
de organização. capital para ainda
daremos frutificar,
uma porém
terceiraocoisa:
espírito de empreendimento
nossas idéias políticas. See
há um continente onde a democracia é uma insanidade, esse é a América Latina (...)
Trata-se convencer esses povos de que eles podem sem escrúpulos lançar por terra o seu
liberalismo e seu democratismo (...) Eles ainda têm vergonha de ostentar seus bons
instintos. Crêem-se obrigados a interpretar a farsa democrática. Além disso, o Brasil já
começa a ter bastante dos Estados Unidos, que não sonham em outra coisa senão em
explorar o país."1 1 O livro escrito por Hermann Rauschning chegou a vender cerca de 2
mil exemplares só no Rio de Janeiro. Logo se percebeu o quanto o seu conteúdo era
agressivo ao Brasil.
Imediatamente, foi proibido, e a Polícia Política chegou a fazer buscas nas
principais livrarias
livraria Victor 180do centro da cidade.
Inconformado comVinte e dois
o fato de volumes foram apreendidos.
não ter conseguido dobrar oDois na
Brasil
como pretendia, Hitler, em 4 de julho, aprovou um plano do Alto-Comando Naval no qual
os portos de Santos, Rio de Janeiro, Salvador e Recife seriam penetrados furtivamente
tarde da noite. Instalações e embarcações ancoradas seriam torpedeadas e os acessos
minados, o que aumentaria os sérios problemas de abastecimentos do país. Sem contar
com os ptejuízos materiais.
Receoso de que essa agressão arrastasse todo o continente sul-americano para a
guerra, Hitler, aconselhado pelo ministro das Relações Exteriores do Reich, Joachim von
Ribbentrop, decidiu abortar o plano. As novas ordens eram para que apenas o U-507
prosseguisse na missão, mas se limitando a atacar, "em manobras livres", a navegação
costeira.2 Os demais submarinos se ocupariam de outras operações pela região.
Esse vivo interesse de Hitler pelo Brasil era, de certo modo, correspondido. No dia
12 daquele que seria, verdadeiramente, um fatídico mês de agosto, estreava com grande
interesse do público, no Vitória, São Luiz, Carioca e Ipanema, O Grande Ditador,
obra-prima de Charles Chaplin inspirada na personalidade megalomaníaca do líder
nazista, e que entraria para a história como uma das mais contundentes mensagens de
condenação à guerra produzidas pelo cinema.
"O que nos parece apenas uma tese anti-nazista não é mais do que uma sátira forte e
veemente contrária aos regimes ditatoriais que outta coisa não têm feito senão derramar
sangue e lágrimas", dizia a resenha do Diário Carioca, que trazia, na edição do dia 9 de
agosto, a cobettura da pré-estréia do filme, assistida, entre outros, por figuras
proeminentes do rádio como Renato Murce, Jorge Murad e Jayme Costa.
O U-507 do Capitão-de-Corveta Harro Schacht já então penetrara em águas
territoriais brasileiras. Estava pronto para atacar, e credenciais para isso não lhe faltavam.
Desde que saíra da linha de montagem dos estaleiros de Hamburgo, em 11 de
setembro de 1940, o U-boat na Cinelândia (em francês); nove na livraria Cosmo, na rua
do Rosário 137 (em inglês); e 11 na avenida Rio Branco 157 (em espanhol). Os trechos
principais foram traduzidos para o português. Todo o material faz parte do acervo do
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Setor Alemão. Pasta 10. Caixa 0755.
2 Essa estratégia de ataque do Alto-Comando Naval de Hitler foi confirmada pelo
professor alemão Jürgen Rohwer, da Biblioteca de Estudos Contemporâneos de Stuttgart,
em conferência pronunciada na Escola de Guerra Naval Brasileira em 28 de março de
1982.
181 nazista contabilizara o afundamento de 18 navios aliados no Atlântico
Norte. Schacht também tinha um currículo respeitável. Casado, 35 anos, com residência
fixa em Hamburgo, começara a carreira naval, em 1926, antes de completar 19 anos. Ele

serviu pordomuito
gabinete tempo
Comando da nos cruzadores
Marinha Emden
do Reich. Em 10 e Nürnberg,
de outubro até ser deslocado
de 1940, para oa
foi promovido
Capitão-de-Corveta e logo assumiu as operações do U-507.
Sabendo dos perigos em alto-mar, a direção do Lloyd havia decidido que as
embarcações da companhia não deveriam se afastar da costa. Tanto que a primeira vítima
do U-507, o moroso Baependi? estava a apenas 20 milhas do Rio Real, no litoral
sergipano. Vinha do Rio de Janeiro e, depois de uma escala em Salvador, no entardecer do
dia 15 de agosto, foi avistado por Schacht. Desarmado e com as luzes de navegação
apagadas, o Baependi singrava as agitadas águas do litoral nordestino a uma velocidade
de 9 nós (16,6 km/h), num local em que a profundidade era de aproximadamente 40
metros. Como estava sendo comemorado o aniversário do imediato Antônio Diogo de
Queiroz, o salão do velho vapor estava repleto. Além do comandante de longo-curso, João
Soares da Silva, oficiais e alguns passageiros participavam da festa.
Do lado de fora, sob o toldo do convés, soldados cantavam e batucavam
alegremente. Eram homens do 7S Grupo de Artilharia de Dorso a caminho de Recife.
com o primeiro torpedo acertando em cheio o Baependi, não demorou para o
pânico tomar conta de todos a bordo. Foram 300 kg de explosivos - suficientes para fazer
soçobrar um navio de guerra - que atingiram a casa das caldeiras. Um segundo torpedo foi
lançado em seguida justamente contra os tanques de óleo combustível. Simultaneamente
ao grande estampido, houve uma explosão, que fez destapar a escotilha do porão 2, de
onde passaram a sair imensas labaredas que subiam até quase o topo do mastro.
com isso, o navio se incendiou, submergindo rapidamente. Todo adernado a
boreste, lado pelo qual foi 3 Construído em 1899 pelo estaleiro Blohm & Voss, em
Hamburgo, na Alemanha, o Baependi (ex-Tyuca) foi um dos 45 navios que se
encontravam em nossos portos e que foram apresados pelo governo brasileiro, em 1917,
durante a Primeira Guerra Mundial. A decisão foi tomada pelo presidente Venceslau Brás,
em is de junho, depois que navios nacionais foram torpedeados pelos alemães - o Paraná,

em 5 de
1922, o abril, no litoral
Baependi da França; eà ofrota
foi incorporado Lapa,doemLloyd
22 deBrasileiro,
maio, a oeste de Gibraltar.
a mais importanteEm
companhia de navegação do país.
agredido, o vapor afundou junto com a maioria dos que estavam a bordo e com
praticamente todas as baleeiras.
A noite fria e enevoada, sem qualquer estrela visível no céu, que compunha o
cenário do torpedeamento do Baependi, ficou para sempre marcada na memória do oficial
de artilharia do Exército brasileiro, o capitão Lauro Moutinho dos Reis. A alegria de
muitos dos seus companheiros na popa do navio "tocando pandeiros, batendo palmas e
cantando sambas vindos dos morros cariocas" em nada sugeria a tragédia que se abateu
sobre todos.
"Eram por volta das 19 horas quando, de súbito, um tremendo estampido sacudiu
violentamente o velho vapor. Era o início de um grande martírio", lembrou o oficial.
Segundo Lauro Moutinho, as conseqüências foram imediatas. Vidraças se partiram
e o rangido do madeiramento trouxe a certeza de que algo gravíssimo ocorrera. Estilhaços
de vidro, pedaços de madeira e a prataria da refeição recém-acabada atravessaram como
lanças o salão. Tombaram as primeiras vítimas, e muitos tinham o rosto coberto de
sangue:
"As máquinas pararam e o navio alterou o rumo abruptamente. Fomos jogados com
força para frente. Num primeiro momento, todos ficaram imóveis de espanto, com a
respiração suspensa, as fisionomias pálidas e angustiadas." Apesar do quadro de horror
que se produzia, "não houve desespero e percebia-se em cada um o esforço para entender
o que ocorria".
No entanto, os gritos de pânico, inicialmente abafados, logo passaram a ecoar por
todos os lados. Não havia como pensar em outro motivo para aquela tragédia. As notícias
de torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães há muito haviam se
tornado rotina nos grandes jornais. Desde fevereiro, nada menos que 13 haviam sido
afundados. E, de novo, o pior acontecera. O Baependi começava a adernar.
Lauro Moutinho contou que enquanto alguns "corriam em disparada à procura de
coletes salva-vidas", outros, sobretudo crianças e mulheres, permaneciam imóveis,
atônitos, "como se esperassem que a providência divina os salvasse". Rapidamente, se
acelerou o vaivém desesperado em busca de salvamento. O tumulto era completo e a
tripulação, impotente, também se descontrolava. Já não se conseguia andar normalmente -
somente escorando-se nas paredes.
Os que estavam nos camarotes inferiores seriam as próximas vítimas, pois do modo
que a embarcação inclinava não seria possível voltar de lá.
Um grupo de passageiros, inclusive o capitão Lauro Moutinho, teve mais sorte ao
encontrar a escada que dava acesso ao convés. Era a chance de alcançar as baleeiras.
com a ajuda dos corrimãos, chocando-se com os que desciam à procura de
familiares, eles subiram apressadamente.
Foi quando um segundo torpedo atingiu em cheio o navio, despedaçando de vez
sua estrutura. "O corrimão ao qual me segurava ficou em frangalhos. Rolei as escadas, de
costas, aos trambolhões", relatou Moutinho.
O intervalo entre os dois disparos, conforme narrou o militar, não chegara a um
minuto, o que infringia as leis de uma guerra que deveria estar bem longe dali. Mas o front
repentinamente tomara de assalto o Baependi e o quadro era bem parecido com o de uma
batalha. A densa cortina de fumaça que se formara e o "cheiro enjoativo proveniente das
explosões" faziam com que o navio mais parecesse uma trincheira.
Passageiros e tripulantes, aturdidos e sem qualquer sentido de direção, trombavam
uns nos outros. Apesar disso, a escalada de quem buscava o convés foi retomada.
"Havia uma grande escuridão. Tateando, com grande esforço, consegui agarrar-me
à escada. Segurando-me nas suas saliências, fui subindo devagar. com dificuldade,
distingui no alto o contorno de uma porta. Ultrapassá-la seria a minha única chance de
sobrevivência", recordou Lauro.
O vapor, tombado de lado, já adernava dramaticamente. Continuar dentro dele
significava ir também para o fundo do oceano.
Os poucos que chegaram ao convés se defrontaram finalmente com uma baleeira.
Breve alívio. Já encharcados pela água gelada que as lufadas de vento traziam do mar, os
marinheiros
embarcações não tiveram"Não
salva-vidas. tempo de desatar
trocamos os cabos
uma palavra. emaranhados
Cheguei nos turcos
a tentar ajudá-los das
a soltar
as cordas, mas foi tudo inútil", disse Lauro.
Em questão de minutos, se ouviria o derradeiro apito do Baependi. Era como um
grito de despedida; pungente e agonizante. Ondas volumosas engoliam a embarcação.
Não restava outra alternativa senão pular do navio prestes a naufragar:
"Senti que afundamos arrastados pelo navio. Mesmo assim, não perdi o raciocínio,
nem me deixei dominar pelo desespero. Quantos metros? Nem sei! Sentia nos ouvidos o
barulho característico das bolhas de ar, numa escala cromática extravagante que ia
crescendo do grave 184 para o agudo, à medida que se aprofundavam as águas. A falta
de fôlego já me torturava, começava a engolir água." Sem grande esforço, mesmo
chocando-se com cargas do navio, Lauro foi trazido pelo repuxo de volta à superfície.
Penosamente, com o ar se esvaindo, ele chegou à tona, "com tanta força que saí com o
tronco para fora d'água, tal o repuxo", declarou.
O Baependi já não podia ser visto. Desaparecera como se nunca tivesse existido.
Desde que fora torpedeado não mais que três minutos se passaram, e o panorama daquele
momento não era menos estarrecedor. O mar encapelado estava repleto de escombros.
Pedaços
apoiando-sede mutuamente,
madeira voavam, impulsionados
os náufragos pelo vento por
pediam inutilmente sibilante.
socorro.Em desespero,
"Ouvia gritos
terríveis, angustiosos. Eram homens, mulheres e crianças que se afogavam em torno de
mim", relembrou Lauro.
Alguns mais resistentes conseguiram nadar até os destroços que flutuavam por
perto. E se agarravam a eles com o máximo de firmeza, tentando evitar que o impacto das
ondas os arrancasse de suas mãos. Bóias de iluminação, que se acendiam ao contato com a
água, davam um tom avermelhado ao mar, realçando cenas de imensa aflição.
Toda essa angústia se transformou em revolta quando Lauro Moutinho se elevou
no mar conduzido por um vagalhão. Apesar da água salgada turvando-lhe a visão, pôde
perceber um projetor lançando seu feixe de luz sobre o local do afundamento. Fixando
bem o olhar, viu a silhueta próxima do algoz do Baependi: o submarino nazista U-507 do
comandante Harro Schacht, que, por ironia, residia em Hamburgo, cidade de srcem do
navio que acabara de atacar.
Estava imóvel, provavelmente certificando-se dos efeitos devastadores da sua
missão. Afundando numa nova vaga, Lauro, diante da luta para sobreviver,
momentaneamente, se esqueceria daquela imagem. Foi quando achou uma tábua com
aberturas que pareciam janelas. Exaurido, deitou-se na prancha improvisada e se acalmou.
Não longe dali, ouviu gemidos.
"Não posso mais, vou desistir", murmurou um náufrago.
Solidário, Lauro lhe transmitiu ânimo, sugeriu que se agarrasse ao escombro. com
muita dificuldade,
madeira. dando braçadas
Era um tripulante descoordenadas,
do Baependi. Não houveele nemconseguiu alcançar
tempo para o pedaço de
demonstrações de
gratidão. O esforço para superar as ondas continuava. O vento intenso dispersara os
náufragos e agora os 185 pedidos de socorro ficavam cada vez mais distantes. Gritos
sufocados que a correnteza levava para longe. O rumo dos dois homens era incerto e a
noite cerrada trazia uma sensação indescritível de abandono. Podiam estar avançando
oceano adentro, ou sendo arrastados na direção da costa.
Foi quando viram, embora à distância, bóias de sinalização iluminando uma
baleeira do navio. Para serem notados, o jeito foi gritar "com todas as forças dos nossos
pulmões". A embarcação de salvamento, arrancada dos turcos pelo impacto do primeiro
torpedo, logo se aproximou:
"Lançaram-nos uma bóia presa a uma corda. Fomos içados a bordo, onde encontrei
dois tenentes, dois sargentos e três soldados da minha unidade. Abraçamo-nos
comovidamente, mas poucas palavras trocamos. Pensamos na sorte dos nossos
camaradas, e não nos conformávamos com a idéia de que éramos os únicos
sobreviventes." O estado de espírito melhorou com o recolhimento de mais alguns
náufragos. Estavam a salvo até aquele momento 27 homens e uma jovem, que, no instante

da explosão,
agarrada a umcorajosamente, não hesitou
pequeno destroço, até ser em jogar-seAaoquestão
recolhida. mar, nadando,
agora eradurante
definiruma
parahora,
que
lado remar. Em que direção ficaria o continente? A noite enfarruscada dificultava a
decisão. A única bússola disponível era inútil. Não se enxergava um palmo além do nariz.
Por sorte, um tripulante, com bom conhecimento náutico, decidiu que rumo tomar: "O
vento está soprando na direção da terra. Vamos segui-lo." Estar numa baleeira era
reconfortante. Mas os incômodos eram muitos. Sede, enjôo e ferimentos, que
praticamente todos tinham depois da árdua batalha para deixar o Baependi. "Só então
notei que estava ferido. O sangue jorrava abundantemente do meu rosto, e, levando a mão
à face direita, percebi que havia sofrido uma fratura.
Mas não sentia nenhuma dor", relembrou Lauro Moutinho.

O frio
cada vez intenso,
mais no entanto,
cortante. era impossível
O mar bravio tambémnãonãosentir.
dava Era aindaUma
trégua. agravado pelo vento
onda mais forte
acabou atingindo em cheio o pequeno barco, abrindo um buraco na proa. O perigo de
adernar tornou-se iminente e os homens trataram de enfiar blusões e camisas na fenda
lascada da baleeira, além de baldear a água que não parava de entrar. Foi quando se
avistou um navio. Pela distância, não seria possível alcançálo. Cerca de uma hora depois,
ouviu-se um estrondo seco. Em seguida, formou-se um imenso clarão. Só mais tarde se
soube o que ocorrera: o navio Araraquara também sofrera um ataque do U-507.
Sem referências, perdidos no meio da noite, Lauro e os demais náufragos seguiam
ao sabor dos ventos na esperança de alcançar o continente. Em movimentos ritmados, sem
esmorecer, revezavam-se nos remos e no trabalho com os baldes. Até que as primeiras
luzesmilhas,
duas do alvorecer trouxeram
uma linha branca um grande alento:
no horizonte. já seextensa
Era uma podia faixa
enxergar, a pouco
de areia mais
de uma de
praia.
A perspectiva de pisar em terra firme fez com que todos se abraçassem.
Muitos, tomados pela emoção, choravam. A arrebentação estava quase sendo
vencida. Uns instantes mais e aquele calvário terminaria.
Mas, à euforia trazida pelo desembarque, seguiu-se um clima de apreensão. Apesar
da beleza do lugar, o ambiente era inóspito, desabitado. Condições que tornavam
torturante a caminhada pela praia deserta. Estavam todos extenuados, e ultrapassar as
longas dunas que se apresentavam era mais um desafio a enfrentar. Logo, o abrasador sol
nordestino se imporia, escaldando os pés dos náufragos na areia quente e aumentando a
sensação de sede e cansaço. Sofrimento que só se atenuou quando o grupo se deparou com
uma pequena cabana abandonada, onde encontrou sombra e uma jarra com um pouco de
água.
Mas isso não foi suficiente para reabilitar os náufragos. O estado deles era
deplorável. com as pernas trêmulas, não se agüentavam; cambaleavam, pareciam não
suportar mais andar. De repente, numa picada que daria num modesto povoado chamado
Canoas, encontraram diversos cocos-da-baía. A água, dessa vez farta e saborosa, trouxe
mais ânimo por
atordoados para tanta
seguirdesventura,
a trilha até onão
lugarejo próximo.
perceberam queAoestavam
chegaremseminus.
ao seu destino,
Assim,
espantados, viram portas e janelas dos moradores locais se fecharem. "Estávamos tão
embrutecidos que nos custou compreender que a nossa nudez quase total ofendera o pudor
da gente da terra", relembrou Lauro.
Um deles, um pouco mais vestido, foi enviado para explicar o que ocorrera, de
onde vinham. Só então receberam roupas e alimentação. Renovados pela acolhida,
continuaram a jornada, de Canoas até Estância, cidade histórica de grandes casarões
coloniais, fundada em 1848.
Lá, souberam que mais oito náufragos do Baependi, quase mortos, aportaram na
praia agarrados a destroços. Trinta e seis sobreviventes. Foi o que restou das 306 pessoas
que embarcaram no navio. Eram muitas histórias. Uma delas, contada por um médico
sobrevivente, dizia 186 187 respeito ao drama de um certo tenente Assunção, que, ao
atirar-se ao mar, antes de ser tragado no rastro do Baependi, gritou:
"Viva o Brasil!"4 Esse era um brado que logo tomaria conta do país. A intenção
deliberada do U-507 de não só afundar o navio como também de provocar o maior
número de vítimas possível foi inevitavelmente interpretada como um ato de covardia, o
que exacerbou o sentimento patriótico da população. Em geral, os comandantes agiam
com mais humanidade, dentro do conceito de "mínima eficiência", disparando um
segundo tiro só depois que passageiros e tripulação estivessem nas baleeiras. Do modo
como agiu, Schacht impediu o procedimento adequado de salvamento, que poderia ter
minimizado a tragédia.
Estava configurado crime de guerra, que resultou numa verdadeira hecatombe, da
qual sobreviveram apenas 18 passageiros e 18 tripulantes. Os depoimentos se sucediam e
tinham, inevitavelmente, um ponto em comum: a surpresa do torpedeamento:
"Tinha acabado de jantar. Estava na sala de música. Ao som de uma valsa, nem
sequer pensava em guerra e muito menos na hipótese absurda de um ataque. Eis que, de
súbito, uma explosão surda e forte sacudiu o navio, que começou imediatamente a
adernar",5 disse o médico Viterbo de Oliveira, que, conseguindo chegar ao convés,
atirou-se ao mar. Depois de nadar agarrado a uma tábua por 15 minutos, finalmente
alcançou a única baleeira que chegou à costa.
Outro náufrago, o funcionário do Ministério da Educação e da Saúde, Zamir de
Oliveira, irmão de Viterbo, contou os momentos dramáticos que viveu:
"Enquanto estava boiando, ouvi um grande estrondo, acompanhado de um clarão.
Era a balsa Cecília, também do Baependi, que tinha sido atingida em cheio pelo
submarino.
Ela afundou com toda a tripulação, entre gritos de dor e desespero. Nesta hora, senti
minhas forças 4 Relato baseado no depoimento do capitão Lauro Moutinho dos Reis,
publicado em 1948 no livro Seleções e Seleções, coletânea de artigos da revista Seleções
do Reader's
Tribunal DigestO(reproduzido
Marítimo. do Baependi no sitenúmero
é o de brasilmergulho.com.br
668). e nos processos do
5 A Manhã - 19 de agosto de 1942.
fugirem e, por pouco, não me desgrudei da tábua que me mantinha na
superfície."6 Entre os poucos sobreviventes que chegaram ao litoral agarrados a destroços
estava Adolfo Artur Kern, o chefe de máquinas do navio. Ao deixar o Baependi, ele
contou que permaneceu por cerca de meia hora flutuando no mar agitado, "em meio a
outros náufragos e às chamas produzidas pelo óleo que entornara com o movimento
lateral do Baependi. A salvação foi ter vindo em sua direção, arrastado pela correnteza,
um pedaço da armação do toldo do passadiço. Era uma espécie de prancha de cerca de
quatro metros quadrados, sobre a qual o chefe de máquinas vagou por meia hora até
"ouvir gritos por perto". Passado algum tempo, narrou ele, "vi um indivíduo na água, meio
enregelado. Era um soldado. Ajudei-o a subir na tábua e ali ficamos". Transcorrido não
muito tempo, foi ouvido mais um grito, "sem que se pudesse determinar de onde partia,
pois a noite estava fechada". Poucos instantes depois, ele avistou um volume constituído
por dois colchões. "Nele se havia recolhido um terceiro náufrago, que era o enfermeiro de
bordo", recordou Kern. Os três seguiram pelo restante da noite ao sabor das ondas, que
"por sorte eram favoráveis, indo na direção da praia, onde chegamos na segunda-feira,
quase ao clarear do dia, nas mais lamentáveis condições físicas",7 relatou Adolfo Kern.
Na relação dos mortos do Baependi estavam o comandante João Soares da Silva, o
imediato Antônio Diogo de Queiroz, o médico do navio, um piloto, cinco maquinistas, um
radiotelegrafista e dois comissários. A tragédia do Baependi foi a maior entre todas as que
se abateram
outro sobre os houve
torpedeamento naviostantas
brasileiros durante a Segunda Guerra Mundial. Em nenhum
vítimas.
Apesar da dimensão dessa tragédia, nenhum dos sobreviventes ainda poderia
imaginar a repercussão daquele torpedeamento. O desaparecimento do Baependi era o
ponto culminante de uma intrincada sucessão de episódios iniciados, exatamente sete
meses antes, na tarde quente de verão, durante os trabalhos da Conferência dos
Chanceleres.
O pior é que a caçada do comandante Schacht estava apenas começando. Ao
Baependi logo se juntariam outros navios com o mesmo destino.
6 Idem 1 Revista da Segunda Guerra Mundial - Brasil Enfrenta a Agressão. Codex,
1966.
189 O Aníbal Benévolo e o Araraquara: navios torpedeados na costa nordestina
O comandante Henrique Jaques Mascarenhas Silveira:
um dos quatro sobreviventes do afundamento do Aníbal Benévolo O massacre
não terá fim Na mesma rota do Baependi, naquele sombrio 15 de agosto, seguia o
Araraquara, vapor do Lloyd comandado pelo Capitão-de-Longo -Curso Lauro Augusto
Teixeira de Freitas.
Sua tripulação era composta por 74 pessoas e levava 68 passageiros. Eram 21h15
quando Schacht o divisou, tomando providências imediatas para um novo ataque. Dois
torpedos seguidos fizeram com que o navio afundasse em cinco minutos.
Como acontecera com o Baependi, o rápido naufrágio do Araraquara não permitiu
que fossem usados os equipamentos de salvamento. Contribuiu para isso o fato de a maior
parte dos passageiros e tripulação já estar recolhida nos camarotes. Morreram o
comandante Lauro Augusto, o imediato, seis oficiais, 58 tripulantes e 65 passageiros (131
vítimas). Só três passageiros e oito tripulantes se salvaram.
Um deles foi o is piloto, Hamilton Fernandes. Seu depoimento foi impressionante,
pois ele presenciou, no destroço em que conseguiu se salvar, dois homens, traumatizados

pelo torpedeamento, se jogarem


Fernandes contou ao mar
que estava depoisno
dormindo de momento
um acessododeataque.
loucura.
Foi acordado pelo
estremecimento do navio, precedido do forte estampido. Logo apareceu o comandante
perguntando ao oficial de quarto: "O que foi isso?" Nervoso, o oficial, "como se tivesse
perdido a fala", nada respondia. Já percebendo o que ocorrera, o is piloto disse ao
comandante: "Fomos torpedeados e estamos submergindo." Seguiu-se a voz de comando
para que todos colocassem os salvavidas e corressem às baleeiras. Mas com a rápida
inclinação do Araraquara, os escaleres caíram no mar sem que pudessem ser utilizados.
Um outro acabou destruído com a queda de um toldo sobre sua base. com o navio
praticamente adernado, sem baleeiras disponíveis, Fernandes gritou para os passageiros
em desespero "que se salvassem como pudessem". Depois, deslizou pelo costado do navio
até a quilha e lançou-se ao mar. "Ventava muito e as águas estavam bem agitadas", narrou,
observando ainda que "a escuridão era quase completa". Assim, Fernandes mal podia
enxergar quem estava por perto. Apenas conseguiu reconhecer o 3o maquinista.
"Nadei um pouco e quando me virei percebi que o navio ia desaparecendo."
Alcançado em seguida por uma onda, agarrou-se a destroços da carga do navio, que
também se chocavam contra ele. "Passou, então, boiando, um pedaço do toldo do
botequim, e foi aí que pude realmente me firmar, evitando que o mar me tragasse." Pouco
depois, recolheu um companheiro que se achava próximo. "Era o 3o maquinista,
Eroghildes Bruno de Barros." E logo depois "o moço de convés, de nome Esmerino Elias
Siqueira, e o 2o tenente, que, mais tarde, disse chamar-se Oswaldo Costa".
Àquela altura, já não cabia mais ninguém na tábua improvisada de escaler. O mar
furioso arrastava os náufragos violentamente. "O moço de convés e o tenente pareciam
desanimados. Clareando o dia, entretanto, melhoraram o estado de espírito. Eu recolhia o
que podia do mar para fazer lastro, pois a água já atingia nossos joelhos.
Estávamos de pé e sentíamos muita fome e sede." Foi quando Fernandes se
surpreendeu com um estranho pedido: "O moço de bordo pediu que eu lhe desse café.
Percebendo que não estava no seu juízo perfeito, procurei acalmá-lo, fazendo ver que era
impossível atendê-lo." Mas o rapaz reagiu dizendo que "ouvira bater a tampa, e, pois,
estava na em
passou-a horasua
de cabeça
tomar café com pão".
pedindo Molhando
que tentasse a mão na
descansar. água "Ele
Inútil: salgada, Fernandes
levantou-se e,
possesso, tentou agarrar a garganta do tenente, que se achava inerte. Então, eu e o
maquinista, empregando a força, o afastamos." Nesse instante, o rapaz apenas disse: "Já
que não querem me dar comida, vou-me embora." E atirou-se ao mar.
192 A confusão fez com que o tenente despertasse de sua letargia. "Onde está
Nelson?", perguntou com o ar perdido, sem esclarecer de quem se tratava. Em seguida,
repentinamente, também se lançou ao mar. Fernandes agarrou-o pelas botinas e, com
muito esforço, conseguiu traze-lo de volta à tábua. "Censurando sua atitude, pedi que
tivesse tranqüilidade." Isso, contudo, de nada adiantou. Mostrando que delirava de
loucura, fato comum em situações-limite semelhantes àquela, o tenente apenas afirmou
que "ia tentado
tivesse para casa" e voltou
salvar a mergulhar.
novamente, a tábuaDessa vez,
poderia Fernandes
virar nada pôde
e morreríamos fazer:Foram
todos."1 "Se o
momentos dramáticos de um ataque que ninguém esperava. Ainda não era o bastante. Nas
horas seguintes daquela noite fria e de mar revolto, o U-507 prosseguiu sua caçada.
No meio da madrugada, às 4h05 do dia 16, Schacht encontraria outro alvo para seus
torpedos. O Aníbal Benévolo navegava nas imediações, segundo o comandante do navio,
o Capitão-de-Longo-Curso Henrique Jaques Mascarenhas Silveira, "com as luzes dos
salões e camarotes apagadas, conservando-se apenas acesos os faróis de navegação".
Exceto por uns poucos tripulantes de plantão, todos dormiam a bordo. O vapor
seguia para o porto de Aracaju, a apenas 7 milhas náuticas do litoral, o que não impediu
um novo ataque implacável do submarino alemão. Todos os 83 passageiros foram mortos,
entre os quais 16 crianças. Só quatro dos 71 tripulantes sobreviveram. O comandante
Henrique Jaques foi um deles e, corajosamente, logo estava de volta à zona de guerra num
outro navio.
"Quando ouvi um forte estampido abafado, me encontrava no passadiço, assim
como o imediato. Este, percebendo que o navio afundava, dirigiu-se para a casa do leme,
onde pôs a funcionar o alarme, enquanto eu tentava arriar uma das baleeiras salva-vidas",
lembrou Henrique Jaques, que se impressionou com a rapidez com que o navio afundou.
Revista da Segunda Guerra Mundial - Brasil Enfrenta a Agressão. Codex, 1966.
193 "Logo fui lançado na água descendo a uma profundidade que calculo em 10
metros", lembrou.
com muita dificuldade, nadando em desespero, o comandante conseguiu chegar à
tona, onde, "mesmo na escuridão reinante", encontrou um tambor para se apoiar. Pouco
depois, viu uma das quatro balsas que o navio possuía. Nela, conseguiu se acomodar até o
dia clarear, "sempre perscrutando em volta na ânsia de descobrir algum outro náufrago a
quem pudesse auxiliar". Mas ao redor, segundo ele, "só vagavam destroços". Deprimido,
ele remo ia a lembrança do seu imediato correndo para a casa do leme para fazer funcionar

o alarme,
Na ebalsa,
de lá,por
provavelmente, não tendo
mais que tentasse ouvirmais
algo tempo de retornar.
que sugerisse a presença de náufragos,
Jacques apenas escutava "o marulho das vagas":
"Dali a pouco, porém, avistei dois tripulantes que pude salvar."2 Somente um outro
tripulante, que chegou à costa milagrosamente agarrado a um destroço, sobreviveu a mais
aquela tragédia. Somando os naufrágios do Baependi, do Araraquara e do Aníbal
Benévolo, o U-507, num intervalo de menos de 12 horas, havia causado a morte de 551
brasileiros.
Uma informação fez com que surgissem suspeitas de sabotagem de agentes do
Eixo. Três dos navios torpedeados acabaram ficando retidos no porto de Salvador por
causa de um acidente na rede de abastecimento de água. Isso fez com que tivessem a
partida retardada, resultando no seu agrupamento, o que poderia ter sido provocado
propositalmente para que fossem alcançados pelo U-507. Nada, porém, foi provado.
com ou sem a ajuda da quinta-coluna, que, mesmo com os recentes golpes, aqui e
ali ainda poderia estar agindo no Brasil, Schacht rumou na direção sul. Lá, pretendia
interceptar os navios que chegassem a Salvador e os que deixassem seu porto para a
navegação costeira ou em alto-mar.
No dia 17, já na altura do Farol do Morro de São Paulo, a 30 milhas do litoral
baiano, o U-507 se deparou com o Itagiba, da Companhia de Navegação Costeira, que
havia zarpado do Cais do Porto do Rio 2 Revista da Segunda Guerra Mundial - Brasil
Enfrenta a Agressão. Codex, 1966.

de Janeiro mas
de passageiros, quatros diasjáantes.
isso não Era um barco eminentemente
importava. Sem pensar duasusadovezes,
para transporte
Schacht
imediatamente o torpedeou. O estrago foi grande, mas não tanto quanto nos afundamentos
na costa sergipana. O comandante José Ricardo Nunes e todos os seus oficiais se
salvaram.
Contudo, de um total de 181 passageiros, 36 acabaram morrendo.
Mesmo com a informação dos ataques nos dias anteriores, permitiu-se que largasse
do porto de Salvador o Arará, um barco de 1 .050 toneladas, abarrotado de sucata, sob o
comando do Capitão-de-Longo-Curso José Coelho Gomes. Nas imediações do seu trajeto
estavam muitos náufragos do Itagiba, que foram resgatados sem hesitação.
No meio desse procedimento, o Arará acabou também sendo atingido por um
torpedo do U-507. O barco afundou inapelavelmente levando consigo muitos dos que
havia acabado de salvar. Vinte dos seus 35 tripulantes morreram. Uma hora depois,
passava pelo local o iate Aragipe, que, provavelmente por não ter sido visto, não foi
molestado pelo U-507.
Só com o aparecimento do cruzador Rio Grande do Sul, do Capi- tão-de-Fragata
Jerônimo
submarinoFrancisco
alemão seGonçalves, e porisso,
afastou. com causa da náufragos
159 presença de
dosaviões
dois de patrulha,
navios é quesero
puderam
recolhidos do mar. O saveiro Deus do Mar, do mestre Guilherme Batista, também ajudou
nessa tarefa. Mais tarde, um navio sueco foi atacado por um torpedo do U- 507 que não
explodiu. O comandante Schacht parecia insaciável e somente deixou a área depois que
foi obrigado a vir à superfície porque o submarino apresentou um problema de
revestimento na porta do tubo dos torpedos. Um avião norte-americano o atacou, mas
houve reação com tiros de canhão. Mesmo tendo, em seguida, um problema de vazamento
na câmara de submersão, que foi reparado, o U-boat nazista fez a sua última vítima - num
ataque que só comprovou o quanto era indiscriminada sua estratégia.
com cargas de detonação, na manhã do dia 19, a 10 milhas da Barra do Itariri, pôs a
pique a barcaça
tão-somente Jacira,
piaçava, do emestre
garrafas Norberto
peças de Hilário
caminhão. dos Santos,
Já bastava que transportava
para Schacht, que, perce-
Ibendo que poderia ser localizado a qualquer momento, deu por terminada sua operação.
195 Os sobreviventes dos naufrágios na costa baiana foram atendidos nos
hospitais de Valença. Eles pareciam ter necessidade de exorcizar os momentos de horror
vividos contando os detalhes dos ataques. O médico Hélio Veloso narrou o naufrágio
desde o primeiro instante: "A bordo ninguém suspeitava, nem de leve, que estivéssemos
prestes a sofrer qualquer agressão. O ataque verificou-se quando a terra já estava à nossa
vista, à altura do Morro de São Paulo. O Itagiba foi colhido em cheio pelo torpedo, cuja
explosão fez voar destroços por todos os lados. Estabeleceu-se pânico a bordo. A
tripulação procurava acalmar os passageiros, ao mesmo tempo em que tomava medidas
urgentes para
tripulação o salvamento
começaram de todos.a abandonar
imediatamente As baleeiras foram arriadas e os passageiros e
a embarcação.
Apareceu, então, o Arará fazendo o transbordo. Mas um submarino, provavelmente
o mesmo, prosseguiu na emboscada sinistra. Mal os náufragos eram recolhidos pelo Arará
e um outro torpedo atingia também este último barco, partindo-o ao meio. Ao atingir o
alvo, o torpedo provocou uma grande explosão, a qual causou cinco mortes. As baleeiras
foram arriadas desta vez com mais dificuldades, pois o Arará submergia rapidamente.
Alguns escaleres ficaram amarrados e ameaçaram afundar, porém foram desvencilhados
quase milagrosamente. Nessa altura, surgiu o iate Aragipe, comandado por Manoel
Balbino dos Santos, que conduziu muitos sobreviventes de ambos os navios até
Valença."3 O imediato do Itagiba, Mario Hugo Braun, foi um dos últimos a embarcar nas
baleeiras, ao lado do comandante José Ricardo Nunes:
"Quando alcancei uma delas, a chaminé do navio, fortemente adernado, ameaçava
cair sob nossas cabeças. Percebi o perigo e, antes que fosse atingido, lancei-me ao mar.
Perdi meu salva-vidas e o deslocamento da água por causa do afundamento do navio
puxou-me para o fundo. Quando voltei à tona, encontrei apenas destroços. Agarrei-me a
um deles e nadei calma, mas energicamente, conseguindo chegar à terra." O comandante
também se salvou a nado. Acabou pegando uma pneumonia que o deixou de cama com 40

graus de
O febre.
Jornal- 20 de agosto de 1942.
196 O depoimento do soldado Pedro Paulo Figueiredo Moreira,4 que estava indo
para Olinda se incorporar ao grupo de artilharia que se formava na cidade, revelou outros
momentos de grande desespero. com o navio totalmente adernado, depois de sentir "um
medo tremendo", como confessou, ele se viu tomado por um "total desprendimento", a
ponto de jogar-se ao mar decidido a se salvar. Nem o fato de ter sido "sugado pelas
águas", por causa do afundamento, lhe tirou o ânimo. Depois de voltar à tona, ficou
agarrado a um pedaço de madeira recuperando o fôlego. Foi quando se deparou com cenas
que jamais imaginaria assistir:
"Vi companheiros serem puxados por tubarões, dando gritos de dor e
desaparecendo em seguida. Outros pareciam perder o juízo, proferindo frases sem nexo,
como 'quero ir a pé', antes de afundar", contou.
Depois de alcançar uma baleeira, que, "devido à superlotação, chegou a emborcar
com os náufragos, lançando-os ao mar novamente", Pedro Paulo foi recolhido pelo iate
Aragipe, sendo também levado para Valença.
A série de ataques teve um grande impacto também para os pilotos dos aviões que
foram em busca do U-507. Do alto, o local de atuação do submarino alemão no litoral
sergipano era pura desolação. Numa larga área, mais ou menos em forma circular, uma
impressionante quantidade de destroços boiava sobre o mar. Parecia que um maremoto
passara por ali "produzindo a destruição de uma fantástica civilização sobre as águas".
Essa impressão vinha pela presença de muitos objetos de uso domiciliar: cadeiras,
colchões, redes, mesas, roupas e pedaços de madeira, de todos os tamanhos e tipos.
Incontáveis bóias salva-vidas eram como um testemunho dramático da dimensão da
catástrofe. Era cedo ainda, o sol acabara de nascer, mas nas praias adjacentes, apesar de a
região ser de baixa densidade populacional, se aglomerava uma grande quantidade de
pessoas. Eram os espectadores do fim de uma noite de tragédias e do início de um dia de
lágrimas. Chegavam à terra os restos de três navios; os destroços e os corpos das vítimas,
que não eram poucas.
4 Posteriormente, Pedro Paulo fez parte da Bateria de Comando de Artilharia
Divisionária da FEB, tendo servido na Itália durante a guerra.
197 "Vista do ar, aquela cena mais parecia um pesadelo do que o final de uma
tragédia representada no palco da existência. Nessa hora, o que mais dói em nossa alma é
a injustiça do destino. Por que o desespero e o sacrifício de tantos que não contribuíram
nem de longe para tanta insanidade? Essa pergunta tem sido feita pelos justos através dos
tempos e a resposta nunca foi encontrada. Só quando ela vier, se vier, essa dor que tanto
dói haverá de terminar", declarou em suas memórias o brigadeiro Deoclécio Siqueira de
Lima, veterano da FAB e um dos pilotos que sobrevoaram o local.
Em Aracaju, o clima era de consternação. Podia-se sentir no ar o peso do drama dos
náufragos. As O
acontecimento. ruas se enchiam
Aníbal Eenévolode fariapessoas buscando
escala no porto daexplicações para muitos
cidade e decerto o terrível
dos
passageiros mortos eram moradores. Aquela gente, que inicialmente perambulava
atordoada, meio sem rumo, logo saberia quem eram os responsáveis pelos ataques - e
passaria a destruir tudo que se relacionasse com nomes de srcem dos países do Eixo.
"Nada mais detinha a explosão daquela ira. Consumava-se a tragédia, testemunhada nas
praias, vingada nas ruas."5 Esse era um sentimento que arrebataria todo o Brasil, o que,
naquele momento, impediu que fosse analisado o equívoco do Ministério da Guerra de
permitir que efetivos militares, assim como material bélico, fossem transportados em
linhas de cabotagem sem qualquer tipo de escolta. com o Comando Naval alemão
possivelmente ainda recebendo informações da quinta-coluna, que, embora reduzida
àquela altura, ainda se mostrava ativa, essa postura acabou expondo, indistintamente,
tanto militares quanto civis. Mas, independentemente disso, se formaria uma imensa onda
de revolta e indignação, que mudaria de modo irremediável os rumos do país durante a
guerra.
Em 18 de agosto de 1942, a estação retransmissora do DIP irradiou para todo o
país, e os jornais publicaram, o comunicado que chocaria o país:
"Pela primeira vez embarcações brasileiras, servindo ao tráfego de nossas costas no
transporte de passageiros e cargas de um estado para o 5 A Patrulha Aérea e o Adeus do
Arco e Flecha. Deoclécio Siqueira de Lima. Revista da Aeronáutica Editora.
198 outro, sofreram ataques de submarinos do Eixo (...) O inominável atentado
contra indefesas unidades da marinha mercante de um país pacífico, cuja vida se
desenrola à margem e distante do teatro de guerra, foi praticado com desconhecimento
dos mais elementares princípios do direito e da humanidade. Nosso país, dentro de sua
tradição, não se atemoriza diante de tais brutalidades e o governo examina quais as
medidas a tomar em face do ocorrido. Deve o povo manter-se calmo e confiante, na
certeza de que não ficarão impunes os crimes praticados contra a vida e os bens dos
brasileiros." 199 A reunião ministerial que decidiu a entrada do Brasil na Segunda
Guerra Mundial Foto autografada pelo presidente americano Roosevelt, com mensagem
de apoio aos estudantes brasileiros.
A declaração de guerra
A massa estudantil dessa vez não pediu licença. Simplesmente tomou para si as
ruas da capital federal. Eram cerca de 12 mil jovens, liderados por Luis Pinheiro Paes
Leme, presidente da UNE, reunidos na Cinelândia para um comício em frente ao Teatro
Municipal. Cartazes com desenhos de ratos envoltos com o emblema da suástica, com os
nomes dos navios atacados ou com os dizeres "Queremos a guerra", expressavam o desejo
de vingança da população. Apesar dos naturais arroubos retóricos e da queima de
bandeiras nazistas, o movimento era pacífico e, por vezes, bem-humorado.
Estudantes fantasiados dos três líderes do Eixo - Hitler, Mussolini e Hiroito -
encenavam esquetes ridicularizando os planos de dominação do mundo, tal como faziam
seriamente os ditadores de Alemanha, Itália e Japão. Mas pela cidade já houvera
momentos de perigosa confrontação. Num prédio da esquina da avenida Rio Branco com
a rua da Assembléia, manifestantes tiveram de ser contidos pela polícia, depois que
funcionários de uma empresa de seguros italiana, que funcionava no 3Q andar, jogaram
água sobre eles. Pedras foram atiradas nas vidraças e por pouco não houve invasão da
empresa com conseqüências imprevisíveis.
Os ânimos andavam de tal modo exaltados que muitas famílias alemãs, mesmo não
simpáticas
polícia doao Estado
Eixo, eram hostilizadas,
Novo quando nãoentão,
se empenhava, agredidas.
em Aperseguir
estrutura autoritária
e humilhar, da
indiscriminadamente, descendentes dos países do Eixo. Perdia-se o senso de justiça e, em
especial, na região sul, foram cometidas verdadeiras atrocidades. Corria-se risco de vida
só por falar o idioma alemão. Diversos colonos imigrantes foram presos arbitrariamente,
sofrendo, inclusive, torturas.1 No Distrito Federal, estabelecimentos germânicos, como os
bares Rhenania, Zepelim e Berlim (atual Bar Lagoa) foram depredados, assim como a
sede do Clube Germânia, que acabaria fechado por ordem do governo. Localizada na
Praia do Flamengo 132, a construção acabaria se transformando na sede da União
Nacional dos Estudantes (UNE).
Desde o primeiro protesto, na ocasião da queda de Filinto Müller, o papel de
liderança da UNE,
consolidando. que adapartir
O prestígio dali era
entidade se tamanho
estenderia
quepelas
até odécadas seguintes,
presidente vinha
Roosevelt se
enviou
uma saudação numa foto autografada. As manifestações se sucediam, temperadas por
palavras de ordem que pediam uma resposta firme e corajosa aos ataques. Escolas
fechavam as portas em sinal de luto e aos estudantes se juntaram os marítimos.
Houve, então, uma outra passeata que começou na avenida Rio Branco e, seguindo
pelo bairro do Catete, foi até o Palácio Guanabara. Da praia Vermelha, no bairro da Urca,
outro grupo de estudantes, tendo à frente os acadêmicos de medicina, também partia para
a sede do governo. "O coronel Alcides Etchegoyen assume a incumbência de ir adiante
dos manifestantes, se responsabilizando inteiramente pela boa ordem dessa demonstração
magnífica de protesto e revolta", noticiou O Jornal no dia 21.
Para o novo chefe da polícia do Rio, estar à frente de um movimento não chegava a
ser uma novidade. Na Revolução de 30, Etchegoyen fora um dos oficiais que
comandaram as quatro colunas que marcharam em comboios ferroviários na direção do
Rio de Janeiro para ajudar na tomada do poder. Era, sem dúvida, um homem atraído por
mudanças.
Todos foram então recebidos pelo comandante Octavio de Medeiros, chefe interino
do gabinete militar
primeira-dama Darcyda presidência.
Vargas e de Da
suasacada do Guanabara,
filha Alzira, saldou aGetúlio Vargas,
turba com um ao lado da
eloqüente
discurso:
1 Memórias de uma (Outra) Guerra. - Cotidiano e Medo Durante a Segunda
Guerra Mm, dial em Santa Catarina. Marlene Fávari. EDUFSC e Univali Editora, 2004.
"(•••) Quando há meses procurei alertar a consciência pública do país sobre os
perigos que nos ameaçavam, não fazia uma campanha desnecessária. Tinha consciência
do perigo que se aproximava. O perigo está aí, mas sempre tive a certeza de que o povo
assumiria a atitude que está tendo nesse momento, que o povo atenderia o apelo do
governo e marcharíamos como um único brasileiro para o cumprimento do nosso dever."2
Aos marítimos, Vargas declarou: "O mar é um símbolo da liberdade, e o povo que não
defende os seus mares não é digno de viver." Enquanto isso, das janelas do Palácio do
Itamaraty, Oswaldo Aranha falava para a multidão que se reunira especialmente para
ouvir o ministro. Num clima de incontida emoção, Aranha, interrompido várias vezes por
calorosos aplausos, disse que o Brasil jamais se curvaria ao inimigo:
"É inútil pensar que esses ataques à nossa navegação (...) modificarão nossa atitude
política de apoio aos Estados Unidos. O povo brasileiro manterá seus compromissos,
levando até o fim todas as suas obrigações a despeito de quaisquer agressões. Posso
assegurar também aos brasileiros que me ouvem que, compelidos pela brutalidade da
agressão, vamos operar uma reação que há de servir de exemplo para os povos agressores
e bárbaros, que violentam a civilização e a vida dos povos pacíficos."3 Tantos
afundamentos em tão pouco tempo acabaram com toda resistência que ainda poderia
existir dentro do governo a uma atitude mais firme contra o Eixo. Num discurso vibrante
aos oficiais e praças do Exército, o ministro da Guerra, general Eurico Dutra, que tanto
criara obstáculos a uma ação mais dura contra a Alemanha, mostrava sua nova postura.
Dizia-se que sua vontade passou a ser a de "enforcar todo alemão que encontrasse":
"Os afundamentos de nossos navios, ato monstruosamente criminoso, perpetrado
friamente dentro dos nossos próprios mares, acarretando-nos perdas inestimáveis, cobre
de luto os corações de todos os brasileiros (...) Nessa hora grave de nossa nacionalidade, o
Exército con- O Jornal- 21 de agosto de 1942.
1 Oswaldo Aranha. Uma biografia. Hilton Stanley. Objetiva, 1994.
202 203 funde-se com o povo, ambos partilhando as mesmas emoções (...) e
obedecendo à voz de mando do chefe supremo da nação, cujas decisões devemos aguardar
com calma, serenidade e disciplina."4 Por todo o país as manifestações de protesto se
sucediam. No Recife, os estudantes também invadiram as ruas para realizar uma grande
passeata. Levando bandeiras brasileiras e cartazes com os nomes dos cinco navios
torpedeados, fizeram um ato público na Praça Independência, em frente ao Palácio do
Governo, onde o interventor Agamenon Magalhães discursou. Depois se dirigiram para a
frente do Diário de Pernambuco, onde foi feito um enterro simbólico do nazismo,

enquanto gritos
estudantada de "Viva o Brasil!" e "Abaixo o Eixo!" eram dados no tom mais alto que a
podia.
Não havia clima para mais nada e até a rodada do Campeonato Pernambucano, que
previa a realização do clássico Sport Recife e América, foi cancelada. O quadro era de
total desolação, com cenas de desespero nas agências de navegação da cidade, onde
famílias e mais famílias acorriam em busca de informações sobre parentes que estavam a
bordo dos navios.
A reação da imprensa internacional também foi de revolta e indignação. O El
Tiempo, do Uruguai, parecia tão agredido quanto o próprio Brasil:
"Irmãos brasileiros! Estamos convosco. Toda a América está praticamente em
guerra." O argentino La Critica comparava a agressão sofrida pelo Brasil à que levou os
Estados Unidos a entrarem no conflito:
"O afundamento de cinco navios brasileiros nas águas sul-americanas do Atlântico
é a repetição, por parte do Reich alemão, do ataque japonês a Pearl Harbor. Em ambos os
casos a agressão teve como características a covardia de um assalto sem declaração de
guerra."5 Era uma situação sem volta. O Brasil, que tanto lutara para manter-se à margem
do conflito, procurando, sob inspiração do seu presidente, apenas beneficiar-se
comercialmente da beligerância alheia, agora estava prestes a oficialmente abandonar a
neutralidade. Num manifesto contundente, os estudantes já se declaravam em guerra
contra o Eixo:
"Temos proclamado, a milhares de vozes, a nossa posição política em relação aos
acontecimentos internacionais: somos definitivamente contra o eixo totalitário. Hoje,
após inqualificáveis atentados contra a nossa pátria, após criminoso massacre de centenas
de brasileiros em nosso próprio país (...), após inumeráveis e constantes agressões nazistas
no Brasil, a honra nacional reclama da nossa parte uma atitude mais firme e completa.
Nossos barcos mercantes e de passageiros estão sendo torpedeados em nossas águas
territoriais (...) numa inqualificável falta de respeito aos mais rudimentares princípios de
humanidade. O ódio dos bárbaros contra nós não tem limite, atingindo as raias da
covardia. Em face a tão monstruosos atentados à nossa soberania, e como fiéis intérpretes
da alma nacional, resolvemos de comum acordo e numa unidade indissolúvel proclamar a
existência de um estado de guerra entre os estudantes brasileiros e a Alemanha, a Itália e o
Japão. Porque só a guerra nesse momento traduz o sentimento do povo brasileiro."6 A
pressão sobre o governo era imensa. Estava em curso um movimento que misturava, num
mesmo caldeirão, civismo, perplexidade e um certo pânico, causado por tantas mortes em
tão pouco tempo. Um movimento que aproximava desde comunistas até conservadores
antifascistas. Em conseqüência das agressões de submarinos à navegação de cabotagem,
chegou-se até a temer um ataque ao Rio de Janeiro vindo do mar. O assunto foi seriamente
discutido, a ponto de o Conselho de Segurança Nacional cogitar a transferência
temporária do Governo Federal para Belo Horizonte, afastada pelo menos 500

quilômetros
hipótese, do litoral.
garantindo Depois
proteção de consultado, o Ministério da Marinha vetou essa
à cidade.
Para se executar essa tarefa, a privilegiada topografia do Rio de Janeiro seria uma
grande aliada. Em visita ao Brasil, Louise Kieninger, responsável pela organização de
serviços de defesa antiaérea nos Estados Unidos, afirmara que "essa corrente natural de
morros da capital brasileira são magníficas fortalezas para o assentamento de inúmeras
baterias 4 O Jornal- 21 de agosto de 1942.
5 Idem.
O Jornal- 21 de agosto de 1942.
205 antiaéreas (...) São esteios naturais para a cidade defender-se com

extraordinárias
ao possibilidades".7
presidente Vargas Em face
outra alternativa dessa
senão enxurrada
convocar o seudeministério
acontecimentos nãoreunião,
para uma restou
que seria o primeiro passo para o processo de redemocratização do país. Pela primeira vez
depois do golpe do Estado Novo, que instaurou uma ferrenha ditadura no Brasil, uma
medida governamental seria tomada com base num sentimento que vinha de fora para
dentro do governo e que expressava um anseio legitimamente popular. A decisão era
irrevogável: estava declarado estado de beligerância com a Alemanha e Itália (o Japão,
por não ter sido responsável por nenhum afundamento, não foi incluído).
O comunicado do DIP, no dia 22, anunciou para todo o Brasil a decisão.
"Diante da comprovação dos atos de guerra contra nossa soberania, foi reconhecida
a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras - Alemanha e Itália.
Examinaram-se em seguida diversas providências." A repercussão foi imediata e,
no próprio dia 22, o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, enviou uma
mensagem de solidariedade a Getúlio Vargas:
"Fui informado de que o Brasil reconheceu hoje o estado de guerra com a
Alemanha e Itália (...) Eu gostaria de expressar a Vossa Excelência a minha profunda
emoção por este seu ato de coragem. Essa decisão alinha ainda mais firmemente o povo
do Brasil ao lado dos povos livres do mundo na luta impiedosa contra as potências sem
leis do Eixo e acrescenta poder e força moral e material aos exércitos da liberdade. Como
irmãos de armas os nossos soldados e marinheiros escreverão uma página na história da
amizade (...) e da cooperação que, desde os primeiros dias das suas independências,
marcaram as relações entre o seu e meu país. A ação tomada pelo governo de Vossa
Excelência apressou a vinda da vitória inevitável da liberdade sobre a opressão, da
religião cristã sobre as forças do mal e das sombras."8 Vargas imediatamente respondeu
ao presidente norte-americano, ressaltando que o Brasil se colocava em um outro patamar.
Ou seja, como uma nação que participaria diretamente do conflito:
"Atento o recebimento da mensagem de Vossa Excelência acerca da declaração de
beligerância entre meu país e os governos da Alemanha e Itália, que interpretou os
sentimentos
atentados à suada nação brasileira.
soberania. AgoraMeu governo
colocado nãoospodia
entre ter tido outra
que defendem atitudede
princípios emliberdade
face dos
e autodeterminação contra os ímpetos cruéis da violência, das conquistas e do
esmagamento de outros povos, o Brasil empenhará todas as suas energias para
defender-se e revidar novas agressões. Desejo fazer chegar a Vossa Excelência, nessa
conjuntura grave da vida americana, a certeza da nossa colaboração decidida até a vitória
final."9 Logo o ministro Oswaldo Aranha comunicou aos governos da Alemanha e Itália,
através do embaixador espanhol Raimundo Fernandez, a decisão brasileira. Fazendo
questão de enfatizar "a orientação pacifista da política internacional do país", Aranha
lembrou que partiu da Alemanha a iniciativa das agressões:
"(...) Sem consideração para com a atitude pacifista do Brasil, a Alemanha atacou e
afundou,
comércio,sem aviso prévio,
navegando dentrodiversas unidades
dos limites mercantis
do "Mar brasileiras,
Continental", que na
fixado faziam viagensXV
declaração de
do Panamá. A essas hostilidades limitamo-nos a opor protestos diplomáticos, tendentes a
obter satisfações e justas indenizações, reafirmando nesses documentos nossos propósitos
de manter o estado de paz. Ocorre, porém, que agora, com flagrante infração das normas
do direito internacional e dos mais comezinhos princípios de humanidade, foram
atacados, na costa brasileira, viajando em cabotagem, vapores (...) que transportavam
passageiros, militares e civis, para portos do norte do país. Não há como negar que a
Alemanha praticou contra o Brasil atos de guerra, criando situação de beligerância que
somos forçados a reconhecer na defesa de nossa soberania. (...) Em nome do governo
brasileiro, peço, senhor embaixador, que se digne Vossa Excelência a levar essa
declaração ao governo do Reich para os devidos efeitos."10 1 Diário Carioca - 6 de
junho de 1942.
8 Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663. Maço 9876.
'9 Idem.
10 Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663. Maço 9876.
206 207 O envolvimento do Brasil agora era completo, igual ao de qualquer
nação aliada. O embaixador norte-americano Jefferson Caffery resumia bem o novo
contexto:
"A guerra, como a nós, vos foi imposta."11 Já Cordell Hull, secretário de Estado
norte-americano, em mensagem a Oswaldo Aranha, afirmou que "não constituiu surpresa
para os meus compatriotas ter a valorosa nação brasileira escolhido os riscos e agruras das
batalhas ao ser atingida nos seus direitos e soberania". Hull enfatizou ainda a necessidade
de agrupar forças:
"O mesmo perigo ameaça hoje em dia as 21 repúblicas americanas. Unidos, os
nossos dois países enfrentarão o futuro com serena confiança e ânimo forte."12 Nos dias
seguintes, os jornais do mundo inteiro repercutiram o fato. O Diário da Manhã, de Lisboa,
dedicou um editorial para comentar o delicado momento vivido pelo Brasil:
"A declaração de guerra entre o Brasil e as nações do Eixo constitui o grande
acontecimento diplomático que não poderia deixar de ter em Portugal particular
repercussão, tendo em vista as relações de amizade que ligam os dois países de
ascendência comum. Assim, Portugal, no extremo ocidente da Europa, erguido na sua
posição atlântica e representando o último baluarte pacífico do velho mundo, acompanha,
com o mais vivo sentimento de emoção sincera, os acontecimentos na pátria amiga e irmã
que, do outro lado do oceano, se dispõe aos sacrifícios da guerra que cada vez mais tende
a se ensangüentar e enlutar a humanidade."13 Já o Tribune de Lousanne, da neutra Suíça,
reproduziu a mensagem de solidariedade do presidente Roosevelt a Getúlio Vargas,
lembrando "a importância das bases aéreas existentes no extremo norte do país
sulamericano". Ainda segundo o jornal europeu, "a declaração de guerra do Brasil aos
países
agosto do
de Eixo
1942 trouxe profunda
12 A Manhã - 23satisfação
de agostoaos
de ingleses".
1942. 1 11 Correio da Manhã - 23 de
13 Reportagem contida no material do Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663.
Maço 9876.
14 Reportagem contida no material do Arquivo Histórico do Itamaraty. Lata 663.
Maço 9876.
A prova veio com o editorial do londrino Sunday Express. O jornal afirmava que a
declaração de guerra do Brasil à Alemanha "constitui um grande acontecimento":
"O Brasil é o mais poderoso dos países da América do Sul. O afundamento dos seus
navios pelos submarinos do Eixo agrediu a sua neutralidade. Dessa forma, o Brasil vai
lutar como nosso
sul-americanos aliado,
para umdas
o lado aliado precioso, queDe
democracias."15 deve arrastar consigo
Washington, outros estados
o embaixador Carlos
Martins informou que a imprensa americana "não passa um só dia sem comentar a decisão
do governo brasileiro de reconhecer o estado de beligerância com a Alemanha e Itália". A
prestigiada revista Newsweek, por exemplo, dedicou uma longa reportagem, ilustrada
com fotos do Forte de Copacabana, de Oswaldo Aranha e Getúlio Vargas, na qual era
destacada a importância da contribuição do Brasil para o potencial bélico das nações
unidas: "Ajuda do Brasil é vital aos Aliados", dizia o título da matéria. Um dos trechos do
artigo faz referência ao gigantismo do país: "A maior e mais populosa nação da América
do Sul está em condições de oferecer substancial ajuda militar. Suas forças armadas
possuem cerca de 100 mil homens e podem chegar logo a 300 mil."16 Por causa desse
novo momento, uma sucessão de episódios veio à tona. Na capital dos Estados Unidos foi
criada uma comissão brasileiroamericana de defesa. O objetivo maior era o "de
desenvolver uma estratégia de guerra na mais íntima colaboração possível entre os
EstadosMaiores dos dois países". Um confiante general Marshall dizia que "o triunfo
aliado era inevitável como o nascer do sol" e reafirmava a importância de fortalecer esse
relacionamento:
"Hoje as forças armadas do Brasil estão sendo novamente conclamadas pelo seu
governo
moderno ajá vingar
conheceu.os Sentimo-nos
deliberados ataques do mais
estimulados impiedoso
e honrados com ainimigo que odomundo
sua presença nosso
lado. Juntos, teremos o 209 supremo dever de esmagar aquele que abomina os
governos livres. Em nome do Exército dos Estados Unidos, estendo os nossos
cumprimentos cordiais às forças combatentes do Brasil."17 A primeira medida de
retaliação brasileira foi cassar, através de Decreto-lei, as cartas de patentes dos bancos do
Eixo (Banco Alemão Transatlântico, Banco Germânico da América do Sul e Banco
Francês e Italiano). Todos foram liquidados e os seus bens e direitos, a título de
indenização, incorporados ao patrimônio nacional.
Cessaram também as negociações para compra de embarcações de países
beligerantes que estavam ancoradas em nossos portos, muitas das quais, inclusive, já
contando
Mundial, com tripulações
foram nacionais.
apreendidos peloVários navios, O
governo. como acontecera
Maceió, da naarmadora
Primeira Guerra
alemã
Hamburg-Amerikan Linie, foi rebatizado de Sulóide e passou a servir nos Estados
Unidos, onde, em 1943, acabou naufragando na costa da Virgínia. O Montevidéu, da
Hamburg-Süd, que se encontrava refugiado no porto de Rio Grande, ganhou o nome de
Bmsilóide e foi torpedeado no litoral baiano, em 18 de fevereiro de 1943, pelo submarino
nazista U-518. Outro navio alemão apresado foi o Bollwerk, que, rebatizado de
Nortelóiãe, foi perdido em 1945 por causa de um incêndio, quando singrava nas
proximidades do cabo de São Tomé, no estado do Rio de Janeiro.
Mercantes de bandeira italiana tampouco escaparam de ser confiscados. Dos 19
que estavam refugiados em portos brasileiros, dez foram tomados e destinados a
engrossar
de acordosa frota do Lloyd.entre
diplomáticos Do fim da guerra
Brasil atéO1950,
e Itália. sete deles
Auctoritas, foram devolvidos
rebatizado depois
de Pelotaslóide,
teve o fim mais trágico: foi afundado, na foz do Rio Amazonas, pelo submarino alemão
U-509, em 4 de julho de 1943 - cinco pessoas morreram. Já o Bahialóide, ex-Liana, viveu
dias de glória ao participar, depois de ser vendido aos Estados Unidos, em 1943, da
construção de um quebra-mar artificial durante os preparativos para a invasão aliada na
Normandia, em junho de 1944.
Outros procedimentos foram colocados em prática para ajudar a enfrentar o novo
momento. Logo foi promovida uma campanha de ar- ' Correio da Manhã- 28 de agosto
de 1942.
210 recadação de materiais utilizáveis na indústria de guerra. Em postos
espalhados pela capital federal, foram coletados metais destinados à fusão para a
fabricação de armas. A população aderiu em peso, da Cinelândia ao Largo da Carioca,
passando pelos bairros de Vila Isabel, Madureira, Engenho Novo, "até a longínqua
Ipanema".
Àquela altura, a vontade de todos era estar numa trincheira, ainda mais depois de
uma reportagem
guerra chegou aospublicada
mares dopor O Cruzeiro
Brasil", na sua
a revista, um edição de 29editorial
fenômeno de agosto.
que com o título
vendia mais "A
de
700 mil exemplares semanais, mostrava fotos inéditas da tragédia com os navios
brasileiros no litoral nordestino. Uma delas chocava particularmente. Era o corpo de uma
menina morta ainda deitado na beira do mar.
"Alaíde, a brasileirinha de apenas 3 anos, tal como foi encontrada numa das praias
do Sergipe. Imagem imorredoura da brutalidade nazista", deplorava, em tom dramático, a
legenda de O Cruzeiro.
com tudo isso, o decreto-lei n. 10.358, assinado pelo presidente Getúlio Vargas em
31 de agosto, no qual o Brasil declarava oficialmente guerra à Alemanha e Itália, foi quase
uma formalidade. Mas não deixava de ser um marco histórico. Depois de 18
afundamentos de navios da frota nacional que redundaram no sacrifício de 743 vidas (607
só nos ataques do U-507), não restava ao país outra alternativa. Era o fim de um longo
processo. O Brasil, então, se colocava de modo claro e definitivo ao lado dos Aliados, o
que não deixava de ser uma grande contradição. O Brasil de estrutura ditatorial, que ainda
mantinha encarcerados aqueles que contestavam seu regime; o Brasil da censura, sem
representação parlamentar; o Brasil, enfim, com as liberdades cerceadas entrava na guerra
pela democracia contra o Eixo totalitário.
211 O Antonico, navio brasileiro torpedeado no mar das Antilhas Sirene
antiaérea instalada no Rio de Janeiro, no auge das ameaças de ataque à capital.
Fuzilamento em alto-mar

Nos primeiros dias de setembro, com o país mergulhado no conflito, foram


tomadas algumas providências para proteger os navios da frota nacional. A partir do dia 5
começaram a ser criados comboios regulares entre portos brasileiros. No dia 12, a Força
Naval Brasileira se integrou operacionalmente à Marinha dos Estados Unidos,
comandada pelo almirante
da comemoração Ingram. Mas
da Independência, em terradatambém
a polícia capital não faltavam
federal ameaças.
descobriu, em No dia
vários
pontos onde seria realizada a tradicional parada militar, bombas-relógio prontas para
serem detonadas.
No dia seguinte, 8 de setembro, o clima de guerra se instalou de vez no Rio de
Janeiro. Toda a zona sul da cidade foi paralisada para que se realizassem exercícios de
defesa antiaérea. Nos bairros de Copacabana, Ipanema e Leblon foi encenado o próprio
caos, com sirenes sendo disparadas e o corre-corre de bombeiros e socorristas da Cruz
Vermelha atendendo aos voluntários que, estendidos nas calçadas, simulavam ter sido
feridos por bombas. Do hotel Copacabana Palace, quartel-general do Serviço de
Segurança Passiva Antiaérea, e que tinha todas as lojas de sua galeria "protegidas por
pesadas cortinas pretas", a primeira-dama Darcy Vargas acompanhava atentamente a
movimentação.
Por medida de segurança, estava proibida aos moradores da orla marítima manter
as janelas iluminadas durante a noite. A intenção era impedir que o inimigo tivesse
referências na hora de atacar. Rondas policiais fiscalizavam se a determinação estava
sendo cumprida. Sob comando do coronel Orozimbo Martins Pereira, o Serviço de Defesa
Passiva Antiaérea também restringia a iluminação do Cristo Redentor, dos morros da
Urca e do Pão de Açúcar e do relógio da torre do edifício da Mesbla, no Passeio Público.
As precauções eram tantas que os prédios que estavam sendo construídos na zona
litorânea da cidade, num mo- mento em que os empreendimentos imobiliários ali
proliferavam, passaram a contar obrigatoriamente com abrigos antiaéreos subterrâneos.1
Nessasde
postos áreas, ficaram também proibidos os depósitos de combustível mantidos pelos
gasolina.
"No caso de um ataque, um dos objetivos do inimigo será naturalmente destruir
esses depósitos, provocar incêndios e pavor nos moradores", avisava o Departamento de
Administração do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Eram dez os mandamentos do ministério no caso de um bombardeio:
1 - Mantenha-se calmo e não se assuste, pois o pânico causa maiores danos que as
bombas do inimigo.
2 - Não acredite em boatos, aguarde notícias oficiais.
3 - Estando fora de casa e não havendo possibilidade de lá chegar em segurança,
procure imediatamente um abrigo público ou um refúgio. Não permaneça na rua.
4 - Surpreendido por um ataque aéreo na rua, deite-se e comprima-se ao solo.
Aproveite as depressões, valos, fossos e anteparos laterais.
5 - Estando em automóveis, procure, sem perda de tempo, um abrigo ou refugio, e,
sem obstruir o trânsito, deixe seu carro com os freios cerrados e após ter verificado que as
luzes do mesmo estão de fato apagadas.
6 - Estando em casa, aí permaneça. Evite andares superiores e os próximos ao solo
(12 e 2o andares). Vá, com as demais pessoas, para o refúgio já preparado no interior do
andar térreo ou no subsolo (porões e adegas), onde haverá conforto e segurança.
7 - Não permaneça perto das janelas ou nas peças que dêem para o exterior, pois é
grande o perigo dos estilhaços de vidro e bombas.
8 - Apague os fogões a gás, feche as portas das fornalhas dos fogões a lenha e abafe
o fogo.
9 - Apague as luzes, reduzindo a iluminação ao básico imprescindível nos abrigos e
refúgios. Feche as janelas e portas da casa antes de ir para o refúgio.
10 - Quando as bombas estiverem caindo nas proximidades, abrigue-se dentro do
refúgio, onde se acoitou.2 « Os abrigos antiaéreos não cresciam apenas no Rio de Janeiro.
Em São Paulo, por exemplo mesmo distante do litoral, até abril de 1945 a Defesa Civil
previa a construção de 281 abrigos, o que comprovava o receio de um ataque em grande
escala. ' Recomendações do Ministério do Trabalho, em documentação do Arquivo
Nacional.
As preocupações com a segurança eram tantas que o governo promoveu cursos de
defesa antiaérea e primeiros socorros. Cento e quarenta e quatro pessoas se candidataram
a freqüentar as 36 aulas que seriam ministradas, entre 15 e 28 de outubro de 1942, na
Associação Cristã dos Moços.

Outra
equilíbrio grave ameaça
econômico. Desdeà opopulação
início da era a crescente
guerra, em 1939,dificuldade de com
o país sofria se manter
a quedao
significativa das exportações de produtos agrícolas, sobretudo o café, e com as
dificuldades de importações de máquinas, matérias-primas industriais e combustíveis.
com o intuito de coordenar com mais eficácia o funcionamento da economia, criou-se um
órgão (Coordenação de Mobilização Econômica) para trabalhar no estímulo da produção
industrial e agrícola, no abastecimento do mercado interno, no tabelamento de preços dos
produtos alimentícios essenciais, na melhoria do sistema de transporte e também no
combate à inflação. Subordinado à presidência da República, esse organismo foi dirigido
inicialmente por um homem da mais absoluta confiança de Getúlio Vargas. Era o
pernambucano João Alberto Lins de Barros, um ex-componente da Coluna Prestes, que
posteriormente aderiu às hostes aliancistas, tornando-se um dos maiores conspiradores da
Revolução de 30 - havia sido um dos oficiais que ao lado de Etchegoyen marcharam rumo
ao Rio, a favor dos golpistas.
As medidas para minimizar os efeitos da guerra prosseguiram com a chegada ao
Brasil, ainda naquele início de setembro, de uma missão norte-americana confiada pelo
presidente Roosevelt a Nelson Rockefeller. O objetivo era "fomentar um maior
entendimento cultural, político e econômico" entre os dois países. Apresentado por
Herbert
jornalistasMoses, o presidente
presentes da Associação
na entrevista coletiva Brasileira
realizada de
no Imprensa
Copacabana(ABI), aos 36
Palace, •6
Rockefeller enfatizou a importância da união de esforços para derrotar o
nazi-fascismo:
"O Brasil e os Estados Unidos atravessam neste instante os mo- I mentos mais
sérios e difíceis da sua história, mas confio em absoluto no relacionamento indissolúvel
das duas grandes nações. Estamos perfeita- mente equipados para lutar pela liberdade e
pela independência, e estou certo de que com a unidade das Américas se obterá a vitória."
' Sobre a contribuição brasileira para o esforço de guerra, Rockefeller foi enfático:
215 "O Brasil já vem fornecendo, há muito, materiais para as nossas indústrias
bélicas, tais como o manganês, a mica, o quartzo e outros. Temos a impressão de que esta
produção só tende a desenvolver-se." A longa reportagem publicada em A Manhã do dia 2
de setembro listou as prioridades da missão: aumentar a produção local de mercadorias
essenciais, especialmente as que antigamente eram importadas dos Estados Unidos, a fim
de economizar espaço marítimo; adaptar as indústrias locais ao uso de substitutos de
matérias-primas, em vez dos fornecimentos srcinalmente importados; manter e melhorar
as facilidades de transporte; e lançar os alicerces para o duradouro fortalecimento de toda
a economia industrial do Brasil.
Pelo menos num primeiro momento, nada disso foi suficiente para evitar diversos
contratempos para a população. Em todas as grandes cidades, para se conseguir uma cota
de pão, leite ou açúcar era preciso enfrentar longas filas desde a madrugada. Decretos
eram assinados sucessivamente, geralmente trazendo prejuízos à classe operária, que via
sua jornada de trabalho ser estendida e suas férias adiadas. Era a necessidade de mobilizar
todas as forças produtivas no esforço de guerra, tal como acontecia nas principais
potências aliadas. Tanto que, quando um grupo de 18 sindicatos enviou uma carta ao
presidente pedindo "a aplicação de medidas de maior controle dos preços, para impedir a
ação dos açambarcadores, atacadistas e intermediários em geral, na ganância de lucros
cada vez maiores à custa do sacrifício do povo", fez a ressalva de que "o trabalhador se
equipara ao soldado mobilizado, que combate no campo de batalha."3 Até das donas de
casa se buscava apoio para esse "combate". Através de cartazes, a empresa distribuidora
de gás do Distrito Federal chegava a recomendar que elas evitassem esquentar as
refeições:
"Aproveitem o verão para reduzir ainda mais o consumo de gás comendo pratos
frios. A senhora defenderá assim a sua saúde e o seu bolso e contribuirá para a vitória do
Brasil, pois toda diminuição no fornecimento de gás representa um aumento na produção
(...) da indústria de guerra."4 Eram reflexos do acirramento de um conflito que estava
longe de chegar ao fim. Os ataques do U-507 ainda ardiam na memória do brasileiro e as
preocupações com a defesa do país só aumentavam. Uma boa notícia 3 Perfis

Brasileiros. Getúlio
4 Centro de Vargas.
PesquisaBoris Fausto. Companhia
e Documentação das Letras,
da História 2006.
Contemporânea do Brasil
(CPDOC).
216 foi a entrega, fruto do acordo militar com os Estados Unidos, de dois
caça-submarinos - batizados de Guaporé e Gurupi -, os primeiros da Marinha brasileira
dotados de escuta submarina.
Isso ainda foi pouco para garantir a defesa do litoral. Assim, decidiu-se proibir que
qualquer navio deixasse os portos até que a organização dos comboios recém-criados
estivesse terminada. Essa situação, contudo, era vista por muitos como vergonhosa. Em
audiência com o ministro da Marinha, Aristides Guilhem, representantes das classes
marítimas deixaram claro que "preferiam morrer a deixar seus navios apodrecendo nos
portos, na humilhante situação de vencidos".5 Diante desse espírito de resistência, não
houve como impedir que embarcações que já estavam carregadas zarpassem, mesmo que
ainda protegidas por comboios precariamente organizados, com escoltas insuficientes.
Foram os casos dos vapores Osório e Lajes, que acabaram partindo do porto de Belém
rumo a Nova York. Nem o fato de estarem protegidos pelo navio norte-americano USS
Roe evitou que fossem postos a pique, quando ainda se encontravam próximos à foz do
Rio Amazonas, a cerca de 50 milhas da costa paraense. O Osório, que tinha em seu
currículo o recolhimento de náufragos do navio norte-americano Robin Hooã, foi atingido
às 20hlO do dia 27 de setembro, afundando em 25 minutos. Dos 39 tripulantes, morreram
cinco, entre eles o comandante Almiro de Carvalho.
Segundo o comissário José Joaquim de Moura, depois que o torpedo atingiu o
navio, o comandante ficou a bordo orientando o embarque nas baleeiras e ajudando a
cortar a talha presa a uma delas. Depois disso, inexplicavelmente, acabou não atendendo
aos chamados de seus homens para também abandonar o Osório.
"Repentinamente, virou-se e caminhou na direção do seu camarote, não sendo mais
visto. Provavelmente, afundou junto do seu navio",6 contou o comissário.
Joaquim de Moura relatou ainda a odisséia vivida pelos homens de sua baleeira até
serem resgatados:
"A baleeira estava cheia d'água, menos de um palmo fora da superfície. Além disso,
não dispúnhamos de velas. Tão próximo o mar estava 5 História Naval Brasileira.
Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio 1 de Janeiro, 1985.
6 Correio da Manhã - 15 de outubro de 1942.
217 das bordas do barco que, cada vez que púnhamos um balde para fora, outro
tanto de água voltava para o seu interior. Assim, navegamos a noite toda até que
encontramos, vagando vazia ao sabor das ondas, outra balsa do Osório. Dez dos nossos
homens para ela passaram. O peso ficou aliviado e tornou-se mais fácil tirar água da
baleeira.
Então, os dez companheiros voltaram a bordo trazendo água para beber e
mantimentos que estavam na balsa. Depois, ainda encontramos outra balsa com 19
sobreviventes, a maioria ferida. Finalmente, encontramos o iate Concórdia, que recolheu
os náufragos levando-os para a localidade de Mosqueiro, onde fomos todos atendidos."7
Uma hora depois, o Lajes, que seguia no mesmo comboio, mas que foi separado porque
lançava fumaça pela chaminé, também foi atingido, embora estivesse armado com um
canhão e levasse a bordo quatro homens da Marinha. Da tripulação de 49 pessoas, três
morreram no ataque. A informação do naufrágio rapidamente chegou a Belém, pois o
telegrafista teve tempo de enviar uma mensagem. Além disso, uma das baleeiras que
levava seis tripulantes foi avistada por um avião de guerra que logo pediu socorro à sua
base. O responsável pelo torpedeamento tanto do Osório quanto do Lajes foi o U-5l4,%
do Capitão-Tenente alemão Hans Jürgen Aufferman.
A essa altura, sob o comando do Capitão-de-Longo-Curso Américo de Moura
Neves, o Antonico já havia deixado as águas territoriais brasileiras. Seguia ao longo da
costa da Guiana Francesa, em 28 de setembro, quando foi atacado pelo U-516,9 do
Capitão-Tenente Gerhard Wiebe. Por ser um navio de baixa tonelagem (1.243),
submergiu ainda mais rapidamente, obrigando a tripulação a baixar apressadamente os
escaleres. Já dentro deles, imaginando-se salvos, os homens do Antonico foram
surpreendidos quando a artilharia do submarino nazista, dirigida pelo tenente Markle, foi
apontada para eles. Foi dada a ordem para atirar. Indefesos, os tripulantes acabaram
metralhados.
7 Idem.
8 O U-514 foi o responsável por nove afundamentos até ser abatido, em 8 de julho
de 1943, a nordeste do Cabo Finisterre, Espanha, por foguetes do avião britânico
Liberator, do esquadrão 224/R. Toda a tripulação de 54 homens morreu.
9 O U-516foi entregue em 12 de maio de 1941. Teve sucesso em 16 afundamentos
ao longo da guerra. Rendeu-se em Lough Foyle, Irlanda do Norte, ao fim da mesma. Foi
transferido para Lisahally em 14 de maio de 1945, fazendo parte da Operação Deadlight.
218 Possivelmente, essa ação foi fruto de uma decisão tomada por Hitler depois
que, em 12 de setembro, o U-516, o mesmo que atacara o cargueiro brasileiro Alegrete,
torpedeou o Lacônia, um transporte inglês que navegava com 1.800 prisioneiros italianos
a 250 milhas da Ilha de Ascensão. Enquanto estava na superfície, telegrafando para que
belonaves francesas de Dacar viessem resgatar os náufragos, o submarino nazista acabou
bombardeado por um avião norte-americano baseado em Ascensão. Os alemães, "dali em
diante, deveriam metralhar as baleeiras e não tentar salvá-las",10 sentenciara o Führer.
As conseqüências para a tripulação do vapor brasileiro foram trágicas. Dezesseis
dos quarenta homens a bordo acabaram sendo mortos, inclusive o comandante Américo
Neves. Os náufragos, muitos deles feridos, temendo um tratamento hostil dos franceses
fiéis ao Governo de Vichy,11 evitaram a Ilha do Diabo, a mais próxima do local do
afundamento, indo aterrar
medicados e transferidos numa praia deserta
clandestinamente para o da povoação
Suriname, ondedeosHattlers. Lá, graves
feridos mais foram
ficaram hospitalizados.
Esse episódio foi tão marcante na história dos afundamentos dos mercantes
nacionais que, depois da guerra, baseando-se na condenação pelo Tribunal de Nuremberg
do comandante Heinz Eck e de outros dois tripulantes do U-852,n que no Oceano Indico
metralhou e lançou granadas nas baleeiras em que se encontravam os náufragos de um
navio mercantil grego, o Brasil pediu a punição de Gerhard Wiebe e do tenente Markle,
algozes do Antonico. O caso chegou a tramitar pelas repartições brasileiras e
internacionais até que a Marinha, após um parecer desfavorável da Consultoria Geral da
República, resolveu desistir da solicitação de extradição dos culpados para serem julgados
no Brasil.
10 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da
Marinha. Rio de Janeiro, 1985.
11 Em Vichy, ficava a sede do governo da França não-ocupada, dirigida pelo
marechal Pétain e aliada da Alemanha nazista.
12 O comandante Eck foi condenado à morte e os dois tripulantes pegaram pena de
prisão perpétua e de 15 anos, respectivamente.
219 SUBMARINOS DO EIXO AFUNDADOS NA COSTA
BRASILEIRA * Esse era o único submarino italiano. Todos os outros eram alemães.
** Era um submarino abastecedor, que transportava torpedos, combustíveis,
medicamentos e alimentos para os submarinos em operações. Foi o único que operou no
litoral brasileiro. Depois de avariado por um avião aliado, os próprios alemães decidiram
afundá-lo. Seus homens e suprimentos foram distribuídos entre o U-772 e o U-185, que
posteriormente foram também destruídos.
Tempo de estabelecer estratégias
Os acontecimentos dos últimos meses vieram como um turbilhão, modificando
inteiramente o panorama político internacional. Naquele outubro de 1942, era nítida a
impressão de que o Terceiro Reich não era imbatível. Havia quase um ano que os Estados
Unidos tinham entrado na guerra, o que já fazia uma imensa diferença. Hitler lutava em
três frentes e dava sinais de que não poderia ir muito longe. Pouco a pouco, as forças dos
seus exércitos se dissipavam. As indústrias bélicas alemãs, apesar de passarem a produzir
em grande escala se preparando para uma guerra industrial de longo prazo, deixando de
lado a estratégia da Blitzkrieg, com o tempo não dariam conta de repor as perdas que a
Wehrmacht vinha sofrendo.
Nas imediações de Stalingrado, com a chegada do frio de 8 graus negativos e das
fortes nevascas, típicas das estepes soviéticas, os campos de batalha se transformavam em
imensos atoleiros. As tropas alemãs ficaram encurraladas. Haviam caído numa grande
cilada e em breve estariam cercadas pelo Exército Vermelho. O jornalista Harold King,
correspondente da Reuters em Moscou, descrevia os momentos dramáticos vividos pelos
soldados de Hitler:
"Os alemães não podem mais sair de Stalingrado. Isso constitui uma situação
paradoxal,
milhares dedepois
vidasdee três meses de
milhares de tentativas
tanques e deaviões.
blitz, que custou
A luta nasaoruas
inimigo
e nascentenas de
casas de
Stalingrado está se tornando cada vez mais difícil. Os alemães não conseguem mais
avançar um passo, nem recuar. Caíram numa verdadeira armadilha." O jornal A Manhã do
dia 22 de dezembro confirmaria o desastre que se avizinhava:
"Vinte e duas divisões alemãs estão isoladas entre os rios Don e Volga, em frente a
Stalingrado." Pelo lado oeste da Europa, a situação era igualmente delicada para os
nazistas. Os ataques dos aviões da RAF a centros industriais alemães eram cada vez mais
severos, trazendo prejuízos incalculáveis. Estradas de ferro que ligavam o país à Itália
também eram alvo dos pilotos ingleses, assim como a cidade de Turim, onde inúmeros
quarteirões estavam sendo castigados por ininterruptos bombardeios. O panorama nas
águas do
guerra, Pacíficodenão
passavam era diferente.
quinhentos Asenquanto
navios, perdas navais
as dos japonesas, em quase
Estados Unidos um ano dea
não chegavam
cem.
Na África, os ingleses conseguiriam, vencendo a famosa Batalha de El-Alamein -
prioridade que fez com que fossem adiados os planos de desembarque na Normandia -,
pôr uma pá de cal nas pretensões do Reich de alcançar os poços petrolíferos do Oriente
Médio, o que possibilitaria também a abertura de outra frente de ataque à União Soviética.
Exultante, Churchill considerou essa vitória "uma página gloriosa nos anais militares da
Inglaterra":
"Ela marcou, na verdade, a virada da balança da sorte. Antes de El-Alamein, nunca
tivemos uma vitória. Depois, nunca mais tivemos uma derrota",1 disse o
primeiro-ministro britânico.
Para Churchill, o sucesso da empreitada africana era fundamental. Significava
também derrotar a "Raposa do Deserto", o que seria um duro golpe no moral dos alemães.
"Bater Rommel, o que mais importa?", chegou a perguntar.
com esse espírito, Churchill nomeou o vitorioso general Montgomery para
comandar a ofensiva na África. À frente do 8Q Exército, Montgomery teve à sua
disposição um arsenal inédito: 1.350 tanques - quase a metade deles do tipo Sherman
americano, estalando de novos -, além de novecentos canhões, um exército de 240 mil
homens e aviões que já dominavam os céus da região. A seu favor, Montgomery contou
ainda com informações preciosas sobre a disposição das tropas inimigas e as rotas que
utilizavam - dados fornecidos depois que decodificadores ingleses da Escola de Códigos e
Cifras do Reino Unido, situada em Bletchley Park, quebraram o código secreto Enigma,
que os alemães julgavam indecifrável.
1 Memórias da. Segunda Guerra Mundial. Volume II. Winston S. Churchill. Nova

Fronteira,
2242005.
Os soldados do Eixo estavam reduzidos, naquele momento, acerca de 60 mil
combatentes e também em desvantagem pela carência de armamentos (tinham menos de
cem tanques) e combustível. Resistiam bravamente, mas, apesar disso, depois de
inicialmente repelirem o oponente, suas linhas foram paulatinamente sendo rompidas "no
arco de 160 quilômetros que defendiam em volta deTúnis e Bizerta".2 Quando informado
da iminência do desastre, Hitler fez a Rommel a exigência que seria sua marca a partir das
sucessivas derrotas. Intransigente, determinava que não cedesse nem um metro de terreno
e lançasse todos os canhões e soldados para a batalha. Decepcionado, Rommel reclamava
que, em vez de gasolina e aviões, só recebia ordens. Mas o general alemão não deixou de
reconhecer o valor do adversário, que conseguiu romper linhas seguidas de postos de
metralhadoras, bem escudadas por um vasto campo minado:
"A artilharia inglesa demonstrou, mais uma vez, sua conhecida exce- lência.
Especialmente digna de nota foi a sua grande mobilidade e sua rapidez no atendimento
aos pedidos das tropas de assalto", afirmaria Rommel. Percebendo que seus comandados
seriam massacrados pela torrente aliada - além dos exércitos ingleses, um grande
contingente de soldados americanos vindos da base de Natal desembarcava no Marrocos
-, o general alemão, contrariando a recomendação de Hitler de lutar até o último homem,
ordenou que o que sobrara de seus exércitos recuasse. Como Montgomery preferiu não
arriscar as posições conquistadas, e avançar apenas timidamente, foi possível evacuar o
grosso das tropas que ainda resistiam. Era o fim da supremacia do Eixo na região.
Isso acabou trazendo uma grande vantagem estratégica aos Aliados. Os comboios
que antes eram obrigados a se deslocar pela desgastante rota ao redor do Cabo da Boa
Esperança agora poderiam seguir pelo Mediterrâneo até o Egito, as índias e a Austrália.
Estavam protegidos desde o Gibraltar até o Suez pelas bases navais e aéreas
recém-conquistadas.
Chegara o momento de romper a fortaleza do Reich na Europa. Mas os Aliados
estavam divididos sobre a melhor forma de buscar esse objetivo. Os atritos eram
intermináveis.
Os norte-americanos insistiam em concentrar todas as forças no Canal da Mancha,
enquanto os ingleses 2 Um Mundo em Chamas. Martin Kitchen. Jorge Zahar Editor,
1993.
225 propunham atrair a atenção dos alemães para o Mediterrâneo, fazendo-os
pensar que a invasão poderia acontecer pela Itália. com receio das dificuldades de
enfrentar um inimigo "experiente e ardiloso" onde se encontrava mais entrincheirado,
chegaram a propor essa estratégia de ataque, "imaginando uma chegada triunfal a
Roma".3 Nenhuma dessas desavenças, aparentemente, diminuía a satisfação do
presidente Roosevelt naquele momento. Sua determinação de aniquilar as pretensões do
Eixo na África Ocidental aumentava a cada dia. Tal como o premier inglês, Roosevelt
apostou muitas fichas nessa empreitada, como revelou uma carta que enviou ao presidente
Vargas em novembro de 1942. Estava em andamento a chamada Operação Torch:
"Lançamos uma força expedicionária de grandes proporções para ocupar a África
francesa do norte e oeste. Para defesa de todas as Américas e muito particularmente com
respeito à defesa do Brasil, torna-se imperativo que se tomem medidas imediatas para
evitar a ocupação da África francesa pelo Eixo. As operações empreendidas pelas forças
armadas dos Estados Unidos afastaram esta ameaça iminente à segurança dos nossos dois
países e de nosso hemisfério (...) Essas medidas serão o primeiro passo da libertação da
França. É difícil, para mim, expressar a Vossa Excelência a grande apreciação deste
governo pelo valioso auxílio que o Brasil tem prestado ao nosso esforço de guerra.
Desejo, assim, que Vossa Excelência fique pessoalmente ciente dessas operações porque
estou certo de que reconhecerá a sua significação e importância."4 Convicto da vitória
final, após uma viagem de inspeção a acampamentos de soldados em treinamento e a
bases e fábricas de material bélico, Roosevelt deu uma entrevista, publicada nos jornais de
todo o mundo, na qual não disfarçava o desejo de esmagar sem dó nem piedade as forças
nazi-fascistas, seja em que lugar fosse:
"Nosso objetivo hoje é claro: destruir completamente o poderio militar da
Alemanha, da Itália e do Japão, a um ponto tal que sua ameaça contra nós e contra todas as
outras nações unidas nunca mais possa ser reeditada para as futuras gerações. Estamos em
busca de uma vitória de tal natureza que possa garantir que os nossos netos possam
crescer (...) inteiramente livres da constante ameaça de invasão, da destruição e
escravidão."5 O quadro que então se desenhava podia ser muito bom para os Aliados
como um todo, mas, paradoxalmente, apesar das palavras de Roosevelt na carta a Vargas,
não era vantajoso para o Brasil, pelo menos no que diz respeito ao interesse do país em
manter-se como uma peça-chave no contexto geral do conflito. com o esfacelamento dos
exércitos de Rommel na África, estrategicamente, o Nordeste brasileiro perdia em
importância, o que fazia com que diminuísse o poder de barganha do país (principalmente
em relação ao fornecimento de armamento por parte dos americanos). O presidente
Vargas percebia esse novo momento e buscava alternativas para que o país continuasse a

ser, independentemente
Unidos. de teressa
Foi refletindo sobre declarado guerraque
conjuntura aocomeçou
Eixo, um aparceiro efetivo
pensar na dos Estados
possibilidade de
enviar tropas para a luta no front europeu.
Naquele crepúsculo de 1942, com a reviravolta da guerra, Vargas tinha consciência
de que precisava firmar ainda mais a posição do Brasil no cenário mundial como uma
nação pró-aliada, que deixara para trás, definitivamente, os tempos dúbios em que surfava
na prancha do prag- matismo, enquanto colhia os frutos do choque de interesses entre os
Estados Unidos e a Alemanha. Mais do que isso, sabia que necessitava apagar a mancha
do período em que apostava na vitória das potências nazi-fascistas, prognóstico também
da hierarquia militar que o sustentava. Assim sendo, a criação de uma força
expedicionária significaria o seu !:) fortalecimento pessoal, além de ser um bom
pretexto para a manutenção da entrega de material bélico ao país e, conseqüentemente,
a continuida- Ide do apoio das forças armadas a seu governo. A preocupação de garantir
solidez política, independentemente da revalorização de ideais democráticos, ficou
bastante clara, em 10 de novembro, nas comemorações do quinto aniversário do golpe do
Estado Novo, quando o presidente fez questão de rechaçar qualquer mudança nos quadros
institucionais:
' Um Mundo em Chamas. Martin Kitchen. Jorge Zahar Editor, 1993.
' Carta de Roosevelt a Vargas. Rolo 7. Fotograma 0472 a 0473. CPDOC/FGV.
•>AManhã-U de outubro de 1942.
227 "O que nos cumpre agora é aperfeiçoar o aparelho político-administrativo
(...), preparando o país para a sucessão normal dos seus dirigentes dentro das fórmulas da
democracia funcional que instituímos." E assinalou: "Considero mero bizantínismo
indagar se o novo regime é democrático ou não."6 Essa declaração de Vargas era
sintomática. Ele sabia que os ventos da liberdade sopravam com tal força que poderiam
varrer em breve seu governo. A conta dos anos de ditadura chegaria a qualquer momento
e os inimigos do regime que fundara, percebia o presidente, logo estariam a postos para
ferroá-lo. Desde a época em que o Brasil rompera relações diplomáticas com o Eixo,
conforme anotou em seu diário, ele pressentia que poderia ver sua obra política
inacabada:
"Ao encerrar essas linhas, devo confessar que me invade uma tristeza profunda.
Grande parte desses elementos que aplaudem essa atitude são os adversários do meu
governo (...) e chego a duvidar que possa consolidá-lo para passar tranqüilamente ao meu
substituto."7 Nesse cenário, para levar à frente seus planos políticos, a FEB seria de
grande valia. Vargas também estava convicto de que isso daria ao Brasil um status que o
colocaria numa posição mais vantajosa no realinhamento de poderes que ocorreria ao fim
do conflito, "especialmente no âmbito das nações unidas, cuja organização (que resultaria
na ONU) as grandes potências já cogitavam".8 O Brasil acabaria sendo o único país da
América Latina a mandar tropas para lutar na Europa.9 Ao contrário do que muitos

imaginam,
não foi dosportanto, a idéia deque,
Estados Unidos, formar um contingente
na verdade, brasileiroopara
nunca desejaram combater nadireto
envolvimento Europa
de
6 Centro de Pesquisas e Documentação em História Contemporânea da FGV (www.
cpdoc.fgv.br).
7 Perfis Brasileiros. Getúlio Vargas. Boris Fausto. Companhia das Letras, 2006.
8 Idem.
9 Os anos do pós-guerra, no entanto, trouxeram uma grande decepção para os
brasileiros. Conforme salientou o professor de política internacional Vágner Camilo
Alves em seu livro O Brasil e a Segunda. Guerra Mundial, os Estados Unidos
abandonaram a América Latina e, devido à Guerra Fria, voltaram-se inteiramente para a
Europa e o Extremo Oriente. A colaboração econômica e militar passou a fluir
fundamentalmente para estas áreas, onde se encontravam, inclusive, os antigos inimigos
do Eixo.
228 qualquer país latino-americano numa guerra industrial, como aquela que se
desenrolava. A iniciativa foi puramente do governo brasileiro, que, sem demora, passaria
a veicular nos inúmeros órgãos de comunicação estatais uma intensa propaganda que
promovia o Estado Novo através de toda uma simbologia que surgiria a partir da FEB. As
rádios, vivendo sua fase áurea, passariam a tocar marchas com letras que associavam a
presença do país na Itália a uma convicção de que a vitória seria inevitável. Os pracinhas
eram exaltados em músicas como Canção do Expedicionário, que estimulavam o
sentimento nacionalista do povo.
"Você sabe de onde eu venho? Venho do morro, do engenho, das selvas, dos
cafezais, da boa terra do coco", dizia a abertura da composição do maestro Spartaco Rossi
e do poeta Guilherme Almeida, autor também dos versos que embalaram os
revolucionários paulistas em 1932.
Mas talvez o símbolo mais difundido no período tenha sido a insígnia da cobra
fumando. Era a resposta aos que afirmavam que seria mais fácil uma cobra fumar do que
os brasileiros irem lutar no front europeu. Ao terminar a guerra, porém, tudo mudou.
Depois de uma calorosa recepção, em que desfilaram heroicamente pelas ruas da capital
federal, por determinação do governo, os expedicionários foram apressadamente
desmobilizados, sendo, inclusive, proibidos de ostentar condecorações e andar
uniformizados. Eram devolvidos aos seus lares, sem qualquer assistência ou garantia de
emprego. Mesmo os que tinham seqüelas do conflito - mutilações, deficiências visuais e
auditivas, neuroses e alcoolismo - acabaram esquecidos.
Segundo o professor de história Francisco César Alvez Ferraz, autor da tese A
Guerra que não Acabou - a Reintegração Social dos Veteranos da FEB, "as dificuldades
para partilhar com a sociedade as recordações da participação na guerra, por parte dos
veteranos, eram semelhantes à da reintegração social. As pessoas já não queriam ouvir os
ex-pracinhas
escutar que oeque
suasfizeram
histórias
na das batalhas,
Itália e várias
fora mais vezes ex-combatentes
um passeio chegaram
do que a participação numaa
guerra de verdade. A dificuldade material se somava à desvalorização de seus feitos e
sacrifícios em combate".
Essa marginalização foi conseqüência da decisão da cúpula militar do Estado Novo
de impedir, a todo custo, uma possível utilização política dos pracinhas que lutaram pela
democracia - o que fez com que 229 acabassem sendo tratados como estorvos.10
Tinha-se a ilusão de que, assim, ficaria menos evidente a estrutura totalitária do governo
Vargas. Nada disso impediu que, em outubro de 1945, o presidente caísse para que fossem
realizadas eleições.
Mas naquele fim de 1942, apesar dos primeiros sinais de desgaste do Eixo, a
realidade ainda apontava para as águas do Atlântico, onde a campanha submarina alemã
prosseguia com sua rotina de afundamentos. Segundo o almirante Ingram, três medidas
eram urgentes: guerra total aos submarinos do Eixo; proteção à navegação mercante ao
longo da costa, sem a qual ficaria ameaçada a vida econômica do país; e o
desenvolvimento de forças armadas terrestres, navais e aéreas.
Em relatório enviado ao presidente Vargas, em 6 de outubro, o general Góes
Monteiro narrou o essencial das discussões que tivera com o comandante da 4a Esquadra
norte-americana baseada no Brasil:
"Referindo-se em particular à terceira questão, o almirante Ingram explicou que os
pedidos de material de guerra estão sujeitos a uma certa ordem de prioridades (...)
havendo presentemente outras frentes de batalha (Europa, Ásia e África) que têm de ser
atendidas preferencialmente. Entretanto, afirma que, quando o Brasil fizer pedidos
razoáveis, ditados pela ordem de urgência do presente modelo, ele porá todo o empenho
para que os mesmos sejam considerados e atendidos o mais rapidamente possível pelo
governo dos Estados Unidos."11 Não era difícil interpretar a posição americana. Havia
uma guerra feroz em curso, uma guerra de extensão jamais vista até então. Evidentemente
que as prioridades estavam onde as batalhas eram mais encarniçadas, onde se digladiavam
grandes exércitos, onde o futuro de nações hegemônicas estava sendo decidido. Mesmo
assim, depois do Gurupi e do Guaporé, em dezembro, mais quatro caça-submarinos foram
incorporados à Marinha brasileira. Foram eles o Javari, o Jutat, o Juruá e o 10 Apenas
em 1988, com a nova Constituição Federal, os veteranos de guerra do Brasil conquistaram
o direito de uma pensão especial. Só então tiveram o reconhecimento do que fizeram em
combate. Contudo, para a maioria o benefício veio tarde demais. Dos 25 mil
expedicionários, menos de 10 mil estavam vivos.
11 Rolo 7, fotograma 0348 a 0351. CPDOC/FGV.
230 Juruena, trazidos de Miami já, inclusive, em operações de guerra. Por onde
passaram, até a base de Natal, onde ficariam fundeadas, as belonaves "não encontraram
qualquer sinal de hostilidades".12 Apesar de menos freqüentes, no entanto, as
hostilidades prosseguiram; nem sempre com tanto sucesso. Estando a maioria dos
mercantes armados, não seria mais tão simples para os submarinos afundarem navios
brasileiros.
Em outubro, no dia 29, o Correio da Manhã anunciava a façanha do cargueiro Rio
Branco, do Lloyd Brasileiro. A caminho de Nova Orleans, ao ingressar no Mar do Caribe,
um dos vigias da embarcação deu o alarme de que, a cerca de 3 mil metros, estava postado
um submarino. com potentes binóculos, que passaram a fazer parte do equipamento das
embarcações, foi possível avistá-lo. Estava parado no sentido perpendicular, pronto para
atacar. com uma rápida manobra, o Rio Branco mudou de posição e, antes que fosse
alvejado, lançou sua artilharia contra o inimigo. O comandante Manoel Lopes de Oliveira
contou como foi possível evitar que o cargueiro engrossasse as estatísticas de navios
brasileiros afundados:
"Quando navegávamos no Mar do Caribe, foi visto por bombordo, na distância de
aproximadamente 3 quilômetros, o periscópio e parte da torre de um submarino, que
elevava-se a um metro da superfície. Tinha a cor cinzenta e uma pequena mancha branca
parecendo ser sua numeração. O imediato foi um dos primeiros a divisar o objeto no mar,
manobrando imediatamente o navio para boreste, colocando o submarino na popa e
disparando o primeiro canhão contra o mesmo. Ficando essa nave de guerra na
esteira do navio e estando ainda à vista o seu periscópio, foram dados mais oito tiros,
sendo que dois chegaram muito perto do alvo. Quando atacado por nós, conservou-se a
distância estimada de 2.500 metros pela popa, mas sempre submerso, mantendo o
periscópio de fora (...) Depois de um dos tiros, foi observado sair em um dos seus bojos
uma pequena coluna de fumaça (...) A partir daí, o submarino distanciou-se, não sendo
mais visto."13 Para evitar a surpresa de um contra-ataque, sinais de socorro foram
emitidos pela estação telegráfica a bordo. Eles foram captados pela esta- 12 História
Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de Documentação da Marinha. Rio de
Janeiro, 1985.
13 Correio da Manhã - 29 de outubro de 1942.
231 ção costeira em Barbados e logo um avião da Força Aérea norte-americana
sobrevoava a região, seguindo em operação de reconhecimento. O Correio da Manhã
chegou a noticiar o afundamento do submarino, mas isso não foi confirmado. O Rio
Branco chegou são e salvo ao seu destino: o porto de Nova Orleans.
A mesma sorte não teve o cargueiro Porto Alegre, da Companhia Carbonífera Sul
Rio-Grandense, de 5.187 toneladas. Singrando as águas do Cabo da Boa Esperança, onde
nos meses de outubro e novembro os Aliados tiveram perdas consideravelmente altas, sob
o comando do Capitão-de-Longo-Curso José Francisco Pinto de Medeiros, o cargueiro,
sem armas, fazia a rota entre a Cidade do Cabo e Durban, na África do Sul. Eram 18h30
do dia 3 de novembro quando foi atingido por um torpedo do U-504,u comandado pelo

Capitão-Tenente
torreta a pintura deFrist
umaPoske.
cabeçaOde
submarino alemãodas
lobo emergindo eraáguas,
de pequeno
com osporte e tinha
dentes em sua
pontiagudos
escancarados.
Depois de arriadas as baleeiras, o U-504 veio à tona, e um oficial interrogou o
comandante Medeiros em inglês, traduzindo as respostas, em alemão, para o
Capitão-Tenente Frist. Ao final, o comandante, para surpresa geral, fez a saudação
nazista, exclamando: "Heil Hitler!" Ninguém respondeu.
Entre os náufragos do Porto Alegre estavam 11 tripulantes do mercante inglês
Laplace, resgatados na véspera - quase todos salvos, após quatro dias no mar. As baleeiras
do Porto Alegre chegaram à terra no dia 7 de novembro, a 50 milhas de Port Elizabeth.
Vítima de "desordens orgânicas internas", o imediato Francisco Lucas de Azevedo
acabou sendo o único a morrer.
No dia 22 de novembro, aconteceu o último torpedeamento de um navio brasileiro
em 1942. Foi o cargueiro Apalóiãe, comandado pelo Capitão-de-Longo-Curso José dos
Santos Silva, que fazia a rota de 14 O U-504 foi entregue pelos estaleiros de Hamburgo
no dia 29 de abril de 1940. Foi responsável pelo afundamento de 16 navios aliados. Sua
carreira foi interrompida, em 30 de julho de 1943, por cargas de profundidade da corveta
britânica HMS KitefWoodpecker, no Atlântico Norte, a noroeste do cabo Ortegal, na
Espanha. Toda a tripulação de 53 homens morreu.
232 Belém para Nova York. Seu algoz foi o U-163,15 do Capitão-de-Corveta
Kurt Edward Engelman, considerado um dos mais eficientes comandantes da Marinha
alemã. Ele consentiu que seus homens abrissem fogo com metralhadoras para intimidar a
tripulação já nas baleeiras.
O carvoeiro Jaime de Castro, que falava vários idiomas, foi chamado a bordo do
submarino para ser interrogado, sendo em seguida devolvido ao Apalóide. Dos dois
escaleres arriados, um foi recolhido pelo navio inglês Leeds City, às 23h do dia 28, e o
outro por um mercante, também inglês. O ataque do U-163 foi duro e implacável. Da
tripulação de 57 homens, cinco morreram: quatro no torpedeamento e um vítima de
queimaduras num hospital em Barbados.
15 O U-163 começou suas atividades em maio de 1940. Não foi dos submarinos
mais agressivos. Provocou apenas quatro afundamentos até ser destruído, em 4 de março
de 1943, por cargas de profundidade da corveta canadense HMCS Prescott. Os 57
tripulan- tes morreram.
233 Torpedeado o "Itapagé" nas costas de Alagoas O barco nacional, que viajava
sem comboio, encalhou quando procurava fugir do corsário nazista Nunca o nosso
papel-moeda esteve tão valorizado" O Jornal de 2 de outubro de 1943. O Itapagé é o
único navio brasileiro torpedeado na guerra até hoje explorado por mergulhadores
Encontro em que Vargas acertou com o presidente Roosevelt o envio de tropas brasileiras
para o front europeu
Uma nova era desponta no horizonte
No apagar das luzes de 1942, as águas do Atlântico Sul viveram dias de absoluta
calmaria. Sem qualquer torpedeamento em dezembro, a alvorada de um novo ano
confirmaria a tendência que se delineava, após mais de dois anos de conflito. O Reich
alemão começava a fraquejar. Um quadro bem diferente de poucos meses antes, quando
os discursos de Joseph Goebbels, recheados de empáfia, desafiavam a capacidade dos
Aliados de retomarem a Europa:
"Consideramos a invasão anglo-americana do continente uma empresa louca, que
será acompanhada das mais desastradas conseqüências para a Inglaterra e os Estados
Unidos.
Os ingleses marchariam na direção de Berlim não como vencedores, mas como
prisioneiros. De qualquer forma, esperamos que tragam alguns americanos. Os soldados
alemães querem deixar claro para eles que a Europa é uma terra proibida", declarou, em
julho de 1942, o ministro da Propaganda nazista ao jornal Das Reich.
No início de 1943, essas palavras pareciam fazer parte de um passado bem distante.
Encurralada em Stalingrado pelo 62S Exército do general Zukov, a Wehrmacht, com seus
homens famintos e congelados pelo rigor do inverno russo, sucumbiria dramaticamente.
O cerco dos Aliados se fechava e, em janeiro, na Conferência de Casablanca, Roosevelt e
Churchill se encontraram para, entre outras metas, estabelecer uma estratégia definitiva
de combate aos submarinos do Eixo, o que abriria caminho para se conseguir aquilo de
que Goebbels tanto duvidava: a invasão do continente europeu.
Na volta aos Estados Unidos, Franklin Roosevelt encontrou-se com Getúlio Vargas
em Natal, no dia 27 de janeiro. O presidente brasileiro chegou incógnito e hospedou-se no
destróier Jouett, ancorado no Rio Potengi. Nem os seus ministros foram informados da
viagem. Durante a inspeção à base de Parnamirim e aos quartéis do Exército e da
Aeronáutica da cidade, Vargas e Roosevelt, apesar de terem se visto apenas uma vez,
quase sete anos antes, pareciam velhos amigos. Roosevelt ficou especialmente
impressionado com o custo das obras do complexo militar. Achou "baratíssimo" os US$ 9
milhões empregados na construção de Parnamirim, principalmente levando-se em conta a
sua importância para a guerra, "e o que poupou de combustível, distância, riscos etc."1
Ambos trajavam elegantes ternos brancos e usavam os tradicionais chapéus-panamá,
apropriados para o clima da região e a época do ano. Conversando em francês, os dois
presidentes acertaram o envio de tropas brasileiras ao front europeu. Vargas insistiu para
que os acordos militares fossem respeitados e o fluxo de armamentos ao Brasil não
cessasse. Roosevelt, mantendo-se fiel à sua política de boa vizinhança, cumpriu com a
palavra.
Nesse mesmo mês de janeiro, como resultado das conversações em Casablanca,
começava uma sucessão implacável de afundamentos de Uboats que nem todo o
conhecimento naval de Dõnitz - ocupando então o posto de comandante geral da Marinha
alemã no lugar de Raeder, demitido depois que Hitler decidiu priorizar a arma submarina,
desarmando os grandes navios de superfície - foi capaz de evitar. O mais comemorado
pelos brasileiros foi o do U-507, responsável pelos afundamentos do Baependi,
Araraquara, Aníbal Benévolo, Itagiba e Arará. Avistado quando acabara de chegar ao
Atlântico Sul, a noroeste de Natal, no dia 13 de janeiro, foi posto a pique por um avião
Catalina da Marinha dos Estados Unidos, depois de ter torpedeado pela última vez um

navio, Provavelmente,
o cargueiro inglês Yorkwood.
o excesso de confiança depois da bem-sucedida missão no litoral
nordestino fez com que o comandante Harro Schacht, que retornava da Alemanha depois
de ser condecorado com a Cruz de Ferro - honraria concedida pelo Reich por atos de
bravura dos seus soldados -, não tomasse os cuidados necessários. Toda a tripulação de 54
homens morreu, inclusive o próprio Schacht (sua casa em Hambur- 1 Testemunho
Político. Murilo Melo Filho. Elevação, 1999.
236 go, da mesma forma que o submarino que comandava, acabaria destruída
por um bombardeio, obrigando sua viúva a mudar-se).
Em 1943, além do U-507, mais 11 submarinos do Eixo, dos 34 que participaram de
missões de ataque ou patrulhamento na costa brasileira, foram afundados em nossas águas
territoriais. O afundamento do maior deles, o U-199 - um moderno submarino do tipo
XXI D-2, de 1.200 toneladas, equipado com metralhadoras antiaéreas, um canhão de
proa, além de seis tubos de torpedos -, foi resultado única e exclusivamente da ação de
dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB). Em 13 de maio, comandado pelo
Capitão-Tenente Hans Werner, esse U-boat de grande porte zarpou da cidade alemã de
Kiel para sua primeira investida no Atlântico Sul. Um mês e cinco dias depois, chegou à
zona de patrulhamento, ao sul do Rio de Janeiro. Em 27 de junho atacou, sem sucesso, o
mercante norte-americano Charles Wilson Peale. Porém, em 3 de julho, abateu um avião
PBM3 Mariner da Marinha dos Estados Unidos, causando a morte dos tripulantes. No
mesmo dia, afundou o mercante inglês Henzada, de 4 mil toneladas.
O comandante Hans Werner parecia disposto a fazer uma devastação semelhante à
que Schacht fizera 11 meses antes na costa sergipana. com audácia, penetrou num
comboio e trocou tiros de canhão com uma das embarcações. Mas não tardou para que
chegassem reforços. Dois aviões da FAB foram acionados: um A-28 Hudson, do
Capitão-Aviador Almir dos Santos Policarpo, que decolou da Base do Galeão, e um PB Y
Catalina, do Capitão-Aviador José Mendes Coutinho, que já estava nas imediações
patrulhando a rota de um comboio. O Hudson lançou duas bombas sem que o alvo tenha
sido atingido e metralhou o convés, de onde os alemães reagiam. O Catalina, contudo,
bombardeou o U-199 com cargas de profundidade em duas passagens. Na segunda, elas
detonaram no momento exato em que o submarino passava. O impacto foi tão violento
que a proa do U-boat chegou a ser lançada para fora d'água. A explosão fez com que
círculos de espuma branca se formassem e, envolvido por elas, o submarino ficou parado.
O afundamento não demorou mais de três minutos. Logo, os sobreviventes
estariam nadando no mar agitado. Eram 12 os náufragos, entre eles o comandante Hans
Werner.
Todos foram recolhidos pelo USS Barnegat e levados para os Estados Unidos, onde
foram interrogados. 49 tripulantes morreram.
237 Soube-se, depois, que o pesqueiro Shangri-lá também foi atacado pelo
U-199. Ele foi atingido por tiros de canhão ao largo de Cabo Frio, o que ocasionou o
desaparecimento dos seus dez ocupantes. Só em 1999, quando os arquivos militares
norte-americanos foram abertos, é que se teve a certeza de que fora o submarino alemão o
responsável pelo ataque. com o desarquivamento do inquérito, em 31 de julho de 2001, o
Tribunal Marítimo finalmente reconheceu os pescadores do Shangri-lá como heróis de
guerra.
Em junho de 2004, tiveram os nomes incluídos no Monumento Nacional dos
Mortos da Segunda Guerra Mundial.
Ao longo de 1943, conforme o combinado entre Vargas e Roosevelt, mais l O
caça-submarinos foram incorporados à Marinha brasileira. Sem contar que 32 navios da

nossa frota mercantil


metralhadoras. A FAB(28 deles adocontar
passava Lloydcom
Brasileiro) já estavam
mais oitenta armados
unidades, entre de
os canhões
bimotorese
Hudson e Catalina e caças tipo P-40. Apesar disso, e da declaração da 4a Esquadra
norte-americana de que as águas do Atlântico Sul estavam limpas de submarinos
inimigos, no decorrer do ano, mais sete navios mercantes brasileiros foram afundados.
A perda mais séria foi a do cargueiro Afonso Pena, torpedeado em 2 de março pelo
submarino italiano Barbarigo, o mesmo que atacara o Comandante Lira, depois de,
inadvertidamente, ter se desgarrado do comboio que o protegia quando singrava as águas
do litoral da Bahia. Os relatos dos sobreviventes revelam momentos de terrível sofrimento
para alguns náufragos. Depois do torpedeamento, com a confusão reinante a bordo, foi
impossível parar as máquinas. A proa do navio começou a afundar e as baleeiras arriadas
acabaram deslizando ao longo do costado do barco até chegar às hélices ainda em
movimento. Muitos dos que tentavam se salvar morreram retalhados. O desaparecimento
de 125 homens causou um grande mal-estar no país. Na mesma área em que fora abatido o
Afonso Pena, outros quatro navios aliados foram torpedeados nos primeiros dias de março
(dois norte-americanos, um holandês e um sueco), o que comprovava que os submarinos
do Eixo, mesmo sem a antiga eficácia, ainda atuavam no Atlântico Sul.
Mais uma evidência disso veio em 31 de julho, quando o Bagé foi atacado. Um dos
grandes navios mistos do Lloyd Brasileiro, carregava em seus porões borracha, castanhas,
couro, fibras e algodão. Navegava de Recife para Salvador com 107 tripulantes e 27
passageiros a bordo. Por fu- 238 megar demasiadamente, recebeu ordem para deixar o
comboio e prosseguir viagem junto à costa. Foi como uma sentença de morte para o Bagé.
Por volta das 21 h, recebeu o primeiro torpedo do U-185, do Capitão-Tenente nazista
August Maus. Como se não bastasse, em seguida, foi atingido no seu passadiço por uma
granada incendiária.
A surpresa do ataque fez com que poucas baleeiras pudessem ser arriadas, e o que
se viu foram homens atirando-se em desespero ao mar para tentar alcançar os destroços
que flutuavam ao redor da embarcação. O Bagé afundou em apenas quatro minutos.
Morreram vinte tripulantes, entre eles o comandante Arthur Monteiro Guimarães, além de
oito passageiros.
Menos de um mês depois, no dia 24 de agosto, o U-185 foi localizado e abatido por
aviões do Navio-Aeródromo Escolta USS Core, que era tido como um dos mais eficientes
caça-submarinos do Eixo.
Outra perda significativa, em 1943, foi a do Itapagé, vapor da Companhia Nacional
de Navegação Costeira, construído em 1926 no estaleiro francês de Chantiers de
LAtlantic, a mando do industrial Henrique Lage, proprietário da empresa. Sua carga
continha 2 mil caixas de cerveja, 30 mil panelas, remédios, perfumes, pneus e dois
caminhões. Em 26 de setembro, comandado pelo Capitão-de-Longo-Curso Antônio da
Barra, depois de ser perseguido por várias milhas, não resistiu aos dois torpedos lançados
pelo U-161, do comandante nazista Albrecht Achilles. Estava a apenas 8 milhas da costa e
alguns náufragos foram resgatados por jangadeiros. Sendo atingido nos porões, soçobrou
em quatro minutos, quando já navegava nas imediações da Lagoa Azeda, uma vila de
pescadores a 60 quilômetros de Maceió. Às 13hlO, era plena a luz do dia. Por causa do
pânico provocado pelas explosões, apenas duas baleeiras salva-vidas foram baixadas ao
mar. Eram 106 tripulantes e passageiros, dos quais 22 morreram.
"Quando me dei conta do que se passara, não pensei duas vezes: atirei-me ao mar e,
nadando desesperadamente, tentei afastar-me o mais rápido possível, procurando fugir da
sucção que era produzida pela imersão do navio e que poderia arrastar-me para o fundo.
Após muito tempo, avistei uma baleeira que procurava recolher os náufragos e navegava
na direção do continente",2 declarou um dos sobreviventes.
2 Navios e Portos do Brasil. João Emílio Cerodetti e Carlos Cornejo. Solaris,
2006.
235 Mas o U-161 não ficou impune por muito tempo. No dia seguinte à investida
contra o Itapagé, foi localizado a cerca de 200 quilômetros da Praia do Conde, na Bahia.
Atacado por um avião Mariner do esquadrão aéreo VP-74/P-2 da Força Aérea
norte-americana, afundou inapelavelmente, levando para o fundo do mar os seus 53
tripulantes.
O último mercante brasileiro perdido na guerra foi o Campos, torpedeado em 23 de
outubro de 1943, a 20 milhas da costa, entre o Rio de Janeiro e Santos, pelo submarino
alemão U-170,3 comandado pelo Capitão-Tenente Gunther Pfeffrer, que acabou sendo
afundado, no fim da guerra, junto com outros 114 submarinos do Eixo, na Operação
Deadlight. Dez homens da tripulação do Campos morreram.
Em terra, as pressões por uma abertura política no país tornavam-se insustentáveis.
O antifascismo que se arraigara na sociedade brasileira resultava na criação de entidades
de cunho democrático, como a Sociedade Amigos da América, da qual Oswaldo Aranha
era vice-presidente, e que tinha como premissa justamente "lutar contra as doutrinas
fascistas",
espécie defossem elas européias
autoritarismo. ou nacionais
Surgiria também o(integralismo).
Manifesto dosEmMineiros,
suma, combatia toda
documento
assinado por 76 personalidades de Minas Gerais - Afonso Arinos de Mello Franco, Arthur
Bernardes e Milton Campos, entre outros -, em cujo conteúdo era pedido o fim da
ditadura, que continuava implacável. A prova foi a violenta repressão, em dezembro de
1943, a uma passeata em São Paulo que protestava contra a prisão de Hélio Mota,
presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito do Largo de São
Francisco (USP). A truculência da polícia paulista deixou um saldo de dois mortos e cerca
de vinte feridos. Eram espasmos de um regime cada vez mais desgastado. Nesse mesmo
mês de dezembro, o general Góes Monteiro, adoentado, seria transferido para o Uruguai,
de onde passou a enviar relatórios sobre a situação da região da Bacia do Prata. Um ano e
oito meses depois, ele seria o principal articulador da deposição do presidente Vargas.
3 O U-170 foi entregue em Bremen no dia 21 de maio de 1941. O único
afundamento que consta em suas operações é o do Campos. Foi destruído na Operação
Deadlight, em 30 de novembro de 1945.
240 Em 1944, aconteceria o que o Reich tanto desdenhara: a invasão à Europa
com o desembarque na Normandia. Depois de dias de indefinição, causada por condições
meteorológicas adversas, no dia 6 de junho, finalmente, foi dada a ordem para execução
do plano de assalto que colocaria abaixo a Muralha do Atlântico (defesas submarinas e
terrestres alemãs, constituídas de casamatas e minas ao longo de toda a costa da França,
Bélgica e Holanda). Um alívio para os oficiais aliados que temiam que os planos do
ataque fossem descobertos pelos nazistas:
"A perspectiva de adiar a invasão era terrível, pois teríamos que conservar um
segredo conhecido por mais de 140 mil homens", disse o general Omar Bradley,
comandante do 1o Exército dos Estados Unidos. Diante da monumental derrota que se
avizinhava, ocorreria na Alemanha uma conspiração, da qual participariam membros da
elite militar e aristocrática, com o objetivo de assassinar Hitler e negociar um cessar-fogo
com os Aliados, livrando o país da destruição total. A 20 de julho, o coronel Von
Stauffenberg, que servira no Afrika Korps, colocaria uma bomba dentro de uma pasta na
sala de conferências do QG de Hitler, no front oriental. A explosão causou um grande
estrondo, fazendo desabar estrepitosamente o teto da sala. Quatro homens morreram na
hora e outros dois ficaram gravemente feridos.
Ao deixar o prédio em ruínas, o ditador alemão tinha a pele chamuscada, a perna
direita queimada e um dos braços paralisados - a calça que usava se transformara num
farrapo. Escapara de morrer, graças a um coronel que antes da reunião tropeçara na pasta
colocada embaixo da mesa onde estaria Hitler, mudando-a de posição.
Todos os conjurados foram presos e executados, depois de julgamentos sumários.
Nem Rommel, àquela altura marechal-de-campo, mas contrário ao prosseguimento da
guerra, foi apoupado.4
desviando atenção daOgravidade
atentado da
contra Hitler
situação emfoi
quelargamente explorado
se encontravam os 4pelos
Mesmonazistas,
tendo
resistido à idéia do assassinato, Rommel, por ter se envolvido com os conspiradores, foi
condenado à morte. com medo da repercussão que teria a execução de um marechal com
grande prestígio popular, Hitler montou uma grande farsa para punilo. Rommel foi
obrigado a ingerir veneno diante das ameaças de ser acusado de alta traição. Sua família
também estava sob ameaça. Pressionado, Rommel acabou se matando. Seu funeral teve
honras militares, e Hitler, hipocritamente, ainda enviou uma mensagem de condolências à
viúva.
241 seus exércitos no front do leste, onde os soviéticos, numa colossal ofen-
siva, levavam tudo de roldão. A primeira página do Volkischer Beoba- chter, jornal
oficial
Führer do Partido
vive!" No Nazista,
Brasil, odo dia 21 Oswaldo
ministro de julho de 1944 anunciava
Aranha, insatisfeitoenfaticamente: "Nosso
com a insistência da
cúpula militar em adotar medidas antidemocráticas, deixaria o Ministério das Relações
Exteriores. O estopim foi o fechamento, em agosto, com o consentimento do general
Dutra, da Sociedade Amigos da América. A decisão do governo foi tomada para impedir a
realização de um ato político do qual Oswaldo Aranha participaria, depois de ter sido
reeleito vice-presidente. O afastamento do principal responsável pelo alinhamento com
Washington escancarava fissuras incontornáveis no governo,5 porém não impedia novos
avanços no relacionamento com os Estados Unidos.
Ainda em 1944, com o apoio do almirante Ingram, que há muito trabalhava com a
intenção de gradativamente dar ao Brasil maiores responsabilidades nas operações de
guerra no Atlântico
guarnições Sul, oito substituídas
norte-americanas contratorpedeiros-escolta tiveram
por brasileiras. com asgrupos
suas bandeiras
de ataquee
organizados, a Marinha brasileira passou a vasculhar sozinha os mares em busca dos
derradeiros corsários. Não houve mais registro de ataques a navios mercantes.
Nesse período, entretanto, a Marinha de Guerra teria a sua maior perda. Foi o
torpedeamento do navio-transporte Vital de Oliveira, pelo submarino alemão U-86lf em
19 de julho. Nem a escolta do caçasubmarino/tímn impediu o ataque que matou 99 dos
275 militares que estavam a bordo. O navio havia feito escalas em Natal, Cabedelo,
Recife,- 5 A passividade com que Vargas aceitou o pedido de demissão de Aranha é
vista por muitos historiadores como uma estratégia usada por ele para esvaziar uma
possível candidatura do ministro das Relações Exteriores à presidência da República.
Segundo o professor de história da UFF, Vágner Camilo Alves, "Oswaldo Aranha tinha,
naquele momento, prestígio de sobra para se tornar presidente, mas Vargas preferia
alguém que pudesse manobrar e influenciar de forma mais efetiva, como o próprio
general Dutra".
6 O U-861 foi entregue em Bremen no dia 15 de julho de 1942. Foi responsável
pelo torpedeamento de cinco navios e acabou sendo afundado em 31 de dezembro de
1945 na Operação Deadlight.
242 Salvador e, por último, Vitória. Quando seguia na direção do rio de Janeiro
foi sentida a grande explosão na popa. A guarnição foi chamada aos postos de combate e,
através de foguetões, alertada a escolta, que partiu no encalço do submarino,
provavelmente já mergulhado.
O navio não demorou mais de três minutos para afundar, o que impediu que as
baleeiras fossem arriadas. Rapidamente, as águas atingiram os tubos de vapor, apagando
as caldeiras. Em completa escuridão (o ataque aconteceu às 23h55), o pessoal embarcado
"lançou-se ao mar, procurando apoiar-se em destroços de toda espécie que flutuavam.
Ouviam-se vozes dos oficiais e praças pedindo calma e outros dando vivas ao
Brasil em tom emocionado" 7 O Capitão-de-Fragata João Batista de Medeiros Guimarães

Roxo, Apesar
como manda a tradição
desse ousado naval,
ataque, aofoi
se oaproximar
último a deixar o navio.
o ano de 1945, ninguém tinha dúvidas
de que o resultado da guerra seria a derrota inapelável da Alemanha nazista.
com a certeza do triunfo, Franklin Roosevelt morreria nos Estados Unidos, em 12
de abril, após sofrer um derrame cerebral. "A guerra vai terminar pelo fim de maio",8
sentenciou ele em março, enquanto planejava uma visita à Europa. Foi a resposta dada a
quem temia pela sua segurança onde o conflito, mesmo na sua fase final, ainda se
desenrolava.
Hitler, em seus devaneios, chegou a interpretar o falecimento do presidente
norte-americano como um sinal de reversão do quadro da guerra. Pura ilusão. Havia um
mês que os mercantes que faziam as rotas entre os portos da América do Sul, Norte e
Central estavam autorizados a navegar novamente com suas luzes de navegação acesas.
Nesse mesmo mês de março de 1945, as patrulhas aéreas no litoral do Brasil foram
desativadas. Em seguida, a Força Naval do Nordeste, com a missão cumf prida, retornava
à sua base principal na capital federal. Enquanto isso, o presidente Vargas, apesar do
surgimento do movimento queremista, que, visava a sua permanência no poder, se via
cada vez mais isolado. j^ 7 História Naval Brasileira. Quinto volume. Serviço de
Documentação da Marinha. Rio 8 Roosevelt e Hopkins - Uma História da Segunda
Guerra Mundial. Robert Sherwood.
Nova Fronteira, 1998.
243 Em janeiro, em São Paulo, o I Congresso Brasileiro de Escritores lançara, do
mesmo modo que fizeram políticos e intelectuais mineiros, um manifesto que pregava a
legalidade democrática. Apesar dos temores de represálias, tal como as que atingiram
alguns dos signatários do Manifesto dos Mineiros, que, por pressão do governo, perderam
até seus empregos, tanto em órgãos públicos como em empresas privadas, não faltaram
adesões. Escritores de todo o país marcaram presença. "Foi um protesto contra a
subserviência aos sistemas de opressão à liberdade de pensamento",9 resumiu Aníbal
Machado.

UmDIP,
poder do mêsfoi
depois, em fevereiro,
publicada outro golpe
uma entrevista na ditadura.
no Correio Numcom
da Manhã desafio explícitoJosé
o paraibano ao
Américo de Almeida, conhecido adversário do regime, que fora impedido de concorrer à
presidência por causa do golpe de 1937. Em depoimento ao jornalista Carlos Lacerda,
Américo criticava duramente o Estado Novo e pedia eleições. "Getúlio tonteou. Ele supôs
que, com o meu atrevimento, eu tivesse atrás de mim uma força poderosa",10 diria José
Américo.
Esse episódio é considerado um marco do fim da censura à imprensa e, dois meses
depois, o DIP seria extinto. Nem a decisão de Vargas, em 28 de fevereiro, através da Lei
Constitucional n2 9, determinando que em noventa dias fossem realizadas eleições para a
presidência da República, governos dos estados, Congresso Nacional e Assembléias
Legislativas, diminuiu
concedido anistia a onda
ampla que logo odeengoliria.
e permissão Tampouco
organização adiantou,
partidária. em abril,
O Estado ter
Novo,
moribundo, estava com seus dias contados.
Nesse momento, eram dados os últimos suspiros do conflito no cenário
internacional. Mesmo com nomeações de comandos nos distritos alemães que iam sendo
conquistados, a direção do Exército Vermelho, que buscava estabelecer o mínimo de
ordem por onde passava, não pôde impedir que soldados dos níveis mais baixos de suas
tropas cometessem toda espécie de arbitrariedades contra a população civil. Em es- 9 Rua
do Ouvidor 110. Uma História da Livraria José Olympio. Lucila Soares. José Olympio
Editora, 2006.
10 Entrevista extraída do livro Testemunho Político, de Murilo Melo Filho, contida
no site da Fundação Casa de José Américo (fcja.pb.gov.br).
pecial as mulheres sofriam. Os estupros se sucediam, vitimando,
indiscriminadamente, desde adolescentes até senhoras idosas.
Em ruínas, Berlim, cada vez mais fustigada pelas forças soviéticas que avançavam
do leste, estava na iminência de cair. Em 20 de março, num estado de tensão próximo ao
colapso, Hitler, notificado da derrota irremediável, se exasperava numa reunião com seus
principais generais, acusando-os de incompetência e covardia. Sua nova ordem era ultra
radical: nada deveria cair nas mãos dos inimigos. A infra-estrutura que restava no
território alemão - pontes, estradas, ferrovias, centrais de abastecimento, sistemas de
canalizações e instalações militares - deveria ser destruída. O Führer claramente
vislumbrava o fim.
Acuado em seu bunker na Chancelaria do Reich, construído 15 metros abaixo da
superfície, o ditador já podia ouvir o estrondo das bombas explodindo ao redor. Junto com
os sonhos que prometiam hegemonia por mil anos, ruía o bastião que se julgava
inexpugnável. Em 30 de abril, após almoçar, dirigiu-se aos seus aposentos. Pouco depois,
ouviu-se um disparo seco. Encontrado sentado em uma cadeira, com o rosto
ensangüentado, teve, como havia exigido, o corpo levado para a parte externa do abrigo, e

lá envolvido
como peça em
de chamas.
museu Só restariam
pelos as cinzasOdeFührer
soviéticos". Hitler, que não admitia
desaparecia na "ser exibido
esteira do
desmoronamento da Alemanha nazista.
Sem nenhuma perspectiva de reação, assim como seu líder, as forças do Reich
estavam esgotadas. Dispersas, sem munição e combustível, capitulavam no Sul e
Noroeste da Alemanha, na Itália, Holanda e Dinamarca. Indicado por Hitler como seu
sucessor, o almirante Karl Dõnitz, no cargo de chefe de Estado, ordenaria a assinatura de
um armistício provisório e, no dia 8 de maio, eram definidos os termos da rendição
incondicional. Instruídos por Dõnitz, os comandantes dos submarinos se entregavam.
Alguns poucos não acataram a ordem e, insensatamente, tentaram chegar ao
Pacífico, onde o Japão ainda lutava uma guerra perdida. Outros, numa postura camicase,
atacariam
das contas,navios
dos 38namil
costa norte-americana,
homens que serviramsendo logo localizados
à armada submarina ealemã,
destruídos.
apenasNo8 fim
mil
sobreviveram.11 11 Proporcionalmente, esse foi o maior índice de perdas humanas de
todas as forças envolvidas na guerra, levando-se em conta todos os países que
participaram do conflito.
245 No total, 34 embarcações brasileiras foram torpedeadas durante a Segunda
Guerra Mundial, o que causou a morte de 1.081 pessoas, a maioria civis inocentes. Nem
nos campos de batalha tantos brasileiros pereceram. Dos mais de 25 mil soldados da FEB
que foram lutar nas trincheiras italianas, 454 morreram e cerca de 3 mil ficaram feridos; a
maior parte na sofrida conquista do Monte Castelo, feito que elevou os brasileiros à
condição de heróis de guerra.
Hoje, mais de sessenta anos após todos esses acontecimentos, a grande maioria dos
navios brasileiros torpedeados continua intocada no fundo do Oceano Atlântico.
Somente através de sondas percebe-se a presença deles. Em geral, estão em
coordenadas de difícil acesso, em águas profundas e de pouca visibilidade, onde
mergulhadores poderiam ser atacados pelos tubarões que infestam o mar do Nordeste
brasileiro.
O único que chegou a ser explorado foi o Itapagé. Por ter sido afundado
relativamente próximo à costa do estado de Alagoas, está a apenas 25 metros de
profundidade. Como a região possui águas claras - o que permite a visão da embarcação
desde a superfície -, o Itapagé virou ponto de atração turística, sendo constantemente
visitado. Todos se fascinam com a majestade dos seus 113 metros de comprimento,
pousados corretamente no fundo do mar. Sua proa está intacta e, ao redor, ainda podem
ser vistas muitas garrafas da carga que transportava.12 Testemunha da morte de 22
homens, o Itapagé transformou-se, paradoxalmente, em refúgio da vida marinha. As
estreitas e contorcidas ferragens, a cabine de comando e os camarotes viraram dormitórios
para as mais diversas espécies de peixes que ali se reproduzem. Robustas barracudas de
até 2 metros, com seu dorso marcado por listras negras, e raias bailando graciosamente

predominam
Uma boano ambiente.
parte do que foi retirado do interior do navio - basicamente peças de
serviço de bordo (talheres, copos, canecas, xícaras e pratos) - foi doada, em 1996, ao
Departamento de Museu do Serviço de Documentação da Marinha, no Rio de Janeiro. A
exposição à água sal- gada durante várias décadas praticamente inutilizou esses objetos.
Estavam corroídos, quebrados e enferrujados.
Apesar do cuidadoso trabalho de reconstituição, o estado deles é precário. A louça,
se tocada, esfarela-se, perdendo a consistência. Mesmo assim, todas as peças são
guardadas como se fossem pequenos tesouros, relíquias arqueológicas. Como se nelas
estivesse resumida a história de cada um dos mais de mil brasileiros que morreram sob a
mira de Hitler.
12 Relato baseado no artigo do mergulhador Rodrigo Caluccini, publicado no site
brasilmergulho.com.br.
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Agradecimentos
Escrever sobre fatos que ocorreram há mais de sessenta anos é sempre algo
extremamente desafiador. Foram quase dois anos tomando coragem para, enfim, munido
de considerável material, dar o grande e necessário mergulho de volta a 1942, e de lá
resgatar toda a atmosfera que envolveu os trágicos episódios que ceifaram a vida de tantos
brasileiros a bordo dos nossos navios. No entanto, foi uma empreitada que jamais
conseguiria executar sozinho, sem a ajuda de diversas pessoas e instituições.
Para começar, quero manifestar a minha gratidão ao professor de História Vágner
Camilo Alves, da Universidade Federal Fluminense. Autor da tese de mestrado sobre o
envolvimento do Brasil na Segunda Guerra Mundial, transformada em livro pela Editora
PUC, ele teve um papel crucial fazendo a revisão dos fatos históricos contidos nesta obra.
Além disso, esteve sempre disponível para esclarecer as inúmeras dúvidas que
inevitavelmente surgiram ao longo deste trabalho. Suas sugestões e comentários
contribuíram fundamentalmente para a minha melhor compreensão dos eventos
pesquisados.
Já ao comandante da Marinha, Francisco Carlos Pereira Cascardo, grande
conhecedor da história naval, agradeço pelo carinho com que sempre me atendeu, pela
gentileza de fazer a revisão dos termos náuticos e por me esclarecer vários episódios
incluídos no capítulo da guerra anti-submarina. Sou grato também ao comandante
Cascardo por indicar-me como fonte de pesquisa o Serviço de Documentação da Marinha,
onde tive as portas abertas pelo Capitão-de-Mar-e-Guerra Francisco Eduardo Alves de
Almeida; pela Capitã-de-Fragata Mônica Hartz Oliveira Moitrel; e pelo arqueólogo
subaquático Luiz Octávio de Castro Cunha, todos extremamente receptivos. A Luiz
Octávio sou grato tam- 255 bem pela leitura do capítulo sobre a guerra anti-submarina.

No SDM
parte tambémfotográfico
do material tive livre acesso ao acervo
que ilustra iconográfico
este livro. Agradeçodaa Márcia
Marinha, onde obtive
Prestes, boa
chefe civil
do arquivo iconográfico, pela minuciosa pesquisa, e ao Capitão-de-Mar-e-Guerra
Joaquim Arinê Bacelar Rego, diretor do SDM, por autorizar o uso das imagens.
Na Biblioteca Nacional também contei com toda a boa vontade dos funcionários,
que, tanto no setor de periódicos quanto na biblioteca pública, demonstraram em todos os
momentos vivo interesse em colaborar. O mesmo aconteceu no Arquivo Histórico do
Itamaraty e no Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Em ambas as instituições,
contei com significativa ajuda dos seus pesquisadores, invariavelmente prestativos. No
Arquivo Público, com a boa vontade de Johenir Janotti, chefe do setor de consulta, ainda
pude resgatar preciosas fotografias contidas nos inquéritos dos espiões alemães que
atuaram no Brasil durante a Segunda Guerra.
A Fundação Getulio Vargas também colaborou substancialmente. Por meio do seu
site, pude ter acesso a documentos fundamentais, todos disponibilizados gratuitamente
para pesquisa, que conferiram a indispensável credibilidade que este tipo de trabalho
requer. Seu arquivo fotográfico também contribuiu para a ilustração do livro.
Quero expressar ainda a minha eterna gratidão ao meu amigo Domingos Meirelles,
jornalista consagrado e autor de diversas obras premiadas, que acompanhou praticamente
todos os passos da minha caminhada, lendo os srcinais e dando preciosas sugestões para
que o livro resgatasse ao máximo a atmosfera do período relatado.
Tenho também uma imensa dívida de gratidão com o ex-companheiro de redação
Carlos Alberto Malcher. Jornalista da melhor estirpe, chefe da revisão do velho Correio
da Manhã, onde aprendeu a respeitar as palavras com homens como Otto Maria Carpeaux,
Manuel Bandeira, Graciliano Ramos e Carlos Drummond de Andrade, entre outros, ele
teve inestimável participação ao ler os srcinais e fazer uma primeira revisão.
Sou gratíssimo também a Adriana Giglio, companheira de todas as horas, que,
pacientemente, me ajudou a encontrar as melhores soluções para inúmeros trechos desta
obra. Sempre disponível, apesar de tão ata- refada, não se furtou em momento algum a
contribuir com seu senso crítico aguçado e conhecimento da língua portuguesa.
com o meu amigo Sérgio Zaccaro tenho uma eterna dívida de gratidão por
generosamente ter me presenteado com a coleção "A Segunda Guerra Mundial", que me
serviu de fonte permanente de consulta. Sou grato à fotógrafa Nina Lima e ao tratador de
imagens Ricardo Almada pela disponibilidade demonstrada na produção de parte dos
registros fotográficos desta obra. Luiz Gabriel também teve a maior boa vontade ao
fornecer algumas fotos do acervo do site sentandoapua.com.br.
Quero ressaltar a importância das obras que compõem a bibliografia mencionada.
Utilizei-me especialmente dos livros Oswaldo Aranha, uma Biografia, de Stanley Hilton;
História de uma Guerra Secreta, de Sérgio Corrêa da Costa; História Naval Brasileira, de
Arthur Oscar Saldanha e Hélio Leôncio Martins; Brasil no Conflito Ideológico Global, de
Teixeira Soares;
Continente, PerfisSilva;
de Hélio Brasileiros. Getulio
Memórias da Vargas,
SegundadeGuerra
Boris Fausto;
Mundial, 1942
de -Winston
Guerra no S.
Churchill; e O Brasil e a Segunda Guerra Mundial, de Vágner Camilo Alves.
Finalmente, faço questão de registrar a minha satisfação de levar este livro ao leitor
pela editora Objetiva, que, ousadamente, apostou na idéia deste projeto quando ele ainda
era praticamente um esboço, ou seja, antes mesmo da apresentação do seu srcinal final.
A Isa Pessoa e Helena Carone, que trabalharam incansavelmente para que o livro
ganhasse em forma e conteúdo, a minha eterna gratidão.

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