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SÃO PAULO
2014
INTRODUÇÃO
Mário Raul de Morais Andrade, conhecido pelo nome artístico Mário de Andrade,
nasceu em São Paulo no dia 9 de outubro de 1893 no berço de uma família de classe média.
Segundo consta, quando adolescente, não demonstrava nenhum talento em especial: foi
somente mais tarde que começou a dedicar-se intensivamente aos estudos de música –
principalmente o piano – e à leitura de muitos textos eruditos. Ainda jovem, publica seu
primeiro livro, Há uma Gota de Sangue em cada Poema, que o põe em contato com Anita
Malfatti e Oswald de Andrade.
Torna-se também catedrático no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo em
1922 e, para garantir sua subsistência, dá aulas de piano e escreve vários artigos para
publicações de crítica de arte. No mesmo ano, participa da Semana de Arte Moderna, em São
Paulo, da qual foi um dos principais nomes, assumindo uma posição de liderança – por isso
mesmo, há quem o reconheça mais como o “pai do modernismo” do que como um escritor,
embora tenha se dedicado à literatura e às artes em geral de maneira integral e exclusiva.
Anos mais tarde, em 1928, publica Macunaíma, considerada por muitos estudiosos
uma das obras-primas da literatura nacional. Entre suas outras obras, destacam-se: Amar,
verbo intransitivo; Paulicéia desvairada; Losango Cáqui; Clã do Jabuti e Lira Paulistana.
Em Macunaíma Mário de Andrade reúne inúmeras tradições, lendas e mitos da cultura
indígena brasileira e latino-americana, retratando o choque entre a cultura nativa e a cultura
do colonizador e suas consequências na construção –ou não – identidade nacional. Essa obra
desafiou a cultura vigente na época, tendo sido considerada revolucionária sob muitos
aspectos.
O livro divide-se em dezessete capítulos e um epílogo, contando a história do “herói
sem nenhum caráter” Macunaíma. Mário de Andrade teve dificuldades em classificar sua obra
em um gênero, defendendo que o livro trata-se de uma rapsódia, uma epopeia às avessas ou,
ainda, uma epopeia modernista. A obra aproxima-se, contudo, da epopeia, por apresentar um
herói sobre humano e a presença de divindades e mitos pagãos que intervêm na narrativa.
Rapsódia é um termo utilizado pelos gregos para classificar as grandes epopeias como
a Ilíada e a Odisseia, de Homero, em que se narram séculos de histórias e resumem-se
inúmeras tradições culturais e folclóricas de um povo. Mário de Andrade considerava a
rapsódia como um gênero em que assuntos e temas diversos são abordados em estilos e
gêneros diferenciados, numa espécie de “colcha de retalhos” de temas, estilos, gêneros,
abordagens, etc.
O autor afirmou ainda que escreveu a obra em apenas seis dias, durante um período de
férias – contudo, sabemos que a obra foi o fruto de muitos anos de pesquisa sobre os povos
amazônicos e suas tradições, bem como das linguagens populares do Brasil da época. Entre as
influências mais expressivas encontra-se o trabalho do folclorista alemão Koch-Grünberg, que
estudou os povos indígenas da Amazônia e suas lendas e mitos. Mário de Andrade, porém,
não se limita à releitura de mitos: na obra, cria novas lendas, sempre recorrendo à sátira e a
ironia – há, por exemplo, o mito da criação do futebol, do truco, da expressão “Vá tomar
banho!”, entre outros.
O aspecto crítico do livro – que será melhor abordado adiante – condensa-se em seu
protagonista, que busca ser um reflexo da identidade brasileira: ambíguo, Macunaíma é ao
mesmo tempo poderoso, heroico e preguiçoso, malicioso e desonesto. O próprio nome
Macunaíma é uma sátira, uma vez que sua origem remonta das palavras tribais Maku (mau) e
Ima (grande). O protagonista, assim, representaria o grande mau da sociedade brasileira – sua
falta de caráter.
CONTEXTO HISTÓRICO
1.1 Enredo
O enredo de Macunaíma possui uma estrutura linear bastante simples. Entretanto, essa
linearidade é constantemente interrompida pela inserção de “casos”, lendas e mitos. Porém, se
essas inserções forem desconsideradas, teremos o seguinte:
Situação inicial: relato do nascimento e infância de Macunaíma, suas aventuras e
seu encontro com Ci, a mãe do mato, por quem se apaixona. Quando o filho do
casal morre, Ci desiste de viver, transformando-se em uma estrela e deixando com
Macunaíma o seu mais valioso amuleto: a muiraquitã.
Estabelecimento de um conflito: Macunaíma perde a muiraquitã numa luta contra
Capei, monstro que encontra em seu caminho. O herói então descobre, por meio
de um uirapuru, que após uma sequência de eventos, a muiraquitã foi adquirida
por Venceslau Pietro Pietra, um homem rico que vive em São Paulo.
Desenvolvimento: Macunaíma segue para São Paulo em busca de seu amuleto,
vivendo inúmeras aventuras.
Clímax: Após muitas peripécias e idas e vindas, Macunaíma enfrenta Venceslau,
que é, na verdade, o gigante antropófago Piaimã, e recupera seu amuleto.
Desfecho: Seduzido pela uiara, Macunaíma perde novamente a muiraquitã
enquanto banha-se em uma lagoa. O monstro ainda o mutila, deixando-o em
frangalhos. Desiludido e tendo desistido de viver, o herói procura um feiticeiro,
que o transforma na constelação de Ursa Maior.
2. O capítulo IX, Carta pràs Icamiabas, em que Macunaíma escreve para as Icamiabas, suas súditas,
um relato sobre aquilo que viu em São Paulo. Nessa carta, há uma inversão de papeis em relação à
famosa carta de Pero Vaz de Caminha sobre o descobrimento do Brasil. Utilizando a mesma
linguagem, cerimoniosa e arcaica, Macunaíma – um índio e imperador – narra o descobrimento da
civilização para suas súditas, uma situação inversa à de Caminha:
Senhoras: Não pouco vos surpreenderá, por certo, o endereço e a literatura desta missiva. Cumpre-
nos, entretanto, iniciar estas linhas de saudades e muito amor, com de sagradável nova. É bem
verdade que na boa cidade de São Paulo - a maior do universo, no dizer de seus pro lixos habitantes -
não sois conhecidas por "icamiabas", voz espúria, sinão que pelo apelativo de Amazonas; e de vós, se
afirma, cavalgardes ginetes belígeros e virdes da Hélade clássica; e assim sois chamadas. Muito nos
pesou a nós, Imperator vosso, tais dislates da erudição porém heis de convir conosco que, assim,
ficais mais heróicas e mais conspícuas, tocadas por essa platina respeitável da tradição e da pureza
antiga.
Mas não devemos esperdiçarmos vosso tempo fero, e muito menos conturbarmos vosso entendimento,
com notícias de mau calibre; passemos pois, imediato, ao relato dos nossos feitos por cá.
[...]
Finalmente, senhoras Amazonas e muito amadas súbditas, assaz hemos sofrido e curtido árduos e
constantes pesares, depois que os deveres da nossa posição, nos apartaram do Império do Mato
Virgem. Por cá tu do são delícias e venturas, porém nenhum gozo teremos e nenhum descanso,
enquanto não rehouvermos o perdido talismã. Hemos por bem repetir entretanto que as nossas
relações com o doutor Venceslau são as milhores possíveis; que as negociações estão entaboladas e
perfeitamente encaminhadas; e bem poderíeis enviar de antemão as alvíçaras que enunciamos atrás.
Com pouco o vosso abstêmio Imperador se contenta; si não puderdes enviar duzentas igaras cheias
de bagos de ca cau, mandai, cem, ou menos cinqüenta! Recebei a bênção do vosso Imperador e mais
saúde e fraternidade. Acatai com respeito e obediência estas mal traçadas linhas; e, principalmente,
não vos esque çais das alvíçaras e das polonesas, de que muito hemos mister.
Ci guarde a Vossas Excias.
Macunaíma, Imperator.
(Mário de Andrade, Macunaíma)
1.2 Personagens
Macunaíma: personagem central do livro, nomeado como herói sem nenhum caráter.
A expressão, no caso, mais do que se referir às características negativas de
Macunaíma, expressa a indefinição e a ambiguidade deste que, no curso da obra,
apresenta-se simultaneamente bom e mau, ingênuo e esperto, tendo como bordão a
frase “Ai, que preguiça!”, que traduz em poucas palavras essa ambiguidade e o caráter
fraco do personagem. Sua personalidade multifacetada engloba as mais diversas
características, sintetizadas pelo autor em um só personagem. Dessa forma, o
protagonista assume inúmeras personalidades e formas: ele é Kalawunseg, o
mentiroso; é José de Anchieta quando acompanhado por papagaios e araras; é Mario
de Andrade quando vai à macumba com Manuel Bandeira, entre muitos outros heróis
e vilões, além de transformar-se em formiga, pé de urucum e piranha, por exemplo.
Sua busca pela Muiraquitã é também a busca de sua origem primitiva e de seu único
amor verdadeiro.
Maanape: irmão de Macunaíma que o acompanha na busca pela Muiraquitã. Ao
longo da narrativa sua fama de feiticeiro é mencionada diversas vezes. Por ter sido o
último a se lavar no poço encantado – que transformou Macunaíma, tornando-o branco
e de olhos azuis – conseguiu apenas molhar as palmas das mãos e dos pés, que ficaram
brancas. Por esse motivo, Maanape representa o negro, entre as raças que formaram o
povo brasileiro.
Jiguê: outro irmão de Macunaíma, também participa da busca pelo amuleto perdido.
No episódio do poço encantado, entra na água depois de Macunaíma, encontrando-a já
suja e escurecida. Embora esfregue a água na pele, não fica branco, conseguindo
apenas clareá-la, tornando-a cor de bronze. Jiguê representa o índio na miscigenação
racial do povo brasileiro.
Sofará: companheira de Jiguê, cunhada de Macunaíma. Por “brincar” com ela
diversas vezes, Macunaíma transforma-se em príncipe.
Iriqui: segunda mulher de Jiguê. Ao saber que o irmão também “brincava” como ela,
Jiguê dá Iriqui para Macunaíma, achando que não valia a pena brigar com o irmão por
causa de mulher.
Ci: companheira e único amor de Macunaíma. Seu nome quer dizer “mãe”, por isso
era chamada de Mãe do Mato. Como seu companheiro, Macunaíma torna-se
Imperador do Mato Virgem e passa a ser acompanhado por uma “corte” de papagaios
e araras. Ambos tiveram um filho cuja morte leva Ci a morrer também,
transformando-se na constelação Beta de Centauro. Antes de partir, entrega a
Muiraquitã, seu amuleto mais poderoso, a Macunaíma.
Capei: cobra gigantesca, morta por Macunaíma para salvar a amada de Titçatê, Naipi.
O herói corta a cabeça da cobra, que se transforma em uma lua.
Piaimã: gigante comedor de gente, antagonista de Macunaíma. Também chamado de
Venceslau Pietro Pietra, representa o estrangeiro, em oposição ao índio. Grande parte
da narrativa vai tratar do conflito entre Piaimã e Macunaíma pela posse da Muiraquitã.
Por fim, o herói mata o gigante e recupera o amuleto. Diferente das demais
personagens da obra, depois de morto Piaimã não se transforma em estrela, muito
possivelmente por ser a representação da maldade.
Vei: representa o Sol e deseja casar Macunaíma com uma de suas filhas. Mas o herói
não cumpre a promessa e foge.
Ceiuci: velha comedora de gente, companheira do gigante Piaimã e, também, a
caapora, espécie de duende maligno.
2 ASSUNTO
3 TEMA
1. A miscigenação das raças: esse tema se faz presente desde o primeiro capítulo. O
herói Macunaíma, é um índio que nasce “preto retinto”, em seguida, ao banhar-se numa fonte
mágica, torna-se loiro de olhos azuis, ou seja, aproxima-se fisicamente do colonizador
europeu. O episódio que narra a criação das três raças, já citado, ilustra bem essa questão.
2. O caráter do povo brasileiro: o brasileiro é mostrado como um povo de natureza
apática, preguiçosa, lenta, sem iniciativa, esforço ou determinação. O mote do herói, “Ai, que
preguiça!” é uma clara ilustração desse ponto de vista. Além disso, o herói, em muitas
situações, recorre à esperteza e aos truques, no melhor “jeitinho brasileiro”.
3. O atraso da sociedade brasileira: o Brasil é mostrado como um país pouco
desenvolvido, atrasado em relação às grandes civilizações europeias. O protagonista resume
essa ideia quando afirma que “pouca saúde e muita saúva, os males do Brasil são”, frase que
repete ao longo do livro.
4. A língua: a língua também é problematizada em Macunaíma. Seguindo a corrente
de pensamento modernista, Mário de Andrade inova no uso da língua portuguesa, recorrendo
a uma liberdade de expressão até então cerceada pelas escolas literárias anteriores e fazendo
uso de uma linguagem mais coloquial e próxima do falar popular.
Assim, o autor emprega neologismos, arcaísmos, palavras de origem indígena e termos
estrangeiros “abrasileirados”, além de elaborar muitas enumerações: listas que revelam uma
profunda pesquisa de vocabulário quanto à nomenclatura das espécies da fauna e da flora
brasileiras.
5. O contraste entre o civilizado e o selvagem: essa temática é ilustrada por todo o
livro, especialmente na oposição entre Macunaíma e Piaimã: um é um índio que vem do
ambiente selvagem da floresta em busca de seu amuleto perdido – a muiraquitã, considerada
por alguns estudiosos como símbolo da pureza e ingenuidade – e o outro, um homem rico que
vive na grande metrópole e alimenta-se de gente.
Assim, pode-se dizer que ao perder seu amuleto, o herói perde também a inocência
característica do índio, e põe-se numa busca para recuperá-la, processo no qual é obrigado a
enfrentar a civilização, encarnada na figura de Piaimã.
4 MENSAGEM
Mário de Andrade apresenta, por meio do humor e da sátira, uma visão crítica da
sociedade brasileira da época.
5 DISCURSO PREDOMINANTE
Macunaíma é, por excelência, uma obra modernista. A tal ponto em que se pode dizer
que a obra funciona como ilustração prática das ideias modernistas defendidas por Mário de
Andrade, numa espécie de romance-manifesto.
Por isso mesmo, a análise aqui realizada encontrou inúmeros obstáculos, uma vez que
a obra em questão, por sua natureza, não se deixa analisar de maneira tradicional como
proposto. De certa forma, é possível afirmar, inclusive, que o autor a escreveu justamente de
forma que não pudesse ser analisada assim.
Assim, Macunaíma pode ser considerada como uma das obras mais representativas do
modernismo brasileiro. Mesmo uma leitura superficial permite perceber que a obra é
revolucionária, rompendo com as estruturas do romance tradicional e, por isso mesmo, de
difícil leitura. Sua estrutura, sua temática e sua linguagem – bastante vanguardistas, mesmo
em relação aos romances atuais – requerem do leitor uma certa maturidade para que possa
apreciá-la. A obra mantêm-se, até hoje, única, original e emblemática.
Além disso, em Macunaíma, é possível encontrar traços muito fortes do movimento da
Antropofagia, proposto por Oswald de Andrade, e que consistia não na negação da arte
estrangeira, mas em seu equilíbrio com a arte nacional. A ideia era a do consumo de toda arte
de qualidade, independentemente de sua origem.
Dessa forma, Macunaíma configura-se como uma obra nacionalista, mas não
xenofóbica, na qual misturam-se elementos das vanguardas europeias – dadaísmo, futurismo,
surrealismo, expressionismo – e da cultura brasileira mais legítima e de raiz.
Entre os elementos modernistas que podem ser identificados na obra, o principal é sua
tendência à ruptura e uma aparente intenção de provocar espanto e escândalo: toda a obra é
uma espécie de negação de tudo aquilo que vinha sendo feito na literatura brasileira desde o
Barroco; não há tempo, lugar, espaço, as personagens se transmutam, a ação é fragmentada.
Há quem diga que a lógica de Macunaíma é não ter lógica alguma.
Essa rebeldia aparece também na linguagem, que aproxima-se da língua coloquial,
falada, num movimento oposto ao que acontecia na literatura até então, com exceção, talvez,
do Realismo. Isso fica muito claro no capítulo, já mencionado, “Carta pràs Icamiabas”, em
que o autor satiriza a distância entre a língua falada e a língua escrita.
A língua também aparece como veículo de outra ideia modernista – a de valorização
de todas as formas de cultura e a consequente descentralização da cultura socialmente
validada. Assim, ao incluir palavras, expressões e vocábulos de todas as regiões do Brasil,
bem como sintaxes e construções igualmente diversas e irregulares, Mário de Andrade cria
uma obra que é nacional, no sentido de englobar todas as culturas do Brasil e de valorizá-las
por igual, retratando e construindo assim uma língua portuguesa genuinamente brasileira.
De maneira parecida, há na obra uma evidente busca por elementos tipicamente
brasileiros, num nacionalismo modernista que, opondo-se à idealização e à utopia romântica,
critica e satiriza a cultura nacional. A obra é, assim, um verdadeiro depósito de lendas, mitos,
elementos folclóricos e pedaços da cultura brasileira.
Para além da língua, já mencionada, Mário de Andrade satiriza e critica o Brasil em
sua totalidade: seu herói é, por excelência, uma caricatura bastante exagerada do homem
típico brasileiro, retratando seu comodismo, apatia e falta de moralidade.
Por fim cabe dizer que, embora de inegável valor para a literatura nacional – e porque
não dizer, mundial – a obra presta-se mais ao estudo do que à leitura, considerada por muitos
como cansativa e tediosa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TERRA, E.; NICOLA, J. de. Gramática, Literatura e Produção de Texto para o Ensino
Médio: curso completo. São Paulo: Scipione, 2002.