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Freitas, Bianca Rodrigues; Pereira, Eliane Regina. Formando psicólogos para o trabalho com grupos

Formando psicólogos para o trabalho com grupos

Graduating psychologists to work with groups

La formación de los psicólogos para trabajar con grupos

Bianca Rodrigues Freitas1

Eliane Regina Pereira2

Resumo

A partir de pesquisa desenvolvida com estagiárias de psicologia da Universidade Federal de Uberlândia que
participaram de rodas de conversa na sala de espera de uma Unidade Básica de Saúde, este artigo discute
como tem sido a formação para o trabalho com grupos nessa universidade, o que se entende por grupo, se e
como essa experiência contribui para a formação dos profissionais de psicologia. Os resultados indicaram
que a graduação ainda tem sido insuficiente para a formação do profissional da saúde pública, visto que a
realidade encontrada é outra e que as práticas de promoção devem ser variadas e eficazes. As experiências
nas rodas de conversa exemplificaram uma forma de atuação no serviço público, possibilitaram
envolvimento das estagiárias e mostraram a importância da promoção de saúde.

Palavras-chave: Formação profissional. Promoção da saúde. Sala de espera. Trabalho com grupos.

Abstract

From a research developed with trainees of psychology of the Federal University of Uberlândia (UFU) that
participated in conversation wheels in the waiting room of a Basic Health Unit, this article discusses how has
been the formation for the work with groups in that university, what is understood by group, if and how this
experience contributes to the training of psychology professionals. The results indicated that graduation has
still been insufficient for the training of the public health professional, since the reality found is different and
that promotion practices should be varied and effective. The experiences in the conversation wheels
exemplified a way of acting in the public service, made possible the involvement of the trainees and showed
the importance of health promotion.
Keywords: Professional training. Health promotion. Waiting room. Work with groups.

Resumen

A partir de investigación desarrollada con estudiantes graduadas de psicología de la Universidad Federal de


Uberlândia que participaron de ruedas de conversación en la sala de espera de una Unidad Básica de Salud,
este artículo discute cómo ha sido la formación para el trabajo con grupos en esa universidad, lo que se
entiende por grupo, si y cómo esa experiencia contribuye a la formación de los profesionales de psicología.
Los resultados indicaron que la graduación aún ha sido insuficiente para la formación del profesional de la
salud pública, ya que la realidad encontrada es otra, y que las prácticas de promoción deben ser variadas y
eficaces. Las experiencias en las ruedas de conversación ejemplificaron una forma de actuar en el servicio
público, posibilitaron la participación de las estudiantes graduadas y mostraron la importancia de la
promoción de la salud.

Palabras clave: Formación profesional. Promoción de la salud. Sala de espera. Trabajo con grupos.

1
Graduanda em Psicologia UFU
2
Professora Instituto de PsicologiaNucleo Psicologia Social e Saúde

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Introdução Oliveira, Silva, Pereira e Kodato


(2013) veem a roda de conversa como
Vários autores já discutiram a respeito possibilidade de atuação e formação, busca da
da entrada do psicólogo nos serviços de coletivização do tempo-espaço, compromisso
saúde: Dimenstein (2000), Dimenstein e com o sujeito integral e singular. Ela promove
Macedo (2012) e Oliveira et al. (2004) saúde e potencializa que os sujeitos cuidem de
argumentam que o psicólogo inicia suas si e do outro.
atividades nos hospitais e ambulatórios de O presente trabalho foi realizado com
saúde mental e, aos poucos, vai assumindo cinco estudantes do curso de Psicologia da
outros espaços de saúde. Nesse momento, sua Universidade Federal de Uberlândia. As
formação clínica apresenta problemas. participantes compartilharam um projeto de
Entende-se que o curso de Psicologia extensão em que coordenaram rodas de
deveria ser capaz de formar profissionais conversas semanais em uma Unidade Básica
aptos a lidar com a realidade múltipla que é de Saúde da cidade de Uberlândia pelo
encontrada na saúde pública, formando período de um ano. A roda de conversa
psicólogos criativos, reflexivos e capazes de acontecia semanalmente, sempre no mesmo
contextualizar sua prática, além de atenderem horário, em uma Unidade Básica. As
à realidade dos sujeitos (Romagnoli, 2006). É extensionistas formaram duplas, uma das
necessário preparar o futuro profissional para quais mediava a conversa e a outra escrevia o
as atividades exercidas no âmbito dos diário de campo, anotando trechos de falas
serviços de saúde e assistência pública, dos participantes e impressões pessoais sobre
pensando práticas coletivas e efetivas que os acontecimentos, tendo em vista discussões
promovam saúde. durante a supervisão. No local da roda de
A atuação do psicólogo em grupos conversa, o procedimento das extensionistas
oferece a possibilidade de uma intervenção era inicialmente convidar todos os presentes
mediadora que cria vínculos, possibilita na sala de espera a organizarem um círculo
vivências, apropriações do novo, com as cadeiras. Logo elas apresentavam a
reestruturação da vida e estabelecimento de proposta da conversa introduzindo um recurso
novos sentidos (Andaló, 2006). estético previamente escolhido em supervisão.
Dentre as muitas modalidades grupais, Esta pesquisa teve como objetivo
a roda de conversa é adotada por Sampaio, compreender os sentidos produzidos pelas
Santos, Agostini e Salvador (2014) como uma estagiárias de Psicologia em relação às
estratégia política que possibilita a intervenções que haviam sido construídas
emancipação dos coletivos. Para esses para a sala de espera e como ferramentas para
autores, a proposta se baseia na conformação a formação em Psicologia. Além desse
circular e na inexistência de quem sabe e objetivo, buscou-se identificar se as formas
quem não sabe, abrindo possibilidades de uma como as estagiárias definiram grupo se
nova forma de relacionamento entre os modificou após a experiência na sala de
participantes, na qual as relações são espera e avaliar se a graduação contribuiu
horizontais, os sujeitos que a compõem se para a formação profissional, preparando-as
implicam e são atores da realidade e assim para o trabalho com grupos.
realizam trocas e produção de conhecimento.
Branco e Pan (2016) acrescentam que, A prática na sala de espera e sua
por meio das rodas, os discursos, entendidos contribuição para o trabalho com grupos:
como simultaneamente individuais e sociais, o percurso da investigação
têm possibilidade de serem ressignificados,
produzindo múltiplos sentidos que permitem A pesquisa se deu em duas etapas.
outra leitura das experiências vividas. Antes do início do estágio, na sala de espera,
foram realizadas entrevistas individuais com

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as cinco estagiárias do curso de Psicologia da e repensadas conforme vistas e conversadas


UFU. Cada entrevista incluiu perguntas com os colaboradores. Realizou-se, portanto,
acerca da definição de grupo, vivências de uma constante construção conjunta.
grupos e formação das estudantes. Às
participantes foi esclarecida a importância da Análise de falas: grupo como espaço
sua contribuição e explicadas as etapas do promotor de reflexões
projeto e os cuidados éticos adotados, sendo-
lhes solicitada a assinatura do termo de O grupo é constituído por conjunto de
consentimento livre e esclarecido em que pessoas que mantêm relações recíprocas
concordavam colaborar na construção da ligadas por objetivos comuns, que interagem
pesquisa. Ao fim do estágio, uma segunda entre si, sendo, portanto, um processo e
etapa de entrevistas foi realizada, dessa vez estando em constante movimento (Andaló,
audiogravada, tendo o mesmo roteiro de 2006). Grupo diz respeito à integração, a um
perguntas como base, acrescido de questões espaço que possibilita reflexões e que tem a
que investigavam se e como a experiência função de mediar o particular e o social,
contribuiu para a formação em Psicologia. sendo também um meio de se criar realidade a
Nessa segunda etapa de entrevistas, novas partir da própria linguagem (Rasera & Japur,
perguntas poderiam surgir para esclarecer 2006). Para Camargo-Borges e Michima
algo que não tivesse ficado claro ou para (2009), o grupo acontece nas próprias
sanar alguma curiosidade acerca do que era relações que nos permitem conhecer o seu
apresentado. funcionamento.
O trabalho prosseguiu com a Segundo Dias, Silveira e Witt (2009),
organização do material obtido: transcrição o grupo auxilia seus componentes de
dos áudios das entrevistas e, tendo como base diferentes maneiras: ajusta mudanças a novas
os passos propostos por Aguiar e Ozella situações, trata crises, socializa, melhora o
(2006), busca dos núcleos de significação autocuidado e pode ter caráter preventivo, a
para apreender a constituição dos sentidos. partir das experiências compartilhadas pelos
Durante o processo de transcrição, o material participantes. Os indivíduos no grupo se
obtido foi reorganizado em “grupos para unem na construção de novos conhecimentos
análise” ou “eixos temáticos” para facilitar e no questionamento de discursos
seu entendimento (“estágio”, naturalizados, têm espaço para serem ouvidos
“extracurricular”, “disciplinas”, e mantêm relações horizontais entre
“dificuldades”, “me serve para quê?”, “roda profissional e usuário do sistema de saúde.
de conversa”). Para facilitar a leitura, as Com os encontros, objetiva-se
transcrições foram adequadas às regras conhecer os membros, crenças circulantes,
gramaticais, retiraram-se repetições típicas da aspectos emocionais, atitudes, informações,
linguagem falada e foram ignorados trechos além de criar espaços para que os sujeitos
sem interesse para a análise, resguardado entrem em contato consigo mesmos. As
sempre o sentido expresso pelas entrevistadas. conversas visam ampliar o autoconhecimento
Utilizou-se também a “transcriação” e proporcionar reflexões acerca de aspectos
(Silva & Barros, 2010), que permitiu sociais e vivências cotidianas, sobre a
acrescentar elementos que mostram ao leitor o comunidade e sobre o serviço de saúde
que foi apreendido pelas pesquisadoras no utilizado (Dias, Silveira & Witt, 2009).
momento da realização da entrevista. Tal
procedimento terminou no momento em que Como que eu defino grupo? Então, a gente
os colaboradores – as entrevistadas ou outras parte da teoria histórico-cultural, então de
acordo com o que a Silvia Lane fala, a gente
pessoas que se dispuseram a ler o material – entende grupo enquanto um processo, o grupo
avaliaram de forma positiva o texto final. A é o mediador entre o individual, entre o
escrita foi ativa, posicionada, e deixou particular mesmo e a sociedade, então eu acho
impressões que foram modificadas, alteradas que grupo é isso mesmo, é o mediador entre o
individual e a sociedade e a gente entende ele

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enquanto um processo e não enquanto uma inquietação, nelas, de alguma forma. Então,
coisa acabada. (Sabrina, 2. Entrevista) antes, quando a gente ia estudar grupo, a gente
ficava tentando diferenciar o que era grupo e
O indivíduo se constitui na relação agrupamento, porque que uma fila de pessoas
esperando o ônibus não é grupo. Quando a
social e não pode ser compreendido fora de gente vai fazer o grupo, a gente percebe que o
seus vínculos. Na relação, o sujeito se grupo ganha a sua própria dinâmica, um grupo
apropria dos saberes da sociedade e dos é muito diferente de outro, mesmo que tenha
grupos aos quais pertence e ocupa diferentes as mesmas pessoas, o grupo parece que tem
posições simbólicas, baseadas em fatores uma vida própria, naquele lugar, naquele
tempo, com aquilo que se tem conversado. Eu
culturais e históricos já determinados, mas acho que a característica principal do que é
reconstruídos a cada momento. O lugar social um grupo são essas pessoas conseguindo se
diz respeito a fatores pré-determinados e afetar juntas pelo conjunto, acho que é isso
também a sentidos novos e passíveis de serem que define grupo. (Bruna, 2. Entrevista)
construídos pelos sujeitos, na relação
(Zanella, Filho & Abella 2003). Andaló (2006) comenta Sartre dizendo
Ao mesmo tempo em que as que, para esse autor, o grupo é formado
estagiárias promovem reflexões no grupo em quando os indivíduos desenvolvem ligações
que atuam, o movimento do próprio grupo faz entre eles; grupo é totalidade, é afastar-se da
as estagiárias refletirem sobre a forma de necessidade unicamente individual e ver algo
atuação, a profissão, a promoção da saúde ou comum; por isso, a mera espera do ônibus não
sobre si mesmas. Analisando as entrevistas forma um grupo. Grupo é mediação, é ter
iniciais e finais, pode-se observar o objetivos comuns e relação de reciprocidade.
desenvolvimento das respostas e a O grupo possibilita refletir sobre diversos
importância da prática para o entendimento da assuntos cotidianos, mediando indivíduo e
própria atuação como vivência e realidade e contexto sócio-histórico. Elementos do dia a
não mais mera teoria. A princípio, as respostas dia são trabalhados e repensados nele, a partir
para “O que é grupo?” se baseavam em ser da integração proporcionada entre indivíduos
um número x de pessoas reunidas em torno de vinculados num contexto social.
algo que fosse comum e, ao fim, pode-se Outra entrevistada diz inicialmente
observar a ampliação desse olhar. Assim, que: “Quando penso em grupo, a primeira
Bruna diz, na entrevista inicial, o que é grupo ideia que me vem à cabeça é um conjunto de
para ela. pessoas reunidas em prol ou não de alguma
causa ou motivo em comum que as une de
O que é grupo pra mim? É uma palavra muito alguma forma. É estar com o outro”
ampla que pode envolver significados (Gabriela, 1. Entrevista).
diversos. Posso considerar um grupo enquanto Passado um ano de experiência na
pessoas esperando ônibus, ou duas pessoas
conversando sobre qualquer assunto.
condução de grupos, ela diz: “Grupo? Eu vejo
Pensando na atividade que signifique algo, como um encontro de pessoas que pode gerar
que represente e afete de alguma forma as muitas possibilidades, de mudança, de
pessoas, acho que grupo é um processo de questionamento, de reflexão, de identificação,
constantes trocas (afetos, experiências), de discórdia, de conflito, mas daí pode gerar
construções, aprendizados e
compartilhamentos que possibilitam aos
uma potência muito grande, independente do
sujeitos implicação e posição afetiva. (Bruna, contexto” (Gabriela, 2. Entrevista). Ela
1. Entrevista) continua acreditando que o grupo se une em
prol de algo, mas agora sabe que gera
Na entrevista final, ela tem outra reflexão, questionamento, potência.
definição de grupo. Betina fala inicialmente dos grupos
comuns e depois segue a mesma reflexão
Grupo pra mim é um espaço em que as proposta por Gabriela.
pessoas conseguem compartilhar coisas, serem
ouvidas e a partir disso gerar alguma

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Do meu ponto de vista, um grupo é psiquismo funciona com base nos


constituído por mais de um sujeito, que, significados e sentidos historicamente
minimamente, mantém algum tipo de
relacionamento, e que estão imersos em pelo
construídos e culturalmente partilhados e a
menos um contexto comum, por exemplo, na dimensão que se dá a essa significação
família, no trabalho, na sala de aula. (Betina, transforma a maneira de cada um encarar a
1. Entrevista) vida.
Eu entendo que a função de um grupo é O corpo tem a potência de ser afetado
produzir reflexão, trazer à tona aquilo que as
pessoas não pensam sobre e fazer elas
pelo que o cerca e de afetar o seu entorno, e o
pensarem e refletirem sobre isso. Então, objetivo de se saber isso é que nos tornemos
pensar sobre o cotidiano, sobre aquilo que é mais potentes e assim aumentemos nossa
naturalizado na vida delas, mostrar que na capacidade de existir e de pensar. As relações
verdade aquilo é algo que é construído, que que se dão no grupo, entre os corpos,
faz parte da cultura, desenvolver uma
coletividade que pense sobre isso. Acredito
permitem que os sujeitos sofram esses afetos
que grupo seja isso. (Betina, 2. Entrevista) e assim sejam alterados, de forma que a
potência aumenta ou diminui, aumentando ou
Observa-se que após a experiência as diminuindo a capacidade de agir de cada um.
respostas demonstram maior complexidade É a esse afeto que nós agimos ou
sobre o que é um grupo, sobre sua função de reagimos. Quando somos ativos nessa relação,
fazer refletir e de como cada grupo é único e quando há o bom encontro, conseguimos
diferente do outro. Segundo Andaló (2006), refletir e fazer algo produtivo que permite a
um grupo é constituído por relações de expansão dos corpos envolvidos. O bom
reciprocidade ligadas por objetivos comuns. É encontro eleva a potência, enquanto o mau
nele que se aprende sobre o cotidiano, visto encontro diminui e impede o desenvolvimento
que é a partir dele que iniciamos o processo da potência.
de associação, de integração, possibilitando
questionamentos acerca da realidade vivida Coordenador/mediador: o psicólogo no
pelas pessoas. grupo

Em minha opinião, grupo é um conjunto de Andaló (2006) diz que os grupos têm a
três ou mais pessoas, que compartilham algo: função de mediação. Mediar é um processo, a
seja objetivo ou uma característica ou uma própria relação, que possibilita ao sujeito
situação comum, entre outros. (Ana Luísa, 1.
Entrevista)
incorporar novos signos e repensar sua vida,
Pensava que um grupo era como um permitindo apreensão de vivências, bem como
agrupamento de pessoas, mas com o tempo e de seus significados. A partir das respostas
com as experiências fui entendendo que grupo obtidas nas entrevistas finais, observa-se que
está relacionado à ligação que as pessoas a definição de grupo para as profissionais
constroem entre si, que possibilita que um
possa constituir o outro, de alguma forma, em
passou a ser mais que um conjunto de
uma relação. (Ana Luísa, 2. Entrevista) pessoas, sendo um espaço que propicia a
criação de novas possibilidades, que viabiliza
Espinosa chama de bons encontros compartilhamentos, afetações, e que também
àqueles que potencializam o sujeito; diz que o gera inquietações. É um espaço promotor de
existir é potência e ao entrarmos em contato reflexões sobre assuntos naturalizados, que
com o outro somos afetados. Quando a faz pensar sobre questões que não são
potência é aumentada, ocorrem os bons comumente pensadas, permitindo a ampliação
encontros, que são aqueles que nos ajudam a das possibilidades, quebrando com o que é
compreender melhor o mundo e assim sermos tido como natural.
mais ativos nas nossas relações, aumentando Fica claro que as estagiárias passaram
nossa capacidade de escolha e consciência em por transformação ao longo da experiência,
relação ao que nos cerca e afeta. As pessoas que os grupos em que atuaram como
não saem as mesmas dos bons encontros, o mediadoras foram para elas próprias os

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mediadores do conhecimento, promovendo com o grupo, de se permitir ser afetada, pois


reflexões diversas sobre a atuação, sobre a fui percebendo que era isso que possibilitava
eu fazer pontuações ou perguntas que abririam
psicologia, sobre o estar com o outro e de que o grupo para as possíveis ressignificações e
forma estar. sentidos. (Ana Luísa, 2. Entrevista)
Por mediação entende-se que a própria
relação é o que facilita e possibilita ao sujeito Essas perguntas que abrem para novos
a apreensão dos significados do mundo no sentidos e novos olhares, que abrem para a
qual está inserido, permitindo que ele se reflexão sobre a qual Ana Luísa nos fala, diz
assenhore dos novos significados e assim respeito ao que Souza, Oliveira, Silva,
remodele suas ações e sua vida, mostrando ao Andrade e Martins (2014) trazem como
sujeito que nada é isolado (Andaló, 2006). comunicação dialógica. A comunicação
O coordenador/mediador tem um dialógica diz respeito a uma das
papel fundamental no grupo por estar a certa possibilidades que a Psicologia encontra para
distância do que é trazido e, sendo assim, trabalhar nas Unidades Básicas de Saúde no
apresenta uma visão diferenciada, mais ampla contexto grupal. É uma comunicação que visa
e profunda, sem apelo afetivo, podendo à promoção de saúde por valorizar uma
instigar reflexões, desafiando os integrantes amplitude de temáticas e em que o terapeuta é
do grupo a questionar o que eles têm como parceiro na conversa, buscando ampliação de
natural, como correto, auxiliando-os a repertórios. Nela, não é preciso que haja um
encontrar novas respostas e melhores sujeito certo e outro errado, mas é importante
caminhos. O coordenador utiliza seu que se esteja atento e curioso ao que o outro
conhecimento teórico para elaborar a vivência fala, com uma escuta atenta, com
do grupo e assim pode mostrar a este essa questionamentos que proponham reflexões
elaboração como forma de ampliar a com o intuito de ampliar a compreensão da
compreensão dos sujeitos ali presentes e fala desse outro. Na conversa dialógica, não é
desafiá-los para a superação das dificuldades necessário que se mude de opinião, mas é
existentes. O mediador deve explorar a preciso que se ouçam as diferentes opiniões,
diversidade dos integrantes do grupo, possibilitando o novo, dando lugar ao
aproveitando a riqueza que as diferenças diferente.
proporcionam e as trocas que elas
possibilitam (Andaló, 2006). Acho que o psicólogo trabalha de diversas
No decorrer das entrevistas, algumas formas, mas o que eu acredito que o que
falas se destacaram por mostrar a forma como psicólogo tem que conseguir fazer em grupo é
potencializar essas conversas, como facilitador
as estagiárias enxergam o papel do psicólogo e não como direcionador do que se tem que se
atuando em grupos e a forma que elas conversar. Ele tem que ser um profissional que
próprias atuam. dê conta de ouvir esse grupo genuinamente.
(Bruna, 2. Entrevista).
Nosso objetivo era ouvir aquelas pessoas e
fornecer um espaço em que elas pudessem “Ser um profissional que dê conta de
falar de si, ouvir o outro, refletir e, nesses ouvir esse grupo genuinamente” é ter postura
encontros e desencontros, ampliar as
possibilidades de sentidos sobre o mundo e
de curiosidade, é ter interesse sobre o que o
sobre a vida, entendendo que esse processo é outro fala, sobre o que o outro traz, sobre o(s)
promotor de saúde. No nosso trabalho em outro(s). Tal curiosidade abre espaço para
grupo, tínhamos como principal motor as uma melhor compreensão do que é trazido
perguntas, não qualquer pergunta, mas aquelas para conversar e possibilita maior exploração
que abriam para novos sentidos, novos
olhares, abriam para reflexões. Acredito que o
do que é compartilhado, permitindo a
psicólogo em grupo tem que saber manejar as ampliação das possibilidades de agir, pensar e
questões que o grupo vai trazendo e para isso enxergar diante de tais histórias. A postura de
percebi a importância de estarmos abertos ao curiosidade permite conhecer melhor o grupo,
contato com o(s) outro(s). Para mim, era
muito no sentido de se envolver sensivelmente

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seus interesses, dificuldades, necessidades psicólogo como mediador do grupo,


(Camargo-Borges & Michima, 2009). potencializador de falas, reflexões e também a
importância de o grupo ser um espaço
Eu acredito que o psicólogo, eu gosto muito acolhedor para os participantes, que amplia
da palavra facilitador [...] Acho que a função olhares, conhecimentos e pensamentos para
dele é produzir perguntas na verdade,
perguntas que instiguem as pessoas a
assim promover saúde e bem-estar.
pensarem. [...] Então eu acho que é uma
função de fazer refletir, tomando cuidado de Acho que o nosso papel na verdade é
não julgar o que as pessoas trazem, mas de potencializar falas, potencializar reflexões e
tentar entender o que elas trazem e tentar permitir que o grupo aconteça, dar esse espaço
questionar a partir do que elas trazem e não a para que o grupo se concretize enquanto
partir do saber que ele tem, afinal de contas grupo. (Bruna, 2. Entrevista)
não é um saber melhor nem pior que o de Dependendo do que surge é importante ser
ninguém. (Betina, 2. Entrevista) cuidado. Aí, à medida que vai surgindo, é
importante que nós, enquanto profissionais,
vamos mediando e acolhendo o grupo. (...)
Na atenção primária, a prática grupal, trabalhar a subjetividade, trabalhar as
além de buscar atender a uma demanda mais possibilidades mesmo dos sujeitos que estão
ampla, criar espaços de socialização e ali, voltado pra algum tema ou não, sempre
compartilhamento de conhecimentos entre tendo em ênfase a importância de cada um que
usuários e profissionais, fortalecendo esse está ali e de estar gerando ampliação de
repertório de vida, de reflexões sobre o que
vínculo, busca também a minimização do está acontecendo, o que está surgindo, de estar
campo cristalizado “paciente” e “especialista potencializando e estar promovendo saúde, de
em saúde” (Neto & Kind, 2010). Quando estar promovendo cuidado. Eu acho que o
Betina diz que é preciso que o psicólogo psicólogo é muito importante nesse papel de
esteja destituído de seus saberes, ela diz de grupo como mediador, assim como outras
pessoas, mas falando da psicologia, o olhar e o
uma postura do não saber, que é definida que a gente tem é diferente, a escuta é
como a postura que o profissional constrói em diferente, então eu acho que é importante,
uma relação horizontalizada com o outro, estar sempre empoderando essas pessoas
saindo da dualidade “quem sabe/quem não porque o grupo acontece ali e todo mundo tem
sabe”, aproveitando isso para uma escuta mais um papel importante por igual de alguma
forma e o psicólogo media, questiona, ele liga
atenta do que está sendo dito pelo outro para as falas e ajuda a dar uma cara de alguma
ampliar a compreensão (Camargo-Borges & forma pra esse grupo junto com eles.
Michima, 2009). (Gabriela, 2. Entrevista)
Betina também diz gostar do uso da
palavra “facilitador”, por considerar que o Gabriela fala que o psicólogo atua
psicólogo não leva algo de fora e que o grupo como mediador no grupo, que o psicólogo
tem em si os recursos necessários. Segundo tem olhar e escuta diferentes de outros
Moreira (1999), o profissional denominado profissionais. A atuação do psicólogo na
facilitador é aquele que proporciona vários equipe auxilia na execução da tarefa de
encontros de histórias, de vivências e de potencializar reflexões sobre o
convivência. O facilitador deve possibilitar o preestabelecido, o que é naturalizado pelo
desenvolvimento do grupo de maneira grupo, promover saúde e integrar o grupo
flexível e sem predeterminantes, ou seja, o como grupo junto com seus integrantes.
facilitador não se comporta como guia do Andaló (2006) acredita que a psicologia
grupo, ele propicia condições mais adequadas apresenta conhecimentos específicos que
para seu desenvolvimento dentro do ritmo do permitem a atuação em grupo do profissional
próprio grupo, deixando que seja trabalhado o de forma qualificada, permitindo que ele
tema emergente escolhido pelo grupo, sem desenvolva novos olhares no grupo,
direcionamentos. possibilitando reflexões acerca do cotidiano e
Bruna e a Gabriela retomam em suas assim permitindo que dificuldades sejam
falas considerações sobre o papel/função do ultrapassadas.

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devido à crise financeira instaurada na década


Como o psicólogo trabalha normalmente ou de 1970.
como a gente trabalha? Porque é diferente né, Os autores afirmam ainda que, com o
tipo, eu com a extensão eu tive uma ideia bem
diferente do trabalho com grupo, então eu
passar dos anos, foi ampliado o entendimento
acho que como ele deve trabalhar, enquanto do que é saúde, incluindo promoção e
coordenador mesmo, do mesmo jeito que o prevenção e então surgiu a necessidade de
grupo é um mediador entre o individual e a transformar, melhorar e expandir os modos de
sociedade, o coordenador do grupo no grupo tratar e de atuar do psicólogo, exigindo
seria o mediador entre o vivido pela pessoa e a
compreensão crítica desse vivido, dessa
mudanças e novas teorias e práticas que
realidade. Então eu acho que o papel do olhassem para a saúde de fato, enxergando o
psicólogo mesmo é dar espaço pra emergir bem-estar dos indivíduos como parte disso, e
essa compreensão crítica sabe, e daí nesse não apenas a ausência de doenças (Pires &
sentido a gente procura fazer perguntas mais Braga, 2009). Esse campo se faz
amplas, tentar ir contra as nossas expectativas,
não ir contra, mas não ficar presa nas
extremamente importante por incluir
perguntas que a gente pensou. (Sabrina, 2. atividades de todos os âmbitos, primário,
Entrevista) secundário e terciário.
A formação de psicólogos qualificados
A atuação do psicólogo, segundo as para atuarem no Sistema Único de Saúde
entrevistadas, tem então o papel de mediador, (SUS) se baseia em alguns itens que são como
que acolhe o grupo com toda sua bagagem guias para a prática, como o contato com a
teórica, dando espaço para que se repensem multiprofissionalidade, o compartilhamento
questões antes naturalizadas. O psicólogo, na da gestão, debates capazes de ampliar o
função de coordenador, tem uma postura campo profissional na área da saúde, a clínica
curiosa, que ouve e fornece um ambiente ampliada, o desenvolvimento de atividades
propício para os sujeitos falarem de si e estar que visem à independência dos usuários,
em contato/relação, ouvindo o outro e, a partir aumentando a capacidade deles de
disso, trabalha para ampliar as possibilidades entendimento e ação sobre o meio, suas
de sentidos, de repertório de vida, gerar relações e sobre si, a diversificação de
reflexões sobre o que acontece, sobre o atividades, projetos terapêuticos singulares. A
cotidiano, promover saúde e cuidado, formação deveria estar sempre inteirada aos
potencializar conversas de forma não diretiva, novos modos de gestão dos processos de
possibilitar ressignificações, trabalhando a trabalho no SUS.
subjetividade e as possibilidades dos sujeitos. A promoção de saúde é entendida aqui
como conjunto de práticas que visam cuidar
Graduação em psicologia: a formação do sujeito como ser integral, enxergando
prepara para o trabalho com grupos e para saúde como bem-estar. Tais práticas são
o serviço público de saúde? construídas no cotidiano, transformadas no
dia a dia e não são necessariamente num nível
O profissional psicólogo, segundo macro, já que a promoção se dá em
Pires e Braga (2009), foi incluído na saúde micropolíticas e também em microações. A
pública com o intuito de modificar o promoção é vista como processo construído,
atendimento no âmbito da saúde mental, que vivido e contextualizado e trata os usuários
era, até então, nos hospitais psiquiátricos. Tal como seres ativos nesse processo, buscando
inserção visava, dentre outros motivos, a potencializá-los e, consequentemente,
redução de custos, melhoria nos potencializar a própria coletividade. (Oliveira
atendimentos, responder às críticas sobre a et al., 2013).
Psicologia ser elitista e não pensar em práticas Com as entrevistas, observa-se que, na
visando o social e, também, em função da graduação em Psicologia, a mediação se dá
baixa demanda aos consultórios particulares não apenas por meio das disciplinas
obrigatórias, mas também a partir de

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Freitas, Bianca Rodrigues; Pereira, Eliane Regina. Formando psicólogos para o trabalho com grupos

atividades complementares, as quais nem Uma crítica minha ao curso, tá formando pra
todos os discentes têm oportunidade de entrar quê? É uma formação muito elitista, muito de
consultório particular, que eu não desmereço,
em contato, o que gera queixa quanto à mas não é pra mim também, é muita
formação. psicanálise e aí é a gente que tem que fazer
alguma coisa pra ir mudando isso, conversar
Sinceramente, pra falar de disciplina, são com a coordenação, fazer abaixo-assinado,
poucas, o que me ajudou muito mais foram as eventos, trazer outras coisas, porque eu acho
supervisões dos estágios, extensão, eventos muito limitante a nossa grade. (Gabriela, 2.
fora (simpósio, roda de conversa da Entrevista)
ABRAPSO, que por mais que levassem um Acho que na graduação, e não só aqui na
tema específico, dá pra pensar em grupo). UFU, não acho que seja uma coisa da UFU, se
Então eu acho que é mais uma vivência de não correr atrás dessa formação, ela não
fora do que da grade. (Gabriela, 2. Entrevista) acontece. [...] me incomoda quando eu vejo a
quantidade de pessoas que saem da graduação
É nesse movimento de buscar por fora e prestam concurso público e vão passar e vão
trabalhar com saúde coletiva e vão chegar lá e
do que é original e obrigatoriamente oferecido vão fazer grupos que nada mais são que a
pela universidade, e principalmente nas ampliação de uma prática clínica individual e
atividades práticas, que as discentes aí a gente tem na saúde pública atendimentos
conseguem mediar o conteúdo teórico à individuais que são prioridades ainda e não é
vivência prática, à realidade diversa, que é isso que o SUS preconiza. Acho que tudo isso
vem da formação. (Betina, 2. Entrevista)
bem diferente do que geralmente é encontrado
nos livros.
Scarcelli e Junqueira (2011) dizem
[...] agora na sala de espera não, você chega lá
que, devido à formação ser insuficiente, os
do nada, forma um grupo ali do nada e do estudantes saem da graduação não se
nada sai um monte de coisas, tinha grupo que adequando à realidade encontrada, não
durava uma hora e meia e era paulera, tinha conseguindo adaptar a parte teórica aprendida
grupo que era cinco minutos porque de à atuação, saem sem ter realizado atividades
repente o povo ia pra consulta e era um atrás
do outro. (Gabriela, 2. Entrevista)
práticas satisfatórias e muitas vezes sem
conhecimento suficiente acerca do sistema
Pensando na imprevisibilidade que público de saúde e das políticas públicas e,
contribui para a formação no ato, que faz consequentemente, incapazes de atuar nesse
pensar constantemente a atuação como âmbito. Todavia, a área da saúde é a que mais
profissionais de saúde, as estagiárias queixam tem contratado psicólogos nos últimos anos,
não se sentirem preparadas para o serviço sendo assim, é importante que as práticas
público com a formação básica oferecida pelo desenvolvidas tenham envolvimento social e
curso de Psicologia e pela universidade. Com sejam fundamentadas de acordo com o
isso, elas se sentem felizes por terem público atendido e com todo o contexto, e não
aproveitado a oportunidade de experimentar a uma mera adaptação do contexto clínico
sala de espera, que não abrange todos os (Pires & Braga, 2009).
discentes de Psicologia. O currículo é tido É interessante pensar aqui também que
como limitante por apresentar pouca variação inseguranças e medos diante do desconhecido
de conteúdos e pouca prática, o que gera são comuns e que também o é não se sentir
insegurança para atuar e faz com que se vá preparada para realizar alguma prática. Trata-
para a prática sem saber o suficiente. se de um processo contínuo de praticar,
estudar, construir conhecimento, modificar a
Fico muito preocupada com a nossa formação, prática na tentativa de aperfeiçoá-la e assim
tudo me parece muito incoerente, não seguir verificando o que pode dar certo, o que
formamos psicólogos capacitados para não dá. É um movimento dialético constante
estarem em espaços públicos, no entanto é o de construção em que se vai para a prática, se
espaço público que me parece mais oferecer
trabalho atualmente. (Ana Luísa, 2.
repensa tal prática e volta com novas ideias
Entrevista) para uma nova prática.

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Scarcelli e Junqueira (2011) ressaltam, Eu sinto muita falta de teoria, mais disciplinas.
por isso, a importância de programas como o TTG (Teorias e Técnicas de Grupo) foi muito
corrido pra mim. Não que a teoria seja
PET-Saúde, estágios que ocorram em serviços primordial, mas de algum lugar você tem que
públicos, ambientes em que a universidade se se sustentar e aí tem hora que igual eu te falei,
articule aos serviços de saúde, em que haja grupo operativo, junto com construcionismo e
trocas de saberes entre diferentes âmbitos depois na perspectiva histórico-cultural, é
para reflexões e ressignificações das práticas muita informação pra uma cabeça só e eu
fiquei muito perdida. E aí às vezes eu fazia
e políticas públicas. Esses espaços, segundo grupo operativo construcionista e nem sei o
as autoras, devem ser possibilitados não só que saía disso. (Gabriela, 2. Entrevista).
pelo governo, mas incentivados pelas próprias Dentro da grade horária obrigatória, minhas
universidades como meio de construir novas experiências foram bem limitadas, apenas uma
formas de se estar e enxergar esses ambientes disciplina restrita ao tema. Isso por si só já é
limitador, mas apesar de ter aprendido
sem perder a base teórica que as orienta. algumas correntes teóricas e ter experienciado
o lugar de coordenação de grupo, vejo que não
Se não fosse esse procurar por fora, não me preencheu tanto em termos de formação,
haveria experiência nenhuma porque eu sei de especialmente por termos aprendido apenas
muitas pessoas da minha sala que saem daqui uma forma de fazer grupo, e sua execução se
não tendo a mínima noção de como fazer restringia a poucos espaços (Ana Luísa, 2.
grupo, ou tendo uma noção que é de senso Entrevista).
comum entre aspas de tudo que já viu na
graduação, de transpor uma prática clínica, de
atendimento individual, pra uma prática
Segundo pesquisa realizada por Neto e
grupal, e não é isso, acho que grupo é um Kind (2010), a maioria dos profissionais
dispositivo que exige um estudo sobre grupos. afirma não terem sido preparados para
(Betina, 2. Entrevista) realizar atividades grupais e que esse
aprendizado se deu com a própria prática. Os
É importante que a prática grupal não autores supõem que entre os profissionais
seja uma transposição da prática clínica, pois, entrevistados o sucesso das atividades em
assim como Betina comenta, o trabalho com grupo se dá devido principalmente à
grupos exige estudo, justamente por ser um disposição deles em aprender e não tanto pela
potente dispositivo. Entre os aspectos teoria e metodologia utilizadas.
positivos do trabalho com grupos, há a
integração entre profissionais e usuários, Considerações finais: as rodas de conversas
estreitamento dos laços da instituição e e formação
comunidade que auxilia na confiança e
melhor desenvolvimento do trabalho e Os espaços de formação em Psicologia
consequente aproximação com a vida devem promover reflexões e debates sobre
cotidiana. É destaque que os grupos são saúde pública e questões sociais,
dispositivos promotores de saúde e que a possibilitando novas maneiras de se
detecção de doenças não é a única forma de estar/atuar nesses ambientes, pois é a partir
cuidado (Souza & Santos, 2012). disso que será possível a transformação
Mais especificamente quanto à desses espaços de saúde. A partir das
formação para o trabalho com grupos, existe a entrevistas realizadas, percebemos que a
queixa das entrevistadas de terem graduação ainda tem sido insuficiente para a
oportunidade em conhecer poucas variações, atuação desse profissional na saúde pública,
a maioria de forma rasa, o que em alguns visto que são poucas disciplinas obrigatórias e
momentos parece ter apenas confundido, optativas que fundamentam discussões sobre
como é dito nas falas abaixo: “saúde pública”, ou mais especificamente
sobre modos de atuação diferentes da clínica
Só que eu acho que na graduação a gente tradicional.
deveria ver esses e outros tipos de grupos [...].
(Betina, 2. Entrevista).
Em algumas falas, as estagiárias
disseram que a experiência na sala de espera,

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por ser em um ambiente imprevisível, é bem Mas, para além dos afetos produzidos
ampla e contribuiu para a formação dos nos sujeitos, nossa pesquisa identificou que as
profissionais de Psicologia. O exercício de rodas de conversa possibilitaram
atuar em um ambiente inusitado permitiu que envolvimento das estagiárias e, por ser esta
reflexões fossem feitas pelas estagiárias e, uma forma de trabalho que elas consideraram
pensando na formação, a experiência com as eficaz, mesmo que não tenham tido cem por
rodas de conversa se relaciona, na medida em cento de acertos, buscariam trabalhar com
que se mostra formadora não só para o base nessa experiência em seus âmbitos de
trabalho com grupos, mas de forma pessoal, atuação. Foi uma experiência ampla e cheia
também ajudando na superação de medos, de imprevisibilidades que serviu para mostrar
nervosismo e insegurança na realização do que elas não precisam temer inovar, sair do
trabalho na saúde pública, dando confiança na lugar, fazer diferente do que se é acostumado
execução dele e sensibilidade para conseguir a fazer.
realmente escutar o outro, para construir bons O presente trabalho se faz relevante na
relacionamentos e vínculos como profissional medida em que as rodas de conversa na sala
de Psicologia. de espera de um serviço público possibilitam
A experiência mostrou na prática outra forma de o psicólogo estar nos serviços
como a promoção da saúde é importante e públicos de maneira contextualizada e
exemplificou formas de se realizar isso no política. Como parte constituinte da formação
serviço público, sendo útil para cada uma das das respectivas profissionais de Psicologia,
estagiárias como profissionais de Psicologia. enxergamos potência por possibilitar que elas
Aprenderam também sobre a importância de próprias experienciassem e avaliassem o
se manter uma posição horizontal com os trabalho realizado, avaliando também de que
usuários sem deixar de lado todo o forma a graduação contribuiu para que a
conhecimento construído ao longo da Psicologia estivesse na rede pública de
formação, aprenderam a se utilizar desse maneira diversa da clínica individual e
conhecimento na atuação sem ser necessário privada.
se mostrar superior aos usuários do serviço, já Muitos trabalhos discutem as lacunas
que, na roda de conversa, não existe ninguém na formação em Psicologia, mas, este trabalho
a frente ou atrás de ninguém e as relações se propôs uma investigação com recém-
dão horizontalmente, fazendo com que os formados, pensando seu processo de
usuários sejam indivíduos ativos, reflexivos, formação, em uma proposta quase de
críticos e se impliquem perante a realidade. avaliação do serviço proposto. Assim, realizar
As rodas de conversa realizadas pelas o grupo durante um ano e avaliar o trabalho
entrevistadas tinham como objetivo indica um diferencial que pode ser adotado
transformar o sentido cristalizado de não apenas para pensar a formação, mas
“aguardar”, e a conversa iniciada com um também como para pensar os serviços
recurso estético tinha o intuito de despertar oferecidos à comunidade.
afetos nos sujeitos. O psicólogo buscava
instigar reflexões acerca do cotidiano com os Referências
usuários, redescobrir potências do sujeito e de
cada grupo que se forma e tornar os usuários Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2006).
ativos em seus processos e na rede de saúde Núcleos de significação como
por meio de um espaço de trocas de instrumento para a apreensão da
conhecimento, ideias, experiências, constituição dos sentidos. Psicologia:
sentimentos, de escuta, um espaço em que os Ciência e Profissão, 26(2), 222-245.
usuários têm voz. Do contato com outros Andaló, C. S. A. (2006). Mediação grupal:
sujeitos, em forma de grupo, podem surgir uma leitura histórico-cultural. São
novas demandas, podem-se alcançar novos Paulo: Ágora.
espaços.

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